PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL - repositorio.unicamp.br · entre Países em Desenvolvimento...

438
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL ANYANWU (O DESPERTAR): O SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS E A INCORPORAÇÃO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL CAMPINAS 2018

Transcript of PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL - repositorio.unicamp.br · entre Países em Desenvolvimento...

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL

ANYANWU (O DESPERTAR):

O SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS

E A INCORPORAÇÃO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL

CAMPINAS

2018

PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL

ANYANWU (O DESPERTAR)

O SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS

E A INCORPORAÇÃO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Ciência Política.

Orientador: PROF. DR. REGINALDO CARMELLO CORRÊA DE MORAES

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL E ORIENTADA PELO PROF. DR. REGINALDO CARMELLO CORRÊA DE MORAES.

CAMPINAS

2018

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos

Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 22 de março de

2018, considerou a candidata Patricia Nogueira Rinaldi Victal aprovada.

Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes

Prof. Dr. Sebastião Carlos Velasco e Cruz

Prof. Dr. Paulo Cesar Souza Manduca

Profa. Dra. Monica Herz

Profa. Dra. Claudia Francisca Fuentes Julio

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no

processo de vida acadêmica da aluna.

Às Vozes do Sul.

AGRADECIMENTOS

Ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e ao Programa de Pós-Graduação

em Ciência Política, pela formação de doutora.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo

financiamento do estágio no exterior – doutorado sanduíche.

Ao Professor Doutor Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, por sua orientação e

apoio na realização dessa pesquisa, agradeço seus comentários precisos e construtivos.

Aos Professores Doutores Sebastião Velasco e Cruz, Paulo Cesar Souza Manduca,

Monica Herz e Claudia Francisca Fuentes Julio, pelo aceite em fazer parte da banca de

avaliação dessa pesquisa.

À Secretaria de Pós-Graduação em Ciência Política, pela ajuda atenciosa em todos

os procedimentos necessários.

Ao Ralph Bunche Institute for International Studies, The Graduate Center, City

University of New York, e, em especial, ao Professor Thomas Weiss, por ter aceitado ser

meu mentor no período de doutorado sanduíche. Seu apoio foi fundamental para a

definição e o desenvolvimento da pesquisa.

Aos demais professores e à equipe do Ralph Bunche Institute: Professora

Stephanie Golob, Nancy Okada e Eli Karetny, pela calorosa acolhida.

Às seguintes entidades do SDNU, pelas valiosas contribuições à essa pesquisa:

Biblioteca da ONU Dag Hammarskjöld;

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD);

Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (UNDESA)

Departamento de Informações Públicas da ONU (UN-DPI);

Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC);

Escritório do Enviado Especial para a África;

Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF);

Fundo Populacional das Nações Unidas (UNFPA);

Grupo de Desenvolvimento da ONU (UNDG);

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD);

Seção da ONU para o Gerenciamento de Arquivos e Registros (ARMS).

Às Missões Permanentes dos seguintes países, que gentilmente colaboraram com

essa pesquisa:

Missão Permanente da Alemanha na ONU;

Missão Permanente da Colômbia na ONU;

Missão Permanente da União Europeia na ONU;

Missão Permanente do Canadá na ONU;

Missão Permanente do Chile na ONU;

Missão Permanente do Japão na ONU;

Missão Permanente do México na ONU.

Um agradecimento especial à Missão Permanente do Brasil na ONU e aos vários

diplomatas brasileiros que me ajudaram a entender melhor a ONU e o tema da

Cooperação Sul-Sul.

Às Faculdades de Campinas, agradeço aos diretores Professores João Manuel

Cardoso de Mello, Liana Aureliano, Luiz Gonzaga Belluzzo e Rodrigo Sabbatini, pela

confiança em meu trabalho. Aos Professores Alessandro Ortuso e Waldir Quadros, e aos

demais colegas professores do curso de Relações Internacionais da FACAMP, pela

oportunidade constante de ensinar e aprender.

À Mad’leyne Rodrigues e Larissa Maciel, pelo apoio fundamental na transcrição

das entrevistas.

Aos amigos que fiz em minha estadia em Nova York:

À Natália Frozel e à Anne Hierro, pelo grupo de estudos regado à bubble

tea e arepas colombianas;

À Paul Celentano e Nina Conelly, por me ambientarem e mostrarem o

melhor da cultura nova iorquina;

Às luncheon gals, Sally Sharif, Sarah Shah e Anaïs Wong, pela companhia

nos almoços na CUNY.

Às essas mulheres, profissionais e amigas maravilhosas, Talita Pinotti e Roberta

Machado. Que sorte a minha de tê-las! Muito desse trabalho devo ao apoio de vocês.

Aquele agradecimento de coração.

Aos meus alunos, que me dão tantas oportunidades de aprender e melhorar. Um

agradecimento especial a todos os Famuners.

Aos meus familiares e amigos, será impossível nomear todos, agradeço a

compreensão em relação às ausências necessárias para a conclusão dessa etapa e todo o

apoio!

Aos meus pais, Dulcineia e Maurício Rinaldi, agradeço, com todo o amor, pelo

apoio incondicional para que eu possa realizar meus projetos!

À minha mimã, Sis, Kamila Rinaldi, por ser a melhor amiga, o apoio

imprescindível com comidinhas, ballet, filmes e música. Amor de irmã é amor

incondicional!

Ao meu parceiro de jornada, Aluísio Victal: concluir essa pesquisa não seria

possível sem você, sem sua presença, sem seu apoio nas coisas do dia a dia e sem sua

capacidade de tornar os pequenos momentos extraordinários. Você e eu, de mãos dadas,

com amor!

RESUMO

A pesquisa discute o Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU) e o

processo de incorporação (mainstreaming) da Cooperação Sul-Sul (CSS) como parte

regular de seus trabalhos na área do desenvolvimento, cobrindo o período de 1970-2015.

A análise considera a história das ideias de desenvolvimento e CSS a partir das

negociações políticas que ocorrem na sede na ONU, em Nova Iorque, entre a chamada

Primeira ONU (formada por seus Estados-membros) e a Segunda ONU (formada pelos

funcionários civis internacionais que trabalham para o Secretariado da organização). Com

base na divisão Norte x Sul e nas barreiras atitudinais do Secretariado da ONU, a pesquisa

discutirá os seguintes problemas: a incorporação da ideia de CSS no quadro normativo

do SDNU; o impacto da incorporação operacional da CSS na governança do SDNU; e o

financiamento da integração da CSS no SDNU. Devido ao seu papel em campo, a

pesquisa dará destaque à atuação do Programa das Nações Unidas (PNUD) na promoção

da CSS.

Palavras-chave: Cooperação Internacional para o Desenvolvimento; Cooperação Sul-

Sul; Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas; Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento; Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul.

ABSTRACT

The research discusses the United Nations Development System (UNDS) and the process

of mainstreaming South-South Cooperation (SSC) as part of its regular work in the area

of development, covering the period of 1970-2015. The study considers the history of the

ideas of development and SSC by analyzing political negotiations that occur at the United

Nations (UN) Headquarters, in New York, between the so-called First UN (composed by

its Member States) and the Second UN (composed by the international civil servants who

work for the Secretariat). Based upon the North-South divide and the attitudinal barriers

of the Secretariat, the research will discuss the following issues: the incorporation of the

idea of SSC in the normative framework of the UNDS; the impact of the operational

incorporation of SSC in the governance of the UNDS; and the financing for integrating

SSC in the UNDS. Due to its role in the field, the research will highlight the performance

of the United Nations Development Programme (UNDP) in the promotion of SSC.

Keywords: International Development Cooperation; South-South Cooperation; United

Nations Development System; United Nations Development Programme; United Nations

Office for South-South Cooperation.

LISTA DE IMAGENS, FIGURAS, GRÁFICOS E QUADROS

IMAGENS

Imagem 1 – Embaixador Adebo (esq.) cumprimenta o Secretário-Geral U Thant (centro) na presença do artista Bem Enwonwu (dir.) ................................................................... 23

Imagem 2 – Estátua Anyanwu, de Ben Enwonwu ......................................................... 24

FIGURAS

Figura 1 – Emblema da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (1978) .................................................................... 113

Figura 2 – Tendência do financiamento total das atividades operacionais para o desenvolvimento da ONU (recursos centrais e especificados, 1995-2014) ................. 337

Figura 3 – Cota parte do comércio Sul-Sul no comércio global (1980-2011, em porcentagem) ................................................................................................................ 343

Figura 4 – Comparação entre os recursos do PNUD e da SU-SSC (2002-2010, em US$ 100 milhões de dólares para o PNUD e US$ milhões de dólares para a SU-SSC) ...... 357

Figura 5 – Contribuições financeiras para o Fundo IBAS (em US$ dólares) .............. 369

Figura 6 – Implementação financeira dos projetos do Fundo IBAS (em US$ dólares) 370

GRÁFICOS

Gráfico 1 – Qual seriam os impactos positivos das potências emergentes no SDNU quando comparadas aos países desenvolvidos?............................................................ 256

Gráfico 2 – Avaliação dos escritórios nacionais do PNUD sobre o progresso da CSS 289

Gráfico 3 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1960-1969, em porcentagem) ................................................................................................ 307

Gráfico 4 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1970-1978, em porcentagem) ................................................................................................ 312

Gráfico 5 – Contribuições para o SDNU* para o financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento (1996-1999, em milhões de dólares) ................ 326

Gráfico 6 – Alocações anuais de recursos do PGTF (1990-1999, em milhares de dólares) ......................................................................................................................... 330

Gráfico 7 – Modalidades de financiamento não-central para as atividades operacionais para o desenvolvimento da ONU (2014, em porcentagem) ......................................... 339

Gráfico 8 – Contribuições por tipos de doadores estatais (2013) ................................. 341

Gráfico 9 – Recursos concessionais para a Cooperação (2006-2013, em bilhões de dólares) ......................................................................................................................... 346

Gráfico 10 – Gastos e contribuições especificadas do PNUD (2006-2014, em bilhões de dólares) ......................................................................................................................... 356

Gráfico 11 – Recursos da SU-SSC e do UNOSSC (2001-2017, em US$ milhões de dólares) ......................................................................................................................... 358

Gráfico 12 – Recursos centrais da SU-SSC/do UNOSSC (2001-2011, em US$ milhões de dólares)..................................................................................................................... 359

Gráfico 13 – Recursos centrais da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação (2005-2017, em US$ milhões de dólares) ............................................................................... 360

Gráfico 14 – Contribuições para o Fundo das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (2004-2015, em US$ milhões de dólares) .................................................................... 363

Gráfico 15 – Recursos especificados da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação (2005-2017, em US$ milhões de dólares) .................................................................... 364

Gráfico 16 – Contribuições dos Estados-membros do G-77 para o PGTF (2000-2015, em US$ milhares de dólares) ........................................................................................ 367

Gráfico 17 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por região geográfica (2015, em porcentagem) ................................................................................................................ 371

Gráfico 18 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por área temática (2015, em porcentagem) ................................................................................................................ 372

QUADROS

Quadro 1 – Papeis do SDNU na promoção da CSS ..................................................... 175

Quadro 2 – Ideias mobilizadas no BAPA e no Resultado de Nairóbi .......................... 181

Quadro 3 – Categoria e número de funcionários da SU-TCDC ................................... 216

Quadro 4 – Utilização de especialistas dos PEDs nos programas de cooperação técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)............................................................. 221

Quadro 5 – Contratação de empresas dos PEDs nos programas de cooperação técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)............................................................. 222

Quadro 6 – Resultados do desempenho da SU-SSC na implementação do Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007) no PNUD ......................................... 241

Quadro 7 – Incorporação da CSS nos UNDAFs a presença de pontos focais nos escritórios nacionais ..................................................................................................... 245

Quadro 8 – Avaliação dos coordenadores residentes acerca da contribuição do PNUD para a CSS (2003-2007) ............................................................................................... 246

Quadro 9 – Avaliação dos coordenadores residentes sobre a eficácia da SU-SSC em integrar a modalidade em seu país, no PNUD e em outras agências da ONU ............. 247

Quadro 10 – Número de funcionários da SU-SSC em 1998 e 2007 ............................ 248

Quadro 11 – Participação nos encontros do HLC-SSC (1997-2010) ........................... 260

Quadro 12 – Número de funcionários da SU-SSC, 1998-2010 .................................... 267

Quadro 13 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU – Área de Avaliação (Assessment) ........................................................................................... 274

Quadro 14 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU – Área de Integração................................................................................................................. 275

Quadro 15 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU – Área de Monitoramento do Progresso ................................................................................... 277

Quadro 16 – Pesquisa sobre o envolvimento dos países e da ONU no apoio à CSS ... 286

Quadro 17 – Áreas de apoio da ONU para a promoção CSS (em número de respostas) ...................................................................................................................................... 287

Quadro 18 – Tipos de instrumentos de financiamento do SDNU ................................ 301

Quadro 19 – Financiamento do EPTA, 1951 e 1956 .................................................... 304

Quadro 20 – Alocação dos recursos do PNUD por agência executora (1967-1977, por porcentagem.................................................................................................................. 313

Quadro 21 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1985-1986, em milhões de dólares) ......................................................................................................................... 318

Quadro 22 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1987-1988, em milhares de dólares) ......................................................................................................................... 319

Quadro 23 – Recursos para o projeto “Promoção de ações orientadas para as atividades de CTPD” (1983-1984) ................................................................................................ 320

Quadro 24 – Gastos com CTPD por 12 entidades do SDNU (1985, em porcentagem) 322

Quadro 25 – Alocação anual dos recursos do PGTF (1987-1989, em milhares de dólares) ......................................................................................................................... 324

Quadro 26 – Uso dos IPFs do PNUD em CTPD (1989-1990, em milhares de dólares) ...................................................................................................................................... 328

Quadro 27 – Recursos alocados para a SU-TCDC no Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD (1992-1996) ............................................................................................ 329

Quadro 28 – Contribuições de Estados-membros para o PGTF (1998-1999) .............. 331

Quadro 29 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições (1987-1996) ............................................................................................................................. 332

Quadro 30 – AOD: Alocação total, multilateral e para o SDNU (2006 e 2013) .......... 337

Quadro 31 – Tipos de instrumentos de financiamento da CSS .................................... 348

Quadro 32 – Orçamento das atividades e projetos de cooperação triangular (2012-2015, em US$ dólares) ........................................................................................................... 354

Quadro 33 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições (1997-2012) ............................................................................................................................. 368

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAA Agenda de Ação de Accra

AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas

AOD Assistência oficial ao desenvolvimento (do inglês, Official

Development Assistance)

BAPA Plano de Ação de Buenos Aires para a Promoção e a Implementação

da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (do

inglês, Buenos Aires Plan of Action for Promoting and

Implementing Technical Cooperation among Developing

Countries)

BICS Brasil, Índia, China e África do Sul

BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CAD-OCDE Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a

Cooperação Econômica e Desenvolvimento (do inglês

Development Assistance Committee)

CEPAL Comissão Econômica da ONU para a América Latina (de 1948 a

1983); e Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o

Caribe (a partir de 1984).

CEPD Cooperação Econômica entre Países em Desenvolvimento

CNS Cooperação Norte-Sul

CSS Cooperação Sul-Sul

CTPD Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento

DAD Diretório de Assistência ao Desenvolvimento (do inglês

Development Assistance Directorate)

DAG Grupo de Assistência ao Desenvolvimento (do inglês Development

Assistance Group)

DCD Diretório de Cooperação para o Desenvolvimento (do inglês

Development Co-operation Directorate)

DCF Fórum sobre Cooperação para o Desenvolvimento (do inglês,

Development Cooperation Forum)

ECA Comissão Econômica para a África (do inglês Economic

Commission for Africa)

ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

ECWA Comissão Econômica para a Ásia Ocidental (do inglês, Economic

Commission for Western Asia)

EPTA Programa Expandido de Assistência Técnica para o

Desenvolvimento Econômico dos Países Subdesenvolvidos (do

inglês, Expanded Programme of Technical Assistance for

Economic Development of Under-developed Countries)

ESCAP Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (do inglês,

Economic and Social Commission for Asia and the Pacific)

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

(do inglês, Food and Agriculture Organization)

FMI Fundo Monetário Internacional

G-20 Grupo dos Vinte

G-77 Grupo dos Setenta e Sete

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio (do inglês, General Agreement

on Tariffs and Trade)

GSSD-Academy Academia Global de Desenvolvimento Sul-Sul (do inglês, Global

South-South Development Academy)

GSSD-Expo

Expo Global de Desenvolvimento Sul-Sul (do inglês, Global South-

South Development Expo)

HLC-SSC Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul (do inglês, High-

Level Committee on South-South Cooperation)

HLC-TCDC Comitê de Alto Nível para a Revisão da Cooperação Técnica entre

os Países em Desenvolvimento (do inglês, High-Level Committee

on Technical Cooperation among Developing Countries)

IBAS Índia, Brasil e África do Sul

IED Investimentos externos diretos

INRES Sistema de Informação de Referência (do inglês, Information

Referral System)

IPFs Estimativas de Volume de Recursos (do inglês, Indicative Planning

Figures)

JICA Agência Japonesa de Cooperação Internacional do Japão (do inglês,

Japan International Cooperation Agency)

JUSCANZ Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia

MIST México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia

MNA Movimento dos Não-Alinhados

NOEI Nova Ordem Econômica Internacional

OCDE Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento

ODMs Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

OIC Organização Internacional do Comércio

OIs Organizações Internacionais

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMC Organização Mundial do Comércio

OMS Organização Mundial da Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

ONUDI Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial

OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

PDs Países desenvolvidos

PEDs Países em desenvolvimento

PGTF Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e

Econômica entre Países em Desenvolvimento/ Cooperação Sul-Sul

(do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund)

PIB Produto interno bruto

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

QCPR Revisão Política Compreensiva Quadrienal (do inglês, Quadrennial

Comprehensive Policy Review)

SDNU Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas

SPR Recursos para Programas Especiais (do inglês, Special Programme

Resources)

SS-GATE Sistema Global de Intercâmbio de Ativos e Tecnologia Sul-Sul (do

inglês, South-South Global Assets and Technology Exchange)

SUNFED Fundo Especial das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Econômico (do inglês, Special United Nations Fund for Economic

Development)

SU-SSC Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul (do inglês, Special

Unit on South-South Cooperation)

SU-TCDC Unidade Especial para a Cooperação Técnica entre os Países em

Desenvolvimento (do inglês, Special Unit on Technical

Cooperation among Developing Countries)

TCPR Revisão Política Compreensiva Trienal (do inglês, Triennial

Comprehensive Policy Review)

TODA ODA total (do inglês, Total Official Development Assistance)

UNBISnet Sistema de Informações Bibliográficas das Nações Unidas (inglês,

United Nations Bibliographic Information System).

UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e

Desenvolvimento (do inglês, United Nations Conference on Trade

and Development)

UNDAF Quadro de Ajuda ao Desenvolvimento das Nações Unidas (do

inglês, United Nations Development Assistance Framework)

UNDG Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (do inglês, United

Nations Development Group)

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

UNFPA Fundo Populacional das Nações Unidas

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNOPS Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (do inglês,

United Nations Office for Project Services)

UNOSSC Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (do inglês,

United Nations Office on South-South Cooperation)

UNRRA Administração das Nações Unidas para Auxílio e Reabilitação (do

inglês, United Nations Relief and Rehabilitation Administration)

WIDE Rede de Informação para o Desenvolvimento (do inglês, Web of

Information for Development)

SUMÁRIO PRÓLOGO ..................................................................................................................... 23

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 25 I. Recorte do objeto e objetivos ................................................................... 26 II. Problematização e conceitos centrais ....................................................... 29 III. Hipóteses e embasamento teórico ............................................................ 44 IV. Metodologia de pesquisa .......................................................................... 48

PARTE 1 - O DESPERTAR DO SUL .......................................................................... 52

A incorporação da ideia de Cooperação Sul-Sul no Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas ............................................................................................................... 52

CAPÍTULO 1 - O PAPEL DAS IDEIAS NA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO E AS ORIGENS DA IDEIA DE CSS NA ONU ......................................................................................... 54

1.1. As ideias e as decisões dos Estados-membros na Primeira ONU ..... 55 1.2. As ideias e os arranjos de implementação da Segunda ONU ........... 58 1.3. A ONU como um ator intelectual ..................................................... 62 1.4. Origens: a ideia de ajuda externa ao desenvolvimento, a consolidação do Terceiro Mundo e o papel da ONU (anos 1950-1960)............................ 64

1.4.1. A dádiva como razão de ser da cooperação internacional para o desenvolvimento: o contexto da Guerra Fria e o processo de descolonização .......................................................................................... 65 1.4.2. A ONU, o desenvolvimento e a criação das atividades de assistência técnica ..................................................................................... 69 1.4.3. O Espírito de Bandung .................................................................. 78 1.4.4. As demandas de desenvolvimento do Terceiro Mundo na ONU .. 83 1.4.5. A criação do PNUD ....................................................................... 89

CAPÍTULO 2 – A EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DA IDEIA DE COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO COMO UMA NOVA DIMENSÃO DA COOPERAÇÃO TÉCNICA TRADICIONAL DA ONU (ANOS 1970-1980) ...................................................... 95

2.1. Origens: a Nova Ordem Econômica Internacional e a ideia da CTPD 96 2.2. As primeiras iniciativas desenvolvidas pelo SDNU nos anos 1970: a ideia de CTPD como uso das capacidades nacionais ................................. 102 2.3. A Conferência de Buenos Aires e seu Plano de Ação: ideia de autossuficiência nacional e coletiva ........................................................... 108

2.3.1. Preparação para a Conferência .................................................... 108 2.3.2. As negociações em Buenos Aires ............................................... 111 2.3.3. O conteúdo do Plano de Ação de Buenos Aires (BAPA) ........... 118

2.4. A ideia de integração da CTPD no SDNU nos anos 1980 .............. 124

CAPÍTULO 3 – A IDEIA DE COOPERAÇÃO SUL-SUL E SUA INCORPORAÇÃO NO SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS (ANOS 1990-2000) .................................................................................. 133

3.1 A cooperação entre os países em desenvolvimento na era da globalização: as Novas Direções (1995) .................................................... 134

3.1.1 Novas Direções: a ideia de integração entre a cooperação técnica e a cooperação econômica entre os países em desenvolvimento e o papel dos países-pivô ....................................................................................... 141

3.2 As chamadas potências emergentes e o redespertar da Cooperação Sul-Sul nos anos 2000 ................................................................................ 146

3.2.1 A incorporação da CSS no SDNU entre 2000 a 2006 ................. 152 3.3 A reação dos países desenvolvidos: os princípios da eficácia da ajuda 158 3.4 A Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul e o Resultado de Nairóbi: as ideias atuais de Cooperação Sul-Sul .................. 163

3.4.1 O Resultado de Nairóbi ................................................................ 167 3.5 O Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012) e a inclusão da modalidade na Agenda 2030 ...................................................................... 172

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE I ................................................... 179

PARTE 2 - O LUGAR DO SUL AO SOL ................................................................... 183

O impacto da Cooperação Sul-Sul na governança do Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas ............................................................................................................. 183

CAPÍTULO 4 – O CONCEITO DE GOVERNANÇA DO SDNU E O LUGAR DA CSS .................................................................................................................... 184

4.1 O conceito de governança global .................................................... 185 4.2 O (não)-papel da ONU na governança econômica global e as mudanças na área da cooperação internacional para o desenvolvimento .. 187 4.3 A governança do SDNU .................................................................. 192 4.4 A governança do SDNU para a CSS ............................................... 198

CAPÍTULO 5 – AS FASES DA GOVERNANÇA DO SDNU E A INCORPORAÇÃO OPERACIONAL DA CSS ................................................... 205

5.1 Fase 1 – As origens funcionalistas da governança do SDNU (1945-1950) 206 5.2 Fase 2 – A consolidação da estrutura nacional de governança do SDNU e as barreiras atitudinais à integração da CTPD (1960-1980) ........ 207

5.2.1 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1970: estabelecimento de pontos focais e procedimentos para o uso da CTPD nos programas de cooperação técnica .................................................... 209 5.2.2 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1980: enfrentando as barreiras atitudinais ............................................................................ 214

5.2.2.1. SU-TCDC .............................................................................. 215

5.2.2.2. PNUD .................................................................................... 219 5.2.2.3. Pontos focais das entidades do SDNU .................................. 223

5.3 Fase 3 – A descentralização e fragmentação da governança do SDNU e as tentativas de padronização sistêmica da CTPD (1990 aos dias atuais) 226

5.3.1 As Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos relativos à CTPD (1997 e 2003) .................................... 229 5.3.2 A relação entre o PNUD e a SU-TCDC e os Quadros de Cooperação para a CTPD (1997-1999; 2001-2003; 2005-2007) ........... 234

5.3.2.1 Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD (1997-1999) . 234 5.3.2.2 Segundo Quadro de Cooperação para a CTPD (2001-2003) . 236 5.3.2.3 Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007) .... 239 5.3.2.4 Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-2011) ....... 242

5.3.3 A avaliação do PNUD sobre sua contribuição para a integração da CSS (1996-2007) .................................................................................... 243

CAPÍTULO 6 – AS LACUNAS DA GOVERNANÇA DO SDNU PARA A INCORPORAÇÃO DA CSS (2008-2015) ............................................................. 249

6.1 Lacunas de conhecimento ............................................................... 250 6.2 Lacunas normativas ......................................................................... 255 6.3 Lacunas institucionais ..................................................................... 264 6.4 Lacunas políticas ............................................................................. 270

6.4.1 A coordenação sistêmica da CSS por meio da Revisão Política Compreensiva Trienal/Quadrienal .......................................................... 271 6.4.2 Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012) ................................. 273 6.4.3 Quadro Estratégico do UNOSSC (2014- 2017) ........................... 278 6.4.4 Planos Estratégicos do PNUD (2008-2011 e 2014-2017)............ 281 6.4.5 Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação Sul-Sul e Triangular para o Desenvolvimento Sustentável (2016) ........................ 282

6.5 Lacunas de cumprimento (compliance) .......................................... 285

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE II .................................................. 291

PARTE 3 – A GRADUAÇÃO DO SUL? .................................................................... 294

O financiamento da integração da Cooperação Sul-Sul no SDNU .......................... 294

CAPÍTULO 7 – A ESTRUTURA DE FINANCIAMENTO DO SDNU E O FINANCIAMENTO DA CSS (1945-1990) ........................................................... 296

7.1 A estrutura de financiamento do SDNU ......................................... 297 7.2 A criação dos primeiros instrumentos de financiamento da cooperação técnica para o desenvolvimento na ONU (1945-1960) ........... 303 7.3 A crise financeira do SDNU e o estabelecimento dos instrumentos de financiamento da CTPD (1970-1980) ........................................................ 308

7.3.1. A questão do financiamento da CTPD no BAPA (1978) ............ 314 7.3.2. As tentativas de sistematização do financiamento do SDNU para a CTPD nos anos 1980 .............................................................................. 316

7.3.2.1 O uso das IPFs ....................................................................... 316 7.3.2.2 Recursos para Programas Especiais ....................................... 319 7.3.2.3 Uso dos recursos pelas entidades do SDNU .......................... 320 7.3.2.4 Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países em Desenvolvimento (PGTF) ...................... 323

7.4 A descentralização do financiamento do SDNU e da CTPD (1990) 325

7.4.1 O financiamento da CTPD nos anos 1990 ................................... 327 7.4.1.1 A especificação de recursos centrais do PNUD para a CTPD 327 7.4.1.2 Os recursos da SU-TCDC: o Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD e o Fundo Fiduciário para a Cooperação Sul-Sul ......... 328 7.4.1.3 Medidas para a expansão dos recursos do PGTF ................... 330

CAPÍTULO 8 – OS CHAMADOS DOADORES EMERGENTES E O FINANCIAMENTO DA CSS NOS ANOS 2000 .................................................. 334

8.1 O financiamento do SDNU nos anos 2000 ..................................... 335 8.2 Os doadores emergentes e os tipos de financiamento da CSS ........ 341

8.2.1 A ascensão do Sul ........................................................................ 342 8.2.2 Doadores emergentes e o financiamento da CSS ......................... 345 8.2.3 Tipos de instrumentos de financiamento da CSS ......................... 347

8.3 A reação do CAD-OCDE: cooperação triangular, eficácia da ajuda e graduação dos doadores emergentes .......................................................... 350 8.4 O financiamento do SDNU destinado à CSS .................................. 355

8.4.1 Recursos centrais .......................................................................... 359 8.4.2 Recursos especificados: Fundo das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul ................................................................................ 362 8.4.3 Recursos Especificados: Fundo Fiduciário Pérez Guerrero (PGTF) 367 8.4.4 Recursos especificados: Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome 368

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE III ................................................ 374

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 378

Para ver a Cooperação Sul-Sul, é necessário sair de Nova York .............................. 378

ANEXO – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM DIPLOMATA BRASILEIRO ...................................................................................................................................... 423

23

PRÓLOGO Em um dia de curso na sala do Conselho Econômico e Social, na sede Organização

das Nações Unidas (ONU), por ocasião de meu doutorado sanduíche na cidade de Nova

York, ao passar pelo corredor entre a sala do Conselho de Segurança e do Conselho de

Tutela me deparei com uma enorme estátua de bronze, de uma mulher lânguida. Na

inscrição: “Presenteada pelo Governo e pelo Povo da República da Nigéria”.

Ao final do dia, fui até o Centro de Informações Públicas da ONU, e solicitei o

guia de presentes dados à organização, que fica disponível para a consulta de visitantes.

Eis que me deparei com a história de Anyanwu, que muito refletia o espírito da pesquisa

que fui realizar nessa jornada:

Em 5 de outubro 1966, na sede da ONU, em Nova York, o Embaixador nigeriano

Simeon Olaosebikan Adebo presenteou o então Secretário-Geral das Nações Unidas, U

Thant, com uma estátua de bronze intitulada Anyanwu (O Despertar), criada pelo

renomado escultor e artista nigeriano Ben Enwonwu.

Imagem 1 – Embaixador Adebo (esq.) cumprimenta o Secretário-Geral U Thant

(centro) na presença do artista Bem Enwonwu (dir.)

Fonte: ONU/Teddy Chen

24

Anyanwu é uma das maiores obras de Enwonwu, por mesclar as tradições

estéticas da tribo Edo-Onitsha (da qual o artista descendia) com as formas de

representação e técnicas plásticas ocidentais. A escultura de bronze, de quase 2 metros,

apresenta uma mulher graciosamente vestida com trajes reais e adornada com joias. Sua

postura imponente remete à uma representação simbólica do despertar do sol (THE BEN

ENWONWU FOUNDATION, 2014; OKEKE-AGULU, 2016).

Imagem 2 – Estátua Anyanwu, de Ben Enwonwu

Fonte: ONU/Michos Tzovaras

O presente foi dado à ONU em comemoração aos 6 anos de independência da

Nigéria, com o objetivo de representar as aspirações de autonomia e liderança global do

país recém independente. Além disso, a estátua ganhou simbolismo internacional: uma

representação da emergência das nações que, desde os anos 1960, iriam se identificar

como o Terceiro Mundo e travar uma luta política por uma ordem global mais justa e

inclusiva.

Esses mesmos desafios e anseios se impõem, hoje, à ONU e ao Sul Global.

25

INTRODUÇÃO

Uma das maiores contribuições da Organização das Nações Unidas (ONU) em

seus mais de 70 anos de existência refere-se ao seu papel no debate sobre a promoção do

desenvolvimento. Sua importância vai desde a definição de conceitos e normas

internacionais, passando pela negociação de agendas globais de desenvolvimento, e,

principalmente, por sua capacidade de forjar compromissos e consensos entre os Estados-

membros.

A ONU não é uma organização monolítica, e apresenta diferentes camadas e

dimensões. Por isso, no debate sobre o desenvolvimento, nem sempre a organização se

posicionou em conformidade com os interesses das grandes potências que a criaram. Pelo

contrário, em vários momentos de sua história, articulou mecanismos normativos e

institucionais para atender às demandas dos países em desenvolvimento (PEDs), como é

o caso de seu apoio na promoção da Cooperação Sul-Sul (CSS).

A CSS é uma modalidade de cooperação entre os países em desenvolvimento que

emergiu nos anos 1960, e envolve projetos de cooperação técnica e econômica orientados

por uma abordagem horizontal. Na CSS, todos os elementos (inputs) são oriundos de

PEDs, como o uso de especialistas, serviços e equipamentos; e a transferência e

compartilhamento de conhecimentos, soluções, competências e tecnologia.

Desde a década de 1970, a ONU – e mais especificamente, o Sistema de

Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU), composto pelas agências e pelos fundos e

programas da ONU dedicados à promoção do desenvolvimento – deu suporte normativo,

institucional, operacional e financeiro para que os PEDs pudessem aprofundar seus laços

de Cooperação Sul-Sul por meio do intercâmbio de soluções para seus problemas de

desenvolvimento.

Entretanto, o apoio do SDNU à CSS ao longo das décadas foi muito mais

declaratório do que operacional; muito mais ad hoc e calcado em iniciativas individuais

do que em um processo sistematizado de apoio. Isso porque o trabalho da organização na

área da cooperação internacional para o desenvolvimento foi historicamente definido pela

lógica da Cooperação Norte-Sul (CNS), isto é, de transferência de recursos, tecnologias

e políticas de desenvolvimento dos PDs para os PEDs, fazendo a ponte entre os países

doadores e os países recipiendários.

26

Já a CSS exigiria que o SDNU trabalhasse de maneira diferente da que estava

acostumada, a partir de uma lógica horizontal de cooperação. O sistema teria que dar o

suporte para que os próprios PEDs encontrassem as soluções de desenvolvimento mais

adequadas a seus respectivos contextos, e ao longo das décadas de 1980-1990, fazer essa

transição enfrentou várias dificuldades ideacionais, organizacionais e financeiras.

Com a nova projeção da CSS nos anos 2000, a partir da liderança política e do

crescimento econômico das chamadas potências emergentes – como China, Brasil, Índia

e África do Sul – houve uma revitalização do debate sobre como o SDNU poderia dar um

suporte mais apropriado à cooperação entre os países em desenvolvimento. Esse debate

ficou conhecido no interior da organização como o processo de incorporação, ou

integração (do inglês, mainstreaming) da CSS aos trabalhos regulares do SDNU, sendo

esse o objeto de estudo dessa pesquisa. Nos itens a seguir, serão apresentados o recorte

do objeto de pesquisa e seus objetivos; a problematização e os conceitos centrais; as

hipóteses e o embasamento teórico; e a metodologia de pesquisa.

I. Recorte do objeto e objetivos

Essa pesquisa tem por objeto o SDNU e o processo de incorporação

(mainstreaming) da CSS aos seus trabalhos regulares. O conceito de incorporação (ou

integração) é muito importante para o SDNU, pois trata-se de um mecanismo criado para

que o sistema possa se adaptar e se tornar responsivo à novas demandas, agendas e

modalidades de cooperação1.

De acordo com a ONU, “incorporação (mainstreaming) significa transformar uma

ideia em prática, ao integrá-la em tudo o que a organização faz. Mas, para fazer isso, há

a necessidade de ferramentas, orientação, monitoramento contínuo e uma estratégia

abrangente, com objetivos claros e marcos de referência para sua realização” (UNITED

NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 27, tradução nossa2). No caso

1 Na ONU, a questão da incorporação (mainstreaming) teve sua origem nos anos 1990 com a agenda de gênero da organização, mas o termo foi progressivamente sendo utilizado para se referir à incorporação de novos temas e agendas. 2 Do original: “Mainstreaming means making an idea practical by integrating it into everything the organization does. But to do this, there is a need for tools, guidance, continuous monitoring and an overarching strategy with clear objectives and benchmarks for achievement” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 27).

27

específico da CSS, integrar a modalidade ao SDNU envolve “(...) avaliar as políticas e

práticas corporativas atuais, conscientizar os funcionários sobre os benefícios da CSS e,

quando necessário, iniciar atividades de desenvolvimento de capacidades” (UNITED

NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 39, tradução nossa3).

A pesquisa se inicia no período de 1970, quando a discussão sobre a modalidade

é introduzida pela primeira vez como um item da agenda da ONU. E vai até 2015, quando

a CSS é identificada como um meio de implementação da Agenda 2030 para o

Desenvolvimento Sustentável, a mais recente agenda global que orientará, nos próximos

15 anos, as ações da ONU no campo do desenvolvimento.

Em relação ao conteúdo da análise, o processo de integração da CSS contempla o

engajamento do SDNU em dois tipos de atividades: as atividades promocionais da CSS;

e as atividades operacionais de CSS.

As atividades promocionais são voltadas para a divulgação e conscientização da

CSS em todas as partes do SDNU. Buscam identificar o potencial, colocar as partes

interessadas em contato e coletar, processar e disseminar informações sobre a CSS. Para

que isso ocorra, as atividades promocionais envolvem a realização de workshops,

seminários e programas de informação; e atividades de curta duração, como projetos

piloto, melhores práticas e treinamentos.

Já as atividades operacionais são aquelas realizadas em campo. Fazem referência

aos projetos e programas de desenvolvimento realizados pelas agências e pelos fundos e

programas que compõem o SDNU e que contém como elementos a troca e o

compartilhamento de recursos e capacidades técnicas entre dois ou mais PEDs, em bases

horizontais. Para que isso ocorra, a CSS deve ser incluída no desenho, na execução e

implementação dos programas nacionais.

A escolha do tema e do objeto de pesquisa se justifica pelo esforço de

complementar a história intelectual da ONU na área do desenvolvimento, enfatizando a

contribuição dos PEDs nesse processo. A CSS é uma parte pequena da cooperação

internacional para o desenvolvimento e das atividades operacionais para o

desenvolvimento da ONU, e também não é a modalidade dominante, nem em volume de

recursos nem em número de projetos. Enquanto os doadores tradicionais de assistência

oficial ao desenvolvimento despenderam quase US$ 140 bilhões em 2014, o montante

3 Do original: “(…) assessing the current corporate policies and practices, raising the awareness of staff about the benefits of SSC and where necessary embark into capacity development activities” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 39).

28

que os PEDs destinaram ao financiamento da CSS foi de um pouco mais de US$ 20

bilhões no mesmo ano (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL,

2016, p. 4). Já em relação ao número de projetos, em 2015, o Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD) desenvolveu 470 iniciativas em que a CSS era o meio

de implementação, em contraste com o total dos 4.347 projetos conduzidos pela agência

(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2015).

Mas, a despeito de seu menor volume relativo, a CSS é, sem dúvidas, uma

modalidade em ascensão, e que está ocupando um espaço de destaque nos debates do

SDNU sobre a promoção do desenvolvimento. Por isso, é importante sistematizar o

conhecimento que organização desenvolveu nessa área, em um período de quarenta anos,

utilizando duas perspectivas: política e sistêmica.

Política, porque o enfoque será nas negociações políticas entre os Estados-

membros, com a participação dos funcionários da organização, para definir os quadros

normativos e estratégicos que orientam essa incorporação. Esses quadros são

estabelecidos por meios de documentos oficiais da ONU, como resoluções, decisões,

diretrizes operacionais e quadros estratégicos.

E sistêmica, porque a análise irá considerar as decisões tomadas nas instâncias

decisórias de mais alto nível na governança da organização. As decisões de alto nível são

sistêmicas porque elas definem mandatos que devem guiar os trabalhos de todas as demais

entidades do SDNU, e devem ser incorporadas em todos os seus níveis.

Ao optar pela perspectiva política e sistêmica, alguns aspectos deixarão de ser

contemplados pela pesquisa. Em primeiro lugar, não será feita uma discussão de como a

CSS se tornou um item da agenda de política externa dos países em desenvolvimento4.

Como o objeto de estudo é o SDNU e a incorporação da CSS, o posicionamento dos

países será discutido a partir da disputa de ideias e do conflito de interesses que ocorre no

espaço multilateral da ONU. Assim, ao invés da análise ser feita da perspectiva de política

externa de um ou outro país, ela terá como enfoque o contexto particular de negociações

no interior da ONU, problematizando como as posições individuais e coletivas dos

Estados-membros são canalizadas no ambiente específico de uma organização

internacional de cooperação.

4 Há vários trabalhos relevantes que cumprem esse propósito. Por exemplo, cf. Chaturvedi et al., 2012, que discute o papel que a CSS cumpre nas políticas externas de Brasil, China, Índia, México e África do Sul.

29

Em segundo lugar, a pesquisa não fará estudos de caso mostrando a

operacionalização dos projetos de CSS em diferentes áreas e países, nem uma análise

técnica do desenho de projetos e as vantagens e dificuldades de operação em campo. Por

isso, não discutirá se a CSS, em campo, efetivamente traz benefícios mútuos ou se

reproduz algumas das práticas dos doadores tradicionais. Indubitavelmente esse é um

tema relevante, mas não faz parte do escopo dessa pesquisa. Ao invés dos estudos de caso,

serão analisadas as avaliações realizadas pelas entidades do SDNU acerca de seus

resultados em campo, pois esses são os documentos considerados na tomada de decisão

dos Estados-membros em âmbito sistêmico. Dentre essas avaliações, a de mais destaque

é a do PNUD, que historicamente é a entidade do SDNU mais envolvida com a promoção

da CSS em âmbito sistêmico. Assim, a perspectiva sistêmica implica que a análise das

negociações será feita com o enfoque de Nova York, isto é, da sede da ONU.

O principal objetivo dessa pesquisa é o de analisar como a incorporação da CSS

ao SDNU é um processo político polêmico, pois tenciona vários problemas em relação às

ideias e interesses dos Estados-membros e da burocracia da ONU na área do

desenvolvimento. A pesquisa busca entender o sentido de integrar a CSS ao SDNU e os

entraves a esse processo. Diferentemente de outras áreas que passaram pelo processo de

integração no SDNU – como gênero, direitos humanos e sustentabilidade ambiental – a

CSS não é um tema, mas uma modalidade específica de implementação de projetos na

área da cooperação para o desenvolvimento. Isso torna sua incorporação mais complexa,

ao exigir do SDNU uma mudança em relação ao seu paradigma atual de desenvolvimento,

como será apresentado a seguir nessa introdução.

Por fim, a pesquisa destina-se principalmente às partes envolvidas no trabalho da

ONU na área da CSS, como diplomatas, funcionários da organização, especialistas e

consultores, uma vez que a pesquisa apresenta os principais elementos que serão

discutidos nas negociações preparatórias para a Conferência de Alto Nível da ONU sobre

a Cooperação Sul-Sul, que será realizada em 2019, em Buenos Aires.

II. Problematização e conceitos centrais

A pesquisa foi desenvolvida a partir de alguns conceitos centrais, que serão

apresentados a seguir: o Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas e as atividades

operacionais para o desenvolvimento; a cooperação internacional para o desenvolvimento

30

e suas modalidades de Cooperação Norte-Sul e Cooperação Sul-Sul; as diferenças e as

relações entre a chamada Primeira ONU, marcada pelo conflito Norte x Sul; e a chamada

Segunda ONU, marcada pelas barreiras atitudinais; e as instâncias decisórias do SDNU

referentes à incorporação da CSS.

O Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas e as atividades operacionais para o

desenvolvimento

O Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU) é responsável pelas

atividades da organização atreladas ao pilar do desenvolvimento5. Atualmente, é

composto por mais de 30 entidades, dentre elas, fundos, programas, escritórios e agências

especializadas, além de comissões e organizações de pesquisa e treinamento que dão

suporte às atividades em campo.

Juntas, essas muitas partes do sistema executam as chamadas atividades

operacionais para o desenvolvimento. Essas atividades envolvem todas as ações em

campo destinadas à promoção do desenvolvimento sustentável e que não se confundem

com assistência humanitária. As atividades operacionais para o desenvolvimento

correspondem aproximadamente a 60% do gasto total anual da ONU e empregam a maior

parte dos funcionários em tempo integral – da sede aos escritórios nacionais –, por volta

de 50 mil pessoas (BROWNE; WEISS, 2013, p. 2).

Mas as ações do SDNU não são exatamente coesas e coordenadas, como o termo

sistema pode dar a entender. Isso porque a estrutura da ONU de promoção do

desenvolvimento foi sendo historicamente construída em partes, a partir de duas

características. A primeira é a proliferação de várias entidades independentes (e uma

infinidade de siglas para denominar cada uma delas), separadas por uma divisão funcional

do trabalho. A segunda característica é sua coordenação descentralizada, baseada em uma

governança de dois níveis: o nível sistêmico dos órgãos decisórios (AGNU e ECOSOC)

e o nível específico das agências (por meio de seus Conselhos Executivos). Além disso,

a governança do SDNU também envolve o nível nacional, por meio de mecanismos de

coordenação política entre governos e os chefes das entidades da ONU, que fazem

arranjos definidores das prioridades em campo a partir dos escritórios nacionais.

5 Os trabalhos da ONU são divididos em três pilares. Além do desenvolvimento, há o pilar da paz e segurança internacionais e o pilar de direitos humanos e assistência humanitária.

31

A cooperação internacional para o desenvolvimento e suas modalidades: a Cooperação

Norte-Sul e a Cooperação Sul-Sul

A cooperação internacional para o desenvolvimento é definida como as interações

intencionais e coordenadas entre os Estados para atingir objetivos comuns na área do

desenvolvimento. A cooperação internacional para o desenvolvimento apresenta três

características:

i) Seu objetivo central é apoiar as prioridades nacionais e internacionais de

promoção do desenvolvimento, por meio da redução das desigualdades

econômicas e sociais entre os países ricos e os países pobres;

ii) As ações coletivas são necessariamente discriminatórias a favor dos

PEDs, isto é, deliberadamente criam oportunidades de desenvolvimento

para esses países. Por isso, elas não são orientadas para o lucro, e sim para

remover as barreiras existentes na promoção do desenvolvimento;

iii) O sucesso da cooperação internacional para o desenvolvimento é

mensurado por sua capacidade de construir capacidades nos PEDs e

garantir o controle nacional desses países sobre seu desenvolvimento

(ALONSO; GLEENIE, 2015, pp. 1-2).

Em termos concretos, a cooperação internacional para o desenvolvimento pode

envolver várias atividades operacionais, como a promoção do comércio, a transferência

líquida de recursos para os PEDs, o financiamento e a implementação de grandes projetos

de infraestrutura, etc. No caso do SDNU, sua área de especialização foi a cooperação

técnica para o desenvolvimento, relacionada à transferência de conhecimentos técnicos e

à construção de capacidades. A cooperação técnica envolve o recrutamento e a oferta de

pessoal qualificado; a realização de treinamentos e transferência tecnologia; a contratação

de equipamentos; a oferta de serviços de consultoria e planejamento; e a realização de

pesquisas de viabilidade, estudos pré-investimento e apoio institucional.

O envolvimento da ONU na cooperação técnica para o desenvolvimento data

desde sua criação, em 1945, para dar suporte à chamada Cooperação Norte-Sul (CNS).

Os primeiros mecanismos do SDNU foram criados justamente para atender aos interesses

das políticas externas dos países industrializados em prestar ajuda (aid) aos países não-

industrializados (e, naquele momento, recém-independentes em sua maioria), por meio

da transferência líquida de recursos, chamada de assistência oficial ao desenvolvimento

(AOD).

32

A CNS, também chamada de cooperação técnica tradicional, está baseada em um

paradigma verticalizado, que parte dos países doadores e chega aos países recipiendários.

Nessa modalidade, o SDNU seria a responsável por fazer a ponte institucional entre essas

duas partes e coordenar os projetos de cooperação técnica em campo. A AOD era então

alocada pela ONU para a construção de capacidades nos países recipiendários, por meio

de estudos de viabilidade de obras de infraestrutura, da implementação de técnicas

produtivas em setores como agricultura e indústria, da organização de sistemas públicos,

como saúde e educação, de treinamentos de funcionários e técnicos, etc.

Apesar da importância da AOD para acelerar o desenvolvimento, desde os anos

1960 os PEDs apresentam três críticas à CNS, e utilizaram-se da estrutura da ONU para

vocalizar suas visões e demandas. Primeiramente, porque a concessão da AOD é

vinculada (tied) à compra de bens e serviços e ao uso de especialistas e profissionais dos

países doadores, reforçando a dependência econômica em relação aos PDs e elevando os

custos da cooperação. Em segundo lugar, devido às condicionalidades políticas e

econômicas impostas para o dispêndio da ajuda, que estabelecem determinados alinhados

políticos (como no caso do conflito bipolar) ou a necessidade de reformas liberalizantes

(como no período pós-Guerra Fria). Em terceiro lugar, as soluções de desenvolvimento

transferidas aos PEDs geralmente vêm em pacotes prontos, com soluções emuladas da

realidade dos PDs, e, por isso, têm pouca eficácia diante dos contextos históricos e de

desenvolvimento tão diferentes entre PDs e PEDs.

Como alternativa à cooperação tradicional, a Cooperação Sul-Sul (CSS) é uma

modalidade na qual dois ou mais PEDs concertam esforços de desenvolvimento por meio

do uso de serviços, equipamentos e especialistas originários de países em condições

históricas e de desenvolvimento semelhantes. Ao invés do paradigma verticalizado entre

doadores e recipiendários, a CSS é conduzida por uma perspectiva horizontal, de

reciprocidade e mútuo-benefício, com projetos personalizados à realidade em campo. A

modalidade é, portanto, guiada pelos seguintes princípios: “(...) respeito pela soberania

nacional, apropriação nacional e independência, igualdade, não-condicionalidade, não

interferência nos assuntos domésticos e benefício mútuo” (UNITED NATIONS

GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2, tradução nossa6).

6 Do original: “(…) respect for national sovereignty, national ownership and independence, equality, non-conditionality, non-interference in domestic affairs and mutual benefit” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2).

33

É importante diferenciar as relações Sul-Sul – isto é, o quadro mais geral de

contatos, intencionais ou não-intencionais, entre os PEDs – da CSS, que é uma

modalidade da cooperação internacional para o desenvolvimento, e, por isso, engloba as

três características apresentadas anteriormente. Também é necessário distinguir as duas

sub-modalidades de CSS: a Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento

(CTPD) e a Cooperação Econômica entre os Países em Desenvolvimento (CEPD).

Apesar de serem modalidades complementares, a CTPD é voltada para o uso de bens,

serviços, tecnologias, consultores e técnicos oriundos dos PEDs; já a CEPD refere-se à

promoção do comércio exterior, dos investimentos e das relações financeiras e monetárias

entre os PEDs.

Desde os anos 1970, o SDNU passou a formalmente apoiar a promoção da CSS

como parte de suas atividades operacionais para o desenvolvimento e, com a liderança

dos PEDs, os primeiros quadros normativos e estratégicos foram criados para tanto. Mas

até 1995, a promoção da CSS no âmbito do SDNU era exclusivamente vinculada à CTPD.

A partir de então, iniciou-se um esforço de integrar as duas sub-modalidades, até que, em

2004, o SDNU passou a usar o termo CSS para se referir a ambas, a CTPD e a CEPD, em

conjunto. Porém, na prática, os esforços do sistema ainda são prioritariamente voltados

para a promoção da CTPD.

A Primeira ONU e a Segunda ONU

O processo de integração da CSS nos trabalhos regulares do SDNU é

historicamente permeado por tensões e conflitos em dois âmbitos: o da chamada Primeira

ONU, formada pelos Estados-membros dessa organização; e o da chamada Segunda

ONU, referente aos funcionários do Secretariado que fazem a gestão dos diferentes

órgãos, agências, fundos, escritórios e programas responsáveis por projetos na área de

desenvolvimento.

A relação entre essas Duas ONUs é muitas vezes ignorada por aqueles que têm

um olhar de fora da organização, mas ela é central e muito palpável na vivência prática e

nas negociações que ocorrem em Nova York. Essa distinção foi feita pela primeira vez

por Inis Claude (1996, p. 290) e depois explorada por Weiss et al. (2009 a, p. 125) no

34

bojo do Projeto sobre a História Intelectual da ONU7. As Duas ONUs não se tratam de

dois entes que se somam, mas sim dois aspectos, ou duas identidades, de uma organização

complexa. Ao mesmo tempo, embora as duas ONUs sejam mutuamente dependentes, elas

possuem mandatos, funções e capacidades distintas e complementares8.

A Primeira ONU é formada pelo conjunto de seus 193 Estados-membros,

signatários da Carta de São Francisco. Trata-se de uma organização intergovernamental

na qual os Estados-membros são os únicos responsáveis por sua existência, e, por isso,

dotados de poder de tomada de decisão (CLAUDE, 1996, p. 291). Na Primeira ONU, o

desenvolvimento e a efetivação do quadro multilateral dependem prioritariamente da

vontade política dos Estados, uma vez que não há nenhuma instância supranacional capaz

de impor-lhes as decisões.

Cada Estado-membro é representado na ONU por uma delegação, formada por

um conjunto de delegados, que são os diplomatas ou outros funcionários nacionais

indicados para representar os interesses nacionais na organização. É importante

diferenciar a figura institucional do delegado da do diplomata. Quando o representante

faz uso da palavra como delegado, ele expressa oficialmente a política externa de seu

país; por sua vez, quando se posiciona apenas como diplomata, ele é identificado por sua

profissão, que é um funcionário de carreira. Por isso, o diplomata é uma pessoa que possui

convicções e ideias pessoais. Muito embora esses papeis se confundam na prática, nessa

pesquisa, a distinção entre delegado e diplomata é usada, respectivamente, para identificar

a posição oficial de um representante de Estado e as habilidades e crenças pessoais desse

representante.

7 O Projeto sobre a História Intelectual da ONU (em inglês, United Nations Intellectual History Project – UNIHP) foi coordenado pelos professores Thomas G. Weiss, Louis Emmerij e Richard Jolly, do Ralph Bunche Institute for International Studies (Graduate Center – City University of New York). De 1999 a 2010, o projeto dedicou-se a reconstituir a contribuição da ONU no campo das ideias. Ao identificar a ONU como ator intelectual, as publicações do projeto ressaltam como ideias geradas em diferentes áreas dessa organização ganharam tração em seu bojo institucional (UNITED NATIONS INTELLECTUAL HISTORY PROJECT, 2011). 8 É importante notar que Claude (1996) usa a expressão Primeira ONU para o Secretariado e Segunda ONU para os Estados-membros. Porém, Weiss et al. (2009 a) decidem por inverter as expressões, para enfatizar o caráter intergovernamental da organização. Aqui, concordamos com a inversão feita pelos autores, por entender ser mais lógico que os Estados-membros sejam a Primeira ONU. Weiss et al. também adicionam uma Terceira ONU, que envolve a atuação de atores que não são formalmente membros ou funcionários da ONU, mas que influenciam e afetam seus trabalhos, como os consultores e especialistas, as organizações da sociedade civil e as instituições do mercado. Nessa pesquisa, a atuação da Terceira ONU será analisada apenas indiretamente, por meio da contribuição de certos acadêmicos ao debate, uma vez que o cerne do processo de incorporação da CSS se dá a partir da relação entre a Primeira ONU e a Segunda ONU.

35

A dinâmica da Primeira ONU depende da articulação entre as diferentes posições

dos Estados-membros. Por isso, uma particularidade das negociações é o foco no

consenso, ou seja, a busca pela adoção de resoluções sem voto (embora nem sempre isso

seja possível). O consenso não deve ser confundido com unanimidade, e ele é perseguido

pelos Estados não por razões idealistas, mas pragmáticas: como as resoluções decididas

pela Primeira ONU não são legalmente vinculantes, o consenso é a única forma de

garantir que haverá uma mínima observância, por parte de todos os Estados-membros9,

do conteúdo recomendado nos documentos aprovados.

Já a Segunda ONU difere-se da Primeira quanto à sua composição: conforme

definido pelo Capítulo XV da Carta de São Francisco, ela é formada pelo Secretariado,

que é o corpo burocrático da organização, sob coordenação e direção do Secretário-Geral

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945). Trata-se de um serviço civil

internacional independente, que tem a obrigação profissional de colocar-se como neutro

em relação às pressões dos diferentes Estados-membros. Os princípios de neutralidade e

independência invocam o idealismo que marca a atuação do Secretariado, uma vez que

sua ação deve ser voltada ao provimento de bens coletivos internacionais. Dag

Hammarskjöld, o primeiro Secretário-Geral da ONU, manifestou esse espírito

independente da Segunda ONU em seu famoso discurso em Oxford, em 1961:

A independência e o caráter internacional do Secretariado requerem não apenas a resistência às pressões nacionais em relação aos funcionários, mas também – e isso era mais complexo – a implementação independente de decisões políticas controversas, de maneira plenamente consistente com a responsabilidade exclusivamente internacional do Secretário-Geral (HAMMARSKJÖLD, 1961, p. 342, tradução nossa10).

A responsabilidade central da Segunda ONU é a de servir a Primeira ONU, que é

a principal beneficiária das diferentes atividades conduzidas pelo Secretariado. Porém,

isso não significa que a Segunda ONU careça de certa autonomia. Ela está atrelada aos

anseios dos Estados-membros, mas tem personalidade jurídica própria e existe como uma

entidade separada deles. Os funcionários da ONU – e, em especial, os chefes executivos

9 Essa afirmação é mais flexibilizada em relação ao Conselho de Segurança, cujas resoluções têm caráter legalmente vinculante, conforme define o Artigo 25 da Carta de São Francisco (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945). Porém, no âmbito da AGNU e do ECOSOC, órgãos nos quais o tema da CSS é tratado, suas decisões apresentam apenas caráter recomendatório. 10 Do original: “The independence and international character of the Secretariat required not only resistance to national pressures in matters of personnel, but also – and this was more complex – the independent implementation of controversial political decisions in a manner fully consistent with the exclusively international responsibility of the Secretary-General” (HAMMARSKJÖLD, 1961, p. 342).

36

– participam ativamente das decisões, ao apresentar e discutir propostas com os Estados-

membros, desenhar programas e implementar decisões. E, mesmo com o princípio de

neutralidade, os funcionários também podem tomar decisões que sejam alinhadas mais às

ideias e aos interesses de alguns grupos de países do que de outros (WEISS et al., 2009

a, pp. 126-127).

Em suma, as duas ONUs ocupam papeis inversos, por isso complementares: na

Primeira ONU, o Secretariado trabalha para os Estados-membros; na Segunda ONU, os

Estados-membros apoiam o trabalho do Secretariado. Por conta disso, a avaliação dos

sucessos e dos fracassos da ONU depende da relação entre essas partes. Em relação à

Primeira ONU, os sucessos e fracassos dependem da vontade política e da articulação dos

grupos políticos diante do quadro multilateral de cooperação. Para a Segunda ONU, os

sucessos e fracassos dependem da habilidade dos funcionários civis internacionais em

fazer uso dos meios de implementação disponíveis e de sua liderança e influência para

alterar os possíveis resultados, incluindo a posição dos Estados-membros. Mas,

obviamente, é comum a Primeira ONU culpa a Segunda ONU pelos erros políticos da

organização, e vice-versa (WEISS; DAWS, 2008, pp. 16-17).

As relações entre as Duas ONUs são complexas e sobrepostas, e apresentam

entraves e problemas específicos – porém complementares – no caso da incorporação da

CSS, como será discutido a seguir.

O debate sobre a incorporação da CSS na Primeira ONU: o conflito Norte x Sul

A pesquisa irá apresentar como o debate entre os Estados-membros sobre a

incorporação da CSS aos trabalhos regulares do SDNU é caracterizado pelo histórico

conflito Norte x Sul. Essa expressão teve origem na Guerra Fria e até hoje é utilizada para

expressar as diferentes visões, entre os países desenvolvidos e os países em

desenvolvimento, sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento.

Embora os léxicos Norte e Sul evoquem uma categoria geográfica, na prática eles

fazem pouca referência a isso. Na Primeira ONU, esses termos são usados para distinguir

politicamente o grau desenvolvimento dos países. De acordo com Weiss (2009 a, p. 272),

embora imprecisos, os termos Norte e Sul continuam até hoje sendo usados, pela Primeira

ONU, como expressões políticas porque eles são mais sutis do que as expressões “país

industrializado/não-industrializado” ou “país rico/pobre”.

37

Os países do Norte são os países desenvolvidos (PDs), com um elevado PIB per

capita e com um processo avançado de industrialização. Já os países do Sul são os países

em desenvolvimento (PEDs), com médio/baixo PIB per capita e com um significativo

nível de pobreza. São países que possuem um passado colonial e um grau de

industrialização intermediário, baixo ou inexistente.

Politicamente, é prerrogativa soberana dos Estados-membros da ONU definir seu

status em relação ao grau de desenvolvimento. A Assembleia Geral das Nações Unidas

(AGNU) e o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) apenas

formalmente classificam os países que compõem o grupo denominado países menos

desenvolvidos, com o objetivo de definir políticas específicas para os países mais pobres

e vulneráveis11.

O chamado Norte, composto por países desenvolvidos, está estrategicamente

organizado no Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (CAD-OCDE). Criado em 1961, o CAD-

OCDE é composto pelos 29 maiores doadores de AOD. A partir do status e da estrutura

de uma organização internacional garantida pela OCDE, o CAD articula conceitos,

metodologias e arcabouços políticos conjuntos para o dispêndio da ajuda. A cooperação

internacional para o desenvolvimento promovida pelo comitê está baseada no paradigma

Norte-Sul, e sua visão de desenvolvimento envolve quatro pilares: promover a confiança

nas instituições do mercado; equilibrar as finanças públicas por meio da promoção da

governança; desenhar estratégias de crescimento baseadas na inovação e na

sustentabilidade ambiental; e garantir às pessoas a capacitação necessária para um

aumento da produtividade (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION

AND DEVELOPMENT, 2018).

Embora o CAD-OCDE defina as visões comuns sobre a cooperação internacional

para o desenvolvimento, seus países-membros estão organizados e representados por

grupos regionais e políticos diferentes na ONU. Dentre eles estão: o Grupo dos Estados

da Europa Ocidental e outros; a União Europeia; os Países Nórdicos; e o JUSCANZ

(Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). Mas, para os fins dessa

pesquisa, esses grupos serão aglutinados sob a categoria de CAD-OCDE.

11 Os países menos desenvolvidos compõem um grupo de aproximadamente 50 países que possuem níveis extremamente baixos de PIB per capita, e apresentam condições de extrema vulnerabilidade econômica e social.

38

Já os PEDs são frouxamente articulados pelo Grupo dos Setenta e Sete (G-77),

uma coalizão política criada em 1964 para coordenar suas posições nas negociações sobre

desenvolvimento na ONU. O G-77 não é uma organização internacional formalizada

como a OCDE, e possui apenas um Secretariado, composto pelos próprios Estados-

membros e auxiliado pelos funcionários da ONU.

A criação do G-77 é reflexo de dois movimentos embrionários de organização

política dos PEDs em âmbito internacional: a Conferência de Bandung, de 1955, e o

Movimento dos Não-Alinhados (MNA), de 1961, quando foi criada a categoria do

Terceiro Mundo. Ao incorporar as antigas colônias africanas e asiáticas recém-

independentes, e, mais tarde, os países latino-americanos, o Terceiro Mundo buscou

desvencilhar a promoção de seu desenvolvimento do sistema bipolar de alianças da

Guerra Fria. Para isso, estimulou novas formas de cooperação entre os PEDs – a chamada

Cooperação Sul-Sul – segundo uma visão de desenvolvimento baseada nos princípios de

independência política, de luta pelo direito de buscar uma inserção internacional

autônoma dos interesses estrangeiros e de promoção da industrialização via planejamento

e intervenção econômica estatal.

Com o fim da Guerra Fria, o termo Terceiro Mundo foi substituído pela expressão

Sul Global para se referir aos interesses coletivos dos PEDs. Mas o G-77 conservou a

posição política do Terceiro Mundo, composta, por um lado, de uma crítica à dependência

e ao assistencialismo por parte dos PDs sobre seu desenvolvimento; e, por outro, uma

perspectiva grociana, ao basear suas demandas nos princípios de solidariedade e justiça

internacionais.

Nota-se que as categorias Norte e Sul são políticas, e não “científicas”. Por isso,

o CAD-OCDE e o G-77 não são grupos coesos, e existem diferenças importantes entre

os próprios membros de cada grupo. Por exemplo, dentro do CAD existe uma divisão

importante entre os doadores escandinavos, que fazem contribuições para o SDNU

seguindo a meta estabelecida pela ONU de 0,7% do PIB em AOD, e sem especificar o

uso dos recursos; e os estadunidenses, britânicos, franceses e canadenses, cujas doações

historicamente não atingem essa meta e são em sua maioria especificadas para as áreas

de interesse de suas políticas externas. Por isso, os escandinavos são muito mais

simpáticos às críticas que os PEDs fazem ao uso especificado dos recursos e às

condicionalidades dos projetos de CNS.

No G-77, as assimetrias entre seus 134 participantes são ainda mais gritantes,

devido aos diferentes níveis de desenvolvimento. Nota-se especialmente a diferença entre

39

as chamadas potências emergentes, como a China, a Índia, Brasil e África do Sul12, países

que, nos anos 2000, se destacaram pelo seu crescimento econômico e por sua liderança

política internacional na promoção da CSS; e os países menos desenvolvidos, que se

encontram em situação de vulnerabilidade. No G-77, a construção do consenso é delicada

e ameaçada por essas assimetrias – seja pelos interesses específicos de países como a

China, que é apenas associada ao grupo; ou então pelos países pequenos, cujos votos são

facilmente comprados pelos doadores.

Mas é importante ressaltar que, mesmo com essas assimetrias, as posições de voto

e de consenso são bastante coordenadas nas instâncias decisórias de alto nível na ONU.

As assimetrias entre os grupos aparecem muito mais em campo – quando os países

efetivamente decidem o que irão cumprir ou não em relação às decisões – do que nas

decisões em âmbito sistêmico.

Por isso, a análise do processo negociador sobre a incorporação da CSS será feita

prioritariamente segundo a posição dos blocos, e não a posição individual das políticas

externas. As diferenças serão pontuadas apenas quando necessárias para entender o curso

das negociações. Ademais, os termos CAD-OCDE e G-77 serão utilizados para indicar

as suas posições oficiais, expressas em documentos ou discursos formais; os termos

PDs/Norte e PEDs/Sul/Sul Global serão usados para indicar as posições mais gerais

desses grupos de países, sem necessariamente estarem refletidas em documentos oficiais.

Já o termo doadores tradicionais será utilizado para identificar os países do CAD-OCDE

no que se refere especificamente à concessão de AOD.

Como reflexo do conflito Norte x Sul, as negociações sobre a incorporação da

CSS no SDNU são altamente politizadas, presenciando tensões, muitas vezes

irreconciliáveis, em relação às visões de mundo e às demandas de cada uma das partes

sobre o papel que a ONU deve cumprir na área da cooperação internacional para o

desenvolvimento.

Os países do CAD-OCDE acreditam que o papel do SDNU deva ser a de suporte

em campo e de compartilhamento e racionalização de custos em relação às suas iniciativas

de promoção do desenvolvimento. Por isso, o comitê acredita que a incorporação da CSS

poderá acarretar em maiores custos para o SDNU sem necessariamente trazer ganhos de

eficiência, ao menos que a modalidade seja sistematizada em torno de seu paradigma da

12 Outros países foram identificados como potências emergentes, como os MISTs (México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia), mas o foco da pesquisa será na China, na Índia, no Brasil e na África do Sul, que tiveram uma atuação mais proeminente na ONU em relação à incorporação da CSS ao SDNU.

40

eficácia da ajuda. Tal paradigma corresponde à noção de valor por dinheiro (value for

money), ou seja, de tornar as contribuições financeiras da ajuda mais eficientes em atingir

o desenvolvimento, a partir de um cálculo de custo e benefício possível de ser mensurável

por meio dos critérios de avaliação quantitativos de dispêndio da AOD.

Já os países do G-77 acreditam que os princípios da eficácia da ajuda são

completamente incompatíveis com os da CSS, por ser um processo qualitativamente mais

complexo e que não pode ser confundido com a AOD e mensurado por seus critérios

quantitativos. Assim, o grupo acredita que o SDNU é dominantemente orientado pela

cooperação tradicional e que suas atividades operacionais para o desenvolvimento

deveriam ser modificadas, para absorver os princípios que o orientam a CSS. Isso tornaria

o SDNU mais responsivo às suas demandas na área do desenvolvimento, especialmente

no que se refere ao controle nacional da construção de capacidades para que os PEDs

possam conduzir seu desenvolvimento de forma autônoma.

O debate sobre a incorporação da CSS na Segunda ONU: as barreiras atitudinais

A pesquisa irá também analisar os entraves à incorporação da CSS ao SDNU da

perspectiva da Segunda ONU. Ao mesmo tempo em que os temas referentes à cooperação

internacional para o desenvolvimento no âmbito do SDNU são altamente politizados pelo

conflito Norte x Sul, sempre houve uma tentativa, por parte da Segunda ONU, de fazer o

contrário, ou seja, de trazer um ambiente neutro e técnico para as discussões.

Nos seus primeiros anos de existência, o Secretariado buscou afastar-se da

politização da Primeira ONU, ao criar instrumentos menos contestadores para atingir o

desenvolvimento econômico, mas ainda assim auxiliar os PEDs em suas demandas. Esse

foi o caso dos programas de assistência técnica, que até hoje são parte fundamental das

atividades operacionais para o desenvolvimento conduzidas pela organização.

Apesar da tentativa de neutralidade, o paradigma da Cooperação Norte-Sul é

predominante na cultura burocrática da ONU e no desenho dos projetos de assistência

técnica conduzidos pelas entidades do SDNU. O sistema funciona sob o pressuposto de

que as agências e programas devem deter as soluções para o desenvolvimento e são

responsáveis por transferir essas capacidades para os PEDs. Dois motivos explicam tal

predominância. Primeiramente, porque a dependência dos doadores do CAD-OCDE

(uma vez que o financiamento do SDNU é feito majoritariamente por contribuições

voluntárias desses países) acaba por determinar o enfoque de atuação do sistema. Em

segundo lugar, porque o sistema ONU é composto por funcionários que são, em sua

41

maioria, provenientes de países ocidentais industrializados, ou que tiveram uma formação

acadêmica em universidades ocidentais.

Esses fatores impõem barreiras atitudinais significativas à incorporação da CSS

aos trabalhos regulares do SDNU. As barreiras atitudinais são definidas como

comportamentos, atitudes e visões de mundo pré-estabelecidas que dificultam ou

impedem a incorporação de uma ideia ou prática no SDNU.

No caso da CSS, a primeira barreira atitudinal é o enorme desconhecimento, por

parte dos funcionários do SDNU, acerca das capacidades humanas e materiais existentes

nos PEDs. Existe uma noção pré-concebida de que os especialistas dos PEDs são pouco

qualificados para o trabalho da ONU ou que os equipamentos e serviços são de baixa

qualidade ou de pouco avanço tecnológico. Isso resulta em uma baixa contratação de

especialistas, equipamentos e serviços dos PEDs, mesmo em casos em que recursos de

qualidade estivessem disponíveis localmente. Desde os anos 1980, há um esforço do

sistema em superar essas barreiras, mas até hoje elas são um problema na condução dos

projetos de cooperação técnica. Assim, a pesquisa irá mostrar como a limitada capacidade

do SDNU em incorporar a CSS em seus trabalhos regulares deve-se, em partes, a um

reconhecimento inadequado de seus funcionários sobre o valor e as vantagens de custo-

benefício da CSS em nível operacional.

Outra barreira atitudinal se refere ao fato de que as regras e os procedimentos para

a definição dos programas nacionais estão moldados para seguir a lógica da CNS, sem

dar claramente aos PEDs a opção de escolher o uso da CSS na implementação de um

projeto. Por isso, é muito comum que os projetos do SDNU envolvam algumas

características da CSS, mas os funcionários, por desconhecer o conceito e os princípios

particulares a essa modalidade, não são capazes de distingui-la da cooperação tradicional

em seus relatórios.

Também não há um consenso, entre o Secretariado da ONU, sobre qual deveria

ser o grau de envolvimento do SDNU em relação à CSS. Uma parte acredita que o papel

do SDNU deveria ser passivo, ou seja, de suporte mais geral à ideia e às iniciativas Sul-

Sul, mas apenas sob a demanda explícita dos PEDs. Por outro lado, algumas agências

estão apostando fortemente na incorporação da CSS como uma forma de captar recursos

dos PEDs para o interior de sua organização, especialmente no contexto de restrições

financeiras enfrentadas pela ONU desde a década de 1990. E, ainda, há escritórios do

Secretariado focados na sistematização das práticas Sul-Sul, no estabelecimento de

42

conexões entre partes interessadas (matchmaking) e no apoio à construção de capacidades

nacionais para a promoção da CSS.

As instâncias decisórias do SDNU referentes à incorporação da CSS

A ONU é uma organização complexa, e para fazer a discussão sobre a integração

da CSS, é necessário entender minimamente a relação entre as diferentes instâncias

decisórias sobre o tema, que envolve os três níveis da governança do SDNU: o sistêmico,

o das agências e o nacional. Essas instâncias decisórias trabalham em conjunto – embora

nem sempre de forma coerente e sistemática – para definir e implementar a incorporação

da CSS.

No nível sistêmico, a AGNU e o ECOSOC são os órgãos políticos decisórios

diretamente envolvidos no processo de tomada de decisão sobre a CSS, mas com um peso

maior para a AGNU. A responsabilidade desses órgãos é a de definir o conjunto de

normas e princípios políticos que orientarão o trabalho em campo das entidades do

SDNU.

Desde 1974, a Segunda Comissão da AGNU delibera sobre assuntos relativos à

CTPD e à CSS. Além da Segunda Comissão, desde 1980 a AGNU conta com um Comitê

de Alto Nível exclusivamente dedicado a definir normas e políticas sobre modalidade. De

1980 a 2003, o comitê se chamava Comitê de Alto Nível para a Revisão da Cooperação

Técnica entre Países em Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-Level

Committee on the Review of Technical Co-operation among Developing Countries). Em

2004, ele foi renomeado para Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul (HLC-

SSC, do inglês, High-Level Committee on South-South Cooperation). Assim, as siglas

HLC-TCDC e HLC-SSC se referem à mesma instância decisória.

A diferença entre o trabalho da Segunda Comissão da AGNU e do HLC-

TCDC/HLC-SSC é que a primeira instância é um charger body, isto é, um órgão da ONU

que aprova resoluções com grandes diretrizes políticas sobre o tema. As resoluções são

documentos oficiais que, apesar de serem recomendatórios, expressam o compromisso

entre todos os Estados-membros em um determinado item da agenda. Já o HLC é um

órgão consultivo atrelado à AGNU, que não aprova resoluções, mas decisões. As decisões

são as recomendações desse órgão consultivo para o órgão decisório.

A AGNU também é responsável pela Revisão Política Compreensiva Trienal

(TCPR, do inglês, Triennial Comprehensive Policy Review), que, desde 2008, passou a

ser a Revisão Política Compreensiva Quadrienal (QCPR, do inglês, Quadrennial

43

Comprehensive Policy Review). O propósito da TCPR/QCPR é o de monitorar a

eficiência das atividades operacionais para o desenvolvimento, e a CSS é uma das

modalidades sob avaliação. A TCPR/QCPR revisa, a cada três/quatro anos, os

mecanismos necessários para que o compartilhamento de conhecimento, a construção de

capacidades e a transferência de tecnologia Sul-Sul sejam traduzidos de forma

operacional em todas as entidades do sistema.

O ECOSOC é responsável por fazer a supervisão da implementação da

TCPR/QCPR em relação à CSS no âmbito das agências, dos fundos e programas. Além

disso, esse órgão discute a CSS em seu Fórum sobre Cooperação para o Desenvolvimento

(DCF, do inglês, Development Cooperation Forum). Trata-se de um encontro bianual de

alto-nível que tem o objetivo de revisar a coerência política e normativa das atividades

operacionais para o desenvolvimento da ONU, incluindo a CSS. Embora esse não seja

um charger body, capaz de emitir decisões, o fórum é uma caixa de ressonância para as

questões que serão discutidas na Segunda Comissão da AGNU e no HLC-SSC.

No nível de governança relativo às entidades do SDNU (agências, fundos e

programas), a principal instância de tomada de decisão é o Conselho Executivo do PNUD,

do UNFPA (Fundo Populacional das Nações Unidas) e do Escritório das Nações Unidas

de Serviços para Projetos (UNOPS), que substituiu o Conselho de Governadores do

PNUD e do UNFPA a partir de 1994. É de responsabilidade do PNUD, desde 1978, adotar

medidas para incorporar a CSS nos programas nacionais e promover a incorporação dessa

modalidade nos trabalhos do SDNU.

Sob o guarda-chuva do PNUD está o escritório do Secretariado para a CSS. Esse

escritório foi criado, em 1974, com o nome de Unidade Especial para a Cooperação

Técnica entre Países em Desenvolvimento (SU-TCDC, do inglês, Special Unit for

Technical Co-operation among Developing Countries). Em 2004, o escritório foi

renomeado como Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul (SU-SSC, do inglês,

Special Unit on South-South Cooperation). E, em 2012, foi transformada na Unidade

Especial no Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC, do

inglês United Nations Office on South-South Cooperation). Assim, as siglas SU-TCDC,

SU-SSC e UNOSSC se referem à mesma entidade do Secretariado, responsável por

promover a CSS em todo o sistema ONU.

No que se refere à coordenação com as outras entidades do SDNU, ela é realizada

pelos chamados pontos focais, compostos por funcionários dedicados a implementar as

decisões relativas à integração da CSS e a se comunicar com outras entidades sobre o

44

tema. A relação entre os pontos focais das entidades do SDNU sempre foi muito frouxa,

e a maior parte deles nunca atuou de forma ativa. Para contornar esse problema, o HLC-

SSC criou, em 2014, o Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e Triangular do Grupo de

Desenvolvimento da ONU (do inglês, Task Team on South-South and Triangular

Cooperation), um mecanismo formal interagências para coordenar a integração da CSS

entre as diferentes entidades do sistema.

No nível dos escritórios nacionais, existem os coordenadores residentes,

responsáveis por alinhar o trabalho de todas as entidades do sistema ONU envolvidas nas

atividades operacionais para o desenvolvimento implementadas em campo, por meio dos

programas nacionais. Para que a CSS seja utilizada em campo, é necessário inclui-la como

modalidade de implementação dos programas nacionais. Essa é a parte mais

descentralizada da governança do SDNU para a CSS, e a incorporação depende do

interesse e da vontade tanto dos Estados nacionais quanto do conhecimento do

coordenador residente sobre a CSS.

III. Hipóteses e embasamento teórico

Para analisar o processo de incorporação da CSS aos trabalhos regulares do SDNU

de 1970-2015, a pesquisa fará uma análise da história das ideias sobre o tema do

desenvolvimento na ONU. O ponto de partida é que as interações no Sistema

Internacional são intrinsecamente sociais, e seu entendimento não pode ser reduzido às

propriedades e características apenas dos Estados, mas também de outros atores, como as

Organizações Internacionais e os funcionários civis internacionais, que estão envolvidos

conjuntamente no processo de criação, institucionalização e socialização de diferentes

ideias em âmbito internacional.

Por isso, pressupõe-se que a ONU não é apenas uma instituição que serve aos

interesses das grandes potências, e é mais do que uma reguladora ou legitimadora das

ações dos Estados. Nessa pesquisa, entende-se que a ONU tem “poderes geradores”

(generative powers): “[a] habilidade de constituir ou construir novos atores na política

mundial, criar novos interesses para os atores, e definir tarefas internacionais

45

compartilhadas” (BARNETT; FINNEMORE, 2008, pp. 48-49, tradução nossa13). Os

poderes geradores da ONU são fundamentais para entender sua atuação no campo do

desenvolvimento, por ser um espaço de criação de novos atores, como o G-77; de

redefinição das ideias e dos interesses dos Estados, como a inclusão da ideia de

Cooperação Sul-Sul como uma modalidade de implementação das atividades

operacionais para o desenvolvimento; e de institucionalização e difusão de tarefas

compartilhadas na área da cooperação internacional para o desenvolvimento.

A respeito dessa área de cooperação, ela será analisada da perspectiva dos valores

e normas que nutrem as relações entre os Estados considerados do Norte e aqueles

considerados do Sul. Além dos interesses materiais dos doadores, entende-se que a ajuda

externa é uma norma de comportamento social que emergiu no pós-guerra e que foi

internalizada como parte da expectativa internacional de que os países ricos deveriam

ajudar os países pobres (LUMSDAINE, 1993, p. 30). Por sua vez, a CSS traz novos

princípios que contestam esse comportamento social, desafiando o discurso e a

dominância dos países do CAD-OCDE em relação à ajuda.

A escolha de fazer uma análise da história das ideias sobre o tema do

desenvolvimento na ONU, permitirá, primeiramente, entender o papel dessa organização

como um ator intelectual que deu tração à ideia de CSS. Depois, possibilitará destacar o

papel conflitivo da natureza das ideias e da ação política do chamado Sul Global, ao tentar

influenciar as normas internacionais em relação à assistência tradicional, que é o

paradigma dominante no SDNU. O papel dos discursos será ressaltado, à medida que as

potências emergentes estão desafiando o discurso do CAD-OCDE em relação à agenda,

ao financiamento e ao processo de tomada de decisão no SDNU.

Para discutir esses aspectos, a pesquisa está dividida em três enfoques: a

incorporação das ideias da CSS nos quadros normativos do SDNU; a incorporação

operacional da CSS na governança do SDNU; e o financiamento da CSS por parte do

SDNU. Cada um desses enfoques está atrelado à uma pergunta, uma hipótese e a um

embasamento teórico específicos.

A primeira pergunta se refere ao papel das ideias: como a ideia de CSS emergiu e

se integrou como uma nova dimensão da cooperação internacional para o

desenvolvimento conduzida pelo SDNU? Para fazer essa discussão, o embasamento

13 Do original: “its ability to constitute or construct new actors in world politics, create new interests for actors, and define shared international tasks” (BARNNET; FINNEMORE, 2008, pp. 48-49).

46

teórico será sobre o papel das ideias, que afetam tanto processo de tomada de decisão, ao

definir o mapa conceitual que conduz as preferências e decisões das coalizões na Primeira

ONU; quanto as estruturas de conhecimento, ao moldar ações e comportamentos da

burocracia da Segunda ONU.

A ideias dominantes na cooperação internacional para o desenvolvimento são

ideias ocidentais. Com base na teoria da dádiva, pode-se interpretar essas ideias da

perspectiva de uma ordem moral baseada na divisão entre o superior e o inferior, o doador

e o recipiendário. A ajuda externa é concebida como uma dádiva entre desiguais, ou uma

relação não-recíproca.

Já a ideia de CSS é definida negativamente, isto é, por resistência e oposição

àquelas dominantes no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. A

CSS refuta as categorias de doador e recipiendário e as substitui pela ideia de parceiros,

em uma relação de reciprocidade.

Assim, a primeira hipótese é que, por meio da CSS, os PEDs estão desafiando o

discurso dos doadores tradicionais em relação à cooperação internacional para o

desenvolvimento promovida pelo SDNU. E tem havido uma resposta positiva do

Secretariado, que está começando a identificar o valor em campo das CSS, ao estabelecer

quadros estratégicos para melhor identificar e organizar as soluções de desenvolvimento

provenientes do Sul. Com isso, há sim uma incorporação das ideias de CSS no quadro

normativo do SDNU, porém, a hipótese é a de que essa incorporação é limitada, por ser

não-sistemática e ad hoc. Isso ocorre pois, por um lado, o G-77 ainda não tem força

política suficiente para substituir o paradigma da CNS esposado pelo CAD-OCDE; e a

estrutura do Secretariado ainda não realizou uma plena mudança de mentalidade em

relação ao paradigma tradicional, prevalecendo as barreiras atitudinais contra a CSS.

A segunda pergunta se refere à governança do SDNU: porque a atuação

operacional da ONU em relação à implementação da CSS é ad hoc, e não resultante de

uma estrutura normativa e institucional sistematizada, mesmo depois de mais de 30 anos

de experiência nessa modalidade? Para fazer essa discussão, o embasamento teórico será

sobre a questão da governança global e a criação de bens coletivos globais. A ONU é

percebida como um espaço de construção desses bens coletivos, devido à sua capacidade

de coletar e divulgar informações sobre diferentes assuntos e de monitorar e supervisionar

os acordos decididos entre seus Estados-membros.

Mas o SDNU tem vários problemas de eficiência no cumprimento desses

objetivos, devido à sua própria estrutura de governança, atomizada e

47

compartimentalizada. Sua descentralização resulta na competição por agendas e recursos

e na falta de coerência dos mandatos e da atuação operacional de cada uma das partes. Há

uma evidente crise de governança do SDNU: nota-se uma falta de credibilidade dos

projetos de desenvolvimento implementados pela ONU; falta de legitimidade de seu

processo de tomada de decisão; e falta de incentivo para que os PEDs acomodem seus

interesses aos arranjos vigentes.

Assim, a segunda hipótese é que a governança do SDNU apresenta cinco lacunas

que impedem a incorporação operacional da CSS. Primeiramente, as lacunas de

conhecimento, pois o SDNU não é capaz de sistematizar o conhecimento sobre a CSS,

para provar, por meio de estudos, que essa modalidade traz um valor adicionado efetivo

ao desenvolvimento dos países. Depois, as lacunas normativas, pois não existem normas

claras sobre qual deve ser o grau de engajamento do SDNU na formulação e

implementação de iniciativas Sul-Sul (se um papel passivo ou ativo). Além disso, as

lacunas institucionais, pois não existe uma entidade no SDNU capaz de supervisionar e

dar coerência sistêmica aos diferentes níveis de integração da CSS. Em seguida, as

lacunas políticas (policy), pois não existem diretrizes operacionais eficazes para a

implementação prática da CSS nos programas nacionais. Por fim, as lacunas de

cumprimento (compliance), pois os mecanismos de implementação, monitoramento e

execução da CSS ainda são praticamente inexistentes.

A terceira pergunta se refere ao financiamento destinado à incorporação da CSS:

considerando o impacto dos chamados doadores emergentes, expressão utilizada para se

referir à crescente contribuição financeira das potências emergentes para os projetos de

CSS, porque seu financiamento não passa prioritariamente pelo SDNU? Para fazer essa

discussão, o embasamento teórico será sobre a estrutura de financiamento para o

desenvolvimento em âmbito internacional. O financiamento é uma ferramenta de política

externa que afeta significativamente aquilo que as autoridades políticas conseguem

entregar em termos de execução e implementação das ideias e valores subjacentes aos

projetos de desenvolvimento na ONU.

No campo financeiro, o SDNU é cada vez menos financiado por recursos centrais

– aqueles que são destinados sem especificações, sendo responsabilidade do próprio

sistema definir a alocação dos recursos. Quase 70% de seus recursos são especificados,

isto é, os Estados-membros dizem para onde o financiamento deve ir e como deve ser

empregado. O resultado disso é uma bilateralização das atividades do SDNU, isto é, o

48

sistema progressivamente está deixando de ter uma atuação multilateral para se tornar um

executor dos projetos bilaterais dos doadores.

Ademais, nos Conselhos Executivos das agências especializadas, como o PNUD,

o número de assentos é relativamente maior para os PDs, a despeito da maioria absoluta

dos PEDs. Isso porque os assentos do Conselho Executivo são distribuídos segundo o

peso dos doadores. Logo, como os países do CAD-OCDE são os maiores contribuintes

do SDNU, isso garante a prevalência de suas ideias, suas agendas e seus interesses no

âmbito da cooperação para o desenvolvimento.

Nos anos 2000, o crescimento econômico das potências emergentes aumentou a

quantidade de recursos disponíveis para o financiamento da CSS. Porém, do ponto de

vista sistêmico, a contribuição dos doadores emergentes para o SDNU ainda é muito

pequena. São poucos os PEDs que canalizam seu financiamento para a ONU, e eles

deliberadamente preferem usar os canais bilaterais e regionais para promover a CSS. Isso

demonstra que a ideia de usar a ONU para promover a CSS tem uma base material mais

restrita. Ao mesmo tempo, o aumento de recursos dos PEDs para financiar a CSS levou

os doadores do CAD-OCDE a pressionar pela graduação das potências emergentes, isto

é, para que elas assumam maiores responsabilidades e dividam o ônus de financiamento

do SDNU.

Assim, a terceira hipótese é a de que os doadores emergentes se recusam a assumir

maiores responsabilidades financeiras e canalizar seu financiamento para a CSS

prioritariamente pelo SDNU enquanto não houver uma reforma em sua governança, que

reflita adequadamente o peso dos PEDs no processo decisório. Diante desse impasse, o

financiamento da CSS no SDNU continua sofrendo constrangimentos, pois não existem

recursos centrais adequados para a promoção da CSS, o que contribui negativamente para

a integração sistêmica da modalidade. Por isso, o caráter ad hoc e pouco sistêmico da

integração da modalidade ao SDNU também é resultado de seu padrão errático e limitado

de financiamento.

IV. Metodologia de pesquisa

A pesquisa está embasada em uma análise da história das ideias sobre o tema do

desenvolvimento na ONU, fazendo um duplo movimento entre analisar o processo micro

de negociações entre os Estados-membros e o Secretariado no que se refere à

49

incorporação da CSS, e o processo macro sobre o papel global da ONU na área da

cooperação internacional para o desenvolvimento.

Os documentos oficiais da ONU são o conteúdo central de análise. A pesquisa

cobre todas as resoluções da AGNU e todas as decisões do HLC-TCDC/HLC-SSC sobre

o tema, de 1970 a 2015. Também cobre todos os relatórios do Secretário Geral, do HLC-

TCDC/HLC-SSC e do Administrador do PNUD sobre o tema, de 1990 a 2015. Ademais,

considera todos os registros transcritos das sessões públicas da AGNU sobre o tema (de

abertura do debate e da fase de ação), de 1990 a 2015. Esses documentos estão

organizados em uma categoria separada nas referências finais e podem ser encontrados

online, por meio de seus respectivos códigos, no Sistema de Informações Bibliográficas

das Nações Unidas (UNBISnet, do inglês, United Nations Bibliographic Information

System).

A utilização desses documentos como conteúdo central de análise é de suma

importância, pois eles sintetizam os debates entre os Estados-membros e as visões do

Secretariado sobre o tema em questão. Entretanto, por serem documentos com uma

linguagem acordada específica, isso torna a discussão hermética para aqueles que não

estão familiarizados com a dinâmica interna da ONU. Mas como um dos objetivos dessa

pesquisa é servir de base para as negociações sobre a CSS que ocorrem na organização,

a pesquisa assume tal risco, por acreditar que é necessário aproximar mais as discussões

acadêmicas brasileiras daquelas feitas na sede da ONU, em Nova York. Para lidar com o

caráter hermético dos documentos da ONU, há um esforço de explicar e traduzir o

linguajar e as noções específicas do sistema, tornando-os mais acessíveis ao leitor.

Outra dificuldade é a profusão de siglas e códigos utilizados pela ONU, que

também tornam a compreensão da discussão mais complicada. Especialmente porque

muitas das siglas são utilizadas em inglês, e, se fossem traduzidas, perderiam o sentido

para aqueles que já conhecem o tema. Por exemplo, a Unidade Especial para a

Cooperação Sul-Sul: se a sigla fosse traduzida, ficaria UE-CSS, e poderia confundir com

o uso corrente da sigla UE (União Europeia). Para evitar esse tipo de confusão, preferiu-

se manter uma mistura de siglas em português e inglês: para aquelas em que há uma

versão em português popularmente conhecida (como é o caso do PNUD, da AGNU, ou

do CAD-OCDE), elas foram utilizadas em português; e para aquelas em que não há um

uso corrente em português, foram mantidas as siglas em inglês. A lista de abreviações e

siglas contempla todos os termos usados e facilitará o acompanhamento da discussão.

50

Além dos documentos oficiais da ONU publicados no UNBISnet, foi realizada

uma pesquisa de campo na Biblioteca da ONU Dag Hammarskjöld, localizada na sede da

ONU, em Nova York. Foram coletados os relatórios do Secretário Geral, do HLC-

TCDC/HLC-SSC e do Administrador do PNUD sobre a CSS referentes ao período 1970-

1991, pois esses documentos não estão disponíveis em formato digital pelo UNBISnet.

Foi também realizada uma pesquisa de campo na Seção da ONU para o

Gerenciamento de Arquivos e Registros (United Nations Archives and Records

Management Section), localizada na sede da ONU, em Nova York. Os arquivos da ONU

disponibilizam documentos de bastidores sobre a CSS, como notas dos funcionários de

alto nível do Secretariado sobre o assunto, cartas de diplomatas encaminhadas aos

Secretários-Gerais indicando os seus interesses no assunto, e relatórios preliminares

escritos para a preparação das conferências globais sobre Cooperação Sul-Sul. Os

capítulos da tese serão enriquecidos com a análise desses documentos inéditos no Brasil,

e que não estão disponíveis online. Foram coletadas 7 mil páginas em documentos, que

cobrem o período de 1960-1996, nos seguintes arquivos:

i) Arquivos do Departamento da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais;

ii) Pesquisa nos Arquivos do Departamento de Registros;

iii) Arquivos do Secretário-Geral Kurt Waldheim (1972-1981);

iv) Arquivos do Secretário-Geral Javier Perez de Cuellar (1982-1991);

v) Arquivos do Secretário-Geral Boutros Boutros Ghali (1992-1996);

vi) Arquivos sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento

(1980-1991).

A pesquisa também conta com os resultados das entrevistas realizadas com

funcionários da ONU e diplomatas de diferentes países que participaram diretamente das

negociações sobre Cooperação Sul-Sul. Entre setembro de 2015 a janeiro de 2016, foram

conduzidas entrevistas qualitativas com 16 diplomatas, dos seguintes países/blocos:

Alemanha, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Japão, México, e União Europeia. Ademais,

foram entrevistados 22 funcionários da ONU, das seguintes entidades: Conferência das

Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD); Departamento de

Assuntos Econômicos e Sociais (UNDESA); Escritório das Nações Unidas para a

Cooperação Sul-Sul (UNOSSC); Escritório do Enviado Especial para a África; Fundo das

Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Fundo Populacional das Nações Unidas

(UNFPA); Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Grupo de

Desenvolvimento da ONU (UNDG).

51

Por fim, a pesquisa conta com as informações coletadas em duas reuniões de alto

nível que ocorreram na sede da ONU em setembro de 2015: a abertura da 17ª sessão

intermediária do HLC-SSC e o Encontro do Fundo IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)

para o Alívio da Fome e da Pobreza; e também no Briefing do Conselho Executivo do

PNUD, UNFPA e UNOPS sobre a Estratégia do PNUD para a Cooperação Sul-Sul e

Triangular, em janeiro de 2016.

A pesquisa está estruturada em três partes, divididas em 8 capítulos. A primeira

parte, “O despertar do Sul”, apresenta a incorporação da ideia de CSS no SDNU. A

segunda parte, “O lugar do Sul ao sol”, discute o impacto da incorporação da CSS na

governança do SDNU. E a terceira parte, “A graduação do Sul”, analisa o financiamento

da integração da CSS no SDNU. Por fim, a conclusão, “Para ver a Cooperação Sul-Sul,

é necessário sair de Nova York”, analisa os desafios futuros do processo de incorporação

da CSS ao SDNU.

52

PARTE 1 - O DESPERTAR DO SUL

A incorporação da ideia de Cooperação Sul-Sul no

Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas

Na parte 1, será discutida a trajetória da ideia de Cooperação Sul-Sul (CSS) dentro

da ONU. Mais especificamente, essa parte visa analisar como a ideia de CSS foi

incorporada ao Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU) no período de

1970-2015, quando a promoção dessa modalidade na área do desenvolvimento se tornou

uma de suas funções.

Nesse contexto, o capítulo busca responder à seguinte pergunta: como a ideia de

CSS emergiu e se integrou como uma nova dimensão da cooperação internacional para o

desenvolvimento conduzida pelo SDNU? Para respondê-la, deve-se considerar que a

ideia de CSS está calcada nos princípios de horizontalidade, solidariedade, benefícios

mútuos e não-interferência, que são diferentes do quadro ideacional dominante na área da

cooperação internacional para o desenvolvimento. Essa área de cooperação foi construída

no pós-guerra com base na ideia de ajuda ou assistência externa ao desenvolvimento.

Nessa modalidade, os países desenvolvidos (PDs), com suporte das agências e dos fundos

e programas da ONU, deveriam deter os recursos e conhecimento do desenvolvimento,

enquanto os países em desenvolvimento (PEDs) seriam recipiendários dessa assistência.

Essa discussão será delineada em três capítulos. No capítulo 1, será feita uma

apresentação conceitual da importância das ideias na Primeira ONU e na Segunda ONU,

indicando o papel da organização como um ator intelectual. Também serão discutidas as

origens da ideia de ajuda externa e a forma como os PEDs, organizados a partir do

Terceiro Mundo, canalizaram suas demandas de desenvolvimento por meio da ONU, no

período de 1950-1960.

No capítulo 2, será apresentada a emergência e consolidação da ideia de CSS

como Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD). O capítulo focará

no período de 1970-1980, quando efetivamente se inicia o processo de incorporação dessa

modalidade ao SDNU, pela aprovação do Plano de Ação de Buenos Aires para a

Promoção e a Implementação da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento

(BAPA), em 1978.

53

No capítulo 3, será discutida a incorporação da ideia de CSS no SDNU no período

de 1990-2000, quando dois documentos-chave são aprovados. A Estratégia Novas

Direções para a CTPD, de 1995, é um documento de transição, que começa a diluir a

linha divisória entre cooperação técnica e cooperação econômica entre os PEDs com o

propósito de lidar com os problemas oriundos da globalização produtiva e financeira. Já

o Resultado de Nairóbi, de 2009, finalmente consolida o uso do termo CSS para se referir

aos vínculos mais amplos de cooperação internacional para o desenvolvimento entre os

PEDs.

Por fim, na conclusão da parte 1, a pergunta será retomada, demonstrando as

transformações conceituais na definição da CSS utilizada pela ONU ao longo de quatro

décadas de promoção dessa modalidade, considerando a influência de outros paradigmas

concorrentes, como o da eficácia da ajuda, esposado pelos países do CAD-OCDE.

54

CAPÍTULO 1 - O PAPEL DAS IDEIAS NA COOPERAÇÃO

INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO E AS

ORIGENS DA IDEIA DE CSS NA ONU

Jolly et al. (2009, p. 38, tradução nossa14) definem as ideias como “(...) noções e

crenças, carregadas por indivíduos, ONGs ou governos, que influenciam suas atitudes e

ações”. Ideias são construções sociais portadas por diversos atores, que emergem e

prevalecem em períodos específicos da história. Elas definem não apenas aquilo que os

atores internacionais querem, mas, principalmente, aquilo que eles acreditam.

Para analisar o processo de incorporação da ideia de CSS ao SDNU, esse capítulo

fará duas discussões. Primeiramente, discutirá como as ideias influenciam as decisões dos

Estados-membros na Primeira ONU e moldam o comportamento da burocracia na

Segunda ONU. A partir dessa análise conceitual, será enfatizado o papel dessa

organização como um ator intelectual.

Em segundo lugar, o capítulo se deterá nas origens da ideia de CSS. Em termos

de contexto, o debate está inserido no período da Guerra Fria, de criação da ONU e de

descolonizações (1950-1960). Nos anos 1950, a ideia de ajuda ou assistência externa era

a base cooperação internacional para o desenvolvimento conduzida pelos países

desenvolvidos (PDs). A ONU, por meio das atividades de assistência técnica, deveria dar

apoio ao desenvolvimento dos países pobres e recém-descolonizados, e um conjunto de

ideias e instituições foram criadas para que a organização pudesse expandir seus trabalhos

nessa área.

As origens da ideia de CSS remetem à organização política dos PEDs na ONU, a

partir de demandas coletivas sobre como a organização deveria apoiar o desenvolvimento

desses países. Assim, o capítulo discutirá o papel do Espírito de Bandung, do Movimento

dos Não-Alinhados e as consequências desses processos na ONU nos anos 1960, que

culminou com a criação de uma entidade específica para atender aos interesses dos PEDs:

o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

14 Do original: “(…) notions and beliefs held by individuals, NGOs, or governments that influence their attitudes and actions” (JOLLY et al., 2009, p. 38).

55

1.1. As ideias e as decisões dos Estados-membros na Primeira ONU

Os Estados-membros se envolvem em negociações na ONU porque percebem a

possibilidade de haver ganhos positivos interdependentes, ou seja, de se atingir um

resultado individual e coletivo que só poderia ser obtido por meio da cooperação

(WENDT, 1992, p. 417). Nas negociações, o trabalho dos delegados é o de tomar decisões

que sejam capazes tanto de atender aos interesses de suas delegações quanto de definir

ações coletivas. Para que haja cooperação, é necessário que os Estados-membros não se

identifiquem negativamente uns com os outros, e percebam áreas onde é possível haver

alguma convergência. Nesse processo, o papel das ideias é fundamental.

A convergência entre os Estados-membros nas negociações é feita a partir de seus

interesses, que estão permeados por valores, visões de mundo, percepções e não-

percepções. As ideias carregadas pelas delegações permitem selecionar, filtrar, organizar

e hierarquizar as informações discutidas em uma negociação. Da mesma forma, orientam

aquilo que será assimilado e percebido como convergente e o que será rejeitado e

percebido como conflitante. Elas funcionam, portanto, como um guia para definir os

posicionamentos e interesses, aquilo que os Estados vão defender ou recusar nas

negociações internacionais.

Em um processo de negociação, os Estados-membros se relacionam com base em

princípios, normas, regras e nos resultados gerados pelo contexto de interação. A cada

rodada, eles criam compreensões e expectativas mais estáveis sobre o comportamento uns

dos outros, identificando hábitos de convergência ou divergência em diferentes assuntos.

As ideias defendidas por cada Estado-membro não são fixas, mas flexíveis, se adaptando

à interação com os outros atores e às mudanças de contexto (WENDT, 1992, p. 397;

ADLER; BARNETT, 1998, p. 6).

Ou seja, negociar consiste em um processo de aprendizagem mútua acerca das

ideias portadas pelas diferentes delegações, e cada troca adiciona significado e

conhecimento a essa relação. Considerando essa dinâmica de interação, como são

definidas as ideias que serão coletivamente acordadas pela Primeira ONU? Como os

Estados-membros convergem suas posições e chegam a um consenso acerca das ideias

que irão seguir?

As ideias cristalizadas nas negociações se originam, primeiramente, do processo

de aprendizagem e adaptação. As ideias são desvendadas e debatidas nos processos de

56

negociação, e quando são consideradas persuasivas o suficiente, são aceitas e

incorporadas pelos Estados-membros. Novas ideias surgem em virtude de novas

circunstâncias, e elas prevalecem se conseguirem se firmar em um contexto em

transformação. Quando uma nova ideia adentra o processo de tomada de decisão na ONU,

ela “constantemente tem que se provar contra fórmulas rivais, que alegam resolver melhor

os problemas” (HAAS, 1990, p. 20, tradução nossa15).

Por outro lado, ideias novas que emergem na ONU convivem com ideias que já

existem há muito tempo. Ideias que já foram desacreditadas em algum momento podem

voltar à moda e ganhar uma posição de destaque na organização. Como coloca Woods

(1995, p. 168), poucas ideias são efetivamente novas. O que define a emergência, a

consolidação ou a recusa de uma ideia na Primeira ONU é a relação de poder entre os

grupos políticos.

Os Estados-membros não negociam apenas individualmente, mas se aglutinam em

grupos de delegações que possuem visões de mundo semelhantes. Existem diferentes

combinações de grupos políticos, a depender do tema em negociação. Mas, no processo

de tomada de decisão, os grupos se dividem entre aqueles que tem maior poder, ou seja,

cujas decisões afetam não apenas a si mesmos, mas ao conjunto dos atores negociadores;

e os grupos de menor poder, cujas decisões afetam apenas a si mesmos e a um pequeno

círculo ao seu redor (BOULDING, 1959, p. 121).

As ideias que tendem a prevalecer são aquelas que os grupos de maior poder são

capazes de disseminar internacionalmente durante as negociações. Mas isso não quer

dizer que as ideias defendidas na Primeira ONU são completamente reduzíveis às dos

grupos mais poderosos. Em várias negociações, nem sempre esses grupos estão

organizados em coalizões estáveis e com posições homogêneas, o que abre brechas para

que os grupos de menor poder consigam canalizar determinadas ideias no processo de

negociação.

Por isso, as ideias prevalecentes na Primeira ONU são decididas por meio de um

consenso entre os grupos de maior e de menor poder, que é o resultado de um jogo de

barganha entre eles. Nesse jogo de barganha, todos os lados negociadores precisam ceder

coletivamente para que possam ganhar coletivamente. Mas isso não quer dizer que esse

jogo seja simétrico, pelo contrário: trata-se de uma barganha assimétrica, com diferenças

15 Do original: “It must constantly prove itself against rival formulas claiming to solve problems better” (HAAS, 1990, p. 20).

57

relativas entre o quanto cada grupo cede e o quanto cada grupo ganha em determinada

negociação.

Uma vez que os Estados-membros tenham decidido acerca das ideias que irão

defender coletivamente, elas precisam ser institucionalizadas, isto é, serem expressas

como práticas e identidades organizacionais. Na ONU, as ideias são institucionalizadas

por meio de resoluções e decisões que criam normas internacionais. Essas normas são

escritas de acordo com uma linguagem acordada, que expressa o consenso em torno de

certas ideias.

As ideias institucionalizadas na ONU contribuem para definir, socializar e

influenciar seus Estados-membros, ao reforçar certos comportamentos e desencorajar

outros. Por isso, estabilizam identidades e interesses, e, ao longo do tempo, as

negociações sobre um mesmo tema vão se tornando mais propensas para o habitual. A

estabilização de um conjunto de ideias vem do desejo dos Estados-membros em

minimizar as incertezas e confirmar os comportamentos existentes, e também de evitar

os custos de quebrar os comprometimentos feitos aos outros membros (WENDT, 1992,

p. 411).

Por outro lado, as mudanças no contexto histórico e nas interações entre os

Estados-membros podem levar ao desejo de alterar as ideias institucionalizadas. Porém,

o processo de mudança na ONU é incremental e lento, e o tempo das mudanças é sempre

analisado e avaliado em décadas. Assim, uma primeira forma que os Estados-membros

usam para alterar as ideias institucionalizadas é reinterpretar o mesmo conjunto de ideias

para justificar seu comportamento (HURD, 2008, p. 304).

Caso a reinterpretação não seja suficiente para trazer as mudanças necessárias, os

Estados-membros podem quebrar o consenso sobre as ideias acordadas. Inicia-se, então,

um exame crítico das ideias antigas sobre si mesmo, sobre os outros e sobre as estruturas

de interação nas quais essas ideias foram sustentadas. Esse exame crítico conduz a uma

espécie de desnaturalização das práticas e ideias que pareciam até então inevitáveis, e

emergem novas identidades e aspirações. Os Estados-membros que visam a mudança

tentam induzir os demais a tomar uma nova identidade, instigando no outro o esforço de

mudá-lo. Esse procedimento é chamado de altercasting:

O veículo para induzir tal mudança é a própria prática do ator e, em particular, a prática de altercasting – uma técnica de controle interativo na qual o “eu” usa táticas de auto apresentação e de direção de cena com o objetivo de

58

enquadrar as definições do “outro” sobre as situações sociais, de forma a criar o papel que o “eu” deseja jogar (WENDT, 1992, p. 421, tradução nossa16).

A mudança efetivamente se cristaliza se houver compromissos de grande

significância entre os Estados-membros a favor da mudança, de modo que aqueles que

estão resistentes às alterações estejam diante de uma situação da qual eles não podem

recuar. Com o tempo, a mudança será institucionalizada como uma nova ideia.

Por fim, é importante ressaltar o papel das identidades individuais dos diplomatas

no processo de negociação na primeira ONU. As identidades pessoais são o conjunto de

crenças e ideias carregadas por um diplomata. Envolvem a busca por prestígio e

reconhecimento pessoal, as expectativas pessoais sobre como as relações internacionais

funcionam, e o entendimento das oportunidades existentes em um contexto específico de

negociação. Essas características também influenciam o processo de mudança nas ideias,

trazendo soluções e elementos de criatividade nas negociações, que podem fazer a

diferença na busca pelo consenso.

1.2. As ideias e os arranjos de implementação da Segunda ONU

A Segunda ONU consiste em um conjunto de funcionários civis internacionais

que trabalham dentro de arranjos institucionais definidos. Além de dar seguimento às

definições e decisões tomadas pelos Estados-membros da Primeira ONU, a Segunda

ONU possui poder e autoridade próprios em certos âmbitos, o que a possibilita influenciar

o processo político referente à agenda, às políticas e aos meios de implementação

concernentes ao seu sistema de desenvolvimento.

A relativa autonomia da Segunda ONU é proveniente de duas fontes inter-

relacionadas. A primeira é a legitimidade da autoridade racional-legal, em sentido

weberiano. Essa autoridade é derivada de princípios, regras, normas e procedimentos

considerados impessoais: “Os burocratas em OIs [organizações internacionais] realizam

‘deveres do ofício’ e implementam ‘normas racionalmente estabelecidas’ e é por isso que

eles são poderosos” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 708).

16 Do original: “The vehicle for inducing such change is one's own practice and, in particular, the practice of ‘altercasting’ – a technique of interactor control in which ego uses tactics of self-presentation and stage management in an attempt to frame alter’s definitions of social situations in ways that create the role which ego desires alter to play” (WENDT, 1992, p. 421).

59

A segunda fonte é o controle sobre a informação e o conhecimento técnico de suas

atividades. Enquanto diferentes diplomatas vêm e vão da sede da ONU, e participam de

muitas sessões sobre diferentes assuntos, às vezes sem acompanhá-los com frequência,

os funcionários da ONU carregam consigo a memória histórica da negociação, e possuem

um conhecimento especializado que não está imediatamente disponível para os

diplomatas das diferentes delegações.

Essas habilidades técnicas e racionais permitem aos funcionários internacionais

executar tarefas complexas, com precisão e continuidade. Com isso, a Segunda ONU está

diretamente envolvida na definição de normas internacionais, e não apenas em sua

implementação.

Um elemento que dá grande poder à burocracia da ONU é que ela tem uma

aparência de não-política. Enquanto os delegados representam os interesses dos Estados,

os funcionários da ONU se apresentam como neutros, tecnocráticos e impessoais. Porém,

burocracias sempre servem a um propósito social que é carregado de ideias e

conhecimentos, e, no caso da Segunda ONU, ela tem o poder de gerar assimetrias de

informação entre os Estados, conseguindo influenciar o processo de negociação.

Para Barnett e Finnemore (1999, p. 710), as OIs têm três tipos de poder em relação

às ideias e ao conhecimento: poder de classificação; poder de fixação de significados; e

poder de difusão de normas.

O poder de classificação refere-se à habilidade da burocracia da ONU de

classificar e organizar o conhecimento e as informações. Com isso, ela pode criar novas

categorias de ação. Existem conhecimentos específicos que apenas a ONU produz e têm

acesso, especialmente aqueles provenientes de seus vários escritórios nacionais.

Organizar esse conhecimento não é um processo neutro, mas político, pois “classificar é

se engajar em um ato de poder” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 711, tradução

nossa17).

O poder de fixação de significados remete à forma como a Segunda ONU é capaz

de definir conceitos e estabelecer critérios. Com isso, ela é capaz de criar padrões e indicar

os limites de determinadas ações, consolidando significados e interpretações acerca das

ações e decisões dos Estados-membros. Isso significa que a burocracia tem certo poder

para filtrar as pressões dos Estados-membros, inclusive das grandes potências, ao ter o

poder de definir seu próprio conjunto de conceitos e critérios.

17 Do original: “To classify is to engage in an act of power” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 711).

60

O poder de difundir normas internacionais permite que a Segunda ONU seja um

transmissor de regras de “bom comportamento”, especialmente nos países em

desenvolvimento e menos desenvolvidos. Seus funcionários entendem que parte de sua

missão é progressista, de difundir valores e normas globais legítimas e aceitáveis, capazes

de criar melhores condições em relação à paz e segurança internacionais, ao

desenvolvimento e aos direitos humanos. Deve-se salientar que, na ONU, a difusão das

normas carrega, historicamente, uma base ocidental:

(...) enquanto os Estados ocidentais estão envolvidos nessas atividades e, portanto, seus valores e interesses são parte das razões para esse processo, os burocratas internacionais envolvidos nessas atividades podem não se ver como aqueles que seguem as ordens desses Estados, mas sim como aqueles que expressam os interesses e valores da burocracia (BARNETT; FINNEMORE, 1999, pp. 713-714, tradução nossa18).

A Segunda ONU, assim como todas as burocracias, tem uma propensão a

comportamentos patológicos. Os mesmos fatores que dão poder às burocracias também

são as fontes de seu caráter disfuncional.

As rotinas e as regras, ao definirem o que e como as burocracias devem agir em

cada situação, usualmente conduzem a disfunções. Como coloca Allison (1969, p. 700),

os procedimentos de ação das burocracias têm caráter programado, e são padronizados de

acordo com situações previstas anteriormente (a noção de t-1). Por serem definidas a

priori dos acontecimentos, as rotinas de ação muitas vezes são inadequadas para lidar

com as situações que a burocracia deveria resolver, afetando sua eficácia.

A compartimentalização e especialização das burocracias também pode levar a

comportamentos disfuncionais. A divisão do trabalho impede que os burocratas tenham

uma visão completa dos problemas, além de criar subculturas dentro das organizações,

que podem ser muito diferentes umas das outras, prejudicando a coerência de suas ações.

Barnett e Finnemore (1999, p. 716) identificam cinco mecanismos na cultura

burocrática das organizações internacionais que podem levar a atitudes patológicas: a

irracionalidade da racionalização; o universalismo burocrático; a normalização de

desvios; o insulamento organizacional; e a contestação cultural.

18 Do original: “(…) while Western states are involved in these activities and therefore their values and interests are part of the reasons for this process, inter- national bureaucrats involved in these activities may not see themselves as doing the bidding for these states but rather as expressing the interests and values of the bureaucracy” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, pp. 713-714).

61

As regras racionais podem se tornar irracionais quando são consideradas como o

propósito final das burocracias, e não como os meios para exercer certos objetivos sociais.

Ao invés de adaptar as regras para atender a seus objetivos de forma mais eficiente, elas

fazem o contrário: ajustam os objetivos às regras existentes. Na ONU, o papel das regras

de procedimento é muito poderoso, pois elas definem como ocorrerá a implementação

das decisões. Mas, muitas vezes, as regras tornam-se um fim em si mesmas,

comprometendo a coerência e a eficácia das ações da organização nas situações em que

as regras não são adequadas a um determinado contexto.

Isso remete ao problema do universalismo burocrático na implementação de suas

ações globais, isto é, quando se aplicam regras gerais em contextos locais, a partir do

pressuposto de que as regras são transferíveis para qualquer circunstância.

O mesmo pode-se dizer da normalização dos desvios, uma espécie de inverso do

universalismo burocrático: nesse caso, desvios calculados da norma, utilizados pelos

burocratas para atender a certas ocasiões, acabam tornando-se parte normal dos

procedimentos burocráticos.

A descentralização e descoordenação entre as partes de uma organização

burocrática reforça a patologia do insulamento de suas diferentes burocracias. Na ONU,

uma das causas do insulamento das burocracias é o profissionalismo, que acaba por

impactar o recrutamento. Devido à grande concorrência internacional e às elevadas

exigências pessoais e acadêmicas de contratação, a seleção do staff concentra-se em

pessoas com visões e especialidades semelhantes, geralmente oriundas de países

desenvolvidos ou com formação acadêmica nesses países. E como o sistema ONU tem

dificuldades de avaliar, de forma articulada, os efeitos negativos do insulamento de sua

burocracia, essa é uma patologia difícil de superar.

Há também diferentes culturas organizacionais. O modo como os funcionários de

diferentes fundos, agências e programas entendem o mundo é, por vezes, muito diferente

daquilo que os Estados-membros esperam. Isso leva a brigas internas à ONU que

envolvem disputas sobre os conceitos e princípios que deveriam orientar a ação de todo

o sistema. Por isso, diferentes conjuntos de ideias, muitas vezes contraditórios entre si,

coexistem em diferentes substratos no interior da Segunda ONU (GOLDSTEIN, 1988, p.

181).

Em suma, a Segunda ONU possui relativa autonomia em relação à Primeira ONU,

mesmo sendo sua função central a de servir aos Estados-membros dessa organização.

Como resultado de seu poder de produzir e controlar ideias e conhecimentos, ela exerce

62

um papel fundamental na arena internacional. Ao mesmo tempo, essa fonte de poder

também resulta em patologias que colocam desafios à eficiência do sistema.

1.3. A ONU como um ator intelectual

A separação entre a Primeira e a Segunda ONUs facilita a compreensão da

complexidade de relações e de mandatos da ONU, mas é importante considerar que, na

prática, elas se relacionam e se sobrepõem. Juntas, elas formam a ONU como uma única

organização, entendida como um verdadeiro ator intelectual.

Para Weiss e Carayannis (2001, p. 25, tradução nossa19), as ideias são “o mais

importante legado da ONU para a política e o desenvolvimento econômico e social”. Por

isso, a organização destaca-se como um verdadeiro ator intelectual, ao criar e difundir

ideias e valores capazes de alterar os interesses e os propósitos dos diferentes atores:

A ONU não tem grande poder material com o qual ela pode coagir ou induzir os Estados, mas, à medida que tem sido um lugar para a criação e disseminação de novas ideias e valores, ela pode ter efeitos significativos no mundo, ao alterar os propósitos pelos quais o poder material é exercido por outros atores. (...) Essa abordagem utilmente chama a atenção para as formas nas quais a ONU pode ser um agente criador da mudança do mundo. Aqui, os mecanismos de mudança são: ideias, normas e valores; e a miríade de atores, incluindo organizações mundiais, que usam esses mecanismos para criar novos atores, interesses e tarefas. O uso criativo, estratégico e, às vezes, acidental, de enquadramento, acusações e debate, por parte das organizações internacionais, demonstra que é possível transformar crenças e percepções de interesse, criar novos atores e propagar novas formas de comportamento (BARNETT; FINNEMORE, 2008, pp. 49-50, tradução nossa20).

As duas ONUs trabalham conjuntamente para produzir três tipos de ideias:

positivas, normativas e causais (JOLLY et al., 2009, p. 38). As ideias positivas são

provenientes de evidências empíricas e que podem ser verificadas e contestadas.

19 Do original: “(...) the most important legacy of the United Nations (UN) for economic and social policy and development” (WEISS; CARAYANNIS, 2001, p. 25). 20 Do original: “The UN has not had great material power with which it can coerce or induce states, but to the extent that the UN has been a locus for the creation and dissemination of new ideas and values it can have significant effects in the world by changing the purposes to which material power is put by others. (...)This approach usefully draws our attention to the ways in which the UN can be a creative agent of change in the world. The mechanisms of change here are ideas, norms, and values, and the myriad actors, including the world organization, who use them to create new actors, interests, and tasks. Creative, strategic, and sometimes accidental uses of framing, shaming, and debating by international organizations have been shown to transform beliefs and perceptions of interest, create new actors, and propagate new norms of behavior” (BARNNET; FINNEMORE, 2008, pp. 49-50).

63

Envolvem os dados e as estatísticas levantados pela Primeira ONU e processados e

analisadas pela Segunda ONU. Por exemplo, o fato dos países do CAD-OCDE terem

gasto 0,3% de seu PIB em AOD no ano de 2015 é uma ideia positiva (ORGANISATION

FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 b).

As ideias normativas são crenças sobre como a ONU deveria atuar. A meta

estabelecida para que os países do CAD-OCDE gastem 0,7% do PIB em AOD é uma

ideia normativa a respeito de qual seria a alocação mais justa da assistência externa, por

exemplo. Já as ideais causais são noções operacionais. Por exemplo, o cálculo de que

0,5% do PIB em AOD é necessário para apoiar a implementação dos ODMs envolve uma

ideia causal, pois trata-se de uma ideia específica, mas que não chega a consistir em uma

teoria.

O debate, a formulação, a disseminação e a institucionalização das ideias na ONU

nunca ocorrem de forma linear. Trata-se de um processo complexo de debate e

negociação, que se desdobra de forma não-sistemática entre Estados-membros e

funcionários civis internacionais. Nesse processo, a ONU assume, coletivamente, oito

papeis ideacionais:

i) Fonte (Fount): é uma fonte de geração e definição de novas ideias;

ii) Fonte (Font): dá legitimidade internacional às ideias;

iii) Fórum (Forum): um papel de encontro e debate, onde os diferentes atores

podem coletivamente discutir e negociar assuntos;

iv) Canalizador (Funnel): canaliza as ideias por meio de ações operacionais,

além de testar e implementar novas ideias nos níveis nacional e

internacional;

v) Fanfarra (Fanfarre): promove a adoção das novas ideias por meio de

normas e políticas;

vi) Seguimento (Follow-up): monitora e avalia o progresso da implementação

das ideias;

vii) Financiamento (Funding): gera recursos para concretizar a adoção de

normas e políticas baseadas em novas ideias;

viii) Funeral (Funeral): age para enterrar ideias que sejam inconvenientes ou

controversas (ANSTEE21 apud WEISS et al., 2009 b, p. 2).

21 Margaret Joan Anstee foi a primeira mulher a ocupar o cargo de Vice-Secretária-Geral da ONU, em 1987. Ela trabalhou por quatro décadas no SDNU, dedicando-se às atividades operacionais para o

64

As ideias geradas pela ONU impactam e exercem influência internacional de

quatro maneiras (JOLLY et al., 2009, p. 42): geram mudanças em relação à percepção e

à linguagem por meio das quais os problemas processados; permitem a definição de

agendas que orientam estrategicamente a ação da ONU; alteram a percepção dos

interesses das diferentes coalizões em relação à resistência ou não às mudanças, e, dessa

maneira, possibilitam alterações no equilíbrio de forças das negociações; e conduzem o

processo de criação das instituições, que são responsáveis por difundir as ideias e se

tornam o lócus de seu monitoramento e avaliação.

Esse impacto demonstra a capacidade da ONU em ser uma organização que

aprende (learning organization), conceito definido por Haas (1991, p. 4) para demonstrar

como as organizações mudam com a emergência de novas ideias e se transformam por

meio dessa aprendizagem. Na área do desenvolvimento, fica clara a capacidade da ONU

em reexaminar e alterar o quadro normativo e a ação em campo diante dos novos

conhecimentos produzidos ao longo da segunda metade do século XX, a partir da forma

como Estados-membros e funcionários civis internacionais mobilizaram esses

conhecimentos na dinâmica do processo de tomada de decisão.

De posse desses conceitos relacionados ao papel das ideias na ONU, a análise

passará para o campo da cooperação internacional para o desenvolvimento propriamente

dito, apresentando as origens da ideia de CSS e como ela foi sendo gestada no interior do

SDNU.

1.4. Origens: a ideia de ajuda externa ao desenvolvimento, a consolidação do

Terceiro Mundo e o papel da ONU (anos 1950-1960)

Tendo considerado o papel das ideias no SDNU, esse item discutirá as origens da

ideia de cooperação internacional para o desenvolvimento. A partir da teoria da dádiva,

será destacado o contexto histórico da Guerra Fria e do processo de descolonização, que

demandou novos instrumentos de cooperação entre os PDs e os PEDs, como é o caso da

ajuda ou assistência ao desenvolvimento. Além disso, o item discute como essas

demandas afetaram diretamente o trabalho da ONU na área de desenvolvimento. Em sua

desenvolvimento no PNUD. Os oito papeis ideacionais foram definidos por Anstee em entrevista a Weiss et al. (2009 b), por ocasião do United Nations Intellectual History Project.

65

primeira década de existência, a organização foi responsável por criar modalidades

específicas de cooperação técnica, com base no regime da ajuda definido pelos Estados

Unidos e pela Europa.

Em meados dos anos 1950, os PEDs começam a se organizar politicamente em

torno da ideia de Terceiro Mundo, o que trouxe mudanças na forma como a cooperação

internacional para o desenvolvimento seria entendida nos anos 1960. Essa década é

considerada a era do desenvolvimento na ONU, pois foram criadas e consolidadas as

estruturas que formam o chamado Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas

(SDNU).

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD) emergiu como o fórum sobre comércio internacional de um novo grupo

político formado por países em desenvolvimento, o Grupo dos Setenta e Sete (G-77). Já

o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) foi fundado para

atender a demanda crescente do Terceiro Mundo em relação aos programas de assistência

técnica. Ambas as entidades trouxeram novas ideias para a área da cooperação para o

desenvolvimento, questionando os princípios de assistência técnica definidos pelos PDs

nos anos 1950.

1.4.1. A dádiva como razão de ser da cooperação internacional para o

desenvolvimento: o contexto da Guerra Fria e o processo de descolonização

As primeiras iniciativas de cooperação internacional para o desenvolvimento

ocorreram entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 1950, quando a estrutura política

internacional da Guerra Fria já havia emergido. Não se pode entender as ideias que deram

início a essa forma de cooperação sem inseri-las no contexto do conflito ideológico entre

o capitalismo americano e o socialismo soviético. Tal cooperação foi criada como um

instrumento de política externa central na definição dos países que seriam aliados do

bloco estadunidense e do bloco soviético.

Dentro da lógica da Guerra Fria, era fundamental não apenas garantir a lealdade

dos países que já eram considerados alinhados a um dos blocos, mas sobretudo

condicionar a ação dos países que poderiam tomar decisões contrárias aos interesses das

potências. Por isso, na Guerra Fria, “(...) a ajuda é usada para comprar influência, ao invés

66

de apenas recompensar os amigos próximos” (STONE, 2010, p. 15, tradução nossa22). O

Plano Marshall23, lançado pelo então Secretário de Estado George C. Marshall, e

aprovado pelo Congresso americano em 1948, tinha justamente esse objetivo: a

transferência líquida de recursos para promover a reconstrução econômica da Europa

Ocidental visava evitar que a União Soviética afetasse a predominância americana no

continente.

O contexto da Guerra Fria também influenciou o processo de descolonização e a

criação de novos Estados independentes na Ásia e na África. Os movimentos de libertação

nacional contaram com um contexto internacional favorável, uma vez que tanto os

Estados Unidos quanto a União Soviética apoiaram a desintegração dos impérios

europeus. Para o primeiro país, a descolonização asseguraria uma nova ordem mundial

baseada em Estados independentes que poderiam ser incorporados à expansão do

capitalismo americano. Por exemplo, a atuação dos Estados Unidos e da União Soviética

na Coreia e no Vietnã, além do recurso da guerra, foi amplamente marcada pela ajuda

externa. Para o segundo, a simpatia que os movimentos de libertação nacional tinham

para com as ideias socialistas garantiria uma considerável área de influência (MURPHY,

2014, p. 225; HOBSBAWM, 2008, p. 350).

Griffin (1991, p. 647, tradução nossa24) sintetiza a importância da Guerra Fria para

a criação da cooperação internacional para o desenvolvimento:

(...) se não fosse pela Guerra Fria, não teria sido possível gerar o apoio político doméstico nos países doadores, necessário para sustentar a assistência externa por mais de quatro décadas. Outros motivos, além da confrontação ideológica, também tiveram influência, não tanto para iniciar os programas de ajuda quanto para sustentá-los, uma vez que os princípios gerais foram aceitos. As

22 Do original: “(...) aid is used by buy influence, rather than simply to reward close friends” (STONE, 2010, p. 15). 23 O Plano Marshall visava reconstruir economicamente a Europa com um objetivo duplo: no aspecto político, controlar o avanço ou o apelo das ideias comunistas em países como a Alemanha Oriental, a França e o Reino Unido, dentro da política de blocos da Guerra Fria; e, no aspecto econômico, criar as bases da liderança econômica estadunidense, por meio da liberalização progressiva do comércio e da constituição de um sistema de pagamentos multilateral com base no dólar como moeda internacional. 24 Do original: “(...) for without the Cold War it would have been impossible to generate the domestic political support in the donor countries necessary to sustain foreign assistance for more than four decades. Other motives apart from ideological confrontation also played a role, not so much in initiating aid programmes as in sustaining them once the general principle had been accepted. Diplomatic considerations clearly were important, e.g. in mobilizing support in the General Assembly of the United Nations and, in the case of France and Britain, in retaining influence in colonial territories after they became independent. Commercial advantage soon became a prominent motive: securing markets, promoting exports, creating a favourable climate for private foreign investment. And of course there were genuine humanitarian motives, e.g. in Scandinavia and one or two other small donor countries. But the conflict between the two superpowers was the sine qua non” (GRIFFIN, 1991, p. 647).

67

considerações diplomáticas claramente eram importantes, por exemplo, para mobilizar suporte na Assembleia Geral das Nações Unidas e, no caso da França e do Reino Unido, para conservar a influência nos territórios coloniais depois que eles se tornaram independentes. As vantagens comerciais logo se tornaram um motivo proeminente: garantir mercados, promover exportações, criar um clima favorável ao investimento externo privado. E, é claro, havia motivos genuinamente humanitários, por exemplo, na Escandinávia e em um ou outro pequeno país doador. Mas o conflito entre as duas superpotências era condição sine qua non.

Assim, a criação de novos Estados deu um amplo impulso à cooperação

internacional para o desenvolvimento na década de 1950, justamente por colocar a disputa

bipolar por áreas de influência em um nível verdadeiramente global, e não apenas

europeu. Com a liderança dos Estados Unidos e o suporte das potências europeias

ocidentais, tal área da cooperação foi construída por simbolismos e imagens em torno da

expressão “ajuda externa”, que exprimiria a benevolência americana e europeia em

“socorrer” os países mais pobres. Tratava-se de uma obrigação moral desses países em

ajudar os países com maiores dificuldades econômicas.

Hattori (2003) e Silk (2004) fazem uma análise da criação da cooperação

internacional para o desenvolvimento a partir da teoria da dádiva. Essa teoria, na área da

antropologia, foi desenvolvida por Marcel Mauss em 1923, com base nos três vínculos

que a doação cria entre o doador e o recipiendário: o dar, que estabelece o vínculo social

em si; o receber, que confirma o estabelecimento desse vínculo (pois negar seria recusar

não apenas a dádiva, mas a relação social); e a (não)-reciprocidade, isto é, a dádiva é

oferecida voluntária e gratuitamente (MAUSS, 2002, p. 23).

A ajuda externa era expressa ideacionalmente como uma dádiva, uma concessão

voluntária estendida de um país doador para um recipiendário. Os países doadores faziam

a transferência líquida de recursos, por meio de doações e empréstimos concessionados.

Os países recipiendários recebiam a ajuda, utilizando os recursos para desenvolver

capacidades e tecnologias por meio da cooperação técnica, em uma base não-comercial.

Silk (2004, p. 232) aponta que a tradição de doar é uma prática ocidental baseada

no elogio aos doadores. No caso da ajuda externa liderada pelos Estados Unidos e pela

Europa Ocidental, consolidou-se uma ética que ressalta as qualidades ou as virtudes

daqueles que doam, ao serem representados como ativos e generosos. A motivação

ideacional dos doadores para conceder a ajuda é o reconhecimento social de sua virtude.

A ajuda externa não cria uma obrigação material por parte do recipiendário, pois

não se trata de uma troca econômica ou comercial, ou uma ação de redistribuição. Porém,

dentro do quadro de expectativas sociais, ela exige uma obrigação de retorno. A

68

convenção social faz entender que, após uma doação, um tipo específico de reciprocidade

não-material é esperado, como a demonstração de gratidão. A função da dádiva é

justamente a de criar e reforçar essa relação.

Ao suspender a obrigação de reciprocidade material, estabelece-se uma

dominação simbólica entre os doadores e os recipiendários: “(...) a institucionalização da

ajuda pode promover um efeito mais insidioso ao longo do tempo: pode trabalhar para

legitimar eticamente uma ordem material, reformulando uma hierarquia material entre o

doador e o recipiendário como se fosse uma hierarquia moral” (HATTORI, 2003, p. 237,

tradução nossa25).

Hattori (2003) e Silk (2004) interpretam a ajuda externa criada no período da

Guerra Fria como uma dádiva negativa, cujo objetivo era afirmar uma hierarquia

internacional baseada em relações de superioridade e inferioridade. A cooperação

internacional para o desenvolvimento foi criada como um relacionamento específico de

política de poder muito importante nesse período, ao trazer uma dominação simbólica que

transformou o doador em generoso e o recipiendário naquele obrigado a retribuir com

demonstração de sua aquiescência e alinhamento à ordem internacional.

Esse foi o contexto simbólico do lançamento oficial da ajuda externa no âmbito

internacional, com o Programa de Quatro Pontos do então Presidente americano Harry S.

Truman26, em 1949. Porém, ao invés da transferência líquida de recursos para a promoção

da industrialização (como foi o Plano Marshall), o programa compreendia atividades de

assistência técnica e econômica para a Grécia e a Turquia, países pobres da Europa com

grande probabilidade de se alinhar ao bloco soviético, devido à proximidade fronteiriça e

à situação interna de efervescência social.

Em seu discurso inaugural, ao invés de falar sobre a posição estratégica desses

países na Guerra Fria, Truman enquadrou a assistência a eles como uma ação moral que

levaria à paz e à prosperidade. E, para isso, o envolvimento da ONU seria crucial: “Este

deve ser um empreendimento cooperativo no qual todas as nações trabalharão juntas por

meio das Nações Unidas e suas agências especializadas sempre que possível. Deve ser

25 Do original: “...the institutionalisation of giving can foster a more insidious effect over time: it can work to ethically legitimise a material order, recasting a material hierarchy between donor and recipient as a moral hierarchy” (HATTORI, 2003, p. 237). 26 Alguns autores (Cf. GRIFFIN, 1991) consideram o Plano Marshall como o primeiro programa de ajuda externa. Porém, como o Plano Marshall se destinava a países já industrializados ou com algum grau de desenvolvimento, considera-se os Programa de Quatro Pontos do Presidente Truman como o primeiro programa de ajuda externa destinado a países em desenvolvimento.

69

um esforço mundial para a conquista da paz, da abundância e da liberdade” (UNITED

STATES, 1949, p. 21, tradução nossa27). Assim, nota-se que desde as primeiras

iniciativas dos doadores na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, eles

já vislumbravam um papel para a ONU. Esse aspecto será discutido a seguir.

1.4.2. A ONU, o desenvolvimento e a criação das atividades de assistência

técnica

As negociações para a criação da ONU, nos anos 1940, foram resultado das

percepções americanas e britânicas de que apenas com a liderança e a coordenação entre

as grandes potências seria possível manter a paz e a segurança internacionais28. Mas isso

exigiria não apenas resolver os problemas militares: os efeitos da Grande Depressão e o

desmantelamento da ordem econômica internacional na década anterior deixavam claro

que também era necessário resolver os problemas econômicos, sociais e humanitários que

poderiam afetar a manutenção da paz e segurança internacionais.

Por isso, o mandato econômico e social definido na Carta da ONU é tão importante

quanto o político e militar. O preâmbulo da Carta afirma o compromisso das Nações

27 Do original: “This should be a cooperative enterprise in which all nations work together through the United Nations and its specialized agencies whenever practicable. It must be a world-wide effort for the achievement of Peace, plenty and freedom” (UNITED STATES, 1949, p. 21). 28 As origens da ONU remetem à Conferência do Atlântico, realizada entre Estados Unidos e Reino Unido em 1941. Na Carta do Atlântico, documento final da Conferência, Churchill e Roosevelt definiram as diretrizes para o fim do conflito mundial, os princípios multilaterais que orientariam a reconstrução econômica global, e a necessidade de construir um novo sistema de segurança coletiva, capaz de prevenir novos conflitos internacionais (VELASCO E CRUZ, 2005, p. 7). A partir desses interesses, as duas potências realizaram, em 1942, a Conferência de Washington, com vinte e seis países presentes. Na conferência, os participantes reiteraram os princípios da Carta do Atlântico e enfatizaram a necessidade de haver uma solidariedade entre as Nações Unidas, para fazer frente ao Eixo. Foi a primeira vez que a expressão Nações Unidas foi utilizada, inspirando o nome da organização internacional que seria criada em 1945. Um ano depois da Conferência de Washington, os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética, por ocasião da Conferência de Moscou, definiram a necessidade de criação uma organização internacional, baseada no princípio da soberania, com o propósito de manter a paz e a segurança internacionais. Assim, ao mesmo tempo em que os Aliados reuniam esforços para organizar as relações econômicas internacionais na Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944, os Estados Unidos, a China, o Reino Unido e a União Soviética, entre agosto e outubro do mesmo ano, se reuniram na conferência de Dumbarton Oaks para discutir a estruturação de uma nova organização internacional, a ONU. O projeto original da ONU redigido em Dumbarton Oaks centrava os objetivos da nova organização nas questões envolvendo a paz e a segurança, entre a principal delas, a constituição de um Conselho de Segurança, projeto criado pelo Departamento de Estado para organizar as relações de segurança coletiva no pós-guerra. O projeto também previa à ONU um mandato econômico, ao reconhecer os vínculos entre a paz, a segurança e o bem-estar econômico (SEITENFUS, 2012, pp. 127-128).

70

Unidas em “(...) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma

liberdade ampla” e “empregar um mecanismo internacional para promover o progresso

econômico e social de todos os povos” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,

1945, pp. 3-4).

O Artigo 1 do Capítulo I da Carta apresenta, em seu parágrafo 3, que um dos

propósitos da ONU é o de “ conseguir uma cooperação internacional para resolver os

problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário”

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, p. 5). Já o Artigo 55 do Capítulo IX

estabelece especificamente as obrigações da organização a respeito da cooperação

internacional econômica e social, que são:

Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;

b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, pp. 33-34, Art. 55).

Tal mandato expandido da ONU em relação à promoção do progresso econômico

e social, do pleno emprego e do bem-estar, não era de interesse americano. A potência

desejava uma atuação limitada da organização nessas áreas, por acreditar que a

reorganização da economia internacional deveria ficar à cargo das Instituições de Bretton

Woods (IBW) – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial29, onde tinha

o controle das decisões devido o processo decisório a partir das cotas. Já em relação à

ideia de pleno emprego e bem-estar, o país acreditava que isso envolvia uma ideia de

29 A Conferência de Bretton Woods, ocorrida em julho de 1944, é o marco histórico da reorganização da economia internacional no pós-guerra. Apesar da presença de 44 países na conferência, o acordo foi a síntese da luta entre o antigo imperialismo inglês e a emergente hegemonia estadunidense, tendo prevalecido os interesses dos Estados Unidos. A conferência criou uma dupla institucionalização, o FMI e o Banco Mundial, que visavam, respectivamente, assegurar a estabilidade monetária e financeira e garantir os investimentos que sustentassem o crescimento econômico dentro do quadro de liberação econômica regulada. Segundo Benvenisti e Downs (2007, pp. 597-598, tradução nossa), a fragmentação da ordem econômica internacional no pós-guerra em várias instituições “é em parte o resultado de uma estratégia calculada pelos Estados fortes para criar uma ordem jurídica que reflete seus interesses e que só eles têm a capacidade de alterar”. Os Estados Unidos puderam usar a fragmentação das responsabilidades entre a ONU, o FMI e o Banco Mundial para pressionar os governos nacionais – especialmente dos países menos desenvolvidos – à manterem-se vinculados ao quadro mais amplo de liberalização econômica internacional.

71

comunismo ou coletivismo; por isso, preferia utilizar a expressão “níveis altos e estáveis

de emprego” (TOYE, TOYE, 2004, p. 91).

Mas os Estados Unidos estavam isolados nas negociações sobre os assuntos

econômicos e sociais. Isso porque, para os países europeus, a questão do pleno emprego

era central, dentro do quadro de estabelecimento e ampliação de seus Estados de bem-

estar social. Já para os países pequenos ou não-industrializados, que consistiam na

maioria dos presentes na Conferência30, havia um consenso de que a paz e a ordem

internacionais apenas seriam atingidas com prosperidade econômica e justiça social, e

não apenas com as medidas de segurança coletiva desejadas pelas grandes potências. A

pressão dos dois conjuntos de países fez com que os Estados Unidos acabassem por ceder

e expandir o mandato econômico e social da ONU.

A despeito de suas demandas por uma maior ênfase econômica e social da ONU,

os países pobres e não-industrializados ainda não estavam organizados como um grupo

político durante a Conferência de São Francisco, e isso preveniu-os de incluir o

reconhecimento de suas necessidades especiais na Carta. O mandato da ONU na área de

cooperação internacional econômica e social até sugere a existência de países pobres, mas

não menciona suas dificuldades específicas.

Nesse sentido, nos primeiros anos de trabalho do Secretariado da ONU, o debate

acerca do estabelecimento de sua agenda de pesquisa econômica focou-se na chamada

síntese keynesiana. O conceito de desenvolvimento englobava, no plano nacional, o

crescimento da economia nacional por meio do planejamento econômico estatal e do

pleno emprego; e, no plano internacional, a liberalização do comércio combinada com

uma ordem multilateral monetária e financeira sob o arranjo das IBW. A síntese

keynesiana dos anos 1940 refletiu a dominância dos Estados Unidos e seu interesse na

reconstrução no pós-guerra (WEISS et al., 2014, p. 258).

A síntese keynesiana tinha uma perspectiva muito limitada sobre a condição das

colônias e das ex-colônias, onde a maior parte da população mundial vivia. Por isso, em

30 Dos 51 países presentes em São Francisco, doze deles eram países industrializados (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Reino Unido e União Soviética) ou com grande predominância no quadro geopolítico global (China). Os demais trinta e nove países, oriundos da América Latina, da África, da Ásia, e alguns da Europa Ocidental e Oriental, eram países pobres, não-industrializados, muitos deles países pequenos, e vários recém-descolonizados (África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bielorrússia, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Egito, El Salvador, Equador, Etiópia, Filipinas, Grécia, Guatemala, Haiti, Honduras, Índia, Irã, Iraque, Iugoslávia, Líbano, Libéria, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, Síria, Tchecoslováquia, Turquia, Uruguai, Ucrânia e Venezuela).

72

seus primeiros anos, a ONU não teve um papel operacional na promoção do progresso

econômico e social nessas regiões. Tal negligência também se deveu à ausência de teorias

sobre tal condição, pois os estudos do Secretariado se enfocavam na condição atlântica-

norte. Tanto que o uso do termo desenvolvimento não englobava um sentido de promover

a economia e o bem-estar social desses territórios, pelo contrário. Até o final dos anos

1940, desenvolvimento ou significava exploração colonial, sem indicar, de nenhuma

forma, a promoção do bem-estar dos nativos; ou então apresentada um sentido liberal, de

evolução natural das economias nacionais.

As primeiras tentativas de incluir uma visão de desenvolvimento desde os PEDs

partiram do Secretariado, e, mais especificamente do Departamento de Assuntos

Econômicos, com o apoio da delegação da China, que propôs, nos primeiros encontros

do ECOSOC em 1946, o primeiro programa de assistência técnica que seria conduzido

pelo Secretariado da ONU. Para a China, tal programa permitiria “resistir ao ‘perigo real

à sua independência econômica’ caso contasse apenas com a assistência de alguma das

cada vez mais hostis superpotências da Guerra Fria” (MURPHY, 2006, p. 52, tradução

nossa31).

Porém, com o efetivo desenrolar da Guerra Fria, promover objetivos econômicos

comuns na ONU se tornou praticamente impossível. No âmbito geopolítico, a doutrina

Truman (1947) fez com que o conflito entre dois blocos efetivamente fizesse parte dos

trabalhos da ONU em nível sistêmico. Os Estados Unidos, conjuntamente com Austrália,

Canadá, Noruega e outros doadores, se posicionaram contra o avanço do envolvimento

do Secretariado com atividades técnicas ao desenvolvimento. Para esses países, isso

deveria ser responsabilidade dos doadores, com o auxílio das agências especializadas da

ONU, que possuíam seu sistema próprio de governança e tomada de decisão.

Na segunda sessão da Assembleia Geral, em 1947, a Primeira ONU foi

intensamente criticada na imprensa internacional por sua limitada atuação em temas

econômicos e sociais: ou por ser um fórum sem utilidade, como colocavam os Estados

Unidos, que canalizavam sua assistência pelas IBW; ou por ser uma plataforma da

dominação americana, como considerava a União Soviética. Como colocam Toye e Toye

(2004, p. 65), rapidamente a ONU deixou de expressar uma visão universalista no pós-

guerra para ser uma organização órfã em virtude da Guerra Fria.

31 Do original: “to resist the ‘real danger for their economic independence’ of relying solely on assistance from either of the increasingly hostile cold war superpowers” (MURPHY, 2006, p. 52).

73

No âmbito da Segunda ONU, como a sede ficava em Nova York, os funcionários

foram afetados pelo clima anticomunista. O Departamento de Estado americano criou

uma lista de funcionários da ONU considerados suspeitos de comportamento subversivo.

Vários funcionários do Departamento de Assuntos Econômicos da ONU foram

perseguidos e até demitidos32 em virtude de pesquisas conduzidas na área do

planejamento econômico estatal, do papel da intervenção estatal na economia e da

situação nas colônias e ex-colônias. Essas pesquisas eram consideradas pelo

Departamento de Estado como meios de promoção de ideias comunistas (TOYE; TOYE,

2004, p. 80).

Além da divisão Leste-Oeste, o início dos anos 1950 foi marcado pela

consolidação daquela divisão já prenunciada na negociação da Carta da ONU: a entre

países pobres e países ricos. Nos trabalhos do Conselho Econômico e Social da ONU

(ECOSOC)33, essa divisão aparecia da seguinte forma:

(...) os outros membros do ECOSOC geralmente pedem aos Estados Unidos que assumam alguma obrigação que eles não estão dispostos a aceitar, como por exemplo, dar dinheiro para um fundo especial da ONU para o desenvolvimento econômico, criar um fundo para prevenir a transmissão internacional de depressões, ou participar de um esquema para estabilizar o preço da borracha. A divisão entre o Oriente e o Ocidente que prejudica o Conselho de Segurança é de pouca importância nos debates econômicos do ECOSOC (...) a divisão é entre países ricos e pobres, com os países da América Latina, do Oriente Médio e da Ásia, de um lado; e os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, de outro (LEWIS, 1957, pp. 44-45, tradução nossa34).

32 Um exemplo da perseguição aos funcionários da ONU no período foi o caso do funcionário David Weintraub, economista de tradição keynesiana. Os Estados Unidos o consideravam como uma pessoa de tendências comunistas, e, por isso, ele foi interrogado várias vezes pelo Senado americano. Ele enfrentou inúmeros empecilhos para assumir, em 1946, o cargo de Diretor do Departamento de Assuntos Econômicos, e o primeiro Secretário-Geral da ONU, Trygve Lie (1946-1953) se recusou a indicá-lo para o cargo sem a anuência da delegação americana. Embora não houvesse provas concretas que ele fosse comunista, a pressão era tanta que Weintraub acabou pedindo demissão da ONU (TOYE; TOYE, 2004, p. 79). 33 No documento redigido pelo Departamento de Estado americano para a Conferência de Dumbarton Oaks, foi sugerida a criação de um Conselho Econômico e Social (ECOSOC) subordinado à Assembleia Geral (AGNU). Porém, a insistência dos pequenos e médios Estados fez com que, nos trabalhos preparatórios para a Conferência de São Francisco, tal Conselho tivesse caráter autônomo. Assim, na Carta da ONU, o ECOSOC emerge como um órgão principal, mas a intenção de fazer com que o Conselho fosse uma parte subsidiária permaneceu em várias partes da Carta, resultando em ambiguidades que afetaram seu mandato desde então. Isso será melhor discutido na parte 2, sobre a governança do SDNU. 34 Do original: (...) the other members of ECOSOC are usually asking the U.S.A. to undertake some obligation which it is unwilling to accept, such as to give money toward a special U.N. fund for economic development or to create a fund to prevent the international transmission of depressions or to participate in a scheme for stabilizing the price of rubber. The division between East and West which racks the Security Council is of little importance in the economic debates of ECOSOC (...) the division is between rich and

74

Nos anos 1950, um novo conjunto de ideias para explicar a situação dos países

pobres passou a ser difundida pelo Secretariado da ONU. Em 1949, o economista alemão-

britânico Hans W. Singer, funcionário do Departamento de Assuntos Econômicos da

ONU, publicou uma análise sobre os termos do comércio entre países industriais e não-

industriais e a distribuição dos ganhos do comércio entre eles. Os resultados de sua

pesquisa mostraram que tal distribuição era injusta para os países não-industrializados,

pois o declínio secular dos termos de troca dos produtos primários fazia com que tais

países perdessem sua capacidade de absorver os ganhos do comércio, vis-à-vis a melhora

dos termos de troca dos países exportadores de manufaturas (SINGER, 1949).

Em entrevista ao Projeto de História Intelectual da ONU, Singer (2000, p. 57,

tradução nossa35) resumiu a conclusão de sua pesquisa da seguinte forma: “Se você olhar

para o comércio exterior do ponto de vista dos países pobres, exportadores de produtos

primários, como ele se apresenta? Se apresenta como um sistema desigual que está

organizado contra esses países”.

A partir das conclusões da pesquisa de Singer, o economista argentino Raúl

Prebisch, funcionário da Comissão Econômica da ONU para a América Latina (CEPAL),

lançou, em 1950, uma pesquisa sobre a situação econômica latino-americana e o impacto

da deterioração dos termos do comércio para o balanço de pagamentos dos países da

região. Prebisch afirmava que os países periféricos, exportadores de produtos primários e

carentes de capital, estavam em uma condição estrutural de dependência em relação aos

países centrais, exportadores de manufaturados e com excedente de capital (PREBISCH,

1950). Para superar a condição de dependência, Prebisch propôs a industrialização desses

países, por meio da substituição de importações.

A tese Singer-Prebisch de deterioração dos termos de troca foi bem recebida pelos

Estados-membros afetados pelos problemas descritos nos estudos. Afinal, esse foi o

primeiro aparato teórico construído dentro da Segunda ONU que focou nas condições

econômicas específicas dos países pobres e propôs medidas para superar essa condição.

No campo das ideias, a contribuição mais importante de Singer e Prebisch foi a

de consolidar o conceito de desenvolvimento na ONU. Desenvolvimento passou a

poor countries, with Latin America, Middle Eastern and Asia countries on the one side, and the U.S., Britain and France on the other (LEWIS, 1957, pp. 44-45). 35 Do original: “If you look at foreign trade from the point of view of the poor countries, exporters of primary products, what does it look like? It appears an unequal system that is weighted against them” (SINGER, 2000, p. 57).

75

significar industrialização e elevação da produtividade técnica, por meio de medidas

protecionistas e de valorização dos termos de troca dos produtos primários. A partir desse

conceito, aqueles países que não haviam se industrializado passaram a ser chamados de

subdesenvolvidos nos estudos da ONU.

Mas essas ideias desagradaram particularmente a delegação americana, que se

esforçou para afastar a consolidação dessas ideias na sede da ONU. Aos Estados Unidos

era problemática a visão de injustiça internacional presente na tese Singer-Prebisch, ao

sugerir que a exploração dos países pobres contribuiu para o bem-estar dos países ricos.

Para os Estados Unidos, era preferível que a ONU trabalhasse com o paradigma da

modernização – isto é, de que as economias nacionais consideradas subdesenvolvidas

progressivamente evoluiriam e atingiriam o desenvolvimento dos países industrializados

ocidentais, ao emular suas políticas e experiências. Os programas de ajuda dos Estados

Unidos eram justamente calcados nessa visão (JOLLY et al., 2004, p. 52).

Considerando que as tensões da Guerra Fria já colocavam constrangimentos

significativos para o trabalho da ONU, o segundo Secretário-Geral da organização, Dag

Hammarskjöld (1953-1961) preferiu não se posicionar contra os Estados Unidos nessa

questão e orientou o Secretariado a buscar uma posição menos controversa em temas de

desenvolvimento.

Hammarskjöld trouxe a ONU para um campo menos dividido do desenvolvimento

econômico, se afastando tanto do Keynesianismo extremo quanto da tese Singer-

Prebisch. Ele fez com que o desenvolvimento econômico fosse um conceito unificador

dentro da organização, que pudesse ser apropriado tanto do lado capitalista quanto do

lado socialista, e que resultasse, portanto, em maior consenso entre os Estados-membros

nessa área.

Isso foi possível por meio de uma “abordagem funcionalista”36 adotada pelo então

Secretário-Geral, de encarar os aspectos mais técnicos – e, supostamente, menos políticos

– do desenvolvimento. Assim, a atuação central da organização na área do

desenvolvimento seriam as atividades de assistência técnica (WEISS et al., 2014, p. 262).

As atividades de assistência técnica não eram uma ideia nova nas organizações

internacionais. Elas já haviam sido desenvolvidas ao longo dos anos 1940 por agências

36 Mitrany (1948) é o principal expoente da abordagem funcionalista, ao propor o desenvolvimento de arranjos cooperativos baseados não em questões políticas, mas em questões funcionais: “Nessa abordagem, não é uma questão de abrir mão da soberania, mas meramente reunir o que for necessário para a execução conjunta de determinada tarefa” (MITRANY, 1948, p. 358).

76

especializadas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) na área de

treinamento vocacional; e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência

e a Cultura (UNESCO), em treinamento técnico na área de educação.

Mas as bases para a futura expansão da ONU na organização das atividades

técnicas para o desenvolvimento foi a Resolução A/RES/200 (III), de 4 de dezembro de

1948. A AGNU decidiu criar times de especialistas de diversos países e com diferentes

formações técnicas, com a função de reunir conhecimento, realizar estudos e apoiar os

projetos de transferência de competências técnicas para os PEDs. O foco das atividades

técnicas era:

(...) prover aos países em desenvolvimento as habilidades e os recursos humanos necessários para tornar efetivos os aportes de capital. Esse era o principal propósito da assistência técnica. Não importava a frente do problema que seria atacada – se era o processo econômico em si ou as pré-condições sociais necessárias – o desenvolvimento econômico efetivo apenas poderia avançar onde houvesse tanto conhecimento tecnológico quanto finanças37 disponíveis (JOLLY et al., 2004, p. 69, tradução nossa38).

Áreas como programas educacionais, saúde e higiene, e treinamentos vocacionais,

visavam criar novas habilidades e conhecimento nos PEDs. Também era necessário criar

um corpo de funcionários públicos e desenvolver serviços administrativos capazes de

criar e implementar os programas de desenvolvimento econômico, especialmente nos

países recém-independentes. Para coordenar essas atividades, o ECOSOC criou o

Programa Expandido de Assistência Técnica para o Desenvolvimento Econômico dos

Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês Expanded Programme of Technical

Assistance for Economic Development of Under-developed Countries), por meio da

Resolução E/RES/222 (IX), de 15 de agosto de 1949.

O EPTA era um programa com vários centros de serviços de desenvolvimento,

formado por funcionários da ONU responsáveis por desenvolver soluções e prover

especialidades técnicas para os PEDs. Isso ocorria por duas vias: por meio da concessão

de bolsas de estudo para enviar funcionários e especialistas dos PEDs para se formar e

37 O financiamento do desenvolvimento ficou à cargo do Banco Mundial, e o orçamento da ONU não contemplou uma linha destinada ao financiamento das atividades para o desenvolvimento. Por isso, a organização não tinha a capacidade necessária de funcionar como financiador dos PEDs nessa área, o que será melhor discutido na parte 3. 38 Do original: “(...) providing developing countries with the human skills and human resources to make capital inputs effective. This was to be the principal purpose of technical assistance. On whichever front the problem of economic development was attacked – whether the economic process itself or the necessary social pre-conditions – effective economic development could proceed only where there was both technological knowledge and available resources (JOLLY et al., 2004, p. 69).

77

receber treinamento em instituições dos PDs; e, principalmente, por meio de envio de

especialistas dos PDs para desenvolver os programas nos PEDs. Isso foi ao encontro do

programa de cooperação técnica lançado pelo Presidente Truman em 1949 e das

atividades de ajuda externa conduzidas pelos países doadores a partir de então.

O então Secretário-Geral, Trygve Lie, preferiu escolher o diplomata canadense

Hugh Llewellyn Keenleyside para ser o diretor das atividades técnicas da ONU, ao invés

de Raúl Prebisch, que já estava à frente da CEPAL. Essa decisão impediu a ONU de

colocar um dos mais respeitados economistas do mundo em desenvolvimento à frente de

um programa crucial para os PEDs.

Ao escolher um diplomata de um dos países doadores mais importantes, a lógica

da dádiva cristalizou-se nos projetos do EPTA, no sentido de que os doadores, as agências

e os especialistas da ONU detinham o conhecimento e os PEDs eram os recipiendários:

“desde então, desenvolvimento foi entendido com a preocupação particular de apenas

uma parte dos membros das Nações Unidas [os recipiendários], enquanto os outros

membros [os doadores] contribuíam para esse processo com aconselhamento, recursos e

conhecimento” (BURLEY; MALIK, 2015, p. 5, tradução nossa39).

Essa lógica também estava presente na escolha nos funcionários da ONU que iam

à campo. A Resolução de 1949 que criou o EPTA solicitava que os funcionários em

campo tivessem compreensão da história e cultura do país recipiendário, e que entendesse

as necessidades locais. Ironicamente, as pessoas que tinham essa experiência eram os

funcionários civis das metrópoles, que trabalhavam nas antigas colônias.

Porém, uma diferença entre o EPTA e os programas de ajuda externa dos doadores

eram seus escritórios nacionais. Em cada país, havia um residente responsável por

coordenar todos os programas e projetos em nível nacional, e esse residente era o

representante do Secretário-Geral em campo. Tal presença dos funcionários da ONU

permitiu uma melhor compreensão das necessidades locais, dando novos inputs para o

trabalho do Secretariado na área do desenvolvimento. Os escritórios nacionais também

permitiam o envolvimento de alguns funcionários dos países recipiendários,

diferentemente dos programas bilaterais, que contavam apenas com pessoas dos países

doadores.

39 Do original: “From then on, development was understood to be the particular concern of only a part of the membership of the United Nations, with other members contributing advice, resources and knowledge to that process” (BURLEY; MALIK, 2015, p. 5).

78

Mas essa construção de conhecimento em campo aconteceu de forma muito

improvisada, via learning by doing, como colocou Margaret Joan Anstee, uma das

primeiras funcionárias da ONU a trabalhar nos escritórios em campo. Em entrevista, ela

relembrou o espírito de seu trabalho no EPTA:

Tudo parecia improvisado naquele dia de julho de 1952 quando eu comecei a trabalhar para o Quadro de Assistência Técnica da ONU em Manila. O escritório era sediado em uma sala de cirurgia desativada no subsolo do Hospital Geral de Manila, um prédio depredado e com goteiras no teto. Naquela estação chuvosa, cada sala estava cheia de latas e quaisquer outros vasilhames para pegar as gotas. (...) Ainda assim, havia um enorme sentimento de entusiasmo e pioneirismo naquela época (ANSTEE, 1985, p. 20, tradução nossa40).

Em 1955, o EPTA adotou um sistema de programas nacionais, definidos

conjuntamente entre as entidades da ONU e os governos. Esses programas foram feitos

tomando em consideração o princípio de controle e apropriação nacional, no qual os PEDs

eles mesmos deveriam definir as prioridades da assistência técnica internacional, com

base em seus projetos de desenvolvimento. Isso também era uma diferença importante

entre os programas de assistência técnica da ONU e dos doadores americanos e europeus

(MURPHY, 2006, p. 76).

O princípio de controle e apropriação nacional foi uma das primeiras demandas

políticas das antigas colônias africanas e asiáticas recém-independentes na área do

desenvolvimento, que se organizaram politicamente pela primeira vez em 1995, na

Conferência de Bandung.

1.4.3. O Espírito de Bandung

Os anos 1950 consolidam a divisão Norte-Sul com a realização da Conferência

Asiática-Africana, de 18 a 24 de abril de 1955. Conhecida como Conferência de Bandung,

trata-se do marco histórico de surgimento do Sul Global, por ter sido a primeira

conferência internacional que reuniu os países recém-independentes sem a presença de

uma grande potência ou ex-metrópole, como os Estados europeus, os Estados Unidos e a

40 Do original: “Everything, it seemed, was improvised that day in July 1952 when I first began to work for the UN Technical Assistance Board in Manila. The office was housed in a disused surgery in the grounds of the Philippine General Hospital, a dilapidated building with a leaking roof. In the rainy season every room was festooned with tin cans and any other receptacles that could be found to catch the drips... Yet there was a tremendous feeling of enthusiasm and pioneering at that time” (ANSTEE, 1985, p. 20).

79

União Soviética. No âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento, a

conferência delineou o primeiro conceito de CSS e definiu uma posição política comum

de negociação na ONU em relação aos programas de assistência técnica.

Organizado por Burma (futuro Mianmar), Ceilão (futuro Sri Lanka), Índia,

Indonésia e Paquistão, o encontro reuniu 29 países africanos e asiáticos, que abrigavam

cerca de dois terços da população mundial: além dos organizadores, participaram

Afeganistão, Arábia Saudita, Camboja, China, Costa do Ouro (futura Gana), Egito,

Etiópia, Filipinas, Iraque, Irã, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Libéria, Líbia, Nepal, Síria,

Sudão, Tailândia, Turquia, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul e Iêmen.

O principal objetivo da Conferência era o de reunir esses novos países para que

eles pudessem delinear, no campo internacional, um posicionamento comum em

diferentes áreas de cooperação. Essa articulação era considerada necessária para lidar com

seus problemas domésticos e globais, mas isso exigiria encontrar pontos comuns diante

da grande diversidade dos países reunidos. Desde as primeiras iniciativas de cooperação

entre os PEDs, o desafio sempre foi encontrar unidade diante da enorme diversidade e

assimetria entre eles. Esse foi o ponto central do discurso do então presidente da

Indonésia, Ahmed Sukarno, na abertura da Conferência:

Sim, há diversidade entre nós. Quem nega isso? Pequenas e grandes nações aqui representadas, com povos que professam quase todas as religiões sob o sol – Budismo, Islamismo, Cristianismo, Confucionismo, Hinduísmo, Jainaísmo, Sikhismo, Zoroastrismo, Xintoísmo e outros. Quase todas as fés políticas se encontram aqui – democracia, monarquia, teocracia, com inúmeras variantes. E praticamente todas as doutrinas econômicas têm seus representantes nessa sala – marhaenismo, socialismo, capitalismo, comunismo, em todas suas múltiplas variações e combinações. (...)

Mas que mal há na diversidade, quando há unidade no desejo? Essa conferência não é para se opor uns aos outros, é uma conferência de fraternidade. (...)

Todos nós, estou certo disso, estamos unidos por coisas mais importantes do que aquelas que superficialmente nos dividem. Estamos unidos, por exemplo, por um ódio comum ao colonialismo, em qualquer forma que ele possa aparecer. Nós estamos unidos por um ódio comum ao racismo. E estamos unidos por uma determinação comum de preservar e estabilizar a paz mundial. (...)

Relativamente falando, todos nós reunidos aqui hoje somos vizinhos. Quase todos nós temos laços de experiência comum, a experiência do colonialismo. Muitos de nós, as chamadas nações subdesenvolvidas, temos problemas econômicos mais ou menos semelhantes, de modo que cada um pode aproveitar da experiência e da ajuda uns dos outros. E eu acredito que posso dizer que todos nós possuímos os ideais de independência e liberdade

80

nacionais. Sim, temos muito em comum. Mas ainda sabemos muito pouco uns dos outros. (...) (SUKARNO, 1955, tradução nossa41).

A solidariedade entre os países participantes foi a principal ideia gestada pela

conferência. Essa ideia era entendida não apenas como uma manifestação do passado

histórico colonial e dos problemas econômicos semelhantes, mas também como a

demanda por independência política, pelo direito à uma inserção internacional autônoma

dos interesses estrangeiros e pela defesa da solução pacífica dos conflitos.

Nesse sentido, ficou conhecida como Espírito de Bandung a ideia de que “o

mundo colonizado agora emergiu para clamar seu espaço nos assuntos mundiais (...) o

espírito de Bandung foi a recusa tanto da subordinação econômica quanto da supressão

cultural – as duas maiores políticas do imperialismo. A audácia de Bandung produziu sua

própria imagem” (PRASHAD, 2007, pp. 45-46).

O Comunicado Final da Conferência Asiática-Africana ficou conhecido pelos

seus Dez Princípios42, mas o documento é muito mais amplo, tendo delineado as primeiras

ideias de cooperação internacional para o desenvolvimento entre os PEDs, isto é, de CSS.

41 Do original: “Yes, there is diversity among us. Who denies it? Small and great nations are represented here, with people professing almost every religion under the sun – Buddhism, Islam, Christianity, Confucianism, Hinduism, Jainism, Sikhism, Zoroastrianism, Shintoism, and others. Almost every political faith we encounter here - Democracy, Monarchism, Theocracy, with innumerable variants. And practically every economic doctrine has its representative in this hall - Marhaenism, Socialism, Capitalism, Communism, in all their manifold variations and combinations. (…) But what harm is in diversity, when there is unity in desire? This Conference is not to oppose each other, it is a conference of brotherhood. (…) All of us, I am certain, are united by more important things than those which superficially divide us. We are united, for instance, by a common detestation of colonialism in whatever form it appears. We are united by a common detestation of racialism. And we are united by a common determination to preserve and stabilize peace in the world. (…) Relatively speaking, all of us gathered here today are neighbours. Almost all of us have ties of common experience, the experience of colonialism. Many of us, the so-called "underdeveloped" nations, have more or less similar economic problems, so that each can profit from the others' experience and help. And I think I may say that we all hold dear the ideals of national independence and freedom. Yes, we have so much in common. And yet we know so little of each other” (SUKARNO, 1955). 42 Os Dez Princípios de Bandung são: “1. Respeito aos direitos humanos fundamentais e aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas. 2. Respeito à soberania e integridade territorial de todas as nações. 3. Reconhecimento da igualdade de todas as raças e da igualdade de todas as nações, grandes e pequenas. 4. Abstenção de intervenção ou interferência nos assuntos internos de outro país. 5. Respeitar o direito de cada nação de se defender individual ou coletivamente, de acordo com a Carta das Nações Unidas. 6. (a) Abstenção do uso de acordos de defesa coletiva para atender aos interesses particulares de qualquer uma das grandes potências. (b) Abstenção, por qualquer país, de exercer pressões em outros países. 7. Abstenção de atos ou ameaças de agressão ou do uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer país. 8. Solução de todas as disputas internacionais por meios pacíficos, tais como negociação, conciliação, arbitragem ou resolução judicial, bem como outros meios pacíficos de escolha das partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas. 9. Promoção de interesses e cooperação mútuos. 10. Respeito pela justiça e pelas obrigações internacionais” (ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG, 1955, tradução nossa).

81

Em primeiro lugar, o princípio de autodeterminação definido no comunicado

colocou que todos os países tinham o direito e a liberdade de escolher seus sistemas

econômicos e seu modelo de desenvolvimento, e isso deveria também orientar a

concepção dos projetos e programas de assistência técnica realizada pelos doadores e pela

ONU.

Em segundo lugar, o Comunicado expressou a ideia de que a cooperação entre os

PEDs era necessária para garantir sua autonomia em relação à pressão imperialista das

antigas metrópoles. Era evidente para os países asiáticos e africanos que a independência

formal não se traduziria automaticamente em independência econômica, e essa apenas

seria possível com a cooperação entre os PEDs. Tanto que os dois primeiros parágrafos

do Comunicado tratam justamente da cooperação econômica e técnica entre PEDs, e seu

conteúdo é considerado como a primeira definição de CSS formalmente publicada em um

documento internacional:

1. A Conferência Asiática-Africana reconheceu a urgência de promover o desenvolvimento econômico na região asiática-africana. Havia um desejo geral de cooperação econômica entre os países participantes com base no interesse mútuo e no respeito pela soberania nacional. (...) 2. Os países participantes concordaram em prestar assistência técnica mútua, na medida do possível, sob a forma de: especialistas, aprendizes, projetos-piloto e equipamentos para demonstração; intercâmbio de conhecimento e estabelecimento de institutos de treinamento e pesquisa nacionais e, sempre que possível, regionais, para a divulgação de conhecimentos técnicos e habilidades, em cooperação com as agências internacionais existentes (ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG, 1955, tradução nossa43).

A cooperação entre os PEDs estaria calcada nos princípios de respeito à soberania

e de interesse mútuo, e esses países acreditavam que era especialmente importante

promover o intercâmbio de conhecimento e especialistas entre esses países. A cooperação

cultural complementaria esses esforços, ao aproximar as visões de mundo dos países

africanos e asiáticos, por meio da cooperação entre instituições as técnicas, de ensino e

de pesquisa nacionais que se formavam naquele momento. O Comunicado salientou que

a cooperação entre os PEDs deveria ser direcionada para o intercâmbio de informações e

43 Do original: “1. The Asian-African Conference recognised the urgency of promoting economic development in the Asian-African region. There was general desire for economic co-operation among the participating countries on the basis of mutual interest and respect for national sovereignty. (...) 2. The participating countries agreed to provide technical assistance to one another, to the maximum extent practicable, in the form of: experts, trainees, pilot projects and equipment for demonstration purposes; exchange of know-how and establishment of national, and where possible, regional training and research institutes for imparting technical knowledge and skills in co-operation with the existing international agencies” (ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG, 1955).

82

a aquisição de conhecimento de outros países semelhantes, elementos que serão

fundamentais para a consolidação da CSS.

Em terceiro lugar, a Conferência Asiática-Africana definiu que a Primeira ONU

seria o espaço institucional de atuação dos PEDs. Como expressou o então Primeiro-

Ministro indiano e um dos líderes do movimento terceiro-mundista, Jawaharlal Nehru:

“Nós acreditamos que, a partir de Bandung, nossa grande organização, a ONU, derivou

sua força. Isso significa, por sua vez, que a Ásia e a África devem desempenhar um papel

crescente na condução e no destino da organização mundial” (NEHRU, 1961, p. 279 apud

PRASHAD, 2009, p. 41, tradução nossa44).

Os PEDs escolheram a ONU como o fórum legitimo para discutir suas demandas

em relação aos assuntos de desenvolvimento por três razões. Primeiramente, porque a

Carta da ONU legitimava seus pleitos, ao reconhecer a obrigação dos Estados em garantir

o desenvolvimento econômico para todos. Depois, porque os PEDs tinham maior

influência no processo de decisão da AGNU, devido ao princípio de um país-um voto (e

não com base em cotas, como é o caso do FMI e do Banco Mundial). E porque o trabalho

intelectual das agências e programas da ONU na área do desenvolvimento incluía

recomendações políticas que levavam em consideração as específicas condições

históricas e econômicas dos PEDs (MURPHY, 1983, p. 62).

Esses países passariam a atuar na ONU sob a alcunha de Terceiro Mundo, um

termo simbólico que buscava expressar as demandas dos PEDs no contexto da Guerra

Fria e de pós-descolonização. A expressão Terceiro Mundo foi cunhada pelo economista

Alfred Sauvy, em um artigo à revista O Observador, em 1952, fazendo um paralelo ao

Terceiro Estado francês, que consistia em um grupo heterogêneo, excluído tanto do clero

quanto da nobreza, e, portanto, assim como os PEDs, apartado dos principais canais

políticos e econômicos (SAUVY, 1952).

A partir da Conferência de Bandung, a expressão Terceiro Mundo ganhou um

duplo significado. Expressava, primeiramente, uma lógica geopolítica diferente da Guerra

Fria, que era Leste-Oeste: tratava-se da divisão Norte x Sul. O Terceiro Mundo buscava

se desvencilhar da dinâmica política e econômica do Primeiro Mundo, formado pelo

Ocidente (basicamente os Estados Unidos e a Europa Ocidental, enquadrados no bloco

capitalista e protegidos pelo sistema de segurança coletiva da Organização do Tratado do

44 Do original: “We believe that from Bandung our great organization, the United Nations, has derived its strength. This means in turn that Asia and Africa must play an increasing role in the conduct and destiny of the world organization” (NEHRU, 1961, p. 279 apud PRASHAD, 2009, p. 41).

83

Atlântico Norte – OTAN); e da dinâmica política e econômica do Segundo Mundo,

formado pelas Repúblicas Soviéticas.

Em segundo lugar, o termo Terceiro Mundo era mais do que uma posição

geográfica. Era o projeto político de um conjunto de países que compartilhava de uma

situação histórica e econômica e social comuns e que se uniram para buscar uma inserção

internacional independente da intervenção externa. Nas palavras de Prashad (2007, pp.

xviii-xix), tradução nossa45): “o projeto do Terceiro Mundo (a ideologia e as instituições)

permitiu que os fracos pudessem manter um diálogo com os poderosos, e tentou

responsabilizá-los por sua situação”.

Obviamente, a reação dos Estados Unidos e da Europa Ocidental ao Terceiro

Mundo e à Conferência de Bandung foi hostil, negando aos países africanos e asiáticos

uma posição de neutralidade na Guerra Fria e buscando medidas mais efetivas para

ampliar a dependência desses países para com suas economias, fornecendo auxílio técnico

e econômico46. Ao mesmo tempo, a emergência do Terceiro Mundo colocou novas

pressões sobre a ONU, trazendo para o centro de seus trabalhos de assistência técnica o

embate Norte-Sul que o então Secretário-Geral Dag Hammarskjöld havia se esforçado

em neutralizar.

1.4.4. As demandas de desenvolvimento do Terceiro Mundo na ONU

A consolidação do Terceiro Mundo como um grupo político fez com que os

Estados Unidos e a Europa Ocidental institucionalizassem a ajuda externa como uma

prática moral, justificada eticamente como uma contribuição dos países ricos para o

desenvolvimento da comunidade de Estados. O primeiro passo para a organização

institucional dos doadores ocidentais foi a criação do Grupo de Assistência ao

Desenvolvimento (GAD, do inglês Development Assistance Group), em 13 de janeiro de

1960. O grupo, formado por Alemanha, Bélgica, Canadá, França, Itália, Japão, Países

45 Do original: “The Third World project (the ideology and institutions) enabled the powerless to hold a dialogue with the powerful, and to try to hold them accountable” (PRASHAD, 2007, pp. xviii-xix). 46 Estratégia essa que foi, em vários casos, bem-sucedida. Como aponta Prashad (2007, p. 38), dos 29 países presentes na Conferência de Bandung, 6 haviam estabelecido profundos arranjos econômicos e militares com países do Primeiro Mundo. Paquistão, Filipinas, Tailândia, Iraque, Irã e Turquia fizeram acordos com Estados Unidos e Reino Unido sob o argumento de defesa contra a ofensiva comunista. Além dos acordos militares, foram permitidas a instalação de bases americanas nesses países e a abertura de seus mercados para as empresas americanas.

84

Baixos e Portugal, tinha como objetivo fazer consultas entre os doadores sobre como

prover assistência aos PEDs.

No ano seguinte, decidiu-se trazer os trabalhos desse grupo para o interior da

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Então, em

1961, o DAG tornou-se o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE (CAD-

OCDE), com a inclusão do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Comissão Europeia

como membros. Ao longo da década, outros países industrializados aderiram ao comitê:

Noruega, em 1962; Dinamarca, em 1963; Áustria e Suécia, em 1965; Austrália, em 1966;

e Suíça, em 1968 (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND

DEVELOPMENT, 2016 a).

O CAD-OCDE consolidou-se como um fórum de países doadores responsável por

criar e monitorar a arquitetura da cooperação internacional para o desenvolvimento a

partir da década de 1960. Ele é considerado o “contador moral” do regime de ajuda, ou

“o autenticador da ajuda externa como uma prática virtuosa” (HATTORI, 2003, p. 241,

tradução nossa47). O próprio nome do comitê remete à ideia de assistência como uma

dádiva concedida aos PEDs, um eufemismo para a dominação simbólica dos Estados

Unidos e da Europa Ocidental no período da Guerra Fria.

No âmbito da ONU, o discurso do Presidente John F. Kennedy na abertura da

AGNU, em 25 de setembro de 1961, inaugurou a prática da ajuda externa focada no

Terceiro Mundo, ao propor que os anos 1960 fossem a Década do Desenvolvimento nas

Nações Unidas: “(...) minha nação, que livremente compartilhou seu capital e sua

tecnologia para ajudar os outros a se ajudarem, agora propõe oficialmente designar a

década de 1960 como a Década de Desenvolvimento da ONU” (KENNEDY, 1961,

tradução nossa48).

Essa proposta veio inteiramente da administração Kennedy, e, quando anunciada

na abertura da AGNU, foi uma surpresa tanto para os demais Estados-membros quanto

para os funcionários da ONU. Em entrevista para o Projeto de História Intelectual da

ONU, H. Singer relembrou que: “(...) quando Kennedy proferiu suas palavras mágicas,

47 Do original: “moral bookkeeper”; “authenticator of foreign aid as a virtuous practice” (HATTORI, 2003, p. 241). 48 Do original: “(...) my Nation, which has freely shared its capital and technology to help others help themselves, now proposes officially designating the decade of the 1960s as the United Nations Decade of Development” (KENNEDY, 1961).

85

elas foram uma completa surpresa para mim. (...) Minha lembrança é que nós não

tínhamos sido avisados na ONU, pelo menos eu não sabia” (SINGER, 2000, p. 100).

Com a liderança dos Estados Unidos, o CAD-OCDE se tornou o nódulo

dominante da arquitetura da governança global da ajuda, e seus países membros foram

responsáveis por regular a maior parte da assistência bilateral. Após o processo de

descolonização, praticamente todos os países recém-criados dependiam dos recursos

provenientes dos CAD-OCDE.

Por conta dessa dependência, nos primeiros anos da década de 1960, o objetivo

do Terceiro Mundo foi fazer com que a ajuda fosse menos bilateral (onde os doadores

teriam maior controle do processo) e mais canalizada para a ONU. Com isso, eles

poderiam ter acesso aos recursos dos doadores sem necessariamente estarem atrelados ao

alinhamento da Guerra Fria, e conseguiriam garantir alguma influência na definição dos

projetos, de acordo com suas prioridades nacionais.

Essa foi uma das principais bandeiras da Primeira Conferência do Movimento dos

Não-Alinhados (MNA), que ocorreu de 1 a 6 de setembro de 1961, em Belgrado. Além

dos cinco princípios de não-alinhamento a um dos blocos da Guerra Fria49, o MNA passou

a atuar como um grupo político na ONU, com o propósito de garantir o espaço dos PEDs

no interior dessa organização, uma vez que, de acordo com o grupo, ela foi construída

considerando prioritariamente os interesses das grandes potências.

Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, os Chefes de Estado

e Governo do MNA afirmaram, na Declaração de Belgrado, que: “os países recipiendários

devem ser livres para determinar o uso da assistência econômica e técnica recebida,

definir seus próprios planos e estabelecer suas prioridades de acordo com suas

necessidades” (NON-ALIGNED MOVEMENT, 1961, p. 5, § 23, tradução nossa50).

49 Vinte e cinco países estiveram presentes na Conferência de Belgrado: Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Burma, Camboja, Ceilão, Chipre, Congo, Cuba, Etiópia, Gana, Guiné, Iêmen, Índia, Indonésia, Iraque, Iugoslávia, Líbano, Mali, Marrocos, Nepal, República Árabe Unida, Somália, Sudão e Tunísia. Além disso, houve três países observadores: Bolívia, Brasil e Equador. O MNA ficou conhecido por seus cinco princípios de não-alinhamento, que são: 1. Adotar uma política independente de coexistência pacífica e não alinhamento; 2. Apoiar movimentos de independência nacional; 3. e 4. Não ser membro de alianças militares multilaterais ou bilaterais que afetem o equilíbrio de poder bipolar; e 5. A concessão de bases militares não pode afetar o equilíbrio de poder bipolar (NON-ALIGNED MOVEMENT, 1961, pp. 3-4). Na prática, esses cinco princípios foram muito difíceis de cumprir por parte dos países membros do MNA, e o não-alinhamento se consolidou muito mais como a busca por autonomia do que pela neutralidade na Guerra Fria. 50 Do original: “The countries participating in the Conference declare that the recipient countries must be free to determine the use of the economic and technical assistance which they receive, and to draw up their

86

A identificação do então Secretário-Geral da ONU – o diplomata birmanês U

Thant (1961-1971) – com a demanda do movimento terceiro mundista em canalizar a

ajuda externa para o sistema ONU, facilitou a consolidação de uma visão específica de

desenvolvimento no interior da organização. Em primeiro lugar, os países do Terceiro

Mundo não seriam mais chamados de periféricos ou de subdesenvolvidos, mas sim de

“países em desenvolvimento” (PEDs). Ademais, os programas para a promoção do

desenvolvimento na ONU teriam quatro orientações: o conceito da tese Singer-Prebisch

de que o desenvolvimento seria alcançado com a industrialização e o aumento da

produtividade; o papel central dos Estados no planejamento econômico, que deveria ser

feito segundo as prioridades nacionais; o compromisso e a obrigação dos países

industrializados em conceder os recursos financeiros necessários para suprir a

necessidade de capital dos PEDs; e a criação de novas entidades no interior do sistema

ONU, que tivessem mandatos focados exclusiva e especificamente nos problemas dos

PEDs.

A primeira nova entidade criada com esse enfoque foi a Conferência das Nações

Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), em 196451. A UNCTAD tinha

o mandato de discutir os constrangimentos externos ao desenvolvimento e negociar entre

todos os Estados-membros da ONU uma nova política comercial para o desenvolvimento

dos PEDs. Com a conferência, os PEDs puderam legitimar uma série de demandas na

área de interconexão entre desenvolvimento e comércio internacional: maior espaço para

seus produtos nos mercados dos países desenvolvidos; melhores condições de preço das

matérias primas; mecanismos financeiros compensatórios para garantir termos mais

favoráveis de acesso aos recursos financeiros; e um sistema tarifário especial, o sistema

geral de preferências.

A criação da UNCTAD consolidou o primeiro espaço institucional próprio do

Terceiro Mundo na área comercial, em contraposição ao FMI, ao Banco Mundial e ao

Acordo Geral de Tarifas e Comércio52 (GATT, do inglês, General Agreement on Tariffs

own plans and assign priorities in accordance with their needs (NON-ALIGNED MOVEMENT, 1961, p. 5, § 23). 51 O foco dessa tese não é a cooperação econômica Sul-Sul, por isso, a análise sobre a UNCTAD será breve, apenas para contextualizar a criação de um dos grupos políticos mais importantes na ONU para o tema da CSS, que é o G-77. Sobre o conteúdo das negociações da UNCTAD em temas comerciais, ver TOYE, 2014. 52 O GATT foi o arranjo de comércio internacional criado no período do pós-guerra, após o fracasso de criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), que seria responsável pela liberalização do comércio mundial. Mas as forças conservadoras no Congresso americano, interessadas na manutenção de políticas tarifárias, levaram à não-ratificação do tratado constitutivo da OIC, inviabilizando sua criação.

87

and Trade), onde predominava a visão dos países industrializados. Enquanto as IBW e o

GATT mantinham os PEDs em uma posição marginal nas negociações, a UNCTAD

permitiu que eles articulassem estratégias para negociar melhores termos de troca. Como

colocado por Prashad (2007, p. 70, tradução nossa53): “a UNCTAD desafiou o poder das

corporações globais do Primeiro Mundo e seu direito de senhoriagem sobre os produtos

do antigo mundo colonizado”.

Liderada por Raúl Prebisch, a UNCTAD causou uma verdadeira mudança no

pensamento econômico da ONU, da ortodoxia para a heterodoxia (TOYE; TOYE, 2004,

p. 5). Essa posição foi criticada pelos países industrializados, especialmente em relação

à postura do Secretariado da ONU. A delegação dos Estados Unidos, liderada pelo

diplomata Richard Gardner, chegou a descrever a atuação dos funcionários da UNCTAD

de “Sectáriado”, ao afirmar que eles não estavam trabalhando com a neutralidade que a

Segunda ONU deveria, claramente privilegiando os interesses de um grupo de Estados-

membros, os PEDs. Em resposta, Prebisch afirmou:

Pela definição de meu mandato, procuro por arranjos que serão favoráveis à posição dos países em desenvolvimento. É esse o mandato da UNCTAD. Agora, eu devo ser imparcial diante de todas as partes da comunidade das Nações Unidas, e nós tentamos ser sempre imparciais. Mas, quanto à ser neutro, nós somos tão neutros em relação ao desenvolvimento quanto a Organização Mundial da Saúde é neutra em relação à malária (PREBISCH, 1964 apud TOYE, 2014, p. 21, tradução nossa54).

Além da posição do Secretariado, um outro problema levantado na I UNCTAD

foi a unidade do Terceiro Mundo. Durante as negociações, as diferenças entre os PEDs

em relação aos temas de comércio internacional dificultaram a adoção de uma posição

Assim, 23 países decidiram adotar apenas o capítulo 4 da Carta de Havana, referente às negociações de tarifas e regras de comércio, passando a ser chamado de GATT (THORSTENSEN, 2003, p. 30). Embora não fosse uma organização internacional estrito senso, o GATT foi um fórum de negociação, criação e supervisão de normas comerciais, com base no princípio da nação mais favorecida, que dava aos membros um tratamento de não-discriminação e reciprocidade. Privilegiando o acesso à exportação de manufaturas dos países industrializados, o GATT apresentava poucas exceções, como o caso do Artigo XVIII, que tolerava a proteção da indústria nascente. 53 Do original: “The UNCTAD challenged the power of the First World’s global corporations and its droit de seigneur on the products of the formerly colonized world” (PRASHAD, 2007, p. 70). 54 Do original: “By definition of my mandate I am looking for arrangements which will favour the position of the developing countries. That is what the mandate of UNCTAD is about. Now, I have to be impartial to all parties in the United Nations community, and we are striving to be impartial at all times. But as for neutrality, we are not more neutral to development than WHO [the World Health Organization] is neutral to malaria” (PREBISCH, 1964 apud TOYE, 2014, p. 21).

88

negociadora comum, o que quase comprometeu o resultado da conferência55. Porém, em

15 de junho de 1964, no último dia de negociações, os grupos dos países africanos,

asiáticos e latino-americanos assinaram a Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países,

que fundou o Grupo dos Setenta e Sete (G-77), uma coalizão de 75 países em

desenvolvimento56 que se comprometeram a manter uma posição unificada nas

negociações comerciais.

A criação do G-77 teve como princípio favorecer uma posição comum entre os

PEDs, mesmo que isso significasse sacrificar alguns interesses nacionais durante as

negociações e adotar posições mais gerais. Por isso, as assimetrias e as diferenças entre

esses países foram tratadas, na Declaração Conjunta, como elementos de força do G-77,

pois a unidade viria da solidariedade e do respeito a tal diversidade. De acordo com a

declaração:

Os países em desenvolvimento consideram a sua própria unidade, a unidade dos 75, como o destaque dessa Conferência. Esta unidade surgiu do fato de que, ao enfrentar os problemas de desenvolvimento, esses países têm o interesse comum em uma nova política para o comércio internacional e o desenvolvimento. (...) Sua solidariedade foi testada no decorrer da conferência, e os países em desenvolvimento emergiram dela com mais unidade e força (GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN, 1964, § 7, tradução nossa57).

Em que pese a articulação informal e as dificuldades em alinhar suas posições, o

G-77 tornou-se o grupo político mais importante dos PEDs no que se refere às

negociações da ONU sobre o tema do desenvolvimento. Em seus primeiros anos, o grupo

conseguiu canalizar maior pressão para a expansão dos programas de assistência técnica

na ONU.

55 Na I UNCTAD, o método de trabalho definido foi o de voto em grupo, ao invés de votos individuais. Havia quatro grupos negociadores: o Grupo A, formado por países da Ásia e da África, cuja agenda era aprovar um acordo internacional para a estabilização do preço das commodities; o Grupo B, composto pelos países industrializados, que se opunha ao acordo sobre as commodities e pressionava pela redução de tarifas do Terceiro Mundo; o Grupo C, formado pelos países da América Latina e do Caribe, que desejam aprovar medidas de proteção à indústria nascente; e o Grupo D, composto pelos chamados países de comércio estatal, cuja agenda era garantir o acesso a mercados fora do bloco soviético. Diante da incapacidade dos grupos em conseguir articular uma maioria para aprovar o acordo, os Grupos A e D decidiram votar em uma posição consensual, criando, assim, o G-77 (TOYE; TOYE, 2004, pp. 20-21). 56 A princípio, 77 países unificaram suas posições nas negociações, incluindo Japão e Austrália. Porém, esses dois países não assinaram a Declaração Conjunta. Mesmo assim, os demais países decidiram por manter o nome original do G-77 devido à sua significância histórica. 57 Do original: “The developing countries regard their own unity, the unity of the seventy-five, as the outstanding feature of this Conference. This unity has sprung out of the fact that facing the basic problems of development they have a common interest in a new policy for international trade and development. (...) Their solidarity has been tested in the course of the Conference and they have emerged from it with even greater unity and strength” (GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN, 1964, § 7).

89

1.4.5. A criação do PNUD

Nos anos 1960, uma das maiores conquistas do Terceiro Mundo na ONU foi a

criação de uma entidade responsável por coordenar suas atividades de desenvolvimento.

Em 11 de agosto de 1964, o ECOSOC recomendou, pela resolução E/RES/1020

(XXXVII), a fusão do EPTA e do Fundo Especial das Nações Unidas para o

Desenvolvimento Econômico (SUNFED, do inglês Special United Nations Fund for

Economic Development58), de modo a criar uma nova entidade, o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Em 22 novembro de 1965, a Assembleia Geral, por meio de sua resolução

A/RES/2029 (XX) de fato consolidou a criação do PNUD, que iniciou seus trabalhos em

1 de janeiro de 1966. Com isso, a ONU efetivamente transformou-se em uma organização

internacional voltada para a promoção do desenvolvimento, criando o Sistema de

Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU), onde o PNUD teria o mandato de ser o

coordenador central de todas as atividades, programas e projetos na área de cooperação

técnica tradicional, conduzidos tanto pelo Secretariado quanto pelas agências

especializadas.

O PNUD tinha como função oferecer financiamento para quatro componentes de

cooperação técnica: i) contratação de especialistas nas áreas necessárias para construir

projetos de desenvolvimento, com contratos de longo prazo; ii) bolsas de estudo para que

funcionários e outros profissionais dos PEDs pudessem receber treinamento no exterior;

iii) compra de equipamentos e serviços; iv) contratação de consultores, com contratos de

curto prazo, com tarefas específicas dentro de um projeto maior.

Paul Hoffman e David Owen, respectivamente o primeiro Administrador e Vice

Administrador do PNUD, cultivaram uma forte cultura organizacional no PNUD, ao

escolherem funcionários que compartilhavam seus valores em relação ao

desenvolvimento. Os funcionários do programa eram, em sua maioria, “ ‘socialistas não-

doutrinários da velha escola’, pessoas profundamente preocupadas com o bem-estar

58 A discussão do SUNFED será feita na parte 3, sobre o financiamento do desenvolvimento na década de 1950. O SUNFED foi criado em 1957, um pequeno fundo com o propósito de financiar projetos e estudos de viabilidade de cooperação técnica, ampliando o escopo de atuação do EPTA.

90

social e convencidas que o Estado tinha um papel central e positivo” (MURPHY, 2006,

p. 75, tradução nossa59).

Esses funcionários carregavam a ideia de planejamento estatal deveria ser o fio

condutor dos programas nacionais desenvolvidos pelo PNUD em seus primeiros anos.

Tais programas delineavam um planejamento econômico coerente para o país

recipiendário e o PNUD deveria conectar as demandas nacionais com as especialidades e

as capacidades técnicas disponíveis no exterior.

Outro funcionário que se destacou nos primeiros anos por promover a ideia de

planejamento econômico foi o primeiro representante residente do PNUD no Haiti,

Arthur Wakefield. Ele definiu dois elementos que deveriam estruturar os programas

nacionais, que ficaram conhecidos como “princípios de Wakefield”. O primeiro princípio

– “ajudar as pessoas a ajudarem elas mesmas” – visava se opor aos programas top-down

e paternalistas de desenvolvimento como aqueles que os Estados Unidos haviam

desenvolvido no Haiti de 1914 a 1937. Os programas nacionais deveriam ser construídos

e liderados pelos PEDs eles mesmos. O segundo princípio – “evitar publicidade” – se

opunha à divulgação dos projetos com tons publicitários. Tanto os doadores, quanto a

AGNU e o ECOSOC, tinham a tendência de apresentar os resultados da cooperação

técnica como “histórias de sucesso”. Para Wakefield, isso deveria ser evitado, por dois

motivos: primeiramente, porque os resultados dos programas nacionais nem sempre eram

positivos; e, em segundo lugar, porque se o programa tivesse prosperado, o sucesso

deveria ser creditado ao próprio país, e não aos doadores ou à ONU (RUHLMAN, 2015,

p. 106).

O Vice Administrador D. Owen incorporou esses princípios ao trabalho regular

do PNUD, como uma visão comum de atuação dos programas de assistência técnica.

Entretanto, rapidamente os funcionários do PNUD perceberam que, em campo,

praticamente nenhum PED apresentava a capacidade de desenvolver um programa

nacional, e muito menos mapear quais eram as necessidades e carências que deveriam ser

supridas pelos programas do PNUD. Os países recipiendários tinham enorme dificuldade

em coordenar todas as atividades de assistência técnica, multilaterais e bilaterais, e, no

âmbito do PNUD, poucos conseguiam, por si mesmos, estabelecer as Estimativas de

59 Do original: “ ‘non-doctrinaire socialist(s) of the old school’, people deeply concerned about social welfare and convinced that the state had a central and positive role to play” (MURPHY, 2006, p. 75).

91

Volume de Recursos (IPFs, do inglês, Indicative Planning Figures60) em relação aos

projetos desenvolvidos.

Outro entrave era a discrepância entre as exigências burocráticas e logísticas dos

funcionários do PNUD em relação àquilo que esperavam encontrar nos países onde

atuavam e aquilo que de fato encontravam na realidade nacional e o que os PEDs eram

efetivamente capazes de cumprir. Por exemplo, os projetos exigiam que os governos

recipiendários garantissem os salários, a acomodação e o transporte dos funcionários do

PNUD, o que requereria uma infraestrutura e instituições que eram inexistentes em

campo. Richard Symonds61, funcionário do Quadro de Assistência Técnica da ONU entre

1950-1965, ao relatar sua experiência em Ruanda, afirmou: “as regulações que faziam

sentido em Nova York não faziam nenhum sentido em um país tão pobre. O governo

deveria prover transporte para nossos especialistas, mas o transporte total à disposição

era o Volkswagen presidencial” (SYMONDS, s.d. apud MURPHY, 2006, p. 105,

tradução nossa62).

Em virtude do descompasso entre o planejamento realizado pelo PNUD e a

viabilidade do projeto em campo, vários erros de execução ocorreram. Nessa década, a

assistência ao desenvolvimento seguia o sentido tradicional, das agências especializadas

da ONU para os PEDs. A execução era de responsabilidade exclusiva de cada uma das

agências, e já se evidenciava uma competição entre elas acerca de quais seriam as maiores

provedoras de assistência técnica em um determinado país. A prioridade do PNUD era

crescer as atividades, em detrimento da identificação das necessidades dos PEDs ou da

flexibilização e adequação dos programas à realidade em campo.

Outra questão era que corpo de especialistas do PNUD era formado por

planejadores econômicos, estatísticos e engenheiros, cujas especialidades eram

fundamentais para elaborar os projetos de desenvolvimento nos PEDs. Mas esses países

demandavam também um outro conjunto de profissionais – especialistas em promoção

comercial, empreendedores, especialistas em marketing, gerentes de empresas privadas –

que o PNUD não era capaz de prover. A ausência de tais especialistas foi uma decisão

60 O papel das IPFs será discutido na parte 3, sobre o financiamento das atividades de desenvolvimento. 61 Richard Symonds foi um dos primeiros funcionários da ONU. Trabalhou, na Índia, na Administração das Nações Unidas para Auxílio e Reabilitação (UNRRA – do inglês, United Nations Relief and Rehabilitation Administration), criada em novembro de 1943 para prover auxílio aos refugiados da Segunda Guerra Mundial. 62 Do original: “Regulations which made sense in New York made none in a country as poor as this. The Government was required to provide transport for our experts, but the total transport at its disposal was the Presidential Volkswagen” (SYMONDS apud MURPHY, 2006, p. 105).

92

deliberada de Hoffmann e Owen em concentrar o corpo de funcionários internacionais

nas carreiras e formações alinhadas à sua própria formação, consolidando uma cultura

burocrática específica entre profissionais que compartilhavam uma visão do papel de

planejamento e coordenação por parte do PNUD, ao invés de práticas voltadas ao

comércio e ao setor privado.

A cultura burocrática do PNUD cultivada por Hoffmann e Owen também resultou

em uma postura acrítica em relação à construção de capacidades e especialidades nos

PEDs: “nos dias de Hoffmann e Owen, a noção de que a imposição de uma

‘especialidade’ poderia ser parte do problema do subdesenvolvimento, ao invés da parte

de sua solução, nunca foi considerada” (MURPHY, 2006, p. 108, tradução nossa63). Isso

levou a uma postura de superioridade dos funcionários em Nova York, que concediam

um tratamento condescendente, e até mesmo, em algumas situações, colonial e racista,

aos funcionários dos escritórios nacionais na América Latina, na África e na Ásia.

Ao final da década de 1960, Hoffman solicitou um balanço das atividades de

assistência ao desenvolvimento conduzidas pelo EPTA, pelo SUNFED e pelo PNUD até

então. O estudo, conduzido pelo australiano Robert Jackson64, na época contratado por

Hoffman como consultor do PNUD, foi lançado em 1969, com o título “Um estudo da

capacidade do Sistema de Desenvolvimento da ONU”. Conhecido como Relatório

Jackson, ou Estudo da Capacidade, o documento trazia severas críticas às limitações da

ONU em promover o desenvolvimento dos PEDs.

Além dos problemas de governança oriundos da descentralização do SDNU65,

Jackson apontou que, em uma década, a ONU havia sido incapaz de criar técnicas

eficientes para transferir tecnologias, conhecimento e experiência para os PEDs, bem

como atrair funcionários capazes de elaborar programas adequados às demandas

operacionais dos recipiendários. Sua conclusão foi a seguinte:

Pode-se sentir admiração e simpatia pelos administradores dos sucessivos programas do EPTA, do Fundo Especial e do PNUD, em seus esforços de

63 Do original: “in Owen and Hoffman’s day the notion that the imposition of ‘expertise’ could be part of the problem of underdevelopment, rather than part of its solution, was never considered” (MURPHY, 2006, p. 108). 64 Jackson atuou no sistema ONU desde sua criação. Entre 1945-1947, foi Vice-Diretor-Geral da UNRRA; entre 1947-1950, foi assistente de Trygve Lie, o primeiro Secretário-Geral da ONU; e entre 1953-1961, trabalhou no projeto de desenvolvimento de infraestrutura do Rio Volta, em Gana. Começou a trabalhar no PNUD em 1962, quando foi contratado como consultor de Hoffman. Entre 1961 a 1971, quando saiu do PNUD, Jackson havia trabalhado com projetos de desenvolvimento em mais de 60 países. 65 As críticas e recomendações relacionadas à governança discutidas pelo Relatório Jackson serão analisadas na parte 2.

93

superar os inúmeros obstáculos administrativos e processuais apresentados pelos sistemas de desenvolvimento da ONU. Mas nada disso deve mascarar a verdade básica e séria: que, em última análise, os principais perdedores foram os países em desenvolvimento, porque a maquinaria pesada inventada ao longo dos anos só poderia ser mantida à custa da eficiência operacional dos programas de cooperação realizada em seu nome (UNITED NATIONS, 1969, p. 23, tradução nossa66).

O Estudo da Capacidade foi muito mal recebido pelos Administradores do PNUD,

que consideraram excessivas e pouco práticas as críticas e recomendações apontadas por

Jackson. Mas, da perspectiva dos PEDs, o relatório ofereceu uma base para demandar

reformas nos programas de cooperação técnica.

No âmbito das ideias, o Terceiro Mundo questionava o sentido dessa cooperação,

que ia das agências para os PEDs. As agências tinham o poder de definir os projetos,

construir instituições e capacidades segundo seu próprio conhecimento e visão, que

vinham principalmente de funcionários que estudaram e se formaram em PDs, ou que

estavam comprometidos com a agenda dos países doadores. O depoimento de R. D.

Makkar, funcionário do escritório do EPTA na Índia em 1964, demonstra, da perspectiva

do Secretariado, esse problema em relação aos doadores:

Algum Johnny corajoso sempre me ditava, por trás do meu ombro, sobre como escrever a formulação do meu projeto [para que refletisse] a orientação de certos grandes doadores, que queriam que o país se movesse em uma determinada direção, e não a direção que o próprio país gostaria de tomar. Isso privava pessoas como eu ... de certo senso de satisfação, ao não poder dar opiniões e visões honestas sobre essas coisas. Eu estava um pouco sufocado (MAKKAR, 2004 apud MURPHY, 2006, p. 109, tradução nossa67).

As orientações definidas pelos doadores atrelavam a concessão de assistência a

certos tipos de vinculação e condicionalidades. Um dos tipos mais comuns de vinculação

era a obrigatoriedade da compra ou contratação de bens, serviços ou mão de obra do país

doador. Havia, ainda, condicionalidades políticas, como a adoção de regimes políticos e

66 Do original: “One can feel admiration and sympathy for the administrators of the successive programmes of EPTA, the Special Fund, and UNDP, in their efforts to surmount the endless administrative and procedural hurdles presented by the UN development systems. But none of this should mask the basic, sobering truth: that, in the final analysis, the principal losers were the developing countries, because the cumbersome machinery devised over the years could only be maintained at the expense of the operational efficiency of the programmes of co-operation carried out on their behalf” (UNITED NATIONS, 1969, p. 23). 67 Do original: “Some brave Johnny was always dictating to me from behind my shoulder as to how to write my project formulation [to reflect] the orientation of certain major donors who wanted the country to move in a particular direction, not the direction the country itself would have liked to go. This deprived people like me... of a certain sense of satisfaction in not being able to give honest opinions, views about these things. I was getting a bit suffocated” (MAKKAR, 2004 apud MURPHY, 2006, p. 109).

94

econômicos específicos ou o estabelecimento de relações preferenciais no bojo da Guerra

Fria.

Rapidamente, a ideia de dádiva predominante nos anos 1950-1960 foi substituída

por uma relação de tensão entre doadores e recipiendários. Ao contrário do otimismo da

década anterior, de que a ONU conseguiria promover o desenvolvimento dos PEDs por

meio da assistência técnica financiada pelos PDs, os anos 1970 foram marcados pelos

antagonismos entre os países ricos e industrializados – o Norte – e os países pobres e em

desenvolvimento do Terceiro Mundo – o Sul. Nesse contexto, emergem as primeiras

iniciativas de institucionalização da cooperação entre os PEDs, como será visto no

capítulo seguinte.

95

CAPÍTULO 2 – A EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DA IDEIA

DE COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE PAÍSES EM

DESENVOLVIMENTO COMO UMA NOVA DIMENSÃO DA

COOPERAÇÃO TÉCNICA TRADICIONAL DA ONU (ANOS 1970-

1980)

O capítulo tem como objetivo apresentar a emergência e consolidação da ideia de

CSS como Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (CTPD), e seu

processo de integração nos trabalhos do SDNU.

O primeiro passo será apresentar o embate Norte x Sul nos anos 1970 e a proposta

de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), que foram o pano de fundo dos

primeiros debates para definir o posicionamento do SDNU na promoção da CSS. Sob a

rubrica de CTPD, a cooperação entre os PEDs emergiu como parte do processo de dar

substância à proposta da NOEI. A natureza ideológica do tema na ONU foi uma parte

crucial das discussões, porque o Terceiro Mundo estava interessado em canalizar a CTPD

como uma alternativa política e ideológica à cooperação tradicional.

Esse processo se consolidou com a realização da primeira Conferência sobre

CTPD, em Buenos Aires, em 1978. Os Estados participantes adotaram o Plano de Ação

de Buenos Aires, conhecido como BAPA (da sigla em inglês, Buenos Aires Plan of

Action). O BAPA foi o primeiro quadro conceitual e guia prático para promover a CTPD

por todo o SDNU. O plano de ação reconheceu a importância da solidariedade entre os

PEDs e as novas circunstâncias de interdependência. Com base nos arquivos da ONU,

serão discutidas as etapas de preparação para a conferência, o processo de negociação em

Buenos Aires e o conteúdo final do plano de ação.

Por fim, o capítulo irá analisar como os esforços de implementação do BAPA

conduziram o processo de integração da CTPD ao SDNU nos anos 1980. Esse foi o

primeiro passo para que o SDNU pudesse promover formas de criar, adaptar e transferir

o conhecimento gerado nos PEDs com enfoque na autossuficiência nacional e coletiva.

Mas isso significava alterar a forma de pensar, estruturar e conduzir a cooperação técnica

da ONU, sendo necessário também discutir os entraves a essa incorporação no campo das

ideias.

96

2.1. Origens: a Nova Ordem Econômica Internacional e a ideia da CTPD

O conflito Norte x Sul foi tão profundo quanto o conflito bipolar, e intensificado

pelas crises econômicas anos 1970, e, em especial, pelo choque do petróleo em 1973.

Com a articulação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)68, o preço

do barril do petróleo subiu de US$ 3,02 dólares para US$ 11,60 entre 1973 e 1974,

afetando severamente tanto as economias industrializadas quanto os países em

desenvolvimento, dependentes da importação dessa commodity.

Mas, ao invés de dividir politicamente os PEDs entre os exportadores e os

importadores de petróleo, o episódio conduziu, no âmbito da ONU, a um fortalecimento

da posição do G-77, ao usar o preço do petróleo como um instrumento de barganha contra

os países industrializados. O então Primeiro Ministro do Paquistão, Zulfikar Ali Bhutto,

em artigo disponível nos arquivos oficiais da ONU, resumiu o espírito do Terceiro Mundo

após o choque do petróleo:

Mas o próprio desenvolvimento em relação ao preço de uma commodity, o petróleo, demonstrou o efeito que pode ser alcançado pela unidade de propósito e pelo esforço da vontade política e econômica dos países produtores. Isso mostrou que instituições de longa data se desmoronam, e as práticas econômicas convencionais perdem vigor, quando as nações se unem para seu benefício comum em momentos decisivos na história (BHUTTO, 1976, p. 4, tradução nossa69).

Nós, do Terceiro Mundo, estamos unidos pelo nosso sofrimento comum e nossa luta comum contra a exploração. Independentemente dos nossos sistemas políticos ou de nossas perspectivas externas, temos o mandato comum de libertar a maioria mundial do estrangulamento da ordem econômica. Precisamos desenvolver uma personalidade própria. Não deixemos essa personalidade ser rasgada pela esquizofrenia, que é causada pela incapacidade de conciliar interesses de curto prazo com metas de longo prazo (BHUTTO, 1976, p. 9, tradução nossa70).

68 A OPEP foi criada em 1960, na Conferência de Bagdá, e teve como países fundadores a Arábia Saudita, o Irã, o Iraque e a Venezuela. Ao longo das décadas seguintes, outros países exportadores de petróleo se juntaram à organização: Catar, em 1961; Indonésia e Líbia, em 1962; Emirados Árabes Unidos, em 1967; Argélia, em 1969; Nigéria, em 1971; e Equador, em 1973. 69 Do original: “But the development itself relating to the price of one commodity, oil, demonstrated the effect that can be achieved by a unity of purpose and the exertion of the political and economic will of the producing countries. It showed that long-standing institutions crumble, and conventional economic practices wither, when nations unite for their common benefit at turning-points in history” (BHUTTO, 1976, p. 4). 70 Do original: “We in the Third World are united by our common suffering and our common struggle against exploitation. Regardless of our political systems or our external outlook, we have the common mandate to extricate the world’s majority from a throttling economic order. We need to develop a

97

O momento de unidade política resultante da crise do petróleo foi canalizado para

a negociação e efetivação de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI). Em

nome do MNA, Houari Boumediène, então Presidente da Argélia71, enviou uma carta

oficial ao então Secretário-Geral da ONU, o austríaco Kurt Waldheim, em 30 de janeiro

de 1974 (A/9541), solicitando a organização da 6ª Sessão Extraordinária da Assembleia

Geral da ONU.

O principal objetivo dessa conferência, intitulada “Estudo dos problemas dos

recursos naturais e desenvolvimento”, seria o de definir medidas para enfrentar a crise

energética, por meio da redução da desigualdade entre os países ricos e os países pobres.

Isso porque, nos anos 1970, era evidente que a falta de um “Plano Marshall mundial”

colocava como principal problema a assimetria de desenvolvimento entre os países ricos

e países pobres.

As regras de procedimento 8 (a), 9 e 10 da Assembleia Geral definem que a

realização de uma sessão extraordinária deve ser aprovada em um período de 30 dias a

contar da data de solicitação por um dos Estados-membros, por uma maioria simples dos

votos. Em menos de duas semanas, os PEDs se articularam e conseguiram os 68 votos

necessários para aprovar a sessão, que se iniciou em 09 de abril de 1974.

A 6ª Sessão Extraordinária inaugurou, na AGNU, a ideia de interdependência

entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento como a base para a cooperação.

Todos os discursos na plenária de abertura reconheceram que o contexto de negociações

necessariamente teria que ser conduzido com a premissa de que nenhum Estado-membro

da ONU teria condições de se recuperar das crises econômicas da década de 1970 sem a

cooperação com as demais nações.

personality of our own. Let not this personality be torn by schizophrenia which is caused by the failure to reconcile short-term interests with long-term goals” (BHUTTO, 1976, p. 9). 71 Na carta endereçada ao Secretário-Geral, o MNA justificou a realização da conferência da seguinte forma: “Nos últimos anos, as Nações Unidas tentaram estabelecer as condições para a democratização das relações internacionais em vários campos. Os progressos realizados na descolonização permitiram à Organização e às agências do sistema das Nações Unidas concentrar sua atenção nos problemas de desenvolvimento, graças principalmente à determinação dos países do Terceiro Mundo em criar condições nacionais e internacionais para que as relações de dominação existentes pudessem ser substituídas por relações justas, baseadas na igualdade e no respeito pela soberania dos Estados. (...) É neste contexto que os países em desenvolvimento devem assegurar o crescimento de suas economias, recorrendo, em primeiro lugar, à mobilização de seus recursos naturais, até que a comunidade internacional possa garantir o estabelecimento de novas relações econômicas, mais justas e mais equilibradas. (...) Qualquer outra abordagem faria apenas tornar a situação mais complexa e adiar a criação do sistema mais balanceado, que se tornou um imperativo e que a comunidade internacional tem procurado em vão durante muitos anos, por meio dos esforços dos países em desenvolvimento (BOUMEDIÈNE, 1974, tradução nossa).

98

Por outro lado, o reconhecimento da interdependência não significou a diluição

do conflito Norte x Sul. Os discursos na plenária demonstraram que os pressupostos de

política externa dos PDs e dos PEDs eram antagônicos e dificilmente seria possível

encontrar um meio-termo capaz de articular o consenso. O representante inglês, David

Ennals, sintetizou esse antagonismo, ao afirmar que a conferência estava dividida entre

“aqueles que são excessivamente cautelosos [os países industrializados] e aqueles que

estão, devido à sua compreensível impaciência, correndo muito à frente do que pode ser

realmente alcançado [os países em desenvolvimento]” (ENNALS, 1974, p. 23, tradução

nossa72).

Já os PEDs estavam decididos a continuar com a estratégia definida na I

UNCTAD, de adotar uma posição de barganha comum. Por meio do G-7773, esses países

conduziram as negociações contando com sua força coletiva, visando pressionar os países

industrializados a fazer as concessões desejadas pelo grupo. Segundo Murphy (1983, p.

75), o papel das ideias foi central para garantir a coesão do G-77, uma vez que os PEDs

tinham suas posições negociadoras orientadas por uma ideologia de solidariedade. Isso

garantiu maior coerência nos interesses e ações políticas canalizados para os dois

rascunhos de resolução patrocinados pelo grupo: uma declaração e um programa de ação.

A principal estratégia do G-77 foi a de usar seu peso numérico na negociação

desses documentos. Caso uma resolução satisfatória ao grupo não pudesse ser alcançada

pelo consenso, os PEDs não hesitariam em levar seus rascunhos de documento originais

a voto. Para os PDs, esse seria o pior cenário, pois eles sabiam que seria muito difícil

desagregar o voto em bloco do G-77, e se os documentos fossem efetivamente levados à

votação, seriam aprovados facilmente.

Por isso, os representantes dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Alemanha

consideraram que a melhor estratégia era aceitar a negociação dos documentos por

consenso – e os demais países da OCDE seguiram a posição dos três. Eles teriam que

ceder e atender a algumas das demandas do G-77, mas, em contrapartida, poderiam

influenciar em certas partes dos documentos. Ademais, os países da OCDE disseram ao

G-77 que iria aprovar o documento por consenso contanto que pudessem clarificar

72 Do original: “those who have been unduly cautious and those who have, through their understandable impatience, run ahead of what can be achieved” (ENNALS, 1974, p. 23). 73 Além da OCDE e do G-77, as negociações também envolveram a China e a União Soviética, que não negociaram em bloco.

99

publicamente alguns aspectos das resoluções, na fase de justificativa de suas posições

após a adoção dos documentos74 (HUDES, 1975, p. 106).

Acerca do conteúdo dos documentos aprovados, o primeiro deles foi a Declaração

sobre o Estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional (A/RES/3201(S-VI)).

A Declaração definiu que a equidade, a igualdade soberana, a interdependência, a

cooperação e o interesse comum entre os Estados como os princípios que deveriam guiar

a nova ordem. Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, o parágrafo

4 (k) definiu que a assistência técnica aos PEDs deveria ser livre de condicionalidades

militares ou políticas, atendendo a demanda do G-77.

Já o Programa de Ação sobre o Estabelecimento da Nova Ordem Econômica

Internacional (A/RES/3202(S-VI)), definiu um conjunto de medidas práticas que visava

a correção das assimetrias econômicas entre os países e a garantia do desenvolvimento

econômico e social acelerado75. A assistência técnica foi mencionada na área de

promoção da industrialização e transferência de tecnologia, atentando-se para a formação

de funcionários nacionais e o desenvolvimento endógeno de tecnologia.

Um dos destaques do Programa de Ação foi a parte VII, sobre a Promoção da

Cooperação entre os Países em Desenvolvimento. Desde Bandung, os PEDs haviam

desenvolvido uma extensa rede de contatos, com uma série de projetos bilaterais de

cooperação, em áreas como energia, agricultura e planejamento. No âmbito da ONU, os

74 De acordo com as regras de procedimento da AGNU, os países podem escolher adotar uma resolução por consenso ou por voto. Se a escolha da adoção é por consenso, os membros que não são patrocinadores do rascunho podem justificar sua posição antes ou depois da adoção. No caso do voto, os não-patrocinadores também têm o direito de justificar seu voto antes ou depois da tomada de decisão. Em geral, as justificativas anteriores à adoção expressam o interesse dos Estados-membros em tornarem-se co-patrocinadores do rascunho. Já as justificativas após a tomada de decisão expressam as reservas dos Estados-membros ao documento recém-adotado. No caso da adoção dos documentos da 6ª Sessão Especial, as reservas feitas pelo representante dos Estados Unidos, o Embaixador Scali, foram muito duras. A posição foi a de que os documentos não representavam o verdadeiro consenso, e, sim “as visões de apenas uma facção”. O país especificamente colocou suas reservas em relação ao direito de nacionalizar os recursos naturais sem pagar as devidas compensações às empresas prejudicadas, conforme previsto no Programa de Ação. A Comunidade Econômica Europeia, a Itália, o Japão, os Países Baixos e o Reino Unido também fizeram reservas aos documentos. A reação dos PEDs foi dividida. Alguns países consideraram que, apesar das reservas, ainda assim a aprovação por consenso era fundamental para demandar maiores concessões nas negociações futuras. Porém, outros PEDs interpretaram as reservas como uma postura de má fé, uma vez que, se eles soubessem que as reservas seriam tão profundas, teriam preferido levar o documento a voto ao invés de fazer concessões aos PDs (HUDES, 1975, p. 116). 75 O Programa de Ação também tratou da negociação da Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, que foi aprovada na 29ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral, ocorrida naquele mesmo ano. A Carta estabelecia um quadro legal para tornar a NOEI efetiva. Afirmava que cada Estado tinha o direito de regulamentar os investimentos estrangeiros nos limites de sua jurisdição nacional, e de agrupar-se em organizações de produtores de bens de base com vistas a desenvolver sua economia nacional.

100

projetos do PNUD também contemplavam algumas iniciativas entre os PEDs. Tanto que

a ajuda mútua entre os PEDs foi mencionada, na A/RES/2974 (XXVIII) do dia 14 de

dezembro de 1972, como um elemento importante no contexto dos esforços

internacionais de promoção do desenvolvimento. Essa resolução inclusive convidou o

Conselho de Governadores do PNUD a criar um Grupo de Trabalho que deveria

recomendar ações para incluir as práticas e experiências dos PEDs em seus programas de

assistência técnica.

Mas a parte VII do Programa de Ação é efetivamente o primeiro documento a

mencionar o conjunto de princípios e ideias que deveriam conduzir a cooperação entre os

PEDs em âmbito sistêmico: “a autossuficiência coletiva e a crescente cooperação entre

os países em desenvolvimento fortalecerão ainda mais seu papel na nova ordem

econômica internacional” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 b, p. 9,

parte VII, § 1, tradução nossa76). O Programa de Ação recomendava que a comunidade

internacional promovesse a cooperação entre os PEDs em uma série de áreas, como

recursos naturais, comércio internacional, finanças, transportes, cooperação técnica e

ciência e tecnologia.

No ano seguinte à aprovação da NOEI, a AGNU convocou a realização da 7ª

Sessão Extraordinária, com o intuito de aprofundar as discussões da sessão anterior, agora

com enfoque no “Desenvolvimento e a Cooperação Econômica Internacional”. A

resolução final da sessão (A/RES/3362(S-VII)), foi o segundo documento da ONU a

traçar diretrizes sistêmicas sobre a cooperação entre os países em desenvolvimento. Além

disso, foi o primeiro documento a mencionar a integração dessa modalidade ao SDNU,

indicando que seriam necessárias modificações institucionais para fortalecer sua atuação

nessa área:

Os países desenvolvidos e o sistema das Nações Unidas são instados a fornecer, quando solicitado, apoio e assistência aos países em desenvolvimento para fortalecer e ampliar sua cooperação mútua a nível sub-regional, regional e inter-regional. A este respeito, devem ser criados arranjos institucionais adequados no âmbito do sistema de desenvolvimento das Nações Unidas e, quando apropriado, fortalecidos, como por exemplo, os arranjos referentes à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, à Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial e ao

76 Do original: “Collective self-reliance and growing co-operation among developing countries will further strengthen their role in the new international economic order” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 b, p. 9, parte VII, § 1).

101

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1975 a, p. 9, parte VI, § 1, tradução nossa77).

Ademais, os Estados-membros requereram ao Secretário-Geral e ao sistema ONU

que desenvolvessem estudos para construir um conhecimento, reconhecidamente

inexistente, sobre as áreas de potencial cooperação entre os PEDs e que poderiam ser

facilitadas e aprofundadas pelo SDNU. Para isso, os estudos deveriam indicar como os

recursos, as tecnologias, as experiências e os conhecimentos existentes no interior de cada

PED poderiam ser mobilizados como parte dos projetos de assistência técnica

promovidos pelo SDNU. Essa solicitação deu efetivamente início ao engajamento do

sistema na promoção da Cooperação Sul-Sul.

Em suma, a proposta da NOEI inseriu uma nova ideia no âmbito da cooperação

internacional para o desenvolvimento. Além da já consolidada assistência técnica

tradicional aos recipiendários, intermediada pelo SDNU e financiada pelos países

desenvolvidos, o G-77 deu tração à ideia da assistência mútua entre os PEDs. Enquanto

a atuação da UNCTAD e do PNUD na década de 1960 deu impulso às primeiras formas

de intercâmbio entre os PEDs com enfoque no desenvolvimento, a proposta da NOEI

emergiu como pano de fundo dos primeiros debates para especificamente definir o

posicionamento do SDNU na promoção da cooperação entre os PEDs.

Desde seu primórdio, a natureza ideológica do tema na ONU é uma parte crucial

das discussões, porque o Terceiro Mundo estava interessado em canalizar essa

modalidade de cooperação como uma alternativa política e ideológica à abordagem

doador-recipiendário para a cooperação internacional para o desenvolvimento, como será

visto a seguir.

77 Do original: “Developed countries and the United Nations system are urged to provide, as and when requested, support and assistance to developing countries in strengthening and enlarging their mutual co-operation at subregional, regional and interregional levels. In this regard, suitable institutional arrangements within the United Nations development system should be made and, when appropriate, strengthened, such as those within the United Nations Conference on Trade and Development, the United Nations Industrial Development Organization and the United Nations Development Programme” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1975 a, p. 9, parte VI, § 1).

102

2.2. As primeiras iniciativas desenvolvidas pelo SDNU nos anos 1970: a ideia de

CTPD como uso das capacidades nacionais

Logo após as decisões da 6ª e 7ª Sessões Extraordinárias da AGNU, tanto os

Estados-membros quanto os funcionários do SDNU dedicaram-se a tomar as medidas

necessárias para aprofundar a cooperação entre PEDs em suas atividades de

desenvolvimento. Como a cooperação tradicional já estava institucionalizada como uma

norma internacional, o enfoque das primeiras ações nessa área foi conceitual: definir os

princípios e o conceito de cooperação entre os PEDs e distinguir a modalidade tradicional

da cooperação técnica entre países em desenvolvimento (CTPD).

Na Primeira ONU, a tomada de decisão sobre o tema da CTPD ocorreu no âmbito

da Segunda Comissão da AGNU. No período 1974-1977, as resoluções definiram os

princípios que deveriam guiar a CTPD na ONU. Tendo o G-77 como o patrocinador dos

rascunhos de resolução nesse tema, o foco foi o de enquadrar a CTPD no bojo da NOEI.

Naquele momento, os países do Terceiro Mundo estavam interessados em

canalizar a CTPD como uma alternativa política e uma bandeira ideológica de

confrontação aos problemas que eles identificavam na cooperação técnica tradicional.

Eles buscaram fazer da CTPD uma expressão de solidariedade entre os PEDs, baseada

nas ideias de autossuficiência coletiva, intercâmbio de experiências, construção de

capacidades nacionais e canalização do apoio do SDNU para promover a CTPD.

Na primeira resolução da AGNU sobre a CTPD (A/RES/3251(XXIX)), de 4 de

dezembro de 1974, essa modalidade foi definida pela ideia de horizontalidade, no sentido

de garantir o pleno uso de todas as capacidades e experiências dos PEDs. A palavra

autossuficiência foi mencionada pela primeira vez na Resolução A/RES/3461(XXX), de

11 de dezembro de 1975: reconheceu-se a CTPD não apenas como uma modalidade

integral da cooperação internacional para o desenvolvimento, mas também como uma das

formas mais efetivas de garantir que os PEDs conquistassem sua autossuficiência

nacional e coletiva. Isso foi reforçado na Resolução A/RES/32/183, de 19 de dezembro

1977, que estabeleceu a autossuficiência e o fortalecimento da capacidade dos PEDs para

resolver problemas de desenvolvimento como o objetivo central da CTPD:

Reconhecendo que os objetivos fundamentais da cooperação técnica entre países em desenvolvimento são a promoção da autossuficiência nacional e coletiva dos países em desenvolvimento e o reforço de sua capacidade criativa

103

para resolver os seus problemas de desenvolvimento (...) (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1977 c, p. 115, tradução nossa78).

O intercâmbio de conhecimento e experiências e a construção de capacidades

nacionais já apareciam como ideias subjacentes à CTPD, embora de maneira mais geral.

A contratação e recrutamento de especialistas e as licitações para a compra de bens de

serviços – até então provenientes dos PDs – se tornaram uma preocupação, pois a ideia

era que as compras e contratações fossem cada vez mais feitas nos próprios PEDs. Isso

foi indicado na já mencionada Resolução A/RES/3461(XXX), que solicitou ao

Administrador do PNUD que priorizasse a realização de compras e contratações

diretamente dos PEDs. O PNUD e as outras agências do SDNU deveriam usar e criar

capacidades nos PEDs, como forma de promover seu desenvolvimento. A Resolução

A/RES/32/182, de 19 de dezembro de 1977, solicitou ao SDNU a realização de mudanças

nos procedimentos e nas regras, práticas e regulações, para facilitar contratações e

compras nos PEDs. Essa resolução deu, pela primeira vez, ênfase à criação de um sistema

de informações sobre os PEDs, pois era necessário coletar, organizar e disseminar tal

conhecimento como base para a construção da CTPD.

Os Estados-membros também fizeram menções indiretas à incorporação da CTPD

aos trabalhos regulares da ONU. No preâmbulo da já mencionada resolução

A/RES/3251(XXIX), expressou-se a necessidade de universalizar a cooperação

internacional para o desenvolvimento, ao incluir não apenas a atuação dos PDs, mas

também dos PEDs, por meio da sistematização de suas capacidades, de seus recursos e

suas experiências. No parágrafo 2 dessa resolução, foi criada a Unidade Especial (SU-

TCDC), dentro do PNUD, com o propósito de integrar a CTPD como parte do trabalho

desse programa.

É interessante notar que, ao invés da palavra incorporação (mainstreaming), a

resolução usou a palavra integração: “com o objetivo de integrar plenamente essa

atividade de cooperação técnica entre os países em desenvolvimento no interior do

Programa” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48, tradução

nossa79). Isso foi reforçado na resolução A/RES/3461(XXX), quando a AGNU

78 Do original: “Recognizing that the basic objectives of technical co-operation among developing countries are the furthering of the national and collective self-reliance of developing countries and the enhancement of their creative capacity to solve their development problems” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1977 c, p. 115). 79 Do original: “with the objective of integrating this activity of technical co-operation among developing countries fully within the Programme” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48).

104

reconheceu a CTPD como parte integral da cooperação internacional para o

desenvolvimento e requereu ao Administrador do PNUD que integrasse a CTPD no

trabalho regular do programa por meio da SU-TCDC.

Esses princípios definidos pelos Estados-membros deram a orientação geral aos

primeiros estudos realizados pelos funcionários da ONU acerca da CTPD na década de

1970. Mas, enquanto para a Primeira ONU a CTPD era conceituada no âmbito da NOEI,

para a Segunda ONU a modalidade era vista como uma nova orientação da assistência ao

desenvolvimento, e, por isso, as agências teriam que aprender a trabalhar sob essa nova

perspectiva.

Essa perspectiva da Segunda ONU ganhou tração em 1974, quando o Vice

Administrador do PNUD, o economista indiano I. G. Patel, e seu assistente, M. Dubey80,

desenvolveram um novo conceito de cooperação técnica, com o propósito de resolver

alguns dos problemas mencionados no Relatório Jackson. Eles chamaram esse novo

conceito de “Novas Dimensões”.

Na cooperação técnica tradicional, os projetos de desenvolvimento consistiam na

transferência de conhecimentos e capacidades por parte dos especialistas e consultores da

ONU, e eram utilizados equipamentos e serviços comprados dos países doadores. Já para

Patel e Dubey, a cooperação técnica deveria ser uma modalidade capaz de construir

capacidades técnicas, administrativas, de pesquisa e de gerenciamento nos PEDs. Para

tanto, deveriam ser utilizados os recursos, os funcionários e as estruturas desses próprios

países, complementarmente aos inputs vindos da ONU e dos doadores. Por isso, as Novas

Dimensões propunham uma total inversão dos princípios que conduziam os trabalhos do

PNUD até então:

Sob essa formulação, a validade de muitas coisas que o PNUD há muito considerava ‘ruim’, repentinamente foi revertida: seria bom para os países em desenvolvimento construírem suas capacidades executando seus próprios projetos, usando especialistas nacionais, comprando bens de empresas locais e certificando-se de que os investimentos de capital se mantivessem no mesmo ritmo do aumento das habilidades técnicas (MURPHY, 2006, pp. 152-153, tradução nossa81).

80 Após a aposentadoria de Hoffmann em 1971, a Administração do PNUD foi assumida pelo banqueiro americano Rudolf Peterson, por indicação do governo americano. Peterson criou dois postos de Vice Administrador, sendo nomeados para esses cargos B. Lindstrom, da Suécia, país que, naquele momento, já se despontava como um dos maiores países doadores; e I. G. Patel, da Índia (MURPHY, 2006, p. 151). 81 Do original: Under that formulation, the valence of many things UNDP had long considered ‘bad’ suddenly reversed: it would be good for developing countries to build their capacity by executing their own projects, using national experts, buying goods from local companies, and making sure that capital investments kept up with increasing technical abilities (MURPHY, 2006, pp. 152-153).

105

A proposta das Novas Dimensões foi vista com desconfiança por alguns

funcionários mais antigos do PNUD. Margaret Anstee, por exemplo, acreditava que esse

novo conceito esvaziava o conteúdo do trabalho do PNUD, ao reduzi-lo ao financiamento

dos funcionários locais, e não transferir nenhum conteúdo ou conhecimento. Da

perspectiva dos doadores, os Estados Unidos e o Reino Unido se opuseram à proposta,

mas foram persuadidos em virtude da situação financeira dos anos 197082, uma vez que

os custos de usar especialistas e bens locais era muito menor.

A ênfase na execução nacional foi amplamente abraçada pelo G-77, indo ao

encontro das iniciativas de CTPD. Com isso, as Novas Dimensões da Cooperação Técnica

foram aprovadas pela decisão 75/54 do Conselho de Governadores do PNUD, em 25 de

junho de 1975 (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1975, p. 285).

As Novas Dimensões mudaram o quadro ideacional da cooperação técnica na

ONU, ao definir que o papel do SDNU seria o de auxiliar os PEDs na criação de sua

estrutura sócio-econômica-administrativa, necessária ao desenvolvimento. Isso facilitou

a expansão da ideia de CTPD na década de 1970, tornando evidentes as vantagens dessa

modalidade de cooperação técnica:

i) O fato de que a construção das capacidades estaria baseada na experiência e

no conhecimento de países com situações muito semelhantes, aumentando a

eficácia dos projetos;

ii) A garantia de maior autonomia, uma vez que, ao capacitar funcionários locais,

seria resolvido o problema da dependência da expertise de consultores ou

especialistas do exterior;

iii) A continuidade do processo de construção de capacidades, como resultado do

maior uso de empresas locais.

O primeiro estudo do Secretariado sobre o conceito de CTPD foi o Relatório do

Grupo de Trabalho sobre Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento

(DP/69), de 1974. O relatório, escrito para a consideração do Conselho de Governadores

do PNUD em sua 18ª sessão, apresentava duas definições de CTPD.

A primeira era uma definição política, baseada nas expressões presentes nos

documentos da NOEI, e que traduzia a visão dos países do G-77: “[CTPD] é a primeira

tentativa de dar conteúdo operacional ao conceito de autossuficiência coletiva e ajuda

82 A crise financeira do PNUD na década de 1970 será discutida na parte 3. Um dos motivos para essa crise foi a drástica redução das contribuições dos Estados Unidos para o programa.

106

mútua entre os países em desenvolvimento, a fim de atingir seus objetivos de

desenvolvimento” (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY

SERVICES, 1975, p. 3, tradução nossa83).

Nessa definição, a CTPD seria uma forma de promover soluções aos problemas

dos PEDs, problemas esses que eram considerados diferentes daqueles presentes nas

sociedades desenvolvidas. A CTPD teria como propósito aplicar conhecimento adequado

à situação dos PEDs, pelo intercâmbio de experiências e pelo uso das capacidades locais.

Essa modalidade, portanto, diminuiria a dependência das formas de conhecimento e

técnica dos PDs e seria uma maneira de promover, no âmbito da NOEI, relações de

intercâmbio mais equilibradas.

Já a segunda conceituação era mais técnica, com um linguajar próximo ao do

Secretariado. A CTPD seria o input, isto é, uma das formas que a ONU utilizaria para

criar elementos da estrutura sócio-econômica-administrativa nos PEDs; e as metas de

desenvolvimento dos PEDs seriam os objetivos dessa modalidade:

A cooperação técnica entre países em desenvolvimento envolve o compartilhamento de capacidades e habilidades entre dois ou mais países em desenvolvimento. Como tal, refere-se a programas, projetos e atividades de desenvolvimento em que importantes inputs substantivos, como know-how e expertise, serviços de consultoria, instalações de treinamento, equipamentos, suprimentos, etc., são fornecidos por um país em desenvolvimento para outro. Esta cooperação pode ser bilateral ou multilateral, pública ou privada. Pode abranger todos os setores e todos os tipos de atividades de cooperação técnica, independentemente da fonte e do tipo de financiamento (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 3, tradução nossa84).

O conceito de CTPD como input exigiu que o SDNU alterasse a organização de

seus projetos de desenvolvimento, realizando, a partir de então, duas diferenciações: em

relação às formas de organizar a assistência técnica; e em relação às diferentes origens

geográficas dos inputs. No que se refere às diferentes formas de organizar a CTPD, o

SDNU passou a considerar três categorias:

83 Do original: “[TCDC is] “the first attempt to give operational content to the concept of collective self-reliance and mutual help among developing countries in order to attain their development goals” (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 3). 84 Do original: “Technical cooperation among developing countries involves the sharing of capacities and skills between two or more developing countries. As such, it refers to development programmes, projects and activities in which major substantive inputs, such as know-how and expertise, consultancy services, training facilities, equipment, supplies, etc., are provided by developing countries to one another. This cooperation may be bilateral or multilateral, public or private. It may cover all sectors and all kinds of technical cooperation activities, regardless of the source and type of financing” (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 3).

107

i) Situações nas quais as necessidades comuns a um conjunto de PEDs são mais

eficazes de serem lidadas com ações conjuntas entre os PEDs (joint action for

common needs), por meio de projetos globais, inter-regionais e regionais;

ii) Situações nas quais as necessidades individuais de cada um dos PEDs são mais

eficazes de serem lidadas com ações conjuntas entre eles (joint action for

individual needs), envolvendo projetos regionais e inter-regionais;

iii) Situações nas quais as necessidades individuais de cada um dos PEDs são mais

eficazes de serem lidadas com ações também individuais (individual action

for individual needs), por meio de projetos bilaterais entre os PEDs

(DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975).

Dentro dessas categorias, o caráter distintivo entre a cooperação técnica

tradicional e a CTPD era a origem geográfica dos inputs, que deveria ser proveniente dos

PEDs. Esses inputs estavam divididos em: pessoal (consultores e funcionários); unidades

de treinamento; equipamentos; materiais; e informações. A escolha de uma determinada

origem geográfica dos inputs dependeria de vários fatores, mas o importante era ter o

conhecimento das capacidades disponíveis.

Isso exigiria que o SDNU desenvolvesse, como pré-requisito para o uso da CTPD,

a construção de um inventário com todas as capacidades disponíveis nesses países, o que

era inexistente até então. Tanto que os funcionários da ONU sabiam que eles já

desenvolviam várias iniciativas que poderiam ser definidas como CTPD, mas, devido à

falta de sistematização das capacidades dos PEDs, elas não eram enquadradas como tal

modalidade85.

Assim, entre 1974-1977, integrar a CTPD às atividades regulares do SDNU já era

uma questão relevante. Nesse momento, a questão era definir se a CTPD era um meio,

uma modalidade de promover o desenvolvimento; ou se ela era um fim em si mesmo.

Como colocado em um telegrama do Departamento de Serviços Consultivos de

Planejamento do Desenvolvimento: “o principal impulso da redefinição [da cooperação

técnica] deve ser a incorporação da CTPD no que é agora a forma dominante de

85 Por exemplo, B. Russell, Diretor Assistente do Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários, em memorando de 1973 para B. A. El-Tawil, Diretor em exercício do Escritório de Cooperação Técnica da ONU, afirmou que o campo de desenvolvimento social apresentava potencial para a CTPD, pois, nessa área, as experiências dos próprios PEDs eram mais valiosas do que dos países altamente industrializados. Já existiam, na época, vários especialistas de PEDs trabalhando nessas áreas em outros países, e seria mais fácil replicar as iniciativas considerando as condições similares (RUSSELL, 1973).

108

assistência técnica (e aqui deve ser acrescentado que, com o tempo, a CTPD pode se

tornar o elemento dominante da cooperação técnica)” (DEVELOPMENT PLANNING

ADVISORY SERVICES, 1975, p. 9, tradução nossa86).

Para definir a forma como a CTPD seria integrada ao SDNU, em 1978 foi

realizada a primeira conferência internacional sobre o assunto, a Conferência das Nações

Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento.

2.3. A Conferência de Buenos Aires e seu Plano de Ação: ideia de

autossuficiência nacional e coletiva

A Conferência das Nações Unidas sobre CTPD foi um marco nos esforços do

SDNU em corrigir a estrutura assimétrica do regime de cooperação internacional para o

desenvolvimento, ao colocar ênfase no uso das capacidades técnicas e científicas dos

PEDs na promoção de seu desenvolvimento. Além do engajamento do G-77 e da presença

de países doadores, praticamente todas organizações da ONU compareceram à

conferência. O SDNU e, de forma mais proeminente, o PNUD, tiveram um papel central

na preparação da conferência e no desenho do documento final, o Plano de Ação de

Buenos Aires (BAPA, da sigla em inglês, Buenos Aires Plan of Action).

O BAPA não foi o primeiro mandato legislativo da ONU sobre CTPD, pois as

resoluções da AGNU entre 1974 a 1977 estabeleceram as diretrizes na área. Mas, sem

dúvidas, esse documento é, ainda hoje, o quadro político mais compreensivo e de maior

autoridade sobre a CTPD no sistema ONU, e ele não apenas sintetiza as ideias principais

que compõem a modalidade mas também cristaliza as conquistas dos PEDs no debate

sobre o desenvolvimento na ONU até então.

2.3.1. Preparação para a Conferência

No relatório DP/69 (1974), o Grupo de Trabalho sobre Cooperação Técnica entre

os Países em Desenvolvimento recomendou a realização de um simpósio internacional,

86 Do original: “The main thrust of the redefinition should be to incorporate TCDC in what is now the mainstream of technical assistance (and here it should be added that in time TCDC may become the dominant element in the mainstream)” (DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 9).

109

envolvendo Estados-membros e entidades da ONU, para discutir medidas que pudessem

amenizar e superar as barreiras ao avanço da CTPD. As barreiras identificadas eram de

quatro naturezas:

i) A falta de comunicação e informação sobre as capacidades e necessidades dos

PEDs;

ii) As barreiras atitudinais em relação ao uso de especialistas, empresas e

equipamentos provenientes dos PEDs;

iii) A falta de mecanismos institucionais para promover a CTPD;

iv) Os problemas nos procedimentos vigentes, que dificultavam identificar os

projetos como CTPD (UNITED NATIONS CONFERENCE ON

TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,

1977, p. 6).

A AGNU, em sua resolução A/RES/3251 (XXIX), de 4 de dezembro de 1974,

solicitou que o Conselho de Governadores do PNUD considerasse as medidas necessárias

para que ocorresse o simpósio internacional. As discussões no PNUD ao longo de 1974

evoluíram para uma proposta mais ambiciosa: a realização de uma conferência

internacional da ONU sobre a CTPD, que deveria ser realizada até o final da década.

Em 21 de dezembro de 1976, pela resolução A/RES/31/179, a AGNU decidiu

efetivamente realizar a conferência em Buenos Aires, e a resolução A/RES/32/183, de 19

de dezembro de 1977, definiu a data do encontro para 30 de agosto a 12 de setembro de

197887.

Em termos organizacionais, várias partes interessadas foram mobilizadas para

estruturar a conferência e encaminhar o trabalho preparatório. A AGNU indicou o

Administrador do PNUD, B. Morse, para ser o Secretário-Geral da conferência. O

Secretariado ficou sob responsabilidade do PNUD, com financiamento da Unidade

Especial para a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (SU-TCDC, do

inglês, Special Unit on Technical Cooperation among Developing Countries)88. A

Unidade Especial também deveria cuidar das questões substantivas da conferência, como

a elaboração dos documentos e relatórios. Já os arranjos logísticos e formais foram feitos

pelo ECOSOC.

87 A princípio, a data da conferência seria de 27 de março a 07 de abril de 1978. Mas, devido aos arranjos administrativos, ela foi alterada para agosto daquele mesmo ano. 88 A criação e o papel da Unidade Especial serão discutidos na parte 2.

110

O comitê preparatório da conferência foi criado pela AGNU na resolução

A/RES/31/179. Composto pelo Comitê de CTPD do PNUD e aberto a outros Estados-

membros, tinha como responsabilidade organizar a documentação e a agenda da

conferência. Foram realizados três encontros preparatórios, em janeiro e setembro de

1977; e maio de 1978.

O envolvimento das agências e comissões regionais da ONU foi organizado pela

Força Tarefa Interagências. A mobilização de todas as entidades do SDNU foi crucial

pois elas eram as principais implementadoras da CTPD. A Força Tarefa realizou um

importante trabalho documental para a conferência, sistematizando, pela primeira vez,

informações que as entidades do SDNU tinham sobre as capacidades, necessidades e

experiências dos PEDs. Foram feitos estudos para identificar as potencialidades e formas

de melhorar os procedimentos de definição e execução de projetos para incluir os

elementos dessa modalidade.

Também foram realizados encontros regionais entre os Estados-membros, em

cooperação com as comissões regionais. O primeiro encontro ocorreu em Bangkok,

Tailândia, de 25 de fevereiro a 2 de março de 1976, co-organizado pelo PNUD e pela

Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (ESCAP, da sigla em inglês,

Economic and Social Commission for Asia and the Pacific). Houve a participação de 33

governos, 14 agências especializadas e órgãos da ONU e 6 outras organizações

internacionais e regionais. O foco da reunião foram os setores e as soluções que poderiam

estimular a CTPD.

O segundo encontro regional ocorreu em Lima, Peru, de 10 a 15 de maio de 1976,

co-organizado pelo PNUD e pela CEPAL. Houve a participação de 38 governos (sendo

21 da América Latina e Caribe e o restante de outras regiões), 13 agências especializadas

e órgãos da ONU e 20 outras organizações internacionais e regionais. O foco da reunião

foi o estabelecimento de pontos focais nacionais e o desenvolvimento de um projeto, com

apoio do PNUD, para identificar novos métodos de promoção da CTPD regionalmente.

O terceiro encontro ocorreu em Addis Abeba, Etiópia, de 4 a 8 de outubro de 1976,

co-organizado pelo PNUD e pela Comissão Econômica para a África (ECA, da sigla em

inglês Economic Commission for Africa). Houve a participação de 41 governos (sendo 27

da África e o restante de outras regiões), 16 agências especializadas e órgãos da ONU e

3 outras organizações internacionais e regionais. O foco da reunião foi o papel da vontade

política na promoção da CTPD; a redução dos custos da cooperação internacional para o

desenvolvimento por meio da CTPD; e meios de fortalecer as instituições nacionais.

111

O quarto encontro ocorreu no Kuwait, de 31 de maio a 5 de junho de 1977, co-

organizado pelo PNUD e pela Comissão Econômica para a Ásia Ocidental (ECWA, da

sigla em inglês, Economic Commission for Western Asia). Esse encontro resultou na

Declaração de Kuwait para a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, que

definiu a CTPD como um imperativo histórico dentro do quadro da NOEI.

Além do Secretariado, do Comitê Preparatório, da Força Tarefa e dos encontros

regionais, a preparação da conferência envolveu: a realização de painel de consultores,

com debates entre intelectuais, planejadores, especialistas e administradores na área de

desenvolvimento; as preparações nacionais, nas quais os Estados-membros elaboraram

relatórios nacionais sobre suas experiências, capacidades e necessidades na área de

CTPD; e o Departamento de Informações Públicas da ONU, que realizou programas de

informação para estimular a conscientização sobre a CTPD.

2.3.2. As negociações em Buenos Aires

No dia 29 de agosto de 1978, em Buenos Aires, ocorreu uma negociação

preparatória, que adotou a agenda da conferência definida pelo Comitê Preparatório. A

agenda previa quatro tópicos gerais de discussão. O primeiro item era a CTPD como uma

nova dimensão da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Esse item era o

mais extenso da agenda, e se desdobrava em sete subitens:

i) A CTPD e sua relação com a cooperação econômica, científica, social e

cultural entre os PEDs;

ii) A CTPD como uma forma de melhorar a disponibilidade e a eficácia dos

recursos para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento;

iii) A expansão da participação dos países menos desenvolvidos e dos países

em situações especiais (como países sem saída para o mar e pequenas

ilhas) na CTPD;

iv) A ampliação da confiança nas capacidades dos PEDs para a cooperação

técnica, com o objetivo de remover barreiras atitudinais e outras barreiras

contra a CTPD;

v) A criação de um sistema de informações sobre as capacidades técnicas dos

PEDs, com o objetivo de remover a barreira da falta de informações;

vi) A identificação de fontes e métodos de financiamento da CTPD;

112

vii) O papel da CTPD em explorar novas abordagens e estratégias para

resolver os problemas de desenvolvimento comuns aos PEDs, incluindo o

envolvimento dos países desenvolvidos e das agências do SDNU, com

ênfase no PNUD.

Os itens 2 e 3 da agenda envolviam os arranjos institucionais para promover a

CTPD em nível nacional e internacional, respectivamente. Em nível nacional, o foco era

no papel dos governos e como o SDNU e os países desenvolvidos poderiam auxiliar

nesses esforços. Os Estados-membros também deveriam acordar sobra a atuação do

PNUD em relação ao auxílio na criação de escritórios oficiais responsáveis por coordenar

a CTPD nacionalmente. Em nível internacional, deveriam ser negociados arranjos

regionais, inter-regionais e globais para promover a CTPD.

O quarto item era a adoção do documento final da conferência propriamente dita:

um plano de ação para promover a CTPD. O rascunho do documento foi escrito ao longo

de cinco anos de negociações, a partir das recomendações do Comitê Preparatório, dos

encontros regionais sobre CTPD e da Força Tarefa Interagências. Durante a conferência,

os Estados-membros tiveram a tarefa de fechar os pontos em aberto do plano de ação

(PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1977).

Em 30 de agosto de 1978, deu-se início à plenária da conferência. Houve a

presença de 138 Estados-membros na abertura, e 121 deles fizeram discursos na sessão

plenária. Dentre os representantes governamentais, compareceram ministros de 45

Estados-membros, 41 vice-ministros e 81 chefes de departamentos nacionais relacionados

à cooperação e planejamento para o desenvolvimento, além de centenas de especialistas

(BENN, 1994, p. 1). Em relação aos funcionários da ONU, estiveram presentes 32 oficiais

de diferentes entidades do sistema. Houve também a presença de 18 representantes de

organizações não-governamentais e organizações intergovernamentais (OFFICE OF

PUBLIC INFORMATION, 1978 a).

A abertura da conferência foi realizada pelo próprio Secretário-General da ONU

na época, o diplomata austríaco Kurt Waldheim. Em seu discurso, o Secretário-Geral

afirmou que a Conferência de Buenos Aires deveria ser vista como parte de uma nova

estratégia global para lidar com os problemas da interdependência. Waldheim destacou

que a tendência de assumir que desenvolvimento era equivalente à assistência externa dos

PDs era derivada, em partes, dos programas do pós-guerra de ajuda e assistência técnica

dos países ricos para os pobres; mas também da herança colonial, que negligenciou os

113

conhecimentos nativos. Por isso, a CTPD reforçaria o potencial e a identidade dos PEDs,

constituindo sua autossuficiência nacional e coletiva.

A conferência tinha como emblema uma ponte (vide a figura a seguir), que

simbolizava a criação de uma nova parceria para o desenvolvimento, envolvendo não

apenas os países do Sul, mas toda a ONU. Sobre esse símbolo, o Secretário-Geral

afirmou, em seu discurso:

Esta crescente interdependência econômica - Norte, Sul, Oriente e Ocidente - é demonstrada pelo duplo simbolismo do emblema especial desta Conferência das Nações Unidas. Pois o emblema representa tanto a ponte da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento e, nas linhas curvas verticais que conectam os hemisférios, a mesma interdependência a que me referi. O emblema desta Conferência também fornece um símbolo da visão final de uma parceria mundial de desenvolvimento, baseada na igualdade soberana. Descreve a necessidade de os países em desenvolvimento empregarem a CTPD para aumentar sua capacidade em todas as suas relações econômicas internacionais (WALDHEIN, 1978 apud OFFICE OF PUBLIC INFORMATION, 1978 b, p. 5, tradução nossa89).

Figura 1 – Emblema da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica

entre Países em Desenvolvimento (1978)

Fonte: UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 3.

A ideia de ponte entre os PEDs e os PDs também foi explorada no discurso do

Secretário-Geral da Conferência, B. Morse. Ele afirmou que a CTPD tinha dois objetivos:

89 Do original: “This growing economic interdependence – North, South, East and West – is demonstrated by the dual symbolism in the special emblem of this United Nations Conference. For it depicts both the bridge of technical co-operation among developing countries and in the vertical curving lines connecting the hemispheres, that same interdependence to which I have referred. The emblem of this Conference also provides a symbol of the ultimate vision of a world development partnership, based on sovereign equality. It depicts the need for the developing countries to employ TCDC to enhance their capacity in all their international economic relations” (WALDHEIN, 1978 apud OFFICE OF PUBLIC INFORMATION, 1978, p. 5).

114

ampliar o desenvolvimento dos PEDs por meio da autossuficiência e do uso dos recursos

dos PEDs; e contribuir para o estabelecimento da NOEI. Para ele, a razão da ONU ter

sediado a conferência vinha do fato de que a CTPD possibilitaria criar pontes

fundamentais entre os PEDs e os PDs; e que os PDs também tinham um papel

fundamental no processo de avanço da CTPD. Além disso, a experiência em campo da

ONU tinha o potencial de trazer contribuições valiosas para a modalidade (UNITED

NATIONS, 1979).

Ao contrário do que poderia indicar as tensões Norte x Sul dos anos 1970, as

negociações na conferência não tiveram um clima de divisão política, e sim de interesse

universal no tema. Os PEDs estavam efetivamente interessados no conteúdo da

conferência e não em seu uso de retórica política, enquanto os PDs, especialmente da

OCDE, estavam preocupados em demonstrar seu interesse e engajamento. Por isso, o foco

dos Estados-membros nas negociações foi o de finalizar o plano de ação, que era um

documento complexo por apresentar elementos conceituais sobre a CTPD, prática não-

usual em planos de ação da ONU (MORSE, 1978).

Apesar de não haver uma atmosfera de confronto Norte-Sul, esse conflito ficou

manifestado na falta de clareza conceitual da CTPD. Para que fosse possível atingir

consenso sobre o tópico, a Primeira ONU foi apenas capaz de estabelecer princípios

gerais – e, em vários aspectos, ambíguos – para diferenciar a CTPD da cooperação

tradicional. As negociações buscaram chegar a um conceito moderado de CTPD,

vinculando a modalidade à proposta da NOEI em sua dimensão mais técnica e menos

política, e sem colocar a CTPD como uma modalidade rival da cooperação tradicional.

No comitê principal, o processo de negociação se deteve no refinamento do

documento, especialmente com a dificuldade do G-77 em chegar a um consenso sobre o

grau de detalhamento conceitual e operacional. Foi então criado um grupo de trabalho

menor, para editar a introdução e os objetivos do Plano de Ação, facilitando a deliberação

do G-77 sobre cada um dos parágrafos (TAMAYO, 1978).

O primeiro ponto de negociação foi acertar as duas interpretações de CTPD que

estavam presentes no documento, retomando o problema de definição que já vinha sendo

discutido no período 1974-1977.

O G-77 priorizava uma definição na qual a CTPD não era apenas um tema sobre

a capacidade dos PEDs de prover cooperação técnica, mas uma dimensão política do

processo de estabelecimento da NOEI. Nesse sentido, a CTPD seria um imperativo

histórico, definida pelos seguintes elementos: “(i) autossuficiência nacional; (ii)

115

autossuficiência coletiva; (iii) ajustamentos na ordem econômica internacional; e (iv)

promover um melhor desempenho da máquina internacional de cooperação técnica”

(PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 3, §

7, tradução nossa90). A diferença dentro do G-77 se referia ao grau de detalhamento da

definição: se apenas seriam mantidos os delineamentos gerais ou se seriam exploradas as

particularidades da cooperação entre os PEDs, considerando, por exemplo, a situação dos

países menos desenvolvidos, sem saída para o mar, etc.

Já o Secretariado, especialmente os funcionários do Escritório de Cooperação

Técnica, dava preferência à uma definição menos política e focada nos inputs, ou seja,

definir a CTPD como uma modalidade de implementação da cooperação técnica. Essa

também era a posição dos PDs, que se alinhavam à definição do Secretariado porque

reduzia a politização da discussão.

Para alguns membros do Secretariado, inclusive, a politização da cooperação

técnica internacional com base na divisão Norte-Sul trazia desvantagens para ambos os

conjuntos de países. Para eles, a ONU deveria trabalhar para superar as limitações da

CTPD, sendo a falta de informações sobre as capacidades dos PEDs a principal delas

(ZELLEKE, 1977, p. 5). Nesse sentido, “a CTPD é vista como um esforço para fazer

melhor uso dos recursos já disponíveis nos países em desenvolvimento ao mobilizar esses

recursos para o benefício desses mesmos países, portanto, ampliando a disponibilidade

total de assistência ao desenvolvimento” (BARTOLO, 1976, p. 1, tradução nossa91).

Durante as consultas no grupo de trabalho, houve consenso de que as duas

definições – do G-77 e do Secretariado – não eram excludentes, e sim, complementares.

Por isso, o esforço de negociação foi o de apresentar uma definição combinada, em que

a CTPD seria uma nova forma de implementar a cooperação técnica, no contexto da

NOEI. Conforme resumiu F. Burns Jr., então Diretor do Escritório de Cooperação

Técnica da ONU, em correspondência a A. Meguid, Vice-Secretário-Geral da

Conferência de Buenos Aires:

90 Do original: “(i) national self-reliance; (ii) collective self-reliance; (iii) adjustments to the international economic order; and (iv) improved performance of the international machinery for technical co-operation” (PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 3, § 7). 91 Do original: “TCDC is viewed as an effort to make better use of resources already available in developing countries by mobilizing these resources for the benefit of the developing countries themselves, thus enhancing the total availability of assistance for development” (BARTOLO, 1976, p. 1).

116

A promoção consciente e sistemática da CTPD no contexto da Nova Ordem Econômica Internacional expressa um desencanto com a assistência técnica tradicional e a necessidade de gerar novos conhecimentos relevantes para os países em desenvolvimento, e específicos dos seus requisitos de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a CTPD é vista como uma dimensão nova e complementar à cooperação técnica internacional (BURNS JR., 1977, p. 1, tradução nossa92).

Por conta do caráter híbrido da definição, os objetivos da CTPD listados no

rascunho do plano de ação também tiveram que ser negociados linha por linha, pois havia

uma mistura entre os objetivos e as áreas de atuação da CTPD que precisava ser

esclarecida no documento.

Em relação aos objetivos, o Secretariado da ONU orientou o G-77 a não incluir a

coordenação das posições entre os PEDs em âmbito internacional como um objetivo

direto da CTPD, pois tratava-se de um assunto político e que não necessariamente a CTPD

poderia contribuir para isso. Para o Secretariado, era importante não exagerar em relação

àquilo que a CTPD poderia fazer, evitando criar um mundo paralelo para essa

modalidade, o que era apoiado pelos PDs. Os PEDs concordaram em diluir sua posição e

circunscrever os objetivos da CTPD às áreas de intercâmbio de informações e

habilidades; estabelecimento de programas conjuntos; fortalecimento da posição de

barganha dos PEDs; e atenção a áreas negligenciadas pela cooperação técnica tradicional

(FRISCIC, 1977; KENNERLEY, 1977).

Quanto às áreas de atuação e ao uso da CTPD, a partir das evidências em campo,

o Secretariado entendia que a CTPD estimulava os vínculos com a cooperação econômica

entre os países em desenvolvimento (CEPD). Apesar de serem modalidades

complementares, a cooperação técnica era voltada para o uso de bens, serviços,

tecnologias consultores e técnicos oriundos dos PEDs; já a cooperação econômica,

voltada para a promoção do comércio exterior, dos investimentos e das finanças entre os

PEDs. E, a princípio, o Secretariado buscou manter a diferenciação entre CTPD e CEPD

nas negociações.

Havia três pontos de convergência entre a CTPD e a CEPD: i) a cooperação

técnica muitas vezes vinha acompanhada da cooperação econômica, como por exemplo,

92 Do original: “The conscious and systematic promotion of TCDC in the context of the New International Economic Order expresses a disenchantment with traditional technical assistance, and the need to generate new knowledge relevant to the developing countries and specific to their development requirements. At the same time, TCDC is seen as a new and complementary dimension to international technical co-operation” (BURNS JR., 1977, p. 1).

117

a situação na qual a realização de um treinamento vinha com uma oferta de aquisição de

certos equipamentos; ii) a cooperação técnica criava um ambiente propício à ampliação

da cooperação econômica, ao estabelecer um entendimento mútuo dos problemas entre

os PEDs; iii) a cooperação técnica tinha um efeito “contágio”, pois um especialista

externo tendia a recomendar a tecnologia de um equipamento de seu local de origem

(FRISCIC, 1977). Nesse ponto, o G-77 estava alinhado com o Secretariado sobre a

complementaridade entre a CTPD e a CEPD, ao entender que as modalidades seriam dois

lados da mesma moeda, o desenvolvimento.

Nos primeiros dias da conferência, A. Meguid tinha a intenção de incluir, no Plano

de Ação, assuntos econômicos mais gerais, como termos de comércio, barreiras

comerciais e alívio da dívida. Mas essa convergência entre a CTPD e a CEPD era uma

linha vermelha para os PDs. Para eles, o Plano de Ação deveria ficar restrito às questões

técnicas, e a CTPD deveria ser mantida em separado das questões relacionadas ao

comércio internacional, que envolvia questões políticas mais delicadas da perspectiva dos

PDs.

A delegação americana fez questão de excluir da Conferência qualquer

negociação sobre a relação entre CTPD e CEPD. Sabendo as intenções de A. Meguid de

incluir os temas econômicos no rascunho do plano de ação, o delegado-chefe da

delegação americana, J. MacDonald, marcou um almoço com o Vice-Secretário-Geral da

Conferência para demovê-lo de suas intenções:

Os delegados dos EUA tiveram a oportunidade de almoçar com Abdel-Meguid durante o primeiro fim de semana e argumentaram vigorosamente contra a sua posição, enfatizando o perigo de perder o amplo apoio Ocidental à CTPD se ele tentasse dificultar a modalidade com questões econômicas mais amplas e controversas. Abdel-Meguid recuou e a questão nunca surgiu novamente como um problema na negociação (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978, tradução nossa93).

A pressão dos PDs – e, particularmente, da delegação dos Estados Unidos – foi

bem-sucedida em evitar que o plano de ação discutisse assuntos mais amplos de

cooperação econômica. Mas é importante ressaltar que, na Conferência de Buenos Aires,

os PDs não estavam muito bem articulados, a ponto de indicar grandes divergências na

93 Do original: “US delegates had occasion to lunch with Abdel-Meguid during the first weekend and vigorously argued against his stand by stressing the dangers of losing widespread Western support for TCDC if the tried to encumber it with broader and more controversial economic issues. Abdel-Meguid backed off and the issue never arose again as a negotiating problem” (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978).

118

negociação. Na verdade, o fato é que esses países não se reuniram previamente para

discutir questões substantivas da conferência.

De acordo com MacDonald, o principal obstáculo foi a decisão dos governos

escandinavos de adotar as “regras de Nova York”94, isto é, de fazer reuniões pré-

conferência que discutissem apenas questões procedimentais, e não referentes ao

conteúdo da negociação, ao invés das “regras de Viena” ou “de Genebra”, que permitem

a coordenação substantiva pré-conferência. Segundo MacDonald, não houve nenhuma

comunicação entre os países ocidentais a não ser os 15 minutos de conversa informal atrás

das escadas do lobby da conferência (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978).

O G-77 aproveitou a desarticulação dos PDs para que as recomendações propostas

pelo documento, em nível nacional, regional e global, expressassem os interesses do

grupo, garantindo maior suporte do SDNU para promover a cooperação técnica entre os

PEDs, especialmente no que se referiria ao recrutamento de especialistas e aos critérios

de definição dos projetos. Assim, estavam postas as condições para que o Plano de Ação

fosse adotado por consenso.

2.3.3. O conteúdo do Plano de Ação de Buenos Aires (BAPA)

O BAPA foi adotado por consenso entre os 138 Estados-membros presentes na

conferência e foi o primeiro documento normativo de promoção da CTPD por todo o

SDNU. O plano de ação reconheceu a importância da solidariedade entre os PEDs e as

novas circunstâncias de mútua interdependência. O BAPA simbolizava não apenas a

solidariedade e o apoio entre os PEDs, mas também criou uma nova abordagem para a

cooperação internacional para o desenvolvimento, ao dar peso para os arranjos coletivos

entre os PEDs.

A introdução do documento deixa claro que aquele momento histórico era um

ponto crítico nas relações entre os PEDs, e entre eles e os PDs. Ao reconhecer que as

instituições internacionais promotoras do desenvolvimento foram criadas e refletiam o

domínio dos PDs nas relações internacionais, o documento exigia uma participação

igualitária entre PDs e PEDs, tanto na condução dos assuntos internacionais quanto na

distribuição dos benefícios globais. É evidente que o BAPA foi escrito tomando como

94 As “regras de Nova York” foram criadas no processo de negociação da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), que foram muito polêmicas e marcadas pela divisão Norte x Sul.

119

pano de fundo a proposta da NOEI (UNITED NATIONS CONFERENCE ON

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978).

A superação do problema do desenvolvimento – social e econômico, nacional e

internacional – exige grandes esforços de cooperação entre os PDs e os PEDs. Assim, em

um contexto de interdependência, a CTPD foi considerada uma força vital para iniciar,

desenhar, organizar e promover uma cooperação mais efetiva e ampla entre os PEDs. E

o resultado dessa cooperação seria a criação, aquisição, adaptação e transferência de

conhecimento e experiências para a promoção do desenvolvimento econômico e social

desses países.

A CTPD deveria ser feita com base nos princípios de soberania, independência

econômica, direitos iguais e não-interferência, e o BAPA explicita que esses princípios

são os que diferenciam a CTPD da tradicional CNS. Mas isso não significa que a CTPD

deveria ser um fim em si mesmo. O parágrafo 8 do BAPA estabeleceu a máxima, presente

até hoje, de que a CTPD não é um substituto para a cooperação tradicional, ainda

necessária para a transferência de tecnologia e outras especialidades.

O BAPA definiu a CTPD como um processo multidimensional, mas a definição

não esclareceu aquilo que de fato a distinguia da cooperação tradicional. A modalidade

foi conceituada como:

(...) um processo multidimensional. Pode ser bilateral ou multilateral em escopo, e subregional, regional ou inter-regional em caráter. Deve ser organizada por e entre governos capazes de promover, com esse propósito, a participação de organizações públicas e, dentro do quadro das políticas definidas por governos, de organizações privadas e indivíduos. Pode se basear em abordagens inovadoras, métodos e técnicas particularmente adaptadas às necessidades locais e, ao mesmo tempo, usar as modalidades existentes de cooperação técnica na medida em que esses são úteis (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, § 7, p. 6, tradução nossa95).

Dentro desse caráter multidimensional, o BAPA estabeleceu nove objetivos

básicos a serem cumpridos pela CTPD:

95 Do original: “(...) a multidimensional process. It can be bilateral or multilateral in scope, and subregional, regional or interregional in character. It should be organized by and between Governments which can promote, for this purpose, the participation of public organizations and, within the framework of the policies laid down by Governments, that of private organizations and individuals. It may rely on innovative approaches, methods and techniques particularly adapted to local needs and, at the same time, use existing modalities of technical co-operation to the extent that these are useful” (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, § 7, p. 6).

120

i) Promover a autossuficiência nacional dos PEDs, ao melhorar sua

capacidade de achar soluções para seus problemas de desenvolvimento

enquanto são respeitados suas aspirações, seus valores e suas

necessidades;

ii) Promover e fortalecer a autossuficiência coletiva dos PEDs, por meio da

troca de experiências, do compartilhamento de recursos técnicos e do

desenvolvimento de capacidades complementares;

iii) Fortalecer a capacidade dos PEDs de identificar e analisar,

conjuntamente, os principais problemas de seu desenvolvimento, e

formular estratégias adequadas para conduzir suas relações econômicas

internacionais. O compartilhamento de conhecimentos comuns é

importante para estabelecer uma nova ordem econômica internacional;

iv) Aumentar quantitativamente e melhorar qualitativamente a cooperação

internacional, e expandir os recursos para a TCDC;

v) Fortalecer as capacidades tecnológicas já existentes em diferentes setores

econômicos dos PEDs. A transferência de tecnologia e de capacidade

técnica deve ser promovida, ampliando o potencial de desenvolvimento

dos PEDs;

vi) Melhorar e ampliar a comunicação entre os PEDs, aprofundando a

consciência de seus problemas comuns e facilitando maior acesso ao

conhecimento e experiência disponíveis. Também promover a criação de

novos conhecimentos para lidar com os problemas de desenvolvimento.

vii) Ampliar a capacidade dos PEDs de absorver e adaptar tecnologias e

técnicas, para que essas possam efetivamente atender às necessidades de

desenvolvimento de cada país.

viii) Responder aos problemas específicos dos países menos desenvolvidos,

dos países sem saída para o mar, das ilhas e dos países mais seriamente

afetados;

ix) Permitir que os PEDs tenham maior participação nas atividades

econômicas globais e expandir a cooperação internacional (UNITED

NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION

AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, pp. 9-10, § 15).

Além desses propósitos, o BAPA menciona que outros poderiam ser

progressivamente incorporados à CTPD, como por exemplo, melhorar a harmonização

121

dos interesses entre os PEDs. Dentro do conceito de solidariedade, a CTPD permitiria aos

países identificar setores particulares de cooperação e estabelecer arranjos em diferentes

âmbitos.

Nesse escopo, o BAPA definiu um conjunto de ações a serem tomadas nos níveis

nacional, subregional e regional, inter-regional e global. Considerando que os setores

possíveis de cooperação eram múltiplos – industrialização, cooperação financeira e

monetária, matérias primas, ciência e tecnologia, cooperação técnica e consultoria,

transporte e comunicações, agricultura, saúde, educação, telecomunicações, turismo,

comércio, etc. – as recomendações do plano de ação visavam fortalecer e apoiar a

cooperação entre os PEDs em várias frentes, sem necessariamente indicar uma ordem de

prioridade.

As recomendações 1 a 14 tratam de ampliar a consciência nacional, de cada PED,

sobre suas próprias capacidades, técnicas e experiências, para torná-las disponíveis aos

demais países em âmbito internacional. O comprometimento dos países em realizar os

arranjos institucionais, de informação, humanos e financeiros, era crucial para organizar

e implementar projetos de CTPD. Por isso, as recomendações 1 a 3 indicam que os

governos nacionais deveriam formular planos ou programas de desenvolvimento com

base nos princípios e objetivos da CTPD, estabelecendo, no interior desses planos,

quadros estratégicos e mecanismos nacionais de definição dos arranjos legais e

administrativos para promover a CTPD.

Além da definição política e estratégica, era fundamental produzir e disseminar

conhecimento, informações e experiências nacionais para o uso e aplicação da CTPD. Por

ser uma modalidade nova, com potencial pouco explorado, a coleta de informações era

essencial para seu avanço. Nesse sentido, as recomendações 4 a 6 apontam que as

instituições nacionais deveriam ser capazes de produzir essas informações, por meio de

centros de pesquisa e treinamento.

A autossuficiência científica e tecnológica era considerada fundamental para a

promoção do desenvolvimento. As recomendações 7 e 8 sugerem que os governos

nacionais deveriam ampliar a formulação, a orientação e o intercâmbio de experiências

nessas áreas. Complementarmente, a recomendação 9 incentiva o aprofundamento da

troca de experiências, da comunicação e do desenvolvimento de projetos nas áreas

econômica e social.

Arranjos técnicos bilaterais com foco na CTPD deveriam ser intensificados pelos

PEDs, conforme a recomendação 14. Isso deveria ser feito por meio de organizações

122

profissionais e técnicas (recomendação 11) e de empresas públicas e privadas

(recomendação 12).

As recomendações 10 e 13 focam, respectivamente, na importância de

desenvolver programas educacionais e culturais para aumentar o conhecimento público

sobre a identidade cultural dos PEDs; e diminuir as barreiras culturais à expansão da

CTPD, por meio de programas de educação e informação. Isso traria maior

conscientização nacional e internacional dos problemas de desenvolvimento dos PEDs e

também das oportunidades de cooperação.

Além das ações nacionais, a CTPD deveria ser conduzida por ações coletivas nos

níveis subregional e regional, definidas pelas recomendações 15 a 21. O fortalecimento

das instituições e organizações nesses níveis, o desenvolvimento de vínculos

interinstitucionais e a criação e o fortalecimento de sistemas de informação regional

foram identificados no BAPA como cruciais para o avanço da CTPD. O SDNU teria um

papel de apoiador e catalizador desse processo, por meio de seus escritórios regionais e

de suas agências, fundos e programas.

A recomendação 15 sugere o fortalecimento das instituições sub-regionais e

regionais, e a recomendação 16 aponta que essas organizações deveriam reorganizar seus

trabalhos para identificar, desenvolver e implementar iniciativas de CTPD. Também se

esperava o maior envolvimento de organizações profissionais e técnicas nesse processo.

Por isso, a recomendação 17 solicita a realização de estudos, por parte dos PEDs e do

SDNU, sobre quais organizações poderiam potencialmente promover a CTPD.

A criação de vínculos regionais de cooperação em áreas específicas para resolver

problemas de desenvolvimento, especialmente nas áreas agrícola e industrial, foi

ressaltada nas recomendações 18 e 19. As recomendações 20 e 21 indicam,

respectivamente, a necessidade de aprofundar a participação das organizações regionais

no Sistema de Informação de Referência (INRES, do inglês, Information Referral

System), com o objetivo de disseminar informações e harmonizar os padrões de CTPD; e

dar apoio aos centros de pesquisa e treinamento regionais, para que pudessem promover

essa modalidade de cooperação.

O BAPA salienta que um objetivo central da CTPD é garantir o acesso amplo à

experiência acumulada dos PEDs em relação aos problemas de desenvolvimento

similares. Essas experiências podem estar em outras regiões, e, por isso, a recomendação

22 enfatiza que ações em âmbito inter-regional são vitais para o desenvolvimento de

novas abordagens e soluções. Os PEDs, as organizações inter-regionais e o SDNU

123

deveriam realizar uma avaliação da CTPD conduzida por nessas diferentes organizações,

com o intuito de criar capacidades complementares e promover programas conjuntos.

As recomendações 23 a 38 elencam as ações que deveriam ser tomadas em âmbito

global, particularmente por parte do SDNU, que deveria incorporar o espírito da CTPD e

ser um promotor e um catalisador dessa modalidade.

Considerando que a CTPD tem como objetivo fortalecer as capacidades dos PEDs

e promover seu desenvolvimento, a ação global do SDNU deveria ser, de acordo com a

recomendação 23, focada no fortalecimento da autossuficiência nacional e coletiva dos

PEDs. Para isso, a troca de experiências e de conhecimento sobre projetos de

desenvolvimento96 (recomendação 24), o aprofundamento da colaboração técnica global

com enfoque na solução de problemas (recomendação 25) e o aperfeiçoamento dos

sistemas de referência e informações internacionais, especialmente o do PNUD

(recomendação 26) deveriam ser práticas reorientadas para os princípios e objetivos da

CTPD.

Ademais, as recomendações 28 e 29 enfatizavam que essas medidas deveriam ter

uma atenção especial para PEDs em situações particulares, como os países econômica ou

geograficamente desfavorecidos e os recém-independentes.

A construção e a maximização do uso das capacidades dos PEDs por meio dos

projetos de CTPD foram destacadas nas recomendações 30 e 31. O fortalecimento da

infraestrutura, especialmente de comunicações e transporte, e o uso das capacidades, dos

especialistas e das consultorias locais eram centrais para o avanço da modalidade. E,

quando as capacidades nacionais não fossem suficientes, elas deveriam ser construídas

ou buscadas em outros PEDs.

O papel do SDNU na implementação do BAPA foi tratado nas recomendações 32

a 34, que dão as indicações do que deveria ser a incorporação da CTPD nas atividades

desse sistema. As agências, os fundos e os programas do SDNU deveriam criar e

desenvolver novas abordagens de CTPD por meio de estudos, análises, monitoramento e

revisão da implementação do BAPA. Após definidas, as abordagens deveriam ser

aplicadas na definição e execução de seus projetos. Isso exigiria reorientar as políticas e

os procedimentos internos do SDNU para os princípios da CTPD, e suas atividades

operacionais deveriam incorporar essa modalidade.

96 Uma preocupação em relação à troca de experiências e conhecimento era a fuga de cérebros. Por isso, a Recomendação 27 aponta que o SDNU deveria ajudar os PEDs a conter esse problema.

124

Deve-se dar destaque à recomendação 34, que dava ao PNUD o papel central no

processo de promover e apoiar a CTPD. Esse programa deveria assumir essa modalidade

como parte integral de suas atividades, seus programas e projetos. Para isso, deveria

fortalecer suas capacidades financeiras e administrativas, especialmente por meio de sua

Unidade Especial para a CTPD (SU-TCDC). A Unidade, financiada pelo PNUD, deveria

apoiar os governos em seus programas de CTPD, desenvolver novas ideias e abordagens,

coordenar as atividades do PNUD de CTPD, expandir o uso do sistema de informações e

referenciamento, promover canais de comunicação e reportar o progresso de

implementação do BAPA.

A Recomendação 37 estabeleceu como seria supervisionado o processo de

implementação do BAPA. A AGNU seria responsável pela revisão intergovernamental

da CTPD, com o apoio do PNUD. Os encontros seriam bienais e deveriam exercer as

seguintes funções: revisar a implementação do BAPA; promover a CTPD no interior do

SDNU; apoiar novas políticas e iniciativas; promover novos recursos; e coordenar as

atividades operacionais de CTPD realizadas pelo SDNU.

Ao final das negociações, A. Meguid disse que o BAPA foi um milagre, por duas

razões: pelo fato de o G-77, com todas suas diferenças, ter demonstrado a capacidade de

ser um corpo político coerente; e por ter sido a primeira vez em que o diálogo Norte-Sul

atingiu unanimidade (NEWLAND, 1978).

O BAPA foi endossado pela AGNU na A/RES/33/134, de 19 de dezembro de

1978. Nessa resolução, a Assembleia requereu ao SDNU que tomasse ações rápidas para

implementar o plano de ação, dando então início às primeiras atividades de incorporação

da CTPD aos trabalhos regulares das agência e entidades da ONU atreladas ao

desenvolvimento.

2.4. A ideia de integração da CTPD no SDNU nos anos 1980

Logo após a aprovação do BAPA, a Segunda Comissão da AGNU, em sua

resolução A/RES/34/117, de 14 de dezembro de 1979, requereu ao Secretário-Geral e a

todos os órgãos e entidades do sistema ONU, que tornassem a CTPD “parte integral de

125

suas atividades para a cooperação internacional para o desenvolvimento” (UNITED

NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1979, p. 108, tradução nossa97).

A partir dessa recomendação, os anos 1980 foram marcados pelos esforços do

SDNU em fazer as modificações necessárias em suas regras, seus procedimentos e suas

práticas para facilitar a promoção da CTPD. Porém, o apoio ao BAPA foi mais

declaratório que concreto. Ainda em 1981, o Comitê de Alto Nível para a Cooperação

Técnica entre os Países em Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-Level

Committee on Technical Cooperation among Developing Countries), em sua decisão

TCDC/2/5, de 7 de junho de 1981, expressou sua preocupação com o progresso

insuficiente da implementação do BAPA e a dificuldade em remover os obstáculos para

promover a CTPD.

O progresso marginal ou inadequado da incorporação da CTPD no SDNU teve

como principal causa, no âmbito das ideias, as barreiras atitudinais em relação à

modalidade. As barreiras atitudinais são definidas como comportamentos, atitudes e

visões de mundo pré-estabelecidas que dificultam ou impedem a incorporação de uma

ideia ou prática no SDNU.

No caso da CTPD, essas barreiras eram oriundas da forte mentalidade

tradicionalista, tanto dos funcionários da ONU quanto dos próprios PEDs. Depois de três

décadas de cooperação técnica tradicional, os atores envolvidos tinham enorme

dificuldade em mudar a lógica doador-recipiendário ao elaborar, estruturar e implementar

os projetos de desenvolvimento, o que era fundamental para garantir o uso adequado das

capacidades dos PEDs.

As barreiras atitudinais se traduziram em três problemas na integração da CTPD

ao SDNU no que se refere às ideias: problemas na interpretação do conceito de CTPD e

na capacidade de distingui-la da cooperação técnica tradicional; problemas na

interpretação do papel da ONU em promover a CTPD, particularmente no que se referia

à diferença entre as atividades promocionais e operacionais de CTPD; e a falta de

informação e conhecimento sobre as capacidades dos PEDs.

No primeiro aspecto, de interpretação do conceito, várias entidades do SDNU não

conseguiam perceber a diferença entre cooperação técnica tradicional e a CTPD. Essa era

uma das razões para explicar porque era difícil identificar, nesse período, quais eram as

97 Do original: “an integral part of their activities for international co-operation for development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1979, p. 108).

126

atividades que de fato o SDNU estava desenvolvendo a partir da recomendação 32 do

BAPA. Essa imprecisão conceitual vinha do próprio plano de ação, uma vez que, após a

aprovação das Novas Dimensões para a Cooperação Técnica, os objetivos da cooperação

tradicional e da CTPD convergiam em vários aspectos. Por exemplo, ambas enfatizavam

o conceito de autossuficiência, o uso máximo das capacidades e recursos locais e o

envolvimento dos PEDs na execução dos projetos.

O relatório do PNUD de 1979 (DP/373) tentou resolver essa ambiguidade ao

prover o seguinte conceito, também adotado pelo HLC-TCDC em seu relatório TCDC/3,

de 1980:

As atividades ou projetos de CTPD envolvem a partilha, o agrupamento ou a troca, deliberada e voluntária, de recursos técnicos, conhecimento, experiências, habilidades e capacidades entre dois ou mais países em desenvolvimento para seu desenvolvimento individual ou mútuo e para alcançar a autossuficiência nacional e coletiva.

(...)

Os inputs do projeto para uma atividade ou projeto de CTPD – como expertise, serviços de consultoria, instalações de pesquisa e treinamento, equipamentos e suprimentos –, são fornecidos inteiramente ou na maior extensão possível pelos próprios países em desenvolvimento participantes (HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1980 c, p. 4, tradução nossa98).

A definição retomou a proposta conceitual do Secretariado de definir a CTPD não

como um fim em si mesmo, mas sim como inputs utilizados nos projetos de cooperação

técnica. Para G. A. Brown – Vice Administrador do PNUD no período, em memorando

destinado ao então Vice-Secretário-Geral da ONU, J. Ripert –, o compartilhamento

voluntário de capacidades e o desenvolvimento mútuo eram os propósitos a serem

alcançados pela CTPD, com o uso de inputs dos PEDs (BROWN, 1978, pp. 1-2).

Os projetos precisavam envolver um acordo entre dois ou mais PEDs partícipes

de uma atividade de CTPD. As técnicas e mecanismos de CTPD deveriam ser aparentes

nos documentos do projeto. A iniciativa organizacional e gerencial estaria nas mãos dos

PEDs, bem como os mecanismos de execução, que deveriam ser feitos pelos governos.

98 Do original: “(a) TCDC activities or projects involve the deliberate and voluntary sharing, pooling or exchange of technical resources, knowledge, experience, skills, and capabilities between two or more developing countries for their individual or mutual development and in order to achieve national and collective self-reliance. (…) (c) Project inputs for a TCDC activity or project, such as expertise, consultancy services, research and training facilities, equipment and supplies, are provided entirely or to the largest extent possible by the participating developing countries themselves (HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1980 c, p. 4).

127

A ideia de que a responsabilidade de iniciativa da CTPD estava nas mãos dos

PEDs foi definida na decisão TCDC/2/9 do HLC-TCDC, de 7 de junho de 1981, e

incorporada no Manual de Políticas e Procedimentos do PNUD da seguinte forma:

i) As atividades de CTPD envolvem a troca ou o compartilhamento

voluntários e deliberados de recursos, habilidades e capacidades técnicas

entre dois ou mais PEDs, para seu desenvolvimento mútuo ou individual;

ii) A CTPD é iniciada, organizada e gerenciada prioritariamente pelos

próprios PEDs. Os governos dos PEDs geralmente tomam a iniciativa, e

outras instituições podem estar envolvidas;

iii) O financiamento e os inputs do projeto, como especialistas, serviços de

consulta, instituições de pesquisa e treinamento, equipamentos e outros,

são de responsabilidade primária dos próprios PEDs, e os recursos dos

países desenvolvidos e da ONU são catalisadores e suplementares;

iv) A CTPD inclui todos os setores, escopos e níveis geográficos. Mas deve

tentar, sempre que possível, usar abordagens, técnicas e métodos

adaptados às necessidades locais (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE

REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING

COUNTRIES, 1981 b).

Essas diretrizes enfatizaram o papel dos PEDs nos arranjos de CTPD. Mas

deixaram uma lacuna sobre como funcionaria o papel catalisador do SDNU, que não é

mencionado em nenhuma parte da definição, sendo esse o segundo problema do período.

O HLC-TCDC tentou, em sua decisão TCDC/3/4, de 6 de junho de 1983,

preencher essa lacuna ao reafirmar que o SDNU deveria ser permeado pelo espírito da

CTPD, e que todas as entidades do SDNU precisariam ajustar seus procedimentos e regras

para promover e catalisar a modalidade.

As entidades seguiram essa recomendação, mas como o Manual de Políticas e

Procedimentos do PNUD não definiu o envolvimento da ONU de forma clara, elas

simplesmente passaram a promover a CTPD de forma flexível, o que resultou em

diferentes abordagens.

Uma das abordagens foi a incorporação passiva: poucas organizações fizeram um

esforço genuíno de integrar a CTPD em suas atividades, pois esperavam que as iniciativas

fossem originárias dos PEDs. Assim, a atuação das entidades ficou restrita à identificação

de soluções de CTPD e, quando houvesse pedido dos governos, dar apoio técnico

128

referente àqueles elementos do projeto que não estavam disponíveis nos arranjos de

CTPD.

Outra abordagem foi a de interpretar as atividades relacionadas à cooperação

técnica tradicional como se elas fossem CTPD: após a aprovação das Novas Dimensões

da Cooperação Técnica, várias entidades simplesmente identificavam o uso dos bens,

serviços e consultores locais como se fosse CTPD, mesmo não havendo o intercâmbio de

conhecimento e especialidades entre dois ou mais PEDs (JOINT INSPECTION UNIT,

1985, p. 5).

Um outro problema na interpretação feita pelas entidades sobre como promover a

CTPD se referia à diferença entre as atividades promocionais e operacionais de CTPD.

As atividades promocionais eram divididas em duas categorias: atividades de

fortalecimento das capacidades dos PEDs; e atividades para promover, identificar e

formular novas iniciativas de CTPD ou dar apoio promocional aos projetos já existentes.

A primeira categoria envolvia a realização de workshops, seminários, programas de

informação, etc. A segunda categoria englobava atividades de curta duração, como

projetos pilotos, melhores práticas, treinamentos, dentre outras atividades que pudessem

identificar o potencial de cooperação, colocar as partes interessadas em contato, e coletar,

processar e disseminar informações.

Já as atividades operacionais eram as atividades em campo: a troca e o

compartilhamento, de fato, de recursos e capacidades técnicas entre dois ou mais PEDs.

Tais atividades envolviam o desenho de projetos de CTPD; a participação e a assistência

na execução e implementação de projetos de CTPD em campo; e o fortalecimento de

instituições de CTPD, fossem elas regionais, inter-regionais ou globais.

Essa diferença não era compreendida pelas entidades do SDNU, limitando a

implementação do BAPA. Algumas entidades consideravam que o papel de catalisador

se referia apenas às atividades promocionais, acreditando que as atividades operacionais

estariam fora de seu escopo de atuação, devendo ser responsabilidade exclusiva dos PEDs

eles mesmos. Outras entidades efetivamente confundiam as atividades promocionais com

as operacionais, considerando a realização de seminários e workshops como operacionais.

Havia pouca compreensão de que a promoção operacional da modalidade por parte do

SDNU exigiria uma reorientação dos procedimentos de desenho dos projetos e das

políticas tradicionais de implementação em campo.

O terceiro problema era a própria falta de informação e conhecimento, tanto dos

funcionários do SDNU quanto dos próprios PEDs, sobre as capacidades desses países.

129

Havia duas barreiras atitudinais acerca dessas capacidades: a concepção de que as

tecnologias e soluções dos PEDs eram de segunda-classe ou intermediárias; e uma

resistência a contratar especialistas e consultores dos PEDs, seja por considerar que eles

eram menos qualificados ou devido à barreira do idioma99. Como resultado dessas

barreiras, a preferência era dada a tecnologias, equipamentos e funcionários oriundos dos

PDs.

Mas pesquisas da ONU nos anos 1970 já haviam demonstrado que essas

concepções tinham pouco respaldo na realidade: sobre as tecnologias, a conclusão do

Escritório de Ciência e Tecnologia da ONU era a de que as soluções disponíveis nos PEDs

eram compatíveis e mais apropriadas para a situação de desenvolvimento de outros países

do que as tecnologias dos PDs, e que a transferência da tecnologia era mais fácil de ser

realizada e com maior sucesso em sua internalização. O mesmo para os especialistas dos

PEDs: apesar da barreira do idioma, eles se adaptavam de forma muito mais rápida às

condições menos confortáveis do trabalho, e eram mais tolerantes e flexíveis às

dificuldades enfrentadas em campo (KENNERLEY, 1977; BURNS JR., 1976).

Um outro problema com os especialistas e consultores vindos dos PEDs é que,

aqueles considerados qualificados pelas entidades da ONU eram, em sua maioria,

formados em universidades dos PDs, e, quando eles retornavam para seus países de

origem, sua formação era completamente inadequada para avaliar a realidade dos PEDs

(HARDING, 1978). Com esse diagnóstico, o HLC-TCDC e a AGNU fizeram

recomendações, nos anos 1980, para promover a identificação, promoção e construção de

capacidades dos PEDs em relação à formação de seus especialistas.

Para contornar esses problemas, em sua decisão TCDC/1/1, de 2 de junho de 1980,

o HLC-TCDC urgiu ao SDNU que usasse, o máximo possível, a linguagem do país nos

treinamentos de staff e na formulação e implementação de programas. Já na resolução

A/RES/42/180, de 11 de dezembro de 1987, a Segunda Comissão da AGNU recomendou

que as entidades do SDNU utilizassem mais consultores, especialistas, serviços e

equipamentos dos PEDs.

Um outro aspecto importante para lidar com o problema da falta de conhecimento

das capacidades dos PEDs foi a consolidação do Sistema de Informação de Referência

sobre CTPD, conhecido como INRES (do inglês, Information Referral System). O sistema

99 Burns (1976) também indicou a existência de barreiras políticas na contratação de especialistas dos PEDs, pois, no bojo das alianças e conflitos da Guerra Fria, alguns países não aceitavam funcionários de certas nacionalidades, independentemente das qualificações profissionais.

130

havia sido lançado pelo PNUD entre 1977-1978, por meio de dois diretórios que

compilavam informações e serviços disponíveis para a CTPD. O INRES foi o primeiro

esforço de sistematizar globalmente informações sobre as capacidades e o conhecimento

disponível nos PEDs (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 d).

Mas as limitações do INRES rapidamente emergiram. O sistema enfrentava

dificuldades em disponibilizar e a atualizar as informações, elementos fundamentais para

que ele fosse usado de maneira prática. Como o sistema não era computadorizado, os

países e as entidades do SDNU preenchiam as fichas à mão e as enviavam para Nova

York. Em seguida, os funcionários do INRES catalogavam as informações em um livro

de referência e as publicavam em forma impressa. Até que o livro estivesse pronto para

ser publicado, havia um grande atraso na disponibilização das informações, e nem todos

os PEDs tinham acesso ao material impresso.

Para superar essas dificuldades, foi proposta a computadorização do sistema em

1982, o que permitiu uma melhor compilação e divulgação das informações. Em 1989,

aproximadamente 4 mil partes interessadas – incluindo instituições oriundas dos PEDs,

agências da ONU e escritórios do PNUD – fizeram uso das práticas registradas nessa base

de dados (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1989, p. 8; p. 11).

Fazendo um balanço da década, é notável que no final dos anos 1980 o BAPA já

havia se tornado “o quadro legislativo vinculante para o apoio do sistema das Nações

Unidas à CTPD” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 3, §12, tradução nossa100), e

praticamente todos os programas, fundos e agências do SDNU já haviam tomado alguma

medida para promover a modalidade.

Mas a despeito desses esforços, houve uma incorporação limitada da CTPD aos

trabalhos do SDNU, sem permear a mentalidade na definição dos programas e das

operações de campo, indicando o caráter periférico dessa modalidade no âmbito da

cooperação internacional para o desenvolvimento. De acordo com a avaliação da Unidade

de Inspeção Conjunta da ONU (JIU, do inglês Joint Inspection Unit) sobre o desempenho

do SDNU quanto à implementação do BAPA, a conclusão não foi positiva: “tanto na sede

quanto no campo, os funcionários estão imersos em atividades tradicionais de cooperação

técnica e as iniciativas de CTPD dependem da conscientização e motivação individuais,

100 Do original: “there is broad system-wide acceptance of the BAPA as a binding legislative framework for United Nations system support for TCDC” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 3, §12).

131

e não de um esforço consciente e sistemático para promover e aplicar o conceito” (JOINT

INSPECTION UNIT, 1985, p. 12, tradução nossa101).

Em 27 de maio de 1987, no processo de avaliação de uma década do BAPA, a

conclusão do HLC-TCDC em sua decisão TCDC/5/Anexo II não foi diferente: apesar de

alguns avanços, o sistema ONU tinha deixado muito a desejar quanto às suas ações de

promover o potencial da CTPD. Assim, o comitê avaliou que, para a próxima década,

seria necessário mobilizar maiores esforços para incorporar a modalidade ao SDNU. É

nesse sentido que o HLC usou, pela primeira vez, a palavra integração (mainstream) em

sua decisão TCDC/6/5, de 29 de setembro de 1989:

Sublinhando a necessidade de programas de exercício para facilitar a integração da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento nos trabalhos regulares das atividades de cooperação técnica, especialmente nos trabalhos do sistema das Nações Unidas e, em particular, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 b, p. 32, tradução nossa102).

Além dos problemas sistêmicos do SDNU, também não se pode deixar de

mencionar o contexto da crise econômica e política internacional dos anos 1980. A vitória

de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher no Reino Unido

marcaram o início de profundas mudanças no pensamento econômico internacional.

Diante do cenário global de recessão, o compromisso keynesiano do pós-guerra deu lugar

à uma abordagem ortodoxa, de inspiração Hayekiana, orientada para os mercados.

O peso dos Estados Unidos e do Reino Unido nas Instituições de Bretton Woods

fizeram com que elas fossem centrais na consolidação de um paradigma de

desenvolvimento neoliberal. Por meio dos ajustes estruturais, o FMI e o Banco Mundial

compeliram os países do Terceiro Mundo – presos em uma crise econômica e uma severa

crise da dívida e de balanço de pagamentos – a adotar políticas de corte de gastos públicos,

privatizações, reformas pró-mercado e de desregulamentação comercial e financeira

como condicionalidades para a concessão dos empréstimos.

101 Do original: “Both at Headquarters and in the field, the staff are immersed in traditional technical co-operation activities and TCDC initiatives are dependent on individual awareness and motivation rather than on a conscious and systematic effort to promote and apply the concept” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 12). 102 Do original: “Stressing the need for programming exercises to facilitate the integration of technical co-operation among developing countries into the mainstream of technical co-operation activities, especially those of the United Nations system, and particularly those of the United Nations Development Programme” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 b, p. 32).

132

A consequência desse processo foi a profunda desarticulação política do Terceiro

Mundo em âmbito internacional. O G-77 se fragmentou como grupo político

internacional, e os processos de renegociação da dívida foram feitos bilateralmente, dando

grandes vantagens aos países credores. Esse é um motivo importante para explicar porque

o avanço da CTPD foi mais modesto nessa década, uma vez que os esforços internacionais

dos PEDs se destinaram aos ajustes estruturais exigidos para a superação da crise da

dívida, limitando as oportunidades de maior cooperação entre eles.

Sem a liderança política do grupo dos países em desenvolvimento e com a

exaustão do compromisso keynesiano, a ONU isolou-se do debate acerca do

desenvolvimento. O governo Reagan deliberadamente buscou neutralizar a posição

heterodoxa da organização. De acordo com Prashad (2012, p. 6, tradução nossa103),

Reagan “queria que os Estados Unidos ‘tomassem o controle das agências

especializadas’, como a UNCTAD e a UNESCO, para conduzi-las à civilização de

negócios do Norte”. O resultado foi a ausência de uma reação organizada do SDNU aos

efeitos perversos do neoliberalismo, e apenas no final dos anos 1980 que algumas

agências começaram a criticar o neoliberalismo, como foi o caso do UNICEF e suas

pesquisas sobre os impactos negativos dos ajustes estruturais na situação das crianças, e

da Comissão Econômica para a África, com seus relatórios sobre a deterioração das

condições econômicas, políticas e sociais no continente (WEISS et al., 2014, p. 270).

Essa profunda mudança no paradigma internacional de desenvolvimento exigiu

uma readequação, na década seguinte, das estratégias de promoção da CTPD, como será

visto no próximo capítulo.

103 Do original: “He [Reagan] wanted the US to ‘get hold of the Specialized Agencies’, such as UNCTAD and UNESCO, and turn them to the ‘business civilization’ of the North” (PRASHAD, 2012, p. 6).

133

CAPÍTULO 3 – A IDEIA DE COOPERAÇÃO SUL-SUL E SUA

INCORPORAÇÃO NO SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS

NAÇÕES UNIDAS (ANOS 1990-2000)

Esse capítulo tem o objetivo de discutir as mudanças na incorporação da ideia de

CSS no SDNU a partir dos anos 1990, com especial destaque para os anos 2000, quando

houve o crescimento do comércio, dos investimentos e da cooperação financeira entre os

países do Sul Global.

Primeiramente, o capítulo apresentará as transformações ideacionais no campo da

cooperação internacional para o desenvolvimento em virtude do fim da Guerra Fria e das

reformas neoliberais. A Estratégia Novas Direções para a CTPD, lançada pelo HLC-

TCDC em 1995, teve como propósito explorar as oportunidades que poderiam emergir

das assimetrias entre os países em desenvolvimento que foram aprofundadas como

resultado da globalização e dos ajustes estruturais. Ademais, a expressão Cooperação Sul-

Sul (CSS) passou a progressivamente substituir a expressão CTPD nos documentos da

ONU, para se referir aos vínculos mais amplos de cooperação entre os PEDs, tanto na

área técnica quanto econômica.

Ademais, o capítulo discutirá a criação da categoria de países-pivô no final dos

anos 1990. Esses países eram PEDs que poderiam liderar o avanço da CSS devido às suas

capacidades e experiências na área. Com a chegada do novo milênio, a denominação

países-pivô foi substituída por potências emergentes, expressão utilizada para caracterizar

aqueles PEDs que apresentaram um expressivo dinamismo econômico e um

fortalecimento de sua inserção internacional. A liderança das potências emergentes deu

novo impulso à ideia de incorporação da CSS no SDNU, culminando na realização da

Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul, em 2009.

O documento final dessa conferência, intitulado Resultado de Nairóbi, buscou

realinhar o conceito de CSS à luz do contexto atual e reafirmar o papel do SDNU em

promover a cooperação entre os PEDs. Porém, seu conteúdo reflete o uso de termos do

novo paradigma esposado pelo CAD-OCDE na área da cooperação internacional para o

desenvolvimento: os princípios da chamada eficácia da ajuda, que envolvem a

responsabilidade mútua, avaliação por resultados e eficácia do desenvolvimento.

134

O capítulo discutirá a dificuldade das potências emergentes em construir uma

linguagem própria para a CSS, capaz de se contrapor aos princípios da eficácia da ajuda,

como demonstra o Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas

à Cooperação Sul-Sul e Triangular. Esse documento, aprovado em 2012 pelo HLC-SSC

com o propósito de sistematizar o processo de integração da CSS ao SDNU, faz menção

à alguns dos princípios do paradigma da eficácia da ajuda.

Por fim, o capítulo discutirá o papel da ideia de CSS como um meio de

implementação da mais recente agenda global de desenvolvimento da ONU, a Agenda

2030 para o Desenvolvimento Sustentável, demonstrando que, a despeito dos avanços, o

caráter ad hoc da incorporação da ideia de CSS ainda é prevalecente.

3.1 A cooperação entre os países em desenvolvimento na era da globalização: as

Novas Direções (1995)

As iniciativas da ONU na área da cooperação internacional para o

desenvolvimento na década de 1990 foram marcadas por três aspectos: o fim da Guerra

Fria; o insulamento da ONU em comparação com as Instituições de Bretton Woods (IBW)

na área do desenvolvimento; e o enfrentamento dos problemas resultantes da globalização

(JOLLY et al., 2004, p. 169).

O conflito Norte x Sul e a proposta da NOEI estavam intrinsecamente conectados

com o conflito bipolar. Da perspectiva dos países industrializados ocidentais, o colapso

da União Soviética e o fim da Guerra Fria possibilitaram eliminar os últimos resquícios

da ideia de desenvolvimento como planejamento econômico com intervenção do Estado.

O conceito de desenvolvimento predominante nos anos 1990 estava conectado com a

agenda neoliberal, conhecida como Consenso de Washington, que priorizou programas

de reforma estrutural e liberalização com base nos mercados. O FMI e o Banco Mundial

foram as organizações internacionais que lideraram a nova agenda de desenvolvimento,

oferecendo-a como resposta às crises econômicas e financeiras de vários PEDs no começo

da década.

A predominância das IBW ocorreu vis-à-vis ao insulamento da ONU na área do

desenvolvimento. Desde o final dos anos 1970, quando perceberam que os debates da

ONU iam claramente contra seus interesses, os PDs se tornaram críticos da ONU, e

crescentemente adotaram uma postura não-cooperativa diante das propostas da

135

organização. Tanto que, na crise dos anos 1980, as decisões da ONU pouco afetaram os

países do Norte, que deram preferência às IBW para lidar com os problemas econômicos

do Sul, justamente pelo fato de terem o maior controle nessas instituições. O resultado foi

a marginalização da ONU em temas econômicos e de desenvolvimento no novo milênio,

e os PDs se certificaram que a organização apenas ficasse responsável pelas atividades

operacionais e assistência técnica para promover a liberalização econômica dos PEDs

(NYERERE, 1992).

Embora a ONU não tenha abraçado plenamente a abordagem orientada para os

mercados, ela teve uma reação tardia à essa profunda mudança intelectual e ideológica na

área do desenvolvimento. Apenas em 1990, a ONU ofereceu uma visão alternativa ao

neoliberalismo: o conceito de desenvolvimento humano. Com base nas proposições do

economista Amartya Sen de desenvolvimento como liberdade, o conceito de

desenvolvimento humano envolvia três pilares: as pessoas; as oportunidades; e as

escolhas. Assim, desenvolvimento não deveria ser definido apenas com base em

indicadores de crescimento econômico, como o PIB e o PIB per capita, mas segundo:

“(...) um processo de ampliar as escolhas das pessoas. Diante do amplo escopo de escolas, as mais críticas são viver uma vida longa e saudável, ter educação e ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida decente. Escolhas adicionais incluem a liberdade política, a garantia dos direitos humanos e o auto respeito pessoal” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1990. p. 1, tradução nossa104).

O primeiro Relatório do PNUD sobre Desenvolvimento Humano reconheceu a

importância dos mercados na promoção do desenvolvimento, mas criticou os efeitos

nefastos das políticas neoliberais e reafirmou o papel das políticas públicas ativas para a

promoção do desenvolvimento humano. Tal conceito ia ao encontro dos problemas

resultantes da globalização econômica e financeira, como os novos fluxos migratórios, as

crises ambientais, as epidemias globais e as guerras civis. Ademais, buscava alinhar a

agenda de desenvolvimento à agenda de direitos humanos e assistência humanitária da

ONU, diante das massivas violações de direitos humanos e crises humanitárias resultantes

das várias guerras civis nos anos 1990 (UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME, 2017 a).

Uma característica da globalização foi o crescimento da desigualdade entre os PDs

e os PEDs, não apenas em termos econômicos, mas também na arena da política

104 Do original: “(...) a process of enlarging people’s choices. The most critical of these wide-ranging choices are to live a long and healthy life, to be educated and to have access to resources needed for a decent standard of living. Additional choices include political freedom, guaranteed human rights and personal self-respect” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1990. p. 1).

136

internacional. O término da Guerra Fria e a globalização significaram o fim do Terceiro

Mundo e o enfraquecimento da posição negociadora dos PEDs como um grupo político.

Rapidamente, a própria expressão Terceiro Mundo, carregada dos significados da Guerra

Fria, deu lugar a uma nova denominação: o Sul Global.

O termo “Sul Global” foi desenvolvido intelectualmente pela Comissão Sul (South

Commission), um think tank criado em 1987, depois de anos de discussões informais entre

líderes políticos e intelectuais do Sul. O então Primeiro-Ministro da Malásia, Mahathir

Mohamad, é considerado o pai fundador da Comissão, ao anunciar, em 1986, a intenção

de criar uma instituição que pudesse fazer recomendações e delinear estratégias para

conduzir o desenvolvimento dos países do Sul diante dos desafios que seriam enfrentados

na década seguinte.

A Comissão Sul foi financiada por doações dos países do Sul, no valor de US$

7,5 milhões de dólares, para realizar uma pesquisa de 3 anos. Também teve apoio do

governo da Suíça, que permitiu que o Secretariado da comissão fosse em Genebra, ao

financiar o aluguel do escritório durante esse período. Assim, em 1990, a Comissão Sul

lançou seu programa intelectual para o reposicionamento do Sul Global no período pós-

Guerra Fria, intitulado “O desafio do Sul”. O estudo foi conduzido por Julius Nyerere,

ativista anticolonial, cientista político e ex-Presidente da Tanzânia no período de 1964-

1985 (NYERERE et al., 1990).

No relatório, o Sul Global é definido por seus vínculos e contrastes com o Norte,

como resultado do passado colonial e das estratégias de desenvolvimento associado

definidas pelos próprios PEDs:

Amplamente ignorado dos benefícios da prosperidade e do progresso, [o Sul] existe na periferia dos países desenvolvidos do Norte. Enquanto a maioria das pessoas do Norte é rica, a maioria das pessoas do Sul é pobre; enquanto as economias do Norte são geralmente fortes e resilientes, as do Sul são, na sua maioria, fracas e indefesas; enquanto os países do Norte têm, em geral, o controle de seus destinos, os do Sul são muito vulneráveis a fatores externos e lhes faltam a soberania funcional (NYERERE et al, 1990, p. 1, tradução nossa105).

105 Do original: “Largely bypassed by the benefits of prosperity and progress, they exist on the periphery of the developed countries of the North. While most of the people of the North are affluent, most of the people of the South are poor; while the economies of the North are generally strong and resilient, those of the South are mostly weak and defenceless; while the countries in the North are, by and large, in control of their destinies, those of the south are very vulnerable to external factors and lacking in functional sovereignty” (NYERERE et al, 1990, p. 1).

137

Para a Comissão Sul, o primeiro vínculo comum entre os países do Sul Global foi

o desejo de sair da pobreza e do subdesenvolvimento. Isso engendrou o processo de

solidariedade internacional cristalizado no MNA e no G-77 na década de 1960. O segundo

vínculo comum foi a intenção, nas décadas de 1970 e 1980, de reformar o sistema

econômico internacional por meio da NOEI, para que ele fosse mais equitativo e inclusivo

em termos de comércio, capital e tecnologia, fatores claramente controlados pelos países

desenvolvidos.

Já nos anos 1990, a Comissão entendia que a união do Sul Global viria de sua

oposição às políticas e percepções ditadas pelos países do Norte, pelas IBW e pelas redes

de instituições privadas. Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, o

Norte havia passado a usar a ajuda externa como um instrumento de promoção da agenda

liberalizante do Consenso de Washington. Embora as condicionalidades de caráter

ortodoxo pudessem garantir certa estabilidade econômica, ela era obtida às custas das

parcelas mais pobres e marginalizadas, comprometendo a parte humana do

desenvolvimento (BROWN, 2000, p. 135).

Os PEDs lançaram importantes críticas ao uso das condicionalidades para o

desembolso da ajuda externa, a começar pelo tipo e conteúdo das políticas de

desenvolvimento financiadas pelos doadores. Essas políticas eram definidas pela oferta,

ou seja, os diagnósticos eram feitos pelos próprios países doadores, enquanto os países

recipiendários possuíam pouca ou nenhuma voz para determinar em que bases a

cooperação para o desenvolvimento se desdobraria. Os programas simplesmente

emulavam iniciativas que foram criadas e avaliadas segundo a realidade dos países

doadores.

A Segunda ONU já coletava fortes evidências em campo de que os projetos de

promoção do desenvolvimento puxados apenas pela oferta apresentavam resultados

insuficientes ou contra produtivos, por serem baseados em diagnósticos incorretos ou

percepções erradas das reais necessidades dos países recipiendários. Em virtude disso, as

iniciativas tiveram pouco impacto na realidade local, com treinamentos superficiais, sem

transferência de conhecimento e construção de capacidades.

Segundo Browne (2002, p. 8, tradução nossa106), o principal problema dos

projetos de cooperação técnica tradicional era sua incapacidade de se tornarem

106 Do original: “(…) the macro failure of aid has been the inability to render itself redundant. Half a century has witnessed over one million TC [technical cooperation] projects. Many of them have been strung end-

138

redundantes, pois seus resultados não conseguiam gerar a autonomia necessária para que

os países recipiendários não precisassem mais da ajuda:

(...) o fracasso macro da assistência consiste na incapacidade de tornar-se redundante. Há meio século testemunha-se mais de um milhão de projetos de cooperação técnica. A maioria deles foi amarrado um após o outro, repetindo os mesmos objetivos e focando os mesmos países e organizações beneficiárias. Os países mais ajudados geralmente continuam recebendo assistência.

Ademais, a assistência oferecida estava, em muitos casos, amarrada às

contratações de especialistas e à compra de certos equipamentos e que favoreciam

comercial ou politicamente os doadores. Para os PEDs, os problemas da cooperação

tradicional questionavam o próprio caráter cooperativo dessas atividades, pois elas

acabavam por aprofundar as relações de dependência entre esses países.

Nas reuniões da Segunda Comissão da AGNU sobre o tema da CTPD, o G-77

passou a demandar que a cooperação internacional para o desenvolvimento fosse

orientada pelos princípios de universalidade, neutralidade, multilateralismo, não-

condicionalidade e responsividade às prioridades nacionais. A cooperação tradicional

precisava também se adaptar às especificidades locais e nacionais. O controle nacional

dos programas e projetos deveria ser garantido, e os países deveriam estar envolvidos em

todas as etapas, do desenho à implementação e avaliação dos projetos (UNITED

NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 b).

Os PEDs progressivamente passaram a destacar, em seus discursos, os problemas

que tiveram com a assistência tradicional em suas experiências nacionais. Vários países

lamentavam a dificuldade do PNUD em basear seus programas na realidade econômica

dos países e respeitar a diversidade e seus valores socioculturais (UNITED NATIONS

GENERAL ASSEMBLY, 1999 c).

O posicionamento comum do G-77 sobre a necessidade de mudanças na

cooperação internacional para o desenvolvimento trouxe também um interesse renovado

na CTPD, mesmo que as crises dos anos 1980 e 1990 e a difícil situação econômica dos

PEDs tivessem imposto severos constrangimentos à realização de todas as vantagens da

modalidade. Nas plenárias da Segunda Comissão da AGNU sobre o tema, praticamente

todos os PEDs, de diferentes regiões e graus de desenvolvimento, posicionaram a CTPD

como uma importante forma de fortalecer suas capacidades para lidar com os problemas

resultantes da globalização.

to-end, repeating the same objectives, and targeting the same countries and beneficiary organizations. The most aided countries have generally remained so” (BROWNE, 2002, p. 8).

139

Em seus discursos, os PEDs expressaram que cooperação entre eles era necessária

para enfrentar a exclusão promovida pela globalização neoliberal. A CTPD foi definida

como uma ferramenta capaz de gerar economias de escala e facilitar a integração dos

PEDs na economia global. Nesse sentido, a ONU deveria estabelecer o quadro

multilateral adequado para a promoção da modalidade (UNITED NATIONS GENERAL

ASSEMBLY, 1999 b; 1999 c; 2003 c).

O resultado desse processo foi uma mudança nas ideias que conduziam a CTPD:

se nos anos 1970 e 1980 a CTPD era uma forma de garantir a autossuficiência nacional e

coletiva e construir capacidades, nos anos 1990, a modalidade era percebida como uma

estratégia para garantir aos PEDs uma inserção favorável na economia globalizada. A

resolução A/RES/52/205, de 18 de dezembro de 1997, reafirmou em seu preâmbulo que:

(...) a cooperação Sul-Sul constitui um elemento importante da cooperação internacional para o desenvolvimento e é uma base essencial para a autossuficiência nacional e coletiva, bem como um meio de garantir a efetiva integração e participação dos países em desenvolvimento na economia mundial e que não é substituta, mas sim complementar, à cooperação Norte-Sul (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 1, tradução nossa107).

Já nas decisões TCDC/11/1A e TCDC/11/1B, de 4 de junho de 1999, o HLC-

TCDC definiu que a CTPD era a base essencial para o desenvolvimento dos PEDs pois

oferecia oportunidades para que eles atingissem o crescimento econômico sustentável de

forma individual e coletiva, garantindo sua participação no novo sistema econômico

global emergente.

Outra ideia característica dos anos 1990 foi a menção recorrente sobre o caráter

complementar, e não substituto, da CTPD em relação à Cooperação Norte-Sul. Como

indicado na resolução A/RES/46/159, de 19 de dezembro de 1991, a cooperação entre os

PEDs não tinha o propósito de concorrer ou deslocar a cooperação Norte x Sul, mas sim

de complementar o quadro da cooperação internacional para o desenvolvimento.

De acordo com um diplomata da Missão Permanente do Brasil na ONU, a

reiteração do caráter complementar atendia – e atende, até hoje – ao propósito do G-77

de cobrar dos PDs suas responsabilidades para com o desenvolvimento dos PEDs, uma

107 Do original: “South-South cooperation constitutes an important element of international cooperation for development and is an essential basis for national and collective self-reliance as well as a means of ensuring the effective integration and participation of developing countries in the world economy and that it is not a substitute for, but rather complementary to, North-South cooperation” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 1).

140

vez que, com o fim da Guerra Fria, a agenda da assistência ao desenvolvimento se tornou

secundária:

Trata-se portanto de uma reação à esse movimento coordenado dos países desenvolvidos no sentido de aliviar, o máximo possível, a carga financeira decorrente dos compromissos desses países com a cooperação para o desenvolvimento, transferindo essa carga e dividindo esse ônus para os países em desenvolvimento de maior porte, como Brasil, China, Índia, etc. Então é sempre em resposta a isso que, em qualquer resolução, qualquer documento oficial negociado que contenha alguma referência à cooperação Sul-sul, sempre os países em desenvolvimento insistirão para que, se é para ter referência a esse tema, que então se diga que essa modalidade de cooperação é complementar, e nunca pode ser considerada como substituta, ou no mesmo nível de importância do que a cooperação Norte-Sul (DIPLOMATA BRASILEIRO, 2015108).

Portanto, diante dos novos desafios da globalização, e da diminuição do interesse

dos PDs em ampliar o volume da ajuda externa aos PEDs, a revitalização da CTPD nos

anos 1990 exigiria, de acordo com a Comissão Sul, a ação articulada dos PEDs em três

áreas (NYERERE et al., 1990, p. 150):

i) Informacional: os PEDs ainda precisavam superar a falta de informação e

conhecimento sobre as diferentes realidades e potencialidades do Sul;

ii) Política: a retomada da cooperação e o fortalecimento dos arranjos na área

política entre os PEDs seriam cruciais para a promoção da CTPD, com o

propósito de promover novos acordos na área de desenvolvimento;

iii) Construção de uma consciência do Sul: os PEDs precisavam criar uma

confiança mútua e um compromisso político para a promoção da CTPD.

A cooperação entre os PEDs deveria ser parte do ethos de todos esses

países e traduzida institucionalmente em arranjos coletivos de

cooperação.

Essas tendências dos anos 1990 foram traduzidas, na ONU, pela aprovação de

uma nova estratégia de integração da CTPD ao SDNU, chamada de as Novas Direções

para a CTPD.

108 Refere-se à entrevista concedida à autora na cidade de Nova York, no dia 11 de setembro de 2015, com versão completa disponível nos anexos.

141

3.1.1 Novas Direções: a ideia de integração entre a cooperação técnica e a

cooperação econômica entre os países em desenvolvimento e o papel dos

países-pivô

Se no período da Guerra Fria os PEDs apresentavam mais ou menos os mesmos

problemas e estavam em um estágio parecido de desenvolvimento, o contexto de

globalização foi marcado por um aumento da pobreza e da desigualdade entre os próprios

PEDs. Em termos de renda, era marcante a diferença entre os países de baixa renda, de

renda média-baixa e de renda média-alta. Sem contar os problemas enfrentados pelos

PEDs em categorias especiais, como os países menos desenvolvidos, os países altamente

endividados, as pequenas ilhas e os países sem saída para o mar.

Ao mesmo tempo, alguns PEDs vivenciaram um renascimento econômico nos

anos 1990, com destaque para os países do Leste Asiático. Ironicamente, as assimetrias e

a diferenciação entre os PEDs quanto ao seu nível de desenvolvimento possibilitaram um

maior intercâmbio de soluções, conhecimento e tecnologias entre eles, resgatando os

princípios de ação coletiva na área do desenvolvimento estabelecidos nos anos 1970.

Essas assimetrias exigiram que a ONU articulasse uma nova estratégia para a

CTPD, que pudesse ter linhas de ação específicas para explorar melhor as oportunidades

que poderiam surgir dessas diferenças e para atender as necessidades de cada categoria

de PEDs. Dentre essas oportunidades, houve a emergência de um novo aspecto na

cooperação entre PEDs: além da cooperação técnica, o crescimento do comércio, dos

investimentos e da cooperação financeira entre países do Sul Global foi um traço

distintivo dos anos 1990.

Para capturar essas novas tendências, o HLC-TCDC aprovou, em 7 de abril de

1995, a Estratégia de Novas Direções para a CTPD (TCDC/9/3). Essas novas direções

orientaram o trabalho do SDNU na segunda metade dos anos 1990. O documento definiu

a CTPD como uma política e uma estratégia prática dos PEDs com vistas a fortalecer suas

capacidades coletivas e nacionais para lidar com os desafios e as oportunidades da

globalização.

O primeiro aspecto das Novas Direções foi o de consolidar o uso da expressão

Cooperação Sul-Sul (CSS) nos documentos do HLC-TCDC. Embora na Segunda

Comissão da AGNU o termo CSS já tivesse sido empregado na resolução A/RES/46/159,

de 19 de dezembro de 1991, a decisão TCDC/9/3 marca seu uso, pela primeira vez, para

denominar as duas dimensões de cooperação internacional para o desenvolvimento

142

estabelecidas entre os PEDs: a CTPD e a cooperação econômica entre países em

desenvolvimento (CEPD). De acordo com o relatório do Secretário-Geral (A/54/425, de

1 de outubro de 1999):

A cooperação Sul-Sul é um conceito amplo. Geralmente é percebido, em termos operacionais, como tendo duas dimensões – a cooperação econômica e a cooperação técnica entre países em desenvolvimento. Em termos gerais, a cooperação econômica se refere à cooperação intra-Sul no comércio, no investimento e nas finanças. O termo também é usado para cobrir a colaboração em outros setores econômicos, como indústria, tecnologia e comunicação. A cooperação técnica, por outro lado, refere-se à construção, ao agrupamento e à partilha de capacidades – humanas, institucionais, técnicas e financeiras – para promover, ainda mais, um ambiente propício ao progresso socioeconômico nos países em desenvolvimento. Pode-se dizer que ambas as formas de cooperação se reforçam mutuamente – a cooperação técnica ajuda a criar as condições necessárias para a cooperação econômica e a cooperação econômica fornece o quadro para a cooperação técnica (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 a, p. 3, tradução nossa109).

As Novas Dimensões reconheceram a importância de aumentar o uso da CTPD e

da CEPD como instrumentos dinâmicos de apoio ao desenvolvimento dos PEDs. Deve-

se destacar a importância dessa decisão diante do histórico de negociações da CTPD:

durante a Guerra Fria, os países do CAD-OCDE, com destaque aos Estados Unidos, se

opuseram fortemente à discussão dos temas de cooperação econômica como parte das

negociações de CTPD. Agora, na era da globalização, era mais difícil manter a divisão

estanque entre as duas modalidades, e isso exigiu que o SDNU passasse a discutir e definir

os vínculos normativos e os aspectos operacionais entre a CTPD e a CEPD.

No que se refere às posições dos PEDs, a China foi o país a liderar a ideia de

integração entre a CTPD e a CEPD, como uma forma de proteger seu modelo de

desenvolvimento do avanço neoliberal. Em seu discurso na AGNU, enfatizou que a CSS

era fundamental em um mundo globalizado, ao promover o desenvolvimento econômico

dos PEDs. A CTPD deveria expandir para além de seus setores tradicionais, incluindo as

109 Do original: “South-South cooperation is a broad concept. It is often perceived, in operational terms, as having two dimensions —economic cooperation and technical cooperation among developing countries. Generally economic cooperation refers to intra-South cooperation in trade, investment and finance. The term is also used to cover collaboration in other economic sectors, such as industry, technology and communication. Technical cooperation, on the other hand, refers to the building, pooling and sharing of capacities — human, institutional, technical and financial — to further enhance an enabling environment for socio-economic progress in developing countries. It can be said that both forms of cooperation are mutually reinforcing—technical cooperation helps create the necessary conditions for economic cooperation and economic cooperation provides the framework for technical cooperation” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 a, p. 3).

143

áreas do comércio, do investimento e das finanças, e também avançar para a área da

cooperação tecnológica, ampliando o intercâmbio de know-how científico (UNITED

NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 c).

A integração entre CTPD e CEPD também era percebida como importante pelas

pequenas ilhas e pelos países menos desenvolvidos, com o propósito de minimizar os

riscos de marginalização da globalização. Ambos os grupos de países posicionaram seus

discursos nas plenárias da AGNU em torno da ideia de que tal integração era importante,

pois permitiria aliar a efetiva construção de capacidades com um maior acesso aos

mercados dos PEDs (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 b).

O segundo aspecto da Estratégia Novas Direções foi o reconhecimento de uma

categoria especial de PEDs em relação à CSS: os chamados países-pivô. A definição de

países-pivô refere-se à posição de liderança na promoção da CSS, em virtude do escopo

das relações econômicas internacionais desses países e de suas capacidades e experiências

com a CTPD. Os países-pivô ocupariam uma posição dupla: eles continuariam sendo

recipiendários da cooperação técnica, mas também se tornariam ofertantes dessa forma

de cooperação.

No relatório do HLC-TCDC aprovado pela AGNU (A/52/39) em 1997, sobre o

progresso feito na implementação da Estratégia de Novas Direções (TCDC/10/3),

Argentina, Brasil, Chile, China, Colômbia, Egito, Gana, Índia, Indonésia, Malásia, Malta,

Ilhas Maurício, México, República da Coreia, Senegal, Cingapura, África do Sul,

Tailândia, Turquia e Tunísia foram identificados como países-pivô.

Da perspectiva do SDNU, seria sua responsabilidade expandir o papel desses

países. O sistema deveria identificar, classificar e documentar as experiências e

especialidades dos pivôs. De posse dessas informações, o SDNU facilitaria o processo

para que esses países se tornassem pontos focais para a disseminação de melhores

práticas, avançando a CSS em âmbito regional.

A terceira característica das Novas Direções era a de adotar um foco mais

estratégico para a CSS, por meio da seleção de temas prioritários, como comércio e

investimento, pagamento da dívida, redução da pobreza, meio ambiente, produção e

emprego, coordenação de políticas macroeconômicas, saúde, educação, desenvolvimento

rural e transferência de tecnologia. Essas eram as áreas em que a ONU teria maior

capacidade de articular a liderança dos países-pivô em projetos de cooperação que

fizessem uso das capacidades nacionais; combinar necessidades com as soluções

disponíveis; e realizar transferência de tecnologia, treinamentos e troca de experiências

144

(HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION

AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1997 a).

Com as Novas Direções, o sentido da integração da CTPD às atividades regulares

do SDNU alcançou um novo escopo nos anos 1990. O próprio termo integração

(mainstream), que havia sido utilizado pelo HLC-TCDC apenas uma vez, no final dos

nos anos 1980, foi retomado como parte da linguagem da decisão TCDC/10/2, adotada

em 9 de maio de 1997:

Solicita às organizações do sistema das Nações Unidas que tomem as medidas adequadas para melhorar a incorporação da cooperação técnica entre países em desenvolvimento em seus programas e projetos e intensificar os esforços para a integração desta modalidade nas atividades operacionais para o desenvolvimento do sistema das Nações Unidas, e encoraja outras instituições internacionais relevantes a empreender medidas similares (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1997 b, p. 25, § 10, tradução nossa110).

No parágrafo 8 da resolução A/RES/52/205, de 18 de dezembro daquele mesmo

ano, a Segunda Comissão da AGNU também usou, pela primeira vez, a expressão

integração (mainstream) da modalidade da CTPD, recomendando ao SDNU que fizesse

as alterações necessárias em seus procedimentos para que as entidades dessem primeira

consideração ao uso da CTPD como um meio de implementação de seus projetos:

Insta as organizações e órgãos do sistema das Nações Unidas, e convida outras organizações intergovernamentais relevantes envolvidas na cooperação internacional para o desenvolvimento, a realizar esforços concertados e vigorosos para integrar a implementação das modalidades de cooperação econômica e técnica entre os países em desenvolvimento, dando-lhes atenção plena no desenho, na formulação, na implementação e na avaliação de programas e projetos em suas atividades operacionais (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 3, §8, tradução nossa111).

110 Do original: “Requests the organizations of the United Nations system to take appropriate measures to improve the incorporation of technical cooperation among developing countries into their programmes and projects and to intensify efforts towards the mainstreaming of this modality in the operational activities for development of the United Nations system, and encourages other relevant international institutions to undertake similar measures” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1997 b, p. 25, § 10). 111 “Urges the organizations and bodies of the United Nations system, and invites other relevant intergovernmental organizations involved in international development cooperation, to make concerted and vigorous efforts to mainstream the implementation of modalities of economic and technical cooperation among developing countries by giving them full consideration in the design, formulation, implementation and evaluation of programmes and projects in their operational activities” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 3, §8).

145

O relatório da JIU de 1985 tinha identificado que a incorporação da CTPD nos

trabalhos do SDNU foi resultado de iniciativas individuais e de arranjos ad hoc, não

havendo uma estratégia sistemática de longo prazo. Uma década depois desse

diagnóstico, a primeira tentativa de operacionalizar a integração da CTPD em âmbito

sistêmico foi o lançamento das Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e

Procedimentos sobre a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento,

preparadas pela SU-TCDC. As diretrizes foram submetidas à AGNU por meio do

ECOSOC, em seu documento E/1997/110, de 17 de dezembro de 1997. Pela primeira

vez, as entidades do SDNU teriam um documento com orientações sobre como incluir a

CTPD como um componente de seus programas e projetos.

As diretrizes foram elaboradas por meio de consultas e negociações entre os

fundos e programas, e as agências e partes do Secretariado da ONU, que estavam

diretamente envolvidos com a CTPD. O documento estabeleceu orientações sistêmicas e

uma abordagem coordenada para a integração da CTPD nos trabalhos regulares do

SDNU, consolidando o papel já previsto pelo BAPA, de facilitador e promotor da

modalidade em âmbito global.

O seguinte conceito de CTPD é delineado nas diretrizes:

A cooperação técnica entre os países em desenvolvimento, amplamente conhecida pela sigla CTPD, é essencialmente um processo pelo qual dois ou mais países em desenvolvimento perseguem seu desenvolvimento individual ou coletivo por meio de intercâmbios cooperativos de conhecimento, habilidades, recursos e know-how técnico. Idealmente, as atividades de CTPD deveriam ser iniciadas, organizadas e gerenciadas pelos próprios países em desenvolvimento, com seus governos desempenhando um papel principal, envolvendo instituições públicas e privadas, organizações não governamentais e indivíduos. A CTPD tem um alcance multidimensional e, portanto, pode incluir todos os setores e todos os tipos de atividades de cooperação técnica dos países em desenvolvimento, sejam de natureza bilateral, multilateral, sub-regional, regional ou inter-regional (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, p. 4, § 8, tradução nossa112).

112 Do original: “Technical cooperation among developing countries, widely known by the acronym TCDC, is essentially a process whereby two or more developing countries pursue their individual or collective development through cooperative exchanges of knowledge, skills, resources and technical know-how. Ideally, TCDC activities should be initiated, organized and managed by developing countries themselves with their Governments playing a lead role while involving public and private institutions, non-governmental organizations and individuals. TCDC is multidimensional in scope and can therefore include all sectors and all kinds of technical cooperation activities of developing countries, whether bilateral or multilateral, subregional, regional or interregional in character” (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, p. 4, § 8).

146

A resposta do SDNU às diretrizes foi positiva, havendo concordância geral sobre

o conteúdo proposto. Como resultado desse documento, a maior parte das organizações e

agências da ONU já havia formalizado, ao final da década, políticas e procedimentos

internos para promover a CTPD em suas atividades, e também estabeleceram pontos

focais para facilitar a coordenação.

O HLC-TCDC considerou que o balanço dos anos 1990 foi positivo em relação à

promoção da CTPD. A definição de escopos temáticos e a designação de países-pivô

foram iniciativas bem-sucedidas na disseminação de melhores práticas, tornando a CTPD

mais sofisticada: ao invés de treinamentos de mão única e viagens de estudo, foram

verificados intercâmbios mais complexos, com maior enfoque em recursos humanos,

planejamento e programação dos projetos.

Entretanto, as Novas Direções e as Diretrizes Revisadas não foram suficientes

para resolver, nos anos 1990, o problema do apoio pouco sistemático da ONU à CTPD.

Como nenhum desses documentos foi capaz de oferecer uma definição operacional da

CTPD, as entidades do SDNU continuavam tendo dificuldades em realizar a identificação

e acompanhamento das atividades sob o escopo dessa modalidade. Ainda que tenha

crescido o número de atividades conduzidas de forma deliberada e com uma perspectiva

de longo prazo, o caráter ad hoc e puxado por iniciativas individuais foi prevalecente, e

esse seria o principal desafio a ser enfrentado pelo SDNU no novo milênio.

3.2 As chamadas potências emergentes e o redespertar da Cooperação Sul-Sul

nos anos 2000

Ao final do século XX, a CTPD era muito diferente daquela que emergiu nos anos

1970. Ao invés de iniciativas concentradas na cooperação bilateral e intra-regional, os

PEDs já eram capazes de desenvolver projetos mais amplos, de caráter inter-regional e

global. Para além de programas setoriais e puxados por projetos, as formas de cooperação

se tornaram mais estratégicas e complexas. De acordo com a avaliação do PNUD, o

redespertar da CTPD no começo do milênio teve as seguintes características:

O conteúdo da CTPD não é mais apenas o movimento episódico Sul-Sul de especialistas técnicos e equipamentos, mas mais o compartilhamento mútuo de sistemas inteiros para o desenho e a implementação de políticas e estratégias.

O processo de CTPD é mais o de articular mutuamente os desafios compartilhados pelo Sul, identificando as necessidades e os pontos fortes de

147

suas capacidades, lançando as bases e criando plataformas comuns para abordar essas preocupações compartilhadas e reunindo recursos institucionais, técnicos, intelectuais e financeiros para resolvê-los (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 b, p. 8, tradução nossa113).

Três fatores explicam o redespertar dessa modalidade no novo milênio: a nova

geografia econômica mundial; o fortalecimento da posição política dos PEDs sob

liderança das chamadas potências emergentes; e as novas capacidades e os novos arranjos

da CSS.

O primeiro fator é econômico, com o aumento das relações econômicas,

comerciais e financeiras entre os PEDs114. Embora o desempenho entre esses países tenha

sido desigual (e a situação dos países menos desenvolvidos tenha apresentado pouca

melhora115), houve a emergência de uma nova geografia econômica mundial, tanto em

termos de uma maior contribuição dos PEDs na economia mundial quanto em virtude da

maior resiliência desses países ao enfrentar as crises econômicas e financeiras dos anos

2000.

O segundo fator para a reemergência da CSS nos anos 2000 é político, referente à

uma mudança na geografia do poder, com o aumento da sofisticação das parcerias entre

as chamadas potências emergentes. Com liderança da China, mas também com destaque

para Índia, Brasil e África do Sul116, as potências emergentes consolidaram diferentes

plataformas de articulação política em âmbito multilateral, como os BRICS117 (Brasil,

113 Do original: “The content of TCDC is no longer just the episodic South-South movement of technical experts and equipment, but more the mutual sharing of whole systems for the design and implementation of policies and strategies; The process of TCDC is more one of mutually articulating the South’s shared challenges, identifying capacity needs and strengths, laying the foundations and creating common platforms to address those shared concerns, and pooling institutional, technical, intellectual and financial resources to resolve them” (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 b, p. 8). 114 Os dados sobre o crescimento econômico e do comércio internacional entre os PEDs serão apresentados na parte 3. 115 A maior participação do Sul na economia global ocorreu de forma assimétrica. Não apenas os PEDs apresentam trajetórias históricas, estruturas sociais e regimes políticos muito distintos, como a distribuição do crescimento econômico nos anos 2000 foi muito desigual. Muitos PEDs ainda sofrem de déficits estruturais e não puderam alcançar as metas mínimas definidas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), por exemplo. 116 Outros países foram identificados como potências emergentes, como os MISTs (México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia), mas o foco da pesquisa será na China, na Índia, no Brasil e na África do Sul, que tiveram uma atuação mais proeminente na ONU em relação ao tema da incorporação da CSS ao SDNU. 117 O acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foi criado em 2001 por Jim O’Neill, economista do banco Goldman Sachs, para indicar os mercados mais promissores no início do milênio. Mas o acrônimo do mercado financeiro passou a ser uma realidade política quando os chanceleres dos quatro países se

148

Rússia, Índia, China e África do Sul) e o Fórum de Diálogo IBAS118 (Índia, Brasil e África

do Sul).

O termo potência emergentes é controverso, pois a ideia de emergentes remete às

denominações das instituições financeiras, como Goldman Sachs, para sinalizar os países

em desenvolvimento com potencial de novos mercados. Mas o termo ganhou tração nos

debates de desenvolvimento na ONU, sendo utilizado para indicar aqueles países capazes

de projetar sua influência regional e, em certos aspectos, global, e que estão diretamente

envolvidos no processo de reforma da governança econômica global. Nesse aspecto,

adota-se aqui a posição esposada por Weiss e Abdenur (2014, p. 1750, tradução nossa119):

O rótulo “potências emergentes” não é nem rígido nem incontroverso. Nosso uso do termo se refere a países cujas elites políticas são capazes de recorrer à sua economia e à outras fontes de poder para projetar influência tanto dentro quanto fora de sua vizinhança e regiões imediatas, e que desempenham um papel fundamental na busca por uma reforma da governança global. Enquanto esta e outras categorias – incluindo “Sul Global”, ou “Norte”, ou o “Terceiro Mundo – são profundamente problemáticas e contestadas, elas refletem perspectivas específicas sobre o desenvolvimento e suas experiências históricas. Como tal, essas construções ganharam espaço nos debates sobre

reuniram, pela primeira vez, em paralelo à sessão de 2006 da AGNU, para discutir as reformas necessárias na governança global. Em 2009, decidiram que o diálogo deveria continuar no âmbito dos chefes de Estado e Governo, por meio de cúpulas anuais. A partir da primeira cúpula, realizada em Ecaterimburgo, em 2009, o diálogo foi ganhando profundidade e abrangência. Na cúpula de 2011, a África do Sul foi incorporada à coalizão, acrescentando um “S” ao acrônimo. A Cúpula de Fortaleza, em 2014, marcou um novo ciclo dos BRICS, incluindo a dimensão social e do desenvolvimento sustentável por meio da assinatura do Tratado para o Estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas e do Acordo Constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento (DAMICO, 2012; BRICS, 2014). 118 O Fórum de Diálogo IBAS foi criado em 2003, por meio da Declaração de Brasília. O objetivo do fórum é o de articular as posições desses países – considerados as três maiores democracias multiétnicas do Sul Global – em fóruns internacionais. O IBAS tem quatro grandes áreas de atuação. A primeira é a coordenação política, que ocorre pela realização de Cúpulas de Chefe de Estado e Governo e pelos Encontros Ministeriais Trilaterais, que reúnem os Ministros das Relações Exteriores. A segunda é a cooperação setorial, que envolve 14 grupos de trabalho em áreas como agricultura, transferência de tecnologia, saúde, etc. Essa área concentra a maior parte dos acordos de cooperação e memorandos de entendimento sob a rubrica da CSS. A terceira é o Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome, um dos fundos mais destacados no financiamento de projetos inovadores de CSS, e que conta com o gerenciamento do Escritório da ONU para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC). A quarta área são os fóruns das pessoas para as pessoas, que envolvem o diálogo com a sociedade civil em temas como empoderamento das mulheres, promoção de novas oportunidades de negócio, entre outros (IBSA TRILATERAL, 2017). 119 Do original: “The label of ‘emerging powers’ is neither carved in stone nor uncontroversial. Our use of the term refers to countries whose policy elites are able to draw on economic and other sources of power to project influence both within and outside their immediate neighbourhood and regions, and which play a substantial role in the call for global governance reform. While this and other categories – including ‘global South’ or the ‘North’ or the ‘Third World’ – are deeply problematic and contested, they reflect specific perspectives on development and historical experiences. As such, these constructs have gained currency within UN development debates. In other words, despite the analytical flaws of such ‘clumps’, in political debates about development they matter” (WEISS; ABDENUR, 2014, p. 1750).

149

desenvolvimento dentro da ONU. Em outras palavras, a despeito das falhas de análise existentes nesses “aglomerados”, eles são importantes nos debates políticos sobre desenvolvimento.

Porém, diferentemente da articulação dos PEDs durante a Guerra Fria, os países

emergentes não apresentam um conceito claro de desenvolvimento, e suas estratégias de

desenvolvimento são bastante diferentes em termos do grau do papel de intervenção e

planejamento do Estado, da abertura dos mercados e de inserção no comércio e finanças

internacionais. Ao mesmo tempo, houve uma convergência de visões quanto ao

importante papel da cooperação entre PEDs na promoção do desenvolvimento, dando

ênfase ao controle governamental dos projetos de cooperação, após duas décadas de

predominância da visão neoliberal do Estado.

Assim, o terceiro fator é que a assimetria entre os PEDs e a experiência acumulada

de pelo menos três décadas de iniciativas de CTPD ampliou a disponibilidade de

capacidades desses países para se engajar na CSS. Nos anos 2000, o Sul Global

apresentava fontes tangíveis e intangíveis de cooperação, como capital, tecnologia, know-

how e soluções para diferentes problemas de desenvolvimento. Já as novas formas de

armazenar e processar o conhecimento, por meio das tecnologias da informação e

comunicação, facilitaram e reduziram os custos do compartilhamento do conhecimento,

das experiências e de informações entre os PEDs.

Isso permitiu uma nova conectividade entre os países do Sul Global, aumentando

o diálogo e o apoio internacional à CSS. Atualmente, todos os PEDs, independentemente

de seu tamanho e grau de desenvolvimento, possuem capacidades e experiências de

desenvolvimento capazes de serem compartilhadas por meio do aprendizado entre pares

(peer-learning) e da aplicação de soluções baseada na demanda, abrindo maiores

oportunidades de CSS.

A CSS conduzida pelas potências emergentes, devido ao seu volume e escopo,

teve um enorme impacto internacional nos anos 2000. As iniciativas de cooperação

técnica e intercâmbio de conhecimento foram reconhecidas pela ONU por seu enorme

sucesso na promoção do desenvolvimento. Essa atuação dos emergentes deu aos demais

PEDs novas opções e reais alternativas à cooperação tradicional. Como aponta Woods

(2008, p. 1220, tradução nossa120):

120 Do original: “In Africa and elsewhere, governments needing development assistance are skeptical of [Western] promises of more aid, wary of conditionalities associated with aid, and fatigued by the heavy bureaucratic and burdensome delivery systems used for delivery of aid. Small wonder that the emerging donors are being welcomed with open arms” (WOODS, 2008, p. 1220).

150

Na África e em outros lugares, os governos que necessitam de ajuda ao desenvolvimento são céticos quanto às promessas [ocidentais] de mais ajuda, desconfiados das condicionalidades associadas à ajuda e cansados dos sistemas pesadamente burocráticos e onerosos usados para a entrega da ajuda. Não é de se admirar que os doadores emergentes sejam recebidos de braços abertos.

A reemergência da CSS nos anos 2000 é marcada por práticas muito heterogêneas,

com variações quanto às regiões, aos países envolvidos e às áreas de cooperação. Mas é

possível apontar algumas características comuns aos projetos recentes, e que diferenciam

essa modalidade da Cooperação Norte-Sul.

A CSS assume, primeiramente, um caráter de demonstração de solidariedade entre

os PEDs, principalmente por meio de discursos. Ações intangíveis, como apoio

diplomático e expressões de fraternidade internacional se tornaram mais frequentes nos

anos 2000. Tal demonstração de solidariedade foi utilizada como um instrumento de

ampliação das agendas de política externa dos PEDs, além de ter estimulado relações

entre países que, historicamente, não possuíam grandes laços de cooperação.

A CTPD ainda é a principal forma de CSS, e nos anos 2000 ela apresentou

importantes diferenças de forma, custos e natureza em comparação com a cooperação

técnica tradicional. Atualmente, a CTPD assume a forma de projetos (ao invés de

financiamento de programas, como na CNS) que são conduzidos pela noção de parceria

horizontais, e não de relação doador-recipiendário.

Os projetos podem ser específicos, como o desenho e a construção de barragens,

ou a implementação de programas sociais; ou podem ser parte de um projeto mais amplo

de troca de bens, serviços e finanças (como o fornecimento de médicos em troca do

petróleo, por exemplo). Também podem envolver consultas, fornecimento de

equipamentos e ferramentas, bolsas de estudo, treinamento e capacitação, e

aconselhamento de técnicos e especialistas.

Em relação aos custos, a CSS consolidou-se como mais barata que a CNS nos

anos 2000. O custo de técnicos e especialistas provenientes de países ocidentais costuma

ser muito mais caro do que o custo local. Rampa e Bilal (2011, p. 12) estimam que,

enquanto um engenheiro proveniente da União Europeia custa US$ 150 mil dólares para

realizar um projeto de um ano, um engenheiro chinês custa US$ 19 mil, quase oito vezes

mais barato.

Quanto à natureza, a CSS buscou fortalecer a capacidade dos países ao considerar

experiências e contextos institucionais, políticos, econômicos e socioculturais

151

semelhantes, o que permitiu o compartilhamento do conhecimento de forma mais efetiva.

Ao invés de oferecer aquilo que se entende por melhor solução de desenvolvimento (como

é o caso da CNS), o objetivo é promover a melhor solução possível e adaptável àquele

contexto nacional. Ou seja, o foco dos projetos é o de fazer aquilo que é possível a partir

dos recursos e conhecimentos disponíveis. Trata-se de uma cooperação mais prática e

baseada na experiência.

O intercâmbio de ideias foi muito forte nas iniciativas conduzidas pelos PEDs nos

anos 2000. O conhecimento é tratado como um processo horizontal de co-criação, ao

invés de uma transferência vertical, como na CNS. Isso possibilitou envolver mais PEDs

na CSS, pois boas soluções podem estar presentes em todos os países, tanto naqueles com

um grau mais elevado de desenvolvimento quanto nos países menores e com menos

recursos.

A CSS apresentou algumas preferências setoriais de cooperação nos anos 2000.

Enquanto os países do CAD-OCDE, desde os anos 1990, canalizaram a AOD para

programas de alívio da pobreza, de promoção da boa governança e da participação

democrática, a CSS focou-se mais nos setores produtivos, especialmente de

infraestrutura, como a construção de rodovias, ferrovias, estruturas de energia, refinarias,

etc. Na CSS, os parceiros se beneficiam mutuamente com os projetos de infraestrutura,

pois eles estimulam a contratação de empresas e funcionários locais; facilitam a

comunicação e integração entre países vizinhos; e permitem a ampliação do comércio,

investimentos e novos mercados121.

As áreas de agricultura, saúde, educação, ciência e pesquisa, tecnologia da

informação e comunicações também são prioritárias para a CSS. Houve um aumento

considerável de colaboração entre universidades dos PEDs, e, por meio da provisão de

bolsas de estudo e de programas de treinamento, espera-se que os estudantes beneficiados

se tornem pessoas influentes e interlocutores de novas formas de aproximação Sul-Sul.

Atualmente, há a ampliação dos programas de cooperação comercial, que

suscitam maiores polêmicas. Isso porque a CSS tem uma linha mais tênue entre ajuda

técnica e não-comercial e projetos de cooperação comercial, enquanto essa diferença é

fundamental para o CAD-OCDE. Por exemplo, ao prover treinamento e equipamentos,

121 Houve também crescimento dos chamados projetos de prestígio, como prédios públicos, residências presidenciais, centros de conferência e estádios, especialmente financiados por China, Índia, Arábia Saudita, Venezuela, Kuwait e Emirados Árabes Unidos (JOHNSON et al., 2008, p. 26).

152

os PEDs promovem mercados nos quais eles podem se tornar comercialmente

competitivos. Ademais, certos empréstimos concessionados feitos pelos parceiros do Sul

estão vinculados à compra de bens e serviços. Para os PEDs, inclusive, quanto mais a

CTPD reforçar a CEPD, maior será o potencial de promoção do desenvolvimento.

Nos projetos de CSS atuais, há pouca ou quase nenhuma condicionalidade

política, de governança e macroeconômica122. Essa é uma diferença importante em

relação à cooperação tradicional. Já os doadores do CAD-OCDE, além de estabelecerem

condicionalidades próprias, geralmente as alinham ao FMI e Banco Mundial. Se um

determinado recipiendário não cumprir com as condicionalidades dessas instituições,

certos doadores suspendem a ajuda bilateral.

Porém, é fundamental destacar que a maior parte das iniciativas de CSS que

ganharam destaque nos anos 2000 ocorreu fora do escopo multilateral do SDNU. As

próprias potências emergentes identificaram esse problema e passaram a se engajar no

debate normativo acerca de como o SDNU poderia contribuir com a promoção da

modalidade, retomando o debate sobre a integração da CSS em suas atividades regulares.

3.2.1 A incorporação da CSS no SDNU entre 2000 a 2006

Nos anos 2000, vários PEDs expressaram sua frustação em relação à incapacidade

da ONU em apoiar o pleno potencial da CSS. No HLC-SSC, o esforço foi o de atualizar

a estratégia das Novas Direções para responder às novas realidades da CSS. Foi dado

destaque ao papel da CSS no cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio

(ODMs), aprovados em 2000 na Cúpula do Milênio123 e que se tornaram a agenda central

de desenvolvimento da ONU pelos 15 anos seguintes. Isso teve importância fundamental,

122 Um dos motivos pelos quais existe pouca ou nenhuma condicionalidade refere-se ao fato de que a CSS não tem critérios específicos de prestação de contas. Esse aspecto será discutido na parte 2. 123 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio consistiam em 8 objetivos e 18 metas de desenvolvimento a serem alcançados pelos PEDs até 2015. Os objetivos englobavam o fim da miséria e da fome; promoção da educação básica de qualidade; igualdade entre sexos; redução da mortalidade infantil; melhora da saúde das gestantes; combate à AIDS, malária e outras doenças; proteção do meio ambiente; e uma parceria global para o desenvolvimento. Um aspecto importante é que esses objetivos foram derivados da agenda da OCDE, apresentada no relatório Shaping de 21st Century, de 1996. Nesse relatório, os doadores do CAD-OCDE estabeleceram metas a serem monitoradas nos países recipiendários para definir as prioridades de alocação da ajuda. O então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, tomou a liderança em transformar essa agenda em uma plataforma global de ação, incluindo os PEDs nas negociações que resultaram na Cúpula do Milênio (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1996; 2012).

153

pois colocou a CSS como um meio de implementação da agenda da ONU para o novo

milênio.

Outro esforço foi o de rever o conceito de países-pivô. A liderança das potências

emergentes era considerada fundamental, mas o HLC-SSC sugeriu usar uma definição

que entendesse a CSS como círculos concêntricos de cooperação, ao invés de reproduzir

a direção doador-recipiendário que o conceito de países-pivô invocava (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005 b, p. 14).

Dois aspectos conceituais da CSS se mantiveram em relação aos anos 1990. O

primeiro foi o caráter complementar dessa modalidade em relação à CNS. As decisões do

HLC-SSC e as resoluções da Segunda Comissão da AGNU continuaram a reforçar, em

seus preâmbulos, que a CSS não deveria excluir e substituir os compromissos dos PDs

em relação ao desenvolvimento dos PEDs, especialmente diante da Agenda de

Desenvolvimento do Milênio. O segundo foi continuidade da identificação da CSS como

uma estratégia para enfrentar os problemas oriundos da globalização. Nos anos 2000, o

objetivo da CSS seria o de integrar os PEDs no sistema econômico global e, ao permitir

que eles se beneficiassem do comércio e dos investimentos internacionais, promover o

desenvolvimento sustentável individual e coletivo.

A ideia de usar as capacidades dos PEDs nos projetos de cooperação, que já estava

presente desde a definição conceitual do BAPA, ganhou novos contornos na atuação da

ONU nos anos 2000. Ao invés do enfoque na construção das capacidades, característica

dos anos 1970 e 1980 (quando os PEDs efetivamente não tinham capacidades e

precisavam criar toda a estrutura de desenvolvimento), nos anos 2000 o enfoque dos

trabalhos do SDNU era o compartilhamento das capacidades e disseminação de melhores

práticas disponíveis nos PEDs.

O PNUD foi a entidade do SDNU responsável por liderar as iniciativas de

promoção da CSS nesses novos moldes. Em seu discurso no debate geral da 12ª sessão

do HLC-SSC, em 2001, o então Administrador do PNUD, o inglês Mark Mallock Brown,

afirmou que a antiga frase sobre a CSS na ONU – “Construindo pontes entre o Sul” –

deveria ser substituída pelo mote “Colocando o Sul nas superestradas globais do século

XXI” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL

COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2001 a).

M. M. Brown assumiu o PNUD com a intenção de operar uma mudança na cultura

organizacional do programa. Ele já havia trabalhado no Escritório da ONU para os

Refugiados nos anos 1970 e 1980, e no Banco Mundial nos anos 1990, e acreditava que

154

o PNUD deveria se reposicionar como um programa voltado para o conhecimento: “[o

PNUD é] uma rede de ideias inteligentes [e] pessoas talentosas [focadas] em suporte e

aconselhamento, iniciativas-piloto e parcerias” (BROWN, 2000 apud MURPHY, 2006,

p. 297, tradução nossa124).

Essas ideias se alinharam com a demanda dos PEDs em promover a CSS nos

programas nacionais desenvolvidos pelo PNUD. O Plano de Negócios (business plan) do

PNUD aprovado por Brown em 2001 enfatizou a necessidade de se criar mecanismos

para sistematizar e compartilhar as melhores práticas de CSS. Os programas regionais e

globais do PNUD funcionariam como facilitadores da disseminação de conhecimento,

experiências e especialidades entre os PEDs. Os escritórios nacionais deveriam promover

a CSS por meio de projetos guarda-chuva desenvolvidos a partir de necessidades

específicas dos países (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF

TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2001 a).

Na linha das orientações de Brown, o Conselho Executivo do PNUD incluiu, em

sua decisão DP/2003/32, de 12 de setembro de 2003, a CSS como um dos motores de

eficácia do desenvolvimento125 em seu Segundo Quadro de Financiamento Plurianual

(2004-2007). Essa decisão reconheceu a importância da modalidade como um meio de

implementação de seus projetos.

Mesmo com os esforços do PNUD, o problema da falta de uma definição

acordada de CSS ainda dificultava a integração da modalidade no SDNU. Tanto que, em

2003, por ocasião do aniversário de 25 anos do BAPA, o representante da Nigéria disse

que não havia razão para celebração, considerando que os problemas enfrentados pela

ONU na promoção da CSS continuavam os mesmos: as iniciativas continuavam sendo

ad hoc, e não resultantes de uma orientação sistêmica da organização (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 2003 a).

Dada a persistência desse problema, o G-77 e China passaram a advogar pela

reestruturação da agenda de integração (mainstreaming) da CSS ao SDNU. Era

124 Do original: “a network of smart ideas [and] talented people [focused on] advocacy and advice, pilots and partnerships” ” (BROWN, 2000 apud MURPHY, 2006, p. 297). 125 Os outros motores da eficácia do desenvolvimento definidos pelo PNUD eram: construir as capacidades nacionais; promover o controle nacional; promover e estimular um ambiente político adequado; promover a igualdade de gênero; e criar parcerias estratégicas (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2003 b, p. 14).

155

necessário um melhor posicionamento do sistema para tornar essa modalidade uma

prática regular de seus trabalhos. A estratégia para fazer a integração da CSS focou-se na

definição de diretrizes sistêmicas para a incorporação do conceito de CSS nos quadros de

programação e avaliação das entidades do SDNU, com ênfase em seu papel catalizador,

mediador e facilitador.

Em sua decisão TCDC/12/2, de 1 de junho de 2001, o HLC-TCDC decidiu realizar

uma atualização das Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos

sobre a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, que haviam sido

estabelecidas em 1997. As novas diretrizes foram aprovadas em 17 de março de 2003,

pela decisão TCDC/13/3, e sua primeira seção estabelece a definição, o escopo e os

objetivos da CTPD.

Entretanto, o conceito no documento de 2003 é exatamente o mesmo das diretrizes

de 1997: a CTPD envolve dois ou mais PEDs que realizam trocas cooperativas de

conhecimento, recursos, capacidades e know-how técnico. É prioritariamente iniciada,

organizada e gerenciada pelos PEDs e tem escopo multidimensional em termos de setores,

atividades e áreas da cooperação. A única diferença é o acréscimo da seguinte frase: “o

desafio é reunir abordagens inovadoras, métodos e técnicas particularmente adaptadas às

necessidades locais e, assim, desenvolver as modalidades de cooperação técnica

existentes, que se mostraram úteis” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW

OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2003 b, p.

4, § 8, tradução nossa126). A inclusão dessa frase demonstra um maior interesse em

sistematizar as melhores práticas e soluções bem-sucedidas para os diversos problemas

de desenvolvimento enfrentados pelos PEDs, com um enfoque mais operacional e voltado

para o campo.

Quanto ao SDNU, as diretrizes identificaram três constrangimentos enfrentados

pelo sistema no campo das ideias: a falta de conhecimento do potencial da CTPD; a falta

de informação sobre a aplicabilidade da CTPD; e as barreiras atitudinais contra a CTPD.

Para lidar com esses problemas, as diretrizes definiram que o SDNU deveria dar

prioridade em temas de interesse da maioria dos PEDs e focar nos problemas enfrentados

126 Do original: “The challenge is to marshal innovative approaches, methods and techniques that are particularly adapted to local needs and thus build upon existing modalities of technical cooperation which have proven useful” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2003 b, p. 4, § 8).

156

por grupos específicos. Ademais, as diretrizes indicam medidas de documentação e

identificação de soluções bem-sucedidas e melhores práticas, e apontam a necessidade de

promover globalmente uma maior conscientização das vantagens comparativas da CTPD,

especialmente em termos de custos.

As diretrizes também estabeleceram indicadores normativos para balizar,

monitorar e avaliar o processo de incorporação da CSS por parte das entidades do SDNU.

Dentre os indicadores relacionados ao papel das ideias, foram definidos os seguintes:

i) O conceito de CTPD deveria ser uma política corporativa e refletir nos

manuais de programas e operações de todas as entidades do SDNU,

incluindo medidas para a construção de capacidade e de conhecimento

dos funcionários da organização sobre a modalidade;

ii) A CTPD e a CEPD deveriam ser integradas como uma estratégia dos

instrumentos programáticos, como os quadros de cooperação ou os

programas nacionais conduzidos pelas entidades;

iii) As entidades deveriam estabelecer pontos focais dedicados a realizar

atividades promocionais de incorporação do conceito de CSS em suas

atividades regulares (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW

OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING

COUNTRIES, 2003 b).

Outra medida de integração da modalidade foi o uso definitivo do termo CSS, ao

invés de CTPD. Na resolução A/RES/58/220127, de 19 de fevereiro de 2003, a AGNU

mudou os nomes do HLC-TCDC e da SU-TCDC para Comitê de Alto Nível para a

Cooperação Sul-Sul (HLC-SSC) e Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul (SU-

127 Nessa mesma resolução, a Segunda Comissão da AGNU declarou o dia 19 de dezembro – data em que o BAPA foi assinado – como o Dia da ONU para a CSS, com o objetivo de aumentar a conscientização pública sobre essa modalidade. No relatório do Secretário-Geral (A/58/345) sobre medidas para aumentar a conscientização internacional sobre a CSS, foram apresentados três motivos para a proclamação dessa data comemorativa. O primeiro seria o de consolidar a agenda Sul-Sul, considerando, no âmbito da ONU, que a comprovada eficiência de custo da CSS tornou essa modalidade crescentemente importante para a organização. O segundo seria o de consolidar a CSS como um meio de implementação dos ODMs, considerando que a proximidade geográfica e as experiências semelhantes entre os PEDs facilitariam a transferência de tecnologia a baixos custos e contribuiriam para o domínio nacional do processo. A terceira razão considerava a ausência de mecanismos capazes de mobilizar apoio suficiente à CSS. O G-77 e o MNA são os principais grupos políticos responsáveis pela promoção da CSS, mas seus esforços não são sistêmicos. Ainda há uma lacuna de informação em relação à CSS, e o dia da ONU para a CSS poderia colocar vários atores trabalhando em conjunto para fortalecer a sistematização do conhecimento Sul-Sul (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2003 b).

157

SSC). Tanto o comitê quanto a unidade especial mantiveram seus mandatos originais,

mas a mudança no nome expressou o reconhecimento pleno de novas formas de

cooperação entre os PEDs, para além da cooperação técnica.

Ao focar a integração da CSS na promoção e sistematização de melhores práticas,

a decisão SSC/14/1 do HLC-SSC, de 3 de junho de 2005, requereu à SU-SSC que criasse

projetos inovadores de CSS que pudessem ser replicados em outros países, considerando

aqueles em situação especial, como os países sem saída para o mar, os países menos

desenvolvidos, as pequenas ilhas e os países em situação de crises ou pós-conflito.

Ademais, como resposta à Cúpula Mundial de 2005128, essa decisão reforçou a

importância da CSS como um meio de se atingir os ODMs e requereu às entidades do

SDNU que incluíssem em seus relatórios uma seção sobre o emprego da modalidade no

cumprimento da agenda de desenvolvimento.

Em 2 de abril de 2007, o HLC-SSC considerou, em sua decisão SSC/15/1,

organizar uma Conferência de Alto Nível da ONU sobre a CSS em 2009, em

comemoração aos 30 anos do BAPA em 2008. O propósito da conferência seria o de

fortalecer o processo de integração da modalidade no Sistema ONU, a partir do seguinte

diagnóstico:

Como a Cooperação Sul-Sul é cada vez mais reconhecida como uma das abordagens mais eficazes para a gestão de questões transnacionais complexas que estão além das capacidades individuais de cada país, as Nações Unidas enfrentam o desafio de fortalecer o multilateralismo, as parcerias inclusivas e as ações bem coordenadas para aproveitar os recursos disponíveis no Sul com vistas a complementar os esforços feitos por outros parceiros para enfrentar tais desafios sem fronteiras (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 b, p. 12, tradução nossa129).

Mas os debates preparatórios para a Conferência de Alto Nível ocorreram em um

ambiente contestatório, de acirramento das tensões Norte x Sul. A partir de 2007, a ONU

seria o espaço de disputa entre dois conjuntos concorrentes de ideias na área da

cooperação internacional para o desenvolvimento: o paradigma da CSS que estava sendo

128 A Cúpula Mundial de 2005, realizada de 14 a 16 de setembro, além de comemorar os 60 anos de existência da ONU, teve como documento final o Resultado da Cúpula Mundial de 2005, que definiu os compromissos dos Estados-membros para acelerar a implementação dos ODMs. 129 Do original: “As South-South cooperation is increasingly recognized to be one of the most effective approaches to managing complex transnational issues that are beyond the capacities of individual countries, the United Nations faces the challenge of strengthening multilateralism, inclusive partnerships and well-coordinated action in order to harness the resources available in the South with a view to complementing the efforts made by other partners to address such borderless challenges” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 b, p. 12).

158

construído pelos PEDs; e o paradigma da eficácia da ajuda, estabelecido pelo CAD-

OCDE.

3.3 A reação dos países desenvolvidos: os princípios da eficácia da ajuda

Embora os PDs tenham participado da Conferência de Buenos Aires, e o BAPA

tenha discriminado, em sua recomendação 35, que esses países deveriam alinhar seus

programas de assistência para a promoção da CTPD, o fato é que sua contribuição foi

praticamente irrelevante durante o período da Guerra Fria.

Em 1993, o PNUD elaborou uma pesquisa entre os Estados-membros para

sistematizar as informações sobre os programas de CTPD desenvolvidos até então. Os

PDs que responderam aos questionários eram francos em reconhecer que sua ajuda ao

desenvolvimento não continha nenhum elemento de CTPD. Isso começou a mudar em

meados dos anos 1990, quando a Estratégia Novas Direções introduziu o conceito de

cooperação triangular (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 c).

A cooperação triangular envolve parcerias conduzidas por dois ou mais PEDs com

apoio de países desenvolvidos para implementar projetos e programas de cooperação para

o desenvolvimento. Os PEDs contam com o apoio financeiro, técnico e de expertise dos

PDs que fornecem essa assistência. A maior parte dos programas são de treinamento,

criação de sistemas de gerenciamento e adaptação de tecnologia, e apoio a centros de

excelência do Sul. O primeiro PD a se engajar na cooperação triangular foi o Japão, em

1993. Depois, ao final dessa década, a União Europeia ampliou sua atuação.

O engajamento do CAD-OCDE com a cooperação triangular ocorreu no bojo da

revisão de suas estratégias de concessão da assistência ao desenvolvimento. Se na Guerra

Fria a ajuda era um instrumento de política externa para a conformação de alianças, na

década de 1990130 ela foi utilizada para promover a agenda neoliberal, por meio de

privatizações e da liberalização e desregulamentação econômica.

130 Há uma expansão dos membros do CAD-OCDE a partir dos anos 1990, passando a incluir países que não exatamente se enquadram na categoria de países desenvolvidos, mas que se alinham aos princípios e diretrizes da organização. As adesões foram: retorno de Portugal e entrada da Espanha, em 1991; Luxemburgo, em 1992; Grécia, em 1999; República da Coreia, em 2010; Eslovênia, Islândia, Polônia, República Eslovaca, República Tcheca, em 2013; e Hungria, em 2016 (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 a).

159

No campo político, a ajuda deveria consolidar o modelo de democracia liberal

ocidental, com base no princípio da boa governança. Esse conceito refere-se à capacidade

do Estado em organizar suas instituições em um regime democrático pluralista, em

parceria com a sociedade civil e o setor privado, a partir de princípios como prestação de

contas (accountability) e responsabilidade. No documento “Definindo o Século XXI: A

Contribuição da Cooperação para o Desenvolvimento”131, publicado em 1996, foi

estabelecido que a concessão da ajuda por parte do CAD-OCDE estaria atrelada à

capacidade dos recipiendários em atingirem a boa governança.

A partir dessas mudanças, o CAD-OCDE elaborou, nos anos 2000, um novo

paradigma para a cooperação internacional para o desenvolvimento: o da eficácia da ajuda

(aid effectiveness). Esse conceito corresponde à noção de valor por dinheiro (value for

money), ou seja, de tornar as contribuições financeiras da ajuda mais eficazes em atingir

o desenvolvimento, a partir de um cálculo de custo e benefício.

Esse paradigma visava, por um lado, lidar com as críticas que os doadores

recebiam acerca da falta de participação dos recipiendários na definição dos programas

de ajuda; e, por outro, encontrar uma forma de reduzir os custos com a AOD, por meio

de uma melhor coordenação entre os projetos financiados por diferentes doadores.

A agenda da eficácia da ajuda, no século XXI, trouxe duas mudanças na CNS: a

primeira é política, uma vez que países democráticos são priorizados na alocação da

ajuda, critério esse que não era considerado na Guerra Fria. Agora, o contexto político do

recipiendário tem que ser adequado para que haja a eficácia da ajuda. A segunda mudança

refere-se à agenda de liberalização econômica: a boa governança traz um novo

institucionalismo, de viés pró-mercado.

Em 2003, no Fórum de Alto-nível sobre Harmonização, os membros do CAD-

OCDE criaram o primeiro grupo de trabalho sobre eficácia da ajuda. Nesse fórum, os

doadores delinearam um conjunto de estratégias para que os recipiendários tivessem

maior responsabilidade e controle sobre as estratégias de desenvolvimento, com enfoque

na redução da pobreza. Os trabalhos do grupo conduziram, em 2005, à realização do

Primeiro Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, em Paris. O resultado do fórum

foi a Declaração de Paris, o primeiro documento a efetivamente codificar e

131 Do inglês Shaping the 21st century: The Contribution of Development Cooperation. Como já citado anteriormente, esse foi o documento que baseou os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio da ONU, em 2000.

160

institucionalizar o paradigma da eficácia da ajuda, em torno de cinco princípios

fundamentais:

i) Apropriação: os PEDs devem definir suas próprias agendas e estratégias

para o desenvolvimento, garantir a eficácia de suas instituições e combater

a corrupção;

ii) Alinhamento: os países doadores devem destinar a ajuda de forma alinhada

à estratégia nacional, e usar sistemas locais;

iii) Harmonização: os países doadores devem harmonizar suas ações,

coordenando sua atuação para evitar duplicações. Isso envolve simplificar

os procedimentos de cooperação e compartilhar informações;

iv) Gerenciamento por resultados: doadores e recipiendários devem trabalhar

com o objetivo de produzir resultados mensuráveis;

v) Prestação de contas mútua: doadores e recipiendários devem prestar

contas, por meio da responsabilização mútua (ORGANISATION FOR

ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2015).

O paradigma da eficácia da ajuda envolveu compromissos tanto por parte dos

doadores quanto dos recipiendários, e isso foi possível pois o Fórum de Paris foi o

primeiro encontro do CAD-OCDE a incluir outros representantes além dos membros do

comitê. A Declaração foi endossada por doadores bilaterais, doadores multilaterais,

países recipiendários e observadores da sociedade civil (ORGANISATION FOR

ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2015).

Em 2008, o CAD-OCDE organizou o Segundo Fórum de Alto Nível sobre

Eficácia da Ajuda, que adotou a Agenda de Ação de Accra (AAA). Essa agenda foi

estabeleceu três áreas de ação para avançar a implementação da Declaração de Paris, com

enfoque na construção de capacidades. São elas:

i) Apropriação: ainda é necessário que os PEDs ampliem sua atuação em

definir a estratégia de desenvolvimento, a partir da qual os doadores

guiarão sua ajuda;

ii) Parcerias inclusivas: deve haver a participação igualitária de todas as

partes interessadas: doadores, recipiendários e sociedade civil;

iii) Entrega de resultados: a ajuda deve ter impactos mensuráveis no

desenvolvimento, seguindo os indicadores do CAD-OCDE

(ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND

DEVELOPMENT, 2008, pp. 15-16).

161

Seguindo o que aconteceu em Paris, os países recipiendários tiveram mais

visibilidade e voz no encontro de Accra. Esse foi o primeiro documento do CAD-OCDE

a mencionar a CSS como uma ferramenta de eficácia da ajuda e a encorajar os países do

Sul Global a usar os princípios da Declaração de Paris como uma referência para suas

iniciativas Sul-Sul. Inclusive, ao final do fórum, o CAD-OCDE criou um Grupo de

Trabalho sobre Cooperação Sul-Sul, com o propósito de incorporar essa modalidade nos

programas do comitê (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND

DEVELOPMENT, 2008, p. 17).

Por fim, o quarto Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, ocorrido em

Busan, em 2011, trouxe a CSS para o centro da agenda do CAD-OCDE. Com a

participação das potências emergentes no fórum, a Parceria de Busan para a Eficácia da

Cooperação para o Desenvolvimento destacou que os países do Sul Global deveriam

voluntariamente usar os princípios da eficácia da ajuda como uma referência para suas

iniciativas, visando trazer maior harmonização da cooperação internacional para o

desenvolvimento (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND

DEVELOPMENT, 2011, p. 1).

O HLC-SSC fez a primeira menção ao paradigma da eficácia da ajuda em sua

decisão SSC/14/1, de 3 de junho de 2005. O HLC notou os esforços dos PDs em aumentar

a eficácia da ajuda durante o Fórum de Paris, mas o tom foi neutro: a decisão não fez uso

dos adjetivos comumente usados quando os Estados-membros querem elogiar alguma

iniciativa (quando se usa o verbo “nota com apreciação”, por exemplo).

O tom neutro refletiu a falta de consenso sobre a relação entre a ideia de CSS e o

paradigma da eficácia da ajuda, sendo esse um dos pontos de maior tensão nas

negociações atuais sobre a incorporação da CSS no SDNU. Isso porque, para o CAD-

OCDE, a CSS deve ser discutida segundo os conceitos, as definições e os critérios da

eficácia da ajuda. O comitê está estrategicamente engajado na discussão sobre as

potências emergentes, e passou rapidamente de uma posição de negligência desse tema

para uma linguagem de busca de parcerias, tomando iniciativas para fazer com que os

doadores emergentes se familiarizem e adotem as normas e práticas do CAD-OCDE

(CHANDY; KHARAS, 2011, p. 740).

Por exemplo, em 2008, o comitê criou o grupo de estudos China-CAD, com o

objetivo de coordenar os esforços de ajuda na África; e, em 2009, a China foi convidada

a ser observadora na revisão por pares do CAD-OCDE. Depois, em 2010, a Colômbia

sediou um encontro de alto nível com o objetivo de adaptar as práticas bem-sucedidas de

162

CSS aos princípios da eficácia da ajuda estabelecidos pela Declaração de Paris e pela

AAA (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND

DEVELOPMENT, 2010, pp. 62-63).

O movimento do CAD-OCDE de tentar absorver a CSS ao paradigma da eficácia

da ajuda tem gerado grandes resistências por parte das potências emergentes. China,

Brasil, Índia e África do Sul endossaram o documento da Parceria de Busan apenas na

condição de recipiendários, mas apontaram as limitações do paradigma.

Por exemplo, as potências emergentes criticam os mecanismos de monitoramento

e responsabilização da eficácia da ajuda. Os indicadores de avaliação do CAD-OCDE

focam-se muito mais nos recipiendários do que em uma análise dos sucessos e dos

fracassos dos doadores. Por isso, a agenda foi ineficaz em tornar a ajuda mais previsível,

em alinhá-la com os sistemas nacionais dos recipiendários e ampliar as responsabilidades

dos doadores na prestação de contas. No fim, são os próprios membros do CAD-OCDE,

mais do que os recipiendários, que não estão cumprindo os compromissos, sem haver

nenhuma consequência em relação a essa falta de cumprimento (DIJKSTRA; KOMIVES,

2011, p. 204).

Depois, a posição desses países é a de que a CNS e a CSS são modalidades

diferentes, e que a CSS tem especificidades não-capturáveis pelos parâmetros da eficácia

da ajuda. Por estar baseada em uma noção verticalizada da cooperação internacional para

o desenvolvimento, o paradigma do CAD-OCDE não captura o espírito de mútua

colaboração e horizontalidade da CSS. Absorver a CSS a esses princípios seria limitar o

potencial da modalidade em efetivamente solucionar vários problemas de

desenvolvimento enfrentados pelos PEDs.

É nesse sentido que a relação entre os PDs e os PEDs no âmbito da cooperação

internacional para o desenvolvimento retomou a tensão Norte x Sul nos anos 2000. As

ideias da CNS, baseadas na classificação e divisão entre país desenvolvido-doador e

países em desenvolvimento-recipiendário, passam por um momento de contestação, vis-

à-vis o crescimento das parcerias entre os PEDs e uma maior institucionalização do

conjunto de identidades e interesses sob a ideia de CSS. Esse será o ponto central das

negociações da Conferência de Nairóbi.

163

3.4 A Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul e o Resultado

de Nairóbi: as ideias atuais de Cooperação Sul-Sul

Na 15ª sessão do HLC-SSC, em 2007, o diagnóstico do G-77 era o de que havia

pouca lembrança e memória da Conferência de Buenos Aires, uma vez que tanto a

Primeira ONU quanto a Segunda ONU haviam se afastado da filosofia prevalecente na

época. Apesar do redespertar da CSS, o grupo de PEDs considerava que o SDNU e os

PDs não reconheceram ou aproveitaram todo o potencial dessa modalidade em promover

o desenvolvimento e a autossuficiência dos PEDs.

Já o entendimento do CAD-OCDE era o de que faltava um conjunto de

indicadores para mensurar e avaliar os esforços da CSS, e a experiência desse comitê em

definir critérios para a assistência internacional deveria ser incorporada na modalidade de

cooperação entre os PEDs por meio do paradigma da eficácia da ajuda.

Quando a AGNU decidiu realizar uma Conferência de Alto Nível sobre a CSS132,

em Nairóbi, no Quênia, o propósito era o de fortalecer e revigorar a CSS, dentro do novo

contexto de dinamismo econômico e fortalecimento político de vários PEDs, e do novo

engajamento do CAD-OCDE nos temas relacionados à CSS.

Para dar suporte aos trabalhos preparatórios da conferência, o Secretário-Geral

publicou o relatório intitulado “Promoção da Cooperação Sul-Sul para o

desenvolvimento: uma perspectiva de trinta anos”133 (A/64/504), em 27 de outubro de

2009. O documento revisou a implementação do BAPA por parte dos Estados-membros

e do sistema ONU, e fez um balanço dos avanços e desafios enfrentados na promoção da

modalidade nessas três décadas.

Da perspectiva dos avanços, o relatório considerou que os PEDs foram capazes

de construir capacidades nacionais e coletivas – um conjunto de competências técnicas,

centros de excelência e alguma tecnologia própria – que permitiram ampliar as interações

entre eles e reconfigurar os padrões de comércio e investimento globais. Os países-pivô

se tornaram potências emergentes, economias de renda média com voz na governança

global, aumentando o poder de barganha coletiva do Sul. Em relação ao papel da ONU,

132 Entre 1994 e 1995, os PEDs tentaram realizar uma nova conferência global sobre a CSS, que pudesse discutir medidas para aprofundar a Estratégia das Novas Direções, mas ela acabou não se realizando e os esforços foram direcionados para a Cúpula do Milênio. Cf. as resoluções A/RES/49/96, de 19 de dezembro de 1994, e A/RES/50/119, de 20 de dezembro de 1995. 133 Do original: “Promotion of South-South cooperation for development: a thirty-year perspective”.

164

a avaliação do documento foi a de a organização teve papel importante na promoção da

cooperação entre os PEDs, atuando como catalisador de várias iniciativas de CSS.

Da perspectiva dos desafios, apesar de vários PEDs terem verbalmente assumido

um compromisso com a CSS, poucos deles institucionalizaram a modalidade em seus

planos e estratégias de desenvolvimento, ou haviam construído mecanismos para

coordenar, monitorar e financiar as iniciativas de forma sistemática. Por isso, em seu

papel de promotor e catalisador, faltou ao SDNU, nesses 30 anos, a capacidade de

desenvolver mecanismos mais fortes de coordenação, monitoramento e sistematização de

informações para apoiar os PEDs na institucionalização da CSS.

Outro problema é que, apesar do desempenho positivo das potências emergentes,

as assimetrias entre os PEDs não foram reduzidas no período: em 2009, a expectativa era

a de que os países menos desenvolvidos não alcançariam os ODMs até 2015. O desafio

para o SDNU seria o de prover aos PEDs dois tipos de assistência: uma para os países

que precisam prover as necessidades básicas e outra para aqueles com algum grau de

desenvolvimento.

Diante desse quadro, as negociações preparatórias para a Conferência de Nairóbi

tiveram dois núcleos de discussão: a relação entre a CNS e a CSS, em termos das

diferenças e complementaridades conceituais e práticas entre as duas modalidades; e a

coordenação e coerência das atividades do SDNU em promover a CSS.

Em relação ao primeiro núcleo, a definição de que a CSS é complementar e não

substituta à CNS já era prevalecente nos documentos da ONU desde os anos 1990. Mas

com a redução da assistência tradicional dos países do CAD-OCDE nos anos 2000134,

essa definição ganhou maior ênfase. No HLC-SSC, a defesa da complementaridade da

CSS expressava “(...) o medo, da perspectiva dos países em desenvolvimento, de que eles

perderiam a assistência ao desenvolvimento do Norte” (HIGH-LEVEL COMMITTEE

ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005 b, p. 11, tradução nossa135).

Mas, ao mesmo tempo em que se defendia a complementaridade entre as duas

modalidades, nunca foi tão evidente o debate sobre as diferenças conceituais entre a CSS

134 Esse aspecto será discutido na parte 3, sobre o financiamento da CSS. Com o crescimento das potências emergentes, e seu maior engajamento no financiamento da CSS, o CAD-OCDE passou a defender a ideia de graduação dos países do Sul, para que dividissem o ônus da cooperação internacional para o desenvolvimento. Essa posição foi mais enfatizada após a crise de 2008, quando os Estados Unidos e os países da União Europeia realizaram cortes no volume do financiamento ao desenvolvimento. 135 Do original: “(...) fear on the part of developing countries that they would lose development assistance from the North” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005, p. 11).

165

e a CNS. O esforço do CAD-OCDE em tornar os princípios da eficácia da ajuda como

referência global da cooperação internacional para o desenvolvimento, incluindo a CSS,

foi muito marcante.

O argumento dos países doadores de utilizar a eficácia da ajuda para sistematizar

a CSS ganhou espaço diante da imprecisão conceitual dessa modalidade. Na sessão da

Segunda Comissão da AGNU de 2007, Portugal, em nome da União Europeia136, afirmou

que, como a CSS faz parte dos esforços globais de desenvolvimento, deveria seguir os

princípios da Declaração de Paris e os princípios da eficácia da ajuda:

A União Europeia atribuiu um alto valor à Cooperação Sul-Sul, que deve respeitar os princípios do Consenso de Monterrey e os princípios reconhecidos da eficácia da ajuda, incluindo a apropriação e liderança do país beneficiário, o primado das estratégias de redução da pobreza, o alinhamento com os processos e procedimentos do país e foco no desenvolvimento da capacidade institucional (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 a, p. 6, § 33, tradução nossa137).

Com a liderança de China, Brasil, Índia e África do Sul, vários PEDs se opuseram

à incorporação desses princípios, sob o argumento de que, embora fosse necessário

esclarecer o quadro conceitual da CSS, ela não deveria ser analisada pelos mesmos

padrões da CNS. A posição da China, por exemplo, é a de que a CSS deve se focar na

construção de capacidades de acordo com as condições e necessidades dos PEDs, ao invés

de “(...) se focar apenas na boa governança ou no combate à corrupção [temas centrais

para a concessão da ajuda por parte do CAD-OCDE] às expensas de assuntos mais

urgentes como a redução da pobreza e desenvolvimento” (UNITED NATIONS

GENERAL ASSEMBLY, 2009 b, p. 3, § 6, tradução nossa138).

Por outro lado, esse não é um ponto em comum ao G-77, pois alguns membros do

grupo apoiam o uso dos princípios da eficácia da ajuda para analisar a CSS. É o caso de

Colômbia e Chile, que são membros tanto da OCDE quanto do G-77. Juntamente com o

México, que também é membro da OCDE, esses três PEDs mediaram, em Nairóbi, as

136 Os seguintes países se associaram ao discurso da União Europeia: Albânia, Antiga República Iugoslava da Macedônia, Armênia, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Moldova, Montenegro, Sérvia, Turquia e Ucrânia. 137 Do original: “The European Union placed a high value on South-South cooperation, which should comply with the principles of the Monterrey Consensus and acknowledged principles of aid effectiveness, including recipient country ownership and leadership, primacy of poverty reduction strategies, alignment with country processes and procedures, and focus on institutional capacity development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 a, p. 6, § 33). 138 Do original: “(...) focusing solely on good governance or combating corruption at the expense of more urgent issues such as poverty reduction and development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 b, p. 3, § 6).

166

negociações para conciliar os princípios da eficácia da ajuda com os da CSS. De acordo

com o discurso da delegação mexicana, seria possível adaptar os princípios da Declaração

de Paris às características próprias da CSS, tornando seus esforços ainda mais

complementares à CNS (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2011, p. 3, §

14).

O segundo núcleo de debate nos trabalhos preparatórios para a Conferência se

referiu ao papel da ONU na promoção da CSS. Houve um esforço considerável do G-77

em revitalizar a atuação da organização na promoção da modalidade, com o propósito de

neutralizar os esforços do CAD-OCDE de centralizar a definição e a sistematização da

CSS. O HLC-SSC reforçou esse aspecto ao afirmar que “(...) o sistema ONU, devido à

universalidade de seus membros, sua neutralidade e independência política, era o

principal veículo para catalisar, apoiar e fortalecer a Cooperação Sul-Sul” (HIGH-

LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2007 a, p. 12, tradução

nossa139).

Nesse sentido, a ONU deveria ampliar seu papel de mediadora entre os PDs e os

PEDs, e o esforço de integrar a CSS ao SDNU teria como objetivo criar um paradigma

universal de desenvolvimento, que refletisse não apenas os princípios da eficácia da

ajuda, mas também da CSS. O primeiro movimento para isso foi fortalecer o papel da

CSS como uma ferramenta para atingir os ODMs. Na preparação para a Conferência de

Nairóbi, discutiu-se as reformas políticas e institucionais necessárias para que o SDNU

pudesse usar a CSS na implementação dos objetivos, o que exigiria a definição de regras

e quadros regulatórios, como metodologias de coleta de informações e análise dos

impactos sobre o uso da modalidade.

Sendo esses os tópicos da agenda de discussão, dos dias 1 a 3 de dezembro de

2009, a Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul foi

realizada em Nairóbi. O presidente da conferência foi o Ministro de Estado para o

Planejamento, Desenvolvimento Nacional e Visão 2030 do Quênia, o Sr. Wycliffe

Ambetsa Oparanya, enquanto os vice-presidentes eleitos foram de Benin, Zimbábue,

Bangladesh, Nepal, Brasil, Argentina, México, Cuba, Venezuela, Marrocos e Polônia. Os

139 Do original: “Furthermore, it was affirmed that organizations of the United Nations system, owing to their universal membership, neutrality and political independence, represented principal vehicles by which to catalyse, support and strengthen South-South cooperation” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2007 a, p. 12).

167

facilitadores da conferência foram os embaixadores do Iêmen e da Islândia (UNITED

NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 d).

Além das plenárias com os Estados-membros, que discutiram o tema “A

promoção da Cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento”, a conferência contou com

duas mesas redondas interativas, compostas por diversas partes interessadas, que

discutiram o fortalecimento do SDNU para apoiar a CSS e triangular; e as

complementaridades, especificidades, desafios e oportunidades da CSS e triangular

(HIGH-LEVEL UNITED NATIONS CONFERENCE ON SOUTH-SOUTH

COOPERATION, 2009).

Na plenária, os discursos dos Estados-membros consolidaram a visão de que a

conferência tinha como principal objetivo fazer uma revisão de 30 anos do BAPA,

reorientando seu potencial para as novas circunstâncias internacionais da cooperação

internacional para o desenvolvimento. O documento final da conferência, chamado de

Resultado de Nairóbi (Nairobi Outcome), é relativamente curto se comparado ao BAPA.

Suas decisões refletem a disputa conceitual no campo da CSS: por um lado, as ideias

defendidas pelo G-77, de que a CSS expressa uma modalidade específica de solidariedade

entre os PEDs; e as ideias defendidas pelo CAD-OCDE, de prover uma adequada

sistematização da CSS sob os princípios da eficácia da ajuda.

3.4.1 O Resultado de Nairóbi

O Resultado de Nairóbi é, juntamente com o BAPA, o documento de orientação

política mais importante acerca da promoção da CSS em âmbito multilateral. Mas o

conteúdo do documento é curto – apenas 7 páginas – e dividido em duas partes: uma

espécie de preâmbulo, dos parágrafos 1 a 19, que trazem novos elementos para a definição

da CSS como modalidade de cooperação para o desenvolvimento; e uma parte operativa,

referente ao parágrafo 20 e seus subparágrafos (a) a (f), que colocam as decisões que

visam aumentar o impacto global da CSS; e ao parágrafo 21 e seus subparágrafos (a) a

(l), que definem o papel do SDNU na promoção e apoio à modalidade.

No âmbito das definições, a CSS é reconhecida como uma modalidade de

cooperação internacional fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável

(parágrafo 9). A especificidade dessa modalidade, além da promoção da autossuficiência

168

nacional e coletiva – conceituação oriunda do BAPA – é que ela é uma manifestação da

solidariedade140 entre os PEDs.

O uso do termo solidariedade para definir a CSS é uma novidade dos anos 2000.

No BAPA, a solidariedade aparece como contexto – “A CTPD serve a vários outros

propósitos (...) dentro do contexto do conceito fundamental de solidariedade (...)”

(UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 10, § 16, tradução nossa141). Já no parágrafo 11

do Resultado de Nairóbi, a solidariedade se une aos princípios do respeito da soberania e

da não-interferência na definição da CSS. Além disso, o documento indica que CSS deve

ser definida pelos próprios países do Sul, uma clara resposta ao interesse do CAD-OCDE

em enquadrar a modalidade dentro dos princípios da CNS:

11. Nós reconhecemos a importância e as diferentes histórias e particularidades da Cooperação Sul-Sul, e reafirmamos nossa visão da Cooperação Sul-Sul como uma manifestação de solidariedade entre os povos e os países do Sul que contribui para o bem-estar nacional, a autossuficiência nacional e coletiva e a consecução dos objetivos de desenvolvimento acordados internacionalmente, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A Cooperação Sul-Sul e sua agenda devem ser definidas pelos países do Sul e devem continuar a ser guiadas pelos princípios de respeito à soberania nacional, apropriação nacional e independência, igualdade, não-condicionalidade, não-ingerência nos assuntos domésticos e benefícios mútuos (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2, §11, tradução nossa142).

O documento aponta que a troca de experiências derivada da visão compartilhada

sobre as estratégias de desenvolvimento nacional e das similaridades em relação aos

desafios de desenvolvimento é um catalizador da CSS. Por isso, a modalidade pode tomar

diferentes formas, sendo as mais frequentes: compartilhamento de conhecimento e

140 No relatório A/65/39, o HLC-SSC define a solidariedade como a capacidade de promover a inclusão social sem a perda de soberania (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2010, p. 10). 141 Do original: “TCDC clearly serves many other purposes (...) within the context of the fundamental concept of solidarity (...)” (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 10, § 16). 142 Do original: “11. We recognize the importance and different history and particularities of South-South cooperation, and we reaffirm our view of South-South cooperation as a manifestation of solidarity among peoples and countries of the South that contributes to their national well-being, their national and collective self-reliance and the attainment of internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals. South-South cooperation and its agenda have to be set by countries of the South and should continue to be guided by the principles of respect for national sovereignty, national ownership and independence, equality, non-conditionality, non-interference in domestic affairs and mutual benefit” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2, §11).

169

experiências; treinamentos; transferência de tecnologia; cooperação financeira e

monetária; e contribuições em espécie.

Além da questão da solidariedade, o parágrafo 11 do documento reforça o caráter

complementar e não substituto da CSS em relação à CNS, mas acrescenta a isso uma

definição negativa de CSS – ela não pode ser confundida com a AOD, isto é, com

assistência oficial ao desenvolvimento concedida pelos países doadores do CAD-OCDE.

No documento, a CSS e a AOD são definidas como modalidades diferentes porque a CSS

consiste em uma parceria entre iguais, baseada na solidariedade e livre de

condicionalidades. Essa definição negativa foi decisiva no âmbito das negociações de

Nairóbi, como uma forma de separar os critérios que recaem sobre a CSS e a CNS.

Por outro lado, nesse mesmo parágrafo os Estados-membros reconhecem a

necessidade de aumentar a eficácia do desenvolvimento da CSS, por meio da prestação

de contas e transparência, e sugerem que o impacto da CSS deve ser mensurado com

enfoque em resultados. Esses elementos – eficácia do desenvolvimento, prestação de

contas, transparência e enfoque em resultados – são os mesmos compõem o paradigma

da eficácia da ajuda. Assim, esse parágrafo claramente reflete a barganha e a busca pelo

consenso entre o G-77 e os países do CAD-OCDE, mantendo a ambiguidade em relação

aos princípios que recaem sobre a CSS143:

(...) A Cooperação Sul-Sul não deve ser vista como ajuda oficial ao desenvolvimento. É uma parceria entre iguais baseada na solidariedade. A este respeito, reconhecemos a necessidade de reforçar a eficácia do desenvolvimento da Cooperação Sul-Sul, continuando a aumentar a sua responsabilidade mútua e sua transparência, bem como coordenar suas iniciativas com outros projetos e programas de desenvolvimento locais, de acordo com os planos e prioridades de desenvolvimento nacionais. Reconhecemos também que o impacto da Cooperação Sul-Sul deve ser avaliado com vistas a melhorar sua qualidade, conforme apropriado, de forma orientada para resultados (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 3, §18, tradução nossa144).

143 A delegação do Japão, ao justificar sua posição na sessão da Segunda Comissão da AGNU em dezembro de 2009, afirmou que, em Nairóbi, duas interpretações sobre a CSS estavam presentes. Para alguns países, é um conceito de solidariedade entre os PEDs; para outros, é uma atividade sob o escopo da agenda da eficácia da ajuda (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 b, p. 25). 144 Do original: “(...) South-South cooperation should not be seen as official development assistance. It is a partnership among equals based on solidarity. In that regard, we acknowledge the need to enhance the development effectiveness of South-South cooperation by continuing to increase its mutual accountability and transparency, as well as coordinating its initiatives with other development projects and programmes on the ground, in accordance with national development plans and priorities. We also recognize that the impact of South-South cooperation should be assessed with a view to improving, as appropriate, its quality in a results-oriented manner” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 3, §18).

170

Após a definição da modalidade, no parágrafo 20 começam as decisões oriundas

do Resultado de Nairóbi. O objetivo das decisões expressas nos subparágrafos (a) a (f) é

fortalecer as capacidades técnicas e institucionais dos PEDs; melhorar a troca de

experiência e conhecimento; responder aos desafios específicos de desenvolvimento dos

PEDs; e aumentar o impacto global da CSS.

As medidas dispostas nesse parágrafo envolveram dois pilares: a sistematização

do impacto e dos resultados da CSS; e maior coordenação, diálogo e comunicação. No

primeiro âmbito, o documento encoraja os PEDs a desenvolver sistemas de avaliação da

qualidade e do impacto da CSS e triangular. Para isso, deve-se melhorar a coleta de dados

nacionais e desenvolver metodologias e estatísticas para esse fim, considerando, é claro,

as características únicas da CSS.

A questão da avaliação da CSS se tornou progressivamente importante devido à

pressão dos países do CAD-OCDE para que os PEDs comprovassem os ganhos e o valor

adicionado oriundos da CSS. Porém, é difícil comprovar o valor da CSS com dados

quantitativos, tanto pela falta de sistematização e padronização de suas práticas quanto

pelo caráter qualitativo das iniciativas, que envolve troca de experiências, aprendizado

por pares e adaptação de soluções, métodos que são muito difíceis de serem quantificados.

O segundo âmbito encoraja os PEDs a melhorar seus mecanismos de coordenação,

com vistas a ampliar a disseminação dos resultados, o compartilhamento de lições e

práticas, e possibilitar replicações de soluções bem-sucedidas. Inclusive, urge-se o

fortalecimento de diálogos inter-regionais para a troca de experiências, de modo a integrar

as várias abordagens para a CTPD e a CEPD. Entre as áreas de coordenação, são citadas

como prioridades: transferência de tecnologia; iniciativas sociais (saúde e educação),

ambientais, técnicas e políticas; projetos de integração e cooperação em infraestrutura,

especialmente em energia; e comércio e investimento, para fortalecer a integração

econômica regional.

O parágrafo 21 dispõe as decisões sobre a atuação do SDNU para apoiar e

promover a CSS. Surpreendentemente, a palavra incorporação (mainstream) é utilizada

apenas uma vez no documento, no subparágrafo 21 (a), e o termo não é utilizado no

sentido de integrar a CSS ao trabalho regular do SDNU, e sim em um sentido mais geral

de dar apoio aos PEDs, a partir de sua solicitação e demanda:

Urgimos aos fundos, programas e agências especializadas das Nações Unidas que tomem medidas concretas para integrar o apoio à cooperação Sul-Sul e triangular, para ajudar aos países em desenvolvimento, a seu pedido e com seu controle e liderança, a desenvolver capacidades para maximizar os benefícios

171

e o impacto da cooperação Sul-Sul e triangular, com o objetivo de alcançar seus objetivos nacionais de desenvolvimento e as metas de desenvolvimento internacionalmente acordadas, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 5, §21 (a), tradução nossa145).

No subparágrafo 21 (e), congratula-se as iniciativas de algumas agências – como

a UNCTAD, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial

(ONUDI) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

– de estabelecer, em seus mandatos, unidades e programas de trabalho para promover a

CSS. Porém, o Resultado não solicita que o conjunto das organizações do SDNU faça o

mesmo. O que se requer é que o SDNU ajude os PEDs a estabelecer e/ou fortalecer os

centros de excelência Sul-Sul, com o objetivo de melhorar o compartilhamento de

conhecimento, o networking, a troca de informações e melhores práticas, a construção

mútua de capacidades, as análises políticas e a coordenação de ações dos PEDs em áreas

de preocupação conjunta. E encoraja as diferentes instâncias do SDNU a desenvolver

diretrizes operacionais específicas para facilitar o uso da CTPD em seus programas e

projetos, de acordo com as prioridades nacionais de desenvolvimento, as características e

as abordagens de CSS.

Para muitos PEDs, considerando o momentum positivo de avanço da CSS em

âmbito global, o Resultado de Nairóbi foi insatisfatório, pois ao invés de um documento

robusto como o BAPA, o resultado foi um texto que não captou o dinamismo da CSS nos

anos 2000, na tentativa de se chegar a um consenso para abarcar os princípios da eficácia

da ajuda.

De qualquer forma, o documento instigou, a partir de 2010, a promoção

independente e separada da CSS no SDNU, por meio da revisão das Diretrizes Revisadas

e da preparação de um quadro estratégico para a implementação dos compromissos de

Nairóbi. Esse será o enfoque da integração da CSS ao SDNU no período 2010-2015.

145 Do original: “21. (a) Urge the United Nations funds, programmes and specialized agencies to take concrete measures to mainstream support for South-South and triangular cooperation to help developing countries, at their request and with their ownership and leadership, to develop capacities to maximize the benefits and impact of South-South and triangular cooperation in order to achieve their national development goals and internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 5, §21 (a)).

172

3.5 O Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à

Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012) e a inclusão da modalidade na

Agenda 2030

Após a Conferência de Alto Nível da ONU sobre a Cooperação Sul-Sul, o HLC-

SSC, em sua decisão SSC/16/1, de 4 de fevereiro de 2010, requereu à Unidade de

Inspeção Conjunta da ONU (JIU) que revisasse os arranjos institucionais da ONU de

apoio à CSS e fizesse recomendações para a preparação de um quadro específico de

diretrizes operacionais que guiasse as agências, os fundos e programas do SDNU para a

implementação do Resultado de Nairóbi.

Na avaliação da JIU, conduzida em 2011, a Primeira e a Segunda ONU ainda não

tinham sido capazes de estabelecer um conceito unificado de CSS. Por isso, mesmo que

todas as entidades do SDNU já apresentassem mandatos legislativos para a CSS, e que a

maioria já desenvolvesse programas e projetos diretamente identificados com CSS, ainda

persistia o problema salientado na JIU de 1985: as entidades continuavam sem saber

diferenciar as atividades de cooperação tradicional da CSS, e em seus relatórios, ainda

consideravam atividades como treinamentos, seminários, e workshops para os PEDs (que

não necessariamente envolvem o intercâmbio de conhecimento e soluções entre dois os

mais PEDs) como CSS. De acordo com a JIU: “É digno de nota que, depois de 25 anos,

esse problema continua a assolar o sistema” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 11,

tradução nossa146).

Outro problema identificado na avaliação foi o de que as iniciativas do SDNU que

efetivamente promovem a CSS continuam não sendo sistemáticas, e ocorrem por

solicitação individual de países recipiendários. Duas causas explicam essa situação: a

falta de um quadro estratégico para a CSS capaz de unificar as iniciativas de CSS desde

a sede da ONU, em Nova York, até os escritórios nacionais; e o despreparado dos

funcionários da ONU em relação às características dessa modalidade.

As diretrizes revisadas de 2003 – que foram negociadas e adotadas por todo o

SDNU – teriam a função de cobrir essas lacunas, mas elas foram simplesmente ignoradas

pelas entidades do sistema em sua prática operacional, no gerenciamento do

146 Do original: “It is noteworthy that after 25 years, this problem continues to plague the system” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 11).

173

conhecimento e nos processos de monitoramento e avaliação, em prol de uma

implementação seletiva147 (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 47).

Com base na avaliação da JIU, o HLC-SSC aprovou, em 12 de abril de 2012, o

Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-

Sul e Triangular (SSC/17/3)148, também chamado de nota de orientação. Esse documento

foi concebido como um manual de referência sobre as formas de incorporar a CSS no

planejamento e nos programas de desenvolvimento do SDNU em todos os níveis. O

quadro de diretrizes se baseou e expandiu as diretrizes de 2003, com o objetivo de definir

uma orientação operacional sobre como implementar políticas estratégicas para a CSS. O

HLC-SSC destacou que essas notas deveriam ser um documento em evolução,

progressivamente atualizado diante das novas demandas e desafios à promoção da CSS

no SDNU.

O quadro utiliza as definições de CSS presentes nas diretrizes de 2003 e no

Resultado de Nairóbi: um processo a partir do qual dois ou mais PEDs compartilham, por

meio de arranjos cooperativos, seus conhecimentos, recursos, habilidades e know-how. A

modalidade pode assumir diferentes formas de parcerias coletivas e incluir todos os

setores e níveis de cooperação.

Porém, o documento complementa essas definições ao indicar os princípios

normativos e operacionais que devem conduzir a CSS. Da perspectiva normativa, foram

mencionados os princípios que compõem o discurso do G-77: o respeito pela soberania e

autossuficiência nacional; a parceria entre iguais; a ausência de condicionalidades; a não

interferência em assuntos domésticos, e benefícios mútuos. Já da perspectiva operacional,

foram listados os princípios defendidos pelo CAD-OCDE: a mútua prestação de contas e

a transparência; a eficácia do desenvolvimento; a coordenação de iniciativas baseadas em

evidências e resultados; e uma abordagem de múltiplas partes interessadas (HIGH-

LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, p. 7).

Seguindo os princípios normativos, os PEDs são os responsáveis primários pelas

iniciativas de CSS, e ao SDNU cabe o papel de catalisador e promotor da modalidade –

e não o de tomar a liderança em executar atividades operacionais Sul-Sul. Assim, o

quadro define, a partir das decisões de Nairóbi, cinco objetivos prioritários de apoio da

ONU à CSS:

147 Os problemas relacionados ao cumprimento do quadro serão discutidos na parte 2. 148 Do inglês: Framework of operational guidelines on United Nations support to South-South and triangular cooperation.

174

i) O apoio aos esforços nacionais e regionais de desenvolvimento;

ii) O fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais dos PEDs;

iii) O incentivo à troca de conhecimento e experiências entre os PEDs;

iv) Responder adequadamente aos desafios de desenvolvimento dos PEDs;

v) Aumentar o impacto da cooperação internacional.

Esses cinco objetivos deveriam ser cumpridos por meio de atividades

promocionais, ampliando a compreensão dos benefícios da CSS; e pela identificação de

pontos de entrada em políticas, planejamentos e programas em todos os níveis.

Ademais, o Quadro definiu de forma clara, pela primeira vez em 30 anos, quatro

papeis específicos de apoio do SDNU à promoção da CSS: o de convocador e defensor;

o de mediador de conhecimentos; o de construtor de parcerias; e o de analista e monitor

do progresso da CSS. A descrição de cada um desses papeis e os resultados esperados

estão sintetizados no quadro a seguir.

175

Quadro 1 – Papeis do SDNU na promoção da CSS

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, p. 8.

A partir desses papeis, a incorporação (mainstreaming) da CSS nos trabalhos

regulares do SDNU deveria ser mensurada por três conjuntos de indicadores globais de

desempenho: a formulação de estratégias e políticas; a promoção do aprendizado em

pares (peer-to-peer learning), o desenvolvimento de capacidades e a ação coletiva; e o

Papel Processo Resultado

Convocador e defensor

- Reunir as partes e facilitar o diálogo político para definir e coordenar

políticas e estratégias de CSS, com foco no consenso.

- Defender e agir como mediador do conhecimento em processos

internacionais, para garantir que a CSS tenha papel durante as

negociações e em seus resultados.

- Busca pelo consenso.

- Capacidade do Sul de definir políticas internacionais.

- Integrar as perspectivas e necessidades do Sul em políticas

globais e na cooperação internacional para o desenvolvimento.

Mediador de conhecimentos

- Preencher as lacunas de conhecimento ao fazer matchmaking

entre a oferta e demanda de experiências, conhecimentos e

tecnologia.

- Identificação, documentação e disseminação de melhores práticas.

- Troca de conhecimento entre os PEDs.

- Práticas devidamente documentadas para fazer

replicação.

- Redes sólidas de comunicação entre instituições, profissionais, sociedade civil, academia e setor

privado.

Construtor de parcerias

- Reunir parceiros de desenvolvimento.

- Organizar encontros e eventos para a construção de parcerias e alianças

estratégias.

- Mobilizar recursos e conhecimento.

- Coordenar o apoio da ONU.

- Parcerias inclusivas e sólidas.

- Recursos mobilizados.

- Políticas e programas da ONU alinhados com a estratégia Unidos

na ação (Delivering as One).

Analista e monitor do progresso

- Coletar e analisar informações sobre o desempenho da CSS em

todos os níveis.

- Relatar e dar seguimento às decisões intergovernamentais.

- Programas e políticas definidos por dados e informações concretos.

176

desenvolvimento de abordagens inovadoras de CSS (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON

SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, p. 30).

No primeiro critério, o de formulação de estratégias e políticas, a integração da

CSS seria feita ao torná-la uma prioridade na política corporativa e nos quadros

programáticos das entidades do SDNU. Essa incorporação deveria acontecer por meio

dos seguintes elementos: a integração da CSS como uma estratégia ou um elemento

distinto dos programas; a designação de pontos focais dedicados a promover a

modalidade; a sistematização do financiamento da CSS nos orçamentos regulares149; a

adoção de medidas de coleta de informação e dados, de avaliação das atividades e de

impacto; e a adoção de medidas para coordenar o apoio à CSS com outras organizações

da ONU.

No segundo critério, o aprendizado em pares, o desenvolvimento de capacidades

e da ação coletiva dos PEDs implicaria em alterar a forma de produção e gestão do

conhecimento por parte do SDNU. A incorporação da CSS exigiria criar mecanismos para

estimular as trocas intelectuais e de experiências entre os PEDs, como eventos, feiras de

negócios e diálogos interativos. Além disso, apoiar as redes Sul-Sul de informação e

centros de excelência, com ênfase nos esquemas regionais; e pesquisar e compilar

inventários e diretórios de instituições e capacidades do Sul, com o objetivo de promover

a transferência de tecnologias, especialidades e capacidades. Por fim, fortalecer a ação

coletiva dos PEDs, por meio do apoio à sua efetiva participação e ao seguimento em

conferências globais.

No terceiro critério, o desenvolvimento e construção de abordagens inovadoras

para expandir a CSS, em áreas específicas, a modalidade seria incorporada ao SDNU por

meio da identificação, compilação e disseminação de práticas de sucesso, que pudessem

ser replicadas em outros PEDs. Essas práticas envolveriam não apenas soluções para os

problemas de desenvolvimento, mas também formas inovadoras para mobilizar recursos

de CSS e explorar abordagens inovadoras para expandir parcerias, especialmente com

setor privado e ONGs.

Apesar dos avanços do Quadro, os PEDs levantaram duas objeções ao documento.

Vários delegados enfatizaram que a teoria e a prática da CSS já haviam sido estabelecidas

no BAPA e no Resultado de Nairóbi, e que a avaliação da JIU de que não há uma

definição suficiente da CSS serviria aos interesses do CAD-OCDE em definir a

149 Essa questão será discutida na parte 3.

177

modalidade segundo os princípios da eficácia da ajuda. No debate geral da 17ª sessão

intersessional do HLC-SSC, em 2013, alguns PEDs foram enfáticos ao dizer que não era

necessário iniciar um processo político para estabelecer o conceito de CSS. Alguns

delegados ressaltaram que as características dessa modalidade são determinadas por

Estados que não queriam ter sua flexibilidade circunscrita por uma definição formal e que

não desejavam perder tempo discutindo definições, quando o foco deveria ser a

implementação dos princípios formalmente estabelecidos no Resultado de Nairóbi.

Outros delegados apontaram que os documentos políticos já continham definições e

princípios suficientes para planejar e implementar programas de CSS no sistema ONU

(HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2013).

Os PEDs também levantaram objeções ao uso dos termos do documento da

Parceria de Busan na parte das Diretrizes que apresentam os princípios operacionais da

CSS, uma vez que Busan não foi um documento resultante de um processo da ONU, e

sim do CAD-OCDE. Na 17ª sessão do HLC-SSC, os PEDs afirmaram o seguinte a esse

respeito:

Foi enfatizado que o referido documento [Parceria de Busan] não deveria ser considerado como uma fonte de orientação para nenhum processo das Nações Unidas. Uma vez que a Cooperação Sul-Sul exigia espaço político para os países em desenvolvimento, eles não poderiam ser colocados em uma camisa de forças, em termos de regras e regulamentos rígidos ou prescrições políticas, inclusive em nome da eficácia da ajuda. Observou-se que a eficácia da ajuda deve ser julgada pelos resultados em cada caso, e que nenhum padrão geral será relevante. Além disso, haveria uma diferença de paradigma entre a assistência Norte-Sul e Sul-Sul que nenhuma abordagem comum poderia unir (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 c, p. 13, § 15, tradução nossa150).

O último passo para a integração da ideia de CSS ao SDNU foi a de incluir a

modalidade na agenda global de desenvolvimento da ONU. A partir de 2012, na

Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), a ONU iniciou o

processo de revisão dos resultados dos ODMs e de negociação de uma nova agenda de

desenvolvimento, pós-2015, que incorporaria os objetivos da agenda de 2000 e lançaria

metas mais ambiciosas para os próximos 15 anos.

150 Do original: “It was emphasized that the said document should not be considered as a source of guidance on any United Nations process. As South-South cooperation required policy space for developing countries, they could not be “straitjacketed” in terms of rigid rules and regulations or policy prescriptions, including in the name of aid effectiveness. It was noted that the effectiveness of aid had to be judged by the results in each case, and that no across-the-board standard would be relevant. Furthermore, there was a paradigm difference between North-South and South-South assistance that no common approach could bridge” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 c, p. 13, § 15).

178

A nova agenda foi aprovada, por consenso, em 25 setembro de 2015. Intitulada

“Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”

(A/RES/70/1), apresenta 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas a

serem alcançadas por todos os Estados-membros, as entidades do sistema ONU e a

sociedade civil151.

A Agenda 2030 é considerada uma agenda verdadeiramente global pois,

diferentemente dos ODMs, os objetivos recaem sobre todos os países, desenvolvidos e

em desenvolvimento, e não só sobre os segundos. Além disso, uma inovação da agenda

foi a inclusão dos chamados meios de implementação, isto é, os mecanismos previstos

para o cumprimento dos objetivos e metas. Os meios de implementação seriam

estabelecidos por meio de uma parceria global revitalizada para o desenvolvimento

sustentável, que envolve políticas e legislações, mobilização de recursos, transferência de

tecnologia e construção de capacidades. Nesses dois últimos âmbitos, os PEDs garantiram

a inclusão da CSS como um meio de implementação.

No que se refere à transferência de tecnologia, a CSS é mencionada no parágrafo

17.6 da Agenda 2030. Ao lado da CNS e da cooperação triangular, ela é identificada como

uma modalidade que deve ser promovida de forma a garantir o acesso à ciência e

tecnologia e à inovação compartilhada mutuamente. Já o parágrafo 17.9 refere-se à CSS

como um meio de construção das capacidades necessárias à implementação da Agenda

(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2015 b, pp. 26-27).

Ao final de 2015, o esforço dos PEDs de integrar a CSS às atividades regulares

passou a estrar alinhado ao contexto da implementação da Agenda 2030. Isso permitiu

que a modalidade finalmente atingisse o patamar de um compromisso global, e não

apenas uma agenda específica dentre as várias outras agendas conduzidas pela ONU. Mas

isso exigirá resolver os problemas operacionais de incorporação da CSS, relacionados à

estrutura da governança do SDNU, como será discutido na parte 2.

151 A Agenda 2030 define três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental. Os 17 objetivos atuam em 5 áreas: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias. São eles: 1. Acabar com a pobreza; 2. Acabar com a fome e promover a agricultura sustentável; 3. Saúde e bem-estar; 4. Educação de qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água potável e saneamento; 7. Energia limpa e acessível; 8. Trabalho decente e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Ação contra a mudança global do clima; 14. Vida na água; 15. Vida terrestre; 16. Paz, justiça e instituições eficazes; 17. Parcerias e meios de implementação (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2015 b).

179

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE I

A área da cooperação internacional para o desenvolvimento é permeada por

simbolismos e imagens, expressos em negociações, práticas, encontros, discursos e

documentos. Os atores da Primeira e da Segunda ONUs ganham identidades quando se

envolvem em experiências coletivas, o que define seus papeis e suas expectativas. Os

interesses são produtos dessas identidades, das interações com os outros e com seu

ambiente social.

A partir dessa perspectiva, essa parte discutiu como a cooperação internacional

para o desenvolvimento foi historicamente construída com base em certas compreensões

e expectativas intersubjetivas. Internacionalmente, o CAD-OCDE é a organização

dominante, responsável por estabelecer as normas sociais intersubjetivas que definem o

padrão da AOD. Por meio da teoria da dádiva, considerou-se que a CNS conduzida pelos

países do CAD-OCDE baseia-se no binômio doadores-recipiendários, o que reforça os

laços de hierarquia entre eles.

Enquanto a CNS é pautada por uma lógica assimétrica entre doadores e

recipiendários, os PEDs, organizados no G-77, desde os anos 1960 se opõem à tal noção.

O conceito de CSS foi desenvolvido com base na lógica da reciprocidade, de

solidariedade e respeito à individualidade dos países. Essa modalidade se identifica por

relações horizontais e mutuamente benéficas, que buscam valorizar os conhecimentos, as

competências e as habilidades locais, por meio da troca de experiências e da construção

conjunta de conhecimentos e capacidades.

É claro que isso não quer dizer que os PEDs não usam a CSS como um

instrumento de política externa para dar tração às suas ideias e aos seus interesses, e que

isso pode entrar em conflito com as ideias e os interesses dos demais países parceiros.

Mas o paradigma da CNS e o paradigma da CSS têm diferenças ideacionais importantes

na prática da cooperação internacional para o desenvolvimento. A citação a seguir, de um

assessor sênior do ex-Primeiro Ministro de Camarões, deixa clara a diferença entre as

duas modalidades no campo das ideias, ao comparar os projetos de cooperação com a

Noruega, a França e a China:

A Noruega nos permitiu orientá-la para as áreas de intervenção que considerávamos apropriadas e necessárias em Camarões. A França nunca teria nos deixado guiar o processo. (...) A China, por outro lado, é mais calculista. A China gostaria de lhe dar algo, mas eles gostariam de algo em troca. A cooperação norueguesa é generosa. Psicologicamente, a diferença entre os dois

180

estilos é muito importante. A China tem boas intenções, mas quer algo em troca. A França gostaria de ser generosa, mas há um pano de fundo de uma dívida para pagar, ou uma re-compensação por algo. A relação é como a de um adulto com uma criança (NORDTVEIT, 2011, p. 106, tradução nossa152).

A parte 1 também destacou como o SDNU é um dos campos onde a batalha entre

as ideias de CNS e as ideias de CSS tem sido historicamente travada. Os primeiros

trabalhos da ONU na área da cooperação internacional para o desenvolvimento visavam

dar suporte à cooperação tradicional: as agências da ONU detinham o conhecimento e

eram responsáveis pelas soluções de desenvolvimento, e, com o financiamento dos

doadores tradicionais, essas soluções eram transferidas e implementadas nos PEDs, em

uma relação vertical. Assim, o SDNU foi criado tendo como base ideacional os princípios

da CNS.

Mas, sendo a ONU um espaço no qual os PEDs puderam vocalizar coletivamente

suas demandas na área do desenvolvimento, foi possível mobilizar as estruturas do SDNU

e rever os princípios sobre os quais seus projetos de desenvolvimento estavam assentados.

Isso ocorreu nos anos 1970, quando o SDNU se engajou em um esforço de integrar os

princípios da CSS em seus trabalhos regulares.

Ao longo de quatro décadas, o SDNU foi capaz de estabelecer quadros normativos

e estratégicos que reconheceram a validade dos princípios da CSS e sua importância para

melhorar a responsividade de seus projetos às demandas dos PEDs. O BAPA foi o

primeiro quadro conceitual e guia prático para mudar essa visão, ao dar orientações

normativas sobre como promover a CTPD por todo o SDNU. Os anos 1980 foram

dedicados a tentar mudar a mentalidade e os comportamentos dos programas da ONU,

para que os princípios da CTPD pudessem ser considerados no desenho dos projetos de

desenvolvimento. Porém, o contexto de crise e o enraizamento do paradigma tradicional

resultaram em uma integração limitada da modalidade.

Os anos 1990 deram um novo impulso à CTPD como uma estratégia para

enfrentar os desafios impostos pela globalização e pelas reformas neoliberais. Mas o

redespertar da agenda da CSS ocorreu nos anos 2000. Sob a liderança das potências

152 Do original: “Norway let us steer towards the areas of intervention that we felt were appropriate and needed in Cameroon. France would never have let us steer the process. … China, on the other hand, is more calculating. China would like to give you something, but they would like something in return. The Norwegian cooperation is generous. Psychologically the difference between the two styles is very important. China has good intentions, but wants something in return. France would like to be generous, but there’s a background of a debt to repay, of a re-compensation for something. The relation is like an adult towards a child” (NORDTVEIT, 2011, p. 106).

181

emergentes, os PEDs passaram a cobrar um maior engajamento do SDNU no uso da CSS

como uma prática rotineira de seus trabalhos. A adoção do Resultado de Nairóbi, em

2009, relançou politicamente as discussões sobre a incorporação da CSS em todas as

atividades do SDNU, e também articulou uma nova definição dessa modalidade, à luz do

novo contexto internacional.

Ao comparar o quadro ideacional e os valores mobilizados pelos dois documentos

políticos e normativos que guiam a incorporação da CSS no SDNU – o BAPA e o

Resultado de Nairóbi – é perceptível algumas transformações nos termos usados para

definir a modalidade. O quadro a seguir compara as diferentes ideias mobilizadas em

ambos os documentos.

Quadro 2 – Ideias mobilizadas no BAPA e no Resultado de Nairóbi

BAPA (1978) Resultado de Nairóbi (2009)

Autossuficiência Controle nacional

Não-interferência Não-condicionalidade

Intercâmbios e compartilhamento entre os PEDs

Benefícios mútuos, horizontalidade, relação ganha-ganha

Transferência de conhecimento Aprendizado mútuo, intercâmbio de conhecimento e

transferência de tecnologia

- Avaliação por resultados e responsabilização mútua

- Eficácia do desenvolvimento

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de BESHARATI et al., 2015, p. 27.

Nota-se uma continuidade nos conceitos utilizados pela ONU para definir a CSS

ao longo das décadas. Mas também houve adaptações, refletindo as mudanças no contexto

da cooperação internacional para o desenvolvimento. Por exemplo, a noção de

autossuficiência nacional e coletiva, que era a base da linguagem do BAPA quanto ao

propósito da CTPD, em Nairóbi evoluiu para a noção de controle nacional, no sentido de

garantir que os projetos de desenvolvimento reflitam as visões de mundo e os interesses

dos PEDs. Da mesma forma, a noção de não-interferência, expressão típica do período da

Guerra Fria para se referir à tentativa dos PEDs de se desvencilhar dos arranjos bipolares,

deu lugar à noção de não-condicionalidade, própria do contexto a partir dos anos 1990.

182

Afinal, as reformas estruturais do período e a vinculação da concessão da ajuda ao

cumprimento de certas condições políticas e econômicas, nem sempre alinhadas com os

interesses nacionais, fizeram com que os PEDs vocalizassem suas demandas em torno da

redução das condicionalidades.

As relações de intercâmbio e compartilhamento entre os PEDs ganhou dimensões

mais sofisticadas em Nairóbi, indo para além da transferência de conhecimentos: as

relações Sul-Sul passaram a ser definidas pelo aprendizado mútuo e o intercâmbio de

soluções em bases horizontais.

Porém, há duas ideias mobilizadas em Nairóbi que não estavam presentes no

BAPA: a avaliação por resultados e responsabilização mútua; e a eficácia do

desenvolvimento. A menção dessas duas ideias remete ao paradigma da eficácia da ajuda,

esposado pelo CAD-OCDE, e demonstra o poder desse grupo em dominar a linguagem e

as ideias na área da cooperação internacional para o desenvolvimento. Por sua vez,

também demonstra a dificuldade enfrentada pelos PEDs, e, mais especificamente, pelas

potências emergentes, em construir uma linguagem própria que possa se contrapor a esses

princípios dominantes, por eles tão criticados em suas políticas externas.

Em suma, é possível afirmar que houve a incorporação das ideias de CSS nos

quadros normativos do SDNU, mas essa incorporação foi não-sistemática e permeada por

princípios concorrentes. Esse caráter híbrido da incorporação irá afetar a

operacionalização dessas ideias na estrutura em campo, como será visto a seguir.

183

PARTE 2 - O LUGAR DO SUL AO SOL

O impacto da Cooperação Sul-Sul na governança do

Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas

Na parte 2, será discutida a incorporação operacional da CSS ao Sistema de

Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU). Mais especificamente, essa parte tem

como objetivo analisar como a incorporação da ideia de CSS foi traduzida em seu aspecto

prático, em relação ao uso da modalidade na implementação dos projetos e programas de

desenvolvimento.

Essa parte baseia-se nos elementos apresentados na parte 1 a respeito do percurso

das ideias referentes à cooperação internacional para o desenvolvimento e à CSS. Assim,

a pergunta que conduz a discussão da parte 2 é a seguinte: porque a atuação operacional

da ONU em relação à implementação da CSS é ad hoc, e não resultante de uma estrutura

normativa e institucional sistematizada, mesmo depois de mais de 30 anos de experiência

nessa modalidade?

Para responder a essa questão, é necessário fazer uma discussão sobre a

governança do SDNU, uma vez que a incorporação operacional da CSS enfrenta uma

série de dificuldades diante dos arranjos formais e informais de tomada de decisão e de

operacionalização. Assim, essa parte está dividida em três capítulos. No capítulo 4, será

apresentado o papel da ONU na governança econômico global e como seu frágil

posicionamento resultou na estrutura descentralizada da governança do SDNU para a

CSS. No capítulo 5, serão apresentadas as fases da governança do SDNU e como o

sistema teve de se adaptar para atender às demandas dos PEDs de maior utilização da

CSS como uma modalidade de cooperação internacional para o desenvolvimento. No

capítulo 6, serão analisadas as cinco lacunas da governança do SDNU para a CSS: de

conhecimento, normativas, institucionais, políticas e de cumprimento. Por fim, na

conclusão da parte 2, a pergunta será retomada à luz dos desafios recentes que o SDNU

enfrenta para operacionalizar a CSS como parte de seu trabalho regular.

184

CAPÍTULO 4 – O CONCEITO DE GOVERNANÇA DO SDNU E O

LUGAR DA CSS

Para discutir a operacionalização da CSS por parte do SDNU, o capítulo se inicia

com a definição de governança global, entendida como arranjos coletivos informais –

como práticas, diretrizes e coalizões temporárias – e formais – como normas de

autoridade e instituições – criados pelos atores internacionais com o propósito de

operacionalizar certos objetivos comuns. A partir dessa definição, o capítulo considerará

o (não)-papel da ONU na governança econômica global, uma vez que a organização não

foi investida com poder considerável sobre os assuntos relativos ao desenvolvimento

econômico no arranjo da ordem econômica global liderado pelos Estados Unidos desde

o pós-guerra.

Esse frágil papel, embora não tenha impedido os PEDs de utilizar a ONU para

canalizar suas demandas de desenvolvimento, incluindo a promoção da CSS, trouxe

claras limitações a esse processo, cristalizadas na complicada estrutura de governança do

SDNU, que é completamente descentralizada e não possui um mecanismo de

coordenação e coerência entre suas partes. Isso, por sua vez, impõe dificuldades na

operacionalização da CSS como uma modalidade de implementação dos projetos e

atividades dos fundos, programas e das agências da ONU voltadas para a promoção do

desenvolvimento.

Para apontar essas dificuldades de operacionalização, o capítulo apresentará as

principais instituições destinadas à operacionalização da CSS e a limitada articulação

entre elas, que são: em nível político-governamental, a Segunda Comissão da AGNU e

seu Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul (HLC-SSC, do inglês, High-Level

Committee on South-South Cooperation), bem como o Fórum sobre a Cooperação para o

Desenvolvimento (DCF, do inglês, Development Cooperation Forum), do Conselho

Econômico e Social da ONU (ECOSOC); em nível programático, o PNUD e o Escritório

da ONU para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC, do inglês, United Nations Office for

South-South Cooperation); e em nível de articulação entre as agências, o Time Tarefa

para a Cooperação Sul-Sul e Triangular do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do

inglês, Task Team on South-South and Triangular Cooperation).

185

4.1 O conceito de governança global

Nas Relações Internacionais, a governança global153 se refere ao esforço coletivo

de diferentes atores internacionais – Estados, corporações, organizações não-

governamentais, organizações internacionais154 – de identificar, entender e resolver os

problemas globais na ausência de uma autoridade política central. Trata-se de um

conjunto de mecanismos de gerenciamento desses problemas para além das iniciativas

individuais dos Estados: é um meio caminho entre a anarquia internacional e um Estado

mundial, pois não há capacidade ou autoridade que garanta o cumprimento de decisões

coletivas. Assim, “a governança global é a soma das leis, normas, políticas e instituições

que definem, constituem e mediam as relações entre os cidadãos, a sociedade, o mercado

e o Estado na arena internacional – os detentores e os objetos do poder público

internacional” (WEISS, THAKUR, 2010, p. 257, tradução nossa155).

Os instrumentos utilizados por esses atores para a construção da governança

global envolvem mecanismos informais e formais que organizam, articulam e gerenciam

os interesses coletivos; definem direitos e deveres; e fazem a mediação do conflito e das

diferenças. No âmbito dos mecanismos informais, existem práticas, diretrizes e guias de

comportamento que são conduzidos por coalizões ou alianças temporárias. Já os

mecanismos formais envolvem princípios, normas e tratados internacionais, que orientam

a conduta dos vários atores internacionais; e organizações internacionais, que

estabelecem práticas sobre um assunto coletivo e gerenciam as relações entre esses atores.

153 De acordo com Weiss (2009 b), a expressão governança global se consolidou nos anos 1990, tanto no meio acadêmico quanto na prática dos diplomatas: o livro clássico de Rosenau, “Governança sem Governo” foi lançado em 1992, e o governo sueco lançou a Comissão sobre Governança Global em 1995. Os primórdios da expressão remetem aos anos 1970, em que se reconheceu, especialmente após a Conferência de Estocolmo, que os problemas globais exigiriam uma resolução para além da ação nacional de cada país. Depois, com o fim da Guerra Fria, houve o crescimento da importância de atores não-estatais (especialmente as corporações e as organizações da sociedade civil) para a configuração da ordem global. Isso consolidou o debate sobre como as diferentes autoridades políticas, além dos Estados, eram parceiros necessários da ONU. Ao mesmo tempo, os debates sobre supranacionalidade não tiveram espaço nos anos 1990, consolidando o termo governança global. 154 Por isso, não se deve confundir o conceito de governança global com o conceito de boa governança. Boa governança é um conceito utilizado como critério de concessão da ajuda pelo CAD-OCDE, que implica em padrões normativos como o Estado de direito, a participação da sociedade civil, os padrões contra corrupção, a transparência e a responsabilidade. 155 Do original: “Global governance is the sum of laws, norms, policies, and institutions that define, constitute and mediate relations among citizens, society, market and the state in the international arena - the wielders and objects of of international public power” (WEISS, THAKUR, 2010, p. 257).

186

Quando se fala de governança global, faz-se menção a um resultado específico,

que são os bens públicos globais. Tais bens são aqueles disponíveis para todos os atores

internacionais156, tenham eles contribuído para a produção desse bem ou não (princípio

da não-exclusão). Outra característica é que seu uso, por parte de um ator, não implica na

perda de recursos por parte de outros atores (princípio da não-rivalidade).

Entretanto, esses princípios trazem dois problemas no que se refere à governança

global. Primeiramente, por não serem exclusivos, os bens públicos globais são

subfinanciados e subprovidos, já que os atores internacionais podem pegar carona (free

riding), isto é, não contribuir para a produção daquele bem e ainda assim se beneficiar

dele. Depois, por não haver rivalidade, tais bens são construídos de forma ineficiente,

pois não é possível ameaçar os atores internacionais de serem excluídos dos benefícios

caso eles não contribuam para a produção e a manutenção desses bens (BODANSKY,

2012, p. 653).

As organizações internacionais têm um papel importante na efetivação da

governança global e na construção dos bens públicos globais. No caso da ONU, sua

principal função é a de facilitar a cooperação entre os Estados-membros, criando objetivos

coletivos e gerenciando as rivalidades entre eles, além de aglutinar e facilitar a

comunicação com outros atores não-estatais. A ONU está diretamente envolvida na

definição, tomada de decisão, implementação e monitoramento de normas e regras

internacionais e dos bens públicos globais.

Paradoxalmente, a ONU ocupa um papel subsidiário na governança global. De

acordo com Weiss (2009 b, p. 264, tradução nossa157), a atuação da ONU enfrenta os

seguintes problemas: “insuficiência em escopo e ambição, inadequação dos recursos e do

alcance e incoerência em políticas e filosofias”. Esses problemas têm uma natureza

estrutural, uma vez que a organização foi criada com várias fragilidades institucionais,

especialmente na área do desenvolvimento econômico e social, como será discutido na

próxima seção.

156 A literatura consensualmente considera como bens públicos globais: a proteção do meio ambiente, a paz e a segurança internacionais, a estabilidade financeira internacional; e a luta contra as pandemias globais. Outros temas, como direitos humanos, proteção social, estabilidade política e segurança alimentar, não são consensualmente considerados bens públicos globais. 157 Do original: “insufficient in scope and ambition, inadequate in resources and reach, and incoherent in policies and philosophies” (WEISS, 2009 b, p. 264).

187

4.2 O (não)-papel da ONU na governança econômica global e as mudanças

na área da cooperação internacional para o desenvolvimento

O grau de governança global é definido por uma tensão permanente entre a

necessidade de internacionalizar normas e o desejo de manter a soberania e o controle

nacional. O equilíbrio entre a internacionalização e a soberania estatal altera-se em

diferentes períodos históricos.

No pós-guerra, prevaleceu o sistema westfaliano de governança global. Sua

principal característica é a de um sistema estadocêntrico: os Estados são sujeitos das

decisões que eles próprios tomam, sendo, portanto, responsáveis por criar e implementar

suas próprias normas. Em termos territoriais, o sistema estava organizado em unidades

políticas territorialmente distintas e separadas, e que estabeleciam relações externas com

as demais unidades. O papel da governança era o de reduzir as tensões existentes nessas

relações externas.

Esse modelo de governança influenciou as características da ONU como

organização internacional. Em sua Carta, apenas os Estados e as Organizações

Internacionais são reconhecidos como tomadores de decisão, enquanto as organizações

não-governamentais possuem somente um status consultivo no ECOSOC. Por sua vez, a

ONU não possui mecanismos de decisão e cumprimento acima dos Estados nacionais, e

seu funcionamento depende do interesse e da vontade dos Estados-membros (a Primeira

ONU). Em virtude disso, o raio de atuação e eficácia da organização é limitado ao

voluntarismo dos Estados, e o trabalho do Secretariado (a Segunda ONU) implica em

convencer e engajá-los nos temas considerados urgentes e prioritários.

Na área da governança econômica global, essas limitações são bastante evidentes.

A governança econômica global se refere aos arranjos coletivos formais e informais

destinados a solucionar os problemas econômicos globais, como a promoção do

desenvolvimento, do comércio, das relações monetárias, das finanças, e garantir a

estabilidade das relações econômicas globais, evitando a ocorrência de crises.

Como foi discutido na parte 1, a Carta da ONU prevê à organização um mandato

econômico, ao reconhecer os vínculos entre a paz, a segurança e o bem-estar econômico

(SEITENFUS, 2012, p. 128). Mas em termos dos arranjos institucionais, tal mandato está

claramente em segundo plano. Nas negociações para o estabelecimento da ONU, os

Estados Unidos propuseram a criação de um Conselho Econômico e Social (ECOSOC),

mas ele deveria ser subordinado à Assembleia Geral (AGNU). Porém, a insistência dos

188

pequenos e médios Estados fez com que, nos trabalhos preparatórios para a Conferência

de São Francisco, tal Conselho tivesse caráter autônomo (TOYE; TOYE, 2004, p. 25).

Assim, na Carta, o ECOSOC emerge como um órgão principal, reconhecendo a

importância econômica e social da ONU para a reconstrução no pós-guerra.

Mas a intenção de fazer com que o Conselho fosse uma parte subsidiária

permaneceu em várias partes da Carta de São Francisco, resultando em ambiguidades que

afetaram o papel da ONU na governança econômica global desde então. Por exemplo, o

artigo 7 posiciona o ECOSOC como órgão autônomo, enquanto o artigo 60 coloca-o sob

a autoridade da AGNU. Já o artigo 62 define ao órgão duas áreas de atuação: os assuntos

econômicos e sociais; e os assuntos relacionados aos direitos humanos. Nesses temas, o

ECOSOC teria o papel de fórum, promovendo relatórios, estudos e conferências, além de

recomendar políticas. Tais áreas e funções são muito similares às dadas à própria AGNU

no artigo 13 (ROSENTHAL, 2007, pp. 136-139).

A despeito dessas imprecisões, o aspecto mais característico do ECOSOC é a

autoridade de criar corpos especializados (artigo 68) e a responsabilidade de coordenar as

atividades das agências especializadas já existentes (artigos 57, 58, 63 e 64). Na Carta, as

Instituições de Bretton Woods (IBW) foram consideradas agências especializadas, e,

portanto, estariam sob a supervisão do ECOSOC, que deveria servir como coordenador

dessas agências. Legalmente, existe apenas o sistema da ONU, e as IBW estão

subordinadas a essa coordenação.

Mas o ECOSOC, além de não ter sido dotado de grandes instrumentos de

coordenação, foi incapaz de exercer qualquer autoridade sobre as IBW, pois essas foram

estabelecidas, na prática, fora do arcabouço da ONU158. Isso porque a ONU foi

intencionalmente apartada das questões econômicas discutidas pelas IBW. Como

salientam Toye e Toye (2004, p. 277, tradução nossa159), os Estados Unidos, desde o

início das negociações dos arranjos institucionais do pós-guerra, estiveram determinados

em garantir que a ONU “nunca iria dizer ao Banco Mundial ou ao FMI o que fazer”.

Efetivamente, a autonomia das IBW demonstra que o ECOSOC – e, consequentemente,

a ONU – nunca foram vistos como o centro da coordenação econômica global no pós-

158 Por exemplo, o acordo entre a ONU e o FMI, de 1947, estabelece no artigo I.2 a completa autonomia e separação do Fundo em relação à ONU: o FMI deveria ser uma organização independente em função da natureza de suas responsabilidades econômicas, de caráter técnico e especializado (“AGREEMENT…”, 1947). 159 Do original: “(...) was never going to tell the World Bank or the International Monetary Fund what to do” (TOYE; TOYE, 2004, p. 277).

189

guerra160. Enquanto as IBW seriam responsáveis pela regulação das grandes áreas da

economia internacional – comércio, moeda, crédito e finanças – a ONU ficaria

responsável pela área da cooperação internacional para o desenvolvimento, com enfoque

na cooperação técnica. Ademais, a organização deveria acomodar os interesses dos países

pobres sem afetar consideravelmente os interesses dos países ricos em relação ao

comércio e aos investimentos internacionais.

Com o fim da Guerra Fria e o avanço da globalização, o sistema westfaliano de

governança global se transformou. Não no sentido de substituir os Estados e a lógica

territorial, mas flexibilizando suas fronteiras para incorporar novos temas e atores. A

governança global atual é caracterizada por uma transnacionalização dos assuntos, dos

fluxos e dos atores161 que permeiam as jurisdições nacionais, tornando turvas as fronteiras

entre interno e externo; e entre público, privado e civil. Com isso, o grau de governança

global é tensionado simultaneamente por forças tanto internas quanto universalistas.

A governança econômica na era da globalização é caracterizada pela

descentralização e desregulação, em moldes neoliberais. As IBW e a Organização

Mundial do Comércio (OMC) são responsáveis por criar os quadros regulatórios de

governança em âmbito multilateral, marcados por uma regulação negativa, no sentido de

garantir o espaço de atuação dos mercados e restringir os Estados nacionais (STRANGE,

1999, pp. 348-349).

Nesse contexto, a capacidade de ação da ONU continua ancorada no sistema

estatal, mas suas atividades refletem a expansão dos atores e dos temas na agenda da

governança econômica global. De acordo com o irlandês Childers (1996, p. 87, tradução

nossa162) – funcionário da ONU desde 1967 e que se dedicou nos anos 1990 à promoção

160 Nas IBW, a influência dos países mais ricos, especialmente dos Estados Unidos, foi garantida pelos procedimentos de tomada de decisão. Ao invés da fórmula um país-um voto adotada pela ONU, o FMI e o Banco Mundial possuem um sistema de decisão baseado em cotas equivalentes ao tamanho da contribuição dos Estados-membros. Obviamente, aos Estados Unidos foram designadas as maiores cotas: no FMI, o país tinha 33,7% das cotas em 1951; e no Banco Mundial, seu controle representava 86,5% dos recursos em 1950 (LICHTENSZTEJN; BAER, 1987, p. 63; p. 159). 161 Atualmente, uma série de atores internacionais não possuem a territorialidade e os interesses nacionais como princípios organizadores. É o caso das corporações transnacionais, que foram uma força crucial para a liberalização e privatização dos mercados, parcialmente assumindo uma personalidade legal internacional. 162 Do original: “(...) the industrial powers refused to discuss world macro-economic policy at the UN, claiming that the IMF and World Bank were doing this, which they were not. With the UM effectively disenfranchised from the real world economy, no institution anywhere was addressing the socio-economic needs of all humankind” (CHILDERS, 1996, p. 88).

190

da reforma da organização –, o papel institucional da ONU se enfraqueceu

consideravelmente, porque:

(...) as potências industriais se recusaram a discutir a política macroeconômica mundial na ONU, afirmando que o FMI e o Banco Mundial estavam fazendo isso, mas eles não estavam. Com a ONU efetivamente destituída da economia mundial real, nenhuma instituição estava tratando das necessidades socioeconômicas da humanidade.

Nos anos 1990, a reação da Segunda ONU a essa exclusão deliberada na

governança econômica global foi a construção do paradigma do desenvolvimento

humano. O ECOSOC, o PNUD, a UNCTAD e a CEPAL se esforçaram em lançar estudos

e relatórios alertando sobre os efeitos negativos das reformas neoliberais e sobre o

crescimento das desigualdades entre os PDs e os PEDs. Nas conferências globais dos anos

1990, os documentos da ONU enfatizaram a necessidade de uma governança global capaz

de transformar a globalização em uma força positiva em termos sociais (PANDIARAJ,

2013, pp. 94-97).

A reação da Primeira ONU veio nos anos 2000, quando as potências emergentes

passaram a vocalizar suas demandas por uma reforma na governança econômica global,

o que incluía reavivar a ONU como fórum legítimo de negociação dos assuntos

econômicos globais, a partir da negação do paradigma neoliberal e uma revalorização da

atuação estatal na promoção do desenvolvimento. Mas, simultaneamente, as potências

emergentes também se engajaram em fóruns próprios, como é o caso do Grupo dos Vinte

(G-20), criado em 1999 com o propósito de reunir as 20 maiores economias mundiais

para coordenar suas ações econômicas e financeiras. A proliferação deste e de outros

fóruns reforçou o ostracismo da ONU nessa área.

A cooperação internacional para o desenvolvimento foi profundamente afetada

pelas transformações na governança econômica global, o que ficou conhecido na

literatura e nos debates na ONU como a “mudança de paisagem” (changing landscape)

dessa forma de cooperação.

Em primeiro lugar, há uma mudança no conteúdo da ajuda externa: se no período

da Guerra Fria todos os PEDs dependiam da AOD por serem Estados pobres, na era da

globalização existem dois grupos de PEDs. Um é formado por aqueles países que foram

abandonados pela globalização e estão em situação de pobreza permanente. É o caso dos

Estados frágeis, dos países em conflito e dos países menos desenvolvidos, que dependem

profundamente da AOD dos países doadores (JENKS; JONES, 2013, p. 6).

191

O outro é o grupo dos países de renda média, com destaque para as potências

emergentes, que conseguiu minimamente se inserir na globalização. Por terem atingido

algum crescimento econômico e diminuído a pobreza extrema, esses países contam com

uma porcentagem menor das doações do CAD-OCDE, pois não entram mais nos critérios

de ampla concessão, que focam basicamente em aliviação da pobreza e fortalecimento

institucional com base no princípio da boa governança. Mas isso não significa que esse

grupo não precise da ajuda externa: a diferença é que eles carecem de assistência em áreas

não prioritárias para os doadores tradicionais, como capacitação em negociações de

contratos com multinacionais, construção de infraestrutura física e de acesso ao mercado

de capitais para alavancar o financiamento privado.

Considerando que a AOD tradicional não responde mais às principais

necessidades dos países de renda média, esses países perceberam que os desafios da

globalização só conseguiriam ser enfrentados pela cooperação entre eles. Assim, a CSS

ganhou progressivo destaque, ao mobilizar os princípios de mútuo benefício e relação

ganha-ganha. Essas diferenças foram palpáveis para os recipiendários, que passaram a

dar maior atenção aos projetos de CSS liderados pelas potências emergentes.

O CAD-OCDE sentiu a concorrência. Sua reação foi a de cobrar os PEDs de renda

média a assumir maiores responsabilidades – especialmente financeiras – na governança

da cooperação internacional para o desenvolvimento. Mas as potências emergentes se

posicionaram da seguinte forma: apenas assumirão maiores responsabilidades mediante

uma reforma da governança econômica global, isto é, mediante a incorporação de suas

vozes e interesses na estrutura de cooperação historicamente estabelecida pelo CAD-

OCDE.

A ONU foi um fórum importante desse debate, por aglutinar tanto os países

doadores quanto as potências emergentes e os tradicionais recipiendários. Em diferentes

instâncias, as negociações nos anos 2000 foram permeadas por um sentimento de que esse

foi um período em aberto para a cooperação internacional para o desenvolvimento, de

debate sobre o reposicionamento do papel da AOD, e, consequentemente, sobre o

reposicionamento dos fundos, agências e programas da ONU nessa área:

As discussões rapidamente se consumaram em um debate entre aqueles que estavam preocupados com o fato de que comprometer os princípios existentes do CAD colocaria em perigo o apoio à ajuda em seus países e aqueles que argumentaram com força que traçar um futuro para a cooperação para o desenvolvimento sem a presença dos BRICS e do Sul emergente não fazia

192

sentido e condenaria a cooperação para o desenvolvimento (JENKS; JONES, 2013, p. 9, tradução nossa163).

Historicamente, o SDNU tem sido flexível e se adaptou às mudanças de

circunstâncias da cooperação internacional para o desenvolvimento. Porém, seu

(não)papel na governança econômica global, somado ao novo contexto dos anos 2000,

destacou vários problemas na governança do próprio SDNU, e sua inserção foi feita às

custas da coerência e da sistematização das suas atividades, como será visto a seguir.

4.3 A governança do SDNU

Não existe, na Carta da ONU, nenhuma menção ao Sistema de Desenvolvimento

das Nações Unidas, uma vez que tal sistema foi sendo construído progressivamente a

partir dos anos 1950, conforme diferentes escritórios, departamentos, fundos, programas

e agências relacionados ao tema do desenvolvimento foram sendo criados em resposta ao

ambiente permissivo da Guerra Fria e ao objetivo de prover capacidade técnica para os

PEDs.

A governança do SDNU envolve seu desenho institucional, mas muito mais do

que isso. Incorpora os mecanismos informais e formais que organizam, articulam e

gerenciam as diferentes partes do sistema, ao estabelecer objetivos coletivos, definir

direitos e deveres; e fazer a mediação das diferenças entre elas.

Em sua fase originária (1945-1950) a governança do SDNU foi concebida em uma

base funcionalista, com grande inspiração no trabalho de David Mitrany (1944), ao

recomendar que a forma das organizações internacionais deveria seguir suas funções.

Com base no conceito de comunidades de interesse, deveriam ser criadas várias entidades

responsáveis por temas diferentes, cada uma delas apoiada pelos Estados envolvidos e

interessados naquela área de trabalho. Seguindo a perspectiva funcionalista, a ONU

passou a criar entidades separadas para setores diferentes, cada uma com sua estrutura de

governança. O ECOSOC deveria realizar uma coordenação frouxa, preservando a

163 Do original: “The discussions quickly became consumed with a debate between those that were concerned that compromising the existing principles of the DAC would endanger support for aid in their countries and those that argued forcefully that charting a future for development cooperation absent the BRICS and the emerging South did not make any sense and condemned development cooperation to history” (JENKS; JONES, 2013, p. 9).

193

autonomia organizacional das agências individuais, especialmente daquelas que

precediam a criação da ONU164 (CHANDRAN, 2015, p. 2).

Com isso, a governança do SDNU foi erguida com duas características: a

proliferação de várias entidades independentes (e uma infinidade de siglas para

denominar cada uma delas) e um sistema de coordenação descentralizada, baseado em

consultas e na persuasão moral para influenciar os órgãos independentes de tomada de

decisão de cada uma dessas entidades. Por isso, o próprio uso da expressão Sistema de

Desenvolvimento é um tanto quanto inapropriado. A palavra sistema dá a entender a

existência de mecanismos de articulação e coerência entre suas partes, o que dificilmente

ocorre na ONU. Tanto que, na primeira vez que a expressão foi utilizada, no Relatório

Jackson, de 1969, o sentido era muito mais de inter-relação do que de coerência. Em seu

estudo, o SDNU é definido da seguinte forma:

(...) os órgãos das Nações Unidas, incluindo o UNICEF e o Programa Mundial de Alimentos, bem como o secretariado profissional e técnico que serve a esses órgãos e às agências especializadas envolvidas na promoção do desenvolvimento econômico e social. Onde o Banco Mundial e o FMI estão incluídos, isso é especificamente indicado. Uma vez que a capacidade de indivisibilidade inerente foi acentuada no caso do PNUD, pela prática de operar indiretamente por meio de outros braços do sistema de desenvolvimento da ONU, seria impossível realizar o estudo examinando apenas o PNUD. Por esta razão, todos os vários componentes e inter-relações do sistema de desenvolvimento da ONU devem ser considerados como um todo (UNITED NATIONS, 1969, p. 471, tradução nossa165).

Ou seja, para Jackson, o SDNU envolvia todas as atividades dos programas e

fundos da ONU, bem como suas agências especializadas. Mas tal expressão não foi usada

amplamente pela ONU nos anos 1970 e 1980, devido à sua ambiguidade em relação a

que entidades incluir na definição de sistema e às próprias tensões políticas provenientes

das reformas sugeridas no Relatório Jackson.

164 É o caso da União Internacional de Telecomunicações, criada em 1865; da União Postal Internacional, criada em 1874; da Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919; da Organização Mundial do Turismo, criada em 1925; e das IBW, criadas em 1944. 165 Do original: “(...) the organs of the United Nations including UNICEF and WFP and the professional and technical secretariats which serve them and the Specialized Agencies concerned in the promotion of economic and social development. Where the IBRD and IMF are included, this is specifically indicated. Because the inherent indivisibility capacity has been accentuated in the case of UNDP by the practice of operating indirectly through other arms of the UN development system, it would have been impossible to carry out the Study by examining UNDP only. For this reason, all the various components and inter-relationships of the UN development system had to be considered as a whole (UNITED NATIONS, 1969, p. 471).

194

O termo SDNU só se tornou popular a partir de 1997, quando o Secretário-Geral

Kofi Annan criou – como parte de seu programa de reformas para a racionalização da

estrutura institucional da ONU – o Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas

(UNDG, do inglês United Nations Development Group). O UNDG visa promover a

coordenação de todas as entidades envolvidas em atividades atreladas ao

desenvolvimento. Formado por representantes de alto nível de cada uma dessas entidades,

o UNDG toma decisões acerca de prioridades estratégicas e programas de trabalho que

devem ser obrigatoriamente seguidos por todos os seus membros (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT GROUP, 2015 b, p. 2).

Porém, como o UNDG não foi criado pelos Estados-membros, alguns deles têm

restrições em citar o Grupo como a entidade responsável pela implementação dos

mandatos da AGNU e do ECOSOC. Por isso, para diferenciar suas decisões daquelas

realizadas no âmbito do UNDG, os países passaram a usar a expressão SDNU em suas

resoluções, para indicar que suas decisões apresentam um mandato sistêmicos e que deve

ser cumprido por todas as entidades envolvidas em atividades de desenvolvimento. Mas,

nessas resoluções, a expressão é colocada com letra minúscula – sistema de

desenvolvimento das Nações Unidas – dando a ela um sentido não-institucional166

(BURLEY, LINDORES, 2016, p. 1; p. 3).

Já a Segunda ONU (e mais especificamente, nos documentos do Secretariado, do

UNDG e do PNUD) utiliza o termo em letra maiúscula – Sistema de Desenvolvimento

das Nações Unidas –, para indicar que tal sistema existe de fato, com uma identidade

especial, descrito como um conjunto de partes conectadas. Por isso, o Departamento de

Assuntos Econômicos e Sociais da ONU utiliza a seguinte definição para o SDNU: “o

Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas é composto por 34 entidades167 que

166 Mas, ambiguamente, os Estados-membros utilizam a expressão com letra maiúscula para os documentos da Revisão Política Compreensiva Trienal (TCPR) e da Revisão Política Compreensiva Quadrienal (QCPR), que serão discutidos no próximo item, dando a entender que eles acreditam que o SDNU é algo tangível e responsivo às decisões legislativas. 167Não existe uma lista coerente de que agências, fundos e programas formam o SDNU. A maior controvérsia é a inclusão ou não do FMI e do Banco Mundial, porque são parte formal do sistema ONU, mas existe uma separação prática. A OMC não está listada nas partes constituintes do SDNU, mas o diretor-geral da OMC faz parte do Quadro de Chefes Executivos da ONU. As instituições de pesquisa e treinamento são mencionadas como parte do SDNU, mas não estão vinculadas ao QCPR porque não conduzem atividades operacionais. De qualquer forma, as seguintes entidades são comumente citadas como parte do SDNU: i) fundos e programas: PNUD (incluindo o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Capital e a Universidade da ONU); ONU Mulheres; Fundo das Nações Unidas para a População; Fundo das Nações Unidas para a Infância; Programa Mundial de Alimentos; Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados; Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS; Conferência das Nações

195

recebem contribuições para financiar as atividades operacionais para o desenvolvimento”

(UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2, tradução nossa168).

Essa definição é composta por dois elementos: pelas partes do sistema, isto é, as

entidades; e pelas funções do sistema, isto é, a execução de atividades operacionais para

o desenvolvimento. Essa expressão – atividades operacionais para o desenvolvimento –

também foi utilizada pela primeira vez no Relatório Jackson, de 1969, definida como:

(...) atividades ou organizações do sistema de desenvolvimento da ONU designadas a atingir, em cooperação com um governo ou vários governos, um objetivo de desenvolvimento definido dentro de um quadro temporal estabelecido. Tais atividades são implementadas principalmente em campo, mas também incluem programas relacionados, atividades de apoio e funções de supervisão e administrativas realizadas na sede (UNITED NATIONS, 1969, p. 477, tradução nossa169).

Atualmente, o Secretariado adota como definição de atividades operacionais para

o desenvolvimento todas as ações em campo, por parte das entidades que compõem o

SDNU, destinadas à promoção do desenvolvimento sustentável e bem-estar dos PEDs, e

que não se confundem com assistência humanitária (BURLEY, LINDORES, 2016, p.

13). Porém, essa definição exclui as atividades não-operacionais (relacionadas ao trabalho

normativo e de políticas) conduzidas pelo SDNU, que também têm impacto importante

na promoção do desenvolvimento.

Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (incluindo o Centro do Comércio Internacional); Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos; Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime; e Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente; ii) agências especializadas: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura; Agência Internacional de Energia Atômica; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; Organização da Aviação Civil Internacional; Organização Internacional do Trabalho; Organização Marítima Internacional; União Internacional de Telecomunicações; Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial; União Postal Universal; Organização Mundial da Propriedade Intelectual; Organização Mundial da Saúde; Organização Meteorológica Mundial; Organização Mundial de Turismo; iii) comissões regionais: Comissão Econômica para a África; Comissão Econômica para a Europa; Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe; Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico; e Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental; iv) departamentos do Secretariado: Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários; e Departamento da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais; v) outras entidades: Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola; e Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. 168 Do original: “The UN development system is composed of the 34 entities that receive contributions for operational activities for development” (UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2). 169 Do original: “activities or organisations in the UN development system designed to achieve, in cooperation with a government or governments, a defined development objective within an established timetable. Such activities are chiefly implemented in the field but also include related programmes, backstopping, supervisory and administrative functions performed at headquarters” (UNITED NATIONS, 1969, p. 477).

196

Percebe-se que a expressão SDNU continua indefinida no âmbito da Primeira

ONU e apresenta ambiguidades em termos legais e gerenciais no âmbito da Segunda

ONU, trazendo repercussões para a estruturação da governança do sistema. Para o

Secretariado, o termo governança “(...) se refere ao arranjo complexo de conselhos

executivos, tanto no nível das agências quanto no nível sistêmico, utilizado pelos Estados-

membros para conduzir e supervisionar as atividades operacionais para o

desenvolvimento da ONU” (UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2, tradução nossa170).

A governança do SDNU apresenta uma estrutura em dois níveis: o nível sistêmico

dos órgãos decisórios (AGNU e ECOSOC) e o nível específico das agências (por meio

de seus Conselhos Executivos). Além disso, a governança também envolve o nível

nacional, por meio de mecanismos de coordenação política entre governos e os chefes das

entidades da ONU, que fazem arranjos definidores das prioridades a partir dos escritórios

nacionais.

Arranjos de governança descentralizados não são necessariamente ruins, pois

permitem maior flexibilidade e adaptabilidade às mudanças. Mas o problema é quando

não há mecanismos de coerência entre as partes, como é o caso do SDNU. Esse problema

já havia sido identificado nos primeiros anos da organização: no primeiro relatório

independente sobre a coordenação entre as agências especializadas da ONU, de 1947, a

governança do sistema foi caracterizada pelo “(...) surgimento não-sistemático de

mecanismos, uma estrutura de múltiplos níveis e altamente complicada” (SHARP, 1947,

p. 472, tradução nossa171).

Em seu relatório de 1969, Jackson criticou duramente a estrutura de governança

do sistema, ao usar a metáfora do dinossauro172:

Por muitos anos, procurei o “cérebro” que guia as políticas e as operações do sistema de desenvolvimento da ONU. A busca foi em vão. Aqui e ali, em todo o sistema, há escritórios e unidades que coletam as informações disponíveis, mas não há um grupo (ou “Banco de Cérebros”), para monitorar constantemente a operação atual, aprendendo com a experiência, entender o que a ciência e a tecnologia têm a oferecer, lançando novas ideias e métodos, desafiar as práticas estabelecidas e provocar reflexões dentro e fora do sistema.

170 Do original: “(…) relates to the complex array of governing bodies at both agency and system-wide levels used by Member States to steer and oversee UN operational activities for development” (UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2). 171 Do original: “(...) largely unsystematic sprouting of machinery, multi-level and highly complicated as to structure” (SHARP, 1947, p. 472). 172 Esse trecho do relatório foi o que causou maior repercussão e polêmica. O então administrador do PNUD, Paul Hoffman, considerou o parágrafo uma ofensa pessoal à sua gestão, ao invés de uma análise realista sobre os problemas do SDNU (MURPHY, 2006, p. 147).

197

Privado de um estímulo tão vital, é óbvio que o melhor uso não pode ser feito dos recursos disponíveis para a operação. (...) Apesar disso, o sistema de desenvolvimento da ONU tentou travar uma guerra contra a desigualdade e a pobreza por muitos anos, com muito pouco “cérebro” organizado para guiá-lo. Sua ausência pode muito bem ser a maior restrição de todas em relação à capacidade. Sem ele, a evolução futura do sistema de desenvolvimento da ONU poderia facilmente repetir a história do dinossauro (UNITED NATIONS, 1969, p. 13, tradução nossa173).

A descrição de Jackson ainda continua atual: com uma governança dispersa, as

diferentes entidades do SDNU atuam de forma descoordenada, de modo a não haver

nenhum mecanismo que efetivamente traga alguma coerência entre as diferentes

políticas, abordagens e ações em campo. Essa é uma das causas da dificuldade do SDNU

em traduzir qualquer ideia em prática. A maior parte das ideias criadas ou gestadas pela

ONU na área do desenvolvimento dificilmente saem do âmbito aspiracional, pois não

existe uma estrutura coerente de governança capaz de difundir e integrar as ideias de

forma sistemática por todas as suas partes.

Esse é o caso da incorporação da ideia de CSS ao SDNU. Por se tratar de uma

modalidade que demanda a integração dos inputs em um quadro coerente de políticas e

operações em campo que cobrem áreas diferentes e complementares, é muito difícil fazer

com que ela seja efetivamente um mecanismo regular quando o SDNU – em virtude do

caráter funcionalista – está construído em silos, focado em problemas e assuntos

particulares. A seguir, serão apresentados os diferentes níveis de governança do SDNU

para a CSS, e nos capítulos seguintes, o objetivo será o de mostrar as dificuldades práticas

em trazer uma coerência para a integração da modalidade nesses diferentes níveis.

173 Do original: “For many years, I have looked for the ‘brain’ which guides the policies and operations of the UN development system. The search has been in vain. Here and there throughout the system there are offices and units collecting the information available, but there is no group (or ‘Brains Trust’) which is constantly monitoring the present operation, learning from experience, grasping at all that science and technology has to offer, launching new ideas and methods, challenging established practices, and provoking thought inside and outside the system. Deprived of such a vital stimulus, it is obvious that the best use cannot be made of the resources available to the operation. (…) Yet the UN development system has tried to wage a war on want for many years with very little organized ‘brain’ to guide it. Its absence may well be the greatest constraint of all on capacity. Without it, the future evolution of the UN development system could easily repeat the history of the dinosaur” (UNITED NATIONS, 1969, p. 13).

198

4.4 A governança do SDNU para a CSS

O processo de tomada de decisão sobre o tema da CSS é complexo e sobreposto,

uma vez que envolve os três níveis da governança do SDNU: o sistêmico, o das agências

e o nacional. Essas instâncias decisórias trabalham em conjunto – embora nem sempre de

forma coerente e sistemática – para definir e implementar a incorporação da CSS.

No nível sistêmico dos órgãos políticos decisórios, a AGNU e o ECOSOC estão

diretamente envolvidos no processo de tomada de decisão sobre a CSS. A principal

responsabilidade desses órgãos é normativa, isto é, definir o conjunto de normas e

princípios políticos que orientarão o trabalho em campo das entidades do SDNU.

A AGNU é considerada o órgão mais democrático da ONU, uma vez que conta

com seus 193 Estados-membros, que decidem de acordo com a fórmula um país-um voto.

Devido à multiplicidade de temas sob seu mandato, o trabalho da Assembleia é dividido

em seis comissões, ou comitês, que se reúnem anualmente174. O tema da CSS é tratado

pelo Comitê Econômico e Financeiro (Segunda Comissão), que lida com assuntos

macroeconômicos, financiamento para o desenvolvimento, erradicação da pobreza e

assentamentos humanos, globalização e interdependência, tecnologias de informação e

comunicação para o desenvolvimento e atividades operacionais para o desenvolvimento.

Desde 1974, a Segunda Comissão da AGNU delibera sobre assuntos relativos à

CTPD e à CSS. Entre 1974 a 1981, o comitê aprovou resoluções sobre a CTPD em bases

anuais, estabelecendo o quadro normativo necessário para a realização da Conferência de

Buenos Aires. Entre 1985 a 2001, o comitê aprovou resoluções em bases bianuais. Já nos

anos 2000, as resoluções foram predominantemente aprovadas em bases anuais: 2002,

2003, 2005, 2007, 2008, e anualmente entre 2011-2015, demonstrando a consolidação do

interesse dos Estados-membros no tema. Desde os anos 1990, a CSS está alocada como

um subitem da agenda acerca das atividades operacionais para o desenvolvimento, e as

resoluções estabelecem recomendações sobre como a CSS pode melhorar a eficácia dos

esforços operacionais da ONU para a promoção do desenvolvimento.

174 A Primeira Comissão discute temas relativos ao Desarmamento e Segurança Internacional; a Segunda Comissão trata de assuntos Econômicos e Financeiros; a Terceira Comissão discute questões atreladas aos Direitos Humanos, Sociais e Culturais; a Quarta Comissão trata de Questões Políticas Especiais e Descolonização; a Quinta Comissão discute a Administração e o Orçamento; e a Sexta Comissão trata de temas jurídicos.

199

Além da Segunda Comissão, a AGNU conta com um Comitê de Alto Nível

exclusivamente dedicado à CTPD e à CSS. É uma instância subsidiária da AGNU,

formada por representantes de todos os seus Estados-membros. O comitê foi criado em

16 de dezembro de 1980 pela AGNU em sua resolução A/RES/35/202, com o nome de

Comitê de Alto Nível para a Revisão da Cooperação Técnica entre Países em

Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-Level Committee on the Review of

Technical Co-operation among Developing Countries). Na resolução A/RES/58/220, de

19 de fevereiro de 2003, a AGNU alterou o nome para Comitê de Alto Nível para a

Cooperação Sul-Sul (HLC-SSC, do inglês High-Level Committee on South-South

Cooperation).

O Comitê de Alto Nível trata-se do principal definidor de políticas e normas sobre

a CSS. Em suas sessões bianuais, é responsável por aprovar decisões que revisam o

progresso de implementação do BAPA, das Novas Direções, do Resultado de Nairóbi e

de todas as suas decisões, em níveis global, regional e nacional. Ademais, o Comitê

considera os relatórios do Administrador do PNUD, organiza grupos de trabalho para

avaliar e monitorar suas decisões e promove painéis de discussões temáticas com

especialistas para o aprofundamento de diferentes tópicos.

Nota-se que o tema da CSS é duplamente discutido na AGNU, em duas instâncias

diferentes. Isso porque a Segunda Comissão da AGNU é um charger body, isto é, um

órgão que aprova resoluções com grandes diretrizes políticas sobre o tema. As resoluções

são documentos oficiais que, apesar de serem recomendatórios, expressam o

compromisso entre todos os Estados-membros em um determinado item da agenda. Já o

HLC é um órgão consultivo atrelado à AGNU, que não aprova resoluções, mas decisões.

As decisões são as recomendações desse órgão consultivo para o órgão decisório. Por

isso, embora os PDs acreditem que essa seja uma duplicação desnecessária do trabalho,

para os PEDs, é fundamental que o tema seja discutido não apenas no HLC, mas também

na Segunda Comissão, uma vez que as resoluções da AGNU têm mais peso sobre o

assunto.

Outra característica da governança do SDNU para a CSS a nível sistêmico é o

caráter prioritariamente consensual do processo de tomada de decisão. Formalmente, a

Carta da ONU prevê que todas as decisões da AGNU sejam feitas por meio do voto e

aprovadas por uma maioria simples (50% dos votos mais um) dos Estados-membros

presentes e votantes. E, de fato, nas duas primeiras décadas de existência da organização,

essa foi a prática de trabalho desse órgão. Porém, na década de 1970, o conflito Norte x

200

Sul, somado ao conflito Leste x Oeste, dificultou enormemente a tomada de decisão da

Assembleia: devido às divisões políticas, raramente as resoluções eram aprovadas por um

número significativo de membros, e, na prática, a aprovação por maioria simples

significava que o que fora decidido jamais sairia do papel. Isso porque, devido ao caráter

não obrigatório das resoluções da AGNU, aqueles que votavam contra não se sentiam na

obrigação de cumprir com os dispositivos, e os que votavam a favor consideravam injusto

que as determinações recaíssem apenas sobre eles, e não sobre toda a Primeira ONU

(UNITED NATIONS, 2017 b).

Para destravar os trabalhos da AGNU, os Estados-membros passaram

progressivamente a adotar as resoluções por consenso, isto é, sem voto. É importante

frisar que consenso não significa unanimidade: os Estados-membros, quando aprovam

uma resolução por consenso, não necessariamente concordam com todas as palavras em

cada um dos parágrafos da resolução; mas o consenso significa que não há nada na

resolução que seja tão discordante em relação à posição nacional que justifique levá-la a

voto. Têm-se, assim, um compromisso coletivo, dando maior força à resolução, mesmo

em seu caráter recomendatório.

As resoluções aprovadas por consenso tendem a ser muito parecidas uma com as

outras, variando pouco em seu conteúdo de um ano para outro. Isso porque, para o

consenso se manter, os Estados-membros se utilizam da chamada linguagem acordada,

que se refere à forma como uma ideia ou decisão foi escrita, palavra a palavra, nos

parágrafos de uma resolução.

Nos anos 2000, aproximadamente 80% das resoluções da AGNU foram adotadas

por consenso (UNITED NATIONS, 2017 b). Alguns temas tradicionalmente são levados

a voto, mas no caso da CTPD e da CSS, o consenso é a regra no que se refere ao processo

de tomada de decisão. Ao analisar o registro de votos das resoluções aprovadas pela

Segunda Comissão sobre o tema, nota-se que todas elas foram aprovadas por consenso,

com exceção à resolução A/RES/69/239, de 19 de dezembro de 2014, a única levada a

voto. No caso do HLC, para os relatórios nos quais há a menção acerca da forma de

aprovação das decisões175, todas elas foram adotadas por consenso.

175 A ONU não mantém o registro de votos público de suas instâncias consultivas – apenas daquelas que aprovam resoluções. Assim, para acompanhar o registro de voto do HLC, é necessário analisar os relatórios finais dos encontros. Porém, nem todos os relatórios fazem menção ao modo como as decisões foram aprovadas – como os relatórios são escritos pelos relatores, que são Estados-membros eleitos, eles nem sempre seguem o mesmo padrão. A informação de que a aprovação foi feita por consenso consta dos relatórios de 1980, 1981, 1983, 1985, 1989, 1999, 2001, 2003 e 2015.

201

A AGNU também é responsável pela Revisão Política Compreensiva Trienal

(TCPR, do inglês, Triennial Comprehensive Policy Review), que, desde 2008, passou a

ser a Revisão Política Compreensiva Quadrienal (QCPR, do inglês, Quadrennial

Comprehensive Policy Review). O propósito da TCPR/QCPR é o de analisar a eficiência

das atividades operacionais para o desenvolvimento, e, a partir de sua avaliação, revisar

as políticas e os mecanismos que orientam a condução de tais atividades, para que elas

possam cumprir com os objetivos em âmbito sistêmico e em campo. Enquanto a AGNU

define as orientações políticas sistêmicas da TCPR/QCPR, o Conselho Econômico e

Social (ECOSOC) é responsável por supervisionar e monitorar sua implementação e

revisá-las a partir dos objetivos políticos definidos pela Primeira ONU.

A inclusão da CSS como uma das modalidades sob avaliação e revisão da

TCPR/QCPR foi um marco importante para sua incorporação operacional ao SDNU, uma

vez que o documento revisa, a cada três/quatro anos, os mecanismos necessários para que

o compartilhamento de conhecimento, a construção de capacidades e a transferência de

tecnologia Sul-Sul sejam traduzidos de forma operacional em todas as entidades do

sistema.

Outra ação do ECOSOC em relação a governança do SDNU para a CSS refere-se

ao Fórum sobre Cooperação para o Desenvolvimento (DCF, do inglês, Development

Cooperation Forum). O fórum foi criado na Cúpula Mundial da ONU em 2005, e trata-

se de um encontro bianual de alto-nível, mas que também conta com a participação de

várias partes interessadas, como a sociedade civil e o setor privado. O DCF tem o objetivo

de revisar a coerência política e normativa das atividades operacionais para o

desenvolvimento da ONU, incluindo a CSS. Embora esse não seja um charger body,

capaz de emitir decisões, o fórum é uma caixa de ressonância para as questões que serão

discutidas na Segunda Comissão da AGNU e no HLC-SSC.

No nível de governança relativo às entidades do SDNU (agências, fundos e

programas), a principal instância de tomada de decisão é o Conselho Executivo do PNUD,

do UNFPA e do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), que

substituiu o Conselho de Governadores do PNUD e do UNFPA (Fundo Populacional das

Nações Unidas) a partir de 1994.

Entre 1965-1970, o Conselho de Governadores era composto por 27 membros,

passando para 48 em 1971, com o objetivo de refletir o aumento no número de Estados-

membros da ONU. Entre 1971 a 1993, a distribuição dos 48 assentos ocorria da seguinte

forma: 21 assentos para PDs; e 27 assentos para PEDs, alocados geograficamente em 11

202

Estados Africanos; 9 Estados Asiáticos e Iugoslávia; 7 Estados Latino-americanos; 4

Estados da Europa Oriental (KINDAR, 1985).

A centralidade do Conselho de Governadores na integração da CTPD foi definida

no documento do BAPA, de 1978. Essa decisão refletia o papel do PNUD como agência

central de financiamento dos programas de cooperação técnica para o período,

coordenando as atividades operacionais para o desenvolvimento realizadas pelas

entidades do SDNU. Sem contar sua vasta presença global, com escritórios em vários

países em desenvolvimento. Na área da CTPD, o Conselho de Governadores deveria

considerar, em suas reuniões, medidas para fortalecer essa modalidade de cooperação

para o desenvolvimento.

Em 14 de janeiro de 1994, por meio da resolução A/RES/48/162, a AGNU

substituiu o Conselho de Governadores pelo Conselho Executivo do PNUD, do UNFPA

e do UNOPS. Houve uma redução no número de membros, de 48 para 36, distribuídos da

seguinte forma: 12 assentos para os países da Europa Ocidental e outros Estados; 8

assentos para os Estados Africanos; 7 assentos para os Estados da Ásia e Pacífico; 5

assentos para os países da América Latina e Caribe; e 4 assentos para os Estados da

Europa Oriental. Nota-se que os países ocidentais apresentam um maior peso no

Conselho, uma vez que, proporcionalmente, eles possuem um número maior de assentos

para um número menor de países. Em relação aos métodos de trabalho, o Conselho

Executivo, desde 1994, sempre aprova suas decisões por consenso (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2017 b).

Atualmente, a função do Conselho Executivo é a de implementar as políticas

definidas pela AGNU e as orientações de coordenação definidas pelo ECOSOC. Para

isso, é sua responsabilidade aprovar os programas nacionais, incluindo o planejamento

administrativo e orçamentário. Também é seu papel supervisionar o sistema de

coordenadores residentes e seus programas nacionais. Essas áreas são de enorme

importância para a promoção da CSS, pois o PNUD tem a capacidade de efetivamente

operacionalizar a modalidade em campo, utilizando sua rede de escritórios nacionais.

Sob o guarda-chuva do PNUD está o escritório do Secretariado para a CSS. A

Unidade Especial para a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (SU-

TCDC, do inglês, Special Unit for Technical Co-operation among Developing Countries)

foi criada pela resolução A/RES/3251 (XXIX) da AGNU, em 4 de dezembro de 1974.

Trata-se de uma unidade especial atrelada ao PNUD, composta por funcionários civis

internacionais, e responsável por integrar a modalidade da CTPD em todos os projetos e

203

atividades do PNUD. A SU-TCDC também ficou responsável por preparar os relatórios

do Administrador do PNUD sobre a CTPD, que são submetidos ao Conselho Executivo.

Com a criação do HLC-TCDC em 1980, a SU-TCDC foi ganhando outras

funções, tornando-se o Secretariado desse Comitê. Com isso, ficou responsável pela

organização logística dos encontros do HLC e de sua documentação, dando suporte

intelectual aos relatórios do comitê.

Mesmo com a mudança de nome para Unidade Especial para a Cooperação Sul-

Sul (SU-SSC, do inglês, Special Unit on South-South Cooperation), pela resolução

A/RES/58/220 da AGNU, de 19 de fevereiro de 2003, o mandato da unidade continuou

o mesmo. Porém, em 2012, a AGNU decidiu, por sua resolução A/RES/67/227,

transformar a Unidade Especial no Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-

Sul (UNOSSC, do inglês United Nations Office on South-South Cooperation), quando

houve uma mudança no mandato: ainda que hospedado no PNUD, o UNOSSC é uma

unidade separada, responsável por promover a CSS e triangular em todo o sistema ONU.

Para definir as relações entre o UNOSSC e o PNUD, existem os Quadros de Cooperação

para a CSS, que definem os objetivos e os arranjos gerenciais e financeiros de atuação do

escritório trienalmente.

Com essa ampliação de seu mandato, o escritório passou a servir outras agências

e todos os funcionários da ONU na definição de estratégias e construção de capacidades;

na promoção do diálogo intergovernamental sobre o tema; e na provisão de serviços de

consultoria aos Estados-membros. O UNOSSC também é responsável por preparar os

relatórios do Secretário-Geral sobre o estado da CSS, que informa as decisões da Segunda

Comissão sobre o assunto.

No que se refere à coordenação com as outras entidades do SDNU, essa sempre

foi muito frouxa, por meio dos pontos focais. Conforme previsto pelo BAPA, cada

entidade deveria criar um ponto focal, com um corpo de funcionários dedicados a

implementar as decisões relativas à integração da CTPD e da CSS em suas atividades

regulares e a se comunicar com outras entidades, por meio da troca de experiências. A

relação entre os pontos focais das entidades do SDNU sempre foi muito frouxa, e alguns

deles nunca atuaram de forma ativa.

Para contornar esse problema, o HLC-SSC, em sua decisão SSC/18/1, de 2 de

junho de 2014, requereu ao UNDG que estabelecesse um mecanismo formal interagências

de coordenação da integração da CSS. Assim, foi criado o Time Tarefa para a Cooperação

Sul-Sul e Triangular do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do inglês, Task Team on

204

South-South and Triangular Cooperation), responsável por criar uma abordagem

coordenada para sistematizar a incorporação da CSS em todas as agências do SDNU.

Por fim, a governança do SDNU para a CSS também envolve o nível nacional176,

por meio da relação entre os pontos focais nacionais para a CSS e os respectivos

coordenadores residentes do sistema ONU. O coordenador residente foi criado pela

AGNU em sua resolução A/RES/32/197, de 19 de dezembro de 1977, com a

responsabilidade de alinhar o trabalho de todas as entidades do sistema ONU envolvidas

nas atividades operacionais para o desenvolvimento implementadas em campo, o que

inclui a CSS (UNITED NATIONS DEVELOPMENT OPERATIONS

COORDINATION OFFICE, 2016).

Atualmente, os coordenadores residentes têm a responsabilidade de entrar em

contato com os pontos focais nacionais para a CSS e incluir suas prioridades no programa

nacional que será conduzido pela ONU localmente. Essa é a parte mais descentralizada

da governança do SDNU para a CSS, e a incorporação da modalidade nos programas

nacionais depende do interesse e da vontade tanto dos Estados nacionais quanto do

conhecimento do coordenador residente em promover a CSS.

Após esse panorama sobre as principais instâncias da governança do SDNU para

a CSS, nos próximos capítulos serão discutidos os processos e as transformações

históricas em cada âmbito, destacando os avanços e dificuldades na incorporação

operacional dessa modalidade, de 1970 aos dias atuais.

176 O âmbito regional também é articulado no nível da governança em campo, mas tal âmbito não será discutido nessa pesquisa.

205

CAPÍTULO 5 – AS FASES DA GOVERNANÇA DO SDNU E A

INCORPORAÇÃO OPERACIONAL DA CSS

Primeiramente, o capítulo tem como objetivo apresentar as três fases da

governança do Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU), que são: a

primeira fase, de 1945-1950, de origem das primeiras instituições destinadas a

desenvolver atividades de cooperação técnica para o desenvolvimento, seguindo a lógica

funcionalista; a segunda fase, de 1960-1980, de consolidação operacional do SDNU,

marcada pela emergência de uma lógica nacional, complementar à lógica funcionalista; e

a terceira fase, de 1990 aos dias atuais, marcada pelos objetivos e metas globais e por uma

maior descentralização da governança do SDNU.

A análise das fases da governança do SDNU levará em consideração o triângulo

estratégico de Moore (1995, p. 22), que envolve três dimensões: o ambiente permissivo,

isto é, o contexto histórico no qual a governança se insere; a missão e os valores que

devem ser cumpridos pela governança; e a capacidade do sistema de entregar a missão e

os valores definidos.

Complementarmente às fases da governança do SDNU, o capítulo irá analisar o

lugar ocupado pela CSS em cada uma dessas fases. Serão discutidas as políticas e

orientações operacionais destinadas a incorporar a modalidade aos trabalhos regulares das

entidades do SDNU e as barreiras atitudinais enfrentadas no que se refere ao uso de

inputs, especialistas e conhecimento oriundos dos PEDs. Enquanto na década de 1978-

1988, o objetivo central foi o de estabelecer pontos focais e procedimentos para o uso da

CTPD nos programas de cooperação técnica, no período de 1989-1999, o enfoque foi o

de reduzir as barreiras atitudinais, melhorando a compreensão dos Estados-membros e

dos funcionários da ONU sobre as potencialidades da modalidade para resolver os

problemas oriundos da globalização. Com a chegada dos anos 2000, o propósito é o de

criar um quadro de padronização e incorporação da CSS em âmbito sistêmico, para que

a modalidade possa ser utilizada como um meio de implementação por todos os

programas, as atividades e os projetos de desenvolvimento conduzidos pelas entidades do

SDNU.

206

5.1 Fase 1 – As origens funcionalistas da governança do SDNU (1945-1950)

Como discutido no capítulo anterior, nos primeiros anos de funcionamento da

ONU ainda não existia um sistema de desenvolvimento propriamente dito. Mas havia um

ambiente permissivo para o engajamento da organização devido ao seu mandato de

promoção do desenvolvimento, atrelado ao contexto de reconstrução da Europa e do

Japão no pós-guerra, com liderança dos Estados nacionais. Ao mesmo tempo, emergiam

as demandas dos países pobres e recém-descolonizados, cujas preocupações com o

desenvolvimento eram a de superar as vulnerabilidades da economia agrária-exportadora

e a ausência de infraestrutura.

A missão da governança da ONU para a área do desenvolvimento ia ao encontro

do caráter funcionalista da organização. A promoção do desenvolvimento estava baseada

na lógica de preencher as lacunas – seja da perspectiva da reconstrução dos PDs ou dos

primeiros passos para a industrialização dos PEDs –, e consistia na provisão de assistência

técnica e na transferência de capacidades e de conhecimento.

Quanto às capacidades institucionais, a forma seguia a função, por meio da

autonomia funcional e da coordenação frouxa entre cada uma das agências especializadas.

Como discutido na parte 1, a criação do Programa Expandido de Assistência Técnica para

o Desenvolvimento Econômico dos Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês,

Expanded Programme of Technical Assistance for Economic Development of Under-

developed Countries), em 1949, foi resultado dessa estruturação funcional das atividades

para o desenvolvimento da ONU. O EPTA deveria dar suporte aos programas de

assistência técnica das diferentes agências especializadas. Seu Conselho de Governadores

era responsável por revisar e aprovar os projetos, e alocar os fundos para as agências

especializadas. Também havia um Conselho de Assistência Técnica (do inglês, Technical

Assistance Board), composto pelo Secretário-Geral e os Chefes das agências

especializadas, que coordenava os projetos por meio do Comitê de Assistência Técnica

do ECOSOC (UNITED NATIONS, 2015 b).

Mas as demandas dos PEDs, organizadas em torno da ideia de Terceiro Mundo,

fizeram com que a ONU também passasse a criar mecanismos de governança em âmbito

nacional. Assim, a figura institucional do representante residente foi estabelecida em

1950, com o propósito de coordenar a assistência técnica provida por várias agências

especializadas em campo. Em 1952, os representantes residentes passaram a ser os

responsáveis por coordenar os escritórios nacionais da ONU, criados para facilitar a

207

implementação dos programas de assistência técnica em nível nacional. Em 1955, a

primeira versão de uma espécie de programa nacional foi adotada (UNITED NATIONS,

2015 b).

Na fase de 1945-1950, a governança ainda era frágil, composta por um conjunto

de várias intervenções, geralmente em pequena escala, para responder às prioridades

nacionais. Ou seja, os Estados-membros estabeleciam as prioridades e as agências

deveriam responder à essas necessidades identificadas. Apenas na década de 1960 que a

ONU irá desenvolver um sistema de desenvolvimento propriamente dito, com instituições

e normas próprias voltadas especificamente às demandas dos PEDs.

5.2 Fase 2 – A consolidação da estrutura nacional de governança do SDNU e

as barreiras atitudinais à integração da CTPD (1960-1980)

Nos anos 1960, o ambiente permissivo se alterou com o acirramento da Guerra

Fria e a consolidação do Terceiro Mundo e do Movimento dos Não-Alinhados (MNA)

como uma força política dentro da ONU. Devido a tal mudança, a agenda de

desenvolvimento da organização passou a focar-se na criação de capacidade de

planejamento nacional e construção de instituições, como parte do processo de

desenvolvimento nacional dos PEDs. O surgimento do PNUD, em 1965, respondeu a essa

agenda, ao transformar o Conselho de Assistência Técnica em um Conselho Consultivo

Interagências (do inglês, Inter-agency Consultative Board), liderado pelo Administrador

do PNUD e composto pelo Secretário-Geral e pelos chefes executivos das agências

especializadas (UNITED NATIONS, 2015 b).

O PNUD já tinha representantes em campo na maior parte dos países no final dos

anos 1960, como resultado de uma mudança na própria governança da cooperação

internacional para o desenvolvimento. Originalmente, a ajuda era vista como uma forma

de transferir capacidades e conhecimentos que tinham, teoricamente, aplicabilidade

universal – bastavam ser incorporados pelos PEDs. Mas nos anos 1960, tal cooperação

era vista um mecanismo de transferir recursos para que os PEDs pudessem criar suas

próprias capacidades.

208

Como afirmam Jenks e Jones (2013, p. 25, tradução nossa177): “a visão central da

missão do sistema de desenvolvimento da ONU foi virada de cabeça para baixo: deixou

de se basear em comunidades de prática para aproximar os Estados na construção de suas

capacidades e de desenvolver e exercer suas prerrogativas como Estados”. Essa mudança

na missão caracteriza a segunda fase de governança, quando o SDNU se transformou de

um sistema de liderança internacional para um sistema focado em prestar serviços aos

Estados-membros.

Em termos das capacidades atreladas à governança do SDNU nessa fase, a missão

focada na prestação de serviços vai refletir na abordagem de programas nacionais (do

inglês, country programmes). Essa abordagem foi aprovada pela AGNU em sua resolução

A/RES/2688 (XXV), de 11 de dezembro de 1970, e, por meio dela, o Conselho de

Governadores do PNUD deixou de considerar projetos individuais conduzidos em cada

um dos países e começou a integrá-los em programas nacionais. Os programas nacionais

seriam estabelecidos pelos governos nacionais, com input da ONU, a partir da análise das

capacidades existentes e de definição de quais deveriam ser criadas. Ademais, com as

Novas Dimensões para a Cooperação Técnica (1975), passou a ser permitido que os

próprios governos executassem seus projetos em campo, reforçando a importância dos

programas nacionais.

Em termos de governança, os programas nacionais se tornaram o principal

instrumento de coordenação das atividades operacionais, e o resultado foi que o SDNU

passou a colocar maior foco em seus escritórios nacionais, com a liderança do PNUD.

Em 1977, a AGNU decidiu que a responsabilidade de coordenação dessas atividades em

nível nacional deveria ser feita por um único oficial, o Coordenador Residente. Isso visava

aumentar a eficácia do sistema e a capacidade dos governos em implementar os

programas, além de ampliar a coordenação das entidades da ONU em campo (UNITED

NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION, 1990).

Ao mesmo tempo, isso enfraqueceu o papel do ECOSOC na governança do

SDNU. Com os programas nacionais, o PNUD se tornou o mecanismo central de

coordenação e financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento, até o

final dos anos 1980. Apesar do PNUD reportar suas decisões ao ECOSOC, esse se tornou

177 Do original: “The core vision for the mission of the UN development system had been turned upside down: from drawing on communities of practice to bring states closely together to building the capacity of states to develop and exercise their prerogatives as states” (JENKS; JONES, 2013, p. 25).

209

um procedimento meramente formal, uma vez que seu Conselho de Governadores era o

responsável por aprovar e revisar os projetos e programas de cooperação técnica do

PNUD e da ONU em geral. Enquanto o Conselho Consultivo Interagências fazia a

coordenação entre as agências e seus programas em âmbito global, os coordenadores

residentes faziam a coordenação em âmbito nacional (UNITED NATIONS, 2015 b).

A estrutura de governança do SDNU focada nos programas nacionais trazia um

contexto favorável à incorporação operacional da CTPD às atividades de assistência

técnica ao desenvolvimento, já que os governos nacionais poderiam estar envolvidos no

processo e fazer uso de inputs e especialistas de outros PEDs. Porém, na prática, houve

várias barreiras a tal integração. Na década de 1970, a principal dificuldade era a de

operacionalmente reconhecer a CTPD como uma modalidade diferente da CT tradicional.

Já na década de 1980, as barreiras atitudinais eram as mais proeminentes, conforme será

discutido nos itens a seguir.

5.2.1 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1970: estabelecimento de

pontos focais e procedimentos para o uso da CTPD nos programas de cooperação

técnica

Antes da aprovação do BAPA, o PNUD já tinha um papel importante na promoção

da CTPD. Essa modalidade se adaptava facilmente ao novo contexto dos programas

nacionais, especialmente com maior envolvimento dos PEDs. Essa afinidade

organizacional do PNUD com a modalidade levou à criação da Unidade Especial para a

Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (SU-TCDC, do inglês, Special

Unit on Technical Cooperation among Developing Countries), como uma unidade

subsidiária do PNUD, em 1974. Na resolução A/RES/3251 (XXIX), está disposto que a

SU-TCDC foi criada “(...) com o objetivo de integrar plenamente essa atividade de

cooperação técnica entre países em desenvolvimento ao Programa [o PNUD]” UNITED

NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48, tradução nossa178).

As seguintes funções organizacionais foram estabelecidas para a SU-TCDC:

auxiliar os governos, caso solicitassem, a desenhar planos para CTPD, organizar pontos

focais e treinamentos; coordenar as atividades do PNUD, agências executivas e comissões

178 Do original: “(...) with the objective of integrating this activity of technical co-operation among developing countries fully within the Programme” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48).

210

regionais; servir de canal de comunicação entre as partes interessadas; supervisionar o

sistema de informações sobre a CTPD; coordenar, com o PNUD, programas e projetos

que envolvessem a modalidade; monitorar o progresso da implementação das

recomendações por meio de relatórios; e desenvolver estudos sobre CTPD e organizar

seminários (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-

OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 a).

O então Vice Administrador do PNUD, I. G. Patel – responsável pelas Novas

Dimensões, como analisado na parte 1 – supervisionou diretamente a criação da SU-

TCDC. Sua primeira decisão organizacional foi a de reunir um time de oficiais

qualificados para o início dos trabalhos, o que envolvia a contratação de especialistas e

consultores de PEDs; e reorientar os inputs da cooperação técnica para o uso de materiais

e equipamentos provenientes dos PEDs (PATEL, 1974).

Isso exigiria uma adaptação dos procedimentos, regras, práticas e regulações do

PNUD referentes a contratação e compras, mas havia duas dificuldades práticas.

Primeiramente, os PEDs não possuíam uma estrutura adequada para localizar e indicar os

melhores candidatos e as fontes de equipamentos e serviços que poderiam ser contratados

pela ONU. Por exemplo, em 1977, o serviço de compras e transporte da ONU escreveu

para 110 coordenadores residentes localizados em PEDs solicitando informações sobre

fontes de equipamentos e serviços nesses países, e apenas 5 responderam (BLACQUE-

BELAIR, 1977).

Em segundo lugar, apesar da existência dos escritórios nacionais, a ONU não

possuía mecanismos de governança adequados para manter contato com os governos e

fazer a prospecção de candidatos e empresas de equipamentos e serviços. Para responder

a esse problema de falta de conhecimento e informações sobre a capacidade dos PEDs, a

SU-TCDC deu início, em 1975, ao Sistema de Informação de Referência (INRES, do

inglês, Information Referral System), um sistema para coletar, compilar e compartilhar

informações sobre as capacidades dos PEDs (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).

No nível da coordenação entre as agências especializadas, as resoluções da AGNU

entre 1974-1978 recomendavam a realização das adaptações necessárias nos

procedimentos programáticos para auxiliar os PEDs a identificar, definir e executar

projetos de CTPD. Mas essa não era uma mudança simples: a abordagem dos programas

nacionais focava-se na iniciativa e na execução dos governos. Mas na maioria dos PEDs

a máquina de planejamento era fraca e os países não conseguiam identificar os

conhecimentos e o know-how relevantes para prosseguir com um projeto de cooperação

211

(VASSILIOU, 1976). Para contornar essa dificuldade, um oficial do Secretariado avaliou

que, sem um engajamento programático do PNUD para a inclusão da CTPD, dificilmente

a modalidade seria de fato operacionalizada em campo:

Não é necessário deixar para os países a indicação das preferências para a CTPD apenas quando eles consideram a modalidade. As instruções para a elaboração de documentos do PNUD podem ser de tal forma que o país sempre deve dar uma indicação positiva sobre se deseja ou não incluir tais disposições a respeito da CTPD. A menos que o problema seja abordado desta forma concreta em todos os casos, é provável que haja um apoio verbal à CTPD dentro do sistema do PNUD, mas uma implementação prática relativamente pequena (FRISCIC, 1977, p. 5, tradução nossa179).

Em Buenos Aires, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre

Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, em 1978. A questão da

governança do SDNU e seu apoio para o BAPA, por meio da criação de um mecanismo

intergovernamental de supervisão da CTPD, foi um ponto de tensão entre os países do

Norte e os países do Sul.

A primeira questão era a definição de que entidade do SDNU lideraria os esforços

de integração da CTPD. Os PDs garantiram que o PNUD, como o canal central dos

recursos multilaterais do sistema ONU, ficasse responsável por promover a CTPD por

todo o sistema. Isso não gerou oposição do G-77, uma vez que, efetivamente, o PNUD

era o programa responsável por definir as atividades, os programas e projetos de

cooperação técnica, sendo, portanto, a principal entidade para operacionalizar o processo

de incorporação da CTPD. Mas os PDs apoiaram a centralidade do PNUD em detrimento

do envolvimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD, do inglês, United Nations Conference on Trade and Development). Como

discutido na Parte I, a UNCTAD era a principal entidade do SDNU envolvida com a

agenda do G-77 na promoção do comércio e desenvolvimento econômico dos PEDs

(JOINT INSPECTION UNIT, 1985). Ao separar a CTPD da Cooperação Econômica

entre Países em Desenvolvimento (CEPD), os PDs garantiram que, na área da CTPD, a

ação coletiva dos PEDs seria enfraquecida, pois, no processo de tomada de decisão do

PNUD, os doadores tinham maior peso relativo de voto.

179 Do original: “It need not to be left to countries to indicate these preferences for TCDC as and when they happen to think of it. The instructions for the preparation of UNDP documents could be such that the country always has to give a positive indication as to whether or not it wants to include any such provisions. Unless the issue is brought up in this concrete way every time, it is likely that there will be continued lip service to TCDC within the UNDP system but relatively little practical implementation” (FRISCIC, 1977, p. 5).

212

O processo de tomada de decisão do PNUD era feito por seu Conselho de

Governadores (Governing Council). Formado inicialmente por 27 membros, e depois, por

48 membros a partir de 1971, as decisões seguiam a fórmula um país-um voto, mas a

predominância era o consenso. Inclusive, isso era motivo de orgulho para o Conselho,

pois raríssimas vezes foi necessário levar uma decisão à voto (KAUFMANN, 1980, p.

77). Dos 48 assentos, os PDs contavam com 21 votos, e os PEDs, com 27. Embora em

termos absolutos os PEDs tivessem um número maior de votos, em termos relativos, havia

uma clara discrepância: em 1971, a ONU tinha 132 Estados-membros, sendo

aproximadamente 80% países em desenvolvimento. Ou seja, a voz dos PEDs estava em

desvantagem no processo decisório, uma vez que 21 votos representavam 20% dos

Estados-membros; e 27 votos representavam 80% dos Estados-membros.

Por isso, embora o G-77 tenha concordado com a centralidade do PNUD na

implementação da CTPD, o grupo propôs a reforma do Conselho de Governadores. Ao

invés dos 48 membros, com a predominância relativa dos países doadores, o G-77

recomendou que a instância fosse formada pelos 151 Estados-membros da ONU (em

1978) e relatasse diretamente para a UNGA, ao invés do ECOSOC (MACDONALD,

1978 apud TAMAYO, 1978). Com essa proposta, o G-77 demandava a democratização

do Conselho de Governadores: considerava injusto que o peso das decisões estava nas

mãos dos países doadores, que decidiam o destino dos projetos que seriam realizados nos

PEDs.

Os PDs, liderados pelos EUA, resistiram firmemente a qualquer mudança nos

mecanismos decisórios do PNUD que pudessem minimizar sua posição predominante no

processo de tomada de decisão. Nas palavras do diplomata americano, Mac Donald,

presente na Conferência de Buenos Aires: “Os países desenvolvidos, liderados pelos

Estados Unidos, firmemente resistiram a essa mudança porque ela teria politizado o

PNUD e prejudicaria seriamente o apoio dos países doadores” (MACDONALD, 1978

apud TAMAYO, 1978, tradução nossa180). Para a Alemanha, o papel do PNUD seria

apenas catalisador, portanto, não justificaria uma reforma em seu processo decisório. Os

Países Baixos afirmaram que a preocupação com a expansão do PNUD dava a entender

180 Do original: “The developed countries, led by the US, firmly resisted this change because it would have politicized the UNDP and seriously jeopardized donor country support” (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978).

213

que a solução dos problemas da CTPD não estaria nos PEDs, o que não era o caso

(UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION, 1985).

No final, os PEDs acabaram por ceder em sua demanda. Por isso, a solução

institucional para a supervisão e revisão do processo de implementação do BAPA seria

cristalizada em sua Recomendação 37: a criação do Encontro Intergovernamental de Alto

Nível. Formado por representantes de todos os Estados-membros participantes do

Conselho de Governadores do PNUD – e não por todos os Estados-membros da ONU –

o encontro seria iniciado a partir de 1980, sob organização do Administrador do PNUD

em sessões bianuais. O mandato do encontro incluía: revisar a implementação do BAPA;

promover a CTPD no interior do SDNU; apoiar novas políticas e iniciativas; promover

novos recursos; e coordenar as atividades operacionais de CTPD realizadas pelo SDNU

(UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 1978).

Além disso, a liderança dos Estados Unidos garantiu que a SU-TCDC se

mantivesse como uma unidade modesta, e sua expansão não deveria ficar fora do controle.

O BAPA apenas adicionou ao mandato da Unidade Especial a responsabilidade de

recomendar as modificações nas políticas, nos procedimentos e nas regras do PNUD para

incorporar a CTPD; e coordenar os pontos focais para a CTPD. Mas não estava previsto

nenhum mecanismo decisório para operacionalizar tal mandato.

A coordenação do trabalho das agências especializadas para a integração da CTPD

seria feita de forma frouxa, pela criação dos chamados pontos focais. Esses pontos seriam

compostos por funcionários de cada agência, responsáveis por promover e supervisionar

a implantação do BAPA tanto dentro de seus respectivos mandatos quanto em ações

conjuntas com outras agências. Dentre as funções dos pontos focais, eles deveriam:

identificar soluções de CTPD para problemas específicos de desenvolvimento em suas

respectivas áreas; aplicar a CTPD em seus programas; apoiar a preparação e execução de

projetos, quando solicitado; desenvolver novas ideias e abordagens para concretizar o

pleno potencial da CTPD, por meio de estudos e análises; desenvolver e fortalecer os

sistemas de informações, nutrindo assim o INRES; publicar informações sobre a CTPD;

monitorar e revisar a implementação dessas atividades; utilizar, o máximo possível, as

capacidades dos PEDs (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).

Até o final da década de 1970, as iniciativas das agências especializadas em

fortalecer seus pontos focais foram tímidas. Com a separação da atuação do SDNU em

atividades promocionais e atividades operacionais, e falta de clareza do BAPA em relação

214

à sua implementação, a incorporação da CTPD no gerenciamento dos projetos de

cooperação técnica foi praticamente inexistente. Embora não houvessem grandes

obstáculos conceituais à ideia de CTPD, as barreiras atitudinais impediam que, na prática,

houvesse a penetração da modalidade nos níveis técnicos e administrativos, fundamentais

para que os projetos fossem gerenciados da perspectiva da CTPD (DEVELOPMENT

PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975). Esse seria o principal problema a ser

enfrentado nos anos 1980.

5.2.2 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1980: enfrentando as

barreiras atitudinais

Em 1980, deveria ser realizada a primeira revisão da implementação do BAPA,

por meio do Encontro de Alto Nível. Porém, por pressão do G-77, a AGNU aprovou a

resolução A/RES/35/202, de 16 de dezembro de 1980, que definiu a transformação

institucional do Encontro de Alto Nível para o Comitê de Alto Nível para a Revisão da

Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-

Level Committee on the Review of Technical Co-operation among Developing

Countries). Embora o mandato do HLC-TCDC fosse o mesmo do Encontro de Alto Nível,

houve duas mudanças importantes: primeiramente, ao invés de sua composição ser apenas

os 48 membros do Conselho de Governadores do PNUD, a participação estaria aberta a

todos os Estados-membros da ONU; em segundo lugar, o HLC reportaria diretamente à

AGNU, e não ao PNUD, embora os encontros fossem organizados e liderados pelo

Administrador desse programa.

O HLC-TCDC foi criado para ser a única instância com o mandato da revisão

intergovernamental do progresso da CTPD dentro e fora do SDNU, e suas decisões

deveriam estimular e maximizar o impacto da CTPD nos esforços de desenvolvimento da

ONU. Para evitar a duplicação com o trabalho de outros órgãos e instâncias do SDNU, o

HLC decidiu concentrar seu trabalho em assuntos organizacionais referentes à CTPD,

delegando para os Conselhos de Governadores das agências especializadas a tarefa de

revisar a CTPD em seus respectivos setores e reportar para o HLC (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 1987 c).

As decisões do HLC-TCDC nos anos 1980 se concentraram em três áreas:

recomendações à SU-TCDC acerca de seu fortalecimento institucional para melhorar a

215

promoção da CTPD por meio da coleta e sistematização de informações sobre as

capacidades dos PEDs; recomendações ao PNUD referentes ao gerenciamento dos

programas e à contratação e ao uso de especialistas, serviços e equipamentos dos PEDs;

e as recomendações aos pontos focais das entidades do SDNU, estimulando a

coordenação e troca de informações entre elas. Nessas três áreas, o enfoque foi o de

diminuir as barreiras atitudinais, como serão analisadas a seguir.

5.2.2.1. SU-TCDC

Nos anos 1980, a SU-TCDC focou-se em três áreas de atuação: servir como

Secretariado do HLC-TCDC; atualizar as informações do INRES; e fazer análises e

estudos sobre melhores casos de utilização da CTPD nos programas do PNUD.

Entre 1980 e 1981, a Unidade Especial preparou os relatórios para os primeiros

encontros do HLC-TCDC, realizou os estudos necessários para a ampliação do INRES e

desenvolveu um rascunho com orientações para fazer as modificações nas regras do

PNUD para facilitar o uso da CTPD. Nesses dois anos, a maior parte das atividades da

SU foi de caráter promocional, mas poucas dessas efetivamente se converteram em

atividades operacionais. Por isso, no período de 1982-1983, a SU-TCDC buscou orientar-

se para o campo, com ações voltadas para a elaboração dos programas de cooperação

técnica (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-

OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 a).

Mas, para que a SU-TCDC pudesse ter uma maior atuação em campo, era

necessário fortalecê-la institucionalmente. Porém, a capacidade da Unidade Especial em

conduzir pesquisas e estudos era restringida pelo número reduzido de funcionários. Em

1982, o Conselho de Governadores do PNUD realizou uma redução de 30% de seus

oficiais como uma medida de redução de custos decidida em 1979181, e a SU-TCDC foi

uma das instâncias do PNUD que sofreu o maior corte, correspondente a 8% do total

(JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 10).

181 Essa foi uma das medidas para conter a crise financeira do PNUD do final dos anos 1970, o que será discutido na Parte 3 dessa pesquisa.

216

Quadro 3 – Categoria e número de funcionários da SU-TCDC

Categoria de trabalho182 Antes do BAPA

(1974-1978)

Depois do BAPA

(1978-1982)

Depois dos cortes no PNUD (1982)

Administrador assistente - 1 -

Diretor Nível 2 (D-2) - - 1

Diretor Nível 1 (D-1) 2 2 1

Profissional Nível 5 (P-5) 1 2 1 + 1 (INRES)

Profissional Nível 4 (P-4) - 2 -

Profissional Nível 3 (P-3) 1 1 1

Profissional Nível 2 (P-2) - - -

Total profissional e sênior 4 8 4 + 1 (INRES)

Total de serviços gerais 3 7 5 + 1 temporário

(INRES)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 10.

No quadro acima, é possível observar como a Unidade Especial trabalhava com

um número reduzido de oficiais. A SU-TCDC começou suas atividades, em 1974, com

apenas 4 funcionários, entre profissionais e sêniores, e teve esse número duplicado com

a aprovação do BAPA em 1978. Porém, com os cortes de funcionários do PNUD em

1982, a SU-TCDC reduziu seu número de oficiais praticamente pela metade, voltando à

situação pré-BAPA: 4 funcionários, entre profissionais e sêniores, e mais 1 funcionário

destinado ao INRES.

Embora a redução dos funcionários tenha sido feita no contexto de cortes no

PNUD, e não devido à uma diminuição do interesse na CTPD dentro do programa, ela

resultou em um impacto negativo no trabalho da SU-TCDC. Por isso, o HLC-TCDC, em

suas decisões 1983-1989, requereu que o fortalecimento da unidade tivesse alta

prioridade, garantindo o número adequado de funcionários para cumprir plenamente suas

182 A categoria de trabalho Profissional (P) se refere aos funcionários de nível iniciante e intermediário, que vai do P-2 (mínimo de 2 anos de experiência) a P-5 (mínimo de 10 anos de experiência). Já a categoria de Diretor ou superior (D), se refere aos funcionários de nível sênior, que podem ser P-6/D-1 (mínimo de 15 anos de experiência) ou P-7/D-2 (mais de 15 anos de experiência). A categoria de serviços gerais, que se referem às vagas técnicas e administrativas, como recepcionistas, funcionários de limpeza e segurança, etc.

217

funções de apoio à CTPD. Outra medida de fortalecimento solicitada pelo HLC em sua

decisão TCDC/6/3, de 19 de setembro de 1989, era garantir que os diretores da SU-TCDC

participassem das fases de tomada de decisão nos órgãos e comitês do PNUD. Porém,

nem o Administrador nem o Conselho de Governadores do programa cumpriram com

essas recomendações.

Com as limitações de recursos humanos da SU-TCDC, as atividades operacionais

nos anos 1980 ficaram limitadas ao crescimento do INRES e a condução de exercícios

programáticos, que funcionariam como modelos piloto.

No caso do INRES, a base de dados computadorizada foi lançada em 1982, com

50.000 entradas sobre as capacidades e necessidades dos PEDs. Mas o sistema enfrentava

dois problemas: de oferta e de uso operacional das informações. Em relação à oferta, os

dados compilados pela SU-TCDC ainda eram poucos: apenas 60% dos países consultados

incluíram informações na base de dados, e os que o fizeram, colocaram uma porcentagem

pequena de suas capacidades disponíveis (JOINT INSPECTION UNIT, 1985; HIGH-

LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 1980 c).

Havia dois motivos para o pouco engajamento dos PEDs em compartilhar suas

informações. Primeiramente, porque ainda nos anos 1980 vários PEDs careciam da

máquina de planejamento capaz de produzir domesticamente essas estatísticas e

informações. Depois, para os países que detinham as informações, alguns dados

solicitados nos questionários eram considerados estratégicos ou sigilosos, como censos

populacionais, mapas de recursos naturais e soluções tecnológicas (ALBUQUERQUE,

1977).

No tocante ao uso operacional das informações, a avaliação da SU-TCDC era de

que o INRES tinha poucos usuários: as informações não coletadas eram muito utilizadas

pelos países e pelas entidades do SDNU na elaboração de seus programas e projetos. As

principais dificuldades para ampliar o uso da base de dados eram: o caráter desatualizado

das informações, uma vez que o sistema não tinha uma rápida capacidade de atualização;

o uso, por parte dos PEDs, de outras formas mais práticas de identificar capacidades e

necessidades, como fóruns e feiras; e o fato de o INRES não estar conectado com outros

sistemas de informação da ONU, globais e em campo (JOINT INSPECTION UNIT,

1985).

Já no caso dos exercícios programáticos, esses foram o trabalho de maior

repercussão prática da SU-TCDC na década de 1980. Os exercícios programáticos

218

tiveram início em 1986 e tratavam-se de projetos de CTPD auxiliados pela Unidade

Especial e que tinham o propósito de criar modelos bem-sucedidos de aplicação da

modalidade, para que pudessem ter um efeito multiplicador em outros países e áreas. De

1986-1988, a SU auxiliou 1.600 projetos operacionais que envolviam cooperação

bilateral entre 87 PEDs (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 b).

Os exercícios programáticos se originavam de programas conduzidos por grupos

de PEDs, enquanto a SU-TCDC exercia seu papel catalisador ao auxiliar os países a

organizar os programas, mobilizar recursos e dar apoio na implementação. Apresentavam

duas fases. A fase inicial do exercício durava aproximadamente 6 meses e envolvia a

preparação das agências do país recipiendário, com assistência da SU-TCDC ou do

representante residente do PNUD, que elaboravam uma lista das capacidades e

necessidades em CTPD por parte dos PEDs envolvidos. A SU-TCDC transmitia essa lista

para vários países e organizações relevantes, que faziam o exercício de matchmaking, isto

é, de encontrar PEDs ofertantes de soluções e tecnologias demandadas pelos países

envolvidos no programa.

A segunda fase dos exercícios consistia na redação da proposta de cooperação

propriamente dita, por meio de negociações e revisão conjunta do documento entre os

oficiais governamentais, a SU-TCDC e o escritório do representante residente do PNUD.

A proposta listava a estruturação do projeto em termos materiais e financeiros e suas

formas de implementação.

Geralmente, as propostas envolviam pequenos projetos operacionais em termos

de inputs e de duração, como por exemplo, a provisão de serviços, consultores e

treinamentos de um país para outro por algumas semanas ou meses. Quanto ao

financiamento, os custos eram cobertos pelos próprios PEDs, com pequena participação

do PNUD. A SU-TCDC auxiliava a encontrar recursos externos, especialmente quando

era necessária moeda estrangeira para cobrir custos de viagem, equipamentos, etc.

Mesmo que os projetos fossem pequenos, seu impacto e substância foram

expressivos. O caso de sucesso mais divulgado pela SU-TCDC foi o programa entre

Argentina e China, em 1987. O exercício programático auxiliado pela unidade começou

com um projeto em que os especialistas chineses estudaram o funcionamento da indústria

alimentícia argentina. O intercâmbio de conhecimento e tecnologia na área alimentícia

ocorreu por meio de um seminário sobre o tema na China. Como efeito multiplicador

desse seminário, os dois PEDs conseguiram identificar mais 35 outros projetos na área,

219

incluindo também outros países e setores, como Brasil e Uruguai na área de indústria

alimentícia e farmacêutica (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 e, pp. 5-

6).

Considerando que a SU-TCDC era o ponto focal do PNUD para a CTPD, seu

trabalho na década serviu para orientar os projetos aprovados pelo programa, que eram

de maior escopo e impacto. Mas a despeito do papel catalisador da SU nos anos 1980, o

PNUD não conseguiu superar as barreiras atitudinais contra a CTPD.

5.2.2.2. PNUD

O PNUD, nos anos 1980, era o ponto focal da CTPD para todo o SDNU, uma vez

que era a agência financiadora central e tinha a capacidade de realizar a coordenação

sistêmica das atividades de apoio à modalidade. Na primeira sessão do Encontro de Alto-

Nível para a Revisão da CTPD, em sua decisão TCDC/1/6, de 2 de junho de 1980, o

PNUD foi convidado a “executar um papel catalisador, de apoio e inovador na promoção

da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento no sentido mais amplo, como

um instrumento para a cooperação internacional” (HIGH-LEVEL MEETING ON THE

REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,

1980 a, p. 29, § 8, tradução nossa183).

O principal trabalho do PNUD era o de integrar a modalidade na formulação,

implementação e avaliação dos programas nacionais de desenvolvimento, utilizando-a

como um instrumento de cooperação. O HLC-TCDC recomendou, em sua decisão

TCDC/2/9, de 7 de junho de 1981, que o PNUD incorporasse as seguintes diretrizes em

seu manual de procedimentos para avaliação das propostas de projeto de CTPD:

i) Compartilhamento ou troca de capacidades, habilidades e recursos

técnicos entre PEDs;

ii) Início, organização e gerenciamento dos projetos realizado

primordialmente pelos PEDs;

183 Do original: “Play a catalytic, supportive and innovative role in the promotion of technical co-operation among developing countries in the wider sense, as an instrument for intercountry co-operation” (HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1980, p. 29, § 8).

220

iii) O financiamento e os inputs (especialistas, serviços de consultoria,

equipamentos, fornecedores, centros de treinamento) deveriam ser de

responsabilidade primária dos PEDs. O financiamento do PNUD seria

complementar;

iv) A CTPD poderia incluir qualquer setor ou tipo de cooperação (HIGH-

LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-

OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1981 b, p. 31, §

2).

A incorporação operacional da modalidade nos programas do PNUD envolveu o

uso de especialistas e de inputs dos PEDs, por meio da contratação de serviços, materiais

e equipamentos.

No que se refere ao uso de especialistas, desde a aprovação das Novas Dimensões

da Cooperação Técnica, em 1974, já havia um esforço de recrutar mais candidatos dos

PEDs. E, de fato, houve um aumento de 27% na contratação de especialistas dos PEDs,

entre os anos de 1978 e 1979. Entretanto, apesar desse aumento, a proporção de

especialistas dos PDs era muito maior, evidenciando uma barreira atitudinal em relação

ao uso de especialistas dos PEDs (BI, 1979).

Diante disso, as decisões do HLC-TCDC solicitaram ao SDNU, com destaque

para o PNUD, que adotasse uma abordagem sistêmica para fortalecer o recrutamento de

especialistas dos PEDs. Isso envolvia, por um lado, o compartilhamento de bases de dados

sobre os candidatos, com troca de informações e notificação de oportunidades para o uso

desses especialistas em projetos financiados pelo SDNU; por outro, também exigia

fortalecer os centros de treinamento, para que houvesse especialistas treinados em

conduzir a formulação e implementação de projetos de CTPD.

Como é possível notar no quadro abaixo, entre 1983 a 1986 houve um aumento

no número de especialistas oriundos dos PEDs. Entretanto, em termos relativos, tais

especialistas correspondiam entre 35% a 39% do total de contratados pelo SDNU,

enquanto dois terços eram de PDs, demonstrando os avanços modestos nessa área.

221

Quadro 4 – Utilização de especialistas dos PEDs nos programas de cooperação

técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)

Componente 1983 1984 1985 1986

Número de especialistas

PEDs 3.125

(37,2%)

2.771

(35,5%)

2.892

(35,2%)

3.515

(39,2%)

Total todos os países

8.400

(100%)

7.813

(100%)

8.208

(100%)

8.969

(100%)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 g, p. 12.

Em relação ao uso de inputs dos PEDs, as barreiras atitudinais eram mais difíceis

de superar, não apenas em virtude do grau tecnológico dos materiais e equipamentos

requeridos nos projetos de cooperação técnica, mas porque essa era uma área de grande

interesse dos países doadores. Em seus projetos de cooperação tradicional, os PDs

amarravam a concessão da ajuda à contratação de serviços e à compra de equipamentos

e materiais de suas empresas.

Quanto ao SDNU, a avaliação geral de seus funcionários era a de que os

equipamentos necessários para os projetos da ONU não eram produzidos nos PEDs, ou,

quando produzidos, faltava competitividade em termos de preço e qualidade (RADOVIC,

1980). O SDNU contratava empresas de PDs para os materiais e serviços em áreas mais

tecnológicas, e as empresas dos PEDs eram subcontratantes, e faziam o trabalho com

menor especialização.

Para reverter esse quadro, as decisões do HLC-TCDC recomendavam que o

PNUD tomasse medidas para aumentar o número de empresas dos PEDs contratadas para

oferecer materiais e equipamentos em áreas mais avançadas dos projetos de cooperação

técnica. O HLC solicitou que a Unidade de Licitações de Serviços Interagência,

responsável pelas contratações, realizasse pesquisas nos PEDs para listar fornecedores

potenciais. Além disso, o comitê solicitou ao SDNU, com destaque para o PNUD, que

revisasse as políticas e práticas de licitações para aumentar as compras e contratações nos

PEDs, de modo que o desenho dos projetos desse a devida consideração à CTPD (HIGH-

LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 1980 a).

222

No quadro abaixo, observa-se a evolução da contratação de empresas dos PEDs

nos programas de cooperação técnica conduzidos pelo SDNU. Da mesma forma que o

uso de especialistas, houve um aumento em termos absolutos no período de 1983-1986,

de 24,6% para 39,3%. Mas, em termos relativos, a utilização de empresas dos PEDs

correspondia apenas a um terço do total, demonstrando a predominância dos inputs

provenientes dos PDs.

Quadro 5 – Contratação de empresas dos PEDs nos programas de cooperação

técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)

1983 1984 1985 1986

Valor da contratação

(em US$ milhares)

PEDs 14.990

(24,6%)

8.671

(17%)

27.627

(38,5%)

34.514

(39,3%)

Total todos os países

60.917

(100%)

51.115

(100%)

71.668

(100%)

87.890

(100%)

Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 g, p. 12.

Com esses resultados, nota-se que o desempenho do PNUD em CTPD foi muito

baixo. Na avaliação da Unidade de Inspeção Conjunta da ONU, os princípios da CTPD

eram virtualmente ignorados pelo PNUD na formulação prática dos programas nacionais.

Pouquíssimos coordenadores residentes indicavam a CTPD nas fases iniciais de

formulação dos programas. As razões apontadas pelos coordenadores eram as seguintes:

falta de interesse dos governos nessa forma de cooperação; falta de um sistema de

informações sobre as capacidades dos PEDs; e que a modalidade era mobilizada pelos

programas nacionais, mas sem serem denominadas como tal (JOINT INSPECTION

UNIT, 1985).

De fato, o engajamento dos PEDs nesse período, especialmente em virtude do

contexto de crise econômica dos anos 1980, não foi uniforme. Mas também houve uma

falta de engajamento do SDNU, especialmente devido à falta de conhecimento dos

coordenadores residentes sobre as vantagens da CTPD em comparação com a cooperação

tradicional:

Mas a aparente falta de apoio de alguns países em relação a essa forma de cooperação parece ser mais devido ao nível de conscientização e à qualidade

223

dos conselhos que eles recebem dos coordenadores residentes e dos representantes das agências sobre o valor relativo da modalidade da CTPD em comparação com a abordagem tradicional, do que por uma oposição aos princípios da CTPD. Também é verdade que alguns obstáculos atitudinais e processuais continuam a inibir a plena aplicação da CTPD e que o sistema das Nações Unidas já fez o suficiente para ajudar a minimizar tais obstáculos (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, pp. 17-18, tradução nossa184).

O PNUD falhou, nos anos 1980, em traduzir as ideias da CTPD para a prática

operacional da ONU porque efetivamente os princípios basilares dessa modalidade não

estavam incluídos nas regras e procedimentos de definição dos programas nacionais. E

isso era para dar aos PEDs a clara opção de usar a CTPD na implementação de um projeto.

Além disso, o PNUD falhou em distinguir a formulação do programa nacional em si da

preparação dos documentos de projeto das atividades dentro de cada programa. Como o

foco da integração da CTPD ficou apenas no nível do programa nacional, o uso dos inputs

dos PEDs não era tão estimulado na fase de formulação dos projetos, em que a

possibilidade de usar a CTPD seria maior, considerando-a como parte ou um componente

completo de um projeto (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1985).

Em 1989, o último encontro do HLC-TCDC daquela década expressou

preocupação com as dificuldades do PNUD em superar os obstáculos levantados pelos

procedimentos tradicionais da cooperação técnica, impedindo a introdução de qualquer

componente de CTPD como parte regular dos trabalhos do PNUD. Por isso, o HLC-

TCDC requereu, em sua decisão TCDC/6/3, de 19 de setembro de 1989, que o

Administrador do PNUD organizasse, até janeiro de 1990, um encontro de especialistas

em cooperação técnica para identificar os impedimentos à CTPD e as mudanças

necessárias para que a modalidade fosse incorporada em todos os programas e projetos

financiados pelo sistema ONU.

5.2.2.3. Pontos focais das entidades do SDNU

A adoção do BAPA estimulou a inclusão da CTPD e da CEPD como parte dos

mandatos das entidades do SDNU: em 1983, 245 do total de 445 mandatos sobre a

184 Do original: “But the apparent lack of support by some countries for this form of co-operation appears to be due more to their level of awareness and the quality of advice they receive from resident co-ordinators and agency representatives about the relative value of the TCDC modality compared with the traditional approach, than to principled opposition to TCDC. It is also true that some atitudinal and procedural obstacles continue to inhibit the full application of TCDC and that not enough has been done by the United Nations system so far to help ease such obstacles” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, pp. 17-18).

224

modalidade foram definidos após a Conferência de Buenos Aires. O fato da maior parte

dos mandatos terem sido adotados pós-1978 revela a importância crescente do tema na

década de 1970 (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).

Porém, o conteúdo desses mandatos não era consistente com as prioridades

estabelecidas pelo SDNU, em geral, e pelo BAPA, em particular. As atividades

promocionais da CTPD tendiam a ser vistas como uma atividade especial, ao invés de um

processo de progressiva integração da experiência e da capacidade dos PEDs nas

atividades regulares de cooperação técnica. Por isso, a maior parte das iniciativas

operacionais das entidades do SDNU foram ad hoc e descoordenadas, conduzidas por um

conjunto de mandatos vagos, ao invés de uma articulação progressiva e refinada das

políticas e da mobilização dos esforços para a implementação do BAPA. As entidades

declaravam seu apoio à CTPD, mas, na prática, as atividades operacionais eram guiadas

pelos mandatos específicos definidos pelos Conselhos de Governadores de cada entidade.

Esse problema refletia na fraqueza dos pontos focais de cada entidade para a

CTPD. As decisões do HLC-TCDC na década de 1980 insistiam no estabelecimento ou

fortalecimento desses pontos focais, com o propósito de disseminar os princípios de

CTPD e dar assistência PEDs em seus projetos em campo. Várias entidades da ONU

criaram tais pontos, mas eles variavam muito em autoridade, tamanho e função. Em geral,

os pontos focais consistiam em apenas um oficial sênior, responsável pelo programa de

CTPD, que dedicava meio período para preparar os relatórios para o PNUD, comunicar

com os escritórios em campo e aconselhar o chefe executivo sobre o tema. Esse era o caso

da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas para

a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS)

(JOINT INSPECTION UNIT, 1985).

Outras poucas entidades possuíam pontos focais mais substantivos, como a

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a

Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e a

Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (ESCAP). Esses pontos focais

faziam pesquisas e análises, desenvolviam conceitos, e de fato realizavam atividades

operacionais, demonstrando um claro esforço de incluir o conceito de CTPD em seus

trabalhos substantivos. Tanto que, nos pontos focais dessas entidades, o funcionário era

um oficial sênior em período integral (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).

Para aproximar os pontos focais e estimular seu desenvolvimento, o HLC-TCDC

solicitou ao Administrador do PNUD, por meio de sua decisão TCDC/5/6, de 27 de maio

225

de 1987, que realizasse encontros com os pontos focais de todas as entidades do SDNU a

cada dois anos, preferencialmente antes de cada sessão do HLC-TCDC. Para esse

encontro, as entidades deveriam apresentar uma avaliação compreensiva de suas

atividades de CTPD e enviar seus representantes de alto nível para participar das sessões.

Nos anos 1980, ocorreram dois encontros entre os pontos focais, em 1987 e em 1988.

O primeiro encontro, realizado de 18 a 22 de maio de 1987 em Nova York, contou

com a presença de 25 organizações e escritórios do SDNU. Dentre os pontos discutidos,

estavam: rever os termos e condições para contratação de especialistas e consultores dos

PEDs; revisar os procedimentos de contratação de equipamentos e materiais dos PEDs,

oferecendo-os um tutorial para que eles conseguissem se adequar aos procedimentos da

ONU; fazer maior uso das informações do INRES em projetos financiados pelo SDNU;

melhorar a interação entre a SU-TCDC e os pontos focais, com o objetivo de compartilhar

experiências e harmonizar abordagens em assuntos comuns; e envolver os pontos focais

em todas as fases de formulação de projeto (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE

REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,

1987 b).

O segundo encontro ocorreu de 25 a 26 de fevereiro de 1988, e estavam presentes

35 organizações e escritórios do SDNU. O principal tema foi a incapacidade de avaliar o

progresso do SDNU na implementação do BAPA, devido à natureza das informações

coletadas: os dados enviados pelas agências eram fragmentados, não eram produzidas

estatísticas e informações quantitativas sobre a modalidade, e, especialmente, não havia

uma compreensão conceitual, de modo a distinguir a CTPD da cooperação tradicional nos

relatórios (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-

OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 c).

Esse diagnóstico deu as diretrizes para a atuação do SDNU no novo milênio: ainda

persistia o desafio da governança do SDNU em reduzir as barreiras atitudinais à CTPD e

efetivamente alterar os procedimentos operacionais para que a modalidade fosse

progressivamente incorporada à atuação em campo.

226

5.3 Fase 3 – A descentralização e fragmentação da governança do SDNU e as

tentativas de padronização sistêmica da CTPD (1990 aos dias atuais)

Com o fim da Guerra Fria e o avanço da globalização, as mudanças no ambiente

permissivo foram tão radicais a ponto de causar uma total reestruturação na governança

do SDNU. A missão do SDNU se afastou da noção de criar capacidades nacionais e

organizou-se em torno de objetivos e metas direcionados aos desafios que precisavam de

respostas globais, mas traduzíveis em ações nacionais. Esses objetivos foram definidos

em várias conferências internacionais organizadas nos anos 1990185, sobre diferentes

assuntos, como direitos humanos, meio ambiente, pobreza, gênero, etc., e resultaram em

uma agenda comum de desenvolvimento, consubstanciada nos oito Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio (ODMs), em 2000.

No que tange às capacidades do SDNU, houve várias mudanças institucionais nos

anos 1990. A AGNU, por meio de sua resolução A/RES/48/162, de 14 de janeiro de 1994,

transformou os Conselhos de Governadores do PNUD, do UNFPA e do UNICEF (e dos

demais fundos e programas) em Conselhos Executivos, com 36 membros cada. Os

membros seriam eleitos pelo ECOSOC para exercer mandatos de três anos186, e os chefes

executivos de cada programa seriam indicados pelo Secretário-Geral, com consulta ao

Conselho Executivo e confirmação da AGNU. Essa mudança visava diferenciar o papel

normativo da AGNU do papel operacional do SDNU referente à governança das

atividades para o desenvolvimento, que deveria ser feita pelos Conselhos Executivos.

Essa decisão resultou em uma maior descentralização do SDNU: se, em sua

segunda fase da governança, o PNUD era o mecanismo central de coordenação e

financiamento, e as demais entidades tinham o papel de executar projetos de cooperação

para o desenvolvimento em campo, agora o PNUD está tecnicamente no mesmo nível das

demais entidades do sistema. E cada agência, fundo e programa do SDNU tornou-se

responsável por sua própria coordenação e financiamento. Ou seja, a terceira fase é

185 As principais conferências foram: a Cúpula Mundial pela Criança (1990); a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992); a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos (1993); a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (1994); a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (1995); a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social (1995); a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Estabelecimentos Humanos (1996); e a Cúpula do Milênio (2000). 186 Com exceção aos países da Europa Ocidental e outros Estados, que determinam internamente a forma de rotação dos assentos.

227

marcada pela ausência de qualquer mecanismo de coordenação mínima das partes do

sistema, levando à sua fragmentação.

Para o PNUD, isso significou mudanças em seu processo de tomada de decisão.

Com a redução do número de assentos, de 48 para 36, o rearranjo da distribuição

geográfica favoreceu os países doadores: 12 assentos para os países da Europa Ocidental

e outros Estados; 8 assentos para os Estados Africanos; 7 assentos para os Estados da

Ásia e Pacífico; 5 assentos para os países da América Latina e Caribe; e 4 assentos para

os Estados da Europa Oriental. Essa distribuição consolidou o desequilíbrio relativo entre

os PDs e os PEDs, ainda mais considerando que, em 1994, a ONU já contava com 185

Estados-membros, um acréscimo de mais de 30 países em relação ao final da década de

1970, quase todos eles países em desenvolvimento (UNITED NATIONS GENERAL

ASSEMBLY, 1994 a).

J. G. Speth, advogado e ambientalista americano, foi indicado pelo governo

Clinton para ser o Administrador do PNUD de 1993 a 1999. Speth foi responsável por

conduzir as reformas administrativas do programa, focadas em uma maior

descentralização em nível global. A coerência das atividades operacionais viria do

fortalecimento dos escritórios e dos programas nacionais. Para tanto, foram criados os

Quadros de Ajuda ao Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDAFs, do inglês, United

Nations Development Assistance Frameworks).

Os UNDAFs consistem em planos estratégicos de médio prazo (3 a 5 anos),

acordados entre a ONU e os governos nacionais, que definem as estratégias coletivas do

SDNU para atingir os objetivos dos planos nacionais de desenvolvimento. São definidos

objetivos específicos e resultados esperados a serem cumpridos pelas entidades do SDNU

em campo. A partir das orientações gerais dos UNDAFs, o Conselho Executivo de cada

entidade do SDNU aprova os programas nacionais em sua área de atuação.

Na ausência de um mecanismo coordenador em nível global, o Grupo de

Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG, do inglês, United Nations Development

Group) foi criado em 1997 com o propósito de alinhar a atuação de todas as entidades do

SDNU, por meio da aprovação de prioridades estratégicas que devem obrigatoriamente

ser seguidas por todos os seus membros (UNITED NATIONS DEVELOPMENT

GROUP, 2015 b, p. 2). O UNDG é liderado pelo Administrador do PNUD, responsável

por gerenciar a relação com os demais Conselhos Executivos. Isso minimizou ainda mais

o papel do ECOSOC de coordenador das agências especializadas.

228

A tendência de descentralização do SDNU em nível global e fortalecimento da

coordenação em nível nacional foi reforçada com a aprovação dos ODMs, no ano 2000.

Com essa agenda de desenvolvimento global, que deveria ser cumprida em 15 anos, a

missão do SDNU focou-se em definir metas nacionais e construir capacidades para

promover, monitorar e reportar os oito objetivos. Houve um retorno à ideia funcionalista

originária do SDNU, no sentido de que cada objetivo se focava em uma área específica

de atuação, o que levou a um aprofundamento da fragmentação do sistema. De acordo

com Wennubst e Mahn (2013, p. 18, tradução nossa187):

A natureza do paradigma do desenvolvimento – atualmente os ODMs – pode ter contribuído ainda mais para a incoerência do SDNU. Ao instigar uma abordagem de escolher o mais conveniente entre os oito objetivos (...) os ODMs seguiram uma lógica ‘funcionalista’ de compartimentação de desafios de desenvolvimento em diferentes setores funcionais e grupos-alvo associados (...).

Como resultado dessas mudanças, o SDNU possui 3 estruturas diferentes de

governança: “(...) um sistema desenhado com base nas linhas funcionalistas [fase 1],

reorientado para servir os Estados-membros [fase 2] e alinhado para alcançar metas

acordadas internacionalmente [fase 3]” (JENKS; JONES, 2013, p. 29, tradução nossa188).

Por isso, a fragmentação é endêmica ao SDNU e coloca quatro problemas de governança:

a incapacidade de criar massa crítica em assuntos específicos; a ausência de uma

perspectiva estratégica sistêmica; a existência de duplicações e ineficiências; e o estímulo

à competição entre as entidades do sistema.

Com as reformas administrativas conduzidas pelo Secretário-Geral, Kofi Annan,

nos anos 2000, a resposta à fragmentação foi aprofundar a coordenação em nível nacional,

com foco nas capacidades de gerenciamento em campo, alinhadas às prioridades

nacionais dos governos. Com o desenvolvimento da abordagem piloto chamada “Unidos

na Ação” (do inglês, Delivering as One), o propósito de longo prazo é que, no nível

nacional, haja apenas um único escritório, um único coordenador, um único programa, e

um único orçamento (UNITED NATIONS, 2017 a).

187 Do original: “The nature of the development paradigm – currently the MDGs – may have further contributed to UNDS incoherence. (...) By instigating a pick-and-choose approach among the eight goals (...) the MDGs followed a ‘functionalist’ logic of compartmentalising developmental challenges in different functional sectors and associated target groups (...)” (WENNUBST; MAHN, 2013, p. 18). 188 Do original: “(...) a system designed along functional lines, reoriented to serve member states and aligned to achieving internationally agreed goals” (JENKS; JONES, 2013, p. 29).

229

Essas mudanças exigiram um reposicionamento das demandas dos PEDs em

relação à integração da CSS às atividades operacionais para o desenvolvimento

conduzidas pelo SDNU. Para responder à fragmentação da governança, a estratégia do

G-77 foi a de propor a criação de quadros de padronização e incorporação da CSS em

âmbito sistêmico, para que a modalidade pudesse ser utilizada como uma orientação

estratégica dos UNDAFs e como um meio de implementação dos programas nacionais.

A seguir, serão apresentados os dois quadros de sistematização da CSS entre 1990

a 2007: as Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos relativos à

CTPD (1997 e 2003); e os Quadros de Cooperação para a CTPD/CSS, estabelecidos pelo

PNUD para definir o trabalho da SU-TCDC nos períodos de 1997-1999; 2001-2003; e

2005-2007. Por fim, será feito um balanço dos avanços e das barreiras à incorporação da

CTPD em seus aspectos de governança, tendo como base a primeira avaliação estruturada

do desempenho do PNUD na operacionalização da modalidade.

5.3.1 As Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos

relativos à CTPD (1997 e 2003)

No final dos anos 1980, o HLC-TCDC já havia identificado que a principal

dificuldade de incorporar a CTPD nas atividades operacionais eram as barreiras

atitudinais. Por isso, nos anos 1990, o enfoque de atuação foi o de definir diretrizes para

revisar as políticas e os procedimentos das entidades do sistema, de modo que elas

priorizassem o uso da modalidade nos quadros e programas nacionais.

O Conselho de Governadores do PNUD, em sua decisão 90/34, de 23 de junho de

1990, designou a CTPD como uma das seis áreas prioritárias de seu quinto ciclo

programático, que correspondia ao período de 1992-1996. Nesse contexto, o HLC-TCDC

recomendou ao Conselho de Governadores do PNUD, em sua decisão TCDC/7/1, de 6 de

junho de 1991, que organizasse, em 1992, um encontro especial dos pontos focais das

entidades do SDNU para fazer o rascunho das Diretrizes Revisadas para a Revisão de

Políticas e Procedimentos relativos à CTPD para melhorar a integração da modalidade na

formulação e execução dos projetos do SDNU.

Em 1993, as diretrizes foram revisadas e adotadas pelo HLC-TCDC e aplicadas

em bases experimentais. Mas, após a aprovação das Novas Direções em 1995 (que

definiram uma maior integração entre a CTPD e a CEPD, a liderança dos países-pivô e

áreas prioritárias de atuação), o HLC solicitou, na decisão TCDC/10/2, de 9 de maio 1997,

230

que essas diretrizes fossem revisadas para que tivessem maior aplicação a partir dos

resultados até então. Consultas preliminares foram feitas em 12 de maio de 1997, em

reunião organizada pela SU-TCDC com os pontos focais. E, em 17 de outubro de 1997,

as diretrizes foram aprovadas pelo ECOSOC, pelo documento E/1997/110.

As diretrizes de 1997 orientavam as modificações nos procedimentos do SDNU

para a CTPD em nove áreas: política; financiamento; dados e informação; treinamentos;

pontos focais; SU-TCDC; rede de contatos (networking); procedimentos; e formato dos

relatórios.

Na área das diretrizes políticas, os objetivos que deveriam orientar a incorporação

da CTPD nos trabalhos regulares do SDNU eram os seguintes:

i) Garantir que, na elaboração de programas e projetos de cooperação técnica, a

primeira consideração em relação aos inputs e aos meios de implementação

seja a CTPD;

ii) Focar em iniciativas estratégias, isto é, assuntos de grande prioridade, que

terão impacto em um número maior de PEDs;

iii) Promover a integração operacional entre CTPD e CEPD, como definido pelas

Novas Direções (1995);

iv) Identificar países pivô e estimular que eles sejam catalisadores das iniciativas

de CTPD;

v) Promover arranjos triangulares, conectando outras partes interessadas a essa

modalidade, como os PDs, as ONGs, as instituições de pesquisa, etc.;

vi) Auxiliar os PEDs a criar políticas e instituições nacionais e regionais para

promover a CTPD;

vii) Promover a conscientização do SDNU acerca das vantagens comparativas e

da eficácia de custo da CTPD;

viii) Colaborar com a SU-TCDC na integração da CTPD nas atividades do sistema

ONU (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997,

pp. 11-12).

Essas amplas orientações políticas deveriam ser canalizadas por cada entidade do

SDNU a partir das seguintes ações:

i) Ampliar o financiamento dos projetos que envolvam a CTPD;

ii) Documentar e disseminar informações sobre projetos inovadores, atualizando

e ampliando o uso das bases de dados e dos sistemas de informação, como o

INRES;

231

iii) Realizar treinamentos e seminários de orientação para os funcionários das

entidades, tanto na sede quanto nos escritórios nacionais;

iv) Fortalecer os pontos focais das entidades do SDNU, por meio da definição de

termos de referência que explicitem a forma de incorporação da modalidade

em suas políticas, estratégias e programas;

v) Coordenar o trabalho dos pontos focais sob a liderança da SU-TCDC, que

deve promover encontros anuais;

vi) Desenvolver uma rede de contatos para disseminar práticas inovadoras,

organizar treinamentos e fazer intercâmbios com outras agências, governos e

partes interessadas;

vii) Revisar os procedimentos internos para que a CTPD tenha a primeira

consideração no desenho, formulação, implementação e avaliação dos

programas e projetos;

viii) Reportar adequadamente o desempenho referente à implementação das

diretrizes, com avaliação quantitativa e qualitativa dos resultados (UNITED

NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, pp. 13-16).

As diretrizes foram positivamente aceitas pelas entidades do SDNU, mas o

resultado prático foi muito assimétrico. Com as diretrizes não definiram orientações

estratégicas específicas, cada entidade tinha a autonomia de implementar o que quisesse

e como quisesse, mantendo a tendência ad hoc e pouco sistematizada do processo de

incorporação da modalidade.

Por conta disso, as diretrizes foram revisadas no ano de 2003, com o propósito de

estabelecer orientações sistêmicas e uma abordagem coordenada para a incorporação da

CTPD. A estruturação das diretrizes seguiu as mesmas oito áreas estabelecidas em 1997,

contendo os seguintes acréscimos:

i) O INRES foi transformado na Rede de Informação para o Desenvolvimento

(WIDE, do inglês, Web of Information for Development), um portal online

com a função de aglutinar as várias bases de dados sobre a CTPD, garantindo

sua atualização e revisão sistemáticas;

ii) Os treinamentos com os funcionários das entidades do SDNU deveriam ser

focados nas seguintes áreas: métodos e abordagens de promoção da CTPD;

aplicação da modalidade e procedimentos operacionais; vantagens

comparativas de custo; e procedimentos para negociar e implementar acordos

de CTPD em âmbito bilateral e multilateral;

232

iii) As funções dos pontos focais foram mais especificadas. Eles deveriam:

auxiliar na formulação de políticas, programas e estratégias de CTPD;

coordenar o monitoramento e a produção de relatórios sobre a modalidade;

prover informações e recomendações para os escritórios nacionais sobre

CTPD; identificar e disseminar abordagens inovadoras nos âmbitos

promocional e operacional, por meio de treinamentos; e coordenar seus

trabalhos com as outras entidades do SDNU;

iv) A SU-TCDC deveria cumprir as seguintes funções sistêmicas: promover a

coordenação e consulta entre os pontos focais do SDNU; organizar encontros

anuais com os pontos focais; coordenar ações entre os pontos focais do SDNU

e os pontos focais nacionais e setoriais; e ter papel proativo dentro do sistema

ONU para expandir a aplicação da CTPD e CSS;

v) As redes de contato e comunicação promovidas pelos PEDs se tornaram

extremamente ativas nos anos 2000; por isso, o sistema deveria tomar

medidas para sustentar e promover essas redes por meio da documentação e

disseminação de práticas de possível replicação; e da identificação e do

recrutamento de especialistas do Sul para trabalhar em outros PEDS;

vi) Os procedimentos para a formulação e implementação dos projetos e

programas precisariam ser revisados por cada uma das entidades do SDNU

para integrar a CTPD, de modo que ela fosse considerada como primeira

opção nesse processo. Especialmente os escritórios nacionais do PNUD

deveriam reforçar o uso da modalidade;

vii) A capacidade de avaliação e construção de relatórios por parte do SDNU

deveria ser reforçada para que a AGNU e o HLC-TCDC pudessem

efetivamente promover a integração da CTPD (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION

AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2003 b, pp. 11-16).

A principal inovação das Diretrizes Revisadas de 2003 foi a criação de indicadores

para avaliar o progresso das entidades do SDNU em relação à sua implementação.

Inspirado na ideia dos próprios ODMs, cujo acompanhamento pelas diferentes partes do

SDNU era feito por indicadores específicos, o quadro de resultados comuns deveria ser

utilizado para mensurar o progresso e os resultados da integração da CTPD em base

sistêmica, e criar uma compreensão comum sobre a modalidade. Os indicadores

envolviam dados quantitativos e qualitativos em três áreas:

233

i) Indicadores normativos:

a. Indicar se CTPD é uma política corporativa, refletida nos manuais de

programas e operações;

b. Indicar se a CTPD e a CEPD estão integradas como uma estratégia do

UNDAF ou dos programas nacionais;

c. Existência de pontos focais;

d. Desenvolvimento de atividades promocionais;

e. Discriminação do financiamento para a CTPD e a CEPD nos orçamentos

regulares;

ii) Indicadores de resultados operacionais:

a. Apoio aos PEDs no seguimento de conferências globais por meio de

arranjos de CTPD e CEPD;

b. Promoção de diálogos, trocas intelectuais, matchmaking de capacidades

e necessidades, feiras de negócio, promoção de comércio e investimentos

Sul-Sul;

c. Tipos e números de redes Sul-Sul ou centros de excelência apoiados;

d. Promoção de esquemas regionais de CTPD e CEPD;

e. Realização de atividades que envolvam o setor privado e ONGs;

f. Transferência concreta de tecnologias, capacidades e conhecimento Sul-

Sul como resultado da intervenção direta da entidade do SDNU;

iii) Abordagens inovadoras em CTPD e CEPD:

a. Abordagens inovadoras que expandiram a modalidade nas seguintes

áreas: comércio, investimento, finanças, indústria, agricultura, segurança

alimentar, energia, meio ambiente, saúde, população, informação e

comunicação;

b. Identificação, disseminação e replicação de melhores práticas;

c. Abordagens inovadoras na mobilização de recursos;

d. Abordagens inovadoras para expandir parcerias, especialmente com

ONGs e o setor privado.

Assim como as diretrizes de 1997, as de 2003 foram recebidas positivamente pelas

entidades do SDNU, mas elas fizeram nenhum ou pouco uso dos indicadores. O PNUD,

por exemplo, não utilizou nenhum desses indicadores para avaliar seu trabalho na área da

CTPD, como será visto na seção a seguir.

234

5.3.2 A relação entre o PNUD e a SU-TCDC e os Quadros de Cooperação para

a CTPD (1997-1999; 2001-2003; 2005-2007)

Se nos anos 1960 o PNUD era visto como o grande aliado do Terceiro Mundo na

disputa Norte x Sul, com as mudanças no processo de tomada de decisão do programa,

vários PEDs passaram a ver com desconfiança o maior peso dos doadores na definição

de sua agenda, incluindo preocupações como boa governança, democracia e direitos

humanos. Essa desconfiança, na área da CTPD, se traduziu em um esforço do G-77 de

fortalecer a SU-TCDC e torná-la mais autônoma em relação às decisões do Conselho

Executivo do PNUD.

Na resolução A/RES/52/205, de 18 de dezembro de 1997, a AGNU, por

recomendação do HLC-TCDC, decidiu que a SU-TCDC deveria ter uma identidade

separada em relação ao PNUD. Com isso, houve uma mudança em seu mandato: se na

fase 2, a SU-TCDC era o ponto focal do PNUD para a CTPD, e o PNUD era o ponto focal

do SDNU; agora, ainda que hospedada no PNUD, sua identidade separada resultaria em

um mandato de coordenação da CTPD em âmbito sistêmico.

Com o propósito de estruturar o trabalho sistêmico da SU-TCDC e sua relação

com o PNUD, o Conselho Executivo do programa passou a aprovar, em bases trienais, os

chamados Quadros de Cooperação para a CTPD/CSS. Esses quadros teriam como

objetivo revisar os resultados definidos anteriormente e as estabelecer diretrizes

estratégicas e os arranjos gerenciais e financeiros para o período posterior.

5.3.2.1 Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD (1997-1999)

O Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD cobriu o período de 1997-1999.

De diretrizes simples, o Quadro estabeleceu que, além de atividades promocionais, a SU-

TCDC deveria orientar seu trabalho para o avanço da CTPD como uma estratégia de

desenvolvimento dos PEDs.

Por meio de programas e projetos que garantissem a execução nacional ou por

outros PEDs, o núcleo da estratégia apresentou as áreas temáticas que seriam o foco do

trabalho da SU, dentro das orientações da estratégia Novas Direções:

i) Erradicação da pobreza: a estratégia nessa área deveria se basear em

intervenções específicas em nível local e ações para lidar com causas

235

estruturais da pobreza. As soluções seriam buscadas pela SU-TCDC em

outros PEDs;

ii) Meio ambiente: replicação de experiências de gerenciamento urbano bem-

sucedidas que foram catalogadas pela SU-TCDC;

iii) Produção e emprego: foco em achar soluções que pudessem aumentar a

produtividade e permitir que os PEDs concorressem na economia global,

como o fortalecimento do intercâmbio entre pequenas e médias empresas;

iv) Comércio, investimento e gerenciamento macroeconômico: medidas para

fortalecer o potencial comercial dos PEDs, especialmente diante da

liberalização conduzida pela Organização Mundial do Comércio. Na área

de gerenciamento macroeconômico, o objetivo era o de aumentar a troca

de experiências sobre como superar os problemas oriundos dos ajustes

neoliberais (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS

POPULATION FUND, 1996, pp. 4-7).

Essas diretrizes exigiam um trabalho conjunto entre a SU-TCDC e o PNUD. O

diretor da Unidade Especial deveria participar dos processos de tomada de decisão do

PNUD relacionados à definição de políticas e assuntos operacionais e à aprovação de

projetos e programas. Já o PNUD deveria fortalecer a SU-TCDC, por meio de maior apoio

financeiro e de funcionários, e reorientar suas atividades para a CTPD, seguindo as

Diretrizes Revisadas de 1997.

Em 2000, o Conselho Executivo do PNUD realizou uma revisão dos resultados

de implementação do primeiro Quadro. Dentre os resultados positivos, verificou-se um

crescimento do apoio do SDNU à modalidade, e, especificamente no caso do PNUD,

houve aumento do componente de CTPD nos programas nacionais e maior ênfase à CSS

nos programas globais.

A revisão apontou três lições positivas dos esforços de integração da CTPD no

período de 1997-1999. Em primeiro lugar, que os programas de CTPD eram mais efetivos

quando focavam em temas de preocupação de vários países, pois permitiam um maior

intercâmbio entre os PEDs e facilitavam a criação de uma estratégia coletiva e

institucional para lidar com problemas que afetam um grande número de países. A

segunda lição foi a constatação de que era mais eficiente conectar diferentes redes de

conhecimento entre os PEDs, como foi feito pelo WIDE, do que apenas compilar as

informações, como era com o INRES. No período, o WIDE conectou 20 bases de dados

236

na África, Ásia e Europa Ocidental, e 34 websites nacionais de CTPD, a maior parte

originária de países menos desenvolvidos. Isso facilitou o uso das soluções do Sul nos

programas nacionais. A terceira lição foi que programas de CTPD eram mais efetivos

quando criavam parcerias amplas: quando vários parceiros compartilhavam o processo

de desenho, financiamento e implementação dos projetos, havia maior robustez, dinâmica

e controle nacional (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION

FUND, 2000, pp. 4-5).

Por outro lado, em relação às limitações na implementação do Quadro, a revisão

notou que a CTPD não foi adequadamente integrada nas atividades operacionais do

PNUD e do SDNU. No nível de políticas, as capacidades institucionais para definição e

implementação dos projetos de CTPD eram muito assimétricas entre os PEDs e as

entidades do SDNU. Embora tivessem sido definidas, em 1997, diretrizes específicas para

o uso da modalidade da CTPD, constatou-se que os UNDAFs não davam preferência à

CTPD, e não havia coordenação em campo. E a atuação da SU-TCDC ficou aquém do

esperado porque seu mandato era muito amplo em comparação aos seus recursos

humanos e financeiros (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION

FUND, 2000, p. 6).

Dessas lições, o Segundo Quadro deveria ser orientado para políticas e estratégica,

para além das atividades tradicionais promocionais de CTPD, catalisando novas

abordagens para efetivamente integrar a modalidade no trabalho do SDNU.

5.3.2.2 Segundo Quadro de Cooperação para a CTPD (2001-2003)

A situação dos anos 2000 era bastante diferente da década anterior: se nos anos

1990 os efeitos negativos da globalização haviam tornado a cooperação entre os PEDs

um assunto urgente, no sentido de criar e compartilhar capacidades para que eles

pudessem se inserir na economia global, nos anos 2000 os PEDs já haviam construído

certos conhecimentos, experiências e capacidades relevantes para formular políticas de

desenvolvimento e estabelecer instituições dinâmicas, tornando a CSS mais viável.

Isso exigiu do PNUD que o Segundo Quadro de Cooperação, para o período de

2001-2003, fosse mais robusto e estratégico que o anterior, para que o SDNU pudesse

efetivamente ser uma plataforma para as conexões Sul-Sul. Foram definidos três níveis

237

de apoio em relação à integração da CTPD: a definição de áreas de intervenção

específicas; o estabelecimento de indicadores de sucesso; e o fortalecimento dos arranjos

gerenciais.

No primeiro nível de apoio, referente à definição de áreas de intervenção

específicas, a avaliação era que iniciativas limitadas e recortadas teriam maior potencial

de replicar modelos de CTPD. Além disso, com um foco restrito, a SU/TCDC poderia

fazer melhor uso de suas capacidades e entregar mais. Por isso, o Segundo Quadro duas

áreas de atuação para a Unidade Especial: a mobilização do apoio global para a CSS; e a

catalisação de modelos inovadores CTPD.

Para a primeira área de atuação, o objetivo era o de criar mecanismos para

fortalecer as capacidades coletivas dos PEDs em promover a CTPD. Três áreas de

intervenção foram estabelecidas, com resultados esperados específicos para cada uma

delas:

i) Apoio ao diálogo político e à criação de consenso Sul-Sul: por meio de fóruns

de diálogo político, análises e publicações que expressem as perspectivas do

Sul, os resultados esperados eram ampliar a participação efetiva dos PEDs

nos processos multilaterais; ampliar o controle nacional sobre os programas

de cooperação técnica; e sistematizar práticas bem-sucedidas;

ii) Fortalecimento dos esforços multilaterais de CSS: por meio inclusão da

CTPD nos UNDAFs e em outros quadros nacionais, regionais e globais, os

resultados esperados eram fazer com que o SDNU cumprisse as diretrizes de

integração da CTPD em suas atividades operacionais e desenvolvesse

modelos de CSS que possam ser replicados por outras organizações do

SDNU;

iii) Apoio ao compartilhamento de informações de desenvolvimento Sul-Sul: por

meio do fortalecimento do WIDE, os resultados esperados eram conectar

outras bases de dados Sul-Sul, aumentar o conteúdo de soluções e

especialistas do Sul e melhorar o acesso dos países e dos escritórios nacionais

do PNUD às informações armazenadas nessa rede (EXECUTIVE BOARD

OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF

THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 a, pp. 8-9).

Já a segunda área de atuação, de catalisação de modelos inovadores de CSS,

apresentava três áreas de intervenção:

238

i) Apoio para aumentar a CEPD: promover a cooperação nas áreas de comércio,

finanças e investimentos e estabelecer parcerias inter-regionais estratégicas

em áreas para além da cooperação técnica;

ii) Apoio à CSS nas áreas de desenvolvimento social: fortalecer as capacidades

do Sul em formular políticas nas áreas sociais, para mitigar efeitos negativos

da globalização, utilizando-se de soluções bem-sucedidas e troca de

experiências;

iii) Apoio à Cooperação Sul-Sul em ciência e tecnologia para a erradicação da

pobreza: a SU/TCDC deveria desenvolver uma plataforma Sul-Sul entre

instituições e centros de excelência do Sul, para aumentar a utilização de

conhecimento do Sul (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS

POPULATION FUND, 2000 a, pp. 9-11).

O segundo nível de apoio consistia na promoção do uso dos indicadores de

mensuração dos resultados de integração da CTPD ao SDNU, dentro do bojo das metas

e indicadores de avaliação dos ODMs. Três indicadores gerais de sucesso deveriam ser

usados: aumento do uso da CTPD nos trabalhos das entidades do SDNU (aumento do

número de PEDs provedores de CSS; aumento no número de parcerias e recursos;

aumento no número de modelos desenvolvidos e replicados); aumento da cooperação

econômica Sul-Sul; aumento da cooperação social; aumento da cooperação em ciência e

tecnologia.

No terceiro nível de apoio, referente aos arranjos gerenciais, eles foram mais

aprofundados que no Primeiro Quadro, com o propósito de esclarecer os papeis

complementares entre a SU-TCDC e o PNUD. A SU-TCDC ficou responsável por

promover, planejar, conduzir e atuar como catalisadora de novos modelos de CTPD,

incluindo o desenvolvimento de diretrizes para integrar a CTPD nos UNDAFs e em outros

quadros estratégicos. A avaliação dos resultados, por meio dos indicadores gerais de

sucesso, também seria feita pela SU-TCDC. Como o coordenador sistêmico da CTPD, a

unidade deveria reinstitucionalizar os pontos focais do SDNU, uma vez que os encontros

entre eles não ocorreram com a frequência e os resultados desejados. Quanto ao PNUD,

sua ênfase seria nas operações nacionais, mobilizando a rede de conhecimento e soluções

Sul-Sul no desenho e na execução dos projetos em campo.

Em 2003, foi realizada a avaliação dos resultados da implementação do Segundo

Quadro. Em relação à mobilização do apoio global à CSS, a aprovação das Diretrizes

239

Revisadas de 2003 foi considerada o maior sucesso nessa área, pois definiu-se um quadro

de indicadores mais claros para conduzir e mensurar a integração da modalidade. As

iniciativas desenvolvidas tiveram resultados demonstráveis para exibir a relevância da

CSS, podendo ser replicadas.

Quanto às dificuldades, foram mencionadas a falta de abordagens específicas para

trabalhar com as diferenças e assimetrias entre os PEDs; as tensões referentes ao uso do

paradigma da eficácia da ajuda para conduzir a CSS, conforme solicitado pelo CAD-

OCDE; e a falta de uma maior conexão entre os programas do PNUD e de outras entidades

do SDNU (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp.

6-7).

5.3.2.3 Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007)

O Terceiro Quadro de Cooperação foi estabelecido no contexto de substituição do

uso dos termos CTPD e CEPD para a única expressão CSS. Cobrindo o período de 2005-

2007, essa fase foi marcada pela transformação na geografia do comércio internacional,

com a melhora expressiva do desempenho econômico, comercial e financeiro dos PEDs.

Na área da CSS, houve o aprofundamento e a sofisticação das parcerias. Por isso, o

Quadro teve como foco o compartilhamento de conhecimento, experiências e tecnologia

entre os PEDs.

Da perspectiva do SDNU, o Quadro deveria enfrentar o caráter ad hoc de suas

iniciativas, por meio de três plataformas políticas e de apoio operacional. A plataforma 1

estava relacionada ao desenvolvimento de políticas, pesquisa, diálogo e integração

operacional da modalidade; a plataforma 2, à criação de um ambiente favorável e de

mecanismos para aumentar a CSS nas áreas de negócios e intercâmbio de tecnologias

para a redução da pobreza; e a plataforma 3, à promoção do compartilhamento de

conhecimento e soluções Sul-Sul.

Para a plataforma 1, o principal objetivo era aprofundar o diálogo político entre

os PEDs, com maior engajamento da SU-SSC. Por meio desse diálogo, a Unidade

Especial deveria trazer a CSS para o centro dos trabalhos das entidades do SDNU. Nesse

sentido, seu papel político deveria ser mais proativo, influenciando a negociação e

definição de políticas do SDNU e oferecendo serviços de aconselhamento aos governos,

aos escritórios nacionais do PNUD e à outras organizações do sistema. Nessa plataforma

240

também estariam concentradas as atividades de incorporação da CSS desenvolvidas pela

Unidade Especial, por meio da criação de metodologias de matchmaking, programas Sul-

Sul com capacidade de replicação, e instrumentos educacionais e de treinamento

(EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp.

8-10).

A plataforma 2 estabeleceu duas áreas de atuação: a promoção de negócios entre

os PEDs, com maior envolvimento do setor privado; e o intercâmbio de tecnologias

focadas em reduzir a pobreza. Essas duas áreas visavam integrar as modalidades de

cooperação técnica e cooperação econômica, diante do contexto de fortalecimento da CSS

(EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp.

10-11).

Já a plataforma 3 buscava aprofundar o compartilhamento de conhecimento e

soluções do Sul, uma vez que, nesse período, eles se tornaram mais abundantes e

complexos. Essa plataforma possuía três iniciativas interligadas:

i) Centro global de contatos entre os centros de excelência do Sul: a SU-SSC

deveria conectar centros de excelência capazes de compartilhar iniciativas,

melhores práticas e soluções em áreas críticas. O uso dos escritórios do

PNUD seria fundamental para aproximar as partes;

ii) Base de especialistas do Sul: desenvolvimento de uma base de dados

específica para a sistematização de especialistas do Sul, facilitando as

conexões entre os PEDs;

iii) Sistema interativo de disseminação de melhores práticas e soluções bem-

sucedidas: criação de esse sistema corporativo do PNUD, que deveria

sistematizar seu conhecimento e difundi-lo por todo o SDNU (EXECUTIVE

BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME

AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp. 12-

13).

Pela primeira vez, o Quadro de Cooperação estabeleceu seis meios de

implementação, que eram:

i) Estabelecer três programas principais, com enfoque na implementação dos

ODMs;

ii) Fortalecer o papel político e de disseminação de informações da SU-SSC;

241

iii) Fortalecer a colaboração entre as unidades do PNUD no compartilhamento

de especialistas, centros de excelência e soluções do Sul;

iv) Fortalecer parcerias entre as entidades do SDNU e outras partes interessadas;

v) Estabelecer mecanismos intra-regionais e inter-regionais para facilitar a

implementação do Quadro;

iv) Remodelar e expandir o WIDE para facilitar o intercâmbio de conhecimento

e informação (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS

POPULATION FUND, 2005, pp. 13-15).

Os arranjos gerenciais do Terceiro Quadro enfocaram em uma reestruturação da

SU-SSC, para que ela pudesse efetivamente ter o papel de supervisão sistêmica, se

tornando um centro de gerenciamento de conhecimento complementar aos sistemas do

PNUD e do SDNU. Porém, a atuação da SU na implementação do quadro foi limitada.

Em uma avaliação sobre o desempenho da SU-SSC na implementação do Terceiro

Quadro especificamente no PNUD, com exceção da preparação das Diretrizes Revisadas

de 2003, nenhum outro objetivo foi atingido, conforme resumido no quadro abaixo:

Quadro 6 – Resultados do desempenho da SU-SSC na implementação do Terceiro

Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007) no PNUD

Compromissos do 3º quadro Resultado

Preparar instrumentos de CSS para os programas

Nenhum escritório do PNUD avaliado tinha conhecimento desse compromisso

Preparar instrumentos de supervisão e diretrizes para incluir a CSS nos programas

Parcialmente atingido: as Diretrizes Revisadas de 2003 foram feitas, mas o PNUD não usou os indicadores determinados nas diretrizes

Preparar ferramentas de monitoramento e avaliação

Não há registro de que esse compromisso foi cumprido

Instrumentos educacionais e de treinamento

Não há registro de que esse compromisso foi cumprido

Disseminação de materiais promocionais Não há registro de que esse compromisso foi cumprido

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 26.

242

5.3.2.4 Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-2011)

Na avaliação de implementação do Terceiro Quadro, notou-se que a SU-SSC não

havia conseguido alavancar satisfatoriamente as capacidades do PNUD e do SDNU em

relação ao uso da CSS para atingir os ODMs. Por isso, em 2008, por ocasião da elaboração

do Quarto Quadro de Cooperação para a Cooperação Sul-Sul (2009-2011), o foco foi

mobilizar as experiências e soluções do Sul-Sul como meios de implementação dos

ODMs.

Foram definidas três plataformas de atuação da SU-SSC no período, e, para cada

área, pela primeira vez foram estipulados os resultados institucionais e resultados de

desenvolvimento esperados:

i) Plataforma 1 – Desenvolvimento de políticas e promoção da modalidade:

o objetivo era o de promover a integração da CSS nas estratégias de

desenvolvimento nacionais e nas atividades operacionais do SDNU, com

foco nos ODMs. Os resultados institucionais esperados envolviam

fortalecer a capacidade de pesquisa e monitoramento da SU-SSC e auxiliar

as entidades do SDNU – especialmente o PNUD – a desenvolver políticas

corporativas para a CSS. Os resultados esperados de desenvolvimento

eram melhorar a implementação dos ODMs (EXECUTIVE BOARD OF

THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF

THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2008, pp. 9-10);

ii) Plataforma 2 – Mobilização de conhecimento para aprendizagem mútua:

o objetivo era o de coletar e compartilhar o conhecimento Sul-Sul, com

foco nos ODMs. Os resultados institucionais esperados envolviam o

fortalecimento de redes de comunidades de práticas por meio do SS-

GATE, ampliando a catalogação de especialistas, metodologias e soluções

Sul-Sul. Os resultados de desenvolvimento esperados eram o aumento

quantitativo e qualitativo no uso de especialistas e soluções do Sul, bem

como um melhor matchmaking entre as soluções ofertadas e demandadas

(EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION

FUND, 2008, pp. 10-11);

243

iii) Plataforma 3 – Inovação para ampliar o impacto: o objetivo era o de criar

parcerias inovadoras, incluindo cooperação triangular, parcerias público-

privadas e outras partes interessadas. Os resultados institucionais

esperados eram a consolidação do SS-GATE como um portal de soluções

inovadoras e mais complexas, com base em tecnologia; e aumentar o

número de pontos focais. Quanto aos resultados de desenvolvimento, o

foco eram iniciativas replicáveis para a redução da pobreza (EXECUTIVE

BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION

FUND, 2008, pp. 11-12);

Na avaliação dos resultados do Quarto Quadro, foi registrado uma melhora da

articulação do UNOSSC em firmar parcerias com as entidades do SDNU e engajá-las em

suas plataformas de sistematização de conhecimento Sul-Sul. Mas ainda permaneceu o

problema do caráter ad hoc e fragmentado da implementação do Quadro, sem

monitoramento e relatórios sistemáticos.

Se no começo dos anos 1990 o diagnóstico para a fraca operacionalização da ideia

de CTPD/CSS era a falta de orientações políticas e estratégicas, não se poderia dizer o

mesmo em 2008. Entretanto, depois de três décadas de aprovação do BAPA, o uso da

modalidade pelo sistema ainda continuava aquém do esperado. Com o objetivo de

averiguar essa questão, o PNUD conduziu uma avaliação independente sobre sua

contribuição na incorporação da CSS, esclarecendo as dificuldades de operacionalização.

5.3.3 A avaliação do PNUD sobre sua contribuição para a integração da CSS

(1996-2007)

O relatório “Parcerias Sul-Sul – Avaliação da contribuição do PNUD para a

Cooperação Sul-Sul189”, lançado em dezembro de 2017 pelo Escritório de Avaliação do

PNUD, analisou o período de 1996 a 2007. Foram entrevistadas 248 partes da estrutura

do PNUD, e 149 respostas de 51 escritórios nacionais foram analisadas. A avaliação

tomou como premissa que o PNUD é uma das entidades do SDNU mais bem posicionadas

para a promoção da CSS, em virtude de sua vasta presença, sua neutralidade, seu

189 Do original: “South-South Partnerships – Evaluation of UNDP contribution to South-South Cooperation”.

244

conhecimento e sua capacidade de parceria. Além disso, é uma das entidades com a mais

antiga e vasta experiência da CSS, e desde sua criação está envolvida em amplas trocas

de experiência entre os PEDs.

Apesar desse potencial, a avaliação foi que as barreiras à incorporação da CSS às

atividades operacionais do PNUD não são muito diferentes daquelas identificadas nos

anos 1980: após três décadas, ainda não havia um entendimento comum da burocracia do

PNUD sobre o que é uma atividade de CSS. Para alguns funcionários, a CSS é

simplesmente usar consultores do Sul nos projetos do PNUD. Outros, além de

desconhecer o conceito da modalidade, apresentam uma compreensão inadequada sobre

o valor da CSS no nível operacional, em relação às suas vantagens de custo-benefício. De

acordo com o relatório: “(...) muitos escritórios nacionais do PNUD usam as redes de

conhecimento para buscar expertise e soluções do Sul para os desafios do

desenvolvimento, mas não pensam neles como cooperação Sul-Sul” (UNITED

NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 22, tradução nossa190).

A principal explicação do Escritório de Avaliação para esse desconhecimento

conceitual da CSS é que, embora a posição declaratória do PNUD coloque a CSS como

uma prioridade, de fato, a modalidade não é uma prioridade estratégica, no sentido de ser

incluída na estratégia corporativa do programa, responsável por definir resultados claros

e modalidades de engajamento.

Isso explica porque apenas 13 dos 23 programas nacionais aprovados em 2006 se

referiram à CSS como área de enfoque; apenas 29% dos UNDAFs dos países

entrevistados mencionavam a CSS como um componente do quadro de cooperação; e

apenas 31% dos escritórios nacionais tinham um ponto focal destinado à promoção da

CSS, conforme os dados apresentados no quadro a seguir (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 22; p. 51; p. 54).

190 Do original: “many UNDP country offices use the knowledge networks to seek South-based expertise and solutions to development challenges but do not think of them as South-South cooperation” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 22).

245

Quadro 7 – Incorporação da CSS nos UNDAFs a presença de pontos focais nos

escritórios nacionais

Sim Não

A promoção da CSS é um objetivo do UNDAF em seu país?

29% 71%

Seu escritório tem um ponto focal designado para a CSS?

31% 69%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 51; p. 54).

Além da ausência da modalidade nos quadros de orientação dos programas

nacionais, a avaliação identificou que o apoio do PNUD é inadequado naqueles países em

que a CSS é uma prioridade nacional e está mencionada nos UNDAFs. Na pesquisa

realizada, menos da metade dos coordenadores residentes responderam que a CSS é

claramente explícita em seu mandato (43%), enquanto 37% mencionaram que a

modalidade é de alguma forma compreendida em seu mandato (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 51).

Nos programas em que o mandato de CSS é explícito, não há procedimentos claros

para a operacionalização da modalidade. No PNUD, é necessário haver uma linha de

serviço no quadro de financiamento plurianual para guiar os projetos, mas essa linha não

existe para a CSS. Até 2007, a única orientação disponível para a operacionalização eram

as Diretrizes Revisadas de 2003, mas elas não foram utilizadas pelos escritórios nacionais

do PNUD.

Por isso, os casos de sucesso da CSS nos programas do PNUD dependeram

prioritariamente do conhecimento e das iniciativas individuais dos coordenadores

residentes, o que explica porque a atuação do PNUD é reativa e não proativa, ad hoc e

não sistêmica. Isso fica explícito na avaliação dos coordenadores residentes sobre a

contribuição do PNUD para a promoção da CSS: apenas 2% daqueles que participaram

das entrevistas consideravam que a atuação geral do programa nos últimos 5 anos foi

muito eficaz. A área de maior destaque é a de intercâmbio de conhecimento,

correspondente a 11%, e, mesmo assim, é uma avaliação muito ruim considerando que

essa é a área-chave do PNUD: as redes de conhecimento promovidas pelo programa

expandiram de 8.916 em 2003 para 28.997 em 2007 (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 25). A avaliação dos coordenadores

246

residentes sobre a eficácia do PNUD na promoção da modalidade em diferentes áreas

pode ser vista no quadro a seguir:

Quadro 8 – Avaliação dos coordenadores residentes acerca da contribuição do

PNUD para a CSS (2003-2007)

1

(Nada eficaz)

2 3 4 5

(Muito eficaz)

Promoção da modalidade

14% 29% 40% 17% 1%

Aconselhamento e apoio político

13% 31% 35% 20% 1%

Promoção de parcerias público-

privadas 19% 39% 28% 11% 3%

Intercâmbio de conhecimento

14% 21% 33% 22% 11%

Eficácia geral 15% 29% 39% 16% 2%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 52).

Outro gargalo é a incapacidade do PNUD em criar um quadro de avaliação de sua

contribuição para a CSS. Nas entrevistas, 90% dos coordenadores residentes afirmaram

que não houve avaliações baseadas em indicadores nos últimos 5 anos. O conhecimento

tácito da experiência em campo dos escritórios, fundamental para as soluções Sul-Sul, se

perde pela ausência de sistemas de prestação de contas adequados para avaliar os

resultados da CSS. Considerando que o PNUD é uma das entidades do SDNU que mais

trabalha com relatórios, indicadores e mecanismos de avaliação, a ausência de

ferramentas para avaliar o progresso da CSS demonstra a baixa prioridade corporativa da

modalidade.

Nesse aspecto, entende-se também a falta de conhecimento dos escritórios

nacionais do PNUD em relação ao trabalho da SU-SSC. Nas entrevistas conduzidas pelo

Escritório de Avaliação, 57% dos times nacionais responderam que não estão

familiarizados com o trabalho da SU, e 37% afirmaram que estão pouco familiarizados.

Ademais, dentre aqueles familiarizados, os coordenadores residentes acreditavam que as

247

ações da Unidade Especial eram mais eficazes em outras agências da ONU, que não o

PNUD, como mostra o quadro a seguir:

Quadro 9 – Avaliação dos coordenadores residentes sobre a eficácia da SU-SSC em

integrar a modalidade em seu país, no PNUD e em outras agências da ONU

1

(Nada eficaz)

2 3 4 5

(Muito eficaz)

No país 33% 31% 30% 6% 0%

No PNUD 7% 35% 36% 20% 2%

Em outras agências da ONU

16% 48% 24% 12% 0%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 53).

Considerando que a Unidade Especial sempre foi institucionalmente hospedada

no PNUD, e, até os anos 1990, era o ponto focal do PNUD para a promoção da CSS, o

desconhecimento dos coordenadores residentes acerca do trabalho da Unidade demonstra

as dificuldades de comunicação e trabalho conjunto entre ambas as entidades. Desde os

anos 1990, com exceção às transações financeiras, não há colaboração sistemática entre

o PNUD e a SU-SSC – e a descentralização da governança do SDNU estimulou a

concorrência entre eles. Há algumas conversas e trocas informais de experiência, e os

funcionários de ambas as organizações tentam manter um ambiente cordial, mas o fato é

que não há colaboração para promover a coordenação sistêmica da CSS nas atividades da

ONU e nas iniciativas de integração das modalidades em âmbito nacional.

De acordo com a avaliação, uma das explicações para esse baixo perfil da SU-

SSC em relação aos escritórios do PNUD é que ela não consegue mobilizar esforços

sistemáticos para identificar as demandas coletivas dos países engajados em promover a

modalidade. A maioria dos projetos são ad hoc, em geral encomendados por países

específicos, e não há avaliações para racionalizar ou priorizar as escolhas.

Mas as limitações do trabalho da SU-SSC também são resultantes dos escassos

recursos humanos e financeiros. Em relação ao número de funcionários da SU, desde os

anos 1980 o HLC solicita ao Administrador do PNUD que a Unidade seja fortalecida

adequadamente, e, em 2007, mesmo com o mandato sistêmico de ser o ponto focal da

248

CSS para todo o SDNU, o número de funcionários era o mesmo de 1998, como mostra o

quadro a seguir:

Quadro 10 – Número de funcionários da SU-SSC em 1998 e 2007

Diretores Profissionais Consultores Especiais

Serviço Geral

Total

1998 3 7 12 7 29

2007 4 7 14 4 29

Fonte: UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 13.

Já o PNUD tem uma presença global, pode atuar em nível nacional e tem a

capacidade de promover parcerias. Mas o programa não trabalha com a SU-SSC para

codificar suas práticas em campo; e, da mesma forma, a Unidade Especial não mobiliza

a rede de escritórios nacionais do PNUD para coordenar os esforços de promoção da CSS.

Considerando que o PNUD e a SU-SSC não alavancam seus esforços e capacidades

coletivos, não é de se espantar que os resultados de implementação das Diretrizes

Revisadas e dos Quadros de Cooperação tenham sido insatisfatórios. Da mesma forma,

não é de se espantar que a SU-SSC não tenha a capacidade sistêmica de fortalecer e

coordenar os pontos focais das demais entidades do SDNU, reforçando a fragmentação e

o caráter ad hoc da integração da CSS no sistema.

Os resultados dessa avaliação coincidiram com o período de preparação para a

realização da Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul, em Nairóbi,

em 2008, que foi um momento crucial para a redefinição da governança do SDNU para a

CSS. No próximo capítulo, serão discutidas as lacunas dessa governança no período de

2008-2015.

249

CAPÍTULO 6 – AS LACUNAS DA GOVERNANÇA DO SDNU PARA

A INCORPORAÇÃO DA CSS (2008-2015)

O capítulo tem como objetivo discutir as tensões recentes acerca da incorporação

da CSS nas atividades operacionais para o desenvolvimento conduzidas pelo SDNU no

período de 2008-2015, apresentando cinco lacunas na governança do sistema para a CSS:

de conhecimento, normativas, institucionais, políticas (policy) e de cumprimento

(compliance).

A partir de 2008, a CSS ganhou um interesse renovado na agenda de

desenvolvimento do SDNU, em virtude da liderança das potências emergentes. Tais

potências vocalizaram uma demanda cada vez mais consistente para que houvesse um

maior engajamento por parte do SDNU na operacionalização da CSS, aproveitando-se

dos potenciais desse sistema em promover a modalidade, como sua rede de escritórios

nacionais, seu conhecimento em campo e sua capacidade de mobilizar parcerias e

financiamento.

A Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul e seu Resultado

de Nairóbi, em 2009, relançaram o debate de incorporação operacional da modalidade ao

SDNU, no sentido de ir além do compromisso verbal e conduzir as mudanças necessárias

na governança para a realização de tal integração. Mas essa discussão ocorreu em um

momento altamente politizado, de grandes tensões Norte x Sul, devido ao contexto de

crise econômica e financeira global e de negociação da nova agenda de desenvolvimento

da ONU, pós-2015.

Nesse sentido, o capítulo discutirá primeiramente as lacunas de conhecimento,

pois a SU-SSC/o UNOSSC ainda precisa sistematizar o funcionamento e as boas práticas

de CSS envolvidas em suas atividades em campo. Além disso, serão apresentados os

esforços do Fórum de Cooperação para o Desenvolvimento para provar, por meio de

estudos, que a CSS traz um valor adicionado efetivo ao desenvolvimento dos países.

Depois, em relação às lacunas normativas, será analisado o interesse das potências

emergentes em criar um novo quadro de normas internacionais para a área da cooperação

internacional para o desenvolvimento, em contraposição à dominância das normas

definidas pelo CAD-OCDE. Para tanto, serão apontadas as dificuldades em conduzir tais

mudanças normativas no HLC-SSC, na Segunda Comissão da AGNU, e no Conselho

Executivo do PNUD, devido às características do processo de tomada de decisão.

250

Para as lacunas institucionais, será analisado o lugar institucional da promoção da

CSS no SDNU, que é o Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul

(UNOSSC, do inglês United Nations Office on South-South Cooperation), a antiga

Unidade Especial. O UNOSSC se tornou o ponto focal da CSS para todo o SDNU, mas

continua hospedado no PNUD. Serão discutidas as propostas para alterar a posição

institucional do escritório, e as vantagens e desvantagens dessa mudança.

Ademais, será analisado o papel do Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e

Triangular do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do inglês, United Nations

Development Group Task Team on South-South and Triangular Cooperation), criado em

2014 com o mandato de definir uma abordagem coordenada para sistematizar a CSS em

todas as agências especializadas da ONU. Mas, até o momento, o time foi incapaz de ser

um ponto institucional de coordenação, sendo apenas um fórum de troca de experiências,

sem grandes sistematizações.

As lacunas políticas (policy) se referem à fragilidade dos quadros, das diretrizes e

dos procedimentos políticos que deveriam orientar a operacionalização da CSS no

desenho, na implementação e na avaliação dos projetos em campo. Serão apresentadas as

limitações dos instrumentos políticos nos níveis sistêmico, no nível do HLC-SSC e no

nível da relação entre o UNOSSC e o PNUD.

Por fim, o capítulo discutirá as lacunas de cumprimento (compliance). A

descentralização e fragmentação do SDNU torna a operacionalização sistêmica da CSS

ad hoc e dependente de iniciativas individuais, como demonstram as avaliações da ONU

a respeito do cumprimento dos quadros normativos e operacionais por parte de diferentes

entidades do SDNU, com destaque para o PNUD.

6.1 Lacunas de conhecimento

Em sua condição de ator intelectual, a ONU não apenas tem a capacidade de

mobilizar, sistematizar e analisar informações, mas também de oferecer uma

interpretação coletiva acerca dos dados compilados. Na área da CSS, essa não é uma

tarefa nova do SDNU, uma vez que, desde os anos 1970, o sistema se engajou na tarefa

de compilar e interpretar o conhecimento acerca da CTPD. E, a partir dos anos 1990,

buscou identificar oportunidades de alavancar soluções Sul-Sul para os problemas de

desenvolvimento.

251

A SU-SSC/o UNOSSC, como ponto focal de promoção da modalidade em todo o

sistema ONU, ficou com a responsabilidade primária de resolver os gargalos de

informação sobre CSS, melhorando o sistema de informações. No período de 2008-2015,

contribuiu para aprofundar o conhecimento de SDNU sobre as vantagens de custo e a

eficácia em campo da CSS, além de mapear soluções que possam ser aplicadas em

contextos parecidos e que sejam adaptáveis a ambientes de constrangimento de recursos

e capacidades.

Em 2008, a SU-SSC adotou uma estrutura tripartite para facilitar o levantamento

e a organização de informações sobre a CSS, com foco na aplicação prática desse

conhecimento. Essa estrutura é formada pelo Sistema Global de Intercâmbio de Ativos e

Tecnologia Sul-Sul (SS-GATE, do inglês, South-South Global Assets and Technology

Exchange); a Academia Global de Desenvolvimento Sul-Sul (GSSD-Academy, do inglês,

Global South-South Development Academy); e a Expo Global de Desenvolvimento Sul-

Sul (GSSD-Expo, do inglês, Global South-South Development Expo).

O SS-GATE foi lançado em 2008, com financiamento de US$ 15 milhões da

China, US$ 300 mil do Fundo de Desenvolvimento Internacional da OPEP, além de

contribuições em espécie (in kind) realizadas por outros PEDs, pela ONU e por outras

organizações. O SS-GATE permite listar, procurar e conectar soluções tecnológicas

presentes em centros de excelência e pesquisa dos PEDs e realizar o matchmaking entre

dois ou mais países. O foco é a transferência de tecnologia nas áreas de saúde global,

agricultura e meio ambiente. Em 2014, o sistema operava por meio de 50 centros em 40

países, com 1700 projetos listados, 835 soluções combinadas e 308 transferências de

tecnologia realizadas (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH

COOPERATION, 2014 a, p. 8).

A GSSD-Academy é uma plataforma de serviços online com duas frentes de ação:

um centro de soluções, responsável por documentar e disponibilizar soluções e melhores

práticas em diferentes áreas de CSS; e a base de dados WIDE (Rede de Informação para

o Desenvolvimento, do inglês, Web of Information for Development), que lista

especialistas do Sul que trabalham com pesquisas, treinamento e aconselhamento técnico

Sul-Sul. Em 2013, a plataforma reunia mais de 13 mil especialistas e mais de 300 soluções

bem-sucedidas em todas as áreas dos ODMs (UNITED NATIONS GENERAL

ASSEMBLY, 2013 b, p. 16).

A GSSD-Expo é uma feira anual que tem por objetivo exibir as principais soluções

e melhores práticas na área da CSS, envolvendo o SDNU, governos, a iniciativa privada

252

e a sociedade civil. Também tem como propósito conectar essas partes interessadas em

uma rede de compartilhamento de conhecimento e informações. Na Expo de 2014, 70

soluções e práticas foram apresentadas a mais de 650 participantes (UNITED NATIONS

GENERAL ASSEMBLY, 2015 a, p. 16).

Apesar desses esforços, a principal lacuna de conhecimento é que a SU-SSC/o

UNOSSC não está gerando aprendizado a partir de suas plataformas de conhecimento.

Os dados são compilados e divulgados, mas a SU-SSC/o UNOSSC não é capaz de tirar

lições práticas dessas informações nem fazer o registro das externalidades positivas e

negativas das soluções adotadas. Sem esse conhecimento, não será possível canalizar a

modalidade por todo o SDNU, para que ela seja utilizada no desenho operacional dos

projetos de cooperação técnica.

Diante dessa lacuna, os Estados-membros passaram a negociar, no âmbito do

Fórum de Cooperação para o Desenvolvimento (DCF, do inglês Development

Cooperation Forum) – um encontro bianual de alto nível do ECOSOC – diretrizes

comuns para a padronização das informações sobre a CSS conduzida não só pelo SDNU,

mas por todos os PEDs. Criado na Cúpula Mundial de 2005, o DCF desempenha o papel

de plataforma de conhecimento e informação na área da cooperação internacional para o

desenvolvimento, ao desenvolver estratégias e políticas para promover maior coerência e

eficácia das atividades operacionais para o desenvolvimento. O DCF tem como

mandato191:

“(...) identificar gargalos e obstáculos na cooperação internacional para o desenvolvimento, com o propósito de fazer recomendações sobre medidas práticas e opções políticas para melhorar sua coerência e eficácia. O Fórum também deverá servir como uma plataforma de compartilhamento de experiências e lições aprendidas” (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2008, p. 4, tradução nossa192).

191 Apesar do seu mandato sistêmico, o DCF não possui poder decisório. Conforme explicou um diplomata brasileiro em entrevista (ver anexo): “Mas nós criticamos muito porque, como foi resultado de uma negociação, o outro lado não deixou que os termos de referência tivessem qualquer coisa no sentido de um processo decisório, de que as reuniões resultassem em decisões com impacto sobre o sistema. Então o DCF é um grande seminário, e quando se reúne, promove discussões, debates, e fica nisso. Não tem nenhum resumo do presidente, nada disso. Isso é assim porque não houve consenso; e não houve consenso porque os países desenvolvidos não queriam. Porque na visão deles – e eles têm razão, do ponto de vista deles – caso isso tivesse resultado em um fórum no formato e com as funções que nós queremos, representaria uma ameaça à OCDE (DIPLOMATA BRASILEIRO, 2015). 192 Do original: “(...) to identify gaps and obstacles in international development cooperation with a view to making recommendations on practical measures and policy options to enhance its coherence and effectiveness. The Forum is also expected to serve as a platform for sharing experiences and lessons learned” (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2008, p. 4).

253

Nos Fóruns de 2008 e 2010, o esforço dos Estados-membros foi o de enfrentar o

gargalo em relação à coleta de dados sobre a CSS e desenvolver uma base de dados

harmonizada, específica para a modalidade. Essa estrutura deveria sistematizar os dados

para que eles pudessem ser utilizados para respaldar as políticas e trazer maior coerência

na promoção da modalidade no SDNU (JOHNSON, 2009).

A criação dessa uma base de dados seria feita em duas fases. A primeira consistiria

na compilação dos dados nacionais a partir das definições e dos conceitos acordados.

Como a maior parte das iniciativas de CSS ocorre fora do SDNU, o sistema teria que ser

capaz de aglutinar e trazer esse conhecimento para dentro da organização. Mas existem

três dificuldades nesse processo.

Primeiramente, há várias atividades que incorporam a modalidade da CSS, mas

não são plenamente reconhecidas ou compreendidas como tal, porque as informações

sobre essas atividades são incompletas e não estão facilmente disponíveis ou acessíveis.

Isso leva ao segundo problema: em âmbito nacional, essas informações não estão

nas mãos de um único Ministério ou agência governamental. Dado o caráter

multidimensional da CSS, várias organizações burocráticas estão envolvidas na

implementação das iniciativas e produzem informações diferentes. Geralmente,

Ministérios da Fazenda, Ministérios do Comércio Exterior e Bancos de Importação-

Exportação realizam o financiamento das iniciativas, enquanto outros Ministérios estão

são responsáveis pela operação da cooperação técnica, a depender da área e tema dos

projetos. Por isso, mesmo que se tenha acesso às informações, elas são desorganizadas e

não facilmente comparáveis.

A terceira dificuldade é a capacidade assimétrica entre os PEDs em organizar e

reportar as informações sobre suas modalidades. Como as potências emergentes são as

que têm melhor capacidade nesse sentido, a maioria das informações e melhores práticas

disponíveis são provenientes desses países, excluindo um conjunto de soluções existentes

em outros PEDs e que poderiam ser mais adequadas outras categorias de países, como os

menos desenvolvidos, as pequenas ilhas, os países sem saída para o mar, etc.

Superadas essas limitações, o segundo estágio da base de dados harmonizada seria

a padronização das informações, ao criar uma metodologia para reportar a CSS no SDNU.

Aqui, há uma enorme disputa sobre qual seria o paradigma-base para tal padronização.

Os países do CAD-OCDE recomendaram o uso de sua metodologia analítica, elaborada

há décadas para padronizar as informações sobre a AOD de todos os doadores da

254

organização. Bastaria fazer as adaptações necessárias para incorporar a CSS em uma

mesma base de dados.

Mas o G-77 se recusou a realizar a padronização do conhecimento da CSS

seguindo o paradigma do CAD-OCDE. Em primeiro lugar, o grupo afirmou que a

metodologia do CAD-OCDE está baseada em uma concepção linear e universal de

desenvolvimento, ao considerar que a experiência e o conhecimento dos PDs poderiam

ser uniformizados e padronizados em base técnico-científicas e diretamente transferidos

e aplicados aos PEDs. Como colocam Ullrich e Carrion (2013, p. 76): “A ‘crença’ na

neutralidade da ciência e na ‘universalidade’ dos indicadores de desenvolvimento

continua a orientar a elaboração de políticas de desenvolvimento, tanto nos países centrais

como nos países semiperiféricos e periféricos”.

Para o grupo de países em desenvolvimento, a CSS não é igual a AOD, pois opera

segundo soluções customizadas à realidade de cada PED (tailor-made), desenvolvidas no

percurso da experiência em campo (learning by doing), em um processo de aprendizado

mútuo que prioriza a transferência de capacidade e de conhecimento e know-how, ao invés

da transferência financeira propriamente dita, como é o caso dos indicadores do CAD-

OCDE. Por isso, o G-77 recomendou a criação de um sistema próprio de padronização

das informações, com base nos princípios acordados no Resultado de Nairóbi. A proposta

de criação desse sistema padronizado ainda está em fase de negociação.

Da perspectiva do SDNU, a criação de um paradigma específico para mensurar a

CSS exigirá uma mudança na forma como as entidades lidam com o conhecimento na

área da cooperação internacional para o desenvolvimento. Historicamente, elas trabalham

com pacotes prontos de cooperação: a lógica é a de que as agências, os fundos e os

programas do sistema possuem as soluções de desenvolvimento, que, por sua vez, serão

transferidas e implementadas nos PEDs por meio de seus especialistas. Mesmo com a

introdução da execução nacional nos anos 1970, os PEDs têm pouca participação no

processo de definição desses pacotes, e o uso de especialistas, serviços e equipamentos

desses países é ainda muito pequeno em comparação com os dos PDs.

Agora, na CSS, as entidades precisariam deixar de se considerar “donas” das

soluções para funcionar como hubs de facilitação da cooperação entre os PEDs. De

acordo com o Relatório do Secretário-Geral de 2009 (A/64/504), que fez um balanço dos

30 anos de experiência do SDNU sobre a CSS: “Organizações até então acostumadas a

implementar projetos que simplesmente requeriam conhecimento sobre a logística do país

em desenvolvimento, agora precisam entender suas realidades econômica, social,

255

histórica e cultural” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 c, p. 15,

tradução nossa193).

Essa necessária mudança na cultura organizacional das entidades do SDNU é vista

com bastante reticência: para alguns funcionários, a criação de uma metodologia

exclusiva para a CSS poderia levar a uma fragmentação ainda maior do sistema, e que o

melhor seria trabalhar para construir uma estrutura comum para avaliar o conhecimento

da cooperação internacional para o desenvolvimento como um todo.

Para outros funcionários, o SDNU simplesmente apresenta uma complacência à

mudança de forma geral. De acordo com Browne e Weiss (2013, p. 2, tradução nossa194):

Complacência é como nós caracterizamos a atitude de muitos dos membros do serviço civil internacional, que parecem não reconhecer que, de fato, há uma crise, e que algo drástico (“transformação” não é uma palavra tão forte) deve ser feito para evitar que o SDNU seja um anacronismo marginalizado.

Com a inclusão da CSS como um meio de implementação da Agenda 2030 para

o Desenvolvimento Sustentável, são colocadas maiores pressões para superar as lacunas

de conhecimento. Por isso, os Estados-membros, juntamente com as entidades do SDNU,

terão que melhorar a sistematização das informações sobre a CSS para que a modalidade

seja utilizada de forma efetiva na implementação dos ODS.

6.2 Lacunas normativas

Uma função crítica da ONU é seu papel normativo, ou seja, de criação de

princípios e normas que estabelecem padrões de comportamento entre os Estados. As

normas internacionais podem ser definidas por meio do direito internacional duro (hard),

que envolve tratados e convenções; ou pelo direito internacional mole (soft), que envolve

as declarações, resoluções, decisões e recomendações, como é o caso das normas para a

193 Do original: “Organizations used to implementing projects that simply required knowledge of developing country logistics now needed to understand their economic, social, historical and cultural realities” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 c, p. 15). 194 Do original: “Complacency is how we characterize the attitude of too many members of the international civil service who do not seem to recognize that in fact there is a crisis, and that something drastic (‘transformation’ is not too strong a word) must be done to prevent the UNDS from being a marginalized anachronism” (BROWNE; WEISS, 2013, p. 2).

256

CSS. O SDNU é responsável não apenas por definir as normas relativas à agenda de

desenvolvimento como também por criar capacidades nos países para implementá-las.

Após o Resultado de Nairóbi (2009), as potências emergentes se engajaram mais

fortemente no debate normativo acerca de como o SDNU deveria contribuir para a

promoção do desenvolvimento, por meio da integração da CSS em suas atividades

regulares. De forma mais específica, China, Brasil e Índia – embora em níveis e

intensidades diferentes – tinham a intenção de garantir uma maior influência nos aspectos

normativos da cooperação internacional para o desenvolvimento, a partir de um

envolvimento institucional mais forte com o SDNU.

Os resultados de uma pesquisa de opinião com mais de 3.650 funcionários,

diplomatas e especialistas atrelados ao SDNU, de 156 países, demonstraram grandes

expectativas em relação à influência futura das potências emergentes no sistema. Como

demonstra o gráfico a seguir, a imensa maioria dos correspondentes acreditava que esses

países iriam ocupar maior espaço quanto às posições sêniores; ampliar a base de

conhecimento da agenda de desenvolvimento da ONU; ampliar o financiamento do

sistema; e também contribuir mais diretamente no processo normativo do SDNU.

Gráfico 1 – Qual seriam os impactos positivos das potências emergentes no SDNU

quando comparadas aos países desenvolvidos?

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de BROWNE; WEISS, 2014, p. 1899.

97%

96%

94%

93%

85%

3%

4%

6%

7%

15%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Maior base de recrutamento em posições sêniores

Base de conhecimento mais balanceada em relaçãoàs discussões e prioridades da agenda de

desenvolvimento

Maior diversificação do financiamento

Financiamento adicional para as organizações eagências de desenvolvimento da ONU

Maior contribuição nas normas e convençõesinternacionais

Concorda/ Concorda fortemente Discorda/ Discorda fortemente

257

Mesmo com uma visão positiva sobre o papel das potências emergentes, nota-se

pela pesquisa que as expectativas são menores em relação ao processo normativo. Isso

porque é difícil prever o quanto o envolvimento desses países se traduzirá efetivamente

em uma capacidade de influenciar os princípios e as normas do SDNU, pois a

complexidade técnica e a sensibilidade política da agenda de desenvolvimento em um

fórum multilateral como a ONU exigem capacidades de negociação coletivas que ainda

não estão disponíveis nas potências emergentes.

Esse problema afeta os PEDs como um todo, como observam Nyerere et al.

(1990):

Atuando de forma separada, os países do Terceiro Mundo também estarão em uma posição de barganha extremamente fraca para lidar com os grupos bem organizados dos países desenvolvidos ou com as corporações transnacionais (NYERERE et al., 1990, p. 17, tradução nossa195). (...)

Quando ocorrem as negociações, alguns países do Norte tendem a engajar em protestos de boa-vontade e apoio [aos PEDs], enquanto oferecem conselhos gratuitos sobre os erros políticos do Sul. Por sua vez, os países do Sul geralmente estão mal preparados para essas discussões (NYERERE et al., 1990, p. 19, tradução nossa196). (...)

Os arranjos existentes de consulta entre os PEDs – encontros ocasionais em nível político, apoiados por encontros ad hoc entre as partes e entre grupos de oficiais das capitais – são inadequados para avaliar as opções alternativas, para coordenar suas estratégias ou para se envolver em posições negociadoras comuns em vários fóruns ((NYERERE et al., 1990, p. 201, tradução nossa197).

O Sul não tem organizações e estruturas destinadas a construir uma forte posição

comum de negociação, diferentemente do Norte. Por exemplo, o escritório do Presidente

do G-77 em Nova York e seus grupos de trabalho são muito modestos para o amplo

trabalho da ONU. A forma desestruturada de organização do G-77 se diferencia

radicalmente do staff profissional do CAD-OCDE, com amplos recursos financeiros e

195 Do original: “Acting separately, Third World countries will also be in an extremely weak bargaining position in dealing with the well-organized groupings of developed countries or with transnational corporations” (NYERERE et al., 1990, p. 17). 196 Do original: “When exchanges have taken place, some Northern countries have tended to engage in protestations of goodwill and support, while offering gratuitous advice about policy erros in the South. For their part, the Southern countries are often ill-prepared for these discussions” (NYERERE et al., 1990, p. 19). 197 Do original: “The existing arrangements for consultations among them – occasional meetings at the political level, backed by meetings of ad hoc working parties and groups of officials from capitals – are inadequate to assess alternative options, to co-ordinate their strategies, or to evolve common negotiating positions in the various forums” (NYERERE et al., 1990, p. 201).

258

capacidade de produção de informações e estatísticas. Inclusive, a falta de informações

padronizadas entre o Sul é uma brecha e fraqueza constantemente exploradas pelos PDs

nas negociações.

Outro problema é que, embora os PEDs reconheçam a necessidade de

solidariedade entre eles, a crescente assimetria entre as potências emergentes e os demais

exige novas formas de acomodar os diferentes interesses, muitas vezes conflitantes. As

potências emergentes ainda não possuem um paradigma próprio e recursos para liderar e

aglutinar as posições dos demais PEDs e, devido a isso, pressões internas e externas a

certos PEDs resultam em um fácil alinhamento com o Norte.

Por conta desses fatores, ainda que no período de 2008-2015 as potências

emergentes tenham conseguido causar incômodo e questionar as estruturas normativas do

SDNU, não formaram um bloco coeso de negociação capaz de barganhar efetivamente

com os países do CAD-OCDE e liderar o debate normativo sobre a CSS.

Nessa situação peculiar, as instâncias da ONU nas quais prevalece o processo

decisório de um país-um voto, com foco no consenso, vivenciam um impasse. É o caso

dos trabalhos do HLC-SSC. A partir da década de 1990, seu mandato evoluiu de apenas

revisar a implementação do BAPA para se tornar um corpo intergovernamental normativo

para a promoção e o fortalecimento da CSS. Mas a despeito da expansão de seu mandato,

o trabalho do comitê foi se tornando cada vez menos produtivo em relação à sua agenda,

seus métodos de trabalho e a composição e participação dos Estados-membros e das

entidades do SDNU em suas sessões.

Em relação à agenda e aos métodos de trabalho, as tensões Norte x Sul travam os

debates. Ironicamente, na década na qual o avanço da CSS foi sem precedentes, os

trabalhos do HLC-SSC ficaram estagnados: nos anos 2000, os itens da agenda e o

conteúdo das decisões foram praticamente os mesmos, não variando muito da linguagem

acordada, pois não era possível atingir o consenso para além do que já havia sido

previamente acordado. Para corrigir esse problema, a partir de 2012 foram introduzidos

grupos temáticos de trabalho entre as sessões bianuais, com o propósito de melhorar

qualitativamente o conteúdo normativo das decisões do comitê (JOINT INSPECTION

UNIT, 2011). Mesmo assim, a avaliação dos Estados-membros sobre o HLC-SSC ainda

era negativa: nas entrevistas conduzidas para essa pesquisa no segundo semestre de 2015,

os diplomatas dos PDs não mediam as palavras para criticar a ineficiência das discussões

do comitê, especialmente devido aos atrasos para a conclusão das sessões, enquanto os

PEDs lamentavam a má vontade e a falta de engajamento dos PDs nas negociações.

259

Pela análise dos registros dos encontros do HLC-SSC, nota-se que essas tensões

ficaram mais evidentes em sua 17ª sessão, entre o fim de 2011 e o começo de 2012. Como

discutido na parte 1, ocorreu um debate intenso entre os participantes sobre o uso do

paradigma da eficácia da ajuda na definição do Quadro de Diretrizes Operacionais sobre

o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012)198. Naquele

momento, houve esforço deliberado do CAD-OCDE em garantir que o paradigma

normativo do quadro da CSS fosse baseado em seus princípios. Enquanto o G-77, liderado

pelas potências emergentes, se opôs veementemente a tais esforços.

Alguns PEDs com um engajamento expressivo na CSS, mas que também são

membros da OCDE, como o Chile e o México, tentaram fazer a mediação entre os

princípios normativos do CAD-OCDE e os interesses do G-77. Porém, o G-77 foi

explícito em afirmar a incompatibilidade entre os princípios de CSS e a agenda da eficácia

da ajuda. Ao final das negociações, apenas foi possível aprovar as diretrizes por consenso

porque o paradigma do CAD-OCDE foi considerado apenas para a cooperação triangular,

e não para a CSS (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH

COOPERATION, 2012 b).

Quanto à composição e participação dos Estados-membros e das entidades do

SDNU nos encontros do HLC-SSC, ela também foi decrescente nesse período, como

pode-se observar no quadro a seguir. Considerando que os PEDs compõem a maioria dos

países da ONU, a participação de menos da metade do total de 193 Estados-membros

demonstra seu pouco engajamento nas discussões do Comitê. Sem contar a falta de

capacitação técnica dos participantes no tema: a ausência de representantes de mais alto

nível e com conhecimento em campo implica em decisões genéricas e um fraco

seguimento. Segundo a Unidade de Inspeção Conjunta (JIU, do inglês, Joint Inspection

Unit), esses fatores “(...) podem ser uma indicação da percepção das partes interessadas

de que as deliberações do comitê não produzem metas e resultados específicos, sendo,

portanto, necessário redesenhar o HLC” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 16,

tradução nossa199).

198 Essas diretrizes já foram discutidas na parte I em relação ao papel das ideias. No que se refere à governança, esse documento será analisado na seção sobre as lacunas políticas. 199 Do original: “(...) could be an indication of stakeholder perception that the deliberations of the Committee do not lead to concrete targets and results, and therefore the need to re-engineer the HLC” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 16).

260

Quadro 11 – Participação nos encontros do HLC-SSC (1997-2010)

1997 2001 2005 2009* 2010

Número de Estados-membros presentes

90 76 95 92 84

% de participantes de agências de cooperação técnica ou

autoridades nacionais correlatas 27 26 14

Sem dados

Sem dados

Número de entidades do SDNU 16 21 13 4 5

Número de organizações não relacionadas à ONU

9 10 6 8 3

*Conferência de Nairóbi.

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 16.

As limitações normativas do HLC-SSC fazem com que seu trabalho seja

duplicado na Segunda Comissão da AGNU. Por ser um charging body, as resoluções da

Segunda Comissão têm mais peso do que as decisões do HLC. Ademais, a presença e

participação dos delegados é mais ativa, pois o tema da CSS é discutido dentro do item

sobre atividades operacionais para o desenvolvimento como um todo.

Após as dificuldades enfrentadas em 2012 no HLC-SSC, as discussões sobre a

CSS na Segunda Comissão em 2014 foram bastante tensas, ocorrendo atrasos nas

negociações. Houve controvérsias nos seguintes assuntos: o aumento dos recursos e o

fortalecimento institucional do UNOSSC; o uso de linguagem mais enfática quanto à

necessidade de transferência de tecnologia dos PDs e PEDs; e a realização de uma sessão

extra do HLC-SSC em 2015. Ao final do processo de negociação, não foi possível atingir

o consenso nesses pontos, e os Estados-membros decidiram, pela primeira vez desde os

anos 1970, levar uma resolução sobre a CSS a voto.

A resolução A/RES/69/239, de 19 de dezembro de 2014, foi aprovada por 129

votos a favor, 44 votos contrários, 7 abstenções; e apenas 13 Estados-membros não

compareceram à votação200. Em suas justificativas de voto, os países do CAD-OCDE

200 Os 129 países favoráveis à resolução foram: Afeganistão, África do Sul, Angola, Antígua e Barbuda, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Bahamas, Bahrein, Bangladesh, Barbados, Belize, Benin, Bielorrússia, Bolívia, Botsuana, Brasil, Brunei Darussalam, Burkina Faso, Burundi, Butão, Cabo Verde, Camarões, Camboja, Catar, Cazaquistão, Chade, Chile, China, Cingapura, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Costa Rica, Cuba, Djibuti, Egito, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Equador, Eritreia, Etiópia, Fiji, Filipinas, Gâmbia, Gana, Granada, Guatemala, Guiana, Guiné, Guiné-Bissau, Haiti, Honduras, Iêmen, Ilhas Marshall,

261

acusaram o G-77 de utilizar o atraso nas negociações como uma tática para enfraquecer

a resolução, levando-a a voto com o propósito de aprovar recomendações sem

embasamento concreto. A Itália, em nome dos países-membros da União Europeia,

justificou seu voto contrário devido a questões orçamentárias e institucionais. Já os

Estados Unidos afirmaram que algumas delegações impediram uma negociação de boa-

fé, forçando levar a decisão a voto ao invés de buscar pelo consenso. Por isso, seu voto

contrário teria sido mais uma escolha política do que atrelado à substância da resolução

(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 c).

Já a Bolívia, em nome do G-77 e da China, rejeitou o argumento dos Estados

Unidos ao afirmar que o grupo negociou em boa fé e que a resolução foi lidada com

responsabilidade, uma vez que expressava os interesses da maioria das delegações – tanto

que foi aprovada por mais de 2/3 dos votos. Além disso, o grupo se posicionou a respeito

da quebra histórica do consenso, afirmando que não podia ser confundida com a política

de status quo empregada pelos PDs:

Mais uma vez nós apontamos que o consenso não pode ser interpretado como o status quo. Nós estamos muito preocupados que, em vários assuntos, nossos parceiros nem mesmo aceitam a linguagem previamente acordada. Esse é o mais sério retrocesso que, infelizmente, nos coloca em uma posição que pode de fato minar nossos esforços e nos forçar a tomar decisões como a dessa Assembleia hoje (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 c, p. 20, tradução nossa201).

Ilhas Salomão, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Jamaica, Jordânia, Kiribati, Kuwait, Lesoto, Líbano, Libéria, Líbia, Madagascar, Malásia, Malauí, Maldivas, Mali, Marrocos, Maurício, Mauritânia, México, Mianmar, Micronésia, Moçambique, Mongólia, Namíbia, Nepal, Nicarágua, Níger, Nigéria, Omã, Palau, Panamá, Papua Nova Guiné, Paquistão, Paraguai, Peru, Quênia, República Árabe Síria, República Central Africana, República Democrática do Congo, República Democrática Popular de Laos, República Dominicana, República Popular e Democrática da Coreia, Ruanda, Samoa, Santa Lucia, São Cristóvão Nevis, São Vicente e as Granadinas, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sri Lanka, Sudão, Sudão do Sul, Suriname, Tailândia, Tajiquistão, Tanzânia, Timor-Leste, Togo, Trindade e Tobago, Tunísia, Turcomenistão, Turquia, Tuvalu, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela, Vietnã, Zâmbia e Zimbábue. Os 44 países contrários à resolução foram: Albânia, Alemanha, Andorra, Austrália, Áustria, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Canadá, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Mônaco, Montenegro, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia, San Marino, Sérvia e Suécia. As abstenções foram: Armênia, Federação Russa, Geórgia, Moldova, Quirguistão, República Da Coreia e Suíça. As ausências foram: Antiga República Iugoslava da Macedônia, Azerbaijão, Comores, Dominica, Gabão, Guiné Equatorial, Nauru, São Tomé e Príncipe, Seychelles, Suazilândia, Tonga, Ucrânia e Vanuatu (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014). 201 Do original: “(...) we once again point out that consensus cannot be interpreted as the status quo. We are very concerned that, on many issues, our partners do not even accept language previously agreed upon. That is a most serious step backwards that, unfortunately, places us in a position that could indeed

262

Se na Segunda Comissão da AGNU as potências emergentes são capazes de

liderar algum dissenso em relação às normas dominantes do CAD-OCDE, o mesmo não

ocorre no Conselho Executivo do PNUD. Nessa instância, apesar de prevalecer o método

decisório de um país-um voto, o número de assentos é reduzido e distribuído

favoravelmente para os grandes doadores. Por isso, é mais difícil para o PNUD mudar

seu quadro normativo em relação ao apoio à CSS, pois a posição do Conselho Executivo,

com apoio do Administrador do programa, é a de conciliar a CSS com os princípios da

eficácia da ajuda. Isso resulta em uma lacuna entre a retórica corporativa do PNUD a

realidade em campo:

A abordagem operacional dominante do PNUD ainda é amplamente determinada por paradigmas tradicionais de fluxos de ajuda Norte-Sul, nos quais os fundos devem ser providos pelos países desenvolvidos e depois canalizados, por meio de projetos específicos, para parceiros menos desenvolvidos. A despeito do forte empenho dos funcionários do PNUD em alcançar novos modelos horizontais de interação e mobilização de recursos, os paradigmas tradicionais de financiamento e implementação do desenvolvimento continuam a ser replicados na abordagem do PNUD à cooperação Sul-Sul e triangular (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 54, tradução nossa202).

Considerando que as potências emergentes ainda não são capazes de quebrar a

influência dos PDs nas decisões do PNUD, elas passaram a questionar a legitimidade de

suas decisões, vocalizando mais fortemente a necessidade de uma reforma na governança

do PNUD, para que os interesses dos PEDs possam ser melhor representados no

programa. Três reformas são demandadas: uma distribuição geográfica equitativa nos

assentos do Conselho Executivo, corrigindo a sub-representação dos PEDs; o aumento da

indicação de funcionários oriundos dos PEDs para os cargos em nível sênior203, como os

coordenadores residentes; e maior transparência nos métodos de trabalho do Conselho

undermine our efforts and force us to take decisions such as the one before the Assembly today” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 c, p. 20). 202 Do original: “(...) UNDP’s dominant operational approach is still largely determined by traditional paradigms of North-South aid flows in which funds have to be raised from wealthier developed nations and then channeled via specific projects to less developed partners. In spite of the strong commitment of UNDP personnel in reaching towards new models of horizontal interaction and resource mobilization, the traditional development funding and implementation paradigms continue to be replicated within UNDP’s approach to SSC-TrC” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 54). 203 As potências emergentes também se engajaram fortemente em garantir que candidatos de seu país ocupassem postos-chave nas entidades do SDNU: em 2014, os diretores da ONUDI, da OMS e do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU eram da China; e da FAO e da OMC eram do Brasil (BROWNE, WEISS, 2014, p. 1895).

263

Executivo, para que os encontros informais com os grandes doadores não impactem

negativamente as negociações em que todos os membros do Conselho estão envolvidos.

O Brasil se destaca na liderança pela reforma do Conselho Executivo do PNUD,

levantando essa questão em todos os seus discursos relacionados às atividades

operacionais para o desenvolvimento e à CSS durante os anos 2000. Destaque ao discurso

realizado na Segunda Comissão da AGNU, em 2012, quando a delegação brasileira

afirmou que:

Os Estados-membros têm uma responsabilidade coletiva com a reforma da governança dos fundos e programas das Nações Unidas, como forma de promover um engajamento mais ativo dos países em desenvolvimento e encorajar os países a conduzir e exercitar o controle nacional sobre os programas nacionais, e não apenas sobre os projetos individuais, mas sobre o gerenciamento do sistema de desenvolvimento das Nações Unidas como um todo. Em particular, o Brasil acredita que o processo de seleção para os cargos chave em nível executivo no âmbito dos fundos e programas precisa ser revisado, e que medidas sejam tomadas para reafirmar o papel central dos Estados-membros em supervisionar os órgãos das Nações Unidas (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2012 c, p. 10, tradução nossa204).

Uma outra estratégia das potências emergentes em garantir maior espaço no

processo normativo do SDNU é a bilateralização de suas iniciativas. Enquanto não ocorre

a reforma no processo decisório dos fundos, programas e das agências – que funcionam

de forma semelhante à do PNUD – esses países passaram a financiar centros de excelência

dedicados à promoção da CSS. Esses centros fazem parte do guarda-chuva do SDNU, e

os países-sede utilizam da estrutura do sistema para canalizar seu conhecimento, suas

práticas bem-sucedidas e suas concepções normativas sobre a CSS. Por exemplo, o Brasil

se engajou na criação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo,

em 2004, e do Centro Rio+ para o Desenvolvimento Sustentável, em 2013. A China

estabeleceu um Centro Internacional contra a Pobreza em Pequim e vários centros

internacionais tecnológicos com a ONUDI, incluindo o Centro para Cooperação

Industrial Sul-Sul. A Índia abriu o Centro Ásia-Pacífico para a Transferência de

Tecnologias, em parceria com a UNESCAP (BROWNE, WEISS, 2014, p. 1895).

204 Do original: “Member States had a collective responsibility to reform the governance of United Nations funds and programmes so as to promote more active engagement of developing countries and encourage programme countries to lead and exercise ownership, not only over individual projects, but over the management of the United Nations development system. In particular, Brazil believed that the selection process to fill key executive-level posts within the funds and programmes needed to be reviewed, and steps taken to reaffirm Member States’ central role in overseeing United Nations bodies” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2012 c, p. 10).

264

Esses centros de excelência têm um papel ativo em estimular o debate normativo

dentro do SDNU, utilizando de sua estrutura, sem precisar passar pelos centros decisórios.

As potências emergentes enxergam grande valor nessas iniciativas, mas elas não vieram

sem críticas dos grandes doadores e de vários funcionários da ONU. Para os doadores do

CAD-OCDE, as potências emergentes estão pegando carona na estrutura do SDNU, e, se

quiserem fazer maior uso do sistema, deverão aumentar suas contribuições (esse ponto

será discutido com maior profundidade na parte 3). Para alguns funcionários da ONU, o

problema é que a bilateralização dos esforços de promoção da CSS no SDNU contribui

para uma maior fragmentação do sistema, aprofundando os já existentes problemas de

governança.

Em suma, nota-se que, apesar do maior engajamento das potências emergentes,

ainda é incerto se elas poderão fechar a lacuna normativa do SDNU acerca da CSS.

Mesmo que o paradigma da eficácia da ajuda esposado pelo CAD-OCDE seja

questionado pelos PEDs, ainda não há um paradigma normativo no horizonte capaz de

substituí-lo. A consequência disso é refletida em uma fraqueza institucional das instâncias

do SDNU dedicadas à promoção da CSS, como se verá a seguir.

6.3 Lacunas institucionais

No SDNU, o termo instituições é utilizado no sentido de uma entidade

organizacional formal, dotada de mandato, recursos e funcionários próprios. As

instituições são responsáveis por definir e implementar políticas adequadas para o

cumprimento da agenda normativa da organização. Na área da CSS, a instituição

responsável por promover e integrar a modalidade é a Unidade Especial (SU-

TCDC/SSC), transformada em Escritório da Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul

(UNOSSC) em 2012. Historicamente, a entidade apresentou duas fraquezas

institucionais: a falta de recursos financeiros e humanos adequados para o cumprimento

de seu mandato205; e, principalmente, uma posição institucional indefinida dentro do

PNUD, devido às dificuldades de cooperação e colaboração com o programa.

205 Os recursos financeiros serão discutidos na parte 3. Os recursos humanos se referem ao número limitado de funcionários da SU-SSC, como foi apresentado nos capítulos anteriores.

265

Quando a SU-TCDC foi criada pela AGNU em 1974, a decisão de alocá-la

institucionalmente no PNUD estava relacionada ao papel que o programa cumpria à

época, de agência financiadora central. Até os anos 1990, a SU era o ponto focal para a

CTPD apenas no que se referia às atividades do PNUD. Institucionalmente, seu papel era

o de recomendar modificações nos procedimentos do PNUD para a incorporação da

modalidade. Por sua vez, o PNUD era o ponto focal para a implementação do BAPA em

todo o SDNU.

Mas a partir das Novas Direções (1995), o ponto focal de promoção da modalidade

no sistema se deslocou do PNUD para a SU-TCDC. Essa mudança foi feita por pressão

do G-77: como as mudanças no Conselho Executivo do PNUD nos anos 1990 deram

maior peso de voto aos grandes doadores, os PEDs acreditavam que a SU, ao invés do

PNUD, serviria melhor seus interesses de promover a CTPD. A sugestão do G-77 era que

o PNUD ficasse responsável por integrar a CTPD nos programas nacionais, e a SU-TCDC

ficaria responsável por promover a modalidade em todo o sistema. Porém, a divisão das

tarefas entre as duas entidades não ficou bem definida e, além da sobreposição dos

trabalhos, a competição entre elas aumentou, prejudicando a coerência da integração da

modalidade.

Diante desse problema, as ações do HLC-SSC no período de 2001 a 2005

buscaram definir o lugar institucional da SU-TCDC. A mobilização do G-77 em

promover a CSS como um meio de acelerar a implementação dos ODMs deu base para

que o comitê tomasse medidas para ampliar o mandato da entidade. Em 2001, na 12ª

sessão do HLC, definiu-se que a SU seria o ponto focal do SDNU para a promoção da

CTPD. Em 2003, o HLC decidiu mudar o nome da SU-TCDC para SU-SSC,

recomendação que foi endossada pela AGNU em 2004. Em 22 de dezembro de 2005,

também por recomendação do HLC, a Segunda Comissão da AGNU aprovou a resolução

A/RES/60/212, que definiu a SU-SSC como uma unidade separada do PNUD (embora

hospedada no programa).

O Resultado de Nairóbi (2009) não trouxe nenhuma mudança no posicionamento

institucional da SU-SSC, mas a ênfase na necessidade de estabelecer diretrizes

operacionais para sistematizar o trabalho das entidades do SDNU exigiu um

fortalecimento institucional da unidade. O primeiro passo para esse fortalecimento foi a

renomeação da SU-SSC para Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul

(UNOSSC, do inglês, United Nations Office for South-South Cooperation), por meio da

resolução A/RES/67/227, aprovada pela AGNU em 21 de dezembro de 2012. Embora

266

não tenha havido uma mudança em sua localização institucional, continuando aninhado

ao PNUD, a classificação de escritório deu maior visibilidade sistêmica à entidade.

Entre 2012 e 2015, as lacunas institucionais da relação entre o UNOSSC e o

PNUD ficaram mais evidentes no que se refere às atividades operacionais. O UNOSSC é

responsável, em sua estrutura tripartite (SS-GATE, SSGD-Academy e SSGD-Expo), por

desenvolver as ferramentas, soluções e melhores práticas para operacionalizar a

modalidade. Porém, não há nenhuma conexão institucional entre o UNOSSC, os

escritórios nacionais do PNUD e seus coordenadores residentes, que são os canais

responsáveis por efetivamente implementar os programas em campo. Com isso, o

trabalho do UNOSSC é subutilizado pelo SDNU: por exemplo, na avaliação de 2013 do

PNUD, dos 4.895 funcionários entrevistados, menos de 100 responderam ter

conhecimento sobre os serviços do UNOSSC. Desse reduzido número, apenas metade

efetivamente utilizou as soluções mobilizadas pelo Escritório (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 51).

À luz dessa avaliação negativa, o G-77 solicitou medidas para definir os arranjos

colaborativos entre as duas partes, como a divisão de funções políticas, os mecanismos

operacionais e os instrumentos de monitoramento e avaliação. Com a liderança das

potências emergentes, o grupo passou a vocalizar a possibilidade de separar o UNOSSC

do PNUD, considerando que a existência de uma entidade dentro de uma entidade cria

vários problemas de trabalho. Respondendo à essa demanda, a AGNU solicitou, em sua

resolução A/RES/68/230, de 20 de dezembro de 2013, que o Secretário-Geral

apresentasse uma proposta acerca da viabilidade, e as implicações orçamentárias,

financeiras e humanas, de separar o UNOSSC do PNUD. O relatório também deveria

esclarecer o papel do PNUD caso essa mudança ocorresse.

O relatório SSC/18/3, publicado em 23 de abril de 2014 e intitulado “Medidas

para um maior fortalecimento do Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-

Sul”206, identificou as áreas do UNOSSC que careciam de fortalecimento institucional.

Também considerou o pedido da AGNU sobre a ideia de tornar o escritório

operacionalmente autônomo do PNUD.

Em termos institucionais, o relatório salientou a necessidade de fortalecer os

recursos humanos do UNOSSC. Mesmo com a ampliação de seu mandato, o Escritório

continuava contando com um número restrito de funcionários, equivalente ao final dos

206 Do original: “Measures to further strengthen the United Nations Office for South-South Cooperation”.

267

anos 1990, como mostra o quadro abaixo. Por isso, o Secretário-Geral recomendou o

crescimento no número de funcionários – especialmente na categoria de diretor (D) –,

para que o UNOSSC pudesse efetivamente cumprir com seu amplo mandato.

Quadro 12 – Número de funcionários da SU-SSC, 1998-2010

Diretor (D) Profissional (P) Serviços Gerais Total

1998 3 7 7 17

2010 4 12 5 21

Fonte: JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 24.

Outro aspecto do relatório foi a sugestão de fortalecer a coordenação sistêmica

entre o PNUD e o UNOSSC. O Administrador do PNUD, como chefe do UNDG, deveria

encorajar as entidades do SDNU a designar pontos focais para a CSS, enquanto o

UNOSSC seria responsável por criar um mecanismo de coordenação interagências mais

fortalecido e sistematizado. Também foi sugerido que o UNOSSC tivesse a oportunidade

de participar ativamente das reuniões do UNDG quando o assunto fosse referente à CSS.

Quanto às opções para a localização institucional do UNOSSC, o relatório do

Secretário-Geral considerou três possibilidades:

i) Transformar o UNOSSC em uma entidade independente: o aspecto

positivo dessa mudança seria garantir ao Escritório uma maior autonomia

e visibilidade, ao elevar seu perfil para uma localização institucional

sistêmica. O aspecto negativo é que a separação do PNUD implicaria

também em separar o Escritório da plataforma operacional do programa,

tornando mais difícil a integração operacional da modalidade no SDNU.

Institucionalmente, a separação exigiria criar uma interface entre o

UNOSSC e os escritórios nacionais do PNUD. Um outro problema seria

financiar o escritório de forma independente do PNUD, por meio de

contribuições voluntárias;

ii) Realocar o UNOSSC dentro do Secretariado: o aspecto positivo dessa

proposta seria o de incorporar a CSS no trabalho normativo do

Secretariado. De fato, o escritório já faz esse papel por ser o secretariado

do HLC-SSC e por trabalhar conjuntamente com o Departamento de

268

Assuntos Econômicos e Sociais em vários assuntos. O aspecto negativo

seria o mesmo da primeira proposta: perder a conexão operacional e

programática com os escritórios nacionais do PNUD. Teoricamente, o

financiamento estaria atrelado ao orçamento regular do Secretariado da

ONU, mas seria muito difícil inclui-lo no atual ciclo orçamentário, uma

vez que seria um gasto não previsto;

iii) Continuar alocado no PNUD: aumentar a autonomia do escritório de

conduzir suas atividades de forma independente, mas ainda sob a

autoridade do Administrador do PNUD, como chefe do UNDG. O plano

estratégico do PNUD passaria a incorporar o Quadro de Cooperação que

define a atuação do UNOSSC.

Após apresentar as opções, a conclusão do Secretário-Geral foi a de que o PNUD

continuaria sendo o melhor lugar institucional para sediar o UNOSSC, devido sua vasta

rede de escritórios, seu papel de gerenciador do sistema de coordenadores residentes e

seu papel programático.

Na 18ª sessão do HLC-SSC, em 2014, os Estados-membros tiveram posições

divergentes sobre o relatório do Secretário-Geral. Algumas delegações, como os países

da União Europeia, se posicionaram favoravelmente às recomendações do relatório,

reconhecendo as vantagens do PNUD continuar como o anfitrião institucional do

UNOSSC. Já os PEDs tiveram diferentes posições: alguns criticaram a superficialidade

do relatório, afirmando que suas recomendações meramente mantinham o status quo sem

dar a devida consideração às outras propostas; outros insistiram em avançar na proposta

de separar o Escritório; outros ainda argumentaram que, independentemente da decisão

de continuar ou não atrelado ao PNUD, isso não excluía o fato de que eram necessárias

medidas para fortalecer o UNOSSC.

Articulando essas visões em torno do consenso, o G-77 solicitou um estudo mais

aprofundado por parte do Secretário-Geral antes de se tomar uma decisão e que, enquanto

isso, medidas imediatas de fortalecimento do Escritório eram necessárias. Até o final de

2015, essa questão ainda estava em aberto, mantendo a localização institucional do

UNOSSC no PNUD.

Nesse meio tempo, o novo diretor do Escritório, o argentino e funcionário de

carreira da ONU, J. Chediek, foi nomeado Enviado do Secretário-Geral para a

Cooperação Sul-Sul, ampliando o perfil da modalidade dentro do Secretariado. Seu

apontamento foi bem recebido tanto pelos PEDs quanto pelos PDs, devido seu high-

269

profile e amplo conhecimento do SDNU207. Chediek já tinha sido coordenador residente

nos escritórios do PNUD no Brasil, no Peru, na Nicarágua, em Cuba e no Uruguai, e

responsável por casos de sucesso de utilização de soluções Sul-Sul nos programas

nacionais desses países. Seu perfil também facilitou a participação do UNOSSC em

mecanismos estratégicos e de coordenação do UNDG em assuntos relacionados à CSS.

Outra medida referente ao fortalecimento do trabalho de coordenação sistêmica

do UNOSSC foi a decisão SSC/18/1, de 2 de junho de 2014, quando HLC-SSC solicitou

ao Administrador do PNUD que estabelecesse um mecanismo interagências coordenado

pelo UNOSSC. Essa decisão foi reiterada pela resolução A/RES/69/239 da AGNU, de

19 de dezembro de 2014, que criou o Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e Triangular

do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do inglês United Nations Development Group

South-South and Triangular Cooperation Task Team).

O objetivo do time tarefa é o de contribuir com o pilar normativo do Grupo de

Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG, do inglês, United Nations Development

Group), e, mais especificamente, dentro do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento

Sustentável. Essa escolha de localização institucional do time tarefa tinha a intenção de

integrar a CSS à implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

nas atividades operacionais para desenvolvimento.

Em relação aos métodos de trabalho, o time tem dois presidentes – um do

UNOSSC e outro a ser escolhido dentre as entidades que compõem o UNDG. Como

primeiro presidente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi escolhida. Além

da OIT, as demais entidades do UNDG participam do time tarefa. Os funcionários

participantes devem ser de nível sênior (P-4 ou P-5), com conhecimento técnico dos

programas e das políticas de suas organizações (UNITED NATIONS DEVELOPMENT

GROUP, 2014, p. 3).

207 O apontamento de Chediek também foi importante para abafar as suspeitas de corrupção envolvendo o então Presidente da AGNU, o diplomata J. W. Ashe, de Antígua e Barbuda, e um investidor imobiliário de Macau, Ng Lap Seng. Ashe foi acusado de receber suborno e troca de favores de Ng e outros investidores, utilizando-se de sua posição na ONU. O UNOSSC se envolveu no escândalo pois Ng havia doado US$ 1,1 milhões para o Escritório com o propósito de financiar uma conferência sobre CSS que ocorreu em Macau em agosto de 2015. Em maio de 2016, o serviço de auditoria do PNUD avaliou que o Escritório efetivamente não usou os recursos de doação e não era partícipe do esquema de corrupção, mas isso prejudicou o perfil da entidade naquele ano. Um dos primeiros trabalhos de Chediek foi o de garantir a transparência da entidade. Mas esse problema não é raro no SDNU: devido sua fragmentação e descentralização, as entidades em geral aceitam as doações sem auditar seus precedentes (CHARBONNEAU, 2016).

270

Em seu termo de referência, o mandato central do time tarefa seria o de formular

notas e diretrizes para a incorporação da CSS como um meio de implementação dos ODS.

Considerando que algumas agências já tinham ferramentas de disseminação de

conhecimento e tecnologia do Sul, enquanto outras estavam no processo de criação desses

mecanismos, o time tarefa deveria facilitar o compartilhamento de experiência

interagências para a elaboração de tais instrumentos.

Como o time tarefa teria a duração de 2 anos, seus membros decidiram iniciar seus

trabalhos discutindo medidas para que a CSS fosse melhor incorporada nos UNDAFs e

os coordenadores residentes conseguissem identificar oportunidades de CSS em campo.

Os membros também definiram que os trabalhos começariam pela formulação de quadros

de colaboração conjunta em áreas de interesse comum, como o combate à AIDS-HIV, às

mudanças climáticas e a promoção da segurança alimentar. O time também discutiu

formas de colaboração conjunta nas áreas de pesquisa e publicações; desenvolvimento de

capacidades; e financiamento (UNITED NATIONS DEVELOPMENT GROUP, 2015, p.

3).

Apesar da aprovação de um plano de trabalho com metas e resultados esperados,

ao final de 2015 as atividades do Time Tarefa ainda eram muito informais, constituindo-

se muito mais em conversas de trocas de experiências do que uma real sistematização dos

programas interagências para apoiar a CSS de forma operacional. Até o momento, o

principal papel do time foi o de aproximar mais o UNOSSC das agências, melhorando

seu perfil sistêmico.

6.4 Lacunas políticas

Na ONU, as políticas (policy) se referem a um conjunto de diretrizes, interligadas

a programas de ação, que buscam implementar certos objetivos e princípios. No que se

refere ao SDNU, os responsáveis por fazer as políticas em nível sistêmico são a AGNU e

o ECOSOC, ambos órgãos políticos (charging bodies) intergovernamentais compostos

por delegados de seus Estados-membros. Já no âmbito de cada uma das entidades do

SDNU, seus Conselhos Executivos, em consulta com o Secretariado, definem as

estratégias corporativas que orientam seus trabalhos dentro das políticas sistêmicas

definidas pelos Estados-membros.

271

Houve um esforço significativo para cobrir as lacunas políticas em relação à CSS

no período de 2008-2015. Nessa seção, serão analisadas as políticas definidas em três

níveis: no nível sistêmico, a Revisão Política Compreensiva Trienal/Quadrienal

(TCPR/QCPR – do inglês Triennial/ Quadrennial Comprehensive Policy Review), de

1999 a 2012; no nível do HLC-SSC, com enfoque na coordenação entre as entidades do

SDNU, o Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à

Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012); e no nível da relação entre o UNOSSC e o

PNUD, o Quadro Estratégico do UNOSSC ( 2014-2017); os Planos Estratégicos do

PNUD (2008-2011 e 2014-2017); e a Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação

Sul-Sul e Triangular para o Desenvolvimento Sustentável (2016).

A principal lacuna política em relação à CSS é a falta de coordenação entre esses

diferentes instrumentos. Em pouco tempo, houve uma proliferação de políticas para

promover a integração da CSS nos trabalhos regulares do SDNU, mas esse processo

ocorreu de forma ad hoc, com caráter fragmentado e incoerente, uma vez que, como será

visto a seguir, as políticas das diferentes instâncias se sobrepõem e repetem o trabalho

entre si em vários aspectos.

6.4.1 A coordenação sistêmica da CSS por meio da Revisão Política

Compreensiva Trienal/Quadrienal

A Revisão Política Compreensiva Trienal/Quadrienal208 (TCPR/QCPR, do inglês

Triennial/ Quadrennial Comprehensive Policy Review) é aprovada pela AGNU como o

propósito de revisar as atividades operacionais para o desenvolvimento e dar orientações

políticas sistêmicas para melhorar sua eficácia. O ECOSOC, por sua vez, é responsável

por coordenar sua implementação e realizar o monitoramento do trabalho das agências

especializadas.

As políticas definidas pela TCPR/QCPR visam garantir que as atividades

operacionais para o desenvolvimento conduzidas pelo SDNU respondam às necessidades

e estejam alinhadas com as prioridades dos PEDs, por meio das seguintes características:

(...) sua natureza universal, voluntária e de concessão, sua neutralidade e o seu multilateralismo, bem como sua capacidade de responder às necessidades de desenvolvimento dos países em desenvolvimento de forma flexível, e que as atividades operacionais do sistema das Nações Unidas sejam realizadas em

208 Até 2007, a revisão era feita em bases trienais; a partir de então, a revisão passou a ocorrer quadrienalmente.

272

benefício dos países recipiendários, a pedido desses países e de acordo com suas próprias políticas e prioridades de desenvolvimento (UNITED NATIONS GERAL ASSEMBLY, 1999 d, p. 2, tradução nossa209).

A TCPR/QCPR também deve garantir aos PEDs o direito de liderar essas

atividades e coordenar todos os tipos de assistência externa, incluindo as providas pela

ONU. Para isso, as atividades devem ser conduzidas pela abordagem no one size fits all,

isto é, não há uma modalidade única para o desenvolvimento dos países, de modo que as

atividades devem ser ajustadas de acordo com a realidade e as demandas de cada PED.

Desde 1999, a CSS é uma das modalidades avaliadas e revisadas pela

TCPR/QCPR, indicando políticas, em nível sistêmico, para promovê-la e integrá-la no

desenho e na implementação das atividades operacionais para o desenvolvimento. As

menções à CSS foram ganhando mais espaço na TCPR/QCPR conforme a modalidade

foi elevando seu perfil internacional. Nas revisões de 1999 e 2002, as orientações políticas

eram mais gerais, apenas indicando que o SDNU deveria melhorar a incorporação da

CTPD em seus programas e projetos, por meio da execução nacional (com o uso de

consultores, serviços e equipamentos dos PEDs) e do apoio ao trabalho da SU-TCDC

(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 d; 2002 b).

Na TCPR de 2004, a CSS foi inserida como uma modalidade de construção de

capacidades nacionais nos seguintes campos: formulação de políticas e programas;

gerenciamento; planejamento; implementação; coordenação; monitoramento e revisão.

Isso seria feito por meio da disseminação de melhores práticas, da promoção do

conhecimento e das tecnologias locais e da facilitação da rede de contatos entre

especialistas e instituições do Sul. A TCPR recomendou que os Estados-membros e as

entidades do SDNU participassem ativamente do HLC-SSC e se engajassem nas

plataformas de disseminação de conhecimento Sul-Sul desenvolvidas pela SU-SSC

(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2004).

Na revisão de 2007, a TCPR indicou o uso da modalidade como um meio de

implementação dos ODMs. Essa foi uma orientação política importante, ao conectar a

CSS com a agenda sistêmica da ONU para o desenvolvimento. Isso também estimulou a

209 Do original: “their universal, voluntary and grant nature, their neutrality and their multilateralism, as well as their ability to respond to the development needs of developing countries in a flexible manner, and that the operational activities of the United Nations system are carried out for the benefit of recipient countries, at the request of those countries and in accordance with their own policies and priorities for development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999, p. 2).

273

AGNU a fortalecer a SU-SSC tanto dentro do PNUD quanto em sua atuação sistêmica na

ONU (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 b).

Na QCPR de 2012, a CSS foi mencionada como um meio para melhorar a

construção de capacidades na área do desenvolvimento sustentável, considerando o

contexto de negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-2015. Nessa revisão, as

considerações sobre o papel da CSS foram feitas em vários âmbitos, como no

desenvolvimento das capacidades nacionais, na erradicação da pobreza e no cumprimento

dos ODMs. Também requereu que os chefes das agências, dos fundos e programas

dessem atenção aos projetos gerenciados ou apoiados pelo UNOSSC (UNITED

NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2012 a).

A TCPR/QCPR é um instrumento limitado de revisão sistêmica, uma vez que as

discussões a cada três/quatro anos basicamente mantêm as linhas de orientação e a mesma

linguagem acordada. Porém, a menção da CSS nesse documento é considerada de

fundamental importância para os PEDs, pois cria um mandato político sistêmico que é

usado nas negociações para justificar o estabelecimento de políticas mais específicas de

incorporação da modalidade em outras instâncias do SDNU.

6.4.2 Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à

Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012)

Considerando o papel do HLC-SSC como a instância responsável por aprovar

políticas específicas para a promoção da CSS em todo o sistema, o Quadro de Diretrizes

Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular

(2012), também chamado de nota de orientação (documento SSC/17/3), foi a principal

política adotada no que se refere à governança do SDNU para a CSS. O quadro tenta

preencher as lacunas políticas ao dar orientações sobre como as entidades do SDNU

devem integrar a CSS em suas políticas corporativas e seus quadros programáticos.

Os quadros a seguir listam as ações prioritárias em nível global para a integração

da modalidade em três áreas: de avaliação; de integração propriamente dita; e de

monitoramento do progresso. Cada área é dividida em subáreas, com ações, instrumentos

e exemplos de políticas específicos.

Na área de avaliação, o quadro dá as orientações para que as entidades do SDNU

façam um balanço das capacidades e dos gargalos existentes em relação à CSS, nas

seguintes subáreas: existência ou não de políticas corporativas para a promoção da

274

modalidade; capacidades institucionais, de recursos humanos e financeiros;

oportunidades de diálogo e parceria; e quais soluções Sul-Sul já estão à disposição das

entidades.

Quadro 13 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU –

Área de Avaliação (Assessment)

Subárea Ação Instrumentos Exemplos

Práticas e políticas

corporativas

Avaliar práticas e políticas corporativas e

determinar se elas facilitam e priorizam a

adoção da CSS

Mandatos chave das conferências da

ONU, da AGNU e dos Conselhos

Executivos

BAPA

Resultado de Nairóbi

TCPR/QCPR

Estratégias das entidades do SDNU

Cont. Subárea Ação Instrumentos Exemplos

Funcionários e capacidades

institucionais

Avaliar o número de funcionários e as

capacidades institucionais necessárias para promover

a CSS nas políticas e programas

Termos de referência para funcionários,

unidades e departamentos

responsáveis pela CSS

Termos de referência das entidades do

SDNU

Parcerias e oportunidades

Identificar oportunidades e promover o diálogo

entre parceiros

Acordos de parceria, Memorandos de Entendimento,

acordos e tratados regionais

Acordos de parceria das agências com

países e outras organizações, como

o IBAS

Iniciativas Sul-Sul

Medir o impacto das iniciativas Sul-Sul

apoiadas por políticas e programas da ONU

Identificar iniciativas em áreas temáticas onde

projetos de CSS teriam maior impacto

Indicadores de desempenho

definidos pelo Quadro de Diretrizes

(2012)

Relatórios, como do Secretário-Geral sobre o estado da

CSS, as avaliações do PNUD e de outras entidades do SDNU

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 10-12.

275

Na área de integração, o quadro de diretrizes estabeleceu orientações políticas para

que as entidades do SDNU pudessem incorporar a CSS em seus trabalhos regulares. Isso

exigiria uma mudança nos mecanismos de trabalho, envolvendo a construção de

capacidades humanas e financeiras para apoiar a modalidade. O quadro dá destaque para

o compartilhamento de conhecimento e o envolvimento de outras partes interessadas na

CSS, além dos governos.

Quadro 14 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU –

Área de Integração

Subárea Ação Instrumentos Exemplos

Conscientização dos funcionários e

construção de capacidades

Estabelecer treinamentos para aumentar a conscientização dos funcionários e construir capacidades de integração e avaliação do progresso das

atividades de CSS

Documento SSC/17/3

UNDAFs

Manual da SU-SSC

Treinamentos, rede de pontos focais

Mecanismos de trabalho

Estabelecer comunidades online de práticas, grupos de

trabalho e mecanismos interagências Sul-Sul

Estabelecer pontos focais

Desenhar quadros organizacionais e termos de

referência para os pontos focais de CSS e padronizar

suas funções principais

Documento TCDC/13/3,

papel dos pontos focais

Times de trabalho da SU-SSC

Metas

Definir metas específicas para incorporação da CSS em

políticas e programas para garantir melhor

monitoramento e avaliação

Documento SSC/17/3

Documento SSC/17/3

Quadros de Cooperação para a

CSS

Estratégias das entidades do SDNU

Parcerias

Estabelecer acordos regionais, temáticos ou setoriais de CSS

em fóruns e conferências

Estudar e aplicar os termos dos quadros de parcerias Sul-Sul

Documento SSC/17/3

IBAS

Acordos das entidades do SDNU

com países pivô

Cont. Subárea Ação Instrumentos Exemplos

276

Financiamento/

Mobilização de recursos

Promover arranjos de financiamento da CSS

Possibilidade de aumentar as alocações nacionais e os

recursos centrais para CSS nos programas nacionais

Novas formas de mobilização de recursos por meio da cooperação triangular

Relatórios sobre o

financiamento do desenvolvi-mento Sul-Sul

Relatórios do Departamento de

Assuntos Econômicos e Sociais sobre

financiamento do desenvolvimento

Sul-Sul

Fundos e agências, tanto de PEDs quanto de PDs

Mecanismos de compartilhamento de conhecimento

Estabelecer ou atualizar os mecanismos atuais

Melhorar e expandir as informações sobre as capacidades do Sul

Documentar e disseminar práticas capazes de replicação

Apoiar a expansão de centros regionais de excelência

Plataformas online

Feiras e eventos de

conhecimento

Publicações e pesquisas

Três pilares da SU-SSC: GSSD-

Academy, GSSD-Expo, SS-GATE

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 12-15.

Na área de monitoramento do progresso, metas de incorporação da modalidade

deverão ser estabelecidas por meio dos indicadores de desempenho globais (apresentados

na parte 1 da pesquisa). Uma melhora na produção e no gerenciamento do conhecimento

Sul-Sul é esperada, como resultado das avaliações sistemáticas sobre as melhores práticas

e sobre os gargalos no uso da modalidade.

277

Quadro 15 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU –

Área de Monitoramento do Progresso

Subárea Ação Instrumentos Exemplos

Indicadores

Definir indicadores globais que reflitam as metas de

integração no nível global

Promover o uso desses indicadores nos quadros das

entidades do SDNU

Integrar indicadores de CSS nos sistemas já existentes

de monitoramento

Documento SSC/17/3

Documento SSC/17/3

Mecanismo de relatório online da SU-

SSC

Mecanismos de relatório das entidades

do SDNU

Coleta e gerenciamento

de dados

Coletar, processar, arquivar e compartilhar as

informações sobre CSS

GSSD-Academy

Plataformas de intercâmbio de conhecimento

Sul-Sul das entidades do

SDNU

GSSD-Academy

Plataformas de intercâmbio de

conhecimento Sul-Sul das entidades do

SDNU

Monitoramento e avaliação

Usar os sistemas existentes para monitorar, avaliar e

reportar as contribuições da ONU para a CSS

Produzir estudos temáticos sobre a CSS

Conduzir avaliações periódicas, usando os

indicadores de CSS como base

SU-SSC

Sistema online do PNUD de relatórios

Mecanismos de avaliação das

agências

Relatórios do Secretário-Geral sobre

o estado da CSS

Relatórios do HLC-SSC

Avaliações do PNUD sobre CSS

Relatórios do Administrador do

PNUD para o Conselho Executivo do PNUD/UNFPA

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 16.

As diretrizes também articularam orientações sistêmicas para a atuação do SDNU

no nível nacional, onde efetivamente a modalidade é operacionalizada, ao indicar medidas

para incorporar a CSS nos Quadros de Ajuda ao Desenvolvimento das Nações Unidas

(UNDAFs, do inglês, United Nations Development Assistance Framework). Os

indicadores de desempenho para o âmbito nacional envolvem três áreas:

i) Estratégia e implementação do programa: os indicadores devem avaliar se

o time nacional é capaz de identificar as áreas de CSS que podem ter maior

278

impacto e realizar matchmaking; se a modalidade foi incluída em sua

estratégia de implementação, ao tentar usar ao máximo as capacidades

locais e de outros PEDs; a existência de um ponto focal no país para a

CSS;

ii) Aprendizagem por pares (peer-to-peer learning) e capacidade de

desenvolvimento e ação coletiva: esse indicador avalia se o time nacional

atua na implementação da CSS, dando apoio institucional; se faz uso das

bases de dados da SU-SSC; se utiliza mecanismos Sul-Sul de

financiamento; e se está engajado em trocas Sul-Sul.

iii) Compartilhamento de informação e maior conscientização: esse indicador

avalia se time nacional realiza atividades promocionais da CSS e se

documenta e dissemina informações e soluções Sul-Sul (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 26-

28).

Como mencionado na parte 1, a principal lacuna política das Diretrizes

Operacionais de 2012 é que, ao usar certos termos dos princípios da eficácia da ajuda

esposados pelo CAD-OCDE, vários PEDs rejeitaram o documento como um guia de

orientação política, preferindo se referir ao BAPA e ao Resultado de Nairóbi. De qualquer

forma, esse foi o documento que serviu de base para o reengajamento das entidades do

SDNU em promover a CSS no bojo das negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-

2015.

6.4.3 Quadro Estratégico do UNOSSC (2014- 2017)

Os Quadros de Cooperação aprovados pelo Conselho Executivo do PNUD

orientam o trabalho da SU-SSC/UNOSSC e sua relação com o PNUD. Como visto no

capítulo anterior, os dois primeiros Quadros de Cooperação enfatizaram a promoção da

CTPD e seus benefícios para os PEDs, definindo indicadores de sucesso da incorporação

da modalidade. Já o Terceiro e Quarto Quadros visaram promover a CSS por meio de três

plataformas de ação, além do enfoque no intercâmbio de conhecimento para acelerar a

implementação dos ODMs.

Para o período de 2014-2017, o Quadro de Cooperação foi renomeado como

Quadro Estratégico do UNOSSC, e teve como objetivo operacionalizar as orientações da

279

QCPR de 2012. O quadro parte do pressuposto de que é uma obrigação da ONU se engajar

na promoção e no fortalecimento da CSS:

As Nações Unidas têm a obrigação de ajudar a fortalecer as relações de colaboração entre os países em desenvolvimento graças ao seu poder de convocação, seu alcance global, sua presença em vários países, sua expertise técnica e sua imparcialidade. Isso não é menos verdade na área da Cooperação Sul-Sul e triangular (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, p. 2, tradução nossa210).

O quadro estabeleceu prioridades para uma melhor coordenação do apoio da ONU

à CSS, definindo três objetivos estratégicos: i) criar um ambiente político favorável para

que os atores se engajem na CSS; ii) disponibilizar aos parceiros do Sul os mecanismos

institucionais e as capacidades necessárias para gerenciar e implementar a modalidade; e

iii) promover iniciativas inovadoras para ampliar o impacto da CSS no desenvolvimento

dos PEDs.

Com base nesses três objetivos, foram estabelecidos três resultados esperados, que

são:

i) Resultado 1 – Fortalecer o processo multilateral do SDNU na definição de

políticas para a promoção do desenvolvimento, para que incorporem as

visões do Sul. Para isso, será necessário:

a. Permitir que Estados-membros e entidades do SDNU tomem decisões

informadas sobre a CSS, para que a modalidade possa ser

adequadamente refletida nos processos de decisão e documentos

estratégicos. Isso ocorrerá pelo fortalecimento do UNOSSC e do HLC-

SSC;

b. Apoiar ações de integração da modalidade em políticas globais e nas

atividades operacionais do SDNU. Isso será feito por meio de

diretrizes políticas e manuais de treinamento para os times nacionais,

facilitando a inclusão da modalidade nos UNDAFs. Também deverá

haver revisões adequadas ao quadro de diretrizes operacionais de 2012,

adaptando-o aos novos contextos;

210 Do original: “The United Nations has an obligation to help to strengthen collaborative relations among developing countries thanks to its convening power, global reach, country presence, technical expertise and impartiality. This is no less true in the area of South-South and triangular cooperation” (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, p. 2).

280

c. Aumentar a coerência e coordenação do SDNU para apoiar a CSS. Isso

será feito por mecanismos de interação e cooperação interagências;

ii) Resultado 2 – Construir capacidades para iniciar e implementar projetos

de CSS: isso será feito pela arquitetura tripartite do UNOSSC, ao elevar a

capacidade dos serviços oferecidos pelas seguintes plataformas:

a. GSSD-Academy: identificar, documentar e disseminar soluções

relevantes que ajudarão os PEDs a atingir os ODMs e que poderão ser

usadas para a implementação da Agenda de Desenvolvimento pós-

2015;

b. GSSD-Expo: por meio de feiras e exposições, apresentar soluções

bem-sucedidas que possam ser replicadas e estimular novas parcerias;

c. SS-GATE: oferecer, documentar e realizar o intercâmbio de

tecnologias e conhecimento adequados para os problemas dos PEDs;

iii) Resultado 3 – Criar parcerias e modalidades de financiamento para ampliar

o impacto das soluções do Sul para atingir os ODMs. Para isso, será

necessário:

a. Realizar parcerias e mobilizar soluções, por meio do SS-GATE, para

transferir tecnologias que sejam custo-efetivas e adequadas ao

contexto dos PEDs;

b. Sistematizar e fortalecer as contribuições financeiras e em espécie para

a CSS, por meio dos fundos existentes;

c. Ampliar o intercâmbio de conhecimento, em colaboração com as

organizações da ONU (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED

NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE

UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, pp. 8-11).

Como o quadro foi concluído ao final de 2017, ainda não havia sido lançada uma

avaliação oficial de seus resultados e das lições aprendidas. De qualquer forma, o quadro

não traz nenhuma abordagem inovadora em relação ao anterior, mantendo-se alinhado às

responsabilidades dadas ao UNOSSC nas Diretrizes Operacionais de 2012. Considerando

o ambiente político movediço das negociações da Agenda 2030, e que esse período foi

também a fase de reavaliação da localização institucional do Escritório, era de se esperar

que as diretrizes políticas fossem mais amplas caso alguma mudança institucional

ocorresse no período.

281

6.4.4 Planos Estratégicos do PNUD (2008-2011 e 2014-2017)

O papel do PNUD no processo de definição de políticas para a promoção da CSS

é central, devido à sua atuação em campo. Mas até 2007, uma das principais lacunas era

a ausência da menção da CSS nos Planos Estratégicos do PNUD. O Plano Estratégico é

um documento abrangente, responsável por gerenciar o PNUD como um todo.

Seguindo as diretrizes da TCPR de 2007, o PNUD incluiu, pela primeira vez, a

CSS como uma dimensão de seu Plano Estratégico para o período de 2008-2011. A

modalidade foi mencionada como uma das seis abordagens-chave para o

desenvolvimento de suas atividades e a implementação dos ODMs. O plano definiu três

resultados esperados para aumentar a eficácia de seu apoio à CSS:

i) Resultado 1: integrar abordagens Sul-Sul nos planos de desenvolvimento

nacionais e no trabalho da ONU;

ii) Resultado 2: usar a CSS para aumentar a eficácia dos esforços de

desenvolvimento e para cumprir os ODMs;

iii) Resultado 3: melhorar a eficácia das abordagens Sul-Sul feitas pela ONU

(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 19).

Os resultados dessa inclusão foram ambíguos. No período de 2008-2011, alguns

escritórios do PNUD reportaram a incorporação da CSS em seus programas nacionais e

mencionaram que houve progresso em relação ao uso das soluções Sul-Sul. Porém, eles

criticaram o caráter limitado de sua atuação em relação ao acesso, ao escopo, à

disseminação e ao seguimento das atividades voltadas para a CSS (UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 27).

Já o Plano Estratégico relativo à 2014-2017 baseou-se nas orientações da QCPR

de 2012. O objetivo era o de revitalizar a abordagem do PNUD para a CSS, de modo que

o programa pudesse cumprir três papeis: ser um mediador do conhecimento; ser um

construtor de capacidades de desenvolvimento nos PEDs; e ser um facilitador do

intercâmbio de conhecimento entre os PEDs.

O Plano definiu três áreas de atuação: a sistematização do conhecimento Sul-Sul,

catalogando as soluções que funcionam e aquelas que apresentam problemas de

implementação, para facilitar o matchmaking; a harmonização de políticas e regulações,

para que os programas nacionais sejam melhor utilizados na operacionalização da CSS;

a listagem de diferentes parceiros com potencial de promover e financiar projetos de

282

cooperação técnica (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2014, p.

40).

As orientações políticas do Plano de 2014 foram menos específicas do que o

anterior, mas elas serviram para orientar o trabalho do PNUD na ausência de uma

estratégia corporativa especificamente voltada para a CSS. No programa de operação do

PNUD em campo, há apenas informações mínimas sobre a CSS para guiar o trabalho

programático, que continua a ocorrer sem um direcionamento estratégico. Essa é,

portanto, a principal lacuna política do PNUD, pois uma estratégia corporativa dedicada

à modalidade poderia preencher os gargalos em relação à falta de definições operacionais

sobre o apoio à CSS em campo. Apenas em 2015 o PNUD se mobilizou para desenhar

sua estratégia corporativa para a CSS, que foi adotada em julho de 2016.

6.4.5 Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação Sul-Sul e Triangular

para o Desenvolvimento Sustentável (2016)

A Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação Sul-Sul e Triangular para o

Desenvolvimento Sustentável começou a ser delineada em abril de 2015, e sua escrita

envolveu consultas formais e informais com várias partes interessadas, especialmente os

PEDs mais engajados em CSS. Seu objetivo é o de orientar as ações do PNUD em relação

à CSS e esclarecer a divisão de trabalhos entre o programa e o UNOSSC. A estratégia é

considerada um documento vivo, que será ajustado com base no learning by doing e nas

avaliações recebidas dos parceiros.

A Estratégia visa conectar experiências e conhecimentos locais a uma rede global

capaz de facilitar o uso da CSS como meio de implementação da Agenda 2030. Para fazer

isso, o PNUD propôs a criação de um mercado global de soluções de desenvolvimento

(global development solutions exchange). Sem fins lucrativos, essa espécie de bolsa de

valores irá reunir soluções, serviços e especialistas Sul-Sul. As partes interessadas

poderão usá-la da forma que mais achar conveniente, não havendo obrigação para que os

Estados-membros ou o SDNU a utilizem. A bolsa será baseada no princípio de open

sourcing, por isso, não afetará a capacidade dos Estados-membros em conduzir suas

próprias políticas de CSS.

O PNUD não terá papel de intermediador, mas sim de facilitador dos

intercâmbios, utilizando de suas capacidades nos níveis global, regional e nacional para:

283

i) Criar um espaço para os participantes trocarem soluções e criarem uma

rede de contatos online e off-line;

ii) Aumentar a conscientização sobre soluções Sul-Sul que podem ser de

interesse de várias partes;

iii) Prover serviços em áreas de especialidade, com foco em financiamento,

apoio em espécie e capacidades de implementação;

iv) Manter um banco de dados atualizado em assuntos técnicos e temáticos;

v) Prover auxílio em questões legais e relacionadas à licitações e

contratações;

vi) Prover uma plataforma de software para a criação de novas aplicações

(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2016, p. 10).

A bolsa de soluções oferecerá três pacotes de serviços aos usuários:

i) Pacote de serviços 1 – Lançamento e gerenciamento da bolsa global de

soluções de desenvolvimento: esse pacote é operacional e focado nos

escritórios nacionais. Envolve aconselhamento, serviços de

implementação e gerenciamento. Os serviços oferecidos serão: start-up;

desenvolvimento de mercado, isto é, divulgar a bolsa; aconselhamento e

mediação, para trazer soluções para a bolsa; implementação;

desenvolvimento e manutenção de uma plataforma de tecnologia de

informação;

ii) Pacote de serviços 2 – diálogo global e coordenação e colaboração

sistêmicas: o foco é criar um ambiente mais propício para o avanço da

CSS, o que exigirá um trabalho próximo com o UNOSSC para fortalecer

a base de conhecimento global sobre a CSS. Dentre os serviços oferecidos

estarão: pesquisa, monitoramento e avaliação para criar abordagens

específicas para a CSS, um dos maiores gargalos até o momento; apoio

técnico para criar o consenso e promover o diálogo Sul-Sul e Triangular;

maior apoio aos fóruns da ONU de coordenação interagências;

iii) Pacote de serviços 3 – criar um ambiente propício nos níveis regional e

nacional: esse é um pacote operacional para criar um ambiente mais

favorável à CSS. Os serviços oferecidos serão: diagnósticos e análises para

facilitar as políticas, regulações e os quadros legais; construção de

capacidades institucionais e know-how; promoção de treinamentos; e

284

fortalecimento dos pontos focais (UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME, 2016, pp. 13-17).

Em termos de cronograma de implementação, a estratégia teve, além da fase

inicial em 2015 para construir a estratégia, mais duas etapas. A etapa 2 ocorreu de

fevereiro a dezembro de 2016, com a criação de um time de start-up da Bolsa, composto

por funcionários do PNUD, do UNOSSC, especialistas Sul-Sul e países interessados.

Nessa fase, foram realizados estudos, prospecções e campanhas para aumentar a

conscientização e atrair interesse. Já a etapa 3 ocorreu de janeiro a dezembro de 2017,

com o soft lauch da Bolsa global para um período teste de 24 meses, com foco em criar

demanda e garantir sua sustentabilidade financeira.

De acordo com a estratégia, a implementação por completo da plataforma exigirá

três esforços paralelos. Primeiramente, um esforço por parte dos Estados-membros em

equilibrar os interesses de diferentes grupos de países nas negociações que ocorrem no

HLC-SSC, na AGNU e no ECOSOC. Espera-se que as tensões Norte x Sul sejam

mitigadas por uma perspectiva ganha-ganha e pelo diálogo informado por evidências,

com foco na busca de soluções. Também será necessário garantir o apoio e engajamento

dos países nos quais o PNUD tem programas, para que eles utilizem a plataforma. Por

fim, os Estados-membros deverão se envolver na divisão dos custos: enquanto a primeira

e segunda fases foram financiadas por recursos do PNUD, o funcionamento pleno da

bolsa deverá ser mantido por diferentes fontes de contribuição.

O segundo esforço será o de mobilizar os programas do PNUD e os programas

conjuntos com outras agências, para lidar com quatro prioridades:

i) Integrar a CSS aos programas nacionais e regionais de desenvolvimento;

ii) Oferecer serviços para lidar com os constrangimentos institucionais e

regulatórios que dificultam o avanço da CSS;

iii) Promover parcerias com várias partes interessadas, incluindo multi-países

e inter-regionais;

iv) Dar acesso a serviços que facilitarão a utilização da bolsa de soluções,

conectando as demandas às soluções ofertadas. Deve-se garantir que o

funcionamento da bolsa seja puxado pela demanda.

Por fim, o terceiro esforço será o de envolver o PNUD e o UNOSSC em um

verdadeiro trabalho conjunto. Na estratégia, o PNUD ficaria com o papel operacional,

enquanto o UNOSSC estaria envolvido com os órgãos normativos da ONU para

promover a coordenação sistêmica. A estratégia deverá ajudar o UNOSSC a engajar as

285

agências da ONU na CSS, e os relatório do HLC-SSC deverão indicar o progresso na

implementação da estratégia.

A reação dos Estados-membros à proposta foi positiva, uma vez que a preparação

de uma estratégia operacional do PNUD especialmente voltada para a CSS era

demandada há alguns anos. Para o G-77, o ponto central da estratégia seria o de melhorar

a coerência sistêmica da CSS no SDNU e elevar o perfil do UNOSSC.

Já os grandes doadores estavam preocupados com a questão do financiamento e

com os indicadores que seriam utilizados para monitorar a entrega dos serviços. Os países

do CAD-OCDE ressaltaram a importância dos princípios da eficácia da ajuda nesse

processo. A resposta do PNUD a essa questão foi controversa: os funcionários

responsáveis por apresentar a Estratégia afirmaram que o PNUD valoriza os princípios

da eficácia da ajuda em termos de monitoramento, mas que, para essa estratégia em

específico, os Estados-membros deveriam decidir os critérios de avaliação e

monitoramento. Isso demonstra a dificuldade do programa em se desvincular do

paradigma da cooperação tradicional e de agir sem considerar os interesses dos maiores

doadores.

6.5 Lacunas de cumprimento (compliance)

As lacunas de cumprimento se referem aos contextos e às práticas que prejudicam

ou impedem que uma política seja adequadamente executada pelas partes envolvidas. No

caso da ONU, como todas as suas decisões apresentam caráter recomendatório211, as

lacunas de cumprimento envolvem problemas de implementação, execução e

monitoramento.

No que se refere à CSS, a seção irá analisar as lacunas de cumprimento a partir

dos resultados de duas avaliações sobre o desempenho do SDNU na promoção da CSS: a

avaliação do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU; e a avaliação do

PNUD sobre o apoio à CSS. Ambas as avaliações consideram que há um descolamento

entre os compromissos políticos e a operacionalização da modalidade em campo.

Em 2014, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU fez uma

avaliação da implementação da QCPR de 2012. Representantes residentes de 74 países

211 Com exceção às resoluções do Conselho de Segurança.

286

com programas nacionais participaram da avaliação, o que correspondeu a 50% dos

gastos do SDNU com as atividades operacionais para o desenvolvimento no período

(UNITED NATIONS, 2014, p. 3).

No quadro abaixo, estão as respostas da pesquisa em relação a três questões: o

envolvimento dos países com a CSS ou com formas de intercâmbio horizontal na área do

desenvolvimento; o envolvimento da ONU em apoiar a CSS; e a existência de um ponto

focal para a CSS. Na pesquisa, 72% dos representantes residentes afirmaram que seu país

estava envolvido com CSS, mas a maioria sinalizou que o processo era ainda inicial.

Sobre o apoio da ONU na promoção da modalidade, 66% responderam que há esse apoio,

mas alguns representantes destacaram que as iniciativas são isoladas. Por sua vez, 19%

desconheciam a existência do apoio da ONU, demonstrando que ainda falta dar alcance

às plataformas políticas e de conhecimento Sul-Sul. Um dos motivos pode ser a

inexistência de pontos focais nacionais: apenas metade dos representantes afirmaram

haver uma entidade responsável por promover a CSS, enquanto 21% desconhecia tal

existência.

Quadro 16 – Pesquisa sobre o envolvimento dos países e da ONU no apoio à CSS

Sim Não Não sabe

Seu país está envolvido com CSS? 72% 18% 10%

A ONU apoia a CSS em seu país? 66% 15% 19%

Em seu país, há uma entidade dedicada à CSS? 49% 30% 21%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2014, p. 35; p. 38.

Para aqueles representantes que afirmaram haver um envolvimento do SDNU em

promover a CSS em seu país, a avaliação analisou as áreas em que esse apoio ocorreu e

quais outras áreas o país esperava receber apoio da ONU no futuro. Na pesquisa, 58 dos

74 países forneceram informações a respeito dessas áreas, e as respostas estão no quadro

a seguir. Os representantes poderiam indicar quantas áreas quisessem.

Nota-se que a atuação da ONU é mais proeminente na área de políticas sociais,

como proteção social, saúde e segurança alimentar. Na área da cooperação econômica, há

maior ênfase no desenvolvimento agrícola e rural. A agenda para o desenvolvimento

sustentável se destacou no apoio às soluções para combater as mudanças climáticas e

287

resolver problemas atrelados à água e ao saneamento. A questão dos direitos humanos é

mais evidente na área da promoção da igualdade de gênero.

Também é interessante observar que, em relação às expectativas de apoio futuro

da ONU, os representantes esperam que a organização se engaje justamente nas áreas

onde se mostra menos ativa: crescimento econômico e emprego; e indústria, comércio e

investimentos.

Quadro 17 – Áreas de apoio da ONU para a promoção CSS (em número de

respostas)

Área A ONU ofereceu

apoio à promoção da CSS nessa área

O país espera receber o apoio da ONU na promoção da CSS nessa área

Desenvolvimento agrícola e rural 22 (1º lugar) 23 (7º lugar)

Proteção social 20 (2º lugar) 16 (13º lugar)

Saúde 19 (3º lugar) 19 (10º lugar)

Segurança alimentar e nutrição 18 (4º lugar) 23 (8º lugar)

Igualdade de gênero 18 (5º lugar) 12 (15º lugar)

Meio ambiente e recursos naturais (incluindo mudanças climáticas, água e

saneamento) 17 (6º lugar) 24 (5º lugar)

Governança e administração pública 17 (7º lugar) 18 (11º lugar)

Transferência de conhecimento e tecnologia 15 (8º lugar) 28 (4º lugar)

Educação 15 (9º lugar) 21 (9º lugar)

Redução da pobreza 15 (10º lugar) 17 (12º lugar)

Redução do risco de desastres 13 (11º lugar) 24 (6º lugar)

Assistência humanitária 13 (12º lugar) 12 (16º lugar)

Descentralização 12 (13º lugar) 16 (14º lugar)

Direitos humanos e igualdade 12 (14º lugar) 11 (17º lugar)

Políticas para o desenvolvimento sustentável

(políticas que integram as dimensões econômica, social e ambiental)

11 (15º lugar) 33 (1º lugar)

288

Cont. Área A ONU ofereceu

apoio à promoção da CSS nessa área

O país espera receber o apoio da ONU na promoção da CSS nessa área

Construção da paz e recuperação inicial 11 (16º lugar) 10 (18º lugar)

Crescimento econômico e emprego 9 (17º lugar) 33 (2º lugar)

Indústria, comércio e investimentos 6 (18º lugar) 29 (3º lugar)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2014, pp. 36-37.

Por fim, a avaliação perguntou aos representantes quais eram os maiores desafios

enfrentados pela ONU na promoção da CSS, sendo essa uma pergunta aberta. Dentre as

respostas, se destacaram três conjuntos de problemas: coordenação; falta de

conhecimento; e falta de alinhamento com as expectativas nacionais. Em relação aos

problemas de coordenação, foi mencionada a falta de padrões operacionais e a ausência

de programas específicos para a CSS. Sobre o conhecimento, os representantes

mencionaram uma falta de compreensão, por parte dos funcionários em campo, sobre as

especificidades da CSS. Acerca do alinhamento, as respostas indicaram que ainda é um

desafio para a ONU promover a CSS de forma alinhada com as capacidades e

expectativas nacionais (UNITED NATIONS, 2014, p. 40).

Os resultados de implementação do sistema ONU como um todo não são muito

diferentes daqueles verificados na avaliação sobre a contribuição do PNUD na promoção

da CSS. Na pesquisa conduzida pelo Escritório de Avaliação do PNUD em 2013, foram

realizadas 290 entrevistas, em todos os níveis do programa (nacional, regional e global).

Conforme mostra o gráfico a seguir, os escritórios nacionais do PNUD

consideraram que houve progresso na atuação do programa em relação à CSS. Em 2011,

a promoção da modalidade foi citada como um resultado alcançado em 645 relatórios de

resultados de programas em 152 países (de um total de 995 resultados de programa)

(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 111). Já em relação

a projetos de CSS propriamente ditos, em 2013 foram desenvolvidos 269 projetos em 133

países; esse número quase dobrou em 2014, com um total de 469 projetos (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2015, p. 8).

289

Gráfico 2 – Avaliação dos escritórios nacionais do PNUD sobre o progresso da CSS

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 93.

A maior parte dos projetos envolveu o intercâmbio entre 2 ou mais países (61%),

mas houve um crescimento de 3% nas iniciativas regionais (de 28% em 2013 para 31%

em 2014). Por sua vez, 8% das iniciativas foram realizadas em âmbito global. Dentre as

áreas de atuação da integração da CSS, se destacaram: intermediador de conhecimento

(72%); construção de capacidades (24%); e facilitador de parcerias (18%) (HIGH-

LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2015, p. 10).

Na área de conhecimento, o papel definido pelo Plano Estratégico do PNUD para

que o programa atuasse como intermediador de conhecimento teve resultados imediatos.

A conexão com os escritórios nacionais e as comunidades de práticas permitiu ao PNUD

promover um maior intercâmbio de informações: 57% dos programas nacionais avaliados

identificaram as contribuições positivas do PNUD nessa área, por meio de treinamentos,

tours de estudo, uso de especialistas e auxílio à realização de conferências internacionais

e regionais (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 33).

Na área de construção de capacidades, destacaram-se as iniciativas de

fortalecimento político e institucional. Essas iniciativas foram conduzidas e financiadas

pelos países, com apoio do PNUD nas áreas de treinamentos de staff; planejamento;

10%

73%

16%

1%

9%

62%

26%

2%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

Progresso alcançado Mudança positiva Nenhuma mudança Aquém do esperado

Sim Não

290

estatísticas e suporte técnico; e apoio aos centros de excelência, ajudando a consolidar

informações e melhores práticas.

Na área de parcerias, o PNUD também se esforçou para aumentar e diversificar

sua relação com várias partes interessadas. Em 2013, 75% dos parceiros eram governos;

12%, organizações da sociedade civil; 7%, setor privado; 3%, academia; e 3%, institutos

de pesquisa (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION,

2015, p. 9).

Embora sejam resultados positivos, a implementação e a execução das políticas

do PNUD apresentam resultados muito desiguais. O programa está apoiando iniciativas

isoladas, sem uma estrutura que poderia conectá-las e criar um aprendizado por pares. As

conquistas são individuais e carecem de uma abordagem programática sistêmica, com

ferramentas, estratégias, especialistas dedicados à CSS.

Outro problema é que as orientações programáticas para o desenho dos projetos

restringem o uso de outras abordagens que não a Norte-Sul. As orientações existentes

reforçam o uso da cooperação técnica tradicional como o trabalho usual, e o uso da CSS

como algo especial ou específico. O PNUD ainda trabalha com a ideia de que é um

provedor de cooperação técnica, e mesmo quando utiliza soluções Sul-Sul, vê os países

como recipiendários, e não como tomadores de decisões no processo de implementação.

Ou seja, a relação ainda é vertical, ao invés de horizontal, e a aprendizagem em

pares e o benefício mútuo entre os PEDs são perdidos no arranjo. Com isso, há um

descompasso entre a promoção da CSS nos níveis mais altos da organização e no nível

prático dos programas. As plataformas de compartilhamento de conhecimento e os

sistemas de relatórios não geram uma aprendizagem corporativa sobre a CSS, e o PNUD

está perdendo uma oportunidade de aprender lições que poderiam ser sistematizadas e

disseminadas pela organização.

Em suma, para melhorar a capacidade de cumprimento do SDNU em relação à

promoção da CSS, seria necessário realizar uma aplicação sistemática da CSS nos

programas, por meio do fortalecimento das capacidades programáticas e de conhecimento

das burocracias do SDNU.

291

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE II

Essa parte teve como objetivo discutir como a governança do SDNU afeta a

incorporação operacional da CSS. A governança do SDNU é historicamente atomizada e

compartimentalizada, sem nenhum mecanismo capaz de dar coerência às várias

atividades operacionais conduzidas pelas agências e pelos fundos e programas que

formam o sistema. As reformas dos anos 1990, com o desmantelamento do papel do

PNUD como agência financiadora central e a criação dos Conselhos Executivos para os

programas e fundos, afrouxou ainda mais a coordenação do SDNU. Ademais, como na

maior parte das instâncias decisórias do SDNU as decisões são via consenso, a

coordenação acaba sendo feita via mínimo denominador comum, e não pela priorização

efetiva das áreas de ação.

Em termos de governança, isso gera quatro problemas, definidos por Browne e

Weiss (2013, p. 2) como os 4 Cs: competição, coerência, capacidade e complacência. A

descentralização do SDNU resulta em uma competição entre as entidades por mandatos

e recursos, levando à falta de coerência da atuação operacional. A redundância e a

repetição de ações em certas áreas – e a escassez de atuação em outras – comprometem a

capacidade da ONU em promover, com eficácia, o desenvolvimento em âmbito

internacional. Outro problema é a complacência. A maioria dos funcionários da ONU

ainda não reconhece que é necessário promover uma mudança sistêmica para evitar a

ineficiência e até mesmo a marginalização do SDNU. As reformas na burocracia são

incrementais, com várias pequenas adaptações, e a tendência é a de ampliar e criar novas

partes, ao invés de racionalizar e criar uma sinergia entre elas.

Os problemas estruturais de sua governança resultam na incapacidade do SDNU

em realizar a incorporação operacional da CSS nos trabalhos regulares de suas entidades.

A integração apenas ocorre de forma ad hoc e dependente de iniciativas individuais, não

havendo um processo sistêmico e coerente no uso da modalidade.

Por isso, as lacunas de conhecimento, normativas, institucionais, políticas e de

cumprimento em relação à integração da CSS enfatizam três aspectos da crise de

governança do SDNU: a falta de credibilidade; a falta de legitimidade; e a falta de

incentivo.

Há um déficit de credibilidade em relação à eficiência dos programas de

desenvolvimento da ONU. Os programas de cooperação tradicionais se mostram cada vez

292

mais ineficientes, com treinamentos superficiais, pouco impacto na realidade local e

ausência de real transferência de conhecimento e construção de capacidades. Já a CSS

tem acumulado um histórico de impactos positivos em campo, entregando mais com

menos recursos. Porém, mesmo diante da eficiência da CSS comprovada por vários

projetos, o SDNU tem enorme dificuldade em se adaptar, sendo historicamente

prevalecentes as barreiras informacionais e atitudinais contra a modalidade.

Há uma lacuna de informações e conhecimento sobre as capacidades e práticas

dos PEDs, que impede tanto a Primeira ONU de tomar decisões que efetivamente

considerem a CSS, quanto a Segunda ONU de incorporar essa modalidade em seus

projetos em campo. Também há uma atitude de resistência em mudar a forma como a

cooperação internacional para o desenvolvimento é concebida. No caso dos Estados-

membros, essa resistência vem dos PDs, que acreditam que perderão um valioso

instrumento de política externa – a ajuda – caso ocorra a incorporação plena da CSS ao

SDNU. Já para os funcionários da ONU, a cultura burocrática de que as agências, os

fundos e programas são os detentores do conhecimento e das soluções de

desenvolvimento dificulta a mudança para uma modalidade que entende que as soluções

estão nos PEDs eles mesmos, e as agências apenas facilitariam o processo.

Isso desafia a credibilidade do SDNU em ser responsivo com as demandas dos

PEDs e até poderia torná-lo redundante. Os PEDs, e particularmente as potências

emergentes, questionam porque eles deveriam apoiar um conjunto de instituições e

práticas que se mostraram ineficientes e pouco responsivas às suas demandas. Nesse

aspecto, a não-incorporação operacional da CSS aponta para a crise de legitimidade do

SDNU.

A questão da legitimidade se refere à noção de quem fala e por quem fala no

processo de tomada de decisão. As instâncias decisórias do SDNU são, em teoria, mais

democráticas, pelo fato de seguirem o princípio um país-um voto. Na prática, os quadros

decisórios são dominados pelos doadores tradicionais, que financiam a maior parte das

atividades dos programas. Por isso, a incorporação da CSS ao trabalho regular do SDNU

questiona a legitimidade do processo de tomada de decisão em relação à

representatividade dos interesses dos PEDs, especialmente nos Conselhos Executivos das

agências, dos fundos e programas.

Algumas mudanças no sistema de votação e na composição dos quadros

executivos têm ocorrido para responder a essa demanda, mas ainda de forma tímida. O

CAD-OCDE também passou a usar uma linguagem de que é necessário acomodar os

293

interesses e as visões do Sul, e que isso trará novas parcerias e oportunidades. Mas a

arquitetura do SDNU ainda reflete prioritariamente a visão de cooperação dos PDs, e a

promoção da CSS é vista como uma agenda especial, ao invés de uma modalidade que

deveria ser adotada como prática usual.

Ao mesmo tempo, faltam incentivos para que as potências emergentes considerem

a opção de aproximar a linguagem da CSS aos princípios do CAD-OCDE em relação ao

paradigma da eficácia da ajuda. Para esses países, há desincentivos econômicos e

políticos para realizar esse alinhamento, uma vez que eles já não contam

significativamente com as contribuições dos doadores tradicionais e apresentam alguma

capacidade de desenvolvimento para sustentar relações cooperativas com outros PEDs.

Tais potências estão dispostas a resistir e até mesmo rejeitar as práticas e normas

dominantes de cooperação internacional para o desenvolvimento na ONU, e defendem

uma reforma profunda na estrutura de governança do SDNU, para que ela efetivamente

inclua os princípios de responsabilidades comuns, mas diferenciadas; de aprendizado

mútuo; e de respeito a abordagens alternativas. Entretanto, essa resistência não é tão

expressiva nos países menos desenvolvidos e mais dependentes das doações do CAD-

OCDE.

Por isso, as possibilidades futuras para a integração operacional da CSS no SDNU

vão depender da posição das potências emergentes: elas irão adaptar o conceito de CSS

às orientações vigentes ou vão desenvolver seus sistemas paralelos, embora cooperativos,

de governança? Isso dependerá não apenas da capacidade desses países em preencher as

lacunas da governança do SDNU para a CSS, mas, especialmente, da capacidade de

financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento conduzidas pelo

SDNU. A questão do financiamento para o desenvolvimento será o tema da última parte

da pesquisa.

294

PARTE 3 – A GRADUAÇÃO DO SUL?

O financiamento da integração da Cooperação Sul-Sul

no SDNU

Na parte 3, será discutido o financiamento destinado à incorporação da CSS ao

Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU). Mais especificamente, essa

parte tem como objetivo analisar o impacto dos chamados doadores emergentes –

expressão utilizada para se referir à crescente contribuição financeira das potências

emergentes– no financiamento dos projetos de CSS.

Uma característica do financiamento da CSS é que ele passa ao largo do SDNU:

os doadores emergentes preferem canalizar bilateralmente seus recursos, ao invés de

destiná-los à ONU. Assim, a pergunta que conduz a discussão da parte 3 é a seguinte: se

os doadores emergentes estão cada vez mais engajados em incorporar a CSS ao SDNU,

porque seu financiamento não passa prioritariamente pelo sistema?

Ademais, nessa parte haverá um esforço de compilação dos dados sobre o

financiamento da CSS no SDNU, uma vez que essas informações não estão

sistematizadas nos diferentes documentos oficiais. Isso dificulta a avaliação sobre os

constrangimentos à incorporação da modalidade atrelados ao financiamento, e o esforço

da pesquisa de organizar esses dados em bases comparáveis poderá contribuir para uma

melhor análise desse processo.

Para tanto, no capítulo 7, serão apresentadas as fases da estrutura de financiamento

do desenvolvimento na ONU de 1945-1990, e seus impactos para o financiamento da

CSS. Uma vez que a maior parte dos recursos dos fundos, programas e das agências do

SDNU são oriundos de contribuições voluntárias dos Estados-membros, angariar recursos

para financiar a integração da CSS sempre foi um desafio. Até os anos 1990, os PEDs

tinham pouquíssimos recursos e os doadores do CAD-OCDE tinham poucos incentivos

para financiar a CSS, trazendo constrangimentos a esse processo.

No capítulo 8, será discutido o contexto dos anos 2000, de consolidação dos

doadores emergentes, quando a ideia de CSS encontra condições de financiamento muito

mais favoráveis, o que deu maior projeção à modalidade no SDNU. Por sua vez, isso

levou os doadores do CAD-OCDE a defender a graduação das potências emergentes, isto

295

é, pressioná-las para que assumam maiores responsabilidades e dividam o ônus de

financiamento do SDNU.

Mas os doadores emergentes se recusam a assumir maiores responsabilidades

financeiras enquanto não houver uma reforma na governança do SDNU. Diante desse

impasse, o financiamento da CSS no SDNU continua sofrendo constrangimentos, e a falta

de recursos centrais contribui negativamente para a integração sistêmica da modalidade,

como será visto nos capítulos a seguir.

296

CAPÍTULO 7 – A ESTRUTURA DE FINANCIAMENTO DO SDNU

E O FINANCIAMENTO DA CSS (1945-1990)

Nesse capítulo, primeiramente será apresentada a estrutura de poder subjacente ao

financiamento do SDNU, indicando suas principais fontes de recursos, que são as

contribuições voluntárias dos Estados-membros. Em seguida, serão apresentadas as fases

de financiamento do sistema, começando pelo período de 1945-1960, de construção dos

primeiros mecanismos para dar suporte financeiro às atividades de cooperação técnica,

como o Programa Expandido de Assistência Técnica para o Desenvolvimento Econômico

dos Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês, Expanded Programme of Technical

Assistance for Economic Development of Under-developed Countries) e o Fundo Especial

das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico (SUNFED, do inglês, Special

United Nations Fund for Economic Development). Nessa fase, também será analisada a

criação do PNUD em seu papel de agência financiadora central, com a responsabilidade

de aglutinar as contribuições voluntárias dos PDs no sistema multilateral e distribuir esses

recursos entre as diferentes entidades do SDNU, responsáveis por implementar os

projetos nos PEDs.

A segunda fase da estrutura de financiamento compreende o período de 1970-

1980, quando há a consolidação da promoção da CTPD como uma das funções do SDNU.

Nesse período há uma crise financeira no PNUD, com a redução expressiva das

contribuições dos PDs. A ênfase na execução nacional dos projetos tinha como propósito

não apenas aumentar sua conexão com as demandas acionais, mas também diminuir os

custos de implementação, transferindo-os para o campo.

Quando da aprovação do BAPA, em 1978, um dos motivos de alocar a SU-TCDC

no PNUD foi o de garantir uma fonte mais segura de financiamento para os trabalhos da

Unidade Especial. Mas como essa foi a fase marcada por restrições orçamentárias, o

financiamento da CTPD contou apenas com uma pequena parte das estimativas do

volume de recursos (IPFs, do inglês, indicative planning figures); com os recursos para

programas especiais (SPR, do inglês, special programme resources) do PNUD; e com

Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países

em Desenvolvimento (PGTF, do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund).

297

Por fim, o capítulo discute os anos 1990, quando há uma drástica mudança no

padrão de financiamento do SDNU, em virtude do fim da posição do PNUD como agência

financiadora central. Cada entidade do sistema passou a ter que garantir seu próprio

financiamento, e, com isso, o padrão dos recursos deixou de ser as contribuições

voluntárias dos Estados-membros e passou a se basear em financiamentos especificados

pelos contribuintes. Isso aprofundou a fragmentação e a falta de coerência do SDNU e

dificultou ainda mais a canalização de recursos para a CTPD. A resolução da AGNU em

criar o Fundo Fiduciário para a Promoção da Cooperação Sul-Sul, em 1996, e a decisão

do PNUD em alocar 0,5% de seus recursos para a CTPD, em 1997, foram tentativas de

dar alguma previsibilidade ao financiamento da modalidade, mas o caráter ad hoc e pouco

sistêmico de sua integração também são resultado do padrão errático e limitado de

financiamento.

7.1 A estrutura de financiamento do SDNU

As tensões políticas mais sérias na ONU envolvem as questões orçamentárias. Por

meio do financiamento, um conjunto de ideias e normas se tornam concretas no campo

da cooperação internacional para o desenvolvimento. Trata-se de uma ferramenta de

política externa que afeta significativamente aquilo que as autoridades políticas

conseguem entregar em termos de execução e implementação das ideias e dos valores

subjacentes aos projetos de desenvolvimento.

A batalha sobre os pagamentos obrigatórios à organização e o destino dos gastos

explicitam as relações de poder na ONU: qual deveria ser o critério de distribuição dos

pagamentos e dos gastos? Quem deve pagar, em qual quantidade? E que objetivos

políticos devem ser financiados? Esse debate ocorre não apenas nas instâncias formais de

decisão, onde prevalece a regra democrática de um país-um voto, mas também nas

negociações informais. Por isso, segundo Laurenti (2008, p. 675, tradução nossa212):

212 Do original: “Finances are a fundamental metric of power – the wherewithal that gives tangible effect to the verbal intentions that political authorities solemnly proclaim. The viability and performance of any political unit depends on the financial resources it can muster. Moreover, in any political system, the allocation of the burden of providing revenue, on the one hand, and of the expenditure of resources, on the other, provides a vivid demonstration of that system's power relationships and political values” (LAURENTI, 2008, p. 675).

298

As finanças são uma medida fundamental de poder – os meios que dão efeito tangível às intenções verbais que as autoridades políticas solenemente proclamam. A viabilidade e o desempenho de qualquer unidade política dependem dos recursos financeiros que ela pode gerar. Além disso, em qualquer sistema político, a alocação do ônus de prover as receitas, por um lado, e o gasto dos recursos, por outro, fornece uma demonstração vívida das relações de poder e dos valores políticos desse sistema.

Por ocasião das negociações para a criação da ONU na conferência de Dumbarton

Oaks, em 1944, os Estados Unidos haviam proposto que as questões orçamentárias da

organização fossem aprovadas como nas IBW, onde o peso do voto deveria ser

correspondente ao montante da contribuição. Preocupadas com a influência que os

Estados Unidos poderiam ter nas questões de paz e segurança internacionais, esse arranjo

foi negado pelas outras potências presentes, ficando decidido na Conferência de São

Francisco que todos os Estados-membros da ONU seriam responsáveis por aprovar

conjuntamente o orçamento da organização, com base no princípio de um país-um voto

(LAURENTI, 2008, p. 677).

Em termos de processo decisório, o orçamento da ONU é negociado na AGNU,

em sua Quinta Comissão. Essa comissão tem duas particularidades. Primeiramente,

enquanto as questões normais da AGNU são aprovadas por uma maioria simples, as

questões orçamentárias devem ser decididas por uma maioria de 2/3 dos votos. Porém, a

segunda particularidade é que, dado o caráter sensível da definição do orçamento, as

resoluções da Quinta Comissão são sempre aprovadas pelo consenso. Isso porque, se o

orçamento fosse levado à voto, isso iria, na prática, inviabilizar a efetivação do

orçamento, pois os países que votassem contra não seriam obrigados a fazer as

contribuições estabelecidas na resolução aprovada.

Por conta dessas particularidades, desde o início houve tensões sobre a

distribuição do valor das contribuições obrigatórias de cada membro, compondo assim

seu orçamento regular. O orçamento regular se refere às contribuições avaliadas, isto é,

ao pagamento obrigatório dos Estados-membros por fazer parte da ONU. Em 1946, a

AGNU criou um Comitê sobre Contribuições, responsável por definir as fórmulas para

calcular a proporção adequada de contribuição de cada Estado-membro, seguindo o

princípio da “capacidade de pagar”. O Comitê elaborou uma fórmula que inclui a média

entre as rendas nacionais relativas, o deslocamento temporário das economias nacionais,

o aumento na capacidade de pagar, a disponibilidade de divisas estrangeiras e a renda per

capita relativa.

299

A partir dessa fórmula, o financiamento da ONU como um todo ficou sob

responsabilidade dos países mais ricos, mas os Estados Unidos propuseram um teto de

22% para evitar que o peso do orçamento recaísse prioritariamente sobre eles. Vários

países se posicionaram contrariamente a essa proposta, afirmando que o teto contradizia

o princípio de capacidade de pagar e implicaria em aumentar a contribuição de outros

países com menor capacidade de pagamento. Mas os Estados-membros acabaram

cedendo à solicitação dos Estados Unidos, para não correrem o risco de não contar com

a participação e o financiamento desse país. Mesmo com o teto de 22%, os Estados

Unidos são os maiores contribuintes da ONU e, por isso, detêm o poder de definição do

orçamento, acima das regras de decisão da maioria213.

Já o financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento

conduzidas pelo SDNU é diferente do financiamento da ONU como um todo. Apenas

uma pequena parte dos recursos do SDNU vem do orçamento regular da ONU, e esse

montante é destinado ao pagamento de salários de algumas posições sêniores e ao

financiamento de certas conferências. No SDNU, cada entidade do sistema é responsável

pelo seu próprio orçamento, aprovado pelos respectivos Conselhos Executivos. Portanto,

o financiamento das entidades do SDNU pouco passa pelo escrutínio dos membros da

AGNU, que apenas podem recomendar aos Conselhos Executivos que priorizem o

financiamento de determinadas áreas.

O orçamento das entidades do SDNU é prioritariamente financiado por

contribuições voluntárias dos Estados-membros. Nesse tipo de contribuição, o poder está

nas mãos dos contribuintes, que decidem o montante e o destino dos recursos. Isso

significa que os doadores têm muito mais poder nos Conselhos Executivos do que na

AGNU, pois podem simplesmente se negar a financiar determinado programa. As

contribuições voluntárias também permitem que os doadores não assumam

compromissos orçamentários de longo prazo, enquanto na AGNU, é mais difícil fazer

modificações nas contribuições uma vez que elas tenham sido aprovadas por consenso.

As contribuições voluntárias podem ser de dois tipos: centrais (core contributions)

ou especificadas/não-centrais (earmarked/non-core contributions). As contribuições

213 O artigo 19 da Carta estabelece as penalidades em caso de atraso nos pagamentos das contribuições avaliadas que excedam o montante correspondente a um período de dois anos. O país perde seu direito de voto na AGNU, mas o órgão pode deliberar a favor de manter o direito de voto se a incapacidade de pagar for resultante de forças externas à vontade do Membro. Os Estados Unidos são, ao mesmo tempo, os maiores contribuintes e aqueles que apresentam maiores atrasos no pagamento de suas contribuições ao orçamento regular. Mas isso pouco afeta seu poder de voto, dada sua importância política.

300

centrais se referem aos principais recursos das entidades do SDNU, que são dispendidos

por meio de compromissos anuais ou plurianuais por parte dos Estados-membros. Apesar

desses recursos serem voluntários, eles possuem algum grau de previsibilidade, pois estão

incluídos nos planos estratégicos e nos orçamentos integrados das entidades. Ademais, as

contribuições centrais são feitas sem nenhuma condicionalidade ou especificação sobre

seu uso, sendo de responsabilidade do Conselho Executivo decidir o destino dos gastos.

Já nas contribuições especificadas ou não-centrais, os Estados contribuintes

determinam o uso dos recursos em relação a um tema, país ou projeto. O volume e o

cronograma de alocação são definidos por negociações entre o doador, a entidade da ONU

responsável pelo projeto e o país recipiendário. Nesse instrumento, são os doadores – e

não as entidades do SDNU - que têm o controle do processo. Ademais, esses recursos não

trazem uma previsibilidade orçamentária para o SDNU, pois podem ser alocados ou

removidos a qualquer momento por critério dos doadores.

Um outro instrumento de financiamento são os compromissos negociados

(negotiated pledges). Tais compromissos são feitos por meio de conferências ou

encontros entre vários parceiros, bilaterais e regionais. Ao final do processo de

negociação, os doadores podem fazer compromissos de financiamento a entidades ou

fundos do SDNU. Esse instrumento funciona de forma parecida com os recursos centrais

porque, apesar de serem negociados em conferências, existe um compromisso formal de

financiamento, capaz de trazer previsibilidade ao orçamento das entidades do SDNU.

Por fim, existem algumas taxas que as entidades podem cobrar por determinados

serviços ou produtos prestados, recebendo pagamentos negociados ou fixos. Essas taxas

correspondem a uma proporção muito pequena do orçamento das entidades.

Em termos de tipo de contribuintes, a maior parte das contribuições do orçamento

do SDNU vem dos Estados-membros, mas a partir dos anos 1990 houve um crescimento

expressivo das contribuições de atores não-estatais, como corporações, sociedade civil,

indivíduos, fundações, universidades, e autoridades regionais ou locais.

No quadro a seguir estão sistematizados os tipos de instrumentos de financiamento

do SDNU em relação à sua definição, características, forma de dispêndio do recurso, e a

decisão e forma de sua alocação.

301

Quadro 18 – Tipos de instrumentos de financiamento do SDNU

Definição Característica Definição do gasto

Alocação dos recursos

Decisão de alocação dos

recursos

Contribuições avaliadas (assessed contributions)

Pagamento obrigatório dos

Estados-membros, conforme indicado

no tratado

Custo de fazer parte da

organização

Montante fixo definido por

fórmula

Estabelecido no orçamento, mas

uma parte muito pequena destina-se ao

SDNU

Estados-membros

Contribuições centrais (core contributions)

Contribuições voluntárias

Também chamadas de recursos regulares ou

recursos voluntários não-

especificados

Contribuições voluntárias

definidas nas solicitações anuais, sem

especificação quanto seu uso

Não há mecanismo de definição da

contribuição, é plenamente voluntário

Estabelecido no orçamento

Estados-membros

Contribuições especificadas ou não-centrais (earmarked or non-core contributions)

Contribuições voluntárias em que o doador especifica

seu uso

Também chamado de recursos não-

centrais (non-core)

O doador especifica o uso

do financiamento para um tema, país ou projeto

Não há fórmula

institucionali-zada de

divisão dos custos

A alocação ocorre por negociação

entre o doador, a entidade da

ONU e o recipiendário

As partes envolvidas

Compromissos negociados (negotiatied pledges)

Compromissos legalmente

vinculantes feitos pelos Estados-

membros

Nas negociações, define-se a alocação de

responsabilidades dos Estados-

membros

A alocação de responsabili-

dades é legalmente formalizada

Estabelecido no orçamento

Estados-membros

participantes da

negociação

Taxas

Pagamentos cobrados sobre

serviços

Taxas de gerenciamento e

de produtos

Taxas fixas ou negociadas

Vários Vários

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JENKS et al., 2016, p. 18.

302

Da perspectiva dos Estados-membros, os principais doadores são os países do

CAD-OCDE. Eles organizam suas contribuições voluntárias em torno do conceito de

assistência oficial ao desenvolvimento (AOD). A definição oficial do CAD-OCDE para

a AOD é a seguinte:

(...) fluxos para países e territórios (...) que são: i. fornecidos por agências oficiais, incluindo governos federais e locais, ou por suas agências executivas; ii. transações nas quais: a) são administradas tendo como principal objetivo a promoção do desenvolvimento econômico e do bem estar dos países em desenvolvimento; b) é de natureza concessionária e apresenta um caráter subsidiado de pelo menos 25% (calculado a uma taxa de desconto de 10%) (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 d, tradução nossa214).

Nessa definição, o doador é um governo ou uma agência, sendo excluído o

financiamento do setor privado; e o recipiendário pode ser um PED ou uma instituição

multilateral de desenvolvimento, como as entidades do SDNU, os bancos regionais de

desenvolvimento e as organizações não-governamentais. O propósito da AOD é

promover o desenvolvimento econômico, e, por isso, o financiamento tem um aspecto

concessionado, ou seja, é uma transferência líquida de recursos. Nos critérios do CAD-

OCDE, a doação deve ter um subsídio de pelo menos 25%. Por isso, a AOD exclui

empréstimos com propósitos comerciais ou de exportação215; investimento externo direto

(IED); dívidas de curto prazo; subsídios ao setor privado para melhorar os termos de

empréstimo para os PEDs; assistência militar; e financiamento de missões de paz.

Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, a AOD é a principal

forma de financiamento das atividades de cooperação técnica tradicional do SDNU. Já

em relação à CTPD e à CSS, nunca houve um real engajamento dos países do CAD-

OCDE em financiar essas modalidades, sendo a principal responsabilidade dos PEDs eles

mesmos angariar os recursos necessários para sua promoção. Nas seções a seguir, serão

discutidas as transformações no padrão de financiamento do SDNU e a criação de

instrumentos para financiar a CTPD e a CSS.

214 Do original: “(...) flows to countries (...) which are: i. provided by official agencies, including state and local governments, or by their executive agencies; and ii. each transaction of which: a) is administered with the promotion of the economic development and welfare of developing countries as its main objective; and b) is concessional in character and conveys a grant element of at least 25 per cent (calculated at a rate of discount of 10 per cent)” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 d). 215 O CAD-OCDE pode considerar empréstimos à exportação como concessionados se possuírem um subsídio de pelo menos 35%, e de pelo menos 50% para a categoria de países menos desenvolvidos.

303

7.2 A criação dos primeiros instrumentos de financiamento da cooperação

técnica para o desenvolvimento na ONU (1945-1960)

Quando a ONU foi criada em 1945, não havia nenhuma provisão em seu

orçamento regular para o financiamento das atividades de cooperação técnica para o

desenvolvimento. Afinal, como foi discutido no capítulo 1, essas atividades começavam

a ganhar escopo na década de 1940 com iniciativas bilaterais dos Estados Unidos e alguns

países europeus, e não foi um tema das negociações na Conferência de São Francisco.

Mas, rapidamente, a assistência técnica se tornou uma atividade fundamental da

ONU e a falta de capital era o obstáculo mais sério ao desenvolvimento dos PEDs. Por

isso, já em 1948, a AGNU decidiu destinar fundos de seu orçamento regular para que,

sob coordenação do Secretário-Geral, pudesse criar times de especialistas e organizar

seminários de apoio aos projetos de desenvolvimento nacional. Mas o orçamento

destinado não foi capaz de atender à demanda crescente dos PEDs, e, por isso, em 1949,

a AGNU criou o Programa Expandido de Assistência Técnica para o Desenvolvimento

Econômico dos Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês, Expanded Programme of

Technical Assistance for Economic Development of Under-developed Countries).

O EPTA deveria financiar o apoio técnico e a compra de equipamentos para os

projetos de desenvolvimento nacionais, sob solicitação dos governos. Isso exigiria um

volume maior de gastos que não poderiam ser alocados no orçamento regular da ONU.

Por isso, o programa começou suas operações com um fundo de US$ 20 milhões

composto por contribuições voluntárias de 54 países, sendo a maior parte financiada pelos

Estados Unidos216 (JOLLY et al., 2004, p. 70).

O crescimento do EPTA durante a década de 1950 foi impressionante, como

demonstra o quadro a seguir. Em 1951, já atendia a 71 países e territórios, tendo

concedido uma série de bolsas de estudo para a formação de especialistas dos PEDs no

exterior e recrutado especialistas de 65 países. Em 1956, seus gastos com projetos

quadriplicaram: suas atividades compreendiam 103 países e territórios, e as concessões

de bolsas de estudo e contratações de especialistas duplicaram.

216 A União Soviética se opôs a financiar os projetos do EPTA até a morte de Stálin, em 1953, por considerar que o programa favorecia o alinhamento dos PEDs ao bloco ocidental.

304

Quadro 19 – Financiamento do EPTA, 1951 e 1956

1951 1956

Gastos com projetos US$ 6,5 milhões US$ 28,8 milhões

Número de países com projetos 71 103

Bolsas de estudo 800 2.100

Contratação de especialistas 797 2.300

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOLLY et al., 2004, P. 71.

Mas o crescimento do EPTA ocorreu em meio a crises financeiras. Em 1953, o

Congresso dos Estados Unidos propôs cortar todas as suas contribuições ao EPTA porque

13 técnicos oriundos do bloco soviético haviam sido alocados em projetos de países

pertencentes ao bloco americano: de acordo com o Congresso, “o dinheiro americano

estava financiando a difusão de doutrinas inimigas à nação” (MURPHY, 2006, p. 68).

Após a intermediação do diretor do EPTA, D. Owen, que explicou ao Presidente

Eisenhower que os técnicos eram refugiados do regime soviético, o financiamento

americano foi mantido, mas com um corte de 20%.

Ademais, os Estados Unidos decidiram que, daquele ponto em diante, suas

contribuições seriam decrescentes: em 1953, contribuiriam com 60% dos recursos do

EPTA, mas em 1958 reduziriam para 50%. Sabendo dessa redução, D. Owen passou a

buscar recursos em outros doadores, e voltou-se para os países escandinavos, onde o

argumento da solidariedade para justificar o financiamento do desenvolvimento

internacional era mais bem recebido. O diretor também conseguiu atrair o capital

soviético após a morte de Stálin.

Mas o grande atrativo dos países europeus e da União Soviética para contribuir

com o EPTA era a possibilidade de fazer contribuições especificadas. Por exemplo, a

Dinamarca tinha a preferência de financiar projetos do EPTA na América Latina, onde

tinha interesse em criar vínculos para futuramente estimular as exportações

dinamarquesas nessa região. Já a União Soviética financiou projetos com o uso de seus

especialistas e a concedeu de bolsas de estudo para técnicos da África, da América Latina

e da Ásia em universidades e colégios técnicos soviéticos, visando atrair essas regiões

para sua esfera de influência (MURPHY, 2006, pp. 70-71).

305

As pressões para ampliar os recursos do EPTA se tornaram latentes quando o

Banco Mundial passou a atrasar o desembolso de recursos nos anos 1950. O Banco

Mundial era responsável por financiar grandes projetos de desenvolvimento, com

destaque à área de infraestrutura, mas a falta de capacidade dos PEDs em realizar estudos

preliminares de viabilidade dos projetos atrasava e dificultava seu acesso aos recursos do

Banco. Por isso, a AGNU resolveu ampliar o escopo da assistência técnica na área de

estudos pré-investimentos, e criou, por meio de sua resolução A/RES/1240 (XIII), de 14

de outubro de 1958, o Fundo Especial das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Econômico (SUNFED217, do inglês, Special United Nations Fund for Economic

Development).

O SUNFED entrou em operação em 1959, com apenas US$ 26 milhões em

recursos, contra o pedido inicial de US$ 160 milhões em contribuições voluntárias. Isso

porque as negociações para a criação do Fundo (de 1953 a 1958), geraram um intenso

debate na AGNU e no ECOSOC. Enquanto os PEDs pressionavam pela criação do

SUNFED, os PDs não tinham interesse em tornar a ONU um centro de financiamento de

projetos de desenvolvimento, já que o objetivo era manter essa área sob o controle das

IBW. Para os PEDs, o objetivo era justamente o contrário, converter a alocação da AOD

das IBW para a ONU, onde teriam maior voz no processo de tomada de decisão (JOLLY

et al., 2004, p. 81).

A criação do EPTA e do SUNFED colocaram maiores pressões sobre os países

doadores. Esse foi um dos motivos para a criação do CAD-OCDE em 1961, para

organizar melhor a posição negociadora dos doadores em relação ao financiamento do

desenvolvimento. Em 1962, o CAD-OCDE começou a padronizar as estatísticas sobre a

AOD, e, para isso, o comitê aprovou as Diretivas para Relatar a Ajuda e os Fluxos de

Recursos para os Países em Desenvolvimento; e lançou o tradicional Relatório de

Cooperação para o Desenvolvimento, que publica as estatísticas sobre a AOD de seus

membros (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND

DEVELOPMENT, 2010).

A recuperação econômica na década de 1960 permitiu uma diversificação dos

doadores, e o SUNFED havia conseguido levantar US$ 100 milhões em 1962. Em cinco

217 O nome original do Fundo seria Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico, que em inglês ficaria United Nations Fund for Economic Development. Mas a sigla, UNFED, em inglês significaria “não-nutrido”, o que, ironicamente, expressava a dificuldade em angariar recursos para o fundo. Para tirar esse sentido da sigla, foi incluída a palavra especial, tornando-se SUNFED.

306

anos de operação, o Fundo Especial havia implementado 400 projetos em 130 países e

territórios, a um valor de US$ 374 milhões, sendo que 90% dos recursos vieram dos PDs

(UNITED NATIONS, 2015 a, p. 3).

Até 1965, o EPTA e o SUNFED trabalharam paralelamente, e para evitar a

concorrência e fragmentação na atração dos doadores, a divisão do trabalho era a

seguinte: enquanto o SUNFED ficaria com os projetos de grande escala, o EPTA se

concentraria nos projetos de assistência técnica de menor escopo. Isso fica evidente no

montante de recursos mobilizados pelo EPTA, de US$ 56 milhões em 1965 –

correspondente à metade dos recursos do SUNFED (MUTTUKUMARU, 2015, p. 3).

Mas, em meados dos anos 1960 já não fazia sentido manter as duas estruturas de

financiamento separadamente. Por isso, o PNUD foi criado em 1965, a partir da fusão

entre o EPTA e o SUNFED. O programa entrou em operação no ano seguinte, e tornou-

se a principal fonte de financiamento da assistência técnica promovida pela ONU. Em seu

papel de agência financiadora central, o PNUD aglutinava as contribuições voluntárias

por meio de compromissos negociados anualmente, que ocorriam em novembro de cada

ano fiscal. Nas negociações, os Estados-membros definiam o montante e a característica

de suas contribuições. O PNUD mantinha duas contas separadas em seu orçamento, uma

correspondente ao EPTA e outra correspondente ao SUNFED, mantendo a divisão do

trabalho e do financiamento em projetos de grande e menor escala.

Como por ser visto no gráfico a seguir, que apresenta a porcentagem das

contribuições voluntárias para o PNUD na década de 1960, os PDs nunca contribuíram

com menos de 85% do total das contribuições negociadas, com os Estados Unidos

financiando 40% do total nos anos 1960. As contribuições dos países do Terceiro Mundo

ficaram na média de 6% a 8% do total, e os países da Europa Oriental tinham uma

contribuição que não passava de 5% (OSHIBA, 1985, p. 314).

307

Gráfico 3 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1960-

1969, em porcentagem)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de OSHIBA, 1985, p. 315.

Uma vez reunidos os recursos, o Conselho de Governadores do PNUD canalizava

cotas de financiamento para as diferentes agências especializadas. Cada uma delas ficava

com uma porcentagem do total dos recursos amealhados pelo PNUD, e eram responsáveis

pela execução do projeto. Elas usavam os recursos para cobrir os custos de contratação

dos especialistas e de serviços, e para a compra dos equipamentos necessários.

A consolidação do PNUD deu um impulso às atividades de cooperação técnica

nos anos 1960, respondendo às demandas dos países recém descolonizados, que também

se tornaram recém-membros da ONU. Não apenas houve um aumento no número de

países atendidos pelo programa, como as iniciativas foram se tornando mais complexas,

deixando de se focar em estudos de viabilidade para financiar projetos na área da

administração pública e do planejamento social. O crescimento da demanda também foi

rápido: ao final de 1969, o PNUD já recebia quase 2 mil solicitações para o financiamento

de projetos, em um total de US$ 1,8 bilhões (MURPHY, 2006, p. 155; UNITED

NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1970, p. 5).

Um problema recorrente com o financiamento organizado pelo PNUD, já nos seus

primeiros anos de atuação, era a falta de capacidade de programar os gastos, em virtude

do caráter voluntário das contribuições. Mesmo considerando que a maior parte dos

recursos voluntários eram de natureza central e não-especificada, e mesmo com a

86,7 86,882,1

89,6 85,389,5 93 89,2 89,1 89,4

8,4 7,9 13,56,5

11,16,8 3,4 7,4 7,5 7,7

4 4,6 3,7 3,3 3 2,8 2,8 2,5 2,6 2,1

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969

Países desenvolvidos ocidentais Países do Terceiro Mundo Países da Europa Oriental

308

disposição do Conselho de Governadores em acelerar o processo de aprovação dos

recursos, ainda assim era muito difícil fazer um planejamento adequado dos projetos,

justamente devido à ausência de recursos não-voluntários. Esse seria o principal desafio

de financiamento do PNUD na década seguinte.

Em relação à CTPD e à CEPD, o crescimento econômico dos anos 1960 resultou

em várias mudanças na estrutura econômica, política e social dos PEDs, o que

impulsionou a cooperação entre eles nesse período. Mas as iniciativas ainda eram

incipientes e não consistiam em uma parte relevante do trabalho da ONU nessa fase,

diferentemente do período posterior.

7.3 A crise financeira do SDNU e o estabelecimento dos instrumentos de

financiamento da CTPD (1970-1980)

Na fase de 1970-1980, a cooperação técnica para o desenvolvimento se tornou

muito mais custosa. Primeiramente, o aumento no número de Estados-membros – que

pulou de 126 países em 1968 para 159 ao final da década de 1980 – resultou em um

aumento absoluto no número de projetos a serem financiados pelo SDNU. Em segundo

lugar, a cooperação técnica ficou mais cara porque ficou mais sofisticada: como os PEDs

já haviam conseguido construir alguma capacidade técnica na década anterior, isso

mudou as áreas de ação do PNUD, sendo então necessários esforços em setores mais

complexos, como infraestrutura em água, energia, minérios e ciência e tecnologia. Em

terceiro lugar, o contexto econômico de estagflação acabou por elevar os custos dos

programas: a inflação mais que dobrou o custo dos especialistas nos anos 1970

(MURPHY, 2006, p. 159).

Esses fatores exigiam uma maior mobilização de recursos em um ambiente muito

menos favorável do que na década anterior. Em 1968, foi registrada pela primeira vez,

desde a criação da ONU, uma queda percentual no volume da AOD. Para sustentar o nível

de recursos dos PDs destinados ao financiamento das atividades operacionais para o

desenvolvimento, os PEDs se mobilizaram para definir a quantidade mínima de ajuda

necessária para estimular o desenvolvimento nos anos 1970218. Seguindo as

218 Em relação à quantidade mínima da ajuda, o estabelecimento de uma meta para a AOD foi sugerido pela primeira vez em 1958, pelo Conselho Mundial de Igrejas, que recomendou aos doadores uma meta de 1% do PIB em ODA. Essa meta foi depois institucionalizada pela UNCTAD em 1964, e endossada pelo

309

recomendações do relatório da Comissão Pearson (1969), intitulado “Parceiros no

Desenvolvimento”, que propôs a meta de 0,7% do PIB dos países doadores em AOD, a

AGNU decidiu, pela resolução A/RES/2626(XXV) de 19 de novembro 1970:

(43) Em reconhecimento à especial importância do papel que pode apenas ser cumprido pela assistência oficial ao desenvolvimento, a maior parte das transferências de recursos financeiros para os países em desenvolvimento deve ser provida desta forma. Cada país economicamente desenvolvido aumentará progressivamente sua assistência oficial ao desenvolvimento para os países em desenvolvimento, e farão seus maiores esforços para atingir o montante mínimo de 0,7% líquido de seu PIB, a preços correntes, até a metade da década [de 1970] (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1970 a, p. 43, §43, tradução nossa219).

Mas o estabelecimento dessa meta não teve muitos efeitos práticos na sustentação

das contribuições dos PDs para o financiamento do SDNU. Em 1971, as receitas do

PNUD decaíram em 34%, se comparado aos anos anteriores. No ano seguinte, o programa

teve um déficit de US$ 80 milhões, correspondente a 10% de seus recursos totais. O

déficit foi resultado da deterioração da situação econômica americana, fazendo com que

esse país reduzisse sua porcentagem de financiamento quase que pela metade, de 40%

para 25% do total de recursos do PNUD (OSHIBA, 1985, p. 315; MURPHY, 2006, p.

155).

A partir de 1973, o PNUD se encaminhou para uma crise financeira, não apenas

devido à redução das contribuições voluntárias dos PDs no bojo da crise do petróleo, mas

também em virtude de problemas gerenciais do programa. O primeiro desses problemas

gerenciais era a dificuldade de prever os recebimentos, uma vez que o sistema de

contribuições voluntárias não garantia que o PNUD de fato iria receber o montante na

CAD-OCDE. Porém, o comitê considerava essa meta muito ambiciosa, pois incorporava os fluxos totais de ajuda, incluindo fontes privadas que os governos não poderiam controlar. E os doadores não tinham a intenção de se responsabilizar em cobrir a diferença com fluxos públicos. Devido a essa crítica, o Comitê da ONU para o Planejamento do Desenvolvimento criou uma comissão, em 1964, liderada pelo economista holandês Jan Tinbergen, para definir uma meta específica da ajuda oficial. Tinbergen estabeleceu o cálculo de que uma meta de 0,75% de AOD em relação ao PIB dos países doadores seria o mínimo necessário para que os PEDs atingissem uma taxa de crescimento desejável. Porém, nem todos os membros do CAD-OCDE aceitaram essa meta nos anos 1960, considerando-a excessiva. Esse debate volta nos anos 1970, quando a meta de 0,7% do PIB em ODA foi aprovada pela AGNU (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2002, p. 1) 219 Do original: “(43) In recognition of the special importance of the role which can be fulfilled only by official development assistance, a major part of financial resource transfers to the developing countries should be provided in the form of official development assistance. Each economically advanced country will progressively increase its official development assistance to the developing countries and will exert its best efforts to reach a minimum net amount of 0.7 per cent of its gross national product at market prices by the middle of the Decade” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1970 a, p. 43, §43).

310

data prometida. Por exemplo, em 1974, o PNUD havia previsto que as contribuições dos

Estados Unidos iriam crescer em 20% naquele e no próximo ano. Na prática, o

financiamento real foi 50% menor do que o calculado, colocando severas constrições

orçamentárias ao programa (MURPHY, 2006, p. 159).

Outro problema era a competição pelos recursos do PNUD entre as agências

implementadoras, que acabavam aprovando projetos em excesso ou superfaturando seus

custos para abocanhar uma parcela maior das transferências financeiras. De acordo com

Oshiba (1985, p. 316, tradução nossa220):

A severa competição pelos recursos do PNUD entre as agências tem sido um grave problema. As agências especializadas têm sido criticadas por vender projetos para expandir suas porcentagens dos recursos do PNUD, tornando os projetos do programa irrelevantes para atender às necessidades dos países em desenvolvimento. Além disso, essa severa competição entre essas agências limitou a alocação livre dos recursos por parte do PNUD. Para enfraquecer a influência das agências na tomada de decisão, o PNUD estabeleceu o Conselho Consultivo Inter-Agências (IACB), em 1966, reduzindo a participação das agências especializadas à capacidade de aconselhamento. Mais tarde, respondendo às recomendações feitas pelo Relatório Jackson, o PNUD instituiu seu novo sistema de alocação de recursos, país-a-país.

Para resolver o problema da competição por recursos, a aprovação das Novas

Dimensões da Cooperação Técnica, em 1974, alterou a estrutura de alocação: antes, os

recursos eram liberados pelo PNUD com base no sistema de agências, sendo que cada

uma delas recebia uma porcentagem fixa do total dos recursos. Já com as Novas

Dimensões, a alocação seria feita com base nos países, com o objetivo de torná-la mais

eficiente e garantir que os projetos fossem mais responsivos às demandas nacionais.

Com o estabelecimento do sistema de alocação país-a-país, foram criadas as

Estimativas de Volume de Recursos (IPFs do inglês, Indicative Planning Figures), que

se referiam às estimativas que cada país esperaria receber do PNUD em um horizonte de

3 a 5 anos. Embora não representasse um comprometimento formal de alocação, as IPFs

serviam como base para o planejamento dos programas nacionais em um determinado

220 Do original: “The severe competition for UNDP resources between these agencies has been a major problem. The Specialized Agencies have been criticized for selling projects to expand their shares of UNDP resources and making UNDP projects increasingly irrelevant to the needs of developing countries. Moreover, such severe competition between these agencies prevented UNDP from freely allocating its resources. To weaken the influence of these agencies in decision-making, the UNDP established the Inter-Agency Consultative Board (IACB) in 1966, limiting the participation of the Specialized Agencies to an advisory capacity. Later, responding to recommendations made in the Jackson Report, the UNDP instituted its new country-by-country resource allocation system” (OSHIBA, 1985, p. 316).

311

período. Com as IPFs, o financiamento deixou de ser baseado em um sistema

funcionalista e se consolidou definitivamente como um sistema baseado em países,

ampliando o papel de coordenação do PNUD.

Essas mudanças permitiram uma melhor coordenação da alocação dos recursos e

dos projetos em campo, mas não resolveram o problema da previsibilidade orçamentária.

Enquanto as IPFs se baseavam em ciclos de 3-5 anos, as contribuições voluntárias

continuavam a ser negociadas anualmente, havendo um descompasso entre o ritmo de

aprovação de projetos e o ritmo da alocação dos recursos. Pagamentos atrasados ou feitos

em moedas não conversíveis causavam vários problemas porque o PNUD fazia seu

orçamento com base nas negociações, e não nos recursos efetivamente despendidos pelos

doadores. Em vários anos fiscais, o programa simplesmente não recebeu recursos.

O estabelecimento do sistema de alocação baseado nos programas nacionais

acelerou a deterioração financeira do PNUD, que explodiu em 1975. Naquele ano, seu

déficit correspondia a 20% de seus recursos totais, e a situação financeira era tão frágil

que comprometeu a realização dos programas nacionais para o período de 1977-1981,

que tiveram que ser adiados (OSHIBA, 1985, p. 315).

Além disso, as contribuições dos Estados Unidos rapidamente diminuíram nos

anos 1970, chegando a apenas 20% dos recursos do PNUD em 1978. Para cobrir o déficit,

o Administrador do PNUD, B. Morse, fez cortes administrativos e reduziu pessoal. Além

disso, Morse fez um esforço de diversificar os doadores, para reduzir a dependência dos

Estados Unidos. Os países escandinavos, os Países Baixos, o Canadá e a Nova Zelândia

fizeram contribuições adicionais. Mas as contribuições japonesas e alemãs foram as que

fizeram maior diferença: cresceram de 2% e 5,2% em 1966, respectivamente, para 5,1%

e 8,2% em 1979, respectivamente (OSHIBA, 1985, p. 315).

Com essas mudanças, no final da década de 1970, o PNUD havia recebido US$

680 milhões em contribuições voluntárias. No total, foram angariados US$ 3,1 bilhões

para o financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento, o que

representou 14% da AOD dos países do CAD-OCDE no período (UNITED NATIONS,

2015 a, p. 5).

Nota-se então que, desde a primeira fase, o financiamento do PNUD foi sustentado

pelas contribuições dos países ocidentais desenvolvidos, conforme pode ser observado no

gráfico a seguir.

312

Gráfico 4 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1970-

1978, em porcentagem)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de OSHIBA, 1985, p. 315.

Esse padrão de financiamento do SDNU se manteve ao longo dos anos 1980. Em

1983, houve um pesado corte de custos no PNUD. Como 50% dos gastos administrativos

eram com funcionários, um terço deles foi demitido para conter o déficit de US$ 2,5

milhões (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION, 1984).

Com os ajustes, os recursos subiram de US$ 3,1 bilhões para US$ 5,6 bilhões no final da

década. Em termos de tipo de recursos, maior parte das contribuições eram centrais, com

uma porcentagem reduzida de recursos especificados. Mas, em virtude da alta inflação do

período, esse aumento foi modesto em termos reais, correspondendo apenas a 2%

(UNITED NATIONS, 2015 a, p. 5).

Um outro resultado da mudança para o sistema de alocação nacional de recursos

foi o maior envolvimento do PNUD como executor dos projetos, tarefa até então

exclusiva das agências especializadas. Isso foi importante para conter a crise financeira

porque, para otimizar os recursos em campo – especialmente com o corte no número de

funcionários – o PNUD passou a coordenar os projetos entre as agências. Conforme

mostra o quadro a seguir, que dispõe a porcentagem de alocação dos recursos do PNUD

por agência especializada, há um crescimento expressivo do envolvimento do programa

na execução dos projetos após a crise financeira, saltando de 0,9% em 1970 para 7,5%

em 1977.

89,8 90,1 90,2

86,5

90,1 90,8 90,8 89,892,2

7,5 6,9 6,9

9,3

6,9 6,4 6,7 7,95,7

2,2 2,1 23,1 2,2 2 1,8 1,5 1,4

80%

82%

84%

86%

88%

90%

92%

94%

96%

98%

100%

1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978

Países desenvolvidos ocidentais Países do Terceiro Mundo Países da Europa Oriental

313

Quadro 20 – Alocação dos recursos do PNUD por agência executora (1967-1977,

por porcentagem

FAO ONU UNESCO OIT ONUDI PNUD

1967 32 22,1 13,4 12,9 1,7 0

1968 32,5 18,5 14,3 10,9 5 0

1969 32,1 20,7 10,1 12,5 6,5 0,1

1970 27,5 14 15,1 9,6 5,7 0,9

1971 33,9 17,1 13,8 12,6 3,7 0,3

1972 31 17,7 15,1 11 6,2 0,6

1973 29,2 17,8 13,8 10,7 6,1 1,3

1974 27 17,3 11,9 9,6 6,7 4,8

1975 28,6 17,1 10,6 9 7,3 6,3

1976 28,7 17,4 9,5 8,2 8,3 5,2

1977 26,6 17,7 8,8 7,7 10,1 7,5

Fonte: OSHIBA, 1985, p. 317.

Além do maior envolvimento do PNUD na execução dos programas, outra medida

de otimização dos recursos foi a de transferir maiores responsabilidades para os governos

nacionais no que tange à execução de projetos. Assim, os governos nacionais passaram a

pagar os custos locais de implementação. O envolvimento nacional na execução exigiu

que novas abordagens de implementação fossem desenvolvidas, e foi nesse contexto de

crise financeira que a CTPD emergiu como uma modalidade mais custo-efetiva de

implementação. Como colocou um oficial do Departamento de Cooperação Técnica:

Abordagens alternativas [de cooperação técnica] foram iniciadas e elas irão assumir uma importância ainda maior na próxima década. Esforços para promover e desenvolver a cooperação técnica entre os países em desenvolvimento é uma dessas abordagens alternativas, e se espera não apenas reduzir o custo por unidade da cooperação técnica, mas também aumentar o senso de autossuficiência entre os países em desenvolvimento (HEERDEN, 1977, p. 2, tradução nossa221).

221 Do original: “Alternative approaches are being initiated and they will be assuming greater importance during the next decade. Effort to promote and develop technical cooperation among developing countries is one such alternative approach, which is expected not only to reduce the per unit cost of technical co-

314

7.3.1. A questão do financiamento da CTPD no BAPA (1978)

Os anos 1970 foram marcados pela expansão dos fluxos de capital, tecnologia e

comércio entre os PEDs. Pela primeira vez desde os anos do pós-guerra, o comércio entre

os PEDs havia crescido mais do que o comércio global, e o aumento na capacidade

financeira desses países deu impulso material à CTPD (NYERERE et al., 1990, p. 70).

Da perspectiva do SDNU, havia uma vantagem de custo na promoção da CTPD,

ao prover soluções mais baratas em um contexto de constrição de recursos222. Os custos

dos especialistas em CTPD eram muito menores do que as taxas tradicionais da ONU,

sendo semelhantes aos salários utilizados pelo Programa de Voluntariado da ONU, que

eram um dos mais baixos de todo o sistema (BAUM, 1978).

Mas, mesmo com a vantagem de custos, não havia arranjos institucionais para

identificar e recrutar especialistas e empresas dos PEDs, para que eles pudessem ser

usados nos projetos do SDNU. Mobilizar esses esforços exigiria canalizar financiamento

específico para tanto, o que era extremamente delicado no final dos anos 1970. Por isso,

a dificuldade de financiar a estrutura necessária para o uso da CTPD foi latente nas

negociações do BAPA, em 1978.

No documento final da Conferência de Buenos Aires, não existe uma seção

específica sobre financiamento, e esse tema é tratado apenas no parágrafo 38. O BAPA

discriminou na recomendação 38.a que a responsabilidade central do financiamento da

promoção da CTPD era dos PEDs eles mesmos, uma vez que isso estimularia a

autossuficiência nacional e coletiva. Mas o financiamento por parte dos PEDs enfrentava

duas dificuldades. A primeira era que a maior parte das contribuições feitas pelos PEDs

para financiar a CTPD era em espécie, e não monetária. Isso cobria as necessidades de

materiais e de alguns equipamentos básicos, mas não cobria o pagamento de serviços e

de especialistas. E quando os PEDs faziam contribuições monetárias, elas eram

operation, but also increase the sense of self-reliance among the developing countries” (HEERDEN, 1977, p. 2). 222 Por exemplo, em uma correspondência entre V. Baum, Diretor do Centro para Recursos Naturais, Energia e Transporte, e I. S. Djermakoye, Vice-Secretário-Geral e Comissário para a Cooperação Técnica, o primeiro recomendou aumentar a utilização de especialistas e equipamentos dos PEDs para compensar o aumento dos custos da cooperação técnica nos anos 1970 (BAUM, 1978).

315

denominadas em moeda nacional, gerando o problema de conversão de divisas para

realizar a contratação em moeda internacional.

Para lidar com esses problemas, era necessário contar com o envolvimento dos

PDs e do SDNU no financiamento da modalidade.

A recomendação 38.h trata do papel dos PDs na promoção da CTPD. Eles

deveriam canalizar a AOD para o financiamento das iniciativas de CTPD, estreitando os

vínculos entre essa modalidade e a assistência técnica tradicional. Esperava-se evitar que

os doadores tradicionais bilateralizassem o uso do PNUD como uma simples agência

executora dos projetos que interessavam esses países. Por isso, o BAPA estimulou os PDs

a considerar os objetivos e as atividades de CTPD quando formulassem e

implementassem suas políticas de ajuda externa.

Já em relação ao SDNU, o BAPA definiu na recomendação 37 que o PNUD

deveria ser a principal fonte de financiamento e apoio à modalidade, considerando seu

papel de agência financiadora central. A principal fonte de financiamento seriam as IPFs,

especificando (earmarking) seu uso para financiar a CTPD nos níveis nacional e regional.

Mas isso deveria ser feito a pedido dos PEDs por ocasião da definição de seus programas

nacionais. As IPFs inter-regionais e globais seriam destinadas a projetos que envolvessem

dois ou mais PEDs em regiões diferentes.

Além das IPFs, a recomendação 38.f discriminou que as entidades do SDNU

deveriam também desenvolver fontes adicionais de financiamento, e progressivamente

aumentar a alocação de seus recursos para a CTPD. Isso garantiria que, progressivamente,

a modalidade se tornasse uma prática usual no desenho e execução dos projetos em

campo, e não apenas uma modalidade especial.

A noção de que o engajamento do SDNU no financiamento da CTPD era crucial

para sua adequada promoção fica explícita na análise do Diretor da Divisão de

Administração Pública e Finanças, T. Chang, em correspondência à F. Burns, diretor do

Escritório de Cooperação Técnica em 1978:

Finalmente, nós gostaríamos de chamar sua atenção para o fato de que ainda não existem recursos financeiros específicos, dentro do sistema ONU, para o apoio a programas de promoção da CTPD. Nós somos da opinião de que, ao menos que alguns recursos financeiros com esse propósito estejam disponíveis, pelo menos para o financiamento inicial (seeding funds), a ONU não será capaz

316

de ter um efeito catalisador na promoção da CTPD (CHANG, 1978, p. 2, tradução nossa223).

Seguindo as recomendações do BAPA, o Conselho de Governadores do PNUD,

em sua decisão DP/393, de 2 de abril de 1979, aprovou US$ 1,43 milhões em recursos

destinados à SU-TCDC, para o período de 1979-1981 (HIGH-LEVEL MEETING ON

THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING

COUNTRIES, 1980 c, p. 5). Mas isso não seria o suficiente para promover a modalidade

por todo o SDNU, e o desafio na década seguinte seria justamente o de sistematizar o

financiamento da CTPD.

7.3.2. As tentativas de sistematização do financiamento do SDNU para a

CTPD nos anos 1980

Segundo seu mandato de catalisador da CTPD, o SDNU deveria articular duas

categorias de apoio ao financiamento da modalidade: prover recursos do próprio SDNU

para custear alguns inputs de projetos, como viagem de especialistas, bolsas de estudo e

certos equipamentos; e identificar potenciais fontes de financiamento fora do SDNU,

tanto nos PEDs quanto nos PDs. Na primeira categoria, o HLC-TCDC tomou decisões

para que, no âmbito do PNUD, as estimativas do volume de recursos (IPFs, do inglês,

indicative planning figures) e os recursos para programas especiais (SPR, do inglês,

special programme resources) pudessem ser usados de forma flexível para financiar as

atividades de CTPD. Já na segunda categoria, o HLC-TCDC apoiou a criação do Fundo

Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países em

Desenvolvimento (PGTF, do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund); e tentou estimular o

financiamento por parte dos PDs.

7.3.2.1 O uso das IPFs

Em sua recomendação 38, o BAPA indicou que os PEDs poderiam especificar o

uso de uma porcentagem das IPFs em nível nacional para financiar projetos de CTPD. O

223 Do original: “Finally, we would draw your attention to the fact that as yet no specific financial resources exist within the UN system for the support of programmes to foster TCDC. We are of the opinion that unless some financial resources for this purpose are made available, at the minimum seeding funds, the UN may not be able to have any catalytic effect in promoting TCDC” (CHANG, 1978, p. 2).

317

Conselho de Governadores do PNUD autorizou o uso desses recursos para cobrir os

custos locais dos projetos de CTPD, como serviços, custos de transporte, bolsas de estudo,

treinamentos, seminários, tours de estudo, equipamentos, materiais e ferramentas. AS

IPFs também poderiam ser usadas para financiar especialistas internacionais e

consultorias. As atividades que custassem até US$ 400.000,00 seriam aprovadas

diretamente pelo representante residente, e, caso excedessem esse valor, seriam

aprovadas pelos escritórios regionais (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW

OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 e).

Em suas sessões de 1980 e 1981, o HLC-TCDC recomendou aos PEDs alocar uma

porcentagem de suas IPFs para o financiamento da CTPD. Também convidou o Conselho

de Governadores do PNUD que considerasse a possibilidade de especificar (earmark) a

alocação de uma porcentagem das IPFs para financiar a modalidade, tornando-a

obrigatória.

Em sua decisão TCDC/2/9, de 7 de junho de 1981, o HLC recomendou que 10%

ou US$ 7,5 milhões em IPFs, o que fosse menor, fossem especificados para financiar

atividades de CTPD. O Conselho de Governadores aprovou essa recomendação por meio

de sua decisão 81/31, de 26 de junho de 1981. Mas os recursos especificados deveriam

ser utilizados de forma complementar e catalisadora aos esforços dos PEDs em financiar

os especialistas, serviços de consultoria, equipamentos, fornecedores e centros de

treinamento.

Entretanto, a redução de 55% do total de IPFs no período de 1982-1986 resultou

no uso limitado desse instrumento para financiar a modalidade. De um total de mais de

US$ 1 bilhão de dólares em IPFs, apenas 5,3% foram destinados a projetos de CTPD; e a

meta de 10% das IPFs nacionais ficou longe de ser atingida, sendo utilizados apenas 3,4%

dos recursos. Esses dados podem ser vistos no quadro a seguir, que apresenta o volume

de IPFs gastos com CTPD no período de 1985-1986.

318

Quadro 21 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1985-1986, em milhões

de dólares)

Gasto total das IPFs Gasto das IPFs com CTPD

% do gasto das IPFs para CTPD

IPF nacional US$ 346.714 US$ 11.965 3,4%

IPF regional US$ 162.504 US$ 41.435 25,4%

IPF inter-regional US$ 43.004 US$ 2.323 5,4%

Total US$ 1.004.550 US$ 55.723 5,3%

Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1987 d, p. 17.

Além das limitações no volume das IPFs, havia outro problema: em 1985,

constatou-se que apenas 15 países (10 na América Latina e Caribe, 4 na Ásia e Pacífico,

e 1 Estado Árabe) haviam feito uso especificado desses recursos para a CTPD. Essa fraca

resposta dos PEDs ao uso das IPFs teve três motivos. Primeiramente, porque boa parte

das iniciativas de CTPD não envolviam transações monetárias, e sim em espécie; por isso,

os recursos não eram utilizados com esse propósito. Em segundo lugar, porque a crise dos

anos 1980 diminuiu consideravelmente o impulso dos PEDs em se engajar nessas

iniciativas, e alguns países chegaram a suspender novos projetos de CTPD. O terceiro

motivo referia-se aos problemas de governança do SDNU: os representantes residentes

não tinham o esclarecimento adequado sobre o uso das IPFs para a CTPD, e, por isso, não

orientavam os governos nacionais a explorar melhor essa fonte de financiamento. Assim,

o SDNU não estava cumprindo com seu papel de auxiliar os PEDs a promover a

modalidade (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 28).

A partir dessa avaliação, o HLC-TCDC recomendou ao Conselho de

Governadores do PNUD que trabalhasse de forma mais ativa no nível nacional, para que

os representantes residentes pudessem incluir a CTPD como parte integral dos programas

nacionais. Essa iniciativa surtiu algum resultado positivo, havendo crescimento no

número de países utilizando as IPFs para a CTPD, de 17% no período de 1982-1984, para

30% no biênio 1985-1986 (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC

INFORMATION, 1987, p. 3).

No biênio de 1987-1988, o gasto com IPFs para a CTPD foi de US$ 104,8 milhões,

havendo crescimento de 88,3%, se comparado ao biênio anterior. Esse valor correspondeu

319

a 7,3% do total de IPFs de 1987-88, que foram de US$ 1.4 bilhões. Mas da perspectiva

nacional, o uso dos IPFs para CTPD ainda era limitado, correspondendo a apenas 0,6%

do total, conforme pode ser visto no quadro a seguir.

Quadro 22 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1987-1988, em

milhares de dólares)

Gasto total das

IPFs Gasto das IPFs

com CTPD % do gasto das

IPFs para CTPD

IPF nacional US$ 1.158.233 US$ 6.477 0,6%

IPF regional US$ 223.569 US$ 83.003 37,1%

IPF inter-regional e global US$ 61.604 US$ 15.401 25%

Total US$ 1.443.406 US$ 104.881 7,3%

Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 f, p. 7.

7.3.2.2 Recursos para Programas Especiais

Complementarmente às IPFs, o PNUD também disponibilizou os Recursos para

Programas Especiais (SPR, do inglês, Special Programme Resources). Os SPR eram uma

categoria de financiamento de última instância, que poderiam ser usados quando os IPFs

não estivessem disponíveis, apenas para financiar atividades promocionais de CTPD (e

não operacionais). Esses recursos eram aprovados diretamente pelo Administrador do

PNUD, e as propostas eram revisadas pela SU-TCDC.

Enquanto as IPFs tinham maior uso nacional e regional, os SPR foram a principal

fonte de fundos para os projetos globais de CTPD. A iniciativa mais bem-sucedida nesse

período financiada pelos SPR foi o projeto INT/83/904, intitulado “Promoção de ações

orientadas para atividades de CTPD”. O projeto foi lançado em 1983, em referência à

decisão TCDC/3/5 do HLC-TCDC, que pediu à SU-TCDC que realizasse atividades

promocionais orientadas para a ação. O HLC pediu US$ 1 milhão dos SPR para o período

de 1984-1985, mas o Conselho de Governadores do PNUD, pela decisão 83/15, autorizou

a alocação de US$ 600.000,00 (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 21).

O projeto deu suporte direto em nível nacional, por meio de treinamentos e troca

de experiências e capacidades na área técnica. De 21 de outubro de 1983 a 15 de março

320

de 1984, o projeto cobriu 59 países, a um custo de US$ 778.400,00, como pode ser visto

no quadro a seguir.

Quadro 23 – Recursos para o projeto “Promoção de ações orientadas para as

atividades de CTPD” (1983-1984)

Destino do recurso Valor em US$ Porcentagem

Intercâmbio de especialistas US$ 362.100,00 46,5%

Treinamento US$ 404.300,00 52%

Equipamento US$ 12.000,00 1,5%

Total US$ 778.400,00 100%

Fonte: JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 21.

Os resultados foram expressivos considerando o elevado número de especialistas

e de treinamentos realizados e os baixos custos dos projetos, especialmente em

comparação aos custos da cooperação tradicional: 46,5% dos recursos foram gastos no

intercâmbio de 94 especialistas; e 52% foram gastos com treinamento de 114 nacionais.

Nesse projeto, o custo anual por especialista foi de US$ 3.582,00, enquanto na cooperação

tradicional um especialista custaria ao PNUD aproximadamente US$ 70.000,00. Já o

treinamento por um ano de um funcionário nacional foi de US$ 3.546,00, enquanto o

mesmo treinamento dentro da cooperação tradicional teria custado ao PNUD US$

16.200,00 por ano, em taxas de 1983 (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 21).

O sucesso do projeto levou o Administrador do PNUD a ampliar em US$

800.000,00 os recursos do SPR (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 25). Mas o

problema desses recursos é o fato deles serem especiais, ou seja, os desembolsos eram ad

hoc e dependiam das alocações aprovadas anualmente pelo Conselho de Governadores

do PNUD, faltando planejamento sistemático a longo prazo.

7.3.2.3 Uso dos recursos pelas entidades do SDNU

Além das alocações nacionais definidas pelo PNUD, o BAPA recomendava que

todas as entidades do SDNU alocassem uma proporção crescente de seus recursos para a

CTPD. Porém, nos anos 1980, a CTPD não foi refletida nos documentos orçamentários

321

das entidades do SDNU – nem como um programa ou subprograma, nem como um

método de execução de cooperação técnica. Houve apenas referências gerais e

declaratórias sobre o intuito de promover a modalidade, dentro do escopo da cooperação

tradicional, mas sem estarem embasadas em linhas orçamentárias de seus programas de

trabalho.

As únicas exceções foram a ONUDI – a única agência especializada que fixou

uma porcentagem de 9% de seu orçamento regular para a CTPD; e a UNCTAD e as

comissões regionais que, embora não tivessem fixado uma porcentagem, indicaram a

alocação de recursos para a modalidade em seu planejamento orçamentário (JOINT

INSPECTION UNIT, 1985, p. 22). As entidades do SDNU que não haviam definido uma

linha de seu orçamento para a CTPD argumentaram que era difícil diferenciar as

atividades tradicionais e de CTPD, e, consequentemente, separar recursos específicos

para essa modalidade.

Sem a definição de uma linha orçamentária, era muito difícil mensurar o quanto

efetivamente havia sido despendido com o uso da modalidade, um problema que persiste

ainda hoje. Em um esforço de sistematizar esses dados, o HLC-TCDC realizou, em 1985,

uma estimativa com base nos custos de projetos e programas de CTPD reportados pelas

agências e organizações.

Conforme os dados do quadro a seguir, a soma dos recursos despendidos por 12

entidades do SDNU em projetos e programas era de US$ 52,6 milhões de dólares,

divididos da seguinte forma:

322

Quadro 24 – Gastos com CTPD por 12 entidades do SDNU (1985, em

porcentagem)

Total de entidades do SDNU (12)

Atividades promocionais 54%

Atividades operacionais 46%

Identificação de fonte do recurso

Orçamento próprio das agências 39%

PNUD 33% (sendo a maioria IPFs regionais)

Fundos fiduciários e fundos de governos (especialmente PDs)

28%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1985, p. 19

Mas, avaliar o uso da CTPD por parte das entidades do SDNU apenas pelo gasto

total em dólar pode ser enganoso, pois a CTPD justamente reduz esse custo. Por isso,

também deve-se avaliar o envolvimento do SDNU na CTPD pelo grau de integração de

inputs dos PEDs em campo, como número de especialistas, concessão de bolsas de estudo

e a utilização de serviços e empresas. Porém, como já discutido na parte 2, o uso da CTPD

como uma modalidade de execução de projeto foi modesto no período de 1983-1986. Em

todas as categorias, o uso de inputs dos PEDs não era predominante, a despeito de seu

baixo custo. Isso demonstra que as dificuldades de integrar a modalidade não eram apenas

financeiras, e que as limitações orçamentárias eram reflexo das barreiras atitudinais.

Até o final da década, o HLC-TCDC aprovou resoluções recomendando que todas

as entidades do SDNU alocassem uma proporção maior de seus orçamentos para financiar

atividades de CTPD, incluindo o uso de recursos especificados (earmarked). Mas não

houve uma mudança no padrão de alocação orçamentária nessa década. Isso tornou ainda

mais importante a identificação de outras fontes de financiamento.

323

7.3.2.4 Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica

entre Países em Desenvolvimento (PGTF)

O BAPA estabeleceu que a principal fonte de financiamento das iniciativas de

CTPD seriam os PEDs eles mesmos, como uma forma de garantir a autossuficiência

individual e coletiva dos países envolvidos. Além da criação de alguns fundos nacionais,

o Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países

em Desenvolvimento (PGTF, do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund) foi uma iniciativa

de financiamento coletivo dos PEDs, com apoio da AGNU.

As origens do Fundo datam da resolução A/RES/38/201, de 20 de dezembro de

1983, quando a AGNU deu fim ao Fundo das Nações Unidas para Operações de

Emergência. A AGNU destinou 12% do extinto fundo para que o PNUD financiasse

atividades de cooperação entre PEDs, tendo como base o Programa de Ação de Caracas.

Esse programa, adotado pelo G-77 em 1981, continha recomendações práticas na área da

cooperação técnica e econômica entre os PEDs.

Para gerenciar esses recursos, o Administrador do PNUD criou um fundo em

1984, mas suas atividades iniciais foram bastante tímidas. O fundo ganhou impulso em

1986, quando, no Encontro de Alto-Nível sobre a Cooperação Econômica entre os Países

em Desenvolvimento, organizado pelo G-77 no Cairo, decidiu nomeá-lo como Fundo

Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países em

Desenvolvimento. Na ocasião, o G-77 passou a estruturar seus objetivos e a forma de

operacionalização de seus recursos.

O PGTF deveria ser utilizado para financiar estudos de pré-investimento e

relatórios de viabilidade, e dar apoio na implementação de projetos nas áreas definidas

pelo Programa de Ação de Caracas. Em relação à operação do Fundo, foi criado um

Comitê de Especialistas, composto por seis representantes, sendo dois de cada uma das

três regiões dos países do G-77 (África, América Latina e Ásia). O Comitê tem a

responsabilidade de avaliar e selecionar as propostas de projeto a serem financiadas pelo

fundo (GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 3).

O capital inicial do PGTF foi de US$ 5 milhões, e deveria ser mantido pelos

rendimentos das taxas de juros cobradas sobre a alocação do capital original em diferentes

instrumentos financeiros. O PNUD, e mais especificamente sua SU-TCDC, ficou

responsável por gerenciar os recursos e conduzir os processos administrativos

324

relacionados ao dispêndio dos fundos (PRASELJ, 2014). A alocação anual dos recursos

entre 1987-1989 foi a seguinte:

Quadro 25 – Alocação anual dos recursos do PGTF (1987-1989, em milhares de

dólares)

Ano Alocação anual

1987 US$ 246 mil

1988 US$ 164 mil

1989 US$ 703 mil

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 6.

Apesar dos recursos modestos, a atuação do PGTF foi fundamental para promover

a cooperação entre os PEDs nos anos 1980. Isso porque, ao não precisar da autorização

do Conselho de Administradores do PNUD para financiar os projetos de cooperação, essa

fonte independente de recursos permitiu que as atividades refletissem os interesses e

prioridades dos PEDs, especialmente na área da cooperação econômica, cuja atuação do

SDNU era muito limitada.

Fazendo um balanço sobre as condições de financiamento da CTPD nos anos

1980, nota-se que houve um esforço em garantir fontes previsíveis de recursos dentro da

estrutura do SDNU, mas seu escopo foi limitado. Em geral, todas as possíveis fontes de

financiamento não foram exploradas ou consideradas apropriadamente pelo SDNU, uma

vez que as entidades não alocaram linhas orçamentárias específicas para a modalidade e

não fizeram pleno uso dos recursos existentes, como as IPFs.

Ademais, o engajamento dos PDs em financiar a CTPD foi praticamente

inexistente nesse período, a despeito das recomendações do HLC-TCDC para que os

grandes doadores pudessem financiar projetos nacionais que contivessem CTPD e que

promovessem atividades nesse campo, como treinamentos, oficinas e estudos de pré-

viabilidade.

Por outro lado, embora a falta de recursos fosse um obstáculo considerável para

garantir a integração da CTPD nos trabalhos da ONU, nota-se que esse não era um

problema isolado. Considerando o contexto dos anos 1980 de constrição de recursos,

325

fazer um maior uso da CTPD seria uma forma do SDNU entregar mais com menos, já

que a modalidade era mais eficaz em custo que a cooperação técnica tradicional. Mas não

foi isso o que aconteceu, devido à prevalência da rationale da cooperação tradicional e às

barreiras atitudinais do SDNU em relação à CTPD.

7.4 A descentralização do financiamento do SDNU e da CTPD (1990)

A crise financeira dos anos 1980 foi um prenúncio das profundas mudanças no

padrão de financiamento do SDNU que seriam causadas pelo fim da Guerra Fria. Nos

anos 1990, os grandes doadores perderam o interesse em se engajar na cooperação

internacional para o desenvolvimento, pois a rationale de alocação da AOD – um

instrumento da política externa dos governos no contexto do sistema de alianças da

Guerra Fria – havia deixado de existir.

Por isso, a primeira característica da terceira fase do financiamento do SDNU, que

se inicia nos anos 1990 e se aprofunda nos dias atuais, foi a drástica redução no volume

total da AOD: cerca de 10% em termos reais (JENKS; JONES, 2013, p. 27). E houve uma

redução ainda maior nos recursos destinados ao SDNU: as contribuições voluntárias

caíram de 86% da receita do PNUD em 1987 para 48% em 1997 (STOKKE, 2009, p.

373).

A segunda característica foi a maior especificação das contribuições voluntárias

ao SDNU. Ao invés de canalizar as contribuições no formato de recursos centrais – que

seriam de responsabilidade do SDNU definir para onde os recursos seriam alocados – os

doadores começaram a escolher as entidades, os países e os projetos que eles desejavam

financiar. Como pode-se notar no gráfico a seguir, apesar de ter havido um aumento nos

recursos totais disponíveis ao SDNU para financiar as atividades operacionais para o

desenvolvimento, esse aumento ocorreu por meio de recursos especificados, ou não

centrais (earmarked ou non-core).

O ano de 1997 foi o marco na mudança da composição dos recursos do SDNU: os

recursos especificados ultrapassaram os centrais pela primeira vez, e desde então, a

tendência foi o crescimento do primeiro tipo de recursos, que correspondeu a 60% do

total em 1999; e a estagnação do segundo tipo, em uma faixa de 40% do total.

326

Gráfico 5 – Contribuições para o SDNU* para o financiamento das atividades

operacionais para o desenvolvimento (1996-1999, em milhões de dólares)

*Excluindo as contribuições para o Programa Mundial de Alimentos.

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2005, p. 10.

O problema com o crescimento dos recursos não-centrais é que eles não são

despendidos de forma contínua e previsível, pois, na prática, é como se os doadores

bilateralizassem suas contribuições para o SDNU. Isso enfraquece o caráter multilateral

da ONU, ao impedir o sistema de fazer um planejamento de longo prazo para o

financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento. Isso reforçou o

caráter ad hoc e pouco sistematizado do apoio da ONU aos PEDs na área da cooperação

internacional para o desenvolvimento.

A terceira característica foi a competição entre as entidades do SDNU por

recursos, enfraquecendo seu componente multilateral e aprofundando a incoerência

sistêmica do financiamento. Em 1993, quando o PNUD deixou de ser a agência central

coordenadora do financiamento do SDNU e passou a executar projetos, isso significou

que as demais entidades do sistema eram agora responsáveis por mobilizar seus próprios

recursos, diretamente com os países doadores. Assim, ao invés desses países canalizarem

seus recursos para o PNUD, as entidades competiam entre si por uma parte das

contribuições.

Isso mudou a agenda de trabalho: as prioridades decididas pelos órgãos da ONU

se tornaram menos importantes, e, na prática, a agenda de trabalho é orientada para

4.165,74.329,1

4.784,7

5.406,2

47,7%50,8% 43,4% 39,3%52,3% 49,2%

56,6%

60,7%

0,0

1.000,0

2.000,0

3.000,0

4.000,0

5.000,0

6.000,0

1996 1997 1998 1999

Contribuições totais Recursos centrais Outros recursos

327

aqueles temas onde as agências conseguem levantar financiamento. E todas as prioridades

das entidades do SDNU passaram a ser apresentadas como um apelo para atrair o interesse

dos doadores. O maior peso relativo dos doadores nas decisões dos Conselhos Executivos

das agências especializadas reforçou a incoerência das agendas de trabalho.

O G-77 vocalizou essa frustração nas negociações sobre as atividades

operacionais para o desenvolvimento no âmbito da Segunda Comissão da AGNU e da

TCPR. O SDNU passou a ser percebido como ineficiente e menos responsivo às

necessidades dos PEDs devido a esse padrão de financiamento que enfraqueceu a

capacidade da ONU em conduzir suas atividades de forma multilateral e neutra.

7.4.1 O financiamento da CTPD nos anos 1990

O padrão de financiamento do SDNU nos anos 1990 teve efeitos mistos para a

promoção da CTPD: por um lado, houve o aumento de recursos não-centrais, pois os

PEDs passaram a utilizar a especificação de suas contribuições para promover a

modalidade. Por outro, a diminuição dos recursos centrais aprofundou a incoerência e a

falta de sistematização da integração da modalidade nos trabalhos regulares do SDNU. A

seguir, serão apresentados os recursos mobilizados no âmbito do PNUD e da SU-TCDC

nessa década, incluindo o PGTF e o Fundo Fiduciário das Nações Unidas para a

Cooperação Sul-Sul, criado em 1996. Nessa fase, verificou-se um aumento do interesse

dos PDs em financiar a modalidade.

7.4.1.1 A especificação de recursos centrais do PNUD para a CTPD

O início dos anos 1990 foi marcado por um aumento no uso das IPFs destinadas

à CTPD, de 7,3% no período de 1987-1988 para 9,6% no período de 1989-1990,

conforme pode ser visto no quadro abaixo. O motivo desse aumento foi o maior

engajamento dos PEDs em utilizar a modalidade em projetos regionais, inter-regionais e

globais, como uma estratégia para se proteger dos efeitos negativos da globalização. O

HLC-TCDC recomendou ao Conselho de Governadores do PNUD, em sua decisão

TCDC/7/2, de 6 de junho de 1991, que acelerasse o uso da CTPD na execução de projetos

financiados por IPFs, de modo a colaborar com a inserção efetiva dos PEDs na economia

globalizada.

328

Quadro 26 – Uso dos IPFs do PNUD em CTPD (1989-1990, em milhares de

dólares)

Gasto total das IPFs

Gasto das IPFs com CTPD

% do gasto das IPFs para CTPD

IPF nacional US$ 1.360.341 US$ 12.405 0,91%

IPF regional US$ 259.095 US$ 77.195 29,8%

IPF inter-regional e global US$ 54.366 US$ 13.592 25%

Total US$ 1.673.802 US$ 160.346 9,6%

Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1991 c, pp. 22-23.

Já em relação aos Recursos para Programas Especiais (SPR) destinados à CTPD,

que eram fundamentais para financiar atividades promocionais de escopo global, eles

sofreram uma redução expressiva em 1993. Assim, em sua decisão TCDC/8/2, de 4 de

junho de 1993, o HLC-TCDC pediu que o Conselho de Governadores do PNUD

mantivesse o nível de SPR previsto para o período de 1992-1996, garantindo a

implementação dos projetos da SU-TCDC.

Além disso, com a progressiva diminuição dos recursos centrais em meados dos

anos 1990, o HLC pressionou o PNUD a especificar uma porcentagem dos SPR para a

CTPD. Isso garantiria alguma previsibilidade dos recursos no contexto das orientações

definidas pela Estratégia Novas Direções (1995). Assim, o Conselho Executivo do PNUD

aprovou, em sua decisão DP/1995/23, de 16 de junho de 1995, a especificação de 0,5%

dos recursos centrais destinados aos programas nacionais para o financiamento da CTPD

no período de 1997-1999. Isso deu impulso ao trabalho da SU-TCDC no final da década,

no bojo de seu Primeiro Quadro de Cooperação.

7.4.1.2 Os recursos da SU-TCDC: o Primeiro Quadro de Cooperação para a

CTPD e o Fundo Fiduciário para a Cooperação Sul-Sul

Com a alocação de 0,5% dos recursos centrais do PNUD para a CTPD, foi possível

que a SU-TCDC incluísse um planejamento financeiro em seu Primeiro Quadro de

Cooperação para a CTPD, que cobria o período de 1997-1999. Além dos US$ 1 milhão

em SPR referentes ao ciclo programático anterior (1992-96), a especificação de 0,5% dos

329

recursos centrais do PNUD destinou mais US$ 15 milhões à SU, totalizando US$ 16

milhões em recursos centrais, conforme pode ser visto no quadro a seguir.

Quadro 27 – Recursos alocados para a SU-TCDC no Primeiro Quadro de

Cooperação para a CTPD (1992-1996)

Recurso Montante

Recursos centrais do PNUD

SPR para o 5º ciclo US$ 1.000.000,00

Recursos para CTPD US$ 15.000.000,00

Recursos não-centrais

Fundo fiduciário US$ 10.000.000,00

Total: US$ 26.000.000,00

Fonte: EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 1996, p. 9.

Ademais, a AGNU recomendou ao PNUD, em sua resolução A/RES/50/119, de

20 de dezembro de 1995, a criar um fundo voluntário para financiar a CTPD, garantindo

um aporte complementar aos recursos centrais da SU-TCDC. No ano seguinte, foi criado

o Fundo Fiduciário para a Promoção da Cooperação Sul-Sul, com o propósito de financiar

programas de CTPD nas áreas temáticas definidas no Primeiro Quadro de Cooperação,

que eram: erradicação da pobreza, proteção do meio ambiente, e iniciativas nas áreas

produtivas, de comércio e investimentos.

O Fundo tinha um capital inicial de US$ 10 milhões, composto por contribuições

do Japão, da República da Coreia e da Irlanda (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE

REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,

1999 a). Esse foi o primeiro envolvimento efetivo dos PDs em financiar a CTPD por meio

da estrutura do SDNU, e o interesse veio porque, nesse fundo, os recursos poderiam ser

especificados. Nos anos 1990, o crescimento de alguns PEDs – os chamados mercados

emergentes – chamaram a atenção dos doadores, e contribuir com o

330

Fundo Fiduciário permitiria uma aproximação com esses países em esquemas de

cooperação triangular, que ganharão impulso nos anos 2000224.

7.4.1.3 Medidas para a expansão dos recursos do PGTF

Quando o PGTF foi criado em 1983, o único mecanismo previsto para a ampliação

de seu capital eram os rendimentos provenientes de taxas de juros. Mas essa fonte de

financiamento tornou-se muito limitada com o declínio das taxas de juros nos anos 1990,

vis-à-vis a necessidade de um volume crescente de recursos.

Como pode-se notar no gráfico a seguir, há uma redução significativa na alocação

anual de recursos do PGTF no período de 1991-1996. Para contornar esse problema, o G-

77 decidiu aprovar, em seu 20º Encontro Ministerial, uma nova estratégia para

impulsionar o capital do fundo, baseada em três modalidades de levantamento de

recursos: fazer uma melhor gestão das taxas de juros; permitir contribuições dos membros

do G-77 e de outros doadores; e estabelecer mecanismos de co-financiamento com outras

instituições.

Gráfico 6 – Alocações anuais de recursos do PGTF (1990-1999, em milhares de

dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 6.

224 Esses esquemas serão discutidos no próximo capítulo.

1.253

211

720

557

292350

460

149

1.165

460

0

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

1 9 9 0 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3 1 9 9 4 1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9

331

A primeira modalidade consistia em adotar estratégias de financiamento arrojadas

para alocar o capital do Fundo em instrumentos financeiros com melhor rendimento (por

exemplo, em títulos com maturação de longo prazo), que poderiam fazer uma valorização

mais eficiente do total de fundos.

A segunda modalidade seria permitir contribuições voluntárias dos membros do

G-77 e de outros doadores potenciais. O objetivo era engajar todos os membros do grupo

a contribuir com o Fundo. Por isso, seriam aceitas tanto contribuições de grande volume

quanto de menor volume (a contribuição sugerida era de US$ 2 mil dólares, mas os países

poderiam doar menos caso não pudessem arcar com essa quantia), com o propósito de

mostrar o engajamento e apoio dos diferentes países ao financiamento da CTPD. Essas

contribuições seriam amealhadas nas Conferências de Compromissos Negociados da

ONU para as atividades de desenvolvimento. Também seriam estreitadas as relações com

outras instituições internacionais, para que pudessem contribuir com um aporte maior de

recursos (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 9).

Até o final dos anos 1990, a maior parte das contribuições foram simbólicas,

totalizando US$ 20 mil dólares em contribuições de 11 países. Entre 1998-1999, não

houve nenhuma grande contribuição, nem por parte dos membros do G-77 nem de

instituições financeiras. As contribuições realizadas nos anos 1990 podem ser vistas no

quadro a seguir.

Quadro 28 – Contribuições de Estados-membros para o PGTF (1998-1999)

País Data Montante

Ilhas Maurício Dezembro de 1997 US$ 500,00

Paquistão Abril de 1998 US$ 1.000,00

Cingapura Dezembro de 1998 US$ 2.000,00

Irã Janeiro de 1999 US$ 3.000,00

República Popular e Democrática da Coreia

Fevereiro de 1999 US$ 2.000,00

Chipre Março de 1999 US$ 2.000,00

Malásia Maio de 1999 US$ 2.000,00

Tailândia Maio de 1999 US$ 2.000,00

332

(Cont.) País Data Montante

Argélia Junho de 1999 US$ 2.000,00

Índia Agosto de 1999 US$ 2.000,00

Filipinas Setembro de 1999 US$ 1.500,00

Total Dezembro 1998 –

Setembro 1999 US$ 20.000,00

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017.

A terceira modalidade, de co-financiamento com outras instituições, visava usar

os recursos do PGTF como efeito multiplicador para projetos de maior projeção,

especialmente em âmbito regional e sub-regional. Os esquemas de co-financiamento

seriam definidos caso a caso, e as instituições parceiras deveriam contribuir com recursos

iguais ou superiores àqueles alocados pelo PGTF. Essa foi a modalidade de maior

expansão no período, financiando um total de US$ 9,5 milhões em projetos no período

de 1987-1996, conforme pode ser visto no quadro a seguir.

Quadro 29 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições

(1987-1996)

Número de projetos apoiados 57

Contribuição do PGTF US$ 5 milhões

Outras contribuições US$ 4,5 milhões

Custo total dos projetos US$ 9,5 milhões

Taxa de co-financiamento 0,90%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 16.

Fazendo um balanço sobre os recursos disponíveis para financiar a CTPD nos anos

1990, nota-se que, diante das mudanças no padrão de financiamento do SDNU, de

redução dos recursos centrais e aumento dos recursos especificados, foi necessário

diversificar as fontes de financiamento da modalidade.

Em relação ao PNUD, a especificação de 0,5% dos recursos centrais para financiar

a CTPD garantiu a realização mínima das atividades programadas no Primeiro Quadro de

333

Cooperação para a CTPD da SU-TCDC. Essa, por sua vez, mobilizou recursos

voluntários adicionais por meio do Fundo Fiduciário para a Promoção da Cooperação sul-

Sul. Mas esses eram recursos especificados, oriundo das doações de países desenvolvidos

interessados em se aproximar dos mercados emergentes.

Já no que se refere às demais entidades do SDNU, como o PNUD havia deixado

de ser a agência financiadora central a partir de 1993, essas tiveram que se engajar na

busca por recursos adicionais. Mas assim como nos anos 1980, havia a dificuldade de

mensurar o quanto as agências especializadas destinavam para financiar a CTPD, devido

à ausência de uma linha orçamentária para essa modalidade. Por isso, o esforço do HLC-

TCDC e da SU-TCDC foi o de auxiliar as entidades a criar mecanismos para mensurar

seu apoio à CTPD em termos quantitativos, e estimulá-las a incluir uma linha

orçamentária dedicada à CTPD. Mas essa proposta continuou enfrentando resistências.

Por fim, como mostra a estratégia de expansão dos recursos do PGTF, os próprios

PEDs passaram a aumentar suas contribuições, com base no compartilhamento de custos

e co-financiamento. Para o G-77, diante do declínio da AOD em termos relativos e as

dificuldades econômicas enfrentadas no contexto da globalização, o avanço da CSS era

de suma importância, ao facilitar a troca de experiências e promover ação coletiva para o

desenvolvimento.

Isso conduz à situação de financiamento no novo milênio, quando as contribuições

dos PEDs para o SDNU e para a CSS dão um salto quantitativo e qualitativo, como será

discutido no próximo capítulo.

334

CAPÍTULO 8 – OS CHAMADOS DOADORES EMERGENTES E O

FINANCIAMENTO DA CSS NOS ANOS 2000

O capítulo tem como objetivo discutir a atuação dos chamados doadores

emergentes nos anos 2000, quando os PEDs deixaram de ser apenas recipiendários de

AOD para também se tornarem doadores, ao alocar montantes significativos de recursos

para financiar projetos de CSS. A resiliência de países como China, Brasil e Índia após a

crise de 2008 consolidou ainda mais o papel desses países como provedores líquidos de

recursos para o financiamento do desenvolvimento em âmbito bilateral e regional.

Primeiramente, o capítulo apresentará a fragmentação e bilateralização dos

recursos destinados aos SDNU nesse período. Houve uma expressiva redução das

contribuições centrais dos PDs para financiar as atividades operacionais para o

desenvolvimento, consolidando a dependência do sistema em relação aos recursos não-

centrais e especificados. Essa dependência deixou o SDNU em uma situação financeira

crítica, comprometendo a eficácia de seus projetos e prejudicando sua capacidade de

atender às demandas dos PEDs.

Por isso, o envolvimento dos doadores emergentes no financiamento do

desenvolvimento – como resultado de seu crescimento econômico e de expansão de suas

políticas externas na área da cooperação internacional para o desenvolvimento – trouxe

uma fonte adicional de recursos. Embora as contribuições dos PEDs para o sistema ainda

sejam pequenas se comparadas ao montante dos países do CAD-OCDE, o engajamento

do SDNU na promoção da CSS na última década reflete a expectativa de atrair cada vez

mais esses recursos.

A forma como os doadores emergentes financiam a CSS é diferente do

financiamento da cooperação tradicional. Assim, o capítulo apresentará os distintos

instrumentos e arranjos financeiros utilizados pelos doadores emergentes, mostrando

como eles se distinguem da AOD. Entretanto, é importante indicar a dificuldade em

mensurar quantitativamente o quanto os PEDs destinam à CSS, devido ao caráter

integrado e sobreposto entre as diversas modalidades de seu financiamento.

Em seguida, o capítulo discutirá a reação dos países do CAD-OCDE à

concorrência dos doadores emergentes. Primeiramente, eles passaram a se envolver no

financiamento da CSS por meio da cooperação triangular, isto é, projetos definidos e

executados por dois países em desenvolvimento, mas que conta com o financiamento ou

335

a expertise de um país desenvolvido. Depois, o CAD-OCDE passou a pressionar pela

graduação dos novos doadores, para que eles assumam maiores responsabilidades de

financiamento do SDNU. Mas para que a graduação ocorra, é necessário sistematizar e

mensurar as contribuições financeiras dos doadores emergentes. Por isso, o comitê está

tentando influenciar o conceito de CSS para que incorpore os elementos do paradigma da

eficácia da ajuda e possa ser mensurado de acordo com seus critérios.

Os doadores emergentes se recusam a padronizar a CSS a partir dos princípios do

CAD-OCDE e também discordam do argumento da graduação, afirmando que essa é uma

estratégia dos doadores para diminuir suas responsabilidades financeiras. Por isso, o G-

77 insiste que a CSS é complementar e não substituta à Cooperação Norte-Sul, no sentido

de que ela não poderá substituir os compromissos financeiros dos PDs para com a

cooperação internacional para o desenvolvimento.

Por fim, o capítulo apresenta os instrumentos atuais de financiamento da CSS no

SDNU. Ainda não existe uma linha orçamentária destinada à CSS, e os recursos centrais

transferidos do PNUD para o UNOSSC são limitados. Por isso, os próprios PEDs

preferem canalizar recursos especificados, utilizando a estrutura do SDNU para

implementar projetos de CSS que atendam aos interesses de suas políticas externas. Isso

demonstra que a ideia de usar a ONU para promover a CSS tem uma base material mais

restrita. Dentre os argumentos apresentados por diplomatas dos países emergentes,

enquanto não houver uma reforma da governança do SDNU que os permita influenciar o

processo de tomada de decisão, eles não irão canalizar maiores recursos para o sistema.

Assim, o capítulo se encerra demonstrando que o padrão de financiamento da CSS no

SDNU impede a incorporação sistemática da modalidade nas atividades regulares do

sistema, reforçando seu caráter ad hoc.

8.1 O financiamento do SDNU nos anos 2000

Nos anos 2000, a quantidade de AOD disponível para o financiamento do

desenvolvimento foi crescente em termos absolutos. Em 2007, o volume total de AOD

foi de US$ 103,7 bilhões de dólares, um crescimento absoluto de 15% em termos reais

desde 2004. Em 2010, o volume de AOD atingiu US$ 128,5 bilhões, um crescimento

absoluto de 63% no período 2000-2010. A partir de 2011, as contribuições em AOD

foram afetadas pela crise econômica e financeira global iniciada em 2008 e pelas políticas

336

recessivas adotadas pelos doadores do CAD-OCDE. Mas o volume total foi recuperado

em 2013, atingindo um total de US$ 134,8 bilhões (UNITED NATIONS ECONOMIC

AND SOCIAL COUNCIL, 2008, p. 8; 2012, p. 15; 2014, p. 2).

Apesar do crescimento absoluto da AOD, há uma tendência histórica de redução

em termos relativos225, ficando longe de cumprir a meta de 0,7% do PIB: em 1990, a

assistência era de 0,33% do PIB, e, em 2000, esse número caiu para 0,22% do PIB. Nos

anos 2000, a assistência não ultrapassou a média de 0,4% do PIB. Apenas quatro países

– Dinamarca, Países Baixos, Noruega e Suécia – configuraram-se como exceção,

conseguindo inclusive ultrapassar a meta (WEISS; THAKUR, 2010, loc. 2339-2349;

JOLLY et al., 2004, p. 271).

Em relação ao destino multilateral da AOD, o quadro abaixo mostra que

aproximadamente 30% do total desses recursos tem destino multilateral, enquanto 70% é

bilateral. Dentre os 30% de recursos multilaterais, a quantidade de AOD destinada ao

SDNU 2006 e 2013 não chega à metade disso. Isso sinaliza que a ONU não é o canal

multilateral prioritário de alocação da AOD. Mesmo assim, as contribuições do CAD-

OCDE correspondem à uma faixa de 60%-70% dos recursos do SDNU.

Ademais, o quadro mostra que o crescimento dos recursos do SDNU nos anos

2000 foi prioritariamente puxado por contribuições não-centrais e especificadas,

correspondendo a quase 70% dos recursos em 2013.

Já a figura a seguir demonstra que a estagnação dos recursos centrais e o

crescimento dos recursos não-centrais é uma tendência desde os anos 1990, e esse

desequilíbrio consolidou-se nos anos 2000.

225 Os anos 2000 são considerados uma era pós-AOD, devido à redução no volume da ajuda e o crescimento de outros recursos, como IEDs, capitais privados, remessas, royalties, etc. Em 2002, a ONU organizou a Primeira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Monterrey, para tratar dos problemas relacionados ao financiamento do desenvolvimento em âmbito global. Para contornar a dificuldade dos PEDs em mobilizar recursos de longo prazo para financiar seu desenvolvimento, o documento final da Conferência, denominado Consenso de Monterrey, definiu seis áreas de ação para mobilizar recursos de forma mais eficiente: recursos domésticos; IEDs e outros fluxos privados; comércio internacional; AOD; dívida externa; e assuntos sistêmicos. Em 2008, ocorreu a Segunda Conferência sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, no Catar. No bojo da crise econômica e financeira global, a Declaração de Doha discutiu os problemas de financiamento derivados da crise. A CSS foi mencionada, pela primeira vez, como uma fonte importante de financiamento para o desenvolvimento. Na Terceira Conferência sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, ocorrida em Adis Abeba em 2015, o objetivo foi o de estabelecer diferentes fontes de recursos – governamentais, do setor privado e da sociedade civil – para financiar a implementação da Agenda 2030.

337

Quadro 30 – AOD: Alocação total, multilateral e para o SDNU (2006 e 2013)

Categoria de financiamento 2006

(US$ bi)

2013

(US$ bi)

Crescimento entre

2006-2013 (US$ bi)

AOD Total 105,4

(100%)

135,1

(100%) 29,7

AOD multilateral 27,9

(26,5%)

41,5

(30,7%) 13,6

AOD para o SDNU, sendo: 10,5

(10%)

16,2

(12%) 5,7

Recursos centrais 4

(38,1%) 5,2

(32,1%) 1,2

Recursos não-centrais (especificados)

6,5 (61,9%)

11 (67,9%)

4,5

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de MUTTUKUMARU, 2015, p. 8.

Figura 2 – Tendência do financiamento total das atividades operacionais para o

desenvolvimento da ONU (recursos centrais e especificados, 1995-2014)

Fonte: JENKS et al., 2016, p. 25

A estagnação dos recursos centrais é preocupante pois compromete a

sustentabilidade e a eficácia das atividades do SDNU voltadas para a promoção do

338

desenvolvimento. Sem recursos centrais226, o SDNU perdeu a capacidade de planejar suas

ações e coordenar as áreas temáticas e os países prioritários, afetando negativamente a

qualidade dos resultados de seus programas. Logo, a falta desse tipo de recurso impede

que os projetos sejam alinhados com demandas dos países recipiendários, diminuindo a

confiança dos PEDs na capacidade do sistema em ser responsivo às suas necessidades.

Outro problema é que os recursos centrais passaram a ser usados para subsidiar as

atividades financiadas por recursos não-centrais, como custos de gerenciamento,

administração e apoio aos programas. Isso significa que, em vários casos, é o próprio

SDNU custeando os gastos administrativos dos programas dos doadores.

Os recursos não-centrais aumentaram em 135% no período de 1998-2013

(UNITED NATIONS, 2015 a). Existem cinco tipos de modalidade de recursos não

centrais: recursos bi-multilaterais; financiamento conjunto interagências; fundos globais

e verticais; fundos temáticos; e financiamento local. Não existe nenhum mecanismo de

harmonização e coordenação dessas diferentes modalidades, e cada uma delas possui seu

próprio planejamento, gerenciamento e relatório.

O gráfico a seguir mostra a distribuição percentual dessas modalidades para o

financiamento do SDNU em 2014. Observa-se que 75% do financiamento não-central do

SDNU encaixava-se na modalidade bi-multilateral. Ela é considerada multilateral porque

é canalizada para a ONU, mas, na prática, os recursos funcionam de forma bilateral, pois

são provenientes de um único doador e destinados para países, programas e projetos

específicos. Essa é a principal modalidade utilizada pelos doadores do CAD-OCDE. O

gerenciamento, a administração e os relatórios referentes a esses recursos possuem várias

regras e condicionalidades sobre as quais recaem pesados custos de transação. Muitas

vezes, os recursos bi-multilaterais já são especificados desde os orçamentos nacionais dos

países doadores, de modo que a única escolha para o SDNU é aceitar a especificação ou

recusar o financiamento.

Já o financiamento conjunto interagências correspondeu a 11% do financiamento

não-central do SDNU em 2014. Tratam-se de fundos conjuntos entre as agências do

sistema, destinados a programas específicos. São fundos abertos e financiados por

mecanismos de repasse.

226 Para contornar esse problema, atualmente a ONU trabalha com o conceito de massa crítica de recursos centrais, definido como o nível mínimo ou crítico de recursos centrais para atender adequadamente às necessidades de financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento. Porém, poucas agências operacionalizaram esse conceito e continuam altamente dependentes dos recursos não-centrais.

339

Os fundos globais e verticais e os fundos temáticos também são formas de

financiamento conjunto, e corresponderam a 5% e 3% dos recursos especificados,

respectivamente. Diferentemente do financiamento conjunto interagências, são fundos

internacionais externos ao SDNU, mas administrados por entidades do sistema, que se

envolvem em diferentes graus. A preocupação é que esses fundos são uma alternativa ao

sistema multilateral, afastando recursos do sistema ONU.

Por fim, o financiamento local, que correspondeu a 6% dos recursos especificados

em 2014, consiste nos recursos dispendidos localmente, na execução das atividades

programáticas dos programas nacionais. Essa modalidade é mais presente em países de

renda média.

Gráfico 7 – Modalidades de financiamento não-central para as atividades

operacionais para o desenvolvimento da ONU (2014, em porcentagem)

FONTE: elaboração própria a partir dos dados de JENKS et al., 2016, p. 30.

A dependência do SDNU em relação aos recursos não-centrais se aprofundou com

a aprovação dos ODMs, no ano 2000. Embora o estabelecimento de objetivos e metas

específicos tenha atraído maiores recursos para o sistema, isso resultou em uma redução

do interesse dos membros em contribuir para os propósitos gerais da organização. Outra

consequência foi a consolidação da tendência já iniciada nos anos 1990, de reorientar os

Bi-multilateral75%

Financiamento conjunto

interagências11%

Fundos globais e verticais

5%

Fundos temáticos

3%

Financiamento local6%

340

trabalhos do SDNU para a agenda dos doadores, que definem para quais áreas, países e

projetos os recursos serão destinados. Isso significa que “as prioridades das entidades da

ONU são, portanto – muito mais agora do que antes – conduzidas pela disponibilidade de

financiamento do que pelos mandatos e estratégias definidos pelos quadros decisórios das

agências e sistêmicos, como era o caso antes de 1990” (UNITED NATIONS, 2015 a, p.

6, tradução nossa227).

Além disso, o aumento dos recursos especificados estão, na prática, tornando as

entidades do SDNU em prestadoras de serviços para projetos bilaterais ou público-

privados, ao invés de oferecer bens público globais. De acordo com Laurenti (2008, p.

696, tradução nossa):

Ás vezes, os governos doadores usam os programas da ONU como uma agência executora daquilo que, na verdade, é uma concessão bilateral e condicionada. Esse geralmente é o caso dos fundos fiduciários da ONU estabelecidos com a aprovação da Assembleia Geral, sob a iniciativa de um Estado-membro para realizar um propósito específico228.

O padrão de financiamento baseado em recursos especificados também resultou

em uma proliferação de doadores229. O ECOSOC estimou que havia 126 agências

bilaterais de países do CAD-OCDE, 23 doadores fora do CAD-OCDE e 263 agências

multilaterais de ajuda, de diferentes tamanhos (UNITED NATIONS ECONOMIC AND

SOCIAL COUNCIL, 2012, pp. 20-21).

A proliferação de doadores trouxe como vantagem a diversificação das fontes de

financiamento. Os países recipiendários preferem ter vários doadores para manter a

estabilidade dos fluxos e diversificar os riscos, especialmente diante da enorme

volatilidade nas contribuições dos doadores do CAD-OCDE.

Mas a diversificação excessiva tem desvantagens quanto as prioridades e a

construção de capacidades. Como a maior parte dos doadores financia projetos bilaterais,

isso aumenta os custos de transação, devido à sobreposição e até mesmo à contradição de

prioridades e condicionalidades nos projetos financiados por diferentes doadores. Essa

227 Do original: “Programme priorities of UN entities are therefore now to a greater extent than before driven by the availability of funding rather than mandates and strategies set by agency-specific and system-wide governing bodies, as was the case before the 1990s” (UNITED NATIONS, 2015 a, p. 6). 228 Do original: “Sometimes donor governments rely on UN programs to serve as the executing agency for what is really a bilaterally agreed, or ‘tied,’ grant. This is often the case for UN trust funds established with Assembly approval on the initiative of a member state to accomplish a designated purpose” (LAURENTI, 2008, p. 696). 229 Além disso, houve um aumento considerável dos doadores privados, como ONGs, setor privado e doadores individuais. De acordo com Adams e Martens (2015, p. 47), esses doadores contribuíram com US$ 2 bilhões de dólares para o financiamento das atividades de desenvolvimento da ONU em 2013.

341

situação, na ausência de uma coordenação mínima do SDNU, resultou na fragmentação

das atividades promovidas pelo sistema.

No gráfico a seguir, são apresentados os volumes de contribuições dos doadores

estatais em 2013. Nota-se a predominância dos três maiores doadores (Estados Unidos,

Reino Unido e Japão), que financiaram 41% das atividades para o desenvolvimento da

ONU. Depois, os demais doadores do CAD-OCDE somam 20%.

Gráfico 8 – Contribuições por tipos de doadores estatais (2013)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2015 a, p. 7.

É interessante notar a participação dos doadores fora do CAD-OCDE, chamados

de doadores emergentes, que correspondeu a 8% em 2013. Apesar de ser uma

porcentagem pequena em comparação à dos doadores tradicionais, seu crescimento é

consistente e considerado uma contribuição positiva ao SDNU, pois o dispêndio de

recursos dos doadores emergentes tem características diferentes em relação aos doadores

tradicionais, podendo contribuir com uma maior previsibilidade dos recursos. Isso será

discutido na próxima seção.

8.2 Os doadores emergentes e os tipos de financiamento da CSS

Nessa seção, o objetivo é discutir o contexto dos anos 2000, intitulado pelo PNUD

como a “ascensão do Sul”, e que levou à consolidação dos chamados doadores

4º a 10º maiores doadores

31%

Outros 18 doadores do CAD-

OCDE12%

Doadores fora do CAD-OCDE

8%

Financiamento local de países de renda média

8%

Estados Unidos22%

Reino Unido11%

Japão8%

3 maiores doadores41%

342

emergentes, PEDs de renda média que experimentaram um crescimento econômico e

desenvolvimento social expressivos nessa década, e que se engajaram fortemente no

financiamento da CSS. Também serão apresentados os instrumentos de financiamento

utilizados pelos doadores emergentes, que vão além da mera transferência líquida de

recursos, como ocorre na cooperação tradicional.

8.2.1 A ascensão do Sul

Em seu Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013, o PNUD discutiu a

chamada “ascensão do Sul”, caracterizada por um reequilíbrio na geografia política e

econômica do poder global. Segundo o relatório:

Quando, durante a crise financeira de 2008-09, o crescimento das economias desenvolvidas estagnou, mas o das economias em desenvolvimento prosseguiu, o mundo registrou esse fato. A ascensão do Sul, vista no mundo em desenvolvimento como um reequilíbrio mundial há muito esperado, tem alimentado desde então um grande debate. No entanto, esse debate tem habitualmente ficado circunscrito ao crescimento do PIB e do comércio num número reduzido de países de grande dimensão. Ora, estão em jogo dinâmicas muito mais amplas, que abrangem um número muito maior de países e tendências mais profundas que podem ter consequências abrangentes para a vida das populações, a equidade social e a governação democrática, tanto a nível local como mundial (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 11).

Esse diagnóstico positivo acerca do papel dos PEDs foi baseado em pelo menos

uma década de crescimento econômico. De acordo com o PNUD, pela primeira vez em

150 anos, o PIB somado da China, da Índia e do Brasil era correspondente ao PIB somado

de Canadá, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Em 2013, o PIB

somado de oito grandes PEDs (Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, África

do Sul e Turquia) era equivalente ao PIB da maior economia do mundo, os Estados

Unidos (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO,

2013, p. 13).

O crescimento econômico chinês e indiano – e, em menor grau, brasileiro e sul-

africano – gerou um transbordamento para outros PEDs, que se beneficiaram da expansão

do comércio, dos investimentos e das finanças desses países. O PNUD prospectou que os

países de renda baixa teriam um menor crescimento econômico, na faixa de 0,3 a 1,1% a

menos que o verificado, caso a China e a Índia não tivessem crescido a essas mesmas

343

taxas (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013,

p. 3).

Além do crescimento do PIB, os PEDs foram os maiores participantes do

comércio mundial no período entre 1999-2009. Puxado pelo polo manufatureiro chinês,

o Sul Global tornou-se o centro do comércio global de mercadorias. De acordo com a

UNCTAD (2008, p. 3, tradução nossa230): “O comércio de mercadorias Sul-Sul foi de

US$ 2,4 trilhões em 2007 – ou 20% do comércio mundial. (...) Nesse período, o peso das

exportações Sul-Sul subiu em 7% na África em desenvolvimento, 4% na Ásia e 2% nos

países em desenvolvimento das Américas”. Como mostra a figura abaixo, a participação

do comércio Sul-Sul no comércio mundial foi crescente e triplicou no período de 1980-

2011. Já o comércio Norte-Sul apresentou uma trajetória decrescente.

Figura 3 – Cota parte do comércio Sul-Sul no comércio global (1980-2011, em

porcentagem)

Fonte: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 46.

230 Do original: “South–South merchandised trade in 2007 amounted to US$ 2.4 trillion in 2007 – or 20 per cent of world trade. (…) During this period, the weight of South-South exports in total exports went up by 7 percentage points in developing Africa, by 4 percentage points in Asia, and by 2 percentage points in the developing countries of the Americas” (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT, 2008, p. 3).

344

O crescimento produtivo e comercial dos PEDs foi apoiado pelo crescimento no

montante de investimentos externos diretos (IEDs). A UNCTAD (2008, p. 5) estimou que

esses investimentos saltaram de US$ 4 bilhões em 1985 para US$ 304 bilhões em 2007.

Em termos de participação mundial, os IEDs do Sul Global cresceram de 20% em 1980

para 50% em 2010 (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 47). A maior parte dos investimentos teve como

destino outros PEDs, especialmente para países da mesma região dos investidores. Sem

contar o uso de novas formas de cooperação financeira e monetária entre as potências

emergentes, como bancos regionais, mecanismos de taxa de câmbio e de pagamento, e

facilidades de crédito.

De acordo com o PNUD, três fatores impulsionadores explicam a ascensão do Sul:

um Estado proativo orientado para o desenvolvimento; a integração dos PEDs nos

mercados mundiais; e as inovações na área da política social, com impactos expressivos

na redução da pobreza. China, Índia e Brasil lideraram esse processo: na China, a

porcentagem de população em situação de pobreza caiu de 60,5% em 1990 para 13,1%

em 2008; na Índia, a redução foi de 49,4% em 1983 para 32,7% em 2010; e no Brasil, de

17,2% em 1990 para 6,1% em 2009. Além disso, houve o desenvolvimento de novas

tecnologias e de novas iniciativas de empreendedorismo, que foram puxadas pelo

crescimento da população escolarizada e pelo acesso à internet (PROGRAMA DAS

NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 14).

Além das mudanças na geografia econômica, houve um fortalecimento das

relações políticas Sul-Sul, como evidenciado pelas coalizões e fóruns internacionais que

visam ampliar a cooperação entre os PEDs em todos os níveis, sendo o IBAS e o BRICS

os de maior destaque. Nesses fóruns, houve criação de capacidade institucional para

apoiar o avanço da CSS, canalizando as soluções e respostas bem-sucedidas dos PEDs a

certos problemas de desenvolvimento em âmbito global.

A conclusão do PNUD no Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013 foi

que “O Sul está hoje em posição de poder influenciar e, inclusivamente, reformular velhos

modelos de cooperação para o desenvolvimento, graças a recursos acrescidos e às lições

colhidas no terreno, mas também de exercer novas pressões competitivas noutros aspectos

da cooperação bilateral” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 18). Dentre esses aspectos de participação do Sul

345

Global, foi destacado seu papel de financiamento do desenvolvimento, como será

discutido a seguir.

8.2.2 Doadores emergentes e o financiamento da CSS

A ascensão do Sul também se deu na área da cooperação internacional para o

desenvolvimento. As potências emergentes deixaram de ser apenas recipiendárias de

ajuda externa, mas também passaram a ocupar a posição de países doadores. Atualmente,

vários países possuem Ministérios e agências dedicados a fazer a alocação orçamentária

para o financiamento da CSS, que varia de milhares para dezenas de milhões de dólares:

A CSS cresceu recentemente de forma rápida, de US$ 8,6 bilhões (6,9% da cooperação global para o desenvolvimento), em 2006, para US$ 15,3 bilhões (9,5% da cooperação para o desenvolvimento, em 2008. (...) A parcela da CSS na cooperação global para o desenvolvimento dobrou em dez anos. (...) os maiores doadores do Sul são Arábia Saudita, China e Venezuela (cada um doando mais de US$ 2 bilhões por ano), seguidos por agências árabes (um total combinado de US$ 1 bilhão) e Índia (mais de US$ 750 milhões) (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2010, p. 73, tradução nossa231).

Na verdade, é muito difícil ter dados sistematizados sobre o volume dos recursos

totais dispendidos pelos PEDs para financiar a CSS, pois como foi discutido na parte 2,

cada país adota critérios diferentes de sistematização dos dados. Em um esforço de

estimar esses recursos, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU fez

uma compilação com estimativas mínimas e máximas do volume despendido entre 2006-

2013, conforme pode ser visto no gráfico a seguir. Estima-se que o financiamento saltou

de aproximadamente US$ 7,5 bilhões de dólares em 2006 para quase US$ 20 bilhões em

2013, praticamente triplicando em menos de uma década.

231 Do original: SSC has recently grown rapidly, from US$ 8.6 (6.9% of global development cooperation) in 2006 to US$ 15.3 billion (9.5% of development cooperation) in 2008. (…) The share of SSC in global development cooperation has doubled in ten years. (…) The largest Southern providers are Saudi Arabia, China and Venezuela (each providing over US$ 2 billion a year), followed by Arab Agencies (a combined total over US$ 1 billion) and India (over US$ 750 million) (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2010, p. 73).

346

Gráfico 9 – Recursos concessionais para a Cooperação Sul-Sul (2006-2013, em

bilhões de dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC

AND SOCIAL AFFAIRS, 2017.

Esses recursos causaram transformações importantes na condução da cooperação

internacional para o desenvolvimento nos anos 2000. Até então, os PEDs contavam

apenas com o financiamento de bancos multilaterais e de ajuda bilateral, o que dava aos

doadores tradicionais grande poder sobre os recipiendários. Porém, o aumento da

contribuição financeira das potências emergentes diversificou as possibilidades de

financiamento. Os doadores tradicionais começaram a perder seu monopólio e,

ameaçando seu poder de barganha na área do financiamento para o desenvolvimento.

Da mesma forma que o termo potências emergentes, a expressão doadores

emergentes também é ambígua e imprecisa. Isso porque o termo pode dar a entender que

esses países estão apenas agora envolvidos na cooperação internacional para o

desenvolvimento, o que não é verdade. Alguns PEDs possuem um histórico que data

desde os anos 1950. Por outro lado, é fato que o volume dos recursos atingiu um nível

sem precedentes nos anos 2000, e é por isso que o termo se tornou usual nos debates sobre

cooperação internacional para o desenvolvimento realizados na ONU232.

232 Um outro termo possível para caracterizar as maiores contribuições financeiras das potências emergentes é o de doadores fora do DAC-OCDE. Considerando que esse comitê é formado, predominantemente, por países ocidentais (com exceção do Japão e da Coreia do Sul) com elevado grau de desenvolvimento, a

8,638

17,862

15,644

18,95520

7,876

16,592

13,344

16,153

18

0,000

5,000

10,000

15,000

20,000

25,000

2006 2008 2010 2011 2013

Limite superior Limite inferior

347

Mesmo assim, os próprios PEDs recusam a serem denominados como doadores,

por acreditarem que o termo expressa uma relação hierárquica, de superioridade e

inferioridade. Eles preferem o termo parceiros, que exprime uma relação de igualdade e

de benefícios mútuos. E, de fato, os PEDs que recebem o financiamento para projetos de

CSS percebem que ele é diferente da cooperação tradicional: a ausência de

condicionalidades políticas e os poucos procedimentos burocráticos no dispêndio dos

recursos tornam a CSS mais atrativa e previsível. A seguir, serão apresentados os

instrumentos de financiamento da CSS e suas particularidades.

8.2.3 Tipos de instrumentos de financiamento da CSS

Os doadores emergentes já foram recipiendários de ajuda externa e assistência ao

desenvolvimento, e a maioria deles ainda é. Essa experiência afetou o modo como eles

estruturaram o financiamento da CSS: para alguns, a ajuda teve alguma contribuição

positiva; para outros, é entendida como ineficiente, ao causar interferência e dependência

excessivas. Em comum a essas diferentes experiências, havia a intenção de simplificar e

diversificar as formas de financiamento, diminuindo os entraves e facilitando o acesso

aos recursos. Por isso, o financiamento da CSS é entendido como qualquer instrumento

que permita uma verdadeira transferência de recursos entre os países do Sul.

Esse conceito é muito mais amplo que o de AOD, que envolve apenas um tipo

específico de fluxo financeiro, os empréstimos concessionados. Já na o financiamento da

CSS, as doações e os empréstimos concessionados se integram a outros instrumentos

financeiros, como o financiamento da cooperação técnica, os investimentos ao

desenvolvimento, os créditos à exportação, o alívio da dívida, a ajuda humanitária e as

contribuições para as organizações multilaterais. Mas, da mesma forma que a AOD, o

financiamento da CSS não envolve assistência militar, empréstimos para setor privado,

IEDs e investimentos de portfólio.

O quadro a seguir apresenta esses vários instrumentos de financiamento da CSS,

indicando sua descrição e alguns exemplos de seu uso.

definição é mais precisa. Por outro lado, trata-se de uma definição negativa, ao caracterizar os PEDs por aquilo que eles não são, deixando em aberto o que efetivamente eles são.

348

Quadro 31 – Tipos de instrumentos de financiamento da CSS

Tipo de

instrumento Descrição Exemplos

Doações Transferências em dinheiro ou em espécie que não incorrem em

dívida por parte do recipiendário.

Esse apoio financeiro pode envolver todos os tipos de cooperação,

mas o mais comum é a cooperação técnica, em que a maior parte

dos inputs é provida por doações (ver exemplos abaixo).

Cooperação

técnica

Provisão e pagamento dos inputs do projeto de cooperação técnica,

como consultores, especialistas, treinamentos, equipamentos e

serviços. Geralmente essa cooperação é financiada em espécie.

O programa de cooperação técnica do Brasil liderou o processo de

expansão do tratamento contra HIV/AID, doando retrovirais para

outros 11 PEDs.

Empréstimos

concessionados

Transferências em dinheiro ou em espécie que geram uma dívida

que deve ser paga pelo recipiendário. Mas deve haver algum grau

de subsídio. Enquanto o CAD-OCDE usa um desconto de 25% e o

FMI usa um desconto de 35% de subsídio, não há um padrão para

os doadores emergentes: cada PEDs define o grau de concessão.

Podem ser taxas de juros subsidiadas em uma porcentagem ou a

taxa zero; ou utilizar recursos ou commodities como colaterais.

A China oferece empréstimos a juros zero pelo Ministério do

Comércio, e empréstimos concessionados a taxas de juros

subsidiadas por meio de seu Banco de Exportação e Importação.

No caso dos empréstimos concessionados para Angola, para

financiar projetos sociais, de infraestrutura e de desenvolvimento

industrial, a China usou o fornecimento de barris de petróleo como

garantia.

Investimentos ao

desenvolvimento

Empréstimos comerciais e linhas de crédito que constituem um

investimento para o desenvolvimento de áreas específicas. Mas

esses investimentos possuem alguma parte concessionada ou com

transferência real de recursos.

Em 2004, a Índia proveu para outros PEDs US$ 1,4 bilhões de

dólares em linhas de crédito para infraestrutura, agricultura,

farmacêutica.

Entre 2001 e 2008, os países e instituições do Sul responderam por

47% do financiamento de infraestrutura na África Subsaariana.

349

(Cont.) Tipo de

instrumento Descrição Exemplos

Créditos à

exportação

A definição de ODA exclui créditos à exportação, porque possuem

fins comerciais e geralmente são vinculados (tied). Mas a

promoção do comércio exterior é uma prioridade para o Sul

Global, e por isso os créditos à exportação são abundantes. Eles

possuem termos concessionados e podem ser vinculados. Visam

estimular o comércio e negócios e fortalecer empresas e bancos.

O Banco de Exportação e Importação da Índia possui linhas de

crédito para países da África Subsaariana em mais de US$ 2,9 mil

milhões de dólares, para promover o comércio internacional. As

linhas de crédito estão vinculadas ao uso de serviços e bens de

empresas indianas. Essas empresas também geralmente participam

da execução de vários projetos de infraestrutura.

Alívio da dívida

O CAD-OCDE inclui o alívio da dívida como ODA, mas

geralmente trata-se apenas de um expediente contábil, sem real

transferência de recursos. No caso da CSS, o dinheiro que iria para

pagar o serviço da dívida é canalizado para outros gastos nos

setores de desenvolvimento. Ademais, os emprestadores

emergentes não forçam empréstimos imprudentes.

Vários doadores emergentes cancelaram as dívidas dos países mais

pobres ou minimizaram os juros e alongaram os prazos de

pagamento. Geralmente o perdão de dívidas é atrelado a um pacote

maior de cooperação. Em 2007, a China cancelou 20 milhões de

dólares da dívida de Moçambique, e ao mesmo tempo definiu um

acordo de exportação de seus produtos para a China sem tarifas.

Ajuda

humanitária

Apoio financeiro, em espécie, pessoal e logístico em situações de

desastre ou emergência. Há real transferência de recursos, e por

isso é incluída como CSS. Mas os doadores emergentes evitam

apoiar esquemas de ajuda humanitária que possam ser confundidos

com intervenção humanitária.

Na Ásia, o tsunami de 2004 foi um ponto de virada para a

ampliação da ajuda dos emergentes em relação a desastres

naturais. Em 2010, houve tanto a ajuda humanitária do Brasil para

o Haiti após o terremoto; quanto a ajuda da Índia para o Paquistão

após os alagamentos.

Contribuições

multilaterais

Doações e capital subscrito para organizações multilaterais e

bancos regionais de desenvolvimento. Esse dinheiro é usado para

financiar a cooperação entre os PEDs por meio dessas instituições.

Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome, gerenciado pelo

UNOSSC. Programas de segurança alimentar conduzidos pela

China no âmbito do Programa Mundial de Alimentos.

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOHNSON, 2009; MAWDSLEY, 2012.

350

São duas as características administrativas de dispêndio dos recursos para o

financiamento da CSS, diferenciando-os do financiamento tradicional. Primeiramente,

apresentam nenhuma ou pouquíssimas condicionalidades políticas ou econômicas,

apenas relacionadas à própria garantia do empréstimo ou manutenção do capital. Em

segundo lugar, possuem poucos processos burocráticos: a concessão é rápida e bastante

previsível, pois os montantes são dispendidos dentro do ano fiscal, facilitando o

planejamento orçamentário (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL

COUNCIL, 2010).

Porém, uma característica semelhante entre o financiamento da CSS e da

cooperação tradicional é o caráter vinculado (tied). Principalmente nos investimentos de

desenvolvimento e nos créditos à exportação, o dispêndio dos recursos está vinculado à

compra e ao uso de bens e serviços dos países provedores, ou então ao uso de especialistas

e profissionais nacionais na execução e implementação dos projetos. Isso não

necessariamente implica em um custo maior ou em uma menor qualidade dos projetos de

cooperação, justamente porque a CSS tem uma vantagem de custo sobre a cooperação

tradicional; mas coloca em cheque os princípios da CSS de autonomia e não-

condicionalidade. A resposta dos doadores emergentes à essa crítica é que a CSS é feita

de acordo com a lógica de benefícios mútuos, e que o caráter vinculado não é mascarado

nos projetos de cooperação, mas acordados de forma conjunta.

Nota-se que, na definição dos instrumentos de financiamento da CSS, a distinção

com a AOD é evidente, e há um esforço deliberado dos PEDs em distinguir seus

mecanismos de financiamento daquele utilizado pelos doadores tradicionais. Os países

do CAD-OCDE reagiram de forma organizada ao crescimento do financiamento da CSS,

e atuaram em duas frentes: no financiamento da CSS, por meio da cooperação triangular;

e no esforço de harmonizar o financiamento da CSS aos princípios da eficácia da ajuda,

dentro da proposta de graduação dos doadores emergentes.

8.3 A reação do CAD-OCDE: cooperação triangular, eficácia da ajuda e

graduação dos doadores emergentes

Os doadores do CAD-OCDE sentiram a concorrência dos doadores emergentes,

pois o financiamento da CSS é considerado mais vantajoso pelos recipiendários em três

351

aspectos comparados ao dispêndio da AOD: o cálculo do dispêndio; as condicionalidades;

e o caráter vinculado da ajuda.

A forma como o CAD-OCDE calcula seus dispêndios apresenta uma grande

discrepância entre os orçamentos apresentados e o que é realmente doado (KHARAS,

2007, p. 2). Para os PEDs, as estatísticas de AOD são muito infladas e pouco é

efetivamente destinado para os projetos de desenvolvimento. Por exemplo, o cálculo

oficial de AOD geralmente inclui a compra superfaturada de commodities e serviços. Com

isso, alimentos e medicamentos que poderiam ser comprados por um custo menor no país

recipiendário são cotados a preços do país doador. As estatísticas também cobrem os

custos domésticos e no exterior referentes à administração das agências doadoras,

incluindo os salários dos funcionários dos doadores.

Outro problema é que alguns países do CAD-OCDE já incluem, no cálculo do

dispêndio de ajuda, outras formas de financiamento para o desenvolvimento que não

fazem parte do próprio conceito de AOD. Como aponta Shah (2014), há uma tendência

de incorporar gastos referentes à construção da paz, à prevenção de conflitos e às

atividades de segurança no cálculo de concessão da ajuda, sob a rubrica de TODA233

(assistência oficial para o desenvolvimento total, do inglês total official development

assistance). Isso infla as metas de AOD, de modo que não há uma real transferência de

recursos para a promoção do desenvolvimento.

Em relação às condicionalidades, elas continuam sendo a regra na alocação da

ajuda por parte do CAD-OCDE. Vários doadores possuem modelos de pré-seleção dos

recipiendários, baseados nas avaliações sobre sua conduta e seu desempenho em relação

à qualidade de suas políticas e instituições. Se nos anos 1990 as condicionalidades eram

voltadas para as reformas políticas de liberalização, atualmente são voltadas para a ideia

de governança. Com base nessas avaliações, os critérios para o dispêndio são burocráticos

e demorados, além de prejudicarem a autonomia e o controle nacional (UNITED

NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2010, p. 12).

233 Alguns doadores do CAD-OCDE atualmente fazem pressão para que a ajuda seja alocada não apenas em um contexto de desenvolvimento, mas também de segurança, para enfrentar assuntos como carteis de drogas, terrorismo, migração, etc. Porém, para os PEDs, essa relação é preocupante, pois apaga a linha entre os objetivos militares e de desenvolvimento, e subordina as necessidades dos países pobres à defesa e segurança dos países ricos.

352

Por fim, a ajuda vinculada (tied aid)234 à compra de bens e serviços dos doadores

ocorre em 30% dos projetos de cooperação técnica e em 50% da ajuda alimentar oferecida

pelos doadores do CAD-OCDE. O ECOSOC estimou que a ajuda vinculada aumenta os

custos da ajuda de 25 a 60%, ou seja, os doadores acabam entregando menos por um custo

maior. Ademais, essa vinculação impede que sejam construídas capacidades nos PEDs,

ao reforçar os laços de dependência, como é o caso de três quartos dos projetos

financiados pelo CAD-OCDE (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL

COUNCIL, 2010, p. 16).

Como foi visto na parte 1 da pesquisa, as Agendas de Paris (2005) e Accra (2008)

sobre a Eficácia da Ajuda foram resultado dos esforços dos países do CAD-OCDE em

tornar a ajuda mais responsiva às demandas dos PEDs, ainda que mantendo suas

prioridades de política externa. Por isso, essas agendas não estabeleceram indicadores nas

áreas críticas, como redução das condicionalidades e da ajuda vinculada e construção de

capacidades.

Ademais, a agenda da eficácia da ajuda focou em situações que se referem a um

número cada vez menor de países. Os PEDs de renda média não são mais recipiendários

significativos de AOD e os Estados frágeis não possuem sistemas para implementar os

princípios da eficácia da ajuda. Logo, a agenda serve apenas para o pequeno grupo de

países menos desenvolvidos que não são Estados frágeis (JENKS, JONES, 2013, pp. 21-

22).

Diante desses problemas, não é de se espantar a atratividade da CSS nos anos

2000. Por isso, o Resultado de Busan (2011) foi uma resposta ao crescimento da CSS,

declarando o apoio do CAD-OCDE à modalidade por meio de um maior engajamento no

financiamento de projetos de cooperação triangular. O comitê define a cooperação

triangular como uma modalidade de cooperação entre os doadores do CAD-OCDE e

países-pivô, com o objetivo de utilizar a CSS na implementação de programas de

desenvolvimento. Os doadores tradicionais são responsáveis por canalizar os recursos

que, por sua vez, serão utilizados por um parceiro do Sul para financiar um projeto em

outro parceiro do Sul.

Especialmente depois da crise de 2008, os doadores tradicionais passaram a

diminuir seu volume de AOD em termos relativos, e se tornou mais difícil justificar

234 A CSS também tem modalidades de financiamento vinculadas, como os créditos à exportação. A diferença é que o custo da CSS é mais barato e apresenta um melhor retorno em termos de construção das capacidades (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2010, p. 16).

353

domesticamente o dispêndio de ajuda externa em um contexto de crise doméstica. Assim,

os PDs viram na cooperação triangular uma oportunidade de tornar sua assistência mais

barata. Primeiro, porque os custos dos projetos são menores. Depois, porque os custos

administrativos, que geralmente são os maiores, são absorvidos pelos PEDs envolvidos

na cooperação (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2010).

É difícil mensurar o quanto de recursos o CAD-OCDE está alocando com

cooperação triangular porque, nos relatórios, essa modalidade não é avaliada como uma

categoria separada ou diferente da AOD. Apesar de ser quantitativamente pequena, tem

apresentado um rápido crescimento. Em 2010, 16 dos 23 doadores do CAD-OCDE

estavam envolvidos em cooperação triangular, tendo como destaque Japão235, Alemanha,

Espanha, Canadá, Irlanda e República da Coreia.

Em uma pesquisa conduzida com os membros da OCDE sobre 345 projetos de

cooperação triangular no período de 2012-2015, os custos foram compartilhados em 48%

dos casos. A média de orçamento dos projetos é de US$ 1,7 milhões de dólares, mas as

escalas variam muito, entre projetos de pequeno e grande porte, demonstrando a

diversidade das iniciativas. Mas, em 74% dos casos, o orçamento era menor que US$ 1

milhão de dólares, conforme mostra o quadro a seguir.

235 Um problema verificado nos projetos triangulares é a replicação de práticas dos projetos Norte-Sul, quando os financiadores definem a agenda e os pivôs são apenas empreiteiros baratos. Os países do CAD-OCDE têm dificuldade de internalizar as experiências da cooperação trilateral como forma de reavaliar, criticamente, suas práticas, e também de aprender com o pivô e o recipiendário. Em relação aos países-pivô, há clara ausência da China e Índia na cooperação triangular. Brasil e África do Sul estão mais engajados, mas fazem projetos cuidadosos para garantir que sua posição pivô não reproduza as relações Norte-Sul. O Brasil foi um dos primeiros países a desenvolver projetos de cooperação triangular, fazendo parcerias com Japão, Reino Unido, Suécia e outros países do Sul. Dentre os projetos de destaque estão a parceria entre a Agência Japonesa de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e a Fiocruz para treinar agentes da saúde em Timor Leste; e o arranjo com o Reino Unido para que os agentes de saúde russos pudessem aprender da experiência brasileira em políticas de proteção e combate à AIDS-HIV (MAWDSLEY, 2012).

354

Quadro 32 – Orçamento das atividades e projetos de cooperação triangular (2012-

2015, em US$ dólares)

Orçamento (em US$) Número de

projetos

Porcentagem

dos projetos

Abaixo de US$ 100 mil dólares 109 32%

Entre US$ 100 mil dólares e US$ 500 mil dólares 99 28%

Entre US$ 500 mil dólares e US$ 1 milhão de dólares 47 14%

Entre US$ 1 milhão de dólares e US$ 5 milhões de dólares 63 18%

Entre US$ 5 milhões de dólares e US$ 10 milhões de dólares 10 3%

Maior que US$ 10 milhões de dólares 17 5%

Total 345 100%

Fonte: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016, p. 19.

Com a cooperação triangular, o CAD-OCDE parece querer criar uma nova

geografia da ajuda externa, no sentido de buscar enquadrar o financiamento das potências

emergentes para a CSS no quadro da eficácia da ajuda. Além de tentar definir e influenciar

os princípios da CSS, como foi visto na parte 1, o enquadramento dos fluxos de

financiamento Sul-Sul nos quadros da OCDE também tem o objetivo de criar dados para

justificar a graduação desses países, isto é, garantir que eles dividam o ônus de

financiamento da cooperação internacional para o desenvolvimento.

Isso ecoou especialmente em 2013, no Relatório do Desenvolvimento Humano

do PNUD sobre a “ascensão do Sul”, que defendeu uma maior responsabilização das

potências emergentes em relação aos custos da cooperação. De acordo com o relatório,

“(...) o Sul em ascensão tem de assumir mais responsabilidades na cena mundial, de

acordo com o seu poder económico e peso político crescentes, inclusivamente

contribuindo com mais recursos para as organizações multilaterais” (PROGRAMA DAS

NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 114).

O G-77 reagiu duramente a esse posicionamento do PNUD, que parecia estar

alinhado com os interesses dos doadores tradicionais. O grupo afirmou que a CSS não

pode ser vista, em hipótese alguma, como uma modalidade compensatória ao declínio das

responsabilidades históricas de financiamento do Norte em relação ao desenvolvimento

do Sul. Por isso insistem no caráter complementar, e não substituto, da CSS em relação à

AOD.

355

Especialmente para as potências emergentes, elas se recusam a se desvincular do

G-77 e a assumir a categoria de doadores pois acreditam que, apesar de seu crescimento

e desenvolvimento na última década, ainda não estão na posição de assumir as plenas

responsabilidades dos doadores do Norte. O discurso da delegação indiana na Segunda

Comissão, por ocasião da 69ª sessão da AGNU, sintetiza o posicionamento atual das

potências emergentes sobre essa questão:

As tentativas de substituir a assistência Norte-Sul com os fluxos de ajuda Sul-Sul e de harmonizar os padrões de referência foram mal colocadas, assim como as tentativas de monetizar os fluxos Sul-Sul e obrigar os maiores países em desenvolvimento a assumir compromissos significativos de ajuda. A cooperação Sul-Sul só pode complementar a cooperação Norte-Sul, e não substituí-la. Os países desenvolvidos devem honrar seus compromissos de ajuda existentes e ampliar sua assistência, especialmente porque muitos países em desenvolvimento, incluindo as chamadas economias emergentes, têm capacidade limitada para aumentar suas contribuições para a cooperação internacional para o desenvolvimento (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 b, pp. 14-15, § 85 e 86, tradução nossa236).

Diante dessa disputa Norte x Sul quanto ao financiamento, os recursos para a CSS

continuam sendo limitados em relação ao total de contribuições recebidas pelo SDNU,

como será visto a seguir.

8.4 O financiamento do SDNU destinado à CSS

A recomendação 24 do BAPA estabeleceu que o financiamento da CTPD fosse

feito pelo orçamento administrativo do PNUD, repassando os recursos para a SU-TCDC.

Esse arranjo foi reforçado no Resultado de Nairóbi (2009), de modo que, mesmo com a

transformação da SU em UNOSSC, e mesmo com a expansão de seu mandato para o

nível sistêmico, o PNUD continua sendo sua única fonte de recursos centrais.

236 Do original: “Attempts to replace North-South assistance with South-South aid flows and harmonize benchmarks were misplaced, as were attempts to monetize South-South flows and compel certain larger developing countries to make significant aid commitments. South-South cooperation could only supplement North-South cooperation, not replace it. Developed countries must honour their existing aid commitments and scale up their assistance, especially as many developing countries, including the so-called emerging economies, had limited capacity to increase their contributions to international development cooperation” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014, 10 a.m., pp. 14-15, § 85 e 86).

356

O HLC-SSC não tem autonomia para definir a alocação orçamentária do SDNU

para a promoção e operacionalização da CSS, e deve solicitar, por meio de suas decisões,

que o Administrador do PNUD provenha recursos financeiros adequados para tanto.

A alocação feita pelo Administrador do PNUD leva em consideração o volume

total de recursos do programa. Como pode-se notar no gráfico abaixo, embora os recursos

despendidos pelo PNUD sejam crescentes (em média 5 bilhões anuais), há uma grande

dependência em relação aos recursos especificados (em torno de dois terços desse

montante). Com isso, a porcentagem de recursos centrais que poderiam ser destinados à

CSS é limitada.

Gráfico 10 – Gastos e contribuições especificadas do PNUD (2006-2014, em bilhões

de dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JENKS et al., 2016, p. 26; p. 39.

Com exceção aos recursos do PNUD destinados à SU-SSC/ao UNOSSC, não é

possível analisar o volume de financiamento total comprometido para a promoção da

CSS. No desenho dos projetos em campo, o uso da modalidade não constitui uma linha

orçamentária, sendo embutida nos demais gastos com inputs do projeto. Assim, para

analisar os gastos do PNUD com CSS, os únicos dados disponíveis são os recursos da

SU-SSC/do UNOSSC.

4,7

5,3

5,7

5,2 5,2 5,3

3,6

4,14,3

3,8 3,9 3,8

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

2006 2008 2010 2012 2013 2014

Gastos Contribuições especificadas

357

Ao comparar os recursos centrais e não-centrais do PNUD e da SU-SSC no

período de 2002-2010, a figura a seguir mostra que as contribuições para a SU não

acompanharam o crescimento dos recursos do PNUD.

Figura 4 – Comparação entre os recursos do PNUD e da SU-SSC (2002-2010, em

US$ 100 milhões de dólares para o PNUD e US$ milhões de dólares para a SU-

SSC)

Fonte: JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 24.

O orçamento da SU-SSC variou pouco ao longo dos ciclos programáticos, tendo

reduzido no segundo ciclo (2001-2003) e apresentado crescimento nos ciclos crescentes.

A decisão de 1997 de alocar 0,5% dos recursos de programas nacionais para a SU mais

ou menos manteve o valor nominal das contribuições entre o terceiro e o quinto ciclos

(2004 a 2017), mas elas foram declinantes em termos reais. Por isso, o peso das

contribuições especificadas é crescente a cada ciclo programático, correspondendo a mais

da metade dos recursos, como pode ser observado no gráfico a seguir.

358

Gráfico 11 – Recursos da SU-SSC e do UNOSSC (2001-2017, em US$ milhões de

dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 10; HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 c, p. 14; EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, pp. 13-15.

A seguir, serão analisadas as diferentes modalidades de recursos da SU-SSC/do

UNOSSC, separadas em recursos centrais (referentes às transferências do PNUD) e

recursos não-centrais/especificados.

Acerca dos recursos especificados, eles são amealhados por meio dos esforços da

SU-SSC/ do UNOSSC em levantar recursos de diversos doadores. A maior parte dos

recursos são especificados para as atividades de três fundos: o Fundo Voluntário para a

Promoção da Cooperação Sul-Sul (renomeado, em 2005, para Fundo das Nações Unidas

para a Cooperação Sul-Sul); o Fundo Pérez Guerrero (PGTF); e o Fundo IBAS para o

Alívio da Pobreza e da Fome. Os três fundos são gerenciados pela SU-SSC/pelo

UNOSSC. O restante dos recursos é alocado em iniciativas negociadas pelos doadores e

arranjos de compartilhamento de custos237.

237 Como os dados sobre compartilhamento de custos não estão sistematizados nos documentos da ONU, eles não serão analisados aqui. Mas é importante mencionar que o Japão é o país mais envolvido no compartilhamento de custos dos projetos do UNOSSC, com uma média de US$ 1 milhão em contribuições

7,4

14,612,7 14,5

9,7

13,3 18,1

20

0

5

10

15

20

25

30

35

40

2001-2003 2004-2007 2009-2011 2014-2017

Recursos centrais Recursos não-centrais/especificados

359

8.4.1 Recursos centrais

Dado o volume limitado de recursos centrais transferidos pelo PNUD, esses são

utilizados da seguinte forma: pagar os funcionários da SU-SSC/do UNOSSC; cobrir os

custos administrativos referentes às funções como secretariado do HLC-SSC, a

celebração do dia da ONU para a CSS e o trabalho dos escritórios regionais; e cobrir

alguns custos de implementação, como serviços de consultoria para o sistema ONU. Com

o aumento da demanda para uma maior atuação dessa entidade, especialmente a partir de

2008, uma parte dos recursos centrais passaram a ser usados como financiamento inicial

de projetos piloto (seed money), com o propósito de atrair recursos não-especificados.

O gráfico a seguir mostra a evolução anual dos recursos centrais no período de

2001-2011, onde é possível observar sua trajetória estagnante e decrescente a partir de

2006.

Gráfico 12 – Recursos centrais da SU-SSC/do UNOSSC (2001-2011, em US$

milhões de dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 a, p. 15; HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005, pp. 11-12; UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 23.

anuais. A Fundação Ford e a Fundação Rockfeller também participam de alguns projetos menores de compartilhamento de custos.

5

4,44,7 4,7

4,5 4,5

3,7

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

2001 2005 2006 2007 2009 2010 2011

360

No período correspondente ao Segundo Quadro de Cooperação para a CTPD

(2001-2003), houve um esforço do HLC-TCDC em aumentar os recursos centrais,

atingindo o pico de US$ 5 milhões em 2001, que deveriam ser prioritariamente usados

para mobilizar recursos não-especificados.

Em sua decisão 2002/18, de 27 de setembro de 2002, o Conselho Executivo do

PNUD decidiu alocar anualmente o montante de US$ 3,5 milhões para a CTPD no

período de 2004-2007. Isso foi reforçado na decisão 2007/33, de 14 de setembro de 2007,

que alocou o montante fixo de 4,5 milhões anuais para o período 2008-11. Os recursos

fixados deveriam servir como um guia para o planejamento, mas poderiam ser alterados

conforme o desempenho orçamentário do PNUD.

No Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007), a alocação de

recursos centrais ficou em torno de US$ 4,6 milhões anuais. A partir desse período, a

alocação do total de recursos centrais foi dividida nas plataformas de ação, como pode-se

observar no gráfico a seguir.

Gráfico 13 – Recursos centrais da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação

(2005-2017, em US$ milhões de dólares)

Fonte: EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND

OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp. 17-20; 2008, pp. 14-16; 2013 a, pp. 13-15.

4,8

4,3

5,1

4

4,8 4,85,1

5,8

3,6

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

6,0

7,0

Plataforma 1 Plataforma 2 Plataforma 3

2005-2007 2009-2011 2014-2017

361

Para o financiamento da plataforma 1, referente ao desenvolvimento de políticas,

pesquisa, diálogo e integração da CSS ao SDNU, foram destinados 34% do total de

recursos centrais do período, correspondente a US$ 4,8 milhões de dólares. Para a

plataforma 2, destinada a criar mecanismos para aumentar a CSS na área dos negócios e

de intercâmbio de tecnologias para a redução da pobreza, foram alocados 30% dos

recursos, no valor de US$ 4,3 milhões de dólares. Já a terceira plataforma, responsável

por estimular o compartilhamento de conhecimento e soluções Sul-Sul, ficou com a maior

parte dos recursos, US$ 5,1 milhões de dólares, correspondente a 36% do total.

O Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-2011) também definiu a

alocação dos recursos pelas três plataformas. Para o financiamento da plataforma 1,

referente ao desenvolvimento de políticas e promoção da CSS, foram destinados 30% do

total de recursos centrais do período, correspondente a US$ 4 milhões de dólares. Para a

plataforma 2, destinada a mobilizar conhecimentos para aprendizagem mútua, foram

alocados 35% dos recursos, no valor de US$ 4,8 milhões de dólares. Já a terceira

plataforma, responsável por desenvolver parcerias inovadoras para ampliar o impacto das

soluções Sul-Sul, ficou igualmente com US$ 4,8 milhões de dólares. Porém, em 2011,

houve um corte no orçamento do PNUD devido aos efeitos da crise econômica e

financeira global, o que levou à uma redução da alocação fixa de US$ 4,5 milhões para

3,76 milhões.

Para o Quinto Quadro de Cooperação, denominado Quadro Estratégico do

UNOSSC (2014-2017), foram destinados US$ 14,6 milhões, mas com a ressalva de que,

caso o PNUD não atingisse as contribuições voluntárias previstas, o valor poderia ser

reduzido. Mas como isso traria uma grande imprevisibilidade para o trabalho do

UNOSSC no período, o Conselho Executivo do PNUD, em sua decisão 2013/28, de 13

de setembro de 2013, criou um escudo para que as alocações ao UNOSSC não caíssem

abaixo de US$ 3,5 milhões por ano, de modo que os recursos centrais não ficassem abaixo

de US$ 14 milhões no total.

A alocação dos recursos nas três plataformas foi feita da seguinte forma: para a

plataforma 1, referente ao fortalecimento do processo multilateral de definição de

políticas para a CSS, foram destinados 35% do total de recursos centrais do período,

correspondente a US$ 5,1 milhões de dólares. Para a plataforma 2, destinada a construir

capacidades para iniciar e implementar projetos de CSS, foi alocada a maior porcentagem

dos recursos (40%), no valor de US$ 5,8 milhões de dólares. Já a terceira plataforma,

362

responsável por criar parcerias e modalidades de financiamento para ampliar o impacto

das soluções do Sul na implementação dos ODMs e dos ODS, ficou igualmente com 25%

dos recursos, no valor de US$ 3,6 milhões de dólares.

Fazendo um balanço sobre o volume de recursos centrais destinados à SU-SSC/ao

UNOSSC, observa-se que o PNUD frequentemente ficou abaixo da meta de 0,5% de seus

recursos, especialmente após a crise de 2008: enquanto o total de recursos centrais do

PNUD foi de US$ 967 milhões em 2010 e US$ 975 milhões em 2011, o montante

destinado à CSS foi de 0,47% e 0,39%, respectivamente. A falta de recursos é

historicamente identificada, tanto pela Primeira ONU quanto pela Segunda ONU, como

uma grande limitação para o trabalho do UNOSSC, sendo esse um dos motivos para que

o G-77 considerasse a proposta de separação do escritório do PNUD.

8.4.2 Recursos especificados: Fundo das Nações Unidas para a

Cooperação Sul-Sul

O Fundo Fiduciário para a Cooperação Sul-Sul, criado em 1996, teve um

crescimento modesto no período correspondente ao Segundo Quadro de Cooperação para

a CTPD (2001-2003), atraindo apenas US$ 750 mil dólares em contribuições. Os recursos

foram usados para financiar projetos nas áreas temáticas definidas pela Estratégia Novas

Direções. A maior parte dos recursos veio do Japão e foi destinada à dois programas: o

de cooperação África-Ásia, que correspondeu a 52% dos recursos disponíveis; e o de

cooperação intra-Ásia, que correspondeu a 27% dos recursos (HIGH-LEVEL

COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES, 2003 a, p. 6).

Para impulsionar o Fundo, foi formulada uma estratégia de mobilização de

recursos para o período de 2003-2005, por meio de cooperação triangular, de fundações

privadas e de países-pivô. Além disso, a AGNU autorizou, por meio de sua resolução

A/RES/57/263, de 20 de dezembro de 2002, que o Fundo fizesse parte das conferências

da ONU para a negociação de compromissos negociados, ampliando seus canais de

levantamento de recursos.

Ao final desse período, a AGNU decidiu, por meio da resolução A/RES/60/212

da AGNU, de 22 de dezembro de 2005, transformar o Fundo Fiduciário no Fundo das

Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNFSSC, do inglês, United Nations Fund for

363

South-South Cooperation). Com isso, o UNFSSC pôde estar mais alinhado aos quadros

de cooperação da SU-TCDC.

O UNFSSC aceita contribuições voluntárias gerais ou especificadas para

iniciativas e projetos determinados pelo país contribuinte, sendo essa segunda forma a

predominante. O gráfico a seguir mostra as contribuições para o UNFSSC no período de

2004-2015. Houve um salto nos recursos, atingindo anualmente a casa dos milhões, mas

seu caráter voluntário faz com que o montante mobilizado seja muito oscilante ao longo

dos anos.

Gráfico 14 – Contribuições para o Fundo das Nações Unidas para a Cooperação

Sul-Sul (2004-2015, em US$ milhões de dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 a, p. 15; 2005, pp. 17-20; 2008, pp. 14-16; 2013 a, pp. 13-15; UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 6; 2017, p. 8.

A partir do Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007), o uso dos

recursos do UNFSSC – assim como dos demais recursos não-centrais e especificados –

foi organizado a partir da divisão nas três plataformas, como pode ser visto no gráfico a

seguir.

No Terceiro Quadro, para o financiamento da plataforma 1, referente ao

desenvolvimento de políticas, pesquisa, diálogo e integração da CSS ao SDNU, foram

destinados 20% do total de recursos não-centrais do período, correspondente a US$ 2,2

3,9

1,0

2,4 2,4

1,3

1,6

3,7

1,8

2,6

2,32,1

2,5

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

3,5

4,0

4,5

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

364

milhões de dólares. Para a plataforma 2, destinada a criar mecanismos para aumentar a

CSS na área dos negócios e intercâmbio de tecnologias para a redução da pobreza, foram

alocados 40% dos recursos, no valor de US$ 4,4 milhões de dólares. Já a terceira

plataforma, responsável por estimular o compartilhamento de conhecimento e soluções

Sul-Sul, ficou com o mesmo montante de recursos da plataforma 2, US$ 4,4 milhões

(40%).

Gráfico 15 – Recursos especificados da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação

(2005-2017, em US$ milhões de dólares)

Fonte: EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp. 17-20; 2008, pp. 14-16; 2013 a, pp. 13-15.

No período 2005-2007, o foco de atuação do UNFSSC foram os países menos

desenvolvidos, especialmente da África, por meio de projetos de cooperação entre esse

continente e a Ásia. Ademais, o fundo financiou programas de intercâmbio em ciência e

tecnologia e em matchmaking de soluções bem-sucedidas na área de gerenciamento de

desastres ambientais. Isso foi um reflexo da crise humanitária resultante do tsunami em

2004, quando o Fundo ficou aberto para receber contribuições destinadas ao esforço de

reconstrução pós-desastre. Foram arrecadados US$ 3 milhões, com contribuições da

China, Argélia e uma empresa privada do Brasil (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON

SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005 a, p. 9).

2,2

4,4 4,4

3,0

5,36,0

2,0

4,0

14,0

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

Plataforma 1 Plataforma 2 Plataforma 3

2005-2007 2009-2011 2014-2017

365

O período correspondente ao Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-

2011) foi de grande expansão dos projetos do UNFSSC. A alocação dos recursos não-

centrais da SU-SSC também foi organizada segundo as três plataformas. Para o

financiamento da plataforma 1, referente ao desenvolvimento de políticas e promoção da

CSS, foram destinados 20% do total de recursos especificados do período, correspondente

a US$ 3 milhões de dólares. Para a plataforma 2, destinada a mobilizar conhecimentos

para aprendizagem mútua, foram alocados 35% dos recursos, no valor de US$ 5,3 milhões

de dólares. Já a terceira plataforma, responsável por desenvolver parcerias inovadoras

para ampliar o impacto das soluções Sul-Sul, ficou com a maior parte dos recursos não-

centrais, correspondente a US$ 6 milhões (45%).

No período de 2008-2013, o Fundo recebeu US$ 13,4 milhões de dólares (sendo

96% especificados), com contribuições de 31 partes, sendo 88% delas Estados-membros.

Em termos de distribuição geográfica, 79% dos recursos foram provenientes de países

asiáticos (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014

b, pp. 3-4).

Os recursos do UNFSSC nesse período foram destinados a três áreas: construção

de instalações para promover o desenvolvimento de capacidades e o aprendizado mútuo

(60% do total de recursos); desenvolvimento das plataformas de serviços do UNOSSC

para o intercâmbio de experiências, conhecimento e tecnologias (30% do total); e

institutos temáticos focados em criar soluções para problemas específicos (10% do total)

(UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 7).

Na primeira área, desde 2009 houve um crescimento expressivo dos recursos

devido às contribuições especificadas da China, destinadas a financiar o Centro de

Desenvolvimento Sul-Sul, em Pequim (56% dos recursos nessa área). Já a República da

Coreia destinou recursos para financiar a Instalação para o Desenvolvimento de

Capacidades por meio da Cooperação Sul-Sul e Triangular em Educação, Ciência e

Tecnologia (37% dos recursos nessa área). O fundo utilizou de recursos não-especificados

para financiar a Instalação Global para o Gerenciamento de Risco de Desastres baseado

em Comunidades (7% dos recursos totais) (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-

SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 7).

Quanto à área das plataformas de serviços oferecidas pelo UNOSSC, houve um

aporte mais ou menos constante de recursos, em torno de 30%. Dentro da plataforma de

serviços políticos (40% dos recursos para essa área), foi financiada a Conferência de Alto-

Nível das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul, realizada em Nairóbi, em 2009, a

366

partir das contribuições do governo do Quênia. Recursos para o fortalecimento da

capacidade negociadora do G-77 também foram despendidos. Já a plataforma SS-GATE

correspondeu a 35% dos recursos dessa área. Além das contribuições da China e da

Nigéria, várias entidades e organizações destinaram recursos para essa área, como o

Banco Mundial, a OPEP e o Centro Africano para Estudos Tecnológicos. A GSSD-Expo

e a GSSD-Academy receberam uma parte menor dos recursos dessa área, 12% cada

uma (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p.

8).

Por fim, os institutos temáticos são uma nova área de atuação do Fundo, mas que

apresentou um rápido crescimento a partir de 2011. Até 2014, iniciativas em cinco áreas

haviam sido desenvolvidas: a Iniciativa de Energia Sul-Sul (38% dos recursos totais dessa

área); programas de piso de proteção social (26%); desenvolvimento de pequenas e

médias empresas (20%); sistema de informações sobre matérias primas na África (8%);

e práticas de taxação para o desenvolvimento (7%) (UNITED NATIONS OFFICE FOR

SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 9).

Para o Quinto Quadro de Cooperação (Quadro Estratégico do UNOSSC, 2014-

2017), a alocação dos recursos não-centrais nas três plataformas foi feita da seguinte

forma: para a plataforma 1, referente ao fortalecimento do processo multilateral de

definição de políticas para a CSS, foram destinados apenas 10% do total de recursos

especificados do período, correspondente a US$ 2 milhões de dólares. A redução dos

recursos não-centrais para essa plataforma ocorreu pois, o objetivo era que ela fosse

prioritariamente financiada por recursos centrais. Para a plataforma 2, destinada a

construir capacidades para iniciar e implementar projetos de CSS, foram alocados 20%

dos recursos, no valor de US$ 4 milhões de dólares. Já a terceira plataforma, responsável

por criar parcerias e modalidades de financiamento para ampliar o impacto das soluções

do Sul na implementação dos ODMs e dos ODS, foi considerada central no bojo da

aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Por isso, 70% dos

recursos foram destinados a essa plataforma, no valor de US$ 14 milhões de dólares.

367

8.4.3 Recursos Especificados: Fundo Fiduciário Pérez Guerrero

(PGTF)

Nos anos 2000, o G-77, responsável por selecionar e aprovar os projetos a serem

financiados pelo PGTF, focou-se na mobilização de recursos adicionais, especialmente

os de maior volume, uma vez que o padrão de financiamento do fundo foi historicamente

baseado em contribuições de pequeno porte.

A AGNU autorizou, por meio de sua resolução A/RES/57/263, de 20 de dezembro

de 2002, que o PGTF também fizesse parte das conferências da ONU para a negociação

de compromissos negociados, com o objetivo de ampliar seus recursos. Porém, até 2015,

as conferências não tiveram grande impacto sobre os recursos do Fundo, recebendo

apenas US$ 4 mil dólares em contribuições (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017).

As contribuições anuais dos Estados-membros no período de 2000-2015

mantiveram-se em uma média de US$ 180 mil dólares, com dois picos ultrapassando a

casa de US$ 1 milhão de dólares: em 2004, quando a Venezuela fez uma contribuição de

US$ 1 milhão; e em 2015, quando Omã fez uma contribuição de US$ 1 milhão e outros

países fizeram contribuições de maior volume, como China e Emirados Árabes Unidos

(US$ 20 mil dólares cada um); Peru (US$ 16 mil dólares); e Peru e Indonésia (US$ 10

mil dólares cada um) (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017).

Gráfico 16 – Contribuições dos Estados-membros do G-77 para o PGTF (2000-

2015, em US$ milhares de dólares)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017.

6,0 9,0 14,3 16,5

1.036,0

56,1 60,6 53,6 49,1 74,8 89,8 102,1 90,4 118,8 108,4

1.106,0

0,0

200,0

400,0

600,0

800,0

1.000,0

1.200,0

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

368

Entre 2007 e 2009, o PGTF recebeu uma contribuição de US$ 200 mil dólares do

Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, com o propósito de desenvolver

seis projetos na área de agricultura e segurança alimentar. Ademais, o mecanismo de co-

financiamento ganhou impulso nos anos 2000, envolvendo 221 projetos, com US$ 20,8

milhões financiados por outras partes, como pode-se ver no quadro a seguir.

Quadro 33 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições

(1997-2012)

Número de projetos apoiados 221

Contribuição do PGTF US$ 8,2 milhões

Outras contribuições US$ 20,8 milhões

Custo total dos projetos US$ 29 milhões

Taxa de co-financiamento 2,52%

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 16.

Fazendo um balanço do desempenho do PGTF entre 1986 a 2015, foram recebidas

797 propostas de projetos, dentre as quais 278 foram exclusivamente financiadas pelo

Fundo, em um total de US$ 13,2 milhões de dólares. Os projetos envolveram 125

membros do G-77, sendo a maior parte das iniciativas (41%) de caráter inter-regional;

38%, sub-regionais; 20%, regionais; e 1%, outros. Quanto às áreas de prioridade, 29%

dos projetos estavam na área da CTPD; 28%, na área agrícola e alimentar; 13%, na

promoção de comércio; 8%, em projetos de tecnologia; 6%, em intercâmbio de

conhecimento; e 16%, em outras áreas. Além disso, o Fundo priorizou países menos

desenvolvidos e em situações especiais, como as pequenas ilhas e os países sem saída

para o mar (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 5).

8.4.4 Recursos especificados: Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e

da Fome

As origens do Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome remetem à uma

reunião paralela à abertura da 58ª sessão da AGNU, em 2003, entre os Chefes de Estado

e Governo dos países do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Os líderes dos três países

369

decidiram estabelecer um Fundo para reforçar o financiamento de programas de CSS

focados no combate à pobreza e à fome, no âmbito do cumprimento dos ODMs. No

Primeiro Encontro dos Ministros das Relações Exteriores dos três países, ocorrido em

março de 2004, em Nova Déli, o Fundo IBAS foi formalmente estabelecido.

Desde a concepção do Fundo, os países do IBAS tinham o propósito de utilizar a

infraestrutura da ONU para promover a CSS em nível multilateral. Por isso, foi decidido

que a seleção e aprovação dos projetos seria feita por um Quadro de Diretores composto

pelos Representantes Permanentes dos três países para ONU, em Nova York. Ademais,

os países do IBAS escolheram a SU-SSC para que fosse responsável por administrar o

fundo e coordenar a implementação dos projetos com outros parceiros do Sul.

No Segundo Encontro dos Ministros das Relações Exteriores do IBAS, em março

de 2005, em Cape Town, foi decidido o método de alocação dos recursos do fundo: cada

um dos três países deveria contribuir anualmente com US$ 1 milhão de dólares.

Estabelecido o capital inicial, o Fundo se tornou operacional em 2006 (IBSA FUND,

2017). Como mostra a figura abaixo, o volume do Fundo acompanha uma trajetória

crescente, somando US$ 31 milhões de dólares em recursos no ano de 2015.

Figura 5 – Contribuições financeiras para o Fundo IBAS (em US$ dólares)

Fonte: UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2016, p. 5.

370

Já a figura a seguir mostra o dispêndio de recursos na implementação de projetos.

O fundo efetivamente ganhou dinâmica a partir de 2010, despendendo em torno de US$

2 a 3 milhões de dólares por ano na implementação de projetos.

Figura 6 – Implementação financeira dos projetos do Fundo IBAS (em US$

dólares)

Fonte: UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2016, p. 5

O Fundo IBAS é reconhecido como uma iniciativa pioneira no financiamento e

na implementação de projetos e soluções de CSS que podem ser replicados nos PEDs.

Todos os projetos financiados pelo Fundo são puxados pela demanda, isto é, os países do

IBAS não podem ser proponentes de projetos. Os próprios PEDs interessados em ter o

apoio do Fundo devem construir suas propostas e submetê-las para a avaliação do Quadro

de Diretores do Fundo. Essa submissão pode ser feita nas Embaixadas de qualquer um

dos países do IBAS, que por sua vez repassam a proposta para Nova York, onde ela é

analisada conjuntamente pelos representantes dos três países. Além disso, as propostas

também são analisadas pelas respectivas capitais, para avaliar a viabilidade técnica da

proposta e o alinhamento com suas políticas externas em termos mais gerais (IBSA

TRUST FUND, 2017, p. 4).

371

Os projetos selecionados devem seguir os seguintes critérios: devem focar-se em

melhores práticas para o combate da pobreza e da fome; devem estar alinhados à

estratégia de desenvolvimento do país; e devem envolver a construção de capacidades

locais e o compartilhamento de conhecimento entre instituições e especialistas do Sul.

Uma vez que o projeto seja aprovado pelo Quadro de Diretores, ele passa a ser

administrado pelo UNOSSC. Assim, a ONU é responsável pela execução e

monitoramento do projeto, incluindo o recrutamento de especialistas e a contratação de

equipamentos. O UNOSSC abre um edital para a contratação desses inputs, que

primeiramente são procurados em países do IBAS; depois, em países da região próxima

ao país em que o projeto será implementado.

Até 2015, 13 países238 foram beneficiados por projetos do Fundo, sendo 59,2%

países menos desenvolvidos; e 40,8%, outros PEDs. Em termos de aprovação

orçamentária por região geográfica, o gráfico abaixo mostra que há uma divisão mais ou

menos proporcional entre África (28,9%), América Latina e Caribe (25,7%), Estados

Árabes (23,7%) e Ásia (21%).

Gráfico 17 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por região geográfica (2015,

em porcentagem)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2016, p. 6.

238 São eles: Burundi (1 projeto), Cabo Verde (2 projetos), Camboja (1 projeto), Guiana (1 projeto), Guiné-Bissau (4 projetos), Haiti (2 projetos), Laos (1 projeto), Palestina (5 projetos), Santa Lúcia (1 projeto), Serra Leoa (1 projeto), Sudão (1 projeto), Timor-Leste (1 projeto) e Vietnã (2 projetos).

África28,9%

América Latina e Caribe25,7%

Estados Árabes 23,7%

Ásia21,0%

Global0,6%

372

Em termos de áreas temáticas, o gráfico abaixo mostra que a maior parte dos

recursos são alocadas para projetos na área de desenvolvimento agrícola e segurança

alimentar (30%), seguido por infraestrutura e serviços de saúde (27%), meios de

subsistência, como promoção de emprego e renda (21,7%), saneamento e água potável

(6,5%), gerenciamento de resíduos (4,2%), juventude e esportes (4%), governança e

segurança (3,8%), energias renováveis (2,2%) e outros (0,6%).

Gráfico 18 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por área temática (2015, em

porcentagem)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH

COOPERATION, 2016, p. 6.

O Fundo IBAS é uma das poucas iniciativas de financiamento da CSS que passam

pelo SDNU, uma vez que a maior parte dos recursos é canalizada bilateralmente. Mesmo

assim, trata-se de um fundo fiduciário, cujas decisões de aprovação dos projetos são feitas

pelo Quadro de Diretores dos três países, e não pela ONU. A especificação dos recursos

por meio do Fundo é justificada pelos países como uma forma de construir capacidades

específicas e escalar seus próprios esforços bilaterais.

Agricultura30,0%

Saúde27,0%

Meios de subsistência

21,7%

Água6,5%

Gerenciamento de resíduos4,2%

Juventude e esportes4,0%

Governança e segurança3,8%

Energias renováveis2,2%

Outros0,6%

373

Em suma, nota-se que o financiamento da CSS pelo SDNU é limitado, uma vez

que os compromissos financeiros do PNUD para com a CSS não cresceram

proporcionalmente à demanda. A CSS, como uma modalidade de cooperação

internacional para o desenvolvimento adotada pelo SDNU, carece de uma política, em

âmbito sistêmico, para encorajar a alocação de recursos centrais e efetivamente

operacionalizar a incorporação da modalidade em seus trabalhos regulares.

374

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE III

O financiamento do SDNU não é o produto de um desenho eficaz, mas sim de um

processo político de negociação, com vários compromissos que refletem diferentes visões

de mundo e prioridades de seus Estados-membros. Isso explica a restritiva situação

financeira da organização, atualmente dependente de contribuições especificadas, e com

uma capacidade cada vez menor de fazer um uso coordenado dos recursos.

Isso também significa que, apesar da estrutura de decisão ser baseada em um país-

um voto, nunca antes na história da organização o financiamento de suas atividades foi

tão controlado pelos doadores. A operação das atividades para a promoção do

desenvolvimento da ONU é bi-multilateral, ou, ainda, minilateral: o destino dos recursos

é decidido pelos doadores, e o sistema acaba se tornando apenas um subcontratante, com

uma estrutura de execução de projetos.

A atual agenda de trabalho do PNUD mostra como esse padrão de financiamento

trouxe transformações profundas naquilo que a ONU entrega: de agência financiadora

central e principal entidade de apoio multilateral de desenvolvimento dos PEDs,

atualmente o PNUD é conhecido por sua visão paroquial: o foco de sua atuação é

primeiramente levantar o dinheiro e, depois, definir o projeto.

Para os PEDs, isso os coloca em uma situação restritiva quanto ao financiamento

do desenvolvimento. Por um lado, há os países menos desenvolvidos e em situações

especiais, em sua maioria afetados por crises e que apresentam uma elevada dependência

da AOD. Por outro, há os países de renda média, cada vez mais excluídos dos fluxos de

AOD e que precisam mobilizar recursos entre si para alavancar seu desenvolvimento nas

áreas comercial, financeira, científica e tecnológica.

Nesse contexto, os fluxos financeiros para a CSS se tornaram fundamentais, mas

precisam contar com a estrutura multilateral da ONU para alavancar as iniciativas em

âmbito político, institucional e operacional. Por isso, os PEDs canalizaram uma demanda

mais forte para que houvesse um apoio financeiro maior, por parte do SDNU, para a

implementação de projetos Sul-Sul.

Como colocam os documentos normativos sobre a CSS – o BAPA e o Resultado

de Nairóbi – a responsabilidade primária do financiamento da CSS é dos PEDs, mas o

SDNU deve prover o suporte necessário. Para isso, em primeiro lugar, deve haver uma

estrutura coerente de financiamento da CSS, alinhando os mandatos das diferentes

375

entidades do sistema – e especialmente do UNOSSC, que cresceu enormemente na última

década – à disponibilidade de recursos centrais. Sem esse tipo de recurso, não será

possível conectar a experiência dos escritórios nacionais e das redes de conhecimento do

SDNU e amplificá-las em nível sistêmico.

Um dos motivos para o baixo volume de recursos centrais para a CSS deve-se ao

fato de que esse tipo de contribuição só vai para o UNOSSC, e não para os programas

nacionais, que efetivamente podem operacionalizar a modalidade em campo. Com isso,

fica sob a responsabilidade dos escritórios nacionais mobilizar recursos não-centrais para

apoiar suas atividades de CSS. Porém, como os coordenadores residentes dos escritórios

muitas vezes desconhecem o conceito e o funcionamento da CSS, a modalidade não é

incluída no programa nacional, logo, recursos não são destinados para tanto.

De acordo com uma avaliação independente realizada pelo PNUD em 2013,

enquanto o programa não definir uma linha de seu orçamento para a CSS, atrelando

recursos centrais aos programas nacionais, a atenção à modalidade continuará baixa:

(...) a integração do SSC tem sido lenta porque o PNUD não especificou recursos para os programas nacionais relevantes, e, por isso, a cooperação Sul-Sul não conseguirá chamar a atenção até que uma nova linha seja criada no orçamento. A avaliação apontou significativas restrições de recursos nos programas do PNUD para promover a cooperação Sul-Sul (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 24, tradução nossa239).

Para incluir uma linha no orçamento do PNUD para a CSS, é necessária a

aprovação do Conselho Executivo. Porém, a estrutura de governança favorece os

interesses dos doadores do CAD-OCDE – que, por sua vez, não têm interesse em

despender mais recursos para a CSS enquanto ela não for padronizada segundo os

princípios da eficácia da ajuda, proposta essa que não é aceita pelo G-77. Ou seja, a

arquitetura existente de financiamento do desenvolvimento no SDNU foi criada para dar

apoio aos fluxos de cooperação e ajuda Norte-Sul, havendo entraves consideráveis para

o financiamento da CSS.

Na última década, houve um esforço das potências emergentes – particularmente

da China, da Índia e do Brasil – em realizar maiores contribuições centrais para as

239 Do original: “(...) mainstreaming SSC has been slow, because UNDP has not earmarked resources for relevant country-level programming, and that South-South cooperation was unlikely to get attention, until a new line item was created in the budget. The evaluation pointed to significant resource constraints in UNDP programmes to promote South-South cooperation” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013, p. 24).

376

agências do SDNU. A China aumentou suas contribuições em US$ 9,9 milhões (3,2% do

orçamento do SDNU); o Brasil quase dobrou suas contribuições na década, de US$ 20

milhões para mais de US$ 40 milhões (1,6% do orçamento); e a Índia aumentou suas

contribuições para chegar a US$ 1,6 milhão (0,5% do orçamento) (BROWNE; WEISS,

2014, p. 1896).

Mas, ainda sim, a maior parte do financiamento da CSS é bilateral ou regional,

com limitada atuação no SDNU. E quando esses recursos passam pelo sistema, eles são

prioritariamente especificados, como é o caso do Fundo IBAS ou dos recursos que esses

países transferem para o PNUD. Na visão de alguns funcionários do Secretariado, as

potências emergentes estão repetindo o padrão de financiamento dos doadores

tradicionais, aprofundando os problemas financeiros do SDNU ao especificar recursos

para a CSS.

Por outro lado, as potências emergentes fazem duas críticas a esse posicionamento

do Secretariado: primeiramente, destinar o uso dos recursos para a CSS não pode ser

considerado como contribuição especificada. Isso porque o que se especifica é que o vetor

da cooperação seja Sul-Sul; no mais, a decisão referente a que país ou a que projeto o

dinheiro deve ir é de responsabilidade da ONU. Por isso, no argumento das potências

emergentes, destinar recursos especificamente para a CSS não impõe restrições

orçamentárias para o sistema da mesma forma que as contribuições especificadas dos

países doadores fazem.

Em segundo lugar, os emergentes são claros em sua posição de que o aumento das

contribuições financeiras para o sistema só poderá ser discutido quando houver uma

reforma na governança do SDNU, corrigindo a sub-representação dos PEDs e a influência

excessiva dos países doadores nos quadros decisórios. Como sintetiza um diplomata

brasileiro:

(...) da mesma forma que os países desenvolvidos usam esse sistema em benefício próprio, nós também queremos usá-lo. Acontece que, quando chega na hora de nós usarmos, tudo fica mais difícil. E isso em razão não só de diferenças de visão, de ideias, de concepções, mas também porque a nossa participação no financiamento do sistema é inferior. Isso está mudando, pouco a pouco, mas para que isso mude, ou seja, para que haja uma maior contribuição financeira dos países em desenvolvimento, é preciso que haja uma mudança na governança; e quando se fala em mudar a governança, o outro lado não quer conversar. Então, não é aceitável um cenário no qual países como Brasil, China e Índia passem a financiar o sistema sem que isso corresponda a um aumento da capacidade desses países em participar e influenciar o processo decisório.

377

Na própria composição das juntas executivas do PNUD, dos fundos e programas, quando se vê a divisão das cadeiras, já existe uma desproporção contra os países em desenvolvimento. A própria composição proporcional apresenta mais países desenvolvidos que em desenvolvimento. A explicação que é dada para justificar esse estado de coisas é que eles são os doadores e colocam mais dinheiro. Muito bem, mas existe mais disposição de sentar à mesa e discutir uma reforma dessa governança que corresponda a um aumento dessa participação financeira? Essa é uma discussão que complicada, mas é o que está por trás desse problema também (DIPLOMATA BRASILEIRO, 2014).

No bojo da dimensão do conflito Norte x Sul relacionada ao financiamento, a

reforma na governança é o ponto mais difícil e complicado da estrutura do SDNU. E

enquanto a atual estrutura de governança prevalecer, as restrições para o financiamento

da CSS no âmbito do SDNU persistirão, mesmo diante da demanda cada vez mais

consistente dos PEDs para que esse apoio aconteça.

378

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para ver a Cooperação Sul-Sul, é necessário sair de

Nova York

A pesquisa demonstrou que o SDNU ocupa um papel importante, mesmo que

limitado, na promoção da CSS em âmbito global. Ao longo de quatro décadas, a ONU

mobilizou esforços para que os princípios e as práticas da CSS pudessem fazer parte de

seus trabalhos, buscando responder mais apropriadamente às demandas dos PEDs na

promoção de seu desenvolvimento.

Existem quatro áreas em que o SDNU apresenta um grande potencial de apoiar e

promover a CSS: a normativa; a de apoio e promoção da modalidade (advocacy); a de

fazer a mediação entre ofertantes e demandantes de soluções (matchmaking); e a de

suporte operacional em campo.

O SDNU é o principal fórum de elaboração de princípios, normas e quadros

estratégicos para padronizar o conceito e a prática da CSS. A ONU facilita as negociações

acerca da definição e implementação da CSS em âmbito sistêmico, pois envolve não

apenas os países do Sul Global, mas todos os Estados-membros da ONU no processo. A

universalidade da ONU dá maior aderência internacional ao processo de incorporação da

CSS, um fato reconhecido até mesmo pelos países do CAD-OCDE.

A percepção de que a ONU é uma mediadora honesta torna seu papel de apoio à

promoção (advocacy) da CSS crucial. A CSS é uma modalidade desenvolvida por países

e instituições há décadas, mas o fato é que várias partes do SDNU ainda não têm a

consciência de que elas estão ampliando os vínculos Sul-Sul, simplesmente porque essa

prática não é sistematizada. E aí entraria o papel do SDNU como apoiador e promotor da

CSS, pois o sistema, por meio de suas entidades, tem um enorme potencial de promover

a modalidade como uma ferramenta eficiente na resolução de problemas de

desenvolvimento.

A cobertura, capacidade, experiência e memória institucional do SDNU em seu

trabalho de campo tem o potencial de ampliar a escala da CSS, ao facilitar a busca e o

encontro de parceiros (matchmaking). Isso poderia ser feito por meio de uma maior

sistematização do conhecimento prático da CSS, em termos de lições aprendidas e

melhores práticas. O SDNU tem o potencial de melhorar a entrega de soluções Sul-Sul,

379

ao colocar em contato o melhor conhecimento disponível em um PED com as reais

necessidades demandadas por outro. Em relação ao suporte organizacional, a cobertura

operacional do SDNU pode aproximar potenciais parceiros, e sua expertise em levantar

fundos pode auxiliar os PEDs na mobilização de recursos.

As partes consultadas nessa pesquisa – delegações dos Estados-membros,

funcionários do Secretariado, acadêmicos, consultores e especialistas – não têm dúvidas

de que o SDNU, de alguma forma, está incorporando a CSS em seus trabalhos. Mas

também é unânime entre as partes que o SDNU poderia entregar mais, e poderia entregar

um resultado melhor do que tem feito nessas quatro décadas de esforço de integrar a CSS.

A pesquisa mostrou que o potencial do SDNU em integrar e promover a CSS é

limitado pelas dificuldades ideacionais, de governança e de financiamento enfrentadas

pelo próprio sistema. Como ao final de cada parte da pesquisa já foram apresentadas as

conclusões parciais, nas considerações finais serão discutidos os desafios atuais, nessas

três áreas, para a incorporação da CSS. Esses desafios serão o centro das negociações

preparatórias para a Conferência de Alto Nível da ONU sobre a Cooperação Sul-Sul, que

será realizada em 2019.

No campo das ideias: fortalecer a unidade do G-77 para consolidar os princípios da CSS

A análise feita na parte 1 da pesquisa demonstrou que a ideia de CSS faz sim parte

dos quadros normativos do SDNU, ao cumprir quatro funções: função catártica; função

moral; função de solidariedade; função defensora (advocacy) (GEERTZ, 1973, pp. 204-

205).

A ideia de CSS cumpre uma função catártica, ao canalizar as críticas e insatisfação

dos PEDs em relação à posição assistencialista conferida pela cooperação tradicional para

o desenvolvimento e ao aumento das assimetrias entre os países ricos e os países pobres.

Há vários exemplos na literatura que comprovam essa função catártica. Por exemplo, Nel

(2010, p. 951, tradução nossa240) mostra que os PEDs se engajaram na CSS como uma

expressão da “luta inacabada contra o desrespeito e a humilhação”. Outra demonstração

dessa função catártica é uma frase do ex-Presidente de Botswana, Festus Mogae, citada

por Paulo e Reisen (2010, p. 539, tradução nossa241): “Eu acredito que os chineses nos

tratam como iguais. O Ocidente nos trata como antigos súditos”.

240 Do original: “the unfinished struggle against disrespect and humiliation” (NEL, 2010, p. 951). 241 Do original: “I find that the Chinese treat us as equals. The West treat us as former subjects” (PAULO; REISEN, 2010, p. 539).

380

O papel moral da ideia de CSS é fundamental, uma vez que incorpora uma visão

de autonomia nacional e independência dos projetos de desenvolvimento conduzidos

pelos PEDs. Um exemplo dessa função é o fato dos técnicos e profissionais dos PEDs

levarem uma vida modesta em campo, de integração cultural – ao contrário dos

profissionais ocidentais, que, em geral, têm um padrão de vida muito superior aos demais

nos projetos em campo, reforçando a noção hierárquica e de superioridade da CNS.

A ideia de CSS também reflete um senso de solidariedade, comunidade e

identidade entre os PEDs. A retórica de solidariedade garantiu a sobrevivência do G-77

mesmo diante de suas dificuldades e assimetrias: “o que importa aqui não é a distância

entre a retórica de política externa e as realidades de política externa (os países do MNA

ou do G-77 são exemplares únicos dessa lacuna), mas como tal retórica serve como

dispositivos de legitimação e, ao fazê-lo, serve àquilo que eles pretendem sinalizar e criar”

(MAWDSLEY, 2012, p. 154, tradução nossa242).

A função defensora (advocacy) remete à promoção de posições particulares por

meio de uma agenda comum. O tratamento respeitoso e digno entre as nações, a

construção de ferramentas capazes de gerar resiliência e de promover desenvolvimento

em longo prazo, e a defesa de uma maior justiça internacional por meio da redistribuição

da riqueza e do poder globais, são agendas comuns que a linguagem da CSS reforça.

Ao cumprir essas quatro funções, não há dúvidas que a ideia de CSS ecoa nos

corredores da sede da ONU em Nova York. Mas ela ainda não se tornou um paradigma

de cooperação internacional para o desenvolvimento forte o suficiente para ser

considerado com a mesma prioridade pelo SDNU quanto o paradigma da eficácia da ajuda

esposado pelo CAD-OCDE.

Para que isso aconteça, os PEDs precisam fortalecer sua capacidade negociadora

e institucional na ONU, e, especialmente, elevar o perfil do G-77, para que o grupo possa

efetivamente estruturar o paradigma da CSS de forma mais coerente. Atualmente, a ideia

de CSS é muito mais definida pelo que ela não é – não é AOD, não é cooperação

tradicional – do que por aquilo que ela realmente é e consegue entregar em campo. Com

definições negativas, o paradigma da CSS é eficaz em criticar o paradigma tradicional,

242 Do original: “what matters here is not the distance between foreign policy rhetorics and foreign policy realities (the NAM countries or the G-77 are hardly unique exemplars of this gap), but how such rhetorics serve as legitimizing devices, and in doing so, what they intend to signal and create” (MAWDSLEY, 2012, p. 154).

381

mas não é capaz de propor uma alternativa coerente, e essa fraqueza é muito explorada

pelo CAD-OCDE para argumentar contra a incorporação plena da modalidade no SDNU.

Para fortalecer o G-77, é necessário criar pontes entre as diferentes agendas do

grupo em relação à CSS. Aprofundar os laços de cooperação do grupo com os países

árabes e exportadores de petróleo é central para canalizar maiores fontes de financiamento

para a modalidade. Uma maior integração com a agenda de desenvolvimento do Grupo

de Estados Africanos – pautada na erradicação da pobreza e na criação de capacidades

nacionais para a promoção do crescimento econômico em bases nacionais – é

fundamental devido a seu peso numérico nas negociações. Da mesma forma, é necessário

ser mais responsivo às demandas dos países em condições especiais, porque esses países

têm seus votos facilmente comprados pelos países doadores: é o caso dos países menos

desenvolvidos, preocupados com a reconstrução pós-conflito; dos países sem saída para

o mar, focados na promoção comercial; e das pequenas ilhas, interessadas em recursos

para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Alinhar as diferentes agendas dos países que compõem o G-77 é fundamental

porque, hoje, no SDNU, a incorporação da CSS é prioritariamente pautada na liderança e

na experiência das potências emergentes, e isso gera alguma desconfiança dos demais

PEDs em relação ao seu verdadeiro compromisso com os princípios da CSS. A posição

chinesa é a que mais gera desconfiança, pois o volume e a estrutura de sua cooperação

prescindem e superam o volume e a estrutura do SDNU.

Já os Brasil, Índia e África do Sul não têm recursos para montar uma estrutura

paralela como a chinesa. Especialmente no caso do Brasil e da África do Sul, a recente

crise política e econômica coloca claros impedimentos para tanto. Por isso, esses países

precisam contar com a arquitetura do SDNU para alavancar suas iniciativas, como é o

caso do Fundo IBAS.

Por outro lado, as potências emergentes não dão sinais de se desvincular do G-77.

Eles continuam alinhados ao Sul Global, e essa é a principal estratégia para resistir à

pressão dos PDs para sua graduação. Isso pode dar a base para um processo de reforma e

melhor institucionalização do G-77, fortalecendo o impulso negociador dos PEDs na

ONU. A China, especialmente, mudou sua postura de certo distanciamento em relação à

ONU, buscando cada vez mais vincular suas iniciativas de promoção do desenvolvimento

com a estrutura do SDNU.

Em suma, considerando os avanços do SDNU na incorporação da ideia da CSS

em seu quadro normativo, a sistematização da modalidade continuará restrita enquanto a

382

descoordenação do G-77 não for de alguma forma equalizada, de modo a elevar seu perfil

negociador e defender com mais força a necessidade de distinguir o paradigma da CSS

do paradigma da eficácia da ajuda.

No campo da governança: retomar a legitimidade do SDNU perante os PEDs

A estrutura da governança do SDNU é uma das principais causas da incapacidade

do sistema em traduzir as ideias da CSS em suas operações em campo. Como foi discutido

na parte 2 da pesquisa, o caráter descentralizado e sem um mecanismo de coordenação

das partes do SDNU faz com que sua estrutura de decisão reflita os interesses dos países

doadores. Sem uma reforma na representação, equidade e efetividade da participação dos

PEDs nos órgãos de coordenação e supervisão sistêmica e nos Conselhos Executivos dos

fundos, programas e das agências especializadas, dificilmente as diretrizes operacionais

para a incorporação da CSS em campo serão postas em prática.

Particularmente, sem essa reforma na governança do SDNU, não será possível

derrubar as barreiras atitudinais contra a CSS. Os programas nacionais em geral fazem

vista grossa ao uso de especialistas, equipamentos e serviços provenientes dos PEDs, o

que diminui o potencial do SDNU em efetivamente construir capacidades de

desenvolvimento nesses países.

Essas barreiras têm corroído a legitimidade da ONU em relação aos PEDs.

Mesmo que historicamente tenha apoiado a agenda dos países em desenvolvimento, há

um sentimento crescente de que a organização é predominantemente ocidental em relação

à fonte de suas ideias, ao processo de tomada de decisão e à composição de seus

funcionários. Em alguns discursos públicos, é evidente o questionamento da legitimidade

da ONU em relação às demandas dos PEDs. Por exemplo, na 18ª sessão do HLC-SSC,

em 2014, uma delegação afirmou:

(...) Se o sistema de desenvolvimento das Nações Unidas não responder ativamente às necessidades e expectativas do Sul em ascensão, ele correrá o risco de se tornar irrelevante, porque o impulso e o direcionamento da cooperação Sul-Sul continuará inquestionável, independentemente da participação do sistema das Nações Unidas (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 10, tradução nossa243).

243 Do original: “(…) if the United Nations development system did not actively respond to the needs and expectations of the rising South, it would risk becoming irrelevant because the pulse and drive of South-South cooperation would continue unabated, irrespective of the extent of participation by the United Nations system” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014, p. 10).

383

Diante desse contexto, medidas para melhorar a governança do SDNU se tornam

urgentes para evitar a obsolescência do SDNU, pois o avanço da CSS está passando cada

vez mais ao largo da organização. Quatro medidas seriam necessárias para potencializar

a integração operacional da CSS:

i) Manter um diálogo intenso entre as agências especializadas, estimulando

a inclusão da CSS em seus planos estratégicos. Para isso, é necessário que

o Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e Triangular do Grupo de

Desenvolvimento da ONU (do inglês, Task Team on South-South and

Triangular Cooperation) deixe de ser apenas uma reunião de troca

informal de experiências e passe a efetivamente coordenar suas ações;

ii) Apoiar a pesquisa, a análise e o gerenciamento do conhecimento Sul-Sul

por meio de abordagens inovadoras, capazes de efetivamente captar os

principais aspectos dessa forma de conhecimento: o uso de recursos locais;

as soluções que não necessariamente foram desenvolvidas por

especialistas ou em bases científicas, mas que funcionam no contexto

específico dos PEDs; e a lógica do learning by doing;

iii) Promover plataformas de colaboração e capacidade de desenvolvimento,

no sentido que o SDNU terá de mudar seu papel de “dono das soluções de

desenvolvimento” para o papel de broker, atuando como facilitador para

encontrar, nos próprios PEDs, as soluções mais adequadas ao contexto;

iv) Adotar meios de implementação, avaliação e seguimento, uma vez que

esse item é uma preocupação crescente do CAD-OCDE. Os países desse

grupo insistem que ainda não há dados de avaliação que comprovem a

eficácia da incorporação plena da CSS. Por isso, é necessário sistematizar

os resultados, não só em termos de sucessos, mas das dificuldades, para

que as mudanças estratégicas sejam feitas de maneira informada.

Por fim, o SDNU carece de um mecanismo institucional competente de promoção

(advocacy) da CSS dentro do sistema. A trajetória da incorporação da questão de gênero

nos trabalhos regulares do SDNU demonstra a importância desse mecanismo: o perfil

elevado da ONU Mulheres fez com que todas as entidades do sistema tivessem que

integrar as considerações de gênero em seus planos estratégicos, incluindo a especificação

de recursos para essa área.

O mesmo teria que ser feito com a CSS, mas a localização institucional do

UNOSSC não lhe dá uma projeção sistêmica – a despeito de seu mandato ser sistêmico.

384

A atuação do escritório é muito limitada, em termos de número de funcionários e recursos

para atender à crescente demanda. O fato de estar aninhado no PNUD também gera uma

série de competições e sobreposições que dificultam a promoção da CSS. É pouco

provável que haja uma separação do UNOSSC do PNUD em virtude de questões

financeiras, e, de fato, a rede de escritórios nacionais do PNUD é útil para dar maior

capilaridade à modalidade. Por isso, as relações entre ambas as entidades precisam ser

acertadas para que o UNOSSC possa efetivamente fazer a coordenação e supervisão da

integração entre os fundos, programas e as agências especializadas, garantindo uma maior

operacionalização da CSS.

No campo do financiamento, gerenciar o conflito Norte x Sul para a implementação da

Agenda 2030

A falta de recursos é uma limitação histórica dos trabalhos da ONU, e a discussão

da parte 3 mostrou quão crítica é a situação orçamentária do SDNU. Em virtude da

estagnação dos recursos centrais e da dependência – em mais de 70% – dos recursos

especificados para temas e países determinados pelos doadores, o resultado dos esforços

do SDNU para a promoção do desenvolvimento é invertido: ao invés da estrutura de

financiamento ser baseada nas funções que o sistema deve cumprir, o SDNU se tornou

um conjunto de agências executoras das agendas bilaterais dos países doadores.

Esses constrangimentos financeiros geralmente são a primeira explicação de

funcionários da ONU – e também da literatura sobre tema – para explicar a incorporação

limitada da CSS nos trabalhos regulares do SDNU. Justamente por isso que a discussão

do financiamento foi deixada por último nessa pesquisa, pois a falta de recursos não deve

ser entendida com a única e a primeira limitação, mas sim a consequência dos problemas

normativos e de governança do SDNU.

A agenda do SDNU é determinada por seu padrão de financiamento, uma vez que

os doadores decidem diretamente a alocação dos recursos, o que corrói ainda mais a

legitimidade do sistema e sua capacidade de responder às demandas dos PEDs. O discurso

da delegação indiana na AGNU resume esse aspecto:

(...) os fundos e programas das Nações Unidas variaram consideravelmente na sua resposta às prioridades dos países em desenvolvimento. O PNUD, como a entidade carro-chefe das atividades de desenvolvimento dentro do sistema das Nações Unidas, classificou a governança, a erradicação da pobreza, a proteção ambiental, a igualdade de gênero e as situações especiais de desenvolvimento entre suas prioridades. Essas prioridades representam uma agenda impulsionada pelos doadores que, lamentavelmente, não considera os países

385

do programa (...) Ele se perguntou se era legítimo que o PNUD oferecesse conselhos aos PEDs, particularmente porque a distinção entre conselhos e condicionalidades geralmente é turva (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2001 a, p. 11, § 59, tradução nossa244).

Por isso, há poucos incentivos para que os recursos dos PEDs destinados ao

financiamento da CSS sejam canalizados para o SDNU. O financiamento da CSS é

predominantemente em espécie (in kind), pois os recursos são usados para a transferência

de conhecimento e construção de capacidades de desenvolvimento nos próprios PEDs:

por exemplo, capacitar funcionários nacionais para a criação de bases de dados para

políticas públicas ou ceder especialistas para transferir o conhecimento em áreas

administrativas e técnicas.

Para potencializar o uso de suas capacidades, os PEDs precisam contar com os

recursos financeiros e operacionais do SDNU, especialmente para aquelas transações que

não podem ser em espécie e necessitam de moeda estrangeira, como a compra de

equipamentos, por exemplo. Mas para que o SDNU dê esse apoio financeiro, são

necessários recursos centrais, o que exigiria não apenas maiores transferências para o

UNOSSC, mas a criação de uma linha orçamentária dedicada ao uso de inputs dos PEDs

na execução dos projetos em campo, especialmente no orçamento do PNUD.

Por sua vez, a inclusão dessa linha dependeria da aprovação de Conselho

Executivo, cuja distribuição relativa dos assentos dá um peso maior aos países doadores

tradicionais, que não têm interesse nessa questão. Ademais, os doadores possuem um

acesso privilegiado ao Administrador do PNUD, pois há um intenso sistema de consultas

informais e a portas fechadas, o que exclui a participação dos PEDs nas deliberações mais

sensíveis sobre o orçamento. Isso reforça uma das maiores críticas ao trabalho do PNUD,

a de que o programa passou a trabalhar em função da captação de recursos, e não a partir

de uma agenda autônoma.

Sendo então pouco provável que seja destinado um recurso fixo para a CSS nos

programas em campo, não é de se espantar que os poucos recursos dos PEDs que entram

no SDNU são especificados para a CSS. Para Browne e Weiss (2014, p. 1899, tradução

244 Do original: “(...) the United Nations funds and programmes varied considerably in their response to the priorities of developing countries. UNDP, as the flagship for development activities within the United Nations system, ranked governance, poverty eradication, environmental protection, gender equality and special development situations among its priorities. Those priorities represented a donor-driven agenda which, regrettably, did not take the views of programme countries into account (...)He wondered whether it was legitimate for UNDP to offer advice, particularly since the distinction between advice and conditionality often became blurred” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2001 a, p. 11, § 59).

386

nossa245): “(...) as potências emergentes sem dúvidas irão financiar as organizações de

desenvolvimento da ONU a partir de suas próprias prioridades e agendas – da mesma

forma como os outros doadores – continuando a especificar os recursos e a estabelecer

mais centros Sul-Sul e outras iniciativas por meio da subcontratação da ONU”.

Sem dúvidas, o ideal seria que maiores recursos centrais fossem canalizados para

o sistema, mas dado o atual arranjo da governança do SDNU, a especificação dos recursos

para a CSS é menos problemática do que a especificação dos doadores tradicionais, pois

o que se define é que o vetor ou modalidade da cooperação deve ser Sul-Sul, não o projeto

ou o país. Assim, mesmo que os recursos sejam especificados para a CSS, as entidades

do sistema ainda podem alocá-los mais ordenadamente. Além disso, a especificação da

CSS é muito mais puxada pela demanda dos PEDs do que a especificação feita pelos

países doadores, que é puxada pela oferta.

Por fim, a aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável coloca

maiores pressões para a reforma da governança do SDNU, especialmente em relação à

estrutura de financiamento. Essa agenda tentou forjar um novo compromisso global em

prol do desenvolvimento, tentando mediar o acirramento do conflito Norte x Sul após a

crise financeira e econômica global de 2008.

Trata-se de uma agenda global, com responsabilidades compartilhadas entre todos

os membros – sejam eles PDs ou PEDs – e que traz um enorme potencial para alavancar

o uso da CSS. Por exemplo, ao estimular a construção de capacidades nacionais para a

implementação da agenda, por meio do uso de recursos e especialidades locais, a

implementação de seus 17 objetivos poderá identificar oportunidades e alavancar

soluções Sul-Sul.

Mas a proliferação de objetivos e metas recolocam o risco de uma maior

fragmentação do financiamento, e de um aprofundamento da bilateralização, como

ocorreu com os ODMs. Por isso, sem um esforço de reposicionamento do SDNU para

financiar as atividades operacionais para o desenvolvimento de forma integrada, e não

em silos, como ocorre atualmente, a Agenda 2030 poderá conduzir a ONU para uma crise

ainda mais severa de financiamento.

245 Do original: “(…) emerging powers undoubtedly will patronise UN development organisations with their own priorities and agendas – just as other donors do – with the continued earmarking of funds and the establishment of more South–South centres and other initiatives through subcontracts with the UN” (BROWNE, WEISS, 2014, p. 1899).

387

O reposicionamento do SDNU exigiria superar o conflito Norte x Sul, para que

um verdadeiro arranjo global de financiamento do desenvolvimento pudesse ser

estabelecido: os PDs teriam de aumentar consideravelmente suas contribuições centrais

para o sistema; os PEDs – especialmente as potências emergentes – teriam que assumir

alguns dos compromissos financeiros da organização, em esquemas de compartilhamento

de custos; e todos os Estados-membros teriam que destinar seus recursos especificados

para as áreas prioritárias definidas pela ONU, e não por suas agendas de política externa.

Entretanto, considerando o contexto internacional do final de 2017, com os profundos

cortes no orçamento da ONU realizados pelos Estados Unidos – o maior financiador da

ONU – é pouco provável que esse reposicionamento do sistema ocorra nos próximos

anos.

Os casos de sucesso e o engajamento dos PEDs em desenvolver soluções Sul-Sul

fazem com que os esforços de incorporação da CSS nas atividades operacionais para o

desenvolvimento do SDNU continuem ocorrendo, e essa questão deverá estar presente na

agenda da ONU nas próximas décadas. Mas, a tendência é que essa incorporação continue

acontecendo de forma lenta, em bases não-sistemáticas e ad hoc, puxadas por iniciativas

individuais e que dependem da boa vontade de alguns Estados-membros e funcionários

da ONU.

A CSS, se entendida apenas como um meio técnico ou um vetor de implementação

da cooperação internacional para o desenvolvimento, não é um tema difícil para a ONU.

Mas pelo fato de estar permeada pelo conflito Norte x Sul, e por questões que expõem a

crise de governança e financeira do SDNU, torna-se um tema altamente politizado e de

difícil resolução. Por isso, o crescimento e os avanços da CSS nas últimas décadas ainda

não podem ser plenamente vistos de Nova York. Será necessário um enorme esforço de

reforma do SDNU para que as iniciativas do Sul ocupem a 1ª Avenida.

388

REFERÊNCIAS

ADAMS, B.; MARTENS, J. Fit for whose purpose? Private funding and corporate

influence in the United Nations. Nova York: Global Policy Forum, setembro de

2015, 140 p.

ADLER, E.; BARNETT, M. Security communities in theoretical perspective. In:

ADLER, E.; BARNETT, M. (Orgs.). Security Communities. Cambridge:

Cambridge University Press, 1998, pp. 3-28.

AGREEMENT between the United Nations and the International Monetary Fund. 15 nov.

1947. In: INTERNATIONAL MONETARY FUND. The International

Monetary Fund 1945-1975. Vol. III – Documents. Washington D.C., 1969.

Disponível em: <http://goo.gl/wXl98U>. Acesso em: 13 jul. 2014.

ALLISON, G. T. Conceptual Models and the Cuban Missile Crisis. In: The American

Political Science Review, Vol. 63, No. 3, setembro de 1969, pp. 689-718.

ALONSO, J. A.; GLENNIE, J.. What is development cooperation? 2016 Development

Cooperation Forum Policy Briefs, No. 1, fevereiro de 2015.

ANSTEE, M. J. The field office and how it grew. In: UNITED NATIONS

DEVELOPMENT PROGRAMME (UNDP). Generation: Portrait of the United

Nations Development Programme. New York: UNDP Division of Information,

1985.

ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG. Final Communiqué of the Asian-

African conference of Bandung. Bandung, Indonésia, 24 de abril de 1955.

Disponível em:

<http://www.ena.lu/final_communique_asian_african_conference_bandung_24_

april_1955-2-1192>. Acesso em: 18.set.2017.

BARNETT, M. N.; FINNEMORE, M. Political Approaches. In: DAWS, S.; WEISS, T.

G. The Oxford Handbook on the United Nations. Oxford: Oxford University

Press, 2008, pp. 41-54.

______; The Politics, Power, and Pathologies of International Organizations. In:

International Organization, Vol. 53, No. 4, outono de 1999, pp. 699-732.

BENN, D. The Buenos Aires Plan of Action. Nova York: United Nations Development

Programme, Special Unit for TCDC, novembro de 1994, 34p.

389

BENVENISTI, E.; DOWNS, G. The Empire’s new clothes: Political Economy and the

Fragmentation of International Law. Stanford Law Review, Vol. 60, No. 2, 2007,

pp. 595-631.

BESHARATI, N. A. et al. Developing a conceptual framework for South-South

Cooperation. Midrand, África do Sul: Network of Southern Think Tanks (NeST),

2015, 58p.

BODANSKY, D. What’s in a Concept? Global Public Goods, International Law, and

Legitimacy. In: The European Journal of International Law, vol. 23 no. 3,

2012, pp. 651-668.

BOULDING, K. E. National Images and International Systems. In: The Journal of

Conflict Resolution, Vol. 3, no. 2, junho de 1959, pp. 120-131.

BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. VI Cúpula BRICS – Declaração

de Fortaleza. Fortaleza, 15 de julho de 2014. Disponível em:

<http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/vi-cupula-

brics-declaracao-de-fortaleza>. Acesso em: 27.jul.2014.

BROWN, E. 7 – Tinkering with the system: ajusting adjustment. In: MOHAN, G. et al.

Structural Adjustment: Theory, practice and impacts. Londres: Routlegde,

2000, pp. 119-144.

BROWN, M. M. Statement to the Executive Board, 19 June 2000 apud MURPHY, C. N.

The United Nations Development Programme – a better way? Cambridge:

Cambridge University Press, 2006, 372 p.

BROWNE, S. Introduction: Rethinking Capacity Development for Today’s Challenges.

In: BROWNE, S. (Org.). Developing capacity through technical cooperation:

country experiences. United Nations Development Programme. London and

Virginia: Earthscan Publications, 2002, pp. 1-14.

______; WEISS, T. G. Emerging powers and the UN development system: canvassing

global views. In: Third World Quartely, Vol. 35, No. 10, 2014, pp.1894-1910.

______; WEISS, T. G. Is the UN Development System Becoming Irrelevant? In:

Development Dialogue Paper, no. 4, dezembro de 2013.

BURLEY, J.; LINDORES, D. The UN development system and its operational

activities for development: Updating the definitions. Report prepared for the

United Nations Department of Economic and Social Affairs for the 2016

Quadrennial Comprehensive Policy Review, 5 de fevereiro de 2016.

390

______; MALIK, K. The United Nations and its functions. In: ECOSOC Dialogue on

the longer-term positioning of the UN Development system. Genebra e Nova

York, 15 de abril de 2015.

CHANDRAN, R. Governance of the United Nations Development System. In:

ECOSOC Dialogue on the longer-term positioning of the UN Development

system. Genebra e Nova York, 2015.

CHANDY, L.; KHARAS, H. Why can’t we all just get along? The practical limits of

international development cooperation. In: Journal of International

Development, Vol. 23, No. 5, 2011, pp. 739-751.

CHARBONNEAU, L. Auditors rebuke U.N. development agency after U.S. indictments.

In: Reuters, 3 de maio de 2016. Disponível em:

<https://www.reuters.com/article/us-un-corruption/auditors-rebuke-u-n-

development-agency-after-u-s-indictments-idUSKCN0XU29T>. Acesso em:

04.jan.2018.

CHATURVEDI, S.; FUES, T.; SIDIROPOULOS, E (orgs.). Development cooperation

and emerging powers – new partners or old patterns? Londres, Nova York:

Zed Books, 2012, 276 p.

CHILDERS, E. Reforming Global Governance – Challenges ahead for the UN. In:

Trócaire Development Review, 1996, pp. 87-101.

CLAUDE, I. L. Peace and Security: Prospective Roles for the Two United Nations. In:

Global Governance, Vol. 2, No. 3, setembro-dezembro de 1996, pp. 289-298.

DAMICO, F. BRICS: o novo ‘lugar’ do conceito. In: PIMENTEL, J. V. de S. (org.). O

Brasil, os BRICS e a agenda internacional. Brasília: Fundação Alexandre de

Gusmão, 2012.

DIJKSTRA, G; KOMIVES, K. The PRS approach and the Paris Agenda: experiences in

Bolivia, Honduras and Nicaragua. In: European Journal of Development

Research, Vol. 23, No. 1, 2011, pp. 191-207.

DIPLOMATA BRASILEIRO. Entrevista concedida à Patrícia Nogueira Rinaldi

Victal. Nova York: Missão Permanente do Brasil na ONU, 11 de setembro de

2015 [íntegra no anexo].

GEERTZ, C. Ideology as a cultural system. In: The interpretation of cultures – Selected

essays by Clifford Geertz. Nova York: Basic Books, 1973, pp. 193-233.

GOLDSTEIN, J. Ideas, Institutions, and American Trade Policy. In: International

Organization, Vol. 42, No. 1, inverno de 1988, pp. 179-217.

391

GRIFFIN, K. Foreign aid after the Cold War. In: Development and Change, Vol. 22,

1991, pp. 645-685.

GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN (G-77). Joint Declaration of the Seventy-Seven

Developing Countries made at the Conclusion of the United Nations

Conference on Trade and Development. Genebra, 15 de junho de 1964.

Disponível em: <http://www.g77.org/doc/Joint%20Declaration.html>. Acesso

em: 13.jun.2017.

______. Perez-Guerrero Trust Fund for South-South Cooperation (PGTF).

Apresentação em Power Point, dezembro de 2015, 17 slides. Disponível em:

<http://www.g77.org/pgtf/Presentation_on_PGTF_updated_Dec_2015.pdf>.

Acesso em: 13.jan.2018.

______. Status of Contributions to the Perez-Guerrero Trust Fund for South-South

Cooperation (PGTF). In: Website oficial do Group of the Seventy-Seven, 21 de

novembro de 2017. Disponível em: <http://www.g77.org/pgtf/contribution.html>.

Acesso em: 13.jan.2018.

HAAS, E. When knowledge is power: Three Models of Change in International

Organizations. Berkeley: University of California Press, 1990.

HAMMARSKJÖLD, D. The International Civil Servant in Law and in Fact. Palestra

realizada para a Congregação na Universidade de Oxford, 30 de maio de 1961,

pp. 329-353. Disponível em:

<http://www.un.org/depts/dhl/dag/docs/internationalcivilservant.pdf>. Acesso

em: 24.out.2016.

HATTORI, T. The moral politics of foreign aid. In: Review of International Studies,

No. 29, 2003, pp. 229-247.

HIGH-LEVEL UNITED NATIONS CONFERENCE ON SOUTH-SOUTH

COOPERATION. About. In: Website oficial da High-Level United Nations

Conference on South-South Cooperation, 2009. Disponível em:

<http://southsouthconference.org/?page_id=2>. Acesso em: 27.jan.2017.

HOBSBAWM, E. Era dos Extremos – O breve século XX – 1914-1991. São Paulo:

Companhia das Letras, 2008, 598 p.

HUDES, K. A. Towards a New International Economic Order. In: Yale Journal of

International Law, Vol. 2, Issue 1 – Yale Studies in World Order, 1975, pp. 88-

181.

392

HURD, I. Constructivism. In: REUS-SMIT, C.; SNIDAL, D. The Oxford Handbook of

International Relations. Oxford: Oxford University Press, 2008, pp. 298-313.

IBSA FUND. About IBSA Trust Fund. In: Website oficial do IBSA Fund, 2017.

Disponível em: <http://tcdc2.undp.org/IBSA/about/about.htm>. Acesso em:

23.nov.2017.

IBSA TRILATERAL. About IBSA Background. In: Website oficial do India-Brazil-

South Africa Dialogue Forum, 2017. Disponível em: <http://www.ibsa-

trilateral.org/about-ibsa/background>. Acesso em: 22.nov.2017.

IBSA TRUST FUND. Programme guidelines. Nova York: IBSA Fund e United Nations

Office for South-South Cooperation, 14 de agosto de 2017, 8p.

JENKS, B. et al. Financing the United Nations Development System – Current trends

and new directions. United Nations Multi-Partner Trust Fund Office (MPTFO)

and Dag Hammarskjöld Foundation, junho de 2016.

______; JONES, B. United Nations Development at a Crossroads. New York: Center

on International Cooperation, New York University, 2013, 137p.

JOHNSON, A. South-South and Triangular Cooperation: Improving Information

and Data. Support to UN Development Cooperation Forum 2010, Office for

ECOSOC Support and Coordination, Department of Economic and Social Affairs,

4 de novembro de 2009.

______; VERSAILLES, B.; MARTIN, M. Trends in South-South and triangular

development cooperation. Background study for the Development Cooperation

Forum. United Nations Economic and Social Council, abril de 2008.

JOLLY, R.; EMMERIJ, L., GHAI, D.; LAPEYRE, F. UN Contributions to

Development Thinking and Practice. Indiana: Indiana University Press, 2004,

387 p.

______; EMMERIJ, L.; WEISS, T. G. UN Ideas that Changed the World.

Bloomington: Indiana University Press, 2009, 336 p.

KAUFMANN, J. United Nations Decision Making. Alphen aan den Rijn, Países Baixos;

Rockville, Maryland, Estados Unidos: Sijthoof & Noordhoff, 1980.

KENNEDY, J. F. Address in New York City before the General Assembly of the

United Nations. 25 de setembro de 1961. Online by Gerhard Peters and John T.

Woolley, The American Presidency Project. Disponível em:

<http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=8352>. Acesso em: 30.dez.2017.

393

KHARAS, H. The new reality of aid. Brookings Blum Roundtable, 1 de agosto de 2007,

16 p. Disponível em: <www.brookings.edu/research/papers/2007/08/aid-kharas>.

Acesso em: 10.nov.2016.

LAURENTI, J. Financing. In: DAWS, S.; WEISS, T. G. (Orgs.). The Oxford Handbook

on the United Nations. Oxford: Oxford University Press, 2008.

LEWIS, A. W. The Economic and Social Council. In: WORTLEY, B. A (org.). The

United Nations: the first ten years. Manchester: Machester University Press,

1957, pp. 34-46.

LICHTENSZTEJN, S.; BAER, M. Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial:

estratégias e políticas do poder financeiro. São Paulo: Brasiliense, 1987.

LUMSDAINE, D. H. Moral Vision in International Politics: The Foreign Aid Regime,

1949-1989. Princeton: Princeton University Press, 1993, 376p.

MAKKAR, R. D. Interview with Craig N. Murphy. 14 December 2004, MURPHY, C.

N. The United Nations Development Programme – a better way? Cambridge:

Cambridge University Press, 2006, 372 p.

MAUSS, M. The Gift: the forms and reason for exchange in archaic societies. Londres

e NovaYork: Routledge, 2002, 199 p.

MAWDSLEY, E. From Recipients to Donors: Emerging powers and the changing

development landscape. Londres e Nova York: Zed Books, 2012, 267 p.

MITRANY, D. A Working Peace System – An Argument for the Functional

Development of International Organization. Londres e Chicago: Chatham

House e Quadrangle Books, 1944, 56 p.

______. The functional approach to world organization. In: International Affairs (Royal

Institute of International Affairs), Vol. 24, No. 3, julho de 1948, pp. 350-363.

MOORE, M. Creating Public Value: Strategic Management in Government.

Cambridge, Massachussetts; Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 1995,

403 p.

MURPHY, C. N. Organização internacional e mudança industrial – Governança

global desde 1850. São Paulo: Editora Unesp, 2014, 344 p.

______. The United Nations Development Programme – a better way? Cambridge:

Cambridge University Press, 2006, 372 p.

______. What the Third World Wants: An Interpretation of the Development and

Meaning of the New International Economic Order Ideology. In: International

Studies Quarterly, Vol. 27, No. 1, março de 1983.

394

MUTTUKUMARU, R. The Funding and related practices of the UN Development

system. New York: ECOSOC Dialogue on the longer-term positioning of the UN

Development system in the context of the post-2015 development agenda, maio

de 2015.

NEHRU, J. India’s Foreign Policy: Selected Speeches – September 1946-April 1961.

Delhi: Publications Division, 1961 apud PRASHAD, V. The darker nations: a

people’s history of the Third World. Nova Iorque, Londres: The New Press, 2007,

364 p.

NEL, P. Redistribution and recognition: what emerging regional powers want. In: Review

of International Studies, no. 36, 2010, pp. 951-974.

NON-ALIGNED MOVEMENT. Belgrade Declaration – The Declaration of the 1st

Summit of the Heads of State or Government of the Member Countries of the

Non-Aligned Movement. Belgrado, 1-6 de setembro de 1961 apud INSTITUTE

OF FOREIGN AFFAIRS (IFA). Summit Declarations of Non-Aligned Movement

(1961-2009). Tripureshwor, Kathmandu, 2011, 400 p. Disponível em:

<http://namiran.org/wp-content/uploads/2013/04/Declarations-of-All-Previous-

NAM-Summits.pdf>. Acesso em: 13.jun.2017.

NORDTVEIT, B. H. An emerging donor in education and development: A case study of

China in Cameroon. In: International Journal of Educational Development,

No. 31, 2011, pp. 99-108.

NYERERE, J. et al. The Challenge to the South: An Overview and Summary of the

South Commission Report. Oxford: Oxford University Press; The South

Commission, 1990.

OKEKE-AGULU, C. A place in the sun. In: Bonhams Magazine, No. 46, Primavera de

2016. Disponível em: <https://www.bonhams.com/magazine/21306/>. Acesso

em: 07.nov.2016.

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT

(OECD). Abou the OECD. In: Website oficial da Organisation for Economic

Co-Operation and Development, 2018. Disponível em:

<http://www.oecd.org/about/>. Acesso em: 15.maio.2018.

______. Accra Agenda for Action. Third High Level Forum on Aid Effectiveness,

Accra, Ghana, 2-4 September 2008, 21 p.

395

______. Busan Partnership for Effective Development Co-Operation. Fourth High

Level Forum on Aid Effectiveness, Busan, Republic of Korea, 29 de novembro-1

de dezembro de 2011, 12 p.

______. DAC Members. In: Website oficial da Organisation for Economic Co-

Operation and Development, 2016 a. Disponível em:

<http://www.oecd.org/dac/dacmembers.htm#members>. Acesso em:

06.jan.2017.

______. Development aid rises again in 2015, spending on refugees doubles. In: Website

oficial da Organisation for Economic Co-operation and Development, 13 de

abril de 2016 b. Disponível em: <http://www.oecd.org/dac/development-aid-

rises-again-in-2015-spending-on-refugees-doubles.htm>. Acesso em:

04.jan.2017.

______. Dispelling the myths of triangular co-operation – Evidence from the 2015

OECD survey on triangular co-operation. Report prepared by the OECD

Development Co-operation Directorate, setembro de 2016 c, 50p.

______. History of the 0,7% ODA target. In: DAC Journal, 2002, Vol. 3, No. 4, pp. III-

9-III-11.

______. Official development assistance – definition and coverage. In: Website oficial

da Organisation for Economic Co-operation and Development, 2016 d.

Disponível em:

<http://www.oecd.org/dac/stats/officialdevelopmentassistancedefinitionandcover

age.htm>. Acesso em: 09.nov.2016.

______. Shaping the 21st Century: The Contribution of Development Co-operation.

Paris: Development Assistance Committee, Organisation for Economic Co-

operation and Development, maio de 1996, 20 p.

______. The DAC – 50 years, 50 highlights. Paris: Organisation for Economic Co-

Operation and Development, 2010, 72 p.

______. The High Level Fora on Aid Effectiveness: A history. In: Website oficial da

Organization for Economic Co-Operation and Development, 2015. Available

at:

<http://www.oecd.org/dac/effectiveness/thehighlevelforaonaideffectivenessahist

ory.htm>. Accessed 12 January 2016.

______. The OECD and the Millenium Development Goals. In: Website oficial da

Organisation for Economic Co-operation and Development, 2012. Disponível

396

em:

<http://www.oecd.org/dev/The%20OECD%20and%20the%20Millennium%20D

evelopment%20Goals.pdf>. Acesso em: 22.nov.2017.

OSHIBA, R. Budgetmaking in the United Nations Development Program: An Analysis

of the Expenditures for Technical Assistance. In: International Studies

Quarterly, Vol. 29, No. 3, setembro de 1985, pp. 313-326.

PANDIARAJ, S. Strengthening the Role of United Nations in Global Economic

Governance: Some Reflections in the Wake of the Recent Global Economic

Crisis. In: Asian-African Legal Consultative Organization Journal of

International Law, Vol. 2, Issue 1, 2013, pp. 71-116.

PAULO, S.; REISEN, H. Eastern Donors and Western Soft Law: Towards a DAC Donor

Peer Review of China and India? In: Development Policy Review, No. 28, Vol.

5, 2010, pp. 535-552.

PRASELJ, E. Financial Support to South-South Cooperation: The Caracas Programme

of Action (CPA) and the Perez-Guerrero Trust Fund (PGTF). In: UN Chronicle,

Vol. LI, No. 1, maio de 2014.

PRASHAD, V. The darker nations: a people’s history of the Third World. Nova Iorque,

Londres: The New Press, 2007, 364 p.

_______. The poorer nations: a possible history of the Global Sourth. Londres e Nova

York: Verso, 2012, 292 p.

PREBISCH, R. The Economic Development of Latin America and Its Principal

Problems. Lake Success, Nova York: United Nations Department of Economic

Affairs, Economic Commission for Latin America (ECLA), 1950, 59 p.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). A

Ascensão do Sul: progresso humano num mundo diversificado. Relatório do

Desenvolvimento Humano 2013. Nova York, Programa das Nações Unidas para

o Desenvolvimento, 2013, 224 p.

RAMPA, F.; BILAL, S. Emerging economies in Africa and the development

effectiveness debate. Maastritch: European Centre for Development Policy

Management, Discussion Paper 107, 2011.

ROSENTHAL, G. Economic and Social Council. In: WEISS, T. G.; DAWS, S. (Orgs.).

The Oxford Handbook on the United Nations. Oxford: Oxford University

Press, 2007, pp. 136-148.

397

RUHLMAN, M. A. Who participates in Global Governance? States, Bureaucracies,

and NGOs in the United Nations. Londres e Nova York: Routledge, 2015, 175p.

SAUVY, A. Trois mondes, une planète. In: L'Observateur, No. 118, 14 de agosto de

1952. Disponível em: <http://www.homme-

moderne.org/societe/demo/sauvy/3mondes.html>. Acesso em: 24.nov.2017.

SEITENFUS, R. Manual das Organizações Internacionais. 5ª Edição. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012.

SHAH, A. Foreign aid for development assistance. In: Global Issues, 28 de setembro de

2014. Disponível em: <http://www.globalissues.org/article/35/foreign-aid-

development-assistance>. Acesso em: 10.nov.2016.

SHARP, W. R. The Specialized Agencies and the United Nations: Progress Report I. In:

International Organization, Vol. 1, No. 3, setembro de 1947, pp. 460-474.

SIKKINK, K. Ideas and Institutions: Developmentalism in Brazil and Argentina.

Ithaca: Cornell University Press, 1991, 263 p.

SILK, J. Caring at a distance: Gift Theory, aid chains and social movements. In: Social

& Cultural Geography, Vol. 5, No. 2, junho de 2004, pp. 229-251.

SINGER, H. W. Relative prices of exports and imports of under-developed countries:

a study of post-war terms of trade between under-developed and

industrialized countries. Lake Success, Nova York: United Nations Department

of Economic Affairs, 1949, 156 p.

______. Transcript of interview of Hans W. Singer by Richard Jolly. United Nations

Intellectual History Project, The Graduate School and University Center, City

University of New York. Sussex, 2 de janeiro de 2000, 164 p.

STOKKE, O. The UN and Development: From Aid to Cooperation. Indiana: Indiana

University Press, 2009.

STONE, R. W. Buying Influence: Development Aid between the Cold War and the War

on Terror. Rochester: University of Rochester, janeiro de 2010, 35p.

STRANGE, S. The Westfailure System. In: Review of International Studies, Vol. 25,

No. 3, julho de 1999, pp. 345-354.

SUKARNO, A. Opening address given by Sukarno in the occasion of claudandung

Conference. Bandung, Indonesia, 18 de abril de 1955.

SYMONDS, R. Bliss Was It in That Dawn: Memoirs of an Early United Nations Career,

1946–79. Oxford: Bodleian Library, MS Eng. c. 4703, s.d., apud MURPHY, C.

398

N. The United Nations Development Programme – a better way? Cambridge:

Cambridge University Press, 2006, 372 p.

THE BEN ENWONWU FOUNDATION. About - Our symbol. In: Website oficial da

Ben Enwonwu Foundation, 2014. Disponível em:

<http://www.benenwonwufoundation.org/symbol.php>. Acesso em:

07.nov.2016.

THORSTENSEN, V. Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio

internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. São Paulo:

Aduaneiras, 2003.

TOYE, J. UNCTAD at 50 – a short history. Geneva: United Nations, United Nations

Conference on Trade and Development, UNCTAD/OSG/2014/1, 2014, 136 p.

______; TOYE, R. The UN and Global Political Economy: Trade, Finance and

Development. Indiana: Indiana University Press, 2004, 393 p.

ULLRICH, D. R.; CARRION, R. da S. M. Em análise a cooperação “Sul-Sul”: ruptura

ideológica ou reprodução? In: Política & Sociedade, Vol 12, No. 25, setembro-

dezembro de 2013, pp. 65-84.

UNITED NATIONS (UN). Delivering as One. In: Website oficial da United Nations,

2017 a. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/deliveringasone/>. Acesso em:

27.dez.2017.

______. ECOSOC Dialogue on the longer-term positioning of the UN development

system in the context of the post-2015 development agenda - Background

Note. Workshop 2 – Funding. New York: Office for ECOSOC Support and

Coordination, Department for Economic and Social Affairs, 4 de maio de 2015 a.

______. ECOSOC Dialogue on the longer-term positioning of the UN development

system in the context of the post-2015 development agenda - Background

Note. Workshop 3 – Governance. New York: Office for ECOSOC Support and

Coordination, Department for Economic and Social Affairs, 8 de maio de 2015 b.

______. Funding for United Nations development cooperation: challenges and

options. Nova York: United Nations Department for Economic ans Social Affairs,

2005, 57p.

______. How decisions are made at the UN. In: Website oficial da ONU para Model

United Nations, 2017 b. Disponível em:

<https://outreach.un.org/mun/content/how-decisions-are-made-un>. Acesso em:

20.dez.2017.

399

______. QCPR Monitoring Survey of Programme Countries 2014 – Report. New

York: Development Cooperation Policy Branch, Department of Economic and

Social Affairs, December 2014.

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES. Buenos Aires Plan of Action for Promoting and

Implementing Technical Co-operation among Developing Countries. Buenos

Aires, 12 de setembro de 1978.

UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS.

Development Cooperation for the MDGs: Maximizing Results. United Nations,

New York, 2010, ST/ESA/326.

______. South-South and triangular cooperation. In: Website oficial da Inter-Agency

Task Force on Financing for Development, 2017. Disponível

em:<https://developmentfinance.un.org/south-south-and-triangular-

cooperation>. Acesso em: 17.jan.2018.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT GROUP (UNDG). Minutes of the Inaugural

Meeting of the United Nations Development Group South-South and

Triangular Cooperation Task Team. New York, United Nations Development

Group, 19 de fevereiro de 2015 a.

______. Terms of Reference for the United Nations Development Group South-

South and Triangular Cooperation Task Team. New York, United Nations

Development Group, 2014.

______. United Nations Development Group (UNDG) Functioning and Working

Arrangements. United Nations Development Group, 1 de janeiro de 2015 b, 9 p.

Disponível em: <https://undg.org/wp-content/uploads/2016/09/UNDG-

Functioning-and-Working-Arrangements-3-1.pdf>. Acesso em: 18.dez.2017.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT OPERATIONS COORDINATION OFFICE

(UNDOCO). The UN Resident Coordinator system – an overview. United

Nations Development Group, novembro de 2016. Disponível em:

<https://undg.org/wp-content/uploads/2017/04/QCPR-Info-Brief-2-UN-RC-

System-UN-DOCO-Nov-2016.pdf>. Acesso em: 20.dez.2017.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME (UNDP). About Human

Development. In: Website Oficial do United Nations Development

Programme, 2017 a. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/humandev>.

Acesso em: 13.nov.2017.

400

______. Accelerating Sustainable Development South‐South and Triangular

Cooperation to Achieve the SDGs – A UNDP Strategy. Working documents,

New York, 20 de junho de 2016.

______. Changing with the world – UNDP Strategic Plan 2014-2017. Helping

countries to achieve the simultaneous eradication of poverty and significant

reduction of inequalities and exclusion. Nova York, 2014.

______. Evaluation of the UNDP Strategic Plan 2008-2013. Evaluation Office, maio

de 2013 a.

______. Facilitating Exchange – Evaluation of UNDP Contribution to South-South

and Triangular Cooperation (2008-2011). Evaluation Office, abril de 2013 b.

______. Human Development Report 1990. Nova York: Oxford University Press, 1990,

189 p.

______. Information note about the Executive Board of UNDP, UNFPA and UNOPS. In:

Website oficial do Executive Board – United Nations Development

Programme, 2017 b. Disponível em:

<http://web.undp.org/execbrd/overview.shtml>. Acesso em: 20.dez.2017.

______. Our projects. In: Website Oficial do United Nations Development

Programme, 2015. Disponível em: <https://open.undp.org/#2015>. Acesso em:

13.maio.2018. https://open.undp.org/#2015

______. South-South Partnerships – Evaluation of UNDP contribution to South-

South Cooperation. Evaluation Office, dezembro de 2007.

UNITED NATIONS INTELLECTUAL HISTORY PROJECT. About. In: Website

oficial do United Nations Intellectual History Project, Ralph Bunche Institute

for International Studies, 2011. Disponível em:

<http://www.unhistory.org/about/>. Acesso em: 17.out.2016.

UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION (UNOSSC).

India, Brazil and South Africa (IBSA) Fund – 2016 Overview of Project

Portfolio. Nova York: United Nations Development Programme, 2016, 56p.

______. South-South Gateway to Sustainable Prosperity – Annual Reports 2009-

2014. Division of Development Solutions and Technology Exchange, 2014 a, 51p.

______. United Nations Fund for South-South Cooperation – 2014 Report. Nova

York: United Nations Development Programme, 2014 b, 29p.

______. United Nations Fund for South-South Cooperation – 2017 Report. Nova

York: United Nations Development Programme, 2017, 28p.

401

UNITED STATES. Point Four Background and Program – International Technical

Cooperation Act of 1949. Committee on Foreign Affairs of the House of

Representatives, julho de 1949, 25 p.

VELASCO E CRUZ, S. Comércio Internacional em um mundo partido: o regime do

GATT e os países em desenvolvimento. Cadernos CEDEC, no. 77, Agosto de

2005.

WEISS, T. G. Moving Beyond North–South Theatre. In: Third World Quarterly, Vol.

30, No. 2, 2009 a, pp. 271-284.

______. What happened to the ideia of world government. In: International Studies

Quartely, no. 53, 2009 b, pp. 253-271.

______; ABDENUR, A. E. Introduction: emerging powers and the UN – what kind of

development partnership? In: Third World Quarterly, Vol. 35, No. 1, 2014, pp.

1749-1758.

______.; CARAYANNIS, T.; JOLLY, R. The ‘Third’ United Nations. In: Global

Governance, no. 15, 2009 a, pp. 123-142.

______; CARAYANNIS, T. Whither United Nations Economic and Social Ideas? In:

Global Social Policy, Vol. 1, No.1, 2001, pp. 25-47.

______; DAWS, S. World Politics: Continuity and Change since 1945. In: DAWS, S.;

WEISS, T. G. The Oxford Handbook on the United Nations. Oxford: Oxford

University Press, 2008, pp. 3-34.

______; EMMERIJ, L.; JOLLY, R. UN “Voices”, UNIHP’s Oral History Archive. In:

United Nations Intellectual History Project, Briefing Note Number 2, junho de

2009 b, 4p. Disponível em: <http://www.unhistory.org/briefing/2UNVoices.pdf>.

Acesso em: 04.jan.2017.

______; FORSYTHEE, D. P.; COATE, R. A.; PEASE, K. The United Nations and

changing world politics. Boulder, Colorado: Westview Press, 2014, 7ª edição

(versão Kindle).

______; THAKUR, R. (orgs.). Global Governance and the UN: An unfinished journey.

The United Nations Intellectual History Project. Indiana: Indiana University

Press, 2010.

WENDT, A. Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of Power

Politics. In: International Organization, Vol. 46, No. 2, primavera de 1992, pp.

391-425.

402

WENNUBST, P.; MAHN, T. A Resolution for a Quiet Revolution - Taking the United

Nations to Sustainable Development ‘Beyond Aid’. Discussion Paper No. 22

Bonn e Nova York: German Development Institute, 2013, 51 p.

WOODS, N. Economic ideas and International Relations: beyond rational neglect. In:

International Studies Quarterly, No. 39, 1995, pp. 161-180.

______. Whose aid? Whose influence? China, emerging donors and the silent revolution

in development assistance. In: International Affairs, No. 84, Vol. 6, 2008, pp.

1205-1221.

WORLD BANK. Aid Architecture: An Overview of the Main Trends in Official

Development Assistance Flows. Washington, DC: The World Bank Group, 2008,

47 p.

RESOLUÇÕES, DECISÕES E RELATÓRIOS OFICIAIS DA

ONU

BOUMEDIÉNE, H. Request for the convening of a Special Session of the General

Assembly. Message dated 30 January 1974, addressed to the Secretary-General

by His Excellency Mr, Houari Boumediéne. United Nations General Assembly,

A/9541, 5 de fevereiro1974.

ENNALS, D. Plenary Speech at the United Nations General Assembly Sixth Special

Session apud UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY (UNGA). Sixth

Special Session Official Records. 2209th Plenary Meeting. New York,

A/PV.2209 and Corr.1, 10 de abril de 1974, at 3 p.m.

EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND.

Country cooperation framework and related matters – First Cooperation

Framework for Technical Cooperationa among Developing Countries, 1997-

1999. Second regular session 1997, 10-14 de março de 1997, DP/CF/TCDC/1, 20

December 1996.

______. Draft fourth Cooperation Framework for South-South Cooperation (2009-

2011). Second regular session 2008, 8 a 12 de setembro de 2008,

DP/CF/SSC/4/Rev.1, 21 de julho de 2008.

403

______. Programming arrangements for the period 2004-2007. Decision adopted by

the Executive Board in its annual session, 2002/18, 27 de setembro de 2002.

______. Proposals on programming arrangements for 2008-2011. Decision adopted

by the Executive Board in its second regular session, 2007/33, 14 de setembro de

2007 a.

______. Report on the implementation of the second cooperation framework for

technical cooperation among developing countries. Report of the

Administrator. Annual session, 6 a 20 de junho de 2003, DP/2003/14, 1 de maio

de 2003 a.

______. Report on the implementation of the third cooperation framework for

South-South cooperation (2005-2007). Report of the Administrator. Annual

session, 11 a 22 de junho de 2007, DP/2007/30, 9 de abril de 2007 b.

______. Second Cooperation Framework for Technical Cooperation among

Developing Countries, 2001-2003. First regular session 2001, 29 de janeiro – 6

de fevereiro de 2001, DP/CF/TCDC/2, 27 de dezembro 2000 a.

______. Second multi-year funding framework, 2004-2007. Decisions adopted by the

Executive Board at its Second regular session, DP/2003/32, 8 a 12 de setembro de

2003 b.

______. Strategic Framework of the United Nations Office for South-South

Cooperation, 2014-2017. First regular session 2014, 27 a 31 de janeiro de 2014,

DP/CF/SSC/5, 16 de dezembro de 2013 a.

______. Successor programming arrangements. New York, Annual Session,

DP/1995/23, 16 de junho de 1995.

______. Technical cooperation among developing countries – Report of the

Administrator. Third regular session, 25 a 29 setembro 2000, DP/2000/36, 11 de

agosto de 2000 b.

______. Third Cooperation Framework for South-South Cooperation (2005-2007).

First regular session 2005, 20 a 28 de janeiro de 2005, DP/CF/SSC/3/Rev.1, 12 de

janeiro de 2005.

______. UNDP integrated budget, 2014-2017. Decision adopted by the Executive

Board in its second regular session, 2013/28, 13 de setembro de 2013 b.

GOVERNING COUNCIL OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT

PROGRAMME. Fifth programming cycle. 39th meeting, 90/34, 23 de junho de

1990.

404

______. Technical Co-operation among Developing Countries and the policies, rules

and procedures of UNDP. Decision 81/31, Twenty-eight session, 733rd meeting,

26 de junho de 1981.

HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION (HLC-SSC).

Action needed for the implementation of the Nairobi Outcome document of

the High-level United Nations Conference on South-South Cooperation.

Sixteenth session, SSC/16/1, 4 de fevereiro de 2010 a.

______. Consideration of reports of the Administrator of the United Nations

Development Programme. Fourteenth session, New York, 31 de maio-3 de

junho de 2005, SSC/14/2, 19 de abril de 2005 a.

______. Consideration of reports of the Administrator of the United Nations

Development Programme. Seventeenth session, New York, 22-25 de maio de

2012, SSC/17/2, 23 de maio de 2012 a.

______. Framework of operational guidelines on United Nations support to South-

South and triangular cooperation. New York, Seventeenth session, SSC/17/3,

12 de abril de 2012 b.

______. Further mainstreaming and coordination of South-South and triangular

cooperation in the United Nations system – Report of the Secretary-General.

Eighteen session Intersessional meeting, New York, 8 de setembro de 2015,

SSC/18/IM/1, 24 de junho de 2015.

______. Measures to further strengthen the United Nations Office for South-South

Cooperation – Report of the Secretary-General. Eighteen session, New York,

19-22 de maio de 2014, SSC/18/3, 23 de abril de 2014 a.

______. Report of the High-level Committee on the Review on South-South

Cooperation. Eighteenth session, 19-22 de maio e 6 de junho de 2014. General

Assembly Official Records, Sixty-ninth session, Supplement No. 39 (A/69/39),

2014 b.

______. Report of the High-level Committee on the Review on South-South

Cooperation. Fifteenth session, 29 de maio-1 de junho de 2005. General

Assembly Official Records, Sixty-second session, Supplement No. 39 (A/62/39),

2007 a.

______. Report of the High-level Committee on the Review on South-South

Cooperation. Seventeenth session, 22-25 de maio e 12 de setembro de 2012.

405

General Assembly Official Records, Sixty-seventh session, Supplement No. 39

(A/67/39), 2012 c.

______. Report of the High-level Committee on the Review on South-South

Cooperation. Sixteenth session, 4 de fevereiro 2010. General Assembly Official

Records, Sixty-fifth session, Supplement No. 39 (A/65/39), 2010 b.

______. Report of the intersessional meeting of the High-level Committee on the

Review on South-South Cooperation. Seventeenth session, intersessional

meeting, 4 de junho de 2013. General Assembly Official Records, Sixty-seventh

session, SSC/17/IM/L.2, 19 de julho de 2013.

______. Review of progress in the implementation of the Buenos Aires Plan of

Action, the New Directions Strategy for South-South cooperation and the

decisions of the Committee. Fifteenth session, 29 de maio – 1 de junho 2007,

SSC/15/1, 2 de abril 2007 b.

______. Review of progress in the implementation of the Buenos Aires Plan of Action

and the New Directions Strategy for Technical Cooperation among

Developing Countries. Fourteenth session, 31 de maio – 3 de junho 2005,

SSC/14/1, 21 de abril 2005 b.

______. Review of progress made in implementing the Buenos Aires Plan of Action

and the New Directions Strategy for Technical Cooperation among

Developing Countries. Fourteenth session, Decision SSC/14/1, 3 de junho de

2005 c.

______. South-South Cooperation. Eighteenth session, New York, 19-22 de maio de

2014, SSC/18/1, 2 de junho 2014 c.

HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION

AMONG DEVELOPING COUNTRIES (HLC-TCDC). Comprehensive

biennial report on the progress made in the implementation of the Buenos

Aires Plan of Action as well as on the decisions of the High-Level Committee.

Twelfth session, 29 de maio - 1 de junho de 2001, TCDC/12/1, 15 de abril de 2001

a.

______. Consideration of Reports of the Administrator of the United Nations

Development Programme. Thirteenth session, New York, 27-30 de maio de

2003, TCDC/13/2, 24 de março de 2003 a.

______. Consideration of Reports of the Administrator of the United Nations

Development Programme. Progress made in the Implementation of the New

406

Directions Strategy for Technical Cooperation among Developing Countries.

Tenth session, TCDC/10/3, 20 de março de 1997 a.

______. Intergovernmental programming exercises for technical cooperation among

developing countries. Seventh session, TCDC/7/2, 6 de junho de 1991 a.

______. Measures to facilitate Technical Co-operation among Developing Countries

– Report by the Administrator. New York, 31 de maio – de de junho de 1983,

TCDC/3/6, 5 de abril de 1983 a.

______. National focal points and report of the meeting of TCDC focal points of

organizations of the United Nations development system held in New York.

7th plenary meeting, Decision TCDC/5/6, 27 de maio de 1987 a.

______. New Directions for Technical Cooperation among Developing Countries.

Ninth session, TCDC/9/3, 7 de abril de 1995.

______. Overall framework for the promotion and application of Technical

Cooperation among Developing Countries. Twelfth session, TCDC/12/2, 1 de

junho 2001 b.

______. Overall framework for the promotion and application of Technical

Cooperation among Developing Countries in the 1990s. Eighth session,

TCDC/8/2, 4 de junho de 1993.

______. Progress made in the decade 1978-1988 in implementing the tasks entrusted

to the United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of

Action for Promoting and Implementing Technical Co-operation among

Developing Countries – Report by the Administrator. New York 30 de maio –

2 de junho de 1989, TCDC/6/2, 17 de março de 1989 a.

______. Promotion of programming exercises, including meeting for negotiation

with respect to Technical Co-operation among Developing Countries. 6th

plenary meeting, TCDC/6/5, 22 de setembro de 1989 b.

______. Report of the High-level Committee on the Review of Technical Cooperation

among Developing Countries. Eleventh session, 1-4 de junho de 1999. General

Assembly Official Records, Fifty-fourth session, Supplement No. 39 (A/54/39),

1999 a.

______. Report of the High-level Committee on the Review of Technical Cooperation

among Developing Countries. Twelfth session, 29 de maio -1 de junho de 2001.

General Assembly Official Records, Fifty-sixth session, Supplement No. 39

(A/56/39), 2001 c.

407

______. Report of the meeting of TCDC focal points of organizations of the United

Nations Development System held in New York on 4 and 5 March 1986 –

Note by the Administrator. New York 18-22 de maio de 1987, TCDC/5/INF/1,

2 de abril de 1987 b.

______. Report of the meeting of TCDC focal points of organizations of the United

Nations Development System – Note by the Administrator. New York 30 de

maio – 2 de junho de 1989, TCDC/6/5, 9 de março de 1989 c.

______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the

United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for

Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing

Countries. 17th plenary meeting, Decision TCDC/2/5 and Corr.1 (2/3), 7 de junho

de 1981 a.

______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the

United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for

Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing

Countries. 8th plenary meeting, Decision TCDC/3/4, 6 de junho de 1983 b.

______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the

United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for

Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing

Countries – Report by the Administrator. New York, 31 de maio - 6 de junho

de 1983, TCDC/3/2, 7 de março de 1983 c.

______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the

United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for

Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing

Countries – Report by the Administrator. New York 28-31 de maio de 1985,

TCDC/4/2, 27 de março de 1985.

______. Review of progress made in implementing Technical Cooperation among

Developing Countries – A. Review of progress made in implementing the

Buenos Aires Plan of Action and the decisions of the High-Level Committee

and implementation of the recommendations of the South Commission

Report. Tenth session, TCDC/10/2 (10/1A), 9 de maio de 1997 b.

______. Review of progress made in implementing Technical Cooperation among

Developing Countries – A. Review of progress made in implementing the

Buenos Aires Plan of Action and the decisions of the High-Level Committee

408

and implementation of the recommendations of the South Commission

Report. Eleventh session, TCDC/11/1 (11/1A), 4 de junho de 1999 b.

______. Review of progress made in implementing Technical Cooperation among

Developing Countries – B. Review of progress made in the new directions

strategy for technical cooperation among developing countries. Eleventh

session, TCDC/11/2 (11/1B), 4 de junho 1999 c.

______. Review of progress made in implementing the Buenos Aires Plan of Action,

the decisions of the High-Level Committee and the Recommendations of the

South Commission. Eleventh session, 1-4 de junho de 1999, TCDC/11/1, 19 de

abril de 1999 d.

______. Review of the activities of the United Nations system within the framework

of the Buenos Aires Plan of Action for Promoting and Implementing

Technical Co-operation among Developing Countries. 6th plenary meeting,

TCDC/6/3, 19 de setembro de 1989 d.

______. Review of the functioning of the High-Level Committee (Submission to be

made to the Special Commission of the Economic and Social Council). 7th

plenary meeting, TCDC/5/Annex II, 27 de maio de 1987 c.

______. Revised Guidelines for the Review of Policies and Procedures Concerning

Technical Cooperation Among Developing Countries. New York, Thirteenth

session, TCDC/13/3, 17 de março de 2003 b.

______. Rules, regulations and procedures of the organizations of the United Nations

development system concerning technical cooperation among developing

countries. Seventh session, TCDC/7/1, 6 de junho de 1991 b.

______. Status report no the development of the Technical Co-operation among

Developing Countries Information Referral System (INRES) – Report by the

Administrator. New York, 31de maio – 6 de junho de 1983, TCDC/3/9, 31 de

maio de 1983 d.

______. Strenghthening and improving intergovernamental programming exercises

for Technical Co-operation among Developing Countries – Report of the

Administrator. New York, TCDC/6/4, 10 de março de 1989 e.

______. Technical co-operation among developing countries and the policies, rules

and procedures of the United Nations Development Programme. 17th plenary

meeting, Decision TCDC/2/9, 7 de junho de 1981 b.

409

______. Use and proposed use of the funds from the Special Programme Resources

during 1982-1983 on promotional activities for technical co-operation among

developing countries and activities in technical co-operation among

developing countries under the regional and interregional indicative

planning figures of the United Nations Development Programme. 8th plenary

meeting, Decision TCDC/3/5, 6 de junho de 1983 e.

HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION

AMONG DEVELOPING COUNTRIES. Enhancing the capacities of

developing countries for technical co-operation. 10th plenary meeting,

TCDC/1/6, 2 de junho de 1980 a.

______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the

United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for

Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing

Countries. 10th plenary meeting, TCDC/1/1, 2 June 1980 b.

______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the

United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for

Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing

Countries – Report by the Administrator. Geneva, 26 de maio-2 de junho 1980,

TCDC/3, 13 de março de 1980 c.

JOINT INSPECTION UNIT (JIU). South-South and Triangular Cooperation in the

United Nations System. Prepared by M. Mounir Zahran, Enrique Roman-Morey

and Tadanori Inomata. JIU/REP/2011/3, United Nations, Genebra, 2011, 63p.

______. United Nations development system support to the implementation of the

Buenos Aires plan of action on technical co-operation among developing

countries. Prepared by Miljenko Vukovic. JIU/REP/85/3, United Nations,

Genebra, maio de 1985, 35p.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Carta das Nações Unidas e

Estatuto da Corte Internacional de Justiça. São Francisco, 26 de junho de 1945.

PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES. Draft

provisional agenda for the conference. First session, 10-14 de janeiro de 1977,

A/CONF.79/PC/2, 3 de janeiro de 1977.

UNITED NATIONS (UN). A study of the capacity of the United Nations

Development System – Volume II. Genebra: United Nations, DP/5, 1969.

410

______. Report of the United Nations Conference on Technical Co-operation among

Developing Countries. Buenos Aires, 30 de agosto a 12 de setembro de 1978.

New York, A/CONF.79/13/Rev.1, 1979.

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD).

South–South cooperation and regional integration: Where we stand and future

directions. Trade and Development Board, Investment, Enterprise and

Development Commission. Multi-year expert meeting on international

cooperation: South–South cooperation and regional integration,

TD/B/C.II/MEM.2/2, 26 de novembro de 2008.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME (UNDP). New dimensions in

technical co-operation. Twentieth Session of the UNDP Governing Council, 11-

30 de junho de 1975, 487th meeting, 75/54, 25 de junho de 1975.

______. Report of the Governing Council. Tenth Session, 9-30 June 1970. Economic

and Social Council Official Records, Supplement No. 6 A, E/4884/Rev. 1, Nova

York, 1970.

UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL (ECOSOC).

Consolidation of the Special Fund and the Expanded Programme of

Technical Assistance in a United Nations Development Programme.

Resolution adopted by the Economic and Social Council at its 19th meeting,

E/RES/1020 (XXXVII), 11 de agosto de 1964.

______. Expanded Programme of Technical Assistance for Economic Development

of Under-developed Countries. Resolution adopted by the Economic and Social

Council at its 19th meeting, E/RES/222 (IX), 15 de agosto de 1949.

______. Revised guidelines for the review of policies and procedures concerning

technical cooperation among developing countries - Note by the Secretary-

General. New York, Resumed substantive session of 1997, E/1997/110, 17 de

outubro de 1997.

______. Trends and progress in international development cooperation – Report of

the Secretary-General. Development Cooperation Forum, Substantive session,

New York, 30 de junho-25 de julho de 2008, E/2008/60, 23 de maio de 2008.

______. Trends and progress in international development cooperation – Report of

the Secretary-General. Development Cooperation Forum, Substantive session,

New York, 28 de junho-23 de julho de 2010, E/2010/93, 10 de junho de 2010.

411

______. Trends and progress in international development cooperation – Report of

the Secretary-General. Development Cooperation Forum, Substantive session,

New York, 2-27 de julho de 2012, E/2012/78, 29 de maio de 2012.

______. Trends and progress in international development cooperation – Report of

the Secretary-General. Development Cooperation Forum, Substantive session,

New York, E/2014/77, 15 de maio de 2014.

______. Trends and progress in international development cooperation – Report of

the Secretary-General. Development Cooperation Forum, Substantive session,

New York, E/2016/65, 10 de maio de 2016.

UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY (UNGA). Consolidation of the Special

Fund and the Expanded Programme of Technical Assistance in a United

Natione Development Programme. Resolution adopted by the General

Assembly at its 1383rd plenary meeting, A/RES/2029 (XX), 22 de novembro de

1965.

______. Co-operation among developing countries in the United Nations technical

co-operation programmes and increased efficiency of the capacity of the

United Nations Development System. Resolution adopted by the General

Assembly, Twenty-seventh session, A/RES/2974 (XXVII), 14 de dezembro de

1972.

______. Declaration on the Establishment of a New International Economic Order.

Resolution adopted by the General Assembly on the 2229th Plenary Meeting,

Sixth Special Session, A/RES/3201(S-VI), 1 de maio de 1974 a.

______. Development and international economic co-operation. Resolution adopted

by the General Assembly on the 2349th Plenary Meeting, Seventh Special

Session, A/RES/3362(S-VII), 16 de setembro de 1975 a.

______. Economic and technical cooperation among developing countries. Fifty-

second session, 77th plenary meeting, A/RES/52/205, 18 de dezembro de 1997 a.

______. Economic and technical cooperation among developing countries. Fifty-

seventh session, 78th plenary meeting, A/RES/57/263, 20 de dezembro de 2002 a.

______. Economic and technical cooperation among developing countries. Fifty-

eighth session, 78th plenary meeting, A/RES/58/220, 23 de dezembro de 2003 a.

______. Economic and technical cooperation among developing countries and a

United Nations conference on South-South cooperation. Fiftieth session, 96th

plenary meeting, A/RES/50/119, 20 de dezembro de 1995.

412

______. Establishment of the Special Fund. 776th plenary, A/RES/1240 (XIII), 14 de

outubro de 1958.

______. Further measures for the restructuring and revitalization of the United

Nations in the economic, social and related fields. Forty-eighth session,

A/RES/48/162, 14 de janeiro de 1994 a.

______. International Development Strategy for the Second United Nations

Development Decade. Resolution adopted by the General Assembly, Twenty-

fifth session, A/RES/2626(XXV), 19 de novembro 1970 a.

______. Liquidation of the United Nations Emergency Operation Trust Fund and

allocation of the remaining balance. 104th plenary meeting, thirty eight session,

A/RES/38/201, 20 de dezembro de 1983.

______. Nairobi outcome document of the High-level United Nations Conference on

South-South Cooperation. Resolution adopted by the General Assembly, Sixty-

fourth session, Agenda item 58 (b), A/RES/64/222, 21 de dezembro de 2009 a.

______. Official records of the 66th plenary meeting - Agenda item 58: Operational

activities for development. New York, Second Committee, A//64/PV.66, 21 de

dezembro de 2009 b, 3 p.m.

______. Programme of Action on the Establishment of a New International

Economic Order. Resolution adopted by the General Assembly on the 2229th

Plenary Meeting, Sixth Special Session, A/RES/3202(S-VI), de maio de 1974 b.

______. Promotion of South-South cooperation for development: a thirty-year

perspective – Report of the Secretary-General. Sixty-fourth session, A/64/504,

27 de outubro de 2009 c.

______. Quadrennial policy review of operational activities for development of the

United Nations system. Resolution adopted by the General Assembly, Sixty-

seventh session, A/RES/67/226, 21 de dezembro de 2012 a.

______. Raising public awareness of and support for South-South cooperation –

Report of the Secretary-General. Fifty-eighth session, A/58/345, 5 de setembro

de 2003 b.

______. Reestructuring of the economic and social sectors of the United Nations

system. Thirty-second session, A/RES/32/197, 107th plenary meeting, 19 de

dezembro de 1977 a.

413

______. Report of the High-level Committee on the Review of Technical Cooperation

among Developing Countries. Official Records of the General Assembly, Fifty-

second Session, Supplement No. 39, A/52/39, 1997 b.

______. Report of the High-level Committee on the Review of Technical Cooperation

among Developing Countries. Official Records of the General Assembly, Forty-

fourth session, Supplement No. 39, A/44/39, 1989.

______. Report of the High-level United Nations Conference on South-South

Cooperation. Nairobi, 1-3 December 2009, A/CONF.215/2, 21 de dezembro de

2009 d.

______. South-South Cooperation. Sixtieth session, 68th plenary meeting,

A/RES/60/212, 22 de dezembro de 2005.

______. South-South Cooperation. Sixty-seventh session, 61th plenary meeting,

A/RES/67/227, 21 de dezembro de 2012 b.

______. South-South Cooperation. Sixty-eighth session, 71st plenary meeting,

A/RES/68/230, 20 de dezembro de 2013 a.

______. South-South Cooperation. Sixty-ninth session, 75th plenary meeting,

A/RES/69/239, 19 de dezembro de 2014 a.

______. State of South-South cooperation – Report of the Secretary-General. Fifty-

fourth session, A/54/425, 1 de outubro de 1999 a.

______. Summary record of the 10th meeting - Agenda item 24: Operational

activities for development (continued). New York, Second Committee,

A/C.2/66/SR.10, 12 de outubro de 2011, 3 p.m.

______. Summary record of the 26th meeting - Agenda item 24: Operational

activities for development. New York, Second Committee, A/C.2/69/SR.26, 24

de outubro de 2014 b, 10 a.m.

______. Summary record of the 38th meeting - Agenda item 24: Operational

activities for development (continued). New York, Second Committee,

A/C.2/69/SR.38, 11 de dezembro de 2014 c, 4 p.m.

______. Summary record of the 7th meeting - Agenda item 25: Operational activities

for development. New York, Second Committee, A/C.2/67/SR.7, 15 de outubro

de 2012 c, 10 a.m.

______. Summary record of the 11th meeting - Agenda item 59: Operational

activities for development (continued). New York, Second Committee,

A/C.2/62/SR.11, 18 de outubro de 2007 a, 3 p.m.

414

______. Summary record of the 17th meeting - Agenda item 97: Operational

activities for development (continued). New York, Second Committee,

A/C.2/58/SR.17, 21 de outubro de 2003 c, 3 p.m.

______. Summary record of the 14th meeting - Agenda item 99: Operational

activities for development. New York, Second Committee, A/C.2/56/SR.14, 25

de outubro de 2001 a, 10 a.m.

______. Summary record of the 15th meeting - Agenda item 99: Operational

activities for development (continued). New York, Second Committee,

A/C.2/56/SR.15, 25 de outubro de 2001 b, 3 p.m.

______. Summary record of the 13th meeting - Agenda item 101: Operational

activities for development. New York, Second Committee, A/C.2/54/SR.13, 15

de outubro de 1999 b, 10 a.m.

______. Summary record of the 14th meeting - Agenda item 101: Operational

activities for development (continued). New York, Second Committee,

A/C.2/54/SR.14, 15 de outubro de 1999 c, 3 p.m.

______. United Nations Conference on Technical Co-operation among Developing

Countries. Resolution adopted by the General Assembly at its 88th plenary

meeting, A/RES/33/134, 18 de dezembro de 1978.

______.Technical assistance for economic development. Resolution adopted by the

General Assembly at its 170th plenary meeting, A/RES/200 (III), 4 de dezembro

de 1948.

______.Technical co-operation among developing countries. Resolution adopted by

the General Assembly, Twenty-ninth session, A/RES/3251(XXIX), 4 de

dezembro de 1974 c.

______.Technical co-operation among developing countries. Resolution adopted by

the General Assembly, Thirtieth session, A/RES/3461(XXIX), 11 de dezembro de

1975 b.

______. Technical co-operation among developing countries. Resolution adopted by

the General Assembly, Thirty-second session, A/RES/32/182, 19 de dezembro de

1977 b.

______. Technical co-operation among developing countries. Resolution adopted by

the General Assembly, Thirty-forth session, A/RES/34/117, 14 de dezembro de

1979.

415

______. Technical cooperation among developing countries. Thirty-fifth session, 97th

plenary meeting, A/RES/35/202, 16 de dezembro de 1980.

______. Technical cooperation among developing countries. Forty-second session,

96th plenary meeting, A/RES/42/180, 11 de dezembro de 1987.

______. Technical cooperation among developing countries. Forty-sixth session, 78th

plenary meeting, A/RES/46/159, 19 de dezembro de 1991.

______. The capacity of the United Nations Development system. Twenty-fifth

session, A/RES/2688 (XXV) 1925th plenary meeting, 11 de dezembro de 1970 b.

______. The state of South-South cooperation – Report of the Secretary-General.

Sixty-eighth session, A/68/212, 29 de julho de 2013 b.

______. The state of South-South cooperation – Report of the Secretary-General.

Seventieth session, A/70/344, 27 de Agosto de 2015 a.

______. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development.

Resolution adopted by the General Assembly, Seventieth session, Agenda items

15 and 116, A/RES/70/1, 25 de setembro de 2015 b.

______. Triennal policy review of operational activities for development of the

United Nations system. Resolution adopted by the General Assembly, Fifty-third

session, A/RES/53/192, 25 de fevereiro de 1999 d.

______. Triennal policy review of operational activities for development of the

United Nations system. Resolution adopted by the General Assembly, Fifty-sixth

session, A/RES/56/201, 06 de março de 2002 b.

______. Triennal policy review of operational activities for development of the

United Nations system. Resolution adopted by the General Assembly, Fifty-ninth

session, A/RES/59/250, 24 de dezembro de 2004.

______. Triennal policy review of operational activities for development of the

United Nations system. Resolution adopted by the General Assembly, Sixty-

second session, A/RES/62/208, 19 de dezembro de 2007 b.

______. United Nations conference on South-South cooperation. Forty-ninth session,

92nd plenary meeting, A/RES/49/96, 19 de dezembro de 1994 b.

______. United Nations Conference on Technical Co-operation among Developing

Countries. Resolution adopted by the General Assembly, Thirty-first session,

A/RES/32/179, 21 de dezembro de 1976.

416

______. United Nations Conference on Technical Co-operation among Developing

Countries. Resolution adopted by the General Assembly, Thirty-second session,

A/RES/32/183, 19 de dezembro de 1977 c.

______. United Nations development system support to the implementation of the

Buenos Aires plan of action on technical co-operation among developing

countries – Comments of the Administrative Committee on Co-ordination.

Fortieth session, A/40/656/Add. 1, 29 de outubro de 1985.

DOCUMENTOS DOS ARQUIVOS DA ONU EM NOVA

YORK

ALBUQUERQUE, S. M. Draft Plan of Action – TCDC Conference. United Nations

Interoffice Memorandum from Sheila M. Albuquerque, Programme Reports

Section, OTC, to Mr. Anatoly N. Kireyev, Deputy Director, Support Services

Branch, OTC. New York, 27 de julho de 1977 (United Nations Archives and

Research Management).

BARTOLO, M. Comments on the Revised Paper on the Definition of ECDC dated

15 December 1976. United Nations Interoffice Memorandum from Mr. Michael

Bartolo, Programme Co-ordinator, Programme Planning and Co-ordination

Section, OTC, to MR. Ramaswamy Mani, Co-ordinator, Task Force on ECDC.

New York, 20 de dezembro de 1976 (United Nations Archives and Research

Management).

BAUM, V. Technical Co-operation among Developing Countries. Annex – Technical

Co-operation among Developing Countries with respect to transport

development. United Nations Interoffice Memorandum from Mr. Vladimir

Baum, Director, Centre for Natural Resources, Energy and Transport, to Mr. I. S.

Djermakoye, Under-Secretary-General, Commissioner for Technical Co-

operation. New York, 22 de fevereiro de 1978 (United Nations Archives and

Research Management).

BHUTTO, Z. A. The Third World – The Imperative of Unity. Article by the Prime

Minister of Pakistan, Mr. Zulfikar Ali Bhutto, 9 de setembro de 1976 (United

Nations Archives and Research Management).

BI, J. United Nations progress Report on TCDC. United Nations Interoffice

Memorandum from Mr. Bi Jilong, Under-Secretary-General, Department of

417

Technical Co-operation for Development, to Mr. Arthur Brown, Deputy

Administrator, United Nations Development Programme. New York, 20 de

dezembro de 1979 (United Nations Archives and Research Management).

BLACQUE-BELAIR, P. Comments on the Jowei report. Annex – Study on rules,

regulations, procedures and practices of United Nations Development System

in recruiting experts, sub-contracting, procuring equipment and providing

fellowships, pursuant to General Assembly Resolution 3461 (XXX),

paragraph 3, on Technical Co-operation among Developing Countries

(DP/229 (Vol. I and II)). United Nations Interoffice Memorandum from Mr.

Patrice Blacque-Belair, Chief, Programme Planning and Co-ordination Secton,

Office of Technical Co-operation, to Mr. Findley Burns Jr., UN/OTC

Representative to UNDP. New York, 9 de junho de 1977 (United Nations

Archives and Research Management).

BROWN, G. A. Progress Report on TCDC Activities. Annex – Standard Formato f

the Issues to be covered by UNDP, the Participating and Executing Agencies

and Regional Commissions in their Progress Reports on Technical Co-

operation among Developing Countries (TCDC). United Nations Development

Programme Letter from Mr. G. Arthur Brown, Deputy Administrator of UNDP to

Mr. Jean Ripert, Under-Secretary-General, Department of International Economic

and Social Affairs. New York, 30 de outubro de 1978 (United Nations Archives

and Research Management).

BURNS JR., F. Study called for under General Assembly Resolution 3461 (XXX).

Annex – United Nations response to the questionnaire concerning the use of

developing country capacities under General Assembly Resolution 3461

(XXX). United Nations Interoffice Memorandum from Mr. Findley Burns Jr.,

Director, Office of Technical Co-operation, DESA, to Mr. Sidney Dell, Assistant

Administrator (Programme), Programme Policy, Co-ordination and Advisory

Activities, United Nations Development Programme. New York, 26 de agosto de

1976 (United Nations Archives and Research Management).

______. UN Comments on the Draft Plan of Action discussed during the Inter-

Agency Task Force on TCDC on 26 September 1977. United Nations

Interoffice Memorandum from Mr. Findley Burns Jr., Director, Office of

Technical Co-operation, to Mr. A. R. Abdel Meguid, Deputy-Secretary-General,

Secretariat of the United Nations Conference on Technical Co-operation among

418

Developing Countries, United Nations Development Programme. New York, 4 de

novembro de 1977 (United Nations Archives and Research Management).

CHANG, T. Progress Report on TCDC Activities. United Nations Interoffice

Memorandum from Mr. Tse-chun Chang, Director, Division of Public

Administration and Finance, to Mr. Findley Burns, Director, Office of Technical

Co-operation. New York, 3 February 1978 (United Nations Archives and

Research Management).

DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES. Technical Cooperation

among Developing Countries (TCDC). United Nations Interoffice

Memorandum to Mr. Kenneth Watts, Officer-in-Charge of the Office of the

Director, OTC; Mr. Simos G. Vassiliou, Assistant Director-in-Charge,

Development Planning Advisory Services, CDPPP; Mr. James Illet, Interregional

Adviser, Development Planning Advisory Services, CDPP. New York, 22 de maio

de 1975 (United Nations Archives and Research Management).

FRISCIC, I. Draft Plan of Action – TCDC Conference. United Nations Interoffice

Memorandum from Mr. Ivan Friscic, Officer-in-Charge, DEvelopment Planning

Advisory Services, CDPPP, to Mr. Findley Burns Jr., Director, Office of

Technical Co-operation. New York, 17 de agosto de 1977 (United Nations

Archives and Research Management).

HARDING, L. A.W. Technical Co-operation among Developing Countries. Annex -

Technical Co-operation among Developing Countries in Statistics. United

Nations Interoffice Memorandum from Mr. L. A. W. Harding, for S.A. Goldberg,

Director, Statistical Office, to Mr. Issoufou S. Djermakoye, Under-Secretary-

General, Commissioner for Technical Co-operation, Office of the Commissioner

for Technical Co-operation. New York, 2 de fevereiro de 1978 (United Nations

Archives and Research Management).

HEERDEN, J. H. Comments on Document DP/PWG/93 – Sectoral Support. Annex –

Note for the forthcoming meeting of the working group of CDP and the

ACCD Task Forces. United Nations Interoffice Memorandum from Jan H. van

Heerden, Chief, South America Section, OTC, to Carmen F. Korn, Deputy

Director, The Americas Branch, OTC. New York, 26 de outubro de 1977 (United

Nations Archives and Research Management).

HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION

AMONG DEVELOPING COUNTRIES (HLC-TCDC). Progress made in

419

implementing the tasks entrusted to the United Nations Development System

by the Buenos Aires Plan of Action for Promoting and Implementing

Technical Co-operation among Developing Countries. Report of the

Administrator. Addendum – Reports of organizations of the United Nations

development system. New York 28-31 de maio de 1991, TCDC/7/2/Add.2, 3 de

maio de 1991 c (United Nations Archives and Research Management).

______. Progress made in the decade 1978-1988 in implementing the tasks entrusted

to the United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of

Action for Promoting and Implementing Technical Co-operation among

Developing Countries. Addendum – Reports of organizations of the United

Nations development system. New York 30 de maio – 2 de junho de 1989,

TCDC/6/2/Add.3, 7 de abril de 1989 f (United Nations Archives and Research

Management).

______. Progress report on the utilization of UNDP funds comprising the country,

regional, inter-regional and global Indicative Planning Figures for TCDC

activities during the period 1985-1986 – Report by the Administrator. New

York 18-22 May 1987, TCDC/5/5, 14 de abril de 1987 d (United Nations Archives

and Research Management).

______. Report of the meeting of TCDC focal points of organizations of the United

Nations Development System– Note by the Administrator. New York 30 de

maio – 2 de junho de 1989, TCDC/6/5, 9 de março de 1989 g (United Nations

Archives and Research Management).

KENNERLEY, J. A. Draft Plan of Action – TCDC Conference. United Nations

Interoffice Memorandum from Mr. John A. Kennerly, Chief, New Technologies

Section, Office for Science and Technology, to Mr. Findley Burns Jr., Director,

Office of Technical Co-operation. New York, 22 de agosto de 1977 (United

Nations Archives and Research Management).

KINDAR, U. Background note on UNDP – United Nations Development

Programme. United Nations Interoffice Memorandum from Mr. Uner Kindar,

UNDP, to Mrs. Mary Ellen Martin. New Yor, 06 de junho de 1985 (United

Nations Archives and Research Management).

MORSE, B. United Nations Conference on Technical Co-operation among

Developing Countries. Letter from Mr. Bradford Morse, Secretary-General,

United Nations Conference on Technical Co-operation among Developing

420

Countries to Mr. Jean Ripert, Under-Secretary-General for Economic and Social

Affairs. New York, 11 de abril de 1978 (United Nations Archives and Research

Management).

NEWLAND, D. Developing countries unite: “miracle” plan OK’d by UM conference. In:

El Herald de Buenos Aires, 13 de setembro de 1978 (United Nations Archives

and Research Management).

NYERERE, J. et al. The United Nations at a critical crossroads – time for the South

to Act. Preliminary Edition, the South Centre, agosto de 1992 (United Nations

Archives and Research Management).

OFFICE OF PUBLIC INFORMATION. TCDC Conference adopts Plan of Action to

achieve national and collective self-reliance among Developing Countries.

Press Release – Round-up of Conference, Press Section, United Nations,

TCDC/22, New York, 13 de setembro de 1978 a (United Nations Archives and

Research Management).

______. Text of statement by Secretary-General at opening of TCDC Conference in

Buenos Aires. Press Release, Press Section, United Nations, SG/SM/2608;

TCDC/1, New York, 30 de Agosto de 1978 b (United Nations Archives and

Research Management).

PATEL, I. G. Technical Cooperation among Developing Countries (TCDC). Letter

from Mr. I. G. Patel, Deputy Administrator (Programme), United Nations

Development Programme, to Mr. Philippe De Seynes, Under-Secretary-General,

Department of Economic and Social Affairs. New York, 3 de outubro de 1974

(United Nations Archives and Research Management).

PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON

TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES.

Report of the Interagency Task Force on Technical Co-operation among

Developing Countries. Third session, A/CONF.79/PC.--, 15-19 de maio de 1978

(United Nations Archives and Research Management).

RADOVIC, I. D. Increased procurements in selected countries including developing

countries and major donors. United Nations Interoffice Memorandum from Mr.

Igor D. Radovic, Acting Director, Division of Programme Support, to Mr. Ye

Chengba, Officer-in-Carhge, Division of Policies and Resources Planning,

Department of Technical Co-operation for Development. New York, 30 de junho

de 1980 (United Nations Archives and Research Management).

421

RUSSELL, B. Technical Co-operation among Developing Countries. United Nations

Interoffice Memorandum from Mr. Bernard Russell, Assistant Director, Centre

for Social Development and Humanitarian Affairs to Mr. Baghat A. El-Tawil,

Acting Director, Office of Technical Cooperation. New York, 28 de setembro de

1973 (United Nations Archives and Research Management).

TAMAYO, M. U.S. Assessment of TCDC Conference. Annex – Department of State

Incoming Telegram: UN Conference on Technical Cooperation among

Developing Countries. United Nations Interoffice Memorandum form Mr.

Marcial Tamayo, Director, United Nations Information Center, Washington, to

Mr. Ferdinand Mayhofer-Grunbuhel, Special Assistant to the Secretary General.

New York, 3 de outubro de 1978 (United Nations Archives and Research

Management).

UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL COOPERATION AMONG

DEVELOPING COUNTRIES. Basic information about the United Nations

Conference on Technical Co-operation among Developing Countries. United

Nations, 14 de novembro de 1977 (United Nations Archives and Research

Management).

UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION (UN-DPI). High-

level Committee on Review of Technical Co-operation among Developing

Countries to meet at Headquarters, 18-22 May. Press Section, United Nations,

TCDC/7/2, New York, 15 de maio de 1987 (United Nations Archives and

Research Management).

______. UNDP Governing Council begins debate on United Nations Technical Co-

operation Activities. Press Release DEV/1573, New York, 27 de junho de 1984

(United Nations Archives and Research Management).

______. Committe on Review of Technical Co-operation among Developing

Countries. New York, 28 May-5 June. Press Section, United Nations, TCDC/71

New York, 5 de junho de 1985 (United Nations Archives and Research

Management).

______. Secretary-General’s statement marking fortieth anniversary of Technical

Co-operation for Development in UN System. Perss Release, News Coverage

Service. United Nations, SG/SM/4510; GA/8103 New York, 24 de outubro de

1990 (United Nations Archives and Research Management).

422

VASSILIOU, S. G. Progress report of TCDC Activities. United Nations Interoffice

Memorandum from Mr. Simos G. Vassiliou, Assistant Director-in-Charge,

Development Planning Advisory Services, CDPFP, to Mr. Findley Burns,

Director, Office of Technical Cooperation. New York, 27 de agosto de 1976

(United Nations Archives and Research Management).

ZELLEKE, S. Draft Plan of Action – TCDC Conference. United Nations Interoffice

Memorandum from Shifferaw Zelleke, Programme Management Officer,

Fellowships Section, OTC, to Mr. Anatoly N. Kireyev, Deputy Director, Support

Services Branch, OTC. New York, 16 de agosto de 1977 (United Nations

Archives and Research Management).

423

ANEXO – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM

DIPLOMATA BRASILEIRO

Cidade de Nova York, às 14h00 de 11 de setembro de 2015.

Missão Permanente do Brasil na ONU

Entrevista com Diplomata Brasileiro246

Diplomata Brasileiro: A cooperação Sul-Sul surge no contexto da articulação

entre países em desenvolvimento que remonta aos anos 1960, com a criação da UNCTAD

e do G-77. É uma articulação voltada, pelo menos em seus períodos iniciais, mais para

temas econômicos e de desenvolvimento. À medida que os países vão trabalhando esses

temas, surge então a noção, o conceito, de cooperação Sul-Sul, que recebe uma primeira

formulação em uma conferência realizada em Buenos Aires. Ali já se começam a delinear

os elementos que diferenciam a cooperação Sul-Sul da cooperação tradicional, Norte-Sul.

Desde os períodos iniciais, em que o conceito começa a ser formulado, discutido

e sendo cada vez mais detalhado, existe a noção muito clara de que é uma coisa diferente

porque os princípios são diferentes. Os princípios são de horizontalidade, de cooperação

entre iguais, de não-condicionalidade, de solidariedade, de apropriação nacional (national

ownership), e, uma expressão muito usada, de cooperação demand-driven. Procura-se

evitar, ao máximo possível, qualquer característica ou traço que possa denotar uma

imposição.

Ou seja, se distingue já, de início, esse tipo de cooperação do esquema Norte-Sul

mais tradicional, que remota a uma relação entre países desenvolvidos e países

colonizados, países que foram objeto de exploração colonial e que, mesmo depois de

terem ganho independência, sobretudo no caso dos países africanos, ficaram sujeitos a

uma relação de forte dependência comercial e tecnológica. Por isso, muito embora os

objetivos declarados da cooperação Norte-Sul sejam os de empoderar e promover a

autonomia dos países recipiendários, na prática, o que se vê muitas vezes nesses esquemas

– nem sempre, mas em muitos casos – é que eles obedecem a interesses nacionais do país

246 O diplomata autorizou a transcrição e publicação da entrevista contando que houvesse sigilo de seu nome e cargo.

424

doador de promover suas próprias exportações para o país que recebe a cooperação. E aí

entram as condicionalidades e a ajuda casada ou condicionada (tied-aid), que é uma coisa

que é anátema para a cooperação Sul-Sul. São outros critérios, então.

Um outro critério, no contexto de Norte-Sul, e que também constitui um contraste

ou uma diferença em relação ao Sul-Sul, é um conceito desenvolvido mais recentemente

pelos países-membros da OCDE e que praticam esse tipo de cooperação: o conceito de

efetividade da ajuda (aid effectiveness). Esse conceito foi desenvolvido e adotado mais

recentemente na Conferência de Busan – que não é uma conferência da ONU, embora

muitos tentem criar ou promover essa percepção – e que, no contexto da Cooperação Sul-

Sul, procura-se qualificar. Os países em desenvolvimento não abraçam esse conceito de

eficácia da ajuda, porque tal eficácia, ao cabo, na visão dos países que integram a OCDE,

significa value for money, ou seja, significa quase que exclusivamente ter condições de

justificar, ao seu contribuinte, o gasto que está sendo feito com aqueles projetos de

cooperação.

É uma ideia que tem seu mérito, compreende-se a razão e a motivação desse

conceito, mas o problema que os países em desenvolvimento de modo geral identificam

nessa ênfase, considerada até excessiva, em matéria de eficácia da ajuda, é que ele acaba

se sobrepondo a todos os outros critérios que deveriam ser considerados, pelo menos no

mesmo patamar de importância. Pois, afinal de contas, trata-se de cooperação, então a

ênfase excessiva na eficácia da ajuda acaba muitas vezes se traduzindo em uma relação

de cobrança, de imposição, de condicionalidade, e que deixa pouco espaço para o país

recipiendário decidir os próprios destinos daquela relação de cooperação. Então fica

excessivamente controlado pelo doador, o que, por sua vez, reforça aquela relação de

dependência, que vem desde muito antes.

Agora, é lógico que é também forçoso reconhecer que há casos em que a

cooperação resulta em problemas de má utilização de recursos, ou até mesmo

malversação. Não se trata de negar essa realidade, mas tampouco é o caso de se

generalizar, de fazer disso a base para a construção de uma relação de cooperação. Aí

reside um dos principais pontos, senão o principal ponto, de diferenciação entre o que é

a filosofia da cooperação Sul-Sul em relação ao que orienta a cooperação Norte-Sul.

Patrícia Rinaldi: Todos os documentos de cooperação Sul-Sul enfatizam que tal

cooperação é complementar e não substituta da cooperação Norte-Sul. Na sua visão, essa

425

ênfase de que a cooperação Sul-Sul é complementar responde a que problemas, dentro

desse quadro que o senhor apresentou?

Diplomata Brasileiro: É uma reação a um interesse, nem sempre manifesto, mas

muito real, por parte dos países desenvolvidos – doadores tradicionais – de transferir o

ônus financeiro da cooperação para o desenvolvimento, ou, o máximo possível, dividir

esse ônus com os países em desenvolvimento, sobretudo para os grandes países em

desenvolvimento, que eles gostam chamar de países emergentes, diferenciando-os de

outros países em desenvolvimento. E com base nisso, emendam com uma argumentação

de que os países emergentes estão crescendo e cada vez mais ocupando um espaço maior

no cenário internacional, portanto, a isso deve corresponder-lhes maiores

responsabilidades.

Os países em desenvolvimento de grande porte e que têm adquirido maior

capacidade, como Brasil, Índia, China e outros, reagem a isso com o argumento de que

não negam sua responsabilidade, mas que há uma diferença fundamental que é a

responsabilidade histórica que cabe, e que continuará cabendo, aos países desenvolvidos,

de fazer mais. Não só porque historicamente eles se aproveitaram mais, ou se apropriaram

mais da exploração colonial que eles capitanearam ao longo da história, mas ainda assim,

olhando a situação atual, apesar do crescimento e do desenvolvimento verificado em anos

recentes nos países em desenvolvimento, ainda é muito grande a distância entre países

como Brasil, Índia e mesmo a China, em muitos aspectos, e os países mais desenvolvidos

e que ainda dominam a economia mundial, e continuarão dominando por muito tempo.

Trata-se portanto de uma reação à esse movimento coordenado dos países

desenvolvidos no sentido de aliviar, o máximo possível, a carga financeira decorrente dos

compromissos desses países com a cooperação para o desenvolvimento, transferindo essa

carga e dividindo esse ônus para os países em desenvolvimento de maior porte, como

Brasil, China, Índia, etc. Então é sempre em resposta a isso que, em qualquer resolução,

qualquer documento oficial negociado que contenha alguma referência à cooperação Sul-

sul, sempre os países em desenvolvimento insistirão para que, se é para ter referência a

esse tema, que então se diga que essa modalidade de cooperação é complementar, e nunca

pode ser considerada como substituta, ou no mesmo nível de importância do que a

cooperação Norte-Sul.

Essa ofensiva, esse movimento e interesse dos países desenvolvidos, se acentuou

ainda mais a partir da crise financeira de 2008. Foi a partir daí, mais do que nunca, que

426

eles intensificaram esse discurso e essa articulação no sentido de aumentar a pressão para

dividir esse ônus, porque ficou mais difícil para eles, internamente, justificarem esses

compromissos financeiros diante de suas constituencies domésticas.

Patrícia Rinaldi: Então o senhor acha que a partir da crise, a questão da eficácia

da ajuda se torna ainda mais proeminente?

Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas.

Patrícia Rinaldi: Muitos indagam se é coerente colocar países como Brasil,

China, Índia, dentro do quadro do Sul. Essa categoria de Sul não seria anacrônica para a

política externa desses países? Esse tipo de argumento aparece também nas negociações

em relação à cooperação Sul-Sul?

Diplomata Brasileiro: Nas negociações não, porque não há qualquer tipo de

questionamento com relação ao lugar que devem ocupar países como Brasil, China e

Índia, do ponto de vista desses próprios países e dos demais países em desenvolvimento

de menor grau de desenvolvimento relativamente aos grandes. Não há menor motivo de

questionamento. Há, sim, o interesse dos outros países de que isso mude, porque facilita

a situação deles e atende seus interesses. Mas não atende, de forma alguma, aos interesses

políticos de países como Brasil, China e Índia.

É e continuará sendo muito mais interessante e vantajoso, sob todos os aspectos,

para países como Brasil, China e Índia, continuar a se articular em negociações

internacionais junto aos países do Sul do que ingressar numa nova categoria em que

somente eles são membros, e que não são uma coisa nem outra, e a quem isso interessa.

De modo que não há nenhum questionamento.

Em alguns casos poderá haver, dentro da sociedade, no debate interno, sobretudo

em sociedades democráticas como a nossa, o que é natural, esse tipo de debate: “Vale a

pena?” ou “Estamos fazendo a coisa certa?”, “A política externa brasileira está seguindo

o caminho certo ao defender esses ideais?”. Mas no contexto internacional não há

nenhuma dúvida.

427

Patrícia Rinaldi: O senhor acredita que a cooperação Sul-Sul é uma modalidade

de cooperação que tende a ser permanente nos próximos anos, não só em relação à política

externa dos países considerados emergentes, mas também no âmbito da ONU?

Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas. A tendência é que isso se consolide cada

vez mais do ponto de vista do reflexo desse aumento da importância da cooperação Sul-

Sul na estrutura institucional da ONU e temos visto uma demanda cada vez mais forte e

consistente por parte dos países em desenvolvimento no sentido de que haja um apoio

maior por parte do sistema de desenvolvimento da ONU para a implementação de projetos

Sul-Sul. Porque da mesma forma que os países desenvolvidos usam esse sistema em

benefício próprio, nós também queremos usá-lo. Acontece que, quando chega na hora de

nós usarmos, tudo fica mais difícil.

E isso em razão não só de diferenças de visão, de ideias, de concepções, mas

também porque a nossa participação no financiamento do sistema é inferior. Isso está

mudando, pouco a pouco, mas para que isso mude, ou seja, para que haja uma maior

contribuição financeira dos países em desenvolvimento, é preciso que haja uma mudança

na governança; e quando se fala em mudar a governança, o outro lado não quer conversar.

Então, não é aceitável um cenário no qual países como Brasil, China e Índia passem a

financiar o sistema sem que isso corresponda a um aumento da capacidade desses países

em participar e influenciar o processo decisório.

Na própria composição das juntas executivas do PNUD, dos fundos e programas,

quando se vê a divisão das cadeiras, já existe uma desproporção contra os países em

desenvolvimento. A própria composição proporcional apresenta mais países

desenvolvidos que em desenvolvimento. A explicação que é dada para justificar esse

estado de coisas é que eles são os doadores e colocam mais dinheiro. Muito bem, mas

existe mais disposição de sentar à mesa e discutir uma reforma dessa governança que

corresponda a um aumento dessa participação financeira? Essa é uma discussão que

complicada, mas é o que está por trás desse problema também.

Diante das limitações para que esse tipo de reforma aconteça, o que tem sido

possível conseguir – no âmbito de negociação de resoluções na Segunda Comissão, por

exemplo, e no âmbito da Revisão Quadrienal de Políticas para Atividades Operacionais

(a próxima vai ser ano que vem) –, e o que o G-77 tem tentado fazer é expandir e aumentar

o espaço para a atuação do sistema em favor da cooperação Sul-Sul. E parte disso é a

demanda pelo fortalecimento da unidade do Escritório de Cooperação Sul-Sul, que é parte

428

da estrutura do Secretariado e fica abrigado dentro da estrutura do PNUD. Mas achamos

que isso não é suficiente, pois o escritório fica à mercê do processo decisório da Junta

Executiva, que, por sua vez, é influenciada de forma demasiada pelos doadores. Então

temos tentado mudar essa dinâmica ao longo dos últimos anos. Tem havido avanços: foi

criada uma Task Force, depois que adotamos uma decisão no ano passado, que está

explorando meios de, como se diz, em inglês, mainstream, fazer com que a cooperação

Sul-Sul faça parte dos procedimentos operacionais padrão de funcionamento do sistema

de desenvolvimento.

Nós estamos falando essencialmente do PNUD, mas não somente, porque a

agências, fundos e programas incluem outros organismos, tais como o UNFPA (Fundo

de População da ONU), o UNICEF, o PMA (Programa Mundial de Alimentos), entre

outros. A presença e atuação desses organismos no terreno (como parte do “country team”

da ONU em cada país em desenvolvimento) é coordenada sempre pelo PNUD. Porém,

dependendo do caso e do país, embora seja coordenado pelo PNUD, poderá haver uma

outra agência que tenha uma atuação mais importante, então essa discussão sobre

governança também é uma tentativa de realmente sistematizar e disciplinar – no sentido

de normatizar – a Cooperação Sul-Sul, como parte integrante do sistema, que todos devem

levar em conta.

Patrícia Rinaldi: Então ainda estamos nesse processo de sistematização no

interior da ONU? As respostas da ONU ainda são muito mais ad-hoc aos programas?

Diplomata Brasileiro: É o que tem sido, sempre ad-hoc. E na hora do ad-hoc, às

vezes consegue, às vezes não. Não há previsibilidade, não há segurança, é mais difícil

trabalhar. Mas isso começou a mudar. Se vai mudar da maneira que nós esperamos que

mude, não se sabe ainda, mas pelo menos já começou o processo, e isso é muito positivo.

Patrícia Rinaldi: Discutindo a Agenda de 2030, o senhor acredita que há mais

espaço nessa agenda para sistematizar os procedimentos de Cooperação Sul-Sul do que

na Agenda do Milênio?

Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas, por uma série de razões. Razões de natureza

mais sistêmica, a própria natureza dessa agenda em relação aos Objetivos do Milênio, no

sentido de que ela é mais ampla e universal. Não apenas herdou os ODMs como também

429

incorporou uma série de outros temas que tinham sido deixados de lado naquela época,

como por exemplo, energia, padrões sustentáveis de consumo e produção, e a própria

questão da desigualdade, que perpassa países de todo grau de desenvolvimento. Há

também a natureza universal da agenda, e a aplicação global dos objetivos e metas. Então

tudo isso, do ponto de vista sistêmico, favorece um reordenamento do sistema, que terá

que se adaptar. Pois não se trata de uma agenda exclusivamente voltada para países em

desenvolvimento. Agora, todos os países estão envolvidos, de diferentes formas e graus.

A agenda se aplica desde os Estados Unidos até o Zimbábue. E o sistema tem que se

adaptar a isso.

Nesse contexto de reordenamento e rearranjo do sistema, abre-se – ou, nós

esperamos que se abra – uma oportunidade para se reforçar os mecanismos de apoio à

Cooperação Sul-Sul. E por que não pensar inclusive em cooperação Sul-Norte? Não é,

digamos, descabido, ou algo que não seja razoável, até imaginar – e exemplos já existem

– situações em que se verifique uma cooperação que seja realmente Sul-Norte, sobretudo

porque agora essa agenda poderá dar lugar a esse tipo de relação.

Patrícia Rinaldi: Os projetos de cooperação triangular, que são também sempre

citados nos documentos de Cooperação Sul-Sul, teriam um caráter diferente, ou seja,

apesar de acoplados, ainda se distinguem dos projetos de Cooperação Sul-Sul?

Diplomata Brasileiro: Sim, porque há dois tipos de relação e articulação

triangular. Há o caso de um país em desenvolvimento que está oferecendo a ajuda; um

país recipiendário; e um país desenvolvido, que muitas vezes entra com o financiamento.

Exemplos disso são os programas que o Brasil desenvolveu com o Japão em benefício de

um país em desenvolvimento – sobretudo LDC (least developed countries) na África.

Outro tipo é quando há um país em desenvolvimento, que oferece a cooperação;

um país recipiendário; e um organismo multilateral como a terceira parte envolvida. Um

exemplo que às vezes é citado, envolvendo o Brasil, é um projeto no Burundi que envolve

merenda escolar, que é espelhado em uma experiência nossa, no Brasil, de utilização de

produção agrícola local para servir merenda escolar. É uma coisa que tem a ver com a

segurança alimentar, com a agricultura familiar, e junta tudo isso em um projeto que

procura, ao mesmo tempo, garantir a merenda na escola, que é uma coisa que no país não

existe, e usar isso como um meio de fortalecer a produção agrícola local com base em um

430

esquema produtivo de pequena propriedade e agricultura familiar, que contribui para

distribuir renda. Há toda uma equação social e econômica, então isso é interessante.

Aí se usa uma agência da ONU, no caso o PMA – Programa Mundial de Alimentos

– que tem uma expertise e experiência para viabilizar no terreno a implementação, que

não seria possível na ausência dessa terceira parte, porque é muito mais difícil, para um

país, sobretudo como o Brasil, ir lá, sozinho, mobilizar recursos humanos, financeiros e

administrativos. É para isso que o sistema existe, foi criado para isso: para servir como

essa rede de apoio, que nós também queremos usar.

Patrícia Rinaldi: Quais são as áreas dos projetos que o Brasil está envolvido e

que têm sido mais bem-sucedidas na Cooperação Sul-Sul?

Diplomata Brasileiro: Dá para destacar agricultura, é uma área na qual temos

muito a oferecer em termos de tecnologia produtiva, e exemplos não faltam: no caso da

produção de algodão com os países do Cotton 4 na África Ocidental, como Benin, Chade,

Burkina Faso e Togo. A Embrapa abriu um escritório em Gana já tem alguns anos. E

sempre com base naquela modalidade que, para nós, privilegia e prioriza a transferência

de capacidade e de conhecimento e know-how em relação à transferência financeira

propriamente dita. Então, com isso, nós conseguimos e almejamos maximizar o benefício

dos recursos empregados, sejam eles quais forem: financeiros, humanos, etc. Foco na

transferência de conhecimento mesmo.

Na área de medicamentos e saúde de modo geral. Não apenas produção de

medicamentos, sobretudo no combate ao HIV-AIDS, mas na transferência de capacidades

para montar programas e políticas públicas. Nessas duas frentes tem muita demanda.

E tudo o que tem a ver com o que normalmente se costuma chamar de tecnologias

sociais, ou seja, programas públicos desenvolvidos com o objetivo de fomentar a

distribuição de renda, basicamente os esquemas de transferência de renda condicionada,

como o Bolsa Família. Isso tem tido muita demanda para que o Brasil ofereça cooperação.

Porque os países não sabem como fazer um cadastro, etc., todos os componentes do

programa são complexos de serem montados do nada. Então o Brasil tem condições de

trazer sua experiência, que não vai ser muito diferente do que ali se pretenderá fazer,

então só isso já facilita muito o processo todo. Mas precisa haver uma transferência

realmente de capacidade e de conhecimento para que os países possam fazer depois

sozinhos.

431

Agricultura, saúde, programas sociais de modo geral, e também dá para falar de

energias renováveis. Parte de etanol, etc., que tem a ver com a agricultura: muitas vezes

tem que se certificar que a produção de biocombustível no país não vai afetar a segurança

alimentar. E nós temos capacidade e condição de fazer essa avaliação, de prevenir isso.

Patrícia Rinaldi: Comércio e investimentos de forma mais ampla – existem

projetos que podem, de alguma forma, fortalecer não só os fluxos de comércio e

investimento, mas também nossas posições de negociação na OMC sobre esses temas?

Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas. Uma coisa que o Brasil vem fazendo – ou

fazia, porque eu não tenho acompanhado essa parte específica já algum tempo – com

vários países, é um programa de cooperação para a capacitação de funcionários públicos

em temas de negociação comercial internacional. Particularmente na área de solução de

controvérsias. Nós fizemos isso inicialmente com países de língua portuguesa, no âmbito

da CPLP, que também é mais fácil. E deu muito certo, foi muito apreciado. Isso já tem

alguns anos, eu não saberia dizer se isso continua. Recentemente, 2013, eu tomei

conhecimento de que, um país do Caribe, de língua inglesa, pediu nossa ajuda

especificamente nessa área de solução de controvérsias, que nós ministrássemos um

curso, mandássemos gente para lá para explicar como funciona, e eventualmente até

ajudar a montar algum caso, e isso foi feito. Já é um exemplo fora daquele esquema inicial

voltado para língua portuguesa.

Esse é um exemplo, agora, em outras áreas também haverá exemplos. Eu me

lembro de ter ouvido falar de um projeto que tinha a ver com a estruturação do serviço de

aduanas, acho que na Guiné Bissau, não me lembro bem. Agora, isso já não é tão comum,

porque é um outro tipo de relação, acho que deve ser mais complicado. Mas, nós temos

feito, aparentemente temos feito, pelo menos em alguns casos.

Então acho que a resposta é sim, mas talvez não no mesmo volume e na mesma

quantidade que os outros exemplos citados nas outras áreas, como agricultura.

Patrícia Rinaldi: E especificamente sobre o IBAS, seus projetos do IBAS e a

cooperação com o PNUD em relação à gestão do Fundo. Há perspectivas para a ampliação

do Fundo, e que isso reforce também a institucionalidade do Fórum IBAS?

432

Diplomata Brasileiro: O IBAS é uma grande história de sucesso, um motivo de

orgulho não só para o governo brasileiro, mas para Índia e África do Sul também. E os

números falam por si só. Desde que foi criado, não chega a 30 milhões de dólares o

montante total empregado pelos países, mas há uma quantidade de projetos que puderam

ser financiados com isso, nos mais variados países. Existe um interesse muito grande dos

três países em expandir o Fundo. Por exemplo, existe já uma proposta circulada, não me

lembro se por iniciativa da Índia ou da África do Sul, no sentido de que as contribuições

anuais dos três membros passem a ser de 2 milhões de dólares – atualmente é de 1 milhão

de dólares cada um. E isso está em discussão.

Agora, o empecilho para que isso se concretize, no momento, acho que vem mais

do Brasil, por conta das dificuldades que temos vivido no terreno orçamentário, nas contas

públicas. Já estamos com o pagamento atrasado; creio que há três anos não pagamos nossa

contribuição. Embora nós concordemos, achamos que deva levar adiante e ampliar o

fundo IBAS, mas temos que superar essa dificuldade primeiro.

Patrícia Rinaldi: Me parece que esse contexto de crise econômica ajuda a unir

politicamente os países em torno da ideia da Cooperação Sul-Sul, mas esbarra também

nessa questão do financiamento e dos orçamentos.

Diplomata Brasileiro: Sim, é verdade. Então acho que vai ser necessário que nós

esperemos até chegar em uma situação em que haja espaço fiscal suficiente para que nós

possamos, então, concretizar esses objetivos de ampliação do Fundo IBAS e mesmo de

ampliação de atividades de cooperação e da presença do Brasil na cooperação

internacional para o desenvolvimento de modo geral.

Porque muito embora o modelo não seja baseado em transferências financeiras,

ele precisa ser financiado de alguma forma, ele custa dinheiro. Se você mandar um técnico

da Embrapa, para onde quer que seja, você vai ter que pagar passagem, etc. Sai muito

mais barato do que seria o esquema tradicional Norte-Sul, mas ainda assim custa dinheiro.

Patrícia Rinaldi: O senhor mencionou a questão da cooperação Sul-Norte. O G-

20 poderia, de alguma forma, colaborar com esse tipo de perspectiva? Há algum espaço

para a discussão sobre Cooperação Sul-Sul dentro do G-20?

433

Diplomata Brasileiro: Uma boa pergunta. Eu não saberia dizer, ao certo. Mas

pensando de uma maneira mais ampla, a mim me parece que há espaço sim. Talvez não

com esse nome de Cooperação Sul-Sul, mas há espaço, e tem havido, no G-20, para o

intercâmbio de experiências e de melhores práticas. E, muitas vezes, nesse contexto de

intercâmbio, o que se observa é que certas práticas adotadas por países em

desenvolvimento se destacam e acabam sendo reconhecidas como exemplos de políticas

públicas, no caso do terreno financeiro. Não sei se chegam a ser adotadas, mas pelo menos

há um reconhecimento. Se percebe às vezes que, em certos aspectos, os países em

desenvolvimento fizeram a coisa certa, vamos dizer assim, em determinados temas

relativos à política financeira, em relação ao que vinha sendo adotado, defendido mesmo,

e promovido – às vezes até com tinturas ideológicas – por parte dos países desenvolvidos.

Um exemplo: se você está em uma situação de inundação de dinheiro especulativo

no seu mercado, então se você adotar uma taxa – como nós adotamos, num determinado

momento – para controlar um pouco o fluxo de capital, o que era uma coisa tabu até

poucos anos atrás, milagrosamente acabou sendo reconhecida como uma coisa eficaz e

necessária.

Então, nesse terreno de discussão de ideias, políticas e best practices no âmbito

do G-20, nós pudemos observar coisas desse tipo. Então talvez você possa chamar isso

de uma espécie de Sul-Norte, e aí transpor isso para outros temas. E por que não?

Uma coisa que eu não mencionei, e que nos leva de volta para sua primeira

pergunta, ao considerar essas distinções entre Norte-Sul e Sul-Sul, é que na esteira da

crise e desse movimento todo de dividir o fardo com os países em desenvolvimento, e

para reduzir sua carga financeira com a cooperação internacional, os países desenvolvidos

também se lançaram em um exercício, no âmbito do DAC na OCDE, de redefinição do

próprio conceito de ODA. A Conferência de Busan tratou muito disso, e desde então, se

intensificaram as discussões na OCDE em torno do que eles chamam de Total Official

Support to Development (TOSD).

Então não é mais ODA, é TOSD, que abrange quase tudo. Sobre isso eu não sei

se eles já entraram em acordo, mas nós acompanhamos a discussão, então vez ou outra,

nós recebemos um relatório da nossa embaixada em Paris, que às vezes consegue colocar

alguém dentro de uma reunião como observador. E tem coisas que nós recebemos e que

são surpreendentes – um dos países propôs, em uma determinada altura, que o dinheiro

gasto pelos países doadores para financiar operações de paz da ONU fosse contabilizado

como ODA, que é uma coisa absurda quase.

434

Mas esse tipo de coisa encontra uma certa receptividade, fazem discussões a

respeito, e isso demonstra que eles estão realmente decididos a adotar um conceito que

seja o mais abrangente possível para que possam jogar o máximo de dinheiro possível lá

dentro e dizer que isso é ajuda ao desenvolvimento. Por mais que eles digam que não, que

não é nada disso – e nós já tivemos alguns representantes de agências de cooperação para

o desenvolvimento, aqui em Nova York, de alguns desses países – não há como negar

que o interesse primordial é esse.

Patrícia Rinaldi: Eu mesma, pesquisando dados do governo americano, vi que

eles incluem ajuda militar dentro de ODA.

Diplomata Brasileiro: Sim, então ODA é tudo, e fica muito mais fácil dizer que

estão cumprindo com o compromisso de 0,7% PIB em ODA.

Patrícia Rinaldi: Busan foi um momento importante porque houve uma tentativa

de incorporar Brasil, Índia e China.

Diplomata Brasileiro: Fizeram de tudo para nos trazer para dentro desse negócio.

Só que nós não podíamos opinar sobre o texto, era tudo apresentado como prato feito, não

se podia sentar à mesa para negociar de igual para igual. Então que espécie de negociação

é essa? Não houve negociação, era apenas uma adesão. Então, nós não costumamos, por

princípio, participar de coisas com base em adesão, porque adesão não é participação.

Então, muito embora o nome do Brasil possa aparecer ali, nós não reconhecemos aquilo.

Não nos reconhecemos partícipes daquele negócio de forma alguma.

Patrícia Rinaldi: Voltando à Agenda 2030, o Objetivo 10 coloca a questão das

desigualdades não só dentro dos países, mas medidas para corrigir as desigualdades entre

os países. Nesse sentido, a Cooperação Sul-Sul cumpre um papel mais ou menos

importante em relação à Cooperação Norte-Sul, especificamente no cumprimento do

Objetivo 10?

Diplomata Brasileiro: Eu acho que a CSS cumpre um objetivo talvez, por

definição, menos importante. Porque a desigualdade entre os países é, em muitos

aspectos, resultado de uma relação que vem desde o período colonial. Então, os países

435

historicamente mais responsáveis têm mais capacidade de ajudar a reduzir esse hiato, essa

distância, por meio dessa Cooperação Norte Sul. Portanto, essa modalidade terá mais peso

e mais potencial para reduzir as desigualdades entre os países.

E a Cooperação Sul-Sul tem seu papel também, mas, por definição, será, digamos,

menos importante, ou terá menos impacto, do que a Norte-Sul. E fica clara a disparidade

da capacidade financeira em um caso e o no outro.

Patrícia Rinaldi: Mas nesse caso, também, talvez não possa transparecer uma

falta de capacidade da ONU na governança econômica global, de não conseguir juntar,

nas negociações, o FMI e o Banco Mundial, que acabam tendo talvez um papel mais

relevante dentro desse objetivo especificamente?

Diplomata Brasileiro: Uma das metas desse objetivo 10 diz respeito às

instituições financeiras internacionais. E aí faz-se referência à reforma da governança,

tanto no Banco Mundial quanto no FMI, para que os países em desenvolvimento tenham

mais voz e participação, de maneira proporcional ao seu peso na economia mundial. Então

existe isso.

Agora, os obstáculos à implementação dessa meta, tanto no Banco Mundial

quanto no FMI – sobretudo no FMI – nós sabemos quais são. São obstáculos políticos,

que têm muito a ver com os Estados Unidos, e às vezes dentro do Congresso americano.

O governo dos Estados Unidos até é favorável, como sabemos, essa administração pelo

menos. A próxima, não sabemos. Mas o Congresso mesmo não, ainda que seja óbvio que

isso estaria no interesse deles, e não mudaria a capacidade de veto. Mas aí é outra questão.

A paralisia desse processo de reforma da governança das instituições financeiras

internacionais acaba gerando outros movimentos, por parte dos países que não conseguem

realizar seus interesses ali. Portanto, eles vão buscá-los em outros fóruns, inclusive

criando esses outros fóruns. É o caso do Banco Asiático e do Banco dos BRICS.

Falando de Banco dos BRICS – Banco Asiático não, porque é um pouquinho

diferente, ali todo mundo pode participar – mas o Banco dos BRICS não, são os países

membros. É possível participação extra regional sim, mas o financiamento será concedido

apenas a países em desenvolvimento para projetos de desenvolvimento sustentável –

aliás, é um termo que está lá desde o começo – e projetos de infraestrutura. Agora que

eles vão começar a detalhar isso tudo. Tem os artigos constitutivos, mas quando você lê,

ainda não está detalhado. Então irá começar, acho que já tiveram a primeira reunião da

436

Junta de Governadores, e vai avançar agora nisso, nesse detalhamento. E aí nós vamos

saber exatamente. Quem sabe isso sirva de referência, porque, o que é desenvolvimento

sustentável?

Uma outra coisa também de Cooperação Sul-Sul, que tem acontecido nos últimos

anos, é um interesse de maior coordenação entre os países que são mais ativos, no sentido

de se coordenarem melhor e procurarem sistematizar mais a modalidade quanto à

definição, à mensuração, etc. Há esse foro de diretores de agências de cooperação – eles

se reúnem à margem das reuniões do Development Cooperation Forum (DCF), do

ECOSOC.

O DCF se reúne a cada dois anos. Foi criado em 2010, então é recente. Mas nós

criticamos muito porque, como foi resultado de uma negociação, o outro lado não deixou

que os termos de referência tivessem qualquer coisa no sentido de um processo decisório,

de que as reuniões resultassem em decisões com impacto sobre o sistema. Então o DCF

é um grande seminário, e quando se reúne, promove discussões, debates, e fica nisso. Não

tem sequer um resumo do presidente, nada disso. Isso é assim porque não houve

consenso; e não houve consenso porque os países desenvolvidos não queriam. Porque na

visão deles – e eles têm razão, do ponto de vista deles – caso isso tivesse resultado em um

fórum no formato e com as funções que nós queremos, representaria uma ameaça à

OCDE.

A nossa tese é que isso tem que ser trazido para cá. A ONU deveria ser o fórum a

se discutir cooperação, com todo mundo. E aí você cria a estrutura de governança que

você achar melhor: se houver 193 países, não vai funcionar, então vamos fazer uma junta.

Mas essa discussão não vai para frente porque você está mexendo com interesses já muito

consolidados, que vem de décadas, da Cooperação Norte-Sul, no âmbito da cooperação.

Patrícia Rinaldi: E mesmo dentro da ONU ainda não foi possível.

Diplomata Brasileiro: Ainda não foi possível. Então, agora, nesse contexto de

reordenamento do sistema, de incremento da Cooperação Sul-Sul, de mainstreaming, nós

vamos procurar explorar, o máximo possível, as possibilidades.

Na Conferência de Adis Abeba, de Financiamento ao Desenvolvimento,

não foi possível ter, mais uma vez, consenso sobre uma reivindicação antiga, do G-77, no

sentido de que fosse criada uma comissão, subordinada ao ECOSOC – comissão

437

funcional, como falamos – para se deliberar, decidir e discutir a respeito de financiamento

ao desenvolvimento. Que é o que faz o DAC/OCDE. E os países desenvolvidos nunca

aceitaram isso, e dessa vez continuaram bloqueando.

O que resultou dessa negociação foi um pequeno avanço, que se traduz em um

compromisso de que o mecanismo de seguimento e revisão do que ficou acordado em

Adis Abeba vai ser aqui na ONU. Porque não havia nem mecanismo de seguimento.

Então se você pega o texto de Doha – Monterrey não tinha nada, e Doha também não –

você termina de ler o texto e está lá: “will remain seized of the matter”.

Agora há o mecanismo de follow-up e review, isso é o que foi possível. É o que

fica a meio caminho entre o nada, que era o antes, e ter uma comissão, ou um órgão

efetivamente dedicado a discutir, deliberar e decidir sobre financiamento para o

desenvolvimento. Inclusive o monitoramento das obrigações, que a ONU não faz. É o

que nós sempre queríamos que acontecesse. E nós aceitamos que, no contexto desse

monitoramento, tudo seja incluído, inclusive Sul-Sul. O que não pode é: Sul-Sul,

monitoramento e vigilância na ONU; e Norte-Sul, não. Então de novo volta para aquela

discussão, e aí é um problema político. Eles querem manter o controle – o deles, só eles

controlam, e o do resto, eles controlam também. Então, aí não dá.

Patrícia Rinaldi: No plano de ação, a parte do follow-up é realmente genérica.

Diplomata Brasileiro: Sim, porque agora tem a questão de como vai funcionar.

Porque há o follow-up e a review da própria agenda; e a agenda tem um objetivo de global

partnership, de cooperação para o desenvolvimento, que é o 17, que eles queriam deletar.

A tese e o argumento deles é que Financing for Development (FfD) resolveu tudo, então

não há razão, ou sentido, de manter a global partnership. Porque os mean of

implementation de toda a Agenda 2030 seria o FfD.

Isso foi uma batalha imensa na etapa final da negociação da agenda porque nós

argumentávamos que, embora não se possa desmerecer o valor do que foi discutido e

acordado em Adis Abeba, aquilo é complementar, não é o principal. Há coisas que não

são cobertas – eles dizem que sim, mas não – no documento de Adis Abeba.

Então, o que ficou ali no capítulo de means of implementation da Agenda – e isso

foi uma das últimas coisas a serem fechadas – é que esses meios de implementação da

Agenda 2030 consistem em: o Objetivo 17, os Goals e supported – apoiado – pelo que

438

está em Adis Abeba. E Adis Abeba dá o contexto. Mas, o cerne é o que está ali. Inclusive

o mecanismo de facilitação de tecnologia.

Aquilo ali foi uma batalha, eles queriam reescrever. E tendo aceitado a linguagem

que dizia no próprio documento de Adis, que é o parágrafo 19, que diz isso: “this is in

support of the post-2015 Development Agenda”. Na negociação aqui, já no final: “ah, não

é support, this is the means of implementation”. Que é “only be achieved...”. No vai e

vem, deu para incluir uma linguagem que dê para cada um dos lados se convencer de que

o seu interesse está coberto.

Mas acho que se você perguntar para um leigo explicar o que está escrito ali, acho

que ele vai dizer que não, que isso daqui [os meios de implementação] é o cerne, o centro,

e isso daqui [Adis Abeba] é acessório, isso aqui é uma coisa que ajuda, que complementa,

mas que não é o principal.