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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÉRGIO PROCÓPIO CARMONA MENDES
PATRIMÔNIO CULTURAL E MERCADO DE ARTE POPULAR: A
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SALA DO ARTISTA POPULAR
Orientadora: Professora Dra. RITA DE CÁSSIA LAHOZ MORELLI
CAMPINAS
2016
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Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
A comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos
Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada no dia 04/12/2016,
considerou o candidato Sérgio Procópio Carmona Mendes Aprovado.
Professora Dra. Rita de Cássia Lahoz Morelli (Orientadora/Departamento de
Antropologia/UNICAMP).
Professor Dr. Antonio Augusto Arantes Neto (Departamento de Antropologia/ UNICAMP).
Professor Dr. Luiz Gustavo Freitas Rossi (Departamento de Antropologia/UNICAMP).
Professora Dra. Carla Delgado de Souza (Departamento de Ciências Sociais/UEL).
Professor Dr. Ricardo Gomes Lima (Departamento Cultural/ UERJ).
A ata de defesa assinada pelos membros da comissão examinadora consta no processo de vida
acadêmica do aluno.
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RESUMO
Esta tese desenvolve uma análise interpretativa sobre o processo social de
institucionalização e de organização da Sala do Artista Popular, entre 1983 e 2013. A Sala do
Artista Popular (SAP) é um programa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
(CNFCP), no Rio de Janeiro, vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Trata-se de um programa institucional que, entre várias ações, organiza
um espaço de exposições voltado para documentação, difusão e comercialização da produção
de artistas e comunidades artesanais. O estudo foi baseado em documentos institucionais, em
análise de textos de catálogos, entrevistas com os atores institucionais e estudo da produção
textual desses atores. Desse modo, foi possível mapear as relações entre política, cultura e
patrimônio no sentido de interpretar a organização desse mercado de arte específico.
Palavras-chave: Cultura e política, Patrimônio cultural, História institucional.
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ABSTRACT
This thesis develops an interpretative analysis on the social process of
institutionalization and organization of the Popular Artist's Room, between 1983 and 2013.
The Popular artist's room (SAP) is a program of the National Center for Folklore and Popular
Culture (CNFCP) Rio de Janeiro, linked to the National Historical and Artistic Heritage
Institute (IPHAN). It is an institutional program that, among several actions, organizes an
exhibition space focused on documenting, disseminating and commercializing the production
of artists and craft communities. The study was based on institutional documents, analysis of
catalog texts, interviews with institutional actors and study of the textual production of these
actors. In this way, it was possible to map the relations between politics, culture and heritage
in order to interpret the organization of this specific art market.
Key Words: Culture and politics, cultural heritage, Institutional history.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, eu gostaria de agradecer a professora Dra. Rita de Cássia Lahoz
Morelli pelo acolhimento desta proposta de pesquisa e pelas sugestões e observações que
contribuíram decisivamente para a elaboração e para a conclusão desta tese. As conversas
com a professora Rita foram fundamentais para a consolidação das diretrizes centrais deste
trabalho.
Gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade Estadual de Campinas por possibilitar as condições institucionais para o
desenvolvimento desta pesquisa.
Também gostaria de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) por conceder a bolsa de pesquisa de 2012 a 2016 (processo Nº 2012/09555-
2), que foi fundamental para que esta tese de doutorado fosse realizada, principalmente pelas
condições possibilitadas pela reserva técnica que permitiram que a pesquisa de campo fosse
desenvolvida.
Gostaria de agradecer aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação em Ciências
Sociais pelas informações prestadas e pelos procedimentos organizacionais para o
agendamento da qualificação e da defesa.
Também sou muito grato à equipe do CNFCP pelas importantes entrevistas
concedidas: Guacira Waldeck, Claudia Márcia, Luiz Ferreira, Elizabeth Bittencourt, Elizabeth
Costa, Alexandre Neves, Juliana Ribeiro e Isaura Soares.
Também gostaria de agradecer, especialmente, a Ricardo Lima, Marina de Mello e
Souza e Antonio Augusto Arantes pelos longos, atenciosos e fundamentais depoimentos
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prestados. Gostaria de agradecer ainda as importantes observações e indicações feitas pela
banca que avaliou a primeira versão desta tese, composta pelos professores Antonio Augusto
Arantes, Carla Delgado de Souza, Luiz Gustavo Rossi e Ricardo Lima.
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LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
ABA - Associação Brasileira de Antropologia
ABAET - Associação Brasileira de Etnomusicologia
ABCA - Associação Brasileira de Críticos de Arte
ACAMUFEC - Associação Cultural de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro
ADENE - Agência de Desenvolvimento do Nordeste
AICA - Associação Internacional de Críticos de Arte
ALA - Associação Latino-Americana de Antropologia
ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CDFB - Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro
CERES - Centro de Referência Cultural do Estado
CNFCP - Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
CNFL - Comissão Nacional de Folclore
CNRC- Centro Nacional de Referência Cultural
CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
Turístico do Estado de São Paulo
CPC - Centros Populares de Cultura
DPI - Departamento de Patrimônio Imaterial
EMBRAFILME - Empresa Brasileira de Filmes
FINEP - Financiadora de Estudos e Pesquisas
FNpM - Fundação Nacional Pró-Memória
FUNARTE - Fundação Nacional de Artes
IBAC - Instituto Brasileiro de Arte e Cultura
INF - Instituto Nacional do Folclore
INRC - Inventário Nacional de Referências Culturais
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
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MAM-BA - Museu de Arte Moderna da Bahia
MAP - Museu de Arte Popular do Unhão
MASP - Museu de Arte de São Paulo
MEC - Ministério da Educação e Cultura
MES - Ministério da Educação e Saúde
MFEC - Museu de Folclore Edison Carneiro
MinC - Ministério da Cultura
MNATP - Musée National des Arts et Traditions Populaires
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MoMa - Museum of Modern Art
OEA - Organização dos Estados Americanos
PACA - Programa de Apoio às Comunidades Artesanais
PCH - Programa de Cidades Históricas
PNDA - Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato
PNPI - Programa Nacional de Patrimônio Imaterial
PROMOART - Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural
SAP - A Sala do Artista Popular
SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEAC - Secretaria de Assuntos Culturais
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEC - Secretaria de Educação e Cultura
SEF - Sociedade de Etnografia e Folclore
SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TEP - Teatro do Estudante de Pernambuco
UFC - Universidade Federal do Ceará
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNB - Universidade de Brasília
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura
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UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP - Universidade de São Paulo
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................... ......13
CAPÍTULO I – PATRIMÔNIO CULTURAL E MERCADO DE ARTE POPULAR NO
BRASIL......................................................................................................................................................................................23
Um breve histórico das discussões sobre o patrimônio no Brasil .......................................................................................23
O olhar amoroso de um homem cordial........................................................................ .......................................................42
O “movimento folclórico”, o Instituto Nacional do Folclore (INF) e a defesa das tradições populares
.................................................................................................... .......................................................................................... .48
A recuperação dos trabalhos da Sociedade de Etnografia e Folclore e a influência de Dina Dreyfus Lévi-Strauss
........................................................................................ ................................................................................. ......................63
Os debates sobre os mercados de arte popular no Brasil .....................................................................................................72
CAPÍTULO II – A TRANSFORMAÇÃO INSTITUCIONAL E AS PRIMEIRAS
DÉCADAS................................................................................................................... ...............................................................90
A perspectiva e as ações de Lélia Frota no INF....................................................................................................................90
A Sala do Artista Popular....................................................................................... .............................................................113
O Projeto Piloto de Apoio ao Artesão...................................................................... ...........................................................118
O INF depois de Lélia Frota...............................................................................................................................................122
Companheiro de trabalho e utopias....................................................................................................................................125
Análise descritiva de textos de catálogos ..........................................................................................................................131
SAP 01. Jota Rodrigues ..............................................................................................................................................131
SAP 05. O mundo encantado de Antônio de Oliveira.................................................................................................135
SAP 06. A família Vitalino e sua arte.........................................................................................................................137
SAP 09. Artistas de Juazeiro do Norte-CE.................................................................................................................139
CAPÍTULO III – A FORMULAÇÃO DO PROJETO PACA E SUA ARTICULAÇÃO COM O PROGRAMA
ARTESANATO SOLIDÁRIO..................................................................................................................................................143 O Programa de Apoio ao Artesanato Comunitário (PACA)..............................................................................................143
O programa Artesanato Solidário.......................................................................................................................................149
Abrindo portas e criando espaços........................................................................ ...............................................................150
De compadrios, cordéis, artesanatos e departamentos........................................................................................................152
Análise descritiva de textos de catálogos............................................................................................................................159
SAP 76. Mulheres do Candeal - impressões no barro.................................................................................................159
SAP 81. Dim – As artes de um brincante.....................................................................................................................168
SAP 89. Devoção e festa – imagens de Mestre Ribeiro...............................................................................................171
CAPÍTULO IV – O DIÁLOGO CONTEMPORÂNEO COM AS DEFINIÇÕES DO PATRIMÔNIO
IMATERIAL................................................................................... .........................................................................................175 Um laboratório para as definições patrimoniais.................................................................................................................175
O projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular.........................................................................................................181
Análise descritiva de textos dos catálogos..........................................................................................................................186
SAP 124. Sons de couro e cordas - Instrumentos musicais de São Francisco.............................................................186
SAP 139. Zé do Chalé – o antigo dono da flecha.........................................................................................................189
SAP 148. Um rio de contas e tradições........................................................................................................................193
SAP 181. Fios de tradição em Poço Redondo..............................................................................................................197
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... .............................................................202
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... ...........................................................208
BIBLIOGRAFIA GERAL......................................................................................................................................................209
ANEXOS..................................................................................................................................................................................219
ANEXO A – CATÁLOGOS DAS EXPOSIÇÕES DA SALA DO ARTISTA POPULAR DE 1983 A
2013.....................................................................................................................................................................................219
ANEXO B – CRONOLOGIA DAS EXPOSIÇÕES DA SAP...........................................................................................230
ANEXO C – ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO CNFCP.....................................................................................239
ANEXO D – EQUIPE TÉCNICA DO CNFCP EM 2016.................................................................................................240
ANEXO E – IMAGENS DE CATÁLOGOS CITADOS..................................................................................................244
ANEXO F – DECRETOS E ARTIGOS DA CONSTITUIÇÃO......................................................................................251
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INTRODUÇÃO
A Sala do Artista Popular (SAP) foi criada em 1983, no antigo Instituto Nacional do
Folclore (INF), sob a influência da escritora e museóloga Lélia Coelho Frota. A fundação da
SAP expressou e sintetizou um conjunto de preocupações intelectuais e práticas que definiam
as buscas de Lélia Frota. Portanto, a fundação da SAP estava intimamente relacionada à
forma pela qual a trajetória de Lélia se relacionava com a rede dos folcloristas, com a História
da Arte e com a Antropologia Social no Brasil, bem como com as posições políticas que ela
assumiu na arena dos conflitos existentes em torno das questões da arte popular.
De acordo com Ricardo Lima1, para compreender o projeto da SAP é necessário
entender também a história de toda a instituição. O projeto da SAP está profundamente
relacionado e vinculado com a história institucional do atual Centro Nacional de Folclore e
Cultura Popular (CNFCP), antigo INF. A SAP foi criada como um espaço de exposição e de
venda para onde convergiam todos os setores do então INF. Por isso, a história da SAP está
ligada com a história do antigo INF, de modo que para entender a SAP é preciso entender o
contexto do INF. Dessa forma, a SAP precisa ser compreendida como um projeto
organicamente relacionado e integrado com toda a história institucional do atual CNFCP2.
Na visão da pesquisadora do CNFCP, Guacira Waldeck (1999), é a partir da década de
1940 que a valorização das artes populares adquiriu uma nova conceituação, que foi expressa
nas exposições de objetos antes restritos às feiras e às coleções de apreciadores específicos.
1 Depoimento de Ricardo Lima Realizado no dia 23/11/2016.
2 Nos anexos desta tese é possível observar o organograma organizacional e a equipe técnica atual do CNFCP.
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Em 1947, o diplomata e musicólogo Renato Almeida liderou a Comissão Nacional de
Folclore que configuraria uma complexa rede de intelectuais engajados na preservação das
manifestações populares. De forma geral, na abordagem folclorista, uma maneira de fortalecer
a cultura popular era através da reunião e da exposição de artefatos, objetos e instrumentos.
Waldeck (1999) observa que foi também em 1947 que o artista plástico e caricaturista
pernambucano Augusto Rodrigues inaugurou a exposição Cerâmica Popular Pernambucana,
no Rio de Janeiro. Essa exposição marca uma espécie de “descoberta” do Mestre Vitalino, no
sentido de que os objetos antes expostos na Feira de Caruaru adquiriram o estatuto de obras
de arte. Esse evento também pode ser interpretado como ilustrativo de uma nova relação das
elites intelectuais com os objetos populares.
Essa dinâmica estava associada a um processo cultural que tinha suas raízes no
movimento modernista. Na perspectiva desenvolvida por Lélia Frota, a própria noção de
“descoberta” poderia ser interpretada como um processo de atribuição de valore, cuja
mediação já havia sido iniciada pelos modernistas. Para Waldeck (1999), os intelectuais do
“movimento folclórico” (VILHENA, 1997) também já apresentavam traços de uma política
simbólica destinada a incorporar os objetos populares ao que Clifford (1994) denominou
“moderno sistema de arte e cultura”. Nessa incorporação, os movimentos modernistas e
vanguardistas do começo do século XX redefiniram o valor atribuído aos artefatos culturais
de povos não europeus.
A estética modernista estabeleceu um novo paradigma de classificação, no qual
objetos considerados cotidianos passaram a ser incorporados como arte pelos sistemas
estéticos de vanguarda. Por outro lado, nessa mesma época, os etnógrafos passaram a
classificar esses objetos como artefatos etnográficos, em um processo através do qual a
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própria configuração da Antropologia como disciplina acadêmica se constituía por meio das
definições e das classificações desses objetos.
Esses movimentos simultâneos evidenciavam instabilidades na relação entre as
categorias e os objetos, mostrando que existiam aberturas interessantes para as práticas
políticas de interpretação de significados dos objetos e apontando para os limites da
universalidade das categorias estéticas. De certa maneira, antecipando na experiência social o
que Clifford (1988) iria conceituar posteriormente ao afirmar que os modos de se ver um
objeto estão articulados a “códigos de percepção”.
Para ele, são esses códigos que determinam se um objeto é arte ou é um artefato
etnográfico, de modo que os objetos só adquirem sentido através dos sistemas de classificação
aos quais são submetidos. No Brasil, essa abertura modernista das classificações estéticas foi
esculpida pelos folcloristas e ampliada pelos intelectuais da SAP através de um processo
institucional no qual o valor etnográfico pôde assumir uma dimensão artística e política, como
forma de valorização antropológica e econômica. Enfim, observa-se toda uma rede intelectual
empenhada ao longo do tempo em abordar as manifestações populares como arte e como
formas de expressão cultural.
Nesse sentido, as exposições organizadas pelas Comissões Nacionais de Folclore já
apresentavam um esboço de como uma coleção de objetos locais poderia ser uma forma de
interpretar os modos de vida de um grupo social. A partir desse ponto de vista, os objetos
cotidianos poderiam tanto ser valorizados pela invenção estética, quanto pela capacidade de
ilustrar e de construir uma perspectiva sobre a vida das pessoas que fizeram tais objetos, o que
teria predominado. Para Waldeck (1999), essas exposições funcionavam como uma cena na
qual os objetos ganhavam um novo sentido; além disso, as exposições folclóricas já
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apresentavam sugestões de registro cultural que conduziam o observador a uma relação
específica com as formas expostas.
Waldeck (1999) observa que intelectuais folcloristas, entre eles Manuel Diégues
Junior, inventaram a categoria de objeto popular, os quais, por sua “natureza folclórica”, não
apresentavam o estatuto de arte. O foco era o puro valor etnográfico do objeto. Esse valor
emergia através do processo expositivo que recriava o sentido do objeto. Assim, os
mapeamentos feitos por tais folcloristas possibilitaram uma “cartografia” das manifestações
culturais populares que configuraram uma importante documentação que depois passou a ser
analisada sob a ótica da antropologia desenvolvida por Lélia Frota no INF.
Nesse contexto, a presente tese constatou a existência de uma tendência contínua ao
longo da história institucional da SAP, que consiste na produção de uma política de
reconhecimento, valorização, documentação e salvaguarda dos objetos populares. Nessa
busca contínua, a pesquisa etnográfica desenvolvida pela equipe da SAP é o eixo central para
escutar e “dar voz” aos artistas populares, a fim de produzir o registro etnográfico e as ações
institucionais que permitam inserir diferencialmente os objetos pesquisados no mercado de
arte popular. Todo esse processo articula cultura, política e economia, a fim de produzir uma
política de desenvolvimento socioeconômico local que seja também uma a política de
patrimônio cultural.
A metodologia da pesquisa que deu origem a esta tese foi baseada no método
interpretativo (GEERTZ, 1973): a descrição densa permitiu interpretar os significados das
práticas institucionais da SAP e do seu contexto, através da introdução do ponto de vista dos
próprios organizadores. O objetivo central desta tese foi interpretar as dimensões
institucionais e simbólicas da SAP, através da descrição e da análise da dinâmica institucional
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desse espaço de política cultural, com ênfase no modo como os próprios organizadores
expressam essa dinâmica.
Um dos pontos importantes a ser destacado nesta Introdução é o contexto específico
da pesquisa de campo. No dia 04/07/2013, o primeiro dia da pesquisa, fui recepcionado pela
coordenadora do Setor de Pesquisas, Elizabeth Costa, que me disse que não sabia se eu
chegava num bom ou num péssimo momento, pois o CNFCP enfrentava um sério problema
com um conjunto de reformas físicas em suas dependências. Resumidamente, algumas dessas
obras, cuja data prevista de conclusão tinha sido o início de 2013, estavam paradas e sem
previsão de retorno. Nesse contexto, as atividades da SAP estavam limitadas fisicamente,
funcionando de maneira improvisada, sem calendários fixos, sem exposições e com a equipe
abalada pela situação atípica. Era possível sentir uma tensão na equipe do CNFCP, de modo
que essa situação problemática foi o cenário no qual realizei a pesquisa de campo.
Portanto, não foi possível acompanhar as viagens de pesquisa que antecedem a
organização da SAP, tal como eu idealizara fazer, pois no período em que permaneci no
CNFCP não existia uma previsão concreta para essas viagens. Nesse cenário, o eixo da
pesquisa acabou se deslocando para uma análise histórica do processo de organização
institucional da SAP. Portanto, o material de estudo desta tese consiste nas entrevistas que fiz
com os organizadores da SAP, em pesquisa documental realizada nos arquivos do CNFCP, na
análise dos textos etnográficos dos catálogos e na descrição da produção textual dos principais
atores institucionais. Esse material permitiu apreender como as práticas dos atores da SAP
estavam relacionadas a contextos políticos amplos.
O método interpretativo possibilitou a construção de um quadro cronológico no
interior da qual as práticas de abordagem dos objetos expostos adquiriram um sentido
específico. Dessa forma, foi possível evidenciar as arenas políticas e os conflitos que, ao
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longo do tempo, apresentaram uma relação profunda com as atividades da SAP. Essas arenas
estavam relacionadas às convenções nacionais e internacionais da política cultural. Essa
interpretação permitiu observar momentos específicos na história da organização institucional
da SAP, momentos que revelam articulações políticas e diálogos institucionais que sugerem
traços importantes nessa história.
Assim, foi possível enfatizar três momentos que gravitam em torno da linha geral de
atuação da SAP, desde a sua criação por Lélia Frota. Embora as fronteiras entre esses
momentos sejam tênues e existam grandes áreas de intersecção, essa hipótese permitiu
identificar os contextos que marcaram diferenças significativas ao longo do tempo. Cada
momento será abordado em um capítulo, sendo que o primeiro momento é o da
institucionalização da SAP ao longo dos primeiros anos de sua existência, o segundo é o da
articulação do Programa de Apoio às Comunidades Artesanais (PACA) com o Programa
Comunidade Solidária, através do Projeto Artesanato Solidário, e o terceiro é o do diálogo
contemporâneo com as definições de patrimônio imaterial.
O capítulo 1 é, nesse sentido, introdutório, já que desenvolve um breve histórico dos
debates sobre o patrimônio cultural e sobre os mercados de arte popular no Brasil, em que são
apresentadas as principais ações institucionais direcionadas para as políticas de patrimônio, as
linhas gerais de um complexo processo, evidenciando-se as marcas institucionais e os
principais atores sociais envolvidos. Partindo dos debates sobre as definições de patrimônio, o
capítulo aborda a configuração da trajetória da política de patrimônio no Brasil dos anos de
1930, bem como as mudanças institucionais e a abordagem de patrimônio cultural proposta
por Aloísio Magalhães a partir de meados dos anos de 1970, além de apontar como os
instrumentos jurídicos contemporâneos de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial se
inserem nessa trajetória.
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No bojo das discussões sobre a inclusão das culturas populares nas políticas de
patrimônio, o capítulo 1 aborda também a importância da defesa da cultura popular presente
nas ações de registro e salvaguarda do “movimento folclórico3”, entre 1947 e 1964, momento
marcado pela organização de uma série de congressos, comissões e pela institucionalização da
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), em 1958 – órgão público que em 1976
seria incorporado à FUNARTE como Instituto Nacional de Folclore (INF), dentro do qual a
SAP seria criada. O capítulo 1 também a analisa a recuperação dos trabalhos da Sociedade de
Etnografia e Folclore e das contribuições de Dina Dreyfus Lévi-Strauss e do projeto Estudos
de Folclore no Brasil como iniciativa importante para o desenvolvimento institucional do
INF. Além disso, apresenta as discussões sobre os mercados de arte popular no Brasil. Nessas
discussões se destacam os conflitos que são salientados pelo desenvolvimento da abordagem
antropológica frente aos objetos etnográficos. Nesse sentido, o capítulo procura mostrar como
a consolidação de uma abordagem antropológica sobre a arte etnográfica foi fundamental para
a ação institucional, bem como para a análise dos processos políticos existentes na
organização de mercados de arte etnográfica e especificamente dos mercados de arte popular.
O capítulo 2 da tese, denominado A transformação institucional e as primeiras
décadas, aborda o momento institucional que vai de 1983 a 1997 e que é marcado pela
influência intelectual direta de Lélia Frota. Lélia estimulou importantes mudanças
institucionais ao propor uma abordagem antropológica para os estudos do Instituto Nacional
do Folclore (INF). Essa nova abordagem é praticamente o marco fundador da SAP, pois a
SAP surgiu junto com outros projetos do INF, em uma arena de disputas conceituais, na qual
3 Definição utilizada por Vilhena (1997).
20
Lélia propôs o fortalecimento institucional da perspectiva antropológica, através da
aproximação com a antropologia acadêmica.
Portanto, nesse momento a metodologia utilizada pela SAP focalizou a perspectiva
etnográfica, a fim de pesquisar o valor dos objetos enquanto artefatos culturais e
etnográficos4. Esse momento é marcado por uma transição de perspectivas, principalmente
devido à importância dos estudos de folclore para a configuração institucional do INF. Porém,
com as propostas de Lélia, a abordagem institucional vai se deslocando para uma abordagem
etnográfica dos objetos. O capítulo 2 procura descrever como as influências teóricas de Lélia
contribuíram para a organização dessa transformação institucional, na qual foram
desenvolvidas técnicas de trabalho fundamentais para a SAP. Nesse contexto, o INF passou
por uma revisão geral de suas concepções e práticas museológicas com a introdução de novos
projetos, com a incorporação de novos profissionais, agora empenhados em desenvolver uma
abordagem antropológica no INF, aproximando-o principalmente das universidades.
O capítulo 3 aborda o momento da articulação do PACA com o Projeto Artesanato
Solidário (1998-2003) e descreve a importância de Ruth Cardoso para a viabilização
financeira das intervenções locais propostas pelo PACA, assim como detalha as contribuições
do antropólogo Ricardo Lima para o desenvolvimento da instituição. O papel de Ruth foi
fundamental para viabilizar esse apoio financeiro e fortalecer a já existente reflexão sobre a
sustentabilidade econômica do artesanato. A metodologia desenvolvida pelo INF foi
fundamental para o Projeto Artesanato Solidário que tinha o objetivo de promover o
4 Essas definições foram pensadas enquanto categorias analíticas a partir das concepções adotadas pela SAP na
elaboração dos catálogos das exposições. A categoria de artefato cultural remete ao valor do objeto enquanto parte orgânica do seu contexto social de origem. Já a categoria de artefato etnográfico está associada aos valores de seleção da disciplina antropológica.
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desenvolvimento local, atuando nos problemas concretos relacionados à cadeia produtiva da
produção artesanal. Foi com a criação do Programa Comunidade Solidária, sob a direção de
Ruth Cardoso, que a SAP passou a receber essa nova fonte de apoio financeiro.
O capítulo 4 analisa o momento institucional do diálogo contemporâneo com as
definições do patrimônio imaterial, que vai de 2003 até o presente. Esse capítulo procura
detalhar o diálogo do CNFCP com as convenções, normas e técnicas contemporâneas de
preservação do Patrimônio, após a consolidação jurídica das definições do patrimônio
imaterial e a institucionalização de novos processos técnicos de valoração patrimonial. Nesses
novos processos, a experiência da SAP e do CNFCP foi fundamental, sendo possível dizer
que seus projetos consolidaram a valorização, a salvaguarda e o registro das manifestações
culturais enquanto patrimônio. Por outro lado, também é possível dizer que com o predomínio
de novas categorias jurídicas e patrimoniais, a antiga busca pela sustentabilidade do artesanato
passou a estar relacionada aos processos técnicos dos inventários e aos planos de salvaguarda.
O Capítulo 4 também aborda o Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural
(PROMOART), que foi um programa fundamental para a SAP. O PROMOART foi pensado
para apoiar produtores de artesanato de tradição cultural no Brasil, focalizando importantes
relações com a cultura local.
Após a descrição e a análise das linhas de continuidade entre esses momentos da SAP,
a tese se encaminha para as considerações finais, que concluem que a SAP está inserida em
uma complexa história institucional marcada por importantes conflitos políticos e que a arte
popular foi abordada institucionalmente pela SAP nesse contexto. Assim, as considerações
finais procuram analisar como a SAP se constituiu como uma forma de intervenção política
que busca estimular o desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais de forma
articulada com as políticas de patrimônio. Essa interpretação permite observar que, ao
22
consagrar certos objetos como dignos de serem admirados e consumidos de forma específica,
a SAP é investida de um importante poder político.
Na visão de Appadurai (1986), os objetos não têm significados fora os que lhes
conferem as transações, atribuições e motivações humanas. Clifford (1995) observa que os
sistemas dos objetos estéticos do ocidente estão sendo desafiados e as políticas de
colecionamento e de exposições apresentam mudanças visíveis. O destino dos objetos
etnográficos e das práticas culturais vem sendo problematizado de forma mais sistemática.
Observa-se uma aproximação crítica e histórica das coleções e das exposições, com foco nos
processos subjetivos, políticos e classificatórios inseridos em um sistema de arte-cultura
ocidental de valorização de objetos etnográficos.
Nessa perspectiva, as considerações finais procuram compreender como a SAP pode
ser pensada como um espaço político, e como os textos dos catálogos das exposições podem
ser pensados como documentos que atestam institucionalmente o estatuto dos objetos
expostos como objetos da arte popular.
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CAPÍTULO I
PATRIMÔNIO CULTURAL E MERCADO DE ARTE
POPULAR NO BRASIL
Um breve histórico das discussões sobre o patrimônio no Brasil
Nos estudos desenvolvidos por Gonçalves (1996), as práticas culturais de preservação
presentes nas “sociedades ocidentais modernas” são vistas como processos culturais que, a
partir do final do século XVIII e o começo do século XIX, se direcionaram para práticas de
“identificação, coleta, restauração e preservação de objetos culturais”. Esse conjunto de
práticas foi marcado fortemente pelo processo de formação de coleções, assim como pela
criação de instituições destinadas a trabalhar com tais objetos. Para Gonçalves (1996), essas
práticas culturais e institucionais procuravam “salvar esses objetos do desaparecimento”
(GONÇALVES, 1996: 22).
De acordo com Gonçalves (1996), o pano de fundo desse cenário é uma perspectiva
histórica moderna, marcada pelo abandono e pela perda dos valores tradicionais. Nesse
sentido, como diz Fonseca (1997), o processo de constituição dos patrimônios artísticos e
históricos nacionais é uma característica dos Estados modernos, que, através dos seus agentes
e de mecanismos jurídicos, definem uma série de bens pelo seu valor nacional. Esses bens
passam a ser dignos de proteção e demandam políticas públicas de preservação que atuam nas
dimensões simbólicas, a fim de legitimar a identidade coletiva.
Na perspectiva de Fonseca (1997), a organização de um universo simbólico comum é
um dos objetivos da ação política nesses contextos, e, para isso, os agentes da estruturação do
patrimônio cultural têm um papel fundamental. Nesses contextos a autora salienta o conflito
24
entre dois objetivos importantes: o primeiro é a construção de uma forma de representar a
nação que considere a pluralidade cultural, fortalecendo a identidade nacional; o segundo é a
produção de um consenso sobre os processos de seleção e as formas das convenções de
valores. Assim, um dos grandes desafios é administrar a tensão entre o consenso e a
diversidade.
Nesse campo de tensões políticas, os debates teóricos estão relacionados a
determinadas posições que são assumidas nos conflitos inerentes ao campo. Gonçalves (1996)
demonstra que é possível observar duas importantes abordagens sobre as políticas de
patrimônio no Brasil. Uma delas foi a desenvolvida por Rodrigo Melo Franco de Andrade
quando esteve à frente do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), de
1937 até a década de 1970; a outra foi a desenvolvida por Aloísio Magalhães na sequência,
que possibilitou um conjunto de mudanças institucionais para uma nova política de
patrimônio cultural no Brasil. Na visão de Gonçalves (1996), a abordagem de Aloísio
Magalhães se insere em um contexto de desafios pelos quais passavam as antigas práticas de
patrimônio do SPHAN. Nessa perspectiva, como observa Gonçalves (1996), a criação do
SPHAN em 1937 inaugura o chamado “período pioneiro” da instituição que vai até 1969, ano
da morte de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Segue a gestão do colaborador de Rodrigo,
Renato Soeiro, de 1969 a 1979, marcando o segundo período sem transformações
significativas na política de patrimônio. Então, em 1979, inicia-se um novo período
institucional com a gestão de Aloísio Magalhães que inaugura um conjunto importante de
mudanças na política federal do patrimônio no Brasil.
25
Aloísio assumiu a direção do SPHAN nos anos finais do regime
político autoritário que vigorava no Brasil desde o golpe militar de
1964. Os últimos anos da década de setenta caracterizaram-se como
um período de ‘abertura política’ e de liberalização do regime em
vigor. (GONÇALVES, 1996: 51).
De acordo com a visão de Fonseca (1997), os agentes do patrimônio atuam como
mediadores simbólicos, pois produzem politicamente uma forma de olhar, como universais,
valores que são relativos. Para Fonseca (1997), os processos de construção dos patrimônios
culturais são dirigidos por atores que agem em condições específicas. São as práticas sociais e
institucionais de tais atores que atribuem o valor patrimonial e orientam as políticas de
preservação. No Brasil, as primeiras categorias de definição do valor patrimonial foram
especificadas no Decreto – Lei Nº 25 de 1937, que estava baseado em uma determinada noção
de valor nacional5.
Por inspiração de Mário de Andrade, contando com a capacitação
intelectual e de organização de Rodrigo Mello Franco de Andrade, o
Ministro Gustavo Capanema criou em 1936 o Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Foi este certamente o gesto
mais significativo do Brasil no sentido do equacionamento e
conscientização das questões relacionadas aos nossos bens culturais
(MAGALHÃES, 1985: 61).
Segundo Aloísio Magalhães (1985), a preservação do patrimônio, que já era texto
constitucional, foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 25 em 1937. Foi esse decreto que
instituiu a política do patrimônio cultural e atribuiu ao Estado a responsabilidade e o dever de
proteger o patrimônio cultural brasileiro. Segundo Fonseca (1997), as políticas
preservacionistas são organizadas por intelectuais que procuram atuar na administração
5 O decreto – lei nº 25 de 1937 pode ser visualizado nos anexos desta tese.
26
pública defendendo a cultura. No caso brasileiro, essa atuação foi feita pelos intelectuais
modernistas que trabalharam no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN).
Mas, a partir da década de 1970, sobretudo quando o regime militar
entrou em crise, essa política começou a ser criticada, e seu caráter
nacional contestado, por se referir apenas às produções das elites.
Nesse momento, coube a intelectuais com um novo perfil
(especialistas em ciências físico-matemáticas e sociais,
administradores, pessoas ligadas ao mundo industrial) definir novos
valores e novos interesses. Durante as duas décadas que se seguiram,
essa mudança evoluiu de uma modernização da noção de patrimônio –
o que significou vincular a temática da preservação à questão do
desenvolvimento – à politização da prática de preservação, na medida
em que os agentes institucionais se propuseram a atuar como
mediadores dos grupos sociais marginalizados junto ao Estado
(FONSECA, 1997: 23).
Nessa perspectiva, essas novas ações políticas buscavam resistir ao regime autoritário
através da ampliação democrática das políticas de patrimônio. Assim, novos conflitos
passaram a ser enfatizados, e nos anos 1970 e 1980 um dos grandes pontos de tensão girava
em torno do que deveria ser preservado. Fonseca (1997) observa que, nessa época, as políticas
de patrimônio eram disputadas por duas frentes de atuação: as que representavam a
continuidade da política do SPHAN de preservação dos bens imóveis, de um lado, e a atuação
inovadora do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), criado em 1975. Mas, para
Fonseca (1997), na prática, a hegemonia das políticas de patrimônio ainda era marcada pelos
tombamentos arquitetônicos do SPHAN.
Nos estudos de Fonseca (1997) fica evidente que a fundação do SPHAN precisa ser
entendida a partir das ideias dos intelectuais modernistas e da consolidação do Estado Novo
em 1937. Nessa visão, os agentes do SPHAN atuaram sob a influência das novas dinâmicas
culturais modernistas e também sob as diretrizes de uma política autoritária. Segundo
27
Fonseca (1997), a participação dos intelectuais modernistas no Estado brasileiro só aconteceu
de fato após a revolução de 1930. Com o governo de Getúlio Vargas, iniciou-se um processo
de construção de uma estrutura de Estado, através da criação de ministérios como o Ministério
da Educação e Saúde (MES) e de departamentos específicos.
Nessa perspectiva, o Estado Novo ampliou a reforma administrativa, de modo que os
aparelhos do Estado foram apresentados como representantes dos interesses da nação.
Mesmo com uma política autoritária, o Estado Novo permitiu que grupos de intelectuais
atuassem junto ao Estado como organizadores da dinâmica social. Fonseca (1997) observa
que as tradições brasileiras eram operacionalizadas para que o Estado Novo fosse visto como
legítimo. Para ela, o foco era criar uma homogeneidade através da cultura nacional como
fundamento da nação. Entretanto, isso não foi feito com base na procura das tradições
populares.
Em 1934, quando Gustavo Capanema substituiu Francisco Campos no
MES, já havia, por parte de setores da elite intelectual e política, não
só interesse pela temática da tradição e da proteção de monumentos
históricos e artísticos, como uma demanda pela participação do Estado
na questão (FONSECA, 1997: 96).
Fonseca (1997) observa que em 1936 a atuação do ministro Gustavo Capanema à
frente do Ministério da Educação e Saúde (MES) consolidou a presença do Estado na
institucionalização do patrimônio. Para Fonseca (1997), Capanema constatou que o assunto
era complexo e que só seria equacionado com base em uma atuação nacional, de modo que
reconheceu na experiência de Mário de Andrade com o Departamento de Cultura de São
Paulo uma abordagem que poderia ser fundamental para a elaboração da questão do
patrimônio. Mário de Andrade escreveu um projeto preliminar, que ficou conhecido como
28
anteprojeto e que recebeu a formulação definitiva de Rodrigo Melo Franco de Andrade no
Decreto-Lei nº 25.
De acordo com Fonseca (1997), sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade o
SPHAN começou a funcionar como estrutura oficial do MES em 1937. As análises de
Fonseca (1937) demonstram que o SPHAN foi a resultante dos diálogos estabelecidos com as
propostas modernistas pelos agentes da estrutura oficial do Estado Novo. Para Fonseca (1997)
é importante distinguir bem cultural de bem patrimonial, pois, de forma geral, nessa época, os
agentes do Estado atuavam por meio de mecanismos jurídicos a fim de atingir os bens
patrimoniais, estabelecendo valores e sentidos novos, através de formas específicas de
conhecimento. Por outro lado, a definição de bem cultural levaria em conta o valor econômico
e o valor simbólico, como valor cultural referencial, para os diferentes grupos sociais usuários
dos objetos em questão.
A questão do patrimônio se situa numa encruzilhada que envolve tanto
o papel da memória e da tradição na construção de identidades
coletivas, quanto os recursos a que têm recorrido os Estados modernos
na objetivação e legitimação da ideia de nação. Permeando essas
dimensões, está a consideração do uso simbólico que os diferentes
grupos sociais fazem de seus bens... Ou seja, o valor que atribuem a
esses bens enquanto meios para referir o passado, proporcionar prazer
aos sentidos, produzir e veicular conhecimento (FONSECA, 1997:
51).
Na perspectiva de Fonseca (1997), Mário de Andrade desenvolveu uma abordagem
sobre o patrimônio que antecipou muitas discussões contemporâneas, ao trabalhar com uma
definição que lidava com as expressões eruditas e populares. Assim, Mário contribuiu para
ampliar a noção de patrimônio ao valorizar a dimensão popular. Para Fonseca (1997), na
abordagem de Mário, a divulgação das produções culturais eruditas e populares era parte de
um processo de democratização da cultura.
29
Para Frota (2005), as ideias defendidas por Mário de Andrade (1978) no texto O
movimento modernista escrito no livro Aspectos da Literatura Brasileira, produziram
impactos significativos nas formas de pensar as questões populares. Frota (2005) observa que,
durante os anos de 1930 e 1940, um conjunto importante de artistas, como Di Cavalcanti,
Cândido Portinari, Burle Marx e Tarsila do Amaral, lidaram com as relações entre a cultura
popular e a cultura de elite, evidenciando a complexidade e a circularidade que artistas
eruditos estabeleciam com as culturas populares. Na visão de Frota (2005), nesse processo
complexo os artistas populares também se inseriam em mudanças formais, a partir das
transformações culturais que vivenciavam e observavam. Essas mudanças também trouxeram
novos clientes para a produção artística popular.
Segundo Fonseca (1997), encerrando suas atividades no Departamento de Cultura,
Mário de Andrade atuou na estruturação do SPHAN como assessor técnico em São Paulo. À
frente do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade direcionou o estabelecimento de um
padrão de trabalho orientado por métodos científicos, a fim de criar a imagem de uma
instituição sem interesses partidários. Entretanto, a atuação do SPHAN na definição dos
patrimônios nacionais se orientava pela perspectiva das categorias europeias, pois o eixo
central da seleção para os tombamentos estava na arte colonial brasileira. Portanto, para
Fonseca (1997), essa forma de abordar os monumentos foi orientada pela concepção de uma
“civilização material”, que, segundo ela, estava relacionada à noção de Afonso Arinos de
Melo Franco (1944) que articulava os bens tombados à presença portuguesa no processo
histórico brasileiro.
Havia a clara consciência de que era necessária a construção de um
conhecimento novo, específico, mesmo em áreas já estudadas, sobre
os bens que constituíam o patrimônio. Daí a importância dos trabalhos
de inventário, de levantamento de fontes de informação, de proteção
de documentos, da produção de estudos e pesquisas, visando a
30
elaborar quadros referenciais para orientar a seleção de bens, e
classificações para ordenar o conhecimento acumulado (FONSECA,
1997: 112).
Entretanto, para Fonseca (1997), mesmo com um importante grau de autonomia, o
SPHAN ficou um pouco isolado durante o Estado Novo e também não conseguiu se
aproximar da sociedade brasileira como um todo. Ao longo de 30 anos trabalhando dessa
forma, o SPHAN acumulou também um conjunto de críticas, principalmente criticas
institucionais, que se intensificaram nos anos de 1960, quando acabou se isolando e se
distanciando demais dos conflitos políticos. Seguindo sempre por essa trilha, a partir dos anos
de 1970 o SPHAN se revelou cada vez menos preparado para enfrentar os novos problemas e
as novas demandas das dinâmicas sociais do patrimônio.
De acordo com Arantes (1987), as intervenções institucionais do SPHAN focalizavam
o “patrimônio edificado”, de modo que a abordagem abrangente que Mário de Andrade
produziu no anteprojeto desenvolvido para a fundação do SPHAN acabou ficando um pouco
limitada, ainda que continuasse como tendência paralela. Na perspectiva de Arantes (1987), a
abordagem abrangente de Mário de Andrade foi limitada pelo processo técnico do SPHAN.
Esse processo permitiu o desenvolvimento institucional, porém a proposta inicial teve sua
amplitude reduzida significativamente.
Arantes (1987) enfatiza que o desenvolvimento das pesquisas culturais revelou os
problemas e os limites do foco excessivo na definição de bem patrimonial, na medida em que
tal definição acaba não abordando com suficiente consistência os processos sociais e culturais
que produzem tais bens. Na perspectiva de Arantes (1987) as políticas de preservação não
podem ser analisadas somente em seus componentes técnicos e organizacionais, pois elas
31
também funcionam como processos culturais, já que transferem os chamados bens
patrimoniais para contextos socioculturais específicos.
Nesse complexo contexto de intervenção jurídico-administrativa,
econômica e arquitetônica, há que se aprofundar o conhecimento do
processo de reelaboração (ou apropriação simbólica) que se dá no
plano sociológico. Através de acréscimos de significado e
transformações simbólicas, esses bens são como que recriados
culturalmente pela ‘preservação’, passando a carregar consigo
inclusive as marcas do processo que os transformou em ‘bens do
patrimônio’ (separação do cotidiano, maior visibilidade, uma certa
aura de importância e sacralidade etc.) (ARANTES, 1987: 52).
Nessa análise, Arantes (1987) observa que, como as intervenções públicas para
preservação continuam após as ações oficiais, as ações e decisões políticas precisam estar
atentas à forma como a sociedade e as comunidades recebem essas intervenções que criam
determinados bens. Portanto, para Antonio Arantes (1987), o patrimônio cultural está inserido
em um contexto de disputa política no qual os “bens do patrimônio” não são somente signos,
pois estão relacionados a complexas práticas sociais. Nessa perspectiva, as políticas de
preservação são também práticas culturais que lidam com diferentes conflitos e contradições
sociais, e foi dessa forma que os novos debates relacionados à participação de grupos sociais
específicos foram incorporados a esse processo político. Foi no quadro de abertura política
que as metodologias da Antropologia Social foram reconhecidas como fundamentos
importantes para as ações de patrimônio, pois permitiam um diálogo com as identidades
culturais não contempladas pelas ações governamentais.
De acordo com Fonseca (1997), nos anos de 1950 e 1960 os paradigmas brasileiros de
desenvolvimento passaram por transformações significativas que influenciaram mudanças na
política institucional do SPHAN, cujas práticas não se enquadravam nas novas relações
estabelecidas entre as dimensões simbólicas nacionais e os processos de modernização. A
32
partir de 1965, o SPHAN passou a se orientar pelas definições da Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (UNESCO), a fim de estabelecer uma ligação
entre cultura e economia, que poderia ser explorada nos bens culturais associados ao turismo e
em uma proposta de desenvolvimento que levasse em conta as variáveis culturais.
Nesse contexto, como observa Fonseca (1997), foram criados o Programa Integrado de
Reconstrução de Cidades Históricas, em 1973, e o Centro Nacional de Referência Cultural
(CNRC), em 1975. Começava a se estruturar, então, uma política de patrimônio mais
descentralizada, para que a política federal pudesse contar com a participação dos estados e
dos municípios, já sob a gestão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), que fora estruturado em 1970. Para Fonseca (1997), a criação do CNRC e sua
incorporação ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) também estava relacionada com
uma fase do governo militar que se iniciou em 1974 com o governo Geisel e que se abria
relativamente para algumas propostas culturais inovadoras no âmbito do próprio MEC.
A participação de outros setores do governo federal e estadual na
política de preservação foi concretizada com a criação, em 1973, por
solicitação do ministro da Educação e Cultura, e com a participação
dos ministérios do Planejamento, do Interior (através da SUDENE), e
da Indústria e Comércio (através da EMBRATUR), do Programa
Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas... (FONSECA,
1997: 143).
Nessa perspectiva, a intensificação da relação entre a política federal e a estadual
permitiu o estabelecimento de instituições locais de patrimônio durante os anos de 1970 e
1980. Essa dinâmica foi fundamental para a estruturação das políticas estaduais de
patrimônio. Entretanto, segundo Fonseca (1997), mesmo com tais modificações institucionais,
a atuação do IPHAN continuava sendo alvo de críticas que apontavam o foco nos
monumentos coloniais como problemático, por enfatizarem a dinâmica cultural do
33
colonizador. Essas críticas apontavam que tal foco dificultava uma ampliação da identificação
social com o patrimônio tombado, na medida em que não considerava a cultura
contemporânea e a cultura popular.
À diferença do PCH, a ideia da criação do CNRC não surgiu no
interior da burocracia estatal, nem se propôs, no primeiro momento,
como alternativa crítica ao IPHAN. Segundo depoimento de Aloísio
Magalhães, foi fruto das conversas de um pequeno grupo que se
reunia em Brasília, de que participavam o empresário e então ministro
da Indústria e Comércio Severo Gomes, o embaixador Vladimir
Murtinho, então Secretário de Educação e Cultura do DF, além do
próprio Aloísio, designer e artista plástico de renome. (FONSECA,
1997: 144).
Segundo Fonseca (1997), os debates desse grupo giravam em torno da identidade
nacional como forma de se pensar as relações entre cultura e desenvolvimento. O foco inicial
do CNRC foi realizar uma coleta de dados sobre a cultura brasileira a fim de criar um espaço
para um novo processo de documentação que identificasse e analisasse a produção cultural
brasileira. O eixo central do CNRC foi o mapeamento de variáveis e indicadores que pudesse
orientar uma nova definição de desenvolvimento que estivesse atenta à realidade nacional.
Nesse contexto, procurou-se uma metodologia para articular o processo de desenvolvimento à
política de patrimônio.
Foram esses os fundamentos de criação do CNRC, sob a direção de Aloísio
Magalhães, em 1975. Segundo Fonseca (1997), no início de suas atividades o CNRC estava
sediado na Universidade de Brasília (UNB) e mantinha convênio com a Secretaria de
Educação e Cultura, com o Governo do Distrito Federal e com o Ministério da Indústria e
Comércio. Fonseca (1997) observa que as diretrizes do CNRC se orientavam por abordagens
interdisciplinares que trabalhavam com os referenciais metodológicos de disciplinas
diferentes, o que permitia analisar as especificidades de cada processo cultural. Essa
34
característica interdisciplinar, associada a considerável autonomia, possibilitou, nos anos de
1980, a elaboração dos fundamentos da Secretaria de Cultura do Ministério da Educação e
Cultura, e, de acordo com Fonseca (1997), foi referência importante para a elaboração da
abordagem cultural presente na constituição de 1988.
Nessa visão, Aloísio Magalhães articulava convênios e parcerias com outras
instituições a fim de viabilizar estudos e projetos que conseguissem mapear a complexa
realidade brasileira. Segundo Fonseca (1997), com o projeto denominado Mapeamento do
Artesanato Brasileiro, o CNRC desenvolveu uma contribuição muito significativa para a
definição de um conjunto de problemas de pesquisa e intervenção. Através desse projeto, o
CNRC demonstrou a viabilidade de um processo de trabalho inovador no que se refere às
produções culturais. Fonseca (1997) observa que foi a partir de análises comparativas entre os
diferentes processos culturais brasileiros que foi possível entender as diferenças entre as
produções populares, na direção de conhecer a visão dos próprios produtores e consumidores.
A abordagem do CNRC se propunha como crítica da visão romântica,
que predominava entre os folcloristas, ou aos objetivos pragmáticos e
assistencialistas dos programas de incentivo ao artesanato.
Considerando as manifestações pesquisadas como um “momento da
trajetória”, e não como uma “coisa estática”, Aloísio Magalhães
afirmava que “a política paternalista de dizer que o artesanato deve
permanecer como tal é uma política errada e ‘culturalmente
impositiva’[...]” (FONSECA, 1997: 147).
Nesse sentido, a visão de Aloísio Magalhães era inovadora, pois, como demonstrou
Fonseca (1997), ele propôs que a política de artesanato deveria identificar o percurso de
determinada prática artesanal e estimular a sequência própria de determinada dinâmica
cultural. Nesse sentido, um dos eixos do pensamento de Aloísio foi o reconhecimento de que
as políticas de intervenção no artesanato deveriam ser fundamentadas na análise da
especificidade dos contextos locais de produção do artesanato. Portanto, as práticas de
35
intervenção precisavam ser empreendidas de acordo com cada caso específico a partir da
comunicação com a população local, objetivando o desenvolvimento socioeconômico.
A abordagem de Aloísio Magalhães no CNRC estava fortemente baseada na
perspectiva antropológica, a fim de organizar uma forma de desenvolvimento relacionada às
características culturais locais. Para Fonseca (1997), embora essa abordagem apresentasse
diálogos com as definições de desenvolvimento da UNESCO, apresentava tensões com as
propostas desenvolvimentistas vigentes nos anos de 1970. Foi com grande capacidade de
liderança política que Aloísio Magalhães conseguiu viabilizar no CNRC propostas que
articularam cultura, economia e contextos sociais locais, além de elaborar um consistente
processo de documentação e de levantamentos sobre as dinâmicas culturais pesquisadas.
Nessa perspectiva, o CNRC produziu uma política de conhecimento sobre as
manifestações culturais brasileiras que se diferenciava das políticas institucionais existentes
ao se dedicar à produção de referências culturais com os métodos das ciências sociais e com
técnicas de documentação, a fim de orientar a formulação de planos de desenvolvimento
socioeconômico. O objetivo principal foi integrar a cultura ao eixo central da política de
Estado, ou seja, inserir as produções culturais nas políticas de desenvolvimento. Dessa forma,
Aloísio procurou uma nova abordagem para o desenvolvimento econômico, a fim de lidar
com problemas que a lógica desenvolvimentista não considerava como importantes.
Nesse contexto, como observa Fonseca (1997), sob a direção de Aloísio, o CNRC
consolidou a definição de “bem cultural” como uma ampliação da noção de patrimônio. Essa
definição permitiu uma concepção mais abrangente que fortaleceu as possibilidades de
trabalho com as produções populares na direção de reconhecer o valor econômico desses bens
culturais. Dessa forma, no CNRC, a proteção da cultura popular assumiu um novo peso
político nas formulações do desenvolvimento nacional. Nesse novo modelo de
36
desenvolvimento, Aloísio Magalhães (1985) propôs uma articulação entre as instituições de
apoio e incentivo e as necessidades e os costumes locais identificados.
Na perspectiva de Fonseca (1997), os anos 1960 foram caracterizados por atividades
culturais politizadas, como a ampliação dos Centros Populares de Cultura (CPCs), que
articulavam política e produção cultural. Para Fonseca (1997), na abordagem dos CPCs a
cultura popular não estava vinculada à noção de massa, mas sim a uma produção vanguardista
e conscientizada, que funcionaria como uma interpretação das demandas da cultura popular.
Segundo Fonseca (1997), a temática popular foi predominante nos anos 1960, mas as pessoas
que realmente produziam as manifestações populares praticamente não foram vistas como
atores políticos. Com o golpe militar de 1964, os mecanismos repressivos comprometeram as
organizações populares. E foi somente no governo Geisel que a estrutura do governo passou a
agir administrativamente na cultura: em 1975 foi elaborada uma Política Nacional de Cultura,
quando Ney Braga dirigia o Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Fonseca (1997) observa que, em 1979, com a mediação do novo ministro da Educação
e Cultura, Eduardo Portela, Aloísio Magalhães assumiu a direção do IPHAN, que foi
subdividido em Secretaria do Patrimônio Artístico Nacional (SPHAN) e Fundação Nacional
Pró-Memória (FNpM). Além disso, o IPHAN, o Programa de Cidades Históricas (PCH) e o
CNRC foram unidos a fim de permitir que o CNRC auxiliasse o IPHAN a lidar com os
problemas do excessivo foco arquitetônico da política de preservação. Nesse sentido, tem
razão Fonseca (1997) quando diz que, com sua definição de bem cultural, o CNRC propôs um
diálogo entre as políticas de patrimônio e a cultura popular.
É importante observar que, como diz Fonseca (1997), até a década de 1970, as
produções culturais populares, como o artesanato e os saberes e fazeres, eram temas de estudo
de folcloristas como Luis da Câmara Cascudo, Rossini Tavares, Renato Almeida e Edison
37
Carneiro. Foi só em 1977 que se consolidou um Programa Nacional de Desenvolvimento do
Artesanato (PNDA) no Ministério do Trabalho, com o objetivo de geração de renda. Um dos
eixos programáticos do CNRC consistia em estender a definição de patrimônio às produções
da cultura popular. A proposta do CNRC, que foi assumida pela FNpM nos anos de 1980,
dialogava com o processo de politização das formas de preservação das manifestações
culturais brasileiras, na direção de incorporar a participação da sociedade brasileira nos
processos de administração do patrimônio cultural. As práticas e as concepções de Aloísio o
posicionavam estrategicamente como um ator político que poderia ser fundamental para o
MEC no contexto da abertura política.
No governo Figueiredo, durante as gestões de Eduardo Portela e de
Rubem Ludwig no MEC, ocorreu uma reestruturação da área cultural
no governo federal, que culminou com a criação da Secretaria da
Cultura, em 1981, onde se aglutinaram todos os órgãos culturais do
ministério, sob a direção de Aloísio Magalhães (FONSECA, 1997).
Para Fonseca (1997) Aloísio dirigiu uma importante reorganização institucional no
MEC, que, com a criação da Secretaria da Cultura, viabilizava uma nova orientação para uma
política cultural democrática. Essa política cultural buscava ações institucionais para atender
as demandas econômicas, sociais e culturais de comunidades que historicamente não eram
contempladas com tais políticas. Além disso, o objetivo era estimular a participação dessas
comunidades na gestão dos processos políticos do patrimônio. Portanto, para Fonseca (1997),
nos anos de 1980, a política de preservação do patrimônio cultural passou a procurar apoio na
definição e na prática da participação social. Essa nova dinâmica foi se viabilizando com o
fim do governo militar.
A continuidade desse processo, segundo Fonseca (1997), durante o governo José
Sarney teve como marco institucional a substituição da Secretaria de Educação e Cultura
38
(SEC) pelo Ministério da Cultura (MinC), idealizado ainda por Tancredo Neves em 1985,
mas isso não modificou a situação de indiferença de grande parte da classe política frente aos
problemas da cultura. Os conflitos inerentes à política cultural só foram evidenciados
juridicamente durante a Assembleia Nacional Constituinte, embora ainda com pouca ênfase.
De qualquer forma, a Constituição de 1988 representou um desenvolvimento significativo
com os artigos nº 215 e nº 216, que ampliaram a definição de patrimônio cultural
incorporando a sociedade como participante do processo de proteção e preservação dos bens
culturais6. Segundo essa análise histórica traçada por Fonseca (1997), o governo Collor,
iniciado em março de 1990, instaurou um processo de desestruturação institucional da área
cultural, que significou uma ruptura das ações estatais nessa área. O marco dessa ruptura foi o
encerramento das atividades do MinC logo no primeiro ano de seu mandato, e a criação de
uma Secretaria de Cultura sob a direção de Ipojuca Pontes.
De acordo com Calabre (2005), durante o governo Collor a estrutura pública federal da
área cultural foi alterada significativamente, com diretrizes que, a partir de 1990, orientavam a
extinção de “diversos órgãos da administração federal”, como a FUNARTE e a
EMBRAFILME, além da Secretaria do Patrimônio Artístico Nacional (SPHAN), da Fundação
Nacional Pró-Memória (FNpM) e do próprio IPHAN, que deu lugar ao Instituto Brasileiro do
Patrimônio Cultural (IBPC). Para Calabre (2005), essas ações foram realizadas de forma
incisiva, “interrompendo projetos e desmontando trabalhos que vinham sendo realizados por
mais de uma década”.
6 Os artigos nº 215 e nº216 podem ser visualizados nos anexos desta tese.
39
Entretanto, esses processos foram acompanhados de ações de resistência por parte de
atores da área cultural, como foi o caso do INF, que lutou pela continuidade das abordagens e
das ações inovadoras que vinha desenvolvendo na linha de política cultural aberta por Aloísio
Magalhães. Essas ações acabaram sendo vitoriosas, uma vez que, com o fim do Governo
Collor, em 1992, a volta do MinC, nesse mesmo ano, e a volta do IPHAN, em 1994, foram
essas abordagens as que tiveram continuidade, sendo possível traçar links entre elas e os
principais marcos da história mais recente da questão patrimonial no Brasil, sobre os quais
discorrerei rapidamente em seguida.
Na visão de Cavalcanti & Fonseca (2008), a definição brasileira de patrimônio cultural
foi ampliada juridicamente com o Decreto-lei nº 3.551 de 20007. Esse decreto instituiu o
Registro dos bens culturais de natureza imaterial e criou o Programa Nacional de Patrimônio
Imaterial (PNPI). Em 2003, o Brasil foi signatário da Convenção da UNESCO, o que
fundamentou a salvaguarda do patrimônio imaterial em um instrumento normativo
multilateral. Esse instrumento consolidou uma norma internacional para a salvaguarda do
patrimônio imaterial e abriu espaços para o desenvolvimento de novas políticas públicas de
patrimônio cultural. Essa convenção promoveu a diversidade cultural à condição de alicerce
fundamental para a sustentabilidade do desenvolvimento.
Com o Decreto-lei de 2000 e a subscrição da Convenção em 2003, consolidou-se
juridicamente um enfoque antropológico do patrimônio cultural, que abrange as dimensões
materiais e imateriais do patrimônio. Em 2.004, foi criado no Brasil o Departamento de
Patrimônio Imaterial (DPI), do IPHAN. Informam-nos Cavalcanti & Fonseca (2008) que, a
7 Esse decreto pode ser visualizado nos anexos desta tese
40
fim de desenvolver as políticas de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, esse
departamento utiliza uma série de instrumentos institucionais. Um desses instrumentos é o
Registro dos bens culturais de natureza imaterial, que funciona não apenas como um processo
de sistematização de conhecimento, mas também como forma de comunicação e de
reivindicação por parte dos próprios atores sociais envolvidos nos saberes e fazeres
registrados. O Registro também apoia a dinâmica dessas práticas socioculturais e equivale ao
tombamento já consolidado pelo IPHAN.
Para Cavalcanti & Fonseca (2008), em 2006, a Resolução nº 01 do IPHAN
sistematizou a definição processual do patrimônio cultural imaterial, na medida em que
complementou e atualizou o Decreto-lei nº 3.551 de 2000. Nessa nova definição jurídica e
institucional, o patrimônio cultural imaterial contempla universos culturais que abrigam
circuitos de consumo, produção e difusão culturais organizados por lógicas diferenciadas dos
demais circuitos de produção cultural, inseridos, entretanto, em contextos de transformações e
ressignificações das produções culturais tradicionais.
De acordo com Cavalcanti & Fonseca (2008), o IPHAN adotou como critério-chave
para a legitimidade de qualquer pleito ao Registro, a relevância do patrimônio imaterial para a
memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira. Portanto, a referência nacional é
necessária para a formulação das políticas de patrimônio imaterial. O conhecimento
produzido nos dossiês de Registro é fundamental para a orientação das políticas de
salvaguarda, na medida em que cada experiência concreta de registro de um bem imaterial
indica quais são as ações de apoio mais adequadas. Cavalcanti & Fonseca (2008) observam
também que essas ações jurídicas e institucionais têm como objetivo sensibilizar a sociedade e
promover a abertura de mercados para os bens culturais de natureza imaterial. Nessa visão, os
bens culturais são também formas de sobrevivência para inúmeros grupos e populações. São,
41
portanto, portadores de valor econômico e passíveis de se tornarem importantes para o
desenvolvimento socioeconômico local.
É interessante observar que Aloísio Magalhães (1985) já defendia que o patrimônio
cultural não estaria restrito aos monumentos materiais, mas também estaria presente nos
valores autênticos da nação brasileira. Para ele, esses valores poderiam ser usados para
solucionar alguns problemas econômicos. Na visão de Magalhães (1985), a definição de
patrimônio cultural também deveria trabalhar com os fazeres, percepções e comportamentos
que indicam a realidade de uma identidade cultural.
Na visão de Aloísio Magalhães (1985), quando foi criado, em 1936, o SPHAN já
trabalhava com uma ampla definição de patrimônio e de bens culturais. Magalhães (1985)
observa que o primeiro diretor do SPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, procurou
trabalhar com abrangência, mas por pressões políticas ele acabou privilegiando os bens
materiais em perigo de destruição como as igrejas, monumentos e áreas urbanas.
Como bens culturais vivos entendo o trato da matéria-prima, as
formas de tecnologia pré-industrial, as formas do fazer popular, a
invenção de objetos utilitários. Enfim, toda uma gama de atividades
do povo que, a meu ver, deve ser tomada como bens culturais
(MAGALHÃES, 1985: 120).
Esses “bens culturais vivos” foram justamente os abordados posteriormente sob a
ótica do patrimônio cultural imaterial. Mas, ao lado da influência duradoura de Aloísio
Magalhães e do reforço representado pelas Convenções da UNESCO, cabe finalizar esta
breve história da questão patrimonial no Brasil mencionando a importância das categorias
antropológicas e das disputas políticas para a compreensão adequada do alargamento das
definições de patrimônio.
42
Na perspectiva de Gonçalves (1996), a legitimidade do discurso do patrimônio
depende dos conceitos formulados pelas disciplinas acadêmicas, com base nos quais a ação
política é responsável pela construção de um conjunto de instrumentos públicos que
normatizam o patrimônio cultural de uma nação. Na visão de Arantes (1989), desde o período
da abertura política novas áreas de interesse foram atraindo o foco das pesquisas
antropológicas para os contextos dinâmicos que surgiam de novos processos e demandas
sociais em torno da questão do patrimônio cultural. E Arantes (1989) chama a atenção para a
relevância de se compreender e analisar os conflitos existentes nesses novos contextos sociais.
[...] a constituição e a defesa do patrimônio cultural têm também a sua
vertente ideológica. Elas são meios pelos quais se dá forma e conteúdo
a essas grandes abstrações que são a ‘nacionalidade’ e a ‘identidade’.
Desse ponto de vista, o problema não é apenas o de preservar ou não,
mas determinar o que defender e como fazê-lo (ARANTES, 1984:
08).
Nesse campo de problemas, para Arantes (1984) uma questão fundamental consiste no
posicionamento da cultura popular no “contexto da cultura nacional”. Arantes (1984) observa
que esses temas são muito complexos e rodeados de disputas e controvérsias, pois eles estão
associados à “face cultural do processo político de construção de lideranças morais e
intelectuais legítimas”. Segundo Arantes (1984), a complexidade do contexto do patrimônio
cultural não está restrita ao “confronto de concepções divergentes entre si, na medida em que
se observa o aumento das reivindicações dos grupos sociais organizados que se associam na
procura de interesses, direitos e demandas”. (ARANTES, 1984: 08).
O olhar amoroso de um homem cordial
Segundo João de Souza Leite (2003), na introdução do livro A herança do olhar: o
design de Aloísio Magalhães, Aloísio apresentava uma personalidade formal e curiosa, e
43
possuía um “olhar amoroso” para as suas “raízes familiares em Serra Talhada, no sertão de
Pernambuco”. Segundo Leite (2003), no processo de formação de Aloísio é possível observar
importantes elementos que seriam as bases para “a sua ação futura, de ‘projetador’ de retratos
do Brasil” (LEITE, 2003: 21).
Pensador assistemático, mas assíduo observador do Brasil, Aloísio
Magalhães usufruiu de um lugar especial onde ele mesmo se colocou
para observar e agir sobre o nosso país. Por meio de uma vivência
constantemente mediada entre opostos, Aloísio foi a perfeita
encarnação do homem cordial proposto por Sérgio Buarque de
Holanda: um homem movido por afetos (LEITE, 2003: 21).
Segundo José Laurenio de Melo (2003), quando Aloísio Magalhães ingressou na
Faculdade de Direito, em 1946, com 18 anos, ele já era apontado como uma figura promissora
nas artes plásticas de Pernambuco. Melo (2003) observa que Aloísio participou do Teatro do
Estudante de Pernambuco (TEP), cujo presidente de honra era Gilberto Freyre, e chegou a
produzir o cenário para a montagem da peça Bodas de Sangue de Garcia Lorca. Aloísio se
tornou o principal cenógrafo do TEP, e trabalhou também como figurinista e no teatro de
bonecos. De acordo com Melo (2003), depois de concluir o curso de Direito, Aloísio passou
dois anos em Paris, onde participou do Atelier 17 e do curso de Museologia da Escola do
Louvre. De volta ao Recife, entre 1953 e 1954 inicia um período de exposições, participando
de Bienais e de outras mostras importantes, além de participar do grupo O Gráfico Amador.
Dessa forma, Aloísio alcançou um relevante reconhecimento artístico, reconhecimento que
também foi conferido a seus projetos e experimentos em Design.
Aloísio Magalhães começa então a trabalhar profissionalmente como designer, e, por
desenvolver alguns de seus projetos em Brasília, foi estabelecendo alguns relacionamentos
políticos. Foi assim que, em uma conversa sobre o desenho brasileiro de produtos com o
44
ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, em 1975, surgiu a ideia de criação do
Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). (LEITE, 2003: 137).
Joaquim Falcão (1985), na apresentação do livro E o triunfo? A questão dos bens
culturais no Brasil, de autoria de Aloísio Magalhães, também relata que antes de se afirmar
como designer Aloísio teve uma trajetória como artista plástico e dialogou conceitualmente
com as dinâmicas das vanguardas artísticas. Falcão (1985) o descreve como uma
personalidade curiosa, que buscava “aproximações com todas as modalidades do fazer”, o que
explicava sua disposição para inventar e explorar áreas diferentes. Foi assim que ele foi se
movimentando das artes plásticas para o design e do design para a política cultural, sempre
tentando buscar uma articulação equilibrada entre essas coisas todas.
Falcão (1985) enfatiza que dificilmente um estudo de política cultural no Brasil
ignorará o “pensamento e a ação de Aloísio Magalhães”, visto que produziram relevante
“inovação conceitual, reformulação administrativa, acréscimo orçamentário e implementação
de projetos”. Falcão (1985) destaca que Aloísio Magalhães foi também um inovador nas
metodologias institucionais, ao propor novas formas de política cultural. (FALCÃO In
MAGALHÃES, 1985: 17) De acordo com Falcão (1985), Aloísio percebeu os problemas do
modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil, pois era um modelo que poderia produzir
uma “nação sem caráter”. Foi por isso que Aloísio Magalhães propôs uma política cultural
que permitisse o conhecimento do Brasil e a valorização de seu patrimônio cultural. Segundo
Falcão (1985), Aloísio Magalhães “defendeu a cultura brasileira com graça e sutileza”
(FALCÃO In: MAGALHÃES, 1985: 28).
No livro E o triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil, Aloísio Magalhães
(1985) diz que sua posição política sempre esteve orientada por suas preocupações frente aos
problemas sociais. Magalhães (1985) observa que a criação do Centro Nacional de Referência
45
Cultural (CNRC), em 1975, teve como um dos objetivos a criação de uma fisionomia própria
para os produtos brasileiros. A preocupação central do CNRC era desenvolver um sistema de
coleta de dados e registro que não fosse uma política “de cima para baixo”, mas sim a partir
do contato com as realidades culturais brasileiras. “Nosso objetivo é estudar as formas de
vida e atividades pré-industriais brasileiras que estão desaparecendo, documentá-las e, numa
outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as a dinamizar-se”. (MAGALHÃES, 1985: 117)
De acordo com Aloísio Magalhães (1985), uma nova política cultural se desenvolveu
no Brasil a partir da remodelação institucional que teve início no Ministério da Educação e da
Cultura (MEC) em 1979, com a criação da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN) e da Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM), que abriram novos
caminhos para as políticas de preservação cultural. A SPHAN foi constituída então pela fusão
entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Centro Nacional de
Referências Culturais (CNRC) e o Programa Cidades Históricas (PCH), e dividia o espaço
cultural do MEC com a Secretaria de Assuntos Culturais (SEAC). Posteriormente, com a
criação da Secretaria de Cultura (SEC) do MEC, em 1981, da qual Aloísio Magalhães foi o
primeiro secretário, ambas passaram à condição de subsecretarias. Nesse momento, à SPHAN
ficou ligada a FNpM e à SEAC ficou ligada a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE).
Nessa perspectiva, esses desenvolvimentos institucionais propiciaram condições para
a organização de duas abordagens de trabalho com os bens culturais: uma delas voltada para
identificar e revitalizar o patrimônio já consagrado, e a outra interessada em viabilizar a
“produção, circulação e consumo da cultura, voltada para a produção artística nos vários
setores” (MAGALHÃES, 1985:144).
O acervo do nosso processo criativo, aquilo que construímos na área
da cultura, na área da reflexão, que deve tomar aí o seu sentido mais
amplo - costumes, hábitos, maneiras de ser. Tudo aquilo que foi sendo
46
cristalizado nesse processo, que ao longo desse processo histórico se
pode identificar como valor permanente da nação brasileira. Estes são
nossos bens, e é sobre eles que temos que construir um processo
projetivo (MAGALHÃES, 1985: 47-48).
Para Aloísio Magalhães (1985), a realidade brasileira precisava ser conhecida e a sua
riqueza deveria ser levantada. Nessa perspectiva, o problema da identidade cultural também
deveria ser abordado pelos formuladores das políticas públicas de modo a procurar uma
diretriz de desenvolvimento que relacionasse as políticas econômicas com as características
culturais. Nessa visão, os indicadores culturais deveriam fazer parte da elaboração e da
aplicação das políticas de desenvolvimento.
Uma cultura é avaliada no tempo e se insere no processo histórico não
só pela diversidade dos elementos que a constituem, ou pela qualidade
de representações que dela emergem, mas sobretudo pela
continuidade. Essa continuidade comporta modificações e alterações
num processo aberto e flexível, de constante realimentação, o que
garante a uma cultura sua sobrevivência (MAGALHÃES, 1985: 51).
Aloísio Magalhães (1985) defendia que as políticas de desenvolvimento tecnológico e
econômico precisavam incorporar os bens culturais nacionais como base para o
desenvolvimento. Porém, como observa Magalhães (1985), no Brasil, historicamente, o
conceito de bem cultural sempre esteve restrito aos bens móveis e imóveis associados ao valor
histórico ou artístico de apreciação elitista. Para Aloísio Magalhães (1985), existia um
conjunto de bens associados ao fazer popular que, por estarem relacionados ao cotidiano,
ainda não tinham sido abordados como bens culturais e nem tinham sido contemplados pelas
políticas públicas.
Entretanto, para Magalhães (1985), é a partir desses bens culturais populares que
nascem as expressões criativas e os valores que formam um objeto de arte. Portanto, Aloísio
Magalhães (1985) estava atento aos potenciais da criatividade popular e defendia que os bens
47
culturais populares deveriam ser contemplados pela gestão pública devido à sua
potencialidade socioeconômica. Na perspectiva de Aloísio Magalhães (1985), o artesanato
poderia ser utilizado como uma forma de geração de riquezas e de relacionamento do homem
com o seu contexto. Mas ele observa que a política adotada até então não estava atenta às
características específicas de cada fazer artesanal; desse modo, Aloísio Magalhães (1985)
constata um problema na administração pública daquela época, que ainda trabalhava, a seu
ver, com uma “visão uniformizadora” dos fazeres populares.
Nessa abordagem, o conceito de bem patrimonial vai além de uma definição elitista e
incorpora as manifestações gerais de uma cultura vista como um todo. De acordo com Aloísio
Magalhães (1985), a aproximação do IPHAN com o CNRC permitiu uma definição de bem
cultural que ampliou o conceito de patrimônio, a fim de incorporar “as atividades do povo, as
atividades artesanais, os chamados hábitos culturais da comunidade”. (MAGALHÃES, 1985:
221)
Fonseca (1997) nos conta que, mesmo com sua perspectiva inovadora, Aloísio
Magalhães estava em um campo de tensões, e enfrentou críticas, inclusive, da comunidade
acadêmica sobre a proposta conceitual do CNRC, na medida em que Marilena Chauí e Sérgio
Miceli, por exemplo, apontaram para a necessidade de um método científico mais consistente
na base do processo de definição das referências culturais. Entretanto, segundo Fonseca
(1997), a habilidosa atuação política de Aloísio, bem como sua personalidade carismática,
permitiu-lhe lidar bem com esses conflitos e alcançar reconhecimento social.
Por outro lado, para Gonçalves (1996), a abordagem de Aloísio Magalhães se
aproximava da perspectiva antropológica ao propor uma política de patrimônio baseada em
uma noção dos “bens culturais” relacionados ao cotidiano das pessoas envolvidas. Essa
abordagem impunha o relacionamento dos agentes institucionais do patrimônio com as
48
comunidades locais, enfatizando as dimensões de diversidade da cultura brasileira. Gonçalves
(1996) observa que Aloísio estava preocupado com a questão da autonomia cultural brasileira
como parte fundamental do processo de desenvolvimento nacional. Segundo Gonçalves
(1996), a grande influência de Aloísio foi Mário de Andrade, que lhe inspirou uma visão
plural da cultura brasileira, eixo para a construção de uma política cultural mais democrática.
O “movimento folclórico”, o Instituto Nacional do Folclore (INF) e a defesa das
tradições populares
De forma geral, os estudos sobre folclore no Brasil se consolidaram a partir do século
XIX, como enfatiza Cavalcanti (1987), que menciona o artigo de Edison Carneiro (1962) que
detalhou o desenvolvimento de tais estudos. A segunda metade do século XIX foi marcada
pelo estudo da literatura popular feito por autores como Celso Magalhães e Silvio Romero.
Posteriormente, nos anos de 1920, Amadeu Amaral iniciou uma nova fase de estudos e,
inspirado em Van Gennep, desenvolveu uma visão crítica sobre as abordagens anteriores,
propondo uma nova “concepção de criação popular”, com base na qual se procuraria dar conta
de suas várias faces.
Segundo Cavalcanti (1987), os anos de 1940 são marcados pela consolidação de
sociedades de folclore, tais como a Sociedade Demológica, que foi iniciativa de Amadeu
Amaral, a Sociedade de Etnografia e Folclore, de Mário de Andrade, a Sociedade Brasileira
de Folclore, de Câmara Cascudo, e a Sociedade de Antropologia, de Arthur Ramos. Em
1947, os estudos de folclore procuram a institucionalização fora do ambiente universitário,
com a criação da Comissão Nacional de Folclore, vinculada à UNESCO e ao Ministério de
Relações Exteriores, comissão essa que, durante a década de 1950, organizou quatro
congressos nacionais. Em 1958 foi institucionalizada a Campanha de Defesa do Folclore
49
Brasileiro (CDFB), vinculada ao Ministério de Educação e Saúde. Em 1976 a CDFB foi
anexada à Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), transformando-se no Instituto Nacional
do Folclore (INF) em 1978.
O artigo de Carneiro, datado de 1962, evidentemente marcado pelo
envolvimento do autor com o projeto da Campanha, é um valioso
ponto de referência, pois se a antropologia e a sociologia modernas
são unânimes em sua crítica aos conceitos de ‘folclore’ e mesmo de
cultura popular, inexistem trabalhos que situem essa tradição de
estudos – heterogênea e diversificada, cheia de cruzamentos com as
ciências humanas e sociais, também em processo de desenvolvimento
ao longo desse período – em uma perspectiva mais ampla
(CAVALCANTI, 1987: 03).
Na visão de Maria Laura Cavalcanti (1987), era preciso entender os estudos de
folclore “em contextos da história política e intelectual” do Brasil, para que, dessa forma,
fosse possível observar as relações desses estudos com “o desenvolvimento das ciências
humanas e sociais”. E foi justamente dessa perspectiva que o projeto Os Estudos de folclore
no Brasil, coordenado por ela, foi proposto e desenvolvido pelo próprio INF. Esse projeto foi
fundamental para a instituição, no sentido de que recuperou a história de conceitos e
metodologias cujo processo de transformação ao longo do tempo foi importante para a
história do desenvolvimento institucional.
Designamos como ‘estudos de folclore no país’ um conjunto de obras
intelectuais e de iniciativas institucionais que começam por volta de
1870 e chegam até 1960. A data inicial toma por referencia a geração
de Sílvio Romero, acompanhando a tendência geral dos trabalhos
sobre pensamento social que a indicam como inauguradora de uma
ótica cientificista de conhecimento da realidade brasileira. (ARAÚJO;
BARROS; CAVALCANTI; MELLO e SOUZA; VILHENA, 1992:
01).
No projeto Os Estudos de folclore no Brasil, os estudos de folclore são abordados
como herdeiros dos contextos de interesses presentes nas concepções dos antiquários e dos
50
românticos europeus, durante os séculos XVIII e XIX. No artigo Os estudos de Folclore no
Brasil (1992), os antiquários europeus são descritos como os primeiros escritores que
abordaram os costumes populares, influenciando a perspectiva dos primeiros folcloristas
como Williem John Thoms, que definiu o termo Folk-lore (saber do povo). Esses folcloristas
possuíam uma forte relação com a pesquisa dos antiquários, marcada pela valorização do
popular, pelo diletantismo e pela vontade classificadora. A perspectiva dos antiquários estava
fortemente relacionada com a coleta e a classificação sistemática de objetos que estavam
passando por um processo de desaparecimento. Nesse contexto, estava associada ao que
Renato Ortiz (1992) denominou de “nostalgia folclórica”.
Ortiz (1992) aponta que uma das marcas das posições românticas foi a “busca das
‘autênticas’ tradições populares”; entretanto, o romantismo instaura uma postura distinta em
relação à perspectiva dos antiquários, pois com os românticos acontece a radicalização da
crítica à noção de progresso. Segundo Ortiz (1992), o filósofo alemão Johann Herder
estabelece uma profunda crítica ao “pensamento evolucionista” ao romper com a ideia de um
“ordenamento das etapas históricas”, propondo que “cada povo... contém em si o seu próprio
destino”. “A proposta de Herder privilegia, portanto um relativismo histórico. mas seu valor
não é meramente filosófico – ela encerra uma dimensão política” (ORTIZ, 1992: 21). Nesse
sentido, para Ortiz (1992), a perspectiva romântica abre o pensamento para as diferenças e
para os direitos políticos dos povos ao instaurar um movimento de valorização do popular.
Entretanto, Ortiz (1992) pondera que é preciso se perguntar qual é a “ideia de povo” do
romantismo. Essa ideia muitas vezes está relacionada às “noções essencialistas” de
naturalidade, instintividade e simplicidade.
No Brasil, a influência dessas tradições de conhecimento levou ao questionamento
“sobre a natureza peculiar do ‘ser’ brasileiro”. Entretanto, no começo do século XX, os
51
estudos de folclore cruzavam com o campo intelectual em formação das ciências sociais,
transitando entre as noções de “nação, identidade nacional, brasilidade e cultura brasileira”.
Um dos casos mais marcantes desse interessante entrecruzamento de fronteiras foi o trabalho
de Mário de Andrade. De qualquer maneira, essas dinâmicas intelectuais foram viabilizando a
abordagem da cultura popular como um campo para a ação política (ARAÚJO; BARROS;
CAVALCANTI; MELLO e SOUZA; VILHENA, 1992: 01).
O artigo Os estudos de Folclore no Brasil (1992) salienta que um dos pontos que
atravessa o campo desses estudos é o questionamento sobre a “falta de uma cientificidade”.
Essa questão foi levantada por Amadeu Amaral (1948), que enfatizava que a falta de método
e de objetivo comprometiam o processo de documentação e os critérios de coleta de material
folclórico. O artigo do INF de 1992 posiciona Amadeu Amaral como um dos folcloristas que
tecia ressalvas aos excessos de uma postura romântica na pesquisa folclórica, e revela que
Mário de Andrade (1949) também apresentava preocupações com os estudos de folclore no
Brasil. Por conta dessas preocupações, inicia-se uma intensificação do diálogo com as
ciências sociais que estavam em fase de se institucionalizar no Brasil. É nesse contexto que
Mário de Andrade estabeleceu o Curso de Etnografia, ministrado por Dina Dreyfus Lévi-
Strauss, no Departamento de Cultura de São Paulo, como uma forma de orientar
metodologicamente as pesquisas de campo. A Sociedade de Etnografia e Folclore surgiu
desse processo.
Como disse Lima (2010a), a mobilização frente à cultura popular remonta a esse
denominado “movimento folclórico” que constituiu a Comissão Nacional de Folclore e a
Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), que depois deu lugar ao INF e,
posteriormente, ao CNFCP. Segundo Lima (2010a), o movimento organizou estrategicamente
congressos de folclore, sendo que, no primeiro deles, realizado em 1951 no Rio de Janeiro, foi
52
explicitada uma forte demanda por espaços museológicos destinados a trabalhar com a cultura
popular. Nesse congresso foi escrito o documento Carta do Folclore Brasileiro, cujo objetivo
era propor uma agenda de ações. Entre as propostas da Carta do Folclore Brasileiro se
destacam a “necessidade de preservar os produtos da inventiva popular”, através de
instituições adequadas ligadas à pesquisa, e a criação de um “Museu Folclórico Nacional” e
de museus folclóricos regionais. Lima (2010a) observa que, em 1954, Manuel Diégues Júnior
novamente reivindicava a importância e a necessidade de um museu que abordasse a cultura
popular (LIMA, 2010a: 102).
Vilhena (1997) também observa que o período que vai de 1947 até 1964 foi um
período de mobilização e de muitas atividades no campo de estudos de folclore, que ficou
marcado inicialmente pela atuação da Comissão Nacional de Folclore (CNFL) organizada
pelo Ministério das Relações Exteriores a fim de representar o Brasil na UNESCO. Reuniões
e debates foram organizados e contribuíram decisivamente para a criação de uma instituição
pública para dirigir os processos de pesquisa e preservação do folclore. Essa instituição foi
justamente a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB), criada em 1958. Para
Vilhena (1997), todo esse processo também está relacionado ao “engajamento de um
expressivo contingente de intelectuais na valorização da cultura popular, concebida por eles
não apenas como um objeto de pesquisa” (VILHENA, 1997: 21).
O relativo sucesso que os folcloristas obtiveram na criação de
agências estatais dedicadas à preservação de nossa cultura popular
não foi acompanhado pelo desenvolvimento de espaços dedicados ao
estudo do folclore no interior das universidades. Pelo contrário, no
plano dos estereótipos, o folclorista se tornou o paradigma de um
intelectual não acadêmico ligado por uma relação romântica ao seu
objeto, que estudaria a partir de um colecionismo descontrolado e de
uma postura empirista. (VILHENA 1997: 22).
53
Grande parte da crítica feita à abordagem folclorista, na visão de Vilhena (1997), é
resultado do que sugere Renato Ortiz (1992), quando aponta que os estudos de folclore
revelavam mais sobre os pressupostos dos folcloristas do que sobre as realidades sociais
estudadas. Todavia, para Vilhena (1997), sem deixar de considerar essa relevante crítica, é
possível reconhecer uma dimensão de “relativa circularidade entre níveis culturais”, presente
nos estudos brasileiros do folclore (VILHENA, 1997: 29).
Para Vilhena (1997), os folcloristas foram pioneiros na pesquisa sistemática sobre a
cultura popular, e, mesmo estando inseridos em um complexo contexto de disputas com a
consolidação das ciências sociais, conseguiram institucionalizar sua perspectiva e sua prática.
Nesse sentido, a institucionalização da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro marcou o
desenvolvimento de uma política cultural federal, que, com altos e baixos, viabilizava sua
atuação nos processos de documentação, apoio e pesquisa cultural. Segundo Vilhena (1996),
essas ações do chamado “movimento folclórico” foram fundamentais, por exemplo, para os
processos de formação dos acervos da Biblioteca Amadeu Amaral e do Museu do Folclore
Edison Carneiro (MFEC).
De acordo com Vilhena (1997), a constituição do folclore como um campo de estudos
no Brasil, desde o início, esteve associada à preocupação com a definição da identidade
cultural brasileira, identificando-a com a preservação de elementos simbólicos (materiais e
imateriais) de pertencimento a grupos socioculturais componentes da nacionalidade. Nesse
processo de institucionalização do folclore como preocupação nacional, um marco importante
foi justamente a criação, em 1968, do Museu de Folclore Edison Carneiro (MFEC), em
convênio com o Museu Histórico Nacional, a fim de abordar as culturas populares brasileiras.
No caso específico do movimento folclórico, percebemos como,
unidos por preocupações semelhantes, os seus participantes se
aproximaram de recursos institucionais que se mostravam disponíveis
54
e procuraram criar as instituições que consolidariam sua tradição de
estudos e implementariam a política preservacionista que defendiam
(VILHENA, 1996: 126).
Entretanto, Vilhena (1996) chama a atenção para os conflitos nos quais a perspectiva
folclorista estava inserida, mencionando a famosa polêmica na qual Florestan Fernandes
desenvolveu uma visão crítica dessa perspectiva. Vilhena (1996) observa que Florestan
Fernandes, ao considerar que os estudos folclóricos lidariam com temas cujo domínio
pertenceria ao método das ciências sociais, acaba consolidando uma rígida crítica quanto à
legitimidade acadêmica das pesquisas dos folcloristas.
Por outro lado, na perspectiva desenvolvida por Vilhena (1997), as atividades do
“movimento folclórico” adotavam um “engajamento coletivo na defesa das tradições
populares”, que se expressava como uma ação que ia além do compartilhamento de uma
“produção intelectual específica”. Essa ação coletiva de mobilização foi fundamental para o
movimento trilhar um caminho de “conquistas institucionais”. Para Vilhena (1997), os
próprios folcloristas adotavam o conceito de “movimento” para caracterizar as ações que
desenvolviam. Nessa perspectiva, os intelectuais do “movimento folclórico” podem ser vistos
como “atores sociais” que desenvolviam práticas com objetivos comuns. (VILHENA, 1997:
173).
Na abordagem de Vilhena (1997), a propostas de Renato Almeida são uma espécie de
síntese das propostas folcloristas, cujos objetivos eram o desenvolvimento de pesquisas sobre
o material folclórico, as ações de proteção do folclore e as ações educacionais. A pesquisa era
importante para produzir um levantamento dos “fatos folclóricos no Brasil”, a fim de orientar
as ações de preservação, que eram medidas políticas defensivas, que deveriam ser
complementadas pelas ações educacionais, em todos os níveis de ensino. Para Vilhena (1997),
55
a Comissão Nacional de Folclore já organizara um conjunto de ações que seguiam em grande
parte as propostas de Mário de Andrade, e Mário já tinha iniciado um profundo trabalho de
estudo das manifestações populares quando dirigiu o Departamento de Cultura de São Paulo;
entretanto tais ações não haviam atingido suficientemente uma orientação científica. Dessa
forma, o “movimento folclórico” começou a pensar na organização de uma instituição
nacional que trabalhasse tecnicamente com formas de documentação sistemática.
Nesse contexto, como salientou Vilhena (1997), foi porque já observava os problemas
da falta de critérios científicos das pesquisas folclóricas que Renato Almeida propôs a criação
de um Instituto Brasileiro de Folclore, idealizando uma instituição voltada para o “trabalho
cientifico” e “sistemático”. Esse, aliás, também foi um importante ponto de conflito com a
visão de Florestan Fernandes, que pensava o critério de cientificidade a partir da autonomia
universitária, enquanto o “movimento folclórico” pensava a sistematização como um processo
de “coordenação das atividades” pela ação institucional do Estado. (VILHENA, 1997: 176)
Assim como ocorria com os antigos antiquários, colecionar e
classificar tornaram-se as duas principais modalidades de
generalização do material disperso que resulta dessa prática de
pesquisa voltada para a variedade e a especificidade dos objetos que
observa e descreve. Essa atenção particularizante não era um dos
alvos das críticas dos pioneiros do movimento folclórico ao
analisarem a produção do seu tempo (VILHENA, 1997: 178).
Para Vilhena (1997), Amadeu Amaral já analisara criticamente os procedimentos de
coleta, dizendo que seria necessário proceder com critérios objetivos, de forma a produzir
uma documentação que não considerasse somente a dimensão estética do que era coletado. As
diretrizes de coleta de Amadeu Amaral buscavam orientar o processo de registro de
informações e observações. Entretanto, para Vilhena (1997), essas diretrizes não conseguiram
orientar os trabalhos dos folcloristas nas direções propostas. Em muitos casos, falta nos
56
documentos produzidos por eles uma boa apresentação de informações detalhadas e
sistemáticas sobre o material estudado. Nesse sentido, na prática, a documentação produzida
pela CNFL e pela própria CDFB posteriormente não conseguiu incorporar a proposta de uma
abordagem técnica e científica. É importante salientar, entretanto, que, como disse Vilhena
(1997), figuras como Edison Carneiro e Manuel Diégues Júnior escreveram poucos
documentos para a CNFL e a CDFB entre 1948 e 1964.
Vilhena (1997) mostra os fundamentos e as definições da abordagem folclorista que
foram sendo especificados nos congressos organizados pelos intelectuais folcloristas, que
pretendiam orientar projetos de pesquisa sobre todo o Brasil. Vilhena (1997) enfatiza que o
primeiro congresso produziu a Carta do Folclore Brasileiro que estabeleceu alguns padrões
importantes para as atividades do “movimento folclórico” enquanto o segundo congresso
definiu como principal tema de estudo os “autos populares”, que posteriormente seriam
denominados “folguedos populares” (VILHENA, 1997: 184).
Outro ponto importante a ser destacado desse período é o estreitamento das relações
do folclore com a educação. Vilhena (1997) analisa que essas relações foram abordadas na I
Semana Nacional de Folclore, quando Cecília Meireles fez uma apresentação sobre o papel
dos estudos folclóricos no processo educativo das crianças. Segundo Vilhena (1997), Cecília
Meireles chamou a atenção para a relevância dos “museus de artes populares” como
importantes pontos de articulação entre a educação e o folclore, principalmente pela
possibilidade viabilizada de “vivência do folclore”.
Entretanto, segundo Vilhena (1997), transformar o folclore em uma imposição escolar
através da educação seria problemático, em muitos casos, por se afastar da espontaneidade
típica das manifestações folclóricas. Por outro lado, Florestan Fernandes apontou os
problemas do peso do folclore na educação das crianças, na medida em que as afastaria do
57
contato com sua realidade concreta e imediata, que estaria distanciada dos antigos valores
sociais presentes no folclore.
De acordo com Vilhena (1997), a Campanha de Defesa Do Folclore Brasileiro
promoveu a fundação do Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo, em 1961, com
Edison Carneiro na direção, em um momento no qual Renato Almeida, secretário-geral da
CDFB, procurava fortalecer a relação do “movimento folclórico” com a opinião pública e
com as autoridades estatais. Vilhena (1997) observa que, quando o governo autoritário
impossibilitou Edison Carneiro de participar e de atuar na Campanha, as propostas do
“movimento folclórico” ficaram comprometidas.
A simples mobilização dos folcloristas foi deixando de ser um
objetivo prioritário e cresceu o empenho por questões mais amplas
como os debates conceituais em torno do folclore e, principalmente, a
conquista de espaços institucionais para apoiar sua pesquisa e
preservação (VILHENA, 1997: 207).
Nesse período conturbado, Renato Almeida procurou equacionar os conflitos internos
e externos do movimento a fim de definir como objetivo comum a proteção da cultura
popular. Para Vilhena (1997), a saída de Edison Carneiro da CDFB é simbólica e significativa
do encerramento do “movimento folclórico”, mas esse encerramento não define uma
“decadência contínua”, e sim a redução de algumas ações e um foco na busca de uma
consolidação institucional. Pode-se dizer que essa consolidação viria com a criação do Museu
do Folclore Edison Carneiro (MFEC), em 1968, e a anexação da CDFB à FUNARTE, em
1976, como Instituto Nacional do Folclore (INF), que viria a organizar um conjunto de
relevantes atividades de continuidade dessa tradição. (VILHENA, 1997: 244)
O Museu do Folclore Edison Carneiro (MFEC) surgiu a partir das movimentações da
CDFB. Rita Gama Silva (2010), no artigo presente na publicação do Seminário Circuitos da
58
Cultura Popular, observa que as discussões sobre o anonimato das obras expostas ainda não
aconteciam no âmbito do MFEC, na medida em que essa problemática ainda não tinha
alcançado muito espaço de reflexão. Nessa perspectiva, até 1976 o MFEC ainda não
trabalhava sistematicamente com informações sobre as peças expostas.
Segundo Rita Gama Silva (2010), a exposição de 1980 foi organizada em módulos que
remetiam aos capítulos da publicação “Folclore Brasileiro” (“lúdica infantil, medicina
popular, instrumentos musicais, danças e folguedos, literatura de cordel, artesanato e
religiosidade popular”). Silva (2010) enfatiza que na época dessa exposição o INF buscava
aumentar a participação das expressões populares nos contextos de representação da cultura
brasileira. Segundo ela, os textos do catálogo dessa exposição abordam as relações do
“folclore com a nação brasileira,” com a “humanidade de modo geral” e com as “regiões
geográficas”, sendo o folclore encarado como uma manifestação de “diferentes etnias”.
Silva (2010) observa que alguns textos de catálogos de outras exposições do MFEC já
apontavam para uma contextualização maior dos objetos expostos, mas que somente um terço
desses catálogos trabalhavam com a noção de autoria desses objetos, demonstrando como o
anonimato das peças predominou no INF até os anos de 1980.
“Anonimato e autoria eram questões problemáticas nos estudos de folclore, porque
havia uma corrente que defendia a ideia de uma ‘produção coletiva’ do fato folclórico, através
da aceitação do grupo” (SILVA in: CAVALCANTI & GONÇALVES, 2010: 85).
Nessa perspectiva, havia até então dentro do INF e entre os organizadores das
exposições do MFEC duas posturas patrimoniais diferentes: enquanto uma postura não estava
preocupada com a autoria e o contexto dos objetos folclóricos, a outra se preocupava em
identificar esses objetos com informações culturais mais detalhadas, inclusive a autoria. Foi
59
essa postura que anos mais tarde ganharia espaço e força no INF. Silva (2010) menciona que a
pesquisadora Elizabeth Travassos (1997) já definira a existência dessas duas abordagens para
o entendimento da criação popular: uma não considera o autor, pois entende que a produção
artística popular é realizada pela comunidade, a outra salienta o papel da criação individual.
Nesse sentido, a exposição do MFEC de 1980, analisada por Silva, foi mais inspirada na
chamada visão “comunalista”, de modo que não se dedicou muito à descrição e ao estudo da
vida dos autores dos objetos expostos. O objetivo era, segundo Silva (2010), reunir uma
coleção de objetos folclóricos que funcionavam como uma “ideia de nação”.
De acordo com Silva (2010), a identificação do autor só é um pouco maior no módulo
de artesanato dessa exposição de 1980, em cujo catálogo os produtores dos objetos são
definidos como artesãos e como “expoentes da criação plástica brasileira”. Na visão de Silva
(2010), mesmo com a redefinição da CDFB, que passou ser denominada INF e vinculou-se à
Funarte, a perspectiva folclorista continuou presente na gestão de Bráulio do Nascimento, de
modo que o eixo institucional do INF se manteve alinhado à abordagem da CDFB. Entretanto,
os conflitos internos e externos abriam possibilidades para uma transformação institucional.
As práticas institucionais do INF (e do MFEC) estavam ainda muito
ligadas àquelas da CDFB que vigorava até o ano de 1978, ano da
alteração da nomenclatura e da ordem institucional. De um lado há a
Campanha, no início, e do outro o CNFCP, nos dias de hoje, e as
etapas pelas quais esse museu passou não são estanques e definidas de
maneira clara como os diversos nomes e filiações institucionais. São
processos de natureza fluida cujos limites e fronteiras atravessam
distintos períodos da vida institucional (SILVA in: CAVALCANTI &
GONÇALVES, 2010: 85).
Com a chegada de Lélia Frota ao INF inicia-se um período de modificações
institucionais que, entre várias ações, promove a exposição de 1984 já sob uma nova
perspectiva de ação institucional. Para Silva (2010), essas mudanças estão associadas à
60
incorporação da abordagem antropológica às pesquisas da instituição e também às mudanças
já analisadas na política cultural e patrimonial, que começaram a partir os anos de 1970 com
as propostas de Aloísio Magalhães, que incluíram as expressões da cultura popular nas
políticas de patrimônio cultural. Essas novas ações institucionais também estavam inseridas
em um processo de democratização do país, e é nesse contexto que Aloísio convida Lélia
Frota para dirigir o INF.
É nessa conjuntura de modificação nos paradigmas institucionais que se estabelece o
processo de renovação da exposição e do acervo do MFEC. Para Silva (2010), esse processo
de renovação levou ao encerramento de alguns projetos e à criação de novas propostas como a
SAP. Silva (2010) observa que, segundo Ricardo Lima, a criação da SAP se estruturou como
uma “resposta à comercialização de produtos artesanais ‘anônimos’ que acontecia nas lojas da
FUNARTE – à qual o INF estava ligado”. Lélia fez a sugestão da SAP como uma resposta à
pressão feita pelos consumidores quando viram que a venda nas lojas da FUNARTE havia
sido encerrada.
Na medida em que a SAP começava a funcionar, a partir de 1983, a
exposição permanente era projetada, e aquela servia como laboratório
de novos recursos museográficos para esta, como as fotografias que
revelavam o homem produtor existente na história de cada objeto.
Após o declínio do movimento folclórico, identificado por Vilhena
(1997) com a saída de Edison Carneiro em 1964, surge um novo
movimento na instituição, explicitado na exposição de 1980, onde
duas praticas patrimoniais, ancoradas em paradigmas conceituais
distintos – o folclórico e o cultural – se encontram (SILVA in:
CAVALCANTI & GONÇALVES, 2010: 85).
É nesse contexto que a SAP é criada, como um projeto que estabelece um profundo
diálogo com esse momento de transformações que procurava aproximar o INF do método das
ciências sociais e da perspectiva antropológica. Silva (2010) observa que o termo folclore
praticamente desaparece nos textos da exposição de 1984, mas depois essa aversão seria um
61
pouco diluída. Entretanto, as modificações foram substanciais e os folcloristas foram
perdendo o espaço institucional que havia sido conquistado pelo “movimento folclórico”.
Dessa forma, o INF inseriu-se em alguns atritos que levaram ao distanciamento das
“comissões estaduais de folclore”.
Lélia... reedita...alguns livros... ela vai buscar uma série de
articulações de grupos fortes e que significavam também uma outra
perspectiva para...o folclore. Foi pra vertente Mário de Andrade, foi
para a ênfase no Câmara Cascudo e toda a tradição da antropologia via
Museu Nacional pra justamente poder dar essa guinada. Que a pressão
era grande, evidente. Os folcloristas estavam tentando articular,
retomar a instituição que segundo eles era a única coisa que restara...
(LIMA Apud SILVA in: CAVALCANTI & GONÇALVES, 2010:
85).
Para Silva (2010), a atual diretora do CNFCP, Claudia Marcia Ferreira, teve um papel
fundamental na reestruturação da exposição de 1984, pois ela já era uma funcionária antiga da
instituição, o que lhe permitia uma interlocução fundamental com as abordagens anteriores. A
nova proposta procurava abordar os objetos sem o uso das vitrines, além de desenvolver os
conceitos que poderiam aproximar o visitante do objeto exposto. Assim, segundo Silva
(2010), a exposição de 1984 foi estruturada em quatro módulos: Ritos de passagem, O mundo
ritualizado das festas, O homem na transformação da natureza e na produção da cultura e
Indivíduo e coletividade. Nessa exposição, o foco folclorista foi substituído pelos saberes,
técnicas e vivências, aproximando o INF da perspectiva antropológica acadêmica.
Ainda segundo Silva (2010), o texto do módulo Indivíduo e coletividade enfatiza a
produção de 13 artistas populares brasileiros que possuem uma expressão criativa própria que
foi desenvolvida a partir de técnicas tradicionais existentes nas suas comunidades. A
relevância da autoria vai ganhando força e esses 13 artistas são contemplados com pequenas
biografias no final do texto desse módulo. Dessa forma, para Silva (2010), esse módulo é um
62
marco da mudança conceitual que possibilitou essa exposição de 1984, na direção de valorizar
a “criação individual” e a “autoria”, além de detalhar o “contexto sociocultural” de produção
dos objetos.
Na perspectiva de Silva (2010) e de Ricardo Lima,8 esse contexto de mudança
institucional promoveu o encerramento do projeto Atlas Folclórico Brasileiro e a criação do
Pequeno Atlas de Cultura Popular, que abordava o contexto sociocultural de pequenas áreas
como os municípios, a fim de desenvolver uma pesquisa antropológica. A única publicação
desse projeto foi o Pequeno Atlas de Cultura Popular do Ceará – Juazeiro do Norte, em
1985, pela Funarte. Além disso, foi encerrada a publicação Folclore Brasileiro, que havia
publicado 14 volumes entre 1977 e 1982, dedicando-se ao folclore de cada estado brasileiro.
Segundo Silva (2010), com Lélia Frota o interesse institucional passa de uma noção de
“povo” como representante na “nação” para a definição de homem no sentido amplo e
antropológico. Assim o foco do INF passou das classificações dos folcloristas para a atenção
ao artesão que é estudado.
De acordo com Frota (2005), no Brasil, os modernistas continuaram com mais
profundidade e crítica um caminho que tinha sido aberto pelos românticos, que buscavam
valorizar as expressões brasileiras locais. Os trabalhos de folclore seriam pioneiros nessa
ênfase através da literatura. Na perspectiva de Frota (2005), o grande marco teórico está em
Mário de Andrade, que, tanto com sua obra teórica como com as atividades organizadas,
inaugurou definitivamente um processo de conhecimento das características brasileiras, sejam
8 Depoimento de Ricardo Lima realizado no dia 23/11/2016
63
elas populares ou eruditas. Nesse sentido, é importante observar que a criação da SAP se
insere nesse longo percurso descrito por Lélia Frota (2005).
A recuperação dos trabalhos da Sociedade de Etnografia e Folclore e a influência de
Dina Dreyfus Lévi-Strauss
Segundo Marina de Mello e Souza9, uma das referências teóricas para os intelectuais
da SAP foi o livro Instruções Práticas para Pesquisas de Antropologia Física e Cultural
escrito por Dina Dreyfus Lévi-Strauss em 1936. Dina foi uma antropóloga, casada com
Claude Lévi-Strauss, que exerceu durante os anos 1930 atividades no Departamento de
Cultura de São Paulo, com Mário de Andrade. Além disso, Dina ministrava o Curso de
Etnografia criado por Mário.
Na visão de Passetti (2008), Dina enfatizava as dimensões científicas do método
etnográfico e o próprio Mário de Andrade (1936) considerava o Curso de Etnografia
ministrado por Dina como uma iniciativa cujo objetivo era apresentar as reflexões sobre o
caráter científico da etnografia.
Não foi ao acaso que escolhemos a Etnografia, ela se impôs. Quem
quer que, mesmo diletantemente como eu, se dedique a estudos
etnográficos e procure na bibliografia brasileira o conhecimento da
formação cultural do nosso povo, muitas vezes desanima pensativo,
diante da facilidade, da leviandade detestável, da ausência muitas
vezes total de orientação científica, que domina a pseudoetnografia
brasileira... E é justamente nisto que temos de melhorar a nossa
produção imediatamente, enquanto o progresso e o
internacionalismo não destroem os nossos costumes e as bases
culturais de nossa gente... Colher, colher cientificamente nossos
costumes, nossas tradições populares, nossos caracteres raciais, esta
9 Depoimento de Marina de Mello e Souza realizado no dia 06/11/2015.
64
deve ser a palavra de ordem de nossos estudos etnográficos
(ANDRADE, 1936 Apud PASSETTI, 2008: 83).
Passetti (2008) observa que o curso foi estruturado em duas áreas: a Antropologia
Física e a Antropologia Cultural. Na área de Antropologia Cultural é interessante notar que
existia uma linha sobre a cultura material, que entre outras orientações propunha o “estudo do
objeto: classificação prática; etiquetagem e documentação”. Segundo Passetti (2008), nessa
abordagem da cultura material existia uma metodologia específica para selecionar o objeto, a
fim de formar coleções que fossem documentadas com fichas descritivas. (PASSETI, 2008:
83)
Segundo Passetti (2008), no Curso de Etnografia, Dina propunha que o método de
análise dos objetos deveria se orientar pelas seguintes questões: Qual é o material do objeto?
Para que serve? Quem faz? Qual a decoração? Qual a cor? Dessa forma seria possível analisar
e descrever os objetos coletados. Porém, segundo Passetti (2008), para Dina somente a
descrição dos objetos não é suficiente para que se compreenda a complexidade de uma
cultura; é preciso ainda registrar etnograficamente toda a dinâmica das relações sociais.
Mário de Andrade convidou Dina Lévi-Strauss em 1935 para ministrar o Curso de
Etnografia, que começou em 1936, com a intenção de capacitar jovens pesquisadores para a
coleta do material folclórico nacional. Em suas aulas, ela apontou para a importância de se
realizar no Brasil um estudo sobre a cultura; além disso, orientou seus alunos sobre as formas
de registro e catalogação da cultura. Seus ensinamentos foram referenciais teóricos
fundamentais para as pesquisas da Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938.
Um dos focos do Curso de Etnografia foi um debate sobre a importância da coleta
científica do chamado material cultural, visando à formação de arquivos etnográficos. Nessa
65
direção, o Curso de Etnografia buscou formar um repertório de procedimentos de pesquisa de
campo que permitissem a construção de um arquivo etnográfico nacional. É nesse sentido,
que, de acordo com Valentini (2013), a abordagem de Dina consistiu em um dos fundamentos
do processo de institucionalização da antropologia como prática científica no Brasil.
Na introdução do livro Instruções Práticas para Pesquisas de Antropologia Física e
Cultural, de 1936, Dina Dreyfus Lévi-Strauss apresentou sua definição sobre a etnografia
prática, que seria um método de trabalho imediatamente aplicável no local. Nessa
apresentação, ela chamou a atenção para o fato de que as distinções entre a etnografia e a
etnologia ainda não estavam claras. Mas, para Dina, a etnologia era teórica, sistemática,
explicativa e generalizadora; nesse sentido, ela atribuiu uma dimensão de síntese ao trabalho
etnológico, à semelhança do que também afirmava Claude Lévi-Strauss. Por outro lado, a
etnografia seria um estudo mais descritivo e monográfico. Ela apresentou como modelo de
etnografia a monografia de Seligman (1930) sobre as chamadas “Raças da África”.
Dina apontou que o Brasil precisava de um “trabalho perseverante de estudos
etnográficos”, tanto nas cidades como nas regiões afastadas, e defendeu que as pesquisas
etnográficas brasileiras poderiam abordar, por exemplo, a cerâmica e a tecelagem.
Para Dina, a etnografia era o método geral de estudo do “outro”, aqui entendido como
todo comportamento diferente do comportamento do observador. Nesse sentido, a etnografia
foi bem definida pelas relações de alteridade, funcionando como um método de penetração
nesses outros comportamentos, buscando a compreensão do “ponto de vista psicológico”
diferente. Para Dina, esse fora o papel mais relevante da etnografia, e o método etnográfico
fora, sobretudo, um esforço de “solução concreta” do clássico problema do conhecimento do
“outro”, oferecendo-se como alternativa a abordagens puramente psicológicas que
apresentavam teorias sem trazer os dados concretos. O método etnográfico foi importante
66
exatamente por trabalhar com esses dados, evitando especulações e focalizando o estudo de
todas as manifestações humanas na medida em que essas permitiam observações concretas.
Segundo a perspectiva de Dina Lévi-Strauss (1936), com esse método foi possível evitar a
“noção metafísica do outro” através da descrição etnográfica de gestos particulares, crenças
ou técnicas.
Nesse contexto, o livro Instruções Práticas para Pesquisas de Antropologia Física e
Cultural (1936) consistiu em uma apresentação dos métodos práticos de coleta e conservação
de objetos culturais e de produção de documentos de acordo com os padrões científicos.
Desse modo, a produção científica de uma vasta documentação cultural foi vista como um dos
objetivos fundamentos da etnografia como prática que buscava reconstituir o que Dina
chamou de a “fisionomia do homem” a partir do acúmulo de observações descritivas. Na
visão de Dina, o trabalho de observação deveria ser complementado com os instrumentos de
fotografia e cinematografia.
A fotografia mais interessante é a menos preparada; deve-se sempre
preferir fotografar um indígena trabalhando no próprio local do seu
trabalho, ainda que seja dentro de uma cabana escura, a fazê-lo sair ao
ar livre e modificar assim sua atitude e seu ambiente habituais. (LÉVI-
STRAUSS, 1936: 22).
Nesse sentido, Dina Lévi-Strauss (1936) apontou para a importância da
espontaneidade da produção do documento. A documentação do espontâneo foi associada ao
ofício do etnógrafo, de modo que o pesquisador deveria produzir os registros documentais
seguindo os métodos da observação etnográfica dos fenômenos humanos espontâneos.
Portanto, a etnografia foi abordada como o método de observação e registro dos
comportamentos cotidianos.
67
Para Dina Lévi-Strauss (1936), uma expressão passageira poderia ser reveladora de
um espírito comum, assim como um objeto específico poderia caracterizar toda uma cultura.
Desse modo, a observação dos detalhes se consolidou como um dos pontos importantes de
uma etnografia, de modo que o registro das práticas e técnicas de trabalho foram os
documentos fundamentais para a descrição etnográfica. Essa forma de coleta do espontâneo
com uma metodologia precisa viria a influenciar os primeiros trabalhos da SAP, graças à
recuperação dessa tradição por Lélia Frota, como veremos a seguir.
Na perspectiva de Valentin (2003), os procedimentos propostos por Dina Lévi-Strauss
(1936) estavam articulados às tentativas feitas pelo Departamento de Cultura de São Paulo
para instituir um padrão de investigação social nos moldes científicos internacionais. As
alianças com o Musée de l’Homme e o Mussé de Arts et dês Traditions Populaires
estabeleceram conexões fundamentais para que esse padrão fosse alcançado. Além disso, a
Sociedade de Etnografia e Folclore também funcionou como um importante centro intelectual
para a legitimação da Antropologia Social no Brasil.
Valentini (2013) observa que o primeiro estudo de recuperação da experiência da
Sociedade de Etnografia e Folclore foi o livro Mário de Andrade e a Sociedade de Etnografia
e Folclore, publicado por Lélia Frota em 1983. Isso demonstra como as buscas de Lélia no
momento de fundação da SAP eram totalmente pioneiras. O livro de Lélia (1983) recuperou
as práticas de interação entre etnografia, arte e política que permearam a experiência do
Departamento de Cultura.
Como observa Cavalcanti (2012), o interesse pela história da Antropologia e das
Ciências Sociais no Brasil vem apresentando um crescimento marcante nas últimas décadas e
nesse sentido um conjunto de autores e de temas originários têm estimulado a reflexão sobre
68
os movimentos de ideias que consolidaram debates importantes na história do pensamento
antropológico brasileiro.
É dessa forma que o passado da disciplina antropológica se apresenta como uma arena
de debates que contribuiu para a definição das pesquisas contemporâneas. Nesse contexto, o
reconhecimento da participação dos estudos de folclore na formação da antropologia
brasileira é de importância fundamental para a compreensão da formulação dos principais
temas dos estudos brasileiros.
Nessa visão, é possível pensar que folcloristas como Silvio Romero, Amadeu Amaral
e Edison Carneiro já esboçavam um interesse etnográfico pelo chamado folclore brasileiro,
interesse que seria aprofundado por Mário de Andrade com as contribuições fundamentais de
Dina Dreyfus Lévi-Strauss. Cavalcanti (2012) afirma que observar como os folcloristas, os
modernistas e os cientistas sociais procuravam compreender a cultura brasileira revela a
complexidade e a heterogeneidade formadora das ciências sociais no Brasil.
Portanto, a forma como a perspectiva de Lélia Frota recuperou a herança da Sociedade
de Etnografia e Folclore (SEF) é importante para posicionar como as ideias de Lélia Frota se
inserem na história do pensamento antropológico brasileiro. Cavalcanti (2012) observa que a
perspectiva teórica tende a diluir o folclore na metodologia antropológica contemporânea ou
questionar o valor científico dos estudos de folclore. Entretanto, é importante posicionar esses
estudos de folclore e suas ramificações como um percurso de desenvolvimento do
pensamento social brasileiro.
Para Cavalcanti (2012), no começo do século XX, os estudos de folclore participaram
de um processo de estruturação com as ciências sociais em uma arena intelectual marcada
pelas noções de nação, identidade nacional, brasilidade e cultura brasileira. Nesse contexto, o
69
“movimento folclórico” foi importante para a constituição de museus, institutos, comissões e
órgãos públicos; mas não conseguiu se inserir como disciplina acadêmica, em um momento
em que as fronteiras entre folclore e Ciências Sociais ainda se entrecruzavam e estavam em
fase de demarcação. Nessa perspectiva, a trajetória das Ciências Sociais no Brasil foi marcada
pela relação entre conhecimento e ação, relação que estimulou esforços intelectuais para
propor projetos de atuação na área da cultura popular, como base para a ação política.
Rubino (1995) observa que tanto a Sociedade de Etnografia e Folclore como a
Sociedade de Sociologia desempenharam uma importante função social ao possibilitarem a
articulação das universidades com a gestão pública nos anos 1930. Essa articulação também
começou a abrir caminho para as aproximações entre a etnografia e o folclore o que, de
acordo com Cavalcanti (2012), permite a visualização dos percursos da teoria antropológica
no Brasil. As tendências teóricas dos anos 1930 apontavam para a documentação cultural
como a forma central de produção do conhecimento antropológico. Dessa forma, Dina Lévi-
Strauss formou uma considerável coleção nesse período. Entretanto, como observa Valentini
(2013), Dina também trabalhou com os fichários antropológicos como forma de organizar as
pesquisas e possibilitar a articulação de uma rede de colaboração científica com pesquisadores
que se espalhavam pelo estado de São Paulo. Nesse momento, a prática antropológica se
afirmava através da profissionalização da pesquisa de campo, como um dos fundamentos da
institucionalização das Ciências Sociais no Brasil.
De acordo com Valentini (2013), com o encerramento do Curso de Etnografia, é
criado, em 1937, o Clube de Etnografia, depois chamado de Sociedade de Etnografia e
Folclore (SEF). A SEF foi idealizada e dirigida por Mário de Andrade, com o apoio do casal
Lévi-Strauss e de Artur Ramos. As formas de trabalho de Dina foram fundamentais para
organizar os esforços de formação de arquivos e coleções da SEF, que teve curto período de
70
existência, entre 1937 e 1939, mas que, entretanto, realizou ações significativas para a maior
visibilidade dos estudos folclóricos.
Nessa perspectiva, a SEF foi criada pela necessidade de aprimoramento técnico dos
pesquisadores e dos museus brasileiros, além de buscar promover e divulgar estudos
etnográficos, antropológicos e folclóricos. A SEF foi formada por um eclético grupo de
professores e alunos do recém-criado curso de Ciências Sociais da USP, profissionais liberais
e funcionários ligados ao Departamento de Cultura de São Paulo, que tinha como pressuposto
a pesquisa social como fundamentação para a ação governamental.
Como observa Valentini (2013), entre as ações promovidas pela SEF para a
institucionalização do folclore nacional destacam-se a apresentação do trabalho Mapas
Folclóricos no Congresso Internacional de Paris em 1937, as publicações periódicas da Seção
Arquivo Etnográfico da Revista do Arquivo Municipal, e o lançamento de um boletim de
periodicidade mensal até sua extinção em 1939, quando Mário de Andrade deixou a direção
da Sociedade. Valentini (2013) enfatiza que o instrumento central foi o que Lévi-Strauss
denominou em 1935 de “fichário antropológico”. Esse instrumento de trabalho orientou a
formação das coleções, a pesquisa de campo e a pesquisa documental.
Dentro desse contexto, Dina Lévi-Strauss (1936) chamou a atenção para a
incorporação da etnografia como método geral de investigação, visando à formação de um
“arquivo etnográfico” através de pesquisas detalhadas e precisas, com forte influência da
abordagem proposta por Malinowski. Mas para Valentini (2013), o Musée Du Trocadéro, o
Institute d’Ethnologie e a École Française de l’Extrème Orient foram as maiores inspirações
para a organização do Curso de Etnografia. Dina defendeu que a vida dos objetos recolhidos
deveria ser preservada, através do estudo do seu processo de fabricação e de sua utilização
local.
71
Como observa Valentini (2013), a Sociedade de Etnografia e Folclore foi uma espécie
de laboratório antropológico, no sentido de que constituiu um grupo que buscava estabelecer
instituições destinadas a implantar as práticas científicas das Ciências Sociais e sua aplicação
no que hoje é classificado como política pública. Nesse contexto, Dina Dreyfus Lévi-Strauss
desenvolveu um trabalho de grande relevância para o desenvolvimento da antropologia no
Brasil. E o Departamento de Cultura foi um espaço pioneiro de investimento público em
pesquisa social que também desenvolvia levantamentos sobre as condições de vida da
população visando à intervenção pública. Esse processo estimulou a elaboração de mapas
etnográficos e folclóricos produzidos por uma rede de pesquisadores.
Os trabalhos da Sociedade de Etnografia e Folclore e especificamente o material
teórico produzido pelo Curso de Etnografia influenciaram a primeira fase de trabalhos do
INF, graças aos textos escritos por Lélia Frota que resgatavam as memórias e práticas
estimuladas por Dina Lévi-Strauss. Quando Lélia entrou no INF, a prática de documentação
dos antigos folcloristas se aproximava de uma espécie de etnografia diletante que, para ela,
deveria ser transformada pela teoria antropológica contemporânea. Segundo Frota (1983),
Mário de Andrade abriu caminho para o entendimento do folclore como um processo de
reconhecimento. Nesse sentido, a experiência da Sociedade de Etnografia e Folclore se
constituiu como uma iniciativa fundamental para os estudos sobre as relações entre política e
etnografia no Brasil.
Na perspectiva de Lélia Frota (1983), Mário de Andrade percebeu a necessidade de
aproximar o folclore da universidade, na direção de formar quadros de funcionários para o
Departamento de Cultura, de modo que este estivesse preparado para uma interpretação
científica dos fenômenos sociais. Lélia Frota (1983) estava preocupada em construir os novos
fundamentos teóricos para as atividades do INF, de modo a articular os trabalhos de Mário de
72
Andrade com as propostas de Aloísio Magalhães. Nesse contexto, o curso ministrado por
Dina Lévi-Strauss foi uma das contribuições mais importantes para inserir essa direção
científica nos estudos folclóricos. O próprio programa da Sociedade de Etnografia e Folclore
também consistira em uma importante articulação entre a pesquisa de campo, a produção do
conhecimento antropológico e a formulação de uma política cultural a partir desse
conhecimento científico.
Os debates sobre os mercados de arte popular no Brasil
Edwin Wade, no livro editado por George Stocking Jr. (1985) Objects and Other:
Essays on Museums and Material Culture, observa que a ampliação do chamado “mercado de
arte étnica” durante o século XX está profundamente relacionado a uma “dinâmica interativa
de mudança cultural”, na qual as “populações nativas” reivindicam “legitimidade cultural” no
mundo industrializado, através do relacionamento entre cultura e economia. Nessa
perspectiva, a transformação dos artefatos culturais em arte estabelece uma complexa relação
entre os “mercados de arte”, as “coleções de arte” e o “conhecimento sobre arte”. Nesse
contexto, quando a posição dos “artistas nativos” é considerada, uma dimensão fundamental
entra em cena, na medida em que a preservação da cultura tradicional passa a ter que lidar
com a dinâmica da comunidade e a “criatividade individual”. (WADE in STOCKING Jr.,
1985: 167-168)
Nesse mesmo livro editado por Stocking Jr. (1985), o artigo de James Clifford enfatiza
que, a partir do início do século xx, os processos de coleta de objetos “não ocidentais” se
baseavam nas categorias científicas de “artefatos culturais” e nas definições estéticas de
“objetos de arte”. Entretanto, para Clifford a distinção entre os objetos etnográficos e os
objetos de arte ainda não estava esclarecida, pois essas definições e classificações muitas
73
vezes se “moviam de um contexto ao outro”. Mas, de forma geral, os museus de arte
desenvolveram classificações diferentes dos museus de etnografia. Os primeiros procuravam a
beleza formal enquanto os segundos evidenciavam as dimensões culturais dos objetos.
Segundo Clifford, com a “revolução modernista” foi instaurado um profundo diálogo com os
“objetos etnográficos” que possibilitou a consolidação da categoria de “arte primitiva”, assim
como a ampliação do seu mercado. Nesse processo, o Musée d’ethnographie du Trocadéro
desempenhou um importante papel.(CLIFFORD in: STOCKING Jr., 1985: 242-243)
Goldstein (2012), em sua tese sobre os processos de valorização e institucionalização
da arte australiana, observa que Franz Boas foi um dos pioneiros a dedicar um livro inteiro à
questão da arte, no seu Primitive Art (1928). Entretanto, de acordo com Goldstein (2012),
entre os anos de 1920 a 1970 as investigações sobre os objetos não foram predominantes nos
estudos antropológicos, devido ao crescente foco nas pesquisas de campo como forma de
evitar a dependência das pesquisas antropológicas das coleções dos museus. Além disso,
segundo ela, o objetivo era também evitar as possíveis relações entre o evolucionismo e o
colecionismo. Na perspectiva de Goldstein (2012), até os anos de 1960, muitas correntes da
antropologia eram críticas das exposições e dos processos de venda da chamada arte
primitiva.
Para Goldstein (2012), grande parte dessa perspectiva crítica estava associada a uma
recusa aos processos coloniais que possibilitaram a formação dos acervos europeus e
americanos de objetos de “arte primitiva”. Todavia, entre os anos de 1950 e 1960, a grande
ênfase no simbolismo, relacionada ao estruturalismo e às propostas semióticas de foco no
significado, permitiram uma abertura para os estudos antropológicos sobre a cultura material e
as produções e manifestações artísticas. Após um período de crescente produção
antropológica, nos anos 1970, os trabalhos antropológicos sobre arte ganham um espaço
74
fundamental nos anos de 1980 e 1990, quando as expressões artísticas passam a ser estudadas
como pontes para o entendimento de determinadas dinâmicas da vida social.
De acordo com Goldstein (2012), Claude Lévi-Strauss (1989) desenvolveu uma
perspectiva na qual a arte nas sociedades tradicionais é vista como uma linguagem. Clifford
Geertz também abordou questões de arte em alguns de seus trabalhos, que serão analisados no
próximo capítulo. Para Goldstein (2012), a ênfase, de certa forma tardia, da antropologia na
arte criou alguns problemas metodológicos, entre os quais a falta de um referencial teórico
consolidado, de forma que muitas definições ainda não atingiram um consenso.
Canclini (1982) observa que uma das perspectivas mais adequadas para se observar e
se abordar a cultura popular consiste na compreensão da cultura como reprodução e
transformação social. Nessa visão, a cultura popular é vista como um conjunto de elaborações
associadas a condições de vida específicas, que muitas vezes estão inseridas em relações de
conflito com a sociedade como um todo. Na visão de Canclini (1982), a cultura popular pode
ser abordada como uma forma de reivindicação social.
Na perspectiva desenvolvida por Canclini (1982), um dos problemas centrais dos
deslocamentos da arte popular para os mercados consiste não somente na “condição
deslocada”, mas principalmente na perda de contexto que pode acontecer quando as relações
locais dos objetos deslocados não são consideradas (CANCLINI, 1982: 92). Nessa visão, os
objetos da arte popular precisam ser vistos como objetos cotidianos que estão profundamente
relacionados à identidade cultural local e à própria vida das comunidades nas quais eles são
produzidos, de forma que as dimensões econômicas não estão separadas das dimensões
simbólicas.
75
Segundo Lima (2010a), a questão da arte popular e do artesanato no Brasil é
profundamente complexa dada a diversidade dos objetos e das técnicas, dos materiais, dos
locais de produção e das características culturais de seus produtores. Lima (2010a) observa
que essa característica é um dos aspectos mais relevantes que precisam ser analisados nos
processos de formulação de intervenções políticas nessa área. Nesse sentido, do ponto de vista
institucional, é necessário saber entender as diferenças para poder saber como apoiar os
produtores de arte popular. Portanto, nessa perspectiva, o ponto central é entender as
diferenças culturais dos contextos sociais da produção artesanal.
Assim como a produção artesanal é múltipla, o que denominamos
mercado compõe-se de imensa variedade de situações tanto regionais
quanto culturais, de classes sociais, estilos de vida e visões de mundo.
E de estéticas também (LIMA 2010a: 28).
Para Lima (2010a), não existe uma forma única de mercado de arte popular, já que os
padrões de consumo são influenciados pelas dinâmicas da indústria cultural e pelo tipo de
desenvolvimento econômico que está em curso em determinada época e em determinada
sociedade. Lima (2010a) defende que é importante questionar alguns direcionamentos
estéticos que são dados a determinada produção cultural com o objetivo de abastecer
determinado nicho de mercado específico, pois essa prática acaba limitando as possibilidades
de venda que poderiam ser estabelecidas pela estética do próprio artista em uma
multiplicidade de mercados possíveis.
Fico pensando se o papel de pesquisadores, estudiosos, técnicos
envolvidos com o universo do artesanato tradicional não é
providenciar – no sentido de buscar solução – outras questões que são
básicas e centrais, e deixar a estética da produção livre, aberta e de
competência dos próprios artesãos (LIMA, 2010a: 30).
76
Nessa perspectiva, as ações institucionais deveriam apenas estimular os artistas
populares para o desenvolvimento da criatividade no próprio processo de produção artesanal.
Na visão de Lima (2010a), a abordagem estética não pode ser um parâmetro para entender a
produção artesanal brasileira, pois, para ele, a estética está associada ao gosto, que é uma
variável subjetiva. Segundo Lima (2010a), os estudos sociológicos sobre o gosto revelam
alguns padrões que podem orientar os processos de escolhas, entretanto, quando esse processo
é singularizado através dos parâmetros das preferências pessoais, ele se torna sem
objetividade e evidencia dinâmicas subjetivas. É nesse sentido que os critérios subjetivos não
podem orientar as ações públicas que intervêm nos contextos das comunidades locais. Um dos
aspectos centrais dessas observações está relacionado ao complexo problema da identidade da
produção cultural popular.
De acordo com Lima (2010a), a própria possibilidade de abertura de mercados para os
objetos populares está relacionada ao “valor cultural agregado ao produto”, que está
profundamente relacionado à “identidade cultural”. Para Lima (2010a), a identidade cultural
permite o conhecimento da procedência do objeto e a sua relação de “pertencimento a um
grupo, a um território de cultura”. Nessa visão, o valor de mercado estaria relacionado aos
valores e aos significados atribuídos aos objetos pelos próprios produtores (LIMA, 2010a:
31).
Ricardo Lima (2010a) enfatiza que a sua concepção de identidade está associada às
definições que Carlos Rodrigues Brandão (1982) apresenta no seu livro O que é folclore.
Segundo Lima (2010a), na visão de Brandão (1982), o próprio folclore é uma forma
comunicativa e coletiva que remete a símbolos locais. Portanto, nessa abordagem, o
entendimento e as ações institucionais sobre os objetos artesanais não se podem ater somente
77
à questão técnica, mas precisam reconhecer e levar em conta o valor cultural e a identidade
social que estão articulados a tais objetos.
Deve-se ter muita sensibilidade para saber onde mexer sem que se
faça perder o valor cultural agregado que os objetos artesanais
consagrados tradicionalmente têm, porque, se há essa perda, eles se
transformam em mera mercadoria, iguais a qualquer produto da
indústria, com a desvantagem de não serem tão bons quanto o objeto
industrial (de acordo com os princípios que definiram a boa qualidade
de um objeto industrial), e também já não serão tão bons quanto o
objeto artesanal original, impregnado da marca de uma cultura...
(LIMA, 2010a: 32).
Para Lima (2010a), a dinâmica formal da produção artesanal tradicional precisa seguir
seu próprio ritmo, porém a questão funcional trás outro conjunto de problemas, pois os
objetos precisam funcionar. Por exemplo, um vaso de cerâmica não pode deixar a água vazar
e uma colcha de algodão não pode expelir muitos fiapos de algodão. Portanto, do ponto de
vista de Lima (2010a), as ações de intervenção devem incidir somente nesses pontos
funcionais, a fim de entender os motivos que levaram aos problemas de reprodução de
determinadas técnicas e saberes artesanais que funcionavam no cotidiano das comunidades
locais. As formas de intervenção podem procurar soluções para tais problemas, identificando
se eles decorrem da matéria-prima ou da técnica utilizada, a fim de contribuir com a qualidade
funcional dos objetos.
Lima (2010a) menciona o exemplo do projeto Gameleiros do Bom sucesso, realizado
entre 2002 e 2005 no âmbito do Programa de Apoio às Comunidades Artesanais (PACA) em
associação com o projeto Artesanato Solidário. No processo de produção de colheres, pilões e
gamelas na comunidade de Bom Sucesso, em Pedras de Maria da Cruz, Minas Gerais, a forma
desenvolvida já era aceita pela comunidade local, mas também existia uma abertura para a
mudança. Lima (2010a), que atuou no apoio aos artesãos locais, pôde observar que as formas
78
dos objetos vinham sendo aperfeiçoadas com o uso desde o período colonial, havendo assim
uma boa funcionalidade. Lima (2010a) salienta, contudo, que, se em alguns casos existem
problemas, é preciso analisá-los. Alguns problemas funcionais estão associados a problemas
nas relações sociais de produção, por exemplo, e, se for esse o caso, é nesse ponto que as
ações devem incidir.
Na perspectiva da análise do mercado, o que nos cabe fazer? Em vez
de iniciar uma cruzada incessante, inglória e injusta visando ao
ajustamento do produto artesanal a uma suposta expectativa dos
consumidores, cabe-nos informar o mercado sobre o valor e a
importância de objetos como esses. Isso é informação, é formação de
público, é educação patrimonial (LIMA, 2010a: 35).
Nessa visão, as ações institucionais devem produzir um público para os objetos
artesanais. É nesse sentido que LIMA (2010a) chama a atenção para a importância das
etiquetas que trazem informações sobre o objeto, assim como catálogos, fotografias,
documentários e materiais de divulgação que registram e produzem documentos sobre a
procedência, a identidade e o valor desses objetos específicos. Um dos pontos centrais
salientados pela abordagem de Lima (2010a) é a grande importância do contexto de produção
do objeto, ou seja, o contexto cultural do produtor, na medida em que os objetos populares
não podem ser abordados como objetos anônimos. Portanto, é fundamental nomear o produtor
e o local de produção.
Segundo Lima (2010a), a SAP é um exemplo de um projeto institucional do CNFCP
que vem trabalhando desde 1983 com as definições e as orientações do comércio justo. Nesse
longo trabalho, a SAP procura divulgar a arte popular brasileira e ampliar os mercados para os
objetos artesanais populares. Lima (2010a) enfatiza a relevância de a SAP trabalhar com uma
abordagem na qual as exposições são baseadas em pesquisas etnográficas e registros
fotográficos. Esses procedimentos permitem a produção de consistentes catálogos que trazem
79
detalhes sobre a autoria e o contexto cultural de produção dos objetos. Cada exposição tem
duração de 30 a 40 dias e, segundo Lima (2010a), configuram um espaço para que os artistas
populares vendam os seus trabalhos, estabeleçam contato com o público, tentem ampliar seus
contatos, seus mercados e estabeleçam uma forma de comercialização permanente no local da
SAP.
Lima (2010a) menciona programas que serão abordados no capítulo 3 desta tese,
lembrando que, na década de 1990, o CNFCP definiu o Programa de Apoio às Comunidades
Artesanais (PACA) como um programa que visava complementar a SAP. Em 1998, a
articulação com o Conselho da Comunidade Solidária viabilizou a atuação em comunidades
tradicionais produtoras de artesanato. Segundo Ricardo Lima (2010a), a atuação do Conselho
da Comunidade Solidária, presidido pela antropóloga e então primeira-dama do Brasil, Ruth
Cardoso, em diálogo com as ações políticas para o desenvolvimento da produção artesanal
implementadas pelo CNFCP, possibilitaram a formulação do Projeto Artesanato Solidário,
que posteriormente se reestruturou em uma Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público, denominada ArteSol.
Nesse contexto, para Lima (2010a), a parceria entre o PACA e o Conselho da
Comunidade Solidária permitiu a atuação do CNFCP diretamente na produção artesanal,
através da realização de ações locais cujo objetivo era lidar com os problemas de aquisição de
matérias-primas, transporte de materiais e objetos, condições de trabalho e reformas em locais
de produção. E essa experiência acumulada pelo CNFCP foi fundamental para elaboração do
Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART), em 2008. O
PROMOART constituiu uma complexa ação de apoio a 65 polos de produção artesanal no
Brasil.
80
Para Lima (2010a), existe um discurso que defende a conservação do objeto nas
condições de produção originais, pois considera que tal objeto é o “testemunho de um passado
a ser preservado”, e existe outro discurso que postula que a arte popular e o artesanato se
articulem à contemporaneidade, através da incorporação de novas dimensões formais que
permitam a ampliação de mercado. Dessa forma, fica claro que existe um forte debate entre as
abordagens e que a posição de Lima e da SAP não se confunde com nenhum desses dois
discursos.
Lima (2010a) constata que os objetos artesanais podem ser definidos pelo “seu
processo de produção ser essencialmente manual” e “pela liberdade do artesão para definir o
ritmo de produção, a matéria-prima e a tecnologia que irá empregar”. Nessa perspectiva, o
objeto artesanal tradicional está intimamente ligado à criatividade do produtor, à sua
identidade e ao seu contexto cultural (LIMA, 2010: 39-40).
A condição de expressar flagrantemente uma identidade cultural dá a
essa classe de objetos uma tremenda vantagem quando diante de
outras categorias na disputa pelo mercado. Trata-se de um objeto que,
a priori, contém o preconizado valor agregado (LIMA, 2010a: 40).
Lima (2010a) enfatiza, portanto, o cuidado que as ações de intervenção devem ter,
pois os objetos artesanais tradicionais possuem valores e saberes que estão relacionados
intimamente com os modos de vida dos produtores. Para Lima (2010a), os projetos de
intervenção governamentais e não governamentais precisam estar atentos para essas
especificidades dos contextos artesanais, mas o conhecimento desses contextos deve servir
para melhor equacionar os problemas em questão, de forma a apoiar e valorizar o objeto
artesanal e o artesão, a fim de viabilizar uma melhora na sua condição de vida e de trabalho.
Dessa forma, um dos eixos centrais das ações institucionais deve ser a articulação entre as
81
políticas de patrimônio cultural e os processos de desenvolvimento socioeconômico local com
a participação dos produtores artesanais locais nesses processos políticos.
Lima (2010a) evidencia sobretudo o cuidado que se deve ter com interferências
formais das ações institucionais, já que enfatiza preocupações com a inventividade popular
enquanto patrimônio cultural. Nessa perspectiva, o diferencial de mercado de um objeto
artesanal tradicional é o seu valor cultural e, portanto, os projetos institucionais precisam ser
formulados a fim de evitar prejuízos culturais. Para Lima (2010a), os objetos artesanais não
podem ser abordados somente como mercadoria, pois eles se inserem de forma diferenciada
nas relações de mercado, devido a suas características e condições culturais. É nesse sentido
que, para Lima (2010a), os objetos artesanais populares também precisam ser entendidos em
suas irregularidades.
Ricardo Lima (2010a) observa que um dos primeiros trabalhos que abordaram a
dimensão problemática da regularidade para os objetos populares foi o trabalho As artes
Plásticas no Brasil, de Cecília Meireles (1968), que enfatiza os problemas da ampliação de
padrões formais homogêneos para os objetos cotidianos. Ele aponta a seguinte questão:
O problema com os objetos irregulares não é de hoje. No Brasil, é
uma questão que vem sendo discutida, no mínimo, desde a década de
1950, quando se implantou uma nova estética no país, a estética dos
objetos industrializados. É nessa década que surge o plástico, em
grande escala... Daí a questão da regularidade da forma, da
padronização (LIMA, 2010a: 42).
Para Lima (2010a), os objetos artesanais populares e os saberes a eles associados
precisam ser compreendidos e abordados pelo seu valor enquanto patrimônio cultural, e não
por sua regularidade ou irregularidade. Segundo Lima (2010a), um bom exemplo dessa
perspectiva deu-se no âmbito do projeto Cerâmica tradicional do Médio São Francisco:
82
povoado de passagem, Barra/Bahia, desenvolvido entre 2002 e 2003, por ele e Elizabeth
Mendonça, do CNFCP, e por Maria José Ramos, do Instituto de Artesanato Visconde de
Mauá, dentro do Programa Artesanato Solidário, com recursos financeiros da Petrobras.
Lima (2010a) salienta que as ceramistas locais solicitavam as técnicas de queima em
forno a lenha para evitar as manchas que a técnica tradicional deixava nos objetos, a fim de
conseguir uma ampliação de mercado. Mesmo com questionamentos, a equipe providenciou
os fornos a lenha, mas, simultaneamente, estabeleceu um “plano de educação patrimonial”
para estimular a reflexão local sobre o valor cultural dos saberes e fazeres locais. Esse
processo evidenciou a relevância cultural da queima da cerâmica a céu aberto e as duas linhas
de produção foram permitidas. Assim, para Lima (2010a), as políticas de patrimônio precisam
ser desenvolvidas através de relações com processos de mudança no bojo dos quais se
reconheça e respeite o valor cultural dos saberes e fazeres tradicionais, que estão eles
próprios, de per si, inseridos em processos de mudança (LIMA, 2010a: 44).
Entretanto, Lima (2010a) alerta para a importante questão dos ritmos de produção,
pois as ações que lidam com as relações entre artesanato e mercado precisam observar as
pressões que a ampliação de mercado exercem na direção de um ritmo de produção contínua
que muitas vezes não se coaduna com os ritmos da produção artesanal popular. Além disso,
segundo Lima (2010a), existe outra questão que não é muito debatida no Brasil: a autoria dos
objetos artesanais. De acordo com Lima (2010a), muitas ações de intervenção abordam os
objetos artesanais como anônimos, devido ao pertencimento de tais objetos aos contextos
culturais coletivos. Essa postura leva ao reconhecimento do patrimônio cultural coletivo, mas
não ao reconhecimento da criatividade individual do artesão.
No estudo desenvolvido por Price (2000), fica evidente a problemática da falta de
enfoque na autoria das criações individuais definidas como “não ocidentais”. Price (2000)
83
observa que a “conceituação de arte não pode ser separada de sua cronologia histórica” e que
“poderíamos caracterizar o estudo acadêmico da arte como enfocando a vida e a obra de
indivíduos específicos”. Entretanto, segundo a interpretação de Price (2000), no geral, as
produções realizadas fora das tradições ocidentais são abordadas por outra perspectiva, na
qual não se enfatiza a “criatividade individual e a cronologia histórica” (PRICE, 2000: 87).
Price (2000) aponta os problemas desse anonimato e coloca a seguinte questão: “qual
o papel da criatividade individual no contexto da tradição cultural coletiva?” Price (2000)
observa que Franz Boas foi um dos primeiros antropólogos que abordaram os objetos da
chamada “arte primitiva” com do foco no artista. Nessa perspectiva, os estudos de Boas foram
fundamentais para entender as escolhas e as inovações realizadas pelos artistas, dentro das
tradições culturais às quais estavam relacionados. Price (2000) também observa que Raymond
Firth (1936) procurava entender as relações entre a criatividade individual do artista e o
conjunto de normas locais. A abordagem de Firth foi uma das pioneiras “no uso da
identificação nominal dos artistas” (PRICE, 2000: 88).
Price (2000) aponta que, nas últimas décadas, um número considerável de estudos se
dedica à produção de conhecimento sobre as vidas dos artistas a fim de constituir uma
importante documentação que contenha informações sobre a procedência dos objetos
produzidos. Segundo Price (2000), tanto a abordagem da história da arte como a perspectiva
possibilitada pela antropologia social precisam estar atentas para a elaboração de uma
descrição detalhada sobre as complexas relações entre a dinâmica criativa dos indivíduos e o
conjunto de normas da tradição.
Na visão de Price (2000), o não reconhecimento da criatividade individual dos
“artistas primitivos” ou “não ocidentais” pode estar relacionado a um processo no qual a arte
de “outros” povos acaba sendo utilizada para produzir um mecanismo de legitimação da
84
cultura e da arte ocidentais. Na perspectiva da Price (2000), uma das formas de se lidar com
essa problemática é deslocar o foco dos estudos para os produtores dos objetos, enquanto
sujeitos concretos. É nesse sentido que a identidade e a autoria dos artistas se tornam o eixo
central dos estudos das “artes não ocidentais”.
Entretanto, para Price (2000), é preciso estar atento para os problemas gerados pela
universalização da perspectiva ocidental nas políticas de comercialização e de definição das
artes em geral. O estabelecimento de mercados de “arte primitiva” produz alterações
significativas nas comunidades produtoras de tais objetos, alterações nas relações locais com
esses objetos e nas formas de produção. E a autoria não deixa de fazer parte dessa perspectiva
que se generaliza.
Uma leitura atenta de praticamente todo o trabalho antropológico
elaborado entre os anos de 1920 e 1930 revela como é recente a
transformação em tema de reflexão ou de debate a questão dos
sentimentos dos indígenas a respeito da coleta de objetos materiais por
visitantes ocidentais. (PRICE, 2000: 195)
Nesse sentido, a arte que nasce das situações de contato com os pesquisadores precisa
ser abordada com cuidados específicos, a fim de lidar cientificamente com os problemas que
implicados nesse processo. Para Price (2000), no estabelecimento dos “mercados de artes não
ocidentais”, os processos de pagamento ao artista e as características das transações precisam
estar bem definidas de forma que se estabeleçam claramente os critérios compartilhados entre
o artista e o comprador do objeto. Para que essa relação se configure como um acordo claro, é
fundamental que o processo de compra leve em conta o significado do objeto para o produtor
e para o comprador. Somente assim, ocorrerá um compartilhamento de significados. Nesse
ponto, ficam visíveis os desequilíbrios desse tipo de relação comercial.
85
Price (2000) e Alves (2006) observam que as transformações socioeconômicas
contemporâneas atraem novos tipos de consumidores para as produções dos artistas
populares. Esses consumidores não são somente compradores regionais.
Como foi enfatizado por Price (2000), a introdução do conceito de comercialização de
objetos de arte em “comunidades tradicionais” produz um desequilíbrio material e simbólico,
já que existem jogos locais de poder em torno das transações promovidas pela assimilação
local de tal conceito.
Price (2000) chama a atenção para os problemas gerados pela separação entre
abordagem estética e abordagem antropológica nos processos expositivos das “artes não
ocidentais”. De sua perspectiva, existe a possibilidade de uma articulação entre as duas
abordagens, através da elaboração de um contexto antropológico dos objetos, que permita
“um modo de expandir a experiência estética”. Nesse sentido, uma das tarefas do trabalho
antropológico com as “artes não ocidentais” consiste em “reconhecer a existência e a
legitimidade dos arcabouços estéticos dentro dos quais elas foram criadas”. A proposta de
Price (2000) procura superar o problema das práticas de “valorização” das “artes não
ocidentais” que somente deslocam os objetos de lugares sem problematizar as profundas
diferenças significativas existentes (PRICE, 2000: 135/142).
A desatenção em relação ao contexto sociocultural no qual o objeto de
arte foi originalmente criado não somente permite que o seu valor seja
definido de acordo com variáveis mais confortavelmente familiares,
como também cria um ambiente no qual os observadores podem
participar da ‘pura experiência estética’... (PRICE, 2000: 151).
Seguindo a sugestão de Bourdieu (1996), é possível pensar que os mercados de arte
popular são contextos nos quais existe um comércio de coisas para as quais não há comércio.
Esse tipo de mercado contém uma série de práticas nas quais predomina a lógica de uma
86
economia de trocas simbólicas. Para Bourdieu (1996), o campo artístico possui uma economia
ao avesso, devido à própria natureza dos bens simbólicos, que são realidades de dupla face:
mercadorias e significações.
Na visão de Appadurai (1986), nossa abordagem das coisas está condicionada pela
ideia de que elas não têm significados fora os que lhes conferem as transações, atribuições e
motivações humanas. O problema, do ponto de vista antropológico, é que esta verdade formal
não lança qualquer luz sobre a circulação das coisas em si mesmas, cujo significado está
inscrito em suas formas, seus usos, suas trajetórias. Na perspectiva de Appadurai (1986), o
estudo dos objetos exige uma interpretação dos contextos culturais pelos quais tais objetos
circulam.
Clifford (1995) observa que os sistemas de objetos estéticos do ocidente estão sendo
desafiados e as políticas de colecionamento e de exposições apresentam mudanças visíveis. O
destino dos objetos etnográficos e das práticas culturais começa a ser problematizado de
forma mais sistemática. Observa-se uma aproximação crítica e histórica das coleções e das
exposições, com foco nos processos subjetivos, políticos e classificatórios inseridos em um
sistema de arte-cultura ocidental de valorização de objetos etnográficos.
Na perspectiva de Clifford (1999), nas exposições de objetos etnográficos, os objetos
desligam-se de seu contexto cultural para circularem no “mundo da arte” e do patrimônio: um
mundo de museus e de mercados. Desse modo, os objetos etnográficos são revalorizados e
redefinidos em um novo sistema de objetos, que é orientado pelas classificações e lógicas dos
mercados e dos museus. Portanto, as exposições etnográficas são lugares de trocas culturais,
de lutas de significados, de reinvenção e de reivindicação. Nesse sentido, os mercados de arte
popular podem ser interpretados através da noção de “zonas de contato” desenvolvida por
Clifford (1999), onde os significados dos objetos circulam e onde ocorrem interações sociais,
87
intercâmbios de significados e construção de identidades. Nesse sentido, a SAP promove
trocas materiais e simbólicas que extravasam a circulação de mercadorias.
Em sua dissertação de mestrado, intitulada Sala do Artista Popular: tradição,
identidade e mercado, Baia (2008) enfatiza que a perspectiva introduzida por Lélia Frota no
INF possibilitou uma abordagem que “vai além do valor de troca”, pois focaliza o processo de
“reconhecimento do trabalho artístico do autor e o valor estético que imprime às suas obras”.
Na visão de Baia (2008), o eixo de trabalho do atual CNFCP está estruturado pelos métodos
da antropologia social, com o objetivo de “documentar e interpretar os modos de ser e as
formas de expressão dos diversos grupos” que formam a sociedade brasileira (BAIA, 2008:
08/10).
Lembra-nos Baia (2008) que a SAP faz parte do amplo contexto do CNFCP, que é
composto também pelo MFEC, pela Galeria Mestre Vitalino e pela Biblioteca Amadeu
Amaral. Baia (2008) lista as atividades do CNFCP no momento de sua pesquisa: o Programa
de Apoio às Comunidades Artesanais (PACA), o projeto Celebrações e Saberes da Cultura
Popular, um projeto de apoio a educadores, o Curso Livre de Folclore e Cultura Popular, o
Concurso Sílvio Romero, para estimular pesquisas na área, e o Prêmio Manuel Diégues
Junior, para apoiar a produção de vídeos, além do desenvolvimento de processos de
documentação e difusão de acervos. E fala especificamente da SAP:
Com efeito, mês a mês, ano a ano, desfila no ‘espaço museológico’ da
SAP um caleidoscópio cultural que permite, de forma bastante
singular, refletir sobre o jogo da diversidade cultural brasileira, uma
vez que foca o olhar contemporâneo sobre as transformações
materiais, espaciais e culturais sobre a produção material dos artistas
populares (BAIA, 2008: 72).
88
Segundo Baia (2008), a SAP não é somente um espaço comercial, na medida em que
possibilita uma prática inovadora ao posicionar os artistas populares diretamente diante do
público, sem a presença de intermediários e atravessadores comerciais, pois são eles mesmos
que vêm expor e vender suas produções na SAP. Na visão de Baia (2008), um dos desafios da
SAP é articular a noção de patrimônio, relacionada ao valor cultural dos objetos que são
expostos e detalhadamente documentados, com as dinâmicas do mercado de arte popular, a
fim possibilitar a “inclusão social” de determinados artistas populares. Nesse contexto,
segundo Baia (2008), a Associação Cultural de Amigos do Museu do Folclore Edison
Carneiro (ACAMUFEC) trabalhava com a gestão das vendas da SAP, repassando aos artistas,
além de estabelecer articulações institucionais para o desenvolvimento dos projetos do
CNFCP, como o PACA.
Para Baia (2008), a venda no local, com a presença dos artistas populares, foi proposta
por Lélia Frota, e hoje a SAP ocupa um espaço “cerca de dez vezes maior” que o espaço
inicial, considerando a área total do espaço de comercialização, do estoque e dos corredores.
“O que era um ‘projeto experimental’ se tornou uma ação institucional, envolvendo todos os
setores do Centro”. De acordo com Baia (2008), o percurso de institucionalização da SAP
mostra profunda relação com projetos institucionais que são fundamentais para as práticas de
“salvaguarda das culturas populares” (BAIA, 2008: 78/80).
Na visão de Baia (2008), as práticas institucionais da SAP estabelecem uma
“mediação entre os artistas populares e o ‘mercado’” e se configuraram como importantes
referências para as intervenções políticas nessa área. Nesse contexto, um dos aspectos
específicos das ações da SAP é que ela também “produz informação” e documentação,
através dos registros etnográficos e fotográficos que descrevem os artistas e seus contextos,
realizando, ações de salvaguarda. (BAIA, 2008:83)
89
Nessa perspectiva, as práticas institucionais de salvaguarda da SAP se articulam com
ações simbólicas de valorização e com intervenções locais que visam viabilizar as condições
de produção para que os detentores dos saberes e fazeres locais sigam a sua própria dinâmica
com autonomia. Dessa forma, um dos eixos da atuação da SAP consiste em abordar o
patrimônio cultural brasileiro através de um processo político que esteja orientado para o
reconhecimento e para a transformação social, fundamentando-se no ponto de vista dos
próprios produtores artesanais e de suas comunidades.
90
CAPÍTULO II
A TRANSFORMAÇÃO INSTITUCIONAL E AS PRIMEIRAS DÉCADAS
A perspectiva e as ações de Lélia Frota no INF
Ricardo Lima10
observa que Lélia surge inicialmente na literatura, buscando Cecília
Meireles e Carlos Drummond de Andrade para lhes mostrar poesias que escrevera, e
recebendo elogios públicos desses escritores em vários jornais.
Em entrevista concedida a Heloisa Buarque de Holanda11
, Lélia Frota relembra sua
história, e diz que se considera “mesclada” e “híbrida”. Mesmo tendo nascido no bairro de
Santa Teresa, na cidade do Rio de Janeiro, considerava-se mineira, devido às origens da sua
família. Sua infância teria sido “um ir e vir entre a cidade grande do mar e as cidades
pequenas da montanha”.
Ela comenta que, aos 16 anos de idade, ganhou de seu padrinho Pablo Frota uma
“antologia de Manuel Bandeira”, e “foi por essa porta que entrei na poesia”; do mesmo
padrinho ganhou em seguida Poesia até agora, de Carlos Drummond de Andrade, e “aos 17
anos tomei coragem e fui lá no então Ministério da Educação e Cultura, oitavo andar, procurar
o poeta de Itabira e levar minhas coisas para ele”.
10 Depoimento de Ricardo Lima realizado no dia 23/11/2016
11 Entrevista com Lélia Frota realizada por Heloísa Buarque de Holanda. Disponível em:
http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/entrevista-a-lelia-coelho/
91
Segundo Lélia, o poeta de Itabira disse que ela poderia publicá-las, e assim saiu seu
primeiro livro, chamado Quinze Poemas e publicado em 1956, com ilustrações de Milton
Dacosta. Lélia disse: em “arte/vida, sou filha de Drummond com Maria Leontina”.12
Nessa entrevista, Lélia conta que, antes disso, aos 15, 16 anos, seus pais tinham ido
para os Estados Unidos e ela tinha se matriculado como ouvinte em cursos de Literatura da
Universidade da Pensilvânia, além de ter descoberto “as artes e a pintura numa grande
retrospectiva de Van Gogh feita por um museu na Filadélfia”. Conta também que já escrevia
poesia desde os sete anos de idade, publicando-as no jornal do Colégio Jacobina.
Lélia formou-se no curso de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO) em 1964 e aproximadamente dois anos depois da conclusão do curso foi
trabalhar no Museu de Artes e Tradições Populares do Estado do Rio de Janeiro, hoje
integrado ao Museu do Ingá, bem como em jornais como O Globo e o Correio da Manhã. Em
seguida trabalhou em um projeto do IPHAN com o arquiteto Alcides Rocha Miranda, e foi
nesse momento, segundo ela, que se aproximou das questões relativas ao “patrimônio
cultural” e “descobriu” que gostava desse tema. Foi contratada pelo IPHAN, onde trabalhou
por aproximadamente 30 anos.
Segundo disse Lélia nessa entrevista, ela só saiu do IPHAN devido a uma solicitação
da FUNARTE, e foi então que reformulou o MFEC, quando Aloísio Magalhães era Secretário
da Cultura. Lélia enfatiza que, no período de trabalho na FUNARTE, dedicou-se, entre outras
coisas, a edições e publicações de materiais relativos às pesquisas antropológicas do INF.
12 Artista plástica brasileira que foi casada com Milton Dacosta.
92
Lélia disse que a elaboração do Livro Mitopoética de 9 artistas brasileiros (1978) está
relacionada com sua experiência de estágio no Musée des Arts e Traditions Populaires na
França, pois foi em seu retorno ao Brasil que começou a “pesquisar, entrevistar e
principalmente conviver com os artistas de fonte popular”. Ainda nessa entrevista, conta que,
em 1987, organizou uma exposição de arte popular brasileira em Paris, quando o economista
Celso Furtado estava no Ministério da Cultura do Brasil. Lélia selecionou todas as peças da
exposição, que depois foram encaminhadas para o Museu do Convento de São Francisco em
João Pessoa, também conhecido como Centro Cultural São Francisco, nome escolhido pela
comunidade local.
Segundo informações do Dicionário Cravo Alvim da Musica Popular Brasileira13
, ao
longo de sua trajetória, Lélia Frota foi membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte
(ABCA), da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) e da Associação Brasileira
de Antropologia (ABA). Além de diretora do INF, foi também presidente do IPHAN, e atuou
na organização de curadorias internacionais sobre a arte popular brasileira, como a curadoria
das manifestações brasileiras na Bienal de Veneza de 1978 a 1988. No âmbito do Ministério
da Cultura (MinC), Lélia também se destacou por organizar a já citada Exposição Permanente
de Arte Popular Brasileira, no Centro Cultural São Francisco. No âmbito da Secretaria de
Estado de Cultura de Minas Gerais, Lélia também coordenou o Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Cultural do Vale do Jequitinhonha.
Lélia Coelho Frota tem algumas publicações com o nome de Lélia Gontijo Soares,
devido a seu casamento com Antônio Fernando Gontijo Soares. Entre as várias publicações de
13 Informações disponíveis em http://dicionariompb.com.br/lelia-coelho-frota/biografia
93
Lélia se destacam: Quinze Poemas (1956), Alados Idílios (1958), Caprichoso Desacerto
(1965), Mitopoética de 9 artistas brasileiros (1978), Ataíde (1982), Mário de Andrade e a
Sociedade de Etnografia e Folclore, 1936-1939 (1983), Mestre Vitalino (1986), Guignard,
Arte e Vida (2005), Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro (2005) e Poesia Reunida
(2013).
Na visão de Ricardo Lima, a experiência de trabalhar com Georges-Henri Rivière,
como estagiária no Musée National des Arts et Traditions Populaires (MNATP), influenciou
profundamente a transformação operada por Lélia na exposição do MFEC, que, segundo
Ricardo, passou a ter como principal referência o MNATP. A perspectiva museográfica
desenvolvida por Georges-Henri Rivière no Musée National des Arts et Traditions Populaires
(MNATP) foi muito marcante na formação intelectual de Lélia Frota. Os conceitos de Rivière
abriram o espaço museológico para a dimensão cotidiana observada pelo olhar antropológico.
Nesse sentido, novas formas e novos objetos de exposição foram incorporados nos processos
de organização museológica do INF. A abordagem de Rivière valorizava, por exemplo, a
exposição de objetos domésticos, de modo que objetos dessa natureza atraíram os interesses
intelectuais de Lélia.
Lélia tinha um conjunto de fotografias do MNATP e se inspirou naquelas imagens
para compor a nova exposição do MFEC. A diretora do MFEC naquele momento era Cláudia
Márcia Ferreira, que também gostava muito do MNATP, e que, dessa forma, estabeleceu um
profundo diálogo com Lélia. Para Ricardo Lima, entretanto, esse fascínio de Lélia pela
perspectiva museológica francesa e a forte influência que recebeu de Rivière foram mais
decisivas para o MFEC do que para a SAP.
De fato, segundo Ricardo Lima, as modificações do MFEC foram todas fundadas
nessa influência de Georges-Henri Rivière. Ele conta que a decisão de retirar as vitrines do
94
MFEC exigiu a organização de um seminário no Rio de Janeiro para justificar a mudança para
a comunidade dos museólogos. Já a SAP, como veremos a seguir, se configurou mais
diretamente como um embate com a forma de comercialização das lojas da FUNARTE.
Abro aqui um parêntese para incluir algumas informações sobre o MFEC, obtidas no
artigo que Ricardo Lima escreveu em parceria com Cláudia Márcia Ferreira (1999), intitulado
O Museu de Folclore e as artes populares. O Museu do Folclore foi criado em 1968, no Rio
de Janeiro, pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, e a partir de 1976 passou a ser
chamado Museu do Folclore Edison Carneiro (MFEC). O MFEC teve portanto suas origens
no chamado “movimento folclórico”, entretanto, para Lima e Ferreira (1999), a partir de 1982
as pesquisas de campo que coletam os objetos foram orientadas pelos métodos da
Antropologia Social, de forma que, com essas diretrizes metodológicas, se reorganizou o
acervo do MFEC – que em 2016 é composto de 16 mil objetos14
.
Na constituição do seu acervo, o MFEC entende os produtos da
cultura em sentido antropológico contemporâneo, isto é, não como
meros objetos cuja função se esgota na matéria de que são feitos, mas
sim como formas concretas que, em sua materialidade, comportam e
expressam sistemas de significação que lhes são permanentemente
atribuídos e, portanto, constitutivos de nossa humanidade. (LIMA e
FERREIRA, 1999)
Nessa visão, a exposição permanente do MFEC se configuraria como um importante
espaço de divulgação institucional da arte popular. Segundo Lima e Ferreira (1999), o MFEC
estabelece diálogos com pesquisadores e especialistas, e, além disso, observa com atenção as
informações deixadas pelos visitantes no “livro de opinião”. Os autores ressaltam que a
14 As informações numéricas sobre o acervo atual do MFEC foram obtidas no site do CNFCP
(http://www.cnfcp.gov.br/index.php).
95
exposição inaugurada no MFEC em 1983 e que ficara em cartaz por 10 anos fora um
“laboratório de estudo” do qual teria resultado o “fio que costura” as unidades temáticas da
exposição que estava montada quando da redação do artigo, ou seja, em 1999: Apresentação
(introdução da discussão da diversidade da cultura brasileira) e os Módulos Vida
(representações sobre o ciclo de vida dos indivíduos e suas marcas culturais), Técnica
(ambientações sobre as diversas tecnologias tradicionais), Religião (expressões diversas da
religiosidade popular), Festa (registros de danças, fantasias, cantos e alimentações festivas) e
Arte (objetos populares que expressam processos criativos individuais associados às
experiências coletivas). (LIMA e FERREIRA, 1999: 106).
Nesse sentido, para Lima e Ferreira (1999), o trabalho e a ação institucional do MFEC
seriam baseados no reconhecimento da diversidade cultural brasileira e no reconhecimento
das culturas populares tradicionais como importantes componentes das “identidades locais,
regionais e nacionais”. Assim, dizem os autores: “O museu está ciente do lugar que ocupa
enquanto instância de consagração da arte popular junto aos diferentes segmentos da
sociedade nacional, e busca instigar o olhar...”. (LIMA, 2010a: 106)
Na visão de Ricardo Lima, o livro Mitopoética de 9 artistas brasileiros, escrito por
Lélia Frota (1978), além de ser uma proposta inovadora que deu voz aos artistas populares,
revela importantes características do pensamento dela que foram fundamentais para a criação
da SAP.
Vejamos com mais vagar o que nos diz Lélia Frota nesse livro. Na introdução que
escreveu para ele, intitulada O grande mar do ser e as artes liminares, Lélia Frota (1978)
aborda a questão da criatividade popular e lembra que, para Franz Boas, era preciso entender
os indivíduos como inseridos em sua cultura e a cultura como vivenciada pelos indivíduos.
96
Na visão de Lélia (1978), as produções “excepcionais” dos chamados artistas “primitivos”
refletem dimensões da “cultura material e espiritual dos grupos em que tiveram origem”.
Entretanto, tais artistas não podem ser definidos como artistas populares, pois estes não se
relacionam com as concepções usuais de autoria e de produção de arte. O artista chamado de
“primitivo” apresentaria uma característica de marginalidade por se deslocar entre grupos
sociais e culturais sem se enquadrar em nenhum. Nesse sentido, Frota (1978) pretende
interpretar os artistas abordados em seu livro através da definição de liminaridade proposta
por Victor Turner, na medida em que tais artistas estavam fora tanto dos padrões populares
quanto dos padrões eruditos. Dessa forma, Frota (1978) prefere trabalhar nesse livro com a
concepção de produção liminar e autodidata. A liminaridade dos artistas examinados
patenteia-se nos dados oferecidos por suas próprias histórias de vida. Todos provêm de
culturas populares, exibindo uma produção artística altamente individualizada, diversa dos
padrões de gosto regional em que transcorreram a sua infância e a sua adolescência (FROTA,
1975: 03).
Frota (1978) apresenta um conjunto de artistas cuja criatividade “mitopoética” escapa
da rigidez intelectual, ao sugerir relações com as noções sagradas e míticas que vão além da
perspectiva estética. Lélia Frota (1978) afirma que essa abordagem “mitopoética” foi
inspirada no estudo de Claude Lévi-Strauss sobre as construções arquitetônicas do carteiro
francês Ferdinand Cheval. Para Lélia Frota (1978) esses artistas liminares expressam valores
através de uma linguagem vital e própria, mas que também é comum às outras pessoas.
Lélia Frota (1978) expressa preocupações no tocante à incorporação desses artistas às
galerias e aos museus de arte, na medida em que a lógica dos mercados de arte provoca
alterações nos modos de vida de tais artistas. Nesse sentido, Frota (1978) já antecipava
algumas reflexões que viriam a fazer parte da SAP. Ela já se mostrava interessada em
97
apresentar a arte de tais artistas, e o seu modo de vida, articulados a “seu próprio ambiente”, e
já buscava uma forma de “divulgar criteriosamente os contextos artísticos marginais” a fim de
alcançar o respeito e a compreensão para esses artistas. Em sua visão, os artistas marginais
entendem suas produções como enredos inseridos em suas histórias de vida, o que torna
necessário entender a realidade sociocultural, com suas dimensões estéticas e psicológicas.
Por isso torna-se fundamental articular as teorias estéticas e a perspectiva antropológica, a fim
de analisar, documentar e divulgar a produção de indivíduos que estão profundamente
relacionados com o seus contextos. Vê-se assim Lélia Frota (1978) já chamava a atenção para
um conjunto de problemas que orientariam a formulação de várias questões presentes na
criação da SAP, como a não separação entre o objeto produzido e a vida do produtor, assim
como a identificação sociocultural dos produtores.
Na visão de Lélia Frota (1978), os românticos brasileiros tinham sido os pioneiros no
interesse pelo “patrimônio cultural de raízes populares”; posteriormente, no século XX, os
modernistas tinham revelado uma interessante relação com as produções populares, sobre a
qual discorre, inspirando-se Antonio Cândido (1965). Para ela, no Brasil, as culturas arcaicas
estavam ainda penetradas na vida cotidiana. (FROTA, 1978: 11)
Os três primeiros textos escritos por Frota (1978) nesse livro são exemplos de como
ela procurava abordar os artistas estudados e de como institucionalizaria a abordagem dos
artistas na SAP.
Frota (1978) desenvolve o primeiro texto descrevendo seu encontro com o pintor Júlio
Martins da Silva, durante uma pesquisa sobre artesanato que realizara para a Companhia
Progresso do Estado da Guanabara, no Morro da União, em Coelho Neto, no Rio de Janeiro,
em 1967. Lélia Frota (1978) observa que o ponto de encontro com a pintura de Júlio deveria
partir da sua história de vida, que foi registrada por Lélia em uma gravação em 1970. No
98
texto, Frota (1978) articula a história narrada por ele com comentários próprios sobre o
contexto histórico narrado, além de trazer informações sociológicas e apresentar uma densa
análise descritiva sobre a sua pintura. Já no texto sobre o escultor Arthur Pereira, Frota (1978)
focaliza a atenção do leitor no processo técnico de produção das peças, a maioria das quais
esculpida em pedaços de cedro, e as agrupa em três conjuntos temáticos, formados pelos
temas relacionados à influência do catolicismo, os temas relacionados ao mundo rural e os
temas relacionados a seres da natureza. No texto que Lélia Frota (1978) escreve sobre o pintor
Pedro Paulo Leal, nascido no Rio de Janeiro, o foco são os depoimentos dos membros da
família do artista, pois ele não estava mais vivo. Frota (1978) observa a importância da
religiosidade dos rituais de umbanda em suas pinturas e procura descrever o contexto cultural
de sua família, informando que sua produção fora comprada e divulgada pelo marchand Jan
Boghici, nos anos de 1950.
A essa forma de abordar a relação entre as produções artísticas e a vida de seus
produtores está relacionada a relevância que Frota (1978) atribuía à pesquisa de campo como
importante momento de encontro, que permitiria produzir registros, tais como gravações de
depoimentos e outros documentos. Em linhas gerais, todos os textos publicados por Frota
(1978) nesse livro procuram apresentar a trajetória de vida de cada artista e a região de sua
produção, trazer trechos de depoimentos com as palavras literais de cada artista, descrever e
analisar o seu contexto cultural, detalhar as informações sociológicas, produzir uma análise
sobre o processo criativo das obras e as técnicas de produção, com fotografias do artista e da
sua produção. Portanto, esses textos apresentam um conjunto de referências para os textos dos
catálogos que seriam desenvolvidos para as exposições da SAP.
Voltemos ao relato de Ricardo Lima sobre as ações inovadoras de Lélia Frota no INF.
Ele cita o projeto Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro, elaborado em parceria com a
99
etnomusicóloga Elizabeth Travassos, que resultou em uma série de LPs, cujos encartes
apresentavam os músicos, os contextos e os significados das músicas gravadas. Outra
importante iniciativa de Lélia foi o projeto Estudos de Romaria no Brasil. Segundo Ricardo
Lima, ela considerava as romarias como uma das mais significativas manifestações da cultura
popular brasileira, tendo organizado duas publicações sobre isso, uma delas sobre a Romaria
de Canindé, no Ceará, a outra sobre a Romaria de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, que geraram
uma exposição na Galeria Mestre Vitalino. Para Lélia, as romarias eram importantes pois
agregavam várias dimensões das manifestações populares.
Abro aqui um parêntese para ilustrar o pensamento de Lélia Frota descrevendo os
textos que escreveu para apresentação dessas duas publicações citadas por Ricardo Lima.
Na apresentação da publicação Romaria de Canindé, Lélia Frota, que aí se assina
Lélia Gontijo Soares (1982), afirma que a romaria de Canindé, no Ceará, é “um dos mais
importantes testemunhos da religiosidade popular no Brasil”. Ela faz essa afirmação ao
comentar o convite feito pelo Consulado da Itália ao INF para uma articulação a fim de
participar das “comemorações dos 800 anos no nascimento de São Francisco de Assis”.
Segundo Soares (1982), o projeto foi articulado entre o INF, o Consulado da Itália no Rio de
Janeiro, e os Institutos Italianos de Cultura de São Paulo e do Rio de Janeiro. O
desenvolvimento desse projeto contou com o envio dos pesquisadores Américo Gonçalves
Neto e Carmen Vargas até a região de Canindé, a fim de registrar o “‘antes’ e o ‘depois’ da
romaria”. Soares (1982) observa que o processo de documentação também foi
complementado com a participação do “chefe do Núcleo de Fotografia da Funarte, Pedro
Vasquez, e do chefe do Núcleo de música do INF, o maestro Aloísio Alencar Pinto”. Além
disso, a Prefeitura de Canindé e frei Lucas Dolle deram apoio fundamental (SOARES, 1982:
09).
100
É interessante notar a ênfase de Soares (1982) em sua preocupação com a população
local e com os atores sociais, ao dizer que, após a organização das exposições do material da
pesquisa no Rio de Janeiro e na Itália, este deveria voltar, em 1983, para Canindé, a fim de
que “não só a população local como os romeiros” também possam acessar o trabalho, “dele
continuando a participar, já que o entendemos como um processo e não como uma ação
encerrada”. (SOARES, 1982: 09)
Segundo Soares (1982), esse trabalho, que resultou em uma “exposição de registro”,
procurou documentar as dimensões essenciais dessa romaria, que estabelecem uma forte
relação com o santo padroeiro, São Francisco, dentre as quais se destacam os ex-votos,
esculturas em madeira, fotografias, joias, flores, vestidos, óculos e outros “objetos que
correspondem à multiplicidade das situações vividas pelos ofertantes”. Soares (1982) encerra
o texto apontando que os estudos de Roberto DaMatta demonstram como os “valores locais e
universais” são articulados através das relações sociais nas festividades religiosas.
Na apresentação da publicação Romaria do Bom Jesus da Lapa, Lélia Frota, que aí se
assina novamente Lélia Gontijo Soares (1983e), pontua que o Projeto Romarias Brasileiras
do INF, dialogando com as recomendações da Carta do Folclore Brasileiro, desenvolvera em
1982 um projeto de “registro etnográfico” da romaria de Canindé. Seguindo as linhas gerais
desse projeto etnográfico, o INF elaborou um novo projeto de documentação, em 1983, a fim
de registrar a romaria de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, considerada por Soares (1983e) como
“um dos eventos mais significativos do catolicismo popular no Brasil”.
De acordo com Soares (1983e), nesse segundo projeto o registro fotográfico foi feito
pelo fotógrafo baiano Adenor Gondim, através de uma articulação da Prefeitura Municipal
com o INF, que enviou uma equipe de pesquisadores para Bom Jesus da Lapa. Soares (1983e)
observa que a edição da publicação foi feita pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. Essa
101
publicação conta com dois textos, um “sobre a história do santuário” e outro que consiste em
uma “etnografia da romaria”. Além disso, também foi incorporado à publicação o
“depoimento de uma romeira” que relata a sua peregrinação e os seus motivos. Segundo
Soares (1983e), um dos objetivos desse depoimento é “dar voz” aos que participam da
romaria.
As romarias dão lugar a uma multiplicidade de formas de expressão
populares, que vão desde a entrega de ‘milagres’ às maneiras de
vestir, de comportar-se, às conversas com os santos, à música vocal e
instrumental, enfim, a um universo simbólico vastíssimo vinculado à
fé católica. (SOARES, 1983e: 01)
Lélia se preocupava com que as manifestações da cultura popular não fossem
abordadas como anônimas e isoladas e com que as pesquisas e as ações do INF começassem a
focalizar os contextos dessas manifestações. Para Ricardo Lima, essa ideia de contexto foi
muito presente em todos esses novos projetos institucionais, inclusive na reformulação da
exposição do MFEC. Essa exposição foi reformulada a fim de contextualizar os objetos e
abordar as relações entre eles, em lugar de, utilizando as mesmas categorias utilizadas pelos
folcloristas, exibi-los nas vitrines de Dança, Folguedo, Culinária, Medicina, e Artesanato de
barro, madeira ou trançado.
Nesse contexto, Lélia criou o projeto O artista popular o seu meio, que resultou em
publicações cujo objetivo central era “dar voz” ao artista popular, na linha do que ela mesma
tinha desenvolvido de forma pioneira com o já citado livro Mitopoética de 9 artistas
brasileiros (1978). Nesse sentido, as publicações do projeto O artista popular e o seu meio
procuravam abrir um espaço para que o próprio artista, através do seu discurso, falasse sobre a
sua obra e sobre a sua realidade social.
102
Esse projeto resultou em duas publicações. A primeira foi elaborada por Dinah
Guimarães e se intitula O mundo encantado de Antonio de Oliveira, focalizando esse escultor
de madeira, de Minas Gerais, que expunha no morro da Urca, no Rio de Janeiro. A publicação
continha textos de Antonio de Oliveira e fotografias de suas peças, e abordava, segundo
Ricardo Lima, de forma memorialista, o mundo da sua infância, os costumes da sua região de
Minas Gerais e a história do Brasil.
Vejamos o que nos diz Lélia Frota na apresentação desse volume. Assinando-se
novamente Lélia Gontijo Soares (1983b), e intitulando essa apresentação como Os
instrumentos da escrita e do motor na representação de mundo de Antônio de Oliveira, Lélia
começa enfatizando a relevância de apresentar a obra de Antônio de Oliveira na SAP e no
MFEC. Soares (1983b) fundamenta a escolha desse artista para começar a série de
publicações O artista popular e o seu meio afirmando que essa escolha se deu “tanto pela sua
formação, como pela representação simbólica que resultou da sua experiência de vida”.
(SOARES, 1983b: 11)
Como a nós, evidentemente, não interessam apenas o registro e a
exibição desta produção, mas principalmente o entendimento e a
explicitação do significado da mesma, este Instituto realizou uma
pesquisa preliminar sobre a história de vida e a visão de mundo do
artista. (SOARES, 1983b: 11)
Na perspectiva de Soares (1983b), o foco do INF era trabalhar com uma abordagem
que permitisse conhecer os modos pelos quais “o artista popular vê a sua própria produção”.
Ela enfatiza que, no trabalho com Antônio de Oliveira, existia uma vantagem: ele tinha escrito
“textos autobiográficos” ao longo da sua vida, que traziam observações próprias sobre a sua
produção artesanal, revelando as reflexões que ele desenvolvia sobre o seu processo criativo.
É nesse sentido que Lélia considera a divulgação desses textos na publicação do INF como
103
uma ação fundamental para a viabilização do entendimento do trabalho de Antônio de
Oliveira.
Soares (1983b) observa que, seguindo a vontade do próprio artista, foi realizada uma
revisão desses textos, com a sua participação, para aproximá-los dos padrões gramaticais
oficiais. É interessante notar o cuidado que Lélia procura ter com a questão da participação do
artista em todos os processos. Ela salienta que para o INF a linguagem “popular” é um
“documento linguístico” associado à expressão individual e comunitária, e que as
normatizações foram feitas devido ao fato de ser um trabalho de divulgação para o “grande
público”. Contudo, Soares (1983b) pontua que o texto manuscrito de Antônio de Oliveira foi
anexado à publicação, encontrando-se também disponível na Biblioteca Amadeu Amaral, do
INF.
Na visão de Soares (1983b), o “estudo do comportamento sociocultural” pode revelar
as “representações de mundo” dos artistas populares, além de indicar elementos de “mudança
social” e de “técnicas corporais”.
O interesse em examinar esse trabalho artístico justifica-se pelo dever
que o etnógrafo de hoje tem de incluir em seu campo de estudo o
momento presente, abrangendo a sociedade industrial, conforme
assinala Georges-Henri Rivière. Esta sociedade, ressalta ele,
“encontra-se dominada pelo progresso técnico”... Conclui Rivière que,
não importa qual seja a duração do processo, “a transição será longa, e
os aspectos configuradores desta transição, de precioso valor
documental”. (SOARES, 1983b: 12)
Soares (1983b) apoia sua perspectiva no texto de Rivière intitulado Musées et autres
collections publiques d’ethnographie, publicado em Ethnologie Génerale, em 1968 na
Pléiade. Ela considera a recomendação de Rivière sobre a relevância de uma “etnologia de
urgência” como uma necessidade que justifica as práticas de registro desenvolvidas pelo INF.
104
E chama a atenção para as relações entre as técnicas tradicionais e as tecnologias modernas
que permitem “processos artesanais inéditos” como os motores elétricos utilizados por
Antônio de Oliveira para movimentar seus bonecos artesanais. Nesse sentido, ela enfatiza as
complexas relações entre “tradição e invenção”, nas quais as “tecnologias culturais”, como as
desenvolvidas por Antônio, revelam a “objetivação de uma capacidade imaginante”.
Soares (1983b) recorre também a Jean Poirier (1968) para analisar o desafio de
“conciliar a eficácia tecnológica e tecno-econômica que a racionalização e a normalização
requerem com a salvaguarda dos valores originais de cada cultura”. Nesse contexto, processos
culturais complexos como o uso de novas técnicas são abordados por Lélia como elementos
fundamentais da produção artesanal divulgada nessa publicação. Soares (1983b), baseando-se
em Gilberto Velho (1981), enfatiza ainda nesse texto o papel da criação individual no trabalho
artesanal popular, mencionando a importância de se observar “a ruptura com seus grupos e
redes de relação de origem, para a construção de uma outra identidade social”. Soares (1983b)
afirma finalmente que um dos objetivos do INF é “contribuir para uma maior solidariedade
social entre quem faz e quem vê”. (SOARES, 1983b: 14)
A segunda publicação da série O artista popular e seu meio intitulou-se Antônio de
Gastão - pescador de Cabo Frio, e foi elaborada por Ricardo Lima. De acordo com ele, essa
publicação apresenta a história de um dos pescadores, escultores e compositores mais antigos
de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. A narrativa de Antônio de Gastão também é bem
memorialista e mostra-se avessa ao processo de urbanização e de ampliação do fluxo turístico
na região.
Esse livro foi acompanhado de uma gravação com composições tradicionais de Cabo
Frio de que Antônio de Gastão se lembrava, bem como composições de sua própria autoria.
Ricardo Lima coletou pessoalmente os depoimentos de Antônio de Gastão para a produção do
105
livro e observa que naquele momento o foco institucional estava tão sistematicamente voltado
para o protagonismo e para dar a voz ao próprio artista que ele mesmo, Ricardo Lima, quase
não aparece no livro. Isso o levou a refletir sobre esse aspecto, pois, mesmo só com as
palavras de Antônio, o livro fora organizado por ele, e ele fora o autor do modo de organizar o
discurso do artista. Essas reflexões levaram Ricardo Lima a retomar esse material em sua
Dissertação de Mestrado, intitulada Da pesca e outras artes: memórias de Antônio de Gastão,
a fim de se inserir na narrativa de Antônio de Gastão, deixando claro o papel ativo do
antropólogo no processo de coleta e organização dos discursos.
Esses dois artesãos foram posteriormente contemplados com exposições na SAP.
Foi nesse contexto também que Lélia Frota propôs a criação do Pequeno Atlas de
Cultura Popular. Quando assumiu a direção do INF, existia o projeto Atlas folclórico
brasileiro, que tinha como proposta fazer um grande levantamento folclórico por todo o
Brasil. O INF havia feito uma parceria com o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL) e todos os professores, que viajam pelo interior, levavam questionários sobre o
folclore, que eram depois tabulados para a edição do Atlas no INF. Como era produzido muito
material, e de forma contínua, quando os dados iam ser tabulados, eles já estavam defasados
pela chegada de mais dados, de tal maneira que o único que chegou a ser editado foi o Atlas
do Estado do Espírito Santo.
Conta-nos Ricardo Lima que esse material foi considerado histórico, mas que, para
ações institucionais significativas, ele não ajudava muito, pois não apresentava informações
qualitativas. Assim, Lélia Frota propôs o encerramento desse projeto e a criação do Pequeno
Atlas de Cultura Popular. Esse encerramento gerou muitas reclamações por parte dos
folcloristas, pois vários deles haviam dedicado muito tempo ao trabalho com esse material. O
Pequeno Atlas de Cultura Popular era um projeto menor, focado nos municípios, o que
106
permitiria verticalizar as análises das expressões culturais. E o primeiro a ser proposto por ela
foi o Pequeno Atlas de Cultura Popular do Ceará: Juazeiro do norte.
Segundo Ricardo Lima, quando entrou no INF, Lélia Frota buscou apoio, contato e
diálogo com os folcloristas, enviando cartas para as Comissões Estaduais de Folclore e
convidando os folcloristas para conversas. O professor Bráulio do Nascimento, que fora
diretor do INF antes dela, mostrou-se aberto ao diálogo e apoiou as mudanças históricas na
instituição, fazendo, de certa forma, uma ponte entre os folcloristas e Lélia Frota.
Quem escreveu a apresentação do Pequeno Atlas de Cultura Popular do Ceará:
Juazeiro do Norte foi Amália Lucy Geisel, que em 1985 assumira a direção do INF. Vejamos
o que nos diz ela nessa apresentação.
Mostrando de imediato que se alinhava às propostas de sua antecessora, Amália Geisel
(1985) observa aí que o INF deveria se orientar para o desenvolvimento de um método de
trabalho etnográfico, que permitisse o alinhamento com a política cultural do MEC, na
direção de propor uma forma de trabalho sobre o “processo cultural brasileiro”.
É dever do Instituto Nacional do Folclore corresponder às exigências
de reflexão conceitual e metodológica contemporâneas, entendendo as
manifestações culturais geradas por comunidades rurais e urbanas de
baixa renda num contexto amplo, que abrange desde as determinantes
socioeconômicas até o fazer inventivo de indivíduos, numa linha de
trabalho eminentemente etnográfica (GEISEL, 1985).
Na perspectiva de Geisel (1985), cultura era vista como “um processo global em que
não se separam as condições do meio ambiente daquelas do fazer do homem”; nessa
perspectiva, os objetos produzidos pelos processos culturais não estariam separados das vidas
dos produtores nem das “condições históricas, socioeconômicas, étnicas e ecológicas”.
Tratava-se também de uma noção de cultura na qual as atividades humanas eram visualizadas
107
nos seus processos dinâmicos. Assim, os bens que possuem considerável valor simbólico
estão relacionados a processos de “dinâmica cultural”.
Geisel (1985) observa que as novas diretrizes da SEC abordam práticas, fazeres e
percepções que estão relacionadas a processos cotidianos, e aponta que um dos focos do INF
é o “fazer cultural comunitário”. O Pequeno Atlas de Cultura Popular é visto por ela como
um projeto que se insere nessa linha de atuação institucional, que tem por objetivo o
entendimento das culturas populares a partir do ponto de vistas delas mesmas, com
“participação” e análise “sistemática”, e que se volta à formulação de “projetos-pilotos”,
através de “convênios” e apoio institucional. Segundo ela, o próprio Pequeno Atlas de
Cultura Popular do Ceará: Juazeiro do Norte decorreria de um “projeto etnográfico piloto”.
Com o objetivo de exercer de maneira efetiva e consistente o princípio
de descentralização indicado nas Diretrizes para a Operacionalização
da Política Cultural do MEC, o primeiro passo dos trabalhos do atlas
foi a busca do contato direto e sistemático de um representante do
Instituto Nacional do Folclore com integrantes dos principais órgãos
culturais do Ceará... bem como com pesquisadores e estudiosos da
cultura popular local e com representantes do fazer e do pensamento
da comunidade cearense (GEISEL, 1985).
Nesse contexto, segundo Geisel (1985), foi realizada a articulação entre a FUNARTE,
sob a direção de Edméa Falcão, e a Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará,
contando também com a participação da Universidade Federal do Ceará (UFC), representada
pelos professores Paulo Elpídio de Menezes Neto e José Esmeraldo Barreto. O trabalho de
documentação e “registro etnográfico” foi desenvolvido pela acessória técnica do INF. A
Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará foi fundamental nesse processo, pois disponibilizou
os importantes documentos do Centro de Referência Cultural do Estado (CERES) para a
equipe do projeto. De acordo com Geisel (1985), o CERES fora criado pelo técnico Roberto
Aurélio Lustosa Costa em 1975.
108
Geisel (1985) observa que o primeiro levantamento para o projeto foi realizado em
1983, e foi a partir dele que se deu o desenvolvimento da pesquisa de campo, que contou com
a participação do professor Diatahy de Menezes, a fim de produzir o “registro etnográfico”.
A documentação fotográfica foi produzida por Celso Oliveira, que tinha experiência com
trabalho fotográfico voltado para religiosidade popular local. A publicação foi efetuada pela
Universidade Federal do Ceará
O Projeto-piloto Pequeno Atlas da Cultura Popular pretende não só
uma abordagem científica da cultura popular em Juazeiro do Norte,
como também a aplicabilidade dos resultados do registro etnográfico
empreendido. Nesse sentido, foram propostas formas de retribuição
dos produtos da pesquisa à comunidade estudada... (GEISEL, 1985).
Voltemos ao relato de Ricardo Lima sobre as ações de Lélia Frota no INF.
Segundo Ricardo Lima, no momento inicial das transformações processadas por Lélia
Frota, algumas contratações foram feitas por convite pessoal da própria Lélia. Ana Heye e
Dinah Guimarães foram as primeiras funcionárias contratadas dessa maneira e, logo em
seguida, Lélia Frota convidou Ricardo Lima.
Ricardo Lima foi trabalhar no INF a convite de Lélia Frota, para atuar especificamente
na reformulação da exposição permanente do MFEC. É nesse momento que é criada a
Unidade de Antropologia no MFEC, onde Ricardo Lima passou a atuar. A partir desse lugar
institucional, atuava também na SAP, que não estava subordinada ao MFEC.
Para Ricardo Lima, a proposta de Lélia foi construída em uma relação de tensão com a
antiga perspectiva folclorista do INF. É nessa tensão que Lélia foi buscar na Antropologia
Social a perspectiva para fundamentar sua perspectiva e sua abordagem institucional. Além da
contratação de antropólogos, Lélia buscou respaldo na Antropologia Social através de uma
109
articulação com o antropólogo Gilberto Velho15
, que possibilitou uma aproximação política e
intelectual com o Museu Nacional.
Gilberto Velho foi uma forte influência teórica, principalmente a partir do livro Arte e
Sociedade – Ensaios de sociologia da arte (1977). A perspectiva de Gilberto Velho
possibilitou o aprofundamento das noções de autoria, por exemplo. Segundo Ricardo Lima,
Gilberto Velho foi um grande defensor das ações da SAP e, durante o período de desmonte da
área cultural na era Collor, Gilberto sustentou um forte argumento na FUNARTE se
posicionando contra a demissão de funcionários do INF.
Segundo Ricardo Lima, outra presença que foi muito importante para o fortalecimento
institucional das novas abordagens foi a da antropóloga Elizabeth Travassos, que trabalhava
com etnomusicologia no Núcleo de Música do INF e que, além de fazer pesquisas para a
instituição, também atuava na SAP. Ricardo Lima observa que as exposições da SAP sempre
apresentavam uma trilha sonora e uma ambientação. Esse material era preparado por
Elizabeth Travassos, que também realizava pesquisas de campo para gerar as exposições na
SAP.
Toni & Garcia (2003) descrevem Elizabeth Travassos como uma “pesquisadora
incansável” que começou a sua trajetória profissional formando-se em Ciências Sociais na
15 Gilberto Velho graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1968.
Em 1970, defendeu a Dissertação de Mestrado: A utopia urbana: um estudo de ideologia e urbanização, no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia do Museu Nacional/ UFRJ. Em 1975, defendeu a Tese de Doutorado: Nobres e anjos: um estudo de tóxicos e hierarquia, no Programa de Doutorado em Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Desde 1972, Gilberto Velho atuava como professor de Antropologia Social no Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ, cujo programa de Pós-Graduação em Antropologia Social havia sido criado em 1968, como o primeiro curso de pós-graduação em Antropologia social do Brasil. Informações obtidas no Currículo Lattes, disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4788377U3 e no site do Museu Nacional, disponível em http://www.ppgasmn-ufrj.com/apresentaccedilatildeo.html
110
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1977, onde também defendeu o Mestrado
em Antropologia Social, em 1984, sob a orientação de Anthony Seeger, com a dissertação
intitulada Xamanismo e música entre os Kayabi do Parque do Xingu, e onde também concluiu
o Doutorado em Antropologia Social , em 1996, sob a orientação de Gilberto Velho, com a
tese Os mandarins milagrosos: canções do povo e ideologia da arte.
De acordo com Toni & Garcia (2003), Elizabeth Travassos trabalhou entre 1982 e
1996 na FUNARTE, de onde saiu para ingressar como professora da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Além disso, Elizabeth Travassos participou como uma
das fundadoras da Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET).
Cabe aqui também registrar seu próprio depoimento. No livro Os Mandarins
milagrosos: arte e etnografia em Mário de Andrade e Bela Bartók, Elizabeth Travassos
(1997) observa a importância do projeto Estudos de Folclore no Brasil, do qual participou
quando trabalhava na FUNARTE, como um importante ponto de inspiração para a pesquisa
que originou esse seu livro sobre Mário de Andrade e Bela Bartók, versão reduzida de sua
tese de doutorado.
Na visão de Travassos (1997), na perspectiva de Mário de Andrade, assim como na de
Bela Bártok, “cultura” estava relacionada a “povos específicos, coabitando territórios
determinados, cujas relações eram reguladas por estados nacionais ou multinacionais”. Essa
abordagem estava baseada em “formas de codificar as diferenças entre grupos humanos” a
fim de possibilitar um conjunto de instrumentos que permitissem as “cartografias da
heterogeneidade cultural”. Essas cartografias se relacionavam com denominações e categorias
como nacional, étnico, regional ou social a fim que garantir uma “existência empírica” às
realidades cartografadas. (TRAVASSOS, 1997: 117)
111
Travassos (1997) observa aí que, no caso brasileiro, a vertente nacionalista utilizava
uma “estratégia de idealização” que se pautava na noção de “povo-nação”, no contexto
político de um “estado já existente”. Nesse cenário político, Travassos (1997) enfatiza que a
abordagem de Mário de Andrade apresenta importantes críticas aos “excessos nacionalistas”
ao propor uma perspectiva que contemplava a diversidade cultural. Segundo Travassos
(1997), Mário estabelecia relações entre indivíduos e regiões, de forma que, de sua
perspectiva, as realidades sociais eram “dinamizadas por forças opostas de coesão e
diferenciação, individuação e coletivização”. (TRAVASSOS, 1997: 145)
Segundo Ricardo Lima, outra presença importante naquele momento foi a da
antropóloga Maria Laura Cavalcanti, que trabalhava como assessora técnica. Segundo ele,
Lélia Frota criou um corpo de assessoras, composto, entre outros pesquisadores, por Carmen
Vargas, Marina de Mello e Souza e Maria Laura Cavalcanti. Essas assessoras também
organizavam eventualmente alguma exposição na SAP.
No trecho citado acima, Elizabeth Travassos cita o projeto Estudos de Folclore no
Brasil, sobre o qual também nos fala Ricardo Lima. Segundo ele, nesse contexto de
mudanças, Lélia Frota observou que seria importante recuperar a história da instituição. Foi
assim que o projeto Estudos de Folclore no Brasil foi formulado por Maria Laura Cavalcanti,
com participação de Elizabeth Travassos, Marina de Mello e Souza, Mirian Barros, Silvana
Araujo, Gláucia Villas-Boas, Antonio Augusto Arantes e Luiz Rodolfo Vilhena.
Nesse contexto, Lélia Frota propõe também a reedição de antigos folcloristas como
Câmara Cascudo e Cecília Meireles, reconhecendo a importância desses trabalhos e se
aproximando politicamente dos herdeiros dessa tradição. Para Ricardo Lima, ao mesmo
tempo em que Lélia Frota propunha mudanças, ela agia com sabedoria ao reconhecer o valor
do longo trabalho feito pelos folcloristas.
112
Vejamos o que nos diz Lélia Frota na introdução da reedição do livro Batuque, samba
e macumba – Estudos de gesto e de ritmo 1926-1934 (2003), de Cecília Meireles, publicada
em 1983 pelo INF. Lélia Frota, que aí se assina novamente como Lélia Gontijo Soares,
valoriza os trabalhos de Cecília como folclorista e os desenhos e aquarelas que a poeta
produzira originariamente para serem expostos em 1933, na Pró-Arte, no Rio de Janeiro,
exposição essa da qual originou-se o livro.
Para Lélia Frota, os estudos de folclore e os desenhos de Cecília estão associados “a
uma visão essencial da vida” enquanto centro da “experiência poética”. Lélia conta que,
devido à qualidade das publicações de Cecília sobre o “folclore infantil” no jornal A Manhã,
ela foi “convidada a integrar a Comissão Nacional de Folclore”, criada em 1947. Segundo
Lélia, no I Congresso Brasileiro de Folclore, Renato Almeida incorpora as sugestões de
Cecília na direção de valorizar a importância do folclore nas escolas e a criação de museus de
arte popular. Nessa introdução, Lélia Frota salienta que Cecília Meireles foi uma das
primeiras folcloristas a dedicar-se especificamente à “cultura material do povo”, e o fez em
livros como As artes plásticas no Brasil (1952) e Aspectos da Cerâmica popular (1953).
O que claramente discernimos em Cecília, para além de qualquer
especulação teórica, é um gosto muito especial pelo concreto, um
gosto muito etnográfico mesmo, que faz descrever fielmente o traje da
baiana no Rio de Janeiro, bem como diversas representações coletivas
da cultura material em seu criteriosíssimo texto para As artes plásticas
no Brasil. O minucioso estudo sobre a cerâmica popular que escreveu
para o Folclore, de 1953, demonstra também estar ela perfeitamente
informada sobre a tecnologia da olaria (SOARES, Lélia In;
MEIRELES, 2003[1983]: 17).
Na perspectiva de Lélia Frota, os textos e os desenhos de Cecília Meireles, articulados
em seu livro, “podem constituir-se assim nos primeiros documentos de práticas e linguagens
gestuais do samba e dos terreiros cariocas, para os anos de 1920 e 1930, se entendermos o
113
corpo humano como um objeto de percepção”. Dessa forma, de acordo com Lélia, Cecília
realizou um estudo cultural, dialogando com a abordagem de Marcel Mauss sobre os gestos e
as técnicas corporais (SOARES, Lélia In: MEIRELES: 2003[1983]: 19).
A Sala do Artista Popular
Voltemos ao relato de Ricardo Lima sobre as ações de Lélia Frota no INF. Segundo
ele, foi naquele contexto de mudança que se tornou possível também a alteração da prática de
comercialização do INF nas lojas da FUNARTE, onde os objetos eram vendidos como
produtos FUNARTE, sem identificação de autoria e procedência. Lélia Frota era crítica da
visão que se contentava em dizer que esses objetos eram produzidos pelo “povo”, pois,
segundo Ricardo Lima, para ela, o “povo” era composto de indivíduos concretos, que
formulam concepções e que pensam sobre sua produção artesanal. A organização da oferta
desses objetos para as lojas da FUNARTE era realizada por dois técnicos do INF: Amália
Lucy Geisel e Raul Lody, que viajavam a serviço da FUNARTE para comprar os objetos,
principalmente a cerâmica de Taubaté/SP, e encomendavam muitas peças de Pernambuco.
Lélia Frota encerra esse tipo de prática e recebe uma forte pressão das comunidades
produtoras de artesanato que estavam acostumadas com essa comercialização, e da diretoria
da FUNARTE: a diretora-executiva da instituição, Edméa Falcão, aceitou o encerramento da
antiga forma de comercialização, mas exigiu uma proposta para substituí-la. Foi nesse
contexto que Lélia criou a SAP, como um modelo de comercialização no qual os objetos têm
sentido, significado, identificação e autoria, além de haver a presença física dos artistas e
informações detalhadas sobre os contextos de produção. Com isso Lélia Frota encerrava um
ciclo institucional de comercialização do artesanato e mostrava que a antiga forma era
prejudicial aos próprios artesãos.
114
Ricardo Lima detalha o modo de ação da SAP, observando configurar-se ela desde o
início como um projeto que agregava toda a instituição e, ao mesmo tempo, dependia de toda
a instituição. Ou seja, a SAP utilizava todos os recursos do então INF, como as músicas do
núcleo de música e as publicações da Biblioteca Amadeu Amaral, onde os pesquisadores iam
procurar a bibliografia e os documentos que muitas vezes serviam como orientação. Por outro
lado, de acordo com Ricardo Lima, a SAP produzia muito material para toda a instituição, e
ele cita as peças expostas, que alimentavam o acervo do MFEC, e publicações, tais como os
catálogos das exposições e o material produzido nas pesquisas de campo, que alimentavam o
acervo da Biblioteca. Ao mesmo tempo em que utilizava o material produzido pelo fotógrafo
Francisco Moreira da Costa, do Setor de Audiovisual da Biblioteca, a SAP produzia material
fotográfico a partir das pesquisas de campo, e esse material abastecia o acervo fotográfico da
Biblioteca.
Para Ricardo Lima, a metodologia de pesquisa de campo para as exposições da SAP se
pautava em cinco questões, que também orientavam a elaboração dos textos etnográficos dos
catálogos. As cinco questões que permitiam entender o contexto da produção artesanal local
que seria exposta na SAP eram as seguintes:
1. Quem está produzindo? (Homem, mulher, criança, grupo, indivíduo).
2. O que produz? (Pote, pintura, escultura, temática).
3. Onde acontece a produção? (Localidade, região, espaço, oficina, casa).
4. Como é produzido? (Ferramentas, matéria-prima).
5. Por que é produzido? (Concepções sobre o próprio trabalho, motivos).
115
Para Ricardo Lima, a procura pelas respostas a essas questões em campo levava o
pesquisador a detalhar o contexto etnográfico da expressão cultural que ele estava estudando,
e isso dava densidade tanto às exposições na SAP quanto a seus catálogos.
Sobre a SAP, cabe registrar aqui a visão do economista e colecionador de gravuras
George Kornis16
, que foi assessor da diretoria-executiva da FUNARTE entre 1982 e 1985.
Para ele, a FUNARTE foi um órgão estratégico no processo de transição do regime
autoritário-militar (1964/1985) para a ordem democrática no Brasil. A FUNARTE, além de
contribuir para a distensão nas relações entre o Estado autoritário e os artistas e intelectuais,
foi uma instituição que redesenhou a política cultural nesse difícil processo de transição para a
democracia. Na perspectiva de Kornis, o Instituto Nacional do Folclore (INF), que era um dos
vários institutos da FUNARTE, foi um vetor de mudança no campo da política cultural
orientada para a preservação e o desenvolvimento da cultura popular no Brasil. E para ele a
SAP foi um dos instrumentos criados para favorecer e consolidar esse processo específico de
mudança.
De acordo com Kornis, a SAP surge com o objetivo de documentar, difundir e
interferir na comercialização da arte popular no Brasil. Nesse contexto, a SAP produziu uma
ampla documentação, que acabou por gerar uma sólida base para pesquisas no campo da arte
popular, e também promoveu uma consistente difusão de informações sobre a arte popular,
que favoreceu o desenvolvimento de acervos e coleções de arte popular no país.
George Kornis observa que sua atuação profissional no período mencionado consistiu
em assessorar a comercialização da produção de arte popular, buscando a geração de renda
16 Depoimento de Geroge Kornis realizado no dia 27/11/2015.
116
para os artesãos, a correta configuração das cadeias de intermediação e o fomento de demanda
qualificada, ou seja, uma demanda não predatória e orientada para o consumo desses bens.
A sua formação como economista e também como colecionador de arte se somou à
formação de diversos outros profissionais que integravam o quadro funcional da
SAP/INF/FUNARTE. Nesse sentido, segundo Kornis, o caráter multidisciplinar dessa equipe
de profissionais dotou o Estado brasileiro de um instrumento qualificado de atuação no
desenvolvimento institucional no campo da proteção e do fomento produtivo da arte popular
gerada no país.
Sobre a SAP, temos ainda a reflexão de Maria Laura Cavalcanti (2012) no livro
intitulado Reconhecimentos: antropologia, folclore e cultura popular. Para ela, a SAP aparece
como um dos projetos de ponta para uma nova concepção de arte popular, de artista e de
criatividade individual. E inova também contemplando a diversidade das situações de
produção artesanal, vendo a comercialização como integrada à produção, valorizando a
pesquisa antropológica como parte do processo de conhecimento e difusão de diferentes
saberes e ofícios, e com a venda inteiramente destinada aos próprios artesãos, sempre
presentes na organização da exposição e no contato com o público. A mudança da abordagem
institucional apareceria logo nos primeiros textos dos catálogos das primeiras exposições, que
já incorporaram a metodologia da antropologia social.
É interessante observar que o ano de fundação da SAP é o mesmo ano de publicação
do livro Local Knowledge: Further Essays in Interpretive Anthropology de Clifford Geertz
(1983), que entre oito ensaios incluía a A arte como um sistema cultural, o que pode ser um
indício do diálogo atualizado que Lélia Frota mantinha com as teorias antropológicas que
117
eram produzidas naquele momento17
. De acordo com Marina de Mello e Souza 18
, as teorias
de Clifford Geertz foram um referencial teórico importante para a fundamentação dos novos
rumos do INF na gestão de Lélia Frota.
Nesse ensaio, Geertz (1983) analisa os processos de “atribuir aos objetos de arte um
significado cultural”. Para Geertz (1983), as populações “não ocidentais” têm a sua própria
maneira de falar sobre os objetos que na perspectiva ocidental são considerados como arte.
(GEERTZ, 1983: 146-147) Assim, os “objetos estéticos” não devem ser entendidos somente
como “encadeamento de formas puras”, mas sim como “sensibilidades específicas” que
participam da totalidade da vida, sensibilidades que são “formações coletivas” e estão
relacionadas à vida social. É nesse sentido que a produção artesanal tradicional está articulada
a dimensões sociais que vão além das dimensões estéticas e das dimensões funcionalistas.
Para Geertz (1983), os elementos considerados como estéticos são “documentos primários” 19
e é preciso escutar o que as pessoas que produzem os objetos têm a dizer. É preciso interpretar
os significados dessas produções através dos métodos semióticos das ciências sociais e da
antropologia para entender os “transmissores de significados” dentro da vida social estudada.
Neste caso significado também é uso, ou, para ser mais preciso, surge
graças ao uso. Somente pesquisando esses usos com o mesmo afinco
com que estamos acostumados a estudar técnicas de irrigação ou
costumes matrimoniais, seremos capazes de descobrir algo mais
profundo sobre eles. E isso não é uma defesa do indutivismo, pois não
temos a menor necessidade de um catálogo de instâncias (GEERTZ,
1983: 179).
17 Observação sugerida pela antropóloga e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Dra. Carla
Delgado de Souza, durante a defesa desta tese, no dia 04/11/2016.
18 Informações presentes no depoimento de Marina de Mello e Souza realizado no dia 06/11/2015
19 Geertz (1983) utiliza a definição apresentada por Robert Goldwater no artigo Art and anthropology: some
comparisons of methodology, publicado em FORGE, A. Primitive art and society. Londres: Oxford University Press, 1973.
118
Na visão de Geertz (1983), a análise semiótica dos objetos precisa chegar ao cotidiano
da produção dos objetos a fim de entender o que esses objetos significam para as pessoas que
os fazem e qual o valor que atribuem a eles. Para Geertz (1983), esse conhecimento permite
constatar como “a variedade da expressão artística é resultado da variedade de concepções
que os seres humanos têm sobre como são e funcionam as coisas”. Nessa perspectiva, o
estudo da arte e de seus sinais deve abordar estes como “formas de pensamento, um idioma a
ser interpretado”. Para tal estudo, é necessária “uma ciência que seja capaz de determinar o
sentido que as coisas têm para a vida a seu redor” a fim de conhecer o “significado do
contexto” onde os objetos são produzidos (GEERTZ, 1983: 181).
Mas, além do sugerido diálogo com o pensamento de Geertz, as influências
intelectuais mais fortes de Lélia para a formulação do projeto SAP foram, segundo Ricardo
Lima, Mário de Andrade e Aloísio Magalhães.
O Projeto Piloto de Apoio ao Artesão
Voltemos ao relato de Ricardo Lima sobre as ações de Lélia Frota no INF. Segundo
ele, o Projeto Piloto de Apoio ao Artesão também surgiu nesse contexto, e foi uma
experiência de ação com as comunidades que se somou ao Pequeno Atlas da Cultura Popular
e à SAP.
O Projeto Piloto de Apoio ao Artesão surgiu a partir de uma recomendação do
seminário denominado Encontro Produção de Artesanato Popular e Identidade Cultural,
realizado na FUNARTE por iniciativa do INF em 1983. Conta-nos a pesquisadora do CNFCP
119
Guacira Waldeck20
que esse encontro desenvolveu uma discussão institucional que resultou
na publicação do documento Encontro de Produção de Artesanato Popular de Identidade
Cultural, organizado por Lélia Frota e editado pela FUNARTE em 1983.
Nesse documento, defende-se a tese de que as políticas públicas de cultura não
deveriam assentar-se apenas nas dimensões artísticas dos objetos artesanais, mas interessar-se
também pelas dinâmicas de sobrevivência dos produtores do artesanato. Nesse contexto, a
perspectiva de Lélia Frota configurava também um marco nos debates sobre as ações das
políticas para o artesanato no Brasil.
Segundo esse documento, o dever institucional do INF seria a incorporação da
reflexão conceitual e metodológica da antropologia contemporânea, focalizando as
manifestações culturais das comunidades de baixa renda, tanto em suas dimensões sociais
como no seu fazer inventivo, a partir de um trabalho etnográfico. Dessa forma, o objetivo das
pesquisas com artesanato seria produzir uma abordagem etnográfica sobre os produtos e sobre
o contexto social de sua produção, incorporando tanto os aspectos simbólicos como os
aspectos funcionais dos objetos, e identificando seus significados para compreender o circuito
do fazer, usar e comercializar.
Nesse documento, as políticas de artesanato também foram vistas como políticas de
desenvolvimento socioeconômico. Para o INF, o artesanato faria parte de uma complexa
dinâmica cultural local que deveria ser analisada pela pesquisa etnográfica como ponto de
orientação para as políticas de intervenção governamental. O eixo fundamental dessas
políticas, sugerido pelo Encontro, foi a construção de uma relação entre prefeituras, órgãos
20 Depoimento de Guacira Waldeck realizado no dia 25/11/2015.
120
estaduais, associações de artesanato e os próprios artesãos para que novas condições de
produção pudessem surgir. A proposta de criação de comissões permanentes, nas quais
técnicos pudessem escutar as necessidades locais, foi o ponto central. Portanto, além das
finalidades científicas, as pesquisas deveriam atingir finalidades regionais práticas, sendo a
identidade cultural vista como uma das bases para o desenvolvimento econômico.
Desse modo, as políticas de apoio ao artesanato deveriam estar atentas às
especificidades locais, ao desenvolvimento de tecnologias próprias, à formulação de uma
legislação específica e aos mecanismos de registro. Nessa perspectiva, seria importante evitar
os processos de comercialização sem a realização de uma consulta prévia às comunidades, de
forma que o artesanato passou a ser abordado pelo INF como parte de um contexto social.
Nesse sentido, a visão de proteção do INF expressa nesse documento não pretendia ensejar
uma atitude preservacionista e imobilista, mas uma prática de intervenção política com
objetivo de mudança social, partindo das relações que os artesãos tinham com suas próprias
produções e centralizando-se nas identidades culturais locais.
Para Ricardo Lima, uma das grandes contribuições do Encontro Produção de
Artesanato Popular e Identidade Cultural foi como vimos o Projeto Piloto de Apoio ao
Artesão, uma proposta de articulação para projetos de política local em Paraty (RJ) e Juazeiro
do Norte (CE). Esse projeto se organizou através de articulação com as prefeituras dos dois
municípios, de modo que se viabilizaram negociações locais a fim de solucionar os problemas
com matéria-prima e comercialização dos produtos do artesanato tradicional desenvolvido
nessas cidades. Em ambos os municípios a pesquisa de campo, o contato com a comunidade e
a escuta antropológica das necessidades locais foram fundamentais para que o ponto de vista
dos artesãos viesse a ser a base para a formulação das políticas de intervenção local. O Projeto
121
Piloto de Apoio ao Artesão surgiu, portanto, como projeto de intervenção local, o que veio a
se tornar um dos principais eixos da SAP.
Sobre o Projeto Piloto de Apoio ao Artesão temos mais informações em Frota (1983).
Segundo esse artigo, a década de 1980 estava se revelando como de grande visibilidade para o
artesanato brasileiro, tanto do ponto de vista dos mercados consumidores como do ponto de
vista institucional. Esse processo estava associado ao aumento do turismo com o consequente
consumo de produtos regionalmente característicos. Segundo Frota (1983) em 1980 o
Ministério do Trabalho realizara uma pesquisa, no contexto do Programa Nacional de
Desenvolvimento do Artesanato (PNDA), que mostrara que 10% da população brasileira
trabalhava direta ou indiretamente com a produção artesanal, de modo que políticas nessa área
seriam fundamentais para desenvolver as potencialidades existentes. Entretanto, grande parte
das políticas desenvolvidas até então enfrentava graves problemas operacionais, devido ao
desconhecimento das realidades culturais dos produtores artesanais. Nesse sentido, o Projeto
Piloto de Apoio ao Artesão vinha a calhar, e era visto como capaz de propiciar grande
contribuição para a formulação de uma abordagem antropológica para as políticas de
artesanato.
Segundo Heye e Souza (1987), o Projeto Piloto de Apoio ao Artesão organizou suas
ações de intervenção através dos conhecimentos empíricos possibilitados pela pesquisa de
campo. O objetivo etnográfico impôs a necessidade de especialistas com formação em
antropologia para atuar especificamente na execução e na implantação do Projeto. Segundo
Heye e Souza (1987), uma das referências de etnografia aplicada do Projeto Piloto foi Roger
Bastide (1979), que defendia a ideia de que a comunidade deveria ser o foco das políticas de
intervenção, de modo que seria preciso o trabalho de um etnólogo para estudar
minuciosamente a estrutura social da população na qual se pretendia interferir com uma
122
política de desenvolvimento. O trabalho etnográfico seria fundamental para que as
necessidades e os sentimentos da comunidade fossem mapeados.
O INF depois de Lélia Frota
É Ricardo Lima21
quem nos fala sobre a saída de Lélia Frota do INF e sobre os anos
que se sucederam a essa saída. Com a morte repentina de Aloísio Magalhães, em 1982, e a
mudança no governo federal, em 1985, Lélia imaginou que seria “convidada” a sair da
instituição e, antecipando-se a isso, pediu demissão do INF, direcionando Amália Lucy
Geisel, antiga funcionária de carreira do órgão, para sua direção. Como era funcionária do
IPHAN, Lélia elaborou um projeto sobre o filme etnográfico no Brasil e foi desenvolvê-lo na
Empresa Brasileira de Filmes (EMBRAFILME). Depois de dois anos, assumiu um cargo no
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
Para Ricardo Lima, a saída de Lélia foi estratégica, pois permitiu a continuidade das
ações que ela vinha promovendo no INF, bem como a manutenção da equipe que ela havia
convidado para trabalhar na instituição. A única pessoa que saiu foi Dinah Guimarães, que foi
trabalhar no Museu de Belas Artes, a convite de Heloisa Lustosa. Amália Lucy Geisel
assumiu o cargo no fim de 1985. Ela trabalhava no INF desde 1979 e, como era funcionária
adjunta de Lélia Frota, foi nomeada justamente para que houvesse continuidade nos trabalhos.
Amália também trabalhou como professora de folclore e arte popular no curso de Museologia
das Faculdades Integradas Estácio de Sá.
21 Depoimento de Ricardo Lima realizado no dia 24/10/2013.
123
Antes de assumir a direção do órgão, Amália trabalhara ao lado de Raul Lody na
coordenação do Projeto Artesanato Brasileiro, do Núcleo de Cultura Material do INF, que já
abordara a cultura como processo em transformação e já desenvolvera ações políticas do tipo
que seria preconizado como norma no documento do Encontro acima citado. Junto com Raul
Lody, Amália organizou o livro Artesanato Brasileiro: rendas (1981), que apresenta
descrições sobre os produtos, as técnicas e os produtores.
Durante a gestão de Amália Geisel, a abordagem institucional foi a mesma proposta
por Lélia Frota, de forma que sua influência permaneceu mesmo após sua saída do INF.
Amália Geisel deixou a gestão do INF em 1991, durante o governo de Fernando Collor de
Melo.
Ricardo Lima22
recorda que o governo de Fernando Collor foi muito problemático
para a política cultural brasileira e para o INF especificamente. Ricardo considera que o
governo Collor foi uma “máquina destruidora”, na medida em que organizou políticas para
desmembrar as instituições de folclore. Entretanto, Ricardo Lima23
considera que, quando
saiu da instituição e indicou Amália Lucy Geisel, que era filha do ex-presidente da era militar,
o general Ernesto Geisel, Lélia Frota colocou um escudo frente a ações governamentais
contrárias ao INF, escudo esse que protegeu o órgão até mesmo durante o período Collor.
Além disso, as alianças com Gilberto Velho possibilitaram a associação do INF com a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e com a Associação de Pós-Graduação em
Ciências Sociais (ANPOCS), que foram fundamentais para resistir às pressões de desmonte
da área cultural empreendidas pelo governo Collor.
22 Depoimento de Ricardo Lima realizado no dia 24/10/2013.
23 Depoimento de Ricardo Lima realizado no dia 23/11/2016
124
Mesmo assim, a intervenção do governo Collor levou a um sensível desgaste da
instituição, que foi obrigada a fechar a Unidade de Antropologia do MFEC. A SAP ficou
associada ao Setor de Pesquisa e, no ano de 1990, não foi organizada nenhuma exposição24
.
Em 1991, com a saída de Amália Geisel, assume a coordenação do INF Cláudia
Márcia Ferreira, outra funcionária de carreira da instituição. Quando foi nomeada diretora,
Cláudia já era reconhecida pela equipe por sua capacidade de liderança e, dessa forma, suas
diretrizes foram bem recebidas. Posteriormente, ela participaria das discussões para o
desenvolvimento das “propostas de regulamentação do registro” do patrimônio cultural
imaterial. 25
Na apresentação escrita por Cláudia Márcia Ferreira para o livro de Ricardo Lima
(2010a) intitulado Objetos: percursos e escritas culturais, ela também observa que nos anos
de 1980 o INF passou por um complexo processo de mudança institucional e procurou
desenvolver uma nova abordagem dos objetos produzidos pela cultura popular. O Museu do
Folclore Edison Carneiro (MFEC) foi um importante espaço de produção de tais mudanças.
Nesse contexto, os pesquisadores e técnicos da instituição se uniram a fim de realizar essa
proposta de mudança.
A reformulação da exposição de longa duração foi o palco eleito.
Pensar o quê, como, para quê e para quem estávamos reunindo e
expondo coleções de objetos, que assumiam função de porta-vozes da
narrativa a ser construída sobre as diferentes maneiras de ver o
24 Como pode ser observado no Anexo B desta tese, já em 1989 tinha acontecido somente uma exposição na
SAP; em 1990, como vimos acima, não houve exposição alguma; em 1991, houve somente uma exposição, assim como em 1992; em 1993 não houve exposição alguma; em 1994, acontecem duas exposições. É só em 1995 que a SAP retoma seu ritmo normal de exposições.
25 Informações obtidas em: http://portal.iphan.gov.br/quemEQuem/detalhes/51/claudia-marcia-ferreira
125
mundo, foi o exercício de ideias, e torná-lo efetivamente museal, o
desafio para uma equipe interdisciplinar. (Claudia apud LIMA:
2010a:11)
Segundo Cláudia Márcia Ferreira, a pesquisa de campo orientada pelos novos
objetivos possibilitou a formação de acervos que contribuíram para evidenciar as
características culturais dos objetos. Além disso, coleções novas e diferentes passaram a fazer
parte do acervo do MFEC, e, dessa forma, com apoio de todos os pesquisadores, a perspectiva
das exposições foi reelaborada.
Companheiro de trabalho e utopias
Antes de encerrar este relato das ações de Lélia Frota à frente do INF, fortemente
inspirado no depoimento a mim prestado por Ricardo Lima, cabem ainda algumas palavras
sobre a trajetória e o pensamento desse antropólogo cuja presença foi fundamental para a
concretização de muitas de tais ações. Inspiramo-nos aqui inicialmente no que escreveu sobre
ele a atual diretora do CNFCP, Cláudia Márcia Ferreira, na apresentação do livro Objetos:
percursos e escritas culturais, publicado por ele em 2010.
Um companheiro de trabalho com quem se aprende muito e se vive
intensamente em busca das utopias e das conquistas de espaços para o
reconhecimento e a afirmação de valores caros às exposições e aos
atores das culturas populares (FERREIRA apud LIMA: 2010a: 12).
Cláudia Márcia Ferreira relata que conheceu Ricardo Lima no começo dos anos de
1980, quando ele foi convidado por Lélia Frota para trabalhar no INF. Ela relembra que esse
momento de transformação institucional do INF foi marcado pela intensificação das relações
da instituição com os centros universitários, e que só foi possível graças à articulação com as
políticas nacionais de cultura, orientadas então por Aloísio Magalhães, titular da Secretaria da
Cultura (SEC) do MEC.
126
Ricardo vinha de experiência de trabalho no Museu Nacional, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, e sua formação em ciências
sociais trazia o instrumental necessário para um estudo mais
aprofundado das coleções e para o desejado diálogo entre a
museologia e a antropologia. (FERREIRA apud LIMA: 2010a:11)
Para Cláudia Ferreira, a Unidade de Pesquisa do Museu do Folclore Edison Carneiro
foi criada para produzir pesquisas sobre os objetos que alcançassem aspectos relacionados a
seus significados locais, com o objetivo de entender os sentidos que os próprios produtores
conferiam a tais objetos nos seus contextos culturais, e promover assim novas formas de
abordar as manifestações da cultura popular no Brasil. Foi nesse momento fundamental para a
história da instituição e nessa Unidade de Pesquisa que Ricardo Lima começou o seu longo
currículo de contribuições decisivas para o fortalecimento e para o desenvolvimento do
MFEC e de todo o futuro CNFCP.
Para Cláudia Ferreira, “Ricardo exerceu papel de mediação significativo entre a
atividade museal e o campo conceitual da antropologia que se afirmava na instituição”. Ela
salienta também que a atuação de Ricardo Lima institucionalizou sua perspectiva sobre as
dimensões expressivas dos objetos populares, vistos como manifestações artísticas
relacionadas a contextos culturais. (FERREIRA apud LIMA, 2010a: 12)
De acordo com Cláudia Ferreira, Ricardo Lima teve presença importante em vários
projetos da instituição, mas o Projeto da Sala do Artista Popular (SAP) é um grande marco em
sua trajetória de dedicação e empenho. A partir dos anos de 1990, ele ficou à frente da
coordenação da SAP, bem como do Programa de Apoio às Comunidades Artesanais (PACA),
que foi implantado em 1998, e que seria posteriormente ampliado como Programa de
Promoção do Artesanato Tradicional (PROMOART).
127
No mesmo livro, Ricardo Lima conta que estudou Ciências Sociais na Universidade
Federal Fluminense e foi estagiário do Setor de Etnografia do Museu Nacional, onde
trabalhou por onze anos, antes de ser convidado por Lélia Frota para trabalhar no INF.
Ainda na graduação em ciência sociais, nos anos de 1970, tive o
privilégio de me tornar estagiário do Setor de Etnografia do
Departamento de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ, mundo
mágico, muitas vezes misterioso, cheio de armários, gavetas, baús,
cada qual repleto de inumeráveis exemplares recolhidos nos mais
distantes confins do Brasil e do mundo. O feitiço era tal que deixei-me
lá permanecer, encantado, por mais de dez anos, aprendendo e
trabalhando com Maria Heloísa Fénelon Costa (LIMA, 2010a: 123).
Ricardo Lima conheceu Lélia Frota quando trabalhou no projeto denominado Estudo
etnográfico sobre o emprego da tecnologia em sociedades tribais e populações regionais, que
foi desenvolvido no Setor de Etnografia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), com financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), sob a
coordenação de Maria Heloísa Fénelon. Esse projeto ficou conhecido como Projeto Paraíba
do Sul. Lélia foi consultora desse projeto, e assim ficou conhecendo Ana Heye e Ricardo
Lima, convidando-os depois para participar da equipe do INF.
Ricardo Lima26
relata que Lélia Frota o convidou para trabalhar no INF em 1982.
Ricardo Lima (2010a) observa que a temática dos objetos classificados como
artesanato e arte popular acompanharia a sua trajetória como antropólogo para sempre. Sua
Dissertação de Mestrado, 27
na linha de pesquisa de Antropologia da Arte, intitulada Da pesca
26 Depoimento de Ricardo Lima realizado no dia 24/10/2013.
27 Informações obtidas no banco de dados da plataforma Lattes. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4770661E6
128
e outras artes: Memórias de Antônio de Gastão, foi defendida em 1993 na Escola de Belas
Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação de Maria Heloísa Fénelon
Costa. Em 2006, defendeu sua Tese de Doutorado em Antropologia Cultural, intitulada O
povo do Candeal: Sentidos e percursos da louça de barro, no Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação de
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. A trajetória de Ricardo Lima é de fato marcada
por um conjunto relevante de publicações de artigos e livros que procuram entender os
contextos dos objetos artesanais no Brasil, e o livro Objetos: percursos e escritas culturais,
publicado em 2010, faz um importante balanço dessa trajetória.
Ricardo Lima (2010a) recorda que em seus primórdios, a SAP possuía um orçamento
muito pequeno, e o que possibilitava a continuidade do programa era a vontade das pessoas
envolvidas, associada ao estabelecimento de parcerias nos locais de produção. Na visão de
Ricardo Lima, Lélia Frota trabalhava com muita paixão, o que pode ser observado nos textos
que escreveu, e essa paixão caracterizou desde sempre os trabalhos da SAP, que recuperou a
força e o espírito de luta do movimento folclórico. Foi isso, em sua opinião, que permitiu à
SAP resistir e atravessar ilesa os períodos mais problemáticos da história das instituições de
cultura no Brasil.
Lima (2010a) enfatiza que o contexto de trabalho no INF era de fato muito
estimulante, devido à presença de uma equipe interdisciplinar muito empenhada e
competente, que tinha pela frente “o desafio de contar uma história sobre o povo brasileiro
cuja narrativa, ao invés de palavras, seria construída pelos objetos”. (LIMA, 2010a: 123)
No artigo incluído nesse livro, intitulado Objetos Museológicos, cuja primeira versão
foi escrita em 1984 com o título O Museu de Folclore Edison Carneiro do INF e a
129
organização da mostra Bonecos e vasilhas de barro do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais,
Lima (2010a) fala sobre os desafios e os problemas que o MFEC procurava enfrentar naquele
momento, e explicita algumas de suas ideias sobre a musealização de objetos.
Para Lima (2010a), é importante ressaltar a responsabilidade e o cuidado que os
agentes institucionais precisam ter quando deslocam determinados objetos de seus contextos
culturais para espaços que são orientados por outras lógicas. Para ele, os museus precisam
repensar as suas funções de coleta, formação de acervos e formas de exposição. Esse
questionamento leva Lima (2010a) a mencionar nesse texto as formulações críticas de Claude
Lévi-Strauss (1970) aos museus de antropologia.
Durante muito tempo, os museus de antropologia foram concebidos à
imagem de outros estabelecimentos do mesmo tipo, isto é, como um
conjunto de galerias em que se conservam objetos: coisas, documentos
inertes e de algum modo fossilizados atrás de suas vitrinas,
completamente destacados das sociedades que os produziram, o único
laço entre estas e aquelas sendo constituído por missões intermitentes
enviadas ao campo para reunir coleções, testemunhas mudas de
gêneros de vida, ao mesmo tempo estranhas ao visitante e para ele
inacessíveis. (LÉVI-STRAUSS, 1970: 402 apud LIMA, 2010a: 95)
Para Lima (2010a), os museus precisam evitar a separação entre o estudo social e os
processos de exposição e formação de coleções, para que, assim, a “coleta de objetos” seja
fundamentada na perspectiva de que tais objetos são “documentos de contextos
socioeconômicos e culturais específicos” produzidos pela criatividade de seus produtores
(LIMA, 2010a: 96). Lima (2010a) recomenda que os objetos expostos sejam abordados como
as vozes e as expressões de uma cultura e de valores coletivos, e nesse ponto o trabalho
antropológico seria fundamental. “É nossa tarefa transformar esse objeto em sujeito, ou
melhor, em objeto-sujeito, resgatando a sua identidade perdida no momento de transposição
para os códigos de outra cultura”. (LIMA, 2010a: 97)
130
Lima (2010a) observa que, assim como na visão da antropóloga Lobsiger-Dellenbach
(1970), a precisão metodológica nas pesquisas de campo sobre objetos é difícil, pois os
pesquisadores precisam observar os detalhes das relações sociais, o que só é possível com o
treinamento específico para as pesquisas de campo. De acordo com Ricardo Lima (2010a),
Lélia Frota também partia de Lobsiger-Dellenbach para enfatizar a importância das pesquisas
etnográficas desenvolvidas pelos pesquisadores do MFEC, bem como da produção de
documentos sobre a identidade e a procedência dos objetos.
Na entrevista que concedeu para A Casa no mesmo ano de 2010, Ricardo Lima
(2010b) lembra que, antes da chegada de Lélia Frota ao INF – e podemos acrescentar, antes
de sua própria chegada ao MFEC – os objetos eram abordados como objetos folclóricos, ou
seja, trabalhava-se com uma tipologia de objetos anônimos e coletivos, de modo que as
dimensões autorais não eram consideradas relevantes. Na perspectiva desenvolvida por eles,
cada objeto passou a ser relacionado a seu autor e, portanto, as marcas autorais passaram a ser
explicitadas na expografia. Consolidava-se um enfoque no qual os objetos passavam também
a ser interpretados como simbólicos de identidades culturais de grupos sociais, o que também
deveria estar evidenciado para o público das exposições. Para Ricardo Lima, Lélia Frota teria
inaugurado assim um caminho teórico e institucional para o reconhecimento da dignidade da
produção popular.
Por outro lado, nessa mesma entrevista, Ricardo Lima (2010b) afirma que o folclore
deve ser visto como uma área de entendimento sobre o humano, área essa inserida em uma
guerra de concorrência entre campos de pesquisa. Ele lembra que Florestan Fernandes
desenvolveu uma importante crítica ao folclore, mas menciona a pesquisa de Luís Rodolfo
Vilhena (1997), que demonstrou que o movimento folclórico não desapareceu simplesmente,
mas continuou pesando como tradição e serviu como ponto de partida para muitas das
131
iniciativas de inovação. A influência dessa tradição pode ser observada nos trabalhos de
Rossini Tavares e nos antigos mapeamentos folclóricos, por exemplo, que serviram de
orientação empírica inicial para a própria SAP.
Análise descritiva de textos de catálogos
SAP 01. Jota Rodrigues
A preocupação básica dos textos dos primeiros catálogos da SAP foi incorporar a
noção de contextualização da produção artesanal relacionada à vida sociocultural da região,
evidenciando os produtores dos objetos estudados. Como vimos, com a chegada de Lélia
Frota ao INF, a abordagem folclórica passou a ser tensionada institucionalmente pela
abordagem antropológica. As metodologias passaram a procurar os fatos etnográficos,
seguindo as cinco perguntas básicas mencionadas por Ricardo Lima (Quem, O quê, Como,
Onde, Por quê). Desse modo, a análise dos primeiros textos dos catálogos permite observar a
influência direta de Lélia.
Na introdução ao catálogo da primeira exposição da SAP (SAP 01), denominada Jota
Rodrigues e realizada em 1983, Lélia Frota, que aí se assina Lélia Gontijo Soares, descreveu o
contexto institucional de implantação do programa no então INF da FUNARTE. Nessa
descrição, Soares (1983d) cita a Carta do Folclore, de 1951, que, segundo ela, já fazia
referência aos estudos baseados nas “ciências antropológicas e culturais”, e afirma que isso
foi fundamental para o INF realizar suas pesquisas e ações junto às comunidades,
compreendendo as manifestações culturais em um contexto amplo e abordando desde as
determinantes socioeconômicas até o fazer inventivo de indivíduos e grupos.
Também nessa introdução Soares (1983d) defendeu a tese de que o INF considerava
“legítimo” que os produtores ocupassem um espaço real na instituição. Segundo ela, foi
132
dentro dessa perspectiva que foi criada a SAP, visando atender às diretrizes para a
operacionalização de políticas culturais do então Ministério da Educação e Cultura (MEC), na
busca pela valorização dos bens culturais ainda não consagrados. No texto de Lélia Frota para
a introdução desse catálogo, ficou claro que o foco inicial da SAP eram manifestações
culturais que procedessem de experiências coletivas ligadas a uma região ou a um segmento
social definido, desde que se verificasse seu “caráter popular”. Para ela, a SAP fora criada
como uma forma de apresentação dos chamados “modos singulares e característicos de
cultura”.
O texto do catálogo foi escrito por Dinah Guimarães, e o artista apresentado é José
Rodrigues de Oliveira, o Jota Rodrigues, considerado como um expoente da literatura de
cordel. A comissão responsável pela realização da SAP 01 foi composta por Carmen Vargas,
Dinah Guimarães, Elizabeth Travassos e Maria de Lourdes Ribeiro. As fotografias foram
feitas por Luiz Peregrino
O texto de Dinah Guimarães (1983) para o catálogo da SAP 01 é um documento
importante das novas formas textuais que estavam em curso no INF, incorporando referências
etnográficas e linguagem antropológica, e trabalhando, mais especificamente, com o conceito
de identidade cultural, para falar do cordel. Citando Gilberto Freyre, Guimarães (1983) elogia
o fato de que nos últimos 50 ou 60 anos teria se iniciado no Brasil uma aproximação entre o
campo da cultura popular e o campo dos estudos científicos. Isso pode ser visto como busca
de um fio de ligação entre a tradição antropológica brasileira e a perspectiva presente de Lélia
Frota, para quem as manifestações populares deveriam ser submetidas aos parâmetros
científicos da Antropologia Social a fim de que fossem valorizadas politicamente.
Dinah Guimarães (1983) abordou a literatura de cordel como uma linha do romanceiro
popular divulgada em folhetos simples pendurados em cordéis em feiras e mercados da região
133
nordeste do Brasil. Segundo Guimarães (1983) essa denominação veio de Portugal e passou a
ser a forma popular de nomear essa manifestação cultural, inicialmente chamada de folheto-
de-feira. Para Guimarães (1983), entretanto, alguns poetas não aceitavam o termo cordel, pois,
como Ivanildo Barbosa, consideravam essa denominação uma “intervenção oficial”,
defendendo alternativamente os nomes de romance, peleja ou folhetos para a literatura que
produziam.
De acordo com Dinah Guimarães (1983), a xilogravura era a forma mais utilizada nas
capas dos folhetos, e tanto as figuras como os textos representavam uma visão de mundo.
Segundo ela, Jota Rodrigues talhava suas próprias xilogravuras na madeira utilizando tesouras
ou facas. Depois ele fazia a impressão passando uma colher de sopa de alumínio repetidas
vezes sobre o papel, e comprimindo-o assim de encontro à madeira embebida de tinta. A
mulher e os filhos de Jota Rodrigues o auxiliavam no seu trabalho.
O texto de Dinah Guimarães (1983) trás informações sobre as relações da família
nuclear de Jota Rodrigues com seu trabalho. Durante a atividade produtiva presenciada, o
artista foi sempre auxiliado pela mulher e pelos filhos. Por outro lado, Guimarães (1983)
aponta para a existência de uma tensão entre tradição e mudança no próprio trabalho de Jota
Rodrigues, e afirma que a literatura de cordel pode articular as referências rurais às
referências urbanas.
Guimarães (1983) observa que Jota Rodrigues aprendeu a ler e a escrever com um
cego cantador que o criou, e enfatiza que, para Jota Rodrigues, a ‘verdadeira tradição’ do
cordel estava associada à identidade da região nordeste e aos temas rurais. E nos conta que ele
134
não aprovava o uso da norma culta da língua portuguesa nos cordéis, pois essa não seria a
verdadeira forma do cordel.
Guimarães (1983) informa que uma classificação adotada pelos próprios poetas
populares considerava como “folhetos” as obras de cordel que continham apenas oito páginas,
e como “romances” as obras que continham mais páginas do que oito páginas. E observa que
as obras de Jota Rodrigues eram “folhetos”, sendo apresentados na forma clássica adotada
pela literatura de cordel, isto é, em estrofes de seis versos.
O texto de Dinah Guimarães (1983) faz um panorama sobre a literatura de cordel,
focalizando o trabalho de Jota Rodrigues dentro dele e valorizando o depoimento e a visão do
próprio artista sobre sua obra, considerada por ele como ‘cordel urbano’. Nesse texto,
observa-se ainda uma preocupação com as dimensões funcionais da cultura, como o que foi
chamado de a “função didática do cordel”. No final do catálogo, foram apresentados alguns
dos cordéis de Jota, bem como uma biografia do artista escrita por ele mesmo, alguns cartazes
de divulgação e algumas fotografias de sua casa e de sua oficina.
Entre as obras citadas na bibliografia do catálogo dessa exposição de 1983, destacam-
se o livro Carnavais, Malandros e Heróis, de Roberto DaMatta (1979), e o livro
Individualismo e Cultura, de Gilberto Velho (1981). A presença desses livros na bibliografia
demonstra a articulação com a antropologia social e o diálogo com publicações recentes e
importantes para a comunidade acadêmica.
Os textos dos primeiros catálogos dialogavam diretamente com o projeto de Lélia
Frota. Todo um conjunto de manifestações da cultura popular brasileira foi submetido a uma
nova forma de tratamento textual, procurando atingir a descrição etnográfica, que foi se
135
tornando cada vez mais densa ao longo dos catálogos da SAP, como poderá ser observado nos
próximos catálogos analisados.
SAP 05. O mundo encantado de Antônio de Oliveira
A quinta exposição da SAP (SAP 05), intitulada O mundo encantado de Antônio de
Oliveira, também realizada em 1983, teve Dinah Guimarães como coordenadora e uma
comissão responsável composta por Ana Heye, Carmen Vargas e Elizabeth Travassos. As
fotografias foram feitas por José Augusto Reis e Décio Daniel.
No texto do catálogo, elaborado por Dinah Guimarães (1983), o artesão Antônio de
Oliveira, nascido em Minas Gerais, é apresentado como um artista que define sua própria
produção em madeira como “o seu ‘mundo encantado”, que “tem de tudo para todos”.
Segundo Guimarães (1983), a produção do artesão trabalha muito com lembranças da
infância, folguedos de Minas Gerais e “cenas da história do Brasil”. Antônio é descrito do
modo como se descreve a si mesmo, isto é, como alguém que diz ter “outras ideias na cabeça”
desde criança.
Antônio define tais ideias como ‘novas criatividades, ideias para
brincadeiras’. Desde pequeno, o artista esculpia seus próprios
brinquedos em madeira, com uma pequena faca. Eram carrinhos de
boi, pequenas canoas e garruchinhas, pica-paus, com que caçava
passarinhos. Brinquedo perigoso esse (GUIMARÃES, 1983: 01).
Dinah Guimarães (1983) observa que Antônio se considera “remando contra a maré”
por ser um artista que desde criança “tinha um ideal”, e a autora do catálogo aponta que
“ideal” aqui pode ser entendido como “um projeto individual”, segundo a definição de Alfred
136
Schutz28
, que permite visualizar um processo de individualização como o de Antônio, mesmo
em um contexto social no qual esse processo não aparece como predominante.
Sua atração por ‘novidades’ – desde oito anos ouvia música em um
gramofone e organizava brincadeiras com seus irmãos e colegas –
pode ser atribuída não somente a uma visão de mundo em que a noção
de biografia é central, mas também a um ethos, um estilo de vida, de
acordo com a conceituação de Bateson. Esse ethos pode ser, talvez,
responsável pelas peculiaridades e preferências de Antônio, único
irmão entre os onze filhos a seguir a carreira artística (GUIMARÃES,
1983: 02).
Como se vê, Dinah Guimarães (1983) trabalha no texto desse catálogo com definições
desenvolvidas por Gregory Bateson (1958), o que demonstra um interessante diálogo com a
produção antropológica, articulando-a ao estudo dos processos criativos de Antônio de
Oliveira. Segundo Guimarães (1983) sua dinâmica criativa tinha sido responsável pela
produção dos aproximadamente 3.400 objetos de madeira que compõem o seu “mundo
encantado”.
O texto de Guimarães (1983) descreve o percurso de vida de Antônio de Oliveira,
relatando sua mudança para Juiz de Fora (MG), em 1969, a fim de que seus filhos
conseguissem estudar. Nessa cidade, Antônio trabalhou como carpinteiro e, paralelamente, foi
produzindo seus objetos. Foi a partir de 1972, com sua participação na Festa das Nações, que
Antônio passou a ser convidado para expor em mostras na região. Em uma dessas mostras,
conheceu o escritor Antônio Callado, que escreveu um artigo sobre a sua produção artesanal
no Jornal do Brasil. A partir desse momento, ele ampliou suas possibilidades de divulgação.
28 SCHULTZ, A. The problem of social reality. Collected Papers. The Hague, Matinius Nijhoff, 1970.
137
Dinah Guimarães (1983) enfatiza que o próprio Antônio de Oliveira já reivindicara
uma abordagem “de cunho cultural” para seus objetos por parte dos organizadores das
exposições, em um depoimento intitulado “a carta que eu não mandei”. Nesse depoimento,
Antônio solicita um tratamento adequado para suas obras, reivindicando que as exposições
apresentassem “informações sobre o valor que elas representam para a preservação da
memória cultural brasileira”.
A possibilidade de apresentar o seu trabalho em um órgão voltado
primordialmente para a compreensão das culturas do povo, com base
em um registro etnográfico, como é o Instituto Nacional do Folclore,
foi valorizada pelo artista quando ele afirma que, afinal ‘a carta que
ele não mandou’ foi enviada, chegando às mãos certas. Tal afirmativa
refere-se ao fato de Antônio acreditar na importância de não somente
expor seu trabalho, mas também na edição concomitante de textos em
que o artista comenta e reflete sobre sua produção de esculturas de
madeira. (GUIMARÃES, 1983: 03)
Para Guimarães (1983), o “ideal” de Antônio de Oliveira, ou seja, seu projeto
individual consiste na produção de um trabalho que seja reconhecido como “cultural” ou
“artístico”.
SAP 06. A família Vitalino e sua arte
Carmen Vargas coordenou a sexta exposição da SAP (SAP 06), intitulada A família
Vitalino e sua arte e também realizada em 1983, com apoio da Fundação Joaquim Nabuco, do
estado de Pernambuco. A comissão responsável por essa exposição foi composta por Ana
Heye, Carmen Vargas, Dinah Guimarães e Elizabeth Travassos. As fotografias foram feitas
por José Augusto Reis e Décio Daniel.
O aprofundamento da perspectiva antropológica – neste caso, visivelmente
interpretativista – faz com que Carmen Vargas redija apenas uma breve apresentação para o
catálogo, deixando que o corpo do catálogo se confunda com o texto transcrito de um
138
depoimento oral de um dos filhos do Mestre Vitalino e herdeiros da tradição familiar, Manoel
Vitalino Pereira dos Santos.
Nessa breve apresentação, Vargas (1983) apresenta a região do Caruaru como uma
área de “transição do agreste para o sertão de Pernambuco”, na qual a produção artesanal se
relaciona intimamente com a proximidade do barro. Segundo Vargas (1983), a relação entre
“trabalho e arte” faz parte do cotidiano dessa importante região, que possui uma relevante
produção de cerâmica artesanal, na qual se destaca como central a figura do Mestre Vitalino.
Em seu depoimento, Manoel Vitalino (1983) diz que, dos seus 48 anos, 41 foram
dedicados ao trabalho artesanal. “Falar do meu trabalho é bastante importante, o trabalho meu
e de toda a minha família, porque somos quatro irmãos na arte, aprendemos todos com meu
pai”. Ele observa que na comunidade o número de artesãos influenciados pelo Mestre Vitalino
é de aproximadamente 80 pessoas. (VITALINO, 1983: 01)
Manoel Vitalino (1983) diz que começou a apreender o artesanato ainda quando
criança, como uma forma de brincadeira, e que naquela época sua mãe já desenvolvia
atividades como louceira. Ele enfatiza que trabalha com a própria família produzindo um tipo
de cerâmica figurativa, que foi criada por seu pai. “A criação do meu pai foi retratar toda a
região nordestina, principalmente a comunidade dele... e nós continuamos mantendo aquela
tradição”. (VITALINO, 1983: 02)
Segundo Manoel Vitalino (1983), sua produção artesanal é feita a partir do “barro
massapé, barro puro, sem preparo nenhum”. O barro é retirado das regiões de barreiras do Rio
Ipojuca e levado para casa para o desenvolvimento do trabalho. Do ponto de vista técnico,
Manoel Vitalino (1983) considera seu trabalho simples, feito sem desenho e sem forma, com
139
uso de faca palito e pedaços de madeira. Quando o objeto está pronto, é levado ao forno para
queimar.
Outra observação importante feita por Manoel Vitalino diz respeito à relação que ele
estabelece com os membros da sua comunidade: “Dos artistas da comunidade, eu tomei a
responsabilidade de ser um relações-públicas. Eu senti que tinha que fazer alguma coisa,
divulgar a arte, lutar pela minha classe”. (VITALINO, 1983: 02)
Minha luta é para criar o Centro de Artes Mestre Vitalino, no Alto do
Moura, para dar um incentivo aos jovens; àqueles que não
participaram da arte ou que não têm condições, a casa oferece
condições. Abrir uma sala para criança que quer participar...
(VITALINO, 1983: 03).
Nesse sentido, Manoel Vitalino (1983) enfatiza a importância do posicionamento dos
artesãos nos processos de articulação comunitária e criação de centros culturais locais como
forma de possibilitar o estímulo e a transmissão de saberes às novas gerações, como pode ser
observado no depoimento acima. E ele conta também que, junto com os moradores do Alto do
Moura, ele e seus irmãos estavam organizando uma “Associação de Artesãos de Barro” que
estava sendo muito importante para garantir o acesso ao barro.
SAP 09. Artistas de Juazeiro do Norte-CE
Outro catálogo cujo texto mantém uma relação direta com as transformações
institucionais em curso no INF é o da nona exposição da SAP (SAP 09), intitulada Artistas de
Juazeiro do Norte-CE, realizada em 1984.
Como introdução do catálogo publica-se o mesmo texto de Lélia Frota que já havia
sido publicado como introdução do catálogo da primeira exposição, assinando-se novamente
Lélia Gontijo Soares. A única diferença se encontra na composição da comissão de seleção
140
dos trabalhos a serem expostos na SAP, constituída por Carmen Vargas, Dinah Guimarães,
Elizabeth Travassos e Maria de Lourdes Borges Ribeiro, em 1983, e por Dinah Guimarães,
Elizabeth Travassos, Ana Margarete Heye e Ricardo Gomes Lima em 1984 (SOARES,1984:
01).
A comissão responsável pela nona exposição foi essa mesma comissão de seleção de
1984, e a coordenação dela, bem como o texto de seu catálogo, foi de responsabilidade de
Elizabeth Travassos. Vale lembrar que ela fora a coordenadora do Projeto Piloto nessa
localidade. E, de acordo com Travassos (1984), a organização dessa exposição da SAP teve
origem na própria vontade expressa dos artesãos locais de ampliarem seus “canais de
divulgação e de escoamento da sua produção”.
Travassos (1984) descreve Juazeiro do Norte, no Ceará, como importante região de
peregrinação e “devoção popular católica no país”, graças à histórica figura de Padre Cícero
Romão Batista. Além disso, Juazeiro do Norte é um centro de produção artesanal, e
Travassos (1984) aponta que a formação histórica dessa produção artesanal está associada às
romarias que acontecem desde 1889. Segundo ela, os depoimentos dos artesãos revelam que
Padre Cícero aconselhava as pessoas que chegassem a Juazeiro do Norte a trabalhar com
“atividades artesanais”.
.... as romarias, o verão (de junho a janeiro) e a safra agrícola regem a
vida dos artesãos juazeirenses, pois as primeiras levam à cidade uma
fração importante dos consumidores de produtos artesanais e os
segundos condicionam o poder de compra do mercado local
(TRAVASSOS, 1984: 03).
Travassos (1982) enfatiza também que as peregrinações e romarias influenciam
diretamente as formas da produção artesanal, com predomínio de artigos religiosos, como
imagens em gesso, flores de papel e de pano para os altares, cordéis e cerâmica abordando o
Padre Cícero e Nossa Senhora das Dores. Segundo Travassos (1982), os artesãos de Juazeiro
141
do Norte são importantes no comércio local, pois abastecem todo o Vale do Cariri, sendo
presença importante nas feiras “de Juazeiro, do Crato e de Barbalha”.
Como em todos os catálogos da SAP desse período, há essa preocupação em
contextualizar a produção artesanal, bem como em descrever os próprios processos de
trabalho.
Desde o trabalho doméstico, executado no quintal, na sala ou na
calçada em frente às casas, até o que se desenvolve em pequenas
oficinas equipadas com máquinas de costura, forjas, tornos,
envolvendo ajudantes e aprendizes, a cidade oferece um panorama da
diversidade que se esconde sob os termos genéricos de artesanato ou
arte popular. Quanto a este último, vale ressaltar que a palavra artista é
muito comum aos agentes da produção em Juazeiro... (TRAVASSOS,
1982: 04).
Travassos, entretanto, detalha ainda mais os contextos dos processos de trabalho
inerentes a cada um dos ramos do artesanato presentes em Juazeiro, de acordo com o material
utilizado: palha, cerâmica, madeira, couro e metal. Nesse sentido, pode-se dizer que este
catálogo apresenta uma densidade etnográfica ainda maior que aos anteriores.
O artesanato em palha de carnaúba é descrito como uma das práticas típicas das
mulheres de Juazeiro. Segundo Travassos (1984), aproximadamente 200 famílias
complementariam sua renda naquela época com a comercialização de objetos de palha,
vendidos diretamente aos consumidores. A palha era comprada na feira ou em caminhões que
abasteciam a região de 15 em 15 dias.
Sobre a produção de cerâmica, Travassos (1984) descreve a origem do barro, a forma
de transporte através de carroças, o processo de pilar a seco e de peneirar, molhar e modelar o
barro à mão. A descrição é acompanhada de depoimentos da artesã Cícera da Silva, que
142
produzia “máscaras para parede”, preparadas com tinta de anilina, leite e cola de madeira
(TRAVASSOS, 1984: 05).
Travassos (1984) informa que a matéria-prima para o artesanato em madeira de
Juazeiro do Norte-CE vinha de Pernambuco e era destinada à produção de colheres, pilões,
filtros para cachaça e representações de santos e do Padre Cícero. Sobre o artesanato em
couro, destaca a presença do mestre José Casemiro, pessoa muito valorizada pela
comunidade. Sobre o artesanato em ouro, prata e cobre, informa que tem por objeto central a
produção de joias, sendo o ouro comprado de viajantes. Geralmente, o processo de produção
das joias é feito em oficinas.
Vemos, assim, que os textos dos catálogos iniciais vão se desenvolvendo através da
incorporação cada vez mais definida do olhar etnográfico. Percebe-se também que esses
textos articulam a intenção de conferir bastante importância à descrição, para a produção de
um documento que seja bom como registro etnográfico, com a intenção de que os catálogos
funcionassem também como meios de divulgação dos trabalhos expostos. Isso é perceptível
dada a relevância da dimensão visual dos catálogos, bem como na própria inclusão do registro
fotográfico nos documentos.
Quanto a isso, entretanto, cabe observar que os catálogos iniciais eram confeccionados
fisicamente de forma bem simples, em papel básico, sendo, inclusive, grampeados. Como
veremos adiante, a ampliação de recursos financeiros para os projetos da SAP tornou possível
produzir catálogos fisicamente mais sofisticados, utilizando tecnologias e matérias primas
mais elaboradas, com o que, certamente, esses documentos puderam mais bem servir ao
objetivo de divulgação das obras expostas.
143
CAPÍTULO III
A FORMULAÇÃO DO PROJETO PACA E SUA ARTICULAÇÃO COM
O PROGRAMA ARTESANATO SOLIDÁRIO
O Programa de Apoio ao Artesanato Comunitário (PACA)
A formulação do projeto PACA foi um momento importante na atuação institucional
de Ricardo Lima. Como política social, esse projeto pretendia apoiar criações surgidas em
comunidades tradicionais específicas, criações estas fundadas na tradição e expressas por um
coletivo ou por um indivíduo representativo da identidade social e cultural de um grupo.
Segundo Lima (2006), em meados de 1996 a equipe responsável pela política
institucional do CNFCP começou a considerar que as ações realizadas até então eram
insatisfatórias. A Sala do Artista Popular atuava no extremo final da cadeia produtiva do
artesanato, procurando trabalhar os problemas da comercialização. Entretanto, o contexto da
produção estava relativamente abandonado pela ação institucional. Foi nesse momento que a
equipe constatou que era preciso propor ações para tentar resolver também os problemas
relativos às condições de produção da arte popular. E foi então que se formulou o projeto do
PACA.
Esse projeto se concretizou em 1998, a partir da parceria estabelecida com o
Programa Artesanato Solidário, do Governo Federal, e passou a integrar a rede denominada
Artesanato Solidário. Para Ricardo (2006), o Artesanato Solidário foi uma política
governamental de intervenção na realidade social segundo orientações antropológicas de
reconhecimento da alteridade e de valorização das culturas locais. Destaca ele que uma das
144
características marcantes dessa forma de intervenção foi a construção compartilhada de
soluções.
O projeto PACA representava continuidade e aprofundamento da linha de trabalho
institucional que já vinha sendo desenvolvida pelo CNFCP, pois buscava atuar nos locais de
produção do artesanato tradicional a fim de contribuir para a geração de renda em
determinadas comunidades. O ingresso na rede Artesanato Solidário também não representou
descontinuidade, uma vez que esta compartilhava a noção de que o artesanato tradicional
estava relacionado com o modo de vida das pessoas que faziam o artesanato, sendo
igualmente inspirada em diretrizes antropológicas. De fato, a articulação com o Artesanato
Solidário aconteceu durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a primeira-
dama era sua esposa, a antropóloga de reconhecido mérito acadêmico Ruth Cardoso, que
estava à frente do Conselho da Comunidade Solidária, ao qual estava adstrito aquele
programa.
Essa articulação foi fundamental para a viabilização financeira e o consequente
desenvolvimento da metodologia do PACA através de ações de campo. Da mesma forma,
pode-se dizer que a experiência de pesquisa acumulada pelo CNFCP e, sobretudo, pela SAP,
viabilizou tecnicamente o Artesanato Solidário.
Para Ricardo Lima,29
a articulação do PACA com o Programa Artesanato Solidário foi
fundamental para o desenvolvimento das ações institucionais do CNFCP em campo. A
presença da antropóloga e então primeira-dama Ruth Cardoso à frente do programa federal foi
29 Depoimento de Ricardo Lima Realizado no dia 23/11/2016
145
muito importante para viabilizar financeiramente que o CNFCP atuasse nos contextos locais
de produção dos objetos artesanais.
Segundo ele, o objetivo do projeto PACA era atuar no ponto exato onde o problema da
produção estivesse acontecendo, mas se propunha que a análise dos problemas acontecesse
junto com os artesãos, e que a abordagem deles ocorresse sem soluções previamente pensadas
e sem interferência direta na forma dos objetos. Ele nos conta que geralmente os artesãos
encontravam problemas de acesso à matéria-prima e de transporte e que se procurava estudar
conjuntamente formas de solucionar esses problemas. Segundo ele, depois da articulação do
projeto PACA com o programa Artesanato Solidário a equipe aceitou renomear o projeto com
essa designação. E ele nos conta que, entre as várias ações geradas no bojo do Artesanato
Solidário, também se incluía a possibilidade de uma exposição na Sala do Artista Popular, e
que praticamente todas as ações de apoio do projeto Artesanato Solidário resultaram de fato
em uma exposição na SAP.
De acordo com Ricardo Lima, a formulação do projeto PACA estava associada a duas
vertentes institucionais. De um lado, o já mencionado Encontro Produção de artesanato
popular e identidade cultural, organizado por Lélia Frota em 1983, que reuniu órgãos
públicos e ministérios que trabalhavam com artesanato. Ricardo observa que, a partir desse
encontro, foi elaborada uma série de recomendações, entre as quais o atendimento das
solicitações das instituições públicas locais para o apoio ao artesanato e às manifestações
culturais populares. De outro, os pedidos de apoio aos artesãos locais vindos da Secretaria de
Cultura de Juazeiro do Norte, no Ceará, e da Secretaria de Cultura de Paraty, no Rio de
Janeiro, que ensejaram a estruturação dos Projetos Piloto de Apoio ao Artesão, a fim de testar
metodologias de trabalho institucional nesses dois municípios. Na visão de Ricardo Lima,
146
esses dois projetos possibilitaram aprendizado de como trabalhar com comunidades artesanais
em campo, no sentido de entender o que precisava ser apoiado e como fazer para apoiar.
Ricardo Lima observa que esses projetos mostraram características diversas do fazer
artesanal. Em Paraty, a equipe do INF percebeu que os artesãos trabalhavam isoladamente,
cada um na sua casa, embora o artesanato estivesse relacionado às festas de Paraty, com
produção de máscaras e bandeira do divino, por exemplo. Mas cada artesão estava inserido
em seu próprio contexto de isolamento e, como essa era uma característica do artesanato de
Paraty, não havia sentido em se incentivar uma falsa união entre eles; o que era preciso era
elaborar ações para possibilitar a visibilidade do trabalho de tais artesãos. Dessa forma, a ação
do INF foi propor uma parceria com o IPHAN para organizar no Forte Defensor Perpétuo
uma exposição dos produtos desse artesanato e propiciar assim o contato dos artesãos locais
com os turistas.
No projeto de Juazeiro do Norte, o contexto constatado foi outro, pois havia trabalho
em ambiente coletivo e, portanto, necessidade de incentivar a união dos artesãos. Dessa forma
foi elaborado o projeto do Centro Mestre Noza e foi criada uma associação de artesãos para
administrar esse espaço de divulgação e comercialização do artesanato local. Para Ricardo
Lima, provavelmente o histórico de agregação do artesanato de Juazeiro do Norte foi
condicionado pela forte presença e pelo forte senso de organização do Padre Cícero, que
contribuiu para a formação de um princípio de união entre os artesãos locais.
Então, com essas duas experiências do Projeto Piloto, e com a experiência das
exposições da SAP, que não interferiam no local de produção, mas apenas na
comercialização, Ricardo Lima começou a perceber a existência de uma lacuna importante,
pois era preciso que se estivesse mais atento às dificuldades e aos problemas que as pessoas
enfrentavam nos locais de produção. Foi nesse contexto que o projeto PACA foi formulado
147
como um programa institucional direcionado para a atuação na cadeia total de produção do
objeto, isto é, na produção, no transporte e na comercialização.
Na visão de Ricardo Lima, Ruth Cardoso reconheceu na experiência institucional, no
saber técnico e na visibilidade permitida pela SAP uma importante possibilidade de parceria,
a fim de atuar no artesanato sem ser de uma forma assistencialista nem de uma forma
autoritária. A noção central era permitir que as pessoas produzissem o artesanato com
autonomia, mas abrindo a possibilidade de diálogos. Nesse sentido, a metodologia do projeto
PACA foi fundamental para o desenvolvimento do Artesanato Solidário, que, tanto quanto
ele, tinha como eixo central o método de trabalho antropológico, que buscava respeitar os
saberes locais, analisar os contextos de produção e considerar as visões de mundo dos
artesãos.
Ricardo Lima (2010b) observou que as equipes de pesquisadores dos Projetos Pilotos
e da SAP vinham mapeando um conjunto de demandas e de problemas locais relacionados à
matéria-prima para a produção do artesanato. Foi nesse contexto que as bases metodológicas
do projeto PACA foram formuladas como uma forma de atuar na cadeia de produção do
artesanato, como uma política para reduzir os problemas que inviabilizavam essa produção.
Entretanto, como as ações do projeto PACA exigiam um volume de recursos financeiros que
não se enquadrava no orçamento institucional, ele ficou, inicialmente, sem condições de
operacionalização. A parceria com o Artesanato Solidário acabou trazendo as fontes
financeiras necessárias a essas ações.
Ricardo Lima (2010b) conta que as primeiras ações em parceria com o Artesanato
Solidário tiveram início com um projeto experimental em uma comunidade produtora de
cerâmica na região do Candeal, no município de Cônego Marinho, no norte de Minas Gerais.
148
E que a escolha dessa comunidade estava relacionada à sua própria experiência à frente da
Unidade de Pesquisa do MFEC.
Ricardo Lima (2010b) observa que, a partir de uma análise detalhada do acervo do
MFEC, observou que este não dispunha de documentação sobre tecnologias tradicionais,
especialmente o complexo necessário para fabricação de cerâmica e as técnicas artesanais de
processamento de alimentos como a farinha e a cachaça. Segundo Lima (2010b), a intenção
de preencher essas lacunas levou-o à cidade de Januária, no norte de Minas Gerais, importante
centro de produção de cachaça. E que, quando chegou ao mercado municipal de Januária,
ficou muito interessado na cerâmica do Candeal, que encontrou à venda ali.
Então, finalizada a pesquisa sobre a cachaça, Ricardo Lima (2010b) foi até a região do
Candeal para observar as origens daquela cerâmica. Ele disse que encontrou ali uma
população rural que enfrentava sérios problemas socioeconômicos e que necessitava de uma
política intervencionista. Quando da configuração da parceria com o Artesanato Solidário,
Ricardo Lima propôs a Ruth Cardoso uma linha de atuação naquela região. Segundo ele, foi
dessa forma que surgiu o projeto experimental do Candeal – e, por ser o Candeal uma região
adstrita à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), foi possível ao
Artesanato Solidário utilizar recursos específicos da própria SUDENE para esse primeiro
projeto.
Segundo Ricardo Lima (2010b), a forma de trabalho desenvolvida ao longo da história
do INF permitiu ao Artesanato Solidário o estabelecimento de uma metodologia que foi
testada no cotidiano, através da atuação em 26 comunidades.
149
O programa Artesanato Solidário
O Artesanato Solidário consistiu no desenvolvimento de projetos em determinados
núcleos populacionais, que poderiam ser um município de pequeno porte, um distrito rural ou
um município maior. A operacionalização dos projetos era feita por equipes de campo
formadas por gerentes regionais e agentes locais. Desenvolviam-se planos de campo e planos
de manutenção institucional, articulando redes de parceiros.
Os principais parceiros no apoio financeiro foram a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa
(SEBRAE), o Ministério da Integração Nacional, a Agência de Desenvolvimento do Nordeste
(ADENE) e a Caixa Econômica Federal.
A principal estratégia adotada foi o estímulo ao diálogo entre os artesãos a fim de
incrementar a organização dos grupos e a formação de associações e cooperativas. Além
disso, o Artesanato Solidário contribuía com a realização de oficinas com mestres locais para
a transmissão de saberes. Nesse contexto, o principal objetivo era o estímulo ao
desenvolvimento local, mas esse estímulo não poderia produzir uma intervenção que retirasse
o valor da identidade cultural do artesanato. Portanto, existia uma grande preocupação com a
sustentabilidade dos saberes e fazeres tradicionais.
De forma complementar, o Artesanato Solidário também estimulou o diálogo dos
artesãos com o mercado consumidor através da realização de oficinas nas quais se discutiam
maneiras de inserir os produtos artesanais nos mercados, sem que perdessem suas
particularidades culturais, que são as marcas da identidade social do artesanato. Para que essas
iniciativas tivessem sustentabilidade, o Artesanato Solidário investiu na formação de agentes
locais, através de cursos no MFEC. Trabalhava-se, portanto, com uma noção dinâmica de
150
cultura, e visava-se articular o desenvolvimento social com a ampliação de mercado para os
produtos artesanais.
O programa Artesanato Solidário foi criado e liderado por Ruth Cardoso, e era
relacionado a objetivos políticos de redução da pobreza no país, intencionando atuar junto aos
centros de pobreza e grupos marginalizados. Segundo as diretrizes do programa, a
metodologia de trabalho deveria ser baseada na constituição de parcerias institucionais, sendo
função do programa monitorar a aplicação eficiente dos recursos federais.
Abrindo portas e criando espaços
Gilberto Velho (2008) conta que, junto com a antropóloga Eunice Durham, Ruth
Cardoso teve um papel fundamental da consolidação da antropologia urbana na Universidade
de São Paulo (USP), e observa que, devido ao seu permanente “diálogo com sociólogos,
economistas e historiadores”, trabalhou por bastante tempo no Departamento de Ciência
Política, mesmo sendo portadora de sólida formação e atuação em antropologia.
Ele diz que a “combinação de pesquisa e ensino deu-lhe um perfil de grande influência
nos debates e diálogos das ciências sociais brasileiras entre os anos 1950 e 1990”, pontuando
que Ruth Cardoso atuava de forma marcante na Associação Brasileira de Antropologia
(ABA), na Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e na
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Velho (2008) afirma que a trajetória acadêmica de Ruth Cardoso sempre foi pautada
pelas “preocupações com políticas públicas das mais variadas naturezas”. E em toda sua
trajetória, ela “manteve sempre forte interesse na temática das minorias étnicas e culturais” e
no estudo dos movimentos sociais. De acordo com Velho (2008), “Ruth Cardoso se destacava
151
por abrir portas e criar espaços”. E sua condução do Programa Comunidade Solidária
também teria representado iniciativa inovadora para as “políticas sociais”.
Manuel Castells, no posfácio do livro Ruth Cardoso: Fragmentos de uma vida (2009),
afirma que foi Ruth Cardoso quem lhe chamou a atenção para a noção de identidade. Segundo
ele, o principal tema na articulação intelectual entre Ruth Cardoso e ele foi o reconhecimento
da importância das comunidades locais nos processos de mudança social. Esse
reconhecimento passava, no caso dela, pelo mapeamento do papel decisivo das mulheres na
organização das comunidades.
Na visão de Castells expressa nesse posfácio, Ruth Cardoso procurou formular uma
metodologia de pesquisa que superasse a ortodoxia marxista de fazer das organizações
comunitárias um apêndice da classe operária, assim como se distanciasse do enfoque
funcionalista da cultura da pobreza. Ele afirma que Ruth tinha uma postura avessa ao
populismo, na medida em que ela procurava na análise concreta as desmistificações das
ideologias e propunha estudos de mudança social que se alinhassem às realidades latino-
americanas.
Segundo Castells, outra importante característica da abordagem de Ruth Cardoso era
partir dos sujeitos das realidades sociais em vez de codificá-los conforme interesses teóricos.
Nesse sentido, ela teria desenvolvido uma perspectiva metodológica com elevada capacidade
analítica, articulada a uma proposta de pesquisa atenta à observação. Castells observa ainda
que para Ruth Cardoso a gestão pública deveria estar orientada para a transformação social.
Foi nesse sentido que Ruth pensou o Programa Comunidade Solidária como uma forma de
criar uma rede de parcerias sociais.
152
Como vemos, a perspectiva de Ruth Cardoso apresentava vários pontos de diálogo
com a perspectiva que vinha sendo desenvolvida no INF desde a chegada de Lélia Frota, de
forma que a parceria institucional PACA/Artesanato Solidário se estabeleceu também como
um diálogo intelectual. Por outro lado, foi também por afinidade intelectual que Ruth Cardoso
convidou o antropólogo Antonio Augusto Arantes Neto para trabalhar como consultor do
Artesanato Solidário, o que acabou incluindo a abordagem teórica e a experiência etnográfica
de Antonio Arantes naquele diálogo. E, embora outros consultores do Artesanato Solidário,
igualmente chamados por Ruth Cardoso, tenham igualmente representado importantes aportes
antropológicos a ele, demoraremo-nos aqui na descrição da trajetória intelectual e no histórico
da participação de Antonio Arantes no programa, dado que já vinha atuando em conjunto com
Ruth Cardoso no contexto da Antropologia paulista e dado que, tanto quanto ela, veio a
assumir importantes responsabilidades na gestão pública da cultura.
De compadrios rurais, cordéis, artesanatos e departamentos
A trajetória acadêmica30
de Antonio Arantes começou no curso de Ciências Sociais da
Universidade de São Paulo (USP), no qual se formou em 1965. Entre 1965 e 1968 concluiu
uma Especialização em Licenciatura na USP, ao mesmo tempo em que cumpria os créditos do
Mestrado em Antropologia da mesma Universidade. Antes de defender sua Dissertação de
Mestrado, intitulada O compadrio no Brasil rural: análise estrutural de uma instituição
ritual, sob a orientação de Eunice Durham, em 1970, Antonio Arantes concluiu duas
especializações no Exterior: a primeira, entre 1968 e 1969, em Linguística Geral, na
Université de Besançon, na França, e a segunda, entre 1969 e 1970, em Antropologia, na
30 Informações obtidas do banco de dados da plataforma Lattes. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783117T2
153
University of Cambridge/King’s College, na Inglaterra. Nesta segunda ocasião, desenvolveu a
pesquisa intitulada Parentesco e compadrio no Brasil rural, sob a orientação de Edmund
Leach, autor clássico da Antropologia Inglesa. Em 1978, Antonio Arantes defenderia sua Tese
de Doutorado, intitulada Sociological aspects of folhetos literature in northeast Brazil, na
mesma University of Cambridge/King’s College, e novamente sob a orientação de Edmund
Leach.
Antonio Arantes foi um dos fundadores do antigo Departamento de Ciências Sociais
da Universidade Estadual de Campinas (hoje desmembrado em Antropologia, Ciência Política
e Sociologia), ao lado de dois colegas antropólogos que conhecera na Inglaterra, Peter Fry e
Verena Stolcke, os quais convidou para compor o quadro docente inicial do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade. Além disso, Antonio Arantes foi presidente
de Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e secretário-geral da Associação Latino-
Americana de Antropologia (ALA), tendo também presidido o Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo
(Condephaat) e o próprio IPHAN, este último entre 2004 a 2006. Antonio Arantes possui uma
vasta produção científica na linha de estudos de cultura e política, concentrando-se em
pesquisas e ações direcionadas para a cultura popular, o patrimônio cultural e o espaço
urbano.
Em entrevista31
concedida a Lilian Torres, em 2008, Antonio Arantes relata sua
trajetória e fala sobre sua atuação como antropólogo. Na apresentação da entrevista, Torres
31 Entrevista concedida por Antonio Arantes a Lilian de Lucca Torres, na Revista Ponto Urbe, Revista do Núcleo
de Antropologia Urbana da USP, Nº3, 2008.
154
lembra que, durante os processos políticos que se desenvolveram no Brasil na década de
1980, a definição de patrimônio cultural passou por uma importante revisão crítica no país,
observando que foi nesse contexto que Antonio Arantes se tornou presidente do Condephaat.
Lilian também enfatiza que foi durante a presidência de Antonio Arantes no IPHAN que o
Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) foi criado.
Antonio Arantes relata nessa entrevista que, durante a sua formação na graduação, “o
discurso transformador da sociedade brasileira passava pela questão popular” e “havia uma
discussão, liderada pelo CPC da UNE, em torno do papel dos intelectuais frente à cultura
popular”. Ele lembra também que os estudos de Eunice Durham sobre “cultura e ideologia”
foram importantes referências que marcaram a década de 1970. Assim, quando Antonio
Arantes assumiu o Condephaat, em 1983, as questões giravam em torno da cultura popular.
A afinidade intelectual e política de Antonio Arantes com as perspectivas que se
encontrariam unidas na articulação do projeto PACA com o Artesanato Solidário pode ser
apreendida do relato feito por ele de um trabalho pioneiro que realizou em São Miguel
Paulista entre 1977 e 1978. Antonio Arantes (1984) observa que esse trabalho surgiu de uma
demanda da administração pública de São Paulo, que solicitava um estudo sobre as dimensões
sociais e culturais da Zona Leste de São Paulo, estando em pauta o destino de alguns prédios
históricos dessa região. Para Arantes (1984), essa pesquisa possuía um aspecto interessante,
pois permitia estudar as relações do patrimônio com a produção cultural popular local,
especificamente as relações sociais em torno da capela de São Miguel Paulista.
Deixando de lado as concepções mais usuais e estabelecidas do que
seja cultura ou arte, eu propus a esse órgão, de certa maneira, uma
aventura, que era, em primeiro lugar, tentar descobrir num ponto da
Zona Leste o que fosse a ‘produção local’, o que fosse lá,
efetivamente, considerado ‘arte’... (ARANTES, 1984: 150).
155
Arantes (1984) conta que a partir disso surgiu, por parte dos próprios moradores, o
denominado “movimento popular de arte”, que elaborou um documento e um conjunto de
apontamentos sobre “a questão do acesso aos equipamentos de produção cultural”. Para
Arantes (1984), um dos objetivos desse movimento era evidenciar para os próprios moradores
da região as manifestações populares da produção cultural e artística local e os problemas
com que essa produção local lidava.
Esse trabalho pioneiro revela uma importante experiência de Arantes (1984), na qual a
produção artística popular foi abordada com debates locais que visavam refletir sobre as
possíveis formas de apoio ao desenvolvimento de tal produção (ARANTES, 1984: 157). E
Arantes (1984) diz ter percebido desde então que um trabalho como esse, que articula
pesquisa e ação na área da produção cultural local, precisava ser um trabalho detalhado, de
longo prazo e muito bem circunscrito.
Outra evidência dessa afinidade encontra-se no artigo intitulado Documentos
históricos, documentos de cultura, publicado em 1987. Nele, Antonio Arantes observava que
as políticas de preservação do patrimônio precisavam estar atentas a valores e sentidos que
estivessem além dos formais e testemunhais, alcançando sentimentos de comunidades locais
específicas e relacionando-os à sociedade nacional como um todo. Para Arantes (1987), as
instituições de patrimônio deveriam observar a “vontade política da sociedade”, na medida em
que as políticas de patrimônio deveriam ser vistas como práticas sociais de intervenção que se
relacionam com “processos culturais”.
Temos, assim, que o pensamento e a experiência de Antonio Arantes contribuíram
para o desenvolvimento do Artesanato Solidário na direção de consolidar essa visão
156
processual das práticas culturais e das ações institucionais de intervenção, visão esta que,
como vimos, era marca registrada de Ruth Cardoso. De fato, Antonio Arantes32
recorda que as
abordagens teóricas e práticas de Ruth Cardoso e de Eunice Durhan haviam sido
fundamentais para a criação do Grupo de Trabalho Cultura e Política na Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), que foi o marco de fundação
de linhas de pesquisa sobre esse tema nos anos 1980. Na perspectiva de Arantes, esse Grupo
de Trabalho estabeleceu os fundamentos para se pensar dentro da academia as articulações
entre a atuação política e a cultura no Brasil, embora já a partir dos anos 1970 um conjunto de
estudos sobre a cultura popular viesse enfatizando, por outro lado, relações entre os saberes
tradicionais e as possibilidades de inserção no mercado de trabalho.
No depoimento que concedeu a mim, Antonio Arantes esclarece que, em 1998, Ruth
Cardoso o procurou de fato para trabalhar com a frente de emergência da seca no Nordeste. E
que, nesse contexto, ele sugeriu a criação de um projeto de formação de agentes locais com as
pessoas que recebiam bolsa da SUDENE, com o objetivo de qualificá-las para desenvolver
um trabalho que integrasse as atividades cotidianas com a dimensão cultural, valorizando o
contexto em que os grupos tradicionais viviam. Esse teria sido o embrião do Artesanato
Solidário.
Na perspectiva de Arantes, a abordagem antropológica contribuiu decisivamente com
a metodologia do Artesanato Solidário, classificada por ele como uma tecnologia social, e os
primeiros projetos buscavam encontrar a melhor forma possível de contemplar os artesãos
locais com ações institucionais. Segundo ele, a metodologia básica do Artesanato Solidário
32 Depoimento de Antonio Arantes realizado no dia 14/12/2015
157
consistiu em partir da valorização dos saberes tradicionais mapeados pelas pesquisas de
campo para formular políticas de desenvolvimento social que articulassem sustentabilidade,
comércio justo e trabalho associativo. Essa metodologia permitiu apoiar a geração de renda
através da comercialização do artesanato e da capacitação dos artesãos.
Arantes conta que, no momento inicial, antes mesmo de vir a se tornar um programa, o
Artesanato Solidário contava com dez projetos coordenados por dez consultores que
trabalhavam com Ruth Cardoso. Naquele momento, seu próprio trabalho como coordenador
se desenvolveu em Icó, uma cidade do sertão cearense tombada pelo IPHAN, onde as práticas
de conservação do patrimônio tombado eram complicadas, devido à falta de recursos e de
pessoal, e onde foi possível a ele sugerir que se trabalhasse com a população local
gabaritando-a tecnicamente para essas práticas.
Com a criação do programa, Antonio Arantes continuou como consultor, coordenando
um projeto com rendeiras que fazem renda irlandesa em Divina Pastora, Sergipe, e
trabalhando também em um projeto em Juazeiro do Norte, Ceará, com J. Borges e outros
artistas da xilogravura. Na perspectiva de Arantes, os projetos do programa Artesanato
Solidário produziram resultados imediatos para as populações locais através uma tecnologia
social de desenvolvimento que permitia gerar renda com o que as pessoas sabiam fazer e com
o que fazia sentido para elas.
Na visão de Antonio Arantes, a perspectiva antropológica foi fundamental, sobretudo,
para a compreensão da natureza específica do artesanato, na medida em que o artesanato é
uma atividade que extravasa as dimensões econômicas. Para pensar adequadamente uma
política de intervenção local, era necessário conhecer o contexto social e familiar da produção
artesanal, bem como seus significados, e a perspectiva antropológica permitia isso.
158
Por outro lado, o processo de apoio ao artesanato estava associado a processos de
inserção social e, dessa forma, o trabalho antropológico deveria estar atento às dinâmicas da
política local. De fato, na perspectiva de Antonio Arantes, os projetos do Artesanato Solidário
podem ser analisados como processos de mudança social, sendo uma de suas questões
fundamentais a de encontrar a melhor maneira de uma instituição externa contribuir com uma
política local para a inclusão social dos artesãos e das suas famílias. Para ele o trabalho
antropológico, possibilitando uma pesquisa detalhada, realizada nas comunidades durante dois
ou três anos, permitia entender como as questões de gênero, família, economia e política
estavam relacionadas.
Arantes considera que a presença de Ruth Cardoso na coordenação do Artesanato
Solidário foi fundamental para a viabilização política do programa, e para o cumprimento de
sua função social. Ele observa que ela já vinha trabalhando havia bastante tempo com o
conceito de sociedade de rede, desenvolvido por Manuel Castells, que pôs em prática no
exercício desse papel institucional. Afirma também que o diálogo institucional estabelecido
por Ruth Cardoso com seus consultores foi muito estimulante, antropologicamente, na medida
em que ela sempre se mostrou receptiva às ideias propostas, e atuava como uma espécie de
facilitadora para que os projetos se tornassem viáveis.
Para Antonio Arantes, a SAP, por ser um projeto institucional já estabelecido havia
quase duas décadas, possuía poder e prestígio para dar visibilidade social aos artesãos
abordados pelo Artesanato Solidário, através da organização de exposições com seus
trabalhos. Segundo Arantes, a SAP funcionou como um instrumento de realização das ideias
de inclusão social do projeto Artesanato Solidário. Arantes menciona a afinidade intelectual e
política acima identificada, lembrando que os organizadores da SAP procuravam pensar o que
significaria para um artista popular a exposição naquele espaço. E afirma que todo o
159
mapeamento dos núcleos de artesanato feito pelo CNFCP como um todo ao longo dos anos
foi fundamental para a operacionalização do Artesanato Solidário, bem como o acervo do
MFEC.
Análise descritiva de textos de catálogos
SAP 76. Mulheres do Candeal - impressões no barro
O texto do catálogo da SAP 76, intitulada Mulheres do Candeal – Impressões no
barro e realizada em 1998, é uma importante expressão do trabalho desenvolvido através da
articulação do projeto PACA com o programa Artesanato Solidário.
Nos créditos do catálogo, Ricardo Lima, que aparece como responsável pela SAP,
divide a responsabilidade pela pesquisa e pelas fotografias da exposição com Marina de Mello
e Souza e assina o texto do catálogo. Mas é interessante lembrar que, conforme já foi visto,
foi Ricardo Lima quem primeiramente observou essa cerâmica e a precariedade em que
viviam seus produtores, quando esteve em Januária pesquisando processos de produção de
cachaça. De fato, em um adendo ao texto desse catálogo, Ricardo Lima agradece as
contribuições de Vera Lúcia Ferreira da Rosa, museóloga do MFEC, que com ele estivera em
1992 no Candeal, implementando projeto de aquisição de acervo para o museu. E agradece
também Marina de Mello e Souza, consultora do Conselho da Comunidade Solidária, que
com ele estivera ali em 1998, buscando estratégias para o desenvolvimento do projeto do
Programa de Apoio a Comunidades Artesanais (PACA) para aquela região.
A presença de Cláudia Zarvos como responsável pelo projeto de montagem da
exposição e os apoios do Banco Interamericano de Desenvolvimento, da Fundação Banco do
Brasil, da UNESCO e da Prefeitura de Cônego Marinho são outras marcas da articulação
mencionada, assim como a visível mudança na qualidade física do catálogo.
160
É interessante observar, contudo, que, se Ricardo Lima cita o PACA utilizando-se
ainda dessa sua denominação original, nem Ruth Cardoso, que assina uma introdução ao texto
do catálogo como presidente do Conselho da Comunidade Solidária, nem o superintendente
da SUDENE e o prefeito de Cônego Marinho, que também assinam pequenas introduções a
ele, mencionam o programa Artesanato Solidário por esse nome, falando antes em projetos
desenvolvidos pelo Conselho da Comunidade Solidária. Tudo indica, portanto, que, sendo a
primeira exposição na SAP de projeto desenvolvido pelo Conselho da Comunidade Solidária,
a SAP 76 ocorre ainda no contexto de combate aos efeitos sociais da seca no Nordeste
mencionado por Antonio Arantes, daí o catálogo contar não apenas com essa introdução
escrita pelo superintendente da SUDENE mas também com um agradecimento ao escritório
da SUDENE em Minas Gerais.
No texto de introdução, Ruth Cardoso (1998) afirma que aquela exposição era fruto da
crescente busca do Conselho da Comunidade Solidária em ampliar sua área de atuação e sua
“rede de parcerias”, a fim de desenvolver projetos para melhorar as condições de vida dos
segmentos mais carentes da população brasileira. E enfatiza a relevância das exposições da
SAP, mencionando a importância das pesquisas etnográficas que antecediam todas as
exposições e que situavam o artesão em seu meio sociocultural, evidenciando as relações
entre sua produção e o grupo no qual se insere. Ruth Cardoso (1998) menciona que os textos
dos catálogos das exposições, resultantes dessas pesquisas, permitem que o público entre em
contato com realidades muitas vezes pouco familiares ou desconhecidas. E ressalta a
importância das exposições na SAP na geração de oportunidades de expansão de mercados
para os artistas populares, com a participação efetiva deles nos processos de valorização e
comercialização de sua produção.
161
Ruth Cardoso (1998) salienta ainda a força da estética popular presente nos objetos de
cerâmica que circulam nas atividades cotidianas do Candeal e afirma que o projeto
desenvolvido pelo Conselho da Comunidade Solidária naquela localidade procurou apoiar a
atividade artesanal, a fim de contribuir para capacitação de mão-de-obra, geração de renda e
valorização da cultura tradicional local.
No texto desse catálogo, Ricardo Lima observa que os objetos de cerâmica do
Candeal, “despojados e simples e ao mesmo tempo belos e impregnados de valor cultural”,
ofereciam um “fio condutor” para o entendimento dos modos de viver de seus produtores e
usuários, sendo uma fonte para acessar a “história local” e compreender as relações daquelas
pessoas com a terra.
Ricardo Lima (1998) desenvolve uma descrição detalhada desses objetos, mostrando
como a decoração é feita em folhas e arabescos em “toá”, categoria local para o tauá
(pigmento mineral avermelhado, bastante comum nos objetos cerâmicos indígenas e
populares). Conta que esses objetos apresentavam dimensões e formas que se repetiam, pois
existia uma forma básica, uma matriz para a modelagem de cada exemplar, e explica que tal
padronização representava a consagração de determinado modelo como o melhor para
armazenar água. Ou seja, era expressão de um saber resultante de um longo processo que
tinha compreendido a “pesquisa de matérias-primas, a observação da realidade, a
experimentação de materiais e técnicas e a transmissão geracional”. De fato, com base em
depoimentos locais, Ricardo Lima datou a produção desta cerâmica em mais de um século.
Segundo ele, a bibliografia sobre a cerâmica do Candeal era reduzida, e a primeira
referência a ela havia sido feita no bojo da pesquisa de campo da Campanha de Defesa do
Folclore Brasileiro (CDFB) realizada na cidade de Januária, no norte de Minas Gerais, em
1959. O Candeal pertencia a esta cidade e o registro de sua cerâmica foi feito pelo folclorista
162
Joaquim Ribeiro (1970). Observe-se que essa informação exemplifica o modo como os
mapeamentos folclóricos funcionaram muitas vezes como base de dados para os trabalhos da
SAP.
Ricardo Lima descreve no catálogo o processo de produção da cerâmica do Candeal,
mostrando a existência de uma divisão sexual do trabalho que é explicada nas narrativas
locais como decorrente das dificuldades de determinadas etapas do trabalho. É de se destacar
que dá voz a uma artesã local de nome Teresa para que ela mesma descreva em seus próprios
termos os detalhes de cada etapa da produção.
Lima (1998) aponta que a cerâmica do Candeal era geralmente vendida para os
próprios moradores da região, nas próprias casas dos produtores, devido aos problemas de
transporte. Entretanto, o mercado municipal de Januária também aparecia como um canal de
escoamento dos objetos do Candeal, havendo aí a presença dos intermediários. Lima (1998)
encerra o texto com a tocante narrativa do modo como foi surpreendido pelo fato de as
mulheres do Candeal não se reconhecerem nas fotografias que ele levou para elas em 1998,
seis anos depois de tê-las fotografado em 1992.
As mulheres do Candeal não se veem reproduzidas em vidros,
espelhos ou fotografias, não identificam sua própria imagem, sua
própria fisionomia. Mas têm seus potes, que guardam água, e seus
desenhos, que guardam o melhor de sua identidade. Marcada;
impressa no barro (LIMA, 1998: 37).
As mulheres do Candeal não se veem reproduzidas em vidros,
espelhos ou fotografias, não identificam sua própria imagem, sua
própria fisionomia. Mas têm seus potes, que guardam água, e seus
desenhos, que guardam o melhor de sua identidade. Marcada;
impressa no barro (LIMA, 1998: 37).
De acordo com o texto do superintendente da SUDENE, Sérgio Moreira, publicado
como introdução a esse catálogo, a parceria do CNFCP com o Conselho da Comunidade
Solidária buscou transformar as ações emergenciais em oportunidades de transformações
163
permanentes para a região, com os processos de agregação de conhecimento e de capacitação
da população local. Nessa direção, foram organizados cursos de alfabetização,
profissionalização e geração de renda, bem como o esforço de valorização da atividade
artesanal no Candeal, que se concentrou em uma ação com 150 pessoas e que contribuiu para
o desenvolvimento da população local. Para Sérgio Moreira a experiência no Candeal servia
como exemplo das ações que deveriam ser realizadas em todo o Nordeste.
Cabe aqui um adendo, que nos trará mais informações sobre o contexto e as
consequências desta exposição. Com base em sua importante experiência etnográfica no
Candeal, Ricardo Lima elaborou sua Tese de Doutorado em Antropologia Cultural, intitulada
O Povo do Candeal: sentido e percursos da louça de barro, que foi defendida em 2006, no
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, sob a orientação de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. Essa tese é
reconhecida como importante, entre outras características, por posicionar no debate
acadêmico um tema historicamente trabalhado pelo CNFCP.
Lima (2006) observa que a denominação “Povo do Candeal” é a forma como os
próprios moradores locais se definem em determinados contextos. Lembra que seu primeiro
contato com esse “povo” foi em 1992, do qual guardou um valioso diário de campo, e conta
que nos sete anos anteriores à elaboração da tese fez visitas frequentes à região, geralmente de
três a quatros vezes por ano, ficando de três a dez dias.
No último capítulo de sua tese, Lima (2006) faz uma relevante análise sobre o
processo de ampliação de mercados para os objetos do Candeal. Segundo ele, em 2003 a
cerâmica do Candeal não estava mais restrita à região e possuía mercados consumidores até
em outros países. Para Lima (2006), o Artesanato Solidário foi um marco nesse processo de
ampliação de mercados, mas, se a intervenção institucional configurou-se como meio de
164
transformação social, as próprias louceiras desempenharam um importante papel como
agentes de mudança.
Um momento importante no processo de ampliação de mercados foi a exposição
Mulheres do Candeal na SAP. Como é prática comum na SAP, durante os dias de exposição
as artesãs Benita, Emília e Regina fizeram contatos com lojistas. Lima (2006) observa
também que um catálogo impresso com os produtos do Candeal foi encaminhado a lojistas de
diferentes regiões do Brasil e que a própria SAP transformou-se em um espaço de
comercialização permanente para a louça do Candeal. Dessa forma, os artesãos e artesãs
passaram a relacionar-se permanentemente com os técnicos do CNFCP.
Além disso, depois da exposição na SAP, a equipe do Artesanato Solidário organizou
um conjunto de exposições do artesanato do Candeal em outros espaços. Lima (2006) observa
que essas exposições sempre procuraram evidenciar as características culturais e etnográficas
dos objetos artesanais. Para Ricardo Lima (2006), é esse diferencial o que abre para a arte
popular não apenas novos mercados mas também a possibilidade de exposições no circuito
dos museus e das galerias de arte. Na perspectiva de Lima (2006), a introdução da cerâmica
do Candeal nestes circuitos de exposições fazia parte de uma ação política de apoio à
produção artesanal.
Por outro lado, ele observa que, após a exposição na SAP, a categoria “enfeite”
começou a circular no Candeal, a fim de designar um tipo de objeto que não tem função
utilitária definida, pois serve apenas para enfeitar. Esta apropriação indica uma mudança
significativa, na medida em que antes das exposições essa categoria não era utilizada pelos
moradores locais. Outra mudança pode ser apreendida nas novas tipologias de objetos que
surgiram após o contato dos artesão do Candeal com outros artesãos.
165
Além disso, Ricardo Lima (2006) observa que a ampliação de mercados externos
fortaleceu a presença da cerâmica do Candeal no mercado regional, de forma que a Casa de
Memória do Vale do São Francisco e a Casa do Artesão, localizadas em Januária, passaram a
comercializar os objetos do Candeal. Na própria cidade de Cônego Marino foi criado o Centro
de Artesanato, em 2000. Esse espaço, segundo Ricardo Lima (2006), foi criado por um grupo
de pessoas interessadas em divulgar a cultura regional, e nele a cerâmica do Candeal passou a
ser comercializada através de uma técnica expositiva que procurava contextualizar os objetos
seguindo os padrões propostos pela SAP.
As modificações surgidas a partir do final da década de 1990 estão
presentes não apenas nos objetos, em sua tipologia e decoração, mas
se expressam também na organização social do grupo de artesãs e na
maneira como ele se estrutura para produzir no galpão construído em
1999 visando à produção, armazenagem e comercialização das peças.
(LIMA, 2006: 190).
De acordo com Lima (2006), com a construção do galpão, as mulheres passaram a
produzir em conjunto, e esse processo fortaleceu a experiência coletiva e estimulou novas
formas de associação e de organização do trabalho, ao mesmo tempo em que permitiu um
novo tipo de divisão social do trabalho, pois um mesmo objeto passou a ser feito por louceiras
diferentes. Lima (2006) observa ainda que após o Artesanato Solidário foi possível notar um
considerável aumento da renda familiar no Candeal.
Na visão de Ricardo Lima (2006), quando os objetos de cerâmica do Candeal foram
introduzidos em mercados mais amplos, eles adquiriram o valor de bem cultural. Esse valor
lhes foi agregado, principalmente quando passaram a circular em museus e galerias sob a
forma de exposição. Para Ricardo Lima (2006), é nesses processos de reconstrução de
categorias e transformação de sentidos que existe possibilidade de continuidade de existência
desses objetos artesanais e das comunidades que vivem de sua produção.
166
Abro aqui um parêntese importante para salientar o caráter pioneiro e até
extemporâneo da exposição intitulada Mulheres do Candeal – Impressões no barro, acima
descrita, como exemplar da parceria CNFCP-SAP e Conselho da Comunidade Solidária, uma
vez que a ela se seguiram nove exposições que não resultavam dessa articulação. Somente a
exposição de número 86 (sobre a cerâmica de Irará, na Bahia), realizada no ano 2000, volta a
mostrar trabalhos oriundos de comunidade abordada pelo já então denominado programa
Artesanato Solidário. Seguem-se então 28 exposições das quais apenas 4 não mostram
trabalhos associado à parceria da SAP com esse programa, ou melhor, como essa sequência
termina em 2003, as exposições de número 108 a 114 já acontecem na verdade durante a
vigência de parceria com o Comunitas: Parcerias para o desenvolvimento solidário, criado e
presidido por Ruth Cardoso após o término do mandato de Fernando Henrique Cardoso na
presidência da República.
Nas 24 exposições que mostraram trabalhos vinculados aos projetos de Ruth Cardoso,
seja na presidência do Conselho da Comunidade Solidária, seja na presidência do Comunitas,
foram expostos, em ordem cronológica, os brinquedos do agreste paraibano, o artesanato de
São Mateus (ES), a tecelagem de Berilo (MG), os santos de Ibirimirim (PE), as rendas de
Divina Pastora (SE), a cerâmica de Rio Real (BA), os bordados de Entremontes (AL), as
rendas de Nísia Floresta (RN), trançados da Ilha Grande de Santa Isabel (PI), a cerâmica de
Santana do Aracuaí (MG), os brinquedos de Abaetetuba (PA), os barcos de Paraty (RJ), a
cerâmica do Vale do Ribeira (SP), o bumba-meu-boi (MA), as artes guarani mbyá (RJ), as
cuias de Santarém (PA), a viola de cocho pantaneira (MS), os cestos de Januária (BA), os
panos da Costa (BA), a cerâmica de Passagem (BA), e o artesanato de Chapada do Norte
(MG).
167
Finalizando esta análise, opto por apresentar o catálogo de duas exposições não
conectadas à parceria, considerando interessante observar o modo como a equipe CNPFC-
SAP deu continuidade a seus trabalhos independentes e o fez dentro da mesma tradição de
contextualização antropológica dos objetos e de seus sentidos, bem como de ênfase na autoria
e nas histórias de vida de seus produtores. O conjunto dessas exposições, no período
mencionado (entre a de número 77 e a de número 114) mostrou, em ordem cronológica: a
pintura de Bárbara Deister (RJ), a arte dos Huni Kui (AC), a pintura de A. Rosalindo (MG),
as fotografias da romaria a Aparecida do Norte (SP), os brinquedos de Dim (CE), as máscaras
do bumba-meu-boi (MA), as esculturas em madeira de Grota Funda (RJ), os bondes de
Getúlio Damado (RJ), os objetos ashaninka (AM), as imagens de Mestre Ribeiro, as rabecas
de Mané Pitunga (PE), as esculturas negras de João Alves (MG) e as pinturas de favelas de
Sinésio Brandão (RJ).
A grande incidência de mostras individuais pareceu propícia à escolha de duas
exposições desse tipo, a de número 81 e a de número 89, para delas fazer os resumos sucintos
dos catálogos que vêm em seguida.
A curiosidade, entretanto, levou-me a fazer um levantamento global do caráter
coletivo ou individual das 180 exposições da SAP anteriores à única que presenciei em 2013,
a de número 181, sobre a qual discorrerei no próximo capítulo. E como se pode observar na
tabela a seguir, o resultado desse levantamento indicou o predomínio das exposições
coletivas.
168
Tabela 1 – Quantidade de exposições na SAP realizadas entre 1983 e 2013
Exposições coletivas Exposições individuais
112 68
Fonte: Tabela elaborada pelo autor.
SAP 81. Dim – As artes de um brincante
A exposição SAP 81, intitulada Dim – as artes de um brincante e realizada em 1999,
com apoio da Associação Cultural de Amigos do Museu do Folclore Edison Carneiro, foi
resultado de pesquisa de Beatriz Muniz Freire, que também redigiu o texto do catálogo. As
fotografias foram feitas por Francisco Costa.
O catálogo da SAP 81 começa dando a voz a Antonio Jader Pereira dos Santos, o Dim,
e ele está contando uma das histórias que seu avô José Pereira lhe contava na infância e que
tanto alimentavam sua imaginação.
Era uma vez um povoado onde o povo não sabia que o dia vinha
naturalmente. Como se não existisse e tivesse que ser trazido. Todos
os dias tinham que ir buscar o novo dia. Então, logo cedo, começava
um movimento danado, uma festa muito grande: as mulheres
cozinhavam muita comida, os homens arrumavam os animais de
montaria e partiam – um grupo grande – em busca do dia.
A história é longa, e o artista também tem espaço para contar outro final que imaginou
para ela. Mas, antes mesmo de nos contar a história de vida dele, Freire (1999) nos apresenta
o resultado de uma ampla e profunda pesquisa bibliográfica sobre a história dos brinquedos
no mundo e no Brasil. O texto de Freire trabalha com importantes referências teóricas, como
Walter Benjamin, Sigmund Freud, Philippe Ariès e Johan Huizinga.
169
A dimensão social da brincadeira – os laços que com ela se criam e se
renovam – tem sido tema de estudo de folcloristas, historiadores e
antropólogos. Johan Huizinga (1971) foi, no final dos anos 1930, um
pioneiro, ao ressaltar a importância da brincadeira na formação da
cultura. As pesquisas de Philippe Ariès (1981) trouxeram até nós
brinquedos e brincadeiras praticadas por nobres europeus, na
passagem da idade média para a moderna. Mikhail Bakhtin (1987) e
Peter Burke (1989), ao investigar a cultura popular no renascimento e
na modernidade, descreveram festas e celebrações marcadas por
brincadeiras que ainda hoje conhecemos e que possuíam importante
papel contestador. (FREIRE, 1999: 15)
No caso brasileiro, Freira (199) cita Câmara Cascudo, Cecília Meireles, Gilberto
Freyre e Ricardo Lima, entre outros.
Freire (1999) salienta que, em muitas formações sociais do mundo antigo, o brincar e
as brincadeiras eram atividades também realizadas por adultos; além disso, muitas vezes
possuíam um sentido sagrado e religioso.
Parece-nos, hoje, natural associar o brinquedo e a brincadeira à
infância, como se o tempo de brincar correspondesse ao tempo de ser
criança. A fase adulta, por oposição, é comumente aceita como o
tempo de trabalhar, atividade série e importante. (FREIRE, 1999: 09)
Para Freire (1999), foi a definição da “infância como fase específica da vida” que
permitiu a identificação do brinquedo como um “objeto da criança”.
Freire (1999) aponta indícios de que muitos brinquedos estariam associados a “cultos e
celebrações”. Entretanto, “a brincadeira foi-se libertando do simbolismo religioso que teve no
passado e perdeu, nesse mesmo processo, seu caráter comunitário” (FREIRE, 1999: 10). Mas,
segundo ela, esse longo processo não afetou toda a produção artesanal de brinquedos. “Nas
camadas populares, muitos são os brinquedos artesanais produzidos em família, participando
a criança da sua confecção”. Assim sendo, “o brinquedo popular artesanal guarda, em muitos
170
casos, caráter local e tem profunda ligação com as questões de identidade” (FREIRE, 1999:
12).
Freire (1999) observa que a produção dos brinquedos artesanais está inserida na
dinâmica cultural, estando, portanto, aberta a inovações, ao mesmo tempo em que se relaciona
com as “técnicas e saberes de gerações passadas”. Freire (1999) chama atenção para o fato de
que, no Brasil, a produção artesanal de brinquedos foi muitas vezes desvalorizada por não
gerar um volume considerável de renda.
A história de vida e a trajetória artística de Antônio dos Santos, o Dim, são
demoradamente narradas por Freire (1999). Ela destaca que ele é muito imaginativo e que
trabalha com “extrema habilidade e maestria” na criação e recriação de brinquedos, que são
“ressignificados” ao longo do tempo. Ela afirma que ele é portador de um “discurso muito
próprio”, ao mesmo tempo em que é um interlocutor de “vivências coletivas”.
Dim nasceu no Ceará, em 1967, e sua infância foi povoada de “personagens
marcantes”, muitos dos quais advindos das histórias do avô, que lhe deu também o material
concreto onde exercitar sua imaginação e os instrumentos técnicos para fazê-lo, já que era
carpinteiro. Por outro lado, Dim se inspirava nos objetos que sua avó trazia das romarias a
Canindé, Juazeiro e Parazinho, e segundo Freire (1999), também observava muito os
acontecimentos das ruas. Dim relata suas lembranças:
A gente brincava muito e, à noite, tinha histórias! Meu avô era um
contador! Tinha as Histórias do Tempo da Besteira, que era o tempo
quando todo mundo acreditava em tudo. A gente ia dormir com aquela
fantasia... Eu sempre fui um menino muito fantasioso!
De acordo com Freire (1999), um marco na trajetória de Dim foi ter conhecido o
pintor e escultor Batista Sena e ter ido trabalhar na casa dele como seu assistente. Foi nesse
171
momento que Dim se reconheceu como um “criador”. Dim então seguiu sua trajetória,
trabalhando nos anos 1980 na Barraca da Amizade, projeto do Circle Catholique de France
em Fortaleza, e também como cenógrafo e com design em projetos artesanais.
Freire (1999) conta que, em articulação com outros artistas, Dim criou o movimento
Neocangaço, e é ele quem o explica:
Como o movimento dadaísta – que ironizou uma sociedade que tinha
prometido, por meio da razão, organizar o progresso social e acabou
trazendo guerra e miséria para as pessoas -, o Neocangaço faz a crítica
das desigualdades sociais e rejeita o empobrecimento da criação,
causado pela indústria cultural.
Para Freire (1999), a atividade artística de Dim articulada a sua personalidade de
brincante, é o eixo da sua vida, que relaciona trabalho e brincadeira. Nesse contexto, ele teria
buscado um caminho próprio, afastando-se do trabalho exclusivo com as dimensões
funcionais do artesanato, e focando o desenvolvimento de seu processo criativo na releitura
dos brinquedos, embora atuasse em outras áreas como a pintura e a cenografia.
SAP 89. Devoção e festa – imagens de Mestre Ribeiro
A exposição SAP 89, intitulada Devoção e festa – imagens de Mestre Ribeiro e
realizada no ano 2000, com apoio da Divisão de Assuntos Culturais da Pró-Reitoria de
Extensão e Cultura da Universidade Federal de Viçosa e da Casa de Paschoal Carlos Magno,
foi resultado de pesquisa de Carla Costa, que também redigiu o texto do catálogo. As
fotografias foram feitas por André Ribeiro e Francisco Costa.
O catálogo é muito parecido com o anteriormente analisado. O texto de Carla Costa
(2000) é igualmente longo e muito bem fundamentado em ampla e profunda pesquisa,
primeiro sobre a geografia, a economia e a história de Porto Firme, em Minas Gerais, cidade
172
de nascimento de Mestre Ribeiro, escultor de imagens sacras em madeira. Depois, sobre o
barroco em geral e sobre o barroco mineiro, especificamente.
O texto focaliza em seguida a vida do artista Expedito Sobreira Ribeiro, conhecido
como Mestre Ribeiro. E, como no catálogo anterior, logo no início dá a voz a ele, para que
conte em suas próprias palavras o sonho de sua mãe que marcou de misticismo o início dos
seus trabalhos:
Ela pegou a ter visões, Deus caraça aparecia para ela e pedia que
fizesse alguma coisa de barro para ele, queria um presépio, um São
João, negócio de batismo, viveu com isso um período e quando ela
fazia um trabalho de barro, o Deus parecia que não ficou satisfeito,
pedia para desmanchar e fazer outro... Deus insistiu com ela para
fazer, ela pediu que arrumasse outro, pois era mãe de cinco filhos,
esperando outro... Naquela época, eu estava gestando, quer dizer, ela
pediu que arrumasse outro, e Deus arrumou, logo o trabalho foi sair
para mim.
Segundo Costa (2000), Mestre Ribeiro se considerava “predestinado a ser escultor”, e,
ainda criança, montava objetos com galhos e cipó. Ele trabalhava na lavoura e não tinha muito
tempo para esculpir. “Em 1973, impossibilitado de trabalhar na lavoura ao longo de uma
semana de muita chuva, passou os dias trancado num pequeno cômodo, confeccionando sua
primeira peça”. Segundo Costa (2000), no começo ele passou a conciliar a lavoura com a
escultura, mas depois as encomendas aumentaram e Mestre Ribeiro passou a se dedicar
apenas à segunda. (COSTA, 2000: 20).
De acordo com Costa (2000), os primeiros trabalhos de Mestre Ribeiro retratavam
seres imaginários, como “animais fantásticos, personagens míticos envolvidos em histórias do
cotidiano rural” e invenções baseadas em elementos do catolicismo popular. Segundo Costa
(2000), ele mesmo diz:
173
Fazia no início coisas da minha cabeça, do meu interesse, figuras de
animais que pareciam pré-históricos, que eu nem sabia o nome, uns
capetinhas tocando sanfona; umas capelinhas tipo presépio com
homem aleijado e animais que ninguém usava; colocava sapo, cobra e
às vezes tinha um bicho diferente, fazia Nossa Senhora cozinheira
trabalhando no fogão à lenha, com boi e carneirinho na cozinha.
Em razão de encomendas, Mestre Ribeiro começou a produzir santos e imagens sacras
e ficou conhecido na comunidade. Costa (2000) observa que “essas imagens, mediadoras da
relação dos fiéis com seus santos de devoção, revelam formas e movimento que as filiam à
cultura brasileira”. Para Costa (2000), Mestre Ribeiro “reinterpreta a linguagem barroca,
aglutinando-a à linguagem popular dos santeiros”, em um processo criativo que ressignifica
marcas estilísticas do barroco em uma “expressão popular original e singular” e originando
esculturas que demandam saber técnico e expressivo (COSTA, 2000: 21).
Costa (2000) conta que Mestre Ribeiro trabalha preferencialmente com a madeira de
cedro, que é maleável e é abundante na região, mas é aberto a trabalhos em pedra sabão.
Costa (2000) chama atenção para um presépio criado por Mestre Ribeiro, a partir de uma raiz
de cedro, e que foi premiado no Concurso de Presépios da Telemar/Turminas. Nesse
trabalho, ele aborda o “último Natal do Século” e trabalha com o tema da poluição,
representando uma “gota d’água se despedindo do planeta”.
O Ateliê, onde o artista trabalha com quatro ‘auxiliares’ – seus filhos
José Geraldo, Antonio Carlos, Rinaldo, Geraldo Magela – é um
grande galpão com dezenas de toras e raízes, um torno manual e as
ferramentas – enxó, machado, macete, formões, goiva, facas, lixas,
compasso e amolador de ferramentas. Nesse espaço, organizado como
pequena oficina familiar, trabalham em jornadas de 10 a 12 horas,
dedicando-se em média um mês às peças de grande porte (COSTA,
2000: 26).
174
Costa (2000) conta que em 1992 Mestre Ribeiro resolveu criar um local de exposição,
uma espécie de “centro cultural”, a fim de divulgar seus trabalhos artesanais e os de artistas
mineiros de outras localidades. Segundo Costa (2000), Mestre Ribeiro conquistou prestígio
como escultor e trabalhava também como restaurador, tendo feito trabalhos desse tipo em
igrejas barrocas da região.
175
CAPÍTULO IV
O DIÁLOGO CONTEMPORÂNEO COM AS DEFINIÇÕES DO
PATRIMÔNIO IMATERIAL
Um laboratório para as definições patrimoniais
Esse momento institucional é marcado pelo contexto criado a partir do
reconhecimento legal do patrimônio cultural imaterial no Brasil e pela implantação dos
instrumentos técnicos de registro e salvaguarda desse patrimônio.
Os eixos de trabalho da SAP ao longo dos anos gravitaram basicamente em torno do
mesmo núcleo temático, ou seja, os objetos populares estudados pelas pesquisas etnográficas.
Porém, em cada momento da história da instituição, esse núcleo temático foi abordado em um
contexto diferente, que se relacionava com conjunturas específicas da história das políticas
nacionais de cultura. Nesse sentido, na história institucional da SAP sempre existiu uma
profunda relação entre as teorias antropológicas e as práticas de patrimônio e salvaguarda das
culturas populares. O que se estabelece de novo no contexto contemporâneo é que, devido
justamente à sua longa experiência no trato com as culturas populares, o CNFCP foi chamado
a contribuir com a efetivação das leis relativas ao patrimônio cultural imaterial em um
conjunto de práticas de registro e salvaguarda, utilizando-se dos instrumentos e mecanismos
por elas criados.
176
Em 2000, o Decreto nº 3.55133
instituiu o registro de bens culturais de natureza
imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Em 2003, o Brasil tornou-se
signatário da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Intangível da UNESCO.
Arantes (2009b) observa que, no Brasil, foi a partir dos anos de 1980, com o
alargamento político da definição de “patrimônio cultural”, que se configurou uma abordagem
mais complexa da questão do patrimônio no Brasil. Esse momento foi marcado por
significativas demandas dos “movimentos sociais”, que passaram a reivindicar uma atuação
diferenciada das instituições públicas. Arantes (2009b) nos conta que “em 1984 e 1986,
respectivamente, a casa de culto de candomblé denominada Terreiro da Casa Branca e as
trincheiras remanescentes do quilombo dos Palmares foram inscritos, em meio a muita
polêmica, nos Livros de Registro do Patrimônio Nacional” (ARANTES, 2009b: 192).
Para Arantes (2009b) a Constituição de 1988 consolidou importante abordagem
jurídica das “questões relacionadas aos direitos culturais”, apresentando uma perspectiva
inovadora que abriu novos caminhos de atuação ao reconhecer a pluralidade das dinâmicas
culturais brasileiras e abordar as dimensões materiais e imateriais do patrimônio. Todavia,
como observa Arantes (2009b), foi com a recente política de patrimônio cultural imaterial que
se abriram “novas perspectivas para a solução de problemas advindos do confronto entre a
Constituição e a ideologia inerente à prática institucional de preservação” (ARANTES,
2009b: 196).
Arantes (2009b) enfatiza que os fundamentos de sua análise dos instrumentos e dos
métodos de salvaguarda do patrimônio imaterial implantados no Brasil estão profundamente
33 O Decreto nº 3551 de 2000 pode ser visualizado nos anexos desta tese.
177
relacionados com a sua “experiência na construção da metodologia para o Inventário Nacional
de Referências Culturais”. De fato, em 1999, Arantes fora coordenador de uma equipe
multidisciplinar contratada pelo IPHAN para a construção dessa metodologia. Arantes (2006)
aponta que sua atuação posterior como presidente do IPHAN e particularmente sua atuação
“junto aos técnicos do IPHAN na implantação do Departamento de Patrimônio Imaterial”
também são pontos importantes de sua reflexão.
De acordo com Arantes (2009b) a convenção da UNESCO consolidou uma
perspectiva de patrimônio e de salvaguarda que pressupõe uma definição de “preservação de
bens culturais”. que diverge da usual.
Um bom exemplo disso é a definição de salvaguarda como garantia de
viabilidade de práticas vivas e passíveis de mudanças às quais grupos
humanos específicos atribuem valor patrimonial... Mais do que lidar
com coleções de objetos e lembranças congeladas no tempo, importa
aqui considerar os processos sociais a eles associados, bem como as
condições de sua produção (ARANTES, 2009b: 176).
De acordo com Arantes (2009b), a Convenção de 2003 da UNESCO estipula como
atribuição dos Estados signatários atuarem como “agentes do processo de salvaguarda”,
através da identificação do patrimônio cultural imaterial que se encontra em território
nacional. Entretanto, essa ação está inserida em contextos complexos que são cruzados por
uma série de conflitos práticos e teóricos. A Convenção tenta lidar com as tensões políticas
dos processos de reconhecimento enfatizando a “participação comunitária” como dimensão
fundamental das políticas de patrimônio.
Para Arantes (2009b), essa Convenção apresenta também uma nova perspectiva para o
papel dos inventários na documentação da história cultural. Os inventários devem estar
orientados para o detalhamento dos contextos nos quais as dimensões culturais estão
178
relacionadas com as dinâmicas da vida social, na medida em que a Convenção propõe
“proteger os processos em que as culturas são produzidas, dentro das formações sociais às
quais pertencem” (ARANTES, 2009b: 180). Assim é que os “processos de produção”
precisam ser levados em conta nos “planos de ação de salvaguarda”.
Nesse contexto, Antonio Arantes (2009b) chama atenção para os valores patrimoniais
que são “atribuídos pelas culturas locais e perpassados por dinâmicas culturais”. Para ele, os
inventários precisam estar atentos às “demandas culturais e políticas existentes localmente”
(ARANTES, 2009b: 186).
Essas perspectivas implicam que a salvaguarda do patrimônio –
enquanto política pública – interfere em processos sociais que 1.têm
lugar no presente, não no passado; 2 são desenvolvidos por
coletividades reais particulares, não por entidades sociais ou nações
abstratas; e que, 3.diversamente dos monumentos de tijolo, pedra e
cal, o patrimônio imaterial é patrimônio vivo. Em termos mais
amplos, ela se refere à questão da permanência e da mudança das
práticas sociais, ou seja, à construção do que no campo da preservação
se designa como ‘continuidade histórica’ das práticas patrimoniais
(ARANTES, 2009b: 187-188).
Para Arantes (2009b), as dinâmicas do patrimônio cultural estão relacionadas a
negociações complexas e tensas que envolvem “mediadores culturais” diversos que possuem
interesses muitas vezes conflitantes. Portanto, é sob esse contexto de tensões que as decisões
institucionais de proteção são tomadas, como partes de um processo de negociação de
conflitos culturais e políticos.
A preservação cultural, assim como qualquer outra prática social, tem
sua própria história. No Brasil, por exemplo, é fato que as discussões
sobre patrimônio ficaram mais intensas e apaixonadas à medida que os
itens cuja preservação era proposta se tornaram menos ortodoxos,
passando a incluir, além de artefatos de valor histórico e artístico,
‘elementos culturais’ intangíveis – e não apenas os relacionados à
cultura erudita, mas também, em número cada vez maior, os que
179
dizem respeito a culturas indígenas e populares (ARANTES, 2009b:
190).
De acordo com Arantes (2009b), as políticas de patrimônio e as práticas de
salvaguarda precisam estar relacionadas a um “sistema jurídico internacional” que
fundamente a proteção dos “direitos de propriedade intelectual associados ao conhecimento e
às expressões culturais tradicionais”. Nesses processos de proteção, as importantes questões
do “direito à diferença” precisam ser balanceadas com reflexões sobre os problemas de um
particularismo excessivo, pois como enfatiza Arantes (2009b):
É preciso não esquecer que a formação e a disseminação das
diferenças culturais ocorrem, na atualidade, sobretudo através de
relações econômicas globalizadas. Claude Lévi-Strauss afirmou em
1952, em uma publicação da UNESCO, que nenhuma cultura está só e
que sua principal contribuição para a civilização depende do número e
da natureza das diferenças com que ela participa ‘na elaboração de
uma estratégia comum’ junto às demais (ARANTES, 2009b: 200).
Na visão de Arantes (2009b), as políticas de patrimônio cultural imaterial deveriam
“contribuir para a construção de uma diversidade cultural sustentável para o desenvolvimento
humano e o entendimento entre os povos, para além dos limites da vida comunitária”. Nesse
sentido, um dos principais objetivos das práticas de salvaguarda deveria ser a manutenção das
condições de existência da diversidade cultural, pensada nas relações do presente com o
futuro. Arantes (2009b) enfatiza que, de acordo com Appadurai, a sustentabilidade da
diversidade está relacionada à “capacidade” de articular cultura e desenvolvimento, como
uma forma de “desenvolvimento humano integral” (ARANTES, 2009b: 213-214).
Voltando à interferência do contexto de formulação jurídica do patrimônio imaterial e
de criação de seus instrumentos de efetivação sobre a trajetória do CNFCP e da SAP, temos
180
que, estimulado pelo Decreto 3.551, o CNFCP34
desenvolveu, entre 2001 a 2006, o projeto
intitulado Celebrações e Saberes da Cultura Popular, que tinha como objetivo testar os
instrumentos propostos pelo Decreto, quais sejam, o Inventário Nacional de Referências
Culturais (INRC) e o Registro nos livros do Patrimônio Imaterial do IPHAN. Tais
instrumentos foram articulados às metodologias e às linhas de ação já utilizadas nos projetos
do CNFCP como a pesquisa, a documentação, o apoio e a difusão de expressões da cultura
popular.
Nesse projeto, foram inventariados pelo CNFCP: as cerâmicas de Candeal (MG) e de
Rio Real (BA); o Bumba-meu-boi do Maranhão; a festa do Divino maranhense no Rio de
Janeiro; o artesanato de cuias no Baixo Amazonas; a farinha de mandioca e o tacacá, no Pará;
o modo de fazer a viola de 10 cordas do Alto e Médio São Francisco, em Minas Gerais.
Também foram inventariados o ofício das baianas de acarajé em Salvador (BA); o modo de
fazer a viola-de-cocho de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e o jongo da Região Sudeste,
que posteriormente foram registrados pelo IPHAN como Patrimônio Cultural Imaterial do
Brasil.
É interessante observar a sobreposição dos períodos de influência do Artesanato
Solidário e dos instrumentos de registro e salvaguarda do patrimônio imaterial, pois muitos
dos saberes e fazeres inventariados nesse projeto foram alvo também das intervenções sociais
do programa federal idealizado por Ruth Cardoso e foram expostos na SAP. Observe-se
também que o projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular avança até o primeiro
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois se encerra apenas em 2006.
34 Informações obtidas no site do CNFCP, disponíveis em: http://www.cnfcp.gov.br/index.php
181
O projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular foi um marco importante da
consolidação institucional desse diálogo com as definições contemporâneas de patrimônio
cultural imaterial. A prática do Inventário consolidou um caminho para a atuação
institucional, ao mesmo tempo em que o projeto do CNFCP funcionou como espaço político
para experimentar os instrumentos de proteção e salvaguarda do patrimônio imaterial.
Para o CNFCP, o INRC representou um processo de sofisticação dos paradigmas dos
arquivos antropológicos e etnográficos, no sentido de associar as práticas de documentação às
dimensões políticas dos mecanismos jurídicos de reconhecimento cultural. Por outro lado,
como o CNFCP possuía uma relevante experiência com a produção de documentos culturais,
os instrumentos patrimoniais não poderiam ser mais bem “testados” do que ali.
De acordo com Alves (2011), as ações do MinC durante o primeiro governo Lula
voltaram-se para a organização política de linhas de atuação referentes às culturas populares,
focalizando os produtores e os mestres de suas expressões, e se concentrando, sobretudo, nas
expressões da “diversidade étnico-cultural”. Uma das ações do MinC nesse momento foi a
realização do “Primeiro Seminário Nacional de Políticas Públicas Para as Culturas
Populares”, em 2005, e Alves (2011) nos conta que o CNFCP, entre outras instituições
brasileiras da área de cultura, desempenhou um importante papel na realização desse
Seminário.
O projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular
De acordo com a antropóloga Letícia Viana (2004), pesquisadora e coordenadora do
projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular, este se desenvolveu juntamente com uma
rede de instituições, entre as quais o Ministério da Cultura (MinC), o IPHAN, o Museu do
Índio e alguns centros universitários. Letícia Viana (2004) lembra-nos que, ao longo do
182
desenvolvimento do projeto, o INRC foi aplicado de modo a potencializar a experiência e o
acervo acumulados pelo CNFCP. Essa articulação permitiu que o eixo de atuação do CNFCP
fosse ampliado na direção do desenvolvimento de trabalhos de documentação, pesquisa,
difusão e fomento patrimonial. Para Viana (2004), os inventários se articularam sem
contradição nenhuma às ações da SAP e às ideias que estiveram na origem do antigo PACA.
O projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular trabalhou no mapeamento e na
definição de lugares e de bens culturais em áreas propostas pelo INRC. Foram abertos os
inventários da cerâmica do Candeal (MG), da cerâmica do Rio Real (BA), da viola-de-cocho
(MS), do acarajé e do tabuleiro da baiana (BA), da farinha de mandioca e das cuias (PA), do
Jongo (RJ) e do bumba-meu-boi (MA).
Vianna (2004) enfatiza que, no contexto desse projeto, as pesquisas etnográficas foram
orientadas para processos de descrição e localização das manifestações culturais, consideradas
“bens culturais”. A intenção era dar conta das transformações em curso nos contextos
específicos de cada manifestação, a fim de produzir documentos analíticos que orientassem as
ações de intervenção e permitissem a articulação entre as instituições públicas e as
comunidades nos processos de reconhecimento, registro e fomento. O conhecimento
antropológico produzido deveria ser divulgado a fim de contribuir com o desenvolvimento
teórico e prático das pesquisas etnográficas e das políticas culturais.
De acordo com Viana (2004), as equipes do projeto foram incentivadas a estabelecer
uma relação crítica com a metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais
(INRC), de modo que cada inventário se tornou um estudo de caso. Assim, os bens culturais
foram descritos em seus contextos e em relação aos sistemas simbólicos em que estavam
inseridos, e importantes observações sobre as dinâmicas sociais locais foram possibilitadas
pela metodologia do INRC aplicada pelo CNFCP.
183
Nessa perspectiva, o mapeamento propiciado pelos inventários documentou técnicas e
conhecimentos localizados em comunidades que estavam fora dos centros de
desenvolvimento social e econômico do país. É nesse sentido que a criatividade popular foi
abordada como um valor patrimonial fundamental. Viana (2004) observa que os inventários
eram realizados em conjunto com ações de produção de oficinas para transmissão de técnicas
e com a edição de catálogos ilustrativos dos saberes e fazeres tradicionais de cada
comunidade. Nesse sentido, esse projeto configurou-se como uma possibilidade ímpar de
aprofundar a interlocução e a ação conjunta de diferentes instituições de patrimônio cultural.
Viana (2004) observa que as equipes do CNFCP foram formadas por um ou dois
pesquisadores especialistas, duas ou quatro consultorias e um ou dois assistentes de pesquisa.
Entretanto, mesmo sendo pequenas, as equipes procuravam trabalhar em parceria com as
comunidades, adotando questionários e fichas-síntese que buscavam atingir as complexidades
dos contextos observados.
De acordo com Vianna (2004), as informações eram decompostas em campos
específicos nas fichas pertencentes a cada local, com objetivo de identificar o bem cultural.
Essas fichas eram quase tão importantes quanto os textos etnográficos, pois também eram
materiais de pesquisa. Para Viana (2004), os textos etnográficos buscavam abordar os bens
culturais com densidade, através da descrição das dinâmicas sociais, segundo as metodologias
antropológicas, enquanto as fichas documentavam informações básicas e objetivas que
podiam ser armazenadas e recuperadas em bases de dados comuns a outros bens. Viana
(2004) observa que essas fichas de identificação deveriam sempre se remeter aos textos
etnográficos que acompanhavam cada inventário.
A experiência etnográfica dos pesquisadores do CNFCP foi permitindo alterações e
aperfeiçoamentos nos modos de descrição dos saberes e fazeres. Por sua vez, o INRC se
184
mostrou flexível e permitiu adaptações. Dessa forma, o INRC propiciou uma importante
interlocução do IPHAN com os métodos de trabalho e pesquisa do CNFCP. Nessa
perspectiva, os inventários configuraram-se como uma base para a articulação institucional e
para a interlocução com as comunidades, na direção de organizar as demandas locais em
relação às políticas de patrimônio cultural. Para Vianna (2004), a viabilidade do projeto
Celebrações e Saberes da Cultura Popular estava intimamente ligada ao estabelecimento de
parcerias locais, e essas parcerias eram fundamentais para que uma política de proteção
cultural apresentassem um resultado satisfatório. Nesse sentido, um dos objetivos das
políticas de intervenção local foi a mobilização das comunidades.
O INRC representava a possibilidade de geração de conhecimento sobre os bens
culturais e o Registro constituía o reconhecimento público de seu valor patrimonial.
É interessante enfatizar que foi somente em 2003 que o Brasil se tornou signatário da
Convenção da UNESCO que consagrou a noção de patrimônio cultural imaterial em um
instrumento normativo multilateral. Na perspectiva de Cavalcanti & Fonseca (2008), esse
instrumento consolidou um conjunto de parâmetros internacionais para as ações de
salvaguarda do patrimônio imaterial e abriu espaços para o desenvolvimento das políticas
públicas de patrimônio cultural. Como já foi mencionada, a Convenção promoveu a validação
da diversidade cultural como alicerce fundamental para a sustentabilidade do
desenvolvimento. Dessa forma, consolidou-se internacionalmente o enfoque antropológico
sobre o patrimônio cultural.
Nesse processo, em 2004 foi criado o Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI), no
IPHAN, a fim de desenvolver institucionalmente as políticas de patrimônio cultural imaterial,
utilizando os instrumentos criados pelo Decreto nº 3.551 de 2000.
185
Do ponto de vista de Antonio Arantes35
, a vasta experiência do CNFCP foi
fundamental para a constituição do DPI do IPHAN. Para ele, a criação do DPI representou a
migração de um assunto temático típico dos trabalhos do CNFCP para um forte núcleo de
atuação do IPHAN, o DPI, ao qual o CNFCP ficou ligado. Essa migração teria iniciado em
2003, com o deslocamento do CNFCP da FUNARTE para o IPHAN, e foi uma importante
mudança na posição institucional do CNFCP, no sentido de que passou a funcionar como uma
agência social de política cultural. Para Arantes, com este deslocamento, o CNFCP ganhou
espaço para realizar a sua vocação histórica, caracterizada por uma longa linha de trabalho de
documentação e valorização das culturas populares.
A partir de 2003, nesse novo contexto jurídico e institucional, e com o desenrolar do
projeto Celebrações e Saberes da Cultura popular os textos dos catálogos das exposições da
SAP passaram a enfatizar questões de patrimônio imaterial, ainda que as primeiras exposições
de 2003 tenham mantido o vínculo com o Artesanato Solidário via o Comunitas.
Em 2009, quando o projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular já estava
encerrado, a equipe do CNFCP trabalhou na criação do Programa de Promoção do
Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART), com apoio da Associação Cultural de
Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (Acamufec). O PROMOART36
foi construído
com fortes relações com o programa Mais Cultura do Ministério da Cultura (MinC) e
trabalhou em mais de 65 polos em várias regiões do Brasil.
35 Depoimento de Antonio Arantes realizado no dia 14/12/2015.
36 Informações disponíveis no site do CNFCP, disponível em:
http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=128 e
http://www.promoart.art.br/
186
O PROMOART se configurou como um programa estratégico para a SAP, na medida
em que todo o trabalho de mapeamento dos polos era articulado com as pesquisas para a SAP
e contribuíam diretamente para as exposições. Além disso, o Programa funcionava como um
importante pilar no processo de construção das relações da SAP com as comunidades
artesanais. O PROMOART se estruturou como um programa bem complexo que demandava
uma sólida estrutura de recursos financeiros e de conhecimento antropológico. As principais
fontes de recursos financeiros foram obtidas em convênios com o MinC, o IPHAN, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Companhia Vale do Rio
Doce.
Análise descritiva de textos dos catálogos
SAP 124. Sons de couro e cordas - Instrumentos musicais de São Francisco
Nos créditos do catálogo da SAP 124, intitulada Sons de couro e cordas -
Instrumentos musicais de São Francisco-MG e realizada em 2005, consta que q exposição
está relacionada a um projeto atribuído ao PACA e intitulado Instrumentos Musicais
Tradicionais de São Francisco e coordenado por Ricardo Lima e Edilberto Fonseca, com
assessoria técnica de Rogério Ramos Aguiar. No texto introdutório ao catálogo etnográfico,
assinado por Edilberto Fonseca e Wagner Chaves, essa informação é reiterada, e os autores
fazem menção ao fato de que esse projeto teve início em 2004 e incluiu a organização de
oficinas com os mestres e a abertura de canais de comercialização. Ao mesmo tempo,
mencionam o apoio recebido do projeto Celebrações e Saberes. Vê-se, portanto, que mesmo
durante o período de ênfase na questão patrimonial, as preocupações e as ações pertinentes ao
PACA e ao Artesanato Solidário continuaram presentes.
187
Tanto nos créditos quanto no texto há referência ao apoio financeiro recebido da
Eletrobrás, cujo presidente escreve uma espécie de prefácio ao catálogo. Naquele momento o
IPHAN estava sob a presidência de Antonio Arantes e a SAP continuava sob a responsável de
Ricardo Lima, segundo os créditos do catálogo, que informa também que a ampla
documentação fotográfica dos artesãos e de seus fazeres constante do catálogo foi realizada
por Francisco Moreira da Costa, Edilberto Fonseca e Wagner Chaves.
Chaves e Fonseca (2005) começam o texto etnográfico do catálogo fazendo uma breve
descrição histórica, geográfica econômica e ecológica do município de São Francisco, em
Minas Gerais, passando então à apresentação de breves histórias de vida de três artesãos de
instrumentos musicais da localidade: Minervino Gonçalves Rodrigues Guimarães, Augusto
Ribeiro (conhecido como Nego de Venança) e Joaquim Ribeiro da Silva (conhecido como
Joaquim Goiabeira).
Observa-se nessas apresentações de histórias de vida a mesma preocupação
antropológica de sempre no tocante a dar a voz ao próprio artesão. Entretanto, espaço igual é
dado ao histórico dos próprios instrumentos musicais – a viola, a rabeca e a caixa – e espaço
maior ainda é dado aos processos de sua produção, fotografados em cada uma de suas etapas.
Isso certamente está associado a uma ênfase mais recente em saberes e fazeres, relacionada à
questão do patrimônio imaterial. Outro indício dessa ênfase está no fato de que, após os
trechos dedicados aos instrumentos musicais, os autores do catálogo dedicam-se ao relato dos
saberes e fazeres comunitários mais abrangentes nos quais a música desses instrumentos
participa, ou seja, as folias de santos.
Chaves e Fonseca (2005) nos contam que em São Francisco há muitas folias de santos,
distribuídas por todo o ano, mencionando Santos Reis e São Sebastião, em janeiro, São José,
em março, Santa Isabel e o Divino Espírito Santo, em julho, Bom Jesus, em agosto, e Nossa
188
Senhora Aparecida, em outubro. A preocupação antropológica de sempre se expressa então na
observação participante e no denso relato etnográfico de uma visita da folia de Bom Jesus,
relato esse que, por ater-se também ao registro da própria música, inclusive em partitura,
alcança o estatuto de etnomusicológica. Reforçando a mesma ênfase, Chaves e Fonseca
(2005) dedicam ainda o trecho final à transcrição de alguns “causos de violeiro”.
Segundo Chaves e Fonseca (2000), os ofícios dos artesãos de instrumentos musicais
de São Francisco estão relacionados aos ritmos naturais da região, de forma que a produção é
mais intensa durante a seca, quando o rio São Francisco baixa e uma boa quantidade de
madeira fica disponível para o artesanato (CHAVES & FONSECA, 2000: 17). Segundo eles,
esses artesãos trabalham em pequenas oficinas caseiras. “Dominando todos os passos da
construção, normalmente trabalham sós ou, no máximo ajudados por algum parente”. Eles
contam que esses artesãos trabalham em uma “bancada ou banco de madeira” e que utilizam
serrote, martelo, cola de madeira, verniz, alegre, plaina, facão, formão, enxó, morsa,
compasso, canivete, lima lápis, régua e outros instrumentos de marcenaria. “As fôrmas e
moldes foram conseguidos junto aos mestres com os quais o artesão aprendeu o ofício”.
As violas podem ser de 10 traços ou de 12 traços e são produzidas em duas etapas: a
produção do braço e a produção do corpo. Algumas violas são decoradas com “motivos
decorativos”. As rabecas são produzidas em três etapas: a produção do corpo, a produção do
braço e a produção do arco. As caixas são cortadas em toras de tamboril ou imburana e
recebem couro de veado ou de bode.
Apesar do avanço da indústria cultural, os violeiros e rabequeiros que
atuam na região do município de São Francisco não possuem, ainda,
praticamente nenhum vínculo com a indústria de entretenimento,
189
sendo sua prática musical restrita às festas religiosas, brincadeiras e
danças tradicionais (CHAVES & FONSECA, 2000: 25).
Essa observação dos autores do catálogo mostra que os saberes e os fazeres desses
artesãos enquadravam-se no quesito estabelecido pela Convenção da UNESCO para seu
registro como patrimônio imaterial, ou seja, estava inserido num circuito alternativo ao do
mercado hegemônico.
SAP 139. Zé do Chalé – o antigo dono da flecha
Assim como no período anterior, a SAP continuou organizando exposições
independentes, antes em relação à articulação com o Artesanato Solidário, agora em relação
às práticas de inventário patrimonial, e escolho novamente uma exposição de um artista
individual para ilustrá-las, observando que o ano de organização desta exposição é 2007 e que
o projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular havia se encerrado em 2006. Observo
também que Antonio Arantes não consta mais nos créditos como presidente do IPHAN, e sim
Luiz Fernando de Almeida, e que Ricardo Lima continua responsável pela SAP.
A exposição SAP 139 intitula-se Zé do Chalé – o antigo dono da flecha, e o texto
etnográfico de seu catálogo foi escrito por Ulisses Neves Rafael, com fotografias de Francisco
Moreira da Costa. Há ainda um texto de apresentação, assinado por Sayonara Viana Silva, que
começa informando que o trabalho do artista José Cândido dos Santos, conhecido como Zé do
Chalé, teve sua importância reconhecida ao ser incluído por Lélia Frota em seu Pequeno
Dicionário da Arte do Povo Brasileiro (2005). Na perspectiva de Silva (2007), Frota (2005)
produziu uma das melhores apresentações do artista Zé do Chalé. Embora ela aparentemente
cite todo o verbete, transcrevemos aqui apenas o trecho inicial dele:
Descendente hoje centenário de índios Xocós, nasceu na Saúde,
município de Neópolis, trabalhou durante muitos anos como mestre de
190
obras em Aracaju, onde reside. O apelido vem do seu extenso trabalho
como construtor. É forte seu laço com a comunidade Xocó da Ilha de
São Pedro, no Rio São Francisco, que visita anualmente e onde
trabalhou na mocidade como carpinteiro na construção de barcas que
levavam carrancas na proa. (FROTA, 2005: 234 In SILVA, 2007: 07)
Segundo Silva (2007), Frota (2005) inclui Zé do Chalé entre artistas populares de
grande reconhecimento como “Mestre Vitalino, Galdino, Manuel Eudócio”. Para Silva
(2007), uma das grandes contribuições de Frota (2005) foi denunciar “a falsa dicotomia entre
artistas de origem erudita e os artistas populares”. E Silva (2007) atesta, com base em seu
conhecimento pessoal do artista, que Zé do Chalé possui uma “sensibilidade profunda”, e que
essa sensibilidade se expressa na sua “criação visual” (SILVA, 2007: 07).
Se o texto de Sayonara Viana Silva enfatiza a figura de Zé do Chalé como artista
popular, Ulisses Neves Rafael (2007) destaca sua ascendência indígena desde o primeiro
parágrafo, que descreve sua chegada à casa de Zé do Chalé, em Aracaju: “encontrei-o
despojado na cama de um pequeno quarto da casa que sempre dividiu com seus filhos... Mais
de 100 anos de memória indígena encontravam-se ali naquele aposento...” (RAFAEL, 2007:
11).
Segundo Rafael (2007), Zé do Chalé reproduz em sua história de vida a mesma
“sucessão de espoliação, exploração e injustiça” de que foram vítimas historicamente as
populações indígenas brasileiras. Nascido no povoado Saúde, do município de Neópolis,
perdeu muito cedo o pai, Cândido Mulato, e migrou com a mãe, Maria Francisca da Silva, que
era índia xocó, para as terras do avô na ilha de São Pedro, no município de Porta da Folha,
dentro da área conhecida como Caiçara, reduto desse grupo étnico. Ali teria vivido os
“melhores anos” de sua vida. Ali constituiu família numerosa, trabalhando como meeiro na
lavoura do arroz, mas, por uma injustiça absurda, acabou expulso das terras pelo proprietário
191
apenas porque, desabafando com colegas sua insatisfação com a pouca renda que assim
obtinha, expressou o desejo de arranjar um jeito de plantar só para si e sua família.
Esse episódio é contado por ele mesmo no catálogo, já que, seguindo a tradição
antropológica, o autor do texto lhe dá voz em vários momentos. Segue-se então a narrativa
feita pelo autor do verdadeiro périplo de Zé do Chalé por várias localidades situadas tanto às
margens alagoanas quanto às margens sergipanas do Rio São Francisco, até chegar em
Aracaju, por volta de 1958. E é interessante observar que o visível engajamento de Rafael
(2007) na causa indígena o leva a incluir aí interessante digressão sobre a história da ocupação
xocó da área de Caiçara e dos conflitos havidos com supostos proprietários das terras, bem
como a informação de que felizmente a comunidade já tinha conseguido obter a posse legal da
área.
Rafael (2007) percorre detalhadamente a história de vida de Zé do Chalé, contando-
nos que em Aracaju arranjou emprego como ajudante de marcenaria, graças à experiência que
tinha de trabalhar com madeira na construção de canoas, ainda na área indígena, e de postes,
quando, em seu périplo, passou por Penedo e trabalhou para a Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (CHESF). E destaca que só deu início ao trabalho artesanal com as esculturas
artísticas com 89 anos de idade, depois que se aposentou do ofício de carpinteiro, iniciando
sua produção criativa construindo navios em miniatura e cruzes colocadas dentro de garrafas
de vidro.
Rafael (2007) descreve então os vários tipos de objetos artísticos produzidos por Zé do
Chalé ao longo do tempo, os materiais, as técnicas e os instrumentos utilizados, bem como o
processo de sua produção. Fala da formação católica do artista, relacionando-a à presença
forte dos capuchinhos entre os xocós de Caiçara, e mostra como essa formação se expressa
em grande parte dos objetos que fabrica. Para Rafael (2007), os objetos profanos, alguns dos
192
quais, denominados carrancas, lembram “algumas miniaturas totêmicas de sociedades
míticas”, têm inspiração na experiência indígena do artista.
Nesse texto, assim como descreve a situação de sua primeira chegada à casa do artista,
Rafael (2007) registra uma importante percepção ao falar do encerramento do trabalho de
campo.
Da última vez que estive com seu Zé do Chalé, antes de ir embora
pedi-lhe que descansasse um pouco, já que ele fizera muito esforço
naquela tarde, tentando lembrar das coisas do passado e falar sobre
elas. Disse-lhe que o que ele tinha dito naquele dia era suficiente,
quando então, ele me interrompeu: ‘Que nada, meu irmão, eu não falei
nada não. Eu não falei o que sei. Não disse o que devia dizer. Para
mim, não disse nada’. Depois, insinuou uma cantiga, mas não pode
continuar. Havia tanta nostalgia em suas palavras, como, aliás, em
tudo que circunda aquela família; uma certa melancolia ligada à busca
de um tempo perdido (RAFAEL, 2007: 23).
Zé do Chalé tinha 104 anos de idade à época da exposição. Sua memória não estava
muito boa, e eram alguns de seus filhos que vinham tentando dar conta das encomendas que
continuavam chegando a seu ateliê. Praticamente não existiam mais peças dele com a família,
pois a maior parte se encontrava em mãos de colecionadores como Maria Amélia, dona da
galeria Karandash, em Maceió, e Celso Brandão, que a família considera o responsável pelo
reconhecimento de Zé do Chalé, por ter sido a primeiro a se interessar por uma peça dele.
Rafael (2007) encerra o catálogo homenageando todos os xocós com a transcrição da
letra de uma canção portenha intitulada “Antiguos dueños de lãs flechas”, da qual tirara o
título da exposição.
193
SAP 148. Um rio de contas e tradições
A exposição SAP 148, intitulada Um rio de contas e tradições, foi realizada em 2008,
com objetos representativos do artesanato tradicional do município de Rio das Contas,
localizado no oeste do estado baiano. Foi organizada em parceria com a Associação Cultural
de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC), a Secretaria de Cultura do
Estado da Bahia e o Instituto Mauá, vinculado à Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e
Esporte daquele estado. Teve o patrocínio da Representação da UNESCO no Brasil e do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e contou com o apoio da Representação
Regional do IPHAN na Bahia e do Escritório Técnico do IPHAN em Rio das Contas (BA).
Ricardo Lima continuava responsável pela SAP.
O texto do catálogo foi escrito por Wilmara Figueiredo e as fotografias foram feitas
por Francisco Moreira da Costa. O catálogo conta ainda com textos de abertura escritos pelo
Secretário de Cultura da Bahia e pela diretora geral do Instituto Mauá.
Rio das Contas já tinha tido o conjunto de seu patrimônio arquitetônico tombado pelo
IPHAN em 1980 e seu patrimônio imaterial já tinha sido alvo do Inventário Nacional de
Referências Culturais entre 2005 e 2006, segundo nos conta Wilmara Figueiredo em seu
texto. Ela nos conta também que o município já recebera o título de Parque Artesanal do
Sertão em 1957 e que já fora alvo de pesquisadores tão importantes quanto Hermann Cruse,
Marvin Harris, Costa Pereira e Pierre Verger. E é interessante observar que, tanto nos textos
de abertura quanto no texto que constitui o corpo do catálogo, as preocupações com a questão
do patrimônio imaterial se misturam demais com as preocupações com a sustentabilidade
econômica da atividade artesanal.
194
No texto de abertura catálogo, por exemplo, o secretário de Cultura do Estado da
Bahia, Márcio Meirelles, observa que a parceria com a SAP permitiu “articular o encontro
entre artistas, consumidores e empresários a fim de estimular a viabilidade da economia
criativa”, bem como “constatar o potencial da cadeia produtiva da arte popular sem perder de
vista a preservação do patrimônio material e imaterial, valorizando os saberes tradicionais e
ancestrais”. Por outro lado, teria contribuído também para o mapeamento da riqueza e da
diversidade cultural da Bahia e a valorização das “tradições que emanam da cultura popular,
base do nosso sentimento de pertencimento e de nossas identidades”. Da mesma forma,
Emília Costa de Almeida, Diretora do Instituto Mauá, afirma em seu texto de apresentação
que a parceria com a SAP teve como objetivo a promoção do artesanato regional para além
das fronteiras baianas, ao mesmo tempo em que discorre sobre a questão da preservação do
patrimônio imaterial.
O texto de Wilmara Figueiredo (2008) começa com uma descrição de Rio de Contas
visivelmente voltada ao eventual turista, já que interpela o leitor como “visitante” e elenca os
atrativos naturais e culturais do município. Passa então a um histórico da cidade, com
destaque para a fase áurea da exploração do ouro, durante a qual a qualidade do artesanato
local já era digna de nota, e para a decadência gerada com o esgotamento dessa riqueza,
fazendo uma retrospectiva dos problemas encontrados a partir de então pelos artesãos locais
para viabilizarem sua produção como modo de sobrevivência.
Figueiredo (2008) passa então a descrever os saberes e fazeres associados ao
artesanato local. Informa que em 1968, por iniciativa da SUDENE, fora criada a Cooperativa
Artesanal Mixta de Rio das Contas, que contava à época com 38 artesãos, mas que essa
cooperativa estivera fechada desde 1982, tendo retomado suas atividades em 1994, por
iniciativa do Instituto Mauá em conjunto com a Prefeitura do município. Em 2008, ano da
195
realização da exposição na SAP, essa cooperativa contava com 58 associados, e contava com
loja para comercialização dos produtos artesanais por eles produzidos.
As modalidades apresentadas por Figueiredo (2008) no catálogo da exposição são os
artesanatos em metal, em madeira e metal, em madeira, em couro e em tecido (bordados e
rendas), além de máscaras para o carnaval e lanternas para a procissão de Corpus Christi. Em
cada um dos itens abertos para contemplar essa diversidade, Figueiredo (2008) menciona os
nomes dos artesãos, faz uma brevíssima apresentação de sua história de vida e trabalho e
descreve os objetos e os processos técnicos de trabalho, entremeando seu texto com citações
literais da fala dos próprios entrevistados e com diagnósticos da condição específica de
sustentabilidade em que se encontra cada uma dessas modalidades. Vê-se assim que há um
esforço por manter a tradição antropológica de linguagem, muito embora o próprio padrão da
diagramação deste catálogo contribua, tanto quanto a interpelação turística inicial, para que a
impressão de texto etnográfico se enfraqueça.
Por comparação retroativa, diríamos que os catálogos anteriores passavam fortemente
essa impressão, seja pura, quando, no início, a diagramação era simples, seja em conjunto
com uma forte impressão de catálogo de arte, quando mudou a qualidade do papel e as
fotografias quase assumiram o protagonismo. Neste, a meu ver, predomina a impressão de
um press release histórica e antropologicamente muito bem informado.
Segundo Figueiredo (2008), a família Ramos é a grande continuadora do artesanato
tradicional local em metal e madeira. O local onde trabalham é chamado de tenda, e José de
Lima Ramos e Ezequiel de Lima Ramos continuam os ofícios que aprenderam com o pai,
José Álvaro Ramos. Diz Ezequiel: “Meu pai era ferreiro, que é outra profissão. Mas a gente já
é artesão porque a gente trabalha com metal, trabalha com madeira. A gente vai mudando pra
ver se vai vendendo, vamos criando modelo próprio”.
196
No artesanato em madeira se destacam os irmãos Leônidas e Álvaro Ramos Correia,
que aprenderam o ofício com o tio João Lima Barros, mas Leônidas cita outros membros da
família que também se dedicam a ele, seus primos Georgeton, César e Edmilson e seu tio
Medalha. Já o artesanato em couro parece ser uma atividade menos familiar, e o artesão
Nelson José dos Santos foi o entrevistado dessa modalidade para o catálogo.
Uma das modalidades do artesanato local em tecido é o crivo rústico e Figueiredo
(2008) aponta que os povoados de Barra e Bananal são os principais núcleos de sua produção.
Segundo Figueiredo (2008), a comunidade de Barra foi reconhecida pelo Governo Federal
como remanescente de quilombo, e a atividade artesanal é tão importante nessa comunidade
que há até uma associação artesanal própria. Jovina Isidora de Souza é a grande representante
do crivo rústico nessa comunidade, e trabalha com o auxílio de uma grande quantidade de
mulheres. Figueiredo, entretanto, entrevista para o catálogo as artesãs Izaura Vitória do
Nascimento e sua sobrinha Vitória Neta do Nascimento Silva, do povoado de Bananal.
Figueiredo (2008) apresenta finalmente em seu catálogo o artesanato voltado à
fabricação de máscaras de carnaval, utilizadas tradicionalmente em várias festividades do
município nas quais as pessoas encarnavam diferentes personagens. Para falar da produção
dessas máscaras em Rio das Contas no momento da exposição, Figueiredo (2008) entrevista o
artesão Pedro Silva Sousa.
197
SAP 181. Fios de tradição em Poço Redondo
Incluo ainda aqui o catálogo da exposição Fios de Tradição em Poço Redondo,
realizada em 2013, porque foi a única que pude presenciar em minha pesquisa de campo. O
contexto dessa exposição já era outro, com Jurema de Souza Machado no IPHAN e Maria
Elizabeth Costa na coordenação da SAP e do Setor de Pesquisa do CNFCP. Entretanto, as
duas comunidades de bordadeiras de Poço Redondo, no estado de Sergipe, que tiveram seu
artesanato exposto nessa ocasião, já tinham sido alvos de programas citados anteriormente,
mais especificamente o Artesanato Solidário e o Promoart.
O texto do catálogo foi escrito por Marina Zacchi e as fotografias foram feitas por ela
mesma e por Francisco Moreira da Costa. O texto apresenta grande densidade etnográfica, já
que a própria história do município, depois de uma breve apresentação da autora, na qual ela
nos informa, entre outras coisas, que se localiza em seu território a grota do Angico, onde
Lampião e seu bando foram capturados em 1938, passa a ser contada pelos moradores que ela
entrevistou. Como esses moradores preenchem de cantigas antigas a história oral que
reproduzem para ela, Zacchi (2013) denomina esse trecho do catálogo de “história quase
cantada”. Menciono, para ilustrar, uma cantiga relacionada à caça de veados, trazida à
memória por seu Mané Matias:
“Veado corre saltando
Caititu corre na trilha
Mulher parida não come
Farinha do mesmo dia
Se comer, se desmantela
E a criança não se cria”
198
Zacchi (2013) passa a fazer um histórico da atividade feminina dos bordados no
município, incluindo entrevistas e breve apresentação da história de vida e de memórias de
duas artesãs, dona Cruz e dona Maria Baía, e ilustrando esse histórico com fotografias delas e
de outras artesãs trabalhando em seu ofício, Senira Correia Souza, Maria Feitosa dos Santos e
Leopoldina Gomes dos Santos. Subtítulos são abertos então para as duas modalidades de
bordado mais tradicionais no município, ambas expostas na SAP naquele momento: a renda
de bilros de Poço Redondo e a renda de agulhas do povoado de Sítios Novos, localizado no
mesmo município sergipano. Em cada um desses trechos do catálogo, Zacchi (2013)
entrevista uma artesã (Maria Dominga e Lídia, respectivamente) e descreve os respectivos
processos de trabalho, ilustrando-os fotograficamente, bem como aos objetos deles
resultantes.
Grande destaque é dado ao projeto do PROMOART desenvolvido em 2010 para
transmissão dos saberes relativos à renda de bilros em Poço Fundo, bem como à participação
de Maria Dominga na Caravana Brasil, que, naquele contexto, levou um grupo de artesãos de
todo o país para conhecer lojas e centros de comercialização de artesanato em Minas Gerais,
São Paulo e Rio de Janeiro. Da mesma forma, grande destaque é dado ao projeto do
Artesanato Solidário desenvolvido em 2001 em Sítios Novos, do qual resultou a constituição
da cooperativa Um Sonho a Mais e a criação da marca Sítio dos Bordados.
Foi possível acompanhar o processo de recepção e montagem dessa exposição, do qual
participaram o técnico Luiz Carlos Ferreira e as artesãs Maria Dominga e Josefa.
199
Entrevistei na ocasião o técnico Luiz Carlos Ferreira, 37
atual responsável pela
organização cenográfica da SAP, cuja presença foi fundamental para a consolidação de um
enfoque estético para as exposições. Luiz trabalhava na assessoria de imprensa da
FUNARTE. Ele trabalha desde 1990 no CNFCP. Formou-se na prática, trabalhando em
museus. Quando começou a trabalhar na SAP, ele se questionou por que razão os artistas
populares recebiam um tratamento diferente do recebido pelos artistas plásticos em galerias
de arte. Começou assim a trabalhar na expografia da SAP tendo em vista a valorização
artística dos artesãos.
Do ponto de vista dele, “no processo de expografia o ponto central é o
desenvolvimento de uma boa pesquisa de campo que permita buscar o melhor conceito
possível do objeto exposto”. Entretanto, os objetos são reinventados no contexto da SAP, na
medida em que o processo de valorização estética criado com a expografia consiste em um
processo de produção de novos significados para os objetos. Assim, para ele, a SAP é uma
“galeria em obras”, onde ele realiza seu trabalho na interlocução com os artesãos e buscando
dar voz aos objetos, mas também estudando o material fotográfico já produzido pelos
pesquisadores do CNFCP e conversando com eles.
Estive presente no dia da montagem da exposição Fios de Tradição em Poço Redondo,
quando as artesãs foram recepcionadas e conversaram com Luiz sobre as peças. Segundo ele,
essa prática é usual, pois sempre a montagem começa com a chegada das peças junto com os
artesãos. Geralmente os artesãos trazem uma determinada quantidade de objetos e são
selecionados os mais interessantes para a exposição, destinando-se os outros para o espaço de
37 Depoimento de Luiz Ferreira tomado no dia 28/08/2013.
200
comercialização do CNFCP. Ele procura selecionar objetos que articulem o valor estético e
patrimonial à possibilidade de venda.
Luiz disse que já formula uma ideia geral da exposição com base nas informações
obtidas a priori com os pesquisadores do CNFCP, mas é no momento em que as peças
chegam, junto com os artesãos, que seu processo criativo começa de fato. Luiz procura criar
caminhos para valorizar os pequenos detalhes dos objetos e para destacar os objetos mais
complexos. As estruturas das exposições são sempre reaproveitadas, mudando a estratégia de
exposição e as cores dessas estruturas. A pintura das estruturas é feita pelo setor de
manutenção e reparos do CNFCP.
Os artesãos que chegam para as exposições de seus trabalhos na SAP ficam
hospedados em um hotel próximo ao CNFCP e são levados para fazer um passeio pela cidade
do Rio de Janeiro. Além disso, fazem uma visita ao acervo e à reserva técnica do MFEC,
porém, devido ao fato de que o CNFCP estava em reformas, essa visita não aconteceu por
ocasião dessa exposição da SAP.
Durante a recepção das artesãs, Maria Dominga,38
que trabalha com renda de bilro.
Disse que fez um curso para aprender a técnica visando vender sua produção. Ela também
trabalha com sorvetes e doces. A família de Maria Dominga tem um pequeno mercado e
algumas casas alugadas. Para ela a renda de bilro é um complemento. Ela se identifica com a
tradição da renda de bilro, mas sua grande preocupação é com a geração de renda
complementar. Ela conta que sua filha aprendeu a fazer a renda de bilro e faz lindas peças
para uso pessoal. Conta também que costuma vender essas peças, contrariando o desejo da
38 Depoimento de Maria Dominga tomado no dia 29/08/2013.
201
filha de guardá-las para seu próprio uso. A artesã Josefa,39
que é bordadeira, também fez um
curso para aprender a técnica e diversificar suas atividades, já que também é agricultora,
plantando feijão e milho.
As duas artesãs trabalham em cooperativas, e os próprios coletivos escolheram quem
viria representá-los na exposição da SAP. Josefa ficou admirada e orgulhosa com o fato de
haver uma exposição só com o trabalho delas. Dominga também valorizou a experiência da
exposição na SAP, pois não esperava esse reconhecimento para o seu trabalho. Ela disse que
agora teria mais uma boa história para contar.
Alguns dias depois, conversei também com a coordenadora do Setor de Pesquisas do
CNFCP e da SAP, Maria Elizabeth Costa40
, que descreveu para mim as etapas do trabalho de
organização das exposições, cujo ponto de partida é, em sua opinião, o estabelecimento de
uma relação de confiança entre a SAP e os artistas. Os processos de trabalho de pesquisa
seguem etapas metodológicas bem definidas. A pesquisa bibliográfica é o momento de
contato inicial com as manifestações culturais presentes nos acervos dos bancos de dados do
CNFCP. Após essa pesquisa, a seleção é feita, e, então, a pesquisa de campo é realizada.
Finalizado este momento de campo, é produzido o catálogo com informações etnográficas e a
exposição é montada. Segundo ela, a logística para que toda essa dinâmica seja realizada é
bem complicada, sobretudo porque em muitas regiões existem conflitos que estimulam
algumas tensões na relação dos artesãos com o CNFCP e com a SAP.
39 Depoimento da Artesã Josefa realizado no dia 29/08/2013.
40 Depoimento de Elizabeth Costa, responsável pelo setor de pesquisa, realizado no dia 30/10/2013,
202
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta tese procurou descrever a SAP como um projeto institucional que surge na linha
das transformações pelas quais as políticas de patrimônio passaram a partir dos anos de 1970
e 1980.
Como observou Fonseca (1997), no Brasil e no mundo os anos 1970 marcaram uma
importante modificação nas políticas de preservação do patrimônio, que começaram a
dialogar com os valores democráticos. Foram promovidas ações institucionais para
reconhecimento e valorização de identidades coletivas singulares ainda não contempladas
pela política de patrimônio. Dessa forma, muitas comunidades que antes estavam excluídas
foram convidas a participar das políticas de patrimônio cultural. Tais dinâmicas culturais
assumiram uma relevância considerável na arena política brasileira da época, devido ao
contexto político autoritário pelo qual o Brasil passava.
Fonseca (1997) afirma que a problemática cultural passou a compor o campo dos
debates políticos e que se buscou construir mecanismos que abordassem as identidades
coletivas ainda não consagradas pelas ações institucionais relativas ao patrimônio nacional.
Nesse contexto, menciona como marco inaugural das mudanças institucionais a chegada de
Aloísio Magalhães ao SPHAN em 1979. Para Fonseca (1997), a atuação de Aloísio foi muito
importante no fim do governo autoritário, na medida em que ele contribuiu para consolidar
uma política cultural inovadora que marcou fortemente os anos de 1970 e o início dos anos de
1980, momento de criação da SAP por Lélia Frota no INF.
Esta tese procurou também abordar a SAP dentro de uma linha de continuidade com
relação à história dos estudos e das ações empreendidas pelo chamado “movimento
folclorista” no Brasil. De acordo com Ricardo Lima (2010a), com a criação da Campanha de
203
Defesa do Folclore Brasileiro, em 1958, surge um espaço institucional que depois foi
reestruturado como INF e que mais recentemente foi redefinido como CNFCP. E é dentro
desse espaço, caracterizado desde sempre pela formulação de ações na área dos objetos,
saberes e fazeres populares, que surge a Sala do Artista Popular em 1980.
Esta tese procurou também abordar a criação da SAP como parte de um projeto de
reformulação iniciado por Lélia Frota no INF no sentido de substituir antigas práticas e
concepções dos folcloristas no MFEC e antigas práticas de comercialização de artesanato
popular na Funarte. Demoramo-nos na descrição da história de vida e do pensamento de Lélia
Frota, dado seu papel primordial no estabelecimento do que consideramos ser o modo
característico de trabalhar do CNFCP e da SAP até os dias de hoje. E demoramo-nos também
na descrição das ações e das concepções do antropólogo Ricardo Gomes Lima, que, levado
por Lélia Frota a trabalhar na reformulação inicial do acervo e da exposição permanente do
MFEC, assumiu a responsabilidade pela continuidade dessa linha de trabalho durante os
longos anos em que esteve à frente da coordenação da SAP.
As mudanças desencadeadas por Lélia Frota foram decisivas, sobretudo, para a
incorporação dos conceitos e dos métodos da antropologia e para a consequente reinvenção
dos estudos e das ações institucionais do INF. E esta tese enfatiza a continuidade desse olhar
antropológico ao longo de toda a história da SAP, caracterizando-o pela contextualização
cultural dos objetos e a busca de seus significados locais, pela identificação individual dos
produtores, pela descrição detalhada dos processos técnicos de trabalho e dos contextos
sociais e econômicos em que ocorrem.
Esta tese constata, portanto, ser a SAP também um lugar privilegiado de produção
contínua de conhecimento antropológico, agregando muitos antropólogos em seu quadro de
funcionários e recebendo sucessivos aportes de antropólogos ligados a universidades e a
204
outros órgãos públicos associados à formulação e à gestão de políticas culturais ao longo de
toda sua história.
Entretanto, esta tese procura também identificar na história da SAP alguns momentos
de inflexão dessa linha de continuidade, marcados por conjunturas políticas e institucionais
diferenciadas.
Assim, ao momento inicial, que se prolonga na verdade por mais de uma década da
história da SAP, segue-se aquele inaugurado pela formulação do Programa de Apoio a
Comunidades Artesanais (PACA) e pelo estabelecimento da parceria com o programa
Artesanato Solidário. A presença de Ricardo Gomes Lima continua relevante nesse momento,
já que foi um dos principais formuladores do PACA dentro do CNFCP. Mas demoramo-nos
também na descrição das concepções e das ações da antropóloga Ruth Cardoso, dada sua
importância como presidente do Conselho da Comunidade Solidária, ao qual estava adstrito
aquele programa, bem como a relevância de toda sua carreira universitária anterior de estudos
e pesquisas na área de cultura e política. E demoramo-nos ainda na descrição das concepções
e das ações do antropólogo Antonio Augusto Arantes Neto, que, chamado inicialmente por
Ruth Cardoso para assessorá-la no programa de combate à seca no Nordeste, foi um dos
idealizadores do programa Artesanato Solidário, tendo sido posteriormente responsável pela
coordenação de vários projetos ligados a esse programa.
Antonio Arantes foi escolhido nesta tese, entre todos os assessores e consultores a que
Ruth Cardoso recorreu durante o exercício de seu trabalho à frente do Conselho da
Comunidade Solidária, pela antiguidade de sua parceria intelectual com ela em estudos e
pesquisas acadêmicas relacionadas à inter-relação entre cultura e poder. Foi escolhido
também pelo fato de que associou sua carreira na universidade ao exercício de funções
públicas relacionadas à formulação e à gestão de políticas culturais, notadamente na área
205
patrimonial, tendo sido, inclusive, presidente do IPHAN. Isso o torna, aliás, representativo
também do momento seguinte de inflexão da história da SAP.
De fato, ao momento relacionado ao PACA e ao Artesanato Solidário segue-se outro
ainda, flexionado pelo reconhecimento jurídico do patrimônio imaterial e pela criação dos
instrumentos de Inventário e Registro dos mesmos. É então que o CNFCP formula o projeto
Celebrações e Saberes da Cultura Popular, que passa a utilizar a metodologia do Inventário e
que empresta na verdade toda sua experiência de pesquisa etnográfica de cultura popular ao
aperfeiçoamento desse instrumento de pesquisa voltado à identificação das variadas formas do
patrimônio imaterial brasileiro.
Em cada um desses diferentes momentos da história da SAP, esta tese procurou
vislumbrar a continuidade e as inflexões em sua linha de trabalho mediante a descrição dos
catálogos de algumas das exposições realizadas.
A Sala do Artista Popular produziu um importante acervo de catálogos de referência,
já digitalizado, com textos etnográficos que registram os contextos sociais de produção de
todas as peças do artesanato brasileiro ali expostas ao longo dos anos, catálogos esses que
também funcionam como mecanismo de reconhecimento artístico dos produtores dessas peças
e como veículo de sua divulgação em mercados mais amplos. Dessa forma, esta tese constata
que a SAP exerce um importante papel de legitimação da arte popular e de apoio à sua
comercialização, e que as pesquisas ali desenvolvidas, bem como os textos delas resultantes
que são publicados nos catálogos, têm também contribuído significativamente para a
consolidação dos processos de reconhecimento efetivo do patrimônio imaterial brasileiro.
Nesse sentido, esta tese constata ser a SAP um espaço político, pois funciona não
apenas como instituição de pesquisa, mas também como agente de processos de intervenção
206
social e, portanto, como arena em que grupos sociais diversos interagem e em que valores
artísticos e identidades culturais são publicamente estabelecidos. Nessa arena, a continuidade
da perspectiva antropológica ao longo dos anos tornou possível aos artesãos assumirem o
protagonismo, sendo suas vozes registradas, suas demandas compreendidas e seus pontos de
respeitados.
Entretanto, deve-se também registrar que, como ocorre em qualquer processo de
transposição de objetos de um contexto para o outro, a SAP tem sido também um espaço onde
os objetos populares são ressignificados. E, nesse sentido, esta tese também constata que os
três momentos institucionais acima identificados estiveram associados, ainda que muito
sutilmente, a ênfases diferenciadas em diferentes estatutos dos objetos expostos. De fato, creio
ser possível afirmar que a pesquisa antropológica desde sempre vem operando a
transformação teórica de artefatos culturais em objetos etnográficos, e que a exposição na
Sala do Artista Popular desde sempre representou a elevação de tais objetos à condição de
objetos artísticos. Os dados compilados nesta tese, porém, talvez permitam pensar que, no
desenvolvimento do projeto PACA e dos projetos associados à parceria com o Artesanato
Solidário, a preocupação com a sustentabilidade econômica da atividade artesanal operou um
sutil aumento na visibilidade da condição desses objetos como mercadorias. Da mesma forma,
a utilização posterior da metodologia do Inventário teria operado uma ênfase menos sutil no
valor deles como patrimônio imaterial.
Assim sendo, pode-se concluir afirmando que a SAP propõe novas perspectivas de
percepção dos objetos expostos, inserindo-os em novos sistemas classificatórios e em novas
estruturas de significados. Mas que o faz com o cuidado antropológico necessário: registrando
etnograficamente a perspectiva dos próprios artesãos sobre si mesmos e sobre seus ofícios e
suas obras, apoiando sua mercantilização e/ou sua patrimonialização quando há demanda
207
deles mesmos para isso, interferindo nas condições de produção quando solicitado e,
sobretudo, agregando valores aos objetos sem nunca retirar deles os múltiplos valores de que
já são portadores. E que o faz em um quadro político muito complexo, que só faz aumentar o
poder e a responsabilidade social de seus agentes, na medida em que a afirmação de vários
grupos sociais minoritários dentro da sociedade hegemônica tende a passar hoje em dia pela
visibilidade da cultura.
208
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Acervo digital da Sala do Artista Popular do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular.
Biblioteca Amadeu Amaral.
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ANEXOS
ANEXO A - CATÁLOGOS DAS EXPOSIÇÕES DA SALA DO ARTISTA POPULAR
DE 1983 A 2013
SAP 1: Jota Rodrigues. 1983.
SAP 2: Morro do Chapéu Mangueira. Sua gente, sua vida, sua arte. 1983.
SAP 3: A arte da sucata. Reginaldo Lessa de Almeida. 1983.
SAP 4: Jonjoca. Escultor de bichos em miolo de pão. 1983.
SAP 5: O mundo encantado de Antônio de Oliveira. 1983.
SAP 6: A família Vitalino e sua arte. 1983.
SAP 7: Cesar Siry e Athan. Figurinos de Carnaval e minifantasias. 1984.
SAP 8: Artistas da região dos lagos. 1984.
SAP 9: Artistas de Juazeiro do Norte. 1984.
SAP 10: Giovanni Bosco de Almeida. Caleidoscópio: mundo, mágica, transformação. 1984.
SAP 11: Artistas de Prados. 1984.
SAP 12: Cor e Movimento. Pipeiros cariocas. 1984.
SAP 13: Laurentino. Bonecos, cata-ventos e pássaros. 1984.
SAP 14: Associação de artesãos de Araçuaí, Vale do Jequitinhonha. 1985.
SAP 15: Máscaras e fantasias de Carnaval, o Clóvis. 1985.
SAP 16: Adalton, bonecos de barro. 1985.
220
SAP 17: Artesãos de Paraty. 1985.
SAP 18: Luís Fernando Couto. As metamorfoses do papel. 1985.
SAP 19: Mauro dos Anjos e Jorge Costa, maquetistas populares. 1985.
SAP 20: Presépios e figuras de barro. Adauto Alves Pequeno. 1985.
SAP 21: Artesãos do Carnaval: Carnaval de Rua de Santa Cruz. 1986.
SAP 22: Arte em madeira. Escultores de Divinópolis. 1986.
SAP 23: Pinturas de Edilson Araújo. 1986.
SAP 24: Inúmeros - desenhos e pinturas de Juareis Mendes. 1986.
SAP 25: Terracota. O universo de Isabel e Antônia. 1986.
SAP 26: Xilogravuras: Marcelo Soares, Ciro Fernandes, Joel Borges, Erivaldo Ferreira. 1986.
SAP 27: Tapeceiras de Serra de Petrópolis. 1986.
SAP 28: Figureiros de Taubaté. 1986.
SAP 29: Presépios. 1986.
SAP 30: Ricardo de Ozias, pinturas. 1987.
SAP 31: Carnaval no saber da tradição. 1987.
SAP 32: Benedito Eduardo de Carvalho. Escultor de Nazareno. 1987
SAP 33: Lameiras de caminhão. 1987.
SAP 34: O som da folia, instrumentos musicais de Evilásio Gomes Pereira. 1987.
221
SAP 35: Arte popular em terras de cacau. 1987.
SAP 36: Retalho. Feminino, Plural, Coopa-Roca. 1987.
SAP 37: O brinquedo no Círio de Belém. 1987.
SAP 38: Palha. Presépios e bonecas. 1987.
SAP 39: Bonecos de carnaval de Olinda. 1988.
SAP 40: Artesanato de conchas. Piúma. 1988.
SAP 41: Edson Lima. Pintor popular. 1988.
SAP 42: Muitas vezes favela, esculturas em barro de Joseano. 1988.
SAP 43: Viola de cocho. 1988.
SAP 44: Louco filho. Os caminhos da escultura no recôncavo da Bahia. 1988.
SAP 45: L’oro dei poveri, trabalhos em cobre de Virgílio Merlo, Caxias do Sul. 1988.
SAP 46: Lucio Cruz, recriando a tradição. 1988.
SAP 47: Trilhos da memória carioca, pinturas de Nelito Cavalcanti. 1989.
SAP 48: Barro é encante. 1989.
SAP 49: Bambu, bambu. 1991.
SAP 50: Formas do Sagrado, orixás em madeira. Jorge Rodrigues. 1992.
SAP 51: Os bichos telúricos de Jorge Brito. 1994.
SAP 52: A lira do Vale: ceramista e musa do Jequitinhonha. 1995.
222
SAP 53: A arte no carnaval, a preparação e a festa. 1995.
SAP 54: Bordados de mel, arte e técnica do richelieu. 1995.
SAP 55: Sonhos em miniatura, memórias de seu Permínio. 1995.
SAP 56: Nós do pano, bonecas negras Abayomi. 1995.
SAP 57: Fios de Olhos d’Água. 1995.
SAP 58: Argila mostra pantanal, ceramistas de Mato Grosso do Sul. 1995.
SAP 59: Mestre Isabel e sua escola: cerâmica no Vale do Jequitinhonha. 1995.
SAP 60: Pinta Nelson Sargento. 1996.
SAP 61: Escrevendo na madeira. Esculturas de José Heitor. 1996.
SAP 62: Dar de comer. Panelas de barro de Goiabeiras. 1996.
SAP 63: Pisando o barro, dançando na lua. Esculturas de Tota. 1996.
SAP 64: Bombacha, Tche! 1996.
SAP 65: Esculturas Ticuna. 1996.
SAP 66: Capelas e carros de boi. Maquetes de Francisco de Carvalho. 1996.
SAP 67: Louça de perfeição. A cerâmica Baiana do município de Barra. 1997.
SAP 68: Lourdes Feliz, Lourdes Ferraz, pinturas. 1997.
SAP 69: Zeus – do Lírico ao sensual. Atos de criação em madeira e pedra. 1997.
SAP 70: Engenho e artes populares. Xilogravuras de Juazeiro do Norte. 1997.
223
SAP 71: Dadinho. Escultor de cidades. 1997.
SAP 72: Raiz: esculturas de Benedito de Silva Santos. 1997.
SAP 73: Bichos da Floresta Amazônica. Esculturas de José Alcântara. 1997.
SAP 74: Teatro do Riso. Mamulengos do mestre Zé Lopes. 1998.
SAP 75: Reciclando a tradição. Esculturas de Francisco Amador. 1998.
SAP 76: Mulheres do Candeal. Impressões no barro. 1998-1999.
SAP 77: Lirismo. Pinturas de Barbara Deister. 1999.
SAP 78: Kene. A arte dos Huni Kui. 1999.
SAP 79: Imagens universais de A. Rosalino. 1999.
SAP 80: Fotógrafos de romaria. A memória do milagre e a lembrança da festa. 1999.
SAP 81: Dim: as artes de um brincante. 1999.
SAP 82: Cazumbá. Mascara e drama no boi do maranhão. 2000.
SAP 83: Arte em madeira num pedaço do Rio. Escultores da Grota Funda. 2000.
SAP 84: Veja. Ilustre passageiro. Bondes de Getúlio Damado. 2000.
SAP 85: Ashanika. 2000.
SAP 86: Potes e caborés. Cerâmica de Iará. 2000.
SAP 87: Brinquedos do agreste paraibano. 2000.
SAP 88: Tradição em São Mateus. 2000.
224
SAP 89: Devoção e Festa: imagens de mestre Ribeiro. 2000.
SAP 90: Um vale de tramas: a tecelagem do Jequitinhonha. 2000.
SAP 91: Santos e santeiros de Ibimirim. 2001
SAP 92: Renda de Divina Pastora. 2001.
SAP 93: Rabecas de Mané Pitunga. 2001.
SAP 94: Bordados em Tauá. Cerâmica de Rio Real. 2001.
SAP 95: Esculturas negras de João Alves. 2001.
SAP 96: Vivendo o São Francisco. Bordados de Entremontes. 2001.
SAP 97: Nísia Floresta, a arte do rendar. 2001.
SAP 98: Trançados da Ilha. 2002.
SAP 99: Cerâmica de Santana do Araçuaí. 2002.
SAP 100: Rendeiras de Riacho Doce. 2002.
SAP 101: Favelas. Pinturas de Sinésio Brandão. 2002.
SAP 102: O brinquedo que vem do Norte. 2002.
SAP 103: Navegar é preciso. Barcos do Mamanguá. 2002.
SAP 104: Os gameleiros do Bom Sucesso. 2002.
SAP 105: Mestras de cerâmica do Vale do Ribeira. 2002.
SAP 106: Fé e Festa: bumba meu boi do Maranhão. 2003.
225
SAP 107: Arte guarani Mbyá. 2002.
SAP 108: Cuias de Santarém. 2003.
SAP 109: Viola de cocho pantaneira. 2003.
SAP 110: Cesteiros de Januária. 2003.
SAP 111: /112: O que é que a baiana tem. Pano da costa e roupa de baiana. 2003.
SAP 113: Ribando potes. Cerâmica de passagem. 2003.
SAP 114: Nos vales das artes. Chapada do Norte. 2003.
SAP 115: Icoaraci. Cerâmica do Pará. 2004.
SAP 116: Cerâmica Terena. 2004.
SAP 117: Do caos a Luz. Luminárias da Cidade de Deus. 2004.
SAP 118: Tecelagem de Unaí. 2004.
SAP 119: Alagoas rendeira, Marechal Deodoro. 2004.
SAP 120: Esculturas em matéria vegetal de Geraldo de Souza. 2004.
SAP 121: Trançados do Arapiuns. 2004.
SAP 122: O senhor do Flandres. 2005.
SAP 123: Renda de Bilro & trançado de Ouricuri. Artesanato de Saubara. 2005.
SAP 124: Sons de couro e cordas. Instrumentos musicais tradicionais de São Francisco. 2005.
SAP 125: Forma e imaginário da Amazônia. 2005.
226
SAP 126: Manuel Eudócio. Patrimônio vivo. 2005.
SAP 127: Gesileu Salvatore. Escultor da floresta. 2005.
SAP 128: Timbuca. A liberdade da arte. 2006.
SAP 129: Nação lascada, arte e metáfora de Véio. 2006.
SAP 130: Matizes Dumont, a bordar a vida. 2006.
SAP 131: Balata. Amazônia em miniatura. 2006.
SAP 132: Efigênia Rolin e Hélio Leites. A vida das coisas. 2006.
SAP 133: Santeiro dos Gerais das Minas. Manoel Silvio A. Fonseca. 2006.
SAP 134: A palha que conta histórias, o artesanato da palha de milho no sul do país. 2007.
SAP 135: Da sucata à criação. Walter Fernandes Sobrinho. 2007.
SAP 136: Virgínio Rios, esculturas. 2007.
SAP 137: Festa e artesanato em terras do Espírito Santo. 2007.
SAP 138: Artesão maçariqueiro, a arte do cristal em Blumenau. 2007.
SAP 139: Zé do Chalé, o antigo dono da flecha. 2008.
SAP 140: Carnaval em branco, esculturas em isopor para escolas de samba. 2008.
SAP 141: O traiado e o urdido, tecidos de buriti dos Gerais da Bahia. 2008.
SAP 142: As artes do Divino. 2008.
SAP 143: Família Zé caboclo. 2008.
227
SAP 144: Pêssankas, ovos escritos, poemas imagéticos. 2008.
SAP 145: Capim dourado: costuras e trançados do Jalapão. 2008.
SAP 146: Ladrilhos hidráulicos de Corumbá. 2008.
SAP 147: Imagens do São Francisco. 2008.
SAP 148: Um rio de contas e tradições. 2009.
SAP 149: Maritônio: do ex-voto rústico ao anjo barroco. 2009.
SAP 150: Willi de Carvalho, grandes miniaturas. 2009.
SAP 151: Vozes do imaginário, escultores em madeira do Sergipe. 2009.
SAP 152: Artes e ofícios de Pedro II. 2009.
SAP 153: Porto das Anas e das louças. 2009.
SAP 154: Impressões dos Borges. A xilogravura de Bezerros. 2009.
SAP 155: Maragogipinho e a tradição do Barro. 2010.
SAP 156: Renda labirinto de Chã dos Pereira. 2010.
SAP 157: Trançados e entalhes de Novo Airão. 2010.
SAP 158: Boa noite. Bordados da ilha de ferro. 2010.
SAP 159: Nos campos do Vale. Cerâmica do Alto Jequitinhonha. 2010.
SAP 160: Pinturas de Ermelinda. 2010.
SAP 161: Arte em Madeira do Piauí, santos e sertões do imaginário. 2010.
228
SAP 162: No “vão” do Urucuia. Fios que entrelaçam saberes. 2010.
SAP 163: Garrafas que guardam símbolos e sonhos. A arte em areia colorida de Majorlândia.
2010.
SAP 164: Expressões na madeira, família Antonio de Dedé. 2011.
SAP 165: Bonecas Cerâmicas titxòkò, arte e oficio do povo Karajá. 2011.
SAP 166: A ferro e fogo, arte na Paraíba. 2011.
SAP 167: Rendas nas terras de Canaan. 2011.
SAP 168: As malas bordadas de Apodi. 2011.
SAP 169: A céu aberto, a louça de coqueiros. 2011.
SAP 170: Redes de dormir de Limpo Grande. 2011.
SAP 171: Rendas de Bilro de Florianópolis. 2011.
SAP 172: Brinquedos em recife, índice de invenção. 2012.
SAP 173: Louça morena puxada à mão, o fazer do barro no povoado de Poxica. 2012.
SAP 174: Cores e pinceis, criações de Manoel Correia do Nascimento. 2012.
SAP 175: Espedito Seleiro, da sela à passarela. 2012.
SAP 176: A música é que chama o espírito dos bonecos, mamulengos em Glória do Goitá.
2012.
SAP 177: Capitais e Favelas, Raimundo Batista. 2012.
SAP 178: Fios e tramas de Barreirinhas. 2013.
229
SAP 179: Trançar, tecer: Valente, Araci e São Domingos. 2013.
SAP 180: Um canto no mundo, Sérgio Cezar. 2013.
SAP 181: Fios de tradição em Poço Redondo. 2013.
230
ANEXO B - CRONOLOGIA DAS EXPOSIÇÕES DA SAP
1983
Direção do INF: Lélia Gontijo Soares
Comissão SAP: Carmen Vargas, Dinah Guimarães, Elizabeth Travassos e Maria de Lourdes
Borges Ribeiro.
Exposições: J. Rodrigues, Morro do Chapéu Mangueira, A arte da sucata, Jonjoca, O mundo
encantado de Antônio de Oliveira e a família Vitalino e sua arte.
1984
Direção do INF: Lélia Gontijo Soares
Comissão SAP: Dinah Guimarães, Elizabeth Travassos Ana Heye e Ricardo Lima.
Exposições: César Siry e Athan, Artistas da Região dos lagos, artistas de juazeiro do norte,
Giovanni Bosco de Almeida, artistas de prados, cor e movimento, Laurentino, associação de
artesãos de Araçuaí.
1985
Direção do INF: Lélia Soares
Comissão SAP: Dinah Guimarães (coordenação)
Exposições: Máscaras e fantasias de carnaval, Adalton bonecos de barro, mostra
retrospectiva, artesãos de Paraty, Luís Fernando Couto as metamorfoses do papel, Maqueistas
Populares e presépios e figuras de barro.
231
1986
Direção do INF: Amália Lucy Geisel
Coordenação SAP: Dinah Guimarães
Exposições: Artesãos do carnaval, artes em madeira, pinturas de Edilson Araujo, inúmeros
desenhos e pinturas de Juareis Mendes, Terracota, Xilogravuras, Tapeceiras da serra de
Petrópolis, Figureiros de Taubaté e Presépios.
1987
Direção do INF: Amália Geisel
Coordenação SAP: Ana Heye
Exposições: Ricardo de Ozias, Carnaval no saber da tradição, Benedito Eduardo de Carvalho,
Lameiras de caminhão, O som da folia, arte popular em terras de cacau, retalho, o brinquedo
no círio de Belém e Palha: presépios e bonecas.
1988
Direção do INF: Amália Geisel
Coordenação SAP: Marina de Mello e Souza
Exposições: Bonecos do carnaval de Olinda, artesanato de conchas, Edison Lima, Muitas
vezes favela, Viola de cocho, Louco Filho, L1oro dei poveri, Lucio Cruz.
1989
Direção do INF: Amália Geisel
Coordenação SAP: Marina de Mello e Souza.
232
Exposições: Barro é encante
1991
Coordenação do Instituto brasileiro de arte e cultura: Claudia Maácia Ferreira.
Equipe da SAP: Ana Heye, Elizabeth Paiva, Elizabeth Travassos, Luiz Carlos Ferreira e Vera
Lucia Ferreira da Rosa.
Exposições: Bambu-bambu.
1992
Coordenadora: Claudia Ferreira
Exposições: Formas do Sagrado
1994
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Ferreira
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Exposições: Os bichos telúricos de Jorge Brito e A lira do vale.
1995
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Márcia Ferreira
Exposições: Bordados de mel: arte e técnica de Richelieu, sonhos em miniatura, Nós do pano,
fios de olhos d’ água, argila mostra pantanal, mestre Isabel e sua escola.
233
1996
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Ferreira.
Exposições: Pinta: Nelson sargento, escrevendo na madeira, Dar e comer, pisando o barro
dançando na lua, bombacha, Esculturas Ticunas, Capelas e carros de boi, louças de perfeição.
1997
Responsáveis pela SAP: Maria Helena Torres, Luiz Ferreira e Ricardo Lima.
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Ferreira.
Exposições: Lourdes feliz, Zeus, Engenho e artes populares, Dadinho o escultor de cidades,
Raiz, Bichos da floresta amazônica.
1998
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Ferreira
Exposições: Teatro do Riso, Reciclando a tradição, Mulheres do Candeal.
1999
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Ferreira.
Exposições: Lirismo, Kene, Imagens Universais, Fotógrafos de Romaria, Dim, Cazumbá.
234
2000
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Coordenadora de Folclore e Cultura popular da FUNARTE: Claudia Ferreira
Exposições: Arte em madeira num pedaço do rio, Veja: ilustre passageiro, Ashaninka, Pontes
e Caborés, Brinquedos do agreste, Tradições em São Mateus, Devoção e Festa, Um vale de
tramas, Santos e santeiros de ibimirim,
2001
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira
Projeto Renda de Divina Pastora: Consultor Antônio Arantes (Curador).
Conselho da Comunidade Solidária: Ruth Cardoso
Exposições: Renda da divina pastora, Rabecas de Mané Pitunga, Bordados em Tauá,
Esculturas negras de João Alves, Vivendo o São Francisco, Nísia Floresta, Traçados da Ilha.
2002
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira
Exposições: Cerâmica de Santana de Araçuaí, Rendeiras de Riacho doce, Favelas: Pinturas de
Sinésio Brandão, O brinquedo que vem do norte, Navegar é preciso, Os gameleiros do bom
sucesso, Mestras da cerâmica do Vale do Ribeira, Fé e festa, Arte Guarani Mbyá.
235
2003
Responsável pela SAP: Ricardo Lima.
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira.
Programa artesanato solidário: Helena Sampaio.
Exposições: Cuias de Santarém, Viola-de-cocho Pantaneira, Cesteiros de Januária, O que que
a baiana tem, Pano da costa roupa de baiana, Ribando Potes, No vale das artes, Icoaraci.
2004
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira.
Exposições: Cerâmica Terena, Do caos a luz, Tecelagem de Unaí, Alagoas Rendeiras,
Esculturas em Matéria Vegetal de Gerardo de Souza, Trançados do Arapiuns, O senhor do
Flandres.
2005
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudiá Ferreira
Exposições: Renda de Bilro e Trançado de ouricuri, Sons de couro e cordas, Forma e
imaginário da Amazônia, Manuel Eudócio, Patrimônio vivo, Gesileu Salvatore, Timbuca, a
liberdade da arte.
236
2006
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira.
Exposições: Nação lascada, Matizes Dumont a bordar a vida, Balata: Amazônia em miniatura,
Efigênia Rolim e Hélio Leites, Santeiro dos Gerais das Minas, A palha que conta histórias.
2007
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira
Exposições: Da sucata a criação, Virgínio Rios, Festas e artesanato em terras do Espírito
Santo, Artesão maçariqueiro, Zé do Chalé.
2008
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira
Exposições: Carnaval em branco, O traiado e o urdido, As artes do divino de Pirenópolis,
Família Zé Caboclo, Pêssankas: ovos escritos, poemas imagéticos, Capim Dourado: costuras e
trançados do Jalapão, Ladrilhos hidráulicos de Corumbá, Imagens do São Francisco, Um rio
de contas e tradições.
2009
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira
237
Exposições: Maritônio, Willi de Carvalho, Vozes do Imaginário, Artes e ofícios de Pedro II,
Portos das Anas e das louças, Impressões dos Borges, Maragogipinho e a tradição do barro.
2010
Responsável pela SAP: Ricardo Lima
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira.
Exposições: Rendas labirinto de Chã dos Pereira, Trançados e entalhes de Novo Airão, Boa-
noite: bordado da ilha do ferro, Nos campos do Vale: cerâmica no Alto Jequitinhonha,
Pinturas de Ermelinda, Arte em madeira do Piauí, No vão do Urucuia, Garrafas que guardam
símbolos e sonhos, Expressões na madeira.
2011
Responsável pela SAP: Ricardo Lima, coordenadora do setor de pesquisas: Maria Elizabeth
Costa.
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira.
Exposições: Bonecas cerâmicas ritxoco, A ferro e fogo, Rendas nas terras de Canaan, As
malas bordadas de Apodi, A céu aberto, Redes de dormir de Limpo Grande, Rendas de Bilro
de Florianopolis, Brinquedos em Recife.
2012
Responsável pela SAP: Coordenadora do setor de pesquisas Maria Elizabeth Costa
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira
238
Exposições: Louça Morena puxada à mão, Cores e Pincéis, Espedito Seleiro, A música é que
chama os espíritos dos bonecos, Capitais e Favelas, Fibras e tramas de Barreirinhas.
2013
Responsável pela SAP: Coordenadora do setor de pesquisas Maria Elizabeth Costa
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular: Claudia Ferreira.
Exposições: Tranças tecer: Valente, Araci e São Domingos, Um canto no mundo: Sérgio
Cezar, Fios de tradição em Poço Redondo.
239
ANEXO C - ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO CNFCP 41
- DIREÇÃO
- DIVISÃO TÉCNICA
- PESQUISA
- MUSEU DO FOLCLORE EDISON CARNEIRO (MFEC): Documentação, Exposição,
Conservação.
- BIBLIOTECA AMADEU AMARAL: Acervo Bibliográfico, Acervo arquivístico, Acervo
sonoro-visual.
- DIFUSÃO: Intercambio, Edições, Programa Educativo.
- ADMINISTRAÇÃO.
41 Informações obtidas no site do CNFCP: http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=35
240
ANEXO D - EQUIPE TÉCNICA DO CNFCP EM 2016 42
DIREÇÃO
Claudia Marcia Ferreira
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Coordenadora: Lucia Maria Madureira Yunes
PESQUISA
Coordenadora: Maria Elizabeth de Andrade Costa
Daniel Roberto dos Reis Silva
Guacira Bonacio Coelho Waldeck
Lívia Ribeiro Lima
Luiz César dos Santos Baia
Marilya Gomes Dias
Raquel Dias Teixeira
MUSEU DO FOLCLORE EDISON CARNEIRO
Chefia: Elizabeth Bittencourt Paiva Pougy
Luiz Carlos Ferreira
Maria do Socorro Cirne Faria Nunes
Vanessa Moraes Ferreira
BIBLIOTECA AMADEU AMARAL
Chefia: Isaura Lima Maciel Soares
Alexandre Coelho Neves
42 Informações obtidas no site do CNFCP: http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=36
241
Cynthia Lopes
Francisco José da Costa
Juliana Lima Ribeiro
Leila Cristina Teles
Marcos Vinícius Ribeiro de Assis
DIFUSÃO CULTURAL
Chefia: Maria Lucila da Silva Telles
Archibaldo Ribeiro Souza
Valtair Romão da Silva
COORDENAÇÃO ADMINISTRATIVA
Coordenador: Luiz Otávio Fernandes Monteiro
André Gustavo Lacerda Skiendziel
Jorge Guilherme de Lima
Rita de Cássia de Almeida
COLABORADORES EM PROJETOS E SERVIÇOS TÉCNICOS E
ADMINISTRATIVOS ESPECÍFICOS
Ana Beatriz Gonçalves
Ana Clara Valle
Anamaria Crelton
Bárbara Jano
Carlos Eduardo Silva
Cinara Lima Ribeiro
Cristiano Mota Mendes
Daniele Bustamante
Douglas Mariano
Edina Sarmento
242
Elizabete Vicari
Elizabeth Gonçalves Pena
Francisca Maria da Conceição
Gabriel Mota Felinto
Leonardo Abrantes
Luciana Ferreira da Silva
Marize Chicanel
Pablo Kaschner
Raquel Machado
Sandra Ermínio Pires
Suéllem Nascimento
Talita Castro Miranda
Verônica dos Santos Rocha
ESTAGIÁRIOS
Bianca Ferreira
Janaina Decotê
João Bosco Nunes Jr.
Rafael de Almeida
ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE AMIGOS DO MFEC
Presidente: Maria Cecília Londres da Fonseca
Vice-presidentes:
Amália Lucy Geisel
Helena Dodd Ferrez
Lygia Segala
Luis Fernando Dias Duarte
Maria Madalena Diegues Quintella Moreira Alves
Marcia Sant’Anna
243
CONSELHO FISCAL
Elizabeth Carvalho Macedo
Julia Peregrino
Maria de Cascia Frade
SUPERINTENDENTE
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
244
ANEXO E – IMAGENS DE CATÁLOGOS CITADOS
Jota Rodrigues. SAP 01. Jota Rodrigues, INF, 1983. Fonte: CNFCP
Esculturas de Antônio de Oliveira. SAP 05. O mundo encantado de Antônio de Oliveira, 1983, INF,
1983. Fonte: CNFCP
245
Manoel Vitalino, Maria Santina, Sílvio, José e Vitalino Neto. SAP 06. A família Vitalino e sua arte.
INF: 1983. Fonte CNFCP.
Máscaras em Barro produzidas pela artesã Cícera Fonseca. SAP 09. Artistas de Juazeiro do Norte,
1984. INF. Fonte: CNFCP
246
Fotografia do catálogo. SAP 76. Mulheres do Candeal, CNFCP, 1998. Fonte: CNFCP.
Fotografia do catálogo. SAP 76. Mulheres do Candeal, CNFCP, 1998. Fonte: CNFCP.
247
Trabalho de Dim. SAP 81 Dim - as artes de um brincante, 1999, CNFCP. Fonte: CNFCP.
Trabalho de Dim. SAP 81, Dim – as artes de um brincante. CNFCP, 1999. Fonte: CNFCP.
248
Escultura de Mestre Ribeiro. SAP 89. Devoção e festa – imagens de Mestre Ribeiro. Rio de Janeiro:
CNFCP, 2000. Fonte: CNFCP.
Escultura de Mestre Ribeiro. SAP 89. Devoção e festa – imagens de Mestre Ribeiro. Rio de Janeiro:
CNFCP, 2000. Fonte: CNFCP.
249
SAP 124 Sons de couro e cordas - Instrumentos musicais de São Francisco. CNFCP, 2005. Fonte:
CNFCP.
SAP 124 Sons de couro e cordas - Instrumentos musicais de São Francisco. CNFCP, 2005. Fonte:
CNFCP.
250
Capa do Catálogo com esculturas de Zé do Chalé. SAP 139. Zé do Chalé – o dono da flecha. CNFCP,
2007. Fonte: CNFCP
251
ANEXO F – DECRETOS E ARTIGOS DA CONSTITUIÇÃO
DECRETO-LEI Nº 25, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1937. 43
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição
DECRETA:
CAPÍTULO I
DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL
Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais, bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. 3º Exclúem-se do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de orígem estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veiculos pertecentes a emprêsas estrangeiras, que façam carreira no país;
43 Documento consultado e disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Decreto-Lei/Del0025.htm
252
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do Código Civíl, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais:
6) que sejam importadas por emprêsas estrangeiras expressamente para adôrno dos respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
CAPÍTULO II
DO TOMBAMENTO
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interêsse histórico e as obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º Os bens, que se inclúem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente lei.
Art. 5º O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6º O tombamento de coisa pertencente à pessôa natural ou à pessôa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsóriamente.
Art. 7º Proceder-se-à ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do
253
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
Art. 8º Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa.
Art. 9º O tombamento compulsório se fará de acôrdo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, si o quisér impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação.
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por símples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todas os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.
CAPÍTULO III
DOS EFEITOS DO TOMBAMENTO
Art. 11. As coisas tombadas, que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma à outra das referidas entidades.
Parágrafo único. Feita a transferência, dela deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 12. A alienabilidade das obras históricas ou artísticas tombadas, de propriedade de pessôas naturais ou jurídicas de direito privado sofrerá as restrições constantes da presente lei.
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade partcular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
254
§ 1º No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata êste artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
§ 2º Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3º A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
Art. 14. A. coisa tombada não poderá saír do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional.
Art. 15. Tentada, a não ser no caso previsto no artigo anterior, a exportação, para fora do país, da coisa tombada, será esta sequestrada pela União ou pelo Estado em que se encontrar.
§ 1º Apurada a responsábilidade do proprietário, ser-lhe-á imposta a multa de cincoenta por cento do valor da coisa, que permanecerá sequestrada em garantia do pagamento, e até que êste se faça.
§ 2º No caso de reincidência, a multa será elevada ao dôbro.
§ 3º A pessôa que tentar a exportação de coisa tombada, alem de incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores, incorrerá, nas penas cominadas no Código Penal para o crime de contrabando.
Art. 16. No caso de extravio ou furto de qualquer objéto tombado, o respectivo proprietário deverá dar conhecimento do fáto ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre o valor da coisa.
Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruidas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado.
Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objéto, impondo-se nêste caso a multa de cincoenta por cento do valor do mesmo objéto.
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Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa. (Vide Lei nº 6.292, de 1975)
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude êste artigo, por parte do proprietário.
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dôbro em caso de reincidência.
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional.
CAPÍTULO IV
DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessôas naturais ou a pessôas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
§ 1º Tal alienação não será permitida, sem que prèviamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
§ 2º É nula alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a sequestrar a coisa e a impôr a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei, pelo juiz que conceder o sequestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
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§ 3º O direito de preferência não inibe o proprietário de gravar livremente a coisa tombada, de penhor, anticrese ou hipoteca. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
§ 4º Nenhuma venda judicial de bens tombados se poderá realizar sem que, prèviamente, os titulares do direito de preferência sejam disso notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
§ 5º Aos titulares do direito de preferência assistirá o direito de remissão, se dela não lançarem mão, até a assinatura do auto de arrematação ou até a sentença de adjudicação, as pessôas que, na forma da lei, tiverem a faculdade de remir. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
§ 6º O direito de remissão por parte da União, bem como do Estado e do município em que os bens se encontrarem, poderá ser exercido, dentro de cinco dias a partir da assinatura do auto do arrematação ou da sentença de adjudicação, não se podendo extraír a carta, enquanto não se esgotar êste prazo, salvo se o arrematante ou o adjudicante for qualquer dos titulares do direito de preferência. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) (Vigência)
CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 23. O Poder Executivo providenciará a realização de acôrdos entre a União e os Estados, para melhor coordenação e desenvolvimento das atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artistico nacional e para a uniformização da legislação estadual complementar sôbre o mesmo assunto.
Art. 24. A União manterá, para a conservação e a exposição de obras históricas e artísticas de sua propriedade, além do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas Artes, tantos outros museus nacionais quantos se tornarem necessários, devendo outrossim providênciar no sentido de favorecer a instituição de museus estaduais e municipais, com finalidades similares.
Art. 25. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas ou artísticas e pessôas naturais o jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional.
Art. 26. Os negociantes de antiguidades, de obras de arte de qualquer natureza, de manuscritos e livros antigos ou raros são obrigados a um registro especial no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cumprindo-lhes outrossim apresentar semestralmente ao mesmo relações completas das coisas históricas e artísticas que possuírem.
Art. 27. Sempre que os agentes de leilões tiverem de vender objetos de natureza idêntica à dos mencionados no artigo anterior, deverão apresentar a respectiva relação ao órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de incidirem na multa de cincoenta por cento sôbre o valor dos objetos vendidos.
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Art. 28. Nenhum objéto de natureza idêntica à dos referidos no art. 26 desta lei poderá ser posto à venda pelos comerciantes ou agentes de leilões, sem que tenha sido préviamente autenticado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou por perito em que o mesmo se louvar, sob pena de multa de cincoenta por cento sôbre o valor atribuido ao objéto.
Parágrafo único. A. autenticação do mencionado objeto será feita mediante o pagamento de uma taxa de peritagem de cinco por cento sôbre o valor da coisa, se êste fôr inferior ou equivalente a um conto de réis, e de mais cinco mil réis por conto de réis ou fração, que exceder.
Art. 29. O titular do direito de preferência gosa de privilégio especial sôbre o valor produzido em praça por bens tombados, quanto ao pagamento de multas impostas em virtude de infrações da presente lei.
Parágrafo único. Só terão prioridade sôbre o privilégio a que se refere êste artigo os créditos inscritos no registro competente, antes do tombamento da coisa pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 30. Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1937, 116º da Independência e 49º da República.
GETULIO VARGAS. Gustavo Capanema.
Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.12.1937
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 44
Seção II DA CULTURA
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
44Documento consultado e disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
258
3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
II produção, promoção e difusão de bens culturais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
IV democratização do acesso aos bens de cultura; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
V valorização da diversidade étnica e regional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.
§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
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§ 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
I - despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
II - serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012)
§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
I - diversidade das expressões culturais; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
VI - complementaridade nos papéis dos agentes culturais; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
VII - transversalidade das políticas culturais; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
VIII - autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
IX - transparência e compartilhamento das informações; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
260
X - democratização dos processos decisórios com participação e controle social; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
XI - descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
XII - ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura. Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da Federação: Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
I - órgãos gestores da cultura; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
II - conselhos de política cultural; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
III - conferências de cultura; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
IV - comissões intergestores; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
V - planos de cultura; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
VI - sistemas de financiamento à cultura; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
VII - sistemas de informações e indicadores culturais; Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
VIII - programas de formação na área da cultura; e Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
IX - sistemas setoriais de cultura. Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
§ 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo. Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
§ 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias. Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012
DECRETO Nº 3.551, DE 4 DE AGOSTO DE 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.
261
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, e tendo em vista o disposto no art. 14 da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998,
D E C R E T A:
Art. 1o Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1o Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II - Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
III - Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV - Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
§ 2o A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
§ 3o Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais de natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros definidos no parágrafo primeiro deste artigo.
Art. 2o São partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro:
I - o Ministro de Estado da Cultura;
II - instituições vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Secretarias de Estado, de Município e do Distrito Federal;
IV - sociedades ou associações civis.
Art. 3o As propostas para registro, acompanhadas de sua documentação técnica, serão dirigidas ao Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, que as submeterá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 1o A instrução dos processos de registro será supervisionada pelo IPHAN.
262
§ 2o A instrução constará de descrição pormenorizada do bem a ser registrado, acompanhada da documentação correspondente, e deverá mencionar todos os elementos que lhe sejam culturalmente relevantes.
§ 3o A instrução dos processos poderá ser feita por outros órgãos do Ministério da Cultura, pelas unidades do IPHAN ou por entidade, pública ou privada, que detenha conhecimentos específicos sobre a matéria, nos termos do regulamento a ser expedido pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
§ 4o Ultimada a instrução, o IPHAN emitirá parecer acerca da proposta de registro e enviará o processo ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, para deliberação.
§ 5o O parecer de que trata o parágrafo anterior será publicado no Diário Oficial da União, para eventuais manifestações sobre o registro, que deverão ser apresentadas ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural no prazo de até trinta dias, contados da data de publicação do parecer.
Art. 4o O processo de registro, já instruído com as eventuais manifestações apresentadas, será levado à decisão do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural.
Art. 5o Em caso de decisão favorável do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, o bem será inscrito no livro correspondente e receberá o título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Caberá ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural determinar a abertura, quando for o caso, de novo Livro de Registro, em atendimento ao disposto nos termos do § 3o do art. 1o deste Decreto.
Art. 6o Ao Ministério da Cultura cabe assegurar ao bem registrado:
I - documentação por todos os meios técnicos admitidos, cabendo ao IPHAN manter banco de dados com o material produzido durante a instrução do processo.
II - ampla divulgação e promoção.
Art. 7o O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro, como referência cultural de seu tempo.
Art. 8o Fica instituído, no âmbito do Ministério da Cultura, o "Programa Nacional do Patrimônio Imaterial", visando à implementação de política específica de inventário, referenciamento e valorização desse patrimônio.
Parágrafo único. O Ministério da Cultura estabelecerá, no prazo de noventa dias, as bases para o desenvolvimento do Programa de que trata este artigo.
Art. 9o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
263
Brasília, 4 de agosto de 2000; 179o da Independência e 112o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Francisco Weffort