Praticas Contabeis Aplicadas Terceiro Setor Rinaldi Maio 2011
PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL - repositorio.unicamp.br · entre Países em Desenvolvimento...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL
ANYANWU (O DESPERTAR):
O SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS
E A INCORPORAÇÃO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL
CAMPINAS
2018
PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL
ANYANWU (O DESPERTAR)
O SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS
E A INCORPORAÇÃO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL
Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Ciência Política.
Orientador: PROF. DR. REGINALDO CARMELLO CORRÊA DE MORAES
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA PATRICIA NOGUEIRA RINALDI VICTAL E ORIENTADA PELO PROF. DR. REGINALDO CARMELLO CORRÊA DE MORAES.
CAMPINAS
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos
Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 22 de março de
2018, considerou a candidata Patricia Nogueira Rinaldi Victal aprovada.
Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes
Prof. Dr. Sebastião Carlos Velasco e Cruz
Prof. Dr. Paulo Cesar Souza Manduca
Profa. Dra. Monica Herz
Profa. Dra. Claudia Francisca Fuentes Julio
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no
processo de vida acadêmica da aluna.
AGRADECIMENTOS
Ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e ao Programa de Pós-Graduação
em Ciência Política, pela formação de doutora.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo
financiamento do estágio no exterior – doutorado sanduíche.
Ao Professor Doutor Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, por sua orientação e
apoio na realização dessa pesquisa, agradeço seus comentários precisos e construtivos.
Aos Professores Doutores Sebastião Velasco e Cruz, Paulo Cesar Souza Manduca,
Monica Herz e Claudia Francisca Fuentes Julio, pelo aceite em fazer parte da banca de
avaliação dessa pesquisa.
À Secretaria de Pós-Graduação em Ciência Política, pela ajuda atenciosa em todos
os procedimentos necessários.
Ao Ralph Bunche Institute for International Studies, The Graduate Center, City
University of New York, e, em especial, ao Professor Thomas Weiss, por ter aceitado ser
meu mentor no período de doutorado sanduíche. Seu apoio foi fundamental para a
definição e o desenvolvimento da pesquisa.
Aos demais professores e à equipe do Ralph Bunche Institute: Professora
Stephanie Golob, Nancy Okada e Eli Karetny, pela calorosa acolhida.
Às seguintes entidades do SDNU, pelas valiosas contribuições à essa pesquisa:
Biblioteca da ONU Dag Hammarskjöld;
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD);
Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (UNDESA)
Departamento de Informações Públicas da ONU (UN-DPI);
Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC);
Escritório do Enviado Especial para a África;
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF);
Fundo Populacional das Nações Unidas (UNFPA);
Grupo de Desenvolvimento da ONU (UNDG);
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD);
Seção da ONU para o Gerenciamento de Arquivos e Registros (ARMS).
Às Missões Permanentes dos seguintes países, que gentilmente colaboraram com
essa pesquisa:
Missão Permanente da Alemanha na ONU;
Missão Permanente da Colômbia na ONU;
Missão Permanente da União Europeia na ONU;
Missão Permanente do Canadá na ONU;
Missão Permanente do Chile na ONU;
Missão Permanente do Japão na ONU;
Missão Permanente do México na ONU.
Um agradecimento especial à Missão Permanente do Brasil na ONU e aos vários
diplomatas brasileiros que me ajudaram a entender melhor a ONU e o tema da
Cooperação Sul-Sul.
Às Faculdades de Campinas, agradeço aos diretores Professores João Manuel
Cardoso de Mello, Liana Aureliano, Luiz Gonzaga Belluzzo e Rodrigo Sabbatini, pela
confiança em meu trabalho. Aos Professores Alessandro Ortuso e Waldir Quadros, e aos
demais colegas professores do curso de Relações Internacionais da FACAMP, pela
oportunidade constante de ensinar e aprender.
À Mad’leyne Rodrigues e Larissa Maciel, pelo apoio fundamental na transcrição
das entrevistas.
Aos amigos que fiz em minha estadia em Nova York:
À Natália Frozel e à Anne Hierro, pelo grupo de estudos regado à bubble
tea e arepas colombianas;
À Paul Celentano e Nina Conelly, por me ambientarem e mostrarem o
melhor da cultura nova iorquina;
Às luncheon gals, Sally Sharif, Sarah Shah e Anaïs Wong, pela companhia
nos almoços na CUNY.
Às essas mulheres, profissionais e amigas maravilhosas, Talita Pinotti e Roberta
Machado. Que sorte a minha de tê-las! Muito desse trabalho devo ao apoio de vocês.
Aquele agradecimento de coração.
Aos meus alunos, que me dão tantas oportunidades de aprender e melhorar. Um
agradecimento especial a todos os Famuners.
Aos meus familiares e amigos, será impossível nomear todos, agradeço a
compreensão em relação às ausências necessárias para a conclusão dessa etapa e todo o
apoio!
Aos meus pais, Dulcineia e Maurício Rinaldi, agradeço, com todo o amor, pelo
apoio incondicional para que eu possa realizar meus projetos!
À minha mimã, Sis, Kamila Rinaldi, por ser a melhor amiga, o apoio
imprescindível com comidinhas, ballet, filmes e música. Amor de irmã é amor
incondicional!
Ao meu parceiro de jornada, Aluísio Victal: concluir essa pesquisa não seria
possível sem você, sem sua presença, sem seu apoio nas coisas do dia a dia e sem sua
capacidade de tornar os pequenos momentos extraordinários. Você e eu, de mãos dadas,
com amor!
RESUMO
A pesquisa discute o Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU) e o
processo de incorporação (mainstreaming) da Cooperação Sul-Sul (CSS) como parte
regular de seus trabalhos na área do desenvolvimento, cobrindo o período de 1970-2015.
A análise considera a história das ideias de desenvolvimento e CSS a partir das
negociações políticas que ocorrem na sede na ONU, em Nova Iorque, entre a chamada
Primeira ONU (formada por seus Estados-membros) e a Segunda ONU (formada pelos
funcionários civis internacionais que trabalham para o Secretariado da organização). Com
base na divisão Norte x Sul e nas barreiras atitudinais do Secretariado da ONU, a pesquisa
discutirá os seguintes problemas: a incorporação da ideia de CSS no quadro normativo
do SDNU; o impacto da incorporação operacional da CSS na governança do SDNU; e o
financiamento da integração da CSS no SDNU. Devido ao seu papel em campo, a
pesquisa dará destaque à atuação do Programa das Nações Unidas (PNUD) na promoção
da CSS.
Palavras-chave: Cooperação Internacional para o Desenvolvimento; Cooperação Sul-
Sul; Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas; Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento; Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul.
ABSTRACT
The research discusses the United Nations Development System (UNDS) and the process
of mainstreaming South-South Cooperation (SSC) as part of its regular work in the area
of development, covering the period of 1970-2015. The study considers the history of the
ideas of development and SSC by analyzing political negotiations that occur at the United
Nations (UN) Headquarters, in New York, between the so-called First UN (composed by
its Member States) and the Second UN (composed by the international civil servants who
work for the Secretariat). Based upon the North-South divide and the attitudinal barriers
of the Secretariat, the research will discuss the following issues: the incorporation of the
idea of SSC in the normative framework of the UNDS; the impact of the operational
incorporation of SSC in the governance of the UNDS; and the financing for integrating
SSC in the UNDS. Due to its role in the field, the research will highlight the performance
of the United Nations Development Programme (UNDP) in the promotion of SSC.
Keywords: International Development Cooperation; South-South Cooperation; United
Nations Development System; United Nations Development Programme; United Nations
Office for South-South Cooperation.
LISTA DE IMAGENS, FIGURAS, GRÁFICOS E QUADROS
IMAGENS
Imagem 1 – Embaixador Adebo (esq.) cumprimenta o Secretário-Geral U Thant (centro) na presença do artista Bem Enwonwu (dir.) ................................................................... 23
Imagem 2 – Estátua Anyanwu, de Ben Enwonwu ......................................................... 24
FIGURAS
Figura 1 – Emblema da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (1978) .................................................................... 113
Figura 2 – Tendência do financiamento total das atividades operacionais para o desenvolvimento da ONU (recursos centrais e especificados, 1995-2014) ................. 337
Figura 3 – Cota parte do comércio Sul-Sul no comércio global (1980-2011, em porcentagem) ................................................................................................................ 343
Figura 4 – Comparação entre os recursos do PNUD e da SU-SSC (2002-2010, em US$ 100 milhões de dólares para o PNUD e US$ milhões de dólares para a SU-SSC) ...... 357
Figura 5 – Contribuições financeiras para o Fundo IBAS (em US$ dólares) .............. 369
Figura 6 – Implementação financeira dos projetos do Fundo IBAS (em US$ dólares) 370
GRÁFICOS
Gráfico 1 – Qual seriam os impactos positivos das potências emergentes no SDNU quando comparadas aos países desenvolvidos?............................................................ 256
Gráfico 2 – Avaliação dos escritórios nacionais do PNUD sobre o progresso da CSS 289
Gráfico 3 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1960-1969, em porcentagem) ................................................................................................ 307
Gráfico 4 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1970-1978, em porcentagem) ................................................................................................ 312
Gráfico 5 – Contribuições para o SDNU* para o financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento (1996-1999, em milhões de dólares) ................ 326
Gráfico 6 – Alocações anuais de recursos do PGTF (1990-1999, em milhares de dólares) ......................................................................................................................... 330
Gráfico 7 – Modalidades de financiamento não-central para as atividades operacionais para o desenvolvimento da ONU (2014, em porcentagem) ......................................... 339
Gráfico 8 – Contribuições por tipos de doadores estatais (2013) ................................. 341
Gráfico 9 – Recursos concessionais para a Cooperação (2006-2013, em bilhões de dólares) ......................................................................................................................... 346
Gráfico 10 – Gastos e contribuições especificadas do PNUD (2006-2014, em bilhões de dólares) ......................................................................................................................... 356
Gráfico 11 – Recursos da SU-SSC e do UNOSSC (2001-2017, em US$ milhões de dólares) ......................................................................................................................... 358
Gráfico 12 – Recursos centrais da SU-SSC/do UNOSSC (2001-2011, em US$ milhões de dólares)..................................................................................................................... 359
Gráfico 13 – Recursos centrais da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação (2005-2017, em US$ milhões de dólares) ............................................................................... 360
Gráfico 14 – Contribuições para o Fundo das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (2004-2015, em US$ milhões de dólares) .................................................................... 363
Gráfico 15 – Recursos especificados da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação (2005-2017, em US$ milhões de dólares) .................................................................... 364
Gráfico 16 – Contribuições dos Estados-membros do G-77 para o PGTF (2000-2015, em US$ milhares de dólares) ........................................................................................ 367
Gráfico 17 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por região geográfica (2015, em porcentagem) ................................................................................................................ 371
Gráfico 18 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por área temática (2015, em porcentagem) ................................................................................................................ 372
QUADROS
Quadro 1 – Papeis do SDNU na promoção da CSS ..................................................... 175
Quadro 2 – Ideias mobilizadas no BAPA e no Resultado de Nairóbi .......................... 181
Quadro 3 – Categoria e número de funcionários da SU-TCDC ................................... 216
Quadro 4 – Utilização de especialistas dos PEDs nos programas de cooperação técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)............................................................. 221
Quadro 5 – Contratação de empresas dos PEDs nos programas de cooperação técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)............................................................. 222
Quadro 6 – Resultados do desempenho da SU-SSC na implementação do Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007) no PNUD ......................................... 241
Quadro 7 – Incorporação da CSS nos UNDAFs a presença de pontos focais nos escritórios nacionais ..................................................................................................... 245
Quadro 8 – Avaliação dos coordenadores residentes acerca da contribuição do PNUD para a CSS (2003-2007) ............................................................................................... 246
Quadro 9 – Avaliação dos coordenadores residentes sobre a eficácia da SU-SSC em integrar a modalidade em seu país, no PNUD e em outras agências da ONU ............. 247
Quadro 10 – Número de funcionários da SU-SSC em 1998 e 2007 ............................ 248
Quadro 11 – Participação nos encontros do HLC-SSC (1997-2010) ........................... 260
Quadro 12 – Número de funcionários da SU-SSC, 1998-2010 .................................... 267
Quadro 13 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU – Área de Avaliação (Assessment) ........................................................................................... 274
Quadro 14 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU – Área de Integração................................................................................................................. 275
Quadro 15 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU – Área de Monitoramento do Progresso ................................................................................... 277
Quadro 16 – Pesquisa sobre o envolvimento dos países e da ONU no apoio à CSS ... 286
Quadro 17 – Áreas de apoio da ONU para a promoção CSS (em número de respostas) ...................................................................................................................................... 287
Quadro 18 – Tipos de instrumentos de financiamento do SDNU ................................ 301
Quadro 19 – Financiamento do EPTA, 1951 e 1956 .................................................... 304
Quadro 20 – Alocação dos recursos do PNUD por agência executora (1967-1977, por porcentagem.................................................................................................................. 313
Quadro 21 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1985-1986, em milhões de dólares) ......................................................................................................................... 318
Quadro 22 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1987-1988, em milhares de dólares) ......................................................................................................................... 319
Quadro 23 – Recursos para o projeto “Promoção de ações orientadas para as atividades de CTPD” (1983-1984) ................................................................................................ 320
Quadro 24 – Gastos com CTPD por 12 entidades do SDNU (1985, em porcentagem) 322
Quadro 25 – Alocação anual dos recursos do PGTF (1987-1989, em milhares de dólares) ......................................................................................................................... 324
Quadro 26 – Uso dos IPFs do PNUD em CTPD (1989-1990, em milhares de dólares) ...................................................................................................................................... 328
Quadro 27 – Recursos alocados para a SU-TCDC no Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD (1992-1996) ............................................................................................ 329
Quadro 28 – Contribuições de Estados-membros para o PGTF (1998-1999) .............. 331
Quadro 29 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições (1987-1996) ............................................................................................................................. 332
Quadro 30 – AOD: Alocação total, multilateral e para o SDNU (2006 e 2013) .......... 337
Quadro 31 – Tipos de instrumentos de financiamento da CSS .................................... 348
Quadro 32 – Orçamento das atividades e projetos de cooperação triangular (2012-2015, em US$ dólares) ........................................................................................................... 354
Quadro 33 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições (1997-2012) ............................................................................................................................. 368
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAA Agenda de Ação de Accra
AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas
AOD Assistência oficial ao desenvolvimento (do inglês, Official
Development Assistance)
BAPA Plano de Ação de Buenos Aires para a Promoção e a Implementação
da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (do
inglês, Buenos Aires Plan of Action for Promoting and
Implementing Technical Cooperation among Developing
Countries)
BICS Brasil, Índia, China e África do Sul
BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CAD-OCDE Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a
Cooperação Econômica e Desenvolvimento (do inglês
Development Assistance Committee)
CEPAL Comissão Econômica da ONU para a América Latina (de 1948 a
1983); e Comissão Econômica da ONU para a América Latina e o
Caribe (a partir de 1984).
CEPD Cooperação Econômica entre Países em Desenvolvimento
CNS Cooperação Norte-Sul
CSS Cooperação Sul-Sul
CTPD Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento
DAD Diretório de Assistência ao Desenvolvimento (do inglês
Development Assistance Directorate)
DAG Grupo de Assistência ao Desenvolvimento (do inglês Development
Assistance Group)
DCD Diretório de Cooperação para o Desenvolvimento (do inglês
Development Co-operation Directorate)
DCF Fórum sobre Cooperação para o Desenvolvimento (do inglês,
Development Cooperation Forum)
ECA Comissão Econômica para a África (do inglês Economic
Commission for Africa)
ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
ECWA Comissão Econômica para a Ásia Ocidental (do inglês, Economic
Commission for Western Asia)
EPTA Programa Expandido de Assistência Técnica para o
Desenvolvimento Econômico dos Países Subdesenvolvidos (do
inglês, Expanded Programme of Technical Assistance for
Economic Development of Under-developed Countries)
ESCAP Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (do inglês,
Economic and Social Commission for Asia and the Pacific)
FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(do inglês, Food and Agriculture Organization)
FMI Fundo Monetário Internacional
G-20 Grupo dos Vinte
G-77 Grupo dos Setenta e Sete
GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio (do inglês, General Agreement
on Tariffs and Trade)
GSSD-Academy Academia Global de Desenvolvimento Sul-Sul (do inglês, Global
South-South Development Academy)
GSSD-Expo
Expo Global de Desenvolvimento Sul-Sul (do inglês, Global South-
South Development Expo)
HLC-SSC Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul (do inglês, High-
Level Committee on South-South Cooperation)
HLC-TCDC Comitê de Alto Nível para a Revisão da Cooperação Técnica entre
os Países em Desenvolvimento (do inglês, High-Level Committee
on Technical Cooperation among Developing Countries)
IBAS Índia, Brasil e África do Sul
IED Investimentos externos diretos
INRES Sistema de Informação de Referência (do inglês, Information
Referral System)
IPFs Estimativas de Volume de Recursos (do inglês, Indicative Planning
Figures)
JICA Agência Japonesa de Cooperação Internacional do Japão (do inglês,
Japan International Cooperation Agency)
JUSCANZ Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
MIST México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia
MNA Movimento dos Não-Alinhados
NOEI Nova Ordem Econômica Internacional
OCDE Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento
ODMs Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OIC Organização Internacional do Comércio
OIs Organizações Internacionais
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMC Organização Mundial do Comércio
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
ONUDI Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PDs Países desenvolvidos
PEDs Países em desenvolvimento
PGTF Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e
Econômica entre Países em Desenvolvimento/ Cooperação Sul-Sul
(do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund)
PIB Produto interno bruto
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
QCPR Revisão Política Compreensiva Quadrienal (do inglês, Quadrennial
Comprehensive Policy Review)
SDNU Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas
SPR Recursos para Programas Especiais (do inglês, Special Programme
Resources)
SS-GATE Sistema Global de Intercâmbio de Ativos e Tecnologia Sul-Sul (do
inglês, South-South Global Assets and Technology Exchange)
SUNFED Fundo Especial das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Econômico (do inglês, Special United Nations Fund for Economic
Development)
SU-SSC Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul (do inglês, Special
Unit on South-South Cooperation)
SU-TCDC Unidade Especial para a Cooperação Técnica entre os Países em
Desenvolvimento (do inglês, Special Unit on Technical
Cooperation among Developing Countries)
TCPR Revisão Política Compreensiva Trienal (do inglês, Triennial
Comprehensive Policy Review)
TODA ODA total (do inglês, Total Official Development Assistance)
UNBISnet Sistema de Informações Bibliográficas das Nações Unidas (inglês,
United Nations Bibliographic Information System).
UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento (do inglês, United Nations Conference on Trade
and Development)
UNDAF Quadro de Ajuda ao Desenvolvimento das Nações Unidas (do
inglês, United Nations Development Assistance Framework)
UNDG Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (do inglês, United
Nations Development Group)
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNFPA Fundo Populacional das Nações Unidas
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNOPS Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (do inglês,
United Nations Office for Project Services)
UNOSSC Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (do inglês,
United Nations Office on South-South Cooperation)
UNRRA Administração das Nações Unidas para Auxílio e Reabilitação (do
inglês, United Nations Relief and Rehabilitation Administration)
WIDE Rede de Informação para o Desenvolvimento (do inglês, Web of
Information for Development)
SUMÁRIO PRÓLOGO ..................................................................................................................... 23
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 25 I. Recorte do objeto e objetivos ................................................................... 26 II. Problematização e conceitos centrais ....................................................... 29 III. Hipóteses e embasamento teórico ............................................................ 44 IV. Metodologia de pesquisa .......................................................................... 48
PARTE 1 - O DESPERTAR DO SUL .......................................................................... 52
A incorporação da ideia de Cooperação Sul-Sul no Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas ............................................................................................................... 52
CAPÍTULO 1 - O PAPEL DAS IDEIAS NA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO E AS ORIGENS DA IDEIA DE CSS NA ONU ......................................................................................... 54
1.1. As ideias e as decisões dos Estados-membros na Primeira ONU ..... 55 1.2. As ideias e os arranjos de implementação da Segunda ONU ........... 58 1.3. A ONU como um ator intelectual ..................................................... 62 1.4. Origens: a ideia de ajuda externa ao desenvolvimento, a consolidação do Terceiro Mundo e o papel da ONU (anos 1950-1960)............................ 64
1.4.1. A dádiva como razão de ser da cooperação internacional para o desenvolvimento: o contexto da Guerra Fria e o processo de descolonização .......................................................................................... 65 1.4.2. A ONU, o desenvolvimento e a criação das atividades de assistência técnica ..................................................................................... 69 1.4.3. O Espírito de Bandung .................................................................. 78 1.4.4. As demandas de desenvolvimento do Terceiro Mundo na ONU .. 83 1.4.5. A criação do PNUD ....................................................................... 89
CAPÍTULO 2 – A EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DA IDEIA DE COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO COMO UMA NOVA DIMENSÃO DA COOPERAÇÃO TÉCNICA TRADICIONAL DA ONU (ANOS 1970-1980) ...................................................... 95
2.1. Origens: a Nova Ordem Econômica Internacional e a ideia da CTPD 96 2.2. As primeiras iniciativas desenvolvidas pelo SDNU nos anos 1970: a ideia de CTPD como uso das capacidades nacionais ................................. 102 2.3. A Conferência de Buenos Aires e seu Plano de Ação: ideia de autossuficiência nacional e coletiva ........................................................... 108
2.3.1. Preparação para a Conferência .................................................... 108 2.3.2. As negociações em Buenos Aires ............................................... 111 2.3.3. O conteúdo do Plano de Ação de Buenos Aires (BAPA) ........... 118
2.4. A ideia de integração da CTPD no SDNU nos anos 1980 .............. 124
CAPÍTULO 3 – A IDEIA DE COOPERAÇÃO SUL-SUL E SUA INCORPORAÇÃO NO SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS (ANOS 1990-2000) .................................................................................. 133
3.1 A cooperação entre os países em desenvolvimento na era da globalização: as Novas Direções (1995) .................................................... 134
3.1.1 Novas Direções: a ideia de integração entre a cooperação técnica e a cooperação econômica entre os países em desenvolvimento e o papel dos países-pivô ....................................................................................... 141
3.2 As chamadas potências emergentes e o redespertar da Cooperação Sul-Sul nos anos 2000 ................................................................................ 146
3.2.1 A incorporação da CSS no SDNU entre 2000 a 2006 ................. 152 3.3 A reação dos países desenvolvidos: os princípios da eficácia da ajuda 158 3.4 A Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul e o Resultado de Nairóbi: as ideias atuais de Cooperação Sul-Sul .................. 163
3.4.1 O Resultado de Nairóbi ................................................................ 167 3.5 O Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012) e a inclusão da modalidade na Agenda 2030 ...................................................................... 172
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE I ................................................... 179
PARTE 2 - O LUGAR DO SUL AO SOL ................................................................... 183
O impacto da Cooperação Sul-Sul na governança do Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas ............................................................................................................. 183
CAPÍTULO 4 – O CONCEITO DE GOVERNANÇA DO SDNU E O LUGAR DA CSS .................................................................................................................... 184
4.1 O conceito de governança global .................................................... 185 4.2 O (não)-papel da ONU na governança econômica global e as mudanças na área da cooperação internacional para o desenvolvimento .. 187 4.3 A governança do SDNU .................................................................. 192 4.4 A governança do SDNU para a CSS ............................................... 198
CAPÍTULO 5 – AS FASES DA GOVERNANÇA DO SDNU E A INCORPORAÇÃO OPERACIONAL DA CSS ................................................... 205
5.1 Fase 1 – As origens funcionalistas da governança do SDNU (1945-1950) 206 5.2 Fase 2 – A consolidação da estrutura nacional de governança do SDNU e as barreiras atitudinais à integração da CTPD (1960-1980) ........ 207
5.2.1 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1970: estabelecimento de pontos focais e procedimentos para o uso da CTPD nos programas de cooperação técnica .................................................... 209 5.2.2 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1980: enfrentando as barreiras atitudinais ............................................................................ 214
5.2.2.1. SU-TCDC .............................................................................. 215
5.2.2.2. PNUD .................................................................................... 219 5.2.2.3. Pontos focais das entidades do SDNU .................................. 223
5.3 Fase 3 – A descentralização e fragmentação da governança do SDNU e as tentativas de padronização sistêmica da CTPD (1990 aos dias atuais) 226
5.3.1 As Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos relativos à CTPD (1997 e 2003) .................................... 229 5.3.2 A relação entre o PNUD e a SU-TCDC e os Quadros de Cooperação para a CTPD (1997-1999; 2001-2003; 2005-2007) ........... 234
5.3.2.1 Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD (1997-1999) . 234 5.3.2.2 Segundo Quadro de Cooperação para a CTPD (2001-2003) . 236 5.3.2.3 Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007) .... 239 5.3.2.4 Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-2011) ....... 242
5.3.3 A avaliação do PNUD sobre sua contribuição para a integração da CSS (1996-2007) .................................................................................... 243
CAPÍTULO 6 – AS LACUNAS DA GOVERNANÇA DO SDNU PARA A INCORPORAÇÃO DA CSS (2008-2015) ............................................................. 249
6.1 Lacunas de conhecimento ............................................................... 250 6.2 Lacunas normativas ......................................................................... 255 6.3 Lacunas institucionais ..................................................................... 264 6.4 Lacunas políticas ............................................................................. 270
6.4.1 A coordenação sistêmica da CSS por meio da Revisão Política Compreensiva Trienal/Quadrienal .......................................................... 271 6.4.2 Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012) ................................. 273 6.4.3 Quadro Estratégico do UNOSSC (2014- 2017) ........................... 278 6.4.4 Planos Estratégicos do PNUD (2008-2011 e 2014-2017)............ 281 6.4.5 Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação Sul-Sul e Triangular para o Desenvolvimento Sustentável (2016) ........................ 282
6.5 Lacunas de cumprimento (compliance) .......................................... 285
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE II .................................................. 291
PARTE 3 – A GRADUAÇÃO DO SUL? .................................................................... 294
O financiamento da integração da Cooperação Sul-Sul no SDNU .......................... 294
CAPÍTULO 7 – A ESTRUTURA DE FINANCIAMENTO DO SDNU E O FINANCIAMENTO DA CSS (1945-1990) ........................................................... 296
7.1 A estrutura de financiamento do SDNU ......................................... 297 7.2 A criação dos primeiros instrumentos de financiamento da cooperação técnica para o desenvolvimento na ONU (1945-1960) ........... 303 7.3 A crise financeira do SDNU e o estabelecimento dos instrumentos de financiamento da CTPD (1970-1980) ........................................................ 308
7.3.1. A questão do financiamento da CTPD no BAPA (1978) ............ 314 7.3.2. As tentativas de sistematização do financiamento do SDNU para a CTPD nos anos 1980 .............................................................................. 316
7.3.2.1 O uso das IPFs ....................................................................... 316 7.3.2.2 Recursos para Programas Especiais ....................................... 319 7.3.2.3 Uso dos recursos pelas entidades do SDNU .......................... 320 7.3.2.4 Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países em Desenvolvimento (PGTF) ...................... 323
7.4 A descentralização do financiamento do SDNU e da CTPD (1990) 325
7.4.1 O financiamento da CTPD nos anos 1990 ................................... 327 7.4.1.1 A especificação de recursos centrais do PNUD para a CTPD 327 7.4.1.2 Os recursos da SU-TCDC: o Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD e o Fundo Fiduciário para a Cooperação Sul-Sul ......... 328 7.4.1.3 Medidas para a expansão dos recursos do PGTF ................... 330
CAPÍTULO 8 – OS CHAMADOS DOADORES EMERGENTES E O FINANCIAMENTO DA CSS NOS ANOS 2000 .................................................. 334
8.1 O financiamento do SDNU nos anos 2000 ..................................... 335 8.2 Os doadores emergentes e os tipos de financiamento da CSS ........ 341
8.2.1 A ascensão do Sul ........................................................................ 342 8.2.2 Doadores emergentes e o financiamento da CSS ......................... 345 8.2.3 Tipos de instrumentos de financiamento da CSS ......................... 347
8.3 A reação do CAD-OCDE: cooperação triangular, eficácia da ajuda e graduação dos doadores emergentes .......................................................... 350 8.4 O financiamento do SDNU destinado à CSS .................................. 355
8.4.1 Recursos centrais .......................................................................... 359 8.4.2 Recursos especificados: Fundo das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul ................................................................................ 362 8.4.3 Recursos Especificados: Fundo Fiduciário Pérez Guerrero (PGTF) 367 8.4.4 Recursos especificados: Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome 368
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE III ................................................ 374
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 378
Para ver a Cooperação Sul-Sul, é necessário sair de Nova York .............................. 378
ANEXO – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM DIPLOMATA BRASILEIRO ...................................................................................................................................... 423
23
PRÓLOGO Em um dia de curso na sala do Conselho Econômico e Social, na sede Organização
das Nações Unidas (ONU), por ocasião de meu doutorado sanduíche na cidade de Nova
York, ao passar pelo corredor entre a sala do Conselho de Segurança e do Conselho de
Tutela me deparei com uma enorme estátua de bronze, de uma mulher lânguida. Na
inscrição: “Presenteada pelo Governo e pelo Povo da República da Nigéria”.
Ao final do dia, fui até o Centro de Informações Públicas da ONU, e solicitei o
guia de presentes dados à organização, que fica disponível para a consulta de visitantes.
Eis que me deparei com a história de Anyanwu, que muito refletia o espírito da pesquisa
que fui realizar nessa jornada:
Em 5 de outubro 1966, na sede da ONU, em Nova York, o Embaixador nigeriano
Simeon Olaosebikan Adebo presenteou o então Secretário-Geral das Nações Unidas, U
Thant, com uma estátua de bronze intitulada Anyanwu (O Despertar), criada pelo
renomado escultor e artista nigeriano Ben Enwonwu.
Imagem 1 – Embaixador Adebo (esq.) cumprimenta o Secretário-Geral U Thant
(centro) na presença do artista Bem Enwonwu (dir.)
Fonte: ONU/Teddy Chen
24
Anyanwu é uma das maiores obras de Enwonwu, por mesclar as tradições
estéticas da tribo Edo-Onitsha (da qual o artista descendia) com as formas de
representação e técnicas plásticas ocidentais. A escultura de bronze, de quase 2 metros,
apresenta uma mulher graciosamente vestida com trajes reais e adornada com joias. Sua
postura imponente remete à uma representação simbólica do despertar do sol (THE BEN
ENWONWU FOUNDATION, 2014; OKEKE-AGULU, 2016).
Imagem 2 – Estátua Anyanwu, de Ben Enwonwu
Fonte: ONU/Michos Tzovaras
O presente foi dado à ONU em comemoração aos 6 anos de independência da
Nigéria, com o objetivo de representar as aspirações de autonomia e liderança global do
país recém independente. Além disso, a estátua ganhou simbolismo internacional: uma
representação da emergência das nações que, desde os anos 1960, iriam se identificar
como o Terceiro Mundo e travar uma luta política por uma ordem global mais justa e
inclusiva.
Esses mesmos desafios e anseios se impõem, hoje, à ONU e ao Sul Global.
25
INTRODUÇÃO
Uma das maiores contribuições da Organização das Nações Unidas (ONU) em
seus mais de 70 anos de existência refere-se ao seu papel no debate sobre a promoção do
desenvolvimento. Sua importância vai desde a definição de conceitos e normas
internacionais, passando pela negociação de agendas globais de desenvolvimento, e,
principalmente, por sua capacidade de forjar compromissos e consensos entre os Estados-
membros.
A ONU não é uma organização monolítica, e apresenta diferentes camadas e
dimensões. Por isso, no debate sobre o desenvolvimento, nem sempre a organização se
posicionou em conformidade com os interesses das grandes potências que a criaram. Pelo
contrário, em vários momentos de sua história, articulou mecanismos normativos e
institucionais para atender às demandas dos países em desenvolvimento (PEDs), como é
o caso de seu apoio na promoção da Cooperação Sul-Sul (CSS).
A CSS é uma modalidade de cooperação entre os países em desenvolvimento que
emergiu nos anos 1960, e envolve projetos de cooperação técnica e econômica orientados
por uma abordagem horizontal. Na CSS, todos os elementos (inputs) são oriundos de
PEDs, como o uso de especialistas, serviços e equipamentos; e a transferência e
compartilhamento de conhecimentos, soluções, competências e tecnologia.
Desde a década de 1970, a ONU – e mais especificamente, o Sistema de
Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU), composto pelas agências e pelos fundos e
programas da ONU dedicados à promoção do desenvolvimento – deu suporte normativo,
institucional, operacional e financeiro para que os PEDs pudessem aprofundar seus laços
de Cooperação Sul-Sul por meio do intercâmbio de soluções para seus problemas de
desenvolvimento.
Entretanto, o apoio do SDNU à CSS ao longo das décadas foi muito mais
declaratório do que operacional; muito mais ad hoc e calcado em iniciativas individuais
do que em um processo sistematizado de apoio. Isso porque o trabalho da organização na
área da cooperação internacional para o desenvolvimento foi historicamente definido pela
lógica da Cooperação Norte-Sul (CNS), isto é, de transferência de recursos, tecnologias
e políticas de desenvolvimento dos PDs para os PEDs, fazendo a ponte entre os países
doadores e os países recipiendários.
26
Já a CSS exigiria que o SDNU trabalhasse de maneira diferente da que estava
acostumada, a partir de uma lógica horizontal de cooperação. O sistema teria que dar o
suporte para que os próprios PEDs encontrassem as soluções de desenvolvimento mais
adequadas a seus respectivos contextos, e ao longo das décadas de 1980-1990, fazer essa
transição enfrentou várias dificuldades ideacionais, organizacionais e financeiras.
Com a nova projeção da CSS nos anos 2000, a partir da liderança política e do
crescimento econômico das chamadas potências emergentes – como China, Brasil, Índia
e África do Sul – houve uma revitalização do debate sobre como o SDNU poderia dar um
suporte mais apropriado à cooperação entre os países em desenvolvimento. Esse debate
ficou conhecido no interior da organização como o processo de incorporação, ou
integração (do inglês, mainstreaming) da CSS aos trabalhos regulares do SDNU, sendo
esse o objeto de estudo dessa pesquisa. Nos itens a seguir, serão apresentados o recorte
do objeto de pesquisa e seus objetivos; a problematização e os conceitos centrais; as
hipóteses e o embasamento teórico; e a metodologia de pesquisa.
I. Recorte do objeto e objetivos
Essa pesquisa tem por objeto o SDNU e o processo de incorporação
(mainstreaming) da CSS aos seus trabalhos regulares. O conceito de incorporação (ou
integração) é muito importante para o SDNU, pois trata-se de um mecanismo criado para
que o sistema possa se adaptar e se tornar responsivo à novas demandas, agendas e
modalidades de cooperação1.
De acordo com a ONU, “incorporação (mainstreaming) significa transformar uma
ideia em prática, ao integrá-la em tudo o que a organização faz. Mas, para fazer isso, há
a necessidade de ferramentas, orientação, monitoramento contínuo e uma estratégia
abrangente, com objetivos claros e marcos de referência para sua realização” (UNITED
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 27, tradução nossa2). No caso
1 Na ONU, a questão da incorporação (mainstreaming) teve sua origem nos anos 1990 com a agenda de gênero da organização, mas o termo foi progressivamente sendo utilizado para se referir à incorporação de novos temas e agendas. 2 Do original: “Mainstreaming means making an idea practical by integrating it into everything the organization does. But to do this, there is a need for tools, guidance, continuous monitoring and an overarching strategy with clear objectives and benchmarks for achievement” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 27).
27
específico da CSS, integrar a modalidade ao SDNU envolve “(...) avaliar as políticas e
práticas corporativas atuais, conscientizar os funcionários sobre os benefícios da CSS e,
quando necessário, iniciar atividades de desenvolvimento de capacidades” (UNITED
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 39, tradução nossa3).
A pesquisa se inicia no período de 1970, quando a discussão sobre a modalidade
é introduzida pela primeira vez como um item da agenda da ONU. E vai até 2015, quando
a CSS é identificada como um meio de implementação da Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, a mais recente agenda global que orientará, nos próximos
15 anos, as ações da ONU no campo do desenvolvimento.
Em relação ao conteúdo da análise, o processo de integração da CSS contempla o
engajamento do SDNU em dois tipos de atividades: as atividades promocionais da CSS;
e as atividades operacionais de CSS.
As atividades promocionais são voltadas para a divulgação e conscientização da
CSS em todas as partes do SDNU. Buscam identificar o potencial, colocar as partes
interessadas em contato e coletar, processar e disseminar informações sobre a CSS. Para
que isso ocorra, as atividades promocionais envolvem a realização de workshops,
seminários e programas de informação; e atividades de curta duração, como projetos
piloto, melhores práticas e treinamentos.
Já as atividades operacionais são aquelas realizadas em campo. Fazem referência
aos projetos e programas de desenvolvimento realizados pelas agências e pelos fundos e
programas que compõem o SDNU e que contém como elementos a troca e o
compartilhamento de recursos e capacidades técnicas entre dois ou mais PEDs, em bases
horizontais. Para que isso ocorra, a CSS deve ser incluída no desenho, na execução e
implementação dos programas nacionais.
A escolha do tema e do objeto de pesquisa se justifica pelo esforço de
complementar a história intelectual da ONU na área do desenvolvimento, enfatizando a
contribuição dos PEDs nesse processo. A CSS é uma parte pequena da cooperação
internacional para o desenvolvimento e das atividades operacionais para o
desenvolvimento da ONU, e também não é a modalidade dominante, nem em volume de
recursos nem em número de projetos. Enquanto os doadores tradicionais de assistência
oficial ao desenvolvimento despenderam quase US$ 140 bilhões em 2014, o montante
3 Do original: “(…) assessing the current corporate policies and practices, raising the awareness of staff about the benefits of SSC and where necessary embark into capacity development activities” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 39).
28
que os PEDs destinaram ao financiamento da CSS foi de um pouco mais de US$ 20
bilhões no mesmo ano (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL,
2016, p. 4). Já em relação ao número de projetos, em 2015, o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) desenvolveu 470 iniciativas em que a CSS era o meio
de implementação, em contraste com o total dos 4.347 projetos conduzidos pela agência
(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2015).
Mas, a despeito de seu menor volume relativo, a CSS é, sem dúvidas, uma
modalidade em ascensão, e que está ocupando um espaço de destaque nos debates do
SDNU sobre a promoção do desenvolvimento. Por isso, é importante sistematizar o
conhecimento que organização desenvolveu nessa área, em um período de quarenta anos,
utilizando duas perspectivas: política e sistêmica.
Política, porque o enfoque será nas negociações políticas entre os Estados-
membros, com a participação dos funcionários da organização, para definir os quadros
normativos e estratégicos que orientam essa incorporação. Esses quadros são
estabelecidos por meios de documentos oficiais da ONU, como resoluções, decisões,
diretrizes operacionais e quadros estratégicos.
E sistêmica, porque a análise irá considerar as decisões tomadas nas instâncias
decisórias de mais alto nível na governança da organização. As decisões de alto nível são
sistêmicas porque elas definem mandatos que devem guiar os trabalhos de todas as demais
entidades do SDNU, e devem ser incorporadas em todos os seus níveis.
Ao optar pela perspectiva política e sistêmica, alguns aspectos deixarão de ser
contemplados pela pesquisa. Em primeiro lugar, não será feita uma discussão de como a
CSS se tornou um item da agenda de política externa dos países em desenvolvimento4.
Como o objeto de estudo é o SDNU e a incorporação da CSS, o posicionamento dos
países será discutido a partir da disputa de ideias e do conflito de interesses que ocorre no
espaço multilateral da ONU. Assim, ao invés da análise ser feita da perspectiva de política
externa de um ou outro país, ela terá como enfoque o contexto particular de negociações
no interior da ONU, problematizando como as posições individuais e coletivas dos
Estados-membros são canalizadas no ambiente específico de uma organização
internacional de cooperação.
4 Há vários trabalhos relevantes que cumprem esse propósito. Por exemplo, cf. Chaturvedi et al., 2012, que discute o papel que a CSS cumpre nas políticas externas de Brasil, China, Índia, México e África do Sul.
29
Em segundo lugar, a pesquisa não fará estudos de caso mostrando a
operacionalização dos projetos de CSS em diferentes áreas e países, nem uma análise
técnica do desenho de projetos e as vantagens e dificuldades de operação em campo. Por
isso, não discutirá se a CSS, em campo, efetivamente traz benefícios mútuos ou se
reproduz algumas das práticas dos doadores tradicionais. Indubitavelmente esse é um
tema relevante, mas não faz parte do escopo dessa pesquisa. Ao invés dos estudos de caso,
serão analisadas as avaliações realizadas pelas entidades do SDNU acerca de seus
resultados em campo, pois esses são os documentos considerados na tomada de decisão
dos Estados-membros em âmbito sistêmico. Dentre essas avaliações, a de mais destaque
é a do PNUD, que historicamente é a entidade do SDNU mais envolvida com a promoção
da CSS em âmbito sistêmico. Assim, a perspectiva sistêmica implica que a análise das
negociações será feita com o enfoque de Nova York, isto é, da sede da ONU.
O principal objetivo dessa pesquisa é o de analisar como a incorporação da CSS
ao SDNU é um processo político polêmico, pois tenciona vários problemas em relação às
ideias e interesses dos Estados-membros e da burocracia da ONU na área do
desenvolvimento. A pesquisa busca entender o sentido de integrar a CSS ao SDNU e os
entraves a esse processo. Diferentemente de outras áreas que passaram pelo processo de
integração no SDNU – como gênero, direitos humanos e sustentabilidade ambiental – a
CSS não é um tema, mas uma modalidade específica de implementação de projetos na
área da cooperação para o desenvolvimento. Isso torna sua incorporação mais complexa,
ao exigir do SDNU uma mudança em relação ao seu paradigma atual de desenvolvimento,
como será apresentado a seguir nessa introdução.
Por fim, a pesquisa destina-se principalmente às partes envolvidas no trabalho da
ONU na área da CSS, como diplomatas, funcionários da organização, especialistas e
consultores, uma vez que a pesquisa apresenta os principais elementos que serão
discutidos nas negociações preparatórias para a Conferência de Alto Nível da ONU sobre
a Cooperação Sul-Sul, que será realizada em 2019, em Buenos Aires.
II. Problematização e conceitos centrais
A pesquisa foi desenvolvida a partir de alguns conceitos centrais, que serão
apresentados a seguir: o Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas e as atividades
operacionais para o desenvolvimento; a cooperação internacional para o desenvolvimento
30
e suas modalidades de Cooperação Norte-Sul e Cooperação Sul-Sul; as diferenças e as
relações entre a chamada Primeira ONU, marcada pelo conflito Norte x Sul; e a chamada
Segunda ONU, marcada pelas barreiras atitudinais; e as instâncias decisórias do SDNU
referentes à incorporação da CSS.
O Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas e as atividades operacionais para o
desenvolvimento
O Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU) é responsável pelas
atividades da organização atreladas ao pilar do desenvolvimento5. Atualmente, é
composto por mais de 30 entidades, dentre elas, fundos, programas, escritórios e agências
especializadas, além de comissões e organizações de pesquisa e treinamento que dão
suporte às atividades em campo.
Juntas, essas muitas partes do sistema executam as chamadas atividades
operacionais para o desenvolvimento. Essas atividades envolvem todas as ações em
campo destinadas à promoção do desenvolvimento sustentável e que não se confundem
com assistência humanitária. As atividades operacionais para o desenvolvimento
correspondem aproximadamente a 60% do gasto total anual da ONU e empregam a maior
parte dos funcionários em tempo integral – da sede aos escritórios nacionais –, por volta
de 50 mil pessoas (BROWNE; WEISS, 2013, p. 2).
Mas as ações do SDNU não são exatamente coesas e coordenadas, como o termo
sistema pode dar a entender. Isso porque a estrutura da ONU de promoção do
desenvolvimento foi sendo historicamente construída em partes, a partir de duas
características. A primeira é a proliferação de várias entidades independentes (e uma
infinidade de siglas para denominar cada uma delas), separadas por uma divisão funcional
do trabalho. A segunda característica é sua coordenação descentralizada, baseada em uma
governança de dois níveis: o nível sistêmico dos órgãos decisórios (AGNU e ECOSOC)
e o nível específico das agências (por meio de seus Conselhos Executivos). Além disso,
a governança do SDNU também envolve o nível nacional, por meio de mecanismos de
coordenação política entre governos e os chefes das entidades da ONU, que fazem
arranjos definidores das prioridades em campo a partir dos escritórios nacionais.
5 Os trabalhos da ONU são divididos em três pilares. Além do desenvolvimento, há o pilar da paz e segurança internacionais e o pilar de direitos humanos e assistência humanitária.
31
A cooperação internacional para o desenvolvimento e suas modalidades: a Cooperação
Norte-Sul e a Cooperação Sul-Sul
A cooperação internacional para o desenvolvimento é definida como as interações
intencionais e coordenadas entre os Estados para atingir objetivos comuns na área do
desenvolvimento. A cooperação internacional para o desenvolvimento apresenta três
características:
i) Seu objetivo central é apoiar as prioridades nacionais e internacionais de
promoção do desenvolvimento, por meio da redução das desigualdades
econômicas e sociais entre os países ricos e os países pobres;
ii) As ações coletivas são necessariamente discriminatórias a favor dos
PEDs, isto é, deliberadamente criam oportunidades de desenvolvimento
para esses países. Por isso, elas não são orientadas para o lucro, e sim para
remover as barreiras existentes na promoção do desenvolvimento;
iii) O sucesso da cooperação internacional para o desenvolvimento é
mensurado por sua capacidade de construir capacidades nos PEDs e
garantir o controle nacional desses países sobre seu desenvolvimento
(ALONSO; GLEENIE, 2015, pp. 1-2).
Em termos concretos, a cooperação internacional para o desenvolvimento pode
envolver várias atividades operacionais, como a promoção do comércio, a transferência
líquida de recursos para os PEDs, o financiamento e a implementação de grandes projetos
de infraestrutura, etc. No caso do SDNU, sua área de especialização foi a cooperação
técnica para o desenvolvimento, relacionada à transferência de conhecimentos técnicos e
à construção de capacidades. A cooperação técnica envolve o recrutamento e a oferta de
pessoal qualificado; a realização de treinamentos e transferência tecnologia; a contratação
de equipamentos; a oferta de serviços de consultoria e planejamento; e a realização de
pesquisas de viabilidade, estudos pré-investimento e apoio institucional.
O envolvimento da ONU na cooperação técnica para o desenvolvimento data
desde sua criação, em 1945, para dar suporte à chamada Cooperação Norte-Sul (CNS).
Os primeiros mecanismos do SDNU foram criados justamente para atender aos interesses
das políticas externas dos países industrializados em prestar ajuda (aid) aos países não-
industrializados (e, naquele momento, recém-independentes em sua maioria), por meio
da transferência líquida de recursos, chamada de assistência oficial ao desenvolvimento
(AOD).
32
A CNS, também chamada de cooperação técnica tradicional, está baseada em um
paradigma verticalizado, que parte dos países doadores e chega aos países recipiendários.
Nessa modalidade, o SDNU seria a responsável por fazer a ponte institucional entre essas
duas partes e coordenar os projetos de cooperação técnica em campo. A AOD era então
alocada pela ONU para a construção de capacidades nos países recipiendários, por meio
de estudos de viabilidade de obras de infraestrutura, da implementação de técnicas
produtivas em setores como agricultura e indústria, da organização de sistemas públicos,
como saúde e educação, de treinamentos de funcionários e técnicos, etc.
Apesar da importância da AOD para acelerar o desenvolvimento, desde os anos
1960 os PEDs apresentam três críticas à CNS, e utilizaram-se da estrutura da ONU para
vocalizar suas visões e demandas. Primeiramente, porque a concessão da AOD é
vinculada (tied) à compra de bens e serviços e ao uso de especialistas e profissionais dos
países doadores, reforçando a dependência econômica em relação aos PDs e elevando os
custos da cooperação. Em segundo lugar, devido às condicionalidades políticas e
econômicas impostas para o dispêndio da ajuda, que estabelecem determinados alinhados
políticos (como no caso do conflito bipolar) ou a necessidade de reformas liberalizantes
(como no período pós-Guerra Fria). Em terceiro lugar, as soluções de desenvolvimento
transferidas aos PEDs geralmente vêm em pacotes prontos, com soluções emuladas da
realidade dos PDs, e, por isso, têm pouca eficácia diante dos contextos históricos e de
desenvolvimento tão diferentes entre PDs e PEDs.
Como alternativa à cooperação tradicional, a Cooperação Sul-Sul (CSS) é uma
modalidade na qual dois ou mais PEDs concertam esforços de desenvolvimento por meio
do uso de serviços, equipamentos e especialistas originários de países em condições
históricas e de desenvolvimento semelhantes. Ao invés do paradigma verticalizado entre
doadores e recipiendários, a CSS é conduzida por uma perspectiva horizontal, de
reciprocidade e mútuo-benefício, com projetos personalizados à realidade em campo. A
modalidade é, portanto, guiada pelos seguintes princípios: “(...) respeito pela soberania
nacional, apropriação nacional e independência, igualdade, não-condicionalidade, não
interferência nos assuntos domésticos e benefício mútuo” (UNITED NATIONS
GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2, tradução nossa6).
6 Do original: “(…) respect for national sovereignty, national ownership and independence, equality, non-conditionality, non-interference in domestic affairs and mutual benefit” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2).
33
É importante diferenciar as relações Sul-Sul – isto é, o quadro mais geral de
contatos, intencionais ou não-intencionais, entre os PEDs – da CSS, que é uma
modalidade da cooperação internacional para o desenvolvimento, e, por isso, engloba as
três características apresentadas anteriormente. Também é necessário distinguir as duas
sub-modalidades de CSS: a Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento
(CTPD) e a Cooperação Econômica entre os Países em Desenvolvimento (CEPD).
Apesar de serem modalidades complementares, a CTPD é voltada para o uso de bens,
serviços, tecnologias, consultores e técnicos oriundos dos PEDs; já a CEPD refere-se à
promoção do comércio exterior, dos investimentos e das relações financeiras e monetárias
entre os PEDs.
Desde os anos 1970, o SDNU passou a formalmente apoiar a promoção da CSS
como parte de suas atividades operacionais para o desenvolvimento e, com a liderança
dos PEDs, os primeiros quadros normativos e estratégicos foram criados para tanto. Mas
até 1995, a promoção da CSS no âmbito do SDNU era exclusivamente vinculada à CTPD.
A partir de então, iniciou-se um esforço de integrar as duas sub-modalidades, até que, em
2004, o SDNU passou a usar o termo CSS para se referir a ambas, a CTPD e a CEPD, em
conjunto. Porém, na prática, os esforços do sistema ainda são prioritariamente voltados
para a promoção da CTPD.
A Primeira ONU e a Segunda ONU
O processo de integração da CSS nos trabalhos regulares do SDNU é
historicamente permeado por tensões e conflitos em dois âmbitos: o da chamada Primeira
ONU, formada pelos Estados-membros dessa organização; e o da chamada Segunda
ONU, referente aos funcionários do Secretariado que fazem a gestão dos diferentes
órgãos, agências, fundos, escritórios e programas responsáveis por projetos na área de
desenvolvimento.
A relação entre essas Duas ONUs é muitas vezes ignorada por aqueles que têm
um olhar de fora da organização, mas ela é central e muito palpável na vivência prática e
nas negociações que ocorrem em Nova York. Essa distinção foi feita pela primeira vez
por Inis Claude (1996, p. 290) e depois explorada por Weiss et al. (2009 a, p. 125) no
34
bojo do Projeto sobre a História Intelectual da ONU7. As Duas ONUs não se tratam de
dois entes que se somam, mas sim dois aspectos, ou duas identidades, de uma organização
complexa. Ao mesmo tempo, embora as duas ONUs sejam mutuamente dependentes, elas
possuem mandatos, funções e capacidades distintas e complementares8.
A Primeira ONU é formada pelo conjunto de seus 193 Estados-membros,
signatários da Carta de São Francisco. Trata-se de uma organização intergovernamental
na qual os Estados-membros são os únicos responsáveis por sua existência, e, por isso,
dotados de poder de tomada de decisão (CLAUDE, 1996, p. 291). Na Primeira ONU, o
desenvolvimento e a efetivação do quadro multilateral dependem prioritariamente da
vontade política dos Estados, uma vez que não há nenhuma instância supranacional capaz
de impor-lhes as decisões.
Cada Estado-membro é representado na ONU por uma delegação, formada por
um conjunto de delegados, que são os diplomatas ou outros funcionários nacionais
indicados para representar os interesses nacionais na organização. É importante
diferenciar a figura institucional do delegado da do diplomata. Quando o representante
faz uso da palavra como delegado, ele expressa oficialmente a política externa de seu
país; por sua vez, quando se posiciona apenas como diplomata, ele é identificado por sua
profissão, que é um funcionário de carreira. Por isso, o diplomata é uma pessoa que possui
convicções e ideias pessoais. Muito embora esses papeis se confundam na prática, nessa
pesquisa, a distinção entre delegado e diplomata é usada, respectivamente, para identificar
a posição oficial de um representante de Estado e as habilidades e crenças pessoais desse
representante.
7 O Projeto sobre a História Intelectual da ONU (em inglês, United Nations Intellectual History Project – UNIHP) foi coordenado pelos professores Thomas G. Weiss, Louis Emmerij e Richard Jolly, do Ralph Bunche Institute for International Studies (Graduate Center – City University of New York). De 1999 a 2010, o projeto dedicou-se a reconstituir a contribuição da ONU no campo das ideias. Ao identificar a ONU como ator intelectual, as publicações do projeto ressaltam como ideias geradas em diferentes áreas dessa organização ganharam tração em seu bojo institucional (UNITED NATIONS INTELLECTUAL HISTORY PROJECT, 2011). 8 É importante notar que Claude (1996) usa a expressão Primeira ONU para o Secretariado e Segunda ONU para os Estados-membros. Porém, Weiss et al. (2009 a) decidem por inverter as expressões, para enfatizar o caráter intergovernamental da organização. Aqui, concordamos com a inversão feita pelos autores, por entender ser mais lógico que os Estados-membros sejam a Primeira ONU. Weiss et al. também adicionam uma Terceira ONU, que envolve a atuação de atores que não são formalmente membros ou funcionários da ONU, mas que influenciam e afetam seus trabalhos, como os consultores e especialistas, as organizações da sociedade civil e as instituições do mercado. Nessa pesquisa, a atuação da Terceira ONU será analisada apenas indiretamente, por meio da contribuição de certos acadêmicos ao debate, uma vez que o cerne do processo de incorporação da CSS se dá a partir da relação entre a Primeira ONU e a Segunda ONU.
35
A dinâmica da Primeira ONU depende da articulação entre as diferentes posições
dos Estados-membros. Por isso, uma particularidade das negociações é o foco no
consenso, ou seja, a busca pela adoção de resoluções sem voto (embora nem sempre isso
seja possível). O consenso não deve ser confundido com unanimidade, e ele é perseguido
pelos Estados não por razões idealistas, mas pragmáticas: como as resoluções decididas
pela Primeira ONU não são legalmente vinculantes, o consenso é a única forma de
garantir que haverá uma mínima observância, por parte de todos os Estados-membros9,
do conteúdo recomendado nos documentos aprovados.
Já a Segunda ONU difere-se da Primeira quanto à sua composição: conforme
definido pelo Capítulo XV da Carta de São Francisco, ela é formada pelo Secretariado,
que é o corpo burocrático da organização, sob coordenação e direção do Secretário-Geral
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945). Trata-se de um serviço civil
internacional independente, que tem a obrigação profissional de colocar-se como neutro
em relação às pressões dos diferentes Estados-membros. Os princípios de neutralidade e
independência invocam o idealismo que marca a atuação do Secretariado, uma vez que
sua ação deve ser voltada ao provimento de bens coletivos internacionais. Dag
Hammarskjöld, o primeiro Secretário-Geral da ONU, manifestou esse espírito
independente da Segunda ONU em seu famoso discurso em Oxford, em 1961:
A independência e o caráter internacional do Secretariado requerem não apenas a resistência às pressões nacionais em relação aos funcionários, mas também – e isso era mais complexo – a implementação independente de decisões políticas controversas, de maneira plenamente consistente com a responsabilidade exclusivamente internacional do Secretário-Geral (HAMMARSKJÖLD, 1961, p. 342, tradução nossa10).
A responsabilidade central da Segunda ONU é a de servir a Primeira ONU, que é
a principal beneficiária das diferentes atividades conduzidas pelo Secretariado. Porém,
isso não significa que a Segunda ONU careça de certa autonomia. Ela está atrelada aos
anseios dos Estados-membros, mas tem personalidade jurídica própria e existe como uma
entidade separada deles. Os funcionários da ONU – e, em especial, os chefes executivos
9 Essa afirmação é mais flexibilizada em relação ao Conselho de Segurança, cujas resoluções têm caráter legalmente vinculante, conforme define o Artigo 25 da Carta de São Francisco (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945). Porém, no âmbito da AGNU e do ECOSOC, órgãos nos quais o tema da CSS é tratado, suas decisões apresentam apenas caráter recomendatório. 10 Do original: “The independence and international character of the Secretariat required not only resistance to national pressures in matters of personnel, but also – and this was more complex – the independent implementation of controversial political decisions in a manner fully consistent with the exclusively international responsibility of the Secretary-General” (HAMMARSKJÖLD, 1961, p. 342).
36
– participam ativamente das decisões, ao apresentar e discutir propostas com os Estados-
membros, desenhar programas e implementar decisões. E, mesmo com o princípio de
neutralidade, os funcionários também podem tomar decisões que sejam alinhadas mais às
ideias e aos interesses de alguns grupos de países do que de outros (WEISS et al., 2009
a, pp. 126-127).
Em suma, as duas ONUs ocupam papeis inversos, por isso complementares: na
Primeira ONU, o Secretariado trabalha para os Estados-membros; na Segunda ONU, os
Estados-membros apoiam o trabalho do Secretariado. Por conta disso, a avaliação dos
sucessos e dos fracassos da ONU depende da relação entre essas partes. Em relação à
Primeira ONU, os sucessos e fracassos dependem da vontade política e da articulação dos
grupos políticos diante do quadro multilateral de cooperação. Para a Segunda ONU, os
sucessos e fracassos dependem da habilidade dos funcionários civis internacionais em
fazer uso dos meios de implementação disponíveis e de sua liderança e influência para
alterar os possíveis resultados, incluindo a posição dos Estados-membros. Mas,
obviamente, é comum a Primeira ONU culpa a Segunda ONU pelos erros políticos da
organização, e vice-versa (WEISS; DAWS, 2008, pp. 16-17).
As relações entre as Duas ONUs são complexas e sobrepostas, e apresentam
entraves e problemas específicos – porém complementares – no caso da incorporação da
CSS, como será discutido a seguir.
O debate sobre a incorporação da CSS na Primeira ONU: o conflito Norte x Sul
A pesquisa irá apresentar como o debate entre os Estados-membros sobre a
incorporação da CSS aos trabalhos regulares do SDNU é caracterizado pelo histórico
conflito Norte x Sul. Essa expressão teve origem na Guerra Fria e até hoje é utilizada para
expressar as diferentes visões, entre os países desenvolvidos e os países em
desenvolvimento, sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento.
Embora os léxicos Norte e Sul evoquem uma categoria geográfica, na prática eles
fazem pouca referência a isso. Na Primeira ONU, esses termos são usados para distinguir
politicamente o grau desenvolvimento dos países. De acordo com Weiss (2009 a, p. 272),
embora imprecisos, os termos Norte e Sul continuam até hoje sendo usados, pela Primeira
ONU, como expressões políticas porque eles são mais sutis do que as expressões “país
industrializado/não-industrializado” ou “país rico/pobre”.
37
Os países do Norte são os países desenvolvidos (PDs), com um elevado PIB per
capita e com um processo avançado de industrialização. Já os países do Sul são os países
em desenvolvimento (PEDs), com médio/baixo PIB per capita e com um significativo
nível de pobreza. São países que possuem um passado colonial e um grau de
industrialização intermediário, baixo ou inexistente.
Politicamente, é prerrogativa soberana dos Estados-membros da ONU definir seu
status em relação ao grau de desenvolvimento. A Assembleia Geral das Nações Unidas
(AGNU) e o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) apenas
formalmente classificam os países que compõem o grupo denominado países menos
desenvolvidos, com o objetivo de definir políticas específicas para os países mais pobres
e vulneráveis11.
O chamado Norte, composto por países desenvolvidos, está estrategicamente
organizado no Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (CAD-OCDE). Criado em 1961, o CAD-
OCDE é composto pelos 29 maiores doadores de AOD. A partir do status e da estrutura
de uma organização internacional garantida pela OCDE, o CAD articula conceitos,
metodologias e arcabouços políticos conjuntos para o dispêndio da ajuda. A cooperação
internacional para o desenvolvimento promovida pelo comitê está baseada no paradigma
Norte-Sul, e sua visão de desenvolvimento envolve quatro pilares: promover a confiança
nas instituições do mercado; equilibrar as finanças públicas por meio da promoção da
governança; desenhar estratégias de crescimento baseadas na inovação e na
sustentabilidade ambiental; e garantir às pessoas a capacitação necessária para um
aumento da produtividade (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION
AND DEVELOPMENT, 2018).
Embora o CAD-OCDE defina as visões comuns sobre a cooperação internacional
para o desenvolvimento, seus países-membros estão organizados e representados por
grupos regionais e políticos diferentes na ONU. Dentre eles estão: o Grupo dos Estados
da Europa Ocidental e outros; a União Europeia; os Países Nórdicos; e o JUSCANZ
(Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). Mas, para os fins dessa
pesquisa, esses grupos serão aglutinados sob a categoria de CAD-OCDE.
11 Os países menos desenvolvidos compõem um grupo de aproximadamente 50 países que possuem níveis extremamente baixos de PIB per capita, e apresentam condições de extrema vulnerabilidade econômica e social.
38
Já os PEDs são frouxamente articulados pelo Grupo dos Setenta e Sete (G-77),
uma coalizão política criada em 1964 para coordenar suas posições nas negociações sobre
desenvolvimento na ONU. O G-77 não é uma organização internacional formalizada
como a OCDE, e possui apenas um Secretariado, composto pelos próprios Estados-
membros e auxiliado pelos funcionários da ONU.
A criação do G-77 é reflexo de dois movimentos embrionários de organização
política dos PEDs em âmbito internacional: a Conferência de Bandung, de 1955, e o
Movimento dos Não-Alinhados (MNA), de 1961, quando foi criada a categoria do
Terceiro Mundo. Ao incorporar as antigas colônias africanas e asiáticas recém-
independentes, e, mais tarde, os países latino-americanos, o Terceiro Mundo buscou
desvencilhar a promoção de seu desenvolvimento do sistema bipolar de alianças da
Guerra Fria. Para isso, estimulou novas formas de cooperação entre os PEDs – a chamada
Cooperação Sul-Sul – segundo uma visão de desenvolvimento baseada nos princípios de
independência política, de luta pelo direito de buscar uma inserção internacional
autônoma dos interesses estrangeiros e de promoção da industrialização via planejamento
e intervenção econômica estatal.
Com o fim da Guerra Fria, o termo Terceiro Mundo foi substituído pela expressão
Sul Global para se referir aos interesses coletivos dos PEDs. Mas o G-77 conservou a
posição política do Terceiro Mundo, composta, por um lado, de uma crítica à dependência
e ao assistencialismo por parte dos PDs sobre seu desenvolvimento; e, por outro, uma
perspectiva grociana, ao basear suas demandas nos princípios de solidariedade e justiça
internacionais.
Nota-se que as categorias Norte e Sul são políticas, e não “científicas”. Por isso,
o CAD-OCDE e o G-77 não são grupos coesos, e existem diferenças importantes entre
os próprios membros de cada grupo. Por exemplo, dentro do CAD existe uma divisão
importante entre os doadores escandinavos, que fazem contribuições para o SDNU
seguindo a meta estabelecida pela ONU de 0,7% do PIB em AOD, e sem especificar o
uso dos recursos; e os estadunidenses, britânicos, franceses e canadenses, cujas doações
historicamente não atingem essa meta e são em sua maioria especificadas para as áreas
de interesse de suas políticas externas. Por isso, os escandinavos são muito mais
simpáticos às críticas que os PEDs fazem ao uso especificado dos recursos e às
condicionalidades dos projetos de CNS.
No G-77, as assimetrias entre seus 134 participantes são ainda mais gritantes,
devido aos diferentes níveis de desenvolvimento. Nota-se especialmente a diferença entre
39
as chamadas potências emergentes, como a China, a Índia, Brasil e África do Sul12, países
que, nos anos 2000, se destacaram pelo seu crescimento econômico e por sua liderança
política internacional na promoção da CSS; e os países menos desenvolvidos, que se
encontram em situação de vulnerabilidade. No G-77, a construção do consenso é delicada
e ameaçada por essas assimetrias – seja pelos interesses específicos de países como a
China, que é apenas associada ao grupo; ou então pelos países pequenos, cujos votos são
facilmente comprados pelos doadores.
Mas é importante ressaltar que, mesmo com essas assimetrias, as posições de voto
e de consenso são bastante coordenadas nas instâncias decisórias de alto nível na ONU.
As assimetrias entre os grupos aparecem muito mais em campo – quando os países
efetivamente decidem o que irão cumprir ou não em relação às decisões – do que nas
decisões em âmbito sistêmico.
Por isso, a análise do processo negociador sobre a incorporação da CSS será feita
prioritariamente segundo a posição dos blocos, e não a posição individual das políticas
externas. As diferenças serão pontuadas apenas quando necessárias para entender o curso
das negociações. Ademais, os termos CAD-OCDE e G-77 serão utilizados para indicar
as suas posições oficiais, expressas em documentos ou discursos formais; os termos
PDs/Norte e PEDs/Sul/Sul Global serão usados para indicar as posições mais gerais
desses grupos de países, sem necessariamente estarem refletidas em documentos oficiais.
Já o termo doadores tradicionais será utilizado para identificar os países do CAD-OCDE
no que se refere especificamente à concessão de AOD.
Como reflexo do conflito Norte x Sul, as negociações sobre a incorporação da
CSS no SDNU são altamente politizadas, presenciando tensões, muitas vezes
irreconciliáveis, em relação às visões de mundo e às demandas de cada uma das partes
sobre o papel que a ONU deve cumprir na área da cooperação internacional para o
desenvolvimento.
Os países do CAD-OCDE acreditam que o papel do SDNU deva ser a de suporte
em campo e de compartilhamento e racionalização de custos em relação às suas iniciativas
de promoção do desenvolvimento. Por isso, o comitê acredita que a incorporação da CSS
poderá acarretar em maiores custos para o SDNU sem necessariamente trazer ganhos de
eficiência, ao menos que a modalidade seja sistematizada em torno de seu paradigma da
12 Outros países foram identificados como potências emergentes, como os MISTs (México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia), mas o foco da pesquisa será na China, na Índia, no Brasil e na África do Sul, que tiveram uma atuação mais proeminente na ONU em relação à incorporação da CSS ao SDNU.
40
eficácia da ajuda. Tal paradigma corresponde à noção de valor por dinheiro (value for
money), ou seja, de tornar as contribuições financeiras da ajuda mais eficientes em atingir
o desenvolvimento, a partir de um cálculo de custo e benefício possível de ser mensurável
por meio dos critérios de avaliação quantitativos de dispêndio da AOD.
Já os países do G-77 acreditam que os princípios da eficácia da ajuda são
completamente incompatíveis com os da CSS, por ser um processo qualitativamente mais
complexo e que não pode ser confundido com a AOD e mensurado por seus critérios
quantitativos. Assim, o grupo acredita que o SDNU é dominantemente orientado pela
cooperação tradicional e que suas atividades operacionais para o desenvolvimento
deveriam ser modificadas, para absorver os princípios que o orientam a CSS. Isso tornaria
o SDNU mais responsivo às suas demandas na área do desenvolvimento, especialmente
no que se refere ao controle nacional da construção de capacidades para que os PEDs
possam conduzir seu desenvolvimento de forma autônoma.
O debate sobre a incorporação da CSS na Segunda ONU: as barreiras atitudinais
A pesquisa irá também analisar os entraves à incorporação da CSS ao SDNU da
perspectiva da Segunda ONU. Ao mesmo tempo em que os temas referentes à cooperação
internacional para o desenvolvimento no âmbito do SDNU são altamente politizados pelo
conflito Norte x Sul, sempre houve uma tentativa, por parte da Segunda ONU, de fazer o
contrário, ou seja, de trazer um ambiente neutro e técnico para as discussões.
Nos seus primeiros anos de existência, o Secretariado buscou afastar-se da
politização da Primeira ONU, ao criar instrumentos menos contestadores para atingir o
desenvolvimento econômico, mas ainda assim auxiliar os PEDs em suas demandas. Esse
foi o caso dos programas de assistência técnica, que até hoje são parte fundamental das
atividades operacionais para o desenvolvimento conduzidas pela organização.
Apesar da tentativa de neutralidade, o paradigma da Cooperação Norte-Sul é
predominante na cultura burocrática da ONU e no desenho dos projetos de assistência
técnica conduzidos pelas entidades do SDNU. O sistema funciona sob o pressuposto de
que as agências e programas devem deter as soluções para o desenvolvimento e são
responsáveis por transferir essas capacidades para os PEDs. Dois motivos explicam tal
predominância. Primeiramente, porque a dependência dos doadores do CAD-OCDE
(uma vez que o financiamento do SDNU é feito majoritariamente por contribuições
voluntárias desses países) acaba por determinar o enfoque de atuação do sistema. Em
segundo lugar, porque o sistema ONU é composto por funcionários que são, em sua
41
maioria, provenientes de países ocidentais industrializados, ou que tiveram uma formação
acadêmica em universidades ocidentais.
Esses fatores impõem barreiras atitudinais significativas à incorporação da CSS
aos trabalhos regulares do SDNU. As barreiras atitudinais são definidas como
comportamentos, atitudes e visões de mundo pré-estabelecidas que dificultam ou
impedem a incorporação de uma ideia ou prática no SDNU.
No caso da CSS, a primeira barreira atitudinal é o enorme desconhecimento, por
parte dos funcionários do SDNU, acerca das capacidades humanas e materiais existentes
nos PEDs. Existe uma noção pré-concebida de que os especialistas dos PEDs são pouco
qualificados para o trabalho da ONU ou que os equipamentos e serviços são de baixa
qualidade ou de pouco avanço tecnológico. Isso resulta em uma baixa contratação de
especialistas, equipamentos e serviços dos PEDs, mesmo em casos em que recursos de
qualidade estivessem disponíveis localmente. Desde os anos 1980, há um esforço do
sistema em superar essas barreiras, mas até hoje elas são um problema na condução dos
projetos de cooperação técnica. Assim, a pesquisa irá mostrar como a limitada capacidade
do SDNU em incorporar a CSS em seus trabalhos regulares deve-se, em partes, a um
reconhecimento inadequado de seus funcionários sobre o valor e as vantagens de custo-
benefício da CSS em nível operacional.
Outra barreira atitudinal se refere ao fato de que as regras e os procedimentos para
a definição dos programas nacionais estão moldados para seguir a lógica da CNS, sem
dar claramente aos PEDs a opção de escolher o uso da CSS na implementação de um
projeto. Por isso, é muito comum que os projetos do SDNU envolvam algumas
características da CSS, mas os funcionários, por desconhecer o conceito e os princípios
particulares a essa modalidade, não são capazes de distingui-la da cooperação tradicional
em seus relatórios.
Também não há um consenso, entre o Secretariado da ONU, sobre qual deveria
ser o grau de envolvimento do SDNU em relação à CSS. Uma parte acredita que o papel
do SDNU deveria ser passivo, ou seja, de suporte mais geral à ideia e às iniciativas Sul-
Sul, mas apenas sob a demanda explícita dos PEDs. Por outro lado, algumas agências
estão apostando fortemente na incorporação da CSS como uma forma de captar recursos
dos PEDs para o interior de sua organização, especialmente no contexto de restrições
financeiras enfrentadas pela ONU desde a década de 1990. E, ainda, há escritórios do
Secretariado focados na sistematização das práticas Sul-Sul, no estabelecimento de
42
conexões entre partes interessadas (matchmaking) e no apoio à construção de capacidades
nacionais para a promoção da CSS.
As instâncias decisórias do SDNU referentes à incorporação da CSS
A ONU é uma organização complexa, e para fazer a discussão sobre a integração
da CSS, é necessário entender minimamente a relação entre as diferentes instâncias
decisórias sobre o tema, que envolve os três níveis da governança do SDNU: o sistêmico,
o das agências e o nacional. Essas instâncias decisórias trabalham em conjunto – embora
nem sempre de forma coerente e sistemática – para definir e implementar a incorporação
da CSS.
No nível sistêmico, a AGNU e o ECOSOC são os órgãos políticos decisórios
diretamente envolvidos no processo de tomada de decisão sobre a CSS, mas com um peso
maior para a AGNU. A responsabilidade desses órgãos é a de definir o conjunto de
normas e princípios políticos que orientarão o trabalho em campo das entidades do
SDNU.
Desde 1974, a Segunda Comissão da AGNU delibera sobre assuntos relativos à
CTPD e à CSS. Além da Segunda Comissão, desde 1980 a AGNU conta com um Comitê
de Alto Nível exclusivamente dedicado a definir normas e políticas sobre modalidade. De
1980 a 2003, o comitê se chamava Comitê de Alto Nível para a Revisão da Cooperação
Técnica entre Países em Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-Level
Committee on the Review of Technical Co-operation among Developing Countries). Em
2004, ele foi renomeado para Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul (HLC-
SSC, do inglês, High-Level Committee on South-South Cooperation). Assim, as siglas
HLC-TCDC e HLC-SSC se referem à mesma instância decisória.
A diferença entre o trabalho da Segunda Comissão da AGNU e do HLC-
TCDC/HLC-SSC é que a primeira instância é um charger body, isto é, um órgão da ONU
que aprova resoluções com grandes diretrizes políticas sobre o tema. As resoluções são
documentos oficiais que, apesar de serem recomendatórios, expressam o compromisso
entre todos os Estados-membros em um determinado item da agenda. Já o HLC é um
órgão consultivo atrelado à AGNU, que não aprova resoluções, mas decisões. As decisões
são as recomendações desse órgão consultivo para o órgão decisório.
A AGNU também é responsável pela Revisão Política Compreensiva Trienal
(TCPR, do inglês, Triennial Comprehensive Policy Review), que, desde 2008, passou a
ser a Revisão Política Compreensiva Quadrienal (QCPR, do inglês, Quadrennial
43
Comprehensive Policy Review). O propósito da TCPR/QCPR é o de monitorar a
eficiência das atividades operacionais para o desenvolvimento, e a CSS é uma das
modalidades sob avaliação. A TCPR/QCPR revisa, a cada três/quatro anos, os
mecanismos necessários para que o compartilhamento de conhecimento, a construção de
capacidades e a transferência de tecnologia Sul-Sul sejam traduzidos de forma
operacional em todas as entidades do sistema.
O ECOSOC é responsável por fazer a supervisão da implementação da
TCPR/QCPR em relação à CSS no âmbito das agências, dos fundos e programas. Além
disso, esse órgão discute a CSS em seu Fórum sobre Cooperação para o Desenvolvimento
(DCF, do inglês, Development Cooperation Forum). Trata-se de um encontro bianual de
alto-nível que tem o objetivo de revisar a coerência política e normativa das atividades
operacionais para o desenvolvimento da ONU, incluindo a CSS. Embora esse não seja
um charger body, capaz de emitir decisões, o fórum é uma caixa de ressonância para as
questões que serão discutidas na Segunda Comissão da AGNU e no HLC-SSC.
No nível de governança relativo às entidades do SDNU (agências, fundos e
programas), a principal instância de tomada de decisão é o Conselho Executivo do PNUD,
do UNFPA (Fundo Populacional das Nações Unidas) e do Escritório das Nações Unidas
de Serviços para Projetos (UNOPS), que substituiu o Conselho de Governadores do
PNUD e do UNFPA a partir de 1994. É de responsabilidade do PNUD, desde 1978, adotar
medidas para incorporar a CSS nos programas nacionais e promover a incorporação dessa
modalidade nos trabalhos do SDNU.
Sob o guarda-chuva do PNUD está o escritório do Secretariado para a CSS. Esse
escritório foi criado, em 1974, com o nome de Unidade Especial para a Cooperação
Técnica entre Países em Desenvolvimento (SU-TCDC, do inglês, Special Unit for
Technical Co-operation among Developing Countries). Em 2004, o escritório foi
renomeado como Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul (SU-SSC, do inglês,
Special Unit on South-South Cooperation). E, em 2012, foi transformada na Unidade
Especial no Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC, do
inglês United Nations Office on South-South Cooperation). Assim, as siglas SU-TCDC,
SU-SSC e UNOSSC se referem à mesma entidade do Secretariado, responsável por
promover a CSS em todo o sistema ONU.
No que se refere à coordenação com as outras entidades do SDNU, ela é realizada
pelos chamados pontos focais, compostos por funcionários dedicados a implementar as
decisões relativas à integração da CSS e a se comunicar com outras entidades sobre o
44
tema. A relação entre os pontos focais das entidades do SDNU sempre foi muito frouxa,
e a maior parte deles nunca atuou de forma ativa. Para contornar esse problema, o HLC-
SSC criou, em 2014, o Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e Triangular do Grupo de
Desenvolvimento da ONU (do inglês, Task Team on South-South and Triangular
Cooperation), um mecanismo formal interagências para coordenar a integração da CSS
entre as diferentes entidades do sistema.
No nível dos escritórios nacionais, existem os coordenadores residentes,
responsáveis por alinhar o trabalho de todas as entidades do sistema ONU envolvidas nas
atividades operacionais para o desenvolvimento implementadas em campo, por meio dos
programas nacionais. Para que a CSS seja utilizada em campo, é necessário inclui-la como
modalidade de implementação dos programas nacionais. Essa é a parte mais
descentralizada da governança do SDNU para a CSS, e a incorporação depende do
interesse e da vontade tanto dos Estados nacionais quanto do conhecimento do
coordenador residente sobre a CSS.
III. Hipóteses e embasamento teórico
Para analisar o processo de incorporação da CSS aos trabalhos regulares do SDNU
de 1970-2015, a pesquisa fará uma análise da história das ideias sobre o tema do
desenvolvimento na ONU. O ponto de partida é que as interações no Sistema
Internacional são intrinsecamente sociais, e seu entendimento não pode ser reduzido às
propriedades e características apenas dos Estados, mas também de outros atores, como as
Organizações Internacionais e os funcionários civis internacionais, que estão envolvidos
conjuntamente no processo de criação, institucionalização e socialização de diferentes
ideias em âmbito internacional.
Por isso, pressupõe-se que a ONU não é apenas uma instituição que serve aos
interesses das grandes potências, e é mais do que uma reguladora ou legitimadora das
ações dos Estados. Nessa pesquisa, entende-se que a ONU tem “poderes geradores”
(generative powers): “[a] habilidade de constituir ou construir novos atores na política
mundial, criar novos interesses para os atores, e definir tarefas internacionais
45
compartilhadas” (BARNETT; FINNEMORE, 2008, pp. 48-49, tradução nossa13). Os
poderes geradores da ONU são fundamentais para entender sua atuação no campo do
desenvolvimento, por ser um espaço de criação de novos atores, como o G-77; de
redefinição das ideias e dos interesses dos Estados, como a inclusão da ideia de
Cooperação Sul-Sul como uma modalidade de implementação das atividades
operacionais para o desenvolvimento; e de institucionalização e difusão de tarefas
compartilhadas na área da cooperação internacional para o desenvolvimento.
A respeito dessa área de cooperação, ela será analisada da perspectiva dos valores
e normas que nutrem as relações entre os Estados considerados do Norte e aqueles
considerados do Sul. Além dos interesses materiais dos doadores, entende-se que a ajuda
externa é uma norma de comportamento social que emergiu no pós-guerra e que foi
internalizada como parte da expectativa internacional de que os países ricos deveriam
ajudar os países pobres (LUMSDAINE, 1993, p. 30). Por sua vez, a CSS traz novos
princípios que contestam esse comportamento social, desafiando o discurso e a
dominância dos países do CAD-OCDE em relação à ajuda.
A escolha de fazer uma análise da história das ideias sobre o tema do
desenvolvimento na ONU, permitirá, primeiramente, entender o papel dessa organização
como um ator intelectual que deu tração à ideia de CSS. Depois, possibilitará destacar o
papel conflitivo da natureza das ideias e da ação política do chamado Sul Global, ao tentar
influenciar as normas internacionais em relação à assistência tradicional, que é o
paradigma dominante no SDNU. O papel dos discursos será ressaltado, à medida que as
potências emergentes estão desafiando o discurso do CAD-OCDE em relação à agenda,
ao financiamento e ao processo de tomada de decisão no SDNU.
Para discutir esses aspectos, a pesquisa está dividida em três enfoques: a
incorporação das ideias da CSS nos quadros normativos do SDNU; a incorporação
operacional da CSS na governança do SDNU; e o financiamento da CSS por parte do
SDNU. Cada um desses enfoques está atrelado à uma pergunta, uma hipótese e a um
embasamento teórico específicos.
A primeira pergunta se refere ao papel das ideias: como a ideia de CSS emergiu e
se integrou como uma nova dimensão da cooperação internacional para o
desenvolvimento conduzida pelo SDNU? Para fazer essa discussão, o embasamento
13 Do original: “its ability to constitute or construct new actors in world politics, create new interests for actors, and define shared international tasks” (BARNNET; FINNEMORE, 2008, pp. 48-49).
46
teórico será sobre o papel das ideias, que afetam tanto processo de tomada de decisão, ao
definir o mapa conceitual que conduz as preferências e decisões das coalizões na Primeira
ONU; quanto as estruturas de conhecimento, ao moldar ações e comportamentos da
burocracia da Segunda ONU.
A ideias dominantes na cooperação internacional para o desenvolvimento são
ideias ocidentais. Com base na teoria da dádiva, pode-se interpretar essas ideias da
perspectiva de uma ordem moral baseada na divisão entre o superior e o inferior, o doador
e o recipiendário. A ajuda externa é concebida como uma dádiva entre desiguais, ou uma
relação não-recíproca.
Já a ideia de CSS é definida negativamente, isto é, por resistência e oposição
àquelas dominantes no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. A
CSS refuta as categorias de doador e recipiendário e as substitui pela ideia de parceiros,
em uma relação de reciprocidade.
Assim, a primeira hipótese é que, por meio da CSS, os PEDs estão desafiando o
discurso dos doadores tradicionais em relação à cooperação internacional para o
desenvolvimento promovida pelo SDNU. E tem havido uma resposta positiva do
Secretariado, que está começando a identificar o valor em campo das CSS, ao estabelecer
quadros estratégicos para melhor identificar e organizar as soluções de desenvolvimento
provenientes do Sul. Com isso, há sim uma incorporação das ideias de CSS no quadro
normativo do SDNU, porém, a hipótese é a de que essa incorporação é limitada, por ser
não-sistemática e ad hoc. Isso ocorre pois, por um lado, o G-77 ainda não tem força
política suficiente para substituir o paradigma da CNS esposado pelo CAD-OCDE; e a
estrutura do Secretariado ainda não realizou uma plena mudança de mentalidade em
relação ao paradigma tradicional, prevalecendo as barreiras atitudinais contra a CSS.
A segunda pergunta se refere à governança do SDNU: porque a atuação
operacional da ONU em relação à implementação da CSS é ad hoc, e não resultante de
uma estrutura normativa e institucional sistematizada, mesmo depois de mais de 30 anos
de experiência nessa modalidade? Para fazer essa discussão, o embasamento teórico será
sobre a questão da governança global e a criação de bens coletivos globais. A ONU é
percebida como um espaço de construção desses bens coletivos, devido à sua capacidade
de coletar e divulgar informações sobre diferentes assuntos e de monitorar e supervisionar
os acordos decididos entre seus Estados-membros.
Mas o SDNU tem vários problemas de eficiência no cumprimento desses
objetivos, devido à sua própria estrutura de governança, atomizada e
47
compartimentalizada. Sua descentralização resulta na competição por agendas e recursos
e na falta de coerência dos mandatos e da atuação operacional de cada uma das partes. Há
uma evidente crise de governança do SDNU: nota-se uma falta de credibilidade dos
projetos de desenvolvimento implementados pela ONU; falta de legitimidade de seu
processo de tomada de decisão; e falta de incentivo para que os PEDs acomodem seus
interesses aos arranjos vigentes.
Assim, a segunda hipótese é que a governança do SDNU apresenta cinco lacunas
que impedem a incorporação operacional da CSS. Primeiramente, as lacunas de
conhecimento, pois o SDNU não é capaz de sistematizar o conhecimento sobre a CSS,
para provar, por meio de estudos, que essa modalidade traz um valor adicionado efetivo
ao desenvolvimento dos países. Depois, as lacunas normativas, pois não existem normas
claras sobre qual deve ser o grau de engajamento do SDNU na formulação e
implementação de iniciativas Sul-Sul (se um papel passivo ou ativo). Além disso, as
lacunas institucionais, pois não existe uma entidade no SDNU capaz de supervisionar e
dar coerência sistêmica aos diferentes níveis de integração da CSS. Em seguida, as
lacunas políticas (policy), pois não existem diretrizes operacionais eficazes para a
implementação prática da CSS nos programas nacionais. Por fim, as lacunas de
cumprimento (compliance), pois os mecanismos de implementação, monitoramento e
execução da CSS ainda são praticamente inexistentes.
A terceira pergunta se refere ao financiamento destinado à incorporação da CSS:
considerando o impacto dos chamados doadores emergentes, expressão utilizada para se
referir à crescente contribuição financeira das potências emergentes para os projetos de
CSS, porque seu financiamento não passa prioritariamente pelo SDNU? Para fazer essa
discussão, o embasamento teórico será sobre a estrutura de financiamento para o
desenvolvimento em âmbito internacional. O financiamento é uma ferramenta de política
externa que afeta significativamente aquilo que as autoridades políticas conseguem
entregar em termos de execução e implementação das ideias e valores subjacentes aos
projetos de desenvolvimento na ONU.
No campo financeiro, o SDNU é cada vez menos financiado por recursos centrais
– aqueles que são destinados sem especificações, sendo responsabilidade do próprio
sistema definir a alocação dos recursos. Quase 70% de seus recursos são especificados,
isto é, os Estados-membros dizem para onde o financiamento deve ir e como deve ser
empregado. O resultado disso é uma bilateralização das atividades do SDNU, isto é, o
48
sistema progressivamente está deixando de ter uma atuação multilateral para se tornar um
executor dos projetos bilaterais dos doadores.
Ademais, nos Conselhos Executivos das agências especializadas, como o PNUD,
o número de assentos é relativamente maior para os PDs, a despeito da maioria absoluta
dos PEDs. Isso porque os assentos do Conselho Executivo são distribuídos segundo o
peso dos doadores. Logo, como os países do CAD-OCDE são os maiores contribuintes
do SDNU, isso garante a prevalência de suas ideias, suas agendas e seus interesses no
âmbito da cooperação para o desenvolvimento.
Nos anos 2000, o crescimento econômico das potências emergentes aumentou a
quantidade de recursos disponíveis para o financiamento da CSS. Porém, do ponto de
vista sistêmico, a contribuição dos doadores emergentes para o SDNU ainda é muito
pequena. São poucos os PEDs que canalizam seu financiamento para a ONU, e eles
deliberadamente preferem usar os canais bilaterais e regionais para promover a CSS. Isso
demonstra que a ideia de usar a ONU para promover a CSS tem uma base material mais
restrita. Ao mesmo tempo, o aumento de recursos dos PEDs para financiar a CSS levou
os doadores do CAD-OCDE a pressionar pela graduação das potências emergentes, isto
é, para que elas assumam maiores responsabilidades e dividam o ônus de financiamento
do SDNU.
Assim, a terceira hipótese é a de que os doadores emergentes se recusam a assumir
maiores responsabilidades financeiras e canalizar seu financiamento para a CSS
prioritariamente pelo SDNU enquanto não houver uma reforma em sua governança, que
reflita adequadamente o peso dos PEDs no processo decisório. Diante desse impasse, o
financiamento da CSS no SDNU continua sofrendo constrangimentos, pois não existem
recursos centrais adequados para a promoção da CSS, o que contribui negativamente para
a integração sistêmica da modalidade. Por isso, o caráter ad hoc e pouco sistêmico da
integração da modalidade ao SDNU também é resultado de seu padrão errático e limitado
de financiamento.
IV. Metodologia de pesquisa
A pesquisa está embasada em uma análise da história das ideias sobre o tema do
desenvolvimento na ONU, fazendo um duplo movimento entre analisar o processo micro
de negociações entre os Estados-membros e o Secretariado no que se refere à
49
incorporação da CSS, e o processo macro sobre o papel global da ONU na área da
cooperação internacional para o desenvolvimento.
Os documentos oficiais da ONU são o conteúdo central de análise. A pesquisa
cobre todas as resoluções da AGNU e todas as decisões do HLC-TCDC/HLC-SSC sobre
o tema, de 1970 a 2015. Também cobre todos os relatórios do Secretário Geral, do HLC-
TCDC/HLC-SSC e do Administrador do PNUD sobre o tema, de 1990 a 2015. Ademais,
considera todos os registros transcritos das sessões públicas da AGNU sobre o tema (de
abertura do debate e da fase de ação), de 1990 a 2015. Esses documentos estão
organizados em uma categoria separada nas referências finais e podem ser encontrados
online, por meio de seus respectivos códigos, no Sistema de Informações Bibliográficas
das Nações Unidas (UNBISnet, do inglês, United Nations Bibliographic Information
System).
A utilização desses documentos como conteúdo central de análise é de suma
importância, pois eles sintetizam os debates entre os Estados-membros e as visões do
Secretariado sobre o tema em questão. Entretanto, por serem documentos com uma
linguagem acordada específica, isso torna a discussão hermética para aqueles que não
estão familiarizados com a dinâmica interna da ONU. Mas como um dos objetivos dessa
pesquisa é servir de base para as negociações sobre a CSS que ocorrem na organização,
a pesquisa assume tal risco, por acreditar que é necessário aproximar mais as discussões
acadêmicas brasileiras daquelas feitas na sede da ONU, em Nova York. Para lidar com o
caráter hermético dos documentos da ONU, há um esforço de explicar e traduzir o
linguajar e as noções específicas do sistema, tornando-os mais acessíveis ao leitor.
Outra dificuldade é a profusão de siglas e códigos utilizados pela ONU, que
também tornam a compreensão da discussão mais complicada. Especialmente porque
muitas das siglas são utilizadas em inglês, e, se fossem traduzidas, perderiam o sentido
para aqueles que já conhecem o tema. Por exemplo, a Unidade Especial para a
Cooperação Sul-Sul: se a sigla fosse traduzida, ficaria UE-CSS, e poderia confundir com
o uso corrente da sigla UE (União Europeia). Para evitar esse tipo de confusão, preferiu-
se manter uma mistura de siglas em português e inglês: para aquelas em que há uma
versão em português popularmente conhecida (como é o caso do PNUD, da AGNU, ou
do CAD-OCDE), elas foram utilizadas em português; e para aquelas em que não há um
uso corrente em português, foram mantidas as siglas em inglês. A lista de abreviações e
siglas contempla todos os termos usados e facilitará o acompanhamento da discussão.
50
Além dos documentos oficiais da ONU publicados no UNBISnet, foi realizada
uma pesquisa de campo na Biblioteca da ONU Dag Hammarskjöld, localizada na sede da
ONU, em Nova York. Foram coletados os relatórios do Secretário Geral, do HLC-
TCDC/HLC-SSC e do Administrador do PNUD sobre a CSS referentes ao período 1970-
1991, pois esses documentos não estão disponíveis em formato digital pelo UNBISnet.
Foi também realizada uma pesquisa de campo na Seção da ONU para o
Gerenciamento de Arquivos e Registros (United Nations Archives and Records
Management Section), localizada na sede da ONU, em Nova York. Os arquivos da ONU
disponibilizam documentos de bastidores sobre a CSS, como notas dos funcionários de
alto nível do Secretariado sobre o assunto, cartas de diplomatas encaminhadas aos
Secretários-Gerais indicando os seus interesses no assunto, e relatórios preliminares
escritos para a preparação das conferências globais sobre Cooperação Sul-Sul. Os
capítulos da tese serão enriquecidos com a análise desses documentos inéditos no Brasil,
e que não estão disponíveis online. Foram coletadas 7 mil páginas em documentos, que
cobrem o período de 1960-1996, nos seguintes arquivos:
i) Arquivos do Departamento da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais;
ii) Pesquisa nos Arquivos do Departamento de Registros;
iii) Arquivos do Secretário-Geral Kurt Waldheim (1972-1981);
iv) Arquivos do Secretário-Geral Javier Perez de Cuellar (1982-1991);
v) Arquivos do Secretário-Geral Boutros Boutros Ghali (1992-1996);
vi) Arquivos sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento
(1980-1991).
A pesquisa também conta com os resultados das entrevistas realizadas com
funcionários da ONU e diplomatas de diferentes países que participaram diretamente das
negociações sobre Cooperação Sul-Sul. Entre setembro de 2015 a janeiro de 2016, foram
conduzidas entrevistas qualitativas com 16 diplomatas, dos seguintes países/blocos:
Alemanha, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Japão, México, e União Europeia. Ademais,
foram entrevistados 22 funcionários da ONU, das seguintes entidades: Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD); Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais (UNDESA); Escritório das Nações Unidas para a
Cooperação Sul-Sul (UNOSSC); Escritório do Enviado Especial para a África; Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Fundo Populacional das Nações Unidas
(UNFPA); Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Grupo de
Desenvolvimento da ONU (UNDG).
51
Por fim, a pesquisa conta com as informações coletadas em duas reuniões de alto
nível que ocorreram na sede da ONU em setembro de 2015: a abertura da 17ª sessão
intermediária do HLC-SSC e o Encontro do Fundo IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)
para o Alívio da Fome e da Pobreza; e também no Briefing do Conselho Executivo do
PNUD, UNFPA e UNOPS sobre a Estratégia do PNUD para a Cooperação Sul-Sul e
Triangular, em janeiro de 2016.
A pesquisa está estruturada em três partes, divididas em 8 capítulos. A primeira
parte, “O despertar do Sul”, apresenta a incorporação da ideia de CSS no SDNU. A
segunda parte, “O lugar do Sul ao sol”, discute o impacto da incorporação da CSS na
governança do SDNU. E a terceira parte, “A graduação do Sul”, analisa o financiamento
da integração da CSS no SDNU. Por fim, a conclusão, “Para ver a Cooperação Sul-Sul,
é necessário sair de Nova York”, analisa os desafios futuros do processo de incorporação
da CSS ao SDNU.
52
PARTE 1 - O DESPERTAR DO SUL
A incorporação da ideia de Cooperação Sul-Sul no
Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas
Na parte 1, será discutida a trajetória da ideia de Cooperação Sul-Sul (CSS) dentro
da ONU. Mais especificamente, essa parte visa analisar como a ideia de CSS foi
incorporada ao Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU) no período de
1970-2015, quando a promoção dessa modalidade na área do desenvolvimento se tornou
uma de suas funções.
Nesse contexto, o capítulo busca responder à seguinte pergunta: como a ideia de
CSS emergiu e se integrou como uma nova dimensão da cooperação internacional para o
desenvolvimento conduzida pelo SDNU? Para respondê-la, deve-se considerar que a
ideia de CSS está calcada nos princípios de horizontalidade, solidariedade, benefícios
mútuos e não-interferência, que são diferentes do quadro ideacional dominante na área da
cooperação internacional para o desenvolvimento. Essa área de cooperação foi construída
no pós-guerra com base na ideia de ajuda ou assistência externa ao desenvolvimento.
Nessa modalidade, os países desenvolvidos (PDs), com suporte das agências e dos fundos
e programas da ONU, deveriam deter os recursos e conhecimento do desenvolvimento,
enquanto os países em desenvolvimento (PEDs) seriam recipiendários dessa assistência.
Essa discussão será delineada em três capítulos. No capítulo 1, será feita uma
apresentação conceitual da importância das ideias na Primeira ONU e na Segunda ONU,
indicando o papel da organização como um ator intelectual. Também serão discutidas as
origens da ideia de ajuda externa e a forma como os PEDs, organizados a partir do
Terceiro Mundo, canalizaram suas demandas de desenvolvimento por meio da ONU, no
período de 1950-1960.
No capítulo 2, será apresentada a emergência e consolidação da ideia de CSS
como Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD). O capítulo focará
no período de 1970-1980, quando efetivamente se inicia o processo de incorporação dessa
modalidade ao SDNU, pela aprovação do Plano de Ação de Buenos Aires para a
Promoção e a Implementação da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento
(BAPA), em 1978.
53
No capítulo 3, será discutida a incorporação da ideia de CSS no SDNU no período
de 1990-2000, quando dois documentos-chave são aprovados. A Estratégia Novas
Direções para a CTPD, de 1995, é um documento de transição, que começa a diluir a
linha divisória entre cooperação técnica e cooperação econômica entre os PEDs com o
propósito de lidar com os problemas oriundos da globalização produtiva e financeira. Já
o Resultado de Nairóbi, de 2009, finalmente consolida o uso do termo CSS para se referir
aos vínculos mais amplos de cooperação internacional para o desenvolvimento entre os
PEDs.
Por fim, na conclusão da parte 1, a pergunta será retomada, demonstrando as
transformações conceituais na definição da CSS utilizada pela ONU ao longo de quatro
décadas de promoção dessa modalidade, considerando a influência de outros paradigmas
concorrentes, como o da eficácia da ajuda, esposado pelos países do CAD-OCDE.
54
CAPÍTULO 1 - O PAPEL DAS IDEIAS NA COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO E AS
ORIGENS DA IDEIA DE CSS NA ONU
Jolly et al. (2009, p. 38, tradução nossa14) definem as ideias como “(...) noções e
crenças, carregadas por indivíduos, ONGs ou governos, que influenciam suas atitudes e
ações”. Ideias são construções sociais portadas por diversos atores, que emergem e
prevalecem em períodos específicos da história. Elas definem não apenas aquilo que os
atores internacionais querem, mas, principalmente, aquilo que eles acreditam.
Para analisar o processo de incorporação da ideia de CSS ao SDNU, esse capítulo
fará duas discussões. Primeiramente, discutirá como as ideias influenciam as decisões dos
Estados-membros na Primeira ONU e moldam o comportamento da burocracia na
Segunda ONU. A partir dessa análise conceitual, será enfatizado o papel dessa
organização como um ator intelectual.
Em segundo lugar, o capítulo se deterá nas origens da ideia de CSS. Em termos
de contexto, o debate está inserido no período da Guerra Fria, de criação da ONU e de
descolonizações (1950-1960). Nos anos 1950, a ideia de ajuda ou assistência externa era
a base cooperação internacional para o desenvolvimento conduzida pelos países
desenvolvidos (PDs). A ONU, por meio das atividades de assistência técnica, deveria dar
apoio ao desenvolvimento dos países pobres e recém-descolonizados, e um conjunto de
ideias e instituições foram criadas para que a organização pudesse expandir seus trabalhos
nessa área.
As origens da ideia de CSS remetem à organização política dos PEDs na ONU, a
partir de demandas coletivas sobre como a organização deveria apoiar o desenvolvimento
desses países. Assim, o capítulo discutirá o papel do Espírito de Bandung, do Movimento
dos Não-Alinhados e as consequências desses processos na ONU nos anos 1960, que
culminou com a criação de uma entidade específica para atender aos interesses dos PEDs:
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
14 Do original: “(…) notions and beliefs held by individuals, NGOs, or governments that influence their attitudes and actions” (JOLLY et al., 2009, p. 38).
55
1.1. As ideias e as decisões dos Estados-membros na Primeira ONU
Os Estados-membros se envolvem em negociações na ONU porque percebem a
possibilidade de haver ganhos positivos interdependentes, ou seja, de se atingir um
resultado individual e coletivo que só poderia ser obtido por meio da cooperação
(WENDT, 1992, p. 417). Nas negociações, o trabalho dos delegados é o de tomar decisões
que sejam capazes tanto de atender aos interesses de suas delegações quanto de definir
ações coletivas. Para que haja cooperação, é necessário que os Estados-membros não se
identifiquem negativamente uns com os outros, e percebam áreas onde é possível haver
alguma convergência. Nesse processo, o papel das ideias é fundamental.
A convergência entre os Estados-membros nas negociações é feita a partir de seus
interesses, que estão permeados por valores, visões de mundo, percepções e não-
percepções. As ideias carregadas pelas delegações permitem selecionar, filtrar, organizar
e hierarquizar as informações discutidas em uma negociação. Da mesma forma, orientam
aquilo que será assimilado e percebido como convergente e o que será rejeitado e
percebido como conflitante. Elas funcionam, portanto, como um guia para definir os
posicionamentos e interesses, aquilo que os Estados vão defender ou recusar nas
negociações internacionais.
Em um processo de negociação, os Estados-membros se relacionam com base em
princípios, normas, regras e nos resultados gerados pelo contexto de interação. A cada
rodada, eles criam compreensões e expectativas mais estáveis sobre o comportamento uns
dos outros, identificando hábitos de convergência ou divergência em diferentes assuntos.
As ideias defendidas por cada Estado-membro não são fixas, mas flexíveis, se adaptando
à interação com os outros atores e às mudanças de contexto (WENDT, 1992, p. 397;
ADLER; BARNETT, 1998, p. 6).
Ou seja, negociar consiste em um processo de aprendizagem mútua acerca das
ideias portadas pelas diferentes delegações, e cada troca adiciona significado e
conhecimento a essa relação. Considerando essa dinâmica de interação, como são
definidas as ideias que serão coletivamente acordadas pela Primeira ONU? Como os
Estados-membros convergem suas posições e chegam a um consenso acerca das ideias
que irão seguir?
As ideias cristalizadas nas negociações se originam, primeiramente, do processo
de aprendizagem e adaptação. As ideias são desvendadas e debatidas nos processos de
56
negociação, e quando são consideradas persuasivas o suficiente, são aceitas e
incorporadas pelos Estados-membros. Novas ideias surgem em virtude de novas
circunstâncias, e elas prevalecem se conseguirem se firmar em um contexto em
transformação. Quando uma nova ideia adentra o processo de tomada de decisão na ONU,
ela “constantemente tem que se provar contra fórmulas rivais, que alegam resolver melhor
os problemas” (HAAS, 1990, p. 20, tradução nossa15).
Por outro lado, ideias novas que emergem na ONU convivem com ideias que já
existem há muito tempo. Ideias que já foram desacreditadas em algum momento podem
voltar à moda e ganhar uma posição de destaque na organização. Como coloca Woods
(1995, p. 168), poucas ideias são efetivamente novas. O que define a emergência, a
consolidação ou a recusa de uma ideia na Primeira ONU é a relação de poder entre os
grupos políticos.
Os Estados-membros não negociam apenas individualmente, mas se aglutinam em
grupos de delegações que possuem visões de mundo semelhantes. Existem diferentes
combinações de grupos políticos, a depender do tema em negociação. Mas, no processo
de tomada de decisão, os grupos se dividem entre aqueles que tem maior poder, ou seja,
cujas decisões afetam não apenas a si mesmos, mas ao conjunto dos atores negociadores;
e os grupos de menor poder, cujas decisões afetam apenas a si mesmos e a um pequeno
círculo ao seu redor (BOULDING, 1959, p. 121).
As ideias que tendem a prevalecer são aquelas que os grupos de maior poder são
capazes de disseminar internacionalmente durante as negociações. Mas isso não quer
dizer que as ideias defendidas na Primeira ONU são completamente reduzíveis às dos
grupos mais poderosos. Em várias negociações, nem sempre esses grupos estão
organizados em coalizões estáveis e com posições homogêneas, o que abre brechas para
que os grupos de menor poder consigam canalizar determinadas ideias no processo de
negociação.
Por isso, as ideias prevalecentes na Primeira ONU são decididas por meio de um
consenso entre os grupos de maior e de menor poder, que é o resultado de um jogo de
barganha entre eles. Nesse jogo de barganha, todos os lados negociadores precisam ceder
coletivamente para que possam ganhar coletivamente. Mas isso não quer dizer que esse
jogo seja simétrico, pelo contrário: trata-se de uma barganha assimétrica, com diferenças
15 Do original: “It must constantly prove itself against rival formulas claiming to solve problems better” (HAAS, 1990, p. 20).
57
relativas entre o quanto cada grupo cede e o quanto cada grupo ganha em determinada
negociação.
Uma vez que os Estados-membros tenham decidido acerca das ideias que irão
defender coletivamente, elas precisam ser institucionalizadas, isto é, serem expressas
como práticas e identidades organizacionais. Na ONU, as ideias são institucionalizadas
por meio de resoluções e decisões que criam normas internacionais. Essas normas são
escritas de acordo com uma linguagem acordada, que expressa o consenso em torno de
certas ideias.
As ideias institucionalizadas na ONU contribuem para definir, socializar e
influenciar seus Estados-membros, ao reforçar certos comportamentos e desencorajar
outros. Por isso, estabilizam identidades e interesses, e, ao longo do tempo, as
negociações sobre um mesmo tema vão se tornando mais propensas para o habitual. A
estabilização de um conjunto de ideias vem do desejo dos Estados-membros em
minimizar as incertezas e confirmar os comportamentos existentes, e também de evitar
os custos de quebrar os comprometimentos feitos aos outros membros (WENDT, 1992,
p. 411).
Por outro lado, as mudanças no contexto histórico e nas interações entre os
Estados-membros podem levar ao desejo de alterar as ideias institucionalizadas. Porém,
o processo de mudança na ONU é incremental e lento, e o tempo das mudanças é sempre
analisado e avaliado em décadas. Assim, uma primeira forma que os Estados-membros
usam para alterar as ideias institucionalizadas é reinterpretar o mesmo conjunto de ideias
para justificar seu comportamento (HURD, 2008, p. 304).
Caso a reinterpretação não seja suficiente para trazer as mudanças necessárias, os
Estados-membros podem quebrar o consenso sobre as ideias acordadas. Inicia-se, então,
um exame crítico das ideias antigas sobre si mesmo, sobre os outros e sobre as estruturas
de interação nas quais essas ideias foram sustentadas. Esse exame crítico conduz a uma
espécie de desnaturalização das práticas e ideias que pareciam até então inevitáveis, e
emergem novas identidades e aspirações. Os Estados-membros que visam a mudança
tentam induzir os demais a tomar uma nova identidade, instigando no outro o esforço de
mudá-lo. Esse procedimento é chamado de altercasting:
O veículo para induzir tal mudança é a própria prática do ator e, em particular, a prática de altercasting – uma técnica de controle interativo na qual o “eu” usa táticas de auto apresentação e de direção de cena com o objetivo de
58
enquadrar as definições do “outro” sobre as situações sociais, de forma a criar o papel que o “eu” deseja jogar (WENDT, 1992, p. 421, tradução nossa16).
A mudança efetivamente se cristaliza se houver compromissos de grande
significância entre os Estados-membros a favor da mudança, de modo que aqueles que
estão resistentes às alterações estejam diante de uma situação da qual eles não podem
recuar. Com o tempo, a mudança será institucionalizada como uma nova ideia.
Por fim, é importante ressaltar o papel das identidades individuais dos diplomatas
no processo de negociação na primeira ONU. As identidades pessoais são o conjunto de
crenças e ideias carregadas por um diplomata. Envolvem a busca por prestígio e
reconhecimento pessoal, as expectativas pessoais sobre como as relações internacionais
funcionam, e o entendimento das oportunidades existentes em um contexto específico de
negociação. Essas características também influenciam o processo de mudança nas ideias,
trazendo soluções e elementos de criatividade nas negociações, que podem fazer a
diferença na busca pelo consenso.
1.2. As ideias e os arranjos de implementação da Segunda ONU
A Segunda ONU consiste em um conjunto de funcionários civis internacionais
que trabalham dentro de arranjos institucionais definidos. Além de dar seguimento às
definições e decisões tomadas pelos Estados-membros da Primeira ONU, a Segunda
ONU possui poder e autoridade próprios em certos âmbitos, o que a possibilita influenciar
o processo político referente à agenda, às políticas e aos meios de implementação
concernentes ao seu sistema de desenvolvimento.
A relativa autonomia da Segunda ONU é proveniente de duas fontes inter-
relacionadas. A primeira é a legitimidade da autoridade racional-legal, em sentido
weberiano. Essa autoridade é derivada de princípios, regras, normas e procedimentos
considerados impessoais: “Os burocratas em OIs [organizações internacionais] realizam
‘deveres do ofício’ e implementam ‘normas racionalmente estabelecidas’ e é por isso que
eles são poderosos” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 708).
16 Do original: “The vehicle for inducing such change is one's own practice and, in particular, the practice of ‘altercasting’ – a technique of interactor control in which ego uses tactics of self-presentation and stage management in an attempt to frame alter’s definitions of social situations in ways that create the role which ego desires alter to play” (WENDT, 1992, p. 421).
59
A segunda fonte é o controle sobre a informação e o conhecimento técnico de suas
atividades. Enquanto diferentes diplomatas vêm e vão da sede da ONU, e participam de
muitas sessões sobre diferentes assuntos, às vezes sem acompanhá-los com frequência,
os funcionários da ONU carregam consigo a memória histórica da negociação, e possuem
um conhecimento especializado que não está imediatamente disponível para os
diplomatas das diferentes delegações.
Essas habilidades técnicas e racionais permitem aos funcionários internacionais
executar tarefas complexas, com precisão e continuidade. Com isso, a Segunda ONU está
diretamente envolvida na definição de normas internacionais, e não apenas em sua
implementação.
Um elemento que dá grande poder à burocracia da ONU é que ela tem uma
aparência de não-política. Enquanto os delegados representam os interesses dos Estados,
os funcionários da ONU se apresentam como neutros, tecnocráticos e impessoais. Porém,
burocracias sempre servem a um propósito social que é carregado de ideias e
conhecimentos, e, no caso da Segunda ONU, ela tem o poder de gerar assimetrias de
informação entre os Estados, conseguindo influenciar o processo de negociação.
Para Barnett e Finnemore (1999, p. 710), as OIs têm três tipos de poder em relação
às ideias e ao conhecimento: poder de classificação; poder de fixação de significados; e
poder de difusão de normas.
O poder de classificação refere-se à habilidade da burocracia da ONU de
classificar e organizar o conhecimento e as informações. Com isso, ela pode criar novas
categorias de ação. Existem conhecimentos específicos que apenas a ONU produz e têm
acesso, especialmente aqueles provenientes de seus vários escritórios nacionais.
Organizar esse conhecimento não é um processo neutro, mas político, pois “classificar é
se engajar em um ato de poder” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 711, tradução
nossa17).
O poder de fixação de significados remete à forma como a Segunda ONU é capaz
de definir conceitos e estabelecer critérios. Com isso, ela é capaz de criar padrões e indicar
os limites de determinadas ações, consolidando significados e interpretações acerca das
ações e decisões dos Estados-membros. Isso significa que a burocracia tem certo poder
para filtrar as pressões dos Estados-membros, inclusive das grandes potências, ao ter o
poder de definir seu próprio conjunto de conceitos e critérios.
17 Do original: “To classify is to engage in an act of power” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, p. 711).
60
O poder de difundir normas internacionais permite que a Segunda ONU seja um
transmissor de regras de “bom comportamento”, especialmente nos países em
desenvolvimento e menos desenvolvidos. Seus funcionários entendem que parte de sua
missão é progressista, de difundir valores e normas globais legítimas e aceitáveis, capazes
de criar melhores condições em relação à paz e segurança internacionais, ao
desenvolvimento e aos direitos humanos. Deve-se salientar que, na ONU, a difusão das
normas carrega, historicamente, uma base ocidental:
(...) enquanto os Estados ocidentais estão envolvidos nessas atividades e, portanto, seus valores e interesses são parte das razões para esse processo, os burocratas internacionais envolvidos nessas atividades podem não se ver como aqueles que seguem as ordens desses Estados, mas sim como aqueles que expressam os interesses e valores da burocracia (BARNETT; FINNEMORE, 1999, pp. 713-714, tradução nossa18).
A Segunda ONU, assim como todas as burocracias, tem uma propensão a
comportamentos patológicos. Os mesmos fatores que dão poder às burocracias também
são as fontes de seu caráter disfuncional.
As rotinas e as regras, ao definirem o que e como as burocracias devem agir em
cada situação, usualmente conduzem a disfunções. Como coloca Allison (1969, p. 700),
os procedimentos de ação das burocracias têm caráter programado, e são padronizados de
acordo com situações previstas anteriormente (a noção de t-1). Por serem definidas a
priori dos acontecimentos, as rotinas de ação muitas vezes são inadequadas para lidar
com as situações que a burocracia deveria resolver, afetando sua eficácia.
A compartimentalização e especialização das burocracias também pode levar a
comportamentos disfuncionais. A divisão do trabalho impede que os burocratas tenham
uma visão completa dos problemas, além de criar subculturas dentro das organizações,
que podem ser muito diferentes umas das outras, prejudicando a coerência de suas ações.
Barnett e Finnemore (1999, p. 716) identificam cinco mecanismos na cultura
burocrática das organizações internacionais que podem levar a atitudes patológicas: a
irracionalidade da racionalização; o universalismo burocrático; a normalização de
desvios; o insulamento organizacional; e a contestação cultural.
18 Do original: “(…) while Western states are involved in these activities and therefore their values and interests are part of the reasons for this process, inter- national bureaucrats involved in these activities may not see themselves as doing the bidding for these states but rather as expressing the interests and values of the bureaucracy” (BARNETT; FINNEMORE, 1999, pp. 713-714).
61
As regras racionais podem se tornar irracionais quando são consideradas como o
propósito final das burocracias, e não como os meios para exercer certos objetivos sociais.
Ao invés de adaptar as regras para atender a seus objetivos de forma mais eficiente, elas
fazem o contrário: ajustam os objetivos às regras existentes. Na ONU, o papel das regras
de procedimento é muito poderoso, pois elas definem como ocorrerá a implementação
das decisões. Mas, muitas vezes, as regras tornam-se um fim em si mesmas,
comprometendo a coerência e a eficácia das ações da organização nas situações em que
as regras não são adequadas a um determinado contexto.
Isso remete ao problema do universalismo burocrático na implementação de suas
ações globais, isto é, quando se aplicam regras gerais em contextos locais, a partir do
pressuposto de que as regras são transferíveis para qualquer circunstância.
O mesmo pode-se dizer da normalização dos desvios, uma espécie de inverso do
universalismo burocrático: nesse caso, desvios calculados da norma, utilizados pelos
burocratas para atender a certas ocasiões, acabam tornando-se parte normal dos
procedimentos burocráticos.
A descentralização e descoordenação entre as partes de uma organização
burocrática reforça a patologia do insulamento de suas diferentes burocracias. Na ONU,
uma das causas do insulamento das burocracias é o profissionalismo, que acaba por
impactar o recrutamento. Devido à grande concorrência internacional e às elevadas
exigências pessoais e acadêmicas de contratação, a seleção do staff concentra-se em
pessoas com visões e especialidades semelhantes, geralmente oriundas de países
desenvolvidos ou com formação acadêmica nesses países. E como o sistema ONU tem
dificuldades de avaliar, de forma articulada, os efeitos negativos do insulamento de sua
burocracia, essa é uma patologia difícil de superar.
Há também diferentes culturas organizacionais. O modo como os funcionários de
diferentes fundos, agências e programas entendem o mundo é, por vezes, muito diferente
daquilo que os Estados-membros esperam. Isso leva a brigas internas à ONU que
envolvem disputas sobre os conceitos e princípios que deveriam orientar a ação de todo
o sistema. Por isso, diferentes conjuntos de ideias, muitas vezes contraditórios entre si,
coexistem em diferentes substratos no interior da Segunda ONU (GOLDSTEIN, 1988, p.
181).
Em suma, a Segunda ONU possui relativa autonomia em relação à Primeira ONU,
mesmo sendo sua função central a de servir aos Estados-membros dessa organização.
Como resultado de seu poder de produzir e controlar ideias e conhecimentos, ela exerce
62
um papel fundamental na arena internacional. Ao mesmo tempo, essa fonte de poder
também resulta em patologias que colocam desafios à eficiência do sistema.
1.3. A ONU como um ator intelectual
A separação entre a Primeira e a Segunda ONUs facilita a compreensão da
complexidade de relações e de mandatos da ONU, mas é importante considerar que, na
prática, elas se relacionam e se sobrepõem. Juntas, elas formam a ONU como uma única
organização, entendida como um verdadeiro ator intelectual.
Para Weiss e Carayannis (2001, p. 25, tradução nossa19), as ideias são “o mais
importante legado da ONU para a política e o desenvolvimento econômico e social”. Por
isso, a organização destaca-se como um verdadeiro ator intelectual, ao criar e difundir
ideias e valores capazes de alterar os interesses e os propósitos dos diferentes atores:
A ONU não tem grande poder material com o qual ela pode coagir ou induzir os Estados, mas, à medida que tem sido um lugar para a criação e disseminação de novas ideias e valores, ela pode ter efeitos significativos no mundo, ao alterar os propósitos pelos quais o poder material é exercido por outros atores. (...) Essa abordagem utilmente chama a atenção para as formas nas quais a ONU pode ser um agente criador da mudança do mundo. Aqui, os mecanismos de mudança são: ideias, normas e valores; e a miríade de atores, incluindo organizações mundiais, que usam esses mecanismos para criar novos atores, interesses e tarefas. O uso criativo, estratégico e, às vezes, acidental, de enquadramento, acusações e debate, por parte das organizações internacionais, demonstra que é possível transformar crenças e percepções de interesse, criar novos atores e propagar novas formas de comportamento (BARNETT; FINNEMORE, 2008, pp. 49-50, tradução nossa20).
As duas ONUs trabalham conjuntamente para produzir três tipos de ideias:
positivas, normativas e causais (JOLLY et al., 2009, p. 38). As ideias positivas são
provenientes de evidências empíricas e que podem ser verificadas e contestadas.
19 Do original: “(...) the most important legacy of the United Nations (UN) for economic and social policy and development” (WEISS; CARAYANNIS, 2001, p. 25). 20 Do original: “The UN has not had great material power with which it can coerce or induce states, but to the extent that the UN has been a locus for the creation and dissemination of new ideas and values it can have significant effects in the world by changing the purposes to which material power is put by others. (...)This approach usefully draws our attention to the ways in which the UN can be a creative agent of change in the world. The mechanisms of change here are ideas, norms, and values, and the myriad actors, including the world organization, who use them to create new actors, interests, and tasks. Creative, strategic, and sometimes accidental uses of framing, shaming, and debating by international organizations have been shown to transform beliefs and perceptions of interest, create new actors, and propagate new norms of behavior” (BARNNET; FINNEMORE, 2008, pp. 49-50).
63
Envolvem os dados e as estatísticas levantados pela Primeira ONU e processados e
analisadas pela Segunda ONU. Por exemplo, o fato dos países do CAD-OCDE terem
gasto 0,3% de seu PIB em AOD no ano de 2015 é uma ideia positiva (ORGANISATION
FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 b).
As ideias normativas são crenças sobre como a ONU deveria atuar. A meta
estabelecida para que os países do CAD-OCDE gastem 0,7% do PIB em AOD é uma
ideia normativa a respeito de qual seria a alocação mais justa da assistência externa, por
exemplo. Já as ideais causais são noções operacionais. Por exemplo, o cálculo de que
0,5% do PIB em AOD é necessário para apoiar a implementação dos ODMs envolve uma
ideia causal, pois trata-se de uma ideia específica, mas que não chega a consistir em uma
teoria.
O debate, a formulação, a disseminação e a institucionalização das ideias na ONU
nunca ocorrem de forma linear. Trata-se de um processo complexo de debate e
negociação, que se desdobra de forma não-sistemática entre Estados-membros e
funcionários civis internacionais. Nesse processo, a ONU assume, coletivamente, oito
papeis ideacionais:
i) Fonte (Fount): é uma fonte de geração e definição de novas ideias;
ii) Fonte (Font): dá legitimidade internacional às ideias;
iii) Fórum (Forum): um papel de encontro e debate, onde os diferentes atores
podem coletivamente discutir e negociar assuntos;
iv) Canalizador (Funnel): canaliza as ideias por meio de ações operacionais,
além de testar e implementar novas ideias nos níveis nacional e
internacional;
v) Fanfarra (Fanfarre): promove a adoção das novas ideias por meio de
normas e políticas;
vi) Seguimento (Follow-up): monitora e avalia o progresso da implementação
das ideias;
vii) Financiamento (Funding): gera recursos para concretizar a adoção de
normas e políticas baseadas em novas ideias;
viii) Funeral (Funeral): age para enterrar ideias que sejam inconvenientes ou
controversas (ANSTEE21 apud WEISS et al., 2009 b, p. 2).
21 Margaret Joan Anstee foi a primeira mulher a ocupar o cargo de Vice-Secretária-Geral da ONU, em 1987. Ela trabalhou por quatro décadas no SDNU, dedicando-se às atividades operacionais para o
64
As ideias geradas pela ONU impactam e exercem influência internacional de
quatro maneiras (JOLLY et al., 2009, p. 42): geram mudanças em relação à percepção e
à linguagem por meio das quais os problemas processados; permitem a definição de
agendas que orientam estrategicamente a ação da ONU; alteram a percepção dos
interesses das diferentes coalizões em relação à resistência ou não às mudanças, e, dessa
maneira, possibilitam alterações no equilíbrio de forças das negociações; e conduzem o
processo de criação das instituições, que são responsáveis por difundir as ideias e se
tornam o lócus de seu monitoramento e avaliação.
Esse impacto demonstra a capacidade da ONU em ser uma organização que
aprende (learning organization), conceito definido por Haas (1991, p. 4) para demonstrar
como as organizações mudam com a emergência de novas ideias e se transformam por
meio dessa aprendizagem. Na área do desenvolvimento, fica clara a capacidade da ONU
em reexaminar e alterar o quadro normativo e a ação em campo diante dos novos
conhecimentos produzidos ao longo da segunda metade do século XX, a partir da forma
como Estados-membros e funcionários civis internacionais mobilizaram esses
conhecimentos na dinâmica do processo de tomada de decisão.
De posse desses conceitos relacionados ao papel das ideias na ONU, a análise
passará para o campo da cooperação internacional para o desenvolvimento propriamente
dito, apresentando as origens da ideia de CSS e como ela foi sendo gestada no interior do
SDNU.
1.4. Origens: a ideia de ajuda externa ao desenvolvimento, a consolidação do
Terceiro Mundo e o papel da ONU (anos 1950-1960)
Tendo considerado o papel das ideias no SDNU, esse item discutirá as origens da
ideia de cooperação internacional para o desenvolvimento. A partir da teoria da dádiva,
será destacado o contexto histórico da Guerra Fria e do processo de descolonização, que
demandou novos instrumentos de cooperação entre os PDs e os PEDs, como é o caso da
ajuda ou assistência ao desenvolvimento. Além disso, o item discute como essas
demandas afetaram diretamente o trabalho da ONU na área de desenvolvimento. Em sua
desenvolvimento no PNUD. Os oito papeis ideacionais foram definidos por Anstee em entrevista a Weiss et al. (2009 b), por ocasião do United Nations Intellectual History Project.
65
primeira década de existência, a organização foi responsável por criar modalidades
específicas de cooperação técnica, com base no regime da ajuda definido pelos Estados
Unidos e pela Europa.
Em meados dos anos 1950, os PEDs começam a se organizar politicamente em
torno da ideia de Terceiro Mundo, o que trouxe mudanças na forma como a cooperação
internacional para o desenvolvimento seria entendida nos anos 1960. Essa década é
considerada a era do desenvolvimento na ONU, pois foram criadas e consolidadas as
estruturas que formam o chamado Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas
(SDNU).
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD) emergiu como o fórum sobre comércio internacional de um novo grupo
político formado por países em desenvolvimento, o Grupo dos Setenta e Sete (G-77). Já
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) foi fundado para
atender a demanda crescente do Terceiro Mundo em relação aos programas de assistência
técnica. Ambas as entidades trouxeram novas ideias para a área da cooperação para o
desenvolvimento, questionando os princípios de assistência técnica definidos pelos PDs
nos anos 1950.
1.4.1. A dádiva como razão de ser da cooperação internacional para o
desenvolvimento: o contexto da Guerra Fria e o processo de descolonização
As primeiras iniciativas de cooperação internacional para o desenvolvimento
ocorreram entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 1950, quando a estrutura política
internacional da Guerra Fria já havia emergido. Não se pode entender as ideias que deram
início a essa forma de cooperação sem inseri-las no contexto do conflito ideológico entre
o capitalismo americano e o socialismo soviético. Tal cooperação foi criada como um
instrumento de política externa central na definição dos países que seriam aliados do
bloco estadunidense e do bloco soviético.
Dentro da lógica da Guerra Fria, era fundamental não apenas garantir a lealdade
dos países que já eram considerados alinhados a um dos blocos, mas sobretudo
condicionar a ação dos países que poderiam tomar decisões contrárias aos interesses das
potências. Por isso, na Guerra Fria, “(...) a ajuda é usada para comprar influência, ao invés
66
de apenas recompensar os amigos próximos” (STONE, 2010, p. 15, tradução nossa22). O
Plano Marshall23, lançado pelo então Secretário de Estado George C. Marshall, e
aprovado pelo Congresso americano em 1948, tinha justamente esse objetivo: a
transferência líquida de recursos para promover a reconstrução econômica da Europa
Ocidental visava evitar que a União Soviética afetasse a predominância americana no
continente.
O contexto da Guerra Fria também influenciou o processo de descolonização e a
criação de novos Estados independentes na Ásia e na África. Os movimentos de libertação
nacional contaram com um contexto internacional favorável, uma vez que tanto os
Estados Unidos quanto a União Soviética apoiaram a desintegração dos impérios
europeus. Para o primeiro país, a descolonização asseguraria uma nova ordem mundial
baseada em Estados independentes que poderiam ser incorporados à expansão do
capitalismo americano. Por exemplo, a atuação dos Estados Unidos e da União Soviética
na Coreia e no Vietnã, além do recurso da guerra, foi amplamente marcada pela ajuda
externa. Para o segundo, a simpatia que os movimentos de libertação nacional tinham
para com as ideias socialistas garantiria uma considerável área de influência (MURPHY,
2014, p. 225; HOBSBAWM, 2008, p. 350).
Griffin (1991, p. 647, tradução nossa24) sintetiza a importância da Guerra Fria para
a criação da cooperação internacional para o desenvolvimento:
(...) se não fosse pela Guerra Fria, não teria sido possível gerar o apoio político doméstico nos países doadores, necessário para sustentar a assistência externa por mais de quatro décadas. Outros motivos, além da confrontação ideológica, também tiveram influência, não tanto para iniciar os programas de ajuda quanto para sustentá-los, uma vez que os princípios gerais foram aceitos. As
22 Do original: “(...) aid is used by buy influence, rather than simply to reward close friends” (STONE, 2010, p. 15). 23 O Plano Marshall visava reconstruir economicamente a Europa com um objetivo duplo: no aspecto político, controlar o avanço ou o apelo das ideias comunistas em países como a Alemanha Oriental, a França e o Reino Unido, dentro da política de blocos da Guerra Fria; e, no aspecto econômico, criar as bases da liderança econômica estadunidense, por meio da liberalização progressiva do comércio e da constituição de um sistema de pagamentos multilateral com base no dólar como moeda internacional. 24 Do original: “(...) for without the Cold War it would have been impossible to generate the domestic political support in the donor countries necessary to sustain foreign assistance for more than four decades. Other motives apart from ideological confrontation also played a role, not so much in initiating aid programmes as in sustaining them once the general principle had been accepted. Diplomatic considerations clearly were important, e.g. in mobilizing support in the General Assembly of the United Nations and, in the case of France and Britain, in retaining influence in colonial territories after they became independent. Commercial advantage soon became a prominent motive: securing markets, promoting exports, creating a favourable climate for private foreign investment. And of course there were genuine humanitarian motives, e.g. in Scandinavia and one or two other small donor countries. But the conflict between the two superpowers was the sine qua non” (GRIFFIN, 1991, p. 647).
67
considerações diplomáticas claramente eram importantes, por exemplo, para mobilizar suporte na Assembleia Geral das Nações Unidas e, no caso da França e do Reino Unido, para conservar a influência nos territórios coloniais depois que eles se tornaram independentes. As vantagens comerciais logo se tornaram um motivo proeminente: garantir mercados, promover exportações, criar um clima favorável ao investimento externo privado. E, é claro, havia motivos genuinamente humanitários, por exemplo, na Escandinávia e em um ou outro pequeno país doador. Mas o conflito entre as duas superpotências era condição sine qua non.
Assim, a criação de novos Estados deu um amplo impulso à cooperação
internacional para o desenvolvimento na década de 1950, justamente por colocar a disputa
bipolar por áreas de influência em um nível verdadeiramente global, e não apenas
europeu. Com a liderança dos Estados Unidos e o suporte das potências europeias
ocidentais, tal área da cooperação foi construída por simbolismos e imagens em torno da
expressão “ajuda externa”, que exprimiria a benevolência americana e europeia em
“socorrer” os países mais pobres. Tratava-se de uma obrigação moral desses países em
ajudar os países com maiores dificuldades econômicas.
Hattori (2003) e Silk (2004) fazem uma análise da criação da cooperação
internacional para o desenvolvimento a partir da teoria da dádiva. Essa teoria, na área da
antropologia, foi desenvolvida por Marcel Mauss em 1923, com base nos três vínculos
que a doação cria entre o doador e o recipiendário: o dar, que estabelece o vínculo social
em si; o receber, que confirma o estabelecimento desse vínculo (pois negar seria recusar
não apenas a dádiva, mas a relação social); e a (não)-reciprocidade, isto é, a dádiva é
oferecida voluntária e gratuitamente (MAUSS, 2002, p. 23).
A ajuda externa era expressa ideacionalmente como uma dádiva, uma concessão
voluntária estendida de um país doador para um recipiendário. Os países doadores faziam
a transferência líquida de recursos, por meio de doações e empréstimos concessionados.
Os países recipiendários recebiam a ajuda, utilizando os recursos para desenvolver
capacidades e tecnologias por meio da cooperação técnica, em uma base não-comercial.
Silk (2004, p. 232) aponta que a tradição de doar é uma prática ocidental baseada
no elogio aos doadores. No caso da ajuda externa liderada pelos Estados Unidos e pela
Europa Ocidental, consolidou-se uma ética que ressalta as qualidades ou as virtudes
daqueles que doam, ao serem representados como ativos e generosos. A motivação
ideacional dos doadores para conceder a ajuda é o reconhecimento social de sua virtude.
A ajuda externa não cria uma obrigação material por parte do recipiendário, pois
não se trata de uma troca econômica ou comercial, ou uma ação de redistribuição. Porém,
dentro do quadro de expectativas sociais, ela exige uma obrigação de retorno. A
68
convenção social faz entender que, após uma doação, um tipo específico de reciprocidade
não-material é esperado, como a demonstração de gratidão. A função da dádiva é
justamente a de criar e reforçar essa relação.
Ao suspender a obrigação de reciprocidade material, estabelece-se uma
dominação simbólica entre os doadores e os recipiendários: “(...) a institucionalização da
ajuda pode promover um efeito mais insidioso ao longo do tempo: pode trabalhar para
legitimar eticamente uma ordem material, reformulando uma hierarquia material entre o
doador e o recipiendário como se fosse uma hierarquia moral” (HATTORI, 2003, p. 237,
tradução nossa25).
Hattori (2003) e Silk (2004) interpretam a ajuda externa criada no período da
Guerra Fria como uma dádiva negativa, cujo objetivo era afirmar uma hierarquia
internacional baseada em relações de superioridade e inferioridade. A cooperação
internacional para o desenvolvimento foi criada como um relacionamento específico de
política de poder muito importante nesse período, ao trazer uma dominação simbólica que
transformou o doador em generoso e o recipiendário naquele obrigado a retribuir com
demonstração de sua aquiescência e alinhamento à ordem internacional.
Esse foi o contexto simbólico do lançamento oficial da ajuda externa no âmbito
internacional, com o Programa de Quatro Pontos do então Presidente americano Harry S.
Truman26, em 1949. Porém, ao invés da transferência líquida de recursos para a promoção
da industrialização (como foi o Plano Marshall), o programa compreendia atividades de
assistência técnica e econômica para a Grécia e a Turquia, países pobres da Europa com
grande probabilidade de se alinhar ao bloco soviético, devido à proximidade fronteiriça e
à situação interna de efervescência social.
Em seu discurso inaugural, ao invés de falar sobre a posição estratégica desses
países na Guerra Fria, Truman enquadrou a assistência a eles como uma ação moral que
levaria à paz e à prosperidade. E, para isso, o envolvimento da ONU seria crucial: “Este
deve ser um empreendimento cooperativo no qual todas as nações trabalharão juntas por
meio das Nações Unidas e suas agências especializadas sempre que possível. Deve ser
25 Do original: “...the institutionalisation of giving can foster a more insidious effect over time: it can work to ethically legitimise a material order, recasting a material hierarchy between donor and recipient as a moral hierarchy” (HATTORI, 2003, p. 237). 26 Alguns autores (Cf. GRIFFIN, 1991) consideram o Plano Marshall como o primeiro programa de ajuda externa. Porém, como o Plano Marshall se destinava a países já industrializados ou com algum grau de desenvolvimento, considera-se os Programa de Quatro Pontos do Presidente Truman como o primeiro programa de ajuda externa destinado a países em desenvolvimento.
69
um esforço mundial para a conquista da paz, da abundância e da liberdade” (UNITED
STATES, 1949, p. 21, tradução nossa27). Assim, nota-se que desde as primeiras
iniciativas dos doadores na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, eles
já vislumbravam um papel para a ONU. Esse aspecto será discutido a seguir.
1.4.2. A ONU, o desenvolvimento e a criação das atividades de assistência
técnica
As negociações para a criação da ONU, nos anos 1940, foram resultado das
percepções americanas e britânicas de que apenas com a liderança e a coordenação entre
as grandes potências seria possível manter a paz e a segurança internacionais28. Mas isso
exigiria não apenas resolver os problemas militares: os efeitos da Grande Depressão e o
desmantelamento da ordem econômica internacional na década anterior deixavam claro
que também era necessário resolver os problemas econômicos, sociais e humanitários que
poderiam afetar a manutenção da paz e segurança internacionais.
Por isso, o mandato econômico e social definido na Carta da ONU é tão importante
quanto o político e militar. O preâmbulo da Carta afirma o compromisso das Nações
27 Do original: “This should be a cooperative enterprise in which all nations work together through the United Nations and its specialized agencies whenever practicable. It must be a world-wide effort for the achievement of Peace, plenty and freedom” (UNITED STATES, 1949, p. 21). 28 As origens da ONU remetem à Conferência do Atlântico, realizada entre Estados Unidos e Reino Unido em 1941. Na Carta do Atlântico, documento final da Conferência, Churchill e Roosevelt definiram as diretrizes para o fim do conflito mundial, os princípios multilaterais que orientariam a reconstrução econômica global, e a necessidade de construir um novo sistema de segurança coletiva, capaz de prevenir novos conflitos internacionais (VELASCO E CRUZ, 2005, p. 7). A partir desses interesses, as duas potências realizaram, em 1942, a Conferência de Washington, com vinte e seis países presentes. Na conferência, os participantes reiteraram os princípios da Carta do Atlântico e enfatizaram a necessidade de haver uma solidariedade entre as Nações Unidas, para fazer frente ao Eixo. Foi a primeira vez que a expressão Nações Unidas foi utilizada, inspirando o nome da organização internacional que seria criada em 1945. Um ano depois da Conferência de Washington, os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética, por ocasião da Conferência de Moscou, definiram a necessidade de criação uma organização internacional, baseada no princípio da soberania, com o propósito de manter a paz e a segurança internacionais. Assim, ao mesmo tempo em que os Aliados reuniam esforços para organizar as relações econômicas internacionais na Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944, os Estados Unidos, a China, o Reino Unido e a União Soviética, entre agosto e outubro do mesmo ano, se reuniram na conferência de Dumbarton Oaks para discutir a estruturação de uma nova organização internacional, a ONU. O projeto original da ONU redigido em Dumbarton Oaks centrava os objetivos da nova organização nas questões envolvendo a paz e a segurança, entre a principal delas, a constituição de um Conselho de Segurança, projeto criado pelo Departamento de Estado para organizar as relações de segurança coletiva no pós-guerra. O projeto também previa à ONU um mandato econômico, ao reconhecer os vínculos entre a paz, a segurança e o bem-estar econômico (SEITENFUS, 2012, pp. 127-128).
70
Unidas em “(...) promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma
liberdade ampla” e “empregar um mecanismo internacional para promover o progresso
econômico e social de todos os povos” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
1945, pp. 3-4).
O Artigo 1 do Capítulo I da Carta apresenta, em seu parágrafo 3, que um dos
propósitos da ONU é o de “ conseguir uma cooperação internacional para resolver os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, p. 5). Já o Artigo 55 do Capítulo IX
estabelece especificamente as obrigações da organização a respeito da cooperação
internacional econômica e social, que são:
Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, pp. 33-34, Art. 55).
Tal mandato expandido da ONU em relação à promoção do progresso econômico
e social, do pleno emprego e do bem-estar, não era de interesse americano. A potência
desejava uma atuação limitada da organização nessas áreas, por acreditar que a
reorganização da economia internacional deveria ficar à cargo das Instituições de Bretton
Woods (IBW) – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial29, onde tinha
o controle das decisões devido o processo decisório a partir das cotas. Já em relação à
ideia de pleno emprego e bem-estar, o país acreditava que isso envolvia uma ideia de
29 A Conferência de Bretton Woods, ocorrida em julho de 1944, é o marco histórico da reorganização da economia internacional no pós-guerra. Apesar da presença de 44 países na conferência, o acordo foi a síntese da luta entre o antigo imperialismo inglês e a emergente hegemonia estadunidense, tendo prevalecido os interesses dos Estados Unidos. A conferência criou uma dupla institucionalização, o FMI e o Banco Mundial, que visavam, respectivamente, assegurar a estabilidade monetária e financeira e garantir os investimentos que sustentassem o crescimento econômico dentro do quadro de liberação econômica regulada. Segundo Benvenisti e Downs (2007, pp. 597-598, tradução nossa), a fragmentação da ordem econômica internacional no pós-guerra em várias instituições “é em parte o resultado de uma estratégia calculada pelos Estados fortes para criar uma ordem jurídica que reflete seus interesses e que só eles têm a capacidade de alterar”. Os Estados Unidos puderam usar a fragmentação das responsabilidades entre a ONU, o FMI e o Banco Mundial para pressionar os governos nacionais – especialmente dos países menos desenvolvidos – à manterem-se vinculados ao quadro mais amplo de liberalização econômica internacional.
71
comunismo ou coletivismo; por isso, preferia utilizar a expressão “níveis altos e estáveis
de emprego” (TOYE, TOYE, 2004, p. 91).
Mas os Estados Unidos estavam isolados nas negociações sobre os assuntos
econômicos e sociais. Isso porque, para os países europeus, a questão do pleno emprego
era central, dentro do quadro de estabelecimento e ampliação de seus Estados de bem-
estar social. Já para os países pequenos ou não-industrializados, que consistiam na
maioria dos presentes na Conferência30, havia um consenso de que a paz e a ordem
internacionais apenas seriam atingidas com prosperidade econômica e justiça social, e
não apenas com as medidas de segurança coletiva desejadas pelas grandes potências. A
pressão dos dois conjuntos de países fez com que os Estados Unidos acabassem por ceder
e expandir o mandato econômico e social da ONU.
A despeito de suas demandas por uma maior ênfase econômica e social da ONU,
os países pobres e não-industrializados ainda não estavam organizados como um grupo
político durante a Conferência de São Francisco, e isso preveniu-os de incluir o
reconhecimento de suas necessidades especiais na Carta. O mandato da ONU na área de
cooperação internacional econômica e social até sugere a existência de países pobres, mas
não menciona suas dificuldades específicas.
Nesse sentido, nos primeiros anos de trabalho do Secretariado da ONU, o debate
acerca do estabelecimento de sua agenda de pesquisa econômica focou-se na chamada
síntese keynesiana. O conceito de desenvolvimento englobava, no plano nacional, o
crescimento da economia nacional por meio do planejamento econômico estatal e do
pleno emprego; e, no plano internacional, a liberalização do comércio combinada com
uma ordem multilateral monetária e financeira sob o arranjo das IBW. A síntese
keynesiana dos anos 1940 refletiu a dominância dos Estados Unidos e seu interesse na
reconstrução no pós-guerra (WEISS et al., 2014, p. 258).
A síntese keynesiana tinha uma perspectiva muito limitada sobre a condição das
colônias e das ex-colônias, onde a maior parte da população mundial vivia. Por isso, em
30 Dos 51 países presentes em São Francisco, doze deles eram países industrializados (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Reino Unido e União Soviética) ou com grande predominância no quadro geopolítico global (China). Os demais trinta e nove países, oriundos da América Latina, da África, da Ásia, e alguns da Europa Ocidental e Oriental, eram países pobres, não-industrializados, muitos deles países pequenos, e vários recém-descolonizados (África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bielorrússia, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Egito, El Salvador, Equador, Etiópia, Filipinas, Grécia, Guatemala, Haiti, Honduras, Índia, Irã, Iraque, Iugoslávia, Líbano, Libéria, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, República Dominicana, Síria, Tchecoslováquia, Turquia, Uruguai, Ucrânia e Venezuela).
72
seus primeiros anos, a ONU não teve um papel operacional na promoção do progresso
econômico e social nessas regiões. Tal negligência também se deveu à ausência de teorias
sobre tal condição, pois os estudos do Secretariado se enfocavam na condição atlântica-
norte. Tanto que o uso do termo desenvolvimento não englobava um sentido de promover
a economia e o bem-estar social desses territórios, pelo contrário. Até o final dos anos
1940, desenvolvimento ou significava exploração colonial, sem indicar, de nenhuma
forma, a promoção do bem-estar dos nativos; ou então apresentada um sentido liberal, de
evolução natural das economias nacionais.
As primeiras tentativas de incluir uma visão de desenvolvimento desde os PEDs
partiram do Secretariado, e, mais especificamente do Departamento de Assuntos
Econômicos, com o apoio da delegação da China, que propôs, nos primeiros encontros
do ECOSOC em 1946, o primeiro programa de assistência técnica que seria conduzido
pelo Secretariado da ONU. Para a China, tal programa permitiria “resistir ao ‘perigo real
à sua independência econômica’ caso contasse apenas com a assistência de alguma das
cada vez mais hostis superpotências da Guerra Fria” (MURPHY, 2006, p. 52, tradução
nossa31).
Porém, com o efetivo desenrolar da Guerra Fria, promover objetivos econômicos
comuns na ONU se tornou praticamente impossível. No âmbito geopolítico, a doutrina
Truman (1947) fez com que o conflito entre dois blocos efetivamente fizesse parte dos
trabalhos da ONU em nível sistêmico. Os Estados Unidos, conjuntamente com Austrália,
Canadá, Noruega e outros doadores, se posicionaram contra o avanço do envolvimento
do Secretariado com atividades técnicas ao desenvolvimento. Para esses países, isso
deveria ser responsabilidade dos doadores, com o auxílio das agências especializadas da
ONU, que possuíam seu sistema próprio de governança e tomada de decisão.
Na segunda sessão da Assembleia Geral, em 1947, a Primeira ONU foi
intensamente criticada na imprensa internacional por sua limitada atuação em temas
econômicos e sociais: ou por ser um fórum sem utilidade, como colocavam os Estados
Unidos, que canalizavam sua assistência pelas IBW; ou por ser uma plataforma da
dominação americana, como considerava a União Soviética. Como colocam Toye e Toye
(2004, p. 65), rapidamente a ONU deixou de expressar uma visão universalista no pós-
guerra para ser uma organização órfã em virtude da Guerra Fria.
31 Do original: “to resist the ‘real danger for their economic independence’ of relying solely on assistance from either of the increasingly hostile cold war superpowers” (MURPHY, 2006, p. 52).
73
No âmbito da Segunda ONU, como a sede ficava em Nova York, os funcionários
foram afetados pelo clima anticomunista. O Departamento de Estado americano criou
uma lista de funcionários da ONU considerados suspeitos de comportamento subversivo.
Vários funcionários do Departamento de Assuntos Econômicos da ONU foram
perseguidos e até demitidos32 em virtude de pesquisas conduzidas na área do
planejamento econômico estatal, do papel da intervenção estatal na economia e da
situação nas colônias e ex-colônias. Essas pesquisas eram consideradas pelo
Departamento de Estado como meios de promoção de ideias comunistas (TOYE; TOYE,
2004, p. 80).
Além da divisão Leste-Oeste, o início dos anos 1950 foi marcado pela
consolidação daquela divisão já prenunciada na negociação da Carta da ONU: a entre
países pobres e países ricos. Nos trabalhos do Conselho Econômico e Social da ONU
(ECOSOC)33, essa divisão aparecia da seguinte forma:
(...) os outros membros do ECOSOC geralmente pedem aos Estados Unidos que assumam alguma obrigação que eles não estão dispostos a aceitar, como por exemplo, dar dinheiro para um fundo especial da ONU para o desenvolvimento econômico, criar um fundo para prevenir a transmissão internacional de depressões, ou participar de um esquema para estabilizar o preço da borracha. A divisão entre o Oriente e o Ocidente que prejudica o Conselho de Segurança é de pouca importância nos debates econômicos do ECOSOC (...) a divisão é entre países ricos e pobres, com os países da América Latina, do Oriente Médio e da Ásia, de um lado; e os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, de outro (LEWIS, 1957, pp. 44-45, tradução nossa34).
32 Um exemplo da perseguição aos funcionários da ONU no período foi o caso do funcionário David Weintraub, economista de tradição keynesiana. Os Estados Unidos o consideravam como uma pessoa de tendências comunistas, e, por isso, ele foi interrogado várias vezes pelo Senado americano. Ele enfrentou inúmeros empecilhos para assumir, em 1946, o cargo de Diretor do Departamento de Assuntos Econômicos, e o primeiro Secretário-Geral da ONU, Trygve Lie (1946-1953) se recusou a indicá-lo para o cargo sem a anuência da delegação americana. Embora não houvesse provas concretas que ele fosse comunista, a pressão era tanta que Weintraub acabou pedindo demissão da ONU (TOYE; TOYE, 2004, p. 79). 33 No documento redigido pelo Departamento de Estado americano para a Conferência de Dumbarton Oaks, foi sugerida a criação de um Conselho Econômico e Social (ECOSOC) subordinado à Assembleia Geral (AGNU). Porém, a insistência dos pequenos e médios Estados fez com que, nos trabalhos preparatórios para a Conferência de São Francisco, tal Conselho tivesse caráter autônomo. Assim, na Carta da ONU, o ECOSOC emerge como um órgão principal, mas a intenção de fazer com que o Conselho fosse uma parte subsidiária permaneceu em várias partes da Carta, resultando em ambiguidades que afetaram seu mandato desde então. Isso será melhor discutido na parte 2, sobre a governança do SDNU. 34 Do original: (...) the other members of ECOSOC are usually asking the U.S.A. to undertake some obligation which it is unwilling to accept, such as to give money toward a special U.N. fund for economic development or to create a fund to prevent the international transmission of depressions or to participate in a scheme for stabilizing the price of rubber. The division between East and West which racks the Security Council is of little importance in the economic debates of ECOSOC (...) the division is between rich and
74
Nos anos 1950, um novo conjunto de ideias para explicar a situação dos países
pobres passou a ser difundida pelo Secretariado da ONU. Em 1949, o economista alemão-
britânico Hans W. Singer, funcionário do Departamento de Assuntos Econômicos da
ONU, publicou uma análise sobre os termos do comércio entre países industriais e não-
industriais e a distribuição dos ganhos do comércio entre eles. Os resultados de sua
pesquisa mostraram que tal distribuição era injusta para os países não-industrializados,
pois o declínio secular dos termos de troca dos produtos primários fazia com que tais
países perdessem sua capacidade de absorver os ganhos do comércio, vis-à-vis a melhora
dos termos de troca dos países exportadores de manufaturas (SINGER, 1949).
Em entrevista ao Projeto de História Intelectual da ONU, Singer (2000, p. 57,
tradução nossa35) resumiu a conclusão de sua pesquisa da seguinte forma: “Se você olhar
para o comércio exterior do ponto de vista dos países pobres, exportadores de produtos
primários, como ele se apresenta? Se apresenta como um sistema desigual que está
organizado contra esses países”.
A partir das conclusões da pesquisa de Singer, o economista argentino Raúl
Prebisch, funcionário da Comissão Econômica da ONU para a América Latina (CEPAL),
lançou, em 1950, uma pesquisa sobre a situação econômica latino-americana e o impacto
da deterioração dos termos do comércio para o balanço de pagamentos dos países da
região. Prebisch afirmava que os países periféricos, exportadores de produtos primários e
carentes de capital, estavam em uma condição estrutural de dependência em relação aos
países centrais, exportadores de manufaturados e com excedente de capital (PREBISCH,
1950). Para superar a condição de dependência, Prebisch propôs a industrialização desses
países, por meio da substituição de importações.
A tese Singer-Prebisch de deterioração dos termos de troca foi bem recebida pelos
Estados-membros afetados pelos problemas descritos nos estudos. Afinal, esse foi o
primeiro aparato teórico construído dentro da Segunda ONU que focou nas condições
econômicas específicas dos países pobres e propôs medidas para superar essa condição.
No campo das ideias, a contribuição mais importante de Singer e Prebisch foi a
de consolidar o conceito de desenvolvimento na ONU. Desenvolvimento passou a
poor countries, with Latin America, Middle Eastern and Asia countries on the one side, and the U.S., Britain and France on the other (LEWIS, 1957, pp. 44-45). 35 Do original: “If you look at foreign trade from the point of view of the poor countries, exporters of primary products, what does it look like? It appears an unequal system that is weighted against them” (SINGER, 2000, p. 57).
75
significar industrialização e elevação da produtividade técnica, por meio de medidas
protecionistas e de valorização dos termos de troca dos produtos primários. A partir desse
conceito, aqueles países que não haviam se industrializado passaram a ser chamados de
subdesenvolvidos nos estudos da ONU.
Mas essas ideias desagradaram particularmente a delegação americana, que se
esforçou para afastar a consolidação dessas ideias na sede da ONU. Aos Estados Unidos
era problemática a visão de injustiça internacional presente na tese Singer-Prebisch, ao
sugerir que a exploração dos países pobres contribuiu para o bem-estar dos países ricos.
Para os Estados Unidos, era preferível que a ONU trabalhasse com o paradigma da
modernização – isto é, de que as economias nacionais consideradas subdesenvolvidas
progressivamente evoluiriam e atingiriam o desenvolvimento dos países industrializados
ocidentais, ao emular suas políticas e experiências. Os programas de ajuda dos Estados
Unidos eram justamente calcados nessa visão (JOLLY et al., 2004, p. 52).
Considerando que as tensões da Guerra Fria já colocavam constrangimentos
significativos para o trabalho da ONU, o segundo Secretário-Geral da organização, Dag
Hammarskjöld (1953-1961) preferiu não se posicionar contra os Estados Unidos nessa
questão e orientou o Secretariado a buscar uma posição menos controversa em temas de
desenvolvimento.
Hammarskjöld trouxe a ONU para um campo menos dividido do desenvolvimento
econômico, se afastando tanto do Keynesianismo extremo quanto da tese Singer-
Prebisch. Ele fez com que o desenvolvimento econômico fosse um conceito unificador
dentro da organização, que pudesse ser apropriado tanto do lado capitalista quanto do
lado socialista, e que resultasse, portanto, em maior consenso entre os Estados-membros
nessa área.
Isso foi possível por meio de uma “abordagem funcionalista”36 adotada pelo então
Secretário-Geral, de encarar os aspectos mais técnicos – e, supostamente, menos políticos
– do desenvolvimento. Assim, a atuação central da organização na área do
desenvolvimento seriam as atividades de assistência técnica (WEISS et al., 2014, p. 262).
As atividades de assistência técnica não eram uma ideia nova nas organizações
internacionais. Elas já haviam sido desenvolvidas ao longo dos anos 1940 por agências
36 Mitrany (1948) é o principal expoente da abordagem funcionalista, ao propor o desenvolvimento de arranjos cooperativos baseados não em questões políticas, mas em questões funcionais: “Nessa abordagem, não é uma questão de abrir mão da soberania, mas meramente reunir o que for necessário para a execução conjunta de determinada tarefa” (MITRANY, 1948, p. 358).
76
especializadas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) na área de
treinamento vocacional; e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO), em treinamento técnico na área de educação.
Mas as bases para a futura expansão da ONU na organização das atividades
técnicas para o desenvolvimento foi a Resolução A/RES/200 (III), de 4 de dezembro de
1948. A AGNU decidiu criar times de especialistas de diversos países e com diferentes
formações técnicas, com a função de reunir conhecimento, realizar estudos e apoiar os
projetos de transferência de competências técnicas para os PEDs. O foco das atividades
técnicas era:
(...) prover aos países em desenvolvimento as habilidades e os recursos humanos necessários para tornar efetivos os aportes de capital. Esse era o principal propósito da assistência técnica. Não importava a frente do problema que seria atacada – se era o processo econômico em si ou as pré-condições sociais necessárias – o desenvolvimento econômico efetivo apenas poderia avançar onde houvesse tanto conhecimento tecnológico quanto finanças37 disponíveis (JOLLY et al., 2004, p. 69, tradução nossa38).
Áreas como programas educacionais, saúde e higiene, e treinamentos vocacionais,
visavam criar novas habilidades e conhecimento nos PEDs. Também era necessário criar
um corpo de funcionários públicos e desenvolver serviços administrativos capazes de
criar e implementar os programas de desenvolvimento econômico, especialmente nos
países recém-independentes. Para coordenar essas atividades, o ECOSOC criou o
Programa Expandido de Assistência Técnica para o Desenvolvimento Econômico dos
Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês Expanded Programme of Technical
Assistance for Economic Development of Under-developed Countries), por meio da
Resolução E/RES/222 (IX), de 15 de agosto de 1949.
O EPTA era um programa com vários centros de serviços de desenvolvimento,
formado por funcionários da ONU responsáveis por desenvolver soluções e prover
especialidades técnicas para os PEDs. Isso ocorria por duas vias: por meio da concessão
de bolsas de estudo para enviar funcionários e especialistas dos PEDs para se formar e
37 O financiamento do desenvolvimento ficou à cargo do Banco Mundial, e o orçamento da ONU não contemplou uma linha destinada ao financiamento das atividades para o desenvolvimento. Por isso, a organização não tinha a capacidade necessária de funcionar como financiador dos PEDs nessa área, o que será melhor discutido na parte 3. 38 Do original: “(...) providing developing countries with the human skills and human resources to make capital inputs effective. This was to be the principal purpose of technical assistance. On whichever front the problem of economic development was attacked – whether the economic process itself or the necessary social pre-conditions – effective economic development could proceed only where there was both technological knowledge and available resources (JOLLY et al., 2004, p. 69).
77
receber treinamento em instituições dos PDs; e, principalmente, por meio de envio de
especialistas dos PDs para desenvolver os programas nos PEDs. Isso foi ao encontro do
programa de cooperação técnica lançado pelo Presidente Truman em 1949 e das
atividades de ajuda externa conduzidas pelos países doadores a partir de então.
O então Secretário-Geral, Trygve Lie, preferiu escolher o diplomata canadense
Hugh Llewellyn Keenleyside para ser o diretor das atividades técnicas da ONU, ao invés
de Raúl Prebisch, que já estava à frente da CEPAL. Essa decisão impediu a ONU de
colocar um dos mais respeitados economistas do mundo em desenvolvimento à frente de
um programa crucial para os PEDs.
Ao escolher um diplomata de um dos países doadores mais importantes, a lógica
da dádiva cristalizou-se nos projetos do EPTA, no sentido de que os doadores, as agências
e os especialistas da ONU detinham o conhecimento e os PEDs eram os recipiendários:
“desde então, desenvolvimento foi entendido com a preocupação particular de apenas
uma parte dos membros das Nações Unidas [os recipiendários], enquanto os outros
membros [os doadores] contribuíam para esse processo com aconselhamento, recursos e
conhecimento” (BURLEY; MALIK, 2015, p. 5, tradução nossa39).
Essa lógica também estava presente na escolha nos funcionários da ONU que iam
à campo. A Resolução de 1949 que criou o EPTA solicitava que os funcionários em
campo tivessem compreensão da história e cultura do país recipiendário, e que entendesse
as necessidades locais. Ironicamente, as pessoas que tinham essa experiência eram os
funcionários civis das metrópoles, que trabalhavam nas antigas colônias.
Porém, uma diferença entre o EPTA e os programas de ajuda externa dos doadores
eram seus escritórios nacionais. Em cada país, havia um residente responsável por
coordenar todos os programas e projetos em nível nacional, e esse residente era o
representante do Secretário-Geral em campo. Tal presença dos funcionários da ONU
permitiu uma melhor compreensão das necessidades locais, dando novos inputs para o
trabalho do Secretariado na área do desenvolvimento. Os escritórios nacionais também
permitiam o envolvimento de alguns funcionários dos países recipiendários,
diferentemente dos programas bilaterais, que contavam apenas com pessoas dos países
doadores.
39 Do original: “From then on, development was understood to be the particular concern of only a part of the membership of the United Nations, with other members contributing advice, resources and knowledge to that process” (BURLEY; MALIK, 2015, p. 5).
78
Mas essa construção de conhecimento em campo aconteceu de forma muito
improvisada, via learning by doing, como colocou Margaret Joan Anstee, uma das
primeiras funcionárias da ONU a trabalhar nos escritórios em campo. Em entrevista, ela
relembrou o espírito de seu trabalho no EPTA:
Tudo parecia improvisado naquele dia de julho de 1952 quando eu comecei a trabalhar para o Quadro de Assistência Técnica da ONU em Manila. O escritório era sediado em uma sala de cirurgia desativada no subsolo do Hospital Geral de Manila, um prédio depredado e com goteiras no teto. Naquela estação chuvosa, cada sala estava cheia de latas e quaisquer outros vasilhames para pegar as gotas. (...) Ainda assim, havia um enorme sentimento de entusiasmo e pioneirismo naquela época (ANSTEE, 1985, p. 20, tradução nossa40).
Em 1955, o EPTA adotou um sistema de programas nacionais, definidos
conjuntamente entre as entidades da ONU e os governos. Esses programas foram feitos
tomando em consideração o princípio de controle e apropriação nacional, no qual os PEDs
eles mesmos deveriam definir as prioridades da assistência técnica internacional, com
base em seus projetos de desenvolvimento. Isso também era uma diferença importante
entre os programas de assistência técnica da ONU e dos doadores americanos e europeus
(MURPHY, 2006, p. 76).
O princípio de controle e apropriação nacional foi uma das primeiras demandas
políticas das antigas colônias africanas e asiáticas recém-independentes na área do
desenvolvimento, que se organizaram politicamente pela primeira vez em 1995, na
Conferência de Bandung.
1.4.3. O Espírito de Bandung
Os anos 1950 consolidam a divisão Norte-Sul com a realização da Conferência
Asiática-Africana, de 18 a 24 de abril de 1955. Conhecida como Conferência de Bandung,
trata-se do marco histórico de surgimento do Sul Global, por ter sido a primeira
conferência internacional que reuniu os países recém-independentes sem a presença de
uma grande potência ou ex-metrópole, como os Estados europeus, os Estados Unidos e a
40 Do original: “Everything, it seemed, was improvised that day in July 1952 when I first began to work for the UN Technical Assistance Board in Manila. The office was housed in a disused surgery in the grounds of the Philippine General Hospital, a dilapidated building with a leaking roof. In the rainy season every room was festooned with tin cans and any other receptacles that could be found to catch the drips... Yet there was a tremendous feeling of enthusiasm and pioneering at that time” (ANSTEE, 1985, p. 20).
79
União Soviética. No âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento, a
conferência delineou o primeiro conceito de CSS e definiu uma posição política comum
de negociação na ONU em relação aos programas de assistência técnica.
Organizado por Burma (futuro Mianmar), Ceilão (futuro Sri Lanka), Índia,
Indonésia e Paquistão, o encontro reuniu 29 países africanos e asiáticos, que abrigavam
cerca de dois terços da população mundial: além dos organizadores, participaram
Afeganistão, Arábia Saudita, Camboja, China, Costa do Ouro (futura Gana), Egito,
Etiópia, Filipinas, Iraque, Irã, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Libéria, Líbia, Nepal, Síria,
Sudão, Tailândia, Turquia, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul e Iêmen.
O principal objetivo da Conferência era o de reunir esses novos países para que
eles pudessem delinear, no campo internacional, um posicionamento comum em
diferentes áreas de cooperação. Essa articulação era considerada necessária para lidar com
seus problemas domésticos e globais, mas isso exigiria encontrar pontos comuns diante
da grande diversidade dos países reunidos. Desde as primeiras iniciativas de cooperação
entre os PEDs, o desafio sempre foi encontrar unidade diante da enorme diversidade e
assimetria entre eles. Esse foi o ponto central do discurso do então presidente da
Indonésia, Ahmed Sukarno, na abertura da Conferência:
Sim, há diversidade entre nós. Quem nega isso? Pequenas e grandes nações aqui representadas, com povos que professam quase todas as religiões sob o sol – Budismo, Islamismo, Cristianismo, Confucionismo, Hinduísmo, Jainaísmo, Sikhismo, Zoroastrismo, Xintoísmo e outros. Quase todas as fés políticas se encontram aqui – democracia, monarquia, teocracia, com inúmeras variantes. E praticamente todas as doutrinas econômicas têm seus representantes nessa sala – marhaenismo, socialismo, capitalismo, comunismo, em todas suas múltiplas variações e combinações. (...)
Mas que mal há na diversidade, quando há unidade no desejo? Essa conferência não é para se opor uns aos outros, é uma conferência de fraternidade. (...)
Todos nós, estou certo disso, estamos unidos por coisas mais importantes do que aquelas que superficialmente nos dividem. Estamos unidos, por exemplo, por um ódio comum ao colonialismo, em qualquer forma que ele possa aparecer. Nós estamos unidos por um ódio comum ao racismo. E estamos unidos por uma determinação comum de preservar e estabilizar a paz mundial. (...)
Relativamente falando, todos nós reunidos aqui hoje somos vizinhos. Quase todos nós temos laços de experiência comum, a experiência do colonialismo. Muitos de nós, as chamadas nações subdesenvolvidas, temos problemas econômicos mais ou menos semelhantes, de modo que cada um pode aproveitar da experiência e da ajuda uns dos outros. E eu acredito que posso dizer que todos nós possuímos os ideais de independência e liberdade
80
nacionais. Sim, temos muito em comum. Mas ainda sabemos muito pouco uns dos outros. (...) (SUKARNO, 1955, tradução nossa41).
A solidariedade entre os países participantes foi a principal ideia gestada pela
conferência. Essa ideia era entendida não apenas como uma manifestação do passado
histórico colonial e dos problemas econômicos semelhantes, mas também como a
demanda por independência política, pelo direito à uma inserção internacional autônoma
dos interesses estrangeiros e pela defesa da solução pacífica dos conflitos.
Nesse sentido, ficou conhecida como Espírito de Bandung a ideia de que “o
mundo colonizado agora emergiu para clamar seu espaço nos assuntos mundiais (...) o
espírito de Bandung foi a recusa tanto da subordinação econômica quanto da supressão
cultural – as duas maiores políticas do imperialismo. A audácia de Bandung produziu sua
própria imagem” (PRASHAD, 2007, pp. 45-46).
O Comunicado Final da Conferência Asiática-Africana ficou conhecido pelos
seus Dez Princípios42, mas o documento é muito mais amplo, tendo delineado as primeiras
ideias de cooperação internacional para o desenvolvimento entre os PEDs, isto é, de CSS.
41 Do original: “Yes, there is diversity among us. Who denies it? Small and great nations are represented here, with people professing almost every religion under the sun – Buddhism, Islam, Christianity, Confucianism, Hinduism, Jainism, Sikhism, Zoroastrianism, Shintoism, and others. Almost every political faith we encounter here - Democracy, Monarchism, Theocracy, with innumerable variants. And practically every economic doctrine has its representative in this hall - Marhaenism, Socialism, Capitalism, Communism, in all their manifold variations and combinations. (…) But what harm is in diversity, when there is unity in desire? This Conference is not to oppose each other, it is a conference of brotherhood. (…) All of us, I am certain, are united by more important things than those which superficially divide us. We are united, for instance, by a common detestation of colonialism in whatever form it appears. We are united by a common detestation of racialism. And we are united by a common determination to preserve and stabilize peace in the world. (…) Relatively speaking, all of us gathered here today are neighbours. Almost all of us have ties of common experience, the experience of colonialism. Many of us, the so-called "underdeveloped" nations, have more or less similar economic problems, so that each can profit from the others' experience and help. And I think I may say that we all hold dear the ideals of national independence and freedom. Yes, we have so much in common. And yet we know so little of each other” (SUKARNO, 1955). 42 Os Dez Princípios de Bandung são: “1. Respeito aos direitos humanos fundamentais e aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas. 2. Respeito à soberania e integridade territorial de todas as nações. 3. Reconhecimento da igualdade de todas as raças e da igualdade de todas as nações, grandes e pequenas. 4. Abstenção de intervenção ou interferência nos assuntos internos de outro país. 5. Respeitar o direito de cada nação de se defender individual ou coletivamente, de acordo com a Carta das Nações Unidas. 6. (a) Abstenção do uso de acordos de defesa coletiva para atender aos interesses particulares de qualquer uma das grandes potências. (b) Abstenção, por qualquer país, de exercer pressões em outros países. 7. Abstenção de atos ou ameaças de agressão ou do uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer país. 8. Solução de todas as disputas internacionais por meios pacíficos, tais como negociação, conciliação, arbitragem ou resolução judicial, bem como outros meios pacíficos de escolha das partes, em conformidade com a Carta das Nações Unidas. 9. Promoção de interesses e cooperação mútuos. 10. Respeito pela justiça e pelas obrigações internacionais” (ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG, 1955, tradução nossa).
81
Em primeiro lugar, o princípio de autodeterminação definido no comunicado
colocou que todos os países tinham o direito e a liberdade de escolher seus sistemas
econômicos e seu modelo de desenvolvimento, e isso deveria também orientar a
concepção dos projetos e programas de assistência técnica realizada pelos doadores e pela
ONU.
Em segundo lugar, o Comunicado expressou a ideia de que a cooperação entre os
PEDs era necessária para garantir sua autonomia em relação à pressão imperialista das
antigas metrópoles. Era evidente para os países asiáticos e africanos que a independência
formal não se traduziria automaticamente em independência econômica, e essa apenas
seria possível com a cooperação entre os PEDs. Tanto que os dois primeiros parágrafos
do Comunicado tratam justamente da cooperação econômica e técnica entre PEDs, e seu
conteúdo é considerado como a primeira definição de CSS formalmente publicada em um
documento internacional:
1. A Conferência Asiática-Africana reconheceu a urgência de promover o desenvolvimento econômico na região asiática-africana. Havia um desejo geral de cooperação econômica entre os países participantes com base no interesse mútuo e no respeito pela soberania nacional. (...) 2. Os países participantes concordaram em prestar assistência técnica mútua, na medida do possível, sob a forma de: especialistas, aprendizes, projetos-piloto e equipamentos para demonstração; intercâmbio de conhecimento e estabelecimento de institutos de treinamento e pesquisa nacionais e, sempre que possível, regionais, para a divulgação de conhecimentos técnicos e habilidades, em cooperação com as agências internacionais existentes (ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG, 1955, tradução nossa43).
A cooperação entre os PEDs estaria calcada nos princípios de respeito à soberania
e de interesse mútuo, e esses países acreditavam que era especialmente importante
promover o intercâmbio de conhecimento e especialistas entre esses países. A cooperação
cultural complementaria esses esforços, ao aproximar as visões de mundo dos países
africanos e asiáticos, por meio da cooperação entre instituições as técnicas, de ensino e
de pesquisa nacionais que se formavam naquele momento. O Comunicado salientou que
a cooperação entre os PEDs deveria ser direcionada para o intercâmbio de informações e
43 Do original: “1. The Asian-African Conference recognised the urgency of promoting economic development in the Asian-African region. There was general desire for economic co-operation among the participating countries on the basis of mutual interest and respect for national sovereignty. (...) 2. The participating countries agreed to provide technical assistance to one another, to the maximum extent practicable, in the form of: experts, trainees, pilot projects and equipment for demonstration purposes; exchange of know-how and establishment of national, and where possible, regional training and research institutes for imparting technical knowledge and skills in co-operation with the existing international agencies” (ASIAN-AFRICAN CONFERENCE OF BANDUNG, 1955).
82
a aquisição de conhecimento de outros países semelhantes, elementos que serão
fundamentais para a consolidação da CSS.
Em terceiro lugar, a Conferência Asiática-Africana definiu que a Primeira ONU
seria o espaço institucional de atuação dos PEDs. Como expressou o então Primeiro-
Ministro indiano e um dos líderes do movimento terceiro-mundista, Jawaharlal Nehru:
“Nós acreditamos que, a partir de Bandung, nossa grande organização, a ONU, derivou
sua força. Isso significa, por sua vez, que a Ásia e a África devem desempenhar um papel
crescente na condução e no destino da organização mundial” (NEHRU, 1961, p. 279 apud
PRASHAD, 2009, p. 41, tradução nossa44).
Os PEDs escolheram a ONU como o fórum legitimo para discutir suas demandas
em relação aos assuntos de desenvolvimento por três razões. Primeiramente, porque a
Carta da ONU legitimava seus pleitos, ao reconhecer a obrigação dos Estados em garantir
o desenvolvimento econômico para todos. Depois, porque os PEDs tinham maior
influência no processo de decisão da AGNU, devido ao princípio de um país-um voto (e
não com base em cotas, como é o caso do FMI e do Banco Mundial). E porque o trabalho
intelectual das agências e programas da ONU na área do desenvolvimento incluía
recomendações políticas que levavam em consideração as específicas condições
históricas e econômicas dos PEDs (MURPHY, 1983, p. 62).
Esses países passariam a atuar na ONU sob a alcunha de Terceiro Mundo, um
termo simbólico que buscava expressar as demandas dos PEDs no contexto da Guerra
Fria e de pós-descolonização. A expressão Terceiro Mundo foi cunhada pelo economista
Alfred Sauvy, em um artigo à revista O Observador, em 1952, fazendo um paralelo ao
Terceiro Estado francês, que consistia em um grupo heterogêneo, excluído tanto do clero
quanto da nobreza, e, portanto, assim como os PEDs, apartado dos principais canais
políticos e econômicos (SAUVY, 1952).
A partir da Conferência de Bandung, a expressão Terceiro Mundo ganhou um
duplo significado. Expressava, primeiramente, uma lógica geopolítica diferente da Guerra
Fria, que era Leste-Oeste: tratava-se da divisão Norte x Sul. O Terceiro Mundo buscava
se desvencilhar da dinâmica política e econômica do Primeiro Mundo, formado pelo
Ocidente (basicamente os Estados Unidos e a Europa Ocidental, enquadrados no bloco
capitalista e protegidos pelo sistema de segurança coletiva da Organização do Tratado do
44 Do original: “We believe that from Bandung our great organization, the United Nations, has derived its strength. This means in turn that Asia and Africa must play an increasing role in the conduct and destiny of the world organization” (NEHRU, 1961, p. 279 apud PRASHAD, 2009, p. 41).
83
Atlântico Norte – OTAN); e da dinâmica política e econômica do Segundo Mundo,
formado pelas Repúblicas Soviéticas.
Em segundo lugar, o termo Terceiro Mundo era mais do que uma posição
geográfica. Era o projeto político de um conjunto de países que compartilhava de uma
situação histórica e econômica e social comuns e que se uniram para buscar uma inserção
internacional independente da intervenção externa. Nas palavras de Prashad (2007, pp.
xviii-xix), tradução nossa45): “o projeto do Terceiro Mundo (a ideologia e as instituições)
permitiu que os fracos pudessem manter um diálogo com os poderosos, e tentou
responsabilizá-los por sua situação”.
Obviamente, a reação dos Estados Unidos e da Europa Ocidental ao Terceiro
Mundo e à Conferência de Bandung foi hostil, negando aos países africanos e asiáticos
uma posição de neutralidade na Guerra Fria e buscando medidas mais efetivas para
ampliar a dependência desses países para com suas economias, fornecendo auxílio técnico
e econômico46. Ao mesmo tempo, a emergência do Terceiro Mundo colocou novas
pressões sobre a ONU, trazendo para o centro de seus trabalhos de assistência técnica o
embate Norte-Sul que o então Secretário-Geral Dag Hammarskjöld havia se esforçado
em neutralizar.
1.4.4. As demandas de desenvolvimento do Terceiro Mundo na ONU
A consolidação do Terceiro Mundo como um grupo político fez com que os
Estados Unidos e a Europa Ocidental institucionalizassem a ajuda externa como uma
prática moral, justificada eticamente como uma contribuição dos países ricos para o
desenvolvimento da comunidade de Estados. O primeiro passo para a organização
institucional dos doadores ocidentais foi a criação do Grupo de Assistência ao
Desenvolvimento (GAD, do inglês Development Assistance Group), em 13 de janeiro de
1960. O grupo, formado por Alemanha, Bélgica, Canadá, França, Itália, Japão, Países
45 Do original: “The Third World project (the ideology and institutions) enabled the powerless to hold a dialogue with the powerful, and to try to hold them accountable” (PRASHAD, 2007, pp. xviii-xix). 46 Estratégia essa que foi, em vários casos, bem-sucedida. Como aponta Prashad (2007, p. 38), dos 29 países presentes na Conferência de Bandung, 6 haviam estabelecido profundos arranjos econômicos e militares com países do Primeiro Mundo. Paquistão, Filipinas, Tailândia, Iraque, Irã e Turquia fizeram acordos com Estados Unidos e Reino Unido sob o argumento de defesa contra a ofensiva comunista. Além dos acordos militares, foram permitidas a instalação de bases americanas nesses países e a abertura de seus mercados para as empresas americanas.
84
Baixos e Portugal, tinha como objetivo fazer consultas entre os doadores sobre como
prover assistência aos PEDs.
No ano seguinte, decidiu-se trazer os trabalhos desse grupo para o interior da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Então, em
1961, o DAG tornou-se o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE (CAD-
OCDE), com a inclusão do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Comissão Europeia
como membros. Ao longo da década, outros países industrializados aderiram ao comitê:
Noruega, em 1962; Dinamarca, em 1963; Áustria e Suécia, em 1965; Austrália, em 1966;
e Suíça, em 1968 (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 2016 a).
O CAD-OCDE consolidou-se como um fórum de países doadores responsável por
criar e monitorar a arquitetura da cooperação internacional para o desenvolvimento a
partir da década de 1960. Ele é considerado o “contador moral” do regime de ajuda, ou
“o autenticador da ajuda externa como uma prática virtuosa” (HATTORI, 2003, p. 241,
tradução nossa47). O próprio nome do comitê remete à ideia de assistência como uma
dádiva concedida aos PEDs, um eufemismo para a dominação simbólica dos Estados
Unidos e da Europa Ocidental no período da Guerra Fria.
No âmbito da ONU, o discurso do Presidente John F. Kennedy na abertura da
AGNU, em 25 de setembro de 1961, inaugurou a prática da ajuda externa focada no
Terceiro Mundo, ao propor que os anos 1960 fossem a Década do Desenvolvimento nas
Nações Unidas: “(...) minha nação, que livremente compartilhou seu capital e sua
tecnologia para ajudar os outros a se ajudarem, agora propõe oficialmente designar a
década de 1960 como a Década de Desenvolvimento da ONU” (KENNEDY, 1961,
tradução nossa48).
Essa proposta veio inteiramente da administração Kennedy, e, quando anunciada
na abertura da AGNU, foi uma surpresa tanto para os demais Estados-membros quanto
para os funcionários da ONU. Em entrevista para o Projeto de História Intelectual da
ONU, H. Singer relembrou que: “(...) quando Kennedy proferiu suas palavras mágicas,
47 Do original: “moral bookkeeper”; “authenticator of foreign aid as a virtuous practice” (HATTORI, 2003, p. 241). 48 Do original: “(...) my Nation, which has freely shared its capital and technology to help others help themselves, now proposes officially designating the decade of the 1960s as the United Nations Decade of Development” (KENNEDY, 1961).
85
elas foram uma completa surpresa para mim. (...) Minha lembrança é que nós não
tínhamos sido avisados na ONU, pelo menos eu não sabia” (SINGER, 2000, p. 100).
Com a liderança dos Estados Unidos, o CAD-OCDE se tornou o nódulo
dominante da arquitetura da governança global da ajuda, e seus países membros foram
responsáveis por regular a maior parte da assistência bilateral. Após o processo de
descolonização, praticamente todos os países recém-criados dependiam dos recursos
provenientes dos CAD-OCDE.
Por conta dessa dependência, nos primeiros anos da década de 1960, o objetivo
do Terceiro Mundo foi fazer com que a ajuda fosse menos bilateral (onde os doadores
teriam maior controle do processo) e mais canalizada para a ONU. Com isso, eles
poderiam ter acesso aos recursos dos doadores sem necessariamente estarem atrelados ao
alinhamento da Guerra Fria, e conseguiriam garantir alguma influência na definição dos
projetos, de acordo com suas prioridades nacionais.
Essa foi uma das principais bandeiras da Primeira Conferência do Movimento dos
Não-Alinhados (MNA), que ocorreu de 1 a 6 de setembro de 1961, em Belgrado. Além
dos cinco princípios de não-alinhamento a um dos blocos da Guerra Fria49, o MNA passou
a atuar como um grupo político na ONU, com o propósito de garantir o espaço dos PEDs
no interior dessa organização, uma vez que, de acordo com o grupo, ela foi construída
considerando prioritariamente os interesses das grandes potências.
Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, os Chefes de Estado
e Governo do MNA afirmaram, na Declaração de Belgrado, que: “os países recipiendários
devem ser livres para determinar o uso da assistência econômica e técnica recebida,
definir seus próprios planos e estabelecer suas prioridades de acordo com suas
necessidades” (NON-ALIGNED MOVEMENT, 1961, p. 5, § 23, tradução nossa50).
49 Vinte e cinco países estiveram presentes na Conferência de Belgrado: Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Burma, Camboja, Ceilão, Chipre, Congo, Cuba, Etiópia, Gana, Guiné, Iêmen, Índia, Indonésia, Iraque, Iugoslávia, Líbano, Mali, Marrocos, Nepal, República Árabe Unida, Somália, Sudão e Tunísia. Além disso, houve três países observadores: Bolívia, Brasil e Equador. O MNA ficou conhecido por seus cinco princípios de não-alinhamento, que são: 1. Adotar uma política independente de coexistência pacífica e não alinhamento; 2. Apoiar movimentos de independência nacional; 3. e 4. Não ser membro de alianças militares multilaterais ou bilaterais que afetem o equilíbrio de poder bipolar; e 5. A concessão de bases militares não pode afetar o equilíbrio de poder bipolar (NON-ALIGNED MOVEMENT, 1961, pp. 3-4). Na prática, esses cinco princípios foram muito difíceis de cumprir por parte dos países membros do MNA, e o não-alinhamento se consolidou muito mais como a busca por autonomia do que pela neutralidade na Guerra Fria. 50 Do original: “The countries participating in the Conference declare that the recipient countries must be free to determine the use of the economic and technical assistance which they receive, and to draw up their
86
A identificação do então Secretário-Geral da ONU – o diplomata birmanês U
Thant (1961-1971) – com a demanda do movimento terceiro mundista em canalizar a
ajuda externa para o sistema ONU, facilitou a consolidação de uma visão específica de
desenvolvimento no interior da organização. Em primeiro lugar, os países do Terceiro
Mundo não seriam mais chamados de periféricos ou de subdesenvolvidos, mas sim de
“países em desenvolvimento” (PEDs). Ademais, os programas para a promoção do
desenvolvimento na ONU teriam quatro orientações: o conceito da tese Singer-Prebisch
de que o desenvolvimento seria alcançado com a industrialização e o aumento da
produtividade; o papel central dos Estados no planejamento econômico, que deveria ser
feito segundo as prioridades nacionais; o compromisso e a obrigação dos países
industrializados em conceder os recursos financeiros necessários para suprir a
necessidade de capital dos PEDs; e a criação de novas entidades no interior do sistema
ONU, que tivessem mandatos focados exclusiva e especificamente nos problemas dos
PEDs.
A primeira nova entidade criada com esse enfoque foi a Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), em 196451. A UNCTAD tinha
o mandato de discutir os constrangimentos externos ao desenvolvimento e negociar entre
todos os Estados-membros da ONU uma nova política comercial para o desenvolvimento
dos PEDs. Com a conferência, os PEDs puderam legitimar uma série de demandas na
área de interconexão entre desenvolvimento e comércio internacional: maior espaço para
seus produtos nos mercados dos países desenvolvidos; melhores condições de preço das
matérias primas; mecanismos financeiros compensatórios para garantir termos mais
favoráveis de acesso aos recursos financeiros; e um sistema tarifário especial, o sistema
geral de preferências.
A criação da UNCTAD consolidou o primeiro espaço institucional próprio do
Terceiro Mundo na área comercial, em contraposição ao FMI, ao Banco Mundial e ao
Acordo Geral de Tarifas e Comércio52 (GATT, do inglês, General Agreement on Tariffs
own plans and assign priorities in accordance with their needs (NON-ALIGNED MOVEMENT, 1961, p. 5, § 23). 51 O foco dessa tese não é a cooperação econômica Sul-Sul, por isso, a análise sobre a UNCTAD será breve, apenas para contextualizar a criação de um dos grupos políticos mais importantes na ONU para o tema da CSS, que é o G-77. Sobre o conteúdo das negociações da UNCTAD em temas comerciais, ver TOYE, 2014. 52 O GATT foi o arranjo de comércio internacional criado no período do pós-guerra, após o fracasso de criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), que seria responsável pela liberalização do comércio mundial. Mas as forças conservadoras no Congresso americano, interessadas na manutenção de políticas tarifárias, levaram à não-ratificação do tratado constitutivo da OIC, inviabilizando sua criação.
87
and Trade), onde predominava a visão dos países industrializados. Enquanto as IBW e o
GATT mantinham os PEDs em uma posição marginal nas negociações, a UNCTAD
permitiu que eles articulassem estratégias para negociar melhores termos de troca. Como
colocado por Prashad (2007, p. 70, tradução nossa53): “a UNCTAD desafiou o poder das
corporações globais do Primeiro Mundo e seu direito de senhoriagem sobre os produtos
do antigo mundo colonizado”.
Liderada por Raúl Prebisch, a UNCTAD causou uma verdadeira mudança no
pensamento econômico da ONU, da ortodoxia para a heterodoxia (TOYE; TOYE, 2004,
p. 5). Essa posição foi criticada pelos países industrializados, especialmente em relação
à postura do Secretariado da ONU. A delegação dos Estados Unidos, liderada pelo
diplomata Richard Gardner, chegou a descrever a atuação dos funcionários da UNCTAD
de “Sectáriado”, ao afirmar que eles não estavam trabalhando com a neutralidade que a
Segunda ONU deveria, claramente privilegiando os interesses de um grupo de Estados-
membros, os PEDs. Em resposta, Prebisch afirmou:
Pela definição de meu mandato, procuro por arranjos que serão favoráveis à posição dos países em desenvolvimento. É esse o mandato da UNCTAD. Agora, eu devo ser imparcial diante de todas as partes da comunidade das Nações Unidas, e nós tentamos ser sempre imparciais. Mas, quanto à ser neutro, nós somos tão neutros em relação ao desenvolvimento quanto a Organização Mundial da Saúde é neutra em relação à malária (PREBISCH, 1964 apud TOYE, 2014, p. 21, tradução nossa54).
Além da posição do Secretariado, um outro problema levantado na I UNCTAD
foi a unidade do Terceiro Mundo. Durante as negociações, as diferenças entre os PEDs
em relação aos temas de comércio internacional dificultaram a adoção de uma posição
Assim, 23 países decidiram adotar apenas o capítulo 4 da Carta de Havana, referente às negociações de tarifas e regras de comércio, passando a ser chamado de GATT (THORSTENSEN, 2003, p. 30). Embora não fosse uma organização internacional estrito senso, o GATT foi um fórum de negociação, criação e supervisão de normas comerciais, com base no princípio da nação mais favorecida, que dava aos membros um tratamento de não-discriminação e reciprocidade. Privilegiando o acesso à exportação de manufaturas dos países industrializados, o GATT apresentava poucas exceções, como o caso do Artigo XVIII, que tolerava a proteção da indústria nascente. 53 Do original: “The UNCTAD challenged the power of the First World’s global corporations and its droit de seigneur on the products of the formerly colonized world” (PRASHAD, 2007, p. 70). 54 Do original: “By definition of my mandate I am looking for arrangements which will favour the position of the developing countries. That is what the mandate of UNCTAD is about. Now, I have to be impartial to all parties in the United Nations community, and we are striving to be impartial at all times. But as for neutrality, we are not more neutral to development than WHO [the World Health Organization] is neutral to malaria” (PREBISCH, 1964 apud TOYE, 2014, p. 21).
88
negociadora comum, o que quase comprometeu o resultado da conferência55. Porém, em
15 de junho de 1964, no último dia de negociações, os grupos dos países africanos,
asiáticos e latino-americanos assinaram a Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países,
que fundou o Grupo dos Setenta e Sete (G-77), uma coalizão de 75 países em
desenvolvimento56 que se comprometeram a manter uma posição unificada nas
negociações comerciais.
A criação do G-77 teve como princípio favorecer uma posição comum entre os
PEDs, mesmo que isso significasse sacrificar alguns interesses nacionais durante as
negociações e adotar posições mais gerais. Por isso, as assimetrias e as diferenças entre
esses países foram tratadas, na Declaração Conjunta, como elementos de força do G-77,
pois a unidade viria da solidariedade e do respeito a tal diversidade. De acordo com a
declaração:
Os países em desenvolvimento consideram a sua própria unidade, a unidade dos 75, como o destaque dessa Conferência. Esta unidade surgiu do fato de que, ao enfrentar os problemas de desenvolvimento, esses países têm o interesse comum em uma nova política para o comércio internacional e o desenvolvimento. (...) Sua solidariedade foi testada no decorrer da conferência, e os países em desenvolvimento emergiram dela com mais unidade e força (GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN, 1964, § 7, tradução nossa57).
Em que pese a articulação informal e as dificuldades em alinhar suas posições, o
G-77 tornou-se o grupo político mais importante dos PEDs no que se refere às
negociações da ONU sobre o tema do desenvolvimento. Em seus primeiros anos, o grupo
conseguiu canalizar maior pressão para a expansão dos programas de assistência técnica
na ONU.
55 Na I UNCTAD, o método de trabalho definido foi o de voto em grupo, ao invés de votos individuais. Havia quatro grupos negociadores: o Grupo A, formado por países da Ásia e da África, cuja agenda era aprovar um acordo internacional para a estabilização do preço das commodities; o Grupo B, composto pelos países industrializados, que se opunha ao acordo sobre as commodities e pressionava pela redução de tarifas do Terceiro Mundo; o Grupo C, formado pelos países da América Latina e do Caribe, que desejam aprovar medidas de proteção à indústria nascente; e o Grupo D, composto pelos chamados países de comércio estatal, cuja agenda era garantir o acesso a mercados fora do bloco soviético. Diante da incapacidade dos grupos em conseguir articular uma maioria para aprovar o acordo, os Grupos A e D decidiram votar em uma posição consensual, criando, assim, o G-77 (TOYE; TOYE, 2004, pp. 20-21). 56 A princípio, 77 países unificaram suas posições nas negociações, incluindo Japão e Austrália. Porém, esses dois países não assinaram a Declaração Conjunta. Mesmo assim, os demais países decidiram por manter o nome original do G-77 devido à sua significância histórica. 57 Do original: “The developing countries regard their own unity, the unity of the seventy-five, as the outstanding feature of this Conference. This unity has sprung out of the fact that facing the basic problems of development they have a common interest in a new policy for international trade and development. (...) Their solidarity has been tested in the course of the Conference and they have emerged from it with even greater unity and strength” (GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN, 1964, § 7).
89
1.4.5. A criação do PNUD
Nos anos 1960, uma das maiores conquistas do Terceiro Mundo na ONU foi a
criação de uma entidade responsável por coordenar suas atividades de desenvolvimento.
Em 11 de agosto de 1964, o ECOSOC recomendou, pela resolução E/RES/1020
(XXXVII), a fusão do EPTA e do Fundo Especial das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Econômico (SUNFED, do inglês Special United Nations Fund for
Economic Development58), de modo a criar uma nova entidade, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Em 22 novembro de 1965, a Assembleia Geral, por meio de sua resolução
A/RES/2029 (XX) de fato consolidou a criação do PNUD, que iniciou seus trabalhos em
1 de janeiro de 1966. Com isso, a ONU efetivamente transformou-se em uma organização
internacional voltada para a promoção do desenvolvimento, criando o Sistema de
Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU), onde o PNUD teria o mandato de ser o
coordenador central de todas as atividades, programas e projetos na área de cooperação
técnica tradicional, conduzidos tanto pelo Secretariado quanto pelas agências
especializadas.
O PNUD tinha como função oferecer financiamento para quatro componentes de
cooperação técnica: i) contratação de especialistas nas áreas necessárias para construir
projetos de desenvolvimento, com contratos de longo prazo; ii) bolsas de estudo para que
funcionários e outros profissionais dos PEDs pudessem receber treinamento no exterior;
iii) compra de equipamentos e serviços; iv) contratação de consultores, com contratos de
curto prazo, com tarefas específicas dentro de um projeto maior.
Paul Hoffman e David Owen, respectivamente o primeiro Administrador e Vice
Administrador do PNUD, cultivaram uma forte cultura organizacional no PNUD, ao
escolherem funcionários que compartilhavam seus valores em relação ao
desenvolvimento. Os funcionários do programa eram, em sua maioria, “ ‘socialistas não-
doutrinários da velha escola’, pessoas profundamente preocupadas com o bem-estar
58 A discussão do SUNFED será feita na parte 3, sobre o financiamento do desenvolvimento na década de 1950. O SUNFED foi criado em 1957, um pequeno fundo com o propósito de financiar projetos e estudos de viabilidade de cooperação técnica, ampliando o escopo de atuação do EPTA.
90
social e convencidas que o Estado tinha um papel central e positivo” (MURPHY, 2006,
p. 75, tradução nossa59).
Esses funcionários carregavam a ideia de planejamento estatal deveria ser o fio
condutor dos programas nacionais desenvolvidos pelo PNUD em seus primeiros anos.
Tais programas delineavam um planejamento econômico coerente para o país
recipiendário e o PNUD deveria conectar as demandas nacionais com as especialidades e
as capacidades técnicas disponíveis no exterior.
Outro funcionário que se destacou nos primeiros anos por promover a ideia de
planejamento econômico foi o primeiro representante residente do PNUD no Haiti,
Arthur Wakefield. Ele definiu dois elementos que deveriam estruturar os programas
nacionais, que ficaram conhecidos como “princípios de Wakefield”. O primeiro princípio
– “ajudar as pessoas a ajudarem elas mesmas” – visava se opor aos programas top-down
e paternalistas de desenvolvimento como aqueles que os Estados Unidos haviam
desenvolvido no Haiti de 1914 a 1937. Os programas nacionais deveriam ser construídos
e liderados pelos PEDs eles mesmos. O segundo princípio – “evitar publicidade” – se
opunha à divulgação dos projetos com tons publicitários. Tanto os doadores, quanto a
AGNU e o ECOSOC, tinham a tendência de apresentar os resultados da cooperação
técnica como “histórias de sucesso”. Para Wakefield, isso deveria ser evitado, por dois
motivos: primeiramente, porque os resultados dos programas nacionais nem sempre eram
positivos; e, em segundo lugar, porque se o programa tivesse prosperado, o sucesso
deveria ser creditado ao próprio país, e não aos doadores ou à ONU (RUHLMAN, 2015,
p. 106).
O Vice Administrador D. Owen incorporou esses princípios ao trabalho regular
do PNUD, como uma visão comum de atuação dos programas de assistência técnica.
Entretanto, rapidamente os funcionários do PNUD perceberam que, em campo,
praticamente nenhum PED apresentava a capacidade de desenvolver um programa
nacional, e muito menos mapear quais eram as necessidades e carências que deveriam ser
supridas pelos programas do PNUD. Os países recipiendários tinham enorme dificuldade
em coordenar todas as atividades de assistência técnica, multilaterais e bilaterais, e, no
âmbito do PNUD, poucos conseguiam, por si mesmos, estabelecer as Estimativas de
59 Do original: “ ‘non-doctrinaire socialist(s) of the old school’, people deeply concerned about social welfare and convinced that the state had a central and positive role to play” (MURPHY, 2006, p. 75).
91
Volume de Recursos (IPFs, do inglês, Indicative Planning Figures60) em relação aos
projetos desenvolvidos.
Outro entrave era a discrepância entre as exigências burocráticas e logísticas dos
funcionários do PNUD em relação àquilo que esperavam encontrar nos países onde
atuavam e aquilo que de fato encontravam na realidade nacional e o que os PEDs eram
efetivamente capazes de cumprir. Por exemplo, os projetos exigiam que os governos
recipiendários garantissem os salários, a acomodação e o transporte dos funcionários do
PNUD, o que requereria uma infraestrutura e instituições que eram inexistentes em
campo. Richard Symonds61, funcionário do Quadro de Assistência Técnica da ONU entre
1950-1965, ao relatar sua experiência em Ruanda, afirmou: “as regulações que faziam
sentido em Nova York não faziam nenhum sentido em um país tão pobre. O governo
deveria prover transporte para nossos especialistas, mas o transporte total à disposição
era o Volkswagen presidencial” (SYMONDS, s.d. apud MURPHY, 2006, p. 105,
tradução nossa62).
Em virtude do descompasso entre o planejamento realizado pelo PNUD e a
viabilidade do projeto em campo, vários erros de execução ocorreram. Nessa década, a
assistência ao desenvolvimento seguia o sentido tradicional, das agências especializadas
da ONU para os PEDs. A execução era de responsabilidade exclusiva de cada uma das
agências, e já se evidenciava uma competição entre elas acerca de quais seriam as maiores
provedoras de assistência técnica em um determinado país. A prioridade do PNUD era
crescer as atividades, em detrimento da identificação das necessidades dos PEDs ou da
flexibilização e adequação dos programas à realidade em campo.
Outra questão era que corpo de especialistas do PNUD era formado por
planejadores econômicos, estatísticos e engenheiros, cujas especialidades eram
fundamentais para elaborar os projetos de desenvolvimento nos PEDs. Mas esses países
demandavam também um outro conjunto de profissionais – especialistas em promoção
comercial, empreendedores, especialistas em marketing, gerentes de empresas privadas –
que o PNUD não era capaz de prover. A ausência de tais especialistas foi uma decisão
60 O papel das IPFs será discutido na parte 3, sobre o financiamento das atividades de desenvolvimento. 61 Richard Symonds foi um dos primeiros funcionários da ONU. Trabalhou, na Índia, na Administração das Nações Unidas para Auxílio e Reabilitação (UNRRA – do inglês, United Nations Relief and Rehabilitation Administration), criada em novembro de 1943 para prover auxílio aos refugiados da Segunda Guerra Mundial. 62 Do original: “Regulations which made sense in New York made none in a country as poor as this. The Government was required to provide transport for our experts, but the total transport at its disposal was the Presidential Volkswagen” (SYMONDS apud MURPHY, 2006, p. 105).
92
deliberada de Hoffmann e Owen em concentrar o corpo de funcionários internacionais
nas carreiras e formações alinhadas à sua própria formação, consolidando uma cultura
burocrática específica entre profissionais que compartilhavam uma visão do papel de
planejamento e coordenação por parte do PNUD, ao invés de práticas voltadas ao
comércio e ao setor privado.
A cultura burocrática do PNUD cultivada por Hoffmann e Owen também resultou
em uma postura acrítica em relação à construção de capacidades e especialidades nos
PEDs: “nos dias de Hoffmann e Owen, a noção de que a imposição de uma
‘especialidade’ poderia ser parte do problema do subdesenvolvimento, ao invés da parte
de sua solução, nunca foi considerada” (MURPHY, 2006, p. 108, tradução nossa63). Isso
levou a uma postura de superioridade dos funcionários em Nova York, que concediam
um tratamento condescendente, e até mesmo, em algumas situações, colonial e racista,
aos funcionários dos escritórios nacionais na América Latina, na África e na Ásia.
Ao final da década de 1960, Hoffman solicitou um balanço das atividades de
assistência ao desenvolvimento conduzidas pelo EPTA, pelo SUNFED e pelo PNUD até
então. O estudo, conduzido pelo australiano Robert Jackson64, na época contratado por
Hoffman como consultor do PNUD, foi lançado em 1969, com o título “Um estudo da
capacidade do Sistema de Desenvolvimento da ONU”. Conhecido como Relatório
Jackson, ou Estudo da Capacidade, o documento trazia severas críticas às limitações da
ONU em promover o desenvolvimento dos PEDs.
Além dos problemas de governança oriundos da descentralização do SDNU65,
Jackson apontou que, em uma década, a ONU havia sido incapaz de criar técnicas
eficientes para transferir tecnologias, conhecimento e experiência para os PEDs, bem
como atrair funcionários capazes de elaborar programas adequados às demandas
operacionais dos recipiendários. Sua conclusão foi a seguinte:
Pode-se sentir admiração e simpatia pelos administradores dos sucessivos programas do EPTA, do Fundo Especial e do PNUD, em seus esforços de
63 Do original: “in Owen and Hoffman’s day the notion that the imposition of ‘expertise’ could be part of the problem of underdevelopment, rather than part of its solution, was never considered” (MURPHY, 2006, p. 108). 64 Jackson atuou no sistema ONU desde sua criação. Entre 1945-1947, foi Vice-Diretor-Geral da UNRRA; entre 1947-1950, foi assistente de Trygve Lie, o primeiro Secretário-Geral da ONU; e entre 1953-1961, trabalhou no projeto de desenvolvimento de infraestrutura do Rio Volta, em Gana. Começou a trabalhar no PNUD em 1962, quando foi contratado como consultor de Hoffman. Entre 1961 a 1971, quando saiu do PNUD, Jackson havia trabalhado com projetos de desenvolvimento em mais de 60 países. 65 As críticas e recomendações relacionadas à governança discutidas pelo Relatório Jackson serão analisadas na parte 2.
93
superar os inúmeros obstáculos administrativos e processuais apresentados pelos sistemas de desenvolvimento da ONU. Mas nada disso deve mascarar a verdade básica e séria: que, em última análise, os principais perdedores foram os países em desenvolvimento, porque a maquinaria pesada inventada ao longo dos anos só poderia ser mantida à custa da eficiência operacional dos programas de cooperação realizada em seu nome (UNITED NATIONS, 1969, p. 23, tradução nossa66).
O Estudo da Capacidade foi muito mal recebido pelos Administradores do PNUD,
que consideraram excessivas e pouco práticas as críticas e recomendações apontadas por
Jackson. Mas, da perspectiva dos PEDs, o relatório ofereceu uma base para demandar
reformas nos programas de cooperação técnica.
No âmbito das ideias, o Terceiro Mundo questionava o sentido dessa cooperação,
que ia das agências para os PEDs. As agências tinham o poder de definir os projetos,
construir instituições e capacidades segundo seu próprio conhecimento e visão, que
vinham principalmente de funcionários que estudaram e se formaram em PDs, ou que
estavam comprometidos com a agenda dos países doadores. O depoimento de R. D.
Makkar, funcionário do escritório do EPTA na Índia em 1964, demonstra, da perspectiva
do Secretariado, esse problema em relação aos doadores:
Algum Johnny corajoso sempre me ditava, por trás do meu ombro, sobre como escrever a formulação do meu projeto [para que refletisse] a orientação de certos grandes doadores, que queriam que o país se movesse em uma determinada direção, e não a direção que o próprio país gostaria de tomar. Isso privava pessoas como eu ... de certo senso de satisfação, ao não poder dar opiniões e visões honestas sobre essas coisas. Eu estava um pouco sufocado (MAKKAR, 2004 apud MURPHY, 2006, p. 109, tradução nossa67).
As orientações definidas pelos doadores atrelavam a concessão de assistência a
certos tipos de vinculação e condicionalidades. Um dos tipos mais comuns de vinculação
era a obrigatoriedade da compra ou contratação de bens, serviços ou mão de obra do país
doador. Havia, ainda, condicionalidades políticas, como a adoção de regimes políticos e
66 Do original: “One can feel admiration and sympathy for the administrators of the successive programmes of EPTA, the Special Fund, and UNDP, in their efforts to surmount the endless administrative and procedural hurdles presented by the UN development systems. But none of this should mask the basic, sobering truth: that, in the final analysis, the principal losers were the developing countries, because the cumbersome machinery devised over the years could only be maintained at the expense of the operational efficiency of the programmes of co-operation carried out on their behalf” (UNITED NATIONS, 1969, p. 23). 67 Do original: “Some brave Johnny was always dictating to me from behind my shoulder as to how to write my project formulation [to reflect] the orientation of certain major donors who wanted the country to move in a particular direction, not the direction the country itself would have liked to go. This deprived people like me... of a certain sense of satisfaction in not being able to give honest opinions, views about these things. I was getting a bit suffocated” (MAKKAR, 2004 apud MURPHY, 2006, p. 109).
94
econômicos específicos ou o estabelecimento de relações preferenciais no bojo da Guerra
Fria.
Rapidamente, a ideia de dádiva predominante nos anos 1950-1960 foi substituída
por uma relação de tensão entre doadores e recipiendários. Ao contrário do otimismo da
década anterior, de que a ONU conseguiria promover o desenvolvimento dos PEDs por
meio da assistência técnica financiada pelos PDs, os anos 1970 foram marcados pelos
antagonismos entre os países ricos e industrializados – o Norte – e os países pobres e em
desenvolvimento do Terceiro Mundo – o Sul. Nesse contexto, emergem as primeiras
iniciativas de institucionalização da cooperação entre os PEDs, como será visto no
capítulo seguinte.
95
CAPÍTULO 2 – A EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DA IDEIA
DE COOPERAÇÃO TÉCNICA ENTRE PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO COMO UMA NOVA DIMENSÃO DA
COOPERAÇÃO TÉCNICA TRADICIONAL DA ONU (ANOS 1970-
1980)
O capítulo tem como objetivo apresentar a emergência e consolidação da ideia de
CSS como Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (CTPD), e seu
processo de integração nos trabalhos do SDNU.
O primeiro passo será apresentar o embate Norte x Sul nos anos 1970 e a proposta
de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), que foram o pano de fundo dos
primeiros debates para definir o posicionamento do SDNU na promoção da CSS. Sob a
rubrica de CTPD, a cooperação entre os PEDs emergiu como parte do processo de dar
substância à proposta da NOEI. A natureza ideológica do tema na ONU foi uma parte
crucial das discussões, porque o Terceiro Mundo estava interessado em canalizar a CTPD
como uma alternativa política e ideológica à cooperação tradicional.
Esse processo se consolidou com a realização da primeira Conferência sobre
CTPD, em Buenos Aires, em 1978. Os Estados participantes adotaram o Plano de Ação
de Buenos Aires, conhecido como BAPA (da sigla em inglês, Buenos Aires Plan of
Action). O BAPA foi o primeiro quadro conceitual e guia prático para promover a CTPD
por todo o SDNU. O plano de ação reconheceu a importância da solidariedade entre os
PEDs e as novas circunstâncias de interdependência. Com base nos arquivos da ONU,
serão discutidas as etapas de preparação para a conferência, o processo de negociação em
Buenos Aires e o conteúdo final do plano de ação.
Por fim, o capítulo irá analisar como os esforços de implementação do BAPA
conduziram o processo de integração da CTPD ao SDNU nos anos 1980. Esse foi o
primeiro passo para que o SDNU pudesse promover formas de criar, adaptar e transferir
o conhecimento gerado nos PEDs com enfoque na autossuficiência nacional e coletiva.
Mas isso significava alterar a forma de pensar, estruturar e conduzir a cooperação técnica
da ONU, sendo necessário também discutir os entraves a essa incorporação no campo das
ideias.
96
2.1. Origens: a Nova Ordem Econômica Internacional e a ideia da CTPD
O conflito Norte x Sul foi tão profundo quanto o conflito bipolar, e intensificado
pelas crises econômicas anos 1970, e, em especial, pelo choque do petróleo em 1973.
Com a articulação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)68, o preço
do barril do petróleo subiu de US$ 3,02 dólares para US$ 11,60 entre 1973 e 1974,
afetando severamente tanto as economias industrializadas quanto os países em
desenvolvimento, dependentes da importação dessa commodity.
Mas, ao invés de dividir politicamente os PEDs entre os exportadores e os
importadores de petróleo, o episódio conduziu, no âmbito da ONU, a um fortalecimento
da posição do G-77, ao usar o preço do petróleo como um instrumento de barganha contra
os países industrializados. O então Primeiro Ministro do Paquistão, Zulfikar Ali Bhutto,
em artigo disponível nos arquivos oficiais da ONU, resumiu o espírito do Terceiro Mundo
após o choque do petróleo:
Mas o próprio desenvolvimento em relação ao preço de uma commodity, o petróleo, demonstrou o efeito que pode ser alcançado pela unidade de propósito e pelo esforço da vontade política e econômica dos países produtores. Isso mostrou que instituições de longa data se desmoronam, e as práticas econômicas convencionais perdem vigor, quando as nações se unem para seu benefício comum em momentos decisivos na história (BHUTTO, 1976, p. 4, tradução nossa69).
Nós, do Terceiro Mundo, estamos unidos pelo nosso sofrimento comum e nossa luta comum contra a exploração. Independentemente dos nossos sistemas políticos ou de nossas perspectivas externas, temos o mandato comum de libertar a maioria mundial do estrangulamento da ordem econômica. Precisamos desenvolver uma personalidade própria. Não deixemos essa personalidade ser rasgada pela esquizofrenia, que é causada pela incapacidade de conciliar interesses de curto prazo com metas de longo prazo (BHUTTO, 1976, p. 9, tradução nossa70).
68 A OPEP foi criada em 1960, na Conferência de Bagdá, e teve como países fundadores a Arábia Saudita, o Irã, o Iraque e a Venezuela. Ao longo das décadas seguintes, outros países exportadores de petróleo se juntaram à organização: Catar, em 1961; Indonésia e Líbia, em 1962; Emirados Árabes Unidos, em 1967; Argélia, em 1969; Nigéria, em 1971; e Equador, em 1973. 69 Do original: “But the development itself relating to the price of one commodity, oil, demonstrated the effect that can be achieved by a unity of purpose and the exertion of the political and economic will of the producing countries. It showed that long-standing institutions crumble, and conventional economic practices wither, when nations unite for their common benefit at turning-points in history” (BHUTTO, 1976, p. 4). 70 Do original: “We in the Third World are united by our common suffering and our common struggle against exploitation. Regardless of our political systems or our external outlook, we have the common mandate to extricate the world’s majority from a throttling economic order. We need to develop a
97
O momento de unidade política resultante da crise do petróleo foi canalizado para
a negociação e efetivação de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI). Em
nome do MNA, Houari Boumediène, então Presidente da Argélia71, enviou uma carta
oficial ao então Secretário-Geral da ONU, o austríaco Kurt Waldheim, em 30 de janeiro
de 1974 (A/9541), solicitando a organização da 6ª Sessão Extraordinária da Assembleia
Geral da ONU.
O principal objetivo dessa conferência, intitulada “Estudo dos problemas dos
recursos naturais e desenvolvimento”, seria o de definir medidas para enfrentar a crise
energética, por meio da redução da desigualdade entre os países ricos e os países pobres.
Isso porque, nos anos 1970, era evidente que a falta de um “Plano Marshall mundial”
colocava como principal problema a assimetria de desenvolvimento entre os países ricos
e países pobres.
As regras de procedimento 8 (a), 9 e 10 da Assembleia Geral definem que a
realização de uma sessão extraordinária deve ser aprovada em um período de 30 dias a
contar da data de solicitação por um dos Estados-membros, por uma maioria simples dos
votos. Em menos de duas semanas, os PEDs se articularam e conseguiram os 68 votos
necessários para aprovar a sessão, que se iniciou em 09 de abril de 1974.
A 6ª Sessão Extraordinária inaugurou, na AGNU, a ideia de interdependência
entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento como a base para a cooperação.
Todos os discursos na plenária de abertura reconheceram que o contexto de negociações
necessariamente teria que ser conduzido com a premissa de que nenhum Estado-membro
da ONU teria condições de se recuperar das crises econômicas da década de 1970 sem a
cooperação com as demais nações.
personality of our own. Let not this personality be torn by schizophrenia which is caused by the failure to reconcile short-term interests with long-term goals” (BHUTTO, 1976, p. 9). 71 Na carta endereçada ao Secretário-Geral, o MNA justificou a realização da conferência da seguinte forma: “Nos últimos anos, as Nações Unidas tentaram estabelecer as condições para a democratização das relações internacionais em vários campos. Os progressos realizados na descolonização permitiram à Organização e às agências do sistema das Nações Unidas concentrar sua atenção nos problemas de desenvolvimento, graças principalmente à determinação dos países do Terceiro Mundo em criar condições nacionais e internacionais para que as relações de dominação existentes pudessem ser substituídas por relações justas, baseadas na igualdade e no respeito pela soberania dos Estados. (...) É neste contexto que os países em desenvolvimento devem assegurar o crescimento de suas economias, recorrendo, em primeiro lugar, à mobilização de seus recursos naturais, até que a comunidade internacional possa garantir o estabelecimento de novas relações econômicas, mais justas e mais equilibradas. (...) Qualquer outra abordagem faria apenas tornar a situação mais complexa e adiar a criação do sistema mais balanceado, que se tornou um imperativo e que a comunidade internacional tem procurado em vão durante muitos anos, por meio dos esforços dos países em desenvolvimento (BOUMEDIÈNE, 1974, tradução nossa).
98
Por outro lado, o reconhecimento da interdependência não significou a diluição
do conflito Norte x Sul. Os discursos na plenária demonstraram que os pressupostos de
política externa dos PDs e dos PEDs eram antagônicos e dificilmente seria possível
encontrar um meio-termo capaz de articular o consenso. O representante inglês, David
Ennals, sintetizou esse antagonismo, ao afirmar que a conferência estava dividida entre
“aqueles que são excessivamente cautelosos [os países industrializados] e aqueles que
estão, devido à sua compreensível impaciência, correndo muito à frente do que pode ser
realmente alcançado [os países em desenvolvimento]” (ENNALS, 1974, p. 23, tradução
nossa72).
Já os PEDs estavam decididos a continuar com a estratégia definida na I
UNCTAD, de adotar uma posição de barganha comum. Por meio do G-7773, esses países
conduziram as negociações contando com sua força coletiva, visando pressionar os países
industrializados a fazer as concessões desejadas pelo grupo. Segundo Murphy (1983, p.
75), o papel das ideias foi central para garantir a coesão do G-77, uma vez que os PEDs
tinham suas posições negociadoras orientadas por uma ideologia de solidariedade. Isso
garantiu maior coerência nos interesses e ações políticas canalizados para os dois
rascunhos de resolução patrocinados pelo grupo: uma declaração e um programa de ação.
A principal estratégia do G-77 foi a de usar seu peso numérico na negociação
desses documentos. Caso uma resolução satisfatória ao grupo não pudesse ser alcançada
pelo consenso, os PEDs não hesitariam em levar seus rascunhos de documento originais
a voto. Para os PDs, esse seria o pior cenário, pois eles sabiam que seria muito difícil
desagregar o voto em bloco do G-77, e se os documentos fossem efetivamente levados à
votação, seriam aprovados facilmente.
Por isso, os representantes dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Alemanha
consideraram que a melhor estratégia era aceitar a negociação dos documentos por
consenso – e os demais países da OCDE seguiram a posição dos três. Eles teriam que
ceder e atender a algumas das demandas do G-77, mas, em contrapartida, poderiam
influenciar em certas partes dos documentos. Ademais, os países da OCDE disseram ao
G-77 que iria aprovar o documento por consenso contanto que pudessem clarificar
72 Do original: “those who have been unduly cautious and those who have, through their understandable impatience, run ahead of what can be achieved” (ENNALS, 1974, p. 23). 73 Além da OCDE e do G-77, as negociações também envolveram a China e a União Soviética, que não negociaram em bloco.
99
publicamente alguns aspectos das resoluções, na fase de justificativa de suas posições
após a adoção dos documentos74 (HUDES, 1975, p. 106).
Acerca do conteúdo dos documentos aprovados, o primeiro deles foi a Declaração
sobre o Estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional (A/RES/3201(S-VI)).
A Declaração definiu que a equidade, a igualdade soberana, a interdependência, a
cooperação e o interesse comum entre os Estados como os princípios que deveriam guiar
a nova ordem. Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, o parágrafo
4 (k) definiu que a assistência técnica aos PEDs deveria ser livre de condicionalidades
militares ou políticas, atendendo a demanda do G-77.
Já o Programa de Ação sobre o Estabelecimento da Nova Ordem Econômica
Internacional (A/RES/3202(S-VI)), definiu um conjunto de medidas práticas que visava
a correção das assimetrias econômicas entre os países e a garantia do desenvolvimento
econômico e social acelerado75. A assistência técnica foi mencionada na área de
promoção da industrialização e transferência de tecnologia, atentando-se para a formação
de funcionários nacionais e o desenvolvimento endógeno de tecnologia.
Um dos destaques do Programa de Ação foi a parte VII, sobre a Promoção da
Cooperação entre os Países em Desenvolvimento. Desde Bandung, os PEDs haviam
desenvolvido uma extensa rede de contatos, com uma série de projetos bilaterais de
cooperação, em áreas como energia, agricultura e planejamento. No âmbito da ONU, os
74 De acordo com as regras de procedimento da AGNU, os países podem escolher adotar uma resolução por consenso ou por voto. Se a escolha da adoção é por consenso, os membros que não são patrocinadores do rascunho podem justificar sua posição antes ou depois da adoção. No caso do voto, os não-patrocinadores também têm o direito de justificar seu voto antes ou depois da tomada de decisão. Em geral, as justificativas anteriores à adoção expressam o interesse dos Estados-membros em tornarem-se co-patrocinadores do rascunho. Já as justificativas após a tomada de decisão expressam as reservas dos Estados-membros ao documento recém-adotado. No caso da adoção dos documentos da 6ª Sessão Especial, as reservas feitas pelo representante dos Estados Unidos, o Embaixador Scali, foram muito duras. A posição foi a de que os documentos não representavam o verdadeiro consenso, e, sim “as visões de apenas uma facção”. O país especificamente colocou suas reservas em relação ao direito de nacionalizar os recursos naturais sem pagar as devidas compensações às empresas prejudicadas, conforme previsto no Programa de Ação. A Comunidade Econômica Europeia, a Itália, o Japão, os Países Baixos e o Reino Unido também fizeram reservas aos documentos. A reação dos PEDs foi dividida. Alguns países consideraram que, apesar das reservas, ainda assim a aprovação por consenso era fundamental para demandar maiores concessões nas negociações futuras. Porém, outros PEDs interpretaram as reservas como uma postura de má fé, uma vez que, se eles soubessem que as reservas seriam tão profundas, teriam preferido levar o documento a voto ao invés de fazer concessões aos PDs (HUDES, 1975, p. 116). 75 O Programa de Ação também tratou da negociação da Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos Estados, que foi aprovada na 29ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral, ocorrida naquele mesmo ano. A Carta estabelecia um quadro legal para tornar a NOEI efetiva. Afirmava que cada Estado tinha o direito de regulamentar os investimentos estrangeiros nos limites de sua jurisdição nacional, e de agrupar-se em organizações de produtores de bens de base com vistas a desenvolver sua economia nacional.
100
projetos do PNUD também contemplavam algumas iniciativas entre os PEDs. Tanto que
a ajuda mútua entre os PEDs foi mencionada, na A/RES/2974 (XXVIII) do dia 14 de
dezembro de 1972, como um elemento importante no contexto dos esforços
internacionais de promoção do desenvolvimento. Essa resolução inclusive convidou o
Conselho de Governadores do PNUD a criar um Grupo de Trabalho que deveria
recomendar ações para incluir as práticas e experiências dos PEDs em seus programas de
assistência técnica.
Mas a parte VII do Programa de Ação é efetivamente o primeiro documento a
mencionar o conjunto de princípios e ideias que deveriam conduzir a cooperação entre os
PEDs em âmbito sistêmico: “a autossuficiência coletiva e a crescente cooperação entre
os países em desenvolvimento fortalecerão ainda mais seu papel na nova ordem
econômica internacional” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 b, p. 9,
parte VII, § 1, tradução nossa76). O Programa de Ação recomendava que a comunidade
internacional promovesse a cooperação entre os PEDs em uma série de áreas, como
recursos naturais, comércio internacional, finanças, transportes, cooperação técnica e
ciência e tecnologia.
No ano seguinte à aprovação da NOEI, a AGNU convocou a realização da 7ª
Sessão Extraordinária, com o intuito de aprofundar as discussões da sessão anterior, agora
com enfoque no “Desenvolvimento e a Cooperação Econômica Internacional”. A
resolução final da sessão (A/RES/3362(S-VII)), foi o segundo documento da ONU a
traçar diretrizes sistêmicas sobre a cooperação entre os países em desenvolvimento. Além
disso, foi o primeiro documento a mencionar a integração dessa modalidade ao SDNU,
indicando que seriam necessárias modificações institucionais para fortalecer sua atuação
nessa área:
Os países desenvolvidos e o sistema das Nações Unidas são instados a fornecer, quando solicitado, apoio e assistência aos países em desenvolvimento para fortalecer e ampliar sua cooperação mútua a nível sub-regional, regional e inter-regional. A este respeito, devem ser criados arranjos institucionais adequados no âmbito do sistema de desenvolvimento das Nações Unidas e, quando apropriado, fortalecidos, como por exemplo, os arranjos referentes à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, à Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial e ao
76 Do original: “Collective self-reliance and growing co-operation among developing countries will further strengthen their role in the new international economic order” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 b, p. 9, parte VII, § 1).
101
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1975 a, p. 9, parte VI, § 1, tradução nossa77).
Ademais, os Estados-membros requereram ao Secretário-Geral e ao sistema ONU
que desenvolvessem estudos para construir um conhecimento, reconhecidamente
inexistente, sobre as áreas de potencial cooperação entre os PEDs e que poderiam ser
facilitadas e aprofundadas pelo SDNU. Para isso, os estudos deveriam indicar como os
recursos, as tecnologias, as experiências e os conhecimentos existentes no interior de cada
PED poderiam ser mobilizados como parte dos projetos de assistência técnica
promovidos pelo SDNU. Essa solicitação deu efetivamente início ao engajamento do
sistema na promoção da Cooperação Sul-Sul.
Em suma, a proposta da NOEI inseriu uma nova ideia no âmbito da cooperação
internacional para o desenvolvimento. Além da já consolidada assistência técnica
tradicional aos recipiendários, intermediada pelo SDNU e financiada pelos países
desenvolvidos, o G-77 deu tração à ideia da assistência mútua entre os PEDs. Enquanto
a atuação da UNCTAD e do PNUD na década de 1960 deu impulso às primeiras formas
de intercâmbio entre os PEDs com enfoque no desenvolvimento, a proposta da NOEI
emergiu como pano de fundo dos primeiros debates para especificamente definir o
posicionamento do SDNU na promoção da cooperação entre os PEDs.
Desde seu primórdio, a natureza ideológica do tema na ONU é uma parte crucial
das discussões, porque o Terceiro Mundo estava interessado em canalizar essa
modalidade de cooperação como uma alternativa política e ideológica à abordagem
doador-recipiendário para a cooperação internacional para o desenvolvimento, como será
visto a seguir.
77 Do original: “Developed countries and the United Nations system are urged to provide, as and when requested, support and assistance to developing countries in strengthening and enlarging their mutual co-operation at subregional, regional and interregional levels. In this regard, suitable institutional arrangements within the United Nations development system should be made and, when appropriate, strengthened, such as those within the United Nations Conference on Trade and Development, the United Nations Industrial Development Organization and the United Nations Development Programme” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1975 a, p. 9, parte VI, § 1).
102
2.2. As primeiras iniciativas desenvolvidas pelo SDNU nos anos 1970: a ideia de
CTPD como uso das capacidades nacionais
Logo após as decisões da 6ª e 7ª Sessões Extraordinárias da AGNU, tanto os
Estados-membros quanto os funcionários do SDNU dedicaram-se a tomar as medidas
necessárias para aprofundar a cooperação entre PEDs em suas atividades de
desenvolvimento. Como a cooperação tradicional já estava institucionalizada como uma
norma internacional, o enfoque das primeiras ações nessa área foi conceitual: definir os
princípios e o conceito de cooperação entre os PEDs e distinguir a modalidade tradicional
da cooperação técnica entre países em desenvolvimento (CTPD).
Na Primeira ONU, a tomada de decisão sobre o tema da CTPD ocorreu no âmbito
da Segunda Comissão da AGNU. No período 1974-1977, as resoluções definiram os
princípios que deveriam guiar a CTPD na ONU. Tendo o G-77 como o patrocinador dos
rascunhos de resolução nesse tema, o foco foi o de enquadrar a CTPD no bojo da NOEI.
Naquele momento, os países do Terceiro Mundo estavam interessados em
canalizar a CTPD como uma alternativa política e uma bandeira ideológica de
confrontação aos problemas que eles identificavam na cooperação técnica tradicional.
Eles buscaram fazer da CTPD uma expressão de solidariedade entre os PEDs, baseada
nas ideias de autossuficiência coletiva, intercâmbio de experiências, construção de
capacidades nacionais e canalização do apoio do SDNU para promover a CTPD.
Na primeira resolução da AGNU sobre a CTPD (A/RES/3251(XXIX)), de 4 de
dezembro de 1974, essa modalidade foi definida pela ideia de horizontalidade, no sentido
de garantir o pleno uso de todas as capacidades e experiências dos PEDs. A palavra
autossuficiência foi mencionada pela primeira vez na Resolução A/RES/3461(XXX), de
11 de dezembro de 1975: reconheceu-se a CTPD não apenas como uma modalidade
integral da cooperação internacional para o desenvolvimento, mas também como uma das
formas mais efetivas de garantir que os PEDs conquistassem sua autossuficiência
nacional e coletiva. Isso foi reforçado na Resolução A/RES/32/183, de 19 de dezembro
1977, que estabeleceu a autossuficiência e o fortalecimento da capacidade dos PEDs para
resolver problemas de desenvolvimento como o objetivo central da CTPD:
Reconhecendo que os objetivos fundamentais da cooperação técnica entre países em desenvolvimento são a promoção da autossuficiência nacional e coletiva dos países em desenvolvimento e o reforço de sua capacidade criativa
103
para resolver os seus problemas de desenvolvimento (...) (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1977 c, p. 115, tradução nossa78).
O intercâmbio de conhecimento e experiências e a construção de capacidades
nacionais já apareciam como ideias subjacentes à CTPD, embora de maneira mais geral.
A contratação e recrutamento de especialistas e as licitações para a compra de bens de
serviços – até então provenientes dos PDs – se tornaram uma preocupação, pois a ideia
era que as compras e contratações fossem cada vez mais feitas nos próprios PEDs. Isso
foi indicado na já mencionada Resolução A/RES/3461(XXX), que solicitou ao
Administrador do PNUD que priorizasse a realização de compras e contratações
diretamente dos PEDs. O PNUD e as outras agências do SDNU deveriam usar e criar
capacidades nos PEDs, como forma de promover seu desenvolvimento. A Resolução
A/RES/32/182, de 19 de dezembro de 1977, solicitou ao SDNU a realização de mudanças
nos procedimentos e nas regras, práticas e regulações, para facilitar contratações e
compras nos PEDs. Essa resolução deu, pela primeira vez, ênfase à criação de um sistema
de informações sobre os PEDs, pois era necessário coletar, organizar e disseminar tal
conhecimento como base para a construção da CTPD.
Os Estados-membros também fizeram menções indiretas à incorporação da CTPD
aos trabalhos regulares da ONU. No preâmbulo da já mencionada resolução
A/RES/3251(XXIX), expressou-se a necessidade de universalizar a cooperação
internacional para o desenvolvimento, ao incluir não apenas a atuação dos PDs, mas
também dos PEDs, por meio da sistematização de suas capacidades, de seus recursos e
suas experiências. No parágrafo 2 dessa resolução, foi criada a Unidade Especial (SU-
TCDC), dentro do PNUD, com o propósito de integrar a CTPD como parte do trabalho
desse programa.
É interessante notar que, ao invés da palavra incorporação (mainstreaming), a
resolução usou a palavra integração: “com o objetivo de integrar plenamente essa
atividade de cooperação técnica entre os países em desenvolvimento no interior do
Programa” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48, tradução
nossa79). Isso foi reforçado na resolução A/RES/3461(XXX), quando a AGNU
78 Do original: “Recognizing that the basic objectives of technical co-operation among developing countries are the furthering of the national and collective self-reliance of developing countries and the enhancement of their creative capacity to solve their development problems” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1977 c, p. 115). 79 Do original: “with the objective of integrating this activity of technical co-operation among developing countries fully within the Programme” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48).
104
reconheceu a CTPD como parte integral da cooperação internacional para o
desenvolvimento e requereu ao Administrador do PNUD que integrasse a CTPD no
trabalho regular do programa por meio da SU-TCDC.
Esses princípios definidos pelos Estados-membros deram a orientação geral aos
primeiros estudos realizados pelos funcionários da ONU acerca da CTPD na década de
1970. Mas, enquanto para a Primeira ONU a CTPD era conceituada no âmbito da NOEI,
para a Segunda ONU a modalidade era vista como uma nova orientação da assistência ao
desenvolvimento, e, por isso, as agências teriam que aprender a trabalhar sob essa nova
perspectiva.
Essa perspectiva da Segunda ONU ganhou tração em 1974, quando o Vice
Administrador do PNUD, o economista indiano I. G. Patel, e seu assistente, M. Dubey80,
desenvolveram um novo conceito de cooperação técnica, com o propósito de resolver
alguns dos problemas mencionados no Relatório Jackson. Eles chamaram esse novo
conceito de “Novas Dimensões”.
Na cooperação técnica tradicional, os projetos de desenvolvimento consistiam na
transferência de conhecimentos e capacidades por parte dos especialistas e consultores da
ONU, e eram utilizados equipamentos e serviços comprados dos países doadores. Já para
Patel e Dubey, a cooperação técnica deveria ser uma modalidade capaz de construir
capacidades técnicas, administrativas, de pesquisa e de gerenciamento nos PEDs. Para
tanto, deveriam ser utilizados os recursos, os funcionários e as estruturas desses próprios
países, complementarmente aos inputs vindos da ONU e dos doadores. Por isso, as Novas
Dimensões propunham uma total inversão dos princípios que conduziam os trabalhos do
PNUD até então:
Sob essa formulação, a validade de muitas coisas que o PNUD há muito considerava ‘ruim’, repentinamente foi revertida: seria bom para os países em desenvolvimento construírem suas capacidades executando seus próprios projetos, usando especialistas nacionais, comprando bens de empresas locais e certificando-se de que os investimentos de capital se mantivessem no mesmo ritmo do aumento das habilidades técnicas (MURPHY, 2006, pp. 152-153, tradução nossa81).
80 Após a aposentadoria de Hoffmann em 1971, a Administração do PNUD foi assumida pelo banqueiro americano Rudolf Peterson, por indicação do governo americano. Peterson criou dois postos de Vice Administrador, sendo nomeados para esses cargos B. Lindstrom, da Suécia, país que, naquele momento, já se despontava como um dos maiores países doadores; e I. G. Patel, da Índia (MURPHY, 2006, p. 151). 81 Do original: Under that formulation, the valence of many things UNDP had long considered ‘bad’ suddenly reversed: it would be good for developing countries to build their capacity by executing their own projects, using national experts, buying goods from local companies, and making sure that capital investments kept up with increasing technical abilities (MURPHY, 2006, pp. 152-153).
105
A proposta das Novas Dimensões foi vista com desconfiança por alguns
funcionários mais antigos do PNUD. Margaret Anstee, por exemplo, acreditava que esse
novo conceito esvaziava o conteúdo do trabalho do PNUD, ao reduzi-lo ao financiamento
dos funcionários locais, e não transferir nenhum conteúdo ou conhecimento. Da
perspectiva dos doadores, os Estados Unidos e o Reino Unido se opuseram à proposta,
mas foram persuadidos em virtude da situação financeira dos anos 197082, uma vez que
os custos de usar especialistas e bens locais era muito menor.
A ênfase na execução nacional foi amplamente abraçada pelo G-77, indo ao
encontro das iniciativas de CTPD. Com isso, as Novas Dimensões da Cooperação Técnica
foram aprovadas pela decisão 75/54 do Conselho de Governadores do PNUD, em 25 de
junho de 1975 (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1975, p. 285).
As Novas Dimensões mudaram o quadro ideacional da cooperação técnica na
ONU, ao definir que o papel do SDNU seria o de auxiliar os PEDs na criação de sua
estrutura sócio-econômica-administrativa, necessária ao desenvolvimento. Isso facilitou
a expansão da ideia de CTPD na década de 1970, tornando evidentes as vantagens dessa
modalidade de cooperação técnica:
i) O fato de que a construção das capacidades estaria baseada na experiência e
no conhecimento de países com situações muito semelhantes, aumentando a
eficácia dos projetos;
ii) A garantia de maior autonomia, uma vez que, ao capacitar funcionários locais,
seria resolvido o problema da dependência da expertise de consultores ou
especialistas do exterior;
iii) A continuidade do processo de construção de capacidades, como resultado do
maior uso de empresas locais.
O primeiro estudo do Secretariado sobre o conceito de CTPD foi o Relatório do
Grupo de Trabalho sobre Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento
(DP/69), de 1974. O relatório, escrito para a consideração do Conselho de Governadores
do PNUD em sua 18ª sessão, apresentava duas definições de CTPD.
A primeira era uma definição política, baseada nas expressões presentes nos
documentos da NOEI, e que traduzia a visão dos países do G-77: “[CTPD] é a primeira
tentativa de dar conteúdo operacional ao conceito de autossuficiência coletiva e ajuda
82 A crise financeira do PNUD na década de 1970 será discutida na parte 3. Um dos motivos para essa crise foi a drástica redução das contribuições dos Estados Unidos para o programa.
106
mútua entre os países em desenvolvimento, a fim de atingir seus objetivos de
desenvolvimento” (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY
SERVICES, 1975, p. 3, tradução nossa83).
Nessa definição, a CTPD seria uma forma de promover soluções aos problemas
dos PEDs, problemas esses que eram considerados diferentes daqueles presentes nas
sociedades desenvolvidas. A CTPD teria como propósito aplicar conhecimento adequado
à situação dos PEDs, pelo intercâmbio de experiências e pelo uso das capacidades locais.
Essa modalidade, portanto, diminuiria a dependência das formas de conhecimento e
técnica dos PDs e seria uma maneira de promover, no âmbito da NOEI, relações de
intercâmbio mais equilibradas.
Já a segunda conceituação era mais técnica, com um linguajar próximo ao do
Secretariado. A CTPD seria o input, isto é, uma das formas que a ONU utilizaria para
criar elementos da estrutura sócio-econômica-administrativa nos PEDs; e as metas de
desenvolvimento dos PEDs seriam os objetivos dessa modalidade:
A cooperação técnica entre países em desenvolvimento envolve o compartilhamento de capacidades e habilidades entre dois ou mais países em desenvolvimento. Como tal, refere-se a programas, projetos e atividades de desenvolvimento em que importantes inputs substantivos, como know-how e expertise, serviços de consultoria, instalações de treinamento, equipamentos, suprimentos, etc., são fornecidos por um país em desenvolvimento para outro. Esta cooperação pode ser bilateral ou multilateral, pública ou privada. Pode abranger todos os setores e todos os tipos de atividades de cooperação técnica, independentemente da fonte e do tipo de financiamento (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 3, tradução nossa84).
O conceito de CTPD como input exigiu que o SDNU alterasse a organização de
seus projetos de desenvolvimento, realizando, a partir de então, duas diferenciações: em
relação às formas de organizar a assistência técnica; e em relação às diferentes origens
geográficas dos inputs. No que se refere às diferentes formas de organizar a CTPD, o
SDNU passou a considerar três categorias:
83 Do original: “[TCDC is] “the first attempt to give operational content to the concept of collective self-reliance and mutual help among developing countries in order to attain their development goals” (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 3). 84 Do original: “Technical cooperation among developing countries involves the sharing of capacities and skills between two or more developing countries. As such, it refers to development programmes, projects and activities in which major substantive inputs, such as know-how and expertise, consultancy services, training facilities, equipment, supplies, etc., are provided by developing countries to one another. This cooperation may be bilateral or multilateral, public or private. It may cover all sectors and all kinds of technical cooperation activities, regardless of the source and type of financing” (DP/69 apud DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 3).
107
i) Situações nas quais as necessidades comuns a um conjunto de PEDs são mais
eficazes de serem lidadas com ações conjuntas entre os PEDs (joint action for
common needs), por meio de projetos globais, inter-regionais e regionais;
ii) Situações nas quais as necessidades individuais de cada um dos PEDs são mais
eficazes de serem lidadas com ações conjuntas entre eles (joint action for
individual needs), envolvendo projetos regionais e inter-regionais;
iii) Situações nas quais as necessidades individuais de cada um dos PEDs são mais
eficazes de serem lidadas com ações também individuais (individual action
for individual needs), por meio de projetos bilaterais entre os PEDs
(DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975).
Dentro dessas categorias, o caráter distintivo entre a cooperação técnica
tradicional e a CTPD era a origem geográfica dos inputs, que deveria ser proveniente dos
PEDs. Esses inputs estavam divididos em: pessoal (consultores e funcionários); unidades
de treinamento; equipamentos; materiais; e informações. A escolha de uma determinada
origem geográfica dos inputs dependeria de vários fatores, mas o importante era ter o
conhecimento das capacidades disponíveis.
Isso exigiria que o SDNU desenvolvesse, como pré-requisito para o uso da CTPD,
a construção de um inventário com todas as capacidades disponíveis nesses países, o que
era inexistente até então. Tanto que os funcionários da ONU sabiam que eles já
desenvolviam várias iniciativas que poderiam ser definidas como CTPD, mas, devido à
falta de sistematização das capacidades dos PEDs, elas não eram enquadradas como tal
modalidade85.
Assim, entre 1974-1977, integrar a CTPD às atividades regulares do SDNU já era
uma questão relevante. Nesse momento, a questão era definir se a CTPD era um meio,
uma modalidade de promover o desenvolvimento; ou se ela era um fim em si mesmo.
Como colocado em um telegrama do Departamento de Serviços Consultivos de
Planejamento do Desenvolvimento: “o principal impulso da redefinição [da cooperação
técnica] deve ser a incorporação da CTPD no que é agora a forma dominante de
85 Por exemplo, B. Russell, Diretor Assistente do Centro de Desenvolvimento Social e Assuntos Humanitários, em memorando de 1973 para B. A. El-Tawil, Diretor em exercício do Escritório de Cooperação Técnica da ONU, afirmou que o campo de desenvolvimento social apresentava potencial para a CTPD, pois, nessa área, as experiências dos próprios PEDs eram mais valiosas do que dos países altamente industrializados. Já existiam, na época, vários especialistas de PEDs trabalhando nessas áreas em outros países, e seria mais fácil replicar as iniciativas considerando as condições similares (RUSSELL, 1973).
108
assistência técnica (e aqui deve ser acrescentado que, com o tempo, a CTPD pode se
tornar o elemento dominante da cooperação técnica)” (DEVELOPMENT PLANNING
ADVISORY SERVICES, 1975, p. 9, tradução nossa86).
Para definir a forma como a CTPD seria integrada ao SDNU, em 1978 foi
realizada a primeira conferência internacional sobre o assunto, a Conferência das Nações
Unidas sobre Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento.
2.3. A Conferência de Buenos Aires e seu Plano de Ação: ideia de
autossuficiência nacional e coletiva
A Conferência das Nações Unidas sobre CTPD foi um marco nos esforços do
SDNU em corrigir a estrutura assimétrica do regime de cooperação internacional para o
desenvolvimento, ao colocar ênfase no uso das capacidades técnicas e científicas dos
PEDs na promoção de seu desenvolvimento. Além do engajamento do G-77 e da presença
de países doadores, praticamente todas organizações da ONU compareceram à
conferência. O SDNU e, de forma mais proeminente, o PNUD, tiveram um papel central
na preparação da conferência e no desenho do documento final, o Plano de Ação de
Buenos Aires (BAPA, da sigla em inglês, Buenos Aires Plan of Action).
O BAPA não foi o primeiro mandato legislativo da ONU sobre CTPD, pois as
resoluções da AGNU entre 1974 a 1977 estabeleceram as diretrizes na área. Mas, sem
dúvidas, esse documento é, ainda hoje, o quadro político mais compreensivo e de maior
autoridade sobre a CTPD no sistema ONU, e ele não apenas sintetiza as ideias principais
que compõem a modalidade mas também cristaliza as conquistas dos PEDs no debate
sobre o desenvolvimento na ONU até então.
2.3.1. Preparação para a Conferência
No relatório DP/69 (1974), o Grupo de Trabalho sobre Cooperação Técnica entre
os Países em Desenvolvimento recomendou a realização de um simpósio internacional,
86 Do original: “The main thrust of the redefinition should be to incorporate TCDC in what is now the mainstream of technical assistance (and here it should be added that in time TCDC may become the dominant element in the mainstream)” (DEVELOPMENT PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975, p. 9).
109
envolvendo Estados-membros e entidades da ONU, para discutir medidas que pudessem
amenizar e superar as barreiras ao avanço da CTPD. As barreiras identificadas eram de
quatro naturezas:
i) A falta de comunicação e informação sobre as capacidades e necessidades dos
PEDs;
ii) As barreiras atitudinais em relação ao uso de especialistas, empresas e
equipamentos provenientes dos PEDs;
iii) A falta de mecanismos institucionais para promover a CTPD;
iv) Os problemas nos procedimentos vigentes, que dificultavam identificar os
projetos como CTPD (UNITED NATIONS CONFERENCE ON
TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,
1977, p. 6).
A AGNU, em sua resolução A/RES/3251 (XXIX), de 4 de dezembro de 1974,
solicitou que o Conselho de Governadores do PNUD considerasse as medidas necessárias
para que ocorresse o simpósio internacional. As discussões no PNUD ao longo de 1974
evoluíram para uma proposta mais ambiciosa: a realização de uma conferência
internacional da ONU sobre a CTPD, que deveria ser realizada até o final da década.
Em 21 de dezembro de 1976, pela resolução A/RES/31/179, a AGNU decidiu
efetivamente realizar a conferência em Buenos Aires, e a resolução A/RES/32/183, de 19
de dezembro de 1977, definiu a data do encontro para 30 de agosto a 12 de setembro de
197887.
Em termos organizacionais, várias partes interessadas foram mobilizadas para
estruturar a conferência e encaminhar o trabalho preparatório. A AGNU indicou o
Administrador do PNUD, B. Morse, para ser o Secretário-Geral da conferência. O
Secretariado ficou sob responsabilidade do PNUD, com financiamento da Unidade
Especial para a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (SU-TCDC, do
inglês, Special Unit on Technical Cooperation among Developing Countries)88. A
Unidade Especial também deveria cuidar das questões substantivas da conferência, como
a elaboração dos documentos e relatórios. Já os arranjos logísticos e formais foram feitos
pelo ECOSOC.
87 A princípio, a data da conferência seria de 27 de março a 07 de abril de 1978. Mas, devido aos arranjos administrativos, ela foi alterada para agosto daquele mesmo ano. 88 A criação e o papel da Unidade Especial serão discutidos na parte 2.
110
O comitê preparatório da conferência foi criado pela AGNU na resolução
A/RES/31/179. Composto pelo Comitê de CTPD do PNUD e aberto a outros Estados-
membros, tinha como responsabilidade organizar a documentação e a agenda da
conferência. Foram realizados três encontros preparatórios, em janeiro e setembro de
1977; e maio de 1978.
O envolvimento das agências e comissões regionais da ONU foi organizado pela
Força Tarefa Interagências. A mobilização de todas as entidades do SDNU foi crucial
pois elas eram as principais implementadoras da CTPD. A Força Tarefa realizou um
importante trabalho documental para a conferência, sistematizando, pela primeira vez,
informações que as entidades do SDNU tinham sobre as capacidades, necessidades e
experiências dos PEDs. Foram feitos estudos para identificar as potencialidades e formas
de melhorar os procedimentos de definição e execução de projetos para incluir os
elementos dessa modalidade.
Também foram realizados encontros regionais entre os Estados-membros, em
cooperação com as comissões regionais. O primeiro encontro ocorreu em Bangkok,
Tailândia, de 25 de fevereiro a 2 de março de 1976, co-organizado pelo PNUD e pela
Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (ESCAP, da sigla em inglês,
Economic and Social Commission for Asia and the Pacific). Houve a participação de 33
governos, 14 agências especializadas e órgãos da ONU e 6 outras organizações
internacionais e regionais. O foco da reunião foram os setores e as soluções que poderiam
estimular a CTPD.
O segundo encontro regional ocorreu em Lima, Peru, de 10 a 15 de maio de 1976,
co-organizado pelo PNUD e pela CEPAL. Houve a participação de 38 governos (sendo
21 da América Latina e Caribe e o restante de outras regiões), 13 agências especializadas
e órgãos da ONU e 20 outras organizações internacionais e regionais. O foco da reunião
foi o estabelecimento de pontos focais nacionais e o desenvolvimento de um projeto, com
apoio do PNUD, para identificar novos métodos de promoção da CTPD regionalmente.
O terceiro encontro ocorreu em Addis Abeba, Etiópia, de 4 a 8 de outubro de 1976,
co-organizado pelo PNUD e pela Comissão Econômica para a África (ECA, da sigla em
inglês Economic Commission for Africa). Houve a participação de 41 governos (sendo 27
da África e o restante de outras regiões), 16 agências especializadas e órgãos da ONU e
3 outras organizações internacionais e regionais. O foco da reunião foi o papel da vontade
política na promoção da CTPD; a redução dos custos da cooperação internacional para o
desenvolvimento por meio da CTPD; e meios de fortalecer as instituições nacionais.
111
O quarto encontro ocorreu no Kuwait, de 31 de maio a 5 de junho de 1977, co-
organizado pelo PNUD e pela Comissão Econômica para a Ásia Ocidental (ECWA, da
sigla em inglês, Economic Commission for Western Asia). Esse encontro resultou na
Declaração de Kuwait para a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, que
definiu a CTPD como um imperativo histórico dentro do quadro da NOEI.
Além do Secretariado, do Comitê Preparatório, da Força Tarefa e dos encontros
regionais, a preparação da conferência envolveu: a realização de painel de consultores,
com debates entre intelectuais, planejadores, especialistas e administradores na área de
desenvolvimento; as preparações nacionais, nas quais os Estados-membros elaboraram
relatórios nacionais sobre suas experiências, capacidades e necessidades na área de
CTPD; e o Departamento de Informações Públicas da ONU, que realizou programas de
informação para estimular a conscientização sobre a CTPD.
2.3.2. As negociações em Buenos Aires
No dia 29 de agosto de 1978, em Buenos Aires, ocorreu uma negociação
preparatória, que adotou a agenda da conferência definida pelo Comitê Preparatório. A
agenda previa quatro tópicos gerais de discussão. O primeiro item era a CTPD como uma
nova dimensão da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Esse item era o
mais extenso da agenda, e se desdobrava em sete subitens:
i) A CTPD e sua relação com a cooperação econômica, científica, social e
cultural entre os PEDs;
ii) A CTPD como uma forma de melhorar a disponibilidade e a eficácia dos
recursos para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento;
iii) A expansão da participação dos países menos desenvolvidos e dos países
em situações especiais (como países sem saída para o mar e pequenas
ilhas) na CTPD;
iv) A ampliação da confiança nas capacidades dos PEDs para a cooperação
técnica, com o objetivo de remover barreiras atitudinais e outras barreiras
contra a CTPD;
v) A criação de um sistema de informações sobre as capacidades técnicas dos
PEDs, com o objetivo de remover a barreira da falta de informações;
vi) A identificação de fontes e métodos de financiamento da CTPD;
112
vii) O papel da CTPD em explorar novas abordagens e estratégias para
resolver os problemas de desenvolvimento comuns aos PEDs, incluindo o
envolvimento dos países desenvolvidos e das agências do SDNU, com
ênfase no PNUD.
Os itens 2 e 3 da agenda envolviam os arranjos institucionais para promover a
CTPD em nível nacional e internacional, respectivamente. Em nível nacional, o foco era
no papel dos governos e como o SDNU e os países desenvolvidos poderiam auxiliar
nesses esforços. Os Estados-membros também deveriam acordar sobra a atuação do
PNUD em relação ao auxílio na criação de escritórios oficiais responsáveis por coordenar
a CTPD nacionalmente. Em nível internacional, deveriam ser negociados arranjos
regionais, inter-regionais e globais para promover a CTPD.
O quarto item era a adoção do documento final da conferência propriamente dita:
um plano de ação para promover a CTPD. O rascunho do documento foi escrito ao longo
de cinco anos de negociações, a partir das recomendações do Comitê Preparatório, dos
encontros regionais sobre CTPD e da Força Tarefa Interagências. Durante a conferência,
os Estados-membros tiveram a tarefa de fechar os pontos em aberto do plano de ação
(PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON
TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1977).
Em 30 de agosto de 1978, deu-se início à plenária da conferência. Houve a
presença de 138 Estados-membros na abertura, e 121 deles fizeram discursos na sessão
plenária. Dentre os representantes governamentais, compareceram ministros de 45
Estados-membros, 41 vice-ministros e 81 chefes de departamentos nacionais relacionados
à cooperação e planejamento para o desenvolvimento, além de centenas de especialistas
(BENN, 1994, p. 1). Em relação aos funcionários da ONU, estiveram presentes 32 oficiais
de diferentes entidades do sistema. Houve também a presença de 18 representantes de
organizações não-governamentais e organizações intergovernamentais (OFFICE OF
PUBLIC INFORMATION, 1978 a).
A abertura da conferência foi realizada pelo próprio Secretário-General da ONU
na época, o diplomata austríaco Kurt Waldheim. Em seu discurso, o Secretário-Geral
afirmou que a Conferência de Buenos Aires deveria ser vista como parte de uma nova
estratégia global para lidar com os problemas da interdependência. Waldheim destacou
que a tendência de assumir que desenvolvimento era equivalente à assistência externa dos
PDs era derivada, em partes, dos programas do pós-guerra de ajuda e assistência técnica
dos países ricos para os pobres; mas também da herança colonial, que negligenciou os
113
conhecimentos nativos. Por isso, a CTPD reforçaria o potencial e a identidade dos PEDs,
constituindo sua autossuficiência nacional e coletiva.
A conferência tinha como emblema uma ponte (vide a figura a seguir), que
simbolizava a criação de uma nova parceria para o desenvolvimento, envolvendo não
apenas os países do Sul, mas toda a ONU. Sobre esse símbolo, o Secretário-Geral
afirmou, em seu discurso:
Esta crescente interdependência econômica - Norte, Sul, Oriente e Ocidente - é demonstrada pelo duplo simbolismo do emblema especial desta Conferência das Nações Unidas. Pois o emblema representa tanto a ponte da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento e, nas linhas curvas verticais que conectam os hemisférios, a mesma interdependência a que me referi. O emblema desta Conferência também fornece um símbolo da visão final de uma parceria mundial de desenvolvimento, baseada na igualdade soberana. Descreve a necessidade de os países em desenvolvimento empregarem a CTPD para aumentar sua capacidade em todas as suas relações econômicas internacionais (WALDHEIN, 1978 apud OFFICE OF PUBLIC INFORMATION, 1978 b, p. 5, tradução nossa89).
Figura 1 – Emblema da Conferência das Nações Unidas sobre Cooperação Técnica
entre Países em Desenvolvimento (1978)
Fonte: UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 3.
A ideia de ponte entre os PEDs e os PDs também foi explorada no discurso do
Secretário-Geral da Conferência, B. Morse. Ele afirmou que a CTPD tinha dois objetivos:
89 Do original: “This growing economic interdependence – North, South, East and West – is demonstrated by the dual symbolism in the special emblem of this United Nations Conference. For it depicts both the bridge of technical co-operation among developing countries and in the vertical curving lines connecting the hemispheres, that same interdependence to which I have referred. The emblem of this Conference also provides a symbol of the ultimate vision of a world development partnership, based on sovereign equality. It depicts the need for the developing countries to employ TCDC to enhance their capacity in all their international economic relations” (WALDHEIN, 1978 apud OFFICE OF PUBLIC INFORMATION, 1978, p. 5).
114
ampliar o desenvolvimento dos PEDs por meio da autossuficiência e do uso dos recursos
dos PEDs; e contribuir para o estabelecimento da NOEI. Para ele, a razão da ONU ter
sediado a conferência vinha do fato de que a CTPD possibilitaria criar pontes
fundamentais entre os PEDs e os PDs; e que os PDs também tinham um papel
fundamental no processo de avanço da CTPD. Além disso, a experiência em campo da
ONU tinha o potencial de trazer contribuições valiosas para a modalidade (UNITED
NATIONS, 1979).
Ao contrário do que poderia indicar as tensões Norte x Sul dos anos 1970, as
negociações na conferência não tiveram um clima de divisão política, e sim de interesse
universal no tema. Os PEDs estavam efetivamente interessados no conteúdo da
conferência e não em seu uso de retórica política, enquanto os PDs, especialmente da
OCDE, estavam preocupados em demonstrar seu interesse e engajamento. Por isso, o foco
dos Estados-membros nas negociações foi o de finalizar o plano de ação, que era um
documento complexo por apresentar elementos conceituais sobre a CTPD, prática não-
usual em planos de ação da ONU (MORSE, 1978).
Apesar de não haver uma atmosfera de confronto Norte-Sul, esse conflito ficou
manifestado na falta de clareza conceitual da CTPD. Para que fosse possível atingir
consenso sobre o tópico, a Primeira ONU foi apenas capaz de estabelecer princípios
gerais – e, em vários aspectos, ambíguos – para diferenciar a CTPD da cooperação
tradicional. As negociações buscaram chegar a um conceito moderado de CTPD,
vinculando a modalidade à proposta da NOEI em sua dimensão mais técnica e menos
política, e sem colocar a CTPD como uma modalidade rival da cooperação tradicional.
No comitê principal, o processo de negociação se deteve no refinamento do
documento, especialmente com a dificuldade do G-77 em chegar a um consenso sobre o
grau de detalhamento conceitual e operacional. Foi então criado um grupo de trabalho
menor, para editar a introdução e os objetivos do Plano de Ação, facilitando a deliberação
do G-77 sobre cada um dos parágrafos (TAMAYO, 1978).
O primeiro ponto de negociação foi acertar as duas interpretações de CTPD que
estavam presentes no documento, retomando o problema de definição que já vinha sendo
discutido no período 1974-1977.
O G-77 priorizava uma definição na qual a CTPD não era apenas um tema sobre
a capacidade dos PEDs de prover cooperação técnica, mas uma dimensão política do
processo de estabelecimento da NOEI. Nesse sentido, a CTPD seria um imperativo
histórico, definida pelos seguintes elementos: “(i) autossuficiência nacional; (ii)
115
autossuficiência coletiva; (iii) ajustamentos na ordem econômica internacional; e (iv)
promover um melhor desempenho da máquina internacional de cooperação técnica”
(PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON
TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 3, §
7, tradução nossa90). A diferença dentro do G-77 se referia ao grau de detalhamento da
definição: se apenas seriam mantidos os delineamentos gerais ou se seriam exploradas as
particularidades da cooperação entre os PEDs, considerando, por exemplo, a situação dos
países menos desenvolvidos, sem saída para o mar, etc.
Já o Secretariado, especialmente os funcionários do Escritório de Cooperação
Técnica, dava preferência à uma definição menos política e focada nos inputs, ou seja,
definir a CTPD como uma modalidade de implementação da cooperação técnica. Essa
também era a posição dos PDs, que se alinhavam à definição do Secretariado porque
reduzia a politização da discussão.
Para alguns membros do Secretariado, inclusive, a politização da cooperação
técnica internacional com base na divisão Norte-Sul trazia desvantagens para ambos os
conjuntos de países. Para eles, a ONU deveria trabalhar para superar as limitações da
CTPD, sendo a falta de informações sobre as capacidades dos PEDs a principal delas
(ZELLEKE, 1977, p. 5). Nesse sentido, “a CTPD é vista como um esforço para fazer
melhor uso dos recursos já disponíveis nos países em desenvolvimento ao mobilizar esses
recursos para o benefício desses mesmos países, portanto, ampliando a disponibilidade
total de assistência ao desenvolvimento” (BARTOLO, 1976, p. 1, tradução nossa91).
Durante as consultas no grupo de trabalho, houve consenso de que as duas
definições – do G-77 e do Secretariado – não eram excludentes, e sim, complementares.
Por isso, o esforço de negociação foi o de apresentar uma definição combinada, em que
a CTPD seria uma nova forma de implementar a cooperação técnica, no contexto da
NOEI. Conforme resumiu F. Burns Jr., então Diretor do Escritório de Cooperação
Técnica da ONU, em correspondência a A. Meguid, Vice-Secretário-Geral da
Conferência de Buenos Aires:
90 Do original: “(i) national self-reliance; (ii) collective self-reliance; (iii) adjustments to the international economic order; and (iv) improved performance of the international machinery for technical co-operation” (PREPARATORY COMMITTEE FOR THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 3, § 7). 91 Do original: “TCDC is viewed as an effort to make better use of resources already available in developing countries by mobilizing these resources for the benefit of the developing countries themselves, thus enhancing the total availability of assistance for development” (BARTOLO, 1976, p. 1).
116
A promoção consciente e sistemática da CTPD no contexto da Nova Ordem Econômica Internacional expressa um desencanto com a assistência técnica tradicional e a necessidade de gerar novos conhecimentos relevantes para os países em desenvolvimento, e específicos dos seus requisitos de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a CTPD é vista como uma dimensão nova e complementar à cooperação técnica internacional (BURNS JR., 1977, p. 1, tradução nossa92).
Por conta do caráter híbrido da definição, os objetivos da CTPD listados no
rascunho do plano de ação também tiveram que ser negociados linha por linha, pois havia
uma mistura entre os objetivos e as áreas de atuação da CTPD que precisava ser
esclarecida no documento.
Em relação aos objetivos, o Secretariado da ONU orientou o G-77 a não incluir a
coordenação das posições entre os PEDs em âmbito internacional como um objetivo
direto da CTPD, pois tratava-se de um assunto político e que não necessariamente a CTPD
poderia contribuir para isso. Para o Secretariado, era importante não exagerar em relação
àquilo que a CTPD poderia fazer, evitando criar um mundo paralelo para essa
modalidade, o que era apoiado pelos PDs. Os PEDs concordaram em diluir sua posição e
circunscrever os objetivos da CTPD às áreas de intercâmbio de informações e
habilidades; estabelecimento de programas conjuntos; fortalecimento da posição de
barganha dos PEDs; e atenção a áreas negligenciadas pela cooperação técnica tradicional
(FRISCIC, 1977; KENNERLEY, 1977).
Quanto às áreas de atuação e ao uso da CTPD, a partir das evidências em campo,
o Secretariado entendia que a CTPD estimulava os vínculos com a cooperação econômica
entre os países em desenvolvimento (CEPD). Apesar de serem modalidades
complementares, a cooperação técnica era voltada para o uso de bens, serviços,
tecnologias consultores e técnicos oriundos dos PEDs; já a cooperação econômica,
voltada para a promoção do comércio exterior, dos investimentos e das finanças entre os
PEDs. E, a princípio, o Secretariado buscou manter a diferenciação entre CTPD e CEPD
nas negociações.
Havia três pontos de convergência entre a CTPD e a CEPD: i) a cooperação
técnica muitas vezes vinha acompanhada da cooperação econômica, como por exemplo,
92 Do original: “The conscious and systematic promotion of TCDC in the context of the New International Economic Order expresses a disenchantment with traditional technical assistance, and the need to generate new knowledge relevant to the developing countries and specific to their development requirements. At the same time, TCDC is seen as a new and complementary dimension to international technical co-operation” (BURNS JR., 1977, p. 1).
117
a situação na qual a realização de um treinamento vinha com uma oferta de aquisição de
certos equipamentos; ii) a cooperação técnica criava um ambiente propício à ampliação
da cooperação econômica, ao estabelecer um entendimento mútuo dos problemas entre
os PEDs; iii) a cooperação técnica tinha um efeito “contágio”, pois um especialista
externo tendia a recomendar a tecnologia de um equipamento de seu local de origem
(FRISCIC, 1977). Nesse ponto, o G-77 estava alinhado com o Secretariado sobre a
complementaridade entre a CTPD e a CEPD, ao entender que as modalidades seriam dois
lados da mesma moeda, o desenvolvimento.
Nos primeiros dias da conferência, A. Meguid tinha a intenção de incluir, no Plano
de Ação, assuntos econômicos mais gerais, como termos de comércio, barreiras
comerciais e alívio da dívida. Mas essa convergência entre a CTPD e a CEPD era uma
linha vermelha para os PDs. Para eles, o Plano de Ação deveria ficar restrito às questões
técnicas, e a CTPD deveria ser mantida em separado das questões relacionadas ao
comércio internacional, que envolvia questões políticas mais delicadas da perspectiva dos
PDs.
A delegação americana fez questão de excluir da Conferência qualquer
negociação sobre a relação entre CTPD e CEPD. Sabendo as intenções de A. Meguid de
incluir os temas econômicos no rascunho do plano de ação, o delegado-chefe da
delegação americana, J. MacDonald, marcou um almoço com o Vice-Secretário-Geral da
Conferência para demovê-lo de suas intenções:
Os delegados dos EUA tiveram a oportunidade de almoçar com Abdel-Meguid durante o primeiro fim de semana e argumentaram vigorosamente contra a sua posição, enfatizando o perigo de perder o amplo apoio Ocidental à CTPD se ele tentasse dificultar a modalidade com questões econômicas mais amplas e controversas. Abdel-Meguid recuou e a questão nunca surgiu novamente como um problema na negociação (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978, tradução nossa93).
A pressão dos PDs – e, particularmente, da delegação dos Estados Unidos – foi
bem-sucedida em evitar que o plano de ação discutisse assuntos mais amplos de
cooperação econômica. Mas é importante ressaltar que, na Conferência de Buenos Aires,
os PDs não estavam muito bem articulados, a ponto de indicar grandes divergências na
93 Do original: “US delegates had occasion to lunch with Abdel-Meguid during the first weekend and vigorously argued against his stand by stressing the dangers of losing widespread Western support for TCDC if the tried to encumber it with broader and more controversial economic issues. Abdel-Meguid backed off and the issue never arose again as a negotiating problem” (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978).
118
negociação. Na verdade, o fato é que esses países não se reuniram previamente para
discutir questões substantivas da conferência.
De acordo com MacDonald, o principal obstáculo foi a decisão dos governos
escandinavos de adotar as “regras de Nova York”94, isto é, de fazer reuniões pré-
conferência que discutissem apenas questões procedimentais, e não referentes ao
conteúdo da negociação, ao invés das “regras de Viena” ou “de Genebra”, que permitem
a coordenação substantiva pré-conferência. Segundo MacDonald, não houve nenhuma
comunicação entre os países ocidentais a não ser os 15 minutos de conversa informal atrás
das escadas do lobby da conferência (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978).
O G-77 aproveitou a desarticulação dos PDs para que as recomendações propostas
pelo documento, em nível nacional, regional e global, expressassem os interesses do
grupo, garantindo maior suporte do SDNU para promover a cooperação técnica entre os
PEDs, especialmente no que se referiria ao recrutamento de especialistas e aos critérios
de definição dos projetos. Assim, estavam postas as condições para que o Plano de Ação
fosse adotado por consenso.
2.3.3. O conteúdo do Plano de Ação de Buenos Aires (BAPA)
O BAPA foi adotado por consenso entre os 138 Estados-membros presentes na
conferência e foi o primeiro documento normativo de promoção da CTPD por todo o
SDNU. O plano de ação reconheceu a importância da solidariedade entre os PEDs e as
novas circunstâncias de mútua interdependência. O BAPA simbolizava não apenas a
solidariedade e o apoio entre os PEDs, mas também criou uma nova abordagem para a
cooperação internacional para o desenvolvimento, ao dar peso para os arranjos coletivos
entre os PEDs.
A introdução do documento deixa claro que aquele momento histórico era um
ponto crítico nas relações entre os PEDs, e entre eles e os PDs. Ao reconhecer que as
instituições internacionais promotoras do desenvolvimento foram criadas e refletiam o
domínio dos PDs nas relações internacionais, o documento exigia uma participação
igualitária entre PDs e PEDs, tanto na condução dos assuntos internacionais quanto na
distribuição dos benefícios globais. É evidente que o BAPA foi escrito tomando como
94 As “regras de Nova York” foram criadas no processo de negociação da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), que foram muito polêmicas e marcadas pela divisão Norte x Sul.
119
pano de fundo a proposta da NOEI (UNITED NATIONS CONFERENCE ON
TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978).
A superação do problema do desenvolvimento – social e econômico, nacional e
internacional – exige grandes esforços de cooperação entre os PDs e os PEDs. Assim, em
um contexto de interdependência, a CTPD foi considerada uma força vital para iniciar,
desenhar, organizar e promover uma cooperação mais efetiva e ampla entre os PEDs. E
o resultado dessa cooperação seria a criação, aquisição, adaptação e transferência de
conhecimento e experiências para a promoção do desenvolvimento econômico e social
desses países.
A CTPD deveria ser feita com base nos princípios de soberania, independência
econômica, direitos iguais e não-interferência, e o BAPA explicita que esses princípios
são os que diferenciam a CTPD da tradicional CNS. Mas isso não significa que a CTPD
deveria ser um fim em si mesmo. O parágrafo 8 do BAPA estabeleceu a máxima, presente
até hoje, de que a CTPD não é um substituto para a cooperação tradicional, ainda
necessária para a transferência de tecnologia e outras especialidades.
O BAPA definiu a CTPD como um processo multidimensional, mas a definição
não esclareceu aquilo que de fato a distinguia da cooperação tradicional. A modalidade
foi conceituada como:
(...) um processo multidimensional. Pode ser bilateral ou multilateral em escopo, e subregional, regional ou inter-regional em caráter. Deve ser organizada por e entre governos capazes de promover, com esse propósito, a participação de organizações públicas e, dentro do quadro das políticas definidas por governos, de organizações privadas e indivíduos. Pode se basear em abordagens inovadoras, métodos e técnicas particularmente adaptadas às necessidades locais e, ao mesmo tempo, usar as modalidades existentes de cooperação técnica na medida em que esses são úteis (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, § 7, p. 6, tradução nossa95).
Dentro desse caráter multidimensional, o BAPA estabeleceu nove objetivos
básicos a serem cumpridos pela CTPD:
95 Do original: “(...) a multidimensional process. It can be bilateral or multilateral in scope, and subregional, regional or interregional in character. It should be organized by and between Governments which can promote, for this purpose, the participation of public organizations and, within the framework of the policies laid down by Governments, that of private organizations and individuals. It may rely on innovative approaches, methods and techniques particularly adapted to local needs and, at the same time, use existing modalities of technical co-operation to the extent that these are useful” (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, § 7, p. 6).
120
i) Promover a autossuficiência nacional dos PEDs, ao melhorar sua
capacidade de achar soluções para seus problemas de desenvolvimento
enquanto são respeitados suas aspirações, seus valores e suas
necessidades;
ii) Promover e fortalecer a autossuficiência coletiva dos PEDs, por meio da
troca de experiências, do compartilhamento de recursos técnicos e do
desenvolvimento de capacidades complementares;
iii) Fortalecer a capacidade dos PEDs de identificar e analisar,
conjuntamente, os principais problemas de seu desenvolvimento, e
formular estratégias adequadas para conduzir suas relações econômicas
internacionais. O compartilhamento de conhecimentos comuns é
importante para estabelecer uma nova ordem econômica internacional;
iv) Aumentar quantitativamente e melhorar qualitativamente a cooperação
internacional, e expandir os recursos para a TCDC;
v) Fortalecer as capacidades tecnológicas já existentes em diferentes setores
econômicos dos PEDs. A transferência de tecnologia e de capacidade
técnica deve ser promovida, ampliando o potencial de desenvolvimento
dos PEDs;
vi) Melhorar e ampliar a comunicação entre os PEDs, aprofundando a
consciência de seus problemas comuns e facilitando maior acesso ao
conhecimento e experiência disponíveis. Também promover a criação de
novos conhecimentos para lidar com os problemas de desenvolvimento.
vii) Ampliar a capacidade dos PEDs de absorver e adaptar tecnologias e
técnicas, para que essas possam efetivamente atender às necessidades de
desenvolvimento de cada país.
viii) Responder aos problemas específicos dos países menos desenvolvidos,
dos países sem saída para o mar, das ilhas e dos países mais seriamente
afetados;
ix) Permitir que os PEDs tenham maior participação nas atividades
econômicas globais e expandir a cooperação internacional (UNITED
NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION
AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, pp. 9-10, § 15).
Além desses propósitos, o BAPA menciona que outros poderiam ser
progressivamente incorporados à CTPD, como por exemplo, melhorar a harmonização
121
dos interesses entre os PEDs. Dentro do conceito de solidariedade, a CTPD permitiria aos
países identificar setores particulares de cooperação e estabelecer arranjos em diferentes
âmbitos.
Nesse escopo, o BAPA definiu um conjunto de ações a serem tomadas nos níveis
nacional, subregional e regional, inter-regional e global. Considerando que os setores
possíveis de cooperação eram múltiplos – industrialização, cooperação financeira e
monetária, matérias primas, ciência e tecnologia, cooperação técnica e consultoria,
transporte e comunicações, agricultura, saúde, educação, telecomunicações, turismo,
comércio, etc. – as recomendações do plano de ação visavam fortalecer e apoiar a
cooperação entre os PEDs em várias frentes, sem necessariamente indicar uma ordem de
prioridade.
As recomendações 1 a 14 tratam de ampliar a consciência nacional, de cada PED,
sobre suas próprias capacidades, técnicas e experiências, para torná-las disponíveis aos
demais países em âmbito internacional. O comprometimento dos países em realizar os
arranjos institucionais, de informação, humanos e financeiros, era crucial para organizar
e implementar projetos de CTPD. Por isso, as recomendações 1 a 3 indicam que os
governos nacionais deveriam formular planos ou programas de desenvolvimento com
base nos princípios e objetivos da CTPD, estabelecendo, no interior desses planos,
quadros estratégicos e mecanismos nacionais de definição dos arranjos legais e
administrativos para promover a CTPD.
Além da definição política e estratégica, era fundamental produzir e disseminar
conhecimento, informações e experiências nacionais para o uso e aplicação da CTPD. Por
ser uma modalidade nova, com potencial pouco explorado, a coleta de informações era
essencial para seu avanço. Nesse sentido, as recomendações 4 a 6 apontam que as
instituições nacionais deveriam ser capazes de produzir essas informações, por meio de
centros de pesquisa e treinamento.
A autossuficiência científica e tecnológica era considerada fundamental para a
promoção do desenvolvimento. As recomendações 7 e 8 sugerem que os governos
nacionais deveriam ampliar a formulação, a orientação e o intercâmbio de experiências
nessas áreas. Complementarmente, a recomendação 9 incentiva o aprofundamento da
troca de experiências, da comunicação e do desenvolvimento de projetos nas áreas
econômica e social.
Arranjos técnicos bilaterais com foco na CTPD deveriam ser intensificados pelos
PEDs, conforme a recomendação 14. Isso deveria ser feito por meio de organizações
122
profissionais e técnicas (recomendação 11) e de empresas públicas e privadas
(recomendação 12).
As recomendações 10 e 13 focam, respectivamente, na importância de
desenvolver programas educacionais e culturais para aumentar o conhecimento público
sobre a identidade cultural dos PEDs; e diminuir as barreiras culturais à expansão da
CTPD, por meio de programas de educação e informação. Isso traria maior
conscientização nacional e internacional dos problemas de desenvolvimento dos PEDs e
também das oportunidades de cooperação.
Além das ações nacionais, a CTPD deveria ser conduzida por ações coletivas nos
níveis subregional e regional, definidas pelas recomendações 15 a 21. O fortalecimento
das instituições e organizações nesses níveis, o desenvolvimento de vínculos
interinstitucionais e a criação e o fortalecimento de sistemas de informação regional
foram identificados no BAPA como cruciais para o avanço da CTPD. O SDNU teria um
papel de apoiador e catalizador desse processo, por meio de seus escritórios regionais e
de suas agências, fundos e programas.
A recomendação 15 sugere o fortalecimento das instituições sub-regionais e
regionais, e a recomendação 16 aponta que essas organizações deveriam reorganizar seus
trabalhos para identificar, desenvolver e implementar iniciativas de CTPD. Também se
esperava o maior envolvimento de organizações profissionais e técnicas nesse processo.
Por isso, a recomendação 17 solicita a realização de estudos, por parte dos PEDs e do
SDNU, sobre quais organizações poderiam potencialmente promover a CTPD.
A criação de vínculos regionais de cooperação em áreas específicas para resolver
problemas de desenvolvimento, especialmente nas áreas agrícola e industrial, foi
ressaltada nas recomendações 18 e 19. As recomendações 20 e 21 indicam,
respectivamente, a necessidade de aprofundar a participação das organizações regionais
no Sistema de Informação de Referência (INRES, do inglês, Information Referral
System), com o objetivo de disseminar informações e harmonizar os padrões de CTPD; e
dar apoio aos centros de pesquisa e treinamento regionais, para que pudessem promover
essa modalidade de cooperação.
O BAPA salienta que um objetivo central da CTPD é garantir o acesso amplo à
experiência acumulada dos PEDs em relação aos problemas de desenvolvimento
similares. Essas experiências podem estar em outras regiões, e, por isso, a recomendação
22 enfatiza que ações em âmbito inter-regional são vitais para o desenvolvimento de
novas abordagens e soluções. Os PEDs, as organizações inter-regionais e o SDNU
123
deveriam realizar uma avaliação da CTPD conduzida por nessas diferentes organizações,
com o intuito de criar capacidades complementares e promover programas conjuntos.
As recomendações 23 a 38 elencam as ações que deveriam ser tomadas em âmbito
global, particularmente por parte do SDNU, que deveria incorporar o espírito da CTPD e
ser um promotor e um catalisador dessa modalidade.
Considerando que a CTPD tem como objetivo fortalecer as capacidades dos PEDs
e promover seu desenvolvimento, a ação global do SDNU deveria ser, de acordo com a
recomendação 23, focada no fortalecimento da autossuficiência nacional e coletiva dos
PEDs. Para isso, a troca de experiências e de conhecimento sobre projetos de
desenvolvimento96 (recomendação 24), o aprofundamento da colaboração técnica global
com enfoque na solução de problemas (recomendação 25) e o aperfeiçoamento dos
sistemas de referência e informações internacionais, especialmente o do PNUD
(recomendação 26) deveriam ser práticas reorientadas para os princípios e objetivos da
CTPD.
Ademais, as recomendações 28 e 29 enfatizavam que essas medidas deveriam ter
uma atenção especial para PEDs em situações particulares, como os países econômica ou
geograficamente desfavorecidos e os recém-independentes.
A construção e a maximização do uso das capacidades dos PEDs por meio dos
projetos de CTPD foram destacadas nas recomendações 30 e 31. O fortalecimento da
infraestrutura, especialmente de comunicações e transporte, e o uso das capacidades, dos
especialistas e das consultorias locais eram centrais para o avanço da modalidade. E,
quando as capacidades nacionais não fossem suficientes, elas deveriam ser construídas
ou buscadas em outros PEDs.
O papel do SDNU na implementação do BAPA foi tratado nas recomendações 32
a 34, que dão as indicações do que deveria ser a incorporação da CTPD nas atividades
desse sistema. As agências, os fundos e os programas do SDNU deveriam criar e
desenvolver novas abordagens de CTPD por meio de estudos, análises, monitoramento e
revisão da implementação do BAPA. Após definidas, as abordagens deveriam ser
aplicadas na definição e execução de seus projetos. Isso exigiria reorientar as políticas e
os procedimentos internos do SDNU para os princípios da CTPD, e suas atividades
operacionais deveriam incorporar essa modalidade.
96 Uma preocupação em relação à troca de experiências e conhecimento era a fuga de cérebros. Por isso, a Recomendação 27 aponta que o SDNU deveria ajudar os PEDs a conter esse problema.
124
Deve-se dar destaque à recomendação 34, que dava ao PNUD o papel central no
processo de promover e apoiar a CTPD. Esse programa deveria assumir essa modalidade
como parte integral de suas atividades, seus programas e projetos. Para isso, deveria
fortalecer suas capacidades financeiras e administrativas, especialmente por meio de sua
Unidade Especial para a CTPD (SU-TCDC). A Unidade, financiada pelo PNUD, deveria
apoiar os governos em seus programas de CTPD, desenvolver novas ideias e abordagens,
coordenar as atividades do PNUD de CTPD, expandir o uso do sistema de informações e
referenciamento, promover canais de comunicação e reportar o progresso de
implementação do BAPA.
A Recomendação 37 estabeleceu como seria supervisionado o processo de
implementação do BAPA. A AGNU seria responsável pela revisão intergovernamental
da CTPD, com o apoio do PNUD. Os encontros seriam bienais e deveriam exercer as
seguintes funções: revisar a implementação do BAPA; promover a CTPD no interior do
SDNU; apoiar novas políticas e iniciativas; promover novos recursos; e coordenar as
atividades operacionais de CTPD realizadas pelo SDNU.
Ao final das negociações, A. Meguid disse que o BAPA foi um milagre, por duas
razões: pelo fato de o G-77, com todas suas diferenças, ter demonstrado a capacidade de
ser um corpo político coerente; e por ter sido a primeira vez em que o diálogo Norte-Sul
atingiu unanimidade (NEWLAND, 1978).
O BAPA foi endossado pela AGNU na A/RES/33/134, de 19 de dezembro de
1978. Nessa resolução, a Assembleia requereu ao SDNU que tomasse ações rápidas para
implementar o plano de ação, dando então início às primeiras atividades de incorporação
da CTPD aos trabalhos regulares das agência e entidades da ONU atreladas ao
desenvolvimento.
2.4. A ideia de integração da CTPD no SDNU nos anos 1980
Logo após a aprovação do BAPA, a Segunda Comissão da AGNU, em sua
resolução A/RES/34/117, de 14 de dezembro de 1979, requereu ao Secretário-Geral e a
todos os órgãos e entidades do sistema ONU, que tornassem a CTPD “parte integral de
125
suas atividades para a cooperação internacional para o desenvolvimento” (UNITED
NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1979, p. 108, tradução nossa97).
A partir dessa recomendação, os anos 1980 foram marcados pelos esforços do
SDNU em fazer as modificações necessárias em suas regras, seus procedimentos e suas
práticas para facilitar a promoção da CTPD. Porém, o apoio ao BAPA foi mais
declaratório que concreto. Ainda em 1981, o Comitê de Alto Nível para a Cooperação
Técnica entre os Países em Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-Level
Committee on Technical Cooperation among Developing Countries), em sua decisão
TCDC/2/5, de 7 de junho de 1981, expressou sua preocupação com o progresso
insuficiente da implementação do BAPA e a dificuldade em remover os obstáculos para
promover a CTPD.
O progresso marginal ou inadequado da incorporação da CTPD no SDNU teve
como principal causa, no âmbito das ideias, as barreiras atitudinais em relação à
modalidade. As barreiras atitudinais são definidas como comportamentos, atitudes e
visões de mundo pré-estabelecidas que dificultam ou impedem a incorporação de uma
ideia ou prática no SDNU.
No caso da CTPD, essas barreiras eram oriundas da forte mentalidade
tradicionalista, tanto dos funcionários da ONU quanto dos próprios PEDs. Depois de três
décadas de cooperação técnica tradicional, os atores envolvidos tinham enorme
dificuldade em mudar a lógica doador-recipiendário ao elaborar, estruturar e implementar
os projetos de desenvolvimento, o que era fundamental para garantir o uso adequado das
capacidades dos PEDs.
As barreiras atitudinais se traduziram em três problemas na integração da CTPD
ao SDNU no que se refere às ideias: problemas na interpretação do conceito de CTPD e
na capacidade de distingui-la da cooperação técnica tradicional; problemas na
interpretação do papel da ONU em promover a CTPD, particularmente no que se referia
à diferença entre as atividades promocionais e operacionais de CTPD; e a falta de
informação e conhecimento sobre as capacidades dos PEDs.
No primeiro aspecto, de interpretação do conceito, várias entidades do SDNU não
conseguiam perceber a diferença entre cooperação técnica tradicional e a CTPD. Essa era
uma das razões para explicar porque era difícil identificar, nesse período, quais eram as
97 Do original: “an integral part of their activities for international co-operation for development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1979, p. 108).
126
atividades que de fato o SDNU estava desenvolvendo a partir da recomendação 32 do
BAPA. Essa imprecisão conceitual vinha do próprio plano de ação, uma vez que, após a
aprovação das Novas Dimensões para a Cooperação Técnica, os objetivos da cooperação
tradicional e da CTPD convergiam em vários aspectos. Por exemplo, ambas enfatizavam
o conceito de autossuficiência, o uso máximo das capacidades e recursos locais e o
envolvimento dos PEDs na execução dos projetos.
O relatório do PNUD de 1979 (DP/373) tentou resolver essa ambiguidade ao
prover o seguinte conceito, também adotado pelo HLC-TCDC em seu relatório TCDC/3,
de 1980:
As atividades ou projetos de CTPD envolvem a partilha, o agrupamento ou a troca, deliberada e voluntária, de recursos técnicos, conhecimento, experiências, habilidades e capacidades entre dois ou mais países em desenvolvimento para seu desenvolvimento individual ou mútuo e para alcançar a autossuficiência nacional e coletiva.
(...)
Os inputs do projeto para uma atividade ou projeto de CTPD – como expertise, serviços de consultoria, instalações de pesquisa e treinamento, equipamentos e suprimentos –, são fornecidos inteiramente ou na maior extensão possível pelos próprios países em desenvolvimento participantes (HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1980 c, p. 4, tradução nossa98).
A definição retomou a proposta conceitual do Secretariado de definir a CTPD não
como um fim em si mesmo, mas sim como inputs utilizados nos projetos de cooperação
técnica. Para G. A. Brown – Vice Administrador do PNUD no período, em memorando
destinado ao então Vice-Secretário-Geral da ONU, J. Ripert –, o compartilhamento
voluntário de capacidades e o desenvolvimento mútuo eram os propósitos a serem
alcançados pela CTPD, com o uso de inputs dos PEDs (BROWN, 1978, pp. 1-2).
Os projetos precisavam envolver um acordo entre dois ou mais PEDs partícipes
de uma atividade de CTPD. As técnicas e mecanismos de CTPD deveriam ser aparentes
nos documentos do projeto. A iniciativa organizacional e gerencial estaria nas mãos dos
PEDs, bem como os mecanismos de execução, que deveriam ser feitos pelos governos.
98 Do original: “(a) TCDC activities or projects involve the deliberate and voluntary sharing, pooling or exchange of technical resources, knowledge, experience, skills, and capabilities between two or more developing countries for their individual or mutual development and in order to achieve national and collective self-reliance. (…) (c) Project inputs for a TCDC activity or project, such as expertise, consultancy services, research and training facilities, equipment and supplies, are provided entirely or to the largest extent possible by the participating developing countries themselves (HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1980 c, p. 4).
127
A ideia de que a responsabilidade de iniciativa da CTPD estava nas mãos dos
PEDs foi definida na decisão TCDC/2/9 do HLC-TCDC, de 7 de junho de 1981, e
incorporada no Manual de Políticas e Procedimentos do PNUD da seguinte forma:
i) As atividades de CTPD envolvem a troca ou o compartilhamento
voluntários e deliberados de recursos, habilidades e capacidades técnicas
entre dois ou mais PEDs, para seu desenvolvimento mútuo ou individual;
ii) A CTPD é iniciada, organizada e gerenciada prioritariamente pelos
próprios PEDs. Os governos dos PEDs geralmente tomam a iniciativa, e
outras instituições podem estar envolvidas;
iii) O financiamento e os inputs do projeto, como especialistas, serviços de
consulta, instituições de pesquisa e treinamento, equipamentos e outros,
são de responsabilidade primária dos próprios PEDs, e os recursos dos
países desenvolvidos e da ONU são catalisadores e suplementares;
iv) A CTPD inclui todos os setores, escopos e níveis geográficos. Mas deve
tentar, sempre que possível, usar abordagens, técnicas e métodos
adaptados às necessidades locais (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE
REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING
COUNTRIES, 1981 b).
Essas diretrizes enfatizaram o papel dos PEDs nos arranjos de CTPD. Mas
deixaram uma lacuna sobre como funcionaria o papel catalisador do SDNU, que não é
mencionado em nenhuma parte da definição, sendo esse o segundo problema do período.
O HLC-TCDC tentou, em sua decisão TCDC/3/4, de 6 de junho de 1983,
preencher essa lacuna ao reafirmar que o SDNU deveria ser permeado pelo espírito da
CTPD, e que todas as entidades do SDNU precisariam ajustar seus procedimentos e regras
para promover e catalisar a modalidade.
As entidades seguiram essa recomendação, mas como o Manual de Políticas e
Procedimentos do PNUD não definiu o envolvimento da ONU de forma clara, elas
simplesmente passaram a promover a CTPD de forma flexível, o que resultou em
diferentes abordagens.
Uma das abordagens foi a incorporação passiva: poucas organizações fizeram um
esforço genuíno de integrar a CTPD em suas atividades, pois esperavam que as iniciativas
fossem originárias dos PEDs. Assim, a atuação das entidades ficou restrita à identificação
de soluções de CTPD e, quando houvesse pedido dos governos, dar apoio técnico
128
referente àqueles elementos do projeto que não estavam disponíveis nos arranjos de
CTPD.
Outra abordagem foi a de interpretar as atividades relacionadas à cooperação
técnica tradicional como se elas fossem CTPD: após a aprovação das Novas Dimensões
da Cooperação Técnica, várias entidades simplesmente identificavam o uso dos bens,
serviços e consultores locais como se fosse CTPD, mesmo não havendo o intercâmbio de
conhecimento e especialidades entre dois ou mais PEDs (JOINT INSPECTION UNIT,
1985, p. 5).
Um outro problema na interpretação feita pelas entidades sobre como promover a
CTPD se referia à diferença entre as atividades promocionais e operacionais de CTPD.
As atividades promocionais eram divididas em duas categorias: atividades de
fortalecimento das capacidades dos PEDs; e atividades para promover, identificar e
formular novas iniciativas de CTPD ou dar apoio promocional aos projetos já existentes.
A primeira categoria envolvia a realização de workshops, seminários, programas de
informação, etc. A segunda categoria englobava atividades de curta duração, como
projetos pilotos, melhores práticas, treinamentos, dentre outras atividades que pudessem
identificar o potencial de cooperação, colocar as partes interessadas em contato, e coletar,
processar e disseminar informações.
Já as atividades operacionais eram as atividades em campo: a troca e o
compartilhamento, de fato, de recursos e capacidades técnicas entre dois ou mais PEDs.
Tais atividades envolviam o desenho de projetos de CTPD; a participação e a assistência
na execução e implementação de projetos de CTPD em campo; e o fortalecimento de
instituições de CTPD, fossem elas regionais, inter-regionais ou globais.
Essa diferença não era compreendida pelas entidades do SDNU, limitando a
implementação do BAPA. Algumas entidades consideravam que o papel de catalisador
se referia apenas às atividades promocionais, acreditando que as atividades operacionais
estariam fora de seu escopo de atuação, devendo ser responsabilidade exclusiva dos PEDs
eles mesmos. Outras entidades efetivamente confundiam as atividades promocionais com
as operacionais, considerando a realização de seminários e workshops como operacionais.
Havia pouca compreensão de que a promoção operacional da modalidade por parte do
SDNU exigiria uma reorientação dos procedimentos de desenho dos projetos e das
políticas tradicionais de implementação em campo.
O terceiro problema era a própria falta de informação e conhecimento, tanto dos
funcionários do SDNU quanto dos próprios PEDs, sobre as capacidades desses países.
129
Havia duas barreiras atitudinais acerca dessas capacidades: a concepção de que as
tecnologias e soluções dos PEDs eram de segunda-classe ou intermediárias; e uma
resistência a contratar especialistas e consultores dos PEDs, seja por considerar que eles
eram menos qualificados ou devido à barreira do idioma99. Como resultado dessas
barreiras, a preferência era dada a tecnologias, equipamentos e funcionários oriundos dos
PDs.
Mas pesquisas da ONU nos anos 1970 já haviam demonstrado que essas
concepções tinham pouco respaldo na realidade: sobre as tecnologias, a conclusão do
Escritório de Ciência e Tecnologia da ONU era a de que as soluções disponíveis nos PEDs
eram compatíveis e mais apropriadas para a situação de desenvolvimento de outros países
do que as tecnologias dos PDs, e que a transferência da tecnologia era mais fácil de ser
realizada e com maior sucesso em sua internalização. O mesmo para os especialistas dos
PEDs: apesar da barreira do idioma, eles se adaptavam de forma muito mais rápida às
condições menos confortáveis do trabalho, e eram mais tolerantes e flexíveis às
dificuldades enfrentadas em campo (KENNERLEY, 1977; BURNS JR., 1976).
Um outro problema com os especialistas e consultores vindos dos PEDs é que,
aqueles considerados qualificados pelas entidades da ONU eram, em sua maioria,
formados em universidades dos PDs, e, quando eles retornavam para seus países de
origem, sua formação era completamente inadequada para avaliar a realidade dos PEDs
(HARDING, 1978). Com esse diagnóstico, o HLC-TCDC e a AGNU fizeram
recomendações, nos anos 1980, para promover a identificação, promoção e construção de
capacidades dos PEDs em relação à formação de seus especialistas.
Para contornar esses problemas, em sua decisão TCDC/1/1, de 2 de junho de 1980,
o HLC-TCDC urgiu ao SDNU que usasse, o máximo possível, a linguagem do país nos
treinamentos de staff e na formulação e implementação de programas. Já na resolução
A/RES/42/180, de 11 de dezembro de 1987, a Segunda Comissão da AGNU recomendou
que as entidades do SDNU utilizassem mais consultores, especialistas, serviços e
equipamentos dos PEDs.
Um outro aspecto importante para lidar com o problema da falta de conhecimento
das capacidades dos PEDs foi a consolidação do Sistema de Informação de Referência
sobre CTPD, conhecido como INRES (do inglês, Information Referral System). O sistema
99 Burns (1976) também indicou a existência de barreiras políticas na contratação de especialistas dos PEDs, pois, no bojo das alianças e conflitos da Guerra Fria, alguns países não aceitavam funcionários de certas nacionalidades, independentemente das qualificações profissionais.
130
havia sido lançado pelo PNUD entre 1977-1978, por meio de dois diretórios que
compilavam informações e serviços disponíveis para a CTPD. O INRES foi o primeiro
esforço de sistematizar globalmente informações sobre as capacidades e o conhecimento
disponível nos PEDs (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF
TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 d).
Mas as limitações do INRES rapidamente emergiram. O sistema enfrentava
dificuldades em disponibilizar e a atualizar as informações, elementos fundamentais para
que ele fosse usado de maneira prática. Como o sistema não era computadorizado, os
países e as entidades do SDNU preenchiam as fichas à mão e as enviavam para Nova
York. Em seguida, os funcionários do INRES catalogavam as informações em um livro
de referência e as publicavam em forma impressa. Até que o livro estivesse pronto para
ser publicado, havia um grande atraso na disponibilização das informações, e nem todos
os PEDs tinham acesso ao material impresso.
Para superar essas dificuldades, foi proposta a computadorização do sistema em
1982, o que permitiu uma melhor compilação e divulgação das informações. Em 1989,
aproximadamente 4 mil partes interessadas – incluindo instituições oriundas dos PEDs,
agências da ONU e escritórios do PNUD – fizeram uso das práticas registradas nessa base
de dados (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1989, p. 8; p. 11).
Fazendo um balanço da década, é notável que no final dos anos 1980 o BAPA já
havia se tornado “o quadro legislativo vinculante para o apoio do sistema das Nações
Unidas à CTPD” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 3, §12, tradução nossa100), e
praticamente todos os programas, fundos e agências do SDNU já haviam tomado alguma
medida para promover a modalidade.
Mas a despeito desses esforços, houve uma incorporação limitada da CTPD aos
trabalhos do SDNU, sem permear a mentalidade na definição dos programas e das
operações de campo, indicando o caráter periférico dessa modalidade no âmbito da
cooperação internacional para o desenvolvimento. De acordo com a avaliação da Unidade
de Inspeção Conjunta da ONU (JIU, do inglês Joint Inspection Unit) sobre o desempenho
do SDNU quanto à implementação do BAPA, a conclusão não foi positiva: “tanto na sede
quanto no campo, os funcionários estão imersos em atividades tradicionais de cooperação
técnica e as iniciativas de CTPD dependem da conscientização e motivação individuais,
100 Do original: “there is broad system-wide acceptance of the BAPA as a binding legislative framework for United Nations system support for TCDC” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 3, §12).
131
e não de um esforço consciente e sistemático para promover e aplicar o conceito” (JOINT
INSPECTION UNIT, 1985, p. 12, tradução nossa101).
Em 27 de maio de 1987, no processo de avaliação de uma década do BAPA, a
conclusão do HLC-TCDC em sua decisão TCDC/5/Anexo II não foi diferente: apesar de
alguns avanços, o sistema ONU tinha deixado muito a desejar quanto às suas ações de
promover o potencial da CTPD. Assim, o comitê avaliou que, para a próxima década,
seria necessário mobilizar maiores esforços para incorporar a modalidade ao SDNU. É
nesse sentido que o HLC usou, pela primeira vez, a palavra integração (mainstream) em
sua decisão TCDC/6/5, de 29 de setembro de 1989:
Sublinhando a necessidade de programas de exercício para facilitar a integração da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento nos trabalhos regulares das atividades de cooperação técnica, especialmente nos trabalhos do sistema das Nações Unidas e, em particular, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 b, p. 32, tradução nossa102).
Além dos problemas sistêmicos do SDNU, também não se pode deixar de
mencionar o contexto da crise econômica e política internacional dos anos 1980. A vitória
de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher no Reino Unido
marcaram o início de profundas mudanças no pensamento econômico internacional.
Diante do cenário global de recessão, o compromisso keynesiano do pós-guerra deu lugar
à uma abordagem ortodoxa, de inspiração Hayekiana, orientada para os mercados.
O peso dos Estados Unidos e do Reino Unido nas Instituições de Bretton Woods
fizeram com que elas fossem centrais na consolidação de um paradigma de
desenvolvimento neoliberal. Por meio dos ajustes estruturais, o FMI e o Banco Mundial
compeliram os países do Terceiro Mundo – presos em uma crise econômica e uma severa
crise da dívida e de balanço de pagamentos – a adotar políticas de corte de gastos públicos,
privatizações, reformas pró-mercado e de desregulamentação comercial e financeira
como condicionalidades para a concessão dos empréstimos.
101 Do original: “Both at Headquarters and in the field, the staff are immersed in traditional technical co-operation activities and TCDC initiatives are dependent on individual awareness and motivation rather than on a conscious and systematic effort to promote and apply the concept” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 12). 102 Do original: “Stressing the need for programming exercises to facilitate the integration of technical co-operation among developing countries into the mainstream of technical co-operation activities, especially those of the United Nations system, and particularly those of the United Nations Development Programme” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 b, p. 32).
132
A consequência desse processo foi a profunda desarticulação política do Terceiro
Mundo em âmbito internacional. O G-77 se fragmentou como grupo político
internacional, e os processos de renegociação da dívida foram feitos bilateralmente, dando
grandes vantagens aos países credores. Esse é um motivo importante para explicar porque
o avanço da CTPD foi mais modesto nessa década, uma vez que os esforços internacionais
dos PEDs se destinaram aos ajustes estruturais exigidos para a superação da crise da
dívida, limitando as oportunidades de maior cooperação entre eles.
Sem a liderança política do grupo dos países em desenvolvimento e com a
exaustão do compromisso keynesiano, a ONU isolou-se do debate acerca do
desenvolvimento. O governo Reagan deliberadamente buscou neutralizar a posição
heterodoxa da organização. De acordo com Prashad (2012, p. 6, tradução nossa103),
Reagan “queria que os Estados Unidos ‘tomassem o controle das agências
especializadas’, como a UNCTAD e a UNESCO, para conduzi-las à civilização de
negócios do Norte”. O resultado foi a ausência de uma reação organizada do SDNU aos
efeitos perversos do neoliberalismo, e apenas no final dos anos 1980 que algumas
agências começaram a criticar o neoliberalismo, como foi o caso do UNICEF e suas
pesquisas sobre os impactos negativos dos ajustes estruturais na situação das crianças, e
da Comissão Econômica para a África, com seus relatórios sobre a deterioração das
condições econômicas, políticas e sociais no continente (WEISS et al., 2014, p. 270).
Essa profunda mudança no paradigma internacional de desenvolvimento exigiu
uma readequação, na década seguinte, das estratégias de promoção da CTPD, como será
visto no próximo capítulo.
103 Do original: “He [Reagan] wanted the US to ‘get hold of the Specialized Agencies’, such as UNCTAD and UNESCO, and turn them to the ‘business civilization’ of the North” (PRASHAD, 2012, p. 6).
133
CAPÍTULO 3 – A IDEIA DE COOPERAÇÃO SUL-SUL E SUA
INCORPORAÇÃO NO SISTEMA DE DESENVOLVIMENTO DAS
NAÇÕES UNIDAS (ANOS 1990-2000)
Esse capítulo tem o objetivo de discutir as mudanças na incorporação da ideia de
CSS no SDNU a partir dos anos 1990, com especial destaque para os anos 2000, quando
houve o crescimento do comércio, dos investimentos e da cooperação financeira entre os
países do Sul Global.
Primeiramente, o capítulo apresentará as transformações ideacionais no campo da
cooperação internacional para o desenvolvimento em virtude do fim da Guerra Fria e das
reformas neoliberais. A Estratégia Novas Direções para a CTPD, lançada pelo HLC-
TCDC em 1995, teve como propósito explorar as oportunidades que poderiam emergir
das assimetrias entre os países em desenvolvimento que foram aprofundadas como
resultado da globalização e dos ajustes estruturais. Ademais, a expressão Cooperação Sul-
Sul (CSS) passou a progressivamente substituir a expressão CTPD nos documentos da
ONU, para se referir aos vínculos mais amplos de cooperação entre os PEDs, tanto na
área técnica quanto econômica.
Ademais, o capítulo discutirá a criação da categoria de países-pivô no final dos
anos 1990. Esses países eram PEDs que poderiam liderar o avanço da CSS devido às suas
capacidades e experiências na área. Com a chegada do novo milênio, a denominação
países-pivô foi substituída por potências emergentes, expressão utilizada para caracterizar
aqueles PEDs que apresentaram um expressivo dinamismo econômico e um
fortalecimento de sua inserção internacional. A liderança das potências emergentes deu
novo impulso à ideia de incorporação da CSS no SDNU, culminando na realização da
Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul, em 2009.
O documento final dessa conferência, intitulado Resultado de Nairóbi, buscou
realinhar o conceito de CSS à luz do contexto atual e reafirmar o papel do SDNU em
promover a cooperação entre os PEDs. Porém, seu conteúdo reflete o uso de termos do
novo paradigma esposado pelo CAD-OCDE na área da cooperação internacional para o
desenvolvimento: os princípios da chamada eficácia da ajuda, que envolvem a
responsabilidade mútua, avaliação por resultados e eficácia do desenvolvimento.
134
O capítulo discutirá a dificuldade das potências emergentes em construir uma
linguagem própria para a CSS, capaz de se contrapor aos princípios da eficácia da ajuda,
como demonstra o Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas
à Cooperação Sul-Sul e Triangular. Esse documento, aprovado em 2012 pelo HLC-SSC
com o propósito de sistematizar o processo de integração da CSS ao SDNU, faz menção
à alguns dos princípios do paradigma da eficácia da ajuda.
Por fim, o capítulo discutirá o papel da ideia de CSS como um meio de
implementação da mais recente agenda global de desenvolvimento da ONU, a Agenda
2030 para o Desenvolvimento Sustentável, demonstrando que, a despeito dos avanços, o
caráter ad hoc da incorporação da ideia de CSS ainda é prevalecente.
3.1 A cooperação entre os países em desenvolvimento na era da globalização: as
Novas Direções (1995)
As iniciativas da ONU na área da cooperação internacional para o
desenvolvimento na década de 1990 foram marcadas por três aspectos: o fim da Guerra
Fria; o insulamento da ONU em comparação com as Instituições de Bretton Woods (IBW)
na área do desenvolvimento; e o enfrentamento dos problemas resultantes da globalização
(JOLLY et al., 2004, p. 169).
O conflito Norte x Sul e a proposta da NOEI estavam intrinsecamente conectados
com o conflito bipolar. Da perspectiva dos países industrializados ocidentais, o colapso
da União Soviética e o fim da Guerra Fria possibilitaram eliminar os últimos resquícios
da ideia de desenvolvimento como planejamento econômico com intervenção do Estado.
O conceito de desenvolvimento predominante nos anos 1990 estava conectado com a
agenda neoliberal, conhecida como Consenso de Washington, que priorizou programas
de reforma estrutural e liberalização com base nos mercados. O FMI e o Banco Mundial
foram as organizações internacionais que lideraram a nova agenda de desenvolvimento,
oferecendo-a como resposta às crises econômicas e financeiras de vários PEDs no começo
da década.
A predominância das IBW ocorreu vis-à-vis ao insulamento da ONU na área do
desenvolvimento. Desde o final dos anos 1970, quando perceberam que os debates da
ONU iam claramente contra seus interesses, os PDs se tornaram críticos da ONU, e
crescentemente adotaram uma postura não-cooperativa diante das propostas da
135
organização. Tanto que, na crise dos anos 1980, as decisões da ONU pouco afetaram os
países do Norte, que deram preferência às IBW para lidar com os problemas econômicos
do Sul, justamente pelo fato de terem o maior controle nessas instituições. O resultado foi
a marginalização da ONU em temas econômicos e de desenvolvimento no novo milênio,
e os PDs se certificaram que a organização apenas ficasse responsável pelas atividades
operacionais e assistência técnica para promover a liberalização econômica dos PEDs
(NYERERE, 1992).
Embora a ONU não tenha abraçado plenamente a abordagem orientada para os
mercados, ela teve uma reação tardia à essa profunda mudança intelectual e ideológica na
área do desenvolvimento. Apenas em 1990, a ONU ofereceu uma visão alternativa ao
neoliberalismo: o conceito de desenvolvimento humano. Com base nas proposições do
economista Amartya Sen de desenvolvimento como liberdade, o conceito de
desenvolvimento humano envolvia três pilares: as pessoas; as oportunidades; e as
escolhas. Assim, desenvolvimento não deveria ser definido apenas com base em
indicadores de crescimento econômico, como o PIB e o PIB per capita, mas segundo:
“(...) um processo de ampliar as escolhas das pessoas. Diante do amplo escopo de escolas, as mais críticas são viver uma vida longa e saudável, ter educação e ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida decente. Escolhas adicionais incluem a liberdade política, a garantia dos direitos humanos e o auto respeito pessoal” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1990. p. 1, tradução nossa104).
O primeiro Relatório do PNUD sobre Desenvolvimento Humano reconheceu a
importância dos mercados na promoção do desenvolvimento, mas criticou os efeitos
nefastos das políticas neoliberais e reafirmou o papel das políticas públicas ativas para a
promoção do desenvolvimento humano. Tal conceito ia ao encontro dos problemas
resultantes da globalização econômica e financeira, como os novos fluxos migratórios, as
crises ambientais, as epidemias globais e as guerras civis. Ademais, buscava alinhar a
agenda de desenvolvimento à agenda de direitos humanos e assistência humanitária da
ONU, diante das massivas violações de direitos humanos e crises humanitárias resultantes
das várias guerras civis nos anos 1990 (UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME, 2017 a).
Uma característica da globalização foi o crescimento da desigualdade entre os PDs
e os PEDs, não apenas em termos econômicos, mas também na arena da política
104 Do original: “(...) a process of enlarging people’s choices. The most critical of these wide-ranging choices are to live a long and healthy life, to be educated and to have access to resources needed for a decent standard of living. Additional choices include political freedom, guaranteed human rights and personal self-respect” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1990. p. 1).
136
internacional. O término da Guerra Fria e a globalização significaram o fim do Terceiro
Mundo e o enfraquecimento da posição negociadora dos PEDs como um grupo político.
Rapidamente, a própria expressão Terceiro Mundo, carregada dos significados da Guerra
Fria, deu lugar a uma nova denominação: o Sul Global.
O termo “Sul Global” foi desenvolvido intelectualmente pela Comissão Sul (South
Commission), um think tank criado em 1987, depois de anos de discussões informais entre
líderes políticos e intelectuais do Sul. O então Primeiro-Ministro da Malásia, Mahathir
Mohamad, é considerado o pai fundador da Comissão, ao anunciar, em 1986, a intenção
de criar uma instituição que pudesse fazer recomendações e delinear estratégias para
conduzir o desenvolvimento dos países do Sul diante dos desafios que seriam enfrentados
na década seguinte.
A Comissão Sul foi financiada por doações dos países do Sul, no valor de US$
7,5 milhões de dólares, para realizar uma pesquisa de 3 anos. Também teve apoio do
governo da Suíça, que permitiu que o Secretariado da comissão fosse em Genebra, ao
financiar o aluguel do escritório durante esse período. Assim, em 1990, a Comissão Sul
lançou seu programa intelectual para o reposicionamento do Sul Global no período pós-
Guerra Fria, intitulado “O desafio do Sul”. O estudo foi conduzido por Julius Nyerere,
ativista anticolonial, cientista político e ex-Presidente da Tanzânia no período de 1964-
1985 (NYERERE et al., 1990).
No relatório, o Sul Global é definido por seus vínculos e contrastes com o Norte,
como resultado do passado colonial e das estratégias de desenvolvimento associado
definidas pelos próprios PEDs:
Amplamente ignorado dos benefícios da prosperidade e do progresso, [o Sul] existe na periferia dos países desenvolvidos do Norte. Enquanto a maioria das pessoas do Norte é rica, a maioria das pessoas do Sul é pobre; enquanto as economias do Norte são geralmente fortes e resilientes, as do Sul são, na sua maioria, fracas e indefesas; enquanto os países do Norte têm, em geral, o controle de seus destinos, os do Sul são muito vulneráveis a fatores externos e lhes faltam a soberania funcional (NYERERE et al, 1990, p. 1, tradução nossa105).
105 Do original: “Largely bypassed by the benefits of prosperity and progress, they exist on the periphery of the developed countries of the North. While most of the people of the North are affluent, most of the people of the South are poor; while the economies of the North are generally strong and resilient, those of the South are mostly weak and defenceless; while the countries in the North are, by and large, in control of their destinies, those of the south are very vulnerable to external factors and lacking in functional sovereignty” (NYERERE et al, 1990, p. 1).
137
Para a Comissão Sul, o primeiro vínculo comum entre os países do Sul Global foi
o desejo de sair da pobreza e do subdesenvolvimento. Isso engendrou o processo de
solidariedade internacional cristalizado no MNA e no G-77 na década de 1960. O segundo
vínculo comum foi a intenção, nas décadas de 1970 e 1980, de reformar o sistema
econômico internacional por meio da NOEI, para que ele fosse mais equitativo e inclusivo
em termos de comércio, capital e tecnologia, fatores claramente controlados pelos países
desenvolvidos.
Já nos anos 1990, a Comissão entendia que a união do Sul Global viria de sua
oposição às políticas e percepções ditadas pelos países do Norte, pelas IBW e pelas redes
de instituições privadas. Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, o
Norte havia passado a usar a ajuda externa como um instrumento de promoção da agenda
liberalizante do Consenso de Washington. Embora as condicionalidades de caráter
ortodoxo pudessem garantir certa estabilidade econômica, ela era obtida às custas das
parcelas mais pobres e marginalizadas, comprometendo a parte humana do
desenvolvimento (BROWN, 2000, p. 135).
Os PEDs lançaram importantes críticas ao uso das condicionalidades para o
desembolso da ajuda externa, a começar pelo tipo e conteúdo das políticas de
desenvolvimento financiadas pelos doadores. Essas políticas eram definidas pela oferta,
ou seja, os diagnósticos eram feitos pelos próprios países doadores, enquanto os países
recipiendários possuíam pouca ou nenhuma voz para determinar em que bases a
cooperação para o desenvolvimento se desdobraria. Os programas simplesmente
emulavam iniciativas que foram criadas e avaliadas segundo a realidade dos países
doadores.
A Segunda ONU já coletava fortes evidências em campo de que os projetos de
promoção do desenvolvimento puxados apenas pela oferta apresentavam resultados
insuficientes ou contra produtivos, por serem baseados em diagnósticos incorretos ou
percepções erradas das reais necessidades dos países recipiendários. Em virtude disso, as
iniciativas tiveram pouco impacto na realidade local, com treinamentos superficiais, sem
transferência de conhecimento e construção de capacidades.
Segundo Browne (2002, p. 8, tradução nossa106), o principal problema dos
projetos de cooperação técnica tradicional era sua incapacidade de se tornarem
106 Do original: “(…) the macro failure of aid has been the inability to render itself redundant. Half a century has witnessed over one million TC [technical cooperation] projects. Many of them have been strung end-
138
redundantes, pois seus resultados não conseguiam gerar a autonomia necessária para que
os países recipiendários não precisassem mais da ajuda:
(...) o fracasso macro da assistência consiste na incapacidade de tornar-se redundante. Há meio século testemunha-se mais de um milhão de projetos de cooperação técnica. A maioria deles foi amarrado um após o outro, repetindo os mesmos objetivos e focando os mesmos países e organizações beneficiárias. Os países mais ajudados geralmente continuam recebendo assistência.
Ademais, a assistência oferecida estava, em muitos casos, amarrada às
contratações de especialistas e à compra de certos equipamentos e que favoreciam
comercial ou politicamente os doadores. Para os PEDs, os problemas da cooperação
tradicional questionavam o próprio caráter cooperativo dessas atividades, pois elas
acabavam por aprofundar as relações de dependência entre esses países.
Nas reuniões da Segunda Comissão da AGNU sobre o tema da CTPD, o G-77
passou a demandar que a cooperação internacional para o desenvolvimento fosse
orientada pelos princípios de universalidade, neutralidade, multilateralismo, não-
condicionalidade e responsividade às prioridades nacionais. A cooperação tradicional
precisava também se adaptar às especificidades locais e nacionais. O controle nacional
dos programas e projetos deveria ser garantido, e os países deveriam estar envolvidos em
todas as etapas, do desenho à implementação e avaliação dos projetos (UNITED
NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 b).
Os PEDs progressivamente passaram a destacar, em seus discursos, os problemas
que tiveram com a assistência tradicional em suas experiências nacionais. Vários países
lamentavam a dificuldade do PNUD em basear seus programas na realidade econômica
dos países e respeitar a diversidade e seus valores socioculturais (UNITED NATIONS
GENERAL ASSEMBLY, 1999 c).
O posicionamento comum do G-77 sobre a necessidade de mudanças na
cooperação internacional para o desenvolvimento trouxe também um interesse renovado
na CTPD, mesmo que as crises dos anos 1980 e 1990 e a difícil situação econômica dos
PEDs tivessem imposto severos constrangimentos à realização de todas as vantagens da
modalidade. Nas plenárias da Segunda Comissão da AGNU sobre o tema, praticamente
todos os PEDs, de diferentes regiões e graus de desenvolvimento, posicionaram a CTPD
como uma importante forma de fortalecer suas capacidades para lidar com os problemas
resultantes da globalização.
to-end, repeating the same objectives, and targeting the same countries and beneficiary organizations. The most aided countries have generally remained so” (BROWNE, 2002, p. 8).
139
Em seus discursos, os PEDs expressaram que cooperação entre eles era necessária
para enfrentar a exclusão promovida pela globalização neoliberal. A CTPD foi definida
como uma ferramenta capaz de gerar economias de escala e facilitar a integração dos
PEDs na economia global. Nesse sentido, a ONU deveria estabelecer o quadro
multilateral adequado para a promoção da modalidade (UNITED NATIONS GENERAL
ASSEMBLY, 1999 b; 1999 c; 2003 c).
O resultado desse processo foi uma mudança nas ideias que conduziam a CTPD:
se nos anos 1970 e 1980 a CTPD era uma forma de garantir a autossuficiência nacional e
coletiva e construir capacidades, nos anos 1990, a modalidade era percebida como uma
estratégia para garantir aos PEDs uma inserção favorável na economia globalizada. A
resolução A/RES/52/205, de 18 de dezembro de 1997, reafirmou em seu preâmbulo que:
(...) a cooperação Sul-Sul constitui um elemento importante da cooperação internacional para o desenvolvimento e é uma base essencial para a autossuficiência nacional e coletiva, bem como um meio de garantir a efetiva integração e participação dos países em desenvolvimento na economia mundial e que não é substituta, mas sim complementar, à cooperação Norte-Sul (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 1, tradução nossa107).
Já nas decisões TCDC/11/1A e TCDC/11/1B, de 4 de junho de 1999, o HLC-
TCDC definiu que a CTPD era a base essencial para o desenvolvimento dos PEDs pois
oferecia oportunidades para que eles atingissem o crescimento econômico sustentável de
forma individual e coletiva, garantindo sua participação no novo sistema econômico
global emergente.
Outra ideia característica dos anos 1990 foi a menção recorrente sobre o caráter
complementar, e não substituto, da CTPD em relação à Cooperação Norte-Sul. Como
indicado na resolução A/RES/46/159, de 19 de dezembro de 1991, a cooperação entre os
PEDs não tinha o propósito de concorrer ou deslocar a cooperação Norte x Sul, mas sim
de complementar o quadro da cooperação internacional para o desenvolvimento.
De acordo com um diplomata da Missão Permanente do Brasil na ONU, a
reiteração do caráter complementar atendia – e atende, até hoje – ao propósito do G-77
de cobrar dos PDs suas responsabilidades para com o desenvolvimento dos PEDs, uma
107 Do original: “South-South cooperation constitutes an important element of international cooperation for development and is an essential basis for national and collective self-reliance as well as a means of ensuring the effective integration and participation of developing countries in the world economy and that it is not a substitute for, but rather complementary to, North-South cooperation” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 1).
140
vez que, com o fim da Guerra Fria, a agenda da assistência ao desenvolvimento se tornou
secundária:
Trata-se portanto de uma reação à esse movimento coordenado dos países desenvolvidos no sentido de aliviar, o máximo possível, a carga financeira decorrente dos compromissos desses países com a cooperação para o desenvolvimento, transferindo essa carga e dividindo esse ônus para os países em desenvolvimento de maior porte, como Brasil, China, Índia, etc. Então é sempre em resposta a isso que, em qualquer resolução, qualquer documento oficial negociado que contenha alguma referência à cooperação Sul-sul, sempre os países em desenvolvimento insistirão para que, se é para ter referência a esse tema, que então se diga que essa modalidade de cooperação é complementar, e nunca pode ser considerada como substituta, ou no mesmo nível de importância do que a cooperação Norte-Sul (DIPLOMATA BRASILEIRO, 2015108).
Portanto, diante dos novos desafios da globalização, e da diminuição do interesse
dos PDs em ampliar o volume da ajuda externa aos PEDs, a revitalização da CTPD nos
anos 1990 exigiria, de acordo com a Comissão Sul, a ação articulada dos PEDs em três
áreas (NYERERE et al., 1990, p. 150):
i) Informacional: os PEDs ainda precisavam superar a falta de informação e
conhecimento sobre as diferentes realidades e potencialidades do Sul;
ii) Política: a retomada da cooperação e o fortalecimento dos arranjos na área
política entre os PEDs seriam cruciais para a promoção da CTPD, com o
propósito de promover novos acordos na área de desenvolvimento;
iii) Construção de uma consciência do Sul: os PEDs precisavam criar uma
confiança mútua e um compromisso político para a promoção da CTPD.
A cooperação entre os PEDs deveria ser parte do ethos de todos esses
países e traduzida institucionalmente em arranjos coletivos de
cooperação.
Essas tendências dos anos 1990 foram traduzidas, na ONU, pela aprovação de
uma nova estratégia de integração da CTPD ao SDNU, chamada de as Novas Direções
para a CTPD.
108 Refere-se à entrevista concedida à autora na cidade de Nova York, no dia 11 de setembro de 2015, com versão completa disponível nos anexos.
141
3.1.1 Novas Direções: a ideia de integração entre a cooperação técnica e a
cooperação econômica entre os países em desenvolvimento e o papel dos
países-pivô
Se no período da Guerra Fria os PEDs apresentavam mais ou menos os mesmos
problemas e estavam em um estágio parecido de desenvolvimento, o contexto de
globalização foi marcado por um aumento da pobreza e da desigualdade entre os próprios
PEDs. Em termos de renda, era marcante a diferença entre os países de baixa renda, de
renda média-baixa e de renda média-alta. Sem contar os problemas enfrentados pelos
PEDs em categorias especiais, como os países menos desenvolvidos, os países altamente
endividados, as pequenas ilhas e os países sem saída para o mar.
Ao mesmo tempo, alguns PEDs vivenciaram um renascimento econômico nos
anos 1990, com destaque para os países do Leste Asiático. Ironicamente, as assimetrias e
a diferenciação entre os PEDs quanto ao seu nível de desenvolvimento possibilitaram um
maior intercâmbio de soluções, conhecimento e tecnologias entre eles, resgatando os
princípios de ação coletiva na área do desenvolvimento estabelecidos nos anos 1970.
Essas assimetrias exigiram que a ONU articulasse uma nova estratégia para a
CTPD, que pudesse ter linhas de ação específicas para explorar melhor as oportunidades
que poderiam surgir dessas diferenças e para atender as necessidades de cada categoria
de PEDs. Dentre essas oportunidades, houve a emergência de um novo aspecto na
cooperação entre PEDs: além da cooperação técnica, o crescimento do comércio, dos
investimentos e da cooperação financeira entre países do Sul Global foi um traço
distintivo dos anos 1990.
Para capturar essas novas tendências, o HLC-TCDC aprovou, em 7 de abril de
1995, a Estratégia de Novas Direções para a CTPD (TCDC/9/3). Essas novas direções
orientaram o trabalho do SDNU na segunda metade dos anos 1990. O documento definiu
a CTPD como uma política e uma estratégia prática dos PEDs com vistas a fortalecer suas
capacidades coletivas e nacionais para lidar com os desafios e as oportunidades da
globalização.
O primeiro aspecto das Novas Direções foi o de consolidar o uso da expressão
Cooperação Sul-Sul (CSS) nos documentos do HLC-TCDC. Embora na Segunda
Comissão da AGNU o termo CSS já tivesse sido empregado na resolução A/RES/46/159,
de 19 de dezembro de 1991, a decisão TCDC/9/3 marca seu uso, pela primeira vez, para
denominar as duas dimensões de cooperação internacional para o desenvolvimento
142
estabelecidas entre os PEDs: a CTPD e a cooperação econômica entre países em
desenvolvimento (CEPD). De acordo com o relatório do Secretário-Geral (A/54/425, de
1 de outubro de 1999):
A cooperação Sul-Sul é um conceito amplo. Geralmente é percebido, em termos operacionais, como tendo duas dimensões – a cooperação econômica e a cooperação técnica entre países em desenvolvimento. Em termos gerais, a cooperação econômica se refere à cooperação intra-Sul no comércio, no investimento e nas finanças. O termo também é usado para cobrir a colaboração em outros setores econômicos, como indústria, tecnologia e comunicação. A cooperação técnica, por outro lado, refere-se à construção, ao agrupamento e à partilha de capacidades – humanas, institucionais, técnicas e financeiras – para promover, ainda mais, um ambiente propício ao progresso socioeconômico nos países em desenvolvimento. Pode-se dizer que ambas as formas de cooperação se reforçam mutuamente – a cooperação técnica ajuda a criar as condições necessárias para a cooperação econômica e a cooperação econômica fornece o quadro para a cooperação técnica (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 a, p. 3, tradução nossa109).
As Novas Dimensões reconheceram a importância de aumentar o uso da CTPD e
da CEPD como instrumentos dinâmicos de apoio ao desenvolvimento dos PEDs. Deve-
se destacar a importância dessa decisão diante do histórico de negociações da CTPD:
durante a Guerra Fria, os países do CAD-OCDE, com destaque aos Estados Unidos, se
opuseram fortemente à discussão dos temas de cooperação econômica como parte das
negociações de CTPD. Agora, na era da globalização, era mais difícil manter a divisão
estanque entre as duas modalidades, e isso exigiu que o SDNU passasse a discutir e definir
os vínculos normativos e os aspectos operacionais entre a CTPD e a CEPD.
No que se refere às posições dos PEDs, a China foi o país a liderar a ideia de
integração entre a CTPD e a CEPD, como uma forma de proteger seu modelo de
desenvolvimento do avanço neoliberal. Em seu discurso na AGNU, enfatizou que a CSS
era fundamental em um mundo globalizado, ao promover o desenvolvimento econômico
dos PEDs. A CTPD deveria expandir para além de seus setores tradicionais, incluindo as
109 Do original: “South-South cooperation is a broad concept. It is often perceived, in operational terms, as having two dimensions —economic cooperation and technical cooperation among developing countries. Generally economic cooperation refers to intra-South cooperation in trade, investment and finance. The term is also used to cover collaboration in other economic sectors, such as industry, technology and communication. Technical cooperation, on the other hand, refers to the building, pooling and sharing of capacities — human, institutional, technical and financial — to further enhance an enabling environment for socio-economic progress in developing countries. It can be said that both forms of cooperation are mutually reinforcing—technical cooperation helps create the necessary conditions for economic cooperation and economic cooperation provides the framework for technical cooperation” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 a, p. 3).
143
áreas do comércio, do investimento e das finanças, e também avançar para a área da
cooperação tecnológica, ampliando o intercâmbio de know-how científico (UNITED
NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 c).
A integração entre CTPD e CEPD também era percebida como importante pelas
pequenas ilhas e pelos países menos desenvolvidos, com o propósito de minimizar os
riscos de marginalização da globalização. Ambos os grupos de países posicionaram seus
discursos nas plenárias da AGNU em torno da ideia de que tal integração era importante,
pois permitiria aliar a efetiva construção de capacidades com um maior acesso aos
mercados dos PEDs (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 b).
O segundo aspecto da Estratégia Novas Direções foi o reconhecimento de uma
categoria especial de PEDs em relação à CSS: os chamados países-pivô. A definição de
países-pivô refere-se à posição de liderança na promoção da CSS, em virtude do escopo
das relações econômicas internacionais desses países e de suas capacidades e experiências
com a CTPD. Os países-pivô ocupariam uma posição dupla: eles continuariam sendo
recipiendários da cooperação técnica, mas também se tornariam ofertantes dessa forma
de cooperação.
No relatório do HLC-TCDC aprovado pela AGNU (A/52/39) em 1997, sobre o
progresso feito na implementação da Estratégia de Novas Direções (TCDC/10/3),
Argentina, Brasil, Chile, China, Colômbia, Egito, Gana, Índia, Indonésia, Malásia, Malta,
Ilhas Maurício, México, República da Coreia, Senegal, Cingapura, África do Sul,
Tailândia, Turquia e Tunísia foram identificados como países-pivô.
Da perspectiva do SDNU, seria sua responsabilidade expandir o papel desses
países. O sistema deveria identificar, classificar e documentar as experiências e
especialidades dos pivôs. De posse dessas informações, o SDNU facilitaria o processo
para que esses países se tornassem pontos focais para a disseminação de melhores
práticas, avançando a CSS em âmbito regional.
A terceira característica das Novas Direções era a de adotar um foco mais
estratégico para a CSS, por meio da seleção de temas prioritários, como comércio e
investimento, pagamento da dívida, redução da pobreza, meio ambiente, produção e
emprego, coordenação de políticas macroeconômicas, saúde, educação, desenvolvimento
rural e transferência de tecnologia. Essas eram as áreas em que a ONU teria maior
capacidade de articular a liderança dos países-pivô em projetos de cooperação que
fizessem uso das capacidades nacionais; combinar necessidades com as soluções
disponíveis; e realizar transferência de tecnologia, treinamentos e troca de experiências
144
(HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION
AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1997 a).
Com as Novas Direções, o sentido da integração da CTPD às atividades regulares
do SDNU alcançou um novo escopo nos anos 1990. O próprio termo integração
(mainstream), que havia sido utilizado pelo HLC-TCDC apenas uma vez, no final dos
nos anos 1980, foi retomado como parte da linguagem da decisão TCDC/10/2, adotada
em 9 de maio de 1997:
Solicita às organizações do sistema das Nações Unidas que tomem as medidas adequadas para melhorar a incorporação da cooperação técnica entre países em desenvolvimento em seus programas e projetos e intensificar os esforços para a integração desta modalidade nas atividades operacionais para o desenvolvimento do sistema das Nações Unidas, e encoraja outras instituições internacionais relevantes a empreender medidas similares (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1997 b, p. 25, § 10, tradução nossa110).
No parágrafo 8 da resolução A/RES/52/205, de 18 de dezembro daquele mesmo
ano, a Segunda Comissão da AGNU também usou, pela primeira vez, a expressão
integração (mainstream) da modalidade da CTPD, recomendando ao SDNU que fizesse
as alterações necessárias em seus procedimentos para que as entidades dessem primeira
consideração ao uso da CTPD como um meio de implementação de seus projetos:
Insta as organizações e órgãos do sistema das Nações Unidas, e convida outras organizações intergovernamentais relevantes envolvidas na cooperação internacional para o desenvolvimento, a realizar esforços concertados e vigorosos para integrar a implementação das modalidades de cooperação econômica e técnica entre os países em desenvolvimento, dando-lhes atenção plena no desenho, na formulação, na implementação e na avaliação de programas e projetos em suas atividades operacionais (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 3, §8, tradução nossa111).
110 Do original: “Requests the organizations of the United Nations system to take appropriate measures to improve the incorporation of technical cooperation among developing countries into their programmes and projects and to intensify efforts towards the mainstreaming of this modality in the operational activities for development of the United Nations system, and encourages other relevant international institutions to undertake similar measures” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1997 b, p. 25, § 10). 111 “Urges the organizations and bodies of the United Nations system, and invites other relevant intergovernmental organizations involved in international development cooperation, to make concerted and vigorous efforts to mainstream the implementation of modalities of economic and technical cooperation among developing countries by giving them full consideration in the design, formulation, implementation and evaluation of programmes and projects in their operational activities” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1997 a, p. 3, §8).
145
O relatório da JIU de 1985 tinha identificado que a incorporação da CTPD nos
trabalhos do SDNU foi resultado de iniciativas individuais e de arranjos ad hoc, não
havendo uma estratégia sistemática de longo prazo. Uma década depois desse
diagnóstico, a primeira tentativa de operacionalizar a integração da CTPD em âmbito
sistêmico foi o lançamento das Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e
Procedimentos sobre a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento,
preparadas pela SU-TCDC. As diretrizes foram submetidas à AGNU por meio do
ECOSOC, em seu documento E/1997/110, de 17 de dezembro de 1997. Pela primeira
vez, as entidades do SDNU teriam um documento com orientações sobre como incluir a
CTPD como um componente de seus programas e projetos.
As diretrizes foram elaboradas por meio de consultas e negociações entre os
fundos e programas, e as agências e partes do Secretariado da ONU, que estavam
diretamente envolvidos com a CTPD. O documento estabeleceu orientações sistêmicas e
uma abordagem coordenada para a integração da CTPD nos trabalhos regulares do
SDNU, consolidando o papel já previsto pelo BAPA, de facilitador e promotor da
modalidade em âmbito global.
O seguinte conceito de CTPD é delineado nas diretrizes:
A cooperação técnica entre os países em desenvolvimento, amplamente conhecida pela sigla CTPD, é essencialmente um processo pelo qual dois ou mais países em desenvolvimento perseguem seu desenvolvimento individual ou coletivo por meio de intercâmbios cooperativos de conhecimento, habilidades, recursos e know-how técnico. Idealmente, as atividades de CTPD deveriam ser iniciadas, organizadas e gerenciadas pelos próprios países em desenvolvimento, com seus governos desempenhando um papel principal, envolvendo instituições públicas e privadas, organizações não governamentais e indivíduos. A CTPD tem um alcance multidimensional e, portanto, pode incluir todos os setores e todos os tipos de atividades de cooperação técnica dos países em desenvolvimento, sejam de natureza bilateral, multilateral, sub-regional, regional ou inter-regional (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, p. 4, § 8, tradução nossa112).
112 Do original: “Technical cooperation among developing countries, widely known by the acronym TCDC, is essentially a process whereby two or more developing countries pursue their individual or collective development through cooperative exchanges of knowledge, skills, resources and technical know-how. Ideally, TCDC activities should be initiated, organized and managed by developing countries themselves with their Governments playing a lead role while involving public and private institutions, non-governmental organizations and individuals. TCDC is multidimensional in scope and can therefore include all sectors and all kinds of technical cooperation activities of developing countries, whether bilateral or multilateral, subregional, regional or interregional in character” (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, p. 4, § 8).
146
A resposta do SDNU às diretrizes foi positiva, havendo concordância geral sobre
o conteúdo proposto. Como resultado desse documento, a maior parte das organizações e
agências da ONU já havia formalizado, ao final da década, políticas e procedimentos
internos para promover a CTPD em suas atividades, e também estabeleceram pontos
focais para facilitar a coordenação.
O HLC-TCDC considerou que o balanço dos anos 1990 foi positivo em relação à
promoção da CTPD. A definição de escopos temáticos e a designação de países-pivô
foram iniciativas bem-sucedidas na disseminação de melhores práticas, tornando a CTPD
mais sofisticada: ao invés de treinamentos de mão única e viagens de estudo, foram
verificados intercâmbios mais complexos, com maior enfoque em recursos humanos,
planejamento e programação dos projetos.
Entretanto, as Novas Direções e as Diretrizes Revisadas não foram suficientes
para resolver, nos anos 1990, o problema do apoio pouco sistemático da ONU à CTPD.
Como nenhum desses documentos foi capaz de oferecer uma definição operacional da
CTPD, as entidades do SDNU continuavam tendo dificuldades em realizar a identificação
e acompanhamento das atividades sob o escopo dessa modalidade. Ainda que tenha
crescido o número de atividades conduzidas de forma deliberada e com uma perspectiva
de longo prazo, o caráter ad hoc e puxado por iniciativas individuais foi prevalecente, e
esse seria o principal desafio a ser enfrentado pelo SDNU no novo milênio.
3.2 As chamadas potências emergentes e o redespertar da Cooperação Sul-Sul
nos anos 2000
Ao final do século XX, a CTPD era muito diferente daquela que emergiu nos anos
1970. Ao invés de iniciativas concentradas na cooperação bilateral e intra-regional, os
PEDs já eram capazes de desenvolver projetos mais amplos, de caráter inter-regional e
global. Para além de programas setoriais e puxados por projetos, as formas de cooperação
se tornaram mais estratégicas e complexas. De acordo com a avaliação do PNUD, o
redespertar da CTPD no começo do milênio teve as seguintes características:
O conteúdo da CTPD não é mais apenas o movimento episódico Sul-Sul de especialistas técnicos e equipamentos, mas mais o compartilhamento mútuo de sistemas inteiros para o desenho e a implementação de políticas e estratégias.
O processo de CTPD é mais o de articular mutuamente os desafios compartilhados pelo Sul, identificando as necessidades e os pontos fortes de
147
suas capacidades, lançando as bases e criando plataformas comuns para abordar essas preocupações compartilhadas e reunindo recursos institucionais, técnicos, intelectuais e financeiros para resolvê-los (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 b, p. 8, tradução nossa113).
Três fatores explicam o redespertar dessa modalidade no novo milênio: a nova
geografia econômica mundial; o fortalecimento da posição política dos PEDs sob
liderança das chamadas potências emergentes; e as novas capacidades e os novos arranjos
da CSS.
O primeiro fator é econômico, com o aumento das relações econômicas,
comerciais e financeiras entre os PEDs114. Embora o desempenho entre esses países tenha
sido desigual (e a situação dos países menos desenvolvidos tenha apresentado pouca
melhora115), houve a emergência de uma nova geografia econômica mundial, tanto em
termos de uma maior contribuição dos PEDs na economia mundial quanto em virtude da
maior resiliência desses países ao enfrentar as crises econômicas e financeiras dos anos
2000.
O segundo fator para a reemergência da CSS nos anos 2000 é político, referente à
uma mudança na geografia do poder, com o aumento da sofisticação das parcerias entre
as chamadas potências emergentes. Com liderança da China, mas também com destaque
para Índia, Brasil e África do Sul116, as potências emergentes consolidaram diferentes
plataformas de articulação política em âmbito multilateral, como os BRICS117 (Brasil,
113 Do original: “The content of TCDC is no longer just the episodic South-South movement of technical experts and equipment, but more the mutual sharing of whole systems for the design and implementation of policies and strategies; The process of TCDC is more one of mutually articulating the South’s shared challenges, identifying capacity needs and strengths, laying the foundations and creating common platforms to address those shared concerns, and pooling institutional, technical, intellectual and financial resources to resolve them” (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 b, p. 8). 114 Os dados sobre o crescimento econômico e do comércio internacional entre os PEDs serão apresentados na parte 3. 115 A maior participação do Sul na economia global ocorreu de forma assimétrica. Não apenas os PEDs apresentam trajetórias históricas, estruturas sociais e regimes políticos muito distintos, como a distribuição do crescimento econômico nos anos 2000 foi muito desigual. Muitos PEDs ainda sofrem de déficits estruturais e não puderam alcançar as metas mínimas definidas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), por exemplo. 116 Outros países foram identificados como potências emergentes, como os MISTs (México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia), mas o foco da pesquisa será na China, na Índia, no Brasil e na África do Sul, que tiveram uma atuação mais proeminente na ONU em relação ao tema da incorporação da CSS ao SDNU. 117 O acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foi criado em 2001 por Jim O’Neill, economista do banco Goldman Sachs, para indicar os mercados mais promissores no início do milênio. Mas o acrônimo do mercado financeiro passou a ser uma realidade política quando os chanceleres dos quatro países se
148
Rússia, Índia, China e África do Sul) e o Fórum de Diálogo IBAS118 (Índia, Brasil e África
do Sul).
O termo potência emergentes é controverso, pois a ideia de emergentes remete às
denominações das instituições financeiras, como Goldman Sachs, para sinalizar os países
em desenvolvimento com potencial de novos mercados. Mas o termo ganhou tração nos
debates de desenvolvimento na ONU, sendo utilizado para indicar aqueles países capazes
de projetar sua influência regional e, em certos aspectos, global, e que estão diretamente
envolvidos no processo de reforma da governança econômica global. Nesse aspecto,
adota-se aqui a posição esposada por Weiss e Abdenur (2014, p. 1750, tradução nossa119):
O rótulo “potências emergentes” não é nem rígido nem incontroverso. Nosso uso do termo se refere a países cujas elites políticas são capazes de recorrer à sua economia e à outras fontes de poder para projetar influência tanto dentro quanto fora de sua vizinhança e regiões imediatas, e que desempenham um papel fundamental na busca por uma reforma da governança global. Enquanto esta e outras categorias – incluindo “Sul Global”, ou “Norte”, ou o “Terceiro Mundo – são profundamente problemáticas e contestadas, elas refletem perspectivas específicas sobre o desenvolvimento e suas experiências históricas. Como tal, essas construções ganharam espaço nos debates sobre
reuniram, pela primeira vez, em paralelo à sessão de 2006 da AGNU, para discutir as reformas necessárias na governança global. Em 2009, decidiram que o diálogo deveria continuar no âmbito dos chefes de Estado e Governo, por meio de cúpulas anuais. A partir da primeira cúpula, realizada em Ecaterimburgo, em 2009, o diálogo foi ganhando profundidade e abrangência. Na cúpula de 2011, a África do Sul foi incorporada à coalizão, acrescentando um “S” ao acrônimo. A Cúpula de Fortaleza, em 2014, marcou um novo ciclo dos BRICS, incluindo a dimensão social e do desenvolvimento sustentável por meio da assinatura do Tratado para o Estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas e do Acordo Constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento (DAMICO, 2012; BRICS, 2014). 118 O Fórum de Diálogo IBAS foi criado em 2003, por meio da Declaração de Brasília. O objetivo do fórum é o de articular as posições desses países – considerados as três maiores democracias multiétnicas do Sul Global – em fóruns internacionais. O IBAS tem quatro grandes áreas de atuação. A primeira é a coordenação política, que ocorre pela realização de Cúpulas de Chefe de Estado e Governo e pelos Encontros Ministeriais Trilaterais, que reúnem os Ministros das Relações Exteriores. A segunda é a cooperação setorial, que envolve 14 grupos de trabalho em áreas como agricultura, transferência de tecnologia, saúde, etc. Essa área concentra a maior parte dos acordos de cooperação e memorandos de entendimento sob a rubrica da CSS. A terceira é o Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome, um dos fundos mais destacados no financiamento de projetos inovadores de CSS, e que conta com o gerenciamento do Escritório da ONU para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC). A quarta área são os fóruns das pessoas para as pessoas, que envolvem o diálogo com a sociedade civil em temas como empoderamento das mulheres, promoção de novas oportunidades de negócio, entre outros (IBSA TRILATERAL, 2017). 119 Do original: “The label of ‘emerging powers’ is neither carved in stone nor uncontroversial. Our use of the term refers to countries whose policy elites are able to draw on economic and other sources of power to project influence both within and outside their immediate neighbourhood and regions, and which play a substantial role in the call for global governance reform. While this and other categories – including ‘global South’ or the ‘North’ or the ‘Third World’ – are deeply problematic and contested, they reflect specific perspectives on development and historical experiences. As such, these constructs have gained currency within UN development debates. In other words, despite the analytical flaws of such ‘clumps’, in political debates about development they matter” (WEISS; ABDENUR, 2014, p. 1750).
149
desenvolvimento dentro da ONU. Em outras palavras, a despeito das falhas de análise existentes nesses “aglomerados”, eles são importantes nos debates políticos sobre desenvolvimento.
Porém, diferentemente da articulação dos PEDs durante a Guerra Fria, os países
emergentes não apresentam um conceito claro de desenvolvimento, e suas estratégias de
desenvolvimento são bastante diferentes em termos do grau do papel de intervenção e
planejamento do Estado, da abertura dos mercados e de inserção no comércio e finanças
internacionais. Ao mesmo tempo, houve uma convergência de visões quanto ao
importante papel da cooperação entre PEDs na promoção do desenvolvimento, dando
ênfase ao controle governamental dos projetos de cooperação, após duas décadas de
predominância da visão neoliberal do Estado.
Assim, o terceiro fator é que a assimetria entre os PEDs e a experiência acumulada
de pelo menos três décadas de iniciativas de CTPD ampliou a disponibilidade de
capacidades desses países para se engajar na CSS. Nos anos 2000, o Sul Global
apresentava fontes tangíveis e intangíveis de cooperação, como capital, tecnologia, know-
how e soluções para diferentes problemas de desenvolvimento. Já as novas formas de
armazenar e processar o conhecimento, por meio das tecnologias da informação e
comunicação, facilitaram e reduziram os custos do compartilhamento do conhecimento,
das experiências e de informações entre os PEDs.
Isso permitiu uma nova conectividade entre os países do Sul Global, aumentando
o diálogo e o apoio internacional à CSS. Atualmente, todos os PEDs, independentemente
de seu tamanho e grau de desenvolvimento, possuem capacidades e experiências de
desenvolvimento capazes de serem compartilhadas por meio do aprendizado entre pares
(peer-learning) e da aplicação de soluções baseada na demanda, abrindo maiores
oportunidades de CSS.
A CSS conduzida pelas potências emergentes, devido ao seu volume e escopo,
teve um enorme impacto internacional nos anos 2000. As iniciativas de cooperação
técnica e intercâmbio de conhecimento foram reconhecidas pela ONU por seu enorme
sucesso na promoção do desenvolvimento. Essa atuação dos emergentes deu aos demais
PEDs novas opções e reais alternativas à cooperação tradicional. Como aponta Woods
(2008, p. 1220, tradução nossa120):
120 Do original: “In Africa and elsewhere, governments needing development assistance are skeptical of [Western] promises of more aid, wary of conditionalities associated with aid, and fatigued by the heavy bureaucratic and burdensome delivery systems used for delivery of aid. Small wonder that the emerging donors are being welcomed with open arms” (WOODS, 2008, p. 1220).
150
Na África e em outros lugares, os governos que necessitam de ajuda ao desenvolvimento são céticos quanto às promessas [ocidentais] de mais ajuda, desconfiados das condicionalidades associadas à ajuda e cansados dos sistemas pesadamente burocráticos e onerosos usados para a entrega da ajuda. Não é de se admirar que os doadores emergentes sejam recebidos de braços abertos.
A reemergência da CSS nos anos 2000 é marcada por práticas muito heterogêneas,
com variações quanto às regiões, aos países envolvidos e às áreas de cooperação. Mas é
possível apontar algumas características comuns aos projetos recentes, e que diferenciam
essa modalidade da Cooperação Norte-Sul.
A CSS assume, primeiramente, um caráter de demonstração de solidariedade entre
os PEDs, principalmente por meio de discursos. Ações intangíveis, como apoio
diplomático e expressões de fraternidade internacional se tornaram mais frequentes nos
anos 2000. Tal demonstração de solidariedade foi utilizada como um instrumento de
ampliação das agendas de política externa dos PEDs, além de ter estimulado relações
entre países que, historicamente, não possuíam grandes laços de cooperação.
A CTPD ainda é a principal forma de CSS, e nos anos 2000 ela apresentou
importantes diferenças de forma, custos e natureza em comparação com a cooperação
técnica tradicional. Atualmente, a CTPD assume a forma de projetos (ao invés de
financiamento de programas, como na CNS) que são conduzidos pela noção de parceria
horizontais, e não de relação doador-recipiendário.
Os projetos podem ser específicos, como o desenho e a construção de barragens,
ou a implementação de programas sociais; ou podem ser parte de um projeto mais amplo
de troca de bens, serviços e finanças (como o fornecimento de médicos em troca do
petróleo, por exemplo). Também podem envolver consultas, fornecimento de
equipamentos e ferramentas, bolsas de estudo, treinamento e capacitação, e
aconselhamento de técnicos e especialistas.
Em relação aos custos, a CSS consolidou-se como mais barata que a CNS nos
anos 2000. O custo de técnicos e especialistas provenientes de países ocidentais costuma
ser muito mais caro do que o custo local. Rampa e Bilal (2011, p. 12) estimam que,
enquanto um engenheiro proveniente da União Europeia custa US$ 150 mil dólares para
realizar um projeto de um ano, um engenheiro chinês custa US$ 19 mil, quase oito vezes
mais barato.
Quanto à natureza, a CSS buscou fortalecer a capacidade dos países ao considerar
experiências e contextos institucionais, políticos, econômicos e socioculturais
151
semelhantes, o que permitiu o compartilhamento do conhecimento de forma mais efetiva.
Ao invés de oferecer aquilo que se entende por melhor solução de desenvolvimento (como
é o caso da CNS), o objetivo é promover a melhor solução possível e adaptável àquele
contexto nacional. Ou seja, o foco dos projetos é o de fazer aquilo que é possível a partir
dos recursos e conhecimentos disponíveis. Trata-se de uma cooperação mais prática e
baseada na experiência.
O intercâmbio de ideias foi muito forte nas iniciativas conduzidas pelos PEDs nos
anos 2000. O conhecimento é tratado como um processo horizontal de co-criação, ao
invés de uma transferência vertical, como na CNS. Isso possibilitou envolver mais PEDs
na CSS, pois boas soluções podem estar presentes em todos os países, tanto naqueles com
um grau mais elevado de desenvolvimento quanto nos países menores e com menos
recursos.
A CSS apresentou algumas preferências setoriais de cooperação nos anos 2000.
Enquanto os países do CAD-OCDE, desde os anos 1990, canalizaram a AOD para
programas de alívio da pobreza, de promoção da boa governança e da participação
democrática, a CSS focou-se mais nos setores produtivos, especialmente de
infraestrutura, como a construção de rodovias, ferrovias, estruturas de energia, refinarias,
etc. Na CSS, os parceiros se beneficiam mutuamente com os projetos de infraestrutura,
pois eles estimulam a contratação de empresas e funcionários locais; facilitam a
comunicação e integração entre países vizinhos; e permitem a ampliação do comércio,
investimentos e novos mercados121.
As áreas de agricultura, saúde, educação, ciência e pesquisa, tecnologia da
informação e comunicações também são prioritárias para a CSS. Houve um aumento
considerável de colaboração entre universidades dos PEDs, e, por meio da provisão de
bolsas de estudo e de programas de treinamento, espera-se que os estudantes beneficiados
se tornem pessoas influentes e interlocutores de novas formas de aproximação Sul-Sul.
Atualmente, há a ampliação dos programas de cooperação comercial, que
suscitam maiores polêmicas. Isso porque a CSS tem uma linha mais tênue entre ajuda
técnica e não-comercial e projetos de cooperação comercial, enquanto essa diferença é
fundamental para o CAD-OCDE. Por exemplo, ao prover treinamento e equipamentos,
121 Houve também crescimento dos chamados projetos de prestígio, como prédios públicos, residências presidenciais, centros de conferência e estádios, especialmente financiados por China, Índia, Arábia Saudita, Venezuela, Kuwait e Emirados Árabes Unidos (JOHNSON et al., 2008, p. 26).
152
os PEDs promovem mercados nos quais eles podem se tornar comercialmente
competitivos. Ademais, certos empréstimos concessionados feitos pelos parceiros do Sul
estão vinculados à compra de bens e serviços. Para os PEDs, inclusive, quanto mais a
CTPD reforçar a CEPD, maior será o potencial de promoção do desenvolvimento.
Nos projetos de CSS atuais, há pouca ou quase nenhuma condicionalidade
política, de governança e macroeconômica122. Essa é uma diferença importante em
relação à cooperação tradicional. Já os doadores do CAD-OCDE, além de estabelecerem
condicionalidades próprias, geralmente as alinham ao FMI e Banco Mundial. Se um
determinado recipiendário não cumprir com as condicionalidades dessas instituições,
certos doadores suspendem a ajuda bilateral.
Porém, é fundamental destacar que a maior parte das iniciativas de CSS que
ganharam destaque nos anos 2000 ocorreu fora do escopo multilateral do SDNU. As
próprias potências emergentes identificaram esse problema e passaram a se engajar no
debate normativo acerca de como o SDNU poderia contribuir com a promoção da
modalidade, retomando o debate sobre a integração da CSS em suas atividades regulares.
3.2.1 A incorporação da CSS no SDNU entre 2000 a 2006
Nos anos 2000, vários PEDs expressaram sua frustação em relação à incapacidade
da ONU em apoiar o pleno potencial da CSS. No HLC-SSC, o esforço foi o de atualizar
a estratégia das Novas Direções para responder às novas realidades da CSS. Foi dado
destaque ao papel da CSS no cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio
(ODMs), aprovados em 2000 na Cúpula do Milênio123 e que se tornaram a agenda central
de desenvolvimento da ONU pelos 15 anos seguintes. Isso teve importância fundamental,
122 Um dos motivos pelos quais existe pouca ou nenhuma condicionalidade refere-se ao fato de que a CSS não tem critérios específicos de prestação de contas. Esse aspecto será discutido na parte 2. 123 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio consistiam em 8 objetivos e 18 metas de desenvolvimento a serem alcançados pelos PEDs até 2015. Os objetivos englobavam o fim da miséria e da fome; promoção da educação básica de qualidade; igualdade entre sexos; redução da mortalidade infantil; melhora da saúde das gestantes; combate à AIDS, malária e outras doenças; proteção do meio ambiente; e uma parceria global para o desenvolvimento. Um aspecto importante é que esses objetivos foram derivados da agenda da OCDE, apresentada no relatório Shaping de 21st Century, de 1996. Nesse relatório, os doadores do CAD-OCDE estabeleceram metas a serem monitoradas nos países recipiendários para definir as prioridades de alocação da ajuda. O então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, tomou a liderança em transformar essa agenda em uma plataforma global de ação, incluindo os PEDs nas negociações que resultaram na Cúpula do Milênio (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1996; 2012).
153
pois colocou a CSS como um meio de implementação da agenda da ONU para o novo
milênio.
Outro esforço foi o de rever o conceito de países-pivô. A liderança das potências
emergentes era considerada fundamental, mas o HLC-SSC sugeriu usar uma definição
que entendesse a CSS como círculos concêntricos de cooperação, ao invés de reproduzir
a direção doador-recipiendário que o conceito de países-pivô invocava (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005 b, p. 14).
Dois aspectos conceituais da CSS se mantiveram em relação aos anos 1990. O
primeiro foi o caráter complementar dessa modalidade em relação à CNS. As decisões do
HLC-SSC e as resoluções da Segunda Comissão da AGNU continuaram a reforçar, em
seus preâmbulos, que a CSS não deveria excluir e substituir os compromissos dos PDs
em relação ao desenvolvimento dos PEDs, especialmente diante da Agenda de
Desenvolvimento do Milênio. O segundo foi continuidade da identificação da CSS como
uma estratégia para enfrentar os problemas oriundos da globalização. Nos anos 2000, o
objetivo da CSS seria o de integrar os PEDs no sistema econômico global e, ao permitir
que eles se beneficiassem do comércio e dos investimentos internacionais, promover o
desenvolvimento sustentável individual e coletivo.
A ideia de usar as capacidades dos PEDs nos projetos de cooperação, que já estava
presente desde a definição conceitual do BAPA, ganhou novos contornos na atuação da
ONU nos anos 2000. Ao invés do enfoque na construção das capacidades, característica
dos anos 1970 e 1980 (quando os PEDs efetivamente não tinham capacidades e
precisavam criar toda a estrutura de desenvolvimento), nos anos 2000 o enfoque dos
trabalhos do SDNU era o compartilhamento das capacidades e disseminação de melhores
práticas disponíveis nos PEDs.
O PNUD foi a entidade do SDNU responsável por liderar as iniciativas de
promoção da CSS nesses novos moldes. Em seu discurso no debate geral da 12ª sessão
do HLC-SSC, em 2001, o então Administrador do PNUD, o inglês Mark Mallock Brown,
afirmou que a antiga frase sobre a CSS na ONU – “Construindo pontes entre o Sul” –
deveria ser substituída pelo mote “Colocando o Sul nas superestradas globais do século
XXI” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL
COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2001 a).
M. M. Brown assumiu o PNUD com a intenção de operar uma mudança na cultura
organizacional do programa. Ele já havia trabalhado no Escritório da ONU para os
Refugiados nos anos 1970 e 1980, e no Banco Mundial nos anos 1990, e acreditava que
154
o PNUD deveria se reposicionar como um programa voltado para o conhecimento: “[o
PNUD é] uma rede de ideias inteligentes [e] pessoas talentosas [focadas] em suporte e
aconselhamento, iniciativas-piloto e parcerias” (BROWN, 2000 apud MURPHY, 2006,
p. 297, tradução nossa124).
Essas ideias se alinharam com a demanda dos PEDs em promover a CSS nos
programas nacionais desenvolvidos pelo PNUD. O Plano de Negócios (business plan) do
PNUD aprovado por Brown em 2001 enfatizou a necessidade de se criar mecanismos
para sistematizar e compartilhar as melhores práticas de CSS. Os programas regionais e
globais do PNUD funcionariam como facilitadores da disseminação de conhecimento,
experiências e especialidades entre os PEDs. Os escritórios nacionais deveriam promover
a CSS por meio de projetos guarda-chuva desenvolvidos a partir de necessidades
específicas dos países (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF
TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2001 a).
Na linha das orientações de Brown, o Conselho Executivo do PNUD incluiu, em
sua decisão DP/2003/32, de 12 de setembro de 2003, a CSS como um dos motores de
eficácia do desenvolvimento125 em seu Segundo Quadro de Financiamento Plurianual
(2004-2007). Essa decisão reconheceu a importância da modalidade como um meio de
implementação de seus projetos.
Mesmo com os esforços do PNUD, o problema da falta de uma definição
acordada de CSS ainda dificultava a integração da modalidade no SDNU. Tanto que, em
2003, por ocasião do aniversário de 25 anos do BAPA, o representante da Nigéria disse
que não havia razão para celebração, considerando que os problemas enfrentados pela
ONU na promoção da CSS continuavam os mesmos: as iniciativas continuavam sendo
ad hoc, e não resultantes de uma orientação sistêmica da organização (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 2003 a).
Dada a persistência desse problema, o G-77 e China passaram a advogar pela
reestruturação da agenda de integração (mainstreaming) da CSS ao SDNU. Era
124 Do original: “a network of smart ideas [and] talented people [focused on] advocacy and advice, pilots and partnerships” ” (BROWN, 2000 apud MURPHY, 2006, p. 297). 125 Os outros motores da eficácia do desenvolvimento definidos pelo PNUD eram: construir as capacidades nacionais; promover o controle nacional; promover e estimular um ambiente político adequado; promover a igualdade de gênero; e criar parcerias estratégicas (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2003 b, p. 14).
155
necessário um melhor posicionamento do sistema para tornar essa modalidade uma
prática regular de seus trabalhos. A estratégia para fazer a integração da CSS focou-se na
definição de diretrizes sistêmicas para a incorporação do conceito de CSS nos quadros de
programação e avaliação das entidades do SDNU, com ênfase em seu papel catalizador,
mediador e facilitador.
Em sua decisão TCDC/12/2, de 1 de junho de 2001, o HLC-TCDC decidiu realizar
uma atualização das Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos
sobre a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, que haviam sido
estabelecidas em 1997. As novas diretrizes foram aprovadas em 17 de março de 2003,
pela decisão TCDC/13/3, e sua primeira seção estabelece a definição, o escopo e os
objetivos da CTPD.
Entretanto, o conceito no documento de 2003 é exatamente o mesmo das diretrizes
de 1997: a CTPD envolve dois ou mais PEDs que realizam trocas cooperativas de
conhecimento, recursos, capacidades e know-how técnico. É prioritariamente iniciada,
organizada e gerenciada pelos PEDs e tem escopo multidimensional em termos de setores,
atividades e áreas da cooperação. A única diferença é o acréscimo da seguinte frase: “o
desafio é reunir abordagens inovadoras, métodos e técnicas particularmente adaptadas às
necessidades locais e, assim, desenvolver as modalidades de cooperação técnica
existentes, que se mostraram úteis” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW
OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2003 b, p.
4, § 8, tradução nossa126). A inclusão dessa frase demonstra um maior interesse em
sistematizar as melhores práticas e soluções bem-sucedidas para os diversos problemas
de desenvolvimento enfrentados pelos PEDs, com um enfoque mais operacional e voltado
para o campo.
Quanto ao SDNU, as diretrizes identificaram três constrangimentos enfrentados
pelo sistema no campo das ideias: a falta de conhecimento do potencial da CTPD; a falta
de informação sobre a aplicabilidade da CTPD; e as barreiras atitudinais contra a CTPD.
Para lidar com esses problemas, as diretrizes definiram que o SDNU deveria dar
prioridade em temas de interesse da maioria dos PEDs e focar nos problemas enfrentados
126 Do original: “The challenge is to marshal innovative approaches, methods and techniques that are particularly adapted to local needs and thus build upon existing modalities of technical cooperation which have proven useful” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2003 b, p. 4, § 8).
156
por grupos específicos. Ademais, as diretrizes indicam medidas de documentação e
identificação de soluções bem-sucedidas e melhores práticas, e apontam a necessidade de
promover globalmente uma maior conscientização das vantagens comparativas da CTPD,
especialmente em termos de custos.
As diretrizes também estabeleceram indicadores normativos para balizar,
monitorar e avaliar o processo de incorporação da CSS por parte das entidades do SDNU.
Dentre os indicadores relacionados ao papel das ideias, foram definidos os seguintes:
i) O conceito de CTPD deveria ser uma política corporativa e refletir nos
manuais de programas e operações de todas as entidades do SDNU,
incluindo medidas para a construção de capacidade e de conhecimento
dos funcionários da organização sobre a modalidade;
ii) A CTPD e a CEPD deveriam ser integradas como uma estratégia dos
instrumentos programáticos, como os quadros de cooperação ou os
programas nacionais conduzidos pelas entidades;
iii) As entidades deveriam estabelecer pontos focais dedicados a realizar
atividades promocionais de incorporação do conceito de CSS em suas
atividades regulares (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW
OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING
COUNTRIES, 2003 b).
Outra medida de integração da modalidade foi o uso definitivo do termo CSS, ao
invés de CTPD. Na resolução A/RES/58/220127, de 19 de fevereiro de 2003, a AGNU
mudou os nomes do HLC-TCDC e da SU-TCDC para Comitê de Alto Nível para a
Cooperação Sul-Sul (HLC-SSC) e Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul (SU-
127 Nessa mesma resolução, a Segunda Comissão da AGNU declarou o dia 19 de dezembro – data em que o BAPA foi assinado – como o Dia da ONU para a CSS, com o objetivo de aumentar a conscientização pública sobre essa modalidade. No relatório do Secretário-Geral (A/58/345) sobre medidas para aumentar a conscientização internacional sobre a CSS, foram apresentados três motivos para a proclamação dessa data comemorativa. O primeiro seria o de consolidar a agenda Sul-Sul, considerando, no âmbito da ONU, que a comprovada eficiência de custo da CSS tornou essa modalidade crescentemente importante para a organização. O segundo seria o de consolidar a CSS como um meio de implementação dos ODMs, considerando que a proximidade geográfica e as experiências semelhantes entre os PEDs facilitariam a transferência de tecnologia a baixos custos e contribuiriam para o domínio nacional do processo. A terceira razão considerava a ausência de mecanismos capazes de mobilizar apoio suficiente à CSS. O G-77 e o MNA são os principais grupos políticos responsáveis pela promoção da CSS, mas seus esforços não são sistêmicos. Ainda há uma lacuna de informação em relação à CSS, e o dia da ONU para a CSS poderia colocar vários atores trabalhando em conjunto para fortalecer a sistematização do conhecimento Sul-Sul (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2003 b).
157
SSC). Tanto o comitê quanto a unidade especial mantiveram seus mandatos originais,
mas a mudança no nome expressou o reconhecimento pleno de novas formas de
cooperação entre os PEDs, para além da cooperação técnica.
Ao focar a integração da CSS na promoção e sistematização de melhores práticas,
a decisão SSC/14/1 do HLC-SSC, de 3 de junho de 2005, requereu à SU-SSC que criasse
projetos inovadores de CSS que pudessem ser replicados em outros países, considerando
aqueles em situação especial, como os países sem saída para o mar, os países menos
desenvolvidos, as pequenas ilhas e os países em situação de crises ou pós-conflito.
Ademais, como resposta à Cúpula Mundial de 2005128, essa decisão reforçou a
importância da CSS como um meio de se atingir os ODMs e requereu às entidades do
SDNU que incluíssem em seus relatórios uma seção sobre o emprego da modalidade no
cumprimento da agenda de desenvolvimento.
Em 2 de abril de 2007, o HLC-SSC considerou, em sua decisão SSC/15/1,
organizar uma Conferência de Alto Nível da ONU sobre a CSS em 2009, em
comemoração aos 30 anos do BAPA em 2008. O propósito da conferência seria o de
fortalecer o processo de integração da modalidade no Sistema ONU, a partir do seguinte
diagnóstico:
Como a Cooperação Sul-Sul é cada vez mais reconhecida como uma das abordagens mais eficazes para a gestão de questões transnacionais complexas que estão além das capacidades individuais de cada país, as Nações Unidas enfrentam o desafio de fortalecer o multilateralismo, as parcerias inclusivas e as ações bem coordenadas para aproveitar os recursos disponíveis no Sul com vistas a complementar os esforços feitos por outros parceiros para enfrentar tais desafios sem fronteiras (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 b, p. 12, tradução nossa129).
Mas os debates preparatórios para a Conferência de Alto Nível ocorreram em um
ambiente contestatório, de acirramento das tensões Norte x Sul. A partir de 2007, a ONU
seria o espaço de disputa entre dois conjuntos concorrentes de ideias na área da
cooperação internacional para o desenvolvimento: o paradigma da CSS que estava sendo
128 A Cúpula Mundial de 2005, realizada de 14 a 16 de setembro, além de comemorar os 60 anos de existência da ONU, teve como documento final o Resultado da Cúpula Mundial de 2005, que definiu os compromissos dos Estados-membros para acelerar a implementação dos ODMs. 129 Do original: “As South-South cooperation is increasingly recognized to be one of the most effective approaches to managing complex transnational issues that are beyond the capacities of individual countries, the United Nations faces the challenge of strengthening multilateralism, inclusive partnerships and well-coordinated action in order to harness the resources available in the South with a view to complementing the efforts made by other partners to address such borderless challenges” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 b, p. 12).
158
construído pelos PEDs; e o paradigma da eficácia da ajuda, estabelecido pelo CAD-
OCDE.
3.3 A reação dos países desenvolvidos: os princípios da eficácia da ajuda
Embora os PDs tenham participado da Conferência de Buenos Aires, e o BAPA
tenha discriminado, em sua recomendação 35, que esses países deveriam alinhar seus
programas de assistência para a promoção da CTPD, o fato é que sua contribuição foi
praticamente irrelevante durante o período da Guerra Fria.
Em 1993, o PNUD elaborou uma pesquisa entre os Estados-membros para
sistematizar as informações sobre os programas de CTPD desenvolvidos até então. Os
PDs que responderam aos questionários eram francos em reconhecer que sua ajuda ao
desenvolvimento não continha nenhum elemento de CTPD. Isso começou a mudar em
meados dos anos 1990, quando a Estratégia Novas Direções introduziu o conceito de
cooperação triangular (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 c).
A cooperação triangular envolve parcerias conduzidas por dois ou mais PEDs com
apoio de países desenvolvidos para implementar projetos e programas de cooperação para
o desenvolvimento. Os PEDs contam com o apoio financeiro, técnico e de expertise dos
PDs que fornecem essa assistência. A maior parte dos programas são de treinamento,
criação de sistemas de gerenciamento e adaptação de tecnologia, e apoio a centros de
excelência do Sul. O primeiro PD a se engajar na cooperação triangular foi o Japão, em
1993. Depois, ao final dessa década, a União Europeia ampliou sua atuação.
O engajamento do CAD-OCDE com a cooperação triangular ocorreu no bojo da
revisão de suas estratégias de concessão da assistência ao desenvolvimento. Se na Guerra
Fria a ajuda era um instrumento de política externa para a conformação de alianças, na
década de 1990130 ela foi utilizada para promover a agenda neoliberal, por meio de
privatizações e da liberalização e desregulamentação econômica.
130 Há uma expansão dos membros do CAD-OCDE a partir dos anos 1990, passando a incluir países que não exatamente se enquadram na categoria de países desenvolvidos, mas que se alinham aos princípios e diretrizes da organização. As adesões foram: retorno de Portugal e entrada da Espanha, em 1991; Luxemburgo, em 1992; Grécia, em 1999; República da Coreia, em 2010; Eslovênia, Islândia, Polônia, República Eslovaca, República Tcheca, em 2013; e Hungria, em 2016 (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 a).
159
No campo político, a ajuda deveria consolidar o modelo de democracia liberal
ocidental, com base no princípio da boa governança. Esse conceito refere-se à capacidade
do Estado em organizar suas instituições em um regime democrático pluralista, em
parceria com a sociedade civil e o setor privado, a partir de princípios como prestação de
contas (accountability) e responsabilidade. No documento “Definindo o Século XXI: A
Contribuição da Cooperação para o Desenvolvimento”131, publicado em 1996, foi
estabelecido que a concessão da ajuda por parte do CAD-OCDE estaria atrelada à
capacidade dos recipiendários em atingirem a boa governança.
A partir dessas mudanças, o CAD-OCDE elaborou, nos anos 2000, um novo
paradigma para a cooperação internacional para o desenvolvimento: o da eficácia da ajuda
(aid effectiveness). Esse conceito corresponde à noção de valor por dinheiro (value for
money), ou seja, de tornar as contribuições financeiras da ajuda mais eficazes em atingir
o desenvolvimento, a partir de um cálculo de custo e benefício.
Esse paradigma visava, por um lado, lidar com as críticas que os doadores
recebiam acerca da falta de participação dos recipiendários na definição dos programas
de ajuda; e, por outro, encontrar uma forma de reduzir os custos com a AOD, por meio
de uma melhor coordenação entre os projetos financiados por diferentes doadores.
A agenda da eficácia da ajuda, no século XXI, trouxe duas mudanças na CNS: a
primeira é política, uma vez que países democráticos são priorizados na alocação da
ajuda, critério esse que não era considerado na Guerra Fria. Agora, o contexto político do
recipiendário tem que ser adequado para que haja a eficácia da ajuda. A segunda mudança
refere-se à agenda de liberalização econômica: a boa governança traz um novo
institucionalismo, de viés pró-mercado.
Em 2003, no Fórum de Alto-nível sobre Harmonização, os membros do CAD-
OCDE criaram o primeiro grupo de trabalho sobre eficácia da ajuda. Nesse fórum, os
doadores delinearam um conjunto de estratégias para que os recipiendários tivessem
maior responsabilidade e controle sobre as estratégias de desenvolvimento, com enfoque
na redução da pobreza. Os trabalhos do grupo conduziram, em 2005, à realização do
Primeiro Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, em Paris. O resultado do fórum
foi a Declaração de Paris, o primeiro documento a efetivamente codificar e
131 Do inglês Shaping the 21st century: The Contribution of Development Cooperation. Como já citado anteriormente, esse foi o documento que baseou os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio da ONU, em 2000.
160
institucionalizar o paradigma da eficácia da ajuda, em torno de cinco princípios
fundamentais:
i) Apropriação: os PEDs devem definir suas próprias agendas e estratégias
para o desenvolvimento, garantir a eficácia de suas instituições e combater
a corrupção;
ii) Alinhamento: os países doadores devem destinar a ajuda de forma alinhada
à estratégia nacional, e usar sistemas locais;
iii) Harmonização: os países doadores devem harmonizar suas ações,
coordenando sua atuação para evitar duplicações. Isso envolve simplificar
os procedimentos de cooperação e compartilhar informações;
iv) Gerenciamento por resultados: doadores e recipiendários devem trabalhar
com o objetivo de produzir resultados mensuráveis;
v) Prestação de contas mútua: doadores e recipiendários devem prestar
contas, por meio da responsabilização mútua (ORGANISATION FOR
ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2015).
O paradigma da eficácia da ajuda envolveu compromissos tanto por parte dos
doadores quanto dos recipiendários, e isso foi possível pois o Fórum de Paris foi o
primeiro encontro do CAD-OCDE a incluir outros representantes além dos membros do
comitê. A Declaração foi endossada por doadores bilaterais, doadores multilaterais,
países recipiendários e observadores da sociedade civil (ORGANISATION FOR
ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2015).
Em 2008, o CAD-OCDE organizou o Segundo Fórum de Alto Nível sobre
Eficácia da Ajuda, que adotou a Agenda de Ação de Accra (AAA). Essa agenda foi
estabeleceu três áreas de ação para avançar a implementação da Declaração de Paris, com
enfoque na construção de capacidades. São elas:
i) Apropriação: ainda é necessário que os PEDs ampliem sua atuação em
definir a estratégia de desenvolvimento, a partir da qual os doadores
guiarão sua ajuda;
ii) Parcerias inclusivas: deve haver a participação igualitária de todas as
partes interessadas: doadores, recipiendários e sociedade civil;
iii) Entrega de resultados: a ajuda deve ter impactos mensuráveis no
desenvolvimento, seguindo os indicadores do CAD-OCDE
(ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 2008, pp. 15-16).
161
Seguindo o que aconteceu em Paris, os países recipiendários tiveram mais
visibilidade e voz no encontro de Accra. Esse foi o primeiro documento do CAD-OCDE
a mencionar a CSS como uma ferramenta de eficácia da ajuda e a encorajar os países do
Sul Global a usar os princípios da Declaração de Paris como uma referência para suas
iniciativas Sul-Sul. Inclusive, ao final do fórum, o CAD-OCDE criou um Grupo de
Trabalho sobre Cooperação Sul-Sul, com o propósito de incorporar essa modalidade nos
programas do comitê (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 2008, p. 17).
Por fim, o quarto Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda, ocorrido em
Busan, em 2011, trouxe a CSS para o centro da agenda do CAD-OCDE. Com a
participação das potências emergentes no fórum, a Parceria de Busan para a Eficácia da
Cooperação para o Desenvolvimento destacou que os países do Sul Global deveriam
voluntariamente usar os princípios da eficácia da ajuda como uma referência para suas
iniciativas, visando trazer maior harmonização da cooperação internacional para o
desenvolvimento (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 2011, p. 1).
O HLC-SSC fez a primeira menção ao paradigma da eficácia da ajuda em sua
decisão SSC/14/1, de 3 de junho de 2005. O HLC notou os esforços dos PDs em aumentar
a eficácia da ajuda durante o Fórum de Paris, mas o tom foi neutro: a decisão não fez uso
dos adjetivos comumente usados quando os Estados-membros querem elogiar alguma
iniciativa (quando se usa o verbo “nota com apreciação”, por exemplo).
O tom neutro refletiu a falta de consenso sobre a relação entre a ideia de CSS e o
paradigma da eficácia da ajuda, sendo esse um dos pontos de maior tensão nas
negociações atuais sobre a incorporação da CSS no SDNU. Isso porque, para o CAD-
OCDE, a CSS deve ser discutida segundo os conceitos, as definições e os critérios da
eficácia da ajuda. O comitê está estrategicamente engajado na discussão sobre as
potências emergentes, e passou rapidamente de uma posição de negligência desse tema
para uma linguagem de busca de parcerias, tomando iniciativas para fazer com que os
doadores emergentes se familiarizem e adotem as normas e práticas do CAD-OCDE
(CHANDY; KHARAS, 2011, p. 740).
Por exemplo, em 2008, o comitê criou o grupo de estudos China-CAD, com o
objetivo de coordenar os esforços de ajuda na África; e, em 2009, a China foi convidada
a ser observadora na revisão por pares do CAD-OCDE. Depois, em 2010, a Colômbia
sediou um encontro de alto nível com o objetivo de adaptar as práticas bem-sucedidas de
162
CSS aos princípios da eficácia da ajuda estabelecidos pela Declaração de Paris e pela
AAA (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 2010, pp. 62-63).
O movimento do CAD-OCDE de tentar absorver a CSS ao paradigma da eficácia
da ajuda tem gerado grandes resistências por parte das potências emergentes. China,
Brasil, Índia e África do Sul endossaram o documento da Parceria de Busan apenas na
condição de recipiendários, mas apontaram as limitações do paradigma.
Por exemplo, as potências emergentes criticam os mecanismos de monitoramento
e responsabilização da eficácia da ajuda. Os indicadores de avaliação do CAD-OCDE
focam-se muito mais nos recipiendários do que em uma análise dos sucessos e dos
fracassos dos doadores. Por isso, a agenda foi ineficaz em tornar a ajuda mais previsível,
em alinhá-la com os sistemas nacionais dos recipiendários e ampliar as responsabilidades
dos doadores na prestação de contas. No fim, são os próprios membros do CAD-OCDE,
mais do que os recipiendários, que não estão cumprindo os compromissos, sem haver
nenhuma consequência em relação a essa falta de cumprimento (DIJKSTRA; KOMIVES,
2011, p. 204).
Depois, a posição desses países é a de que a CNS e a CSS são modalidades
diferentes, e que a CSS tem especificidades não-capturáveis pelos parâmetros da eficácia
da ajuda. Por estar baseada em uma noção verticalizada da cooperação internacional para
o desenvolvimento, o paradigma do CAD-OCDE não captura o espírito de mútua
colaboração e horizontalidade da CSS. Absorver a CSS a esses princípios seria limitar o
potencial da modalidade em efetivamente solucionar vários problemas de
desenvolvimento enfrentados pelos PEDs.
É nesse sentido que a relação entre os PDs e os PEDs no âmbito da cooperação
internacional para o desenvolvimento retomou a tensão Norte x Sul nos anos 2000. As
ideias da CNS, baseadas na classificação e divisão entre país desenvolvido-doador e
países em desenvolvimento-recipiendário, passam por um momento de contestação, vis-
à-vis o crescimento das parcerias entre os PEDs e uma maior institucionalização do
conjunto de identidades e interesses sob a ideia de CSS. Esse será o ponto central das
negociações da Conferência de Nairóbi.
163
3.4 A Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul e o Resultado
de Nairóbi: as ideias atuais de Cooperação Sul-Sul
Na 15ª sessão do HLC-SSC, em 2007, o diagnóstico do G-77 era o de que havia
pouca lembrança e memória da Conferência de Buenos Aires, uma vez que tanto a
Primeira ONU quanto a Segunda ONU haviam se afastado da filosofia prevalecente na
época. Apesar do redespertar da CSS, o grupo de PEDs considerava que o SDNU e os
PDs não reconheceram ou aproveitaram todo o potencial dessa modalidade em promover
o desenvolvimento e a autossuficiência dos PEDs.
Já o entendimento do CAD-OCDE era o de que faltava um conjunto de
indicadores para mensurar e avaliar os esforços da CSS, e a experiência desse comitê em
definir critérios para a assistência internacional deveria ser incorporada na modalidade de
cooperação entre os PEDs por meio do paradigma da eficácia da ajuda.
Quando a AGNU decidiu realizar uma Conferência de Alto Nível sobre a CSS132,
em Nairóbi, no Quênia, o propósito era o de fortalecer e revigorar a CSS, dentro do novo
contexto de dinamismo econômico e fortalecimento político de vários PEDs, e do novo
engajamento do CAD-OCDE nos temas relacionados à CSS.
Para dar suporte aos trabalhos preparatórios da conferência, o Secretário-Geral
publicou o relatório intitulado “Promoção da Cooperação Sul-Sul para o
desenvolvimento: uma perspectiva de trinta anos”133 (A/64/504), em 27 de outubro de
2009. O documento revisou a implementação do BAPA por parte dos Estados-membros
e do sistema ONU, e fez um balanço dos avanços e desafios enfrentados na promoção da
modalidade nessas três décadas.
Da perspectiva dos avanços, o relatório considerou que os PEDs foram capazes
de construir capacidades nacionais e coletivas – um conjunto de competências técnicas,
centros de excelência e alguma tecnologia própria – que permitiram ampliar as interações
entre eles e reconfigurar os padrões de comércio e investimento globais. Os países-pivô
se tornaram potências emergentes, economias de renda média com voz na governança
global, aumentando o poder de barganha coletiva do Sul. Em relação ao papel da ONU,
132 Entre 1994 e 1995, os PEDs tentaram realizar uma nova conferência global sobre a CSS, que pudesse discutir medidas para aprofundar a Estratégia das Novas Direções, mas ela acabou não se realizando e os esforços foram direcionados para a Cúpula do Milênio. Cf. as resoluções A/RES/49/96, de 19 de dezembro de 1994, e A/RES/50/119, de 20 de dezembro de 1995. 133 Do original: “Promotion of South-South cooperation for development: a thirty-year perspective”.
164
a avaliação do documento foi a de a organização teve papel importante na promoção da
cooperação entre os PEDs, atuando como catalisador de várias iniciativas de CSS.
Da perspectiva dos desafios, apesar de vários PEDs terem verbalmente assumido
um compromisso com a CSS, poucos deles institucionalizaram a modalidade em seus
planos e estratégias de desenvolvimento, ou haviam construído mecanismos para
coordenar, monitorar e financiar as iniciativas de forma sistemática. Por isso, em seu
papel de promotor e catalisador, faltou ao SDNU, nesses 30 anos, a capacidade de
desenvolver mecanismos mais fortes de coordenação, monitoramento e sistematização de
informações para apoiar os PEDs na institucionalização da CSS.
Outro problema é que, apesar do desempenho positivo das potências emergentes,
as assimetrias entre os PEDs não foram reduzidas no período: em 2009, a expectativa era
a de que os países menos desenvolvidos não alcançariam os ODMs até 2015. O desafio
para o SDNU seria o de prover aos PEDs dois tipos de assistência: uma para os países
que precisam prover as necessidades básicas e outra para aqueles com algum grau de
desenvolvimento.
Diante desse quadro, as negociações preparatórias para a Conferência de Nairóbi
tiveram dois núcleos de discussão: a relação entre a CNS e a CSS, em termos das
diferenças e complementaridades conceituais e práticas entre as duas modalidades; e a
coordenação e coerência das atividades do SDNU em promover a CSS.
Em relação ao primeiro núcleo, a definição de que a CSS é complementar e não
substituta à CNS já era prevalecente nos documentos da ONU desde os anos 1990. Mas
com a redução da assistência tradicional dos países do CAD-OCDE nos anos 2000134,
essa definição ganhou maior ênfase. No HLC-SSC, a defesa da complementaridade da
CSS expressava “(...) o medo, da perspectiva dos países em desenvolvimento, de que eles
perderiam a assistência ao desenvolvimento do Norte” (HIGH-LEVEL COMMITTEE
ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005 b, p. 11, tradução nossa135).
Mas, ao mesmo tempo em que se defendia a complementaridade entre as duas
modalidades, nunca foi tão evidente o debate sobre as diferenças conceituais entre a CSS
134 Esse aspecto será discutido na parte 3, sobre o financiamento da CSS. Com o crescimento das potências emergentes, e seu maior engajamento no financiamento da CSS, o CAD-OCDE passou a defender a ideia de graduação dos países do Sul, para que dividissem o ônus da cooperação internacional para o desenvolvimento. Essa posição foi mais enfatizada após a crise de 2008, quando os Estados Unidos e os países da União Europeia realizaram cortes no volume do financiamento ao desenvolvimento. 135 Do original: “(...) fear on the part of developing countries that they would lose development assistance from the North” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005, p. 11).
165
e a CNS. O esforço do CAD-OCDE em tornar os princípios da eficácia da ajuda como
referência global da cooperação internacional para o desenvolvimento, incluindo a CSS,
foi muito marcante.
O argumento dos países doadores de utilizar a eficácia da ajuda para sistematizar
a CSS ganhou espaço diante da imprecisão conceitual dessa modalidade. Na sessão da
Segunda Comissão da AGNU de 2007, Portugal, em nome da União Europeia136, afirmou
que, como a CSS faz parte dos esforços globais de desenvolvimento, deveria seguir os
princípios da Declaração de Paris e os princípios da eficácia da ajuda:
A União Europeia atribuiu um alto valor à Cooperação Sul-Sul, que deve respeitar os princípios do Consenso de Monterrey e os princípios reconhecidos da eficácia da ajuda, incluindo a apropriação e liderança do país beneficiário, o primado das estratégias de redução da pobreza, o alinhamento com os processos e procedimentos do país e foco no desenvolvimento da capacidade institucional (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 a, p. 6, § 33, tradução nossa137).
Com a liderança de China, Brasil, Índia e África do Sul, vários PEDs se opuseram
à incorporação desses princípios, sob o argumento de que, embora fosse necessário
esclarecer o quadro conceitual da CSS, ela não deveria ser analisada pelos mesmos
padrões da CNS. A posição da China, por exemplo, é a de que a CSS deve se focar na
construção de capacidades de acordo com as condições e necessidades dos PEDs, ao invés
de “(...) se focar apenas na boa governança ou no combate à corrupção [temas centrais
para a concessão da ajuda por parte do CAD-OCDE] às expensas de assuntos mais
urgentes como a redução da pobreza e desenvolvimento” (UNITED NATIONS
GENERAL ASSEMBLY, 2009 b, p. 3, § 6, tradução nossa138).
Por outro lado, esse não é um ponto em comum ao G-77, pois alguns membros do
grupo apoiam o uso dos princípios da eficácia da ajuda para analisar a CSS. É o caso de
Colômbia e Chile, que são membros tanto da OCDE quanto do G-77. Juntamente com o
México, que também é membro da OCDE, esses três PEDs mediaram, em Nairóbi, as
136 Os seguintes países se associaram ao discurso da União Europeia: Albânia, Antiga República Iugoslava da Macedônia, Armênia, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Moldova, Montenegro, Sérvia, Turquia e Ucrânia. 137 Do original: “The European Union placed a high value on South-South cooperation, which should comply with the principles of the Monterrey Consensus and acknowledged principles of aid effectiveness, including recipient country ownership and leadership, primacy of poverty reduction strategies, alignment with country processes and procedures, and focus on institutional capacity development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 a, p. 6, § 33). 138 Do original: “(...) focusing solely on good governance or combating corruption at the expense of more urgent issues such as poverty reduction and development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 b, p. 3, § 6).
166
negociações para conciliar os princípios da eficácia da ajuda com os da CSS. De acordo
com o discurso da delegação mexicana, seria possível adaptar os princípios da Declaração
de Paris às características próprias da CSS, tornando seus esforços ainda mais
complementares à CNS (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2011, p. 3, §
14).
O segundo núcleo de debate nos trabalhos preparatórios para a Conferência se
referiu ao papel da ONU na promoção da CSS. Houve um esforço considerável do G-77
em revitalizar a atuação da organização na promoção da modalidade, com o propósito de
neutralizar os esforços do CAD-OCDE de centralizar a definição e a sistematização da
CSS. O HLC-SSC reforçou esse aspecto ao afirmar que “(...) o sistema ONU, devido à
universalidade de seus membros, sua neutralidade e independência política, era o
principal veículo para catalisar, apoiar e fortalecer a Cooperação Sul-Sul” (HIGH-
LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2007 a, p. 12, tradução
nossa139).
Nesse sentido, a ONU deveria ampliar seu papel de mediadora entre os PDs e os
PEDs, e o esforço de integrar a CSS ao SDNU teria como objetivo criar um paradigma
universal de desenvolvimento, que refletisse não apenas os princípios da eficácia da
ajuda, mas também da CSS. O primeiro movimento para isso foi fortalecer o papel da
CSS como uma ferramenta para atingir os ODMs. Na preparação para a Conferência de
Nairóbi, discutiu-se as reformas políticas e institucionais necessárias para que o SDNU
pudesse usar a CSS na implementação dos objetivos, o que exigiria a definição de regras
e quadros regulatórios, como metodologias de coleta de informações e análise dos
impactos sobre o uso da modalidade.
Sendo esses os tópicos da agenda de discussão, dos dias 1 a 3 de dezembro de
2009, a Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul foi
realizada em Nairóbi. O presidente da conferência foi o Ministro de Estado para o
Planejamento, Desenvolvimento Nacional e Visão 2030 do Quênia, o Sr. Wycliffe
Ambetsa Oparanya, enquanto os vice-presidentes eleitos foram de Benin, Zimbábue,
Bangladesh, Nepal, Brasil, Argentina, México, Cuba, Venezuela, Marrocos e Polônia. Os
139 Do original: “Furthermore, it was affirmed that organizations of the United Nations system, owing to their universal membership, neutrality and political independence, represented principal vehicles by which to catalyse, support and strengthen South-South cooperation” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2007 a, p. 12).
167
facilitadores da conferência foram os embaixadores do Iêmen e da Islândia (UNITED
NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 d).
Além das plenárias com os Estados-membros, que discutiram o tema “A
promoção da Cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento”, a conferência contou com
duas mesas redondas interativas, compostas por diversas partes interessadas, que
discutiram o fortalecimento do SDNU para apoiar a CSS e triangular; e as
complementaridades, especificidades, desafios e oportunidades da CSS e triangular
(HIGH-LEVEL UNITED NATIONS CONFERENCE ON SOUTH-SOUTH
COOPERATION, 2009).
Na plenária, os discursos dos Estados-membros consolidaram a visão de que a
conferência tinha como principal objetivo fazer uma revisão de 30 anos do BAPA,
reorientando seu potencial para as novas circunstâncias internacionais da cooperação
internacional para o desenvolvimento. O documento final da conferência, chamado de
Resultado de Nairóbi (Nairobi Outcome), é relativamente curto se comparado ao BAPA.
Suas decisões refletem a disputa conceitual no campo da CSS: por um lado, as ideias
defendidas pelo G-77, de que a CSS expressa uma modalidade específica de solidariedade
entre os PEDs; e as ideias defendidas pelo CAD-OCDE, de prover uma adequada
sistematização da CSS sob os princípios da eficácia da ajuda.
3.4.1 O Resultado de Nairóbi
O Resultado de Nairóbi é, juntamente com o BAPA, o documento de orientação
política mais importante acerca da promoção da CSS em âmbito multilateral. Mas o
conteúdo do documento é curto – apenas 7 páginas – e dividido em duas partes: uma
espécie de preâmbulo, dos parágrafos 1 a 19, que trazem novos elementos para a definição
da CSS como modalidade de cooperação para o desenvolvimento; e uma parte operativa,
referente ao parágrafo 20 e seus subparágrafos (a) a (f), que colocam as decisões que
visam aumentar o impacto global da CSS; e ao parágrafo 21 e seus subparágrafos (a) a
(l), que definem o papel do SDNU na promoção e apoio à modalidade.
No âmbito das definições, a CSS é reconhecida como uma modalidade de
cooperação internacional fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável
(parágrafo 9). A especificidade dessa modalidade, além da promoção da autossuficiência
168
nacional e coletiva – conceituação oriunda do BAPA – é que ela é uma manifestação da
solidariedade140 entre os PEDs.
O uso do termo solidariedade para definir a CSS é uma novidade dos anos 2000.
No BAPA, a solidariedade aparece como contexto – “A CTPD serve a vários outros
propósitos (...) dentro do contexto do conceito fundamental de solidariedade (...)”
(UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 10, § 16, tradução nossa141). Já no parágrafo 11
do Resultado de Nairóbi, a solidariedade se une aos princípios do respeito da soberania e
da não-interferência na definição da CSS. Além disso, o documento indica que CSS deve
ser definida pelos próprios países do Sul, uma clara resposta ao interesse do CAD-OCDE
em enquadrar a modalidade dentro dos princípios da CNS:
11. Nós reconhecemos a importância e as diferentes histórias e particularidades da Cooperação Sul-Sul, e reafirmamos nossa visão da Cooperação Sul-Sul como uma manifestação de solidariedade entre os povos e os países do Sul que contribui para o bem-estar nacional, a autossuficiência nacional e coletiva e a consecução dos objetivos de desenvolvimento acordados internacionalmente, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A Cooperação Sul-Sul e sua agenda devem ser definidas pelos países do Sul e devem continuar a ser guiadas pelos princípios de respeito à soberania nacional, apropriação nacional e independência, igualdade, não-condicionalidade, não-ingerência nos assuntos domésticos e benefícios mútuos (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2, §11, tradução nossa142).
O documento aponta que a troca de experiências derivada da visão compartilhada
sobre as estratégias de desenvolvimento nacional e das similaridades em relação aos
desafios de desenvolvimento é um catalizador da CSS. Por isso, a modalidade pode tomar
diferentes formas, sendo as mais frequentes: compartilhamento de conhecimento e
140 No relatório A/65/39, o HLC-SSC define a solidariedade como a capacidade de promover a inclusão social sem a perda de soberania (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2010, p. 10). 141 Do original: “TCDC clearly serves many other purposes (...) within the context of the fundamental concept of solidarity (...)” (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1978, p. 10, § 16). 142 Do original: “11. We recognize the importance and different history and particularities of South-South cooperation, and we reaffirm our view of South-South cooperation as a manifestation of solidarity among peoples and countries of the South that contributes to their national well-being, their national and collective self-reliance and the attainment of internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals. South-South cooperation and its agenda have to be set by countries of the South and should continue to be guided by the principles of respect for national sovereignty, national ownership and independence, equality, non-conditionality, non-interference in domestic affairs and mutual benefit” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 2, §11).
169
experiências; treinamentos; transferência de tecnologia; cooperação financeira e
monetária; e contribuições em espécie.
Além da questão da solidariedade, o parágrafo 11 do documento reforça o caráter
complementar e não substituto da CSS em relação à CNS, mas acrescenta a isso uma
definição negativa de CSS – ela não pode ser confundida com a AOD, isto é, com
assistência oficial ao desenvolvimento concedida pelos países doadores do CAD-OCDE.
No documento, a CSS e a AOD são definidas como modalidades diferentes porque a CSS
consiste em uma parceria entre iguais, baseada na solidariedade e livre de
condicionalidades. Essa definição negativa foi decisiva no âmbito das negociações de
Nairóbi, como uma forma de separar os critérios que recaem sobre a CSS e a CNS.
Por outro lado, nesse mesmo parágrafo os Estados-membros reconhecem a
necessidade de aumentar a eficácia do desenvolvimento da CSS, por meio da prestação
de contas e transparência, e sugerem que o impacto da CSS deve ser mensurado com
enfoque em resultados. Esses elementos – eficácia do desenvolvimento, prestação de
contas, transparência e enfoque em resultados – são os mesmos compõem o paradigma
da eficácia da ajuda. Assim, esse parágrafo claramente reflete a barganha e a busca pelo
consenso entre o G-77 e os países do CAD-OCDE, mantendo a ambiguidade em relação
aos princípios que recaem sobre a CSS143:
(...) A Cooperação Sul-Sul não deve ser vista como ajuda oficial ao desenvolvimento. É uma parceria entre iguais baseada na solidariedade. A este respeito, reconhecemos a necessidade de reforçar a eficácia do desenvolvimento da Cooperação Sul-Sul, continuando a aumentar a sua responsabilidade mútua e sua transparência, bem como coordenar suas iniciativas com outros projetos e programas de desenvolvimento locais, de acordo com os planos e prioridades de desenvolvimento nacionais. Reconhecemos também que o impacto da Cooperação Sul-Sul deve ser avaliado com vistas a melhorar sua qualidade, conforme apropriado, de forma orientada para resultados (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 3, §18, tradução nossa144).
143 A delegação do Japão, ao justificar sua posição na sessão da Segunda Comissão da AGNU em dezembro de 2009, afirmou que, em Nairóbi, duas interpretações sobre a CSS estavam presentes. Para alguns países, é um conceito de solidariedade entre os PEDs; para outros, é uma atividade sob o escopo da agenda da eficácia da ajuda (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 b, p. 25). 144 Do original: “(...) South-South cooperation should not be seen as official development assistance. It is a partnership among equals based on solidarity. In that regard, we acknowledge the need to enhance the development effectiveness of South-South cooperation by continuing to increase its mutual accountability and transparency, as well as coordinating its initiatives with other development projects and programmes on the ground, in accordance with national development plans and priorities. We also recognize that the impact of South-South cooperation should be assessed with a view to improving, as appropriate, its quality in a results-oriented manner” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 3, §18).
170
Após a definição da modalidade, no parágrafo 20 começam as decisões oriundas
do Resultado de Nairóbi. O objetivo das decisões expressas nos subparágrafos (a) a (f) é
fortalecer as capacidades técnicas e institucionais dos PEDs; melhorar a troca de
experiência e conhecimento; responder aos desafios específicos de desenvolvimento dos
PEDs; e aumentar o impacto global da CSS.
As medidas dispostas nesse parágrafo envolveram dois pilares: a sistematização
do impacto e dos resultados da CSS; e maior coordenação, diálogo e comunicação. No
primeiro âmbito, o documento encoraja os PEDs a desenvolver sistemas de avaliação da
qualidade e do impacto da CSS e triangular. Para isso, deve-se melhorar a coleta de dados
nacionais e desenvolver metodologias e estatísticas para esse fim, considerando, é claro,
as características únicas da CSS.
A questão da avaliação da CSS se tornou progressivamente importante devido à
pressão dos países do CAD-OCDE para que os PEDs comprovassem os ganhos e o valor
adicionado oriundos da CSS. Porém, é difícil comprovar o valor da CSS com dados
quantitativos, tanto pela falta de sistematização e padronização de suas práticas quanto
pelo caráter qualitativo das iniciativas, que envolve troca de experiências, aprendizado
por pares e adaptação de soluções, métodos que são muito difíceis de serem quantificados.
O segundo âmbito encoraja os PEDs a melhorar seus mecanismos de coordenação,
com vistas a ampliar a disseminação dos resultados, o compartilhamento de lições e
práticas, e possibilitar replicações de soluções bem-sucedidas. Inclusive, urge-se o
fortalecimento de diálogos inter-regionais para a troca de experiências, de modo a integrar
as várias abordagens para a CTPD e a CEPD. Entre as áreas de coordenação, são citadas
como prioridades: transferência de tecnologia; iniciativas sociais (saúde e educação),
ambientais, técnicas e políticas; projetos de integração e cooperação em infraestrutura,
especialmente em energia; e comércio e investimento, para fortalecer a integração
econômica regional.
O parágrafo 21 dispõe as decisões sobre a atuação do SDNU para apoiar e
promover a CSS. Surpreendentemente, a palavra incorporação (mainstream) é utilizada
apenas uma vez no documento, no subparágrafo 21 (a), e o termo não é utilizado no
sentido de integrar a CSS ao trabalho regular do SDNU, e sim em um sentido mais geral
de dar apoio aos PEDs, a partir de sua solicitação e demanda:
Urgimos aos fundos, programas e agências especializadas das Nações Unidas que tomem medidas concretas para integrar o apoio à cooperação Sul-Sul e triangular, para ajudar aos países em desenvolvimento, a seu pedido e com seu controle e liderança, a desenvolver capacidades para maximizar os benefícios
171
e o impacto da cooperação Sul-Sul e triangular, com o objetivo de alcançar seus objetivos nacionais de desenvolvimento e as metas de desenvolvimento internacionalmente acordadas, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 5, §21 (a), tradução nossa145).
No subparágrafo 21 (e), congratula-se as iniciativas de algumas agências – como
a UNCTAD, a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
(ONUDI) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
– de estabelecer, em seus mandatos, unidades e programas de trabalho para promover a
CSS. Porém, o Resultado não solicita que o conjunto das organizações do SDNU faça o
mesmo. O que se requer é que o SDNU ajude os PEDs a estabelecer e/ou fortalecer os
centros de excelência Sul-Sul, com o objetivo de melhorar o compartilhamento de
conhecimento, o networking, a troca de informações e melhores práticas, a construção
mútua de capacidades, as análises políticas e a coordenação de ações dos PEDs em áreas
de preocupação conjunta. E encoraja as diferentes instâncias do SDNU a desenvolver
diretrizes operacionais específicas para facilitar o uso da CTPD em seus programas e
projetos, de acordo com as prioridades nacionais de desenvolvimento, as características e
as abordagens de CSS.
Para muitos PEDs, considerando o momentum positivo de avanço da CSS em
âmbito global, o Resultado de Nairóbi foi insatisfatório, pois ao invés de um documento
robusto como o BAPA, o resultado foi um texto que não captou o dinamismo da CSS nos
anos 2000, na tentativa de se chegar a um consenso para abarcar os princípios da eficácia
da ajuda.
De qualquer forma, o documento instigou, a partir de 2010, a promoção
independente e separada da CSS no SDNU, por meio da revisão das Diretrizes Revisadas
e da preparação de um quadro estratégico para a implementação dos compromissos de
Nairóbi. Esse será o enfoque da integração da CSS ao SDNU no período 2010-2015.
145 Do original: “21. (a) Urge the United Nations funds, programmes and specialized agencies to take concrete measures to mainstream support for South-South and triangular cooperation to help developing countries, at their request and with their ownership and leadership, to develop capacities to maximize the benefits and impact of South-South and triangular cooperation in order to achieve their national development goals and internationally agreed development goals, including the Millennium Development Goals” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 a, p. 5, §21 (a)).
172
3.5 O Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à
Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012) e a inclusão da modalidade na
Agenda 2030
Após a Conferência de Alto Nível da ONU sobre a Cooperação Sul-Sul, o HLC-
SSC, em sua decisão SSC/16/1, de 4 de fevereiro de 2010, requereu à Unidade de
Inspeção Conjunta da ONU (JIU) que revisasse os arranjos institucionais da ONU de
apoio à CSS e fizesse recomendações para a preparação de um quadro específico de
diretrizes operacionais que guiasse as agências, os fundos e programas do SDNU para a
implementação do Resultado de Nairóbi.
Na avaliação da JIU, conduzida em 2011, a Primeira e a Segunda ONU ainda não
tinham sido capazes de estabelecer um conceito unificado de CSS. Por isso, mesmo que
todas as entidades do SDNU já apresentassem mandatos legislativos para a CSS, e que a
maioria já desenvolvesse programas e projetos diretamente identificados com CSS, ainda
persistia o problema salientado na JIU de 1985: as entidades continuavam sem saber
diferenciar as atividades de cooperação tradicional da CSS, e em seus relatórios, ainda
consideravam atividades como treinamentos, seminários, e workshops para os PEDs (que
não necessariamente envolvem o intercâmbio de conhecimento e soluções entre dois os
mais PEDs) como CSS. De acordo com a JIU: “É digno de nota que, depois de 25 anos,
esse problema continua a assolar o sistema” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 11,
tradução nossa146).
Outro problema identificado na avaliação foi o de que as iniciativas do SDNU que
efetivamente promovem a CSS continuam não sendo sistemáticas, e ocorrem por
solicitação individual de países recipiendários. Duas causas explicam essa situação: a
falta de um quadro estratégico para a CSS capaz de unificar as iniciativas de CSS desde
a sede da ONU, em Nova York, até os escritórios nacionais; e o despreparado dos
funcionários da ONU em relação às características dessa modalidade.
As diretrizes revisadas de 2003 – que foram negociadas e adotadas por todo o
SDNU – teriam a função de cobrir essas lacunas, mas elas foram simplesmente ignoradas
pelas entidades do sistema em sua prática operacional, no gerenciamento do
146 Do original: “It is noteworthy that after 25 years, this problem continues to plague the system” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 11).
173
conhecimento e nos processos de monitoramento e avaliação, em prol de uma
implementação seletiva147 (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 47).
Com base na avaliação da JIU, o HLC-SSC aprovou, em 12 de abril de 2012, o
Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-
Sul e Triangular (SSC/17/3)148, também chamado de nota de orientação. Esse documento
foi concebido como um manual de referência sobre as formas de incorporar a CSS no
planejamento e nos programas de desenvolvimento do SDNU em todos os níveis. O
quadro de diretrizes se baseou e expandiu as diretrizes de 2003, com o objetivo de definir
uma orientação operacional sobre como implementar políticas estratégicas para a CSS. O
HLC-SSC destacou que essas notas deveriam ser um documento em evolução,
progressivamente atualizado diante das novas demandas e desafios à promoção da CSS
no SDNU.
O quadro utiliza as definições de CSS presentes nas diretrizes de 2003 e no
Resultado de Nairóbi: um processo a partir do qual dois ou mais PEDs compartilham, por
meio de arranjos cooperativos, seus conhecimentos, recursos, habilidades e know-how. A
modalidade pode assumir diferentes formas de parcerias coletivas e incluir todos os
setores e níveis de cooperação.
Porém, o documento complementa essas definições ao indicar os princípios
normativos e operacionais que devem conduzir a CSS. Da perspectiva normativa, foram
mencionados os princípios que compõem o discurso do G-77: o respeito pela soberania e
autossuficiência nacional; a parceria entre iguais; a ausência de condicionalidades; a não
interferência em assuntos domésticos, e benefícios mútuos. Já da perspectiva operacional,
foram listados os princípios defendidos pelo CAD-OCDE: a mútua prestação de contas e
a transparência; a eficácia do desenvolvimento; a coordenação de iniciativas baseadas em
evidências e resultados; e uma abordagem de múltiplas partes interessadas (HIGH-
LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, p. 7).
Seguindo os princípios normativos, os PEDs são os responsáveis primários pelas
iniciativas de CSS, e ao SDNU cabe o papel de catalisador e promotor da modalidade –
e não o de tomar a liderança em executar atividades operacionais Sul-Sul. Assim, o
quadro define, a partir das decisões de Nairóbi, cinco objetivos prioritários de apoio da
ONU à CSS:
147 Os problemas relacionados ao cumprimento do quadro serão discutidos na parte 2. 148 Do inglês: Framework of operational guidelines on United Nations support to South-South and triangular cooperation.
174
i) O apoio aos esforços nacionais e regionais de desenvolvimento;
ii) O fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais dos PEDs;
iii) O incentivo à troca de conhecimento e experiências entre os PEDs;
iv) Responder adequadamente aos desafios de desenvolvimento dos PEDs;
v) Aumentar o impacto da cooperação internacional.
Esses cinco objetivos deveriam ser cumpridos por meio de atividades
promocionais, ampliando a compreensão dos benefícios da CSS; e pela identificação de
pontos de entrada em políticas, planejamentos e programas em todos os níveis.
Ademais, o Quadro definiu de forma clara, pela primeira vez em 30 anos, quatro
papeis específicos de apoio do SDNU à promoção da CSS: o de convocador e defensor;
o de mediador de conhecimentos; o de construtor de parcerias; e o de analista e monitor
do progresso da CSS. A descrição de cada um desses papeis e os resultados esperados
estão sintetizados no quadro a seguir.
175
Quadro 1 – Papeis do SDNU na promoção da CSS
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, p. 8.
A partir desses papeis, a incorporação (mainstreaming) da CSS nos trabalhos
regulares do SDNU deveria ser mensurada por três conjuntos de indicadores globais de
desempenho: a formulação de estratégias e políticas; a promoção do aprendizado em
pares (peer-to-peer learning), o desenvolvimento de capacidades e a ação coletiva; e o
Papel Processo Resultado
Convocador e defensor
- Reunir as partes e facilitar o diálogo político para definir e coordenar
políticas e estratégias de CSS, com foco no consenso.
- Defender e agir como mediador do conhecimento em processos
internacionais, para garantir que a CSS tenha papel durante as
negociações e em seus resultados.
- Busca pelo consenso.
- Capacidade do Sul de definir políticas internacionais.
- Integrar as perspectivas e necessidades do Sul em políticas
globais e na cooperação internacional para o desenvolvimento.
Mediador de conhecimentos
- Preencher as lacunas de conhecimento ao fazer matchmaking
entre a oferta e demanda de experiências, conhecimentos e
tecnologia.
- Identificação, documentação e disseminação de melhores práticas.
- Troca de conhecimento entre os PEDs.
- Práticas devidamente documentadas para fazer
replicação.
- Redes sólidas de comunicação entre instituições, profissionais, sociedade civil, academia e setor
privado.
Construtor de parcerias
- Reunir parceiros de desenvolvimento.
- Organizar encontros e eventos para a construção de parcerias e alianças
estratégias.
- Mobilizar recursos e conhecimento.
- Coordenar o apoio da ONU.
- Parcerias inclusivas e sólidas.
- Recursos mobilizados.
- Políticas e programas da ONU alinhados com a estratégia Unidos
na ação (Delivering as One).
Analista e monitor do progresso
- Coletar e analisar informações sobre o desempenho da CSS em
todos os níveis.
- Relatar e dar seguimento às decisões intergovernamentais.
- Programas e políticas definidos por dados e informações concretos.
176
desenvolvimento de abordagens inovadoras de CSS (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON
SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, p. 30).
No primeiro critério, o de formulação de estratégias e políticas, a integração da
CSS seria feita ao torná-la uma prioridade na política corporativa e nos quadros
programáticos das entidades do SDNU. Essa incorporação deveria acontecer por meio
dos seguintes elementos: a integração da CSS como uma estratégia ou um elemento
distinto dos programas; a designação de pontos focais dedicados a promover a
modalidade; a sistematização do financiamento da CSS nos orçamentos regulares149; a
adoção de medidas de coleta de informação e dados, de avaliação das atividades e de
impacto; e a adoção de medidas para coordenar o apoio à CSS com outras organizações
da ONU.
No segundo critério, o aprendizado em pares, o desenvolvimento de capacidades
e da ação coletiva dos PEDs implicaria em alterar a forma de produção e gestão do
conhecimento por parte do SDNU. A incorporação da CSS exigiria criar mecanismos para
estimular as trocas intelectuais e de experiências entre os PEDs, como eventos, feiras de
negócios e diálogos interativos. Além disso, apoiar as redes Sul-Sul de informação e
centros de excelência, com ênfase nos esquemas regionais; e pesquisar e compilar
inventários e diretórios de instituições e capacidades do Sul, com o objetivo de promover
a transferência de tecnologias, especialidades e capacidades. Por fim, fortalecer a ação
coletiva dos PEDs, por meio do apoio à sua efetiva participação e ao seguimento em
conferências globais.
No terceiro critério, o desenvolvimento e construção de abordagens inovadoras
para expandir a CSS, em áreas específicas, a modalidade seria incorporada ao SDNU por
meio da identificação, compilação e disseminação de práticas de sucesso, que pudessem
ser replicadas em outros PEDs. Essas práticas envolveriam não apenas soluções para os
problemas de desenvolvimento, mas também formas inovadoras para mobilizar recursos
de CSS e explorar abordagens inovadoras para expandir parcerias, especialmente com
setor privado e ONGs.
Apesar dos avanços do Quadro, os PEDs levantaram duas objeções ao documento.
Vários delegados enfatizaram que a teoria e a prática da CSS já haviam sido estabelecidas
no BAPA e no Resultado de Nairóbi, e que a avaliação da JIU de que não há uma
definição suficiente da CSS serviria aos interesses do CAD-OCDE em definir a
149 Essa questão será discutida na parte 3.
177
modalidade segundo os princípios da eficácia da ajuda. No debate geral da 17ª sessão
intersessional do HLC-SSC, em 2013, alguns PEDs foram enfáticos ao dizer que não era
necessário iniciar um processo político para estabelecer o conceito de CSS. Alguns
delegados ressaltaram que as características dessa modalidade são determinadas por
Estados que não queriam ter sua flexibilidade circunscrita por uma definição formal e que
não desejavam perder tempo discutindo definições, quando o foco deveria ser a
implementação dos princípios formalmente estabelecidos no Resultado de Nairóbi.
Outros delegados apontaram que os documentos políticos já continham definições e
princípios suficientes para planejar e implementar programas de CSS no sistema ONU
(HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2013).
Os PEDs também levantaram objeções ao uso dos termos do documento da
Parceria de Busan na parte das Diretrizes que apresentam os princípios operacionais da
CSS, uma vez que Busan não foi um documento resultante de um processo da ONU, e
sim do CAD-OCDE. Na 17ª sessão do HLC-SSC, os PEDs afirmaram o seguinte a esse
respeito:
Foi enfatizado que o referido documento [Parceria de Busan] não deveria ser considerado como uma fonte de orientação para nenhum processo das Nações Unidas. Uma vez que a Cooperação Sul-Sul exigia espaço político para os países em desenvolvimento, eles não poderiam ser colocados em uma camisa de forças, em termos de regras e regulamentos rígidos ou prescrições políticas, inclusive em nome da eficácia da ajuda. Observou-se que a eficácia da ajuda deve ser julgada pelos resultados em cada caso, e que nenhum padrão geral será relevante. Além disso, haveria uma diferença de paradigma entre a assistência Norte-Sul e Sul-Sul que nenhuma abordagem comum poderia unir (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 c, p. 13, § 15, tradução nossa150).
O último passo para a integração da ideia de CSS ao SDNU foi a de incluir a
modalidade na agenda global de desenvolvimento da ONU. A partir de 2012, na
Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), a ONU iniciou o
processo de revisão dos resultados dos ODMs e de negociação de uma nova agenda de
desenvolvimento, pós-2015, que incorporaria os objetivos da agenda de 2000 e lançaria
metas mais ambiciosas para os próximos 15 anos.
150 Do original: “It was emphasized that the said document should not be considered as a source of guidance on any United Nations process. As South-South cooperation required policy space for developing countries, they could not be “straitjacketed” in terms of rigid rules and regulations or policy prescriptions, including in the name of aid effectiveness. It was noted that the effectiveness of aid had to be judged by the results in each case, and that no across-the-board standard would be relevant. Furthermore, there was a paradigm difference between North-South and South-South assistance that no common approach could bridge” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 c, p. 13, § 15).
178
A nova agenda foi aprovada, por consenso, em 25 setembro de 2015. Intitulada
“Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”
(A/RES/70/1), apresenta 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas a
serem alcançadas por todos os Estados-membros, as entidades do sistema ONU e a
sociedade civil151.
A Agenda 2030 é considerada uma agenda verdadeiramente global pois,
diferentemente dos ODMs, os objetivos recaem sobre todos os países, desenvolvidos e
em desenvolvimento, e não só sobre os segundos. Além disso, uma inovação da agenda
foi a inclusão dos chamados meios de implementação, isto é, os mecanismos previstos
para o cumprimento dos objetivos e metas. Os meios de implementação seriam
estabelecidos por meio de uma parceria global revitalizada para o desenvolvimento
sustentável, que envolve políticas e legislações, mobilização de recursos, transferência de
tecnologia e construção de capacidades. Nesses dois últimos âmbitos, os PEDs garantiram
a inclusão da CSS como um meio de implementação.
No que se refere à transferência de tecnologia, a CSS é mencionada no parágrafo
17.6 da Agenda 2030. Ao lado da CNS e da cooperação triangular, ela é identificada como
uma modalidade que deve ser promovida de forma a garantir o acesso à ciência e
tecnologia e à inovação compartilhada mutuamente. Já o parágrafo 17.9 refere-se à CSS
como um meio de construção das capacidades necessárias à implementação da Agenda
(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2015 b, pp. 26-27).
Ao final de 2015, o esforço dos PEDs de integrar a CSS às atividades regulares
passou a estrar alinhado ao contexto da implementação da Agenda 2030. Isso permitiu
que a modalidade finalmente atingisse o patamar de um compromisso global, e não
apenas uma agenda específica dentre as várias outras agendas conduzidas pela ONU. Mas
isso exigirá resolver os problemas operacionais de incorporação da CSS, relacionados à
estrutura da governança do SDNU, como será discutido na parte 2.
151 A Agenda 2030 define três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental. Os 17 objetivos atuam em 5 áreas: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias. São eles: 1. Acabar com a pobreza; 2. Acabar com a fome e promover a agricultura sustentável; 3. Saúde e bem-estar; 4. Educação de qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água potável e saneamento; 7. Energia limpa e acessível; 8. Trabalho decente e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Ação contra a mudança global do clima; 14. Vida na água; 15. Vida terrestre; 16. Paz, justiça e instituições eficazes; 17. Parcerias e meios de implementação (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2015 b).
179
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE I
A área da cooperação internacional para o desenvolvimento é permeada por
simbolismos e imagens, expressos em negociações, práticas, encontros, discursos e
documentos. Os atores da Primeira e da Segunda ONUs ganham identidades quando se
envolvem em experiências coletivas, o que define seus papeis e suas expectativas. Os
interesses são produtos dessas identidades, das interações com os outros e com seu
ambiente social.
A partir dessa perspectiva, essa parte discutiu como a cooperação internacional
para o desenvolvimento foi historicamente construída com base em certas compreensões
e expectativas intersubjetivas. Internacionalmente, o CAD-OCDE é a organização
dominante, responsável por estabelecer as normas sociais intersubjetivas que definem o
padrão da AOD. Por meio da teoria da dádiva, considerou-se que a CNS conduzida pelos
países do CAD-OCDE baseia-se no binômio doadores-recipiendários, o que reforça os
laços de hierarquia entre eles.
Enquanto a CNS é pautada por uma lógica assimétrica entre doadores e
recipiendários, os PEDs, organizados no G-77, desde os anos 1960 se opõem à tal noção.
O conceito de CSS foi desenvolvido com base na lógica da reciprocidade, de
solidariedade e respeito à individualidade dos países. Essa modalidade se identifica por
relações horizontais e mutuamente benéficas, que buscam valorizar os conhecimentos, as
competências e as habilidades locais, por meio da troca de experiências e da construção
conjunta de conhecimentos e capacidades.
É claro que isso não quer dizer que os PEDs não usam a CSS como um
instrumento de política externa para dar tração às suas ideias e aos seus interesses, e que
isso pode entrar em conflito com as ideias e os interesses dos demais países parceiros.
Mas o paradigma da CNS e o paradigma da CSS têm diferenças ideacionais importantes
na prática da cooperação internacional para o desenvolvimento. A citação a seguir, de um
assessor sênior do ex-Primeiro Ministro de Camarões, deixa clara a diferença entre as
duas modalidades no campo das ideias, ao comparar os projetos de cooperação com a
Noruega, a França e a China:
A Noruega nos permitiu orientá-la para as áreas de intervenção que considerávamos apropriadas e necessárias em Camarões. A França nunca teria nos deixado guiar o processo. (...) A China, por outro lado, é mais calculista. A China gostaria de lhe dar algo, mas eles gostariam de algo em troca. A cooperação norueguesa é generosa. Psicologicamente, a diferença entre os dois
180
estilos é muito importante. A China tem boas intenções, mas quer algo em troca. A França gostaria de ser generosa, mas há um pano de fundo de uma dívida para pagar, ou uma re-compensação por algo. A relação é como a de um adulto com uma criança (NORDTVEIT, 2011, p. 106, tradução nossa152).
A parte 1 também destacou como o SDNU é um dos campos onde a batalha entre
as ideias de CNS e as ideias de CSS tem sido historicamente travada. Os primeiros
trabalhos da ONU na área da cooperação internacional para o desenvolvimento visavam
dar suporte à cooperação tradicional: as agências da ONU detinham o conhecimento e
eram responsáveis pelas soluções de desenvolvimento, e, com o financiamento dos
doadores tradicionais, essas soluções eram transferidas e implementadas nos PEDs, em
uma relação vertical. Assim, o SDNU foi criado tendo como base ideacional os princípios
da CNS.
Mas, sendo a ONU um espaço no qual os PEDs puderam vocalizar coletivamente
suas demandas na área do desenvolvimento, foi possível mobilizar as estruturas do SDNU
e rever os princípios sobre os quais seus projetos de desenvolvimento estavam assentados.
Isso ocorreu nos anos 1970, quando o SDNU se engajou em um esforço de integrar os
princípios da CSS em seus trabalhos regulares.
Ao longo de quatro décadas, o SDNU foi capaz de estabelecer quadros normativos
e estratégicos que reconheceram a validade dos princípios da CSS e sua importância para
melhorar a responsividade de seus projetos às demandas dos PEDs. O BAPA foi o
primeiro quadro conceitual e guia prático para mudar essa visão, ao dar orientações
normativas sobre como promover a CTPD por todo o SDNU. Os anos 1980 foram
dedicados a tentar mudar a mentalidade e os comportamentos dos programas da ONU,
para que os princípios da CTPD pudessem ser considerados no desenho dos projetos de
desenvolvimento. Porém, o contexto de crise e o enraizamento do paradigma tradicional
resultaram em uma integração limitada da modalidade.
Os anos 1990 deram um novo impulso à CTPD como uma estratégia para
enfrentar os desafios impostos pela globalização e pelas reformas neoliberais. Mas o
redespertar da agenda da CSS ocorreu nos anos 2000. Sob a liderança das potências
152 Do original: “Norway let us steer towards the areas of intervention that we felt were appropriate and needed in Cameroon. France would never have let us steer the process. … China, on the other hand, is more calculating. China would like to give you something, but they would like something in return. The Norwegian cooperation is generous. Psychologically the difference between the two styles is very important. China has good intentions, but wants something in return. France would like to be generous, but there’s a background of a debt to repay, of a re-compensation for something. The relation is like an adult towards a child” (NORDTVEIT, 2011, p. 106).
181
emergentes, os PEDs passaram a cobrar um maior engajamento do SDNU no uso da CSS
como uma prática rotineira de seus trabalhos. A adoção do Resultado de Nairóbi, em
2009, relançou politicamente as discussões sobre a incorporação da CSS em todas as
atividades do SDNU, e também articulou uma nova definição dessa modalidade, à luz do
novo contexto internacional.
Ao comparar o quadro ideacional e os valores mobilizados pelos dois documentos
políticos e normativos que guiam a incorporação da CSS no SDNU – o BAPA e o
Resultado de Nairóbi – é perceptível algumas transformações nos termos usados para
definir a modalidade. O quadro a seguir compara as diferentes ideias mobilizadas em
ambos os documentos.
Quadro 2 – Ideias mobilizadas no BAPA e no Resultado de Nairóbi
BAPA (1978) Resultado de Nairóbi (2009)
Autossuficiência Controle nacional
Não-interferência Não-condicionalidade
Intercâmbios e compartilhamento entre os PEDs
Benefícios mútuos, horizontalidade, relação ganha-ganha
Transferência de conhecimento Aprendizado mútuo, intercâmbio de conhecimento e
transferência de tecnologia
- Avaliação por resultados e responsabilização mútua
- Eficácia do desenvolvimento
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de BESHARATI et al., 2015, p. 27.
Nota-se uma continuidade nos conceitos utilizados pela ONU para definir a CSS
ao longo das décadas. Mas também houve adaptações, refletindo as mudanças no contexto
da cooperação internacional para o desenvolvimento. Por exemplo, a noção de
autossuficiência nacional e coletiva, que era a base da linguagem do BAPA quanto ao
propósito da CTPD, em Nairóbi evoluiu para a noção de controle nacional, no sentido de
garantir que os projetos de desenvolvimento reflitam as visões de mundo e os interesses
dos PEDs. Da mesma forma, a noção de não-interferência, expressão típica do período da
Guerra Fria para se referir à tentativa dos PEDs de se desvencilhar dos arranjos bipolares,
deu lugar à noção de não-condicionalidade, própria do contexto a partir dos anos 1990.
182
Afinal, as reformas estruturais do período e a vinculação da concessão da ajuda ao
cumprimento de certas condições políticas e econômicas, nem sempre alinhadas com os
interesses nacionais, fizeram com que os PEDs vocalizassem suas demandas em torno da
redução das condicionalidades.
As relações de intercâmbio e compartilhamento entre os PEDs ganhou dimensões
mais sofisticadas em Nairóbi, indo para além da transferência de conhecimentos: as
relações Sul-Sul passaram a ser definidas pelo aprendizado mútuo e o intercâmbio de
soluções em bases horizontais.
Porém, há duas ideias mobilizadas em Nairóbi que não estavam presentes no
BAPA: a avaliação por resultados e responsabilização mútua; e a eficácia do
desenvolvimento. A menção dessas duas ideias remete ao paradigma da eficácia da ajuda,
esposado pelo CAD-OCDE, e demonstra o poder desse grupo em dominar a linguagem e
as ideias na área da cooperação internacional para o desenvolvimento. Por sua vez,
também demonstra a dificuldade enfrentada pelos PEDs, e, mais especificamente, pelas
potências emergentes, em construir uma linguagem própria que possa se contrapor a esses
princípios dominantes, por eles tão criticados em suas políticas externas.
Em suma, é possível afirmar que houve a incorporação das ideias de CSS nos
quadros normativos do SDNU, mas essa incorporação foi não-sistemática e permeada por
princípios concorrentes. Esse caráter híbrido da incorporação irá afetar a
operacionalização dessas ideias na estrutura em campo, como será visto a seguir.
183
PARTE 2 - O LUGAR DO SUL AO SOL
O impacto da Cooperação Sul-Sul na governança do
Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas
Na parte 2, será discutida a incorporação operacional da CSS ao Sistema de
Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU). Mais especificamente, essa parte tem
como objetivo analisar como a incorporação da ideia de CSS foi traduzida em seu aspecto
prático, em relação ao uso da modalidade na implementação dos projetos e programas de
desenvolvimento.
Essa parte baseia-se nos elementos apresentados na parte 1 a respeito do percurso
das ideias referentes à cooperação internacional para o desenvolvimento e à CSS. Assim,
a pergunta que conduz a discussão da parte 2 é a seguinte: porque a atuação operacional
da ONU em relação à implementação da CSS é ad hoc, e não resultante de uma estrutura
normativa e institucional sistematizada, mesmo depois de mais de 30 anos de experiência
nessa modalidade?
Para responder a essa questão, é necessário fazer uma discussão sobre a
governança do SDNU, uma vez que a incorporação operacional da CSS enfrenta uma
série de dificuldades diante dos arranjos formais e informais de tomada de decisão e de
operacionalização. Assim, essa parte está dividida em três capítulos. No capítulo 4, será
apresentado o papel da ONU na governança econômico global e como seu frágil
posicionamento resultou na estrutura descentralizada da governança do SDNU para a
CSS. No capítulo 5, serão apresentadas as fases da governança do SDNU e como o
sistema teve de se adaptar para atender às demandas dos PEDs de maior utilização da
CSS como uma modalidade de cooperação internacional para o desenvolvimento. No
capítulo 6, serão analisadas as cinco lacunas da governança do SDNU para a CSS: de
conhecimento, normativas, institucionais, políticas e de cumprimento. Por fim, na
conclusão da parte 2, a pergunta será retomada à luz dos desafios recentes que o SDNU
enfrenta para operacionalizar a CSS como parte de seu trabalho regular.
184
CAPÍTULO 4 – O CONCEITO DE GOVERNANÇA DO SDNU E O
LUGAR DA CSS
Para discutir a operacionalização da CSS por parte do SDNU, o capítulo se inicia
com a definição de governança global, entendida como arranjos coletivos informais –
como práticas, diretrizes e coalizões temporárias – e formais – como normas de
autoridade e instituições – criados pelos atores internacionais com o propósito de
operacionalizar certos objetivos comuns. A partir dessa definição, o capítulo considerará
o (não)-papel da ONU na governança econômica global, uma vez que a organização não
foi investida com poder considerável sobre os assuntos relativos ao desenvolvimento
econômico no arranjo da ordem econômica global liderado pelos Estados Unidos desde
o pós-guerra.
Esse frágil papel, embora não tenha impedido os PEDs de utilizar a ONU para
canalizar suas demandas de desenvolvimento, incluindo a promoção da CSS, trouxe
claras limitações a esse processo, cristalizadas na complicada estrutura de governança do
SDNU, que é completamente descentralizada e não possui um mecanismo de
coordenação e coerência entre suas partes. Isso, por sua vez, impõe dificuldades na
operacionalização da CSS como uma modalidade de implementação dos projetos e
atividades dos fundos, programas e das agências da ONU voltadas para a promoção do
desenvolvimento.
Para apontar essas dificuldades de operacionalização, o capítulo apresentará as
principais instituições destinadas à operacionalização da CSS e a limitada articulação
entre elas, que são: em nível político-governamental, a Segunda Comissão da AGNU e
seu Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul (HLC-SSC, do inglês, High-Level
Committee on South-South Cooperation), bem como o Fórum sobre a Cooperação para o
Desenvolvimento (DCF, do inglês, Development Cooperation Forum), do Conselho
Econômico e Social da ONU (ECOSOC); em nível programático, o PNUD e o Escritório
da ONU para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC, do inglês, United Nations Office for
South-South Cooperation); e em nível de articulação entre as agências, o Time Tarefa
para a Cooperação Sul-Sul e Triangular do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do
inglês, Task Team on South-South and Triangular Cooperation).
185
4.1 O conceito de governança global
Nas Relações Internacionais, a governança global153 se refere ao esforço coletivo
de diferentes atores internacionais – Estados, corporações, organizações não-
governamentais, organizações internacionais154 – de identificar, entender e resolver os
problemas globais na ausência de uma autoridade política central. Trata-se de um
conjunto de mecanismos de gerenciamento desses problemas para além das iniciativas
individuais dos Estados: é um meio caminho entre a anarquia internacional e um Estado
mundial, pois não há capacidade ou autoridade que garanta o cumprimento de decisões
coletivas. Assim, “a governança global é a soma das leis, normas, políticas e instituições
que definem, constituem e mediam as relações entre os cidadãos, a sociedade, o mercado
e o Estado na arena internacional – os detentores e os objetos do poder público
internacional” (WEISS, THAKUR, 2010, p. 257, tradução nossa155).
Os instrumentos utilizados por esses atores para a construção da governança
global envolvem mecanismos informais e formais que organizam, articulam e gerenciam
os interesses coletivos; definem direitos e deveres; e fazem a mediação do conflito e das
diferenças. No âmbito dos mecanismos informais, existem práticas, diretrizes e guias de
comportamento que são conduzidos por coalizões ou alianças temporárias. Já os
mecanismos formais envolvem princípios, normas e tratados internacionais, que orientam
a conduta dos vários atores internacionais; e organizações internacionais, que
estabelecem práticas sobre um assunto coletivo e gerenciam as relações entre esses atores.
153 De acordo com Weiss (2009 b), a expressão governança global se consolidou nos anos 1990, tanto no meio acadêmico quanto na prática dos diplomatas: o livro clássico de Rosenau, “Governança sem Governo” foi lançado em 1992, e o governo sueco lançou a Comissão sobre Governança Global em 1995. Os primórdios da expressão remetem aos anos 1970, em que se reconheceu, especialmente após a Conferência de Estocolmo, que os problemas globais exigiriam uma resolução para além da ação nacional de cada país. Depois, com o fim da Guerra Fria, houve o crescimento da importância de atores não-estatais (especialmente as corporações e as organizações da sociedade civil) para a configuração da ordem global. Isso consolidou o debate sobre como as diferentes autoridades políticas, além dos Estados, eram parceiros necessários da ONU. Ao mesmo tempo, os debates sobre supranacionalidade não tiveram espaço nos anos 1990, consolidando o termo governança global. 154 Por isso, não se deve confundir o conceito de governança global com o conceito de boa governança. Boa governança é um conceito utilizado como critério de concessão da ajuda pelo CAD-OCDE, que implica em padrões normativos como o Estado de direito, a participação da sociedade civil, os padrões contra corrupção, a transparência e a responsabilidade. 155 Do original: “Global governance is the sum of laws, norms, policies, and institutions that define, constitute and mediate relations among citizens, society, market and the state in the international arena - the wielders and objects of of international public power” (WEISS, THAKUR, 2010, p. 257).
186
Quando se fala de governança global, faz-se menção a um resultado específico,
que são os bens públicos globais. Tais bens são aqueles disponíveis para todos os atores
internacionais156, tenham eles contribuído para a produção desse bem ou não (princípio
da não-exclusão). Outra característica é que seu uso, por parte de um ator, não implica na
perda de recursos por parte de outros atores (princípio da não-rivalidade).
Entretanto, esses princípios trazem dois problemas no que se refere à governança
global. Primeiramente, por não serem exclusivos, os bens públicos globais são
subfinanciados e subprovidos, já que os atores internacionais podem pegar carona (free
riding), isto é, não contribuir para a produção daquele bem e ainda assim se beneficiar
dele. Depois, por não haver rivalidade, tais bens são construídos de forma ineficiente,
pois não é possível ameaçar os atores internacionais de serem excluídos dos benefícios
caso eles não contribuam para a produção e a manutenção desses bens (BODANSKY,
2012, p. 653).
As organizações internacionais têm um papel importante na efetivação da
governança global e na construção dos bens públicos globais. No caso da ONU, sua
principal função é a de facilitar a cooperação entre os Estados-membros, criando objetivos
coletivos e gerenciando as rivalidades entre eles, além de aglutinar e facilitar a
comunicação com outros atores não-estatais. A ONU está diretamente envolvida na
definição, tomada de decisão, implementação e monitoramento de normas e regras
internacionais e dos bens públicos globais.
Paradoxalmente, a ONU ocupa um papel subsidiário na governança global. De
acordo com Weiss (2009 b, p. 264, tradução nossa157), a atuação da ONU enfrenta os
seguintes problemas: “insuficiência em escopo e ambição, inadequação dos recursos e do
alcance e incoerência em políticas e filosofias”. Esses problemas têm uma natureza
estrutural, uma vez que a organização foi criada com várias fragilidades institucionais,
especialmente na área do desenvolvimento econômico e social, como será discutido na
próxima seção.
156 A literatura consensualmente considera como bens públicos globais: a proteção do meio ambiente, a paz e a segurança internacionais, a estabilidade financeira internacional; e a luta contra as pandemias globais. Outros temas, como direitos humanos, proteção social, estabilidade política e segurança alimentar, não são consensualmente considerados bens públicos globais. 157 Do original: “insufficient in scope and ambition, inadequate in resources and reach, and incoherent in policies and philosophies” (WEISS, 2009 b, p. 264).
187
4.2 O (não)-papel da ONU na governança econômica global e as mudanças
na área da cooperação internacional para o desenvolvimento
O grau de governança global é definido por uma tensão permanente entre a
necessidade de internacionalizar normas e o desejo de manter a soberania e o controle
nacional. O equilíbrio entre a internacionalização e a soberania estatal altera-se em
diferentes períodos históricos.
No pós-guerra, prevaleceu o sistema westfaliano de governança global. Sua
principal característica é a de um sistema estadocêntrico: os Estados são sujeitos das
decisões que eles próprios tomam, sendo, portanto, responsáveis por criar e implementar
suas próprias normas. Em termos territoriais, o sistema estava organizado em unidades
políticas territorialmente distintas e separadas, e que estabeleciam relações externas com
as demais unidades. O papel da governança era o de reduzir as tensões existentes nessas
relações externas.
Esse modelo de governança influenciou as características da ONU como
organização internacional. Em sua Carta, apenas os Estados e as Organizações
Internacionais são reconhecidos como tomadores de decisão, enquanto as organizações
não-governamentais possuem somente um status consultivo no ECOSOC. Por sua vez, a
ONU não possui mecanismos de decisão e cumprimento acima dos Estados nacionais, e
seu funcionamento depende do interesse e da vontade dos Estados-membros (a Primeira
ONU). Em virtude disso, o raio de atuação e eficácia da organização é limitado ao
voluntarismo dos Estados, e o trabalho do Secretariado (a Segunda ONU) implica em
convencer e engajá-los nos temas considerados urgentes e prioritários.
Na área da governança econômica global, essas limitações são bastante evidentes.
A governança econômica global se refere aos arranjos coletivos formais e informais
destinados a solucionar os problemas econômicos globais, como a promoção do
desenvolvimento, do comércio, das relações monetárias, das finanças, e garantir a
estabilidade das relações econômicas globais, evitando a ocorrência de crises.
Como foi discutido na parte 1, a Carta da ONU prevê à organização um mandato
econômico, ao reconhecer os vínculos entre a paz, a segurança e o bem-estar econômico
(SEITENFUS, 2012, p. 128). Mas em termos dos arranjos institucionais, tal mandato está
claramente em segundo plano. Nas negociações para o estabelecimento da ONU, os
Estados Unidos propuseram a criação de um Conselho Econômico e Social (ECOSOC),
mas ele deveria ser subordinado à Assembleia Geral (AGNU). Porém, a insistência dos
188
pequenos e médios Estados fez com que, nos trabalhos preparatórios para a Conferência
de São Francisco, tal Conselho tivesse caráter autônomo (TOYE; TOYE, 2004, p. 25).
Assim, na Carta, o ECOSOC emerge como um órgão principal, reconhecendo a
importância econômica e social da ONU para a reconstrução no pós-guerra.
Mas a intenção de fazer com que o Conselho fosse uma parte subsidiária
permaneceu em várias partes da Carta de São Francisco, resultando em ambiguidades que
afetaram o papel da ONU na governança econômica global desde então. Por exemplo, o
artigo 7 posiciona o ECOSOC como órgão autônomo, enquanto o artigo 60 coloca-o sob
a autoridade da AGNU. Já o artigo 62 define ao órgão duas áreas de atuação: os assuntos
econômicos e sociais; e os assuntos relacionados aos direitos humanos. Nesses temas, o
ECOSOC teria o papel de fórum, promovendo relatórios, estudos e conferências, além de
recomendar políticas. Tais áreas e funções são muito similares às dadas à própria AGNU
no artigo 13 (ROSENTHAL, 2007, pp. 136-139).
A despeito dessas imprecisões, o aspecto mais característico do ECOSOC é a
autoridade de criar corpos especializados (artigo 68) e a responsabilidade de coordenar as
atividades das agências especializadas já existentes (artigos 57, 58, 63 e 64). Na Carta, as
Instituições de Bretton Woods (IBW) foram consideradas agências especializadas, e,
portanto, estariam sob a supervisão do ECOSOC, que deveria servir como coordenador
dessas agências. Legalmente, existe apenas o sistema da ONU, e as IBW estão
subordinadas a essa coordenação.
Mas o ECOSOC, além de não ter sido dotado de grandes instrumentos de
coordenação, foi incapaz de exercer qualquer autoridade sobre as IBW, pois essas foram
estabelecidas, na prática, fora do arcabouço da ONU158. Isso porque a ONU foi
intencionalmente apartada das questões econômicas discutidas pelas IBW. Como
salientam Toye e Toye (2004, p. 277, tradução nossa159), os Estados Unidos, desde o
início das negociações dos arranjos institucionais do pós-guerra, estiveram determinados
em garantir que a ONU “nunca iria dizer ao Banco Mundial ou ao FMI o que fazer”.
Efetivamente, a autonomia das IBW demonstra que o ECOSOC – e, consequentemente,
a ONU – nunca foram vistos como o centro da coordenação econômica global no pós-
158 Por exemplo, o acordo entre a ONU e o FMI, de 1947, estabelece no artigo I.2 a completa autonomia e separação do Fundo em relação à ONU: o FMI deveria ser uma organização independente em função da natureza de suas responsabilidades econômicas, de caráter técnico e especializado (“AGREEMENT…”, 1947). 159 Do original: “(...) was never going to tell the World Bank or the International Monetary Fund what to do” (TOYE; TOYE, 2004, p. 277).
189
guerra160. Enquanto as IBW seriam responsáveis pela regulação das grandes áreas da
economia internacional – comércio, moeda, crédito e finanças – a ONU ficaria
responsável pela área da cooperação internacional para o desenvolvimento, com enfoque
na cooperação técnica. Ademais, a organização deveria acomodar os interesses dos países
pobres sem afetar consideravelmente os interesses dos países ricos em relação ao
comércio e aos investimentos internacionais.
Com o fim da Guerra Fria e o avanço da globalização, o sistema westfaliano de
governança global se transformou. Não no sentido de substituir os Estados e a lógica
territorial, mas flexibilizando suas fronteiras para incorporar novos temas e atores. A
governança global atual é caracterizada por uma transnacionalização dos assuntos, dos
fluxos e dos atores161 que permeiam as jurisdições nacionais, tornando turvas as fronteiras
entre interno e externo; e entre público, privado e civil. Com isso, o grau de governança
global é tensionado simultaneamente por forças tanto internas quanto universalistas.
A governança econômica na era da globalização é caracterizada pela
descentralização e desregulação, em moldes neoliberais. As IBW e a Organização
Mundial do Comércio (OMC) são responsáveis por criar os quadros regulatórios de
governança em âmbito multilateral, marcados por uma regulação negativa, no sentido de
garantir o espaço de atuação dos mercados e restringir os Estados nacionais (STRANGE,
1999, pp. 348-349).
Nesse contexto, a capacidade de ação da ONU continua ancorada no sistema
estatal, mas suas atividades refletem a expansão dos atores e dos temas na agenda da
governança econômica global. De acordo com o irlandês Childers (1996, p. 87, tradução
nossa162) – funcionário da ONU desde 1967 e que se dedicou nos anos 1990 à promoção
160 Nas IBW, a influência dos países mais ricos, especialmente dos Estados Unidos, foi garantida pelos procedimentos de tomada de decisão. Ao invés da fórmula um país-um voto adotada pela ONU, o FMI e o Banco Mundial possuem um sistema de decisão baseado em cotas equivalentes ao tamanho da contribuição dos Estados-membros. Obviamente, aos Estados Unidos foram designadas as maiores cotas: no FMI, o país tinha 33,7% das cotas em 1951; e no Banco Mundial, seu controle representava 86,5% dos recursos em 1950 (LICHTENSZTEJN; BAER, 1987, p. 63; p. 159). 161 Atualmente, uma série de atores internacionais não possuem a territorialidade e os interesses nacionais como princípios organizadores. É o caso das corporações transnacionais, que foram uma força crucial para a liberalização e privatização dos mercados, parcialmente assumindo uma personalidade legal internacional. 162 Do original: “(...) the industrial powers refused to discuss world macro-economic policy at the UN, claiming that the IMF and World Bank were doing this, which they were not. With the UM effectively disenfranchised from the real world economy, no institution anywhere was addressing the socio-economic needs of all humankind” (CHILDERS, 1996, p. 88).
190
da reforma da organização –, o papel institucional da ONU se enfraqueceu
consideravelmente, porque:
(...) as potências industriais se recusaram a discutir a política macroeconômica mundial na ONU, afirmando que o FMI e o Banco Mundial estavam fazendo isso, mas eles não estavam. Com a ONU efetivamente destituída da economia mundial real, nenhuma instituição estava tratando das necessidades socioeconômicas da humanidade.
Nos anos 1990, a reação da Segunda ONU a essa exclusão deliberada na
governança econômica global foi a construção do paradigma do desenvolvimento
humano. O ECOSOC, o PNUD, a UNCTAD e a CEPAL se esforçaram em lançar estudos
e relatórios alertando sobre os efeitos negativos das reformas neoliberais e sobre o
crescimento das desigualdades entre os PDs e os PEDs. Nas conferências globais dos anos
1990, os documentos da ONU enfatizaram a necessidade de uma governança global capaz
de transformar a globalização em uma força positiva em termos sociais (PANDIARAJ,
2013, pp. 94-97).
A reação da Primeira ONU veio nos anos 2000, quando as potências emergentes
passaram a vocalizar suas demandas por uma reforma na governança econômica global,
o que incluía reavivar a ONU como fórum legítimo de negociação dos assuntos
econômicos globais, a partir da negação do paradigma neoliberal e uma revalorização da
atuação estatal na promoção do desenvolvimento. Mas, simultaneamente, as potências
emergentes também se engajaram em fóruns próprios, como é o caso do Grupo dos Vinte
(G-20), criado em 1999 com o propósito de reunir as 20 maiores economias mundiais
para coordenar suas ações econômicas e financeiras. A proliferação deste e de outros
fóruns reforçou o ostracismo da ONU nessa área.
A cooperação internacional para o desenvolvimento foi profundamente afetada
pelas transformações na governança econômica global, o que ficou conhecido na
literatura e nos debates na ONU como a “mudança de paisagem” (changing landscape)
dessa forma de cooperação.
Em primeiro lugar, há uma mudança no conteúdo da ajuda externa: se no período
da Guerra Fria todos os PEDs dependiam da AOD por serem Estados pobres, na era da
globalização existem dois grupos de PEDs. Um é formado por aqueles países que foram
abandonados pela globalização e estão em situação de pobreza permanente. É o caso dos
Estados frágeis, dos países em conflito e dos países menos desenvolvidos, que dependem
profundamente da AOD dos países doadores (JENKS; JONES, 2013, p. 6).
191
O outro é o grupo dos países de renda média, com destaque para as potências
emergentes, que conseguiu minimamente se inserir na globalização. Por terem atingido
algum crescimento econômico e diminuído a pobreza extrema, esses países contam com
uma porcentagem menor das doações do CAD-OCDE, pois não entram mais nos critérios
de ampla concessão, que focam basicamente em aliviação da pobreza e fortalecimento
institucional com base no princípio da boa governança. Mas isso não significa que esse
grupo não precise da ajuda externa: a diferença é que eles carecem de assistência em áreas
não prioritárias para os doadores tradicionais, como capacitação em negociações de
contratos com multinacionais, construção de infraestrutura física e de acesso ao mercado
de capitais para alavancar o financiamento privado.
Considerando que a AOD tradicional não responde mais às principais
necessidades dos países de renda média, esses países perceberam que os desafios da
globalização só conseguiriam ser enfrentados pela cooperação entre eles. Assim, a CSS
ganhou progressivo destaque, ao mobilizar os princípios de mútuo benefício e relação
ganha-ganha. Essas diferenças foram palpáveis para os recipiendários, que passaram a
dar maior atenção aos projetos de CSS liderados pelas potências emergentes.
O CAD-OCDE sentiu a concorrência. Sua reação foi a de cobrar os PEDs de renda
média a assumir maiores responsabilidades – especialmente financeiras – na governança
da cooperação internacional para o desenvolvimento. Mas as potências emergentes se
posicionaram da seguinte forma: apenas assumirão maiores responsabilidades mediante
uma reforma da governança econômica global, isto é, mediante a incorporação de suas
vozes e interesses na estrutura de cooperação historicamente estabelecida pelo CAD-
OCDE.
A ONU foi um fórum importante desse debate, por aglutinar tanto os países
doadores quanto as potências emergentes e os tradicionais recipiendários. Em diferentes
instâncias, as negociações nos anos 2000 foram permeadas por um sentimento de que esse
foi um período em aberto para a cooperação internacional para o desenvolvimento, de
debate sobre o reposicionamento do papel da AOD, e, consequentemente, sobre o
reposicionamento dos fundos, agências e programas da ONU nessa área:
As discussões rapidamente se consumaram em um debate entre aqueles que estavam preocupados com o fato de que comprometer os princípios existentes do CAD colocaria em perigo o apoio à ajuda em seus países e aqueles que argumentaram com força que traçar um futuro para a cooperação para o desenvolvimento sem a presença dos BRICS e do Sul emergente não fazia
192
sentido e condenaria a cooperação para o desenvolvimento (JENKS; JONES, 2013, p. 9, tradução nossa163).
Historicamente, o SDNU tem sido flexível e se adaptou às mudanças de
circunstâncias da cooperação internacional para o desenvolvimento. Porém, seu
(não)papel na governança econômica global, somado ao novo contexto dos anos 2000,
destacou vários problemas na governança do próprio SDNU, e sua inserção foi feita às
custas da coerência e da sistematização das suas atividades, como será visto a seguir.
4.3 A governança do SDNU
Não existe, na Carta da ONU, nenhuma menção ao Sistema de Desenvolvimento
das Nações Unidas, uma vez que tal sistema foi sendo construído progressivamente a
partir dos anos 1950, conforme diferentes escritórios, departamentos, fundos, programas
e agências relacionados ao tema do desenvolvimento foram sendo criados em resposta ao
ambiente permissivo da Guerra Fria e ao objetivo de prover capacidade técnica para os
PEDs.
A governança do SDNU envolve seu desenho institucional, mas muito mais do
que isso. Incorpora os mecanismos informais e formais que organizam, articulam e
gerenciam as diferentes partes do sistema, ao estabelecer objetivos coletivos, definir
direitos e deveres; e fazer a mediação das diferenças entre elas.
Em sua fase originária (1945-1950) a governança do SDNU foi concebida em uma
base funcionalista, com grande inspiração no trabalho de David Mitrany (1944), ao
recomendar que a forma das organizações internacionais deveria seguir suas funções.
Com base no conceito de comunidades de interesse, deveriam ser criadas várias entidades
responsáveis por temas diferentes, cada uma delas apoiada pelos Estados envolvidos e
interessados naquela área de trabalho. Seguindo a perspectiva funcionalista, a ONU
passou a criar entidades separadas para setores diferentes, cada uma com sua estrutura de
governança. O ECOSOC deveria realizar uma coordenação frouxa, preservando a
163 Do original: “The discussions quickly became consumed with a debate between those that were concerned that compromising the existing principles of the DAC would endanger support for aid in their countries and those that argued forcefully that charting a future for development cooperation absent the BRICS and the emerging South did not make any sense and condemned development cooperation to history” (JENKS; JONES, 2013, p. 9).
193
autonomia organizacional das agências individuais, especialmente daquelas que
precediam a criação da ONU164 (CHANDRAN, 2015, p. 2).
Com isso, a governança do SDNU foi erguida com duas características: a
proliferação de várias entidades independentes (e uma infinidade de siglas para
denominar cada uma delas) e um sistema de coordenação descentralizada, baseado em
consultas e na persuasão moral para influenciar os órgãos independentes de tomada de
decisão de cada uma dessas entidades. Por isso, o próprio uso da expressão Sistema de
Desenvolvimento é um tanto quanto inapropriado. A palavra sistema dá a entender a
existência de mecanismos de articulação e coerência entre suas partes, o que dificilmente
ocorre na ONU. Tanto que, na primeira vez que a expressão foi utilizada, no Relatório
Jackson, de 1969, o sentido era muito mais de inter-relação do que de coerência. Em seu
estudo, o SDNU é definido da seguinte forma:
(...) os órgãos das Nações Unidas, incluindo o UNICEF e o Programa Mundial de Alimentos, bem como o secretariado profissional e técnico que serve a esses órgãos e às agências especializadas envolvidas na promoção do desenvolvimento econômico e social. Onde o Banco Mundial e o FMI estão incluídos, isso é especificamente indicado. Uma vez que a capacidade de indivisibilidade inerente foi acentuada no caso do PNUD, pela prática de operar indiretamente por meio de outros braços do sistema de desenvolvimento da ONU, seria impossível realizar o estudo examinando apenas o PNUD. Por esta razão, todos os vários componentes e inter-relações do sistema de desenvolvimento da ONU devem ser considerados como um todo (UNITED NATIONS, 1969, p. 471, tradução nossa165).
Ou seja, para Jackson, o SDNU envolvia todas as atividades dos programas e
fundos da ONU, bem como suas agências especializadas. Mas tal expressão não foi usada
amplamente pela ONU nos anos 1970 e 1980, devido à sua ambiguidade em relação a
que entidades incluir na definição de sistema e às próprias tensões políticas provenientes
das reformas sugeridas no Relatório Jackson.
164 É o caso da União Internacional de Telecomunicações, criada em 1865; da União Postal Internacional, criada em 1874; da Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919; da Organização Mundial do Turismo, criada em 1925; e das IBW, criadas em 1944. 165 Do original: “(...) the organs of the United Nations including UNICEF and WFP and the professional and technical secretariats which serve them and the Specialized Agencies concerned in the promotion of economic and social development. Where the IBRD and IMF are included, this is specifically indicated. Because the inherent indivisibility capacity has been accentuated in the case of UNDP by the practice of operating indirectly through other arms of the UN development system, it would have been impossible to carry out the Study by examining UNDP only. For this reason, all the various components and inter-relationships of the UN development system had to be considered as a whole (UNITED NATIONS, 1969, p. 471).
194
O termo SDNU só se tornou popular a partir de 1997, quando o Secretário-Geral
Kofi Annan criou – como parte de seu programa de reformas para a racionalização da
estrutura institucional da ONU – o Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas
(UNDG, do inglês United Nations Development Group). O UNDG visa promover a
coordenação de todas as entidades envolvidas em atividades atreladas ao
desenvolvimento. Formado por representantes de alto nível de cada uma dessas entidades,
o UNDG toma decisões acerca de prioridades estratégicas e programas de trabalho que
devem ser obrigatoriamente seguidos por todos os seus membros (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT GROUP, 2015 b, p. 2).
Porém, como o UNDG não foi criado pelos Estados-membros, alguns deles têm
restrições em citar o Grupo como a entidade responsável pela implementação dos
mandatos da AGNU e do ECOSOC. Por isso, para diferenciar suas decisões daquelas
realizadas no âmbito do UNDG, os países passaram a usar a expressão SDNU em suas
resoluções, para indicar que suas decisões apresentam um mandato sistêmicos e que deve
ser cumprido por todas as entidades envolvidas em atividades de desenvolvimento. Mas,
nessas resoluções, a expressão é colocada com letra minúscula – sistema de
desenvolvimento das Nações Unidas – dando a ela um sentido não-institucional166
(BURLEY, LINDORES, 2016, p. 1; p. 3).
Já a Segunda ONU (e mais especificamente, nos documentos do Secretariado, do
UNDG e do PNUD) utiliza o termo em letra maiúscula – Sistema de Desenvolvimento
das Nações Unidas –, para indicar que tal sistema existe de fato, com uma identidade
especial, descrito como um conjunto de partes conectadas. Por isso, o Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais da ONU utiliza a seguinte definição para o SDNU: “o
Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas é composto por 34 entidades167 que
166 Mas, ambiguamente, os Estados-membros utilizam a expressão com letra maiúscula para os documentos da Revisão Política Compreensiva Trienal (TCPR) e da Revisão Política Compreensiva Quadrienal (QCPR), que serão discutidos no próximo item, dando a entender que eles acreditam que o SDNU é algo tangível e responsivo às decisões legislativas. 167Não existe uma lista coerente de que agências, fundos e programas formam o SDNU. A maior controvérsia é a inclusão ou não do FMI e do Banco Mundial, porque são parte formal do sistema ONU, mas existe uma separação prática. A OMC não está listada nas partes constituintes do SDNU, mas o diretor-geral da OMC faz parte do Quadro de Chefes Executivos da ONU. As instituições de pesquisa e treinamento são mencionadas como parte do SDNU, mas não estão vinculadas ao QCPR porque não conduzem atividades operacionais. De qualquer forma, as seguintes entidades são comumente citadas como parte do SDNU: i) fundos e programas: PNUD (incluindo o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Capital e a Universidade da ONU); ONU Mulheres; Fundo das Nações Unidas para a População; Fundo das Nações Unidas para a Infância; Programa Mundial de Alimentos; Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados; Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS; Conferência das Nações
195
recebem contribuições para financiar as atividades operacionais para o desenvolvimento”
(UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2, tradução nossa168).
Essa definição é composta por dois elementos: pelas partes do sistema, isto é, as
entidades; e pelas funções do sistema, isto é, a execução de atividades operacionais para
o desenvolvimento. Essa expressão – atividades operacionais para o desenvolvimento –
também foi utilizada pela primeira vez no Relatório Jackson, de 1969, definida como:
(...) atividades ou organizações do sistema de desenvolvimento da ONU designadas a atingir, em cooperação com um governo ou vários governos, um objetivo de desenvolvimento definido dentro de um quadro temporal estabelecido. Tais atividades são implementadas principalmente em campo, mas também incluem programas relacionados, atividades de apoio e funções de supervisão e administrativas realizadas na sede (UNITED NATIONS, 1969, p. 477, tradução nossa169).
Atualmente, o Secretariado adota como definição de atividades operacionais para
o desenvolvimento todas as ações em campo, por parte das entidades que compõem o
SDNU, destinadas à promoção do desenvolvimento sustentável e bem-estar dos PEDs, e
que não se confundem com assistência humanitária (BURLEY, LINDORES, 2016, p.
13). Porém, essa definição exclui as atividades não-operacionais (relacionadas ao trabalho
normativo e de políticas) conduzidas pelo SDNU, que também têm impacto importante
na promoção do desenvolvimento.
Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (incluindo o Centro do Comércio Internacional); Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente; Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos; Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime; e Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente; ii) agências especializadas: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura; Agência Internacional de Energia Atômica; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; Organização da Aviação Civil Internacional; Organização Internacional do Trabalho; Organização Marítima Internacional; União Internacional de Telecomunicações; Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial; União Postal Universal; Organização Mundial da Propriedade Intelectual; Organização Mundial da Saúde; Organização Meteorológica Mundial; Organização Mundial de Turismo; iii) comissões regionais: Comissão Econômica para a África; Comissão Econômica para a Europa; Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe; Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico; e Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental; iv) departamentos do Secretariado: Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários; e Departamento da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais; v) outras entidades: Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola; e Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. 168 Do original: “The UN development system is composed of the 34 entities that receive contributions for operational activities for development” (UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2). 169 Do original: “activities or organisations in the UN development system designed to achieve, in cooperation with a government or governments, a defined development objective within an established timetable. Such activities are chiefly implemented in the field but also include related programmes, backstopping, supervisory and administrative functions performed at headquarters” (UNITED NATIONS, 1969, p. 477).
196
Percebe-se que a expressão SDNU continua indefinida no âmbito da Primeira
ONU e apresenta ambiguidades em termos legais e gerenciais no âmbito da Segunda
ONU, trazendo repercussões para a estruturação da governança do sistema. Para o
Secretariado, o termo governança “(...) se refere ao arranjo complexo de conselhos
executivos, tanto no nível das agências quanto no nível sistêmico, utilizado pelos Estados-
membros para conduzir e supervisionar as atividades operacionais para o
desenvolvimento da ONU” (UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2, tradução nossa170).
A governança do SDNU apresenta uma estrutura em dois níveis: o nível sistêmico
dos órgãos decisórios (AGNU e ECOSOC) e o nível específico das agências (por meio
de seus Conselhos Executivos). Além disso, a governança também envolve o nível
nacional, por meio de mecanismos de coordenação política entre governos e os chefes das
entidades da ONU, que fazem arranjos definidores das prioridades a partir dos escritórios
nacionais.
Arranjos de governança descentralizados não são necessariamente ruins, pois
permitem maior flexibilidade e adaptabilidade às mudanças. Mas o problema é quando
não há mecanismos de coerência entre as partes, como é o caso do SDNU. Esse problema
já havia sido identificado nos primeiros anos da organização: no primeiro relatório
independente sobre a coordenação entre as agências especializadas da ONU, de 1947, a
governança do sistema foi caracterizada pelo “(...) surgimento não-sistemático de
mecanismos, uma estrutura de múltiplos níveis e altamente complicada” (SHARP, 1947,
p. 472, tradução nossa171).
Em seu relatório de 1969, Jackson criticou duramente a estrutura de governança
do sistema, ao usar a metáfora do dinossauro172:
Por muitos anos, procurei o “cérebro” que guia as políticas e as operações do sistema de desenvolvimento da ONU. A busca foi em vão. Aqui e ali, em todo o sistema, há escritórios e unidades que coletam as informações disponíveis, mas não há um grupo (ou “Banco de Cérebros”), para monitorar constantemente a operação atual, aprendendo com a experiência, entender o que a ciência e a tecnologia têm a oferecer, lançando novas ideias e métodos, desafiar as práticas estabelecidas e provocar reflexões dentro e fora do sistema.
170 Do original: “(…) relates to the complex array of governing bodies at both agency and system-wide levels used by Member States to steer and oversee UN operational activities for development” (UNITED NATIONS, 2015 b, p. 2). 171 Do original: “(...) largely unsystematic sprouting of machinery, multi-level and highly complicated as to structure” (SHARP, 1947, p. 472). 172 Esse trecho do relatório foi o que causou maior repercussão e polêmica. O então administrador do PNUD, Paul Hoffman, considerou o parágrafo uma ofensa pessoal à sua gestão, ao invés de uma análise realista sobre os problemas do SDNU (MURPHY, 2006, p. 147).
197
Privado de um estímulo tão vital, é óbvio que o melhor uso não pode ser feito dos recursos disponíveis para a operação. (...) Apesar disso, o sistema de desenvolvimento da ONU tentou travar uma guerra contra a desigualdade e a pobreza por muitos anos, com muito pouco “cérebro” organizado para guiá-lo. Sua ausência pode muito bem ser a maior restrição de todas em relação à capacidade. Sem ele, a evolução futura do sistema de desenvolvimento da ONU poderia facilmente repetir a história do dinossauro (UNITED NATIONS, 1969, p. 13, tradução nossa173).
A descrição de Jackson ainda continua atual: com uma governança dispersa, as
diferentes entidades do SDNU atuam de forma descoordenada, de modo a não haver
nenhum mecanismo que efetivamente traga alguma coerência entre as diferentes
políticas, abordagens e ações em campo. Essa é uma das causas da dificuldade do SDNU
em traduzir qualquer ideia em prática. A maior parte das ideias criadas ou gestadas pela
ONU na área do desenvolvimento dificilmente saem do âmbito aspiracional, pois não
existe uma estrutura coerente de governança capaz de difundir e integrar as ideias de
forma sistemática por todas as suas partes.
Esse é o caso da incorporação da ideia de CSS ao SDNU. Por se tratar de uma
modalidade que demanda a integração dos inputs em um quadro coerente de políticas e
operações em campo que cobrem áreas diferentes e complementares, é muito difícil fazer
com que ela seja efetivamente um mecanismo regular quando o SDNU – em virtude do
caráter funcionalista – está construído em silos, focado em problemas e assuntos
particulares. A seguir, serão apresentados os diferentes níveis de governança do SDNU
para a CSS, e nos capítulos seguintes, o objetivo será o de mostrar as dificuldades práticas
em trazer uma coerência para a integração da modalidade nesses diferentes níveis.
173 Do original: “For many years, I have looked for the ‘brain’ which guides the policies and operations of the UN development system. The search has been in vain. Here and there throughout the system there are offices and units collecting the information available, but there is no group (or ‘Brains Trust’) which is constantly monitoring the present operation, learning from experience, grasping at all that science and technology has to offer, launching new ideas and methods, challenging established practices, and provoking thought inside and outside the system. Deprived of such a vital stimulus, it is obvious that the best use cannot be made of the resources available to the operation. (…) Yet the UN development system has tried to wage a war on want for many years with very little organized ‘brain’ to guide it. Its absence may well be the greatest constraint of all on capacity. Without it, the future evolution of the UN development system could easily repeat the history of the dinosaur” (UNITED NATIONS, 1969, p. 13).
198
4.4 A governança do SDNU para a CSS
O processo de tomada de decisão sobre o tema da CSS é complexo e sobreposto,
uma vez que envolve os três níveis da governança do SDNU: o sistêmico, o das agências
e o nacional. Essas instâncias decisórias trabalham em conjunto – embora nem sempre de
forma coerente e sistemática – para definir e implementar a incorporação da CSS.
No nível sistêmico dos órgãos políticos decisórios, a AGNU e o ECOSOC estão
diretamente envolvidos no processo de tomada de decisão sobre a CSS. A principal
responsabilidade desses órgãos é normativa, isto é, definir o conjunto de normas e
princípios políticos que orientarão o trabalho em campo das entidades do SDNU.
A AGNU é considerada o órgão mais democrático da ONU, uma vez que conta
com seus 193 Estados-membros, que decidem de acordo com a fórmula um país-um voto.
Devido à multiplicidade de temas sob seu mandato, o trabalho da Assembleia é dividido
em seis comissões, ou comitês, que se reúnem anualmente174. O tema da CSS é tratado
pelo Comitê Econômico e Financeiro (Segunda Comissão), que lida com assuntos
macroeconômicos, financiamento para o desenvolvimento, erradicação da pobreza e
assentamentos humanos, globalização e interdependência, tecnologias de informação e
comunicação para o desenvolvimento e atividades operacionais para o desenvolvimento.
Desde 1974, a Segunda Comissão da AGNU delibera sobre assuntos relativos à
CTPD e à CSS. Entre 1974 a 1981, o comitê aprovou resoluções sobre a CTPD em bases
anuais, estabelecendo o quadro normativo necessário para a realização da Conferência de
Buenos Aires. Entre 1985 a 2001, o comitê aprovou resoluções em bases bianuais. Já nos
anos 2000, as resoluções foram predominantemente aprovadas em bases anuais: 2002,
2003, 2005, 2007, 2008, e anualmente entre 2011-2015, demonstrando a consolidação do
interesse dos Estados-membros no tema. Desde os anos 1990, a CSS está alocada como
um subitem da agenda acerca das atividades operacionais para o desenvolvimento, e as
resoluções estabelecem recomendações sobre como a CSS pode melhorar a eficácia dos
esforços operacionais da ONU para a promoção do desenvolvimento.
174 A Primeira Comissão discute temas relativos ao Desarmamento e Segurança Internacional; a Segunda Comissão trata de assuntos Econômicos e Financeiros; a Terceira Comissão discute questões atreladas aos Direitos Humanos, Sociais e Culturais; a Quarta Comissão trata de Questões Políticas Especiais e Descolonização; a Quinta Comissão discute a Administração e o Orçamento; e a Sexta Comissão trata de temas jurídicos.
199
Além da Segunda Comissão, a AGNU conta com um Comitê de Alto Nível
exclusivamente dedicado à CTPD e à CSS. É uma instância subsidiária da AGNU,
formada por representantes de todos os seus Estados-membros. O comitê foi criado em
16 de dezembro de 1980 pela AGNU em sua resolução A/RES/35/202, com o nome de
Comitê de Alto Nível para a Revisão da Cooperação Técnica entre Países em
Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-Level Committee on the Review of
Technical Co-operation among Developing Countries). Na resolução A/RES/58/220, de
19 de fevereiro de 2003, a AGNU alterou o nome para Comitê de Alto Nível para a
Cooperação Sul-Sul (HLC-SSC, do inglês High-Level Committee on South-South
Cooperation).
O Comitê de Alto Nível trata-se do principal definidor de políticas e normas sobre
a CSS. Em suas sessões bianuais, é responsável por aprovar decisões que revisam o
progresso de implementação do BAPA, das Novas Direções, do Resultado de Nairóbi e
de todas as suas decisões, em níveis global, regional e nacional. Ademais, o Comitê
considera os relatórios do Administrador do PNUD, organiza grupos de trabalho para
avaliar e monitorar suas decisões e promove painéis de discussões temáticas com
especialistas para o aprofundamento de diferentes tópicos.
Nota-se que o tema da CSS é duplamente discutido na AGNU, em duas instâncias
diferentes. Isso porque a Segunda Comissão da AGNU é um charger body, isto é, um
órgão que aprova resoluções com grandes diretrizes políticas sobre o tema. As resoluções
são documentos oficiais que, apesar de serem recomendatórios, expressam o
compromisso entre todos os Estados-membros em um determinado item da agenda. Já o
HLC é um órgão consultivo atrelado à AGNU, que não aprova resoluções, mas decisões.
As decisões são as recomendações desse órgão consultivo para o órgão decisório. Por
isso, embora os PDs acreditem que essa seja uma duplicação desnecessária do trabalho,
para os PEDs, é fundamental que o tema seja discutido não apenas no HLC, mas também
na Segunda Comissão, uma vez que as resoluções da AGNU têm mais peso sobre o
assunto.
Outra característica da governança do SDNU para a CSS a nível sistêmico é o
caráter prioritariamente consensual do processo de tomada de decisão. Formalmente, a
Carta da ONU prevê que todas as decisões da AGNU sejam feitas por meio do voto e
aprovadas por uma maioria simples (50% dos votos mais um) dos Estados-membros
presentes e votantes. E, de fato, nas duas primeiras décadas de existência da organização,
essa foi a prática de trabalho desse órgão. Porém, na década de 1970, o conflito Norte x
200
Sul, somado ao conflito Leste x Oeste, dificultou enormemente a tomada de decisão da
Assembleia: devido às divisões políticas, raramente as resoluções eram aprovadas por um
número significativo de membros, e, na prática, a aprovação por maioria simples
significava que o que fora decidido jamais sairia do papel. Isso porque, devido ao caráter
não obrigatório das resoluções da AGNU, aqueles que votavam contra não se sentiam na
obrigação de cumprir com os dispositivos, e os que votavam a favor consideravam injusto
que as determinações recaíssem apenas sobre eles, e não sobre toda a Primeira ONU
(UNITED NATIONS, 2017 b).
Para destravar os trabalhos da AGNU, os Estados-membros passaram
progressivamente a adotar as resoluções por consenso, isto é, sem voto. É importante
frisar que consenso não significa unanimidade: os Estados-membros, quando aprovam
uma resolução por consenso, não necessariamente concordam com todas as palavras em
cada um dos parágrafos da resolução; mas o consenso significa que não há nada na
resolução que seja tão discordante em relação à posição nacional que justifique levá-la a
voto. Têm-se, assim, um compromisso coletivo, dando maior força à resolução, mesmo
em seu caráter recomendatório.
As resoluções aprovadas por consenso tendem a ser muito parecidas uma com as
outras, variando pouco em seu conteúdo de um ano para outro. Isso porque, para o
consenso se manter, os Estados-membros se utilizam da chamada linguagem acordada,
que se refere à forma como uma ideia ou decisão foi escrita, palavra a palavra, nos
parágrafos de uma resolução.
Nos anos 2000, aproximadamente 80% das resoluções da AGNU foram adotadas
por consenso (UNITED NATIONS, 2017 b). Alguns temas tradicionalmente são levados
a voto, mas no caso da CTPD e da CSS, o consenso é a regra no que se refere ao processo
de tomada de decisão. Ao analisar o registro de votos das resoluções aprovadas pela
Segunda Comissão sobre o tema, nota-se que todas elas foram aprovadas por consenso,
com exceção à resolução A/RES/69/239, de 19 de dezembro de 2014, a única levada a
voto. No caso do HLC, para os relatórios nos quais há a menção acerca da forma de
aprovação das decisões175, todas elas foram adotadas por consenso.
175 A ONU não mantém o registro de votos público de suas instâncias consultivas – apenas daquelas que aprovam resoluções. Assim, para acompanhar o registro de voto do HLC, é necessário analisar os relatórios finais dos encontros. Porém, nem todos os relatórios fazem menção ao modo como as decisões foram aprovadas – como os relatórios são escritos pelos relatores, que são Estados-membros eleitos, eles nem sempre seguem o mesmo padrão. A informação de que a aprovação foi feita por consenso consta dos relatórios de 1980, 1981, 1983, 1985, 1989, 1999, 2001, 2003 e 2015.
201
A AGNU também é responsável pela Revisão Política Compreensiva Trienal
(TCPR, do inglês, Triennial Comprehensive Policy Review), que, desde 2008, passou a
ser a Revisão Política Compreensiva Quadrienal (QCPR, do inglês, Quadrennial
Comprehensive Policy Review). O propósito da TCPR/QCPR é o de analisar a eficiência
das atividades operacionais para o desenvolvimento, e, a partir de sua avaliação, revisar
as políticas e os mecanismos que orientam a condução de tais atividades, para que elas
possam cumprir com os objetivos em âmbito sistêmico e em campo. Enquanto a AGNU
define as orientações políticas sistêmicas da TCPR/QCPR, o Conselho Econômico e
Social (ECOSOC) é responsável por supervisionar e monitorar sua implementação e
revisá-las a partir dos objetivos políticos definidos pela Primeira ONU.
A inclusão da CSS como uma das modalidades sob avaliação e revisão da
TCPR/QCPR foi um marco importante para sua incorporação operacional ao SDNU, uma
vez que o documento revisa, a cada três/quatro anos, os mecanismos necessários para que
o compartilhamento de conhecimento, a construção de capacidades e a transferência de
tecnologia Sul-Sul sejam traduzidos de forma operacional em todas as entidades do
sistema.
Outra ação do ECOSOC em relação a governança do SDNU para a CSS refere-se
ao Fórum sobre Cooperação para o Desenvolvimento (DCF, do inglês, Development
Cooperation Forum). O fórum foi criado na Cúpula Mundial da ONU em 2005, e trata-
se de um encontro bianual de alto-nível, mas que também conta com a participação de
várias partes interessadas, como a sociedade civil e o setor privado. O DCF tem o objetivo
de revisar a coerência política e normativa das atividades operacionais para o
desenvolvimento da ONU, incluindo a CSS. Embora esse não seja um charger body,
capaz de emitir decisões, o fórum é uma caixa de ressonância para as questões que serão
discutidas na Segunda Comissão da AGNU e no HLC-SSC.
No nível de governança relativo às entidades do SDNU (agências, fundos e
programas), a principal instância de tomada de decisão é o Conselho Executivo do PNUD,
do UNFPA e do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), que
substituiu o Conselho de Governadores do PNUD e do UNFPA (Fundo Populacional das
Nações Unidas) a partir de 1994.
Entre 1965-1970, o Conselho de Governadores era composto por 27 membros,
passando para 48 em 1971, com o objetivo de refletir o aumento no número de Estados-
membros da ONU. Entre 1971 a 1993, a distribuição dos 48 assentos ocorria da seguinte
forma: 21 assentos para PDs; e 27 assentos para PEDs, alocados geograficamente em 11
202
Estados Africanos; 9 Estados Asiáticos e Iugoslávia; 7 Estados Latino-americanos; 4
Estados da Europa Oriental (KINDAR, 1985).
A centralidade do Conselho de Governadores na integração da CTPD foi definida
no documento do BAPA, de 1978. Essa decisão refletia o papel do PNUD como agência
central de financiamento dos programas de cooperação técnica para o período,
coordenando as atividades operacionais para o desenvolvimento realizadas pelas
entidades do SDNU. Sem contar sua vasta presença global, com escritórios em vários
países em desenvolvimento. Na área da CTPD, o Conselho de Governadores deveria
considerar, em suas reuniões, medidas para fortalecer essa modalidade de cooperação
para o desenvolvimento.
Em 14 de janeiro de 1994, por meio da resolução A/RES/48/162, a AGNU
substituiu o Conselho de Governadores pelo Conselho Executivo do PNUD, do UNFPA
e do UNOPS. Houve uma redução no número de membros, de 48 para 36, distribuídos da
seguinte forma: 12 assentos para os países da Europa Ocidental e outros Estados; 8
assentos para os Estados Africanos; 7 assentos para os Estados da Ásia e Pacífico; 5
assentos para os países da América Latina e Caribe; e 4 assentos para os Estados da
Europa Oriental. Nota-se que os países ocidentais apresentam um maior peso no
Conselho, uma vez que, proporcionalmente, eles possuem um número maior de assentos
para um número menor de países. Em relação aos métodos de trabalho, o Conselho
Executivo, desde 1994, sempre aprova suas decisões por consenso (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME, 2017 b).
Atualmente, a função do Conselho Executivo é a de implementar as políticas
definidas pela AGNU e as orientações de coordenação definidas pelo ECOSOC. Para
isso, é sua responsabilidade aprovar os programas nacionais, incluindo o planejamento
administrativo e orçamentário. Também é seu papel supervisionar o sistema de
coordenadores residentes e seus programas nacionais. Essas áreas são de enorme
importância para a promoção da CSS, pois o PNUD tem a capacidade de efetivamente
operacionalizar a modalidade em campo, utilizando sua rede de escritórios nacionais.
Sob o guarda-chuva do PNUD está o escritório do Secretariado para a CSS. A
Unidade Especial para a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (SU-
TCDC, do inglês, Special Unit for Technical Co-operation among Developing Countries)
foi criada pela resolução A/RES/3251 (XXIX) da AGNU, em 4 de dezembro de 1974.
Trata-se de uma unidade especial atrelada ao PNUD, composta por funcionários civis
internacionais, e responsável por integrar a modalidade da CTPD em todos os projetos e
203
atividades do PNUD. A SU-TCDC também ficou responsável por preparar os relatórios
do Administrador do PNUD sobre a CTPD, que são submetidos ao Conselho Executivo.
Com a criação do HLC-TCDC em 1980, a SU-TCDC foi ganhando outras
funções, tornando-se o Secretariado desse Comitê. Com isso, ficou responsável pela
organização logística dos encontros do HLC e de sua documentação, dando suporte
intelectual aos relatórios do comitê.
Mesmo com a mudança de nome para Unidade Especial para a Cooperação Sul-
Sul (SU-SSC, do inglês, Special Unit on South-South Cooperation), pela resolução
A/RES/58/220 da AGNU, de 19 de fevereiro de 2003, o mandato da unidade continuou
o mesmo. Porém, em 2012, a AGNU decidiu, por sua resolução A/RES/67/227,
transformar a Unidade Especial no Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-
Sul (UNOSSC, do inglês United Nations Office on South-South Cooperation), quando
houve uma mudança no mandato: ainda que hospedado no PNUD, o UNOSSC é uma
unidade separada, responsável por promover a CSS e triangular em todo o sistema ONU.
Para definir as relações entre o UNOSSC e o PNUD, existem os Quadros de Cooperação
para a CSS, que definem os objetivos e os arranjos gerenciais e financeiros de atuação do
escritório trienalmente.
Com essa ampliação de seu mandato, o escritório passou a servir outras agências
e todos os funcionários da ONU na definição de estratégias e construção de capacidades;
na promoção do diálogo intergovernamental sobre o tema; e na provisão de serviços de
consultoria aos Estados-membros. O UNOSSC também é responsável por preparar os
relatórios do Secretário-Geral sobre o estado da CSS, que informa as decisões da Segunda
Comissão sobre o assunto.
No que se refere à coordenação com as outras entidades do SDNU, essa sempre
foi muito frouxa, por meio dos pontos focais. Conforme previsto pelo BAPA, cada
entidade deveria criar um ponto focal, com um corpo de funcionários dedicados a
implementar as decisões relativas à integração da CTPD e da CSS em suas atividades
regulares e a se comunicar com outras entidades, por meio da troca de experiências. A
relação entre os pontos focais das entidades do SDNU sempre foi muito frouxa, e alguns
deles nunca atuaram de forma ativa.
Para contornar esse problema, o HLC-SSC, em sua decisão SSC/18/1, de 2 de
junho de 2014, requereu ao UNDG que estabelecesse um mecanismo formal interagências
de coordenação da integração da CSS. Assim, foi criado o Time Tarefa para a Cooperação
Sul-Sul e Triangular do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do inglês, Task Team on
204
South-South and Triangular Cooperation), responsável por criar uma abordagem
coordenada para sistematizar a incorporação da CSS em todas as agências do SDNU.
Por fim, a governança do SDNU para a CSS também envolve o nível nacional176,
por meio da relação entre os pontos focais nacionais para a CSS e os respectivos
coordenadores residentes do sistema ONU. O coordenador residente foi criado pela
AGNU em sua resolução A/RES/32/197, de 19 de dezembro de 1977, com a
responsabilidade de alinhar o trabalho de todas as entidades do sistema ONU envolvidas
nas atividades operacionais para o desenvolvimento implementadas em campo, o que
inclui a CSS (UNITED NATIONS DEVELOPMENT OPERATIONS
COORDINATION OFFICE, 2016).
Atualmente, os coordenadores residentes têm a responsabilidade de entrar em
contato com os pontos focais nacionais para a CSS e incluir suas prioridades no programa
nacional que será conduzido pela ONU localmente. Essa é a parte mais descentralizada
da governança do SDNU para a CSS, e a incorporação da modalidade nos programas
nacionais depende do interesse e da vontade tanto dos Estados nacionais quanto do
conhecimento do coordenador residente em promover a CSS.
Após esse panorama sobre as principais instâncias da governança do SDNU para
a CSS, nos próximos capítulos serão discutidos os processos e as transformações
históricas em cada âmbito, destacando os avanços e dificuldades na incorporação
operacional dessa modalidade, de 1970 aos dias atuais.
176 O âmbito regional também é articulado no nível da governança em campo, mas tal âmbito não será discutido nessa pesquisa.
205
CAPÍTULO 5 – AS FASES DA GOVERNANÇA DO SDNU E A
INCORPORAÇÃO OPERACIONAL DA CSS
Primeiramente, o capítulo tem como objetivo apresentar as três fases da
governança do Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU), que são: a
primeira fase, de 1945-1950, de origem das primeiras instituições destinadas a
desenvolver atividades de cooperação técnica para o desenvolvimento, seguindo a lógica
funcionalista; a segunda fase, de 1960-1980, de consolidação operacional do SDNU,
marcada pela emergência de uma lógica nacional, complementar à lógica funcionalista; e
a terceira fase, de 1990 aos dias atuais, marcada pelos objetivos e metas globais e por uma
maior descentralização da governança do SDNU.
A análise das fases da governança do SDNU levará em consideração o triângulo
estratégico de Moore (1995, p. 22), que envolve três dimensões: o ambiente permissivo,
isto é, o contexto histórico no qual a governança se insere; a missão e os valores que
devem ser cumpridos pela governança; e a capacidade do sistema de entregar a missão e
os valores definidos.
Complementarmente às fases da governança do SDNU, o capítulo irá analisar o
lugar ocupado pela CSS em cada uma dessas fases. Serão discutidas as políticas e
orientações operacionais destinadas a incorporar a modalidade aos trabalhos regulares das
entidades do SDNU e as barreiras atitudinais enfrentadas no que se refere ao uso de
inputs, especialistas e conhecimento oriundos dos PEDs. Enquanto na década de 1978-
1988, o objetivo central foi o de estabelecer pontos focais e procedimentos para o uso da
CTPD nos programas de cooperação técnica, no período de 1989-1999, o enfoque foi o
de reduzir as barreiras atitudinais, melhorando a compreensão dos Estados-membros e
dos funcionários da ONU sobre as potencialidades da modalidade para resolver os
problemas oriundos da globalização. Com a chegada dos anos 2000, o propósito é o de
criar um quadro de padronização e incorporação da CSS em âmbito sistêmico, para que
a modalidade possa ser utilizada como um meio de implementação por todos os
programas, as atividades e os projetos de desenvolvimento conduzidos pelas entidades do
SDNU.
206
5.1 Fase 1 – As origens funcionalistas da governança do SDNU (1945-1950)
Como discutido no capítulo anterior, nos primeiros anos de funcionamento da
ONU ainda não existia um sistema de desenvolvimento propriamente dito. Mas havia um
ambiente permissivo para o engajamento da organização devido ao seu mandato de
promoção do desenvolvimento, atrelado ao contexto de reconstrução da Europa e do
Japão no pós-guerra, com liderança dos Estados nacionais. Ao mesmo tempo, emergiam
as demandas dos países pobres e recém-descolonizados, cujas preocupações com o
desenvolvimento eram a de superar as vulnerabilidades da economia agrária-exportadora
e a ausência de infraestrutura.
A missão da governança da ONU para a área do desenvolvimento ia ao encontro
do caráter funcionalista da organização. A promoção do desenvolvimento estava baseada
na lógica de preencher as lacunas – seja da perspectiva da reconstrução dos PDs ou dos
primeiros passos para a industrialização dos PEDs –, e consistia na provisão de assistência
técnica e na transferência de capacidades e de conhecimento.
Quanto às capacidades institucionais, a forma seguia a função, por meio da
autonomia funcional e da coordenação frouxa entre cada uma das agências especializadas.
Como discutido na parte 1, a criação do Programa Expandido de Assistência Técnica para
o Desenvolvimento Econômico dos Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês,
Expanded Programme of Technical Assistance for Economic Development of Under-
developed Countries), em 1949, foi resultado dessa estruturação funcional das atividades
para o desenvolvimento da ONU. O EPTA deveria dar suporte aos programas de
assistência técnica das diferentes agências especializadas. Seu Conselho de Governadores
era responsável por revisar e aprovar os projetos, e alocar os fundos para as agências
especializadas. Também havia um Conselho de Assistência Técnica (do inglês, Technical
Assistance Board), composto pelo Secretário-Geral e os Chefes das agências
especializadas, que coordenava os projetos por meio do Comitê de Assistência Técnica
do ECOSOC (UNITED NATIONS, 2015 b).
Mas as demandas dos PEDs, organizadas em torno da ideia de Terceiro Mundo,
fizeram com que a ONU também passasse a criar mecanismos de governança em âmbito
nacional. Assim, a figura institucional do representante residente foi estabelecida em
1950, com o propósito de coordenar a assistência técnica provida por várias agências
especializadas em campo. Em 1952, os representantes residentes passaram a ser os
responsáveis por coordenar os escritórios nacionais da ONU, criados para facilitar a
207
implementação dos programas de assistência técnica em nível nacional. Em 1955, a
primeira versão de uma espécie de programa nacional foi adotada (UNITED NATIONS,
2015 b).
Na fase de 1945-1950, a governança ainda era frágil, composta por um conjunto
de várias intervenções, geralmente em pequena escala, para responder às prioridades
nacionais. Ou seja, os Estados-membros estabeleciam as prioridades e as agências
deveriam responder à essas necessidades identificadas. Apenas na década de 1960 que a
ONU irá desenvolver um sistema de desenvolvimento propriamente dito, com instituições
e normas próprias voltadas especificamente às demandas dos PEDs.
5.2 Fase 2 – A consolidação da estrutura nacional de governança do SDNU e
as barreiras atitudinais à integração da CTPD (1960-1980)
Nos anos 1960, o ambiente permissivo se alterou com o acirramento da Guerra
Fria e a consolidação do Terceiro Mundo e do Movimento dos Não-Alinhados (MNA)
como uma força política dentro da ONU. Devido a tal mudança, a agenda de
desenvolvimento da organização passou a focar-se na criação de capacidade de
planejamento nacional e construção de instituições, como parte do processo de
desenvolvimento nacional dos PEDs. O surgimento do PNUD, em 1965, respondeu a essa
agenda, ao transformar o Conselho de Assistência Técnica em um Conselho Consultivo
Interagências (do inglês, Inter-agency Consultative Board), liderado pelo Administrador
do PNUD e composto pelo Secretário-Geral e pelos chefes executivos das agências
especializadas (UNITED NATIONS, 2015 b).
O PNUD já tinha representantes em campo na maior parte dos países no final dos
anos 1960, como resultado de uma mudança na própria governança da cooperação
internacional para o desenvolvimento. Originalmente, a ajuda era vista como uma forma
de transferir capacidades e conhecimentos que tinham, teoricamente, aplicabilidade
universal – bastavam ser incorporados pelos PEDs. Mas nos anos 1960, tal cooperação
era vista um mecanismo de transferir recursos para que os PEDs pudessem criar suas
próprias capacidades.
208
Como afirmam Jenks e Jones (2013, p. 25, tradução nossa177): “a visão central da
missão do sistema de desenvolvimento da ONU foi virada de cabeça para baixo: deixou
de se basear em comunidades de prática para aproximar os Estados na construção de suas
capacidades e de desenvolver e exercer suas prerrogativas como Estados”. Essa mudança
na missão caracteriza a segunda fase de governança, quando o SDNU se transformou de
um sistema de liderança internacional para um sistema focado em prestar serviços aos
Estados-membros.
Em termos das capacidades atreladas à governança do SDNU nessa fase, a missão
focada na prestação de serviços vai refletir na abordagem de programas nacionais (do
inglês, country programmes). Essa abordagem foi aprovada pela AGNU em sua resolução
A/RES/2688 (XXV), de 11 de dezembro de 1970, e, por meio dela, o Conselho de
Governadores do PNUD deixou de considerar projetos individuais conduzidos em cada
um dos países e começou a integrá-los em programas nacionais. Os programas nacionais
seriam estabelecidos pelos governos nacionais, com input da ONU, a partir da análise das
capacidades existentes e de definição de quais deveriam ser criadas. Ademais, com as
Novas Dimensões para a Cooperação Técnica (1975), passou a ser permitido que os
próprios governos executassem seus projetos em campo, reforçando a importância dos
programas nacionais.
Em termos de governança, os programas nacionais se tornaram o principal
instrumento de coordenação das atividades operacionais, e o resultado foi que o SDNU
passou a colocar maior foco em seus escritórios nacionais, com a liderança do PNUD.
Em 1977, a AGNU decidiu que a responsabilidade de coordenação dessas atividades em
nível nacional deveria ser feita por um único oficial, o Coordenador Residente. Isso visava
aumentar a eficácia do sistema e a capacidade dos governos em implementar os
programas, além de ampliar a coordenação das entidades da ONU em campo (UNITED
NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION, 1990).
Ao mesmo tempo, isso enfraqueceu o papel do ECOSOC na governança do
SDNU. Com os programas nacionais, o PNUD se tornou o mecanismo central de
coordenação e financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento, até o
final dos anos 1980. Apesar do PNUD reportar suas decisões ao ECOSOC, esse se tornou
177 Do original: “The core vision for the mission of the UN development system had been turned upside down: from drawing on communities of practice to bring states closely together to building the capacity of states to develop and exercise their prerogatives as states” (JENKS; JONES, 2013, p. 25).
209
um procedimento meramente formal, uma vez que seu Conselho de Governadores era o
responsável por aprovar e revisar os projetos e programas de cooperação técnica do
PNUD e da ONU em geral. Enquanto o Conselho Consultivo Interagências fazia a
coordenação entre as agências e seus programas em âmbito global, os coordenadores
residentes faziam a coordenação em âmbito nacional (UNITED NATIONS, 2015 b).
A estrutura de governança do SDNU focada nos programas nacionais trazia um
contexto favorável à incorporação operacional da CTPD às atividades de assistência
técnica ao desenvolvimento, já que os governos nacionais poderiam estar envolvidos no
processo e fazer uso de inputs e especialistas de outros PEDs. Porém, na prática, houve
várias barreiras a tal integração. Na década de 1970, a principal dificuldade era a de
operacionalmente reconhecer a CTPD como uma modalidade diferente da CT tradicional.
Já na década de 1980, as barreiras atitudinais eram as mais proeminentes, conforme será
discutido nos itens a seguir.
5.2.1 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1970: estabelecimento de
pontos focais e procedimentos para o uso da CTPD nos programas de cooperação
técnica
Antes da aprovação do BAPA, o PNUD já tinha um papel importante na promoção
da CTPD. Essa modalidade se adaptava facilmente ao novo contexto dos programas
nacionais, especialmente com maior envolvimento dos PEDs. Essa afinidade
organizacional do PNUD com a modalidade levou à criação da Unidade Especial para a
Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (SU-TCDC, do inglês, Special
Unit on Technical Cooperation among Developing Countries), como uma unidade
subsidiária do PNUD, em 1974. Na resolução A/RES/3251 (XXIX), está disposto que a
SU-TCDC foi criada “(...) com o objetivo de integrar plenamente essa atividade de
cooperação técnica entre países em desenvolvimento ao Programa [o PNUD]” UNITED
NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48, tradução nossa178).
As seguintes funções organizacionais foram estabelecidas para a SU-TCDC:
auxiliar os governos, caso solicitassem, a desenhar planos para CTPD, organizar pontos
focais e treinamentos; coordenar as atividades do PNUD, agências executivas e comissões
178 Do original: “(...) with the objective of integrating this activity of technical co-operation among developing countries fully within the Programme” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1974 c, p. 48).
210
regionais; servir de canal de comunicação entre as partes interessadas; supervisionar o
sistema de informações sobre a CTPD; coordenar, com o PNUD, programas e projetos
que envolvessem a modalidade; monitorar o progresso da implementação das
recomendações por meio de relatórios; e desenvolver estudos sobre CTPD e organizar
seminários (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-
OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 a).
O então Vice Administrador do PNUD, I. G. Patel – responsável pelas Novas
Dimensões, como analisado na parte 1 – supervisionou diretamente a criação da SU-
TCDC. Sua primeira decisão organizacional foi a de reunir um time de oficiais
qualificados para o início dos trabalhos, o que envolvia a contratação de especialistas e
consultores de PEDs; e reorientar os inputs da cooperação técnica para o uso de materiais
e equipamentos provenientes dos PEDs (PATEL, 1974).
Isso exigiria uma adaptação dos procedimentos, regras, práticas e regulações do
PNUD referentes a contratação e compras, mas havia duas dificuldades práticas.
Primeiramente, os PEDs não possuíam uma estrutura adequada para localizar e indicar os
melhores candidatos e as fontes de equipamentos e serviços que poderiam ser contratados
pela ONU. Por exemplo, em 1977, o serviço de compras e transporte da ONU escreveu
para 110 coordenadores residentes localizados em PEDs solicitando informações sobre
fontes de equipamentos e serviços nesses países, e apenas 5 responderam (BLACQUE-
BELAIR, 1977).
Em segundo lugar, apesar da existência dos escritórios nacionais, a ONU não
possuía mecanismos de governança adequados para manter contato com os governos e
fazer a prospecção de candidatos e empresas de equipamentos e serviços. Para responder
a esse problema de falta de conhecimento e informações sobre a capacidade dos PEDs, a
SU-TCDC deu início, em 1975, ao Sistema de Informação de Referência (INRES, do
inglês, Information Referral System), um sistema para coletar, compilar e compartilhar
informações sobre as capacidades dos PEDs (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).
No nível da coordenação entre as agências especializadas, as resoluções da AGNU
entre 1974-1978 recomendavam a realização das adaptações necessárias nos
procedimentos programáticos para auxiliar os PEDs a identificar, definir e executar
projetos de CTPD. Mas essa não era uma mudança simples: a abordagem dos programas
nacionais focava-se na iniciativa e na execução dos governos. Mas na maioria dos PEDs
a máquina de planejamento era fraca e os países não conseguiam identificar os
conhecimentos e o know-how relevantes para prosseguir com um projeto de cooperação
211
(VASSILIOU, 1976). Para contornar essa dificuldade, um oficial do Secretariado avaliou
que, sem um engajamento programático do PNUD para a inclusão da CTPD, dificilmente
a modalidade seria de fato operacionalizada em campo:
Não é necessário deixar para os países a indicação das preferências para a CTPD apenas quando eles consideram a modalidade. As instruções para a elaboração de documentos do PNUD podem ser de tal forma que o país sempre deve dar uma indicação positiva sobre se deseja ou não incluir tais disposições a respeito da CTPD. A menos que o problema seja abordado desta forma concreta em todos os casos, é provável que haja um apoio verbal à CTPD dentro do sistema do PNUD, mas uma implementação prática relativamente pequena (FRISCIC, 1977, p. 5, tradução nossa179).
Em Buenos Aires, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre
Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, em 1978. A questão da
governança do SDNU e seu apoio para o BAPA, por meio da criação de um mecanismo
intergovernamental de supervisão da CTPD, foi um ponto de tensão entre os países do
Norte e os países do Sul.
A primeira questão era a definição de que entidade do SDNU lideraria os esforços
de integração da CTPD. Os PDs garantiram que o PNUD, como o canal central dos
recursos multilaterais do sistema ONU, ficasse responsável por promover a CTPD por
todo o sistema. Isso não gerou oposição do G-77, uma vez que, efetivamente, o PNUD
era o programa responsável por definir as atividades, os programas e projetos de
cooperação técnica, sendo, portanto, a principal entidade para operacionalizar o processo
de incorporação da CTPD. Mas os PDs apoiaram a centralidade do PNUD em detrimento
do envolvimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD, do inglês, United Nations Conference on Trade and Development). Como
discutido na Parte I, a UNCTAD era a principal entidade do SDNU envolvida com a
agenda do G-77 na promoção do comércio e desenvolvimento econômico dos PEDs
(JOINT INSPECTION UNIT, 1985). Ao separar a CTPD da Cooperação Econômica
entre Países em Desenvolvimento (CEPD), os PDs garantiram que, na área da CTPD, a
ação coletiva dos PEDs seria enfraquecida, pois, no processo de tomada de decisão do
PNUD, os doadores tinham maior peso relativo de voto.
179 Do original: “It need not to be left to countries to indicate these preferences for TCDC as and when they happen to think of it. The instructions for the preparation of UNDP documents could be such that the country always has to give a positive indication as to whether or not it wants to include any such provisions. Unless the issue is brought up in this concrete way every time, it is likely that there will be continued lip service to TCDC within the UNDP system but relatively little practical implementation” (FRISCIC, 1977, p. 5).
212
O processo de tomada de decisão do PNUD era feito por seu Conselho de
Governadores (Governing Council). Formado inicialmente por 27 membros, e depois, por
48 membros a partir de 1971, as decisões seguiam a fórmula um país-um voto, mas a
predominância era o consenso. Inclusive, isso era motivo de orgulho para o Conselho,
pois raríssimas vezes foi necessário levar uma decisão à voto (KAUFMANN, 1980, p.
77). Dos 48 assentos, os PDs contavam com 21 votos, e os PEDs, com 27. Embora em
termos absolutos os PEDs tivessem um número maior de votos, em termos relativos, havia
uma clara discrepância: em 1971, a ONU tinha 132 Estados-membros, sendo
aproximadamente 80% países em desenvolvimento. Ou seja, a voz dos PEDs estava em
desvantagem no processo decisório, uma vez que 21 votos representavam 20% dos
Estados-membros; e 27 votos representavam 80% dos Estados-membros.
Por isso, embora o G-77 tenha concordado com a centralidade do PNUD na
implementação da CTPD, o grupo propôs a reforma do Conselho de Governadores. Ao
invés dos 48 membros, com a predominância relativa dos países doadores, o G-77
recomendou que a instância fosse formada pelos 151 Estados-membros da ONU (em
1978) e relatasse diretamente para a UNGA, ao invés do ECOSOC (MACDONALD,
1978 apud TAMAYO, 1978). Com essa proposta, o G-77 demandava a democratização
do Conselho de Governadores: considerava injusto que o peso das decisões estava nas
mãos dos países doadores, que decidiam o destino dos projetos que seriam realizados nos
PEDs.
Os PDs, liderados pelos EUA, resistiram firmemente a qualquer mudança nos
mecanismos decisórios do PNUD que pudessem minimizar sua posição predominante no
processo de tomada de decisão. Nas palavras do diplomata americano, Mac Donald,
presente na Conferência de Buenos Aires: “Os países desenvolvidos, liderados pelos
Estados Unidos, firmemente resistiram a essa mudança porque ela teria politizado o
PNUD e prejudicaria seriamente o apoio dos países doadores” (MACDONALD, 1978
apud TAMAYO, 1978, tradução nossa180). Para a Alemanha, o papel do PNUD seria
apenas catalisador, portanto, não justificaria uma reforma em seu processo decisório. Os
Países Baixos afirmaram que a preocupação com a expansão do PNUD dava a entender
180 Do original: “The developed countries, led by the US, firmly resisted this change because it would have politicized the UNDP and seriously jeopardized donor country support” (MACDONALD, 1978 apud TAMAYO, 1978).
213
que a solução dos problemas da CTPD não estaria nos PEDs, o que não era o caso
(UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION, 1985).
No final, os PEDs acabaram por ceder em sua demanda. Por isso, a solução
institucional para a supervisão e revisão do processo de implementação do BAPA seria
cristalizada em sua Recomendação 37: a criação do Encontro Intergovernamental de Alto
Nível. Formado por representantes de todos os Estados-membros participantes do
Conselho de Governadores do PNUD – e não por todos os Estados-membros da ONU –
o encontro seria iniciado a partir de 1980, sob organização do Administrador do PNUD
em sessões bianuais. O mandato do encontro incluía: revisar a implementação do BAPA;
promover a CTPD no interior do SDNU; apoiar novas políticas e iniciativas; promover
novos recursos; e coordenar as atividades operacionais de CTPD realizadas pelo SDNU
(UNITED NATIONS CONFERENCE ON TECHNICAL CO-OPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 1978).
Além disso, a liderança dos Estados Unidos garantiu que a SU-TCDC se
mantivesse como uma unidade modesta, e sua expansão não deveria ficar fora do controle.
O BAPA apenas adicionou ao mandato da Unidade Especial a responsabilidade de
recomendar as modificações nas políticas, nos procedimentos e nas regras do PNUD para
incorporar a CTPD; e coordenar os pontos focais para a CTPD. Mas não estava previsto
nenhum mecanismo decisório para operacionalizar tal mandato.
A coordenação do trabalho das agências especializadas para a integração da CTPD
seria feita de forma frouxa, pela criação dos chamados pontos focais. Esses pontos seriam
compostos por funcionários de cada agência, responsáveis por promover e supervisionar
a implantação do BAPA tanto dentro de seus respectivos mandatos quanto em ações
conjuntas com outras agências. Dentre as funções dos pontos focais, eles deveriam:
identificar soluções de CTPD para problemas específicos de desenvolvimento em suas
respectivas áreas; aplicar a CTPD em seus programas; apoiar a preparação e execução de
projetos, quando solicitado; desenvolver novas ideias e abordagens para concretizar o
pleno potencial da CTPD, por meio de estudos e análises; desenvolver e fortalecer os
sistemas de informações, nutrindo assim o INRES; publicar informações sobre a CTPD;
monitorar e revisar a implementação dessas atividades; utilizar, o máximo possível, as
capacidades dos PEDs (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).
Até o final da década de 1970, as iniciativas das agências especializadas em
fortalecer seus pontos focais foram tímidas. Com a separação da atuação do SDNU em
atividades promocionais e atividades operacionais, e falta de clareza do BAPA em relação
214
à sua implementação, a incorporação da CTPD no gerenciamento dos projetos de
cooperação técnica foi praticamente inexistente. Embora não houvessem grandes
obstáculos conceituais à ideia de CTPD, as barreiras atitudinais impediam que, na prática,
houvesse a penetração da modalidade nos níveis técnicos e administrativos, fundamentais
para que os projetos fossem gerenciados da perspectiva da CTPD (DEVELOPMENT
PLANNING ADVISORY SERVICES, 1975). Esse seria o principal problema a ser
enfrentado nos anos 1980.
5.2.2 A governança do SDNU para a CTPD nos anos 1980: enfrentando as
barreiras atitudinais
Em 1980, deveria ser realizada a primeira revisão da implementação do BAPA,
por meio do Encontro de Alto Nível. Porém, por pressão do G-77, a AGNU aprovou a
resolução A/RES/35/202, de 16 de dezembro de 1980, que definiu a transformação
institucional do Encontro de Alto Nível para o Comitê de Alto Nível para a Revisão da
Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (HLC-TCDC, do inglês, High-
Level Committee on the Review of Technical Co-operation among Developing
Countries). Embora o mandato do HLC-TCDC fosse o mesmo do Encontro de Alto Nível,
houve duas mudanças importantes: primeiramente, ao invés de sua composição ser apenas
os 48 membros do Conselho de Governadores do PNUD, a participação estaria aberta a
todos os Estados-membros da ONU; em segundo lugar, o HLC reportaria diretamente à
AGNU, e não ao PNUD, embora os encontros fossem organizados e liderados pelo
Administrador desse programa.
O HLC-TCDC foi criado para ser a única instância com o mandato da revisão
intergovernamental do progresso da CTPD dentro e fora do SDNU, e suas decisões
deveriam estimular e maximizar o impacto da CTPD nos esforços de desenvolvimento da
ONU. Para evitar a duplicação com o trabalho de outros órgãos e instâncias do SDNU, o
HLC decidiu concentrar seu trabalho em assuntos organizacionais referentes à CTPD,
delegando para os Conselhos de Governadores das agências especializadas a tarefa de
revisar a CTPD em seus respectivos setores e reportar para o HLC (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 1987 c).
As decisões do HLC-TCDC nos anos 1980 se concentraram em três áreas:
recomendações à SU-TCDC acerca de seu fortalecimento institucional para melhorar a
215
promoção da CTPD por meio da coleta e sistematização de informações sobre as
capacidades dos PEDs; recomendações ao PNUD referentes ao gerenciamento dos
programas e à contratação e ao uso de especialistas, serviços e equipamentos dos PEDs;
e as recomendações aos pontos focais das entidades do SDNU, estimulando a
coordenação e troca de informações entre elas. Nessas três áreas, o enfoque foi o de
diminuir as barreiras atitudinais, como serão analisadas a seguir.
5.2.2.1. SU-TCDC
Nos anos 1980, a SU-TCDC focou-se em três áreas de atuação: servir como
Secretariado do HLC-TCDC; atualizar as informações do INRES; e fazer análises e
estudos sobre melhores casos de utilização da CTPD nos programas do PNUD.
Entre 1980 e 1981, a Unidade Especial preparou os relatórios para os primeiros
encontros do HLC-TCDC, realizou os estudos necessários para a ampliação do INRES e
desenvolveu um rascunho com orientações para fazer as modificações nas regras do
PNUD para facilitar o uso da CTPD. Nesses dois anos, a maior parte das atividades da
SU foi de caráter promocional, mas poucas dessas efetivamente se converteram em
atividades operacionais. Por isso, no período de 1982-1983, a SU-TCDC buscou orientar-
se para o campo, com ações voltadas para a elaboração dos programas de cooperação
técnica (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-
OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 a).
Mas, para que a SU-TCDC pudesse ter uma maior atuação em campo, era
necessário fortalecê-la institucionalmente. Porém, a capacidade da Unidade Especial em
conduzir pesquisas e estudos era restringida pelo número reduzido de funcionários. Em
1982, o Conselho de Governadores do PNUD realizou uma redução de 30% de seus
oficiais como uma medida de redução de custos decidida em 1979181, e a SU-TCDC foi
uma das instâncias do PNUD que sofreu o maior corte, correspondente a 8% do total
(JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 10).
181 Essa foi uma das medidas para conter a crise financeira do PNUD do final dos anos 1970, o que será discutido na Parte 3 dessa pesquisa.
216
Quadro 3 – Categoria e número de funcionários da SU-TCDC
Categoria de trabalho182 Antes do BAPA
(1974-1978)
Depois do BAPA
(1978-1982)
Depois dos cortes no PNUD (1982)
Administrador assistente - 1 -
Diretor Nível 2 (D-2) - - 1
Diretor Nível 1 (D-1) 2 2 1
Profissional Nível 5 (P-5) 1 2 1 + 1 (INRES)
Profissional Nível 4 (P-4) - 2 -
Profissional Nível 3 (P-3) 1 1 1
Profissional Nível 2 (P-2) - - -
Total profissional e sênior 4 8 4 + 1 (INRES)
Total de serviços gerais 3 7 5 + 1 temporário
(INRES)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 10.
No quadro acima, é possível observar como a Unidade Especial trabalhava com
um número reduzido de oficiais. A SU-TCDC começou suas atividades, em 1974, com
apenas 4 funcionários, entre profissionais e sêniores, e teve esse número duplicado com
a aprovação do BAPA em 1978. Porém, com os cortes de funcionários do PNUD em
1982, a SU-TCDC reduziu seu número de oficiais praticamente pela metade, voltando à
situação pré-BAPA: 4 funcionários, entre profissionais e sêniores, e mais 1 funcionário
destinado ao INRES.
Embora a redução dos funcionários tenha sido feita no contexto de cortes no
PNUD, e não devido à uma diminuição do interesse na CTPD dentro do programa, ela
resultou em um impacto negativo no trabalho da SU-TCDC. Por isso, o HLC-TCDC, em
suas decisões 1983-1989, requereu que o fortalecimento da unidade tivesse alta
prioridade, garantindo o número adequado de funcionários para cumprir plenamente suas
182 A categoria de trabalho Profissional (P) se refere aos funcionários de nível iniciante e intermediário, que vai do P-2 (mínimo de 2 anos de experiência) a P-5 (mínimo de 10 anos de experiência). Já a categoria de Diretor ou superior (D), se refere aos funcionários de nível sênior, que podem ser P-6/D-1 (mínimo de 15 anos de experiência) ou P-7/D-2 (mais de 15 anos de experiência). A categoria de serviços gerais, que se referem às vagas técnicas e administrativas, como recepcionistas, funcionários de limpeza e segurança, etc.
217
funções de apoio à CTPD. Outra medida de fortalecimento solicitada pelo HLC em sua
decisão TCDC/6/3, de 19 de setembro de 1989, era garantir que os diretores da SU-TCDC
participassem das fases de tomada de decisão nos órgãos e comitês do PNUD. Porém,
nem o Administrador nem o Conselho de Governadores do programa cumpriram com
essas recomendações.
Com as limitações de recursos humanos da SU-TCDC, as atividades operacionais
nos anos 1980 ficaram limitadas ao crescimento do INRES e a condução de exercícios
programáticos, que funcionariam como modelos piloto.
No caso do INRES, a base de dados computadorizada foi lançada em 1982, com
50.000 entradas sobre as capacidades e necessidades dos PEDs. Mas o sistema enfrentava
dois problemas: de oferta e de uso operacional das informações. Em relação à oferta, os
dados compilados pela SU-TCDC ainda eram poucos: apenas 60% dos países consultados
incluíram informações na base de dados, e os que o fizeram, colocaram uma porcentagem
pequena de suas capacidades disponíveis (JOINT INSPECTION UNIT, 1985; HIGH-
LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 1980 c).
Havia dois motivos para o pouco engajamento dos PEDs em compartilhar suas
informações. Primeiramente, porque ainda nos anos 1980 vários PEDs careciam da
máquina de planejamento capaz de produzir domesticamente essas estatísticas e
informações. Depois, para os países que detinham as informações, alguns dados
solicitados nos questionários eram considerados estratégicos ou sigilosos, como censos
populacionais, mapas de recursos naturais e soluções tecnológicas (ALBUQUERQUE,
1977).
No tocante ao uso operacional das informações, a avaliação da SU-TCDC era de
que o INRES tinha poucos usuários: as informações não coletadas eram muito utilizadas
pelos países e pelas entidades do SDNU na elaboração de seus programas e projetos. As
principais dificuldades para ampliar o uso da base de dados eram: o caráter desatualizado
das informações, uma vez que o sistema não tinha uma rápida capacidade de atualização;
o uso, por parte dos PEDs, de outras formas mais práticas de identificar capacidades e
necessidades, como fóruns e feiras; e o fato de o INRES não estar conectado com outros
sistemas de informação da ONU, globais e em campo (JOINT INSPECTION UNIT,
1985).
Já no caso dos exercícios programáticos, esses foram o trabalho de maior
repercussão prática da SU-TCDC na década de 1980. Os exercícios programáticos
218
tiveram início em 1986 e tratavam-se de projetos de CTPD auxiliados pela Unidade
Especial e que tinham o propósito de criar modelos bem-sucedidos de aplicação da
modalidade, para que pudessem ter um efeito multiplicador em outros países e áreas. De
1986-1988, a SU auxiliou 1.600 projetos operacionais que envolviam cooperação
bilateral entre 87 PEDs (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF
TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 b).
Os exercícios programáticos se originavam de programas conduzidos por grupos
de PEDs, enquanto a SU-TCDC exercia seu papel catalisador ao auxiliar os países a
organizar os programas, mobilizar recursos e dar apoio na implementação. Apresentavam
duas fases. A fase inicial do exercício durava aproximadamente 6 meses e envolvia a
preparação das agências do país recipiendário, com assistência da SU-TCDC ou do
representante residente do PNUD, que elaboravam uma lista das capacidades e
necessidades em CTPD por parte dos PEDs envolvidos. A SU-TCDC transmitia essa lista
para vários países e organizações relevantes, que faziam o exercício de matchmaking, isto
é, de encontrar PEDs ofertantes de soluções e tecnologias demandadas pelos países
envolvidos no programa.
A segunda fase dos exercícios consistia na redação da proposta de cooperação
propriamente dita, por meio de negociações e revisão conjunta do documento entre os
oficiais governamentais, a SU-TCDC e o escritório do representante residente do PNUD.
A proposta listava a estruturação do projeto em termos materiais e financeiros e suas
formas de implementação.
Geralmente, as propostas envolviam pequenos projetos operacionais em termos
de inputs e de duração, como por exemplo, a provisão de serviços, consultores e
treinamentos de um país para outro por algumas semanas ou meses. Quanto ao
financiamento, os custos eram cobertos pelos próprios PEDs, com pequena participação
do PNUD. A SU-TCDC auxiliava a encontrar recursos externos, especialmente quando
era necessária moeda estrangeira para cobrir custos de viagem, equipamentos, etc.
Mesmo que os projetos fossem pequenos, seu impacto e substância foram
expressivos. O caso de sucesso mais divulgado pela SU-TCDC foi o programa entre
Argentina e China, em 1987. O exercício programático auxiliado pela unidade começou
com um projeto em que os especialistas chineses estudaram o funcionamento da indústria
alimentícia argentina. O intercâmbio de conhecimento e tecnologia na área alimentícia
ocorreu por meio de um seminário sobre o tema na China. Como efeito multiplicador
desse seminário, os dois PEDs conseguiram identificar mais 35 outros projetos na área,
219
incluindo também outros países e setores, como Brasil e Uruguai na área de indústria
alimentícia e farmacêutica (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF
TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 e, pp. 5-
6).
Considerando que a SU-TCDC era o ponto focal do PNUD para a CTPD, seu
trabalho na década serviu para orientar os projetos aprovados pelo programa, que eram
de maior escopo e impacto. Mas a despeito do papel catalisador da SU nos anos 1980, o
PNUD não conseguiu superar as barreiras atitudinais contra a CTPD.
5.2.2.2. PNUD
O PNUD, nos anos 1980, era o ponto focal da CTPD para todo o SDNU, uma vez
que era a agência financiadora central e tinha a capacidade de realizar a coordenação
sistêmica das atividades de apoio à modalidade. Na primeira sessão do Encontro de Alto-
Nível para a Revisão da CTPD, em sua decisão TCDC/1/6, de 2 de junho de 1980, o
PNUD foi convidado a “executar um papel catalisador, de apoio e inovador na promoção
da cooperação técnica entre os países em desenvolvimento no sentido mais amplo, como
um instrumento para a cooperação internacional” (HIGH-LEVEL MEETING ON THE
REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,
1980 a, p. 29, § 8, tradução nossa183).
O principal trabalho do PNUD era o de integrar a modalidade na formulação,
implementação e avaliação dos programas nacionais de desenvolvimento, utilizando-a
como um instrumento de cooperação. O HLC-TCDC recomendou, em sua decisão
TCDC/2/9, de 7 de junho de 1981, que o PNUD incorporasse as seguintes diretrizes em
seu manual de procedimentos para avaliação das propostas de projeto de CTPD:
i) Compartilhamento ou troca de capacidades, habilidades e recursos
técnicos entre PEDs;
ii) Início, organização e gerenciamento dos projetos realizado
primordialmente pelos PEDs;
183 Do original: “Play a catalytic, supportive and innovative role in the promotion of technical co-operation among developing countries in the wider sense, as an instrument for intercountry co-operation” (HIGH-LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1980, p. 29, § 8).
220
iii) O financiamento e os inputs (especialistas, serviços de consultoria,
equipamentos, fornecedores, centros de treinamento) deveriam ser de
responsabilidade primária dos PEDs. O financiamento do PNUD seria
complementar;
iv) A CTPD poderia incluir qualquer setor ou tipo de cooperação (HIGH-
LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-
OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1981 b, p. 31, §
2).
A incorporação operacional da modalidade nos programas do PNUD envolveu o
uso de especialistas e de inputs dos PEDs, por meio da contratação de serviços, materiais
e equipamentos.
No que se refere ao uso de especialistas, desde a aprovação das Novas Dimensões
da Cooperação Técnica, em 1974, já havia um esforço de recrutar mais candidatos dos
PEDs. E, de fato, houve um aumento de 27% na contratação de especialistas dos PEDs,
entre os anos de 1978 e 1979. Entretanto, apesar desse aumento, a proporção de
especialistas dos PDs era muito maior, evidenciando uma barreira atitudinal em relação
ao uso de especialistas dos PEDs (BI, 1979).
Diante disso, as decisões do HLC-TCDC solicitaram ao SDNU, com destaque
para o PNUD, que adotasse uma abordagem sistêmica para fortalecer o recrutamento de
especialistas dos PEDs. Isso envolvia, por um lado, o compartilhamento de bases de dados
sobre os candidatos, com troca de informações e notificação de oportunidades para o uso
desses especialistas em projetos financiados pelo SDNU; por outro, também exigia
fortalecer os centros de treinamento, para que houvesse especialistas treinados em
conduzir a formulação e implementação de projetos de CTPD.
Como é possível notar no quadro abaixo, entre 1983 a 1986 houve um aumento
no número de especialistas oriundos dos PEDs. Entretanto, em termos relativos, tais
especialistas correspondiam entre 35% a 39% do total de contratados pelo SDNU,
enquanto dois terços eram de PDs, demonstrando os avanços modestos nessa área.
221
Quadro 4 – Utilização de especialistas dos PEDs nos programas de cooperação
técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)
Componente 1983 1984 1985 1986
Número de especialistas
PEDs 3.125
(37,2%)
2.771
(35,5%)
2.892
(35,2%)
3.515
(39,2%)
Total todos os países
8.400
(100%)
7.813
(100%)
8.208
(100%)
8.969
(100%)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 g, p. 12.
Em relação ao uso de inputs dos PEDs, as barreiras atitudinais eram mais difíceis
de superar, não apenas em virtude do grau tecnológico dos materiais e equipamentos
requeridos nos projetos de cooperação técnica, mas porque essa era uma área de grande
interesse dos países doadores. Em seus projetos de cooperação tradicional, os PDs
amarravam a concessão da ajuda à contratação de serviços e à compra de equipamentos
e materiais de suas empresas.
Quanto ao SDNU, a avaliação geral de seus funcionários era a de que os
equipamentos necessários para os projetos da ONU não eram produzidos nos PEDs, ou,
quando produzidos, faltava competitividade em termos de preço e qualidade (RADOVIC,
1980). O SDNU contratava empresas de PDs para os materiais e serviços em áreas mais
tecnológicas, e as empresas dos PEDs eram subcontratantes, e faziam o trabalho com
menor especialização.
Para reverter esse quadro, as decisões do HLC-TCDC recomendavam que o
PNUD tomasse medidas para aumentar o número de empresas dos PEDs contratadas para
oferecer materiais e equipamentos em áreas mais avançadas dos projetos de cooperação
técnica. O HLC solicitou que a Unidade de Licitações de Serviços Interagência,
responsável pelas contratações, realizasse pesquisas nos PEDs para listar fornecedores
potenciais. Além disso, o comitê solicitou ao SDNU, com destaque para o PNUD, que
revisasse as políticas e práticas de licitações para aumentar as compras e contratações nos
PEDs, de modo que o desenho dos projetos desse a devida consideração à CTPD (HIGH-
LEVEL MEETING ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 1980 a).
222
No quadro abaixo, observa-se a evolução da contratação de empresas dos PEDs
nos programas de cooperação técnica conduzidos pelo SDNU. Da mesma forma que o
uso de especialistas, houve um aumento em termos absolutos no período de 1983-1986,
de 24,6% para 39,3%. Mas, em termos relativos, a utilização de empresas dos PEDs
correspondia apenas a um terço do total, demonstrando a predominância dos inputs
provenientes dos PDs.
Quadro 5 – Contratação de empresas dos PEDs nos programas de cooperação
técnica para o desenvolvimento da ONU (1983-1986)
1983 1984 1985 1986
Valor da contratação
(em US$ milhares)
PEDs 14.990
(24,6%)
8.671
(17%)
27.627
(38,5%)
34.514
(39,3%)
Total todos os países
60.917
(100%)
51.115
(100%)
71.668
(100%)
87.890
(100%)
Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 g, p. 12.
Com esses resultados, nota-se que o desempenho do PNUD em CTPD foi muito
baixo. Na avaliação da Unidade de Inspeção Conjunta da ONU, os princípios da CTPD
eram virtualmente ignorados pelo PNUD na formulação prática dos programas nacionais.
Pouquíssimos coordenadores residentes indicavam a CTPD nas fases iniciais de
formulação dos programas. As razões apontadas pelos coordenadores eram as seguintes:
falta de interesse dos governos nessa forma de cooperação; falta de um sistema de
informações sobre as capacidades dos PEDs; e que a modalidade era mobilizada pelos
programas nacionais, mas sem serem denominadas como tal (JOINT INSPECTION
UNIT, 1985).
De fato, o engajamento dos PEDs nesse período, especialmente em virtude do
contexto de crise econômica dos anos 1980, não foi uniforme. Mas também houve uma
falta de engajamento do SDNU, especialmente devido à falta de conhecimento dos
coordenadores residentes sobre as vantagens da CTPD em comparação com a cooperação
tradicional:
Mas a aparente falta de apoio de alguns países em relação a essa forma de cooperação parece ser mais devido ao nível de conscientização e à qualidade
223
dos conselhos que eles recebem dos coordenadores residentes e dos representantes das agências sobre o valor relativo da modalidade da CTPD em comparação com a abordagem tradicional, do que por uma oposição aos princípios da CTPD. Também é verdade que alguns obstáculos atitudinais e processuais continuam a inibir a plena aplicação da CTPD e que o sistema das Nações Unidas já fez o suficiente para ajudar a minimizar tais obstáculos (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, pp. 17-18, tradução nossa184).
O PNUD falhou, nos anos 1980, em traduzir as ideias da CTPD para a prática
operacional da ONU porque efetivamente os princípios basilares dessa modalidade não
estavam incluídos nas regras e procedimentos de definição dos programas nacionais. E
isso era para dar aos PEDs a clara opção de usar a CTPD na implementação de um projeto.
Além disso, o PNUD falhou em distinguir a formulação do programa nacional em si da
preparação dos documentos de projeto das atividades dentro de cada programa. Como o
foco da integração da CTPD ficou apenas no nível do programa nacional, o uso dos inputs
dos PEDs não era tão estimulado na fase de formulação dos projetos, em que a
possibilidade de usar a CTPD seria maior, considerando-a como parte ou um componente
completo de um projeto (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1985).
Em 1989, o último encontro do HLC-TCDC daquela década expressou
preocupação com as dificuldades do PNUD em superar os obstáculos levantados pelos
procedimentos tradicionais da cooperação técnica, impedindo a introdução de qualquer
componente de CTPD como parte regular dos trabalhos do PNUD. Por isso, o HLC-
TCDC requereu, em sua decisão TCDC/6/3, de 19 de setembro de 1989, que o
Administrador do PNUD organizasse, até janeiro de 1990, um encontro de especialistas
em cooperação técnica para identificar os impedimentos à CTPD e as mudanças
necessárias para que a modalidade fosse incorporada em todos os programas e projetos
financiados pelo sistema ONU.
5.2.2.3. Pontos focais das entidades do SDNU
A adoção do BAPA estimulou a inclusão da CTPD e da CEPD como parte dos
mandatos das entidades do SDNU: em 1983, 245 do total de 445 mandatos sobre a
184 Do original: “But the apparent lack of support by some countries for this form of co-operation appears to be due more to their level of awareness and the quality of advice they receive from resident co-ordinators and agency representatives about the relative value of the TCDC modality compared with the traditional approach, than to principled opposition to TCDC. It is also true that some atitudinal and procedural obstacles continue to inhibit the full application of TCDC and that not enough has been done by the United Nations system so far to help ease such obstacles” (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, pp. 17-18).
224
modalidade foram definidos após a Conferência de Buenos Aires. O fato da maior parte
dos mandatos terem sido adotados pós-1978 revela a importância crescente do tema na
década de 1970 (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).
Porém, o conteúdo desses mandatos não era consistente com as prioridades
estabelecidas pelo SDNU, em geral, e pelo BAPA, em particular. As atividades
promocionais da CTPD tendiam a ser vistas como uma atividade especial, ao invés de um
processo de progressiva integração da experiência e da capacidade dos PEDs nas
atividades regulares de cooperação técnica. Por isso, a maior parte das iniciativas
operacionais das entidades do SDNU foram ad hoc e descoordenadas, conduzidas por um
conjunto de mandatos vagos, ao invés de uma articulação progressiva e refinada das
políticas e da mobilização dos esforços para a implementação do BAPA. As entidades
declaravam seu apoio à CTPD, mas, na prática, as atividades operacionais eram guiadas
pelos mandatos específicos definidos pelos Conselhos de Governadores de cada entidade.
Esse problema refletia na fraqueza dos pontos focais de cada entidade para a
CTPD. As decisões do HLC-TCDC na década de 1980 insistiam no estabelecimento ou
fortalecimento desses pontos focais, com o propósito de disseminar os princípios de
CTPD e dar assistência PEDs em seus projetos em campo. Várias entidades da ONU
criaram tais pontos, mas eles variavam muito em autoridade, tamanho e função. Em geral,
os pontos focais consistiam em apenas um oficial sênior, responsável pelo programa de
CTPD, que dedicava meio período para preparar os relatórios para o PNUD, comunicar
com os escritórios em campo e aconselhar o chefe executivo sobre o tema. Esse era o caso
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS)
(JOINT INSPECTION UNIT, 1985).
Outras poucas entidades possuíam pontos focais mais substantivos, como a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a
Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI) e a
Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico (ESCAP). Esses pontos focais
faziam pesquisas e análises, desenvolviam conceitos, e de fato realizavam atividades
operacionais, demonstrando um claro esforço de incluir o conceito de CTPD em seus
trabalhos substantivos. Tanto que, nos pontos focais dessas entidades, o funcionário era
um oficial sênior em período integral (JOINT INSPECTION UNIT, 1985).
Para aproximar os pontos focais e estimular seu desenvolvimento, o HLC-TCDC
solicitou ao Administrador do PNUD, por meio de sua decisão TCDC/5/6, de 27 de maio
225
de 1987, que realizasse encontros com os pontos focais de todas as entidades do SDNU a
cada dois anos, preferencialmente antes de cada sessão do HLC-TCDC. Para esse
encontro, as entidades deveriam apresentar uma avaliação compreensiva de suas
atividades de CTPD e enviar seus representantes de alto nível para participar das sessões.
Nos anos 1980, ocorreram dois encontros entre os pontos focais, em 1987 e em 1988.
O primeiro encontro, realizado de 18 a 22 de maio de 1987 em Nova York, contou
com a presença de 25 organizações e escritórios do SDNU. Dentre os pontos discutidos,
estavam: rever os termos e condições para contratação de especialistas e consultores dos
PEDs; revisar os procedimentos de contratação de equipamentos e materiais dos PEDs,
oferecendo-os um tutorial para que eles conseguissem se adequar aos procedimentos da
ONU; fazer maior uso das informações do INRES em projetos financiados pelo SDNU;
melhorar a interação entre a SU-TCDC e os pontos focais, com o objetivo de compartilhar
experiências e harmonizar abordagens em assuntos comuns; e envolver os pontos focais
em todas as fases de formulação de projeto (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE
REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,
1987 b).
O segundo encontro ocorreu de 25 a 26 de fevereiro de 1988, e estavam presentes
35 organizações e escritórios do SDNU. O principal tema foi a incapacidade de avaliar o
progresso do SDNU na implementação do BAPA, devido à natureza das informações
coletadas: os dados enviados pelas agências eram fragmentados, não eram produzidas
estatísticas e informações quantitativas sobre a modalidade, e, especialmente, não havia
uma compreensão conceitual, de modo a distinguir a CTPD da cooperação tradicional nos
relatórios (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-
OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 c).
Esse diagnóstico deu as diretrizes para a atuação do SDNU no novo milênio: ainda
persistia o desafio da governança do SDNU em reduzir as barreiras atitudinais à CTPD e
efetivamente alterar os procedimentos operacionais para que a modalidade fosse
progressivamente incorporada à atuação em campo.
226
5.3 Fase 3 – A descentralização e fragmentação da governança do SDNU e as
tentativas de padronização sistêmica da CTPD (1990 aos dias atuais)
Com o fim da Guerra Fria e o avanço da globalização, as mudanças no ambiente
permissivo foram tão radicais a ponto de causar uma total reestruturação na governança
do SDNU. A missão do SDNU se afastou da noção de criar capacidades nacionais e
organizou-se em torno de objetivos e metas direcionados aos desafios que precisavam de
respostas globais, mas traduzíveis em ações nacionais. Esses objetivos foram definidos
em várias conferências internacionais organizadas nos anos 1990185, sobre diferentes
assuntos, como direitos humanos, meio ambiente, pobreza, gênero, etc., e resultaram em
uma agenda comum de desenvolvimento, consubstanciada nos oito Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODMs), em 2000.
No que tange às capacidades do SDNU, houve várias mudanças institucionais nos
anos 1990. A AGNU, por meio de sua resolução A/RES/48/162, de 14 de janeiro de 1994,
transformou os Conselhos de Governadores do PNUD, do UNFPA e do UNICEF (e dos
demais fundos e programas) em Conselhos Executivos, com 36 membros cada. Os
membros seriam eleitos pelo ECOSOC para exercer mandatos de três anos186, e os chefes
executivos de cada programa seriam indicados pelo Secretário-Geral, com consulta ao
Conselho Executivo e confirmação da AGNU. Essa mudança visava diferenciar o papel
normativo da AGNU do papel operacional do SDNU referente à governança das
atividades para o desenvolvimento, que deveria ser feita pelos Conselhos Executivos.
Essa decisão resultou em uma maior descentralização do SDNU: se, em sua
segunda fase da governança, o PNUD era o mecanismo central de coordenação e
financiamento, e as demais entidades tinham o papel de executar projetos de cooperação
para o desenvolvimento em campo, agora o PNUD está tecnicamente no mesmo nível das
demais entidades do sistema. E cada agência, fundo e programa do SDNU tornou-se
responsável por sua própria coordenação e financiamento. Ou seja, a terceira fase é
185 As principais conferências foram: a Cúpula Mundial pela Criança (1990); a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992); a Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos (1993); a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (1994); a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (1995); a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social (1995); a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Estabelecimentos Humanos (1996); e a Cúpula do Milênio (2000). 186 Com exceção aos países da Europa Ocidental e outros Estados, que determinam internamente a forma de rotação dos assentos.
227
marcada pela ausência de qualquer mecanismo de coordenação mínima das partes do
sistema, levando à sua fragmentação.
Para o PNUD, isso significou mudanças em seu processo de tomada de decisão.
Com a redução do número de assentos, de 48 para 36, o rearranjo da distribuição
geográfica favoreceu os países doadores: 12 assentos para os países da Europa Ocidental
e outros Estados; 8 assentos para os Estados Africanos; 7 assentos para os Estados da
Ásia e Pacífico; 5 assentos para os países da América Latina e Caribe; e 4 assentos para
os Estados da Europa Oriental. Essa distribuição consolidou o desequilíbrio relativo entre
os PDs e os PEDs, ainda mais considerando que, em 1994, a ONU já contava com 185
Estados-membros, um acréscimo de mais de 30 países em relação ao final da década de
1970, quase todos eles países em desenvolvimento (UNITED NATIONS GENERAL
ASSEMBLY, 1994 a).
J. G. Speth, advogado e ambientalista americano, foi indicado pelo governo
Clinton para ser o Administrador do PNUD de 1993 a 1999. Speth foi responsável por
conduzir as reformas administrativas do programa, focadas em uma maior
descentralização em nível global. A coerência das atividades operacionais viria do
fortalecimento dos escritórios e dos programas nacionais. Para tanto, foram criados os
Quadros de Ajuda ao Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDAFs, do inglês, United
Nations Development Assistance Frameworks).
Os UNDAFs consistem em planos estratégicos de médio prazo (3 a 5 anos),
acordados entre a ONU e os governos nacionais, que definem as estratégias coletivas do
SDNU para atingir os objetivos dos planos nacionais de desenvolvimento. São definidos
objetivos específicos e resultados esperados a serem cumpridos pelas entidades do SDNU
em campo. A partir das orientações gerais dos UNDAFs, o Conselho Executivo de cada
entidade do SDNU aprova os programas nacionais em sua área de atuação.
Na ausência de um mecanismo coordenador em nível global, o Grupo de
Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG, do inglês, United Nations Development
Group) foi criado em 1997 com o propósito de alinhar a atuação de todas as entidades do
SDNU, por meio da aprovação de prioridades estratégicas que devem obrigatoriamente
ser seguidas por todos os seus membros (UNITED NATIONS DEVELOPMENT
GROUP, 2015 b, p. 2). O UNDG é liderado pelo Administrador do PNUD, responsável
por gerenciar a relação com os demais Conselhos Executivos. Isso minimizou ainda mais
o papel do ECOSOC de coordenador das agências especializadas.
228
A tendência de descentralização do SDNU em nível global e fortalecimento da
coordenação em nível nacional foi reforçada com a aprovação dos ODMs, no ano 2000.
Com essa agenda de desenvolvimento global, que deveria ser cumprida em 15 anos, a
missão do SDNU focou-se em definir metas nacionais e construir capacidades para
promover, monitorar e reportar os oito objetivos. Houve um retorno à ideia funcionalista
originária do SDNU, no sentido de que cada objetivo se focava em uma área específica
de atuação, o que levou a um aprofundamento da fragmentação do sistema. De acordo
com Wennubst e Mahn (2013, p. 18, tradução nossa187):
A natureza do paradigma do desenvolvimento – atualmente os ODMs – pode ter contribuído ainda mais para a incoerência do SDNU. Ao instigar uma abordagem de escolher o mais conveniente entre os oito objetivos (...) os ODMs seguiram uma lógica ‘funcionalista’ de compartimentação de desafios de desenvolvimento em diferentes setores funcionais e grupos-alvo associados (...).
Como resultado dessas mudanças, o SDNU possui 3 estruturas diferentes de
governança: “(...) um sistema desenhado com base nas linhas funcionalistas [fase 1],
reorientado para servir os Estados-membros [fase 2] e alinhado para alcançar metas
acordadas internacionalmente [fase 3]” (JENKS; JONES, 2013, p. 29, tradução nossa188).
Por isso, a fragmentação é endêmica ao SDNU e coloca quatro problemas de governança:
a incapacidade de criar massa crítica em assuntos específicos; a ausência de uma
perspectiva estratégica sistêmica; a existência de duplicações e ineficiências; e o estímulo
à competição entre as entidades do sistema.
Com as reformas administrativas conduzidas pelo Secretário-Geral, Kofi Annan,
nos anos 2000, a resposta à fragmentação foi aprofundar a coordenação em nível nacional,
com foco nas capacidades de gerenciamento em campo, alinhadas às prioridades
nacionais dos governos. Com o desenvolvimento da abordagem piloto chamada “Unidos
na Ação” (do inglês, Delivering as One), o propósito de longo prazo é que, no nível
nacional, haja apenas um único escritório, um único coordenador, um único programa, e
um único orçamento (UNITED NATIONS, 2017 a).
187 Do original: “The nature of the development paradigm – currently the MDGs – may have further contributed to UNDS incoherence. (...) By instigating a pick-and-choose approach among the eight goals (...) the MDGs followed a ‘functionalist’ logic of compartmentalising developmental challenges in different functional sectors and associated target groups (...)” (WENNUBST; MAHN, 2013, p. 18). 188 Do original: “(...) a system designed along functional lines, reoriented to serve member states and aligned to achieving internationally agreed goals” (JENKS; JONES, 2013, p. 29).
229
Essas mudanças exigiram um reposicionamento das demandas dos PEDs em
relação à integração da CSS às atividades operacionais para o desenvolvimento
conduzidas pelo SDNU. Para responder à fragmentação da governança, a estratégia do
G-77 foi a de propor a criação de quadros de padronização e incorporação da CSS em
âmbito sistêmico, para que a modalidade pudesse ser utilizada como uma orientação
estratégica dos UNDAFs e como um meio de implementação dos programas nacionais.
A seguir, serão apresentados os dois quadros de sistematização da CSS entre 1990
a 2007: as Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos relativos à
CTPD (1997 e 2003); e os Quadros de Cooperação para a CTPD/CSS, estabelecidos pelo
PNUD para definir o trabalho da SU-TCDC nos períodos de 1997-1999; 2001-2003; e
2005-2007. Por fim, será feito um balanço dos avanços e das barreiras à incorporação da
CTPD em seus aspectos de governança, tendo como base a primeira avaliação estruturada
do desempenho do PNUD na operacionalização da modalidade.
5.3.1 As Diretrizes Revisadas para a Revisão de Políticas e Procedimentos
relativos à CTPD (1997 e 2003)
No final dos anos 1980, o HLC-TCDC já havia identificado que a principal
dificuldade de incorporar a CTPD nas atividades operacionais eram as barreiras
atitudinais. Por isso, nos anos 1990, o enfoque de atuação foi o de definir diretrizes para
revisar as políticas e os procedimentos das entidades do sistema, de modo que elas
priorizassem o uso da modalidade nos quadros e programas nacionais.
O Conselho de Governadores do PNUD, em sua decisão 90/34, de 23 de junho de
1990, designou a CTPD como uma das seis áreas prioritárias de seu quinto ciclo
programático, que correspondia ao período de 1992-1996. Nesse contexto, o HLC-TCDC
recomendou ao Conselho de Governadores do PNUD, em sua decisão TCDC/7/1, de 6 de
junho de 1991, que organizasse, em 1992, um encontro especial dos pontos focais das
entidades do SDNU para fazer o rascunho das Diretrizes Revisadas para a Revisão de
Políticas e Procedimentos relativos à CTPD para melhorar a integração da modalidade na
formulação e execução dos projetos do SDNU.
Em 1993, as diretrizes foram revisadas e adotadas pelo HLC-TCDC e aplicadas
em bases experimentais. Mas, após a aprovação das Novas Direções em 1995 (que
definiram uma maior integração entre a CTPD e a CEPD, a liderança dos países-pivô e
áreas prioritárias de atuação), o HLC solicitou, na decisão TCDC/10/2, de 9 de maio 1997,
230
que essas diretrizes fossem revisadas para que tivessem maior aplicação a partir dos
resultados até então. Consultas preliminares foram feitas em 12 de maio de 1997, em
reunião organizada pela SU-TCDC com os pontos focais. E, em 17 de outubro de 1997,
as diretrizes foram aprovadas pelo ECOSOC, pelo documento E/1997/110.
As diretrizes de 1997 orientavam as modificações nos procedimentos do SDNU
para a CTPD em nove áreas: política; financiamento; dados e informação; treinamentos;
pontos focais; SU-TCDC; rede de contatos (networking); procedimentos; e formato dos
relatórios.
Na área das diretrizes políticas, os objetivos que deveriam orientar a incorporação
da CTPD nos trabalhos regulares do SDNU eram os seguintes:
i) Garantir que, na elaboração de programas e projetos de cooperação técnica, a
primeira consideração em relação aos inputs e aos meios de implementação
seja a CTPD;
ii) Focar em iniciativas estratégias, isto é, assuntos de grande prioridade, que
terão impacto em um número maior de PEDs;
iii) Promover a integração operacional entre CTPD e CEPD, como definido pelas
Novas Direções (1995);
iv) Identificar países pivô e estimular que eles sejam catalisadores das iniciativas
de CTPD;
v) Promover arranjos triangulares, conectando outras partes interessadas a essa
modalidade, como os PDs, as ONGs, as instituições de pesquisa, etc.;
vi) Auxiliar os PEDs a criar políticas e instituições nacionais e regionais para
promover a CTPD;
vii) Promover a conscientização do SDNU acerca das vantagens comparativas e
da eficácia de custo da CTPD;
viii) Colaborar com a SU-TCDC na integração da CTPD nas atividades do sistema
ONU (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997,
pp. 11-12).
Essas amplas orientações políticas deveriam ser canalizadas por cada entidade do
SDNU a partir das seguintes ações:
i) Ampliar o financiamento dos projetos que envolvam a CTPD;
ii) Documentar e disseminar informações sobre projetos inovadores, atualizando
e ampliando o uso das bases de dados e dos sistemas de informação, como o
INRES;
231
iii) Realizar treinamentos e seminários de orientação para os funcionários das
entidades, tanto na sede quanto nos escritórios nacionais;
iv) Fortalecer os pontos focais das entidades do SDNU, por meio da definição de
termos de referência que explicitem a forma de incorporação da modalidade
em suas políticas, estratégias e programas;
v) Coordenar o trabalho dos pontos focais sob a liderança da SU-TCDC, que
deve promover encontros anuais;
vi) Desenvolver uma rede de contatos para disseminar práticas inovadoras,
organizar treinamentos e fazer intercâmbios com outras agências, governos e
partes interessadas;
vii) Revisar os procedimentos internos para que a CTPD tenha a primeira
consideração no desenho, formulação, implementação e avaliação dos
programas e projetos;
viii) Reportar adequadamente o desempenho referente à implementação das
diretrizes, com avaliação quantitativa e qualitativa dos resultados (UNITED
NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 1997, pp. 13-16).
As diretrizes foram positivamente aceitas pelas entidades do SDNU, mas o
resultado prático foi muito assimétrico. Com as diretrizes não definiram orientações
estratégicas específicas, cada entidade tinha a autonomia de implementar o que quisesse
e como quisesse, mantendo a tendência ad hoc e pouco sistematizada do processo de
incorporação da modalidade.
Por conta disso, as diretrizes foram revisadas no ano de 2003, com o propósito de
estabelecer orientações sistêmicas e uma abordagem coordenada para a incorporação da
CTPD. A estruturação das diretrizes seguiu as mesmas oito áreas estabelecidas em 1997,
contendo os seguintes acréscimos:
i) O INRES foi transformado na Rede de Informação para o Desenvolvimento
(WIDE, do inglês, Web of Information for Development), um portal online
com a função de aglutinar as várias bases de dados sobre a CTPD, garantindo
sua atualização e revisão sistemáticas;
ii) Os treinamentos com os funcionários das entidades do SDNU deveriam ser
focados nas seguintes áreas: métodos e abordagens de promoção da CTPD;
aplicação da modalidade e procedimentos operacionais; vantagens
comparativas de custo; e procedimentos para negociar e implementar acordos
de CTPD em âmbito bilateral e multilateral;
232
iii) As funções dos pontos focais foram mais especificadas. Eles deveriam:
auxiliar na formulação de políticas, programas e estratégias de CTPD;
coordenar o monitoramento e a produção de relatórios sobre a modalidade;
prover informações e recomendações para os escritórios nacionais sobre
CTPD; identificar e disseminar abordagens inovadoras nos âmbitos
promocional e operacional, por meio de treinamentos; e coordenar seus
trabalhos com as outras entidades do SDNU;
iv) A SU-TCDC deveria cumprir as seguintes funções sistêmicas: promover a
coordenação e consulta entre os pontos focais do SDNU; organizar encontros
anuais com os pontos focais; coordenar ações entre os pontos focais do SDNU
e os pontos focais nacionais e setoriais; e ter papel proativo dentro do sistema
ONU para expandir a aplicação da CTPD e CSS;
v) As redes de contato e comunicação promovidas pelos PEDs se tornaram
extremamente ativas nos anos 2000; por isso, o sistema deveria tomar
medidas para sustentar e promover essas redes por meio da documentação e
disseminação de práticas de possível replicação; e da identificação e do
recrutamento de especialistas do Sul para trabalhar em outros PEDS;
vi) Os procedimentos para a formulação e implementação dos projetos e
programas precisariam ser revisados por cada uma das entidades do SDNU
para integrar a CTPD, de modo que ela fosse considerada como primeira
opção nesse processo. Especialmente os escritórios nacionais do PNUD
deveriam reforçar o uso da modalidade;
vii) A capacidade de avaliação e construção de relatórios por parte do SDNU
deveria ser reforçada para que a AGNU e o HLC-TCDC pudessem
efetivamente promover a integração da CTPD (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION
AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 2003 b, pp. 11-16).
A principal inovação das Diretrizes Revisadas de 2003 foi a criação de indicadores
para avaliar o progresso das entidades do SDNU em relação à sua implementação.
Inspirado na ideia dos próprios ODMs, cujo acompanhamento pelas diferentes partes do
SDNU era feito por indicadores específicos, o quadro de resultados comuns deveria ser
utilizado para mensurar o progresso e os resultados da integração da CTPD em base
sistêmica, e criar uma compreensão comum sobre a modalidade. Os indicadores
envolviam dados quantitativos e qualitativos em três áreas:
233
i) Indicadores normativos:
a. Indicar se CTPD é uma política corporativa, refletida nos manuais de
programas e operações;
b. Indicar se a CTPD e a CEPD estão integradas como uma estratégia do
UNDAF ou dos programas nacionais;
c. Existência de pontos focais;
d. Desenvolvimento de atividades promocionais;
e. Discriminação do financiamento para a CTPD e a CEPD nos orçamentos
regulares;
ii) Indicadores de resultados operacionais:
a. Apoio aos PEDs no seguimento de conferências globais por meio de
arranjos de CTPD e CEPD;
b. Promoção de diálogos, trocas intelectuais, matchmaking de capacidades
e necessidades, feiras de negócio, promoção de comércio e investimentos
Sul-Sul;
c. Tipos e números de redes Sul-Sul ou centros de excelência apoiados;
d. Promoção de esquemas regionais de CTPD e CEPD;
e. Realização de atividades que envolvam o setor privado e ONGs;
f. Transferência concreta de tecnologias, capacidades e conhecimento Sul-
Sul como resultado da intervenção direta da entidade do SDNU;
iii) Abordagens inovadoras em CTPD e CEPD:
a. Abordagens inovadoras que expandiram a modalidade nas seguintes
áreas: comércio, investimento, finanças, indústria, agricultura, segurança
alimentar, energia, meio ambiente, saúde, população, informação e
comunicação;
b. Identificação, disseminação e replicação de melhores práticas;
c. Abordagens inovadoras na mobilização de recursos;
d. Abordagens inovadoras para expandir parcerias, especialmente com
ONGs e o setor privado.
Assim como as diretrizes de 1997, as de 2003 foram recebidas positivamente pelas
entidades do SDNU, mas elas fizeram nenhum ou pouco uso dos indicadores. O PNUD,
por exemplo, não utilizou nenhum desses indicadores para avaliar seu trabalho na área da
CTPD, como será visto na seção a seguir.
234
5.3.2 A relação entre o PNUD e a SU-TCDC e os Quadros de Cooperação para
a CTPD (1997-1999; 2001-2003; 2005-2007)
Se nos anos 1960 o PNUD era visto como o grande aliado do Terceiro Mundo na
disputa Norte x Sul, com as mudanças no processo de tomada de decisão do programa,
vários PEDs passaram a ver com desconfiança o maior peso dos doadores na definição
de sua agenda, incluindo preocupações como boa governança, democracia e direitos
humanos. Essa desconfiança, na área da CTPD, se traduziu em um esforço do G-77 de
fortalecer a SU-TCDC e torná-la mais autônoma em relação às decisões do Conselho
Executivo do PNUD.
Na resolução A/RES/52/205, de 18 de dezembro de 1997, a AGNU, por
recomendação do HLC-TCDC, decidiu que a SU-TCDC deveria ter uma identidade
separada em relação ao PNUD. Com isso, houve uma mudança em seu mandato: se na
fase 2, a SU-TCDC era o ponto focal do PNUD para a CTPD, e o PNUD era o ponto focal
do SDNU; agora, ainda que hospedada no PNUD, sua identidade separada resultaria em
um mandato de coordenação da CTPD em âmbito sistêmico.
Com o propósito de estruturar o trabalho sistêmico da SU-TCDC e sua relação
com o PNUD, o Conselho Executivo do programa passou a aprovar, em bases trienais, os
chamados Quadros de Cooperação para a CTPD/CSS. Esses quadros teriam como
objetivo revisar os resultados definidos anteriormente e as estabelecer diretrizes
estratégicas e os arranjos gerenciais e financeiros para o período posterior.
5.3.2.1 Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD (1997-1999)
O Primeiro Quadro de Cooperação para a CTPD cobriu o período de 1997-1999.
De diretrizes simples, o Quadro estabeleceu que, além de atividades promocionais, a SU-
TCDC deveria orientar seu trabalho para o avanço da CTPD como uma estratégia de
desenvolvimento dos PEDs.
Por meio de programas e projetos que garantissem a execução nacional ou por
outros PEDs, o núcleo da estratégia apresentou as áreas temáticas que seriam o foco do
trabalho da SU, dentro das orientações da estratégia Novas Direções:
i) Erradicação da pobreza: a estratégia nessa área deveria se basear em
intervenções específicas em nível local e ações para lidar com causas
235
estruturais da pobreza. As soluções seriam buscadas pela SU-TCDC em
outros PEDs;
ii) Meio ambiente: replicação de experiências de gerenciamento urbano bem-
sucedidas que foram catalogadas pela SU-TCDC;
iii) Produção e emprego: foco em achar soluções que pudessem aumentar a
produtividade e permitir que os PEDs concorressem na economia global,
como o fortalecimento do intercâmbio entre pequenas e médias empresas;
iv) Comércio, investimento e gerenciamento macroeconômico: medidas para
fortalecer o potencial comercial dos PEDs, especialmente diante da
liberalização conduzida pela Organização Mundial do Comércio. Na área
de gerenciamento macroeconômico, o objetivo era o de aumentar a troca
de experiências sobre como superar os problemas oriundos dos ajustes
neoliberais (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS
POPULATION FUND, 1996, pp. 4-7).
Essas diretrizes exigiam um trabalho conjunto entre a SU-TCDC e o PNUD. O
diretor da Unidade Especial deveria participar dos processos de tomada de decisão do
PNUD relacionados à definição de políticas e assuntos operacionais e à aprovação de
projetos e programas. Já o PNUD deveria fortalecer a SU-TCDC, por meio de maior apoio
financeiro e de funcionários, e reorientar suas atividades para a CTPD, seguindo as
Diretrizes Revisadas de 1997.
Em 2000, o Conselho Executivo do PNUD realizou uma revisão dos resultados
de implementação do primeiro Quadro. Dentre os resultados positivos, verificou-se um
crescimento do apoio do SDNU à modalidade, e, especificamente no caso do PNUD,
houve aumento do componente de CTPD nos programas nacionais e maior ênfase à CSS
nos programas globais.
A revisão apontou três lições positivas dos esforços de integração da CTPD no
período de 1997-1999. Em primeiro lugar, que os programas de CTPD eram mais efetivos
quando focavam em temas de preocupação de vários países, pois permitiam um maior
intercâmbio entre os PEDs e facilitavam a criação de uma estratégia coletiva e
institucional para lidar com problemas que afetam um grande número de países. A
segunda lição foi a constatação de que era mais eficiente conectar diferentes redes de
conhecimento entre os PEDs, como foi feito pelo WIDE, do que apenas compilar as
informações, como era com o INRES. No período, o WIDE conectou 20 bases de dados
236
na África, Ásia e Europa Ocidental, e 34 websites nacionais de CTPD, a maior parte
originária de países menos desenvolvidos. Isso facilitou o uso das soluções do Sul nos
programas nacionais. A terceira lição foi que programas de CTPD eram mais efetivos
quando criavam parcerias amplas: quando vários parceiros compartilhavam o processo
de desenho, financiamento e implementação dos projetos, havia maior robustez, dinâmica
e controle nacional (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION
FUND, 2000, pp. 4-5).
Por outro lado, em relação às limitações na implementação do Quadro, a revisão
notou que a CTPD não foi adequadamente integrada nas atividades operacionais do
PNUD e do SDNU. No nível de políticas, as capacidades institucionais para definição e
implementação dos projetos de CTPD eram muito assimétricas entre os PEDs e as
entidades do SDNU. Embora tivessem sido definidas, em 1997, diretrizes específicas para
o uso da modalidade da CTPD, constatou-se que os UNDAFs não davam preferência à
CTPD, e não havia coordenação em campo. E a atuação da SU-TCDC ficou aquém do
esperado porque seu mandato era muito amplo em comparação aos seus recursos
humanos e financeiros (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION
FUND, 2000, p. 6).
Dessas lições, o Segundo Quadro deveria ser orientado para políticas e estratégica,
para além das atividades tradicionais promocionais de CTPD, catalisando novas
abordagens para efetivamente integrar a modalidade no trabalho do SDNU.
5.3.2.2 Segundo Quadro de Cooperação para a CTPD (2001-2003)
A situação dos anos 2000 era bastante diferente da década anterior: se nos anos
1990 os efeitos negativos da globalização haviam tornado a cooperação entre os PEDs
um assunto urgente, no sentido de criar e compartilhar capacidades para que eles
pudessem se inserir na economia global, nos anos 2000 os PEDs já haviam construído
certos conhecimentos, experiências e capacidades relevantes para formular políticas de
desenvolvimento e estabelecer instituições dinâmicas, tornando a CSS mais viável.
Isso exigiu do PNUD que o Segundo Quadro de Cooperação, para o período de
2001-2003, fosse mais robusto e estratégico que o anterior, para que o SDNU pudesse
efetivamente ser uma plataforma para as conexões Sul-Sul. Foram definidos três níveis
237
de apoio em relação à integração da CTPD: a definição de áreas de intervenção
específicas; o estabelecimento de indicadores de sucesso; e o fortalecimento dos arranjos
gerenciais.
No primeiro nível de apoio, referente à definição de áreas de intervenção
específicas, a avaliação era que iniciativas limitadas e recortadas teriam maior potencial
de replicar modelos de CTPD. Além disso, com um foco restrito, a SU/TCDC poderia
fazer melhor uso de suas capacidades e entregar mais. Por isso, o Segundo Quadro duas
áreas de atuação para a Unidade Especial: a mobilização do apoio global para a CSS; e a
catalisação de modelos inovadores CTPD.
Para a primeira área de atuação, o objetivo era o de criar mecanismos para
fortalecer as capacidades coletivas dos PEDs em promover a CTPD. Três áreas de
intervenção foram estabelecidas, com resultados esperados específicos para cada uma
delas:
i) Apoio ao diálogo político e à criação de consenso Sul-Sul: por meio de fóruns
de diálogo político, análises e publicações que expressem as perspectivas do
Sul, os resultados esperados eram ampliar a participação efetiva dos PEDs
nos processos multilaterais; ampliar o controle nacional sobre os programas
de cooperação técnica; e sistematizar práticas bem-sucedidas;
ii) Fortalecimento dos esforços multilaterais de CSS: por meio inclusão da
CTPD nos UNDAFs e em outros quadros nacionais, regionais e globais, os
resultados esperados eram fazer com que o SDNU cumprisse as diretrizes de
integração da CTPD em suas atividades operacionais e desenvolvesse
modelos de CSS que possam ser replicados por outras organizações do
SDNU;
iii) Apoio ao compartilhamento de informações de desenvolvimento Sul-Sul: por
meio do fortalecimento do WIDE, os resultados esperados eram conectar
outras bases de dados Sul-Sul, aumentar o conteúdo de soluções e
especialistas do Sul e melhorar o acesso dos países e dos escritórios nacionais
do PNUD às informações armazenadas nessa rede (EXECUTIVE BOARD
OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF
THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 a, pp. 8-9).
Já a segunda área de atuação, de catalisação de modelos inovadores de CSS,
apresentava três áreas de intervenção:
238
i) Apoio para aumentar a CEPD: promover a cooperação nas áreas de comércio,
finanças e investimentos e estabelecer parcerias inter-regionais estratégicas
em áreas para além da cooperação técnica;
ii) Apoio à CSS nas áreas de desenvolvimento social: fortalecer as capacidades
do Sul em formular políticas nas áreas sociais, para mitigar efeitos negativos
da globalização, utilizando-se de soluções bem-sucedidas e troca de
experiências;
iii) Apoio à Cooperação Sul-Sul em ciência e tecnologia para a erradicação da
pobreza: a SU/TCDC deveria desenvolver uma plataforma Sul-Sul entre
instituições e centros de excelência do Sul, para aumentar a utilização de
conhecimento do Sul (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS
POPULATION FUND, 2000 a, pp. 9-11).
O segundo nível de apoio consistia na promoção do uso dos indicadores de
mensuração dos resultados de integração da CTPD ao SDNU, dentro do bojo das metas
e indicadores de avaliação dos ODMs. Três indicadores gerais de sucesso deveriam ser
usados: aumento do uso da CTPD nos trabalhos das entidades do SDNU (aumento do
número de PEDs provedores de CSS; aumento no número de parcerias e recursos;
aumento no número de modelos desenvolvidos e replicados); aumento da cooperação
econômica Sul-Sul; aumento da cooperação social; aumento da cooperação em ciência e
tecnologia.
No terceiro nível de apoio, referente aos arranjos gerenciais, eles foram mais
aprofundados que no Primeiro Quadro, com o propósito de esclarecer os papeis
complementares entre a SU-TCDC e o PNUD. A SU-TCDC ficou responsável por
promover, planejar, conduzir e atuar como catalisadora de novos modelos de CTPD,
incluindo o desenvolvimento de diretrizes para integrar a CTPD nos UNDAFs e em outros
quadros estratégicos. A avaliação dos resultados, por meio dos indicadores gerais de
sucesso, também seria feita pela SU-TCDC. Como o coordenador sistêmico da CTPD, a
unidade deveria reinstitucionalizar os pontos focais do SDNU, uma vez que os encontros
entre eles não ocorreram com a frequência e os resultados desejados. Quanto ao PNUD,
sua ênfase seria nas operações nacionais, mobilizando a rede de conhecimento e soluções
Sul-Sul no desenho e na execução dos projetos em campo.
Em 2003, foi realizada a avaliação dos resultados da implementação do Segundo
Quadro. Em relação à mobilização do apoio global à CSS, a aprovação das Diretrizes
239
Revisadas de 2003 foi considerada o maior sucesso nessa área, pois definiu-se um quadro
de indicadores mais claros para conduzir e mensurar a integração da modalidade. As
iniciativas desenvolvidas tiveram resultados demonstráveis para exibir a relevância da
CSS, podendo ser replicadas.
Quanto às dificuldades, foram mencionadas a falta de abordagens específicas para
trabalhar com as diferenças e assimetrias entre os PEDs; as tensões referentes ao uso do
paradigma da eficácia da ajuda para conduzir a CSS, conforme solicitado pelo CAD-
OCDE; e a falta de uma maior conexão entre os programas do PNUD e de outras entidades
do SDNU (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp.
6-7).
5.3.2.3 Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007)
O Terceiro Quadro de Cooperação foi estabelecido no contexto de substituição do
uso dos termos CTPD e CEPD para a única expressão CSS. Cobrindo o período de 2005-
2007, essa fase foi marcada pela transformação na geografia do comércio internacional,
com a melhora expressiva do desempenho econômico, comercial e financeiro dos PEDs.
Na área da CSS, houve o aprofundamento e a sofisticação das parcerias. Por isso, o
Quadro teve como foco o compartilhamento de conhecimento, experiências e tecnologia
entre os PEDs.
Da perspectiva do SDNU, o Quadro deveria enfrentar o caráter ad hoc de suas
iniciativas, por meio de três plataformas políticas e de apoio operacional. A plataforma 1
estava relacionada ao desenvolvimento de políticas, pesquisa, diálogo e integração
operacional da modalidade; a plataforma 2, à criação de um ambiente favorável e de
mecanismos para aumentar a CSS nas áreas de negócios e intercâmbio de tecnologias
para a redução da pobreza; e a plataforma 3, à promoção do compartilhamento de
conhecimento e soluções Sul-Sul.
Para a plataforma 1, o principal objetivo era aprofundar o diálogo político entre
os PEDs, com maior engajamento da SU-SSC. Por meio desse diálogo, a Unidade
Especial deveria trazer a CSS para o centro dos trabalhos das entidades do SDNU. Nesse
sentido, seu papel político deveria ser mais proativo, influenciando a negociação e
definição de políticas do SDNU e oferecendo serviços de aconselhamento aos governos,
aos escritórios nacionais do PNUD e à outras organizações do sistema. Nessa plataforma
240
também estariam concentradas as atividades de incorporação da CSS desenvolvidas pela
Unidade Especial, por meio da criação de metodologias de matchmaking, programas Sul-
Sul com capacidade de replicação, e instrumentos educacionais e de treinamento
(EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp.
8-10).
A plataforma 2 estabeleceu duas áreas de atuação: a promoção de negócios entre
os PEDs, com maior envolvimento do setor privado; e o intercâmbio de tecnologias
focadas em reduzir a pobreza. Essas duas áreas visavam integrar as modalidades de
cooperação técnica e cooperação econômica, diante do contexto de fortalecimento da CSS
(EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp.
10-11).
Já a plataforma 3 buscava aprofundar o compartilhamento de conhecimento e
soluções do Sul, uma vez que, nesse período, eles se tornaram mais abundantes e
complexos. Essa plataforma possuía três iniciativas interligadas:
i) Centro global de contatos entre os centros de excelência do Sul: a SU-SSC
deveria conectar centros de excelência capazes de compartilhar iniciativas,
melhores práticas e soluções em áreas críticas. O uso dos escritórios do
PNUD seria fundamental para aproximar as partes;
ii) Base de especialistas do Sul: desenvolvimento de uma base de dados
específica para a sistematização de especialistas do Sul, facilitando as
conexões entre os PEDs;
iii) Sistema interativo de disseminação de melhores práticas e soluções bem-
sucedidas: criação de esse sistema corporativo do PNUD, que deveria
sistematizar seu conhecimento e difundi-lo por todo o SDNU (EXECUTIVE
BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME
AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp. 12-
13).
Pela primeira vez, o Quadro de Cooperação estabeleceu seis meios de
implementação, que eram:
i) Estabelecer três programas principais, com enfoque na implementação dos
ODMs;
ii) Fortalecer o papel político e de disseminação de informações da SU-SSC;
241
iii) Fortalecer a colaboração entre as unidades do PNUD no compartilhamento
de especialistas, centros de excelência e soluções do Sul;
iv) Fortalecer parcerias entre as entidades do SDNU e outras partes interessadas;
v) Estabelecer mecanismos intra-regionais e inter-regionais para facilitar a
implementação do Quadro;
iv) Remodelar e expandir o WIDE para facilitar o intercâmbio de conhecimento
e informação (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS
POPULATION FUND, 2005, pp. 13-15).
Os arranjos gerenciais do Terceiro Quadro enfocaram em uma reestruturação da
SU-SSC, para que ela pudesse efetivamente ter o papel de supervisão sistêmica, se
tornando um centro de gerenciamento de conhecimento complementar aos sistemas do
PNUD e do SDNU. Porém, a atuação da SU na implementação do quadro foi limitada.
Em uma avaliação sobre o desempenho da SU-SSC na implementação do Terceiro
Quadro especificamente no PNUD, com exceção da preparação das Diretrizes Revisadas
de 2003, nenhum outro objetivo foi atingido, conforme resumido no quadro abaixo:
Quadro 6 – Resultados do desempenho da SU-SSC na implementação do Terceiro
Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007) no PNUD
Compromissos do 3º quadro Resultado
Preparar instrumentos de CSS para os programas
Nenhum escritório do PNUD avaliado tinha conhecimento desse compromisso
Preparar instrumentos de supervisão e diretrizes para incluir a CSS nos programas
Parcialmente atingido: as Diretrizes Revisadas de 2003 foram feitas, mas o PNUD não usou os indicadores determinados nas diretrizes
Preparar ferramentas de monitoramento e avaliação
Não há registro de que esse compromisso foi cumprido
Instrumentos educacionais e de treinamento
Não há registro de que esse compromisso foi cumprido
Disseminação de materiais promocionais Não há registro de que esse compromisso foi cumprido
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 26.
242
5.3.2.4 Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-2011)
Na avaliação de implementação do Terceiro Quadro, notou-se que a SU-SSC não
havia conseguido alavancar satisfatoriamente as capacidades do PNUD e do SDNU em
relação ao uso da CSS para atingir os ODMs. Por isso, em 2008, por ocasião da elaboração
do Quarto Quadro de Cooperação para a Cooperação Sul-Sul (2009-2011), o foco foi
mobilizar as experiências e soluções do Sul-Sul como meios de implementação dos
ODMs.
Foram definidas três plataformas de atuação da SU-SSC no período, e, para cada
área, pela primeira vez foram estipulados os resultados institucionais e resultados de
desenvolvimento esperados:
i) Plataforma 1 – Desenvolvimento de políticas e promoção da modalidade:
o objetivo era o de promover a integração da CSS nas estratégias de
desenvolvimento nacionais e nas atividades operacionais do SDNU, com
foco nos ODMs. Os resultados institucionais esperados envolviam
fortalecer a capacidade de pesquisa e monitoramento da SU-SSC e auxiliar
as entidades do SDNU – especialmente o PNUD – a desenvolver políticas
corporativas para a CSS. Os resultados esperados de desenvolvimento
eram melhorar a implementação dos ODMs (EXECUTIVE BOARD OF
THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF
THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2008, pp. 9-10);
ii) Plataforma 2 – Mobilização de conhecimento para aprendizagem mútua:
o objetivo era o de coletar e compartilhar o conhecimento Sul-Sul, com
foco nos ODMs. Os resultados institucionais esperados envolviam o
fortalecimento de redes de comunidades de práticas por meio do SS-
GATE, ampliando a catalogação de especialistas, metodologias e soluções
Sul-Sul. Os resultados de desenvolvimento esperados eram o aumento
quantitativo e qualitativo no uso de especialistas e soluções do Sul, bem
como um melhor matchmaking entre as soluções ofertadas e demandadas
(EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION
FUND, 2008, pp. 10-11);
243
iii) Plataforma 3 – Inovação para ampliar o impacto: o objetivo era o de criar
parcerias inovadoras, incluindo cooperação triangular, parcerias público-
privadas e outras partes interessadas. Os resultados institucionais
esperados eram a consolidação do SS-GATE como um portal de soluções
inovadoras e mais complexas, com base em tecnologia; e aumentar o
número de pontos focais. Quanto aos resultados de desenvolvimento, o
foco eram iniciativas replicáveis para a redução da pobreza (EXECUTIVE
BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION
FUND, 2008, pp. 11-12);
Na avaliação dos resultados do Quarto Quadro, foi registrado uma melhora da
articulação do UNOSSC em firmar parcerias com as entidades do SDNU e engajá-las em
suas plataformas de sistematização de conhecimento Sul-Sul. Mas ainda permaneceu o
problema do caráter ad hoc e fragmentado da implementação do Quadro, sem
monitoramento e relatórios sistemáticos.
Se no começo dos anos 1990 o diagnóstico para a fraca operacionalização da ideia
de CTPD/CSS era a falta de orientações políticas e estratégicas, não se poderia dizer o
mesmo em 2008. Entretanto, depois de três décadas de aprovação do BAPA, o uso da
modalidade pelo sistema ainda continuava aquém do esperado. Com o objetivo de
averiguar essa questão, o PNUD conduziu uma avaliação independente sobre sua
contribuição na incorporação da CSS, esclarecendo as dificuldades de operacionalização.
5.3.3 A avaliação do PNUD sobre sua contribuição para a integração da CSS
(1996-2007)
O relatório “Parcerias Sul-Sul – Avaliação da contribuição do PNUD para a
Cooperação Sul-Sul189”, lançado em dezembro de 2017 pelo Escritório de Avaliação do
PNUD, analisou o período de 1996 a 2007. Foram entrevistadas 248 partes da estrutura
do PNUD, e 149 respostas de 51 escritórios nacionais foram analisadas. A avaliação
tomou como premissa que o PNUD é uma das entidades do SDNU mais bem posicionadas
para a promoção da CSS, em virtude de sua vasta presença, sua neutralidade, seu
189 Do original: “South-South Partnerships – Evaluation of UNDP contribution to South-South Cooperation”.
244
conhecimento e sua capacidade de parceria. Além disso, é uma das entidades com a mais
antiga e vasta experiência da CSS, e desde sua criação está envolvida em amplas trocas
de experiência entre os PEDs.
Apesar desse potencial, a avaliação foi que as barreiras à incorporação da CSS às
atividades operacionais do PNUD não são muito diferentes daquelas identificadas nos
anos 1980: após três décadas, ainda não havia um entendimento comum da burocracia do
PNUD sobre o que é uma atividade de CSS. Para alguns funcionários, a CSS é
simplesmente usar consultores do Sul nos projetos do PNUD. Outros, além de
desconhecer o conceito da modalidade, apresentam uma compreensão inadequada sobre
o valor da CSS no nível operacional, em relação às suas vantagens de custo-benefício. De
acordo com o relatório: “(...) muitos escritórios nacionais do PNUD usam as redes de
conhecimento para buscar expertise e soluções do Sul para os desafios do
desenvolvimento, mas não pensam neles como cooperação Sul-Sul” (UNITED
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 22, tradução nossa190).
A principal explicação do Escritório de Avaliação para esse desconhecimento
conceitual da CSS é que, embora a posição declaratória do PNUD coloque a CSS como
uma prioridade, de fato, a modalidade não é uma prioridade estratégica, no sentido de ser
incluída na estratégia corporativa do programa, responsável por definir resultados claros
e modalidades de engajamento.
Isso explica porque apenas 13 dos 23 programas nacionais aprovados em 2006 se
referiram à CSS como área de enfoque; apenas 29% dos UNDAFs dos países
entrevistados mencionavam a CSS como um componente do quadro de cooperação; e
apenas 31% dos escritórios nacionais tinham um ponto focal destinado à promoção da
CSS, conforme os dados apresentados no quadro a seguir (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 22; p. 51; p. 54).
190 Do original: “many UNDP country offices use the knowledge networks to seek South-based expertise and solutions to development challenges but do not think of them as South-South cooperation” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 22).
245
Quadro 7 – Incorporação da CSS nos UNDAFs a presença de pontos focais nos
escritórios nacionais
Sim Não
A promoção da CSS é um objetivo do UNDAF em seu país?
29% 71%
Seu escritório tem um ponto focal designado para a CSS?
31% 69%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 51; p. 54).
Além da ausência da modalidade nos quadros de orientação dos programas
nacionais, a avaliação identificou que o apoio do PNUD é inadequado naqueles países em
que a CSS é uma prioridade nacional e está mencionada nos UNDAFs. Na pesquisa
realizada, menos da metade dos coordenadores residentes responderam que a CSS é
claramente explícita em seu mandato (43%), enquanto 37% mencionaram que a
modalidade é de alguma forma compreendida em seu mandato (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 51).
Nos programas em que o mandato de CSS é explícito, não há procedimentos claros
para a operacionalização da modalidade. No PNUD, é necessário haver uma linha de
serviço no quadro de financiamento plurianual para guiar os projetos, mas essa linha não
existe para a CSS. Até 2007, a única orientação disponível para a operacionalização eram
as Diretrizes Revisadas de 2003, mas elas não foram utilizadas pelos escritórios nacionais
do PNUD.
Por isso, os casos de sucesso da CSS nos programas do PNUD dependeram
prioritariamente do conhecimento e das iniciativas individuais dos coordenadores
residentes, o que explica porque a atuação do PNUD é reativa e não proativa, ad hoc e
não sistêmica. Isso fica explícito na avaliação dos coordenadores residentes sobre a
contribuição do PNUD para a promoção da CSS: apenas 2% daqueles que participaram
das entrevistas consideravam que a atuação geral do programa nos últimos 5 anos foi
muito eficaz. A área de maior destaque é a de intercâmbio de conhecimento,
correspondente a 11%, e, mesmo assim, é uma avaliação muito ruim considerando que
essa é a área-chave do PNUD: as redes de conhecimento promovidas pelo programa
expandiram de 8.916 em 2003 para 28.997 em 2007 (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 25). A avaliação dos coordenadores
246
residentes sobre a eficácia do PNUD na promoção da modalidade em diferentes áreas
pode ser vista no quadro a seguir:
Quadro 8 – Avaliação dos coordenadores residentes acerca da contribuição do
PNUD para a CSS (2003-2007)
1
(Nada eficaz)
2 3 4 5
(Muito eficaz)
Promoção da modalidade
14% 29% 40% 17% 1%
Aconselhamento e apoio político
13% 31% 35% 20% 1%
Promoção de parcerias público-
privadas 19% 39% 28% 11% 3%
Intercâmbio de conhecimento
14% 21% 33% 22% 11%
Eficácia geral 15% 29% 39% 16% 2%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 52).
Outro gargalo é a incapacidade do PNUD em criar um quadro de avaliação de sua
contribuição para a CSS. Nas entrevistas, 90% dos coordenadores residentes afirmaram
que não houve avaliações baseadas em indicadores nos últimos 5 anos. O conhecimento
tácito da experiência em campo dos escritórios, fundamental para as soluções Sul-Sul, se
perde pela ausência de sistemas de prestação de contas adequados para avaliar os
resultados da CSS. Considerando que o PNUD é uma das entidades do SDNU que mais
trabalha com relatórios, indicadores e mecanismos de avaliação, a ausência de
ferramentas para avaliar o progresso da CSS demonstra a baixa prioridade corporativa da
modalidade.
Nesse aspecto, entende-se também a falta de conhecimento dos escritórios
nacionais do PNUD em relação ao trabalho da SU-SSC. Nas entrevistas conduzidas pelo
Escritório de Avaliação, 57% dos times nacionais responderam que não estão
familiarizados com o trabalho da SU, e 37% afirmaram que estão pouco familiarizados.
Ademais, dentre aqueles familiarizados, os coordenadores residentes acreditavam que as
247
ações da Unidade Especial eram mais eficazes em outras agências da ONU, que não o
PNUD, como mostra o quadro a seguir:
Quadro 9 – Avaliação dos coordenadores residentes sobre a eficácia da SU-SSC em
integrar a modalidade em seu país, no PNUD e em outras agências da ONU
1
(Nada eficaz)
2 3 4 5
(Muito eficaz)
No país 33% 31% 30% 6% 0%
No PNUD 7% 35% 36% 20% 2%
Em outras agências da ONU
16% 48% 24% 12% 0%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 53).
Considerando que a Unidade Especial sempre foi institucionalmente hospedada
no PNUD, e, até os anos 1990, era o ponto focal do PNUD para a promoção da CSS, o
desconhecimento dos coordenadores residentes acerca do trabalho da Unidade demonstra
as dificuldades de comunicação e trabalho conjunto entre ambas as entidades. Desde os
anos 1990, com exceção às transações financeiras, não há colaboração sistemática entre
o PNUD e a SU-SSC – e a descentralização da governança do SDNU estimulou a
concorrência entre eles. Há algumas conversas e trocas informais de experiência, e os
funcionários de ambas as organizações tentam manter um ambiente cordial, mas o fato é
que não há colaboração para promover a coordenação sistêmica da CSS nas atividades da
ONU e nas iniciativas de integração das modalidades em âmbito nacional.
De acordo com a avaliação, uma das explicações para esse baixo perfil da SU-
SSC em relação aos escritórios do PNUD é que ela não consegue mobilizar esforços
sistemáticos para identificar as demandas coletivas dos países engajados em promover a
modalidade. A maioria dos projetos são ad hoc, em geral encomendados por países
específicos, e não há avaliações para racionalizar ou priorizar as escolhas.
Mas as limitações do trabalho da SU-SSC também são resultantes dos escassos
recursos humanos e financeiros. Em relação ao número de funcionários da SU, desde os
anos 1980 o HLC solicita ao Administrador do PNUD que a Unidade seja fortalecida
adequadamente, e, em 2007, mesmo com o mandato sistêmico de ser o ponto focal da
248
CSS para todo o SDNU, o número de funcionários era o mesmo de 1998, como mostra o
quadro a seguir:
Quadro 10 – Número de funcionários da SU-SSC em 1998 e 2007
Diretores Profissionais Consultores Especiais
Serviço Geral
Total
1998 3 7 12 7 29
2007 4 7 14 4 29
Fonte: UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 13.
Já o PNUD tem uma presença global, pode atuar em nível nacional e tem a
capacidade de promover parcerias. Mas o programa não trabalha com a SU-SSC para
codificar suas práticas em campo; e, da mesma forma, a Unidade Especial não mobiliza
a rede de escritórios nacionais do PNUD para coordenar os esforços de promoção da CSS.
Considerando que o PNUD e a SU-SSC não alavancam seus esforços e capacidades
coletivos, não é de se espantar que os resultados de implementação das Diretrizes
Revisadas e dos Quadros de Cooperação tenham sido insatisfatórios. Da mesma forma,
não é de se espantar que a SU-SSC não tenha a capacidade sistêmica de fortalecer e
coordenar os pontos focais das demais entidades do SDNU, reforçando a fragmentação e
o caráter ad hoc da integração da CSS no sistema.
Os resultados dessa avaliação coincidiram com o período de preparação para a
realização da Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul, em Nairóbi,
em 2008, que foi um momento crucial para a redefinição da governança do SDNU para a
CSS. No próximo capítulo, serão discutidas as lacunas dessa governança no período de
2008-2015.
249
CAPÍTULO 6 – AS LACUNAS DA GOVERNANÇA DO SDNU PARA
A INCORPORAÇÃO DA CSS (2008-2015)
O capítulo tem como objetivo discutir as tensões recentes acerca da incorporação
da CSS nas atividades operacionais para o desenvolvimento conduzidas pelo SDNU no
período de 2008-2015, apresentando cinco lacunas na governança do sistema para a CSS:
de conhecimento, normativas, institucionais, políticas (policy) e de cumprimento
(compliance).
A partir de 2008, a CSS ganhou um interesse renovado na agenda de
desenvolvimento do SDNU, em virtude da liderança das potências emergentes. Tais
potências vocalizaram uma demanda cada vez mais consistente para que houvesse um
maior engajamento por parte do SDNU na operacionalização da CSS, aproveitando-se
dos potenciais desse sistema em promover a modalidade, como sua rede de escritórios
nacionais, seu conhecimento em campo e sua capacidade de mobilizar parcerias e
financiamento.
A Conferência de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Sul-Sul e seu Resultado
de Nairóbi, em 2009, relançaram o debate de incorporação operacional da modalidade ao
SDNU, no sentido de ir além do compromisso verbal e conduzir as mudanças necessárias
na governança para a realização de tal integração. Mas essa discussão ocorreu em um
momento altamente politizado, de grandes tensões Norte x Sul, devido ao contexto de
crise econômica e financeira global e de negociação da nova agenda de desenvolvimento
da ONU, pós-2015.
Nesse sentido, o capítulo discutirá primeiramente as lacunas de conhecimento,
pois a SU-SSC/o UNOSSC ainda precisa sistematizar o funcionamento e as boas práticas
de CSS envolvidas em suas atividades em campo. Além disso, serão apresentados os
esforços do Fórum de Cooperação para o Desenvolvimento para provar, por meio de
estudos, que a CSS traz um valor adicionado efetivo ao desenvolvimento dos países.
Depois, em relação às lacunas normativas, será analisado o interesse das potências
emergentes em criar um novo quadro de normas internacionais para a área da cooperação
internacional para o desenvolvimento, em contraposição à dominância das normas
definidas pelo CAD-OCDE. Para tanto, serão apontadas as dificuldades em conduzir tais
mudanças normativas no HLC-SSC, na Segunda Comissão da AGNU, e no Conselho
Executivo do PNUD, devido às características do processo de tomada de decisão.
250
Para as lacunas institucionais, será analisado o lugar institucional da promoção da
CSS no SDNU, que é o Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul
(UNOSSC, do inglês United Nations Office on South-South Cooperation), a antiga
Unidade Especial. O UNOSSC se tornou o ponto focal da CSS para todo o SDNU, mas
continua hospedado no PNUD. Serão discutidas as propostas para alterar a posição
institucional do escritório, e as vantagens e desvantagens dessa mudança.
Ademais, será analisado o papel do Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e
Triangular do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do inglês, United Nations
Development Group Task Team on South-South and Triangular Cooperation), criado em
2014 com o mandato de definir uma abordagem coordenada para sistematizar a CSS em
todas as agências especializadas da ONU. Mas, até o momento, o time foi incapaz de ser
um ponto institucional de coordenação, sendo apenas um fórum de troca de experiências,
sem grandes sistematizações.
As lacunas políticas (policy) se referem à fragilidade dos quadros, das diretrizes e
dos procedimentos políticos que deveriam orientar a operacionalização da CSS no
desenho, na implementação e na avaliação dos projetos em campo. Serão apresentadas as
limitações dos instrumentos políticos nos níveis sistêmico, no nível do HLC-SSC e no
nível da relação entre o UNOSSC e o PNUD.
Por fim, o capítulo discutirá as lacunas de cumprimento (compliance). A
descentralização e fragmentação do SDNU torna a operacionalização sistêmica da CSS
ad hoc e dependente de iniciativas individuais, como demonstram as avaliações da ONU
a respeito do cumprimento dos quadros normativos e operacionais por parte de diferentes
entidades do SDNU, com destaque para o PNUD.
6.1 Lacunas de conhecimento
Em sua condição de ator intelectual, a ONU não apenas tem a capacidade de
mobilizar, sistematizar e analisar informações, mas também de oferecer uma
interpretação coletiva acerca dos dados compilados. Na área da CSS, essa não é uma
tarefa nova do SDNU, uma vez que, desde os anos 1970, o sistema se engajou na tarefa
de compilar e interpretar o conhecimento acerca da CTPD. E, a partir dos anos 1990,
buscou identificar oportunidades de alavancar soluções Sul-Sul para os problemas de
desenvolvimento.
251
A SU-SSC/o UNOSSC, como ponto focal de promoção da modalidade em todo o
sistema ONU, ficou com a responsabilidade primária de resolver os gargalos de
informação sobre CSS, melhorando o sistema de informações. No período de 2008-2015,
contribuiu para aprofundar o conhecimento de SDNU sobre as vantagens de custo e a
eficácia em campo da CSS, além de mapear soluções que possam ser aplicadas em
contextos parecidos e que sejam adaptáveis a ambientes de constrangimento de recursos
e capacidades.
Em 2008, a SU-SSC adotou uma estrutura tripartite para facilitar o levantamento
e a organização de informações sobre a CSS, com foco na aplicação prática desse
conhecimento. Essa estrutura é formada pelo Sistema Global de Intercâmbio de Ativos e
Tecnologia Sul-Sul (SS-GATE, do inglês, South-South Global Assets and Technology
Exchange); a Academia Global de Desenvolvimento Sul-Sul (GSSD-Academy, do inglês,
Global South-South Development Academy); e a Expo Global de Desenvolvimento Sul-
Sul (GSSD-Expo, do inglês, Global South-South Development Expo).
O SS-GATE foi lançado em 2008, com financiamento de US$ 15 milhões da
China, US$ 300 mil do Fundo de Desenvolvimento Internacional da OPEP, além de
contribuições em espécie (in kind) realizadas por outros PEDs, pela ONU e por outras
organizações. O SS-GATE permite listar, procurar e conectar soluções tecnológicas
presentes em centros de excelência e pesquisa dos PEDs e realizar o matchmaking entre
dois ou mais países. O foco é a transferência de tecnologia nas áreas de saúde global,
agricultura e meio ambiente. Em 2014, o sistema operava por meio de 50 centros em 40
países, com 1700 projetos listados, 835 soluções combinadas e 308 transferências de
tecnologia realizadas (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH
COOPERATION, 2014 a, p. 8).
A GSSD-Academy é uma plataforma de serviços online com duas frentes de ação:
um centro de soluções, responsável por documentar e disponibilizar soluções e melhores
práticas em diferentes áreas de CSS; e a base de dados WIDE (Rede de Informação para
o Desenvolvimento, do inglês, Web of Information for Development), que lista
especialistas do Sul que trabalham com pesquisas, treinamento e aconselhamento técnico
Sul-Sul. Em 2013, a plataforma reunia mais de 13 mil especialistas e mais de 300 soluções
bem-sucedidas em todas as áreas dos ODMs (UNITED NATIONS GENERAL
ASSEMBLY, 2013 b, p. 16).
A GSSD-Expo é uma feira anual que tem por objetivo exibir as principais soluções
e melhores práticas na área da CSS, envolvendo o SDNU, governos, a iniciativa privada
252
e a sociedade civil. Também tem como propósito conectar essas partes interessadas em
uma rede de compartilhamento de conhecimento e informações. Na Expo de 2014, 70
soluções e práticas foram apresentadas a mais de 650 participantes (UNITED NATIONS
GENERAL ASSEMBLY, 2015 a, p. 16).
Apesar desses esforços, a principal lacuna de conhecimento é que a SU-SSC/o
UNOSSC não está gerando aprendizado a partir de suas plataformas de conhecimento.
Os dados são compilados e divulgados, mas a SU-SSC/o UNOSSC não é capaz de tirar
lições práticas dessas informações nem fazer o registro das externalidades positivas e
negativas das soluções adotadas. Sem esse conhecimento, não será possível canalizar a
modalidade por todo o SDNU, para que ela seja utilizada no desenho operacional dos
projetos de cooperação técnica.
Diante dessa lacuna, os Estados-membros passaram a negociar, no âmbito do
Fórum de Cooperação para o Desenvolvimento (DCF, do inglês Development
Cooperation Forum) – um encontro bianual de alto nível do ECOSOC – diretrizes
comuns para a padronização das informações sobre a CSS conduzida não só pelo SDNU,
mas por todos os PEDs. Criado na Cúpula Mundial de 2005, o DCF desempenha o papel
de plataforma de conhecimento e informação na área da cooperação internacional para o
desenvolvimento, ao desenvolver estratégias e políticas para promover maior coerência e
eficácia das atividades operacionais para o desenvolvimento. O DCF tem como
mandato191:
“(...) identificar gargalos e obstáculos na cooperação internacional para o desenvolvimento, com o propósito de fazer recomendações sobre medidas práticas e opções políticas para melhorar sua coerência e eficácia. O Fórum também deverá servir como uma plataforma de compartilhamento de experiências e lições aprendidas” (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2008, p. 4, tradução nossa192).
191 Apesar do seu mandato sistêmico, o DCF não possui poder decisório. Conforme explicou um diplomata brasileiro em entrevista (ver anexo): “Mas nós criticamos muito porque, como foi resultado de uma negociação, o outro lado não deixou que os termos de referência tivessem qualquer coisa no sentido de um processo decisório, de que as reuniões resultassem em decisões com impacto sobre o sistema. Então o DCF é um grande seminário, e quando se reúne, promove discussões, debates, e fica nisso. Não tem nenhum resumo do presidente, nada disso. Isso é assim porque não houve consenso; e não houve consenso porque os países desenvolvidos não queriam. Porque na visão deles – e eles têm razão, do ponto de vista deles – caso isso tivesse resultado em um fórum no formato e com as funções que nós queremos, representaria uma ameaça à OCDE (DIPLOMATA BRASILEIRO, 2015). 192 Do original: “(...) to identify gaps and obstacles in international development cooperation with a view to making recommendations on practical measures and policy options to enhance its coherence and effectiveness. The Forum is also expected to serve as a platform for sharing experiences and lessons learned” (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2008, p. 4).
253
Nos Fóruns de 2008 e 2010, o esforço dos Estados-membros foi o de enfrentar o
gargalo em relação à coleta de dados sobre a CSS e desenvolver uma base de dados
harmonizada, específica para a modalidade. Essa estrutura deveria sistematizar os dados
para que eles pudessem ser utilizados para respaldar as políticas e trazer maior coerência
na promoção da modalidade no SDNU (JOHNSON, 2009).
A criação dessa uma base de dados seria feita em duas fases. A primeira consistiria
na compilação dos dados nacionais a partir das definições e dos conceitos acordados.
Como a maior parte das iniciativas de CSS ocorre fora do SDNU, o sistema teria que ser
capaz de aglutinar e trazer esse conhecimento para dentro da organização. Mas existem
três dificuldades nesse processo.
Primeiramente, há várias atividades que incorporam a modalidade da CSS, mas
não são plenamente reconhecidas ou compreendidas como tal, porque as informações
sobre essas atividades são incompletas e não estão facilmente disponíveis ou acessíveis.
Isso leva ao segundo problema: em âmbito nacional, essas informações não estão
nas mãos de um único Ministério ou agência governamental. Dado o caráter
multidimensional da CSS, várias organizações burocráticas estão envolvidas na
implementação das iniciativas e produzem informações diferentes. Geralmente,
Ministérios da Fazenda, Ministérios do Comércio Exterior e Bancos de Importação-
Exportação realizam o financiamento das iniciativas, enquanto outros Ministérios estão
são responsáveis pela operação da cooperação técnica, a depender da área e tema dos
projetos. Por isso, mesmo que se tenha acesso às informações, elas são desorganizadas e
não facilmente comparáveis.
A terceira dificuldade é a capacidade assimétrica entre os PEDs em organizar e
reportar as informações sobre suas modalidades. Como as potências emergentes são as
que têm melhor capacidade nesse sentido, a maioria das informações e melhores práticas
disponíveis são provenientes desses países, excluindo um conjunto de soluções existentes
em outros PEDs e que poderiam ser mais adequadas outras categorias de países, como os
menos desenvolvidos, as pequenas ilhas, os países sem saída para o mar, etc.
Superadas essas limitações, o segundo estágio da base de dados harmonizada seria
a padronização das informações, ao criar uma metodologia para reportar a CSS no SDNU.
Aqui, há uma enorme disputa sobre qual seria o paradigma-base para tal padronização.
Os países do CAD-OCDE recomendaram o uso de sua metodologia analítica, elaborada
há décadas para padronizar as informações sobre a AOD de todos os doadores da
254
organização. Bastaria fazer as adaptações necessárias para incorporar a CSS em uma
mesma base de dados.
Mas o G-77 se recusou a realizar a padronização do conhecimento da CSS
seguindo o paradigma do CAD-OCDE. Em primeiro lugar, o grupo afirmou que a
metodologia do CAD-OCDE está baseada em uma concepção linear e universal de
desenvolvimento, ao considerar que a experiência e o conhecimento dos PDs poderiam
ser uniformizados e padronizados em base técnico-científicas e diretamente transferidos
e aplicados aos PEDs. Como colocam Ullrich e Carrion (2013, p. 76): “A ‘crença’ na
neutralidade da ciência e na ‘universalidade’ dos indicadores de desenvolvimento
continua a orientar a elaboração de políticas de desenvolvimento, tanto nos países centrais
como nos países semiperiféricos e periféricos”.
Para o grupo de países em desenvolvimento, a CSS não é igual a AOD, pois opera
segundo soluções customizadas à realidade de cada PED (tailor-made), desenvolvidas no
percurso da experiência em campo (learning by doing), em um processo de aprendizado
mútuo que prioriza a transferência de capacidade e de conhecimento e know-how, ao invés
da transferência financeira propriamente dita, como é o caso dos indicadores do CAD-
OCDE. Por isso, o G-77 recomendou a criação de um sistema próprio de padronização
das informações, com base nos princípios acordados no Resultado de Nairóbi. A proposta
de criação desse sistema padronizado ainda está em fase de negociação.
Da perspectiva do SDNU, a criação de um paradigma específico para mensurar a
CSS exigirá uma mudança na forma como as entidades lidam com o conhecimento na
área da cooperação internacional para o desenvolvimento. Historicamente, elas trabalham
com pacotes prontos de cooperação: a lógica é a de que as agências, os fundos e os
programas do sistema possuem as soluções de desenvolvimento, que, por sua vez, serão
transferidas e implementadas nos PEDs por meio de seus especialistas. Mesmo com a
introdução da execução nacional nos anos 1970, os PEDs têm pouca participação no
processo de definição desses pacotes, e o uso de especialistas, serviços e equipamentos
desses países é ainda muito pequeno em comparação com os dos PDs.
Agora, na CSS, as entidades precisariam deixar de se considerar “donas” das
soluções para funcionar como hubs de facilitação da cooperação entre os PEDs. De
acordo com o Relatório do Secretário-Geral de 2009 (A/64/504), que fez um balanço dos
30 anos de experiência do SDNU sobre a CSS: “Organizações até então acostumadas a
implementar projetos que simplesmente requeriam conhecimento sobre a logística do país
em desenvolvimento, agora precisam entender suas realidades econômica, social,
255
histórica e cultural” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 c, p. 15,
tradução nossa193).
Essa necessária mudança na cultura organizacional das entidades do SDNU é vista
com bastante reticência: para alguns funcionários, a criação de uma metodologia
exclusiva para a CSS poderia levar a uma fragmentação ainda maior do sistema, e que o
melhor seria trabalhar para construir uma estrutura comum para avaliar o conhecimento
da cooperação internacional para o desenvolvimento como um todo.
Para outros funcionários, o SDNU simplesmente apresenta uma complacência à
mudança de forma geral. De acordo com Browne e Weiss (2013, p. 2, tradução nossa194):
Complacência é como nós caracterizamos a atitude de muitos dos membros do serviço civil internacional, que parecem não reconhecer que, de fato, há uma crise, e que algo drástico (“transformação” não é uma palavra tão forte) deve ser feito para evitar que o SDNU seja um anacronismo marginalizado.
Com a inclusão da CSS como um meio de implementação da Agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável, são colocadas maiores pressões para superar as lacunas
de conhecimento. Por isso, os Estados-membros, juntamente com as entidades do SDNU,
terão que melhorar a sistematização das informações sobre a CSS para que a modalidade
seja utilizada de forma efetiva na implementação dos ODS.
6.2 Lacunas normativas
Uma função crítica da ONU é seu papel normativo, ou seja, de criação de
princípios e normas que estabelecem padrões de comportamento entre os Estados. As
normas internacionais podem ser definidas por meio do direito internacional duro (hard),
que envolve tratados e convenções; ou pelo direito internacional mole (soft), que envolve
as declarações, resoluções, decisões e recomendações, como é o caso das normas para a
193 Do original: “Organizations used to implementing projects that simply required knowledge of developing country logistics now needed to understand their economic, social, historical and cultural realities” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2009 c, p. 15). 194 Do original: “Complacency is how we characterize the attitude of too many members of the international civil service who do not seem to recognize that in fact there is a crisis, and that something drastic (‘transformation’ is not too strong a word) must be done to prevent the UNDS from being a marginalized anachronism” (BROWNE; WEISS, 2013, p. 2).
256
CSS. O SDNU é responsável não apenas por definir as normas relativas à agenda de
desenvolvimento como também por criar capacidades nos países para implementá-las.
Após o Resultado de Nairóbi (2009), as potências emergentes se engajaram mais
fortemente no debate normativo acerca de como o SDNU deveria contribuir para a
promoção do desenvolvimento, por meio da integração da CSS em suas atividades
regulares. De forma mais específica, China, Brasil e Índia – embora em níveis e
intensidades diferentes – tinham a intenção de garantir uma maior influência nos aspectos
normativos da cooperação internacional para o desenvolvimento, a partir de um
envolvimento institucional mais forte com o SDNU.
Os resultados de uma pesquisa de opinião com mais de 3.650 funcionários,
diplomatas e especialistas atrelados ao SDNU, de 156 países, demonstraram grandes
expectativas em relação à influência futura das potências emergentes no sistema. Como
demonstra o gráfico a seguir, a imensa maioria dos correspondentes acreditava que esses
países iriam ocupar maior espaço quanto às posições sêniores; ampliar a base de
conhecimento da agenda de desenvolvimento da ONU; ampliar o financiamento do
sistema; e também contribuir mais diretamente no processo normativo do SDNU.
Gráfico 1 – Qual seriam os impactos positivos das potências emergentes no SDNU
quando comparadas aos países desenvolvidos?
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de BROWNE; WEISS, 2014, p. 1899.
97%
96%
94%
93%
85%
3%
4%
6%
7%
15%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Maior base de recrutamento em posições sêniores
Base de conhecimento mais balanceada em relaçãoàs discussões e prioridades da agenda de
desenvolvimento
Maior diversificação do financiamento
Financiamento adicional para as organizações eagências de desenvolvimento da ONU
Maior contribuição nas normas e convençõesinternacionais
Concorda/ Concorda fortemente Discorda/ Discorda fortemente
257
Mesmo com uma visão positiva sobre o papel das potências emergentes, nota-se
pela pesquisa que as expectativas são menores em relação ao processo normativo. Isso
porque é difícil prever o quanto o envolvimento desses países se traduzirá efetivamente
em uma capacidade de influenciar os princípios e as normas do SDNU, pois a
complexidade técnica e a sensibilidade política da agenda de desenvolvimento em um
fórum multilateral como a ONU exigem capacidades de negociação coletivas que ainda
não estão disponíveis nas potências emergentes.
Esse problema afeta os PEDs como um todo, como observam Nyerere et al.
(1990):
Atuando de forma separada, os países do Terceiro Mundo também estarão em uma posição de barganha extremamente fraca para lidar com os grupos bem organizados dos países desenvolvidos ou com as corporações transnacionais (NYERERE et al., 1990, p. 17, tradução nossa195). (...)
Quando ocorrem as negociações, alguns países do Norte tendem a engajar em protestos de boa-vontade e apoio [aos PEDs], enquanto oferecem conselhos gratuitos sobre os erros políticos do Sul. Por sua vez, os países do Sul geralmente estão mal preparados para essas discussões (NYERERE et al., 1990, p. 19, tradução nossa196). (...)
Os arranjos existentes de consulta entre os PEDs – encontros ocasionais em nível político, apoiados por encontros ad hoc entre as partes e entre grupos de oficiais das capitais – são inadequados para avaliar as opções alternativas, para coordenar suas estratégias ou para se envolver em posições negociadoras comuns em vários fóruns ((NYERERE et al., 1990, p. 201, tradução nossa197).
O Sul não tem organizações e estruturas destinadas a construir uma forte posição
comum de negociação, diferentemente do Norte. Por exemplo, o escritório do Presidente
do G-77 em Nova York e seus grupos de trabalho são muito modestos para o amplo
trabalho da ONU. A forma desestruturada de organização do G-77 se diferencia
radicalmente do staff profissional do CAD-OCDE, com amplos recursos financeiros e
195 Do original: “Acting separately, Third World countries will also be in an extremely weak bargaining position in dealing with the well-organized groupings of developed countries or with transnational corporations” (NYERERE et al., 1990, p. 17). 196 Do original: “When exchanges have taken place, some Northern countries have tended to engage in protestations of goodwill and support, while offering gratuitous advice about policy erros in the South. For their part, the Southern countries are often ill-prepared for these discussions” (NYERERE et al., 1990, p. 19). 197 Do original: “The existing arrangements for consultations among them – occasional meetings at the political level, backed by meetings of ad hoc working parties and groups of officials from capitals – are inadequate to assess alternative options, to co-ordinate their strategies, or to evolve common negotiating positions in the various forums” (NYERERE et al., 1990, p. 201).
258
capacidade de produção de informações e estatísticas. Inclusive, a falta de informações
padronizadas entre o Sul é uma brecha e fraqueza constantemente exploradas pelos PDs
nas negociações.
Outro problema é que, embora os PEDs reconheçam a necessidade de
solidariedade entre eles, a crescente assimetria entre as potências emergentes e os demais
exige novas formas de acomodar os diferentes interesses, muitas vezes conflitantes. As
potências emergentes ainda não possuem um paradigma próprio e recursos para liderar e
aglutinar as posições dos demais PEDs e, devido a isso, pressões internas e externas a
certos PEDs resultam em um fácil alinhamento com o Norte.
Por conta desses fatores, ainda que no período de 2008-2015 as potências
emergentes tenham conseguido causar incômodo e questionar as estruturas normativas do
SDNU, não formaram um bloco coeso de negociação capaz de barganhar efetivamente
com os países do CAD-OCDE e liderar o debate normativo sobre a CSS.
Nessa situação peculiar, as instâncias da ONU nas quais prevalece o processo
decisório de um país-um voto, com foco no consenso, vivenciam um impasse. É o caso
dos trabalhos do HLC-SSC. A partir da década de 1990, seu mandato evoluiu de apenas
revisar a implementação do BAPA para se tornar um corpo intergovernamental normativo
para a promoção e o fortalecimento da CSS. Mas a despeito da expansão de seu mandato,
o trabalho do comitê foi se tornando cada vez menos produtivo em relação à sua agenda,
seus métodos de trabalho e a composição e participação dos Estados-membros e das
entidades do SDNU em suas sessões.
Em relação à agenda e aos métodos de trabalho, as tensões Norte x Sul travam os
debates. Ironicamente, na década na qual o avanço da CSS foi sem precedentes, os
trabalhos do HLC-SSC ficaram estagnados: nos anos 2000, os itens da agenda e o
conteúdo das decisões foram praticamente os mesmos, não variando muito da linguagem
acordada, pois não era possível atingir o consenso para além do que já havia sido
previamente acordado. Para corrigir esse problema, a partir de 2012 foram introduzidos
grupos temáticos de trabalho entre as sessões bianuais, com o propósito de melhorar
qualitativamente o conteúdo normativo das decisões do comitê (JOINT INSPECTION
UNIT, 2011). Mesmo assim, a avaliação dos Estados-membros sobre o HLC-SSC ainda
era negativa: nas entrevistas conduzidas para essa pesquisa no segundo semestre de 2015,
os diplomatas dos PDs não mediam as palavras para criticar a ineficiência das discussões
do comitê, especialmente devido aos atrasos para a conclusão das sessões, enquanto os
PEDs lamentavam a má vontade e a falta de engajamento dos PDs nas negociações.
259
Pela análise dos registros dos encontros do HLC-SSC, nota-se que essas tensões
ficaram mais evidentes em sua 17ª sessão, entre o fim de 2011 e o começo de 2012. Como
discutido na parte 1, ocorreu um debate intenso entre os participantes sobre o uso do
paradigma da eficácia da ajuda na definição do Quadro de Diretrizes Operacionais sobre
o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012)198. Naquele
momento, houve esforço deliberado do CAD-OCDE em garantir que o paradigma
normativo do quadro da CSS fosse baseado em seus princípios. Enquanto o G-77, liderado
pelas potências emergentes, se opôs veementemente a tais esforços.
Alguns PEDs com um engajamento expressivo na CSS, mas que também são
membros da OCDE, como o Chile e o México, tentaram fazer a mediação entre os
princípios normativos do CAD-OCDE e os interesses do G-77. Porém, o G-77 foi
explícito em afirmar a incompatibilidade entre os princípios de CSS e a agenda da eficácia
da ajuda. Ao final das negociações, apenas foi possível aprovar as diretrizes por consenso
porque o paradigma do CAD-OCDE foi considerado apenas para a cooperação triangular,
e não para a CSS (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH
COOPERATION, 2012 b).
Quanto à composição e participação dos Estados-membros e das entidades do
SDNU nos encontros do HLC-SSC, ela também foi decrescente nesse período, como
pode-se observar no quadro a seguir. Considerando que os PEDs compõem a maioria dos
países da ONU, a participação de menos da metade do total de 193 Estados-membros
demonstra seu pouco engajamento nas discussões do Comitê. Sem contar a falta de
capacitação técnica dos participantes no tema: a ausência de representantes de mais alto
nível e com conhecimento em campo implica em decisões genéricas e um fraco
seguimento. Segundo a Unidade de Inspeção Conjunta (JIU, do inglês, Joint Inspection
Unit), esses fatores “(...) podem ser uma indicação da percepção das partes interessadas
de que as deliberações do comitê não produzem metas e resultados específicos, sendo,
portanto, necessário redesenhar o HLC” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 16,
tradução nossa199).
198 Essas diretrizes já foram discutidas na parte I em relação ao papel das ideias. No que se refere à governança, esse documento será analisado na seção sobre as lacunas políticas. 199 Do original: “(...) could be an indication of stakeholder perception that the deliberations of the Committee do not lead to concrete targets and results, and therefore the need to re-engineer the HLC” (JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 16).
260
Quadro 11 – Participação nos encontros do HLC-SSC (1997-2010)
1997 2001 2005 2009* 2010
Número de Estados-membros presentes
90 76 95 92 84
% de participantes de agências de cooperação técnica ou
autoridades nacionais correlatas 27 26 14
Sem dados
Sem dados
Número de entidades do SDNU 16 21 13 4 5
Número de organizações não relacionadas à ONU
9 10 6 8 3
*Conferência de Nairóbi.
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 16.
As limitações normativas do HLC-SSC fazem com que seu trabalho seja
duplicado na Segunda Comissão da AGNU. Por ser um charging body, as resoluções da
Segunda Comissão têm mais peso do que as decisões do HLC. Ademais, a presença e
participação dos delegados é mais ativa, pois o tema da CSS é discutido dentro do item
sobre atividades operacionais para o desenvolvimento como um todo.
Após as dificuldades enfrentadas em 2012 no HLC-SSC, as discussões sobre a
CSS na Segunda Comissão em 2014 foram bastante tensas, ocorrendo atrasos nas
negociações. Houve controvérsias nos seguintes assuntos: o aumento dos recursos e o
fortalecimento institucional do UNOSSC; o uso de linguagem mais enfática quanto à
necessidade de transferência de tecnologia dos PDs e PEDs; e a realização de uma sessão
extra do HLC-SSC em 2015. Ao final do processo de negociação, não foi possível atingir
o consenso nesses pontos, e os Estados-membros decidiram, pela primeira vez desde os
anos 1970, levar uma resolução sobre a CSS a voto.
A resolução A/RES/69/239, de 19 de dezembro de 2014, foi aprovada por 129
votos a favor, 44 votos contrários, 7 abstenções; e apenas 13 Estados-membros não
compareceram à votação200. Em suas justificativas de voto, os países do CAD-OCDE
200 Os 129 países favoráveis à resolução foram: Afeganistão, África do Sul, Angola, Antígua e Barbuda, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Bahamas, Bahrein, Bangladesh, Barbados, Belize, Benin, Bielorrússia, Bolívia, Botsuana, Brasil, Brunei Darussalam, Burkina Faso, Burundi, Butão, Cabo Verde, Camarões, Camboja, Catar, Cazaquistão, Chade, Chile, China, Cingapura, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Costa Rica, Cuba, Djibuti, Egito, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Equador, Eritreia, Etiópia, Fiji, Filipinas, Gâmbia, Gana, Granada, Guatemala, Guiana, Guiné, Guiné-Bissau, Haiti, Honduras, Iêmen, Ilhas Marshall,
261
acusaram o G-77 de utilizar o atraso nas negociações como uma tática para enfraquecer
a resolução, levando-a a voto com o propósito de aprovar recomendações sem
embasamento concreto. A Itália, em nome dos países-membros da União Europeia,
justificou seu voto contrário devido a questões orçamentárias e institucionais. Já os
Estados Unidos afirmaram que algumas delegações impediram uma negociação de boa-
fé, forçando levar a decisão a voto ao invés de buscar pelo consenso. Por isso, seu voto
contrário teria sido mais uma escolha política do que atrelado à substância da resolução
(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 c).
Já a Bolívia, em nome do G-77 e da China, rejeitou o argumento dos Estados
Unidos ao afirmar que o grupo negociou em boa fé e que a resolução foi lidada com
responsabilidade, uma vez que expressava os interesses da maioria das delegações – tanto
que foi aprovada por mais de 2/3 dos votos. Além disso, o grupo se posicionou a respeito
da quebra histórica do consenso, afirmando que não podia ser confundida com a política
de status quo empregada pelos PDs:
Mais uma vez nós apontamos que o consenso não pode ser interpretado como o status quo. Nós estamos muito preocupados que, em vários assuntos, nossos parceiros nem mesmo aceitam a linguagem previamente acordada. Esse é o mais sério retrocesso que, infelizmente, nos coloca em uma posição que pode de fato minar nossos esforços e nos forçar a tomar decisões como a dessa Assembleia hoje (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 c, p. 20, tradução nossa201).
Ilhas Salomão, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Jamaica, Jordânia, Kiribati, Kuwait, Lesoto, Líbano, Libéria, Líbia, Madagascar, Malásia, Malauí, Maldivas, Mali, Marrocos, Maurício, Mauritânia, México, Mianmar, Micronésia, Moçambique, Mongólia, Namíbia, Nepal, Nicarágua, Níger, Nigéria, Omã, Palau, Panamá, Papua Nova Guiné, Paquistão, Paraguai, Peru, Quênia, República Árabe Síria, República Central Africana, República Democrática do Congo, República Democrática Popular de Laos, República Dominicana, República Popular e Democrática da Coreia, Ruanda, Samoa, Santa Lucia, São Cristóvão Nevis, São Vicente e as Granadinas, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sri Lanka, Sudão, Sudão do Sul, Suriname, Tailândia, Tajiquistão, Tanzânia, Timor-Leste, Togo, Trindade e Tobago, Tunísia, Turcomenistão, Turquia, Tuvalu, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela, Vietnã, Zâmbia e Zimbábue. Os 44 países contrários à resolução foram: Albânia, Alemanha, Andorra, Austrália, Áustria, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Canadá, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Mônaco, Montenegro, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia, San Marino, Sérvia e Suécia. As abstenções foram: Armênia, Federação Russa, Geórgia, Moldova, Quirguistão, República Da Coreia e Suíça. As ausências foram: Antiga República Iugoslava da Macedônia, Azerbaijão, Comores, Dominica, Gabão, Guiné Equatorial, Nauru, São Tomé e Príncipe, Seychelles, Suazilândia, Tonga, Ucrânia e Vanuatu (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014). 201 Do original: “(...) we once again point out that consensus cannot be interpreted as the status quo. We are very concerned that, on many issues, our partners do not even accept language previously agreed upon. That is a most serious step backwards that, unfortunately, places us in a position that could indeed
262
Se na Segunda Comissão da AGNU as potências emergentes são capazes de
liderar algum dissenso em relação às normas dominantes do CAD-OCDE, o mesmo não
ocorre no Conselho Executivo do PNUD. Nessa instância, apesar de prevalecer o método
decisório de um país-um voto, o número de assentos é reduzido e distribuído
favoravelmente para os grandes doadores. Por isso, é mais difícil para o PNUD mudar
seu quadro normativo em relação ao apoio à CSS, pois a posição do Conselho Executivo,
com apoio do Administrador do programa, é a de conciliar a CSS com os princípios da
eficácia da ajuda. Isso resulta em uma lacuna entre a retórica corporativa do PNUD a
realidade em campo:
A abordagem operacional dominante do PNUD ainda é amplamente determinada por paradigmas tradicionais de fluxos de ajuda Norte-Sul, nos quais os fundos devem ser providos pelos países desenvolvidos e depois canalizados, por meio de projetos específicos, para parceiros menos desenvolvidos. A despeito do forte empenho dos funcionários do PNUD em alcançar novos modelos horizontais de interação e mobilização de recursos, os paradigmas tradicionais de financiamento e implementação do desenvolvimento continuam a ser replicados na abordagem do PNUD à cooperação Sul-Sul e triangular (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 54, tradução nossa202).
Considerando que as potências emergentes ainda não são capazes de quebrar a
influência dos PDs nas decisões do PNUD, elas passaram a questionar a legitimidade de
suas decisões, vocalizando mais fortemente a necessidade de uma reforma na governança
do PNUD, para que os interesses dos PEDs possam ser melhor representados no
programa. Três reformas são demandadas: uma distribuição geográfica equitativa nos
assentos do Conselho Executivo, corrigindo a sub-representação dos PEDs; o aumento da
indicação de funcionários oriundos dos PEDs para os cargos em nível sênior203, como os
coordenadores residentes; e maior transparência nos métodos de trabalho do Conselho
undermine our efforts and force us to take decisions such as the one before the Assembly today” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 c, p. 20). 202 Do original: “(...) UNDP’s dominant operational approach is still largely determined by traditional paradigms of North-South aid flows in which funds have to be raised from wealthier developed nations and then channeled via specific projects to less developed partners. In spite of the strong commitment of UNDP personnel in reaching towards new models of horizontal interaction and resource mobilization, the traditional development funding and implementation paradigms continue to be replicated within UNDP’s approach to SSC-TrC” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 54). 203 As potências emergentes também se engajaram fortemente em garantir que candidatos de seu país ocupassem postos-chave nas entidades do SDNU: em 2014, os diretores da ONUDI, da OMS e do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU eram da China; e da FAO e da OMC eram do Brasil (BROWNE, WEISS, 2014, p. 1895).
263
Executivo, para que os encontros informais com os grandes doadores não impactem
negativamente as negociações em que todos os membros do Conselho estão envolvidos.
O Brasil se destaca na liderança pela reforma do Conselho Executivo do PNUD,
levantando essa questão em todos os seus discursos relacionados às atividades
operacionais para o desenvolvimento e à CSS durante os anos 2000. Destaque ao discurso
realizado na Segunda Comissão da AGNU, em 2012, quando a delegação brasileira
afirmou que:
Os Estados-membros têm uma responsabilidade coletiva com a reforma da governança dos fundos e programas das Nações Unidas, como forma de promover um engajamento mais ativo dos países em desenvolvimento e encorajar os países a conduzir e exercitar o controle nacional sobre os programas nacionais, e não apenas sobre os projetos individuais, mas sobre o gerenciamento do sistema de desenvolvimento das Nações Unidas como um todo. Em particular, o Brasil acredita que o processo de seleção para os cargos chave em nível executivo no âmbito dos fundos e programas precisa ser revisado, e que medidas sejam tomadas para reafirmar o papel central dos Estados-membros em supervisionar os órgãos das Nações Unidas (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2012 c, p. 10, tradução nossa204).
Uma outra estratégia das potências emergentes em garantir maior espaço no
processo normativo do SDNU é a bilateralização de suas iniciativas. Enquanto não ocorre
a reforma no processo decisório dos fundos, programas e das agências – que funcionam
de forma semelhante à do PNUD – esses países passaram a financiar centros de excelência
dedicados à promoção da CSS. Esses centros fazem parte do guarda-chuva do SDNU, e
os países-sede utilizam da estrutura do sistema para canalizar seu conhecimento, suas
práticas bem-sucedidas e suas concepções normativas sobre a CSS. Por exemplo, o Brasil
se engajou na criação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo,
em 2004, e do Centro Rio+ para o Desenvolvimento Sustentável, em 2013. A China
estabeleceu um Centro Internacional contra a Pobreza em Pequim e vários centros
internacionais tecnológicos com a ONUDI, incluindo o Centro para Cooperação
Industrial Sul-Sul. A Índia abriu o Centro Ásia-Pacífico para a Transferência de
Tecnologias, em parceria com a UNESCAP (BROWNE, WEISS, 2014, p. 1895).
204 Do original: “Member States had a collective responsibility to reform the governance of United Nations funds and programmes so as to promote more active engagement of developing countries and encourage programme countries to lead and exercise ownership, not only over individual projects, but over the management of the United Nations development system. In particular, Brazil believed that the selection process to fill key executive-level posts within the funds and programmes needed to be reviewed, and steps taken to reaffirm Member States’ central role in overseeing United Nations bodies” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2012 c, p. 10).
264
Esses centros de excelência têm um papel ativo em estimular o debate normativo
dentro do SDNU, utilizando de sua estrutura, sem precisar passar pelos centros decisórios.
As potências emergentes enxergam grande valor nessas iniciativas, mas elas não vieram
sem críticas dos grandes doadores e de vários funcionários da ONU. Para os doadores do
CAD-OCDE, as potências emergentes estão pegando carona na estrutura do SDNU, e, se
quiserem fazer maior uso do sistema, deverão aumentar suas contribuições (esse ponto
será discutido com maior profundidade na parte 3). Para alguns funcionários da ONU, o
problema é que a bilateralização dos esforços de promoção da CSS no SDNU contribui
para uma maior fragmentação do sistema, aprofundando os já existentes problemas de
governança.
Em suma, nota-se que, apesar do maior engajamento das potências emergentes,
ainda é incerto se elas poderão fechar a lacuna normativa do SDNU acerca da CSS.
Mesmo que o paradigma da eficácia da ajuda esposado pelo CAD-OCDE seja
questionado pelos PEDs, ainda não há um paradigma normativo no horizonte capaz de
substituí-lo. A consequência disso é refletida em uma fraqueza institucional das instâncias
do SDNU dedicadas à promoção da CSS, como se verá a seguir.
6.3 Lacunas institucionais
No SDNU, o termo instituições é utilizado no sentido de uma entidade
organizacional formal, dotada de mandato, recursos e funcionários próprios. As
instituições são responsáveis por definir e implementar políticas adequadas para o
cumprimento da agenda normativa da organização. Na área da CSS, a instituição
responsável por promover e integrar a modalidade é a Unidade Especial (SU-
TCDC/SSC), transformada em Escritório da Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul
(UNOSSC) em 2012. Historicamente, a entidade apresentou duas fraquezas
institucionais: a falta de recursos financeiros e humanos adequados para o cumprimento
de seu mandato205; e, principalmente, uma posição institucional indefinida dentro do
PNUD, devido às dificuldades de cooperação e colaboração com o programa.
205 Os recursos financeiros serão discutidos na parte 3. Os recursos humanos se referem ao número limitado de funcionários da SU-SSC, como foi apresentado nos capítulos anteriores.
265
Quando a SU-TCDC foi criada pela AGNU em 1974, a decisão de alocá-la
institucionalmente no PNUD estava relacionada ao papel que o programa cumpria à
época, de agência financiadora central. Até os anos 1990, a SU era o ponto focal para a
CTPD apenas no que se referia às atividades do PNUD. Institucionalmente, seu papel era
o de recomendar modificações nos procedimentos do PNUD para a incorporação da
modalidade. Por sua vez, o PNUD era o ponto focal para a implementação do BAPA em
todo o SDNU.
Mas a partir das Novas Direções (1995), o ponto focal de promoção da modalidade
no sistema se deslocou do PNUD para a SU-TCDC. Essa mudança foi feita por pressão
do G-77: como as mudanças no Conselho Executivo do PNUD nos anos 1990 deram
maior peso de voto aos grandes doadores, os PEDs acreditavam que a SU, ao invés do
PNUD, serviria melhor seus interesses de promover a CTPD. A sugestão do G-77 era que
o PNUD ficasse responsável por integrar a CTPD nos programas nacionais, e a SU-TCDC
ficaria responsável por promover a modalidade em todo o sistema. Porém, a divisão das
tarefas entre as duas entidades não ficou bem definida e, além da sobreposição dos
trabalhos, a competição entre elas aumentou, prejudicando a coerência da integração da
modalidade.
Diante desse problema, as ações do HLC-SSC no período de 2001 a 2005
buscaram definir o lugar institucional da SU-TCDC. A mobilização do G-77 em
promover a CSS como um meio de acelerar a implementação dos ODMs deu base para
que o comitê tomasse medidas para ampliar o mandato da entidade. Em 2001, na 12ª
sessão do HLC, definiu-se que a SU seria o ponto focal do SDNU para a promoção da
CTPD. Em 2003, o HLC decidiu mudar o nome da SU-TCDC para SU-SSC,
recomendação que foi endossada pela AGNU em 2004. Em 22 de dezembro de 2005,
também por recomendação do HLC, a Segunda Comissão da AGNU aprovou a resolução
A/RES/60/212, que definiu a SU-SSC como uma unidade separada do PNUD (embora
hospedada no programa).
O Resultado de Nairóbi (2009) não trouxe nenhuma mudança no posicionamento
institucional da SU-SSC, mas a ênfase na necessidade de estabelecer diretrizes
operacionais para sistematizar o trabalho das entidades do SDNU exigiu um
fortalecimento institucional da unidade. O primeiro passo para esse fortalecimento foi a
renomeação da SU-SSC para Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul
(UNOSSC, do inglês, United Nations Office for South-South Cooperation), por meio da
resolução A/RES/67/227, aprovada pela AGNU em 21 de dezembro de 2012. Embora
266
não tenha havido uma mudança em sua localização institucional, continuando aninhado
ao PNUD, a classificação de escritório deu maior visibilidade sistêmica à entidade.
Entre 2012 e 2015, as lacunas institucionais da relação entre o UNOSSC e o
PNUD ficaram mais evidentes no que se refere às atividades operacionais. O UNOSSC é
responsável, em sua estrutura tripartite (SS-GATE, SSGD-Academy e SSGD-Expo), por
desenvolver as ferramentas, soluções e melhores práticas para operacionalizar a
modalidade. Porém, não há nenhuma conexão institucional entre o UNOSSC, os
escritórios nacionais do PNUD e seus coordenadores residentes, que são os canais
responsáveis por efetivamente implementar os programas em campo. Com isso, o
trabalho do UNOSSC é subutilizado pelo SDNU: por exemplo, na avaliação de 2013 do
PNUD, dos 4.895 funcionários entrevistados, menos de 100 responderam ter
conhecimento sobre os serviços do UNOSSC. Desse reduzido número, apenas metade
efetivamente utilizou as soluções mobilizadas pelo Escritório (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 51).
À luz dessa avaliação negativa, o G-77 solicitou medidas para definir os arranjos
colaborativos entre as duas partes, como a divisão de funções políticas, os mecanismos
operacionais e os instrumentos de monitoramento e avaliação. Com a liderança das
potências emergentes, o grupo passou a vocalizar a possibilidade de separar o UNOSSC
do PNUD, considerando que a existência de uma entidade dentro de uma entidade cria
vários problemas de trabalho. Respondendo à essa demanda, a AGNU solicitou, em sua
resolução A/RES/68/230, de 20 de dezembro de 2013, que o Secretário-Geral
apresentasse uma proposta acerca da viabilidade, e as implicações orçamentárias,
financeiras e humanas, de separar o UNOSSC do PNUD. O relatório também deveria
esclarecer o papel do PNUD caso essa mudança ocorresse.
O relatório SSC/18/3, publicado em 23 de abril de 2014 e intitulado “Medidas
para um maior fortalecimento do Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-
Sul”206, identificou as áreas do UNOSSC que careciam de fortalecimento institucional.
Também considerou o pedido da AGNU sobre a ideia de tornar o escritório
operacionalmente autônomo do PNUD.
Em termos institucionais, o relatório salientou a necessidade de fortalecer os
recursos humanos do UNOSSC. Mesmo com a ampliação de seu mandato, o Escritório
continuava contando com um número restrito de funcionários, equivalente ao final dos
206 Do original: “Measures to further strengthen the United Nations Office for South-South Cooperation”.
267
anos 1990, como mostra o quadro abaixo. Por isso, o Secretário-Geral recomendou o
crescimento no número de funcionários – especialmente na categoria de diretor (D) –,
para que o UNOSSC pudesse efetivamente cumprir com seu amplo mandato.
Quadro 12 – Número de funcionários da SU-SSC, 1998-2010
Diretor (D) Profissional (P) Serviços Gerais Total
1998 3 7 7 17
2010 4 12 5 21
Fonte: JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 24.
Outro aspecto do relatório foi a sugestão de fortalecer a coordenação sistêmica
entre o PNUD e o UNOSSC. O Administrador do PNUD, como chefe do UNDG, deveria
encorajar as entidades do SDNU a designar pontos focais para a CSS, enquanto o
UNOSSC seria responsável por criar um mecanismo de coordenação interagências mais
fortalecido e sistematizado. Também foi sugerido que o UNOSSC tivesse a oportunidade
de participar ativamente das reuniões do UNDG quando o assunto fosse referente à CSS.
Quanto às opções para a localização institucional do UNOSSC, o relatório do
Secretário-Geral considerou três possibilidades:
i) Transformar o UNOSSC em uma entidade independente: o aspecto
positivo dessa mudança seria garantir ao Escritório uma maior autonomia
e visibilidade, ao elevar seu perfil para uma localização institucional
sistêmica. O aspecto negativo é que a separação do PNUD implicaria
também em separar o Escritório da plataforma operacional do programa,
tornando mais difícil a integração operacional da modalidade no SDNU.
Institucionalmente, a separação exigiria criar uma interface entre o
UNOSSC e os escritórios nacionais do PNUD. Um outro problema seria
financiar o escritório de forma independente do PNUD, por meio de
contribuições voluntárias;
ii) Realocar o UNOSSC dentro do Secretariado: o aspecto positivo dessa
proposta seria o de incorporar a CSS no trabalho normativo do
Secretariado. De fato, o escritório já faz esse papel por ser o secretariado
do HLC-SSC e por trabalhar conjuntamente com o Departamento de
268
Assuntos Econômicos e Sociais em vários assuntos. O aspecto negativo
seria o mesmo da primeira proposta: perder a conexão operacional e
programática com os escritórios nacionais do PNUD. Teoricamente, o
financiamento estaria atrelado ao orçamento regular do Secretariado da
ONU, mas seria muito difícil inclui-lo no atual ciclo orçamentário, uma
vez que seria um gasto não previsto;
iii) Continuar alocado no PNUD: aumentar a autonomia do escritório de
conduzir suas atividades de forma independente, mas ainda sob a
autoridade do Administrador do PNUD, como chefe do UNDG. O plano
estratégico do PNUD passaria a incorporar o Quadro de Cooperação que
define a atuação do UNOSSC.
Após apresentar as opções, a conclusão do Secretário-Geral foi a de que o PNUD
continuaria sendo o melhor lugar institucional para sediar o UNOSSC, devido sua vasta
rede de escritórios, seu papel de gerenciador do sistema de coordenadores residentes e
seu papel programático.
Na 18ª sessão do HLC-SSC, em 2014, os Estados-membros tiveram posições
divergentes sobre o relatório do Secretário-Geral. Algumas delegações, como os países
da União Europeia, se posicionaram favoravelmente às recomendações do relatório,
reconhecendo as vantagens do PNUD continuar como o anfitrião institucional do
UNOSSC. Já os PEDs tiveram diferentes posições: alguns criticaram a superficialidade
do relatório, afirmando que suas recomendações meramente mantinham o status quo sem
dar a devida consideração às outras propostas; outros insistiram em avançar na proposta
de separar o Escritório; outros ainda argumentaram que, independentemente da decisão
de continuar ou não atrelado ao PNUD, isso não excluía o fato de que eram necessárias
medidas para fortalecer o UNOSSC.
Articulando essas visões em torno do consenso, o G-77 solicitou um estudo mais
aprofundado por parte do Secretário-Geral antes de se tomar uma decisão e que, enquanto
isso, medidas imediatas de fortalecimento do Escritório eram necessárias. Até o final de
2015, essa questão ainda estava em aberto, mantendo a localização institucional do
UNOSSC no PNUD.
Nesse meio tempo, o novo diretor do Escritório, o argentino e funcionário de
carreira da ONU, J. Chediek, foi nomeado Enviado do Secretário-Geral para a
Cooperação Sul-Sul, ampliando o perfil da modalidade dentro do Secretariado. Seu
apontamento foi bem recebido tanto pelos PEDs quanto pelos PDs, devido seu high-
269
profile e amplo conhecimento do SDNU207. Chediek já tinha sido coordenador residente
nos escritórios do PNUD no Brasil, no Peru, na Nicarágua, em Cuba e no Uruguai, e
responsável por casos de sucesso de utilização de soluções Sul-Sul nos programas
nacionais desses países. Seu perfil também facilitou a participação do UNOSSC em
mecanismos estratégicos e de coordenação do UNDG em assuntos relacionados à CSS.
Outra medida referente ao fortalecimento do trabalho de coordenação sistêmica
do UNOSSC foi a decisão SSC/18/1, de 2 de junho de 2014, quando HLC-SSC solicitou
ao Administrador do PNUD que estabelecesse um mecanismo interagências coordenado
pelo UNOSSC. Essa decisão foi reiterada pela resolução A/RES/69/239 da AGNU, de
19 de dezembro de 2014, que criou o Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e Triangular
do Grupo de Desenvolvimento da ONU (do inglês United Nations Development Group
South-South and Triangular Cooperation Task Team).
O objetivo do time tarefa é o de contribuir com o pilar normativo do Grupo de
Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG, do inglês, United Nations Development
Group), e, mais especificamente, dentro do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento
Sustentável. Essa escolha de localização institucional do time tarefa tinha a intenção de
integrar a CSS à implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
nas atividades operacionais para desenvolvimento.
Em relação aos métodos de trabalho, o time tem dois presidentes – um do
UNOSSC e outro a ser escolhido dentre as entidades que compõem o UNDG. Como
primeiro presidente, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi escolhida. Além
da OIT, as demais entidades do UNDG participam do time tarefa. Os funcionários
participantes devem ser de nível sênior (P-4 ou P-5), com conhecimento técnico dos
programas e das políticas de suas organizações (UNITED NATIONS DEVELOPMENT
GROUP, 2014, p. 3).
207 O apontamento de Chediek também foi importante para abafar as suspeitas de corrupção envolvendo o então Presidente da AGNU, o diplomata J. W. Ashe, de Antígua e Barbuda, e um investidor imobiliário de Macau, Ng Lap Seng. Ashe foi acusado de receber suborno e troca de favores de Ng e outros investidores, utilizando-se de sua posição na ONU. O UNOSSC se envolveu no escândalo pois Ng havia doado US$ 1,1 milhões para o Escritório com o propósito de financiar uma conferência sobre CSS que ocorreu em Macau em agosto de 2015. Em maio de 2016, o serviço de auditoria do PNUD avaliou que o Escritório efetivamente não usou os recursos de doação e não era partícipe do esquema de corrupção, mas isso prejudicou o perfil da entidade naquele ano. Um dos primeiros trabalhos de Chediek foi o de garantir a transparência da entidade. Mas esse problema não é raro no SDNU: devido sua fragmentação e descentralização, as entidades em geral aceitam as doações sem auditar seus precedentes (CHARBONNEAU, 2016).
270
Em seu termo de referência, o mandato central do time tarefa seria o de formular
notas e diretrizes para a incorporação da CSS como um meio de implementação dos ODS.
Considerando que algumas agências já tinham ferramentas de disseminação de
conhecimento e tecnologia do Sul, enquanto outras estavam no processo de criação desses
mecanismos, o time tarefa deveria facilitar o compartilhamento de experiência
interagências para a elaboração de tais instrumentos.
Como o time tarefa teria a duração de 2 anos, seus membros decidiram iniciar seus
trabalhos discutindo medidas para que a CSS fosse melhor incorporada nos UNDAFs e
os coordenadores residentes conseguissem identificar oportunidades de CSS em campo.
Os membros também definiram que os trabalhos começariam pela formulação de quadros
de colaboração conjunta em áreas de interesse comum, como o combate à AIDS-HIV, às
mudanças climáticas e a promoção da segurança alimentar. O time também discutiu
formas de colaboração conjunta nas áreas de pesquisa e publicações; desenvolvimento de
capacidades; e financiamento (UNITED NATIONS DEVELOPMENT GROUP, 2015, p.
3).
Apesar da aprovação de um plano de trabalho com metas e resultados esperados,
ao final de 2015 as atividades do Time Tarefa ainda eram muito informais, constituindo-
se muito mais em conversas de trocas de experiências do que uma real sistematização dos
programas interagências para apoiar a CSS de forma operacional. Até o momento, o
principal papel do time foi o de aproximar mais o UNOSSC das agências, melhorando
seu perfil sistêmico.
6.4 Lacunas políticas
Na ONU, as políticas (policy) se referem a um conjunto de diretrizes, interligadas
a programas de ação, que buscam implementar certos objetivos e princípios. No que se
refere ao SDNU, os responsáveis por fazer as políticas em nível sistêmico são a AGNU e
o ECOSOC, ambos órgãos políticos (charging bodies) intergovernamentais compostos
por delegados de seus Estados-membros. Já no âmbito de cada uma das entidades do
SDNU, seus Conselhos Executivos, em consulta com o Secretariado, definem as
estratégias corporativas que orientam seus trabalhos dentro das políticas sistêmicas
definidas pelos Estados-membros.
271
Houve um esforço significativo para cobrir as lacunas políticas em relação à CSS
no período de 2008-2015. Nessa seção, serão analisadas as políticas definidas em três
níveis: no nível sistêmico, a Revisão Política Compreensiva Trienal/Quadrienal
(TCPR/QCPR – do inglês Triennial/ Quadrennial Comprehensive Policy Review), de
1999 a 2012; no nível do HLC-SSC, com enfoque na coordenação entre as entidades do
SDNU, o Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à
Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012); e no nível da relação entre o UNOSSC e o
PNUD, o Quadro Estratégico do UNOSSC ( 2014-2017); os Planos Estratégicos do
PNUD (2008-2011 e 2014-2017); e a Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação
Sul-Sul e Triangular para o Desenvolvimento Sustentável (2016).
A principal lacuna política em relação à CSS é a falta de coordenação entre esses
diferentes instrumentos. Em pouco tempo, houve uma proliferação de políticas para
promover a integração da CSS nos trabalhos regulares do SDNU, mas esse processo
ocorreu de forma ad hoc, com caráter fragmentado e incoerente, uma vez que, como será
visto a seguir, as políticas das diferentes instâncias se sobrepõem e repetem o trabalho
entre si em vários aspectos.
6.4.1 A coordenação sistêmica da CSS por meio da Revisão Política
Compreensiva Trienal/Quadrienal
A Revisão Política Compreensiva Trienal/Quadrienal208 (TCPR/QCPR, do inglês
Triennial/ Quadrennial Comprehensive Policy Review) é aprovada pela AGNU como o
propósito de revisar as atividades operacionais para o desenvolvimento e dar orientações
políticas sistêmicas para melhorar sua eficácia. O ECOSOC, por sua vez, é responsável
por coordenar sua implementação e realizar o monitoramento do trabalho das agências
especializadas.
As políticas definidas pela TCPR/QCPR visam garantir que as atividades
operacionais para o desenvolvimento conduzidas pelo SDNU respondam às necessidades
e estejam alinhadas com as prioridades dos PEDs, por meio das seguintes características:
(...) sua natureza universal, voluntária e de concessão, sua neutralidade e o seu multilateralismo, bem como sua capacidade de responder às necessidades de desenvolvimento dos países em desenvolvimento de forma flexível, e que as atividades operacionais do sistema das Nações Unidas sejam realizadas em
208 Até 2007, a revisão era feita em bases trienais; a partir de então, a revisão passou a ocorrer quadrienalmente.
272
benefício dos países recipiendários, a pedido desses países e de acordo com suas próprias políticas e prioridades de desenvolvimento (UNITED NATIONS GERAL ASSEMBLY, 1999 d, p. 2, tradução nossa209).
A TCPR/QCPR também deve garantir aos PEDs o direito de liderar essas
atividades e coordenar todos os tipos de assistência externa, incluindo as providas pela
ONU. Para isso, as atividades devem ser conduzidas pela abordagem no one size fits all,
isto é, não há uma modalidade única para o desenvolvimento dos países, de modo que as
atividades devem ser ajustadas de acordo com a realidade e as demandas de cada PED.
Desde 1999, a CSS é uma das modalidades avaliadas e revisadas pela
TCPR/QCPR, indicando políticas, em nível sistêmico, para promovê-la e integrá-la no
desenho e na implementação das atividades operacionais para o desenvolvimento. As
menções à CSS foram ganhando mais espaço na TCPR/QCPR conforme a modalidade
foi elevando seu perfil internacional. Nas revisões de 1999 e 2002, as orientações políticas
eram mais gerais, apenas indicando que o SDNU deveria melhorar a incorporação da
CTPD em seus programas e projetos, por meio da execução nacional (com o uso de
consultores, serviços e equipamentos dos PEDs) e do apoio ao trabalho da SU-TCDC
(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999 d; 2002 b).
Na TCPR de 2004, a CSS foi inserida como uma modalidade de construção de
capacidades nacionais nos seguintes campos: formulação de políticas e programas;
gerenciamento; planejamento; implementação; coordenação; monitoramento e revisão.
Isso seria feito por meio da disseminação de melhores práticas, da promoção do
conhecimento e das tecnologias locais e da facilitação da rede de contatos entre
especialistas e instituições do Sul. A TCPR recomendou que os Estados-membros e as
entidades do SDNU participassem ativamente do HLC-SSC e se engajassem nas
plataformas de disseminação de conhecimento Sul-Sul desenvolvidas pela SU-SSC
(UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2004).
Na revisão de 2007, a TCPR indicou o uso da modalidade como um meio de
implementação dos ODMs. Essa foi uma orientação política importante, ao conectar a
CSS com a agenda sistêmica da ONU para o desenvolvimento. Isso também estimulou a
209 Do original: “their universal, voluntary and grant nature, their neutrality and their multilateralism, as well as their ability to respond to the development needs of developing countries in a flexible manner, and that the operational activities of the United Nations system are carried out for the benefit of recipient countries, at the request of those countries and in accordance with their own policies and priorities for development” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1999, p. 2).
273
AGNU a fortalecer a SU-SSC tanto dentro do PNUD quanto em sua atuação sistêmica na
ONU (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2007 b).
Na QCPR de 2012, a CSS foi mencionada como um meio para melhorar a
construção de capacidades na área do desenvolvimento sustentável, considerando o
contexto de negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-2015. Nessa revisão, as
considerações sobre o papel da CSS foram feitas em vários âmbitos, como no
desenvolvimento das capacidades nacionais, na erradicação da pobreza e no cumprimento
dos ODMs. Também requereu que os chefes das agências, dos fundos e programas
dessem atenção aos projetos gerenciados ou apoiados pelo UNOSSC (UNITED
NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2012 a).
A TCPR/QCPR é um instrumento limitado de revisão sistêmica, uma vez que as
discussões a cada três/quatro anos basicamente mantêm as linhas de orientação e a mesma
linguagem acordada. Porém, a menção da CSS nesse documento é considerada de
fundamental importância para os PEDs, pois cria um mandato político sistêmico que é
usado nas negociações para justificar o estabelecimento de políticas mais específicas de
incorporação da modalidade em outras instâncias do SDNU.
6.4.2 Quadro de Diretrizes Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à
Cooperação Sul-Sul e Triangular (2012)
Considerando o papel do HLC-SSC como a instância responsável por aprovar
políticas específicas para a promoção da CSS em todo o sistema, o Quadro de Diretrizes
Operacionais sobre o Apoio das Nações Unidas à Cooperação Sul-Sul e Triangular
(2012), também chamado de nota de orientação (documento SSC/17/3), foi a principal
política adotada no que se refere à governança do SDNU para a CSS. O quadro tenta
preencher as lacunas políticas ao dar orientações sobre como as entidades do SDNU
devem integrar a CSS em suas políticas corporativas e seus quadros programáticos.
Os quadros a seguir listam as ações prioritárias em nível global para a integração
da modalidade em três áreas: de avaliação; de integração propriamente dita; e de
monitoramento do progresso. Cada área é dividida em subáreas, com ações, instrumentos
e exemplos de políticas específicos.
Na área de avaliação, o quadro dá as orientações para que as entidades do SDNU
façam um balanço das capacidades e dos gargalos existentes em relação à CSS, nas
seguintes subáreas: existência ou não de políticas corporativas para a promoção da
274
modalidade; capacidades institucionais, de recursos humanos e financeiros;
oportunidades de diálogo e parceria; e quais soluções Sul-Sul já estão à disposição das
entidades.
Quadro 13 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU –
Área de Avaliação (Assessment)
Subárea Ação Instrumentos Exemplos
Práticas e políticas
corporativas
Avaliar práticas e políticas corporativas e
determinar se elas facilitam e priorizam a
adoção da CSS
Mandatos chave das conferências da
ONU, da AGNU e dos Conselhos
Executivos
BAPA
Resultado de Nairóbi
TCPR/QCPR
Estratégias das entidades do SDNU
Cont. Subárea Ação Instrumentos Exemplos
Funcionários e capacidades
institucionais
Avaliar o número de funcionários e as
capacidades institucionais necessárias para promover
a CSS nas políticas e programas
Termos de referência para funcionários,
unidades e departamentos
responsáveis pela CSS
Termos de referência das entidades do
SDNU
Parcerias e oportunidades
Identificar oportunidades e promover o diálogo
entre parceiros
Acordos de parceria, Memorandos de Entendimento,
acordos e tratados regionais
Acordos de parceria das agências com
países e outras organizações, como
o IBAS
Iniciativas Sul-Sul
Medir o impacto das iniciativas Sul-Sul
apoiadas por políticas e programas da ONU
Identificar iniciativas em áreas temáticas onde
projetos de CSS teriam maior impacto
Indicadores de desempenho
definidos pelo Quadro de Diretrizes
(2012)
Relatórios, como do Secretário-Geral sobre o estado da
CSS, as avaliações do PNUD e de outras entidades do SDNU
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 10-12.
275
Na área de integração, o quadro de diretrizes estabeleceu orientações políticas para
que as entidades do SDNU pudessem incorporar a CSS em seus trabalhos regulares. Isso
exigiria uma mudança nos mecanismos de trabalho, envolvendo a construção de
capacidades humanas e financeiras para apoiar a modalidade. O quadro dá destaque para
o compartilhamento de conhecimento e o envolvimento de outras partes interessadas na
CSS, além dos governos.
Quadro 14 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU –
Área de Integração
Subárea Ação Instrumentos Exemplos
Conscientização dos funcionários e
construção de capacidades
Estabelecer treinamentos para aumentar a conscientização dos funcionários e construir capacidades de integração e avaliação do progresso das
atividades de CSS
Documento SSC/17/3
UNDAFs
Manual da SU-SSC
Treinamentos, rede de pontos focais
Mecanismos de trabalho
Estabelecer comunidades online de práticas, grupos de
trabalho e mecanismos interagências Sul-Sul
Estabelecer pontos focais
Desenhar quadros organizacionais e termos de
referência para os pontos focais de CSS e padronizar
suas funções principais
Documento TCDC/13/3,
papel dos pontos focais
Times de trabalho da SU-SSC
Metas
Definir metas específicas para incorporação da CSS em
políticas e programas para garantir melhor
monitoramento e avaliação
Documento SSC/17/3
Documento SSC/17/3
Quadros de Cooperação para a
CSS
Estratégias das entidades do SDNU
Parcerias
Estabelecer acordos regionais, temáticos ou setoriais de CSS
em fóruns e conferências
Estudar e aplicar os termos dos quadros de parcerias Sul-Sul
Documento SSC/17/3
IBAS
Acordos das entidades do SDNU
com países pivô
Cont. Subárea Ação Instrumentos Exemplos
276
Financiamento/
Mobilização de recursos
Promover arranjos de financiamento da CSS
Possibilidade de aumentar as alocações nacionais e os
recursos centrais para CSS nos programas nacionais
Novas formas de mobilização de recursos por meio da cooperação triangular
Relatórios sobre o
financiamento do desenvolvi-mento Sul-Sul
Relatórios do Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais sobre
financiamento do desenvolvimento
Sul-Sul
Fundos e agências, tanto de PEDs quanto de PDs
Mecanismos de compartilhamento de conhecimento
Estabelecer ou atualizar os mecanismos atuais
Melhorar e expandir as informações sobre as capacidades do Sul
Documentar e disseminar práticas capazes de replicação
Apoiar a expansão de centros regionais de excelência
Plataformas online
Feiras e eventos de
conhecimento
Publicações e pesquisas
Três pilares da SU-SSC: GSSD-
Academy, GSSD-Expo, SS-GATE
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 12-15.
Na área de monitoramento do progresso, metas de incorporação da modalidade
deverão ser estabelecidas por meio dos indicadores de desempenho globais (apresentados
na parte 1 da pesquisa). Uma melhora na produção e no gerenciamento do conhecimento
Sul-Sul é esperada, como resultado das avaliações sistemáticas sobre as melhores práticas
e sobre os gargalos no uso da modalidade.
277
Quadro 15 – Ações prioritárias em nível global de integração da CSS no SDNU –
Área de Monitoramento do Progresso
Subárea Ação Instrumentos Exemplos
Indicadores
Definir indicadores globais que reflitam as metas de
integração no nível global
Promover o uso desses indicadores nos quadros das
entidades do SDNU
Integrar indicadores de CSS nos sistemas já existentes
de monitoramento
Documento SSC/17/3
Documento SSC/17/3
Mecanismo de relatório online da SU-
SSC
Mecanismos de relatório das entidades
do SDNU
Coleta e gerenciamento
de dados
Coletar, processar, arquivar e compartilhar as
informações sobre CSS
GSSD-Academy
Plataformas de intercâmbio de conhecimento
Sul-Sul das entidades do
SDNU
GSSD-Academy
Plataformas de intercâmbio de
conhecimento Sul-Sul das entidades do
SDNU
Monitoramento e avaliação
Usar os sistemas existentes para monitorar, avaliar e
reportar as contribuições da ONU para a CSS
Produzir estudos temáticos sobre a CSS
Conduzir avaliações periódicas, usando os
indicadores de CSS como base
SU-SSC
Sistema online do PNUD de relatórios
Mecanismos de avaliação das
agências
Relatórios do Secretário-Geral sobre
o estado da CSS
Relatórios do HLC-SSC
Avaliações do PNUD sobre CSS
Relatórios do Administrador do
PNUD para o Conselho Executivo do PNUD/UNFPA
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 16.
As diretrizes também articularam orientações sistêmicas para a atuação do SDNU
no nível nacional, onde efetivamente a modalidade é operacionalizada, ao indicar medidas
para incorporar a CSS nos Quadros de Ajuda ao Desenvolvimento das Nações Unidas
(UNDAFs, do inglês, United Nations Development Assistance Framework). Os
indicadores de desempenho para o âmbito nacional envolvem três áreas:
i) Estratégia e implementação do programa: os indicadores devem avaliar se
o time nacional é capaz de identificar as áreas de CSS que podem ter maior
278
impacto e realizar matchmaking; se a modalidade foi incluída em sua
estratégia de implementação, ao tentar usar ao máximo as capacidades
locais e de outros PEDs; a existência de um ponto focal no país para a
CSS;
ii) Aprendizagem por pares (peer-to-peer learning) e capacidade de
desenvolvimento e ação coletiva: esse indicador avalia se o time nacional
atua na implementação da CSS, dando apoio institucional; se faz uso das
bases de dados da SU-SSC; se utiliza mecanismos Sul-Sul de
financiamento; e se está engajado em trocas Sul-Sul.
iii) Compartilhamento de informação e maior conscientização: esse indicador
avalia se time nacional realiza atividades promocionais da CSS e se
documenta e dissemina informações e soluções Sul-Sul (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 b, pp. 26-
28).
Como mencionado na parte 1, a principal lacuna política das Diretrizes
Operacionais de 2012 é que, ao usar certos termos dos princípios da eficácia da ajuda
esposados pelo CAD-OCDE, vários PEDs rejeitaram o documento como um guia de
orientação política, preferindo se referir ao BAPA e ao Resultado de Nairóbi. De qualquer
forma, esse foi o documento que serviu de base para o reengajamento das entidades do
SDNU em promover a CSS no bojo das negociações da Agenda de Desenvolvimento pós-
2015.
6.4.3 Quadro Estratégico do UNOSSC (2014- 2017)
Os Quadros de Cooperação aprovados pelo Conselho Executivo do PNUD
orientam o trabalho da SU-SSC/UNOSSC e sua relação com o PNUD. Como visto no
capítulo anterior, os dois primeiros Quadros de Cooperação enfatizaram a promoção da
CTPD e seus benefícios para os PEDs, definindo indicadores de sucesso da incorporação
da modalidade. Já o Terceiro e Quarto Quadros visaram promover a CSS por meio de três
plataformas de ação, além do enfoque no intercâmbio de conhecimento para acelerar a
implementação dos ODMs.
Para o período de 2014-2017, o Quadro de Cooperação foi renomeado como
Quadro Estratégico do UNOSSC, e teve como objetivo operacionalizar as orientações da
279
QCPR de 2012. O quadro parte do pressuposto de que é uma obrigação da ONU se engajar
na promoção e no fortalecimento da CSS:
As Nações Unidas têm a obrigação de ajudar a fortalecer as relações de colaboração entre os países em desenvolvimento graças ao seu poder de convocação, seu alcance global, sua presença em vários países, sua expertise técnica e sua imparcialidade. Isso não é menos verdade na área da Cooperação Sul-Sul e triangular (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, p. 2, tradução nossa210).
O quadro estabeleceu prioridades para uma melhor coordenação do apoio da ONU
à CSS, definindo três objetivos estratégicos: i) criar um ambiente político favorável para
que os atores se engajem na CSS; ii) disponibilizar aos parceiros do Sul os mecanismos
institucionais e as capacidades necessárias para gerenciar e implementar a modalidade; e
iii) promover iniciativas inovadoras para ampliar o impacto da CSS no desenvolvimento
dos PEDs.
Com base nesses três objetivos, foram estabelecidos três resultados esperados, que
são:
i) Resultado 1 – Fortalecer o processo multilateral do SDNU na definição de
políticas para a promoção do desenvolvimento, para que incorporem as
visões do Sul. Para isso, será necessário:
a. Permitir que Estados-membros e entidades do SDNU tomem decisões
informadas sobre a CSS, para que a modalidade possa ser
adequadamente refletida nos processos de decisão e documentos
estratégicos. Isso ocorrerá pelo fortalecimento do UNOSSC e do HLC-
SSC;
b. Apoiar ações de integração da modalidade em políticas globais e nas
atividades operacionais do SDNU. Isso será feito por meio de
diretrizes políticas e manuais de treinamento para os times nacionais,
facilitando a inclusão da modalidade nos UNDAFs. Também deverá
haver revisões adequadas ao quadro de diretrizes operacionais de 2012,
adaptando-o aos novos contextos;
210 Do original: “The United Nations has an obligation to help to strengthen collaborative relations among developing countries thanks to its convening power, global reach, country presence, technical expertise and impartiality. This is no less true in the area of South-South and triangular cooperation” (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, p. 2).
280
c. Aumentar a coerência e coordenação do SDNU para apoiar a CSS. Isso
será feito por mecanismos de interação e cooperação interagências;
ii) Resultado 2 – Construir capacidades para iniciar e implementar projetos
de CSS: isso será feito pela arquitetura tripartite do UNOSSC, ao elevar a
capacidade dos serviços oferecidos pelas seguintes plataformas:
a. GSSD-Academy: identificar, documentar e disseminar soluções
relevantes que ajudarão os PEDs a atingir os ODMs e que poderão ser
usadas para a implementação da Agenda de Desenvolvimento pós-
2015;
b. GSSD-Expo: por meio de feiras e exposições, apresentar soluções
bem-sucedidas que possam ser replicadas e estimular novas parcerias;
c. SS-GATE: oferecer, documentar e realizar o intercâmbio de
tecnologias e conhecimento adequados para os problemas dos PEDs;
iii) Resultado 3 – Criar parcerias e modalidades de financiamento para ampliar
o impacto das soluções do Sul para atingir os ODMs. Para isso, será
necessário:
a. Realizar parcerias e mobilizar soluções, por meio do SS-GATE, para
transferir tecnologias que sejam custo-efetivas e adequadas ao
contexto dos PEDs;
b. Sistematizar e fortalecer as contribuições financeiras e em espécie para
a CSS, por meio dos fundos existentes;
c. Ampliar o intercâmbio de conhecimento, em colaboração com as
organizações da ONU (EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE
UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, pp. 8-11).
Como o quadro foi concluído ao final de 2017, ainda não havia sido lançada uma
avaliação oficial de seus resultados e das lições aprendidas. De qualquer forma, o quadro
não traz nenhuma abordagem inovadora em relação ao anterior, mantendo-se alinhado às
responsabilidades dadas ao UNOSSC nas Diretrizes Operacionais de 2012. Considerando
o ambiente político movediço das negociações da Agenda 2030, e que esse período foi
também a fase de reavaliação da localização institucional do Escritório, era de se esperar
que as diretrizes políticas fossem mais amplas caso alguma mudança institucional
ocorresse no período.
281
6.4.4 Planos Estratégicos do PNUD (2008-2011 e 2014-2017)
O papel do PNUD no processo de definição de políticas para a promoção da CSS
é central, devido à sua atuação em campo. Mas até 2007, uma das principais lacunas era
a ausência da menção da CSS nos Planos Estratégicos do PNUD. O Plano Estratégico é
um documento abrangente, responsável por gerenciar o PNUD como um todo.
Seguindo as diretrizes da TCPR de 2007, o PNUD incluiu, pela primeira vez, a
CSS como uma dimensão de seu Plano Estratégico para o período de 2008-2011. A
modalidade foi mencionada como uma das seis abordagens-chave para o
desenvolvimento de suas atividades e a implementação dos ODMs. O plano definiu três
resultados esperados para aumentar a eficácia de seu apoio à CSS:
i) Resultado 1: integrar abordagens Sul-Sul nos planos de desenvolvimento
nacionais e no trabalho da ONU;
ii) Resultado 2: usar a CSS para aumentar a eficácia dos esforços de
desenvolvimento e para cumprir os ODMs;
iii) Resultado 3: melhorar a eficácia das abordagens Sul-Sul feitas pela ONU
(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 19).
Os resultados dessa inclusão foram ambíguos. No período de 2008-2011, alguns
escritórios do PNUD reportaram a incorporação da CSS em seus programas nacionais e
mencionaram que houve progresso em relação ao uso das soluções Sul-Sul. Porém, eles
criticaram o caráter limitado de sua atuação em relação ao acesso, ao escopo, à
disseminação e ao seguimento das atividades voltadas para a CSS (UNITED NATIONS
DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 27).
Já o Plano Estratégico relativo à 2014-2017 baseou-se nas orientações da QCPR
de 2012. O objetivo era o de revitalizar a abordagem do PNUD para a CSS, de modo que
o programa pudesse cumprir três papeis: ser um mediador do conhecimento; ser um
construtor de capacidades de desenvolvimento nos PEDs; e ser um facilitador do
intercâmbio de conhecimento entre os PEDs.
O Plano definiu três áreas de atuação: a sistematização do conhecimento Sul-Sul,
catalogando as soluções que funcionam e aquelas que apresentam problemas de
implementação, para facilitar o matchmaking; a harmonização de políticas e regulações,
para que os programas nacionais sejam melhor utilizados na operacionalização da CSS;
a listagem de diferentes parceiros com potencial de promover e financiar projetos de
282
cooperação técnica (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2014, p.
40).
As orientações políticas do Plano de 2014 foram menos específicas do que o
anterior, mas elas serviram para orientar o trabalho do PNUD na ausência de uma
estratégia corporativa especificamente voltada para a CSS. No programa de operação do
PNUD em campo, há apenas informações mínimas sobre a CSS para guiar o trabalho
programático, que continua a ocorrer sem um direcionamento estratégico. Essa é,
portanto, a principal lacuna política do PNUD, pois uma estratégia corporativa dedicada
à modalidade poderia preencher os gargalos em relação à falta de definições operacionais
sobre o apoio à CSS em campo. Apenas em 2015 o PNUD se mobilizou para desenhar
sua estratégia corporativa para a CSS, que foi adotada em julho de 2016.
6.4.5 Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação Sul-Sul e Triangular
para o Desenvolvimento Sustentável (2016)
A Estratégia do PNUD para Acelerar a Cooperação Sul-Sul e Triangular para o
Desenvolvimento Sustentável começou a ser delineada em abril de 2015, e sua escrita
envolveu consultas formais e informais com várias partes interessadas, especialmente os
PEDs mais engajados em CSS. Seu objetivo é o de orientar as ações do PNUD em relação
à CSS e esclarecer a divisão de trabalhos entre o programa e o UNOSSC. A estratégia é
considerada um documento vivo, que será ajustado com base no learning by doing e nas
avaliações recebidas dos parceiros.
A Estratégia visa conectar experiências e conhecimentos locais a uma rede global
capaz de facilitar o uso da CSS como meio de implementação da Agenda 2030. Para fazer
isso, o PNUD propôs a criação de um mercado global de soluções de desenvolvimento
(global development solutions exchange). Sem fins lucrativos, essa espécie de bolsa de
valores irá reunir soluções, serviços e especialistas Sul-Sul. As partes interessadas
poderão usá-la da forma que mais achar conveniente, não havendo obrigação para que os
Estados-membros ou o SDNU a utilizem. A bolsa será baseada no princípio de open
sourcing, por isso, não afetará a capacidade dos Estados-membros em conduzir suas
próprias políticas de CSS.
O PNUD não terá papel de intermediador, mas sim de facilitador dos
intercâmbios, utilizando de suas capacidades nos níveis global, regional e nacional para:
283
i) Criar um espaço para os participantes trocarem soluções e criarem uma
rede de contatos online e off-line;
ii) Aumentar a conscientização sobre soluções Sul-Sul que podem ser de
interesse de várias partes;
iii) Prover serviços em áreas de especialidade, com foco em financiamento,
apoio em espécie e capacidades de implementação;
iv) Manter um banco de dados atualizado em assuntos técnicos e temáticos;
v) Prover auxílio em questões legais e relacionadas à licitações e
contratações;
vi) Prover uma plataforma de software para a criação de novas aplicações
(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2016, p. 10).
A bolsa de soluções oferecerá três pacotes de serviços aos usuários:
i) Pacote de serviços 1 – Lançamento e gerenciamento da bolsa global de
soluções de desenvolvimento: esse pacote é operacional e focado nos
escritórios nacionais. Envolve aconselhamento, serviços de
implementação e gerenciamento. Os serviços oferecidos serão: start-up;
desenvolvimento de mercado, isto é, divulgar a bolsa; aconselhamento e
mediação, para trazer soluções para a bolsa; implementação;
desenvolvimento e manutenção de uma plataforma de tecnologia de
informação;
ii) Pacote de serviços 2 – diálogo global e coordenação e colaboração
sistêmicas: o foco é criar um ambiente mais propício para o avanço da
CSS, o que exigirá um trabalho próximo com o UNOSSC para fortalecer
a base de conhecimento global sobre a CSS. Dentre os serviços oferecidos
estarão: pesquisa, monitoramento e avaliação para criar abordagens
específicas para a CSS, um dos maiores gargalos até o momento; apoio
técnico para criar o consenso e promover o diálogo Sul-Sul e Triangular;
maior apoio aos fóruns da ONU de coordenação interagências;
iii) Pacote de serviços 3 – criar um ambiente propício nos níveis regional e
nacional: esse é um pacote operacional para criar um ambiente mais
favorável à CSS. Os serviços oferecidos serão: diagnósticos e análises para
facilitar as políticas, regulações e os quadros legais; construção de
capacidades institucionais e know-how; promoção de treinamentos; e
284
fortalecimento dos pontos focais (UNITED NATIONS DEVELOPMENT
PROGRAMME, 2016, pp. 13-17).
Em termos de cronograma de implementação, a estratégia teve, além da fase
inicial em 2015 para construir a estratégia, mais duas etapas. A etapa 2 ocorreu de
fevereiro a dezembro de 2016, com a criação de um time de start-up da Bolsa, composto
por funcionários do PNUD, do UNOSSC, especialistas Sul-Sul e países interessados.
Nessa fase, foram realizados estudos, prospecções e campanhas para aumentar a
conscientização e atrair interesse. Já a etapa 3 ocorreu de janeiro a dezembro de 2017,
com o soft lauch da Bolsa global para um período teste de 24 meses, com foco em criar
demanda e garantir sua sustentabilidade financeira.
De acordo com a estratégia, a implementação por completo da plataforma exigirá
três esforços paralelos. Primeiramente, um esforço por parte dos Estados-membros em
equilibrar os interesses de diferentes grupos de países nas negociações que ocorrem no
HLC-SSC, na AGNU e no ECOSOC. Espera-se que as tensões Norte x Sul sejam
mitigadas por uma perspectiva ganha-ganha e pelo diálogo informado por evidências,
com foco na busca de soluções. Também será necessário garantir o apoio e engajamento
dos países nos quais o PNUD tem programas, para que eles utilizem a plataforma. Por
fim, os Estados-membros deverão se envolver na divisão dos custos: enquanto a primeira
e segunda fases foram financiadas por recursos do PNUD, o funcionamento pleno da
bolsa deverá ser mantido por diferentes fontes de contribuição.
O segundo esforço será o de mobilizar os programas do PNUD e os programas
conjuntos com outras agências, para lidar com quatro prioridades:
i) Integrar a CSS aos programas nacionais e regionais de desenvolvimento;
ii) Oferecer serviços para lidar com os constrangimentos institucionais e
regulatórios que dificultam o avanço da CSS;
iii) Promover parcerias com várias partes interessadas, incluindo multi-países
e inter-regionais;
iv) Dar acesso a serviços que facilitarão a utilização da bolsa de soluções,
conectando as demandas às soluções ofertadas. Deve-se garantir que o
funcionamento da bolsa seja puxado pela demanda.
Por fim, o terceiro esforço será o de envolver o PNUD e o UNOSSC em um
verdadeiro trabalho conjunto. Na estratégia, o PNUD ficaria com o papel operacional,
enquanto o UNOSSC estaria envolvido com os órgãos normativos da ONU para
promover a coordenação sistêmica. A estratégia deverá ajudar o UNOSSC a engajar as
285
agências da ONU na CSS, e os relatório do HLC-SSC deverão indicar o progresso na
implementação da estratégia.
A reação dos Estados-membros à proposta foi positiva, uma vez que a preparação
de uma estratégia operacional do PNUD especialmente voltada para a CSS era
demandada há alguns anos. Para o G-77, o ponto central da estratégia seria o de melhorar
a coerência sistêmica da CSS no SDNU e elevar o perfil do UNOSSC.
Já os grandes doadores estavam preocupados com a questão do financiamento e
com os indicadores que seriam utilizados para monitorar a entrega dos serviços. Os países
do CAD-OCDE ressaltaram a importância dos princípios da eficácia da ajuda nesse
processo. A resposta do PNUD a essa questão foi controversa: os funcionários
responsáveis por apresentar a Estratégia afirmaram que o PNUD valoriza os princípios
da eficácia da ajuda em termos de monitoramento, mas que, para essa estratégia em
específico, os Estados-membros deveriam decidir os critérios de avaliação e
monitoramento. Isso demonstra a dificuldade do programa em se desvincular do
paradigma da cooperação tradicional e de agir sem considerar os interesses dos maiores
doadores.
6.5 Lacunas de cumprimento (compliance)
As lacunas de cumprimento se referem aos contextos e às práticas que prejudicam
ou impedem que uma política seja adequadamente executada pelas partes envolvidas. No
caso da ONU, como todas as suas decisões apresentam caráter recomendatório211, as
lacunas de cumprimento envolvem problemas de implementação, execução e
monitoramento.
No que se refere à CSS, a seção irá analisar as lacunas de cumprimento a partir
dos resultados de duas avaliações sobre o desempenho do SDNU na promoção da CSS: a
avaliação do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU; e a avaliação do
PNUD sobre o apoio à CSS. Ambas as avaliações consideram que há um descolamento
entre os compromissos políticos e a operacionalização da modalidade em campo.
Em 2014, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU fez uma
avaliação da implementação da QCPR de 2012. Representantes residentes de 74 países
211 Com exceção às resoluções do Conselho de Segurança.
286
com programas nacionais participaram da avaliação, o que correspondeu a 50% dos
gastos do SDNU com as atividades operacionais para o desenvolvimento no período
(UNITED NATIONS, 2014, p. 3).
No quadro abaixo, estão as respostas da pesquisa em relação a três questões: o
envolvimento dos países com a CSS ou com formas de intercâmbio horizontal na área do
desenvolvimento; o envolvimento da ONU em apoiar a CSS; e a existência de um ponto
focal para a CSS. Na pesquisa, 72% dos representantes residentes afirmaram que seu país
estava envolvido com CSS, mas a maioria sinalizou que o processo era ainda inicial.
Sobre o apoio da ONU na promoção da modalidade, 66% responderam que há esse apoio,
mas alguns representantes destacaram que as iniciativas são isoladas. Por sua vez, 19%
desconheciam a existência do apoio da ONU, demonstrando que ainda falta dar alcance
às plataformas políticas e de conhecimento Sul-Sul. Um dos motivos pode ser a
inexistência de pontos focais nacionais: apenas metade dos representantes afirmaram
haver uma entidade responsável por promover a CSS, enquanto 21% desconhecia tal
existência.
Quadro 16 – Pesquisa sobre o envolvimento dos países e da ONU no apoio à CSS
Sim Não Não sabe
Seu país está envolvido com CSS? 72% 18% 10%
A ONU apoia a CSS em seu país? 66% 15% 19%
Em seu país, há uma entidade dedicada à CSS? 49% 30% 21%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2014, p. 35; p. 38.
Para aqueles representantes que afirmaram haver um envolvimento do SDNU em
promover a CSS em seu país, a avaliação analisou as áreas em que esse apoio ocorreu e
quais outras áreas o país esperava receber apoio da ONU no futuro. Na pesquisa, 58 dos
74 países forneceram informações a respeito dessas áreas, e as respostas estão no quadro
a seguir. Os representantes poderiam indicar quantas áreas quisessem.
Nota-se que a atuação da ONU é mais proeminente na área de políticas sociais,
como proteção social, saúde e segurança alimentar. Na área da cooperação econômica, há
maior ênfase no desenvolvimento agrícola e rural. A agenda para o desenvolvimento
sustentável se destacou no apoio às soluções para combater as mudanças climáticas e
287
resolver problemas atrelados à água e ao saneamento. A questão dos direitos humanos é
mais evidente na área da promoção da igualdade de gênero.
Também é interessante observar que, em relação às expectativas de apoio futuro
da ONU, os representantes esperam que a organização se engaje justamente nas áreas
onde se mostra menos ativa: crescimento econômico e emprego; e indústria, comércio e
investimentos.
Quadro 17 – Áreas de apoio da ONU para a promoção CSS (em número de
respostas)
Área A ONU ofereceu
apoio à promoção da CSS nessa área
O país espera receber o apoio da ONU na promoção da CSS nessa área
Desenvolvimento agrícola e rural 22 (1º lugar) 23 (7º lugar)
Proteção social 20 (2º lugar) 16 (13º lugar)
Saúde 19 (3º lugar) 19 (10º lugar)
Segurança alimentar e nutrição 18 (4º lugar) 23 (8º lugar)
Igualdade de gênero 18 (5º lugar) 12 (15º lugar)
Meio ambiente e recursos naturais (incluindo mudanças climáticas, água e
saneamento) 17 (6º lugar) 24 (5º lugar)
Governança e administração pública 17 (7º lugar) 18 (11º lugar)
Transferência de conhecimento e tecnologia 15 (8º lugar) 28 (4º lugar)
Educação 15 (9º lugar) 21 (9º lugar)
Redução da pobreza 15 (10º lugar) 17 (12º lugar)
Redução do risco de desastres 13 (11º lugar) 24 (6º lugar)
Assistência humanitária 13 (12º lugar) 12 (16º lugar)
Descentralização 12 (13º lugar) 16 (14º lugar)
Direitos humanos e igualdade 12 (14º lugar) 11 (17º lugar)
Políticas para o desenvolvimento sustentável
(políticas que integram as dimensões econômica, social e ambiental)
11 (15º lugar) 33 (1º lugar)
288
Cont. Área A ONU ofereceu
apoio à promoção da CSS nessa área
O país espera receber o apoio da ONU na promoção da CSS nessa área
Construção da paz e recuperação inicial 11 (16º lugar) 10 (18º lugar)
Crescimento econômico e emprego 9 (17º lugar) 33 (2º lugar)
Indústria, comércio e investimentos 6 (18º lugar) 29 (3º lugar)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2014, pp. 36-37.
Por fim, a avaliação perguntou aos representantes quais eram os maiores desafios
enfrentados pela ONU na promoção da CSS, sendo essa uma pergunta aberta. Dentre as
respostas, se destacaram três conjuntos de problemas: coordenação; falta de
conhecimento; e falta de alinhamento com as expectativas nacionais. Em relação aos
problemas de coordenação, foi mencionada a falta de padrões operacionais e a ausência
de programas específicos para a CSS. Sobre o conhecimento, os representantes
mencionaram uma falta de compreensão, por parte dos funcionários em campo, sobre as
especificidades da CSS. Acerca do alinhamento, as respostas indicaram que ainda é um
desafio para a ONU promover a CSS de forma alinhada com as capacidades e
expectativas nacionais (UNITED NATIONS, 2014, p. 40).
Os resultados de implementação do sistema ONU como um todo não são muito
diferentes daqueles verificados na avaliação sobre a contribuição do PNUD na promoção
da CSS. Na pesquisa conduzida pelo Escritório de Avaliação do PNUD em 2013, foram
realizadas 290 entrevistas, em todos os níveis do programa (nacional, regional e global).
Conforme mostra o gráfico a seguir, os escritórios nacionais do PNUD
consideraram que houve progresso na atuação do programa em relação à CSS. Em 2011,
a promoção da modalidade foi citada como um resultado alcançado em 645 relatórios de
resultados de programas em 152 países (de um total de 995 resultados de programa)
(UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 111). Já em relação
a projetos de CSS propriamente ditos, em 2013 foram desenvolvidos 269 projetos em 133
países; esse número quase dobrou em 2014, com um total de 469 projetos (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2015, p. 8).
289
Gráfico 2 – Avaliação dos escritórios nacionais do PNUD sobre o progresso da CSS
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 93.
A maior parte dos projetos envolveu o intercâmbio entre 2 ou mais países (61%),
mas houve um crescimento de 3% nas iniciativas regionais (de 28% em 2013 para 31%
em 2014). Por sua vez, 8% das iniciativas foram realizadas em âmbito global. Dentre as
áreas de atuação da integração da CSS, se destacaram: intermediador de conhecimento
(72%); construção de capacidades (24%); e facilitador de parcerias (18%) (HIGH-
LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2015, p. 10).
Na área de conhecimento, o papel definido pelo Plano Estratégico do PNUD para
que o programa atuasse como intermediador de conhecimento teve resultados imediatos.
A conexão com os escritórios nacionais e as comunidades de práticas permitiu ao PNUD
promover um maior intercâmbio de informações: 57% dos programas nacionais avaliados
identificaram as contribuições positivas do PNUD nessa área, por meio de treinamentos,
tours de estudo, uso de especialistas e auxílio à realização de conferências internacionais
e regionais (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 33).
Na área de construção de capacidades, destacaram-se as iniciativas de
fortalecimento político e institucional. Essas iniciativas foram conduzidas e financiadas
pelos países, com apoio do PNUD nas áreas de treinamentos de staff; planejamento;
10%
73%
16%
1%
9%
62%
26%
2%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Progresso alcançado Mudança positiva Nenhuma mudança Aquém do esperado
Sim Não
290
estatísticas e suporte técnico; e apoio aos centros de excelência, ajudando a consolidar
informações e melhores práticas.
Na área de parcerias, o PNUD também se esforçou para aumentar e diversificar
sua relação com várias partes interessadas. Em 2013, 75% dos parceiros eram governos;
12%, organizações da sociedade civil; 7%, setor privado; 3%, academia; e 3%, institutos
de pesquisa (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION,
2015, p. 9).
Embora sejam resultados positivos, a implementação e a execução das políticas
do PNUD apresentam resultados muito desiguais. O programa está apoiando iniciativas
isoladas, sem uma estrutura que poderia conectá-las e criar um aprendizado por pares. As
conquistas são individuais e carecem de uma abordagem programática sistêmica, com
ferramentas, estratégias, especialistas dedicados à CSS.
Outro problema é que as orientações programáticas para o desenho dos projetos
restringem o uso de outras abordagens que não a Norte-Sul. As orientações existentes
reforçam o uso da cooperação técnica tradicional como o trabalho usual, e o uso da CSS
como algo especial ou específico. O PNUD ainda trabalha com a ideia de que é um
provedor de cooperação técnica, e mesmo quando utiliza soluções Sul-Sul, vê os países
como recipiendários, e não como tomadores de decisões no processo de implementação.
Ou seja, a relação ainda é vertical, ao invés de horizontal, e a aprendizagem em
pares e o benefício mútuo entre os PEDs são perdidos no arranjo. Com isso, há um
descompasso entre a promoção da CSS nos níveis mais altos da organização e no nível
prático dos programas. As plataformas de compartilhamento de conhecimento e os
sistemas de relatórios não geram uma aprendizagem corporativa sobre a CSS, e o PNUD
está perdendo uma oportunidade de aprender lições que poderiam ser sistematizadas e
disseminadas pela organização.
Em suma, para melhorar a capacidade de cumprimento do SDNU em relação à
promoção da CSS, seria necessário realizar uma aplicação sistemática da CSS nos
programas, por meio do fortalecimento das capacidades programáticas e de conhecimento
das burocracias do SDNU.
291
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE II
Essa parte teve como objetivo discutir como a governança do SDNU afeta a
incorporação operacional da CSS. A governança do SDNU é historicamente atomizada e
compartimentalizada, sem nenhum mecanismo capaz de dar coerência às várias
atividades operacionais conduzidas pelas agências e pelos fundos e programas que
formam o sistema. As reformas dos anos 1990, com o desmantelamento do papel do
PNUD como agência financiadora central e a criação dos Conselhos Executivos para os
programas e fundos, afrouxou ainda mais a coordenação do SDNU. Ademais, como na
maior parte das instâncias decisórias do SDNU as decisões são via consenso, a
coordenação acaba sendo feita via mínimo denominador comum, e não pela priorização
efetiva das áreas de ação.
Em termos de governança, isso gera quatro problemas, definidos por Browne e
Weiss (2013, p. 2) como os 4 Cs: competição, coerência, capacidade e complacência. A
descentralização do SDNU resulta em uma competição entre as entidades por mandatos
e recursos, levando à falta de coerência da atuação operacional. A redundância e a
repetição de ações em certas áreas – e a escassez de atuação em outras – comprometem a
capacidade da ONU em promover, com eficácia, o desenvolvimento em âmbito
internacional. Outro problema é a complacência. A maioria dos funcionários da ONU
ainda não reconhece que é necessário promover uma mudança sistêmica para evitar a
ineficiência e até mesmo a marginalização do SDNU. As reformas na burocracia são
incrementais, com várias pequenas adaptações, e a tendência é a de ampliar e criar novas
partes, ao invés de racionalizar e criar uma sinergia entre elas.
Os problemas estruturais de sua governança resultam na incapacidade do SDNU
em realizar a incorporação operacional da CSS nos trabalhos regulares de suas entidades.
A integração apenas ocorre de forma ad hoc e dependente de iniciativas individuais, não
havendo um processo sistêmico e coerente no uso da modalidade.
Por isso, as lacunas de conhecimento, normativas, institucionais, políticas e de
cumprimento em relação à integração da CSS enfatizam três aspectos da crise de
governança do SDNU: a falta de credibilidade; a falta de legitimidade; e a falta de
incentivo.
Há um déficit de credibilidade em relação à eficiência dos programas de
desenvolvimento da ONU. Os programas de cooperação tradicionais se mostram cada vez
292
mais ineficientes, com treinamentos superficiais, pouco impacto na realidade local e
ausência de real transferência de conhecimento e construção de capacidades. Já a CSS
tem acumulado um histórico de impactos positivos em campo, entregando mais com
menos recursos. Porém, mesmo diante da eficiência da CSS comprovada por vários
projetos, o SDNU tem enorme dificuldade em se adaptar, sendo historicamente
prevalecentes as barreiras informacionais e atitudinais contra a modalidade.
Há uma lacuna de informações e conhecimento sobre as capacidades e práticas
dos PEDs, que impede tanto a Primeira ONU de tomar decisões que efetivamente
considerem a CSS, quanto a Segunda ONU de incorporar essa modalidade em seus
projetos em campo. Também há uma atitude de resistência em mudar a forma como a
cooperação internacional para o desenvolvimento é concebida. No caso dos Estados-
membros, essa resistência vem dos PDs, que acreditam que perderão um valioso
instrumento de política externa – a ajuda – caso ocorra a incorporação plena da CSS ao
SDNU. Já para os funcionários da ONU, a cultura burocrática de que as agências, os
fundos e programas são os detentores do conhecimento e das soluções de
desenvolvimento dificulta a mudança para uma modalidade que entende que as soluções
estão nos PEDs eles mesmos, e as agências apenas facilitariam o processo.
Isso desafia a credibilidade do SDNU em ser responsivo com as demandas dos
PEDs e até poderia torná-lo redundante. Os PEDs, e particularmente as potências
emergentes, questionam porque eles deveriam apoiar um conjunto de instituições e
práticas que se mostraram ineficientes e pouco responsivas às suas demandas. Nesse
aspecto, a não-incorporação operacional da CSS aponta para a crise de legitimidade do
SDNU.
A questão da legitimidade se refere à noção de quem fala e por quem fala no
processo de tomada de decisão. As instâncias decisórias do SDNU são, em teoria, mais
democráticas, pelo fato de seguirem o princípio um país-um voto. Na prática, os quadros
decisórios são dominados pelos doadores tradicionais, que financiam a maior parte das
atividades dos programas. Por isso, a incorporação da CSS ao trabalho regular do SDNU
questiona a legitimidade do processo de tomada de decisão em relação à
representatividade dos interesses dos PEDs, especialmente nos Conselhos Executivos das
agências, dos fundos e programas.
Algumas mudanças no sistema de votação e na composição dos quadros
executivos têm ocorrido para responder a essa demanda, mas ainda de forma tímida. O
CAD-OCDE também passou a usar uma linguagem de que é necessário acomodar os
293
interesses e as visões do Sul, e que isso trará novas parcerias e oportunidades. Mas a
arquitetura do SDNU ainda reflete prioritariamente a visão de cooperação dos PDs, e a
promoção da CSS é vista como uma agenda especial, ao invés de uma modalidade que
deveria ser adotada como prática usual.
Ao mesmo tempo, faltam incentivos para que as potências emergentes considerem
a opção de aproximar a linguagem da CSS aos princípios do CAD-OCDE em relação ao
paradigma da eficácia da ajuda. Para esses países, há desincentivos econômicos e
políticos para realizar esse alinhamento, uma vez que eles já não contam
significativamente com as contribuições dos doadores tradicionais e apresentam alguma
capacidade de desenvolvimento para sustentar relações cooperativas com outros PEDs.
Tais potências estão dispostas a resistir e até mesmo rejeitar as práticas e normas
dominantes de cooperação internacional para o desenvolvimento na ONU, e defendem
uma reforma profunda na estrutura de governança do SDNU, para que ela efetivamente
inclua os princípios de responsabilidades comuns, mas diferenciadas; de aprendizado
mútuo; e de respeito a abordagens alternativas. Entretanto, essa resistência não é tão
expressiva nos países menos desenvolvidos e mais dependentes das doações do CAD-
OCDE.
Por isso, as possibilidades futuras para a integração operacional da CSS no SDNU
vão depender da posição das potências emergentes: elas irão adaptar o conceito de CSS
às orientações vigentes ou vão desenvolver seus sistemas paralelos, embora cooperativos,
de governança? Isso dependerá não apenas da capacidade desses países em preencher as
lacunas da governança do SDNU para a CSS, mas, especialmente, da capacidade de
financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento conduzidas pelo
SDNU. A questão do financiamento para o desenvolvimento será o tema da última parte
da pesquisa.
294
PARTE 3 – A GRADUAÇÃO DO SUL?
O financiamento da integração da Cooperação Sul-Sul
no SDNU
Na parte 3, será discutido o financiamento destinado à incorporação da CSS ao
Sistema de Desenvolvimento das Nações Unidas (SDNU). Mais especificamente, essa
parte tem como objetivo analisar o impacto dos chamados doadores emergentes –
expressão utilizada para se referir à crescente contribuição financeira das potências
emergentes– no financiamento dos projetos de CSS.
Uma característica do financiamento da CSS é que ele passa ao largo do SDNU:
os doadores emergentes preferem canalizar bilateralmente seus recursos, ao invés de
destiná-los à ONU. Assim, a pergunta que conduz a discussão da parte 3 é a seguinte: se
os doadores emergentes estão cada vez mais engajados em incorporar a CSS ao SDNU,
porque seu financiamento não passa prioritariamente pelo sistema?
Ademais, nessa parte haverá um esforço de compilação dos dados sobre o
financiamento da CSS no SDNU, uma vez que essas informações não estão
sistematizadas nos diferentes documentos oficiais. Isso dificulta a avaliação sobre os
constrangimentos à incorporação da modalidade atrelados ao financiamento, e o esforço
da pesquisa de organizar esses dados em bases comparáveis poderá contribuir para uma
melhor análise desse processo.
Para tanto, no capítulo 7, serão apresentadas as fases da estrutura de financiamento
do desenvolvimento na ONU de 1945-1990, e seus impactos para o financiamento da
CSS. Uma vez que a maior parte dos recursos dos fundos, programas e das agências do
SDNU são oriundos de contribuições voluntárias dos Estados-membros, angariar recursos
para financiar a integração da CSS sempre foi um desafio. Até os anos 1990, os PEDs
tinham pouquíssimos recursos e os doadores do CAD-OCDE tinham poucos incentivos
para financiar a CSS, trazendo constrangimentos a esse processo.
No capítulo 8, será discutido o contexto dos anos 2000, de consolidação dos
doadores emergentes, quando a ideia de CSS encontra condições de financiamento muito
mais favoráveis, o que deu maior projeção à modalidade no SDNU. Por sua vez, isso
levou os doadores do CAD-OCDE a defender a graduação das potências emergentes, isto
295
é, pressioná-las para que assumam maiores responsabilidades e dividam o ônus de
financiamento do SDNU.
Mas os doadores emergentes se recusam a assumir maiores responsabilidades
financeiras enquanto não houver uma reforma na governança do SDNU. Diante desse
impasse, o financiamento da CSS no SDNU continua sofrendo constrangimentos, e a falta
de recursos centrais contribui negativamente para a integração sistêmica da modalidade,
como será visto nos capítulos a seguir.
296
CAPÍTULO 7 – A ESTRUTURA DE FINANCIAMENTO DO SDNU
E O FINANCIAMENTO DA CSS (1945-1990)
Nesse capítulo, primeiramente será apresentada a estrutura de poder subjacente ao
financiamento do SDNU, indicando suas principais fontes de recursos, que são as
contribuições voluntárias dos Estados-membros. Em seguida, serão apresentadas as fases
de financiamento do sistema, começando pelo período de 1945-1960, de construção dos
primeiros mecanismos para dar suporte financeiro às atividades de cooperação técnica,
como o Programa Expandido de Assistência Técnica para o Desenvolvimento Econômico
dos Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês, Expanded Programme of Technical
Assistance for Economic Development of Under-developed Countries) e o Fundo Especial
das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico (SUNFED, do inglês, Special
United Nations Fund for Economic Development). Nessa fase, também será analisada a
criação do PNUD em seu papel de agência financiadora central, com a responsabilidade
de aglutinar as contribuições voluntárias dos PDs no sistema multilateral e distribuir esses
recursos entre as diferentes entidades do SDNU, responsáveis por implementar os
projetos nos PEDs.
A segunda fase da estrutura de financiamento compreende o período de 1970-
1980, quando há a consolidação da promoção da CTPD como uma das funções do SDNU.
Nesse período há uma crise financeira no PNUD, com a redução expressiva das
contribuições dos PDs. A ênfase na execução nacional dos projetos tinha como propósito
não apenas aumentar sua conexão com as demandas acionais, mas também diminuir os
custos de implementação, transferindo-os para o campo.
Quando da aprovação do BAPA, em 1978, um dos motivos de alocar a SU-TCDC
no PNUD foi o de garantir uma fonte mais segura de financiamento para os trabalhos da
Unidade Especial. Mas como essa foi a fase marcada por restrições orçamentárias, o
financiamento da CTPD contou apenas com uma pequena parte das estimativas do
volume de recursos (IPFs, do inglês, indicative planning figures); com os recursos para
programas especiais (SPR, do inglês, special programme resources) do PNUD; e com
Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países
em Desenvolvimento (PGTF, do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund).
297
Por fim, o capítulo discute os anos 1990, quando há uma drástica mudança no
padrão de financiamento do SDNU, em virtude do fim da posição do PNUD como agência
financiadora central. Cada entidade do sistema passou a ter que garantir seu próprio
financiamento, e, com isso, o padrão dos recursos deixou de ser as contribuições
voluntárias dos Estados-membros e passou a se basear em financiamentos especificados
pelos contribuintes. Isso aprofundou a fragmentação e a falta de coerência do SDNU e
dificultou ainda mais a canalização de recursos para a CTPD. A resolução da AGNU em
criar o Fundo Fiduciário para a Promoção da Cooperação Sul-Sul, em 1996, e a decisão
do PNUD em alocar 0,5% de seus recursos para a CTPD, em 1997, foram tentativas de
dar alguma previsibilidade ao financiamento da modalidade, mas o caráter ad hoc e pouco
sistêmico de sua integração também são resultado do padrão errático e limitado de
financiamento.
7.1 A estrutura de financiamento do SDNU
As tensões políticas mais sérias na ONU envolvem as questões orçamentárias. Por
meio do financiamento, um conjunto de ideias e normas se tornam concretas no campo
da cooperação internacional para o desenvolvimento. Trata-se de uma ferramenta de
política externa que afeta significativamente aquilo que as autoridades políticas
conseguem entregar em termos de execução e implementação das ideias e dos valores
subjacentes aos projetos de desenvolvimento.
A batalha sobre os pagamentos obrigatórios à organização e o destino dos gastos
explicitam as relações de poder na ONU: qual deveria ser o critério de distribuição dos
pagamentos e dos gastos? Quem deve pagar, em qual quantidade? E que objetivos
políticos devem ser financiados? Esse debate ocorre não apenas nas instâncias formais de
decisão, onde prevalece a regra democrática de um país-um voto, mas também nas
negociações informais. Por isso, segundo Laurenti (2008, p. 675, tradução nossa212):
212 Do original: “Finances are a fundamental metric of power – the wherewithal that gives tangible effect to the verbal intentions that political authorities solemnly proclaim. The viability and performance of any political unit depends on the financial resources it can muster. Moreover, in any political system, the allocation of the burden of providing revenue, on the one hand, and of the expenditure of resources, on the other, provides a vivid demonstration of that system's power relationships and political values” (LAURENTI, 2008, p. 675).
298
As finanças são uma medida fundamental de poder – os meios que dão efeito tangível às intenções verbais que as autoridades políticas solenemente proclamam. A viabilidade e o desempenho de qualquer unidade política dependem dos recursos financeiros que ela pode gerar. Além disso, em qualquer sistema político, a alocação do ônus de prover as receitas, por um lado, e o gasto dos recursos, por outro, fornece uma demonstração vívida das relações de poder e dos valores políticos desse sistema.
Por ocasião das negociações para a criação da ONU na conferência de Dumbarton
Oaks, em 1944, os Estados Unidos haviam proposto que as questões orçamentárias da
organização fossem aprovadas como nas IBW, onde o peso do voto deveria ser
correspondente ao montante da contribuição. Preocupadas com a influência que os
Estados Unidos poderiam ter nas questões de paz e segurança internacionais, esse arranjo
foi negado pelas outras potências presentes, ficando decidido na Conferência de São
Francisco que todos os Estados-membros da ONU seriam responsáveis por aprovar
conjuntamente o orçamento da organização, com base no princípio de um país-um voto
(LAURENTI, 2008, p. 677).
Em termos de processo decisório, o orçamento da ONU é negociado na AGNU,
em sua Quinta Comissão. Essa comissão tem duas particularidades. Primeiramente,
enquanto as questões normais da AGNU são aprovadas por uma maioria simples, as
questões orçamentárias devem ser decididas por uma maioria de 2/3 dos votos. Porém, a
segunda particularidade é que, dado o caráter sensível da definição do orçamento, as
resoluções da Quinta Comissão são sempre aprovadas pelo consenso. Isso porque, se o
orçamento fosse levado à voto, isso iria, na prática, inviabilizar a efetivação do
orçamento, pois os países que votassem contra não seriam obrigados a fazer as
contribuições estabelecidas na resolução aprovada.
Por conta dessas particularidades, desde o início houve tensões sobre a
distribuição do valor das contribuições obrigatórias de cada membro, compondo assim
seu orçamento regular. O orçamento regular se refere às contribuições avaliadas, isto é,
ao pagamento obrigatório dos Estados-membros por fazer parte da ONU. Em 1946, a
AGNU criou um Comitê sobre Contribuições, responsável por definir as fórmulas para
calcular a proporção adequada de contribuição de cada Estado-membro, seguindo o
princípio da “capacidade de pagar”. O Comitê elaborou uma fórmula que inclui a média
entre as rendas nacionais relativas, o deslocamento temporário das economias nacionais,
o aumento na capacidade de pagar, a disponibilidade de divisas estrangeiras e a renda per
capita relativa.
299
A partir dessa fórmula, o financiamento da ONU como um todo ficou sob
responsabilidade dos países mais ricos, mas os Estados Unidos propuseram um teto de
22% para evitar que o peso do orçamento recaísse prioritariamente sobre eles. Vários
países se posicionaram contrariamente a essa proposta, afirmando que o teto contradizia
o princípio de capacidade de pagar e implicaria em aumentar a contribuição de outros
países com menor capacidade de pagamento. Mas os Estados-membros acabaram
cedendo à solicitação dos Estados Unidos, para não correrem o risco de não contar com
a participação e o financiamento desse país. Mesmo com o teto de 22%, os Estados
Unidos são os maiores contribuintes da ONU e, por isso, detêm o poder de definição do
orçamento, acima das regras de decisão da maioria213.
Já o financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento
conduzidas pelo SDNU é diferente do financiamento da ONU como um todo. Apenas
uma pequena parte dos recursos do SDNU vem do orçamento regular da ONU, e esse
montante é destinado ao pagamento de salários de algumas posições sêniores e ao
financiamento de certas conferências. No SDNU, cada entidade do sistema é responsável
pelo seu próprio orçamento, aprovado pelos respectivos Conselhos Executivos. Portanto,
o financiamento das entidades do SDNU pouco passa pelo escrutínio dos membros da
AGNU, que apenas podem recomendar aos Conselhos Executivos que priorizem o
financiamento de determinadas áreas.
O orçamento das entidades do SDNU é prioritariamente financiado por
contribuições voluntárias dos Estados-membros. Nesse tipo de contribuição, o poder está
nas mãos dos contribuintes, que decidem o montante e o destino dos recursos. Isso
significa que os doadores têm muito mais poder nos Conselhos Executivos do que na
AGNU, pois podem simplesmente se negar a financiar determinado programa. As
contribuições voluntárias também permitem que os doadores não assumam
compromissos orçamentários de longo prazo, enquanto na AGNU, é mais difícil fazer
modificações nas contribuições uma vez que elas tenham sido aprovadas por consenso.
As contribuições voluntárias podem ser de dois tipos: centrais (core contributions)
ou especificadas/não-centrais (earmarked/non-core contributions). As contribuições
213 O artigo 19 da Carta estabelece as penalidades em caso de atraso nos pagamentos das contribuições avaliadas que excedam o montante correspondente a um período de dois anos. O país perde seu direito de voto na AGNU, mas o órgão pode deliberar a favor de manter o direito de voto se a incapacidade de pagar for resultante de forças externas à vontade do Membro. Os Estados Unidos são, ao mesmo tempo, os maiores contribuintes e aqueles que apresentam maiores atrasos no pagamento de suas contribuições ao orçamento regular. Mas isso pouco afeta seu poder de voto, dada sua importância política.
300
centrais se referem aos principais recursos das entidades do SDNU, que são dispendidos
por meio de compromissos anuais ou plurianuais por parte dos Estados-membros. Apesar
desses recursos serem voluntários, eles possuem algum grau de previsibilidade, pois estão
incluídos nos planos estratégicos e nos orçamentos integrados das entidades. Ademais, as
contribuições centrais são feitas sem nenhuma condicionalidade ou especificação sobre
seu uso, sendo de responsabilidade do Conselho Executivo decidir o destino dos gastos.
Já nas contribuições especificadas ou não-centrais, os Estados contribuintes
determinam o uso dos recursos em relação a um tema, país ou projeto. O volume e o
cronograma de alocação são definidos por negociações entre o doador, a entidade da ONU
responsável pelo projeto e o país recipiendário. Nesse instrumento, são os doadores – e
não as entidades do SDNU - que têm o controle do processo. Ademais, esses recursos não
trazem uma previsibilidade orçamentária para o SDNU, pois podem ser alocados ou
removidos a qualquer momento por critério dos doadores.
Um outro instrumento de financiamento são os compromissos negociados
(negotiated pledges). Tais compromissos são feitos por meio de conferências ou
encontros entre vários parceiros, bilaterais e regionais. Ao final do processo de
negociação, os doadores podem fazer compromissos de financiamento a entidades ou
fundos do SDNU. Esse instrumento funciona de forma parecida com os recursos centrais
porque, apesar de serem negociados em conferências, existe um compromisso formal de
financiamento, capaz de trazer previsibilidade ao orçamento das entidades do SDNU.
Por fim, existem algumas taxas que as entidades podem cobrar por determinados
serviços ou produtos prestados, recebendo pagamentos negociados ou fixos. Essas taxas
correspondem a uma proporção muito pequena do orçamento das entidades.
Em termos de tipo de contribuintes, a maior parte das contribuições do orçamento
do SDNU vem dos Estados-membros, mas a partir dos anos 1990 houve um crescimento
expressivo das contribuições de atores não-estatais, como corporações, sociedade civil,
indivíduos, fundações, universidades, e autoridades regionais ou locais.
No quadro a seguir estão sistematizados os tipos de instrumentos de financiamento
do SDNU em relação à sua definição, características, forma de dispêndio do recurso, e a
decisão e forma de sua alocação.
301
Quadro 18 – Tipos de instrumentos de financiamento do SDNU
Definição Característica Definição do gasto
Alocação dos recursos
Decisão de alocação dos
recursos
Contribuições avaliadas (assessed contributions)
Pagamento obrigatório dos
Estados-membros, conforme indicado
no tratado
Custo de fazer parte da
organização
Montante fixo definido por
fórmula
Estabelecido no orçamento, mas
uma parte muito pequena destina-se ao
SDNU
Estados-membros
Contribuições centrais (core contributions)
Contribuições voluntárias
Também chamadas de recursos regulares ou
recursos voluntários não-
especificados
Contribuições voluntárias
definidas nas solicitações anuais, sem
especificação quanto seu uso
Não há mecanismo de definição da
contribuição, é plenamente voluntário
Estabelecido no orçamento
Estados-membros
Contribuições especificadas ou não-centrais (earmarked or non-core contributions)
Contribuições voluntárias em que o doador especifica
seu uso
Também chamado de recursos não-
centrais (non-core)
O doador especifica o uso
do financiamento para um tema, país ou projeto
Não há fórmula
institucionali-zada de
divisão dos custos
A alocação ocorre por negociação
entre o doador, a entidade da
ONU e o recipiendário
As partes envolvidas
Compromissos negociados (negotiatied pledges)
Compromissos legalmente
vinculantes feitos pelos Estados-
membros
Nas negociações, define-se a alocação de
responsabilidades dos Estados-
membros
A alocação de responsabili-
dades é legalmente formalizada
Estabelecido no orçamento
Estados-membros
participantes da
negociação
Taxas
Pagamentos cobrados sobre
serviços
Taxas de gerenciamento e
de produtos
Taxas fixas ou negociadas
Vários Vários
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JENKS et al., 2016, p. 18.
302
Da perspectiva dos Estados-membros, os principais doadores são os países do
CAD-OCDE. Eles organizam suas contribuições voluntárias em torno do conceito de
assistência oficial ao desenvolvimento (AOD). A definição oficial do CAD-OCDE para
a AOD é a seguinte:
(...) fluxos para países e territórios (...) que são: i. fornecidos por agências oficiais, incluindo governos federais e locais, ou por suas agências executivas; ii. transações nas quais: a) são administradas tendo como principal objetivo a promoção do desenvolvimento econômico e do bem estar dos países em desenvolvimento; b) é de natureza concessionária e apresenta um caráter subsidiado de pelo menos 25% (calculado a uma taxa de desconto de 10%) (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 d, tradução nossa214).
Nessa definição, o doador é um governo ou uma agência, sendo excluído o
financiamento do setor privado; e o recipiendário pode ser um PED ou uma instituição
multilateral de desenvolvimento, como as entidades do SDNU, os bancos regionais de
desenvolvimento e as organizações não-governamentais. O propósito da AOD é
promover o desenvolvimento econômico, e, por isso, o financiamento tem um aspecto
concessionado, ou seja, é uma transferência líquida de recursos. Nos critérios do CAD-
OCDE, a doação deve ter um subsídio de pelo menos 25%. Por isso, a AOD exclui
empréstimos com propósitos comerciais ou de exportação215; investimento externo direto
(IED); dívidas de curto prazo; subsídios ao setor privado para melhorar os termos de
empréstimo para os PEDs; assistência militar; e financiamento de missões de paz.
Na área da cooperação internacional para o desenvolvimento, a AOD é a principal
forma de financiamento das atividades de cooperação técnica tradicional do SDNU. Já
em relação à CTPD e à CSS, nunca houve um real engajamento dos países do CAD-
OCDE em financiar essas modalidades, sendo a principal responsabilidade dos PEDs eles
mesmos angariar os recursos necessários para sua promoção. Nas seções a seguir, serão
discutidas as transformações no padrão de financiamento do SDNU e a criação de
instrumentos para financiar a CTPD e a CSS.
214 Do original: “(...) flows to countries (...) which are: i. provided by official agencies, including state and local governments, or by their executive agencies; and ii. each transaction of which: a) is administered with the promotion of the economic development and welfare of developing countries as its main objective; and b) is concessional in character and conveys a grant element of at least 25 per cent (calculated at a rate of discount of 10 per cent)” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016 d). 215 O CAD-OCDE pode considerar empréstimos à exportação como concessionados se possuírem um subsídio de pelo menos 35%, e de pelo menos 50% para a categoria de países menos desenvolvidos.
303
7.2 A criação dos primeiros instrumentos de financiamento da cooperação
técnica para o desenvolvimento na ONU (1945-1960)
Quando a ONU foi criada em 1945, não havia nenhuma provisão em seu
orçamento regular para o financiamento das atividades de cooperação técnica para o
desenvolvimento. Afinal, como foi discutido no capítulo 1, essas atividades começavam
a ganhar escopo na década de 1940 com iniciativas bilaterais dos Estados Unidos e alguns
países europeus, e não foi um tema das negociações na Conferência de São Francisco.
Mas, rapidamente, a assistência técnica se tornou uma atividade fundamental da
ONU e a falta de capital era o obstáculo mais sério ao desenvolvimento dos PEDs. Por
isso, já em 1948, a AGNU decidiu destinar fundos de seu orçamento regular para que,
sob coordenação do Secretário-Geral, pudesse criar times de especialistas e organizar
seminários de apoio aos projetos de desenvolvimento nacional. Mas o orçamento
destinado não foi capaz de atender à demanda crescente dos PEDs, e, por isso, em 1949,
a AGNU criou o Programa Expandido de Assistência Técnica para o Desenvolvimento
Econômico dos Países Subdesenvolvidos (EPTA, do inglês, Expanded Programme of
Technical Assistance for Economic Development of Under-developed Countries).
O EPTA deveria financiar o apoio técnico e a compra de equipamentos para os
projetos de desenvolvimento nacionais, sob solicitação dos governos. Isso exigiria um
volume maior de gastos que não poderiam ser alocados no orçamento regular da ONU.
Por isso, o programa começou suas operações com um fundo de US$ 20 milhões
composto por contribuições voluntárias de 54 países, sendo a maior parte financiada pelos
Estados Unidos216 (JOLLY et al., 2004, p. 70).
O crescimento do EPTA durante a década de 1950 foi impressionante, como
demonstra o quadro a seguir. Em 1951, já atendia a 71 países e territórios, tendo
concedido uma série de bolsas de estudo para a formação de especialistas dos PEDs no
exterior e recrutado especialistas de 65 países. Em 1956, seus gastos com projetos
quadriplicaram: suas atividades compreendiam 103 países e territórios, e as concessões
de bolsas de estudo e contratações de especialistas duplicaram.
216 A União Soviética se opôs a financiar os projetos do EPTA até a morte de Stálin, em 1953, por considerar que o programa favorecia o alinhamento dos PEDs ao bloco ocidental.
304
Quadro 19 – Financiamento do EPTA, 1951 e 1956
1951 1956
Gastos com projetos US$ 6,5 milhões US$ 28,8 milhões
Número de países com projetos 71 103
Bolsas de estudo 800 2.100
Contratação de especialistas 797 2.300
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOLLY et al., 2004, P. 71.
Mas o crescimento do EPTA ocorreu em meio a crises financeiras. Em 1953, o
Congresso dos Estados Unidos propôs cortar todas as suas contribuições ao EPTA porque
13 técnicos oriundos do bloco soviético haviam sido alocados em projetos de países
pertencentes ao bloco americano: de acordo com o Congresso, “o dinheiro americano
estava financiando a difusão de doutrinas inimigas à nação” (MURPHY, 2006, p. 68).
Após a intermediação do diretor do EPTA, D. Owen, que explicou ao Presidente
Eisenhower que os técnicos eram refugiados do regime soviético, o financiamento
americano foi mantido, mas com um corte de 20%.
Ademais, os Estados Unidos decidiram que, daquele ponto em diante, suas
contribuições seriam decrescentes: em 1953, contribuiriam com 60% dos recursos do
EPTA, mas em 1958 reduziriam para 50%. Sabendo dessa redução, D. Owen passou a
buscar recursos em outros doadores, e voltou-se para os países escandinavos, onde o
argumento da solidariedade para justificar o financiamento do desenvolvimento
internacional era mais bem recebido. O diretor também conseguiu atrair o capital
soviético após a morte de Stálin.
Mas o grande atrativo dos países europeus e da União Soviética para contribuir
com o EPTA era a possibilidade de fazer contribuições especificadas. Por exemplo, a
Dinamarca tinha a preferência de financiar projetos do EPTA na América Latina, onde
tinha interesse em criar vínculos para futuramente estimular as exportações
dinamarquesas nessa região. Já a União Soviética financiou projetos com o uso de seus
especialistas e a concedeu de bolsas de estudo para técnicos da África, da América Latina
e da Ásia em universidades e colégios técnicos soviéticos, visando atrair essas regiões
para sua esfera de influência (MURPHY, 2006, pp. 70-71).
305
As pressões para ampliar os recursos do EPTA se tornaram latentes quando o
Banco Mundial passou a atrasar o desembolso de recursos nos anos 1950. O Banco
Mundial era responsável por financiar grandes projetos de desenvolvimento, com
destaque à área de infraestrutura, mas a falta de capacidade dos PEDs em realizar estudos
preliminares de viabilidade dos projetos atrasava e dificultava seu acesso aos recursos do
Banco. Por isso, a AGNU resolveu ampliar o escopo da assistência técnica na área de
estudos pré-investimentos, e criou, por meio de sua resolução A/RES/1240 (XIII), de 14
de outubro de 1958, o Fundo Especial das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Econômico (SUNFED217, do inglês, Special United Nations Fund for Economic
Development).
O SUNFED entrou em operação em 1959, com apenas US$ 26 milhões em
recursos, contra o pedido inicial de US$ 160 milhões em contribuições voluntárias. Isso
porque as negociações para a criação do Fundo (de 1953 a 1958), geraram um intenso
debate na AGNU e no ECOSOC. Enquanto os PEDs pressionavam pela criação do
SUNFED, os PDs não tinham interesse em tornar a ONU um centro de financiamento de
projetos de desenvolvimento, já que o objetivo era manter essa área sob o controle das
IBW. Para os PEDs, o objetivo era justamente o contrário, converter a alocação da AOD
das IBW para a ONU, onde teriam maior voz no processo de tomada de decisão (JOLLY
et al., 2004, p. 81).
A criação do EPTA e do SUNFED colocaram maiores pressões sobre os países
doadores. Esse foi um dos motivos para a criação do CAD-OCDE em 1961, para
organizar melhor a posição negociadora dos doadores em relação ao financiamento do
desenvolvimento. Em 1962, o CAD-OCDE começou a padronizar as estatísticas sobre a
AOD, e, para isso, o comitê aprovou as Diretivas para Relatar a Ajuda e os Fluxos de
Recursos para os Países em Desenvolvimento; e lançou o tradicional Relatório de
Cooperação para o Desenvolvimento, que publica as estatísticas sobre a AOD de seus
membros (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND
DEVELOPMENT, 2010).
A recuperação econômica na década de 1960 permitiu uma diversificação dos
doadores, e o SUNFED havia conseguido levantar US$ 100 milhões em 1962. Em cinco
217 O nome original do Fundo seria Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico, que em inglês ficaria United Nations Fund for Economic Development. Mas a sigla, UNFED, em inglês significaria “não-nutrido”, o que, ironicamente, expressava a dificuldade em angariar recursos para o fundo. Para tirar esse sentido da sigla, foi incluída a palavra especial, tornando-se SUNFED.
306
anos de operação, o Fundo Especial havia implementado 400 projetos em 130 países e
territórios, a um valor de US$ 374 milhões, sendo que 90% dos recursos vieram dos PDs
(UNITED NATIONS, 2015 a, p. 3).
Até 1965, o EPTA e o SUNFED trabalharam paralelamente, e para evitar a
concorrência e fragmentação na atração dos doadores, a divisão do trabalho era a
seguinte: enquanto o SUNFED ficaria com os projetos de grande escala, o EPTA se
concentraria nos projetos de assistência técnica de menor escopo. Isso fica evidente no
montante de recursos mobilizados pelo EPTA, de US$ 56 milhões em 1965 –
correspondente à metade dos recursos do SUNFED (MUTTUKUMARU, 2015, p. 3).
Mas, em meados dos anos 1960 já não fazia sentido manter as duas estruturas de
financiamento separadamente. Por isso, o PNUD foi criado em 1965, a partir da fusão
entre o EPTA e o SUNFED. O programa entrou em operação no ano seguinte, e tornou-
se a principal fonte de financiamento da assistência técnica promovida pela ONU. Em seu
papel de agência financiadora central, o PNUD aglutinava as contribuições voluntárias
por meio de compromissos negociados anualmente, que ocorriam em novembro de cada
ano fiscal. Nas negociações, os Estados-membros definiam o montante e a característica
de suas contribuições. O PNUD mantinha duas contas separadas em seu orçamento, uma
correspondente ao EPTA e outra correspondente ao SUNFED, mantendo a divisão do
trabalho e do financiamento em projetos de grande e menor escala.
Como por ser visto no gráfico a seguir, que apresenta a porcentagem das
contribuições voluntárias para o PNUD na década de 1960, os PDs nunca contribuíram
com menos de 85% do total das contribuições negociadas, com os Estados Unidos
financiando 40% do total nos anos 1960. As contribuições dos países do Terceiro Mundo
ficaram na média de 6% a 8% do total, e os países da Europa Oriental tinham uma
contribuição que não passava de 5% (OSHIBA, 1985, p. 314).
307
Gráfico 3 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1960-
1969, em porcentagem)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de OSHIBA, 1985, p. 315.
Uma vez reunidos os recursos, o Conselho de Governadores do PNUD canalizava
cotas de financiamento para as diferentes agências especializadas. Cada uma delas ficava
com uma porcentagem do total dos recursos amealhados pelo PNUD, e eram responsáveis
pela execução do projeto. Elas usavam os recursos para cobrir os custos de contratação
dos especialistas e de serviços, e para a compra dos equipamentos necessários.
A consolidação do PNUD deu um impulso às atividades de cooperação técnica
nos anos 1960, respondendo às demandas dos países recém descolonizados, que também
se tornaram recém-membros da ONU. Não apenas houve um aumento no número de
países atendidos pelo programa, como as iniciativas foram se tornando mais complexas,
deixando de se focar em estudos de viabilidade para financiar projetos na área da
administração pública e do planejamento social. O crescimento da demanda também foi
rápido: ao final de 1969, o PNUD já recebia quase 2 mil solicitações para o financiamento
de projetos, em um total de US$ 1,8 bilhões (MURPHY, 2006, p. 155; UNITED
NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 1970, p. 5).
Um problema recorrente com o financiamento organizado pelo PNUD, já nos seus
primeiros anos de atuação, era a falta de capacidade de programar os gastos, em virtude
do caráter voluntário das contribuições. Mesmo considerando que a maior parte dos
recursos voluntários eram de natureza central e não-especificada, e mesmo com a
86,7 86,882,1
89,6 85,389,5 93 89,2 89,1 89,4
8,4 7,9 13,56,5
11,16,8 3,4 7,4 7,5 7,7
4 4,6 3,7 3,3 3 2,8 2,8 2,5 2,6 2,1
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969
Países desenvolvidos ocidentais Países do Terceiro Mundo Países da Europa Oriental
308
disposição do Conselho de Governadores em acelerar o processo de aprovação dos
recursos, ainda assim era muito difícil fazer um planejamento adequado dos projetos,
justamente devido à ausência de recursos não-voluntários. Esse seria o principal desafio
de financiamento do PNUD na década seguinte.
Em relação à CTPD e à CEPD, o crescimento econômico dos anos 1960 resultou
em várias mudanças na estrutura econômica, política e social dos PEDs, o que
impulsionou a cooperação entre eles nesse período. Mas as iniciativas ainda eram
incipientes e não consistiam em uma parte relevante do trabalho da ONU nessa fase,
diferentemente do período posterior.
7.3 A crise financeira do SDNU e o estabelecimento dos instrumentos de
financiamento da CTPD (1970-1980)
Na fase de 1970-1980, a cooperação técnica para o desenvolvimento se tornou
muito mais custosa. Primeiramente, o aumento no número de Estados-membros – que
pulou de 126 países em 1968 para 159 ao final da década de 1980 – resultou em um
aumento absoluto no número de projetos a serem financiados pelo SDNU. Em segundo
lugar, a cooperação técnica ficou mais cara porque ficou mais sofisticada: como os PEDs
já haviam conseguido construir alguma capacidade técnica na década anterior, isso
mudou as áreas de ação do PNUD, sendo então necessários esforços em setores mais
complexos, como infraestrutura em água, energia, minérios e ciência e tecnologia. Em
terceiro lugar, o contexto econômico de estagflação acabou por elevar os custos dos
programas: a inflação mais que dobrou o custo dos especialistas nos anos 1970
(MURPHY, 2006, p. 159).
Esses fatores exigiam uma maior mobilização de recursos em um ambiente muito
menos favorável do que na década anterior. Em 1968, foi registrada pela primeira vez,
desde a criação da ONU, uma queda percentual no volume da AOD. Para sustentar o nível
de recursos dos PDs destinados ao financiamento das atividades operacionais para o
desenvolvimento, os PEDs se mobilizaram para definir a quantidade mínima de ajuda
necessária para estimular o desenvolvimento nos anos 1970218. Seguindo as
218 Em relação à quantidade mínima da ajuda, o estabelecimento de uma meta para a AOD foi sugerido pela primeira vez em 1958, pelo Conselho Mundial de Igrejas, que recomendou aos doadores uma meta de 1% do PIB em ODA. Essa meta foi depois institucionalizada pela UNCTAD em 1964, e endossada pelo
309
recomendações do relatório da Comissão Pearson (1969), intitulado “Parceiros no
Desenvolvimento”, que propôs a meta de 0,7% do PIB dos países doadores em AOD, a
AGNU decidiu, pela resolução A/RES/2626(XXV) de 19 de novembro 1970:
(43) Em reconhecimento à especial importância do papel que pode apenas ser cumprido pela assistência oficial ao desenvolvimento, a maior parte das transferências de recursos financeiros para os países em desenvolvimento deve ser provida desta forma. Cada país economicamente desenvolvido aumentará progressivamente sua assistência oficial ao desenvolvimento para os países em desenvolvimento, e farão seus maiores esforços para atingir o montante mínimo de 0,7% líquido de seu PIB, a preços correntes, até a metade da década [de 1970] (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1970 a, p. 43, §43, tradução nossa219).
Mas o estabelecimento dessa meta não teve muitos efeitos práticos na sustentação
das contribuições dos PDs para o financiamento do SDNU. Em 1971, as receitas do
PNUD decaíram em 34%, se comparado aos anos anteriores. No ano seguinte, o programa
teve um déficit de US$ 80 milhões, correspondente a 10% de seus recursos totais. O
déficit foi resultado da deterioração da situação econômica americana, fazendo com que
esse país reduzisse sua porcentagem de financiamento quase que pela metade, de 40%
para 25% do total de recursos do PNUD (OSHIBA, 1985, p. 315; MURPHY, 2006, p.
155).
A partir de 1973, o PNUD se encaminhou para uma crise financeira, não apenas
devido à redução das contribuições voluntárias dos PDs no bojo da crise do petróleo, mas
também em virtude de problemas gerenciais do programa. O primeiro desses problemas
gerenciais era a dificuldade de prever os recebimentos, uma vez que o sistema de
contribuições voluntárias não garantia que o PNUD de fato iria receber o montante na
CAD-OCDE. Porém, o comitê considerava essa meta muito ambiciosa, pois incorporava os fluxos totais de ajuda, incluindo fontes privadas que os governos não poderiam controlar. E os doadores não tinham a intenção de se responsabilizar em cobrir a diferença com fluxos públicos. Devido a essa crítica, o Comitê da ONU para o Planejamento do Desenvolvimento criou uma comissão, em 1964, liderada pelo economista holandês Jan Tinbergen, para definir uma meta específica da ajuda oficial. Tinbergen estabeleceu o cálculo de que uma meta de 0,75% de AOD em relação ao PIB dos países doadores seria o mínimo necessário para que os PEDs atingissem uma taxa de crescimento desejável. Porém, nem todos os membros do CAD-OCDE aceitaram essa meta nos anos 1960, considerando-a excessiva. Esse debate volta nos anos 1970, quando a meta de 0,7% do PIB em ODA foi aprovada pela AGNU (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2002, p. 1) 219 Do original: “(43) In recognition of the special importance of the role which can be fulfilled only by official development assistance, a major part of financial resource transfers to the developing countries should be provided in the form of official development assistance. Each economically advanced country will progressively increase its official development assistance to the developing countries and will exert its best efforts to reach a minimum net amount of 0.7 per cent of its gross national product at market prices by the middle of the Decade” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1970 a, p. 43, §43).
310
data prometida. Por exemplo, em 1974, o PNUD havia previsto que as contribuições dos
Estados Unidos iriam crescer em 20% naquele e no próximo ano. Na prática, o
financiamento real foi 50% menor do que o calculado, colocando severas constrições
orçamentárias ao programa (MURPHY, 2006, p. 159).
Outro problema era a competição pelos recursos do PNUD entre as agências
implementadoras, que acabavam aprovando projetos em excesso ou superfaturando seus
custos para abocanhar uma parcela maior das transferências financeiras. De acordo com
Oshiba (1985, p. 316, tradução nossa220):
A severa competição pelos recursos do PNUD entre as agências tem sido um grave problema. As agências especializadas têm sido criticadas por vender projetos para expandir suas porcentagens dos recursos do PNUD, tornando os projetos do programa irrelevantes para atender às necessidades dos países em desenvolvimento. Além disso, essa severa competição entre essas agências limitou a alocação livre dos recursos por parte do PNUD. Para enfraquecer a influência das agências na tomada de decisão, o PNUD estabeleceu o Conselho Consultivo Inter-Agências (IACB), em 1966, reduzindo a participação das agências especializadas à capacidade de aconselhamento. Mais tarde, respondendo às recomendações feitas pelo Relatório Jackson, o PNUD instituiu seu novo sistema de alocação de recursos, país-a-país.
Para resolver o problema da competição por recursos, a aprovação das Novas
Dimensões da Cooperação Técnica, em 1974, alterou a estrutura de alocação: antes, os
recursos eram liberados pelo PNUD com base no sistema de agências, sendo que cada
uma delas recebia uma porcentagem fixa do total dos recursos. Já com as Novas
Dimensões, a alocação seria feita com base nos países, com o objetivo de torná-la mais
eficiente e garantir que os projetos fossem mais responsivos às demandas nacionais.
Com o estabelecimento do sistema de alocação país-a-país, foram criadas as
Estimativas de Volume de Recursos (IPFs do inglês, Indicative Planning Figures), que
se referiam às estimativas que cada país esperaria receber do PNUD em um horizonte de
3 a 5 anos. Embora não representasse um comprometimento formal de alocação, as IPFs
serviam como base para o planejamento dos programas nacionais em um determinado
220 Do original: “The severe competition for UNDP resources between these agencies has been a major problem. The Specialized Agencies have been criticized for selling projects to expand their shares of UNDP resources and making UNDP projects increasingly irrelevant to the needs of developing countries. Moreover, such severe competition between these agencies prevented UNDP from freely allocating its resources. To weaken the influence of these agencies in decision-making, the UNDP established the Inter-Agency Consultative Board (IACB) in 1966, limiting the participation of the Specialized Agencies to an advisory capacity. Later, responding to recommendations made in the Jackson Report, the UNDP instituted its new country-by-country resource allocation system” (OSHIBA, 1985, p. 316).
311
período. Com as IPFs, o financiamento deixou de ser baseado em um sistema
funcionalista e se consolidou definitivamente como um sistema baseado em países,
ampliando o papel de coordenação do PNUD.
Essas mudanças permitiram uma melhor coordenação da alocação dos recursos e
dos projetos em campo, mas não resolveram o problema da previsibilidade orçamentária.
Enquanto as IPFs se baseavam em ciclos de 3-5 anos, as contribuições voluntárias
continuavam a ser negociadas anualmente, havendo um descompasso entre o ritmo de
aprovação de projetos e o ritmo da alocação dos recursos. Pagamentos atrasados ou feitos
em moedas não conversíveis causavam vários problemas porque o PNUD fazia seu
orçamento com base nas negociações, e não nos recursos efetivamente despendidos pelos
doadores. Em vários anos fiscais, o programa simplesmente não recebeu recursos.
O estabelecimento do sistema de alocação baseado nos programas nacionais
acelerou a deterioração financeira do PNUD, que explodiu em 1975. Naquele ano, seu
déficit correspondia a 20% de seus recursos totais, e a situação financeira era tão frágil
que comprometeu a realização dos programas nacionais para o período de 1977-1981,
que tiveram que ser adiados (OSHIBA, 1985, p. 315).
Além disso, as contribuições dos Estados Unidos rapidamente diminuíram nos
anos 1970, chegando a apenas 20% dos recursos do PNUD em 1978. Para cobrir o déficit,
o Administrador do PNUD, B. Morse, fez cortes administrativos e reduziu pessoal. Além
disso, Morse fez um esforço de diversificar os doadores, para reduzir a dependência dos
Estados Unidos. Os países escandinavos, os Países Baixos, o Canadá e a Nova Zelândia
fizeram contribuições adicionais. Mas as contribuições japonesas e alemãs foram as que
fizeram maior diferença: cresceram de 2% e 5,2% em 1966, respectivamente, para 5,1%
e 8,2% em 1979, respectivamente (OSHIBA, 1985, p. 315).
Com essas mudanças, no final da década de 1970, o PNUD havia recebido US$
680 milhões em contribuições voluntárias. No total, foram angariados US$ 3,1 bilhões
para o financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento, o que
representou 14% da AOD dos países do CAD-OCDE no período (UNITED NATIONS,
2015 a, p. 5).
Nota-se então que, desde a primeira fase, o financiamento do PNUD foi sustentado
pelas contribuições dos países ocidentais desenvolvidos, conforme pode ser observado no
gráfico a seguir.
312
Gráfico 4 – Contribuições voluntárias para o PNUD, por categoria de países (1970-
1978, em porcentagem)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de OSHIBA, 1985, p. 315.
Esse padrão de financiamento do SDNU se manteve ao longo dos anos 1980. Em
1983, houve um pesado corte de custos no PNUD. Como 50% dos gastos administrativos
eram com funcionários, um terço deles foi demitido para conter o déficit de US$ 2,5
milhões (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC INFORMATION, 1984).
Com os ajustes, os recursos subiram de US$ 3,1 bilhões para US$ 5,6 bilhões no final da
década. Em termos de tipo de recursos, maior parte das contribuições eram centrais, com
uma porcentagem reduzida de recursos especificados. Mas, em virtude da alta inflação do
período, esse aumento foi modesto em termos reais, correspondendo apenas a 2%
(UNITED NATIONS, 2015 a, p. 5).
Um outro resultado da mudança para o sistema de alocação nacional de recursos
foi o maior envolvimento do PNUD como executor dos projetos, tarefa até então
exclusiva das agências especializadas. Isso foi importante para conter a crise financeira
porque, para otimizar os recursos em campo – especialmente com o corte no número de
funcionários – o PNUD passou a coordenar os projetos entre as agências. Conforme
mostra o quadro a seguir, que dispõe a porcentagem de alocação dos recursos do PNUD
por agência especializada, há um crescimento expressivo do envolvimento do programa
na execução dos projetos após a crise financeira, saltando de 0,9% em 1970 para 7,5%
em 1977.
89,8 90,1 90,2
86,5
90,1 90,8 90,8 89,892,2
7,5 6,9 6,9
9,3
6,9 6,4 6,7 7,95,7
2,2 2,1 23,1 2,2 2 1,8 1,5 1,4
80%
82%
84%
86%
88%
90%
92%
94%
96%
98%
100%
1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978
Países desenvolvidos ocidentais Países do Terceiro Mundo Países da Europa Oriental
313
Quadro 20 – Alocação dos recursos do PNUD por agência executora (1967-1977,
por porcentagem
FAO ONU UNESCO OIT ONUDI PNUD
1967 32 22,1 13,4 12,9 1,7 0
1968 32,5 18,5 14,3 10,9 5 0
1969 32,1 20,7 10,1 12,5 6,5 0,1
1970 27,5 14 15,1 9,6 5,7 0,9
1971 33,9 17,1 13,8 12,6 3,7 0,3
1972 31 17,7 15,1 11 6,2 0,6
1973 29,2 17,8 13,8 10,7 6,1 1,3
1974 27 17,3 11,9 9,6 6,7 4,8
1975 28,6 17,1 10,6 9 7,3 6,3
1976 28,7 17,4 9,5 8,2 8,3 5,2
1977 26,6 17,7 8,8 7,7 10,1 7,5
Fonte: OSHIBA, 1985, p. 317.
Além do maior envolvimento do PNUD na execução dos programas, outra medida
de otimização dos recursos foi a de transferir maiores responsabilidades para os governos
nacionais no que tange à execução de projetos. Assim, os governos nacionais passaram a
pagar os custos locais de implementação. O envolvimento nacional na execução exigiu
que novas abordagens de implementação fossem desenvolvidas, e foi nesse contexto de
crise financeira que a CTPD emergiu como uma modalidade mais custo-efetiva de
implementação. Como colocou um oficial do Departamento de Cooperação Técnica:
Abordagens alternativas [de cooperação técnica] foram iniciadas e elas irão assumir uma importância ainda maior na próxima década. Esforços para promover e desenvolver a cooperação técnica entre os países em desenvolvimento é uma dessas abordagens alternativas, e se espera não apenas reduzir o custo por unidade da cooperação técnica, mas também aumentar o senso de autossuficiência entre os países em desenvolvimento (HEERDEN, 1977, p. 2, tradução nossa221).
221 Do original: “Alternative approaches are being initiated and they will be assuming greater importance during the next decade. Effort to promote and develop technical cooperation among developing countries is one such alternative approach, which is expected not only to reduce the per unit cost of technical co-
314
7.3.1. A questão do financiamento da CTPD no BAPA (1978)
Os anos 1970 foram marcados pela expansão dos fluxos de capital, tecnologia e
comércio entre os PEDs. Pela primeira vez desde os anos do pós-guerra, o comércio entre
os PEDs havia crescido mais do que o comércio global, e o aumento na capacidade
financeira desses países deu impulso material à CTPD (NYERERE et al., 1990, p. 70).
Da perspectiva do SDNU, havia uma vantagem de custo na promoção da CTPD,
ao prover soluções mais baratas em um contexto de constrição de recursos222. Os custos
dos especialistas em CTPD eram muito menores do que as taxas tradicionais da ONU,
sendo semelhantes aos salários utilizados pelo Programa de Voluntariado da ONU, que
eram um dos mais baixos de todo o sistema (BAUM, 1978).
Mas, mesmo com a vantagem de custos, não havia arranjos institucionais para
identificar e recrutar especialistas e empresas dos PEDs, para que eles pudessem ser
usados nos projetos do SDNU. Mobilizar esses esforços exigiria canalizar financiamento
específico para tanto, o que era extremamente delicado no final dos anos 1970. Por isso,
a dificuldade de financiar a estrutura necessária para o uso da CTPD foi latente nas
negociações do BAPA, em 1978.
No documento final da Conferência de Buenos Aires, não existe uma seção
específica sobre financiamento, e esse tema é tratado apenas no parágrafo 38. O BAPA
discriminou na recomendação 38.a que a responsabilidade central do financiamento da
promoção da CTPD era dos PEDs eles mesmos, uma vez que isso estimularia a
autossuficiência nacional e coletiva. Mas o financiamento por parte dos PEDs enfrentava
duas dificuldades. A primeira era que a maior parte das contribuições feitas pelos PEDs
para financiar a CTPD era em espécie, e não monetária. Isso cobria as necessidades de
materiais e de alguns equipamentos básicos, mas não cobria o pagamento de serviços e
de especialistas. E quando os PEDs faziam contribuições monetárias, elas eram
operation, but also increase the sense of self-reliance among the developing countries” (HEERDEN, 1977, p. 2). 222 Por exemplo, em uma correspondência entre V. Baum, Diretor do Centro para Recursos Naturais, Energia e Transporte, e I. S. Djermakoye, Vice-Secretário-Geral e Comissário para a Cooperação Técnica, o primeiro recomendou aumentar a utilização de especialistas e equipamentos dos PEDs para compensar o aumento dos custos da cooperação técnica nos anos 1970 (BAUM, 1978).
315
denominadas em moeda nacional, gerando o problema de conversão de divisas para
realizar a contratação em moeda internacional.
Para lidar com esses problemas, era necessário contar com o envolvimento dos
PDs e do SDNU no financiamento da modalidade.
A recomendação 38.h trata do papel dos PDs na promoção da CTPD. Eles
deveriam canalizar a AOD para o financiamento das iniciativas de CTPD, estreitando os
vínculos entre essa modalidade e a assistência técnica tradicional. Esperava-se evitar que
os doadores tradicionais bilateralizassem o uso do PNUD como uma simples agência
executora dos projetos que interessavam esses países. Por isso, o BAPA estimulou os PDs
a considerar os objetivos e as atividades de CTPD quando formulassem e
implementassem suas políticas de ajuda externa.
Já em relação ao SDNU, o BAPA definiu na recomendação 37 que o PNUD
deveria ser a principal fonte de financiamento e apoio à modalidade, considerando seu
papel de agência financiadora central. A principal fonte de financiamento seriam as IPFs,
especificando (earmarking) seu uso para financiar a CTPD nos níveis nacional e regional.
Mas isso deveria ser feito a pedido dos PEDs por ocasião da definição de seus programas
nacionais. As IPFs inter-regionais e globais seriam destinadas a projetos que envolvessem
dois ou mais PEDs em regiões diferentes.
Além das IPFs, a recomendação 38.f discriminou que as entidades do SDNU
deveriam também desenvolver fontes adicionais de financiamento, e progressivamente
aumentar a alocação de seus recursos para a CTPD. Isso garantiria que, progressivamente,
a modalidade se tornasse uma prática usual no desenho e execução dos projetos em
campo, e não apenas uma modalidade especial.
A noção de que o engajamento do SDNU no financiamento da CTPD era crucial
para sua adequada promoção fica explícita na análise do Diretor da Divisão de
Administração Pública e Finanças, T. Chang, em correspondência à F. Burns, diretor do
Escritório de Cooperação Técnica em 1978:
Finalmente, nós gostaríamos de chamar sua atenção para o fato de que ainda não existem recursos financeiros específicos, dentro do sistema ONU, para o apoio a programas de promoção da CTPD. Nós somos da opinião de que, ao menos que alguns recursos financeiros com esse propósito estejam disponíveis, pelo menos para o financiamento inicial (seeding funds), a ONU não será capaz
316
de ter um efeito catalisador na promoção da CTPD (CHANG, 1978, p. 2, tradução nossa223).
Seguindo as recomendações do BAPA, o Conselho de Governadores do PNUD,
em sua decisão DP/393, de 2 de abril de 1979, aprovou US$ 1,43 milhões em recursos
destinados à SU-TCDC, para o período de 1979-1981 (HIGH-LEVEL MEETING ON
THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING
COUNTRIES, 1980 c, p. 5). Mas isso não seria o suficiente para promover a modalidade
por todo o SDNU, e o desafio na década seguinte seria justamente o de sistematizar o
financiamento da CTPD.
7.3.2. As tentativas de sistematização do financiamento do SDNU para a
CTPD nos anos 1980
Segundo seu mandato de catalisador da CTPD, o SDNU deveria articular duas
categorias de apoio ao financiamento da modalidade: prover recursos do próprio SDNU
para custear alguns inputs de projetos, como viagem de especialistas, bolsas de estudo e
certos equipamentos; e identificar potenciais fontes de financiamento fora do SDNU,
tanto nos PEDs quanto nos PDs. Na primeira categoria, o HLC-TCDC tomou decisões
para que, no âmbito do PNUD, as estimativas do volume de recursos (IPFs, do inglês,
indicative planning figures) e os recursos para programas especiais (SPR, do inglês,
special programme resources) pudessem ser usados de forma flexível para financiar as
atividades de CTPD. Já na segunda categoria, o HLC-TCDC apoiou a criação do Fundo
Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países em
Desenvolvimento (PGTF, do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund); e tentou estimular o
financiamento por parte dos PDs.
7.3.2.1 O uso das IPFs
Em sua recomendação 38, o BAPA indicou que os PEDs poderiam especificar o
uso de uma porcentagem das IPFs em nível nacional para financiar projetos de CTPD. O
223 Do original: “Finally, we would draw your attention to the fact that as yet no specific financial resources exist within the UN system for the support of programmes to foster TCDC. We are of the opinion that unless some financial resources for this purpose are made available, at the minimum seeding funds, the UN may not be able to have any catalytic effect in promoting TCDC” (CHANG, 1978, p. 2).
317
Conselho de Governadores do PNUD autorizou o uso desses recursos para cobrir os
custos locais dos projetos de CTPD, como serviços, custos de transporte, bolsas de estudo,
treinamentos, seminários, tours de estudo, equipamentos, materiais e ferramentas. AS
IPFs também poderiam ser usadas para financiar especialistas internacionais e
consultorias. As atividades que custassem até US$ 400.000,00 seriam aprovadas
diretamente pelo representante residente, e, caso excedessem esse valor, seriam
aprovadas pelos escritórios regionais (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW
OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1983 e).
Em suas sessões de 1980 e 1981, o HLC-TCDC recomendou aos PEDs alocar uma
porcentagem de suas IPFs para o financiamento da CTPD. Também convidou o Conselho
de Governadores do PNUD que considerasse a possibilidade de especificar (earmark) a
alocação de uma porcentagem das IPFs para financiar a modalidade, tornando-a
obrigatória.
Em sua decisão TCDC/2/9, de 7 de junho de 1981, o HLC recomendou que 10%
ou US$ 7,5 milhões em IPFs, o que fosse menor, fossem especificados para financiar
atividades de CTPD. O Conselho de Governadores aprovou essa recomendação por meio
de sua decisão 81/31, de 26 de junho de 1981. Mas os recursos especificados deveriam
ser utilizados de forma complementar e catalisadora aos esforços dos PEDs em financiar
os especialistas, serviços de consultoria, equipamentos, fornecedores e centros de
treinamento.
Entretanto, a redução de 55% do total de IPFs no período de 1982-1986 resultou
no uso limitado desse instrumento para financiar a modalidade. De um total de mais de
US$ 1 bilhão de dólares em IPFs, apenas 5,3% foram destinados a projetos de CTPD; e a
meta de 10% das IPFs nacionais ficou longe de ser atingida, sendo utilizados apenas 3,4%
dos recursos. Esses dados podem ser vistos no quadro a seguir, que apresenta o volume
de IPFs gastos com CTPD no período de 1985-1986.
318
Quadro 21 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1985-1986, em milhões
de dólares)
Gasto total das IPFs Gasto das IPFs com CTPD
% do gasto das IPFs para CTPD
IPF nacional US$ 346.714 US$ 11.965 3,4%
IPF regional US$ 162.504 US$ 41.435 25,4%
IPF inter-regional US$ 43.004 US$ 2.323 5,4%
Total US$ 1.004.550 US$ 55.723 5,3%
Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1987 d, p. 17.
Além das limitações no volume das IPFs, havia outro problema: em 1985,
constatou-se que apenas 15 países (10 na América Latina e Caribe, 4 na Ásia e Pacífico,
e 1 Estado Árabe) haviam feito uso especificado desses recursos para a CTPD. Essa fraca
resposta dos PEDs ao uso das IPFs teve três motivos. Primeiramente, porque boa parte
das iniciativas de CTPD não envolviam transações monetárias, e sim em espécie; por isso,
os recursos não eram utilizados com esse propósito. Em segundo lugar, porque a crise dos
anos 1980 diminuiu consideravelmente o impulso dos PEDs em se engajar nessas
iniciativas, e alguns países chegaram a suspender novos projetos de CTPD. O terceiro
motivo referia-se aos problemas de governança do SDNU: os representantes residentes
não tinham o esclarecimento adequado sobre o uso das IPFs para a CTPD, e, por isso, não
orientavam os governos nacionais a explorar melhor essa fonte de financiamento. Assim,
o SDNU não estava cumprindo com seu papel de auxiliar os PEDs a promover a
modalidade (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 28).
A partir dessa avaliação, o HLC-TCDC recomendou ao Conselho de
Governadores do PNUD que trabalhasse de forma mais ativa no nível nacional, para que
os representantes residentes pudessem incluir a CTPD como parte integral dos programas
nacionais. Essa iniciativa surtiu algum resultado positivo, havendo crescimento no
número de países utilizando as IPFs para a CTPD, de 17% no período de 1982-1984, para
30% no biênio 1985-1986 (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF PUBLIC
INFORMATION, 1987, p. 3).
No biênio de 1987-1988, o gasto com IPFs para a CTPD foi de US$ 104,8 milhões,
havendo crescimento de 88,3%, se comparado ao biênio anterior. Esse valor correspondeu
319
a 7,3% do total de IPFs de 1987-88, que foram de US$ 1.4 bilhões. Mas da perspectiva
nacional, o uso dos IPFs para CTPD ainda era limitado, correspondendo a apenas 0,6%
do total, conforme pode ser visto no quadro a seguir.
Quadro 22 – Uso das IPFs para o financiamento da CTPD (1987-1988, em
milhares de dólares)
Gasto total das
IPFs Gasto das IPFs
com CTPD % do gasto das
IPFs para CTPD
IPF nacional US$ 1.158.233 US$ 6.477 0,6%
IPF regional US$ 223.569 US$ 83.003 37,1%
IPF inter-regional e global US$ 61.604 US$ 15.401 25%
Total US$ 1.443.406 US$ 104.881 7,3%
Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1989 f, p. 7.
7.3.2.2 Recursos para Programas Especiais
Complementarmente às IPFs, o PNUD também disponibilizou os Recursos para
Programas Especiais (SPR, do inglês, Special Programme Resources). Os SPR eram uma
categoria de financiamento de última instância, que poderiam ser usados quando os IPFs
não estivessem disponíveis, apenas para financiar atividades promocionais de CTPD (e
não operacionais). Esses recursos eram aprovados diretamente pelo Administrador do
PNUD, e as propostas eram revisadas pela SU-TCDC.
Enquanto as IPFs tinham maior uso nacional e regional, os SPR foram a principal
fonte de fundos para os projetos globais de CTPD. A iniciativa mais bem-sucedida nesse
período financiada pelos SPR foi o projeto INT/83/904, intitulado “Promoção de ações
orientadas para atividades de CTPD”. O projeto foi lançado em 1983, em referência à
decisão TCDC/3/5 do HLC-TCDC, que pediu à SU-TCDC que realizasse atividades
promocionais orientadas para a ação. O HLC pediu US$ 1 milhão dos SPR para o período
de 1984-1985, mas o Conselho de Governadores do PNUD, pela decisão 83/15, autorizou
a alocação de US$ 600.000,00 (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 21).
O projeto deu suporte direto em nível nacional, por meio de treinamentos e troca
de experiências e capacidades na área técnica. De 21 de outubro de 1983 a 15 de março
320
de 1984, o projeto cobriu 59 países, a um custo de US$ 778.400,00, como pode ser visto
no quadro a seguir.
Quadro 23 – Recursos para o projeto “Promoção de ações orientadas para as
atividades de CTPD” (1983-1984)
Destino do recurso Valor em US$ Porcentagem
Intercâmbio de especialistas US$ 362.100,00 46,5%
Treinamento US$ 404.300,00 52%
Equipamento US$ 12.000,00 1,5%
Total US$ 778.400,00 100%
Fonte: JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 21.
Os resultados foram expressivos considerando o elevado número de especialistas
e de treinamentos realizados e os baixos custos dos projetos, especialmente em
comparação aos custos da cooperação tradicional: 46,5% dos recursos foram gastos no
intercâmbio de 94 especialistas; e 52% foram gastos com treinamento de 114 nacionais.
Nesse projeto, o custo anual por especialista foi de US$ 3.582,00, enquanto na cooperação
tradicional um especialista custaria ao PNUD aproximadamente US$ 70.000,00. Já o
treinamento por um ano de um funcionário nacional foi de US$ 3.546,00, enquanto o
mesmo treinamento dentro da cooperação tradicional teria custado ao PNUD US$
16.200,00 por ano, em taxas de 1983 (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 21).
O sucesso do projeto levou o Administrador do PNUD a ampliar em US$
800.000,00 os recursos do SPR (JOINT INSPECTION UNIT, 1985, p. 25). Mas o
problema desses recursos é o fato deles serem especiais, ou seja, os desembolsos eram ad
hoc e dependiam das alocações aprovadas anualmente pelo Conselho de Governadores
do PNUD, faltando planejamento sistemático a longo prazo.
7.3.2.3 Uso dos recursos pelas entidades do SDNU
Além das alocações nacionais definidas pelo PNUD, o BAPA recomendava que
todas as entidades do SDNU alocassem uma proporção crescente de seus recursos para a
CTPD. Porém, nos anos 1980, a CTPD não foi refletida nos documentos orçamentários
321
das entidades do SDNU – nem como um programa ou subprograma, nem como um
método de execução de cooperação técnica. Houve apenas referências gerais e
declaratórias sobre o intuito de promover a modalidade, dentro do escopo da cooperação
tradicional, mas sem estarem embasadas em linhas orçamentárias de seus programas de
trabalho.
As únicas exceções foram a ONUDI – a única agência especializada que fixou
uma porcentagem de 9% de seu orçamento regular para a CTPD; e a UNCTAD e as
comissões regionais que, embora não tivessem fixado uma porcentagem, indicaram a
alocação de recursos para a modalidade em seu planejamento orçamentário (JOINT
INSPECTION UNIT, 1985, p. 22). As entidades do SDNU que não haviam definido uma
linha de seu orçamento para a CTPD argumentaram que era difícil diferenciar as
atividades tradicionais e de CTPD, e, consequentemente, separar recursos específicos
para essa modalidade.
Sem a definição de uma linha orçamentária, era muito difícil mensurar o quanto
efetivamente havia sido despendido com o uso da modalidade, um problema que persiste
ainda hoje. Em um esforço de sistematizar esses dados, o HLC-TCDC realizou, em 1985,
uma estimativa com base nos custos de projetos e programas de CTPD reportados pelas
agências e organizações.
Conforme os dados do quadro a seguir, a soma dos recursos despendidos por 12
entidades do SDNU em projetos e programas era de US$ 52,6 milhões de dólares,
divididos da seguinte forma:
322
Quadro 24 – Gastos com CTPD por 12 entidades do SDNU (1985, em
porcentagem)
Total de entidades do SDNU (12)
Atividades promocionais 54%
Atividades operacionais 46%
Identificação de fonte do recurso
Orçamento próprio das agências 39%
PNUD 33% (sendo a maioria IPFs regionais)
Fundos fiduciários e fundos de governos (especialmente PDs)
28%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1985, p. 19
Mas, avaliar o uso da CTPD por parte das entidades do SDNU apenas pelo gasto
total em dólar pode ser enganoso, pois a CTPD justamente reduz esse custo. Por isso,
também deve-se avaliar o envolvimento do SDNU na CTPD pelo grau de integração de
inputs dos PEDs em campo, como número de especialistas, concessão de bolsas de estudo
e a utilização de serviços e empresas. Porém, como já discutido na parte 2, o uso da CTPD
como uma modalidade de execução de projeto foi modesto no período de 1983-1986. Em
todas as categorias, o uso de inputs dos PEDs não era predominante, a despeito de seu
baixo custo. Isso demonstra que as dificuldades de integrar a modalidade não eram apenas
financeiras, e que as limitações orçamentárias eram reflexo das barreiras atitudinais.
Até o final da década, o HLC-TCDC aprovou resoluções recomendando que todas
as entidades do SDNU alocassem uma proporção maior de seus orçamentos para financiar
atividades de CTPD, incluindo o uso de recursos especificados (earmarked). Mas não
houve uma mudança no padrão de alocação orçamentária nessa década. Isso tornou ainda
mais importante a identificação de outras fontes de financiamento.
323
7.3.2.4 Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica
entre Países em Desenvolvimento (PGTF)
O BAPA estabeleceu que a principal fonte de financiamento das iniciativas de
CTPD seriam os PEDs eles mesmos, como uma forma de garantir a autossuficiência
individual e coletiva dos países envolvidos. Além da criação de alguns fundos nacionais,
o Fundo Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países
em Desenvolvimento (PGTF, do inglês, Pérez Guerrero Trust Fund) foi uma iniciativa
de financiamento coletivo dos PEDs, com apoio da AGNU.
As origens do Fundo datam da resolução A/RES/38/201, de 20 de dezembro de
1983, quando a AGNU deu fim ao Fundo das Nações Unidas para Operações de
Emergência. A AGNU destinou 12% do extinto fundo para que o PNUD financiasse
atividades de cooperação entre PEDs, tendo como base o Programa de Ação de Caracas.
Esse programa, adotado pelo G-77 em 1981, continha recomendações práticas na área da
cooperação técnica e econômica entre os PEDs.
Para gerenciar esses recursos, o Administrador do PNUD criou um fundo em
1984, mas suas atividades iniciais foram bastante tímidas. O fundo ganhou impulso em
1986, quando, no Encontro de Alto-Nível sobre a Cooperação Econômica entre os Países
em Desenvolvimento, organizado pelo G-77 no Cairo, decidiu nomeá-lo como Fundo
Fiduciário Pérez Guerrero para a Cooperação Técnica e Econômica entre Países em
Desenvolvimento. Na ocasião, o G-77 passou a estruturar seus objetivos e a forma de
operacionalização de seus recursos.
O PGTF deveria ser utilizado para financiar estudos de pré-investimento e
relatórios de viabilidade, e dar apoio na implementação de projetos nas áreas definidas
pelo Programa de Ação de Caracas. Em relação à operação do Fundo, foi criado um
Comitê de Especialistas, composto por seis representantes, sendo dois de cada uma das
três regiões dos países do G-77 (África, América Latina e Ásia). O Comitê tem a
responsabilidade de avaliar e selecionar as propostas de projeto a serem financiadas pelo
fundo (GROUP OF THE SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 3).
O capital inicial do PGTF foi de US$ 5 milhões, e deveria ser mantido pelos
rendimentos das taxas de juros cobradas sobre a alocação do capital original em diferentes
instrumentos financeiros. O PNUD, e mais especificamente sua SU-TCDC, ficou
responsável por gerenciar os recursos e conduzir os processos administrativos
324
relacionados ao dispêndio dos fundos (PRASELJ, 2014). A alocação anual dos recursos
entre 1987-1989 foi a seguinte:
Quadro 25 – Alocação anual dos recursos do PGTF (1987-1989, em milhares de
dólares)
Ano Alocação anual
1987 US$ 246 mil
1988 US$ 164 mil
1989 US$ 703 mil
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 6.
Apesar dos recursos modestos, a atuação do PGTF foi fundamental para promover
a cooperação entre os PEDs nos anos 1980. Isso porque, ao não precisar da autorização
do Conselho de Administradores do PNUD para financiar os projetos de cooperação, essa
fonte independente de recursos permitiu que as atividades refletissem os interesses e
prioridades dos PEDs, especialmente na área da cooperação econômica, cuja atuação do
SDNU era muito limitada.
Fazendo um balanço sobre as condições de financiamento da CTPD nos anos
1980, nota-se que houve um esforço em garantir fontes previsíveis de recursos dentro da
estrutura do SDNU, mas seu escopo foi limitado. Em geral, todas as possíveis fontes de
financiamento não foram exploradas ou consideradas apropriadamente pelo SDNU, uma
vez que as entidades não alocaram linhas orçamentárias específicas para a modalidade e
não fizeram pleno uso dos recursos existentes, como as IPFs.
Ademais, o engajamento dos PDs em financiar a CTPD foi praticamente
inexistente nesse período, a despeito das recomendações do HLC-TCDC para que os
grandes doadores pudessem financiar projetos nacionais que contivessem CTPD e que
promovessem atividades nesse campo, como treinamentos, oficinas e estudos de pré-
viabilidade.
Por outro lado, embora a falta de recursos fosse um obstáculo considerável para
garantir a integração da CTPD nos trabalhos da ONU, nota-se que esse não era um
problema isolado. Considerando o contexto dos anos 1980 de constrição de recursos,
325
fazer um maior uso da CTPD seria uma forma do SDNU entregar mais com menos, já
que a modalidade era mais eficaz em custo que a cooperação técnica tradicional. Mas não
foi isso o que aconteceu, devido à prevalência da rationale da cooperação tradicional e às
barreiras atitudinais do SDNU em relação à CTPD.
7.4 A descentralização do financiamento do SDNU e da CTPD (1990)
A crise financeira dos anos 1980 foi um prenúncio das profundas mudanças no
padrão de financiamento do SDNU que seriam causadas pelo fim da Guerra Fria. Nos
anos 1990, os grandes doadores perderam o interesse em se engajar na cooperação
internacional para o desenvolvimento, pois a rationale de alocação da AOD – um
instrumento da política externa dos governos no contexto do sistema de alianças da
Guerra Fria – havia deixado de existir.
Por isso, a primeira característica da terceira fase do financiamento do SDNU, que
se inicia nos anos 1990 e se aprofunda nos dias atuais, foi a drástica redução no volume
total da AOD: cerca de 10% em termos reais (JENKS; JONES, 2013, p. 27). E houve uma
redução ainda maior nos recursos destinados ao SDNU: as contribuições voluntárias
caíram de 86% da receita do PNUD em 1987 para 48% em 1997 (STOKKE, 2009, p.
373).
A segunda característica foi a maior especificação das contribuições voluntárias
ao SDNU. Ao invés de canalizar as contribuições no formato de recursos centrais – que
seriam de responsabilidade do SDNU definir para onde os recursos seriam alocados – os
doadores começaram a escolher as entidades, os países e os projetos que eles desejavam
financiar. Como pode-se notar no gráfico a seguir, apesar de ter havido um aumento nos
recursos totais disponíveis ao SDNU para financiar as atividades operacionais para o
desenvolvimento, esse aumento ocorreu por meio de recursos especificados, ou não
centrais (earmarked ou non-core).
O ano de 1997 foi o marco na mudança da composição dos recursos do SDNU: os
recursos especificados ultrapassaram os centrais pela primeira vez, e desde então, a
tendência foi o crescimento do primeiro tipo de recursos, que correspondeu a 60% do
total em 1999; e a estagnação do segundo tipo, em uma faixa de 40% do total.
326
Gráfico 5 – Contribuições para o SDNU* para o financiamento das atividades
operacionais para o desenvolvimento (1996-1999, em milhões de dólares)
*Excluindo as contribuições para o Programa Mundial de Alimentos.
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2005, p. 10.
O problema com o crescimento dos recursos não-centrais é que eles não são
despendidos de forma contínua e previsível, pois, na prática, é como se os doadores
bilateralizassem suas contribuições para o SDNU. Isso enfraquece o caráter multilateral
da ONU, ao impedir o sistema de fazer um planejamento de longo prazo para o
financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento. Isso reforçou o
caráter ad hoc e pouco sistematizado do apoio da ONU aos PEDs na área da cooperação
internacional para o desenvolvimento.
A terceira característica foi a competição entre as entidades do SDNU por
recursos, enfraquecendo seu componente multilateral e aprofundando a incoerência
sistêmica do financiamento. Em 1993, quando o PNUD deixou de ser a agência central
coordenadora do financiamento do SDNU e passou a executar projetos, isso significou
que as demais entidades do sistema eram agora responsáveis por mobilizar seus próprios
recursos, diretamente com os países doadores. Assim, ao invés desses países canalizarem
seus recursos para o PNUD, as entidades competiam entre si por uma parte das
contribuições.
Isso mudou a agenda de trabalho: as prioridades decididas pelos órgãos da ONU
se tornaram menos importantes, e, na prática, a agenda de trabalho é orientada para
4.165,74.329,1
4.784,7
5.406,2
47,7%50,8% 43,4% 39,3%52,3% 49,2%
56,6%
60,7%
0,0
1.000,0
2.000,0
3.000,0
4.000,0
5.000,0
6.000,0
1996 1997 1998 1999
Contribuições totais Recursos centrais Outros recursos
327
aqueles temas onde as agências conseguem levantar financiamento. E todas as prioridades
das entidades do SDNU passaram a ser apresentadas como um apelo para atrair o interesse
dos doadores. O maior peso relativo dos doadores nas decisões dos Conselhos Executivos
das agências especializadas reforçou a incoerência das agendas de trabalho.
O G-77 vocalizou essa frustração nas negociações sobre as atividades
operacionais para o desenvolvimento no âmbito da Segunda Comissão da AGNU e da
TCPR. O SDNU passou a ser percebido como ineficiente e menos responsivo às
necessidades dos PEDs devido a esse padrão de financiamento que enfraqueceu a
capacidade da ONU em conduzir suas atividades de forma multilateral e neutra.
7.4.1 O financiamento da CTPD nos anos 1990
O padrão de financiamento do SDNU nos anos 1990 teve efeitos mistos para a
promoção da CTPD: por um lado, houve o aumento de recursos não-centrais, pois os
PEDs passaram a utilizar a especificação de suas contribuições para promover a
modalidade. Por outro, a diminuição dos recursos centrais aprofundou a incoerência e a
falta de sistematização da integração da modalidade nos trabalhos regulares do SDNU. A
seguir, serão apresentados os recursos mobilizados no âmbito do PNUD e da SU-TCDC
nessa década, incluindo o PGTF e o Fundo Fiduciário das Nações Unidas para a
Cooperação Sul-Sul, criado em 1996. Nessa fase, verificou-se um aumento do interesse
dos PDs em financiar a modalidade.
7.4.1.1 A especificação de recursos centrais do PNUD para a CTPD
O início dos anos 1990 foi marcado por um aumento no uso das IPFs destinadas
à CTPD, de 7,3% no período de 1987-1988 para 9,6% no período de 1989-1990,
conforme pode ser visto no quadro abaixo. O motivo desse aumento foi o maior
engajamento dos PEDs em utilizar a modalidade em projetos regionais, inter-regionais e
globais, como uma estratégia para se proteger dos efeitos negativos da globalização. O
HLC-TCDC recomendou ao Conselho de Governadores do PNUD, em sua decisão
TCDC/7/2, de 6 de junho de 1991, que acelerasse o uso da CTPD na execução de projetos
financiados por IPFs, de modo a colaborar com a inserção efetiva dos PEDs na economia
globalizada.
328
Quadro 26 – Uso dos IPFs do PNUD em CTPD (1989-1990, em milhares de
dólares)
Gasto total das IPFs
Gasto das IPFs com CTPD
% do gasto das IPFs para CTPD
IPF nacional US$ 1.360.341 US$ 12.405 0,91%
IPF regional US$ 259.095 US$ 77.195 29,8%
IPF inter-regional e global US$ 54.366 US$ 13.592 25%
Total US$ 1.673.802 US$ 160.346 9,6%
Fonte: HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL CO-OPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES, 1991 c, pp. 22-23.
Já em relação aos Recursos para Programas Especiais (SPR) destinados à CTPD,
que eram fundamentais para financiar atividades promocionais de escopo global, eles
sofreram uma redução expressiva em 1993. Assim, em sua decisão TCDC/8/2, de 4 de
junho de 1993, o HLC-TCDC pediu que o Conselho de Governadores do PNUD
mantivesse o nível de SPR previsto para o período de 1992-1996, garantindo a
implementação dos projetos da SU-TCDC.
Além disso, com a progressiva diminuição dos recursos centrais em meados dos
anos 1990, o HLC pressionou o PNUD a especificar uma porcentagem dos SPR para a
CTPD. Isso garantiria alguma previsibilidade dos recursos no contexto das orientações
definidas pela Estratégia Novas Direções (1995). Assim, o Conselho Executivo do PNUD
aprovou, em sua decisão DP/1995/23, de 16 de junho de 1995, a especificação de 0,5%
dos recursos centrais destinados aos programas nacionais para o financiamento da CTPD
no período de 1997-1999. Isso deu impulso ao trabalho da SU-TCDC no final da década,
no bojo de seu Primeiro Quadro de Cooperação.
7.4.1.2 Os recursos da SU-TCDC: o Primeiro Quadro de Cooperação para a
CTPD e o Fundo Fiduciário para a Cooperação Sul-Sul
Com a alocação de 0,5% dos recursos centrais do PNUD para a CTPD, foi possível
que a SU-TCDC incluísse um planejamento financeiro em seu Primeiro Quadro de
Cooperação para a CTPD, que cobria o período de 1997-1999. Além dos US$ 1 milhão
em SPR referentes ao ciclo programático anterior (1992-96), a especificação de 0,5% dos
329
recursos centrais do PNUD destinou mais US$ 15 milhões à SU, totalizando US$ 16
milhões em recursos centrais, conforme pode ser visto no quadro a seguir.
Quadro 27 – Recursos alocados para a SU-TCDC no Primeiro Quadro de
Cooperação para a CTPD (1992-1996)
Recurso Montante
Recursos centrais do PNUD
SPR para o 5º ciclo US$ 1.000.000,00
Recursos para CTPD US$ 15.000.000,00
Recursos não-centrais
Fundo fiduciário US$ 10.000.000,00
Total: US$ 26.000.000,00
Fonte: EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 1996, p. 9.
Ademais, a AGNU recomendou ao PNUD, em sua resolução A/RES/50/119, de
20 de dezembro de 1995, a criar um fundo voluntário para financiar a CTPD, garantindo
um aporte complementar aos recursos centrais da SU-TCDC. No ano seguinte, foi criado
o Fundo Fiduciário para a Promoção da Cooperação Sul-Sul, com o propósito de financiar
programas de CTPD nas áreas temáticas definidas no Primeiro Quadro de Cooperação,
que eram: erradicação da pobreza, proteção do meio ambiente, e iniciativas nas áreas
produtivas, de comércio e investimentos.
O Fundo tinha um capital inicial de US$ 10 milhões, composto por contribuições
do Japão, da República da Coreia e da Irlanda (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON THE
REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG DEVELOPING COUNTRIES,
1999 a). Esse foi o primeiro envolvimento efetivo dos PDs em financiar a CTPD por meio
da estrutura do SDNU, e o interesse veio porque, nesse fundo, os recursos poderiam ser
especificados. Nos anos 1990, o crescimento de alguns PEDs – os chamados mercados
emergentes – chamaram a atenção dos doadores, e contribuir com o
330
Fundo Fiduciário permitiria uma aproximação com esses países em esquemas de
cooperação triangular, que ganharão impulso nos anos 2000224.
7.4.1.3 Medidas para a expansão dos recursos do PGTF
Quando o PGTF foi criado em 1983, o único mecanismo previsto para a ampliação
de seu capital eram os rendimentos provenientes de taxas de juros. Mas essa fonte de
financiamento tornou-se muito limitada com o declínio das taxas de juros nos anos 1990,
vis-à-vis a necessidade de um volume crescente de recursos.
Como pode-se notar no gráfico a seguir, há uma redução significativa na alocação
anual de recursos do PGTF no período de 1991-1996. Para contornar esse problema, o G-
77 decidiu aprovar, em seu 20º Encontro Ministerial, uma nova estratégia para
impulsionar o capital do fundo, baseada em três modalidades de levantamento de
recursos: fazer uma melhor gestão das taxas de juros; permitir contribuições dos membros
do G-77 e de outros doadores; e estabelecer mecanismos de co-financiamento com outras
instituições.
Gráfico 6 – Alocações anuais de recursos do PGTF (1990-1999, em milhares de
dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 6.
224 Esses esquemas serão discutidos no próximo capítulo.
1.253
211
720
557
292350
460
149
1.165
460
0
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
1 9 9 0 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3 1 9 9 4 1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9
331
A primeira modalidade consistia em adotar estratégias de financiamento arrojadas
para alocar o capital do Fundo em instrumentos financeiros com melhor rendimento (por
exemplo, em títulos com maturação de longo prazo), que poderiam fazer uma valorização
mais eficiente do total de fundos.
A segunda modalidade seria permitir contribuições voluntárias dos membros do
G-77 e de outros doadores potenciais. O objetivo era engajar todos os membros do grupo
a contribuir com o Fundo. Por isso, seriam aceitas tanto contribuições de grande volume
quanto de menor volume (a contribuição sugerida era de US$ 2 mil dólares, mas os países
poderiam doar menos caso não pudessem arcar com essa quantia), com o propósito de
mostrar o engajamento e apoio dos diferentes países ao financiamento da CTPD. Essas
contribuições seriam amealhadas nas Conferências de Compromissos Negociados da
ONU para as atividades de desenvolvimento. Também seriam estreitadas as relações com
outras instituições internacionais, para que pudessem contribuir com um aporte maior de
recursos (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 9).
Até o final dos anos 1990, a maior parte das contribuições foram simbólicas,
totalizando US$ 20 mil dólares em contribuições de 11 países. Entre 1998-1999, não
houve nenhuma grande contribuição, nem por parte dos membros do G-77 nem de
instituições financeiras. As contribuições realizadas nos anos 1990 podem ser vistas no
quadro a seguir.
Quadro 28 – Contribuições de Estados-membros para o PGTF (1998-1999)
País Data Montante
Ilhas Maurício Dezembro de 1997 US$ 500,00
Paquistão Abril de 1998 US$ 1.000,00
Cingapura Dezembro de 1998 US$ 2.000,00
Irã Janeiro de 1999 US$ 3.000,00
República Popular e Democrática da Coreia
Fevereiro de 1999 US$ 2.000,00
Chipre Março de 1999 US$ 2.000,00
Malásia Maio de 1999 US$ 2.000,00
Tailândia Maio de 1999 US$ 2.000,00
332
(Cont.) País Data Montante
Argélia Junho de 1999 US$ 2.000,00
Índia Agosto de 1999 US$ 2.000,00
Filipinas Setembro de 1999 US$ 1.500,00
Total Dezembro 1998 –
Setembro 1999 US$ 20.000,00
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017.
A terceira modalidade, de co-financiamento com outras instituições, visava usar
os recursos do PGTF como efeito multiplicador para projetos de maior projeção,
especialmente em âmbito regional e sub-regional. Os esquemas de co-financiamento
seriam definidos caso a caso, e as instituições parceiras deveriam contribuir com recursos
iguais ou superiores àqueles alocados pelo PGTF. Essa foi a modalidade de maior
expansão no período, financiando um total de US$ 9,5 milhões em projetos no período
de 1987-1996, conforme pode ser visto no quadro a seguir.
Quadro 29 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições
(1987-1996)
Número de projetos apoiados 57
Contribuição do PGTF US$ 5 milhões
Outras contribuições US$ 4,5 milhões
Custo total dos projetos US$ 9,5 milhões
Taxa de co-financiamento 0,90%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 16.
Fazendo um balanço sobre os recursos disponíveis para financiar a CTPD nos anos
1990, nota-se que, diante das mudanças no padrão de financiamento do SDNU, de
redução dos recursos centrais e aumento dos recursos especificados, foi necessário
diversificar as fontes de financiamento da modalidade.
Em relação ao PNUD, a especificação de 0,5% dos recursos centrais para financiar
a CTPD garantiu a realização mínima das atividades programadas no Primeiro Quadro de
333
Cooperação para a CTPD da SU-TCDC. Essa, por sua vez, mobilizou recursos
voluntários adicionais por meio do Fundo Fiduciário para a Promoção da Cooperação sul-
Sul. Mas esses eram recursos especificados, oriundo das doações de países desenvolvidos
interessados em se aproximar dos mercados emergentes.
Já no que se refere às demais entidades do SDNU, como o PNUD havia deixado
de ser a agência financiadora central a partir de 1993, essas tiveram que se engajar na
busca por recursos adicionais. Mas assim como nos anos 1980, havia a dificuldade de
mensurar o quanto as agências especializadas destinavam para financiar a CTPD, devido
à ausência de uma linha orçamentária para essa modalidade. Por isso, o esforço do HLC-
TCDC e da SU-TCDC foi o de auxiliar as entidades a criar mecanismos para mensurar
seu apoio à CTPD em termos quantitativos, e estimulá-las a incluir uma linha
orçamentária dedicada à CTPD. Mas essa proposta continuou enfrentando resistências.
Por fim, como mostra a estratégia de expansão dos recursos do PGTF, os próprios
PEDs passaram a aumentar suas contribuições, com base no compartilhamento de custos
e co-financiamento. Para o G-77, diante do declínio da AOD em termos relativos e as
dificuldades econômicas enfrentadas no contexto da globalização, o avanço da CSS era
de suma importância, ao facilitar a troca de experiências e promover ação coletiva para o
desenvolvimento.
Isso conduz à situação de financiamento no novo milênio, quando as contribuições
dos PEDs para o SDNU e para a CSS dão um salto quantitativo e qualitativo, como será
discutido no próximo capítulo.
334
CAPÍTULO 8 – OS CHAMADOS DOADORES EMERGENTES E O
FINANCIAMENTO DA CSS NOS ANOS 2000
O capítulo tem como objetivo discutir a atuação dos chamados doadores
emergentes nos anos 2000, quando os PEDs deixaram de ser apenas recipiendários de
AOD para também se tornarem doadores, ao alocar montantes significativos de recursos
para financiar projetos de CSS. A resiliência de países como China, Brasil e Índia após a
crise de 2008 consolidou ainda mais o papel desses países como provedores líquidos de
recursos para o financiamento do desenvolvimento em âmbito bilateral e regional.
Primeiramente, o capítulo apresentará a fragmentação e bilateralização dos
recursos destinados aos SDNU nesse período. Houve uma expressiva redução das
contribuições centrais dos PDs para financiar as atividades operacionais para o
desenvolvimento, consolidando a dependência do sistema em relação aos recursos não-
centrais e especificados. Essa dependência deixou o SDNU em uma situação financeira
crítica, comprometendo a eficácia de seus projetos e prejudicando sua capacidade de
atender às demandas dos PEDs.
Por isso, o envolvimento dos doadores emergentes no financiamento do
desenvolvimento – como resultado de seu crescimento econômico e de expansão de suas
políticas externas na área da cooperação internacional para o desenvolvimento – trouxe
uma fonte adicional de recursos. Embora as contribuições dos PEDs para o sistema ainda
sejam pequenas se comparadas ao montante dos países do CAD-OCDE, o engajamento
do SDNU na promoção da CSS na última década reflete a expectativa de atrair cada vez
mais esses recursos.
A forma como os doadores emergentes financiam a CSS é diferente do
financiamento da cooperação tradicional. Assim, o capítulo apresentará os distintos
instrumentos e arranjos financeiros utilizados pelos doadores emergentes, mostrando
como eles se distinguem da AOD. Entretanto, é importante indicar a dificuldade em
mensurar quantitativamente o quanto os PEDs destinam à CSS, devido ao caráter
integrado e sobreposto entre as diversas modalidades de seu financiamento.
Em seguida, o capítulo discutirá a reação dos países do CAD-OCDE à
concorrência dos doadores emergentes. Primeiramente, eles passaram a se envolver no
financiamento da CSS por meio da cooperação triangular, isto é, projetos definidos e
executados por dois países em desenvolvimento, mas que conta com o financiamento ou
335
a expertise de um país desenvolvido. Depois, o CAD-OCDE passou a pressionar pela
graduação dos novos doadores, para que eles assumam maiores responsabilidades de
financiamento do SDNU. Mas para que a graduação ocorra, é necessário sistematizar e
mensurar as contribuições financeiras dos doadores emergentes. Por isso, o comitê está
tentando influenciar o conceito de CSS para que incorpore os elementos do paradigma da
eficácia da ajuda e possa ser mensurado de acordo com seus critérios.
Os doadores emergentes se recusam a padronizar a CSS a partir dos princípios do
CAD-OCDE e também discordam do argumento da graduação, afirmando que essa é uma
estratégia dos doadores para diminuir suas responsabilidades financeiras. Por isso, o G-
77 insiste que a CSS é complementar e não substituta à Cooperação Norte-Sul, no sentido
de que ela não poderá substituir os compromissos financeiros dos PDs para com a
cooperação internacional para o desenvolvimento.
Por fim, o capítulo apresenta os instrumentos atuais de financiamento da CSS no
SDNU. Ainda não existe uma linha orçamentária destinada à CSS, e os recursos centrais
transferidos do PNUD para o UNOSSC são limitados. Por isso, os próprios PEDs
preferem canalizar recursos especificados, utilizando a estrutura do SDNU para
implementar projetos de CSS que atendam aos interesses de suas políticas externas. Isso
demonstra que a ideia de usar a ONU para promover a CSS tem uma base material mais
restrita. Dentre os argumentos apresentados por diplomatas dos países emergentes,
enquanto não houver uma reforma da governança do SDNU que os permita influenciar o
processo de tomada de decisão, eles não irão canalizar maiores recursos para o sistema.
Assim, o capítulo se encerra demonstrando que o padrão de financiamento da CSS no
SDNU impede a incorporação sistemática da modalidade nas atividades regulares do
sistema, reforçando seu caráter ad hoc.
8.1 O financiamento do SDNU nos anos 2000
Nos anos 2000, a quantidade de AOD disponível para o financiamento do
desenvolvimento foi crescente em termos absolutos. Em 2007, o volume total de AOD
foi de US$ 103,7 bilhões de dólares, um crescimento absoluto de 15% em termos reais
desde 2004. Em 2010, o volume de AOD atingiu US$ 128,5 bilhões, um crescimento
absoluto de 63% no período 2000-2010. A partir de 2011, as contribuições em AOD
foram afetadas pela crise econômica e financeira global iniciada em 2008 e pelas políticas
336
recessivas adotadas pelos doadores do CAD-OCDE. Mas o volume total foi recuperado
em 2013, atingindo um total de US$ 134,8 bilhões (UNITED NATIONS ECONOMIC
AND SOCIAL COUNCIL, 2008, p. 8; 2012, p. 15; 2014, p. 2).
Apesar do crescimento absoluto da AOD, há uma tendência histórica de redução
em termos relativos225, ficando longe de cumprir a meta de 0,7% do PIB: em 1990, a
assistência era de 0,33% do PIB, e, em 2000, esse número caiu para 0,22% do PIB. Nos
anos 2000, a assistência não ultrapassou a média de 0,4% do PIB. Apenas quatro países
– Dinamarca, Países Baixos, Noruega e Suécia – configuraram-se como exceção,
conseguindo inclusive ultrapassar a meta (WEISS; THAKUR, 2010, loc. 2339-2349;
JOLLY et al., 2004, p. 271).
Em relação ao destino multilateral da AOD, o quadro abaixo mostra que
aproximadamente 30% do total desses recursos tem destino multilateral, enquanto 70% é
bilateral. Dentre os 30% de recursos multilaterais, a quantidade de AOD destinada ao
SDNU 2006 e 2013 não chega à metade disso. Isso sinaliza que a ONU não é o canal
multilateral prioritário de alocação da AOD. Mesmo assim, as contribuições do CAD-
OCDE correspondem à uma faixa de 60%-70% dos recursos do SDNU.
Ademais, o quadro mostra que o crescimento dos recursos do SDNU nos anos
2000 foi prioritariamente puxado por contribuições não-centrais e especificadas,
correspondendo a quase 70% dos recursos em 2013.
Já a figura a seguir demonstra que a estagnação dos recursos centrais e o
crescimento dos recursos não-centrais é uma tendência desde os anos 1990, e esse
desequilíbrio consolidou-se nos anos 2000.
225 Os anos 2000 são considerados uma era pós-AOD, devido à redução no volume da ajuda e o crescimento de outros recursos, como IEDs, capitais privados, remessas, royalties, etc. Em 2002, a ONU organizou a Primeira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Monterrey, para tratar dos problemas relacionados ao financiamento do desenvolvimento em âmbito global. Para contornar a dificuldade dos PEDs em mobilizar recursos de longo prazo para financiar seu desenvolvimento, o documento final da Conferência, denominado Consenso de Monterrey, definiu seis áreas de ação para mobilizar recursos de forma mais eficiente: recursos domésticos; IEDs e outros fluxos privados; comércio internacional; AOD; dívida externa; e assuntos sistêmicos. Em 2008, ocorreu a Segunda Conferência sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, no Catar. No bojo da crise econômica e financeira global, a Declaração de Doha discutiu os problemas de financiamento derivados da crise. A CSS foi mencionada, pela primeira vez, como uma fonte importante de financiamento para o desenvolvimento. Na Terceira Conferência sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, ocorrida em Adis Abeba em 2015, o objetivo foi o de estabelecer diferentes fontes de recursos – governamentais, do setor privado e da sociedade civil – para financiar a implementação da Agenda 2030.
337
Quadro 30 – AOD: Alocação total, multilateral e para o SDNU (2006 e 2013)
Categoria de financiamento 2006
(US$ bi)
2013
(US$ bi)
Crescimento entre
2006-2013 (US$ bi)
AOD Total 105,4
(100%)
135,1
(100%) 29,7
AOD multilateral 27,9
(26,5%)
41,5
(30,7%) 13,6
AOD para o SDNU, sendo: 10,5
(10%)
16,2
(12%) 5,7
Recursos centrais 4
(38,1%) 5,2
(32,1%) 1,2
Recursos não-centrais (especificados)
6,5 (61,9%)
11 (67,9%)
4,5
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de MUTTUKUMARU, 2015, p. 8.
Figura 2 – Tendência do financiamento total das atividades operacionais para o
desenvolvimento da ONU (recursos centrais e especificados, 1995-2014)
Fonte: JENKS et al., 2016, p. 25
A estagnação dos recursos centrais é preocupante pois compromete a
sustentabilidade e a eficácia das atividades do SDNU voltadas para a promoção do
338
desenvolvimento. Sem recursos centrais226, o SDNU perdeu a capacidade de planejar suas
ações e coordenar as áreas temáticas e os países prioritários, afetando negativamente a
qualidade dos resultados de seus programas. Logo, a falta desse tipo de recurso impede
que os projetos sejam alinhados com demandas dos países recipiendários, diminuindo a
confiança dos PEDs na capacidade do sistema em ser responsivo às suas necessidades.
Outro problema é que os recursos centrais passaram a ser usados para subsidiar as
atividades financiadas por recursos não-centrais, como custos de gerenciamento,
administração e apoio aos programas. Isso significa que, em vários casos, é o próprio
SDNU custeando os gastos administrativos dos programas dos doadores.
Os recursos não-centrais aumentaram em 135% no período de 1998-2013
(UNITED NATIONS, 2015 a). Existem cinco tipos de modalidade de recursos não
centrais: recursos bi-multilaterais; financiamento conjunto interagências; fundos globais
e verticais; fundos temáticos; e financiamento local. Não existe nenhum mecanismo de
harmonização e coordenação dessas diferentes modalidades, e cada uma delas possui seu
próprio planejamento, gerenciamento e relatório.
O gráfico a seguir mostra a distribuição percentual dessas modalidades para o
financiamento do SDNU em 2014. Observa-se que 75% do financiamento não-central do
SDNU encaixava-se na modalidade bi-multilateral. Ela é considerada multilateral porque
é canalizada para a ONU, mas, na prática, os recursos funcionam de forma bilateral, pois
são provenientes de um único doador e destinados para países, programas e projetos
específicos. Essa é a principal modalidade utilizada pelos doadores do CAD-OCDE. O
gerenciamento, a administração e os relatórios referentes a esses recursos possuem várias
regras e condicionalidades sobre as quais recaem pesados custos de transação. Muitas
vezes, os recursos bi-multilaterais já são especificados desde os orçamentos nacionais dos
países doadores, de modo que a única escolha para o SDNU é aceitar a especificação ou
recusar o financiamento.
Já o financiamento conjunto interagências correspondeu a 11% do financiamento
não-central do SDNU em 2014. Tratam-se de fundos conjuntos entre as agências do
sistema, destinados a programas específicos. São fundos abertos e financiados por
mecanismos de repasse.
226 Para contornar esse problema, atualmente a ONU trabalha com o conceito de massa crítica de recursos centrais, definido como o nível mínimo ou crítico de recursos centrais para atender adequadamente às necessidades de financiamento das atividades operacionais para o desenvolvimento. Porém, poucas agências operacionalizaram esse conceito e continuam altamente dependentes dos recursos não-centrais.
339
Os fundos globais e verticais e os fundos temáticos também são formas de
financiamento conjunto, e corresponderam a 5% e 3% dos recursos especificados,
respectivamente. Diferentemente do financiamento conjunto interagências, são fundos
internacionais externos ao SDNU, mas administrados por entidades do sistema, que se
envolvem em diferentes graus. A preocupação é que esses fundos são uma alternativa ao
sistema multilateral, afastando recursos do sistema ONU.
Por fim, o financiamento local, que correspondeu a 6% dos recursos especificados
em 2014, consiste nos recursos dispendidos localmente, na execução das atividades
programáticas dos programas nacionais. Essa modalidade é mais presente em países de
renda média.
Gráfico 7 – Modalidades de financiamento não-central para as atividades
operacionais para o desenvolvimento da ONU (2014, em porcentagem)
FONTE: elaboração própria a partir dos dados de JENKS et al., 2016, p. 30.
A dependência do SDNU em relação aos recursos não-centrais se aprofundou com
a aprovação dos ODMs, no ano 2000. Embora o estabelecimento de objetivos e metas
específicos tenha atraído maiores recursos para o sistema, isso resultou em uma redução
do interesse dos membros em contribuir para os propósitos gerais da organização. Outra
consequência foi a consolidação da tendência já iniciada nos anos 1990, de reorientar os
Bi-multilateral75%
Financiamento conjunto
interagências11%
Fundos globais e verticais
5%
Fundos temáticos
3%
Financiamento local6%
340
trabalhos do SDNU para a agenda dos doadores, que definem para quais áreas, países e
projetos os recursos serão destinados. Isso significa que “as prioridades das entidades da
ONU são, portanto – muito mais agora do que antes – conduzidas pela disponibilidade de
financiamento do que pelos mandatos e estratégias definidos pelos quadros decisórios das
agências e sistêmicos, como era o caso antes de 1990” (UNITED NATIONS, 2015 a, p.
6, tradução nossa227).
Além disso, o aumento dos recursos especificados estão, na prática, tornando as
entidades do SDNU em prestadoras de serviços para projetos bilaterais ou público-
privados, ao invés de oferecer bens público globais. De acordo com Laurenti (2008, p.
696, tradução nossa):
Ás vezes, os governos doadores usam os programas da ONU como uma agência executora daquilo que, na verdade, é uma concessão bilateral e condicionada. Esse geralmente é o caso dos fundos fiduciários da ONU estabelecidos com a aprovação da Assembleia Geral, sob a iniciativa de um Estado-membro para realizar um propósito específico228.
O padrão de financiamento baseado em recursos especificados também resultou
em uma proliferação de doadores229. O ECOSOC estimou que havia 126 agências
bilaterais de países do CAD-OCDE, 23 doadores fora do CAD-OCDE e 263 agências
multilaterais de ajuda, de diferentes tamanhos (UNITED NATIONS ECONOMIC AND
SOCIAL COUNCIL, 2012, pp. 20-21).
A proliferação de doadores trouxe como vantagem a diversificação das fontes de
financiamento. Os países recipiendários preferem ter vários doadores para manter a
estabilidade dos fluxos e diversificar os riscos, especialmente diante da enorme
volatilidade nas contribuições dos doadores do CAD-OCDE.
Mas a diversificação excessiva tem desvantagens quanto as prioridades e a
construção de capacidades. Como a maior parte dos doadores financia projetos bilaterais,
isso aumenta os custos de transação, devido à sobreposição e até mesmo à contradição de
prioridades e condicionalidades nos projetos financiados por diferentes doadores. Essa
227 Do original: “Programme priorities of UN entities are therefore now to a greater extent than before driven by the availability of funding rather than mandates and strategies set by agency-specific and system-wide governing bodies, as was the case before the 1990s” (UNITED NATIONS, 2015 a, p. 6). 228 Do original: “Sometimes donor governments rely on UN programs to serve as the executing agency for what is really a bilaterally agreed, or ‘tied,’ grant. This is often the case for UN trust funds established with Assembly approval on the initiative of a member state to accomplish a designated purpose” (LAURENTI, 2008, p. 696). 229 Além disso, houve um aumento considerável dos doadores privados, como ONGs, setor privado e doadores individuais. De acordo com Adams e Martens (2015, p. 47), esses doadores contribuíram com US$ 2 bilhões de dólares para o financiamento das atividades de desenvolvimento da ONU em 2013.
341
situação, na ausência de uma coordenação mínima do SDNU, resultou na fragmentação
das atividades promovidas pelo sistema.
No gráfico a seguir, são apresentados os volumes de contribuições dos doadores
estatais em 2013. Nota-se a predominância dos três maiores doadores (Estados Unidos,
Reino Unido e Japão), que financiaram 41% das atividades para o desenvolvimento da
ONU. Depois, os demais doadores do CAD-OCDE somam 20%.
Gráfico 8 – Contribuições por tipos de doadores estatais (2013)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS, 2015 a, p. 7.
É interessante notar a participação dos doadores fora do CAD-OCDE, chamados
de doadores emergentes, que correspondeu a 8% em 2013. Apesar de ser uma
porcentagem pequena em comparação à dos doadores tradicionais, seu crescimento é
consistente e considerado uma contribuição positiva ao SDNU, pois o dispêndio de
recursos dos doadores emergentes tem características diferentes em relação aos doadores
tradicionais, podendo contribuir com uma maior previsibilidade dos recursos. Isso será
discutido na próxima seção.
8.2 Os doadores emergentes e os tipos de financiamento da CSS
Nessa seção, o objetivo é discutir o contexto dos anos 2000, intitulado pelo PNUD
como a “ascensão do Sul”, e que levou à consolidação dos chamados doadores
4º a 10º maiores doadores
31%
Outros 18 doadores do CAD-
OCDE12%
Doadores fora do CAD-OCDE
8%
Financiamento local de países de renda média
8%
Estados Unidos22%
Reino Unido11%
Japão8%
3 maiores doadores41%
342
emergentes, PEDs de renda média que experimentaram um crescimento econômico e
desenvolvimento social expressivos nessa década, e que se engajaram fortemente no
financiamento da CSS. Também serão apresentados os instrumentos de financiamento
utilizados pelos doadores emergentes, que vão além da mera transferência líquida de
recursos, como ocorre na cooperação tradicional.
8.2.1 A ascensão do Sul
Em seu Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013, o PNUD discutiu a
chamada “ascensão do Sul”, caracterizada por um reequilíbrio na geografia política e
econômica do poder global. Segundo o relatório:
Quando, durante a crise financeira de 2008-09, o crescimento das economias desenvolvidas estagnou, mas o das economias em desenvolvimento prosseguiu, o mundo registrou esse fato. A ascensão do Sul, vista no mundo em desenvolvimento como um reequilíbrio mundial há muito esperado, tem alimentado desde então um grande debate. No entanto, esse debate tem habitualmente ficado circunscrito ao crescimento do PIB e do comércio num número reduzido de países de grande dimensão. Ora, estão em jogo dinâmicas muito mais amplas, que abrangem um número muito maior de países e tendências mais profundas que podem ter consequências abrangentes para a vida das populações, a equidade social e a governação democrática, tanto a nível local como mundial (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 11).
Esse diagnóstico positivo acerca do papel dos PEDs foi baseado em pelo menos
uma década de crescimento econômico. De acordo com o PNUD, pela primeira vez em
150 anos, o PIB somado da China, da Índia e do Brasil era correspondente ao PIB somado
de Canadá, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Em 2013, o PIB
somado de oito grandes PEDs (Argentina, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, África
do Sul e Turquia) era equivalente ao PIB da maior economia do mundo, os Estados
Unidos (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO,
2013, p. 13).
O crescimento econômico chinês e indiano – e, em menor grau, brasileiro e sul-
africano – gerou um transbordamento para outros PEDs, que se beneficiaram da expansão
do comércio, dos investimentos e das finanças desses países. O PNUD prospectou que os
países de renda baixa teriam um menor crescimento econômico, na faixa de 0,3 a 1,1% a
menos que o verificado, caso a China e a Índia não tivessem crescido a essas mesmas
343
taxas (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013,
p. 3).
Além do crescimento do PIB, os PEDs foram os maiores participantes do
comércio mundial no período entre 1999-2009. Puxado pelo polo manufatureiro chinês,
o Sul Global tornou-se o centro do comércio global de mercadorias. De acordo com a
UNCTAD (2008, p. 3, tradução nossa230): “O comércio de mercadorias Sul-Sul foi de
US$ 2,4 trilhões em 2007 – ou 20% do comércio mundial. (...) Nesse período, o peso das
exportações Sul-Sul subiu em 7% na África em desenvolvimento, 4% na Ásia e 2% nos
países em desenvolvimento das Américas”. Como mostra a figura abaixo, a participação
do comércio Sul-Sul no comércio mundial foi crescente e triplicou no período de 1980-
2011. Já o comércio Norte-Sul apresentou uma trajetória decrescente.
Figura 3 – Cota parte do comércio Sul-Sul no comércio global (1980-2011, em
porcentagem)
Fonte: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 46.
230 Do original: “South–South merchandised trade in 2007 amounted to US$ 2.4 trillion in 2007 – or 20 per cent of world trade. (…) During this period, the weight of South-South exports in total exports went up by 7 percentage points in developing Africa, by 4 percentage points in Asia, and by 2 percentage points in the developing countries of the Americas” (UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT, 2008, p. 3).
344
O crescimento produtivo e comercial dos PEDs foi apoiado pelo crescimento no
montante de investimentos externos diretos (IEDs). A UNCTAD (2008, p. 5) estimou que
esses investimentos saltaram de US$ 4 bilhões em 1985 para US$ 304 bilhões em 2007.
Em termos de participação mundial, os IEDs do Sul Global cresceram de 20% em 1980
para 50% em 2010 (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 47). A maior parte dos investimentos teve como
destino outros PEDs, especialmente para países da mesma região dos investidores. Sem
contar o uso de novas formas de cooperação financeira e monetária entre as potências
emergentes, como bancos regionais, mecanismos de taxa de câmbio e de pagamento, e
facilidades de crédito.
De acordo com o PNUD, três fatores impulsionadores explicam a ascensão do Sul:
um Estado proativo orientado para o desenvolvimento; a integração dos PEDs nos
mercados mundiais; e as inovações na área da política social, com impactos expressivos
na redução da pobreza. China, Índia e Brasil lideraram esse processo: na China, a
porcentagem de população em situação de pobreza caiu de 60,5% em 1990 para 13,1%
em 2008; na Índia, a redução foi de 49,4% em 1983 para 32,7% em 2010; e no Brasil, de
17,2% em 1990 para 6,1% em 2009. Além disso, houve o desenvolvimento de novas
tecnologias e de novas iniciativas de empreendedorismo, que foram puxadas pelo
crescimento da população escolarizada e pelo acesso à internet (PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 14).
Além das mudanças na geografia econômica, houve um fortalecimento das
relações políticas Sul-Sul, como evidenciado pelas coalizões e fóruns internacionais que
visam ampliar a cooperação entre os PEDs em todos os níveis, sendo o IBAS e o BRICS
os de maior destaque. Nesses fóruns, houve criação de capacidade institucional para
apoiar o avanço da CSS, canalizando as soluções e respostas bem-sucedidas dos PEDs a
certos problemas de desenvolvimento em âmbito global.
A conclusão do PNUD no Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013 foi
que “O Sul está hoje em posição de poder influenciar e, inclusivamente, reformular velhos
modelos de cooperação para o desenvolvimento, graças a recursos acrescidos e às lições
colhidas no terreno, mas também de exercer novas pressões competitivas noutros aspectos
da cooperação bilateral” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 18). Dentre esses aspectos de participação do Sul
345
Global, foi destacado seu papel de financiamento do desenvolvimento, como será
discutido a seguir.
8.2.2 Doadores emergentes e o financiamento da CSS
A ascensão do Sul também se deu na área da cooperação internacional para o
desenvolvimento. As potências emergentes deixaram de ser apenas recipiendárias de
ajuda externa, mas também passaram a ocupar a posição de países doadores. Atualmente,
vários países possuem Ministérios e agências dedicados a fazer a alocação orçamentária
para o financiamento da CSS, que varia de milhares para dezenas de milhões de dólares:
A CSS cresceu recentemente de forma rápida, de US$ 8,6 bilhões (6,9% da cooperação global para o desenvolvimento), em 2006, para US$ 15,3 bilhões (9,5% da cooperação para o desenvolvimento, em 2008. (...) A parcela da CSS na cooperação global para o desenvolvimento dobrou em dez anos. (...) os maiores doadores do Sul são Arábia Saudita, China e Venezuela (cada um doando mais de US$ 2 bilhões por ano), seguidos por agências árabes (um total combinado de US$ 1 bilhão) e Índia (mais de US$ 750 milhões) (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2010, p. 73, tradução nossa231).
Na verdade, é muito difícil ter dados sistematizados sobre o volume dos recursos
totais dispendidos pelos PEDs para financiar a CSS, pois como foi discutido na parte 2,
cada país adota critérios diferentes de sistematização dos dados. Em um esforço de
estimar esses recursos, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU fez
uma compilação com estimativas mínimas e máximas do volume despendido entre 2006-
2013, conforme pode ser visto no gráfico a seguir. Estima-se que o financiamento saltou
de aproximadamente US$ 7,5 bilhões de dólares em 2006 para quase US$ 20 bilhões em
2013, praticamente triplicando em menos de uma década.
231 Do original: SSC has recently grown rapidly, from US$ 8.6 (6.9% of global development cooperation) in 2006 to US$ 15.3 billion (9.5% of development cooperation) in 2008. (…) The share of SSC in global development cooperation has doubled in ten years. (…) The largest Southern providers are Saudi Arabia, China and Venezuela (each providing over US$ 2 billion a year), followed by Arab Agencies (a combined total over US$ 1 billion) and India (over US$ 750 million) (UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2010, p. 73).
346
Gráfico 9 – Recursos concessionais para a Cooperação Sul-Sul (2006-2013, em
bilhões de dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEPARTMENT OF ECONOMIC
AND SOCIAL AFFAIRS, 2017.
Esses recursos causaram transformações importantes na condução da cooperação
internacional para o desenvolvimento nos anos 2000. Até então, os PEDs contavam
apenas com o financiamento de bancos multilaterais e de ajuda bilateral, o que dava aos
doadores tradicionais grande poder sobre os recipiendários. Porém, o aumento da
contribuição financeira das potências emergentes diversificou as possibilidades de
financiamento. Os doadores tradicionais começaram a perder seu monopólio e,
ameaçando seu poder de barganha na área do financiamento para o desenvolvimento.
Da mesma forma que o termo potências emergentes, a expressão doadores
emergentes também é ambígua e imprecisa. Isso porque o termo pode dar a entender que
esses países estão apenas agora envolvidos na cooperação internacional para o
desenvolvimento, o que não é verdade. Alguns PEDs possuem um histórico que data
desde os anos 1950. Por outro lado, é fato que o volume dos recursos atingiu um nível
sem precedentes nos anos 2000, e é por isso que o termo se tornou usual nos debates sobre
cooperação internacional para o desenvolvimento realizados na ONU232.
232 Um outro termo possível para caracterizar as maiores contribuições financeiras das potências emergentes é o de doadores fora do DAC-OCDE. Considerando que esse comitê é formado, predominantemente, por países ocidentais (com exceção do Japão e da Coreia do Sul) com elevado grau de desenvolvimento, a
8,638
17,862
15,644
18,95520
7,876
16,592
13,344
16,153
18
0,000
5,000
10,000
15,000
20,000
25,000
2006 2008 2010 2011 2013
Limite superior Limite inferior
347
Mesmo assim, os próprios PEDs recusam a serem denominados como doadores,
por acreditarem que o termo expressa uma relação hierárquica, de superioridade e
inferioridade. Eles preferem o termo parceiros, que exprime uma relação de igualdade e
de benefícios mútuos. E, de fato, os PEDs que recebem o financiamento para projetos de
CSS percebem que ele é diferente da cooperação tradicional: a ausência de
condicionalidades políticas e os poucos procedimentos burocráticos no dispêndio dos
recursos tornam a CSS mais atrativa e previsível. A seguir, serão apresentados os
instrumentos de financiamento da CSS e suas particularidades.
8.2.3 Tipos de instrumentos de financiamento da CSS
Os doadores emergentes já foram recipiendários de ajuda externa e assistência ao
desenvolvimento, e a maioria deles ainda é. Essa experiência afetou o modo como eles
estruturaram o financiamento da CSS: para alguns, a ajuda teve alguma contribuição
positiva; para outros, é entendida como ineficiente, ao causar interferência e dependência
excessivas. Em comum a essas diferentes experiências, havia a intenção de simplificar e
diversificar as formas de financiamento, diminuindo os entraves e facilitando o acesso
aos recursos. Por isso, o financiamento da CSS é entendido como qualquer instrumento
que permita uma verdadeira transferência de recursos entre os países do Sul.
Esse conceito é muito mais amplo que o de AOD, que envolve apenas um tipo
específico de fluxo financeiro, os empréstimos concessionados. Já na o financiamento da
CSS, as doações e os empréstimos concessionados se integram a outros instrumentos
financeiros, como o financiamento da cooperação técnica, os investimentos ao
desenvolvimento, os créditos à exportação, o alívio da dívida, a ajuda humanitária e as
contribuições para as organizações multilaterais. Mas, da mesma forma que a AOD, o
financiamento da CSS não envolve assistência militar, empréstimos para setor privado,
IEDs e investimentos de portfólio.
O quadro a seguir apresenta esses vários instrumentos de financiamento da CSS,
indicando sua descrição e alguns exemplos de seu uso.
definição é mais precisa. Por outro lado, trata-se de uma definição negativa, ao caracterizar os PEDs por aquilo que eles não são, deixando em aberto o que efetivamente eles são.
348
Quadro 31 – Tipos de instrumentos de financiamento da CSS
Tipo de
instrumento Descrição Exemplos
Doações Transferências em dinheiro ou em espécie que não incorrem em
dívida por parte do recipiendário.
Esse apoio financeiro pode envolver todos os tipos de cooperação,
mas o mais comum é a cooperação técnica, em que a maior parte
dos inputs é provida por doações (ver exemplos abaixo).
Cooperação
técnica
Provisão e pagamento dos inputs do projeto de cooperação técnica,
como consultores, especialistas, treinamentos, equipamentos e
serviços. Geralmente essa cooperação é financiada em espécie.
O programa de cooperação técnica do Brasil liderou o processo de
expansão do tratamento contra HIV/AID, doando retrovirais para
outros 11 PEDs.
Empréstimos
concessionados
Transferências em dinheiro ou em espécie que geram uma dívida
que deve ser paga pelo recipiendário. Mas deve haver algum grau
de subsídio. Enquanto o CAD-OCDE usa um desconto de 25% e o
FMI usa um desconto de 35% de subsídio, não há um padrão para
os doadores emergentes: cada PEDs define o grau de concessão.
Podem ser taxas de juros subsidiadas em uma porcentagem ou a
taxa zero; ou utilizar recursos ou commodities como colaterais.
A China oferece empréstimos a juros zero pelo Ministério do
Comércio, e empréstimos concessionados a taxas de juros
subsidiadas por meio de seu Banco de Exportação e Importação.
No caso dos empréstimos concessionados para Angola, para
financiar projetos sociais, de infraestrutura e de desenvolvimento
industrial, a China usou o fornecimento de barris de petróleo como
garantia.
Investimentos ao
desenvolvimento
Empréstimos comerciais e linhas de crédito que constituem um
investimento para o desenvolvimento de áreas específicas. Mas
esses investimentos possuem alguma parte concessionada ou com
transferência real de recursos.
Em 2004, a Índia proveu para outros PEDs US$ 1,4 bilhões de
dólares em linhas de crédito para infraestrutura, agricultura,
farmacêutica.
Entre 2001 e 2008, os países e instituições do Sul responderam por
47% do financiamento de infraestrutura na África Subsaariana.
349
(Cont.) Tipo de
instrumento Descrição Exemplos
Créditos à
exportação
A definição de ODA exclui créditos à exportação, porque possuem
fins comerciais e geralmente são vinculados (tied). Mas a
promoção do comércio exterior é uma prioridade para o Sul
Global, e por isso os créditos à exportação são abundantes. Eles
possuem termos concessionados e podem ser vinculados. Visam
estimular o comércio e negócios e fortalecer empresas e bancos.
O Banco de Exportação e Importação da Índia possui linhas de
crédito para países da África Subsaariana em mais de US$ 2,9 mil
milhões de dólares, para promover o comércio internacional. As
linhas de crédito estão vinculadas ao uso de serviços e bens de
empresas indianas. Essas empresas também geralmente participam
da execução de vários projetos de infraestrutura.
Alívio da dívida
O CAD-OCDE inclui o alívio da dívida como ODA, mas
geralmente trata-se apenas de um expediente contábil, sem real
transferência de recursos. No caso da CSS, o dinheiro que iria para
pagar o serviço da dívida é canalizado para outros gastos nos
setores de desenvolvimento. Ademais, os emprestadores
emergentes não forçam empréstimos imprudentes.
Vários doadores emergentes cancelaram as dívidas dos países mais
pobres ou minimizaram os juros e alongaram os prazos de
pagamento. Geralmente o perdão de dívidas é atrelado a um pacote
maior de cooperação. Em 2007, a China cancelou 20 milhões de
dólares da dívida de Moçambique, e ao mesmo tempo definiu um
acordo de exportação de seus produtos para a China sem tarifas.
Ajuda
humanitária
Apoio financeiro, em espécie, pessoal e logístico em situações de
desastre ou emergência. Há real transferência de recursos, e por
isso é incluída como CSS. Mas os doadores emergentes evitam
apoiar esquemas de ajuda humanitária que possam ser confundidos
com intervenção humanitária.
Na Ásia, o tsunami de 2004 foi um ponto de virada para a
ampliação da ajuda dos emergentes em relação a desastres
naturais. Em 2010, houve tanto a ajuda humanitária do Brasil para
o Haiti após o terremoto; quanto a ajuda da Índia para o Paquistão
após os alagamentos.
Contribuições
multilaterais
Doações e capital subscrito para organizações multilaterais e
bancos regionais de desenvolvimento. Esse dinheiro é usado para
financiar a cooperação entre os PEDs por meio dessas instituições.
Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome, gerenciado pelo
UNOSSC. Programas de segurança alimentar conduzidos pela
China no âmbito do Programa Mundial de Alimentos.
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JOHNSON, 2009; MAWDSLEY, 2012.
350
São duas as características administrativas de dispêndio dos recursos para o
financiamento da CSS, diferenciando-os do financiamento tradicional. Primeiramente,
apresentam nenhuma ou pouquíssimas condicionalidades políticas ou econômicas,
apenas relacionadas à própria garantia do empréstimo ou manutenção do capital. Em
segundo lugar, possuem poucos processos burocráticos: a concessão é rápida e bastante
previsível, pois os montantes são dispendidos dentro do ano fiscal, facilitando o
planejamento orçamentário (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL
COUNCIL, 2010).
Porém, uma característica semelhante entre o financiamento da CSS e da
cooperação tradicional é o caráter vinculado (tied). Principalmente nos investimentos de
desenvolvimento e nos créditos à exportação, o dispêndio dos recursos está vinculado à
compra e ao uso de bens e serviços dos países provedores, ou então ao uso de especialistas
e profissionais nacionais na execução e implementação dos projetos. Isso não
necessariamente implica em um custo maior ou em uma menor qualidade dos projetos de
cooperação, justamente porque a CSS tem uma vantagem de custo sobre a cooperação
tradicional; mas coloca em cheque os princípios da CSS de autonomia e não-
condicionalidade. A resposta dos doadores emergentes à essa crítica é que a CSS é feita
de acordo com a lógica de benefícios mútuos, e que o caráter vinculado não é mascarado
nos projetos de cooperação, mas acordados de forma conjunta.
Nota-se que, na definição dos instrumentos de financiamento da CSS, a distinção
com a AOD é evidente, e há um esforço deliberado dos PEDs em distinguir seus
mecanismos de financiamento daquele utilizado pelos doadores tradicionais. Os países
do CAD-OCDE reagiram de forma organizada ao crescimento do financiamento da CSS,
e atuaram em duas frentes: no financiamento da CSS, por meio da cooperação triangular;
e no esforço de harmonizar o financiamento da CSS aos princípios da eficácia da ajuda,
dentro da proposta de graduação dos doadores emergentes.
8.3 A reação do CAD-OCDE: cooperação triangular, eficácia da ajuda e
graduação dos doadores emergentes
Os doadores do CAD-OCDE sentiram a concorrência dos doadores emergentes,
pois o financiamento da CSS é considerado mais vantajoso pelos recipiendários em três
351
aspectos comparados ao dispêndio da AOD: o cálculo do dispêndio; as condicionalidades;
e o caráter vinculado da ajuda.
A forma como o CAD-OCDE calcula seus dispêndios apresenta uma grande
discrepância entre os orçamentos apresentados e o que é realmente doado (KHARAS,
2007, p. 2). Para os PEDs, as estatísticas de AOD são muito infladas e pouco é
efetivamente destinado para os projetos de desenvolvimento. Por exemplo, o cálculo
oficial de AOD geralmente inclui a compra superfaturada de commodities e serviços. Com
isso, alimentos e medicamentos que poderiam ser comprados por um custo menor no país
recipiendário são cotados a preços do país doador. As estatísticas também cobrem os
custos domésticos e no exterior referentes à administração das agências doadoras,
incluindo os salários dos funcionários dos doadores.
Outro problema é que alguns países do CAD-OCDE já incluem, no cálculo do
dispêndio de ajuda, outras formas de financiamento para o desenvolvimento que não
fazem parte do próprio conceito de AOD. Como aponta Shah (2014), há uma tendência
de incorporar gastos referentes à construção da paz, à prevenção de conflitos e às
atividades de segurança no cálculo de concessão da ajuda, sob a rubrica de TODA233
(assistência oficial para o desenvolvimento total, do inglês total official development
assistance). Isso infla as metas de AOD, de modo que não há uma real transferência de
recursos para a promoção do desenvolvimento.
Em relação às condicionalidades, elas continuam sendo a regra na alocação da
ajuda por parte do CAD-OCDE. Vários doadores possuem modelos de pré-seleção dos
recipiendários, baseados nas avaliações sobre sua conduta e seu desempenho em relação
à qualidade de suas políticas e instituições. Se nos anos 1990 as condicionalidades eram
voltadas para as reformas políticas de liberalização, atualmente são voltadas para a ideia
de governança. Com base nessas avaliações, os critérios para o dispêndio são burocráticos
e demorados, além de prejudicarem a autonomia e o controle nacional (UNITED
NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2010, p. 12).
233 Alguns doadores do CAD-OCDE atualmente fazem pressão para que a ajuda seja alocada não apenas em um contexto de desenvolvimento, mas também de segurança, para enfrentar assuntos como carteis de drogas, terrorismo, migração, etc. Porém, para os PEDs, essa relação é preocupante, pois apaga a linha entre os objetivos militares e de desenvolvimento, e subordina as necessidades dos países pobres à defesa e segurança dos países ricos.
352
Por fim, a ajuda vinculada (tied aid)234 à compra de bens e serviços dos doadores
ocorre em 30% dos projetos de cooperação técnica e em 50% da ajuda alimentar oferecida
pelos doadores do CAD-OCDE. O ECOSOC estimou que a ajuda vinculada aumenta os
custos da ajuda de 25 a 60%, ou seja, os doadores acabam entregando menos por um custo
maior. Ademais, essa vinculação impede que sejam construídas capacidades nos PEDs,
ao reforçar os laços de dependência, como é o caso de três quartos dos projetos
financiados pelo CAD-OCDE (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL
COUNCIL, 2010, p. 16).
Como foi visto na parte 1 da pesquisa, as Agendas de Paris (2005) e Accra (2008)
sobre a Eficácia da Ajuda foram resultado dos esforços dos países do CAD-OCDE em
tornar a ajuda mais responsiva às demandas dos PEDs, ainda que mantendo suas
prioridades de política externa. Por isso, essas agendas não estabeleceram indicadores nas
áreas críticas, como redução das condicionalidades e da ajuda vinculada e construção de
capacidades.
Ademais, a agenda da eficácia da ajuda focou em situações que se referem a um
número cada vez menor de países. Os PEDs de renda média não são mais recipiendários
significativos de AOD e os Estados frágeis não possuem sistemas para implementar os
princípios da eficácia da ajuda. Logo, a agenda serve apenas para o pequeno grupo de
países menos desenvolvidos que não são Estados frágeis (JENKS, JONES, 2013, pp. 21-
22).
Diante desses problemas, não é de se espantar a atratividade da CSS nos anos
2000. Por isso, o Resultado de Busan (2011) foi uma resposta ao crescimento da CSS,
declarando o apoio do CAD-OCDE à modalidade por meio de um maior engajamento no
financiamento de projetos de cooperação triangular. O comitê define a cooperação
triangular como uma modalidade de cooperação entre os doadores do CAD-OCDE e
países-pivô, com o objetivo de utilizar a CSS na implementação de programas de
desenvolvimento. Os doadores tradicionais são responsáveis por canalizar os recursos
que, por sua vez, serão utilizados por um parceiro do Sul para financiar um projeto em
outro parceiro do Sul.
Especialmente depois da crise de 2008, os doadores tradicionais passaram a
diminuir seu volume de AOD em termos relativos, e se tornou mais difícil justificar
234 A CSS também tem modalidades de financiamento vinculadas, como os créditos à exportação. A diferença é que o custo da CSS é mais barato e apresenta um melhor retorno em termos de construção das capacidades (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2010, p. 16).
353
domesticamente o dispêndio de ajuda externa em um contexto de crise doméstica. Assim,
os PDs viram na cooperação triangular uma oportunidade de tornar sua assistência mais
barata. Primeiro, porque os custos dos projetos são menores. Depois, porque os custos
administrativos, que geralmente são os maiores, são absorvidos pelos PEDs envolvidos
na cooperação (UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, 2010).
É difícil mensurar o quanto de recursos o CAD-OCDE está alocando com
cooperação triangular porque, nos relatórios, essa modalidade não é avaliada como uma
categoria separada ou diferente da AOD. Apesar de ser quantitativamente pequena, tem
apresentado um rápido crescimento. Em 2010, 16 dos 23 doadores do CAD-OCDE
estavam envolvidos em cooperação triangular, tendo como destaque Japão235, Alemanha,
Espanha, Canadá, Irlanda e República da Coreia.
Em uma pesquisa conduzida com os membros da OCDE sobre 345 projetos de
cooperação triangular no período de 2012-2015, os custos foram compartilhados em 48%
dos casos. A média de orçamento dos projetos é de US$ 1,7 milhões de dólares, mas as
escalas variam muito, entre projetos de pequeno e grande porte, demonstrando a
diversidade das iniciativas. Mas, em 74% dos casos, o orçamento era menor que US$ 1
milhão de dólares, conforme mostra o quadro a seguir.
235 Um problema verificado nos projetos triangulares é a replicação de práticas dos projetos Norte-Sul, quando os financiadores definem a agenda e os pivôs são apenas empreiteiros baratos. Os países do CAD-OCDE têm dificuldade de internalizar as experiências da cooperação trilateral como forma de reavaliar, criticamente, suas práticas, e também de aprender com o pivô e o recipiendário. Em relação aos países-pivô, há clara ausência da China e Índia na cooperação triangular. Brasil e África do Sul estão mais engajados, mas fazem projetos cuidadosos para garantir que sua posição pivô não reproduza as relações Norte-Sul. O Brasil foi um dos primeiros países a desenvolver projetos de cooperação triangular, fazendo parcerias com Japão, Reino Unido, Suécia e outros países do Sul. Dentre os projetos de destaque estão a parceria entre a Agência Japonesa de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e a Fiocruz para treinar agentes da saúde em Timor Leste; e o arranjo com o Reino Unido para que os agentes de saúde russos pudessem aprender da experiência brasileira em políticas de proteção e combate à AIDS-HIV (MAWDSLEY, 2012).
354
Quadro 32 – Orçamento das atividades e projetos de cooperação triangular (2012-
2015, em US$ dólares)
Orçamento (em US$) Número de
projetos
Porcentagem
dos projetos
Abaixo de US$ 100 mil dólares 109 32%
Entre US$ 100 mil dólares e US$ 500 mil dólares 99 28%
Entre US$ 500 mil dólares e US$ 1 milhão de dólares 47 14%
Entre US$ 1 milhão de dólares e US$ 5 milhões de dólares 63 18%
Entre US$ 5 milhões de dólares e US$ 10 milhões de dólares 10 3%
Maior que US$ 10 milhões de dólares 17 5%
Total 345 100%
Fonte: ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016, p. 19.
Com a cooperação triangular, o CAD-OCDE parece querer criar uma nova
geografia da ajuda externa, no sentido de buscar enquadrar o financiamento das potências
emergentes para a CSS no quadro da eficácia da ajuda. Além de tentar definir e influenciar
os princípios da CSS, como foi visto na parte 1, o enquadramento dos fluxos de
financiamento Sul-Sul nos quadros da OCDE também tem o objetivo de criar dados para
justificar a graduação desses países, isto é, garantir que eles dividam o ônus de
financiamento da cooperação internacional para o desenvolvimento.
Isso ecoou especialmente em 2013, no Relatório do Desenvolvimento Humano
do PNUD sobre a “ascensão do Sul”, que defendeu uma maior responsabilização das
potências emergentes em relação aos custos da cooperação. De acordo com o relatório,
“(...) o Sul em ascensão tem de assumir mais responsabilidades na cena mundial, de
acordo com o seu poder económico e peso político crescentes, inclusivamente
contribuindo com mais recursos para as organizações multilaterais” (PROGRAMA DAS
NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2013, p. 114).
O G-77 reagiu duramente a esse posicionamento do PNUD, que parecia estar
alinhado com os interesses dos doadores tradicionais. O grupo afirmou que a CSS não
pode ser vista, em hipótese alguma, como uma modalidade compensatória ao declínio das
responsabilidades históricas de financiamento do Norte em relação ao desenvolvimento
do Sul. Por isso insistem no caráter complementar, e não substituto, da CSS em relação à
AOD.
355
Especialmente para as potências emergentes, elas se recusam a se desvincular do
G-77 e a assumir a categoria de doadores pois acreditam que, apesar de seu crescimento
e desenvolvimento na última década, ainda não estão na posição de assumir as plenas
responsabilidades dos doadores do Norte. O discurso da delegação indiana na Segunda
Comissão, por ocasião da 69ª sessão da AGNU, sintetiza o posicionamento atual das
potências emergentes sobre essa questão:
As tentativas de substituir a assistência Norte-Sul com os fluxos de ajuda Sul-Sul e de harmonizar os padrões de referência foram mal colocadas, assim como as tentativas de monetizar os fluxos Sul-Sul e obrigar os maiores países em desenvolvimento a assumir compromissos significativos de ajuda. A cooperação Sul-Sul só pode complementar a cooperação Norte-Sul, e não substituí-la. Os países desenvolvidos devem honrar seus compromissos de ajuda existentes e ampliar sua assistência, especialmente porque muitos países em desenvolvimento, incluindo as chamadas economias emergentes, têm capacidade limitada para aumentar suas contribuições para a cooperação internacional para o desenvolvimento (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014 b, pp. 14-15, § 85 e 86, tradução nossa236).
Diante dessa disputa Norte x Sul quanto ao financiamento, os recursos para a CSS
continuam sendo limitados em relação ao total de contribuições recebidas pelo SDNU,
como será visto a seguir.
8.4 O financiamento do SDNU destinado à CSS
A recomendação 24 do BAPA estabeleceu que o financiamento da CTPD fosse
feito pelo orçamento administrativo do PNUD, repassando os recursos para a SU-TCDC.
Esse arranjo foi reforçado no Resultado de Nairóbi (2009), de modo que, mesmo com a
transformação da SU em UNOSSC, e mesmo com a expansão de seu mandato para o
nível sistêmico, o PNUD continua sendo sua única fonte de recursos centrais.
236 Do original: “Attempts to replace North-South assistance with South-South aid flows and harmonize benchmarks were misplaced, as were attempts to monetize South-South flows and compel certain larger developing countries to make significant aid commitments. South-South cooperation could only supplement North-South cooperation, not replace it. Developed countries must honour their existing aid commitments and scale up their assistance, especially as many developing countries, including the so-called emerging economies, had limited capacity to increase their contributions to international development cooperation” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2014, 10 a.m., pp. 14-15, § 85 e 86).
356
O HLC-SSC não tem autonomia para definir a alocação orçamentária do SDNU
para a promoção e operacionalização da CSS, e deve solicitar, por meio de suas decisões,
que o Administrador do PNUD provenha recursos financeiros adequados para tanto.
A alocação feita pelo Administrador do PNUD leva em consideração o volume
total de recursos do programa. Como pode-se notar no gráfico abaixo, embora os recursos
despendidos pelo PNUD sejam crescentes (em média 5 bilhões anuais), há uma grande
dependência em relação aos recursos especificados (em torno de dois terços desse
montante). Com isso, a porcentagem de recursos centrais que poderiam ser destinados à
CSS é limitada.
Gráfico 10 – Gastos e contribuições especificadas do PNUD (2006-2014, em bilhões
de dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de JENKS et al., 2016, p. 26; p. 39.
Com exceção aos recursos do PNUD destinados à SU-SSC/ao UNOSSC, não é
possível analisar o volume de financiamento total comprometido para a promoção da
CSS. No desenho dos projetos em campo, o uso da modalidade não constitui uma linha
orçamentária, sendo embutida nos demais gastos com inputs do projeto. Assim, para
analisar os gastos do PNUD com CSS, os únicos dados disponíveis são os recursos da
SU-SSC/do UNOSSC.
4,7
5,3
5,7
5,2 5,2 5,3
3,6
4,14,3
3,8 3,9 3,8
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
2006 2008 2010 2012 2013 2014
Gastos Contribuições especificadas
357
Ao comparar os recursos centrais e não-centrais do PNUD e da SU-SSC no
período de 2002-2010, a figura a seguir mostra que as contribuições para a SU não
acompanharam o crescimento dos recursos do PNUD.
Figura 4 – Comparação entre os recursos do PNUD e da SU-SSC (2002-2010, em
US$ 100 milhões de dólares para o PNUD e US$ milhões de dólares para a SU-
SSC)
Fonte: JOINT INSPECTION UNIT, 2011, p. 24.
O orçamento da SU-SSC variou pouco ao longo dos ciclos programáticos, tendo
reduzido no segundo ciclo (2001-2003) e apresentado crescimento nos ciclos crescentes.
A decisão de 1997 de alocar 0,5% dos recursos de programas nacionais para a SU mais
ou menos manteve o valor nominal das contribuições entre o terceiro e o quinto ciclos
(2004 a 2017), mas elas foram declinantes em termos reais. Por isso, o peso das
contribuições especificadas é crescente a cada ciclo programático, correspondendo a mais
da metade dos recursos, como pode ser observado no gráfico a seguir.
358
Gráfico 11 – Recursos da SU-SSC e do UNOSSC (2001-2017, em US$ milhões de
dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2007, p. 10; HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2012 c, p. 14; EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2013 a, pp. 13-15.
A seguir, serão analisadas as diferentes modalidades de recursos da SU-SSC/do
UNOSSC, separadas em recursos centrais (referentes às transferências do PNUD) e
recursos não-centrais/especificados.
Acerca dos recursos especificados, eles são amealhados por meio dos esforços da
SU-SSC/ do UNOSSC em levantar recursos de diversos doadores. A maior parte dos
recursos são especificados para as atividades de três fundos: o Fundo Voluntário para a
Promoção da Cooperação Sul-Sul (renomeado, em 2005, para Fundo das Nações Unidas
para a Cooperação Sul-Sul); o Fundo Pérez Guerrero (PGTF); e o Fundo IBAS para o
Alívio da Pobreza e da Fome. Os três fundos são gerenciados pela SU-SSC/pelo
UNOSSC. O restante dos recursos é alocado em iniciativas negociadas pelos doadores e
arranjos de compartilhamento de custos237.
237 Como os dados sobre compartilhamento de custos não estão sistematizados nos documentos da ONU, eles não serão analisados aqui. Mas é importante mencionar que o Japão é o país mais envolvido no compartilhamento de custos dos projetos do UNOSSC, com uma média de US$ 1 milhão em contribuições
7,4
14,612,7 14,5
9,7
13,3 18,1
20
0
5
10
15
20
25
30
35
40
2001-2003 2004-2007 2009-2011 2014-2017
Recursos centrais Recursos não-centrais/especificados
359
8.4.1 Recursos centrais
Dado o volume limitado de recursos centrais transferidos pelo PNUD, esses são
utilizados da seguinte forma: pagar os funcionários da SU-SSC/do UNOSSC; cobrir os
custos administrativos referentes às funções como secretariado do HLC-SSC, a
celebração do dia da ONU para a CSS e o trabalho dos escritórios regionais; e cobrir
alguns custos de implementação, como serviços de consultoria para o sistema ONU. Com
o aumento da demanda para uma maior atuação dessa entidade, especialmente a partir de
2008, uma parte dos recursos centrais passaram a ser usados como financiamento inicial
de projetos piloto (seed money), com o propósito de atrair recursos não-especificados.
O gráfico a seguir mostra a evolução anual dos recursos centrais no período de
2001-2011, onde é possível observar sua trajetória estagnante e decrescente a partir de
2006.
Gráfico 12 – Recursos centrais da SU-SSC/do UNOSSC (2001-2011, em US$
milhões de dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 a, p. 15; HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005, pp. 11-12; UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 a, p. 23.
anuais. A Fundação Ford e a Fundação Rockfeller também participam de alguns projetos menores de compartilhamento de custos.
5
4,44,7 4,7
4,5 4,5
3,7
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
2001 2005 2006 2007 2009 2010 2011
360
No período correspondente ao Segundo Quadro de Cooperação para a CTPD
(2001-2003), houve um esforço do HLC-TCDC em aumentar os recursos centrais,
atingindo o pico de US$ 5 milhões em 2001, que deveriam ser prioritariamente usados
para mobilizar recursos não-especificados.
Em sua decisão 2002/18, de 27 de setembro de 2002, o Conselho Executivo do
PNUD decidiu alocar anualmente o montante de US$ 3,5 milhões para a CTPD no
período de 2004-2007. Isso foi reforçado na decisão 2007/33, de 14 de setembro de 2007,
que alocou o montante fixo de 4,5 milhões anuais para o período 2008-11. Os recursos
fixados deveriam servir como um guia para o planejamento, mas poderiam ser alterados
conforme o desempenho orçamentário do PNUD.
No Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007), a alocação de
recursos centrais ficou em torno de US$ 4,6 milhões anuais. A partir desse período, a
alocação do total de recursos centrais foi dividida nas plataformas de ação, como pode-se
observar no gráfico a seguir.
Gráfico 13 – Recursos centrais da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação
(2005-2017, em US$ milhões de dólares)
Fonte: EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND
OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp. 17-20; 2008, pp. 14-16; 2013 a, pp. 13-15.
4,8
4,3
5,1
4
4,8 4,85,1
5,8
3,6
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
Plataforma 1 Plataforma 2 Plataforma 3
2005-2007 2009-2011 2014-2017
361
Para o financiamento da plataforma 1, referente ao desenvolvimento de políticas,
pesquisa, diálogo e integração da CSS ao SDNU, foram destinados 34% do total de
recursos centrais do período, correspondente a US$ 4,8 milhões de dólares. Para a
plataforma 2, destinada a criar mecanismos para aumentar a CSS na área dos negócios e
de intercâmbio de tecnologias para a redução da pobreza, foram alocados 30% dos
recursos, no valor de US$ 4,3 milhões de dólares. Já a terceira plataforma, responsável
por estimular o compartilhamento de conhecimento e soluções Sul-Sul, ficou com a maior
parte dos recursos, US$ 5,1 milhões de dólares, correspondente a 36% do total.
O Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-2011) também definiu a
alocação dos recursos pelas três plataformas. Para o financiamento da plataforma 1,
referente ao desenvolvimento de políticas e promoção da CSS, foram destinados 30% do
total de recursos centrais do período, correspondente a US$ 4 milhões de dólares. Para a
plataforma 2, destinada a mobilizar conhecimentos para aprendizagem mútua, foram
alocados 35% dos recursos, no valor de US$ 4,8 milhões de dólares. Já a terceira
plataforma, responsável por desenvolver parcerias inovadoras para ampliar o impacto das
soluções Sul-Sul, ficou igualmente com US$ 4,8 milhões de dólares. Porém, em 2011,
houve um corte no orçamento do PNUD devido aos efeitos da crise econômica e
financeira global, o que levou à uma redução da alocação fixa de US$ 4,5 milhões para
3,76 milhões.
Para o Quinto Quadro de Cooperação, denominado Quadro Estratégico do
UNOSSC (2014-2017), foram destinados US$ 14,6 milhões, mas com a ressalva de que,
caso o PNUD não atingisse as contribuições voluntárias previstas, o valor poderia ser
reduzido. Mas como isso traria uma grande imprevisibilidade para o trabalho do
UNOSSC no período, o Conselho Executivo do PNUD, em sua decisão 2013/28, de 13
de setembro de 2013, criou um escudo para que as alocações ao UNOSSC não caíssem
abaixo de US$ 3,5 milhões por ano, de modo que os recursos centrais não ficassem abaixo
de US$ 14 milhões no total.
A alocação dos recursos nas três plataformas foi feita da seguinte forma: para a
plataforma 1, referente ao fortalecimento do processo multilateral de definição de
políticas para a CSS, foram destinados 35% do total de recursos centrais do período,
correspondente a US$ 5,1 milhões de dólares. Para a plataforma 2, destinada a construir
capacidades para iniciar e implementar projetos de CSS, foi alocada a maior porcentagem
dos recursos (40%), no valor de US$ 5,8 milhões de dólares. Já a terceira plataforma,
362
responsável por criar parcerias e modalidades de financiamento para ampliar o impacto
das soluções do Sul na implementação dos ODMs e dos ODS, ficou igualmente com 25%
dos recursos, no valor de US$ 3,6 milhões de dólares.
Fazendo um balanço sobre o volume de recursos centrais destinados à SU-SSC/ao
UNOSSC, observa-se que o PNUD frequentemente ficou abaixo da meta de 0,5% de seus
recursos, especialmente após a crise de 2008: enquanto o total de recursos centrais do
PNUD foi de US$ 967 milhões em 2010 e US$ 975 milhões em 2011, o montante
destinado à CSS foi de 0,47% e 0,39%, respectivamente. A falta de recursos é
historicamente identificada, tanto pela Primeira ONU quanto pela Segunda ONU, como
uma grande limitação para o trabalho do UNOSSC, sendo esse um dos motivos para que
o G-77 considerasse a proposta de separação do escritório do PNUD.
8.4.2 Recursos especificados: Fundo das Nações Unidas para a
Cooperação Sul-Sul
O Fundo Fiduciário para a Cooperação Sul-Sul, criado em 1996, teve um
crescimento modesto no período correspondente ao Segundo Quadro de Cooperação para
a CTPD (2001-2003), atraindo apenas US$ 750 mil dólares em contribuições. Os recursos
foram usados para financiar projetos nas áreas temáticas definidas pela Estratégia Novas
Direções. A maior parte dos recursos veio do Japão e foi destinada à dois programas: o
de cooperação África-Ásia, que correspondeu a 52% dos recursos disponíveis; e o de
cooperação intra-Ásia, que correspondeu a 27% dos recursos (HIGH-LEVEL
COMMITTEE ON THE REVIEW OF TECHNICAL COOPERATION AMONG
DEVELOPING COUNTRIES, 2003 a, p. 6).
Para impulsionar o Fundo, foi formulada uma estratégia de mobilização de
recursos para o período de 2003-2005, por meio de cooperação triangular, de fundações
privadas e de países-pivô. Além disso, a AGNU autorizou, por meio de sua resolução
A/RES/57/263, de 20 de dezembro de 2002, que o Fundo fizesse parte das conferências
da ONU para a negociação de compromissos negociados, ampliando seus canais de
levantamento de recursos.
Ao final desse período, a AGNU decidiu, por meio da resolução A/RES/60/212
da AGNU, de 22 de dezembro de 2005, transformar o Fundo Fiduciário no Fundo das
Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNFSSC, do inglês, United Nations Fund for
363
South-South Cooperation). Com isso, o UNFSSC pôde estar mais alinhado aos quadros
de cooperação da SU-TCDC.
O UNFSSC aceita contribuições voluntárias gerais ou especificadas para
iniciativas e projetos determinados pelo país contribuinte, sendo essa segunda forma a
predominante. O gráfico a seguir mostra as contribuições para o UNFSSC no período de
2004-2015. Houve um salto nos recursos, atingindo anualmente a casa dos milhões, mas
seu caráter voluntário faz com que o montante mobilizado seja muito oscilante ao longo
dos anos.
Gráfico 14 – Contribuições para o Fundo das Nações Unidas para a Cooperação
Sul-Sul (2004-2015, em US$ milhões de dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2000 a, p. 15; 2005, pp. 17-20; 2008, pp. 14-16; 2013 a, pp. 13-15; UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 6; 2017, p. 8.
A partir do Terceiro Quadro de Cooperação para a CSS (2005-2007), o uso dos
recursos do UNFSSC – assim como dos demais recursos não-centrais e especificados –
foi organizado a partir da divisão nas três plataformas, como pode ser visto no gráfico a
seguir.
No Terceiro Quadro, para o financiamento da plataforma 1, referente ao
desenvolvimento de políticas, pesquisa, diálogo e integração da CSS ao SDNU, foram
destinados 20% do total de recursos não-centrais do período, correspondente a US$ 2,2
3,9
1,0
2,4 2,4
1,3
1,6
3,7
1,8
2,6
2,32,1
2,5
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
4,0
4,5
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
364
milhões de dólares. Para a plataforma 2, destinada a criar mecanismos para aumentar a
CSS na área dos negócios e intercâmbio de tecnologias para a redução da pobreza, foram
alocados 40% dos recursos, no valor de US$ 4,4 milhões de dólares. Já a terceira
plataforma, responsável por estimular o compartilhamento de conhecimento e soluções
Sul-Sul, ficou com o mesmo montante de recursos da plataforma 2, US$ 4,4 milhões
(40%).
Gráfico 15 – Recursos especificados da SU-SSC/UNOSSC por plataforma de ação
(2005-2017, em US$ milhões de dólares)
Fonte: EXECUTIVE BOARD OF THE UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OF THE UNITED NATIONS POPULATION FUND, 2005, pp. 17-20; 2008, pp. 14-16; 2013 a, pp. 13-15.
No período 2005-2007, o foco de atuação do UNFSSC foram os países menos
desenvolvidos, especialmente da África, por meio de projetos de cooperação entre esse
continente e a Ásia. Ademais, o fundo financiou programas de intercâmbio em ciência e
tecnologia e em matchmaking de soluções bem-sucedidas na área de gerenciamento de
desastres ambientais. Isso foi um reflexo da crise humanitária resultante do tsunami em
2004, quando o Fundo ficou aberto para receber contribuições destinadas ao esforço de
reconstrução pós-desastre. Foram arrecadados US$ 3 milhões, com contribuições da
China, Argélia e uma empresa privada do Brasil (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON
SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2005 a, p. 9).
2,2
4,4 4,4
3,0
5,36,0
2,0
4,0
14,0
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
12,0
14,0
16,0
Plataforma 1 Plataforma 2 Plataforma 3
2005-2007 2009-2011 2014-2017
365
O período correspondente ao Quarto Quadro de Cooperação para a CSS (2009-
2011) foi de grande expansão dos projetos do UNFSSC. A alocação dos recursos não-
centrais da SU-SSC também foi organizada segundo as três plataformas. Para o
financiamento da plataforma 1, referente ao desenvolvimento de políticas e promoção da
CSS, foram destinados 20% do total de recursos especificados do período, correspondente
a US$ 3 milhões de dólares. Para a plataforma 2, destinada a mobilizar conhecimentos
para aprendizagem mútua, foram alocados 35% dos recursos, no valor de US$ 5,3 milhões
de dólares. Já a terceira plataforma, responsável por desenvolver parcerias inovadoras
para ampliar o impacto das soluções Sul-Sul, ficou com a maior parte dos recursos não-
centrais, correspondente a US$ 6 milhões (45%).
No período de 2008-2013, o Fundo recebeu US$ 13,4 milhões de dólares (sendo
96% especificados), com contribuições de 31 partes, sendo 88% delas Estados-membros.
Em termos de distribuição geográfica, 79% dos recursos foram provenientes de países
asiáticos (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014
b, pp. 3-4).
Os recursos do UNFSSC nesse período foram destinados a três áreas: construção
de instalações para promover o desenvolvimento de capacidades e o aprendizado mútuo
(60% do total de recursos); desenvolvimento das plataformas de serviços do UNOSSC
para o intercâmbio de experiências, conhecimento e tecnologias (30% do total); e
institutos temáticos focados em criar soluções para problemas específicos (10% do total)
(UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 7).
Na primeira área, desde 2009 houve um crescimento expressivo dos recursos
devido às contribuições especificadas da China, destinadas a financiar o Centro de
Desenvolvimento Sul-Sul, em Pequim (56% dos recursos nessa área). Já a República da
Coreia destinou recursos para financiar a Instalação para o Desenvolvimento de
Capacidades por meio da Cooperação Sul-Sul e Triangular em Educação, Ciência e
Tecnologia (37% dos recursos nessa área). O fundo utilizou de recursos não-especificados
para financiar a Instalação Global para o Gerenciamento de Risco de Desastres baseado
em Comunidades (7% dos recursos totais) (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-
SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 7).
Quanto à área das plataformas de serviços oferecidas pelo UNOSSC, houve um
aporte mais ou menos constante de recursos, em torno de 30%. Dentro da plataforma de
serviços políticos (40% dos recursos para essa área), foi financiada a Conferência de Alto-
Nível das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul, realizada em Nairóbi, em 2009, a
366
partir das contribuições do governo do Quênia. Recursos para o fortalecimento da
capacidade negociadora do G-77 também foram despendidos. Já a plataforma SS-GATE
correspondeu a 35% dos recursos dessa área. Além das contribuições da China e da
Nigéria, várias entidades e organizações destinaram recursos para essa área, como o
Banco Mundial, a OPEP e o Centro Africano para Estudos Tecnológicos. A GSSD-Expo
e a GSSD-Academy receberam uma parte menor dos recursos dessa área, 12% cada
uma (UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p.
8).
Por fim, os institutos temáticos são uma nova área de atuação do Fundo, mas que
apresentou um rápido crescimento a partir de 2011. Até 2014, iniciativas em cinco áreas
haviam sido desenvolvidas: a Iniciativa de Energia Sul-Sul (38% dos recursos totais dessa
área); programas de piso de proteção social (26%); desenvolvimento de pequenas e
médias empresas (20%); sistema de informações sobre matérias primas na África (8%);
e práticas de taxação para o desenvolvimento (7%) (UNITED NATIONS OFFICE FOR
SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 9).
Para o Quinto Quadro de Cooperação (Quadro Estratégico do UNOSSC, 2014-
2017), a alocação dos recursos não-centrais nas três plataformas foi feita da seguinte
forma: para a plataforma 1, referente ao fortalecimento do processo multilateral de
definição de políticas para a CSS, foram destinados apenas 10% do total de recursos
especificados do período, correspondente a US$ 2 milhões de dólares. A redução dos
recursos não-centrais para essa plataforma ocorreu pois, o objetivo era que ela fosse
prioritariamente financiada por recursos centrais. Para a plataforma 2, destinada a
construir capacidades para iniciar e implementar projetos de CSS, foram alocados 20%
dos recursos, no valor de US$ 4 milhões de dólares. Já a terceira plataforma, responsável
por criar parcerias e modalidades de financiamento para ampliar o impacto das soluções
do Sul na implementação dos ODMs e dos ODS, foi considerada central no bojo da
aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Por isso, 70% dos
recursos foram destinados a essa plataforma, no valor de US$ 14 milhões de dólares.
367
8.4.3 Recursos Especificados: Fundo Fiduciário Pérez Guerrero
(PGTF)
Nos anos 2000, o G-77, responsável por selecionar e aprovar os projetos a serem
financiados pelo PGTF, focou-se na mobilização de recursos adicionais, especialmente
os de maior volume, uma vez que o padrão de financiamento do fundo foi historicamente
baseado em contribuições de pequeno porte.
A AGNU autorizou, por meio de sua resolução A/RES/57/263, de 20 de dezembro
de 2002, que o PGTF também fizesse parte das conferências da ONU para a negociação
de compromissos negociados, com o objetivo de ampliar seus recursos. Porém, até 2015,
as conferências não tiveram grande impacto sobre os recursos do Fundo, recebendo
apenas US$ 4 mil dólares em contribuições (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017).
As contribuições anuais dos Estados-membros no período de 2000-2015
mantiveram-se em uma média de US$ 180 mil dólares, com dois picos ultrapassando a
casa de US$ 1 milhão de dólares: em 2004, quando a Venezuela fez uma contribuição de
US$ 1 milhão; e em 2015, quando Omã fez uma contribuição de US$ 1 milhão e outros
países fizeram contribuições de maior volume, como China e Emirados Árabes Unidos
(US$ 20 mil dólares cada um); Peru (US$ 16 mil dólares); e Peru e Indonésia (US$ 10
mil dólares cada um) (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017).
Gráfico 16 – Contribuições dos Estados-membros do G-77 para o PGTF (2000-
2015, em US$ milhares de dólares)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2017.
6,0 9,0 14,3 16,5
1.036,0
56,1 60,6 53,6 49,1 74,8 89,8 102,1 90,4 118,8 108,4
1.106,0
0,0
200,0
400,0
600,0
800,0
1.000,0
1.200,0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
368
Entre 2007 e 2009, o PGTF recebeu uma contribuição de US$ 200 mil dólares do
Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, com o propósito de desenvolver
seis projetos na área de agricultura e segurança alimentar. Ademais, o mecanismo de co-
financiamento ganhou impulso nos anos 2000, envolvendo 221 projetos, com US$ 20,8
milhões financiados por outras partes, como pode-se ver no quadro a seguir.
Quadro 33 – Co-financiamento de projetos entre o PGTF e outras instituições
(1997-2012)
Número de projetos apoiados 221
Contribuição do PGTF US$ 8,2 milhões
Outras contribuições US$ 20,8 milhões
Custo total dos projetos US$ 29 milhões
Taxa de co-financiamento 2,52%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 16.
Fazendo um balanço do desempenho do PGTF entre 1986 a 2015, foram recebidas
797 propostas de projetos, dentre as quais 278 foram exclusivamente financiadas pelo
Fundo, em um total de US$ 13,2 milhões de dólares. Os projetos envolveram 125
membros do G-77, sendo a maior parte das iniciativas (41%) de caráter inter-regional;
38%, sub-regionais; 20%, regionais; e 1%, outros. Quanto às áreas de prioridade, 29%
dos projetos estavam na área da CTPD; 28%, na área agrícola e alimentar; 13%, na
promoção de comércio; 8%, em projetos de tecnologia; 6%, em intercâmbio de
conhecimento; e 16%, em outras áreas. Além disso, o Fundo priorizou países menos
desenvolvidos e em situações especiais, como as pequenas ilhas e os países sem saída
para o mar (GROUP OF SEVENTY-SEVEN, 2015, p. 5).
8.4.4 Recursos especificados: Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e
da Fome
As origens do Fundo IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome remetem à uma
reunião paralela à abertura da 58ª sessão da AGNU, em 2003, entre os Chefes de Estado
e Governo dos países do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Os líderes dos três países
369
decidiram estabelecer um Fundo para reforçar o financiamento de programas de CSS
focados no combate à pobreza e à fome, no âmbito do cumprimento dos ODMs. No
Primeiro Encontro dos Ministros das Relações Exteriores dos três países, ocorrido em
março de 2004, em Nova Déli, o Fundo IBAS foi formalmente estabelecido.
Desde a concepção do Fundo, os países do IBAS tinham o propósito de utilizar a
infraestrutura da ONU para promover a CSS em nível multilateral. Por isso, foi decidido
que a seleção e aprovação dos projetos seria feita por um Quadro de Diretores composto
pelos Representantes Permanentes dos três países para ONU, em Nova York. Ademais,
os países do IBAS escolheram a SU-SSC para que fosse responsável por administrar o
fundo e coordenar a implementação dos projetos com outros parceiros do Sul.
No Segundo Encontro dos Ministros das Relações Exteriores do IBAS, em março
de 2005, em Cape Town, foi decidido o método de alocação dos recursos do fundo: cada
um dos três países deveria contribuir anualmente com US$ 1 milhão de dólares.
Estabelecido o capital inicial, o Fundo se tornou operacional em 2006 (IBSA FUND,
2017). Como mostra a figura abaixo, o volume do Fundo acompanha uma trajetória
crescente, somando US$ 31 milhões de dólares em recursos no ano de 2015.
Figura 5 – Contribuições financeiras para o Fundo IBAS (em US$ dólares)
Fonte: UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2016, p. 5.
370
Já a figura a seguir mostra o dispêndio de recursos na implementação de projetos.
O fundo efetivamente ganhou dinâmica a partir de 2010, despendendo em torno de US$
2 a 3 milhões de dólares por ano na implementação de projetos.
Figura 6 – Implementação financeira dos projetos do Fundo IBAS (em US$
dólares)
Fonte: UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2016, p. 5
O Fundo IBAS é reconhecido como uma iniciativa pioneira no financiamento e
na implementação de projetos e soluções de CSS que podem ser replicados nos PEDs.
Todos os projetos financiados pelo Fundo são puxados pela demanda, isto é, os países do
IBAS não podem ser proponentes de projetos. Os próprios PEDs interessados em ter o
apoio do Fundo devem construir suas propostas e submetê-las para a avaliação do Quadro
de Diretores do Fundo. Essa submissão pode ser feita nas Embaixadas de qualquer um
dos países do IBAS, que por sua vez repassam a proposta para Nova York, onde ela é
analisada conjuntamente pelos representantes dos três países. Além disso, as propostas
também são analisadas pelas respectivas capitais, para avaliar a viabilidade técnica da
proposta e o alinhamento com suas políticas externas em termos mais gerais (IBSA
TRUST FUND, 2017, p. 4).
371
Os projetos selecionados devem seguir os seguintes critérios: devem focar-se em
melhores práticas para o combate da pobreza e da fome; devem estar alinhados à
estratégia de desenvolvimento do país; e devem envolver a construção de capacidades
locais e o compartilhamento de conhecimento entre instituições e especialistas do Sul.
Uma vez que o projeto seja aprovado pelo Quadro de Diretores, ele passa a ser
administrado pelo UNOSSC. Assim, a ONU é responsável pela execução e
monitoramento do projeto, incluindo o recrutamento de especialistas e a contratação de
equipamentos. O UNOSSC abre um edital para a contratação desses inputs, que
primeiramente são procurados em países do IBAS; depois, em países da região próxima
ao país em que o projeto será implementado.
Até 2015, 13 países238 foram beneficiados por projetos do Fundo, sendo 59,2%
países menos desenvolvidos; e 40,8%, outros PEDs. Em termos de aprovação
orçamentária por região geográfica, o gráfico abaixo mostra que há uma divisão mais ou
menos proporcional entre África (28,9%), América Latina e Caribe (25,7%), Estados
Árabes (23,7%) e Ásia (21%).
Gráfico 17 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por região geográfica (2015,
em porcentagem)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2016, p. 6.
238 São eles: Burundi (1 projeto), Cabo Verde (2 projetos), Camboja (1 projeto), Guiana (1 projeto), Guiné-Bissau (4 projetos), Haiti (2 projetos), Laos (1 projeto), Palestina (5 projetos), Santa Lúcia (1 projeto), Serra Leoa (1 projeto), Sudão (1 projeto), Timor-Leste (1 projeto) e Vietnã (2 projetos).
África28,9%
América Latina e Caribe25,7%
Estados Árabes 23,7%
Ásia21,0%
Global0,6%
372
Em termos de áreas temáticas, o gráfico abaixo mostra que a maior parte dos
recursos são alocadas para projetos na área de desenvolvimento agrícola e segurança
alimentar (30%), seguido por infraestrutura e serviços de saúde (27%), meios de
subsistência, como promoção de emprego e renda (21,7%), saneamento e água potável
(6,5%), gerenciamento de resíduos (4,2%), juventude e esportes (4%), governança e
segurança (3,8%), energias renováveis (2,2%) e outros (0,6%).
Gráfico 18 – Aprovação orçamentária do Fundo IBAS por área temática (2015, em
porcentagem)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados de UNITED NATIONS OFFICE FOR SOUTH-SOUTH
COOPERATION, 2016, p. 6.
O Fundo IBAS é uma das poucas iniciativas de financiamento da CSS que passam
pelo SDNU, uma vez que a maior parte dos recursos é canalizada bilateralmente. Mesmo
assim, trata-se de um fundo fiduciário, cujas decisões de aprovação dos projetos são feitas
pelo Quadro de Diretores dos três países, e não pela ONU. A especificação dos recursos
por meio do Fundo é justificada pelos países como uma forma de construir capacidades
específicas e escalar seus próprios esforços bilaterais.
Agricultura30,0%
Saúde27,0%
Meios de subsistência
21,7%
Água6,5%
Gerenciamento de resíduos4,2%
Juventude e esportes4,0%
Governança e segurança3,8%
Energias renováveis2,2%
Outros0,6%
373
Em suma, nota-se que o financiamento da CSS pelo SDNU é limitado, uma vez
que os compromissos financeiros do PNUD para com a CSS não cresceram
proporcionalmente à demanda. A CSS, como uma modalidade de cooperação
internacional para o desenvolvimento adotada pelo SDNU, carece de uma política, em
âmbito sistêmico, para encorajar a alocação de recursos centrais e efetivamente
operacionalizar a incorporação da modalidade em seus trabalhos regulares.
374
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DA PARTE III
O financiamento do SDNU não é o produto de um desenho eficaz, mas sim de um
processo político de negociação, com vários compromissos que refletem diferentes visões
de mundo e prioridades de seus Estados-membros. Isso explica a restritiva situação
financeira da organização, atualmente dependente de contribuições especificadas, e com
uma capacidade cada vez menor de fazer um uso coordenado dos recursos.
Isso também significa que, apesar da estrutura de decisão ser baseada em um país-
um voto, nunca antes na história da organização o financiamento de suas atividades foi
tão controlado pelos doadores. A operação das atividades para a promoção do
desenvolvimento da ONU é bi-multilateral, ou, ainda, minilateral: o destino dos recursos
é decidido pelos doadores, e o sistema acaba se tornando apenas um subcontratante, com
uma estrutura de execução de projetos.
A atual agenda de trabalho do PNUD mostra como esse padrão de financiamento
trouxe transformações profundas naquilo que a ONU entrega: de agência financiadora
central e principal entidade de apoio multilateral de desenvolvimento dos PEDs,
atualmente o PNUD é conhecido por sua visão paroquial: o foco de sua atuação é
primeiramente levantar o dinheiro e, depois, definir o projeto.
Para os PEDs, isso os coloca em uma situação restritiva quanto ao financiamento
do desenvolvimento. Por um lado, há os países menos desenvolvidos e em situações
especiais, em sua maioria afetados por crises e que apresentam uma elevada dependência
da AOD. Por outro, há os países de renda média, cada vez mais excluídos dos fluxos de
AOD e que precisam mobilizar recursos entre si para alavancar seu desenvolvimento nas
áreas comercial, financeira, científica e tecnológica.
Nesse contexto, os fluxos financeiros para a CSS se tornaram fundamentais, mas
precisam contar com a estrutura multilateral da ONU para alavancar as iniciativas em
âmbito político, institucional e operacional. Por isso, os PEDs canalizaram uma demanda
mais forte para que houvesse um apoio financeiro maior, por parte do SDNU, para a
implementação de projetos Sul-Sul.
Como colocam os documentos normativos sobre a CSS – o BAPA e o Resultado
de Nairóbi – a responsabilidade primária do financiamento da CSS é dos PEDs, mas o
SDNU deve prover o suporte necessário. Para isso, em primeiro lugar, deve haver uma
estrutura coerente de financiamento da CSS, alinhando os mandatos das diferentes
375
entidades do sistema – e especialmente do UNOSSC, que cresceu enormemente na última
década – à disponibilidade de recursos centrais. Sem esse tipo de recurso, não será
possível conectar a experiência dos escritórios nacionais e das redes de conhecimento do
SDNU e amplificá-las em nível sistêmico.
Um dos motivos para o baixo volume de recursos centrais para a CSS deve-se ao
fato de que esse tipo de contribuição só vai para o UNOSSC, e não para os programas
nacionais, que efetivamente podem operacionalizar a modalidade em campo. Com isso,
fica sob a responsabilidade dos escritórios nacionais mobilizar recursos não-centrais para
apoiar suas atividades de CSS. Porém, como os coordenadores residentes dos escritórios
muitas vezes desconhecem o conceito e o funcionamento da CSS, a modalidade não é
incluída no programa nacional, logo, recursos não são destinados para tanto.
De acordo com uma avaliação independente realizada pelo PNUD em 2013,
enquanto o programa não definir uma linha de seu orçamento para a CSS, atrelando
recursos centrais aos programas nacionais, a atenção à modalidade continuará baixa:
(...) a integração do SSC tem sido lenta porque o PNUD não especificou recursos para os programas nacionais relevantes, e, por isso, a cooperação Sul-Sul não conseguirá chamar a atenção até que uma nova linha seja criada no orçamento. A avaliação apontou significativas restrições de recursos nos programas do PNUD para promover a cooperação Sul-Sul (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013 b, p. 24, tradução nossa239).
Para incluir uma linha no orçamento do PNUD para a CSS, é necessária a
aprovação do Conselho Executivo. Porém, a estrutura de governança favorece os
interesses dos doadores do CAD-OCDE – que, por sua vez, não têm interesse em
despender mais recursos para a CSS enquanto ela não for padronizada segundo os
princípios da eficácia da ajuda, proposta essa que não é aceita pelo G-77. Ou seja, a
arquitetura existente de financiamento do desenvolvimento no SDNU foi criada para dar
apoio aos fluxos de cooperação e ajuda Norte-Sul, havendo entraves consideráveis para
o financiamento da CSS.
Na última década, houve um esforço das potências emergentes – particularmente
da China, da Índia e do Brasil – em realizar maiores contribuições centrais para as
239 Do original: “(...) mainstreaming SSC has been slow, because UNDP has not earmarked resources for relevant country-level programming, and that South-South cooperation was unlikely to get attention, until a new line item was created in the budget. The evaluation pointed to significant resource constraints in UNDP programmes to promote South-South cooperation” (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME, 2013, p. 24).
376
agências do SDNU. A China aumentou suas contribuições em US$ 9,9 milhões (3,2% do
orçamento do SDNU); o Brasil quase dobrou suas contribuições na década, de US$ 20
milhões para mais de US$ 40 milhões (1,6% do orçamento); e a Índia aumentou suas
contribuições para chegar a US$ 1,6 milhão (0,5% do orçamento) (BROWNE; WEISS,
2014, p. 1896).
Mas, ainda sim, a maior parte do financiamento da CSS é bilateral ou regional,
com limitada atuação no SDNU. E quando esses recursos passam pelo sistema, eles são
prioritariamente especificados, como é o caso do Fundo IBAS ou dos recursos que esses
países transferem para o PNUD. Na visão de alguns funcionários do Secretariado, as
potências emergentes estão repetindo o padrão de financiamento dos doadores
tradicionais, aprofundando os problemas financeiros do SDNU ao especificar recursos
para a CSS.
Por outro lado, as potências emergentes fazem duas críticas a esse posicionamento
do Secretariado: primeiramente, destinar o uso dos recursos para a CSS não pode ser
considerado como contribuição especificada. Isso porque o que se especifica é que o vetor
da cooperação seja Sul-Sul; no mais, a decisão referente a que país ou a que projeto o
dinheiro deve ir é de responsabilidade da ONU. Por isso, no argumento das potências
emergentes, destinar recursos especificamente para a CSS não impõe restrições
orçamentárias para o sistema da mesma forma que as contribuições especificadas dos
países doadores fazem.
Em segundo lugar, os emergentes são claros em sua posição de que o aumento das
contribuições financeiras para o sistema só poderá ser discutido quando houver uma
reforma na governança do SDNU, corrigindo a sub-representação dos PEDs e a influência
excessiva dos países doadores nos quadros decisórios. Como sintetiza um diplomata
brasileiro:
(...) da mesma forma que os países desenvolvidos usam esse sistema em benefício próprio, nós também queremos usá-lo. Acontece que, quando chega na hora de nós usarmos, tudo fica mais difícil. E isso em razão não só de diferenças de visão, de ideias, de concepções, mas também porque a nossa participação no financiamento do sistema é inferior. Isso está mudando, pouco a pouco, mas para que isso mude, ou seja, para que haja uma maior contribuição financeira dos países em desenvolvimento, é preciso que haja uma mudança na governança; e quando se fala em mudar a governança, o outro lado não quer conversar. Então, não é aceitável um cenário no qual países como Brasil, China e Índia passem a financiar o sistema sem que isso corresponda a um aumento da capacidade desses países em participar e influenciar o processo decisório.
377
Na própria composição das juntas executivas do PNUD, dos fundos e programas, quando se vê a divisão das cadeiras, já existe uma desproporção contra os países em desenvolvimento. A própria composição proporcional apresenta mais países desenvolvidos que em desenvolvimento. A explicação que é dada para justificar esse estado de coisas é que eles são os doadores e colocam mais dinheiro. Muito bem, mas existe mais disposição de sentar à mesa e discutir uma reforma dessa governança que corresponda a um aumento dessa participação financeira? Essa é uma discussão que complicada, mas é o que está por trás desse problema também (DIPLOMATA BRASILEIRO, 2014).
No bojo da dimensão do conflito Norte x Sul relacionada ao financiamento, a
reforma na governança é o ponto mais difícil e complicado da estrutura do SDNU. E
enquanto a atual estrutura de governança prevalecer, as restrições para o financiamento
da CSS no âmbito do SDNU persistirão, mesmo diante da demanda cada vez mais
consistente dos PEDs para que esse apoio aconteça.
378
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para ver a Cooperação Sul-Sul, é necessário sair de
Nova York
A pesquisa demonstrou que o SDNU ocupa um papel importante, mesmo que
limitado, na promoção da CSS em âmbito global. Ao longo de quatro décadas, a ONU
mobilizou esforços para que os princípios e as práticas da CSS pudessem fazer parte de
seus trabalhos, buscando responder mais apropriadamente às demandas dos PEDs na
promoção de seu desenvolvimento.
Existem quatro áreas em que o SDNU apresenta um grande potencial de apoiar e
promover a CSS: a normativa; a de apoio e promoção da modalidade (advocacy); a de
fazer a mediação entre ofertantes e demandantes de soluções (matchmaking); e a de
suporte operacional em campo.
O SDNU é o principal fórum de elaboração de princípios, normas e quadros
estratégicos para padronizar o conceito e a prática da CSS. A ONU facilita as negociações
acerca da definição e implementação da CSS em âmbito sistêmico, pois envolve não
apenas os países do Sul Global, mas todos os Estados-membros da ONU no processo. A
universalidade da ONU dá maior aderência internacional ao processo de incorporação da
CSS, um fato reconhecido até mesmo pelos países do CAD-OCDE.
A percepção de que a ONU é uma mediadora honesta torna seu papel de apoio à
promoção (advocacy) da CSS crucial. A CSS é uma modalidade desenvolvida por países
e instituições há décadas, mas o fato é que várias partes do SDNU ainda não têm a
consciência de que elas estão ampliando os vínculos Sul-Sul, simplesmente porque essa
prática não é sistematizada. E aí entraria o papel do SDNU como apoiador e promotor da
CSS, pois o sistema, por meio de suas entidades, tem um enorme potencial de promover
a modalidade como uma ferramenta eficiente na resolução de problemas de
desenvolvimento.
A cobertura, capacidade, experiência e memória institucional do SDNU em seu
trabalho de campo tem o potencial de ampliar a escala da CSS, ao facilitar a busca e o
encontro de parceiros (matchmaking). Isso poderia ser feito por meio de uma maior
sistematização do conhecimento prático da CSS, em termos de lições aprendidas e
melhores práticas. O SDNU tem o potencial de melhorar a entrega de soluções Sul-Sul,
379
ao colocar em contato o melhor conhecimento disponível em um PED com as reais
necessidades demandadas por outro. Em relação ao suporte organizacional, a cobertura
operacional do SDNU pode aproximar potenciais parceiros, e sua expertise em levantar
fundos pode auxiliar os PEDs na mobilização de recursos.
As partes consultadas nessa pesquisa – delegações dos Estados-membros,
funcionários do Secretariado, acadêmicos, consultores e especialistas – não têm dúvidas
de que o SDNU, de alguma forma, está incorporando a CSS em seus trabalhos. Mas
também é unânime entre as partes que o SDNU poderia entregar mais, e poderia entregar
um resultado melhor do que tem feito nessas quatro décadas de esforço de integrar a CSS.
A pesquisa mostrou que o potencial do SDNU em integrar e promover a CSS é
limitado pelas dificuldades ideacionais, de governança e de financiamento enfrentadas
pelo próprio sistema. Como ao final de cada parte da pesquisa já foram apresentadas as
conclusões parciais, nas considerações finais serão discutidos os desafios atuais, nessas
três áreas, para a incorporação da CSS. Esses desafios serão o centro das negociações
preparatórias para a Conferência de Alto Nível da ONU sobre a Cooperação Sul-Sul, que
será realizada em 2019.
No campo das ideias: fortalecer a unidade do G-77 para consolidar os princípios da CSS
A análise feita na parte 1 da pesquisa demonstrou que a ideia de CSS faz sim parte
dos quadros normativos do SDNU, ao cumprir quatro funções: função catártica; função
moral; função de solidariedade; função defensora (advocacy) (GEERTZ, 1973, pp. 204-
205).
A ideia de CSS cumpre uma função catártica, ao canalizar as críticas e insatisfação
dos PEDs em relação à posição assistencialista conferida pela cooperação tradicional para
o desenvolvimento e ao aumento das assimetrias entre os países ricos e os países pobres.
Há vários exemplos na literatura que comprovam essa função catártica. Por exemplo, Nel
(2010, p. 951, tradução nossa240) mostra que os PEDs se engajaram na CSS como uma
expressão da “luta inacabada contra o desrespeito e a humilhação”. Outra demonstração
dessa função catártica é uma frase do ex-Presidente de Botswana, Festus Mogae, citada
por Paulo e Reisen (2010, p. 539, tradução nossa241): “Eu acredito que os chineses nos
tratam como iguais. O Ocidente nos trata como antigos súditos”.
240 Do original: “the unfinished struggle against disrespect and humiliation” (NEL, 2010, p. 951). 241 Do original: “I find that the Chinese treat us as equals. The West treat us as former subjects” (PAULO; REISEN, 2010, p. 539).
380
O papel moral da ideia de CSS é fundamental, uma vez que incorpora uma visão
de autonomia nacional e independência dos projetos de desenvolvimento conduzidos
pelos PEDs. Um exemplo dessa função é o fato dos técnicos e profissionais dos PEDs
levarem uma vida modesta em campo, de integração cultural – ao contrário dos
profissionais ocidentais, que, em geral, têm um padrão de vida muito superior aos demais
nos projetos em campo, reforçando a noção hierárquica e de superioridade da CNS.
A ideia de CSS também reflete um senso de solidariedade, comunidade e
identidade entre os PEDs. A retórica de solidariedade garantiu a sobrevivência do G-77
mesmo diante de suas dificuldades e assimetrias: “o que importa aqui não é a distância
entre a retórica de política externa e as realidades de política externa (os países do MNA
ou do G-77 são exemplares únicos dessa lacuna), mas como tal retórica serve como
dispositivos de legitimação e, ao fazê-lo, serve àquilo que eles pretendem sinalizar e criar”
(MAWDSLEY, 2012, p. 154, tradução nossa242).
A função defensora (advocacy) remete à promoção de posições particulares por
meio de uma agenda comum. O tratamento respeitoso e digno entre as nações, a
construção de ferramentas capazes de gerar resiliência e de promover desenvolvimento
em longo prazo, e a defesa de uma maior justiça internacional por meio da redistribuição
da riqueza e do poder globais, são agendas comuns que a linguagem da CSS reforça.
Ao cumprir essas quatro funções, não há dúvidas que a ideia de CSS ecoa nos
corredores da sede da ONU em Nova York. Mas ela ainda não se tornou um paradigma
de cooperação internacional para o desenvolvimento forte o suficiente para ser
considerado com a mesma prioridade pelo SDNU quanto o paradigma da eficácia da ajuda
esposado pelo CAD-OCDE.
Para que isso aconteça, os PEDs precisam fortalecer sua capacidade negociadora
e institucional na ONU, e, especialmente, elevar o perfil do G-77, para que o grupo possa
efetivamente estruturar o paradigma da CSS de forma mais coerente. Atualmente, a ideia
de CSS é muito mais definida pelo que ela não é – não é AOD, não é cooperação
tradicional – do que por aquilo que ela realmente é e consegue entregar em campo. Com
definições negativas, o paradigma da CSS é eficaz em criticar o paradigma tradicional,
242 Do original: “what matters here is not the distance between foreign policy rhetorics and foreign policy realities (the NAM countries or the G-77 are hardly unique exemplars of this gap), but how such rhetorics serve as legitimizing devices, and in doing so, what they intend to signal and create” (MAWDSLEY, 2012, p. 154).
381
mas não é capaz de propor uma alternativa coerente, e essa fraqueza é muito explorada
pelo CAD-OCDE para argumentar contra a incorporação plena da modalidade no SDNU.
Para fortalecer o G-77, é necessário criar pontes entre as diferentes agendas do
grupo em relação à CSS. Aprofundar os laços de cooperação do grupo com os países
árabes e exportadores de petróleo é central para canalizar maiores fontes de financiamento
para a modalidade. Uma maior integração com a agenda de desenvolvimento do Grupo
de Estados Africanos – pautada na erradicação da pobreza e na criação de capacidades
nacionais para a promoção do crescimento econômico em bases nacionais – é
fundamental devido a seu peso numérico nas negociações. Da mesma forma, é necessário
ser mais responsivo às demandas dos países em condições especiais, porque esses países
têm seus votos facilmente comprados pelos países doadores: é o caso dos países menos
desenvolvidos, preocupados com a reconstrução pós-conflito; dos países sem saída para
o mar, focados na promoção comercial; e das pequenas ilhas, interessadas em recursos
para a promoção do desenvolvimento sustentável.
Alinhar as diferentes agendas dos países que compõem o G-77 é fundamental
porque, hoje, no SDNU, a incorporação da CSS é prioritariamente pautada na liderança e
na experiência das potências emergentes, e isso gera alguma desconfiança dos demais
PEDs em relação ao seu verdadeiro compromisso com os princípios da CSS. A posição
chinesa é a que mais gera desconfiança, pois o volume e a estrutura de sua cooperação
prescindem e superam o volume e a estrutura do SDNU.
Já os Brasil, Índia e África do Sul não têm recursos para montar uma estrutura
paralela como a chinesa. Especialmente no caso do Brasil e da África do Sul, a recente
crise política e econômica coloca claros impedimentos para tanto. Por isso, esses países
precisam contar com a arquitetura do SDNU para alavancar suas iniciativas, como é o
caso do Fundo IBAS.
Por outro lado, as potências emergentes não dão sinais de se desvincular do G-77.
Eles continuam alinhados ao Sul Global, e essa é a principal estratégia para resistir à
pressão dos PDs para sua graduação. Isso pode dar a base para um processo de reforma e
melhor institucionalização do G-77, fortalecendo o impulso negociador dos PEDs na
ONU. A China, especialmente, mudou sua postura de certo distanciamento em relação à
ONU, buscando cada vez mais vincular suas iniciativas de promoção do desenvolvimento
com a estrutura do SDNU.
Em suma, considerando os avanços do SDNU na incorporação da ideia da CSS
em seu quadro normativo, a sistematização da modalidade continuará restrita enquanto a
382
descoordenação do G-77 não for de alguma forma equalizada, de modo a elevar seu perfil
negociador e defender com mais força a necessidade de distinguir o paradigma da CSS
do paradigma da eficácia da ajuda.
No campo da governança: retomar a legitimidade do SDNU perante os PEDs
A estrutura da governança do SDNU é uma das principais causas da incapacidade
do sistema em traduzir as ideias da CSS em suas operações em campo. Como foi discutido
na parte 2 da pesquisa, o caráter descentralizado e sem um mecanismo de coordenação
das partes do SDNU faz com que sua estrutura de decisão reflita os interesses dos países
doadores. Sem uma reforma na representação, equidade e efetividade da participação dos
PEDs nos órgãos de coordenação e supervisão sistêmica e nos Conselhos Executivos dos
fundos, programas e das agências especializadas, dificilmente as diretrizes operacionais
para a incorporação da CSS em campo serão postas em prática.
Particularmente, sem essa reforma na governança do SDNU, não será possível
derrubar as barreiras atitudinais contra a CSS. Os programas nacionais em geral fazem
vista grossa ao uso de especialistas, equipamentos e serviços provenientes dos PEDs, o
que diminui o potencial do SDNU em efetivamente construir capacidades de
desenvolvimento nesses países.
Essas barreiras têm corroído a legitimidade da ONU em relação aos PEDs.
Mesmo que historicamente tenha apoiado a agenda dos países em desenvolvimento, há
um sentimento crescente de que a organização é predominantemente ocidental em relação
à fonte de suas ideias, ao processo de tomada de decisão e à composição de seus
funcionários. Em alguns discursos públicos, é evidente o questionamento da legitimidade
da ONU em relação às demandas dos PEDs. Por exemplo, na 18ª sessão do HLC-SSC,
em 2014, uma delegação afirmou:
(...) Se o sistema de desenvolvimento das Nações Unidas não responder ativamente às necessidades e expectativas do Sul em ascensão, ele correrá o risco de se tornar irrelevante, porque o impulso e o direcionamento da cooperação Sul-Sul continuará inquestionável, independentemente da participação do sistema das Nações Unidas (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014 b, p. 10, tradução nossa243).
243 Do original: “(…) if the United Nations development system did not actively respond to the needs and expectations of the rising South, it would risk becoming irrelevant because the pulse and drive of South-South cooperation would continue unabated, irrespective of the extent of participation by the United Nations system” (HIGH-LEVEL COMMITTEE ON SOUTH-SOUTH COOPERATION, 2014, p. 10).
383
Diante desse contexto, medidas para melhorar a governança do SDNU se tornam
urgentes para evitar a obsolescência do SDNU, pois o avanço da CSS está passando cada
vez mais ao largo da organização. Quatro medidas seriam necessárias para potencializar
a integração operacional da CSS:
i) Manter um diálogo intenso entre as agências especializadas, estimulando
a inclusão da CSS em seus planos estratégicos. Para isso, é necessário que
o Time Tarefa para a Cooperação Sul-Sul e Triangular do Grupo de
Desenvolvimento da ONU (do inglês, Task Team on South-South and
Triangular Cooperation) deixe de ser apenas uma reunião de troca
informal de experiências e passe a efetivamente coordenar suas ações;
ii) Apoiar a pesquisa, a análise e o gerenciamento do conhecimento Sul-Sul
por meio de abordagens inovadoras, capazes de efetivamente captar os
principais aspectos dessa forma de conhecimento: o uso de recursos locais;
as soluções que não necessariamente foram desenvolvidas por
especialistas ou em bases científicas, mas que funcionam no contexto
específico dos PEDs; e a lógica do learning by doing;
iii) Promover plataformas de colaboração e capacidade de desenvolvimento,
no sentido que o SDNU terá de mudar seu papel de “dono das soluções de
desenvolvimento” para o papel de broker, atuando como facilitador para
encontrar, nos próprios PEDs, as soluções mais adequadas ao contexto;
iv) Adotar meios de implementação, avaliação e seguimento, uma vez que
esse item é uma preocupação crescente do CAD-OCDE. Os países desse
grupo insistem que ainda não há dados de avaliação que comprovem a
eficácia da incorporação plena da CSS. Por isso, é necessário sistematizar
os resultados, não só em termos de sucessos, mas das dificuldades, para
que as mudanças estratégicas sejam feitas de maneira informada.
Por fim, o SDNU carece de um mecanismo institucional competente de promoção
(advocacy) da CSS dentro do sistema. A trajetória da incorporação da questão de gênero
nos trabalhos regulares do SDNU demonstra a importância desse mecanismo: o perfil
elevado da ONU Mulheres fez com que todas as entidades do sistema tivessem que
integrar as considerações de gênero em seus planos estratégicos, incluindo a especificação
de recursos para essa área.
O mesmo teria que ser feito com a CSS, mas a localização institucional do
UNOSSC não lhe dá uma projeção sistêmica – a despeito de seu mandato ser sistêmico.
384
A atuação do escritório é muito limitada, em termos de número de funcionários e recursos
para atender à crescente demanda. O fato de estar aninhado no PNUD também gera uma
série de competições e sobreposições que dificultam a promoção da CSS. É pouco
provável que haja uma separação do UNOSSC do PNUD em virtude de questões
financeiras, e, de fato, a rede de escritórios nacionais do PNUD é útil para dar maior
capilaridade à modalidade. Por isso, as relações entre ambas as entidades precisam ser
acertadas para que o UNOSSC possa efetivamente fazer a coordenação e supervisão da
integração entre os fundos, programas e as agências especializadas, garantindo uma maior
operacionalização da CSS.
No campo do financiamento, gerenciar o conflito Norte x Sul para a implementação da
Agenda 2030
A falta de recursos é uma limitação histórica dos trabalhos da ONU, e a discussão
da parte 3 mostrou quão crítica é a situação orçamentária do SDNU. Em virtude da
estagnação dos recursos centrais e da dependência – em mais de 70% – dos recursos
especificados para temas e países determinados pelos doadores, o resultado dos esforços
do SDNU para a promoção do desenvolvimento é invertido: ao invés da estrutura de
financiamento ser baseada nas funções que o sistema deve cumprir, o SDNU se tornou
um conjunto de agências executoras das agendas bilaterais dos países doadores.
Esses constrangimentos financeiros geralmente são a primeira explicação de
funcionários da ONU – e também da literatura sobre tema – para explicar a incorporação
limitada da CSS nos trabalhos regulares do SDNU. Justamente por isso que a discussão
do financiamento foi deixada por último nessa pesquisa, pois a falta de recursos não deve
ser entendida com a única e a primeira limitação, mas sim a consequência dos problemas
normativos e de governança do SDNU.
A agenda do SDNU é determinada por seu padrão de financiamento, uma vez que
os doadores decidem diretamente a alocação dos recursos, o que corrói ainda mais a
legitimidade do sistema e sua capacidade de responder às demandas dos PEDs. O discurso
da delegação indiana na AGNU resume esse aspecto:
(...) os fundos e programas das Nações Unidas variaram consideravelmente na sua resposta às prioridades dos países em desenvolvimento. O PNUD, como a entidade carro-chefe das atividades de desenvolvimento dentro do sistema das Nações Unidas, classificou a governança, a erradicação da pobreza, a proteção ambiental, a igualdade de gênero e as situações especiais de desenvolvimento entre suas prioridades. Essas prioridades representam uma agenda impulsionada pelos doadores que, lamentavelmente, não considera os países
385
do programa (...) Ele se perguntou se era legítimo que o PNUD oferecesse conselhos aos PEDs, particularmente porque a distinção entre conselhos e condicionalidades geralmente é turva (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2001 a, p. 11, § 59, tradução nossa244).
Por isso, há poucos incentivos para que os recursos dos PEDs destinados ao
financiamento da CSS sejam canalizados para o SDNU. O financiamento da CSS é
predominantemente em espécie (in kind), pois os recursos são usados para a transferência
de conhecimento e construção de capacidades de desenvolvimento nos próprios PEDs:
por exemplo, capacitar funcionários nacionais para a criação de bases de dados para
políticas públicas ou ceder especialistas para transferir o conhecimento em áreas
administrativas e técnicas.
Para potencializar o uso de suas capacidades, os PEDs precisam contar com os
recursos financeiros e operacionais do SDNU, especialmente para aquelas transações que
não podem ser em espécie e necessitam de moeda estrangeira, como a compra de
equipamentos, por exemplo. Mas para que o SDNU dê esse apoio financeiro, são
necessários recursos centrais, o que exigiria não apenas maiores transferências para o
UNOSSC, mas a criação de uma linha orçamentária dedicada ao uso de inputs dos PEDs
na execução dos projetos em campo, especialmente no orçamento do PNUD.
Por sua vez, a inclusão dessa linha dependeria da aprovação de Conselho
Executivo, cuja distribuição relativa dos assentos dá um peso maior aos países doadores
tradicionais, que não têm interesse nessa questão. Ademais, os doadores possuem um
acesso privilegiado ao Administrador do PNUD, pois há um intenso sistema de consultas
informais e a portas fechadas, o que exclui a participação dos PEDs nas deliberações mais
sensíveis sobre o orçamento. Isso reforça uma das maiores críticas ao trabalho do PNUD,
a de que o programa passou a trabalhar em função da captação de recursos, e não a partir
de uma agenda autônoma.
Sendo então pouco provável que seja destinado um recurso fixo para a CSS nos
programas em campo, não é de se espantar que os poucos recursos dos PEDs que entram
no SDNU são especificados para a CSS. Para Browne e Weiss (2014, p. 1899, tradução
244 Do original: “(...) the United Nations funds and programmes varied considerably in their response to the priorities of developing countries. UNDP, as the flagship for development activities within the United Nations system, ranked governance, poverty eradication, environmental protection, gender equality and special development situations among its priorities. Those priorities represented a donor-driven agenda which, regrettably, did not take the views of programme countries into account (...)He wondered whether it was legitimate for UNDP to offer advice, particularly since the distinction between advice and conditionality often became blurred” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 2001 a, p. 11, § 59).
386
nossa245): “(...) as potências emergentes sem dúvidas irão financiar as organizações de
desenvolvimento da ONU a partir de suas próprias prioridades e agendas – da mesma
forma como os outros doadores – continuando a especificar os recursos e a estabelecer
mais centros Sul-Sul e outras iniciativas por meio da subcontratação da ONU”.
Sem dúvidas, o ideal seria que maiores recursos centrais fossem canalizados para
o sistema, mas dado o atual arranjo da governança do SDNU, a especificação dos recursos
para a CSS é menos problemática do que a especificação dos doadores tradicionais, pois
o que se define é que o vetor ou modalidade da cooperação deve ser Sul-Sul, não o projeto
ou o país. Assim, mesmo que os recursos sejam especificados para a CSS, as entidades
do sistema ainda podem alocá-los mais ordenadamente. Além disso, a especificação da
CSS é muito mais puxada pela demanda dos PEDs do que a especificação feita pelos
países doadores, que é puxada pela oferta.
Por fim, a aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável coloca
maiores pressões para a reforma da governança do SDNU, especialmente em relação à
estrutura de financiamento. Essa agenda tentou forjar um novo compromisso global em
prol do desenvolvimento, tentando mediar o acirramento do conflito Norte x Sul após a
crise financeira e econômica global de 2008.
Trata-se de uma agenda global, com responsabilidades compartilhadas entre todos
os membros – sejam eles PDs ou PEDs – e que traz um enorme potencial para alavancar
o uso da CSS. Por exemplo, ao estimular a construção de capacidades nacionais para a
implementação da agenda, por meio do uso de recursos e especialidades locais, a
implementação de seus 17 objetivos poderá identificar oportunidades e alavancar
soluções Sul-Sul.
Mas a proliferação de objetivos e metas recolocam o risco de uma maior
fragmentação do financiamento, e de um aprofundamento da bilateralização, como
ocorreu com os ODMs. Por isso, sem um esforço de reposicionamento do SDNU para
financiar as atividades operacionais para o desenvolvimento de forma integrada, e não
em silos, como ocorre atualmente, a Agenda 2030 poderá conduzir a ONU para uma crise
ainda mais severa de financiamento.
245 Do original: “(…) emerging powers undoubtedly will patronise UN development organisations with their own priorities and agendas – just as other donors do – with the continued earmarking of funds and the establishment of more South–South centres and other initiatives through subcontracts with the UN” (BROWNE, WEISS, 2014, p. 1899).
387
O reposicionamento do SDNU exigiria superar o conflito Norte x Sul, para que
um verdadeiro arranjo global de financiamento do desenvolvimento pudesse ser
estabelecido: os PDs teriam de aumentar consideravelmente suas contribuições centrais
para o sistema; os PEDs – especialmente as potências emergentes – teriam que assumir
alguns dos compromissos financeiros da organização, em esquemas de compartilhamento
de custos; e todos os Estados-membros teriam que destinar seus recursos especificados
para as áreas prioritárias definidas pela ONU, e não por suas agendas de política externa.
Entretanto, considerando o contexto internacional do final de 2017, com os profundos
cortes no orçamento da ONU realizados pelos Estados Unidos – o maior financiador da
ONU – é pouco provável que esse reposicionamento do sistema ocorra nos próximos
anos.
Os casos de sucesso e o engajamento dos PEDs em desenvolver soluções Sul-Sul
fazem com que os esforços de incorporação da CSS nas atividades operacionais para o
desenvolvimento do SDNU continuem ocorrendo, e essa questão deverá estar presente na
agenda da ONU nas próximas décadas. Mas, a tendência é que essa incorporação continue
acontecendo de forma lenta, em bases não-sistemáticas e ad hoc, puxadas por iniciativas
individuais e que dependem da boa vontade de alguns Estados-membros e funcionários
da ONU.
A CSS, se entendida apenas como um meio técnico ou um vetor de implementação
da cooperação internacional para o desenvolvimento, não é um tema difícil para a ONU.
Mas pelo fato de estar permeada pelo conflito Norte x Sul, e por questões que expõem a
crise de governança e financeira do SDNU, torna-se um tema altamente politizado e de
difícil resolução. Por isso, o crescimento e os avanços da CSS nas últimas décadas ainda
não podem ser plenamente vistos de Nova York. Será necessário um enorme esforço de
reforma do SDNU para que as iniciativas do Sul ocupem a 1ª Avenida.
388
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Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing
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______. Report on the progress made in implementing the tasks entrusted to the
United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for
Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing
Countries – Report by the Administrator. New York, 31 de maio - 6 de junho
de 1983, TCDC/3/2, 7 de março de 1983 c.
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United Nations Development System by the Buenos Aires Plan of Action for
Promoting and Implementing Technical Co-operation among Developing
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______. Review of progress made in implementing Technical Cooperation among
Developing Countries – A. Review of progress made in implementing the
Buenos Aires Plan of Action and the decisions of the High-Level Committee
408
and implementation of the recommendations of the South Commission
Report. Eleventh session, TCDC/11/1 (11/1A), 4 de junho de 1999 b.
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423
ANEXO – TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA COM
DIPLOMATA BRASILEIRO
Cidade de Nova York, às 14h00 de 11 de setembro de 2015.
Missão Permanente do Brasil na ONU
Entrevista com Diplomata Brasileiro246
Diplomata Brasileiro: A cooperação Sul-Sul surge no contexto da articulação
entre países em desenvolvimento que remonta aos anos 1960, com a criação da UNCTAD
e do G-77. É uma articulação voltada, pelo menos em seus períodos iniciais, mais para
temas econômicos e de desenvolvimento. À medida que os países vão trabalhando esses
temas, surge então a noção, o conceito, de cooperação Sul-Sul, que recebe uma primeira
formulação em uma conferência realizada em Buenos Aires. Ali já se começam a delinear
os elementos que diferenciam a cooperação Sul-Sul da cooperação tradicional, Norte-Sul.
Desde os períodos iniciais, em que o conceito começa a ser formulado, discutido
e sendo cada vez mais detalhado, existe a noção muito clara de que é uma coisa diferente
porque os princípios são diferentes. Os princípios são de horizontalidade, de cooperação
entre iguais, de não-condicionalidade, de solidariedade, de apropriação nacional (national
ownership), e, uma expressão muito usada, de cooperação demand-driven. Procura-se
evitar, ao máximo possível, qualquer característica ou traço que possa denotar uma
imposição.
Ou seja, se distingue já, de início, esse tipo de cooperação do esquema Norte-Sul
mais tradicional, que remota a uma relação entre países desenvolvidos e países
colonizados, países que foram objeto de exploração colonial e que, mesmo depois de
terem ganho independência, sobretudo no caso dos países africanos, ficaram sujeitos a
uma relação de forte dependência comercial e tecnológica. Por isso, muito embora os
objetivos declarados da cooperação Norte-Sul sejam os de empoderar e promover a
autonomia dos países recipiendários, na prática, o que se vê muitas vezes nesses esquemas
– nem sempre, mas em muitos casos – é que eles obedecem a interesses nacionais do país
246 O diplomata autorizou a transcrição e publicação da entrevista contando que houvesse sigilo de seu nome e cargo.
424
doador de promover suas próprias exportações para o país que recebe a cooperação. E aí
entram as condicionalidades e a ajuda casada ou condicionada (tied-aid), que é uma coisa
que é anátema para a cooperação Sul-Sul. São outros critérios, então.
Um outro critério, no contexto de Norte-Sul, e que também constitui um contraste
ou uma diferença em relação ao Sul-Sul, é um conceito desenvolvido mais recentemente
pelos países-membros da OCDE e que praticam esse tipo de cooperação: o conceito de
efetividade da ajuda (aid effectiveness). Esse conceito foi desenvolvido e adotado mais
recentemente na Conferência de Busan – que não é uma conferência da ONU, embora
muitos tentem criar ou promover essa percepção – e que, no contexto da Cooperação Sul-
Sul, procura-se qualificar. Os países em desenvolvimento não abraçam esse conceito de
eficácia da ajuda, porque tal eficácia, ao cabo, na visão dos países que integram a OCDE,
significa value for money, ou seja, significa quase que exclusivamente ter condições de
justificar, ao seu contribuinte, o gasto que está sendo feito com aqueles projetos de
cooperação.
É uma ideia que tem seu mérito, compreende-se a razão e a motivação desse
conceito, mas o problema que os países em desenvolvimento de modo geral identificam
nessa ênfase, considerada até excessiva, em matéria de eficácia da ajuda, é que ele acaba
se sobrepondo a todos os outros critérios que deveriam ser considerados, pelo menos no
mesmo patamar de importância. Pois, afinal de contas, trata-se de cooperação, então a
ênfase excessiva na eficácia da ajuda acaba muitas vezes se traduzindo em uma relação
de cobrança, de imposição, de condicionalidade, e que deixa pouco espaço para o país
recipiendário decidir os próprios destinos daquela relação de cooperação. Então fica
excessivamente controlado pelo doador, o que, por sua vez, reforça aquela relação de
dependência, que vem desde muito antes.
Agora, é lógico que é também forçoso reconhecer que há casos em que a
cooperação resulta em problemas de má utilização de recursos, ou até mesmo
malversação. Não se trata de negar essa realidade, mas tampouco é o caso de se
generalizar, de fazer disso a base para a construção de uma relação de cooperação. Aí
reside um dos principais pontos, senão o principal ponto, de diferenciação entre o que é
a filosofia da cooperação Sul-Sul em relação ao que orienta a cooperação Norte-Sul.
Patrícia Rinaldi: Todos os documentos de cooperação Sul-Sul enfatizam que tal
cooperação é complementar e não substituta da cooperação Norte-Sul. Na sua visão, essa
425
ênfase de que a cooperação Sul-Sul é complementar responde a que problemas, dentro
desse quadro que o senhor apresentou?
Diplomata Brasileiro: É uma reação a um interesse, nem sempre manifesto, mas
muito real, por parte dos países desenvolvidos – doadores tradicionais – de transferir o
ônus financeiro da cooperação para o desenvolvimento, ou, o máximo possível, dividir
esse ônus com os países em desenvolvimento, sobretudo para os grandes países em
desenvolvimento, que eles gostam chamar de países emergentes, diferenciando-os de
outros países em desenvolvimento. E com base nisso, emendam com uma argumentação
de que os países emergentes estão crescendo e cada vez mais ocupando um espaço maior
no cenário internacional, portanto, a isso deve corresponder-lhes maiores
responsabilidades.
Os países em desenvolvimento de grande porte e que têm adquirido maior
capacidade, como Brasil, Índia, China e outros, reagem a isso com o argumento de que
não negam sua responsabilidade, mas que há uma diferença fundamental que é a
responsabilidade histórica que cabe, e que continuará cabendo, aos países desenvolvidos,
de fazer mais. Não só porque historicamente eles se aproveitaram mais, ou se apropriaram
mais da exploração colonial que eles capitanearam ao longo da história, mas ainda assim,
olhando a situação atual, apesar do crescimento e do desenvolvimento verificado em anos
recentes nos países em desenvolvimento, ainda é muito grande a distância entre países
como Brasil, Índia e mesmo a China, em muitos aspectos, e os países mais desenvolvidos
e que ainda dominam a economia mundial, e continuarão dominando por muito tempo.
Trata-se portanto de uma reação à esse movimento coordenado dos países
desenvolvidos no sentido de aliviar, o máximo possível, a carga financeira decorrente dos
compromissos desses países com a cooperação para o desenvolvimento, transferindo essa
carga e dividindo esse ônus para os países em desenvolvimento de maior porte, como
Brasil, China, Índia, etc. Então é sempre em resposta a isso que, em qualquer resolução,
qualquer documento oficial negociado que contenha alguma referência à cooperação Sul-
sul, sempre os países em desenvolvimento insistirão para que, se é para ter referência a
esse tema, que então se diga que essa modalidade de cooperação é complementar, e nunca
pode ser considerada como substituta, ou no mesmo nível de importância do que a
cooperação Norte-Sul.
Essa ofensiva, esse movimento e interesse dos países desenvolvidos, se acentuou
ainda mais a partir da crise financeira de 2008. Foi a partir daí, mais do que nunca, que
426
eles intensificaram esse discurso e essa articulação no sentido de aumentar a pressão para
dividir esse ônus, porque ficou mais difícil para eles, internamente, justificarem esses
compromissos financeiros diante de suas constituencies domésticas.
Patrícia Rinaldi: Então o senhor acha que a partir da crise, a questão da eficácia
da ajuda se torna ainda mais proeminente?
Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas.
Patrícia Rinaldi: Muitos indagam se é coerente colocar países como Brasil,
China, Índia, dentro do quadro do Sul. Essa categoria de Sul não seria anacrônica para a
política externa desses países? Esse tipo de argumento aparece também nas negociações
em relação à cooperação Sul-Sul?
Diplomata Brasileiro: Nas negociações não, porque não há qualquer tipo de
questionamento com relação ao lugar que devem ocupar países como Brasil, China e
Índia, do ponto de vista desses próprios países e dos demais países em desenvolvimento
de menor grau de desenvolvimento relativamente aos grandes. Não há menor motivo de
questionamento. Há, sim, o interesse dos outros países de que isso mude, porque facilita
a situação deles e atende seus interesses. Mas não atende, de forma alguma, aos interesses
políticos de países como Brasil, China e Índia.
É e continuará sendo muito mais interessante e vantajoso, sob todos os aspectos,
para países como Brasil, China e Índia, continuar a se articular em negociações
internacionais junto aos países do Sul do que ingressar numa nova categoria em que
somente eles são membros, e que não são uma coisa nem outra, e a quem isso interessa.
De modo que não há nenhum questionamento.
Em alguns casos poderá haver, dentro da sociedade, no debate interno, sobretudo
em sociedades democráticas como a nossa, o que é natural, esse tipo de debate: “Vale a
pena?” ou “Estamos fazendo a coisa certa?”, “A política externa brasileira está seguindo
o caminho certo ao defender esses ideais?”. Mas no contexto internacional não há
nenhuma dúvida.
427
Patrícia Rinaldi: O senhor acredita que a cooperação Sul-Sul é uma modalidade
de cooperação que tende a ser permanente nos próximos anos, não só em relação à política
externa dos países considerados emergentes, mas também no âmbito da ONU?
Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas. A tendência é que isso se consolide cada
vez mais do ponto de vista do reflexo desse aumento da importância da cooperação Sul-
Sul na estrutura institucional da ONU e temos visto uma demanda cada vez mais forte e
consistente por parte dos países em desenvolvimento no sentido de que haja um apoio
maior por parte do sistema de desenvolvimento da ONU para a implementação de projetos
Sul-Sul. Porque da mesma forma que os países desenvolvidos usam esse sistema em
benefício próprio, nós também queremos usá-lo. Acontece que, quando chega na hora de
nós usarmos, tudo fica mais difícil.
E isso em razão não só de diferenças de visão, de ideias, de concepções, mas
também porque a nossa participação no financiamento do sistema é inferior. Isso está
mudando, pouco a pouco, mas para que isso mude, ou seja, para que haja uma maior
contribuição financeira dos países em desenvolvimento, é preciso que haja uma mudança
na governança; e quando se fala em mudar a governança, o outro lado não quer conversar.
Então, não é aceitável um cenário no qual países como Brasil, China e Índia passem a
financiar o sistema sem que isso corresponda a um aumento da capacidade desses países
em participar e influenciar o processo decisório.
Na própria composição das juntas executivas do PNUD, dos fundos e programas,
quando se vê a divisão das cadeiras, já existe uma desproporção contra os países em
desenvolvimento. A própria composição proporcional apresenta mais países
desenvolvidos que em desenvolvimento. A explicação que é dada para justificar esse
estado de coisas é que eles são os doadores e colocam mais dinheiro. Muito bem, mas
existe mais disposição de sentar à mesa e discutir uma reforma dessa governança que
corresponda a um aumento dessa participação financeira? Essa é uma discussão que
complicada, mas é o que está por trás desse problema também.
Diante das limitações para que esse tipo de reforma aconteça, o que tem sido
possível conseguir – no âmbito de negociação de resoluções na Segunda Comissão, por
exemplo, e no âmbito da Revisão Quadrienal de Políticas para Atividades Operacionais
(a próxima vai ser ano que vem) –, e o que o G-77 tem tentado fazer é expandir e aumentar
o espaço para a atuação do sistema em favor da cooperação Sul-Sul. E parte disso é a
demanda pelo fortalecimento da unidade do Escritório de Cooperação Sul-Sul, que é parte
428
da estrutura do Secretariado e fica abrigado dentro da estrutura do PNUD. Mas achamos
que isso não é suficiente, pois o escritório fica à mercê do processo decisório da Junta
Executiva, que, por sua vez, é influenciada de forma demasiada pelos doadores. Então
temos tentado mudar essa dinâmica ao longo dos últimos anos. Tem havido avanços: foi
criada uma Task Force, depois que adotamos uma decisão no ano passado, que está
explorando meios de, como se diz, em inglês, mainstream, fazer com que a cooperação
Sul-Sul faça parte dos procedimentos operacionais padrão de funcionamento do sistema
de desenvolvimento.
Nós estamos falando essencialmente do PNUD, mas não somente, porque a
agências, fundos e programas incluem outros organismos, tais como o UNFPA (Fundo
de População da ONU), o UNICEF, o PMA (Programa Mundial de Alimentos), entre
outros. A presença e atuação desses organismos no terreno (como parte do “country team”
da ONU em cada país em desenvolvimento) é coordenada sempre pelo PNUD. Porém,
dependendo do caso e do país, embora seja coordenado pelo PNUD, poderá haver uma
outra agência que tenha uma atuação mais importante, então essa discussão sobre
governança também é uma tentativa de realmente sistematizar e disciplinar – no sentido
de normatizar – a Cooperação Sul-Sul, como parte integrante do sistema, que todos devem
levar em conta.
Patrícia Rinaldi: Então ainda estamos nesse processo de sistematização no
interior da ONU? As respostas da ONU ainda são muito mais ad-hoc aos programas?
Diplomata Brasileiro: É o que tem sido, sempre ad-hoc. E na hora do ad-hoc, às
vezes consegue, às vezes não. Não há previsibilidade, não há segurança, é mais difícil
trabalhar. Mas isso começou a mudar. Se vai mudar da maneira que nós esperamos que
mude, não se sabe ainda, mas pelo menos já começou o processo, e isso é muito positivo.
Patrícia Rinaldi: Discutindo a Agenda de 2030, o senhor acredita que há mais
espaço nessa agenda para sistematizar os procedimentos de Cooperação Sul-Sul do que
na Agenda do Milênio?
Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas, por uma série de razões. Razões de natureza
mais sistêmica, a própria natureza dessa agenda em relação aos Objetivos do Milênio, no
sentido de que ela é mais ampla e universal. Não apenas herdou os ODMs como também
429
incorporou uma série de outros temas que tinham sido deixados de lado naquela época,
como por exemplo, energia, padrões sustentáveis de consumo e produção, e a própria
questão da desigualdade, que perpassa países de todo grau de desenvolvimento. Há
também a natureza universal da agenda, e a aplicação global dos objetivos e metas. Então
tudo isso, do ponto de vista sistêmico, favorece um reordenamento do sistema, que terá
que se adaptar. Pois não se trata de uma agenda exclusivamente voltada para países em
desenvolvimento. Agora, todos os países estão envolvidos, de diferentes formas e graus.
A agenda se aplica desde os Estados Unidos até o Zimbábue. E o sistema tem que se
adaptar a isso.
Nesse contexto de reordenamento e rearranjo do sistema, abre-se – ou, nós
esperamos que se abra – uma oportunidade para se reforçar os mecanismos de apoio à
Cooperação Sul-Sul. E por que não pensar inclusive em cooperação Sul-Norte? Não é,
digamos, descabido, ou algo que não seja razoável, até imaginar – e exemplos já existem
– situações em que se verifique uma cooperação que seja realmente Sul-Norte, sobretudo
porque agora essa agenda poderá dar lugar a esse tipo de relação.
Patrícia Rinaldi: Os projetos de cooperação triangular, que são também sempre
citados nos documentos de Cooperação Sul-Sul, teriam um caráter diferente, ou seja,
apesar de acoplados, ainda se distinguem dos projetos de Cooperação Sul-Sul?
Diplomata Brasileiro: Sim, porque há dois tipos de relação e articulação
triangular. Há o caso de um país em desenvolvimento que está oferecendo a ajuda; um
país recipiendário; e um país desenvolvido, que muitas vezes entra com o financiamento.
Exemplos disso são os programas que o Brasil desenvolveu com o Japão em benefício de
um país em desenvolvimento – sobretudo LDC (least developed countries) na África.
Outro tipo é quando há um país em desenvolvimento, que oferece a cooperação;
um país recipiendário; e um organismo multilateral como a terceira parte envolvida. Um
exemplo que às vezes é citado, envolvendo o Brasil, é um projeto no Burundi que envolve
merenda escolar, que é espelhado em uma experiência nossa, no Brasil, de utilização de
produção agrícola local para servir merenda escolar. É uma coisa que tem a ver com a
segurança alimentar, com a agricultura familiar, e junta tudo isso em um projeto que
procura, ao mesmo tempo, garantir a merenda na escola, que é uma coisa que no país não
existe, e usar isso como um meio de fortalecer a produção agrícola local com base em um
430
esquema produtivo de pequena propriedade e agricultura familiar, que contribui para
distribuir renda. Há toda uma equação social e econômica, então isso é interessante.
Aí se usa uma agência da ONU, no caso o PMA – Programa Mundial de Alimentos
– que tem uma expertise e experiência para viabilizar no terreno a implementação, que
não seria possível na ausência dessa terceira parte, porque é muito mais difícil, para um
país, sobretudo como o Brasil, ir lá, sozinho, mobilizar recursos humanos, financeiros e
administrativos. É para isso que o sistema existe, foi criado para isso: para servir como
essa rede de apoio, que nós também queremos usar.
Patrícia Rinaldi: Quais são as áreas dos projetos que o Brasil está envolvido e
que têm sido mais bem-sucedidas na Cooperação Sul-Sul?
Diplomata Brasileiro: Dá para destacar agricultura, é uma área na qual temos
muito a oferecer em termos de tecnologia produtiva, e exemplos não faltam: no caso da
produção de algodão com os países do Cotton 4 na África Ocidental, como Benin, Chade,
Burkina Faso e Togo. A Embrapa abriu um escritório em Gana já tem alguns anos. E
sempre com base naquela modalidade que, para nós, privilegia e prioriza a transferência
de capacidade e de conhecimento e know-how em relação à transferência financeira
propriamente dita. Então, com isso, nós conseguimos e almejamos maximizar o benefício
dos recursos empregados, sejam eles quais forem: financeiros, humanos, etc. Foco na
transferência de conhecimento mesmo.
Na área de medicamentos e saúde de modo geral. Não apenas produção de
medicamentos, sobretudo no combate ao HIV-AIDS, mas na transferência de capacidades
para montar programas e políticas públicas. Nessas duas frentes tem muita demanda.
E tudo o que tem a ver com o que normalmente se costuma chamar de tecnologias
sociais, ou seja, programas públicos desenvolvidos com o objetivo de fomentar a
distribuição de renda, basicamente os esquemas de transferência de renda condicionada,
como o Bolsa Família. Isso tem tido muita demanda para que o Brasil ofereça cooperação.
Porque os países não sabem como fazer um cadastro, etc., todos os componentes do
programa são complexos de serem montados do nada. Então o Brasil tem condições de
trazer sua experiência, que não vai ser muito diferente do que ali se pretenderá fazer,
então só isso já facilita muito o processo todo. Mas precisa haver uma transferência
realmente de capacidade e de conhecimento para que os países possam fazer depois
sozinhos.
431
Agricultura, saúde, programas sociais de modo geral, e também dá para falar de
energias renováveis. Parte de etanol, etc., que tem a ver com a agricultura: muitas vezes
tem que se certificar que a produção de biocombustível no país não vai afetar a segurança
alimentar. E nós temos capacidade e condição de fazer essa avaliação, de prevenir isso.
Patrícia Rinaldi: Comércio e investimentos de forma mais ampla – existem
projetos que podem, de alguma forma, fortalecer não só os fluxos de comércio e
investimento, mas também nossas posições de negociação na OMC sobre esses temas?
Diplomata Brasileiro: Sem dúvidas. Uma coisa que o Brasil vem fazendo – ou
fazia, porque eu não tenho acompanhado essa parte específica já algum tempo – com
vários países, é um programa de cooperação para a capacitação de funcionários públicos
em temas de negociação comercial internacional. Particularmente na área de solução de
controvérsias. Nós fizemos isso inicialmente com países de língua portuguesa, no âmbito
da CPLP, que também é mais fácil. E deu muito certo, foi muito apreciado. Isso já tem
alguns anos, eu não saberia dizer se isso continua. Recentemente, 2013, eu tomei
conhecimento de que, um país do Caribe, de língua inglesa, pediu nossa ajuda
especificamente nessa área de solução de controvérsias, que nós ministrássemos um
curso, mandássemos gente para lá para explicar como funciona, e eventualmente até
ajudar a montar algum caso, e isso foi feito. Já é um exemplo fora daquele esquema inicial
voltado para língua portuguesa.
Esse é um exemplo, agora, em outras áreas também haverá exemplos. Eu me
lembro de ter ouvido falar de um projeto que tinha a ver com a estruturação do serviço de
aduanas, acho que na Guiné Bissau, não me lembro bem. Agora, isso já não é tão comum,
porque é um outro tipo de relação, acho que deve ser mais complicado. Mas, nós temos
feito, aparentemente temos feito, pelo menos em alguns casos.
Então acho que a resposta é sim, mas talvez não no mesmo volume e na mesma
quantidade que os outros exemplos citados nas outras áreas, como agricultura.
Patrícia Rinaldi: E especificamente sobre o IBAS, seus projetos do IBAS e a
cooperação com o PNUD em relação à gestão do Fundo. Há perspectivas para a ampliação
do Fundo, e que isso reforce também a institucionalidade do Fórum IBAS?
432
Diplomata Brasileiro: O IBAS é uma grande história de sucesso, um motivo de
orgulho não só para o governo brasileiro, mas para Índia e África do Sul também. E os
números falam por si só. Desde que foi criado, não chega a 30 milhões de dólares o
montante total empregado pelos países, mas há uma quantidade de projetos que puderam
ser financiados com isso, nos mais variados países. Existe um interesse muito grande dos
três países em expandir o Fundo. Por exemplo, existe já uma proposta circulada, não me
lembro se por iniciativa da Índia ou da África do Sul, no sentido de que as contribuições
anuais dos três membros passem a ser de 2 milhões de dólares – atualmente é de 1 milhão
de dólares cada um. E isso está em discussão.
Agora, o empecilho para que isso se concretize, no momento, acho que vem mais
do Brasil, por conta das dificuldades que temos vivido no terreno orçamentário, nas contas
públicas. Já estamos com o pagamento atrasado; creio que há três anos não pagamos nossa
contribuição. Embora nós concordemos, achamos que deva levar adiante e ampliar o
fundo IBAS, mas temos que superar essa dificuldade primeiro.
Patrícia Rinaldi: Me parece que esse contexto de crise econômica ajuda a unir
politicamente os países em torno da ideia da Cooperação Sul-Sul, mas esbarra também
nessa questão do financiamento e dos orçamentos.
Diplomata Brasileiro: Sim, é verdade. Então acho que vai ser necessário que nós
esperemos até chegar em uma situação em que haja espaço fiscal suficiente para que nós
possamos, então, concretizar esses objetivos de ampliação do Fundo IBAS e mesmo de
ampliação de atividades de cooperação e da presença do Brasil na cooperação
internacional para o desenvolvimento de modo geral.
Porque muito embora o modelo não seja baseado em transferências financeiras,
ele precisa ser financiado de alguma forma, ele custa dinheiro. Se você mandar um técnico
da Embrapa, para onde quer que seja, você vai ter que pagar passagem, etc. Sai muito
mais barato do que seria o esquema tradicional Norte-Sul, mas ainda assim custa dinheiro.
Patrícia Rinaldi: O senhor mencionou a questão da cooperação Sul-Norte. O G-
20 poderia, de alguma forma, colaborar com esse tipo de perspectiva? Há algum espaço
para a discussão sobre Cooperação Sul-Sul dentro do G-20?
433
Diplomata Brasileiro: Uma boa pergunta. Eu não saberia dizer, ao certo. Mas
pensando de uma maneira mais ampla, a mim me parece que há espaço sim. Talvez não
com esse nome de Cooperação Sul-Sul, mas há espaço, e tem havido, no G-20, para o
intercâmbio de experiências e de melhores práticas. E, muitas vezes, nesse contexto de
intercâmbio, o que se observa é que certas práticas adotadas por países em
desenvolvimento se destacam e acabam sendo reconhecidas como exemplos de políticas
públicas, no caso do terreno financeiro. Não sei se chegam a ser adotadas, mas pelo menos
há um reconhecimento. Se percebe às vezes que, em certos aspectos, os países em
desenvolvimento fizeram a coisa certa, vamos dizer assim, em determinados temas
relativos à política financeira, em relação ao que vinha sendo adotado, defendido mesmo,
e promovido – às vezes até com tinturas ideológicas – por parte dos países desenvolvidos.
Um exemplo: se você está em uma situação de inundação de dinheiro especulativo
no seu mercado, então se você adotar uma taxa – como nós adotamos, num determinado
momento – para controlar um pouco o fluxo de capital, o que era uma coisa tabu até
poucos anos atrás, milagrosamente acabou sendo reconhecida como uma coisa eficaz e
necessária.
Então, nesse terreno de discussão de ideias, políticas e best practices no âmbito
do G-20, nós pudemos observar coisas desse tipo. Então talvez você possa chamar isso
de uma espécie de Sul-Norte, e aí transpor isso para outros temas. E por que não?
Uma coisa que eu não mencionei, e que nos leva de volta para sua primeira
pergunta, ao considerar essas distinções entre Norte-Sul e Sul-Sul, é que na esteira da
crise e desse movimento todo de dividir o fardo com os países em desenvolvimento, e
para reduzir sua carga financeira com a cooperação internacional, os países desenvolvidos
também se lançaram em um exercício, no âmbito do DAC na OCDE, de redefinição do
próprio conceito de ODA. A Conferência de Busan tratou muito disso, e desde então, se
intensificaram as discussões na OCDE em torno do que eles chamam de Total Official
Support to Development (TOSD).
Então não é mais ODA, é TOSD, que abrange quase tudo. Sobre isso eu não sei
se eles já entraram em acordo, mas nós acompanhamos a discussão, então vez ou outra,
nós recebemos um relatório da nossa embaixada em Paris, que às vezes consegue colocar
alguém dentro de uma reunião como observador. E tem coisas que nós recebemos e que
são surpreendentes – um dos países propôs, em uma determinada altura, que o dinheiro
gasto pelos países doadores para financiar operações de paz da ONU fosse contabilizado
como ODA, que é uma coisa absurda quase.
434
Mas esse tipo de coisa encontra uma certa receptividade, fazem discussões a
respeito, e isso demonstra que eles estão realmente decididos a adotar um conceito que
seja o mais abrangente possível para que possam jogar o máximo de dinheiro possível lá
dentro e dizer que isso é ajuda ao desenvolvimento. Por mais que eles digam que não, que
não é nada disso – e nós já tivemos alguns representantes de agências de cooperação para
o desenvolvimento, aqui em Nova York, de alguns desses países – não há como negar
que o interesse primordial é esse.
Patrícia Rinaldi: Eu mesma, pesquisando dados do governo americano, vi que
eles incluem ajuda militar dentro de ODA.
Diplomata Brasileiro: Sim, então ODA é tudo, e fica muito mais fácil dizer que
estão cumprindo com o compromisso de 0,7% PIB em ODA.
Patrícia Rinaldi: Busan foi um momento importante porque houve uma tentativa
de incorporar Brasil, Índia e China.
Diplomata Brasileiro: Fizeram de tudo para nos trazer para dentro desse negócio.
Só que nós não podíamos opinar sobre o texto, era tudo apresentado como prato feito, não
se podia sentar à mesa para negociar de igual para igual. Então que espécie de negociação
é essa? Não houve negociação, era apenas uma adesão. Então, nós não costumamos, por
princípio, participar de coisas com base em adesão, porque adesão não é participação.
Então, muito embora o nome do Brasil possa aparecer ali, nós não reconhecemos aquilo.
Não nos reconhecemos partícipes daquele negócio de forma alguma.
Patrícia Rinaldi: Voltando à Agenda 2030, o Objetivo 10 coloca a questão das
desigualdades não só dentro dos países, mas medidas para corrigir as desigualdades entre
os países. Nesse sentido, a Cooperação Sul-Sul cumpre um papel mais ou menos
importante em relação à Cooperação Norte-Sul, especificamente no cumprimento do
Objetivo 10?
Diplomata Brasileiro: Eu acho que a CSS cumpre um objetivo talvez, por
definição, menos importante. Porque a desigualdade entre os países é, em muitos
aspectos, resultado de uma relação que vem desde o período colonial. Então, os países
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historicamente mais responsáveis têm mais capacidade de ajudar a reduzir esse hiato, essa
distância, por meio dessa Cooperação Norte Sul. Portanto, essa modalidade terá mais peso
e mais potencial para reduzir as desigualdades entre os países.
E a Cooperação Sul-Sul tem seu papel também, mas, por definição, será, digamos,
menos importante, ou terá menos impacto, do que a Norte-Sul. E fica clara a disparidade
da capacidade financeira em um caso e o no outro.
Patrícia Rinaldi: Mas nesse caso, também, talvez não possa transparecer uma
falta de capacidade da ONU na governança econômica global, de não conseguir juntar,
nas negociações, o FMI e o Banco Mundial, que acabam tendo talvez um papel mais
relevante dentro desse objetivo especificamente?
Diplomata Brasileiro: Uma das metas desse objetivo 10 diz respeito às
instituições financeiras internacionais. E aí faz-se referência à reforma da governança,
tanto no Banco Mundial quanto no FMI, para que os países em desenvolvimento tenham
mais voz e participação, de maneira proporcional ao seu peso na economia mundial. Então
existe isso.
Agora, os obstáculos à implementação dessa meta, tanto no Banco Mundial
quanto no FMI – sobretudo no FMI – nós sabemos quais são. São obstáculos políticos,
que têm muito a ver com os Estados Unidos, e às vezes dentro do Congresso americano.
O governo dos Estados Unidos até é favorável, como sabemos, essa administração pelo
menos. A próxima, não sabemos. Mas o Congresso mesmo não, ainda que seja óbvio que
isso estaria no interesse deles, e não mudaria a capacidade de veto. Mas aí é outra questão.
A paralisia desse processo de reforma da governança das instituições financeiras
internacionais acaba gerando outros movimentos, por parte dos países que não conseguem
realizar seus interesses ali. Portanto, eles vão buscá-los em outros fóruns, inclusive
criando esses outros fóruns. É o caso do Banco Asiático e do Banco dos BRICS.
Falando de Banco dos BRICS – Banco Asiático não, porque é um pouquinho
diferente, ali todo mundo pode participar – mas o Banco dos BRICS não, são os países
membros. É possível participação extra regional sim, mas o financiamento será concedido
apenas a países em desenvolvimento para projetos de desenvolvimento sustentável –
aliás, é um termo que está lá desde o começo – e projetos de infraestrutura. Agora que
eles vão começar a detalhar isso tudo. Tem os artigos constitutivos, mas quando você lê,
ainda não está detalhado. Então irá começar, acho que já tiveram a primeira reunião da
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Junta de Governadores, e vai avançar agora nisso, nesse detalhamento. E aí nós vamos
saber exatamente. Quem sabe isso sirva de referência, porque, o que é desenvolvimento
sustentável?
Uma outra coisa também de Cooperação Sul-Sul, que tem acontecido nos últimos
anos, é um interesse de maior coordenação entre os países que são mais ativos, no sentido
de se coordenarem melhor e procurarem sistematizar mais a modalidade quanto à
definição, à mensuração, etc. Há esse foro de diretores de agências de cooperação – eles
se reúnem à margem das reuniões do Development Cooperation Forum (DCF), do
ECOSOC.
O DCF se reúne a cada dois anos. Foi criado em 2010, então é recente. Mas nós
criticamos muito porque, como foi resultado de uma negociação, o outro lado não deixou
que os termos de referência tivessem qualquer coisa no sentido de um processo decisório,
de que as reuniões resultassem em decisões com impacto sobre o sistema. Então o DCF
é um grande seminário, e quando se reúne, promove discussões, debates, e fica nisso. Não
tem sequer um resumo do presidente, nada disso. Isso é assim porque não houve
consenso; e não houve consenso porque os países desenvolvidos não queriam. Porque na
visão deles – e eles têm razão, do ponto de vista deles – caso isso tivesse resultado em um
fórum no formato e com as funções que nós queremos, representaria uma ameaça à
OCDE.
A nossa tese é que isso tem que ser trazido para cá. A ONU deveria ser o fórum a
se discutir cooperação, com todo mundo. E aí você cria a estrutura de governança que
você achar melhor: se houver 193 países, não vai funcionar, então vamos fazer uma junta.
Mas essa discussão não vai para frente porque você está mexendo com interesses já muito
consolidados, que vem de décadas, da Cooperação Norte-Sul, no âmbito da cooperação.
Patrícia Rinaldi: E mesmo dentro da ONU ainda não foi possível.
Diplomata Brasileiro: Ainda não foi possível. Então, agora, nesse contexto de
reordenamento do sistema, de incremento da Cooperação Sul-Sul, de mainstreaming, nós
vamos procurar explorar, o máximo possível, as possibilidades.
Na Conferência de Adis Abeba, de Financiamento ao Desenvolvimento,
não foi possível ter, mais uma vez, consenso sobre uma reivindicação antiga, do G-77, no
sentido de que fosse criada uma comissão, subordinada ao ECOSOC – comissão
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funcional, como falamos – para se deliberar, decidir e discutir a respeito de financiamento
ao desenvolvimento. Que é o que faz o DAC/OCDE. E os países desenvolvidos nunca
aceitaram isso, e dessa vez continuaram bloqueando.
O que resultou dessa negociação foi um pequeno avanço, que se traduz em um
compromisso de que o mecanismo de seguimento e revisão do que ficou acordado em
Adis Abeba vai ser aqui na ONU. Porque não havia nem mecanismo de seguimento.
Então se você pega o texto de Doha – Monterrey não tinha nada, e Doha também não –
você termina de ler o texto e está lá: “will remain seized of the matter”.
Agora há o mecanismo de follow-up e review, isso é o que foi possível. É o que
fica a meio caminho entre o nada, que era o antes, e ter uma comissão, ou um órgão
efetivamente dedicado a discutir, deliberar e decidir sobre financiamento para o
desenvolvimento. Inclusive o monitoramento das obrigações, que a ONU não faz. É o
que nós sempre queríamos que acontecesse. E nós aceitamos que, no contexto desse
monitoramento, tudo seja incluído, inclusive Sul-Sul. O que não pode é: Sul-Sul,
monitoramento e vigilância na ONU; e Norte-Sul, não. Então de novo volta para aquela
discussão, e aí é um problema político. Eles querem manter o controle – o deles, só eles
controlam, e o do resto, eles controlam também. Então, aí não dá.
Patrícia Rinaldi: No plano de ação, a parte do follow-up é realmente genérica.
Diplomata Brasileiro: Sim, porque agora tem a questão de como vai funcionar.
Porque há o follow-up e a review da própria agenda; e a agenda tem um objetivo de global
partnership, de cooperação para o desenvolvimento, que é o 17, que eles queriam deletar.
A tese e o argumento deles é que Financing for Development (FfD) resolveu tudo, então
não há razão, ou sentido, de manter a global partnership. Porque os mean of
implementation de toda a Agenda 2030 seria o FfD.
Isso foi uma batalha imensa na etapa final da negociação da agenda porque nós
argumentávamos que, embora não se possa desmerecer o valor do que foi discutido e
acordado em Adis Abeba, aquilo é complementar, não é o principal. Há coisas que não
são cobertas – eles dizem que sim, mas não – no documento de Adis Abeba.
Então, o que ficou ali no capítulo de means of implementation da Agenda – e isso
foi uma das últimas coisas a serem fechadas – é que esses meios de implementação da
Agenda 2030 consistem em: o Objetivo 17, os Goals e supported – apoiado – pelo que
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está em Adis Abeba. E Adis Abeba dá o contexto. Mas, o cerne é o que está ali. Inclusive
o mecanismo de facilitação de tecnologia.
Aquilo ali foi uma batalha, eles queriam reescrever. E tendo aceitado a linguagem
que dizia no próprio documento de Adis, que é o parágrafo 19, que diz isso: “this is in
support of the post-2015 Development Agenda”. Na negociação aqui, já no final: “ah, não
é support, this is the means of implementation”. Que é “only be achieved...”. No vai e
vem, deu para incluir uma linguagem que dê para cada um dos lados se convencer de que
o seu interesse está coberto.
Mas acho que se você perguntar para um leigo explicar o que está escrito ali, acho
que ele vai dizer que não, que isso daqui [os meios de implementação] é o cerne, o centro,
e isso daqui [Adis Abeba] é acessório, isso aqui é uma coisa que ajuda, que complementa,
mas que não é o principal.