PATRIMÔNIO, PRESERVAÇÃO E DIVERSIDADE: A GESTÃO...

146
MANUELA DE OLIVEIRA BOTREL PATRIMÔNIO, PRESERVAÇÃO E DIVERSIDADE: A GESTÃO PÚBLICA DE BENS CULTURAIS EM SÃO JOÃO DEL-REI (MG) LAVRAS - MG 2011

Transcript of PATRIMÔNIO, PRESERVAÇÃO E DIVERSIDADE: A GESTÃO...

MANUELA DE OLIVEIRA BOTREL

PATRIMÔNIO, PRESERVAÇÃO E

DIVERSIDADE: A GESTÃO PÚBLICA DE BENS

CULTURAIS EM SÃO JOÃO DEL-REI (MG)

LAVRAS - MG

2011

MANUELA DE OLIVEIRA BOTREL

PATRIMÔNIO, PRESERVAÇÃO E DIVERSIDADE: A GESTÃO

PÚBLICA DE BENS CULTURAIS EM SÃO JOÃO DEL-REI (MG)

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Administração, área de concentração em Gestão Social, Ambiente e Desenvolvimento, para a obtenção do título de Mestre.

Orientadora

Dra. Flávia Luciana Naves Mafra

LAVRAS - MG

2011

Botrel, Manuela de Oliveira. Patrimônio, preservação e diversidade : a gestão pública de bens culturais em São João del-Rei (MG) / Manuela de Oliveira Botrel. – Lavras : UFLA, 2011.

145 p. : il. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Lavras, 2011. Orientador: Flávia Luciana Naves Mafra. Bibliografia. 1. Patrimônio cultural. 2. Políticas públicas. 3. Descentralização.

I. Universidade Federal de Lavras. II. Título.

CDD – 352.945

Ficha Catalográfica Preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca da UFLA

MANUELA DE OLIVEIRA BOTREL

PATRIMÔNIO, PRESERVAÇÃO E DIVERSIDADE: A GESTÃO

PÚBLICA DE BENS CULTURAIS EM SÃO JOÃO DEL-REI (MG)

Dissertação apresentada à Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Administração, área de concentração em Gestão Social, Ambiente e Desenvolvimento, para a obtenção do título de Mestre.

APROVADA em 25 de fevereiro de 2011. Dra. Valéria Maria Martins Judice UFSJ

Dra. Maria Cristina Angélico Mendonça UFLA

Orientadora

Dra. Flávia Luciana Naves Mafra

LAVRAS -MG

2011

A minha família, em especial a minha mãe, a base de tudo que sou.

DEDICO

AGRADECIMENTOS

"Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo.

Aquilo que colocarmos nela, corre por nossa conta."

Chico Xavier

Agradeço primeiramente a Deus, por permitir a concretização de

grandes sonhos e pela força e sabedoria concedida para trilhar minha vida.

Agradeço a minha família, pelo apoio e incentivo. Ao meu pai, Élberis,

pelo exemplo de honestidade e caráter. A minha mãe, pelo amor incondicional e

orações. Aos meus irmãos Marcelo, pelo companheirismo e ao Dudu, meu anjo

da guarda, que sempre estará presente em nossas vidas.

Ao meu namorado, João Victor, pelo amor e compreensão.

À minha orientadora, Dra. Flávia Luciana Naves Mafra, por

compartilhar o meu sonho. Agradeço também pela amizade e atenção

despendidas durante todo o percurso do mestrado.

Às professoras Valéria Judice (UFSJ) e Maria Cristina Mendonça, pelas

contribuições na qualificação e pelos incentivos.

Aos colegas de sala, pela amizade e pelas contribuições ao meu

aprendizado. Aos colegas do mestrado e doutorado, turma de 2009, em especial,

a Priscila, Dari, João Paulo, Mariana, Pâmella, Aline, Moisés, Conrado, Airton,

Geraldo, Thiago e Ivana. Estas, sem dúvida, são pessoas excelentes, grandes

amigos com os quais convivi mais proximamente.

Aos professores e funcionários do Departamento de Administração e

Economia, pelo zelo e competência com que exercem suas atividades. Em

especial, as professoras Mônica Cappelle, Maria das Graças Paula, Maroca e

Maria Ângela, pelas reflexões teórico-metodológicas e conversas cotidianas nos

corredores do departamento.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq), pela bolsa concedida e por ter tornado possível este trabalho.

Aos meus entrevistados, moradores e cidadãos de São João del-Rei, que,

gentilmente, cederam um pouco do seu tempo para a realização das entrevistas.

À Universidade Federal de Lavras, que me permitiu um crescimento

muito além do científico e concedeu-me o privilégio de fazer parte de sua

história. Ao CUNI, Conselho Universitário, do qual fui representante discente de

pós-graduação por um mandato, pelo aprendizado, confiança e oportunidades.

Por fim, gostaria de agradecer à Associação dos Pró-Graduandos da

UFLA, pelas oportunidades de crescimento pessoal e às amizades consolidadas

nesse órgão, Fernanda, Leandro, Diogo, Alessandra, Alisson, Carol e Lucas.

A todos um muito obrigado!!!

“O passado não é o antecedente do futuro, é sua fonte”.

Ecléa Bosi

RESUMO

O estudo e preservação dos bens culturais emergiram nacionalmente na década de 1930, após a criação do IPHAN, órgão federal de caráter preservacionista, todavia, nas últimas décadas ocorreram mudanças e um aprofundamento sobre o tema. Nesse novo cenário de formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a preservação dos bens culturais, a promulgação da Constituição de 1988 representa o início da descentralização. Outro quesito contemplado pela nova Constituição e a ampliação do conceito de patrimônio cultural, abrangendo o patrimônio material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Destaca-se que a delegação de poder aos municípios foi importante para a nova configuração de gestão, proteção e promoção dos bens culturais. Os municípios passaram a ser responsáveis, juntamente com outros órgãos da esfera estadual e nacional, por essa política de preservação e disseminação da cultura nacional, regional e local. O presente estudo tem como objetivo principal investigar a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a área de bens culturais no município de São João del-Rei (MG). Para tanto, foi realizado um estudo de caso qualitativo, dando ênfase às visões e percepções dos gestores. Os dados foram coletados por meio de realização de entrevistas semi estruturadas, observação não participante e pesquisa documental. O tratamento dos dados foi feita mediante análise qualitativa. Ao fim deste trabalho verifica-se que a gestão pública de bens culturais no município de São João del-Rei ainda se encontra focada na preservação do patrimônio edificado e no controle das intervenções nos bens tombados. Nessa vertente pode-se salientar o papel e atuação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, que ampliou a preservação e o tombamento no município. Foi após a criação do Conselho que foi realizado um trabalho efetivo de tombamento e fiscalização das áreas e bens tombados. Constata-se que na gestão pública de bens culturais em São João del-Rei as manifestações culturais são tratadas como elementos periféricos, como elementos secundários dentro das políticas de preservação. Todavia, o patrimônio imaterial do município é inerente ao mesmo, ele sobreviveu por ter significado para a comunidade, porque diz respeito à sua história. Trata-se de uma construção social local que favorece a diversidade e dinâmica cultural do município.

Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Políticas Públicas. Descentralização.

ABSTRACT

The study and the cultural property preservation emerged nationally in the 1930’s after the creation of IPHAN, a conservationist federal agency; however, in recent decades it has ocurred some changes and a deepening on the approach of this subject. In this new setting of establishment and implementation of public policies directed to the cultural property preservation, the promulgation of 1988 Constitution expresses the beginning of descentralization. Another item which has been contemplated by the new Constitution is the enlargement of the cultural heritage concept to include material and immaterial heritage as considered individually or together and as identity, action and memory reference bearer of the different groups which formed Brazilian community. The empowerment of the municipalities was important to the cultural heritage protection, promotion and management new setting. The municipalities became responsible, along with other national and state level agencies, for national, regional and local culture dissemination and preservation policy. The main objective of this study is to investigate the public policy formulation as well as the implementation directed toward to cultural heritage in the municipality of Sao Joao del-Rei (MG). Therefore, a qualitative case study was performed emphasizing managers views and perceptions on the chosen subject data was collected through semi structured interviews, non-participant observation and documentary research. Interviews were analysed through content analysis. At the end, it is possible to verify that the cultural heritage management in the municipality of Sao Joao del-Rei is still focused on the built heritage and on the intervention and control of the edification conservation. It is possible to underline this bias within Municipal Council of Cultural Heritage Preservation’s role which has been legally enlarged in its entitlement of validating historic heritage and edification conservation. After the Council was created more effective validation and control of the spaces and heritage buildings was performed. It is noticeable that cultural events are treated as peripheral factor in the cultural heritage public management in Sao Joao del-Rei, as secondary elements in the conservation policies. However, the municipality immaterial heritage is inherent to the locality and it has survived because it meant a lot to the community, once it is related to its history. It is a social local construction which supports the municipality’s diversity and cultural dynamics. Keywords: Cultural Heritage. Public Policies. Decentralization.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Rodrigo de Mello Franco de Andrade X Aloísio Magalhães.......49 Quadro 2 Pesquisa qualitativa X Pesquisa quantitativa ..............................68 Quadro 3 Divisão e número de entrevistados por área de atuação ..............77 Quadro 4 Atores presentes na gestão dos bens culturais no município de

São João del-Rei ..........................................................................79 Quadro 5 Importância do Conselho Municipal de Preservação do

Patrimônio Cultural .....................................................................86 Quadro 6 Como funciona o Conselho Municipal de Preservação do

Patrimônio Cultural .....................................................................88 Mapa 1 Demarcação do Centro Histórico e do entorno de São João del-

Rei ................................................................................................90 Mapa 2 Limite de proteção do Centro Histórico de São João del-Re..........91 Quadro 7 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ...............93 Quadro 8 Definições e entendimentos sobre significados de bem

cultural....................................................................................... 102 Quadro 9 Definições e entendimentos sobre a diversidade cultural no

município de São João del-Rei .................................................. 106 Quadro 10 Importância dos bens culturais para São João del-Re............. 110 Quadro 11 Recursos para a cultura ........................................................... 118 Quadro 12 Pontuação do ICMS Patrimônio Cultural ............................... 122 Quadro 13 Relações e conflitos ............................................................... 124 Quadro 14 Participação da sociedade ...................................................... 127

LISTA DE ABREVIAÇÕES

IPHAN - Instituto Histórico e Artístico Nacional SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional CMPPC - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural IEPHA - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico SCT - Secretaria de Cultura e Turismo EFOM - Estrada de Ferro do Oeste de Minas ONU - Organização das Nações Unidas UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios SNC - Sistema Nacional de Cultura UFSJ - Universidade Federal de São João del-Rei FUNREI - Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei CODEMA - Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente SNC - Sistema Nacional de Cultura

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................... 14 1.1 Contextualização do tema de pesquisa.......................................... 14 1.2 Problema de pesquisa ..................................................................... 19 1.3 Objetivos .......................................................................................... 19 1.3.1 Objetivo geral ................................................................................. 19 1.3.2 Objetivos específicos ...................................................................... 20 1.4 Justificativa do estudo ................................................................... 20 2 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................... 23 2.1 O conceito de cultura ...................................................................... 23 2.2 Bens culturais e patrimônio cultural............................................. 25 2.3 As cartas patrimoniais .................................................................... 33 2.4 A Constituição de 1988 e os bens culturais .................................. 35 2.5 O patrimônio cultural e o turismo ................................................ 37 2.6 O conceito de preservação e as relações de poder ....................... 40 2.7 A trajetória das políticas públicas de preservação dos bens

culturais no Brasil ........................................................................... 43 2.8 A complexidade da gestão de políticas públicas de bens

culturais ........................................................................................... 52 2.9 A esfera pública .............................................................................. 56 2.10 Gestão Pública ................................................................................ 60 2.11 Descentralização ............................................................................. 62 3 METODOLOGIA ........................................................................... 67 3.1 Característica da pesquisa ........................................................... 67 3.2 Estudo de Caso ............................................................................... 68 3.2.1 O município de São João del-Rei ................................................... 70 3.3 Técnicas de pesquisa ...................................................................... 72 3.4 Os sujeitos da pesquisa .................................................................. 76 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................... 78 4.1 Atores e atribuições ........................................................................ 78 4.1.1 Secretaria de Cultura e Turismo .................................................. 81 4.1.2 Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural .... 83 4.1.3 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ............... 93 4.1.4 Instituto Histórico e Geográfico..................................................... 97 4.1.5 ONGs, Associações e Entidades Culturais .................................... 99 4.1.6 Universidade Federal de São João del-Rei ................................... 100 4.2 Definições e entendimentos ........................................................... 102 4.2.1 Bem cultural .................................................................................... 102

4.2.2 Diversidade cultural em São João del-Rei .................................... 106 4.3 Importância dos bens culturais para o município........................ 109 4.4 Elementos priorizados na gestão de bens culturais...................... 114 4.5 Recursos, relações e conflitos ......................................................... 118 4.6 Participação da sociedade .............................................................. 127 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................... 132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................... 137

14

1 INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização do tema de pesquisa

O conceito de bem cultural ou de patrimônio cultural é historicamente

associado ou ligado à noção do sagrado, de uma memória a ser preservada e

cristalizada. O sagrado, na sua concepção mais antiga, fazia parte do indizível da

experiência humana, que deveria permanecer intocável ou inalterado. Todavia,

nos últimos anos, a concepção de bem cultural ou patrimônio vem

transformando-se, caminhando para a percepção desses elementos como parte do

dia-a-dia, do cotidiano dos espaços públicos das sociedades.

Como aponta Fonseca (1997), nasce a perspectiva de bens culturais

pertencentes a todos, que devem ser preservados e gerenciados, estabelecendo

seus limites físicos e conceituais, bem como as regras e as leis para que isto

aconteça. A autora ainda ressalta que

"foi a idéia de nação que veio garantir o estatuto ideológico (do patrimônio), e foi o Estado nacional que veio assegurar, através de práticas específicas, a sua preservação [...]. A noção de patrimônio se inseriu no projeto mais amplo de construção de uma identidade nacional, e passou a servir ao processo de consolidação dos estados-nação modernos" (FONSECA, 1997, p. 54-59).

Para se elucidar os significados de bem cultural e patrimônio cultural o

conceito de cultural foi visitado, perpassando elementos como a diversidade e a

própria dinâmica cultural. Cabe salientar que no trabalho a cultura é entendida

como um conceito abrangente e complexo.

Thompson (2008) advoga que a cultura deve ser entendida como um

conjunto de diferentes recursos, em que há uma constante troca entre o escrito e

o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole, sendo uma arena de

15

elementos conflitivos e contraditórios que assumem uma forma de sistema

plural.

Assim como o conceito de cultura, a definição de bem cultural perpassa

a complexidade. Segundo Magalhães (1997), os bens culturais são de natureza

abrangente, englobando bens de valor histórico, de valor individual e os bens ou

práticas provenientes dos fazeres populares. Para o autor, esses elementos, os

bens culturais, têm valores expressivos de síntese criadora, estando inseridos e

integrados na realidade cotidiana, servindo e representando sua própria razão de

ser.

No Brasil, legalmente esses bens são definidos como

“de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]” (BRASIL, 1988).

Zarinato (2009) afirma que os elementos culturais são conformados

pelas manifestações materiais e imateriais criadas pelos sujeitos precedentes da

sociedade contemporânea, ou pelos próprios sujeitos ou sociedade atuais. Neles

se incluem objetos e estruturas dotados de valores históricos, culturais e

artísticos, bens que representam as fontes culturais de uma sociedade ou de um

grupo social e que podem ser tangíveis ou intangíveis. Conservá-los é uma

forma de garantir o testemunho e referencial, não apenas de seu valor

arquitetônico e histórico, mas dos valores culturais, simbólicos, de sua

representatividade técnica e social.

Nesse sentido, o bem cultural deve ser entendido enquanto uma

categoria existente em todas as sociedades ou como um elemento formador das

comunidades, chegando a ser confundido com a autoconsciência cultural, que se

torna um recurso para as comunidades, para os sujeitos sociais, recurso esse que

pode ser usado para o desenvolvimento comunitário e para a melhoria da

qualidade de vida local e nacional.

16

A discussão sobre a preservação e gestão pública de bens culturais no

Brasil teve suas origens associada à modernização do Estado a partir da década

de 1930, durante o governo de Getúlio Vargas. Até então, as ações de

salvaguarda dos bens – naquele momento limitados, em sua maioria, ao

conteúdo histórico que representavam – eram esparsas e desconexas, denotando

a inexistência de uma política pública ampla para a preservação do patrimônio.

A partir de 1937, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN), uma política foi então institucionalizada, ainda que com

restrições conceituais, ou seja, os bens selecionados para a preservação ou

salvaguarda eram quase que unicamente aqueles que apresentavam uma

representatividade histórica e/ou uma excepcionalidade artística, estritamente

ligada a determinadas classes tradicionais ou dominantes.

A rigor, o processo de proteção no Brasil acompanhou a experiência

internacional e iniciou-se com os tombamentos individuais de edifícios, sob a

influência do conceito de monumento, o que produziu efeitos limitados na

preservação. Nesse cenário as cartas patrimoniais já representavam diretrizes

sobre o tema, com o intuito de orientar o uso e conservação do patrimônio.

Ainda que se reconheça o inegável valor histórico e artístico dos bens

privilegiados nas primeiras ações de salvaguarda do SPHAN, não se pode deixar

de ressaltar que a escolha daqueles bens, na sua quase totalidade bens materiais,

excluía a possibilidade de que outros, dotados de diferentes valores, como os

bens imateriais, os fazeres populares, pudessem ser compreendidos como

representativos da cultura e da identidade social e igualmente conservados e

gerenciados pela ação do Estado.

No entanto, da década de 1930 até os dias atuais, mudanças

significativas alteraram as ações de salvaguarda, passando a contemplar a

valorização da diversidade, um dos traços nítidos da sociedade brasileira. Nota-

17

se que as diretrizes atuais buscam resguardar a função social dos bens culturais

bem como democratizar seu acesso.

Observa-se que, na política ou gestão pública de bens culturais, a

diversidade cultural do país passa a ser vista e respeitada enquanto característica

fundamental, unificadora da sociedade brasileira, todavia, a diversidade cultural,

por sua complexidade, ao mesmo tempo em que é um elemento formador e

aglomerador, é um elemento que pode gerar conflitos e tensões.

Sendo assim, para que as políticas públicas sejam efetivas e abranjam a

diversidade cultural e social, devem ser pensadas tanto como diretrizes gerais

nacionais, quanto em termos de ações regionalizadas, localizadas, e nesse

quesito o processo de descentralização que começou em 1988, com a

promulgação da constituição, foi muito importante.

Nesse contexto de redemocratização, de emergência da pauta ecológica

e de preservação de bens de caráter nacional que contemplem a diversidade, as

agendas locais e as políticas de salvaguarda e amparo cultural passam a se

desdobrar no surgimento de movimentos sociais e de instituições estaduais e

municipais, que constituem hoje um verdadeiro sistema de patrimônio cultural,

com legislações e instrumentos de fomento que corroboram com o desafio de

preservar o patrimônio cultural do país.

Funari e Pelegrini (2009) destacam que a diversidade cultural tem

despertado grande interesse não só no cenário político nacional, mas também no

mundial. A crescente ênfase no tema e o reconhecimento da pluralidade de bens

culturais suscitaram debates e reformulações na forma de gestão desses

elementos sociais. Aponta-se a complexidade e as múltiplas facetas dos bens

culturais, bem com sua relevância para as sociedades como um todo.

A presente pesquisa busca investigar a gestão pública de bens culturais

no município de São João del-Rei, um município mineiro rico em diversidade,

patrimônio e história. Ela está apresentada em cinco seções. A primeira seção é

18

esta, compreende a introdução. Nela são apresentados a contextualização do

tema de pesquisa, o problema de pesquisa, os objetivos da pesquisa e a

relevância ou justificativa do estudo.

A segunda seção contempla o referencial teórico da pesquisa. O

referencial teórico compreende as ideias, conceitos e posições de autores que

integram as correntes teóricas que fundamentam a pesquisa. O objetivo é

construir uma base sólida para desenvolver a argumentação da dissertação. Nele

inicia-se discorrendo sobre o conceito de cultura e de dinâmica cultural,

seguidos da definição de bens culturais e patrimônio cultural. Nesse contexto, as

cartas patrimoniais são elencadas como instrumentos norteadores da preservação

e gestão pública do patrimônio cultural no mundo. No Brasil, a Constituição de

1988 representa um avanço na definição dos bens culturais, a construção de um

ordenamento jurídico bem como a descentralização na gestão dos mesmos. É

abordada também a relação do patrimônio cultural com o turismo. Na sequência,

a fundamentação teórica traz o conceito de preservação e as relações de poder

existente nele. Também é relatada a trajetória das políticas públicas de

preservação dos bens culturais no Brasil, bem como a complexidade da mesma.

Por fim, trabalha-se com as concepções de esfera pública, gestão pública e

descentralização, uma vez que há uma série de peculiaridades relativas a essas

vertentes que merecem destaque.

A terceira seção é destinada às questões metodológicas. Ela descreve os

procedimentos adotados na obtenção das informações que permitiram que os

objetivos da pesquisa fossem atingidos. Essa seção está dividida em quatro

partes. Primeiramente, aborda-se a característica ou natureza da pesquisa, bem

como seus fundamentos. Na segunda parte são apresentados o modelo teórico da

pesquisa e a descrição do município pesquisado, São João del-Rei. A terceira

parte aborda as técnicas de pesquisa. Por último, a quarta parte descreve os

sujeitos de pesquisa.

19

A quarta seção abrange os principais resultados da pesquisa, juntamente

com a discussão dos mesmos. A abordagem realizada contextualiza os

elementos centrais da discussão, que diz respeito à gestão pública de bens

culturais no município de São João del-Rei. A seção foi subdividida em seis

partes, cada uma contendo a análise dos temas que fundamentam a pesquisa. Em

resumo, esta parte busca retratar o caso analisado e apresentar as respostas dos

objetivos da pesquisa.

A quinta seção compreende as considerações finais. O trabalho se

encerra com as referências que foram citadas ao longo do estudo.

1.2 Problema de pesquisa

Do interesse em compreender melhor a gestão pública dos bens culturais

em um município rico em diversidade e memória, que representa parte

importante da trajetória histórica do Brasil, surgiu o questionamento: como se

operacionalizam e priorizam as políticas públicas na área dos bens culturais no

município de São João del-Rei?

A partir desta questão de pesquisa, definiu-se o objetivo geral e os

objetivos específicos que nortearam todo o trabalho, conforme apresentado a

seguir.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo geral

Este trabalho tem como objetivo principal investigar a formulação e

implementação de políticas públicas voltadas para a área de bens culturais no

município de São João del-Rei.

20

1.3.2 Objetivos específicos

1- Mapear e descrever as formas de ação de atores envolvidos na gestão de bens

culturais do município.

2- Descrever as visões dos diferentes atores envolvidos nesse processo sobre o

que são os bens culturais.

3- Verificar os recursos direcionados para a área cultural e analisar as possíveis

relações ou conflitos entre a gestão de bens culturais e outras políticas públicas

implementadas no município.

4- Identificar os elementos priorizados na gestão de bens culturais em São João

del-Rei.

1.4 Justificativa do estudo

O estudo e preservação dos bens culturais emergiram nacionalmente na

década de 1930, após a criação do IPHAN, órgão federal de caráter

preservacionista, no entanto, nas últimas décadas ocorreram mudanças e um

aprofundamento sobre o tema. A promulgação da Constituição de 1988

representa a descentralização dessa política, um marco ou ruptura, que levou a

novas orientações.

Pode-se dizer que na trajetória da política federal de preservação no

Brasil, essa perpassou de um desenho institucional concentrado na ação e

intervenção sobre os bens edificados, com valor estético, monumental e

arquitetônico para uma concepção mais abrangente ou somatória, que contempla

a dimensão imaterial da cultura, dimensão essa embasada nas tradições e

manifestações culturais, nos saberes e fazeres de um povo, na sua oralidade,

rituais e festas.

21

Nota-se que a dinâmica do conceito de bens culturais surge juntamente

com a estruturação das políticas públicas da área, todavia, é recentemente que

ocorre uma fundamentação sólida, reconfigurando teorias, ações e práticas,

abrangendo a gama total de bens e realidades.

No âmbito estadual e municipal, o processo de organização de

instituições públicas destinadas ao exercício da preservação do patrimônio

iniciou-se, respectivamente, no final da década de 1970, e entre os anos 1980 e

1990, nesse caso, seguindo as novas diretrizes conceituais definidas pela

Constituição de 1988 e pelas respectivas cartas estaduais.

Mudanças substanciais passaram a orientar as ações de salvaguarda. Em

primeiro lugar ocorreu a ampliação do conceito de patrimônio histórico e

artístico para patrimônio cultural, incorporando as manifestações de natureza

imaterial, intangíveis, como passíveis de tombo. Tradições e manifestações

culturais começam a ser reconhecidas como elementos fundamentais da

sociedade. Em segundo lugar, a incorporação de outros instrumentos jurídicos,

como o registro, o inventário e outras formas de acautelamento.

No entanto, a mudança mais significativa na salvaguarda dos bens

culturais foi à delegação de um importante papel para o município na proteção,

conservação e gestão de bens culturais. Os municípios passaram a ser

responsáveis, juntamente com órgãos da esfera estadual e nacional, por essa

política de preservação e disseminação da cultura nacional, regional e local.

É nessa perspectiva, de compreensão da gestão pública de bens culturais

do município de São João del-Rei, um município rico em diversidade,

patrimônio e história que se justifica essa pesquisa. O estudo busca responder

questões relacionadas à preservação, à diversidade e ao gerenciamento dos bens

culturais, sejam eles materiais ou imateriais, bem como identificar e descrever as

experiências importantes e suas limitações. O trabalho ainda objetiva ajudar no

aprimoramento de políticas públicas de bens culturais de municípios, no caso, do

22

município de São João del-Rei e de outros municípios com características

semelhantes.

Outro quesito relevante na escolha do município de São João del-Rei é a

relação entre os bens culturais e a economia local. Os elementos culturais

integram e impulsionam o setor de serviços da cidade, representando uma

alternativa para a geração de renda e para o crescimento do município. Verificar

a importância dos bens culturais para as relações econômicas, sociais e culturais

do município pode ser elemento articulador na formulação de políticas públicas

na área de preservação e fomento dos bens culturais do município.

23

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção está dividida em onze subtopicos ou partes que abordam os

fundamentos teóricos norteadores da pesquisa. Inicia-se discorrendo sobre o

conceito de cultura e de dinâmica cultural, seguido da definição de bens

culturais e patrimônio cultural. Nesse contexto, as cartas patrimoniais são

elencadas como instrumentos norteadores da preservação e gestão pública do

patrimônio cultural no mundo. No Brasil, a Constituição de 1988 representa um

avanço na definição dos bens culturais, bem como uma descentralização da

gestão dos mesmos. É abordada também a relação do patrimônio cultural com o

turismo. Na sequência a fundamentação teórica trás o conceito de preservação e

as relações de poder existente nele. Também é relatada a trajetória das políticas

públicas de preservação dos bens culturais no Brasil, bem como a complexidade

da mesma. Por fim, trabalha-se com as concepções de esfera pública, gestão

pública e descentralização, uma vez que há uma série de peculiaridades relativas

a essas vertentes que merecem destaque.

2.1 O conceito de cultura

Ao abordar e tentar delimitar o que são bens culturais e patrimônio

cultural, perpassa-se em definições acerca do conceito de cultura.

Segundo Laraia (1986), o conceito de cultura é de cunho antropológico.

Segundo o autor, a cultura influencia o comportamento social e diversifica

enormemente a humanidade, não podendo ser explicada unicamente pelos

determinismos geográficos ou biológicos.

Bosi (1992) coloca que o termo cultura, na sua forma mais substantiva,

tanto se aplica às labutas do solo, da agricultura, como a qualquer trabalho feito

pelo ser humano desde sua infância. No campo antropológico e social, o

24

significado de cultura mais geral não mudou no decorrer dos séculos,

significando “o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores

que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um

estado de coexistência social” (BOSI, 1992, p.16).

Burke (2005) ressalta que o uso do termo cultura é um pouco

problemático, pois em geral, ou em grande parte da história da humanidade, ele

foi empregado para referir-se à alta cultura, ou costumava se referir às artes e às

ciências. No entanto, no percurso do tempo começou a ser utilizado também,

para descrever equivalentes populares, como a música folclórica, a medicina

popular, dentre outras práticas ou representações.

Burke (2005, p. 43) citando Edward Taylor em seu livro Primative

Culture (1871) definiu cultura como: “[...] o todo complexo que incluiu

conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade

ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.

Thompson (2008) acrescenta que a cultura não deve ser entendida

somente como um sistema de atitudes, valores e significados compartilhados,

juntamente com as formas simbólicas (desempenhos e artefatos) incorporados,

mas também como um conjunto de diferentes recursos, em que há uma constante

troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a

metrópole, sendo uma arena de elementos conflitivos e contraditórios que

assumem uma forma de sistema.

Dessa forma, o termo cultura abrange o todo complexo, das práticas dos

patrícios às práticas dos plebeus, do erudito ao popular, incluindo as aptidões e

hábitos adquiridos pelo homem em convívio social. O termo cultura ainda pode

ser destacado por sua característica somatória, e não eliminatória, que representa

os inúmeros contextos históricos e sociais (MAGALHÃES, 1997).

Por meio da elucidação do conceito de cultura pode-se adentrar na

análise do significado de dinâmica cultural. Durham e Thomaz (2004) apontam a

25

dinâmica cultural como um processo permanente de reorganização das

representações na prática social, representações estas que são simultaneamente

condição e produto desta prática. Segundo os autores, a análise da dinâmica

cultural perpassa necessariamente a análise de fenômenos culturais, da cultura

propriamente dita, permeando toda boa etnografia e constituindo-se no

fundamento da riqueza e constante originalidade da representação social.

Observa-se que para compreender os processos e estruturas culturais é

necessário refletir sobre a dinâmica cultural, sobre os processos e representações

sociais, sobre as várias faces da cultura, aqui, a cultura brasileira. Por fim, toda

essa visão ampla da dinâmica sobre a cultura leva a questionar então quais os

significados de bens culturais e patrimônio cultural.

2.2 Bens culturais e patrimônios culturais

Na contemporaneidade, o conceito ou significado de bens ou

patrimônios culturais é tratado por diversos autores (CHOAY, 2001;

FONSECA, 1997; FUNARI; PELEGRINI, 2009; GONÇALVES, 1996;

LEMOS, 2006; MAGALHÃES, 1997). Esses autores analisam a trajetória de

preservação desses bens assim como sua delimitação e relevância atual. Eles

salientam que os bens culturais ou patrimônio cultural de uma sociedade ou

determinada nação são bastante diversificados, sofrendo permanentes alterações.

Apesar de os dois conceitos, patrimônio cultural e bem cultural, não

serem sinônimos propriamente ditos, esses conceitos são complementares. O

conceito de patrimônio cultural já se encontra institucionalizado enquanto o de

bem cultural amplia o escopo do patrimônio cultural, transpondo barreiras e

contemplando diversidades. Ressalta-se que muitos autores trabalham

conjuntamente com os dois conceitos ou termos.

26

Ao analisar o conceito de patrimônio, Choay (2001) descreve que esta

palavra antiga está ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma

sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo. Requalificada por diversos

adjetivos (genético, natural, histórico, cultural, etc.), a palavra patrimônio

adquiriu um conceito nômade, que segue hoje uma trajetória diferente, que

repercute nas sociedades.

Funari e Pelegrini (2009) observam que a origem da palavra patrimônio

deriva do latim, vem de patrimonium, que se referia, entre os antigos romanos, a

tudo que pertencia ao pai. Esse conceito surgiu no âmbito privado do direito de

propriedade e estava intimamente ligado aos interesses aristocráticos. Sendo

assim, o patrimônio era um valor aristocrático e privado, referente à transmissão

de bens no seio da elite patriarcal romana, não havendo o conceito de patrimônio

público. Essa palavra, patrimônio, definia então os bens que eram preservados e

passados de geração a geração.

Já a preocupação com a definição de políticas para a salvaguarda e

preservação dos patrimônios históricos ou culturais de um povo remonta ao final

do século XVIII, mais particularmente à Revolução Francesa, quando se

desenvolveu outra sensibilidade em relação aos monumentos destinados a

invocar a memória e a impedir o esquecimento dos feitos do passado.

Rodrigues (2005) destaca que criação de patrimônios nacionais,

históricos e culturais intensificou-se durante o século XIX, servindo para criar

referenciais comuns a todos que habitavam um mesmo território ou nação,

unificando interesses e propagando tradições comuns. Segundo a autora, nesse

momento surgiu a história nacional, que se sobrepôs às memórias particulares e

regionais. “Enfim, o patrimônio passou a constituir uma coleção simbólica unificadora, que procurava dar base cultural idêntica a todos, embora os grupos sociais étnicos presentes em um mesmo território fossem diversos. O patrimônio

27

passou a ser, assim, uma construção social de extrema importância política” (RODRIGUES, 2005, p. 16).

Zanirato e Ribeiro (2006) colocam que a compreensão a respeito da

história e de suas produções de caráter cultural e patrimonial eram extremamente

restritas. Em certos momentos da trajetória humana, somente as obras de arte

eram consideradas dotadas de valor, sendo passíveis de preservação. Objetos e

bens de uso utilitário, sobretudo aqueles oriundos das chamadas classes

subalternas, se perderam, em especial o material de uso cotidiano encontrado nas

escavações arqueológicas dos séculos XVIII e XIX. A lógica que presidia as

escavações era a da busca de objetos de interesse artístico que apresentavam

interesses de mercado. Os vestígios que não contemplavam tais interesses não

foram conservados.

Os patrimônios culturais, ao longo da história da humanidade, possuíram

um caráter aristocrático e elitista. A monumentalização durante a Idade Média

esteve estritamente ligada à Igreja Católica e à nobreza, e as edificações

passaram a dominar as paisagens do mundo físico e espiritual. Na trajetória

patrimonial cultural, muitas mudanças ocorreram, ainda que quase sempre o

caráter aristocrático fosse mantido.

Buscando a superação dessa prática e olhar, nos últimos anos, tem

crescido a concepção de patrimônios culturais, sejam eles produzidos por

qualquer classe ou etnia, ou em qualquer espaço, como relevante herança e

legado de uma sociedade ou nação, bem como da necessidade e sério valor de

sua preservação e gestão. De um olhar obsoleto, antes destinado unicamente aos

grandes monumentos e edifícios históricos, onde ocorreram momentos

marcantes para a trajetória e consagração da nação, caminhou-se para uma nova

perspectiva, entendendo e observando os patrimônios culturais como um

conjunto de patrimônios tangíveis e intangíveis, de considerável significação

para a coletividade e para a memória.

28

Nessa busca da valorização dos bens de valor cultural e histórico, Le

Goff (2003) ressalta que é por meio da memória que se legitima tradições e

experiências passadas para a conquista de liberdades. O autor advoga que “a memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE GOFF, 2003, p. 477).

Segundo Oliveira (2008), o patrimônio tem a função de representar

simbolicamente a identidade e a memória de uma nação, representando uma

herança. Assim, o conceito de patrimônio cultural, em sua definição, engloba o

conjunto de bens, materiais e imateriais, móveis e imóveis, que, pelo seu valor

próprio, memorável, devam ser considerados de interesse relevante para a

permanência da cultura de um povo, de uma sociedade ou de uma nação.

Dentre os patrimônios culturais materiais encontram-se os bens

edificados, como igrejas e santuários, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens

individuais, como os mobiliários de determinada época. Segundo o Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

“o patrimônio material (...), com base em legislações específicas é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Eles estão divididos em bens imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e móveis como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos” (IPHAN, 2010).

Já os patrimônios culturais imateriais abrangem as representações,

celebrações, expressões, conhecimentos, fazeres e técnicas. Essa categoria,

recentemente preservada no Brasil, opõe-se ao chamado patrimônio edificado,

de pedra e cal, denominação dada por Gonçalves (1996), visando aos aspectos

29

da vida social e cultural não contemplados pelas concepções mais tradicionais de

patrimônio, que muitas vezes foram ignorados ou deixados de lado.

Dentre os patrimônios imateriais, pode-se destacar a literatura, a música,

o folclore, a linguagem e os costumes de um povo ou sociedade. Essa nova

categoria, o patrimônio imaterial ou bem intangível, como o próprio IPHAN

coloca,

“é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana” (IPHAN, 2010).

Em termos internacionais, a UNESCO (United Nations Educational,

Scientific and Cultural Organization), órgão da Organização das Nações Unidas,

ONU, criado em novembro de 1946, é a entidade responsável pela discussão e

orientação das políticas dos patrimônios culturais. Esse órgão busca promover o

respeito à diversidade cultural, o direito à cultura, inaugurando o diálogo

intercultural e um novo olhar sobre a preservação do patrimônio cultural no

mundo. Na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial,

realizada pela UNESCO em 2003, o patrimônio cultural imaterial é definido

como:

“práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural” (UNESCO, 2003, p. 02).

A UNESCO, ao definir no ano de 2003 o patrimônio imaterial como

objeto de instrumento normativo multilateral no campo da cultura, influenciou

políticas e práticas de preservação desse patrimônio em vários países no mundo.

Com a contemplação do patrimônio imaterial a gama de bens culturais

protegidos estava completa.

30

Enfim, as múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomias,

expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos passaram a ser

reconhecidos e valorizados pelas comunidades e organismos governamentais na

esfera local, estadual, nacional ou internacional na sua totalidade. No Brasil, o

IPHAN é o órgão que atua em parceria com os estados da federação e governos

municipais, formando-se uma rede interorganizacional (um espaço público

estatal) voltada para a preservação do patrimônio cultural.

Hoje fazem parte do rol de bens brasileiros de valorização internacional

diversos patrimônios culturais. Até a trigésima sessão do Comitê do Patrimônio

Mundial, realizada em julho de 2006, eram 17 os sítios ou conjuntos de sítios

brasileiros considerados Patrimônio da Humanidade. Alguns exemplos são o

complexo de áreas protegidas da Amazônia Central e o Pantanal (MS e MT), a

cidade de Ouro Preto (MG), o Centro Histórico de Diamantina (MG), o Centro

Histórico de Olinda (PE), o Centro Histórico de Salvador (BA), o Plano Piloto

de Brasília (DF), as Missões Jesuíticas Guarani, nas Ruínas de São Miguel das

Missões (RS), o Parque Nacional do Iguaçu (PR), o Santuário do Bom Jesus de

Matosinhos, em Congonhas (MG), entre outros.

De forma geral, compreender o que são patrimônios culturais e a atuação

e abrangência de orgãos nacionais e internacionais nessa área é algo complexo,

no entanto, de extrema importância. Fonseca (1997) coloca que a constituição de

patrimônios históricos e artísticos nacionais fortaleceu-se pela ação de

determinadas instituições e atores, bem como pelo valor que lhes são atribuídos

e pela sua fundamentação na comunicação social. Essas bases encontradas em

duas vertentes de bens culturais, o patrimônio material e o imaterial, inserido por

seu caráter inestimável, dão início a novos caminhos, de forma a ampliar as

vertentes de preservação e gestão desses elementos culturais no Brasil.

Como ressalta Starling (2009), ao longo do tempo, o conceito de

patrimônio passa por considerável evolução. Ampliou-se o escopo dos bens

31

culturais considerados de valor de preservação, respeitando-se cada vez mais a

diversidade das culturas, incentivando manifestações e iniciativas nesse campo.

Segundo a autora, essa evolução na tematização da questão está ancorada em

processos político-sociais, econômicos e territoriais dos países em processo de

globalização, complexificação e pluralização de suas sociedades. A ampliação

do escopo da política de patrimônio resultou também das consequências das

políticas de preservação adotadas que privilegiavam o patrimônio arquitetônico

e edificado, gerando uma dinâmica excludente dos seus benefícios.

Em resumo, nota-se que desponta na década de 1980 a ampliação do

conceito de patrimônio histórico e artístico para o conceito de patrimônio

cultural, bem como a emergência do conceito de bem cultural, estando

relacionado à valorização da diversidade da cultura brasileira. Segundo

Magalhães (1997) o conceito de bens culturais engloba três vertentes de bens: os

de valor histórico – essencialmente voltados para o passado; os de expressão

individual – obras que constituem o acervo artístico, como a música, o teatro, a

literatura, entre outros; e os do fazer popular – que estão inseridos na dinâmica

da vida cotidiana. De acordo com ele, o conceito de bem cultural extrapola a

dimensão elitista, entrando na faixa mais importante da compreensão como

manifestação geral de uma cultura.

Fenelon (1992) reforça essa concepção apontando que os bens culturais

de uma dada sociedade não são apenas aqueles tradicionalmente considerados

dignos de preservação, produzidos e definidos pelos vencedores ou dominadores

de cada época. Ao contrário, são os frutos de todos os saberes, todas as

memórias e/ou experiências humanas. A gama de bens culturais não contempla

apenas monumentos, bens isolados e descontextualizados, mas acima de tudo

testemunhos portadores de significação, passíveis de muitas leituras.

O termo bens culturais difere em alguns aspectos do conceito de

patrimônios culturais. O conceito de bens culturais tem por essência a amplitude.

32

Refere-se, primeiramente, a produtos ou realizações culturais típicos de uma

cidade, região, estado ou nação. O maracatu, por exemplo, é um bem cultural

pernambucano, como a capoeira é em todo o Brasil, ou o samba de roda de

Cachoeira é na Bahia, como a Igreja de São Francisco é em São João del-Rei.

Mas os bens culturais não são exclusivamente circunscritos a fenômenos

culturais ditos tradicionais, históricos, de longa duração. As telenovelas, por

exemplo, são bens culturais, como as músicas do Caetano Veloso, Villa-Lobos e

o funk carioca. Assim, o conceito de bens culturais é plural e somatório, sendo

de cunho antropológico, como o próprio termo cultura. Os bens culturais

chegam a englobar, inclusive, o patrimônio cultural ou histórico. A Igreja de São

Francisco, bem edificado, histórico, do município de São João del-Rei é, ao

mesmo tempo, bem cultural e patrimônio cultural.

Patrimônio cultural pressupõe a ação humana – através da sociedade

civil e/ou do Estado – no sentido de patrimonializar algo. Um bem cultural pode

ou não ter sido patrimonializado, ou ser passível de tombo. Somente nas últimas

décadas pensou-se em tombar bens culturais, como o acarajé, o samba de roda

do Recôncavo, o toque dos sinos, entre outros. Nem todo bem cultural é

considerado patrimônio cultural. É a sociedade que, historicamente, determina,

por múltiplos critérios, por que um casarão do século XIX deve ser tombado ou

patrimonializado, e uma vila operária não. O patrimônio pressupõe

institucionalização, um acordo de parte da sociedade em transformar certos bens

culturais, tidos como essenciais na formação de identidades nacionais ou

regionais, em exemplares que devem ser preservados pelo Estado.

No trabalho em questão, utilizaram-se os dois termos, patrimônio

cultural e bens culturais, pois os dois referem-se a elementos de valor para a

identidade e representação da sociedade e estão presentes nas elaborações e

discursos relativos às políticas públicas do município estudado. Em alguns

momentos será usado o termo bens culturais, por sua amplitude conceitual e por

33

englobar o patrimônio cultural. O termo bens culturais abrange todo o leque

cultural e a diversidade do município de São João del-Rei, que tem desde

monumentos históricos, como suas igrejas e casarios, até manifestações

folclóricas e religiosas, de singular importância para a região e até para o país

como um todo. Em outros momentos será usado o termo patrimônio cultural, por

sua formalidade e institucionalização com outras áreas. Destaca-se que sempre

será preservando os discursos dos atores entrevistados sobre tais questões.

2.3 As cartas patrimoniais

As cartas patrimoniais1 são um elemento importante na preservação e

gestão dos bens culturais no Brasil e no mundo como um todo. Elas são

responsáveis pela trajetória e direção assumida pelos países na compreensão e

definição dos seus elementos culturais.

As cartas patrimoniais são instrumentos políticos com o intuito de

orientar o uso e conservação do patrimônio. Destaca-se que essa orientação

iniciou-se no transcorrer do século XX, quando as cartas patrimoniais

apresentaram uma série de recomendações definidas por diversas entidades

internacionais, como o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios

(ICOMOS) e a UNESCO.

Segundo Salcedo (2007), as cartas patrimoniais têm como intuito

uniformizar os discursos do cuidado ao bem cultural. Cabe destacar, que de uma

1 Atualmente existe uma relação com todas as cartas patrimoniais no site do IPHAN. As cartas patrimoniais são documentos com recomendações e orientações conclusivas das reuniões relativas à proteção do patrimônio cultural, ocorridas em diversas épocas e partes do mundo. O conteúdo delas interessa a todos os que lidam na área patrimonial: proprietários e moradores de bens tombados, advogados, professores, estudantes, detentores do poder local nos sítios históricos, organizações governamentais ou não, e até mesmo meros curiosos.

34

forma geral, as cartas patrimoniais atendem a dois fundamentos norteadores:

apresentar uma filosofia de conservação e definir diretrizes para a prática da

conservação.

A primeira carta patrimonial surgiu em 1931, quando os países europeus

organizaram uma conferência sobre o tema e elaboraram um documento

internacional que trata de políticas de preservação do patrimônio, a Carta de

Atenas. Nessa carta discute-se a racionalização de procedimentos em arquitetura

e propõem-se normas e condutas em relação à preservação e conservação de

edificações, para garantirem a perpetuação das características históricas e

culturais nos monumentos a serem preservados.

Dentro do rol das cartas patrimoniais pode-se apontar como considerável

a Carta de Washington, elaborada em 1986, com o tema: Carta Internacional

para a Salvaguarda das Cidades Históricas. Nela é ressaltada a necessidade da

participação da população local para o sucesso da preservação (ICOMOS, 1986).

César e Stigliano (2010) apontam que outro marco relevante ocorre no

ano de 1999, quando o ICOMOS contribui com o reconhecimento da atividade

turística. Nesse ano é elaborada a Carta Internacional de Turismo Cultural, onde

são propostos princípios norteadores a respeito do turismo e do patrimônio.

Reforça-se o valor da atividade turística na conservação e como situação

econômica, de educação e de conscientização. Esse documento destaca, ainda, a

necessidade de inserção das comunidades locais como beneficiárias da atividade.

Em suma, as cartas patrimoniais são importante instrumento de

preservação dos bens culturais. Starling (2009) coloca que o vínculo entre

patrimônio cultural, processos identitários e memória, próprio de uma concepção

mais abrangente de patrimônio, vem acompanhando as discussões sobre

preservação ocorridas em âmbito internacional. Nesse contexto, as cartas

patrimoniais da UNESCO são relevantes pelo seu valor normativo e orientador

de políticas para os países membros.

35

“A Carta de Veneza de 1964 é um desses documentos que referenciam uma ampliação no conceito de patrimônio cultural. Ela recomenda uma mudança de critérios na seleção dos bens de interesse de conservação, que passam a abranger, não apenas as grandes criações, mas as obras modestas que, com o tempo, adquirem significado cultural. Com isso, a valorização cultural passa a recair sobre as idéias e imagens, e não apenas sobre as coisas. Esse é o início da preocupação com a preservação do patrimônio imaterial” (STARLING, 2009, p.143).

2.4 A Constituição de 1988 e os bens culturais

A Constituição de 1988 trouxe para o ordenamento jurídico nacional a

vanguarda dos conceitos internacionais de patrimônio cultural, ampliando a

gama de bens culturais passíveis de tombo e proteção, incluindo os bens

imateriais, de natureza intangível.

O Artigo 216 da Carta Magna delimita a abrangência do patrimônio

cultural, conforme transcrição abaixo: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I. as formas de expressão; II. os modos de criar, fazer e viver; III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (BRASIL, 1988).

O Artigo 216, em seu parágrafo 1º ainda coloca que

“o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 1988).

36

Outro acontecimento importante na trajetória política brasileira de

proteção e valorização dos bens culturais foi o movimento em direção à

descentralização, que também foi instituído com a promulgação da Constituição

Federal de 1988. A partir de então a Federação brasileira passa a ser composta

por uma tríade – União, Estados e os Municípios – estes últimos passam a ter o

mesmo nível de autonomia relativa dos outros membros federados.

A Constituição de 1988 enfoca as competências dos entes políticos da

federação, bem como destaca os papéis de distintos atores sociais. Ela determina

no Artigo 23 que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios proteger os documentos, as obras e outros bens de

valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais

notáveis e os sítios arqueológicos” (BRASIL, 1988).

Observa-se que ao longo dos anos 1980, recuperaram-se as bases do

Estado federativo brasileiro e os municípios conquistaram recursos e poder, por

meio do processo de democratização, sobretudo pelas eleições diretas e

descentralização fiscal. Nesse contexto destaca-se ainda a luta pelo fim de um

Estado autoritário que perdurou 21 anos e de seus mecanismos administrativos e

suas relações fortemente centralizadoras. Assim, essa trajetória fez a

descentralização tornar-se, para muitos, um caminho incontestável.

Em linhas gerais, a constituição aprovada em 5 de outubro de 1988

apresentava 245 artigos e 70 disposições transitórias, onde eram tratadas uma

gama de assuntos. Como coloca Silva (2000), foi a mais democrática

constituição brasileira, embasada na preocupação da contemplação dos

chamados direitos sociais. Na “Constituição Cidadã”, foram ampliadas as

políticas sociais e a municipalização, para que estas atuassem junto aos cidadãos

e suas necessidades.

Analisar os significados da descentralização e municipalização no Brasil

é algo extremante complexo, bem como entender as diferenças e semelhanças

37

entre os dois conceitos e práticas. Mas pode-se ressaltar que a descentralização

tem uma abrangência maior que a municipalização, visto que esta pode ser uma

das faces da descentralização e que as duas alteraram um cenário marcado por

vestígios decorrentes de longos períodos de regime autoritário.

Em resumo, apesar das transformações e da nova fundamentação dos

bens culturais e da visão do patrimônio como elemento importante na

preservação e legitimação da diversidade e identidade social e cultural no Brasil,

existem ainda inúmeros desafios à gestão e preservação do patrimônio cultural,

bem como uma dificuldade em conceder o exercício dos direitos culturais do

cidadão, reconhecidos na Constituião Federal de 1988, que se encontra

especificamente no Artigo 215: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício

dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e

incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais" (BRASIL,

1988).

2.5 O patrimônio cultural e o turismo

Além de abordar o conceito de bem cultural, de discorrer sobre a

relevância da orientação das cartas patrimoniais no âmbito internacional e da

construção de um ordenamento jurídico abrangente acerca do patrimônio no

Brasil, outra questão importante de se abarcar ao se tratar a questão do

patrimônio cultural é o turismo. Esse elemento não pode ser descurado.

O turismo é um fenômeno contemporâneo, fruto da sociedade capitalista

industrial. Ele surgiu quando o homem descobriu o prazer de viajar, de descobrir

novas realidades. A viagem turística tem um objeto espacial, de sair do cotidiano

e possibilitar o encontro com o novo, o diferente, com a diversidade,

proporcionando ao mesmo tempo o consumo e o conhecimento.

38

Segundo Coriolano (2006), foi durante o Renascimento que surgiu a

primeira referência ao nome turismo, através do grand tour, dos guias e demais

serviços turísticos. “O turismo do século XIX serviu para educar os viajantes das classes privilegiadas, que realizavam as viagens conhecidas como Grand Tour, por motivos culturais e educacionais e posteriormente agregando as práticas de lazer voltadas ao termalismo, balneários, cassinos e montanhismo. O conceito de turismo, embora tenha sido sistematizado no século XVII, na Inglaterra, somente no século XIX se instaurou como idéia moderna, com suas principais teorias datadas do pós Segunda Guerra Mundial. As invenções de Thomas Cook, em 1841, inseriram o turismo no mundo dos negócios, beneficiado cada vez mais pelas evoluções dos transportes, do comércio, dos serviços. O roteiro turístico, o “pacote”, o guia, a operadora, a reserva de hotéis, o voucher, o tour, - antecedente do cheque de viagem, - foram elementos do turismo instituídos a partir daquele ano. O turismo teve sua expansão nas sociedades industriais, na Modernidade do século XIX e XX” (CORIOLANO, 2006, p. 22).

Nota-se que o turismo é estudado como fenômeno que envolve

diferentes abordagens, destacando seu papel na reestruturação do setor

econômico e territorial. Enquanto atividade econômica, o turismo consiste em

demanda e oferta de serviços, tornando-se atividade essencial para o

desenvolvimento de cidades, regiões e até países.

Na atividade turística deve haver fundamentalmente lazer e

deslocamento, juntamente com a interação forte de outros elementos, pois

envolve os lugares, as pessoas, o mercado, o trabalho, o emprego e as políticas.

De forma geral, contudo, o turismo é uma abstração, o que existe são os lugares

e o que eles possuem transformados em atrativos turísticos naturais e culturais

pelas populações locais e viajantes.

Barretto (2007), em seu livro “Cultura e turismo: discussões

contemporâneas”, aborda o turismo como um fenômeno social, ligado ao âmbito

39

da cultura como forma dialógica. Destaca-se que os efeitos desse intercâmbio

são diferentes conforme os atores sociais, os lugares e as circunstâncias

históricas, que condicionam a relação entre visitantes e visitados. A autora ainda

trabalha com os benefícios do turismo cultural, bem como com questões

relacionadas ao patrimônio, identidade, autenticidade e tradição.

Bandeira (2010) discorre que os elementos patrimônio cultural e turismo

estão diretamente ligados. O turismo precisa do patrimônio cultural e dos bens

culturais, como parte de seu atrativo, como agentes estimulantes capazes de

fazerem as pessoas deslocarem-se de seu local de residência para outro, a fim de

conhecê-los ou contemplá-los. E, em função disso, o patrimônio cultural conta

com o turismo para fomentar sua divulgação e valorização, e estimular sua

manutenção e preservação, não só pelos turistas, mas também pela população

local.

Rodrigues (2005) ressalta que a atividade turística se desenvolveu sob o

impulso de motivações diversas, que incluem o consumo de bens culturais.

Segundo a mesma, o turismo cultural, tal qual se concebe, implica não apenas na

oferta de espetáculos ou eventos, mas também na existência e preservação de um

patrimônio cultural representados por museus, monumentos e locais históricos.

Starling (2009) aponta que na contemporaneidade existe uma tendência

mundial de tratar o patrimônio cultural e o turismo como faces da mesma

moeda. Isso não é de tudo negativo, pois cria uma dinâmica favorável à

preservação e divulgação de bens culturais, importantes para a sociedade como

um todo.

Assim, sabendo-se que o patrimônio e os bens culturais têm relação

direta com a identidade local, com a identidade social, ressalta-se que é preciso

primeiramente, conscientizar a sociedade, o habitante local sobre a importância

do patrimônio e dos bens culturais. Em segundo lugar esses elementos devem

tocar o visitante, eles devem ser respeitados e valorizados por estes. Em resumo,

40

o desenvolvimento da atividade turística pode fortalecer os laços da sociedade

com esses elementos.

2.6 O conceito de preservação e as relações de poder

Outra expressão sintética a ser destacada no estudo dos bens culturais é

o conceito de preservação. Da mesma forma que o significado de patrimônio

cultural foi ampliado, integrando os bens culturais, o significado de preservação

também foi estendido, englobando elementos antes não contemplados. Durante

grande parte da trajetória e gestão do patrimônio, a preservação e utilização dos

mesmos sempre estiveram ligadas a conceitos distintos.

Zanirato e Ribeiro (2006) colocam que as primeiras políticas de

preservação dos bens culturais começaram com o advento da Revolução

Francesa. Essas primeiras ações políticas tinham o intuito de proteger e

resguardar o patrimônio histórico e artístico, por meio da elaboração de

instrumentos jurídicos e técnicos para a salvaguarda. É nesse contexto que surge

a perspectiva de manter a salvo, de defender os bens ligados à cultura das

nações, bem como uma forma de operacionalização dessas políticas

preservacionistas.

Para compreender-se o significado do verbo preservar, é necessário ir

além das definições. Quando consultado em um dicionário, o verbo preservar

tem seu significado ligado a livrar de algum mal, manter livre do perigo ou dano,

resguardar, dentre outros sinônimos. Todavia a palavra em questão reserva uma

abrangência que sobrepõe a esses significados.

Preservar não é só guardar ou manter a salvo uma coisa, um objeto, uma

construção, seja de casas ou igrejas históricas. Preservar também é gravar

depoimentos, sons, músicas populares e eruditas de forma que se garanta a

41

compreensão da memória social, preservando o que for significativo dentro do

vasto repertório de elementos componentes dos bens culturais.

A literatura contemporânea (ABREU; CHAGAS, 2003; BOMEN; CHUVA, 1995; CHOAY, 2001; FONSECA, 1997; GONÇALVES, 1996) mostra que a preservação de um tecido urbano ou de um objeto deriva de um processo que tem como objetivo a preservação da memória social da comunidade, cristalizada ao longo do processo histórico no ambiente construído. Tal memória não diz respeito somente a estes elementos materiais, mas a outros tanto intangíveis, imateriais.

De acordo com Lemos (2006), para se preservar as características de uma sociedade, têm-se forçosamente que manter conservadas as suas condições mínimas de sobrevivência, todas elas implícitas no meio ambiente e no saber social.

Nota-se que o conceito de preservação, na contemporaneidade, contempla diversos elementos, ultrapassando seus significados explícitos. Nele está implícito que a preservação é feita para que a sociedade possa utilizar os bens protegidos, bem como atribuir sentidos a eles. Não se deve preservar um bem cultural para mantê-lo intocável ou inacessível, mas para fazer parte da vida social.

Outro elemento importante na preservação de bens culturais são as

relações de poder. Nesse cenário amplo e diversificado,

"[...] considerando a atividade de identificar referências e proteger bens culturais não apenas como um saber, mas também como um poder, caberia perguntar quem teria legitimidade para decidir quais são as referências mais significativas e o que deve ser preservado, sobretudo quando estão em jogo diferentes versões da identidade de um mesmo grupo" (FONSECA, 2003a, p.114).

Apontar o que nesses espaços temporalmente mapeados deve ser

assumido como bens patrimoniais a serem de algum modo, recriados,

recuperados e preservados é uma tarefa que envolve perspectivas e interesses

42

supostamente diferenciados, uma vez que eles eram, no passado, compartilhados

aí – especialmente em se tratando de espaços públicos e tradições urbanas – por

diferentes grupos sociais. Este aspecto, que tem a ver com o caráter seletivo da

preservação cultural, envolve, portanto, uma dimensão política que não pode ser

descurada.

Gilberto Velho (2006) destaca que as ações políticas de preservação do

patrimônio devem ser compreendidas em meio à negociação e ao conflito, em

meio às relações de poder, e coloca que,

“a cidade e o seu patrimônio trazem à tona essas questões de interesse para as teorias sociológica e antropológica. A heterogeneidade da sociedade complexa moderno-contemporânea, [...] aponta para as dificuldades e as limitações de uma ação pública responsável pela defesa e pela proteção de um patrimônio cuja escolha e definição implica necessariamente arbítrio e, em algum nível, exercício do poder. Voltamos à velha questão de saber se sempre há vencedores e perdedores, ou seja, em cada caso e situação é preciso estar atento para procurar avaliar os custos e os ganhos das decisões que são tomadas e dos valores que as sustentam” (VELHO, 2006, p. 246).

Por muito tempo, preservar traços de uma cultura esteve ligado quase

que unicamente a duas classes, a nobreza e a burguesia. Esta última classe da

sociedade nascida no outono da Idade Média europeia, que foi generalizada

como tipo-ideal, não conseguiu mascarar a ascendência de uma esfera pública

plebeia, que na Revolução Francesa despiu uma roupagem literária, emergindo

uma nova perspectiva, não mais as camadas cultas são os únicos sujeitos da

história, mas também a plebe ignorada (HABERMAS, 2003).

Funari e Pelegrini (2009) colocam que alguns estudiosos enfatizam que

o patrimônio moderno deriva do Antiquariado que, aliás, nunca deixou de

existir, mas, no entanto, a preocupação com o patrimônio rompe com as próprias

bases aristocráticas e privadas de colecionadores, resultando em uma

transformação da sociedade moderna. Surgiram assim, gradativamente,

43

possibilidades de uma ampla diversidade de âmbitos patrimoniais, para além do

nacional. Segundo os autores, essa multiplicação ocorreu em conjunto com a

crescente participação das próprias pessoas na gestão de bens patrimoniais,

culturais e ambientais, que deixaram de ser apenas preocupação da

administração pública.

Em resumo, nesse ambiente de proteção ainda existem relações

desiguais, relações de poder, onde o tradicional e o erudito muitas vezes

suplantam o popular, onde existem vencedores e vencidos, o dominante e o

dominado. No entanto, observa-se que essa concepção começou a ser alterada,

com a contemplação de novos elementos no âmbito preservacionista, chegando à

concepção abrangente de bens culturais.

2.7 A trajetória das políticas públicas de preservação dos bens culturais no

Brasil

A preservação de bens e patrimônio cultural no Brasil, por meio de uma

política federal, teve início no período do governo de Getúlio Vargas, criando-se

o primeiro órgão brasileiro direcionado para a preservação do patrimônio. A

Inspetoria de Monumentos Nacionais (IPM) foi criada em 1933, como uma

entidade vinculada e associada ao Museu Histórico Nacional. Essa entidade foi

regulamentada pelo Decreto n° 24.735, de 14 de julho de 1934, e tinha como

princípio proteger e impedir que objetos antigos, ligados à história nacional

fossem retirados do país em virtude do comércio de antiguidades, e que as

grandes edificações e monumentos, importantes na trajetória e formação do país,

fossem destruídos em reformas urbanas, nas ondas de modernização das cidades

que passava o Brasil da primeira metade do século XX. Foi nesse contexto que o

patrimônio histórico foi elevado a uma categoria jurídica.

44

No entanto, a IPM foi sucedida pelo Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional , criado em 13 de janeiro de 1937 e regulamentado pelo

Decreto Lei nº 25 no dia 30 de novembro do mesmo ano, poucos dias após o

golpe, que instituiu o Estado Novo, governo ditatorial de Getúlio Vargas. Sem

dúvida, este foi e é o principal órgão de proteção e preservação do patrimônio

histórico e do bem cultural no Brasil.

Como ressalta Fonseca (1997), percebendo que o assunto requeria uma

atuação abrangente, que compreendesse as edificações, e outras obras de arte,

em suma, que alcançasse todo o território nacional, o então ministro da Pasta da

Educação e Saúde, Gustavo Capanema, encomendou a Mário de Andrade, para

que o intelectual de trezentas facetas, apoiado em sua experiência no

Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo elaborasse um anteprojeto

sobre o assunto.

Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo em 1893, foi um

poeta, romancista, professor universitário e grande intelectual2 que participou

ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922. Dentre seus principais

trabalhos como escritor, destacam-se Paulicéia Desvairada, escrita em 1922 e

Macunaíma, escrito em 1928.

Dentro da trajetória política e histórica da criação do SPHAN, Mário de

Andrade foi sem dúvida um grande colaborador. Como coloca Fonseca (2001), o

2 Para Sirinelli (2003) existem duas definições possíveis de intelectuais: a sócio-cultural e a política. Na primeira, estão os chamados criadores e mediadores culturais, responsáveis pela produção, difusão e recepção da cultura (jornalistas, escritores, professores secundários e sábios em geral, capazes de estabelecer mediações com a sociedade). Na segunda categoria, estão os intelectuais assim definidos a partir da esfera política (determinados por seu engajamento político tanto pela participação direta como ator ou agente da política, como também pela participação indireta, como consciência de seu tempo). Observa-se que o intelectual Mário de Andrade se enquadra nas duas definições, a sócio-cultural e a política.

45

poeta e intelectual formulou uma base conceitual que privilegiava a diversidade

cultural do país, fugindo de critérios rígidos de atribuição de valor.

“Além disso, na consideração da prática de preservação como um serviço de interesse público a ser prestado à população, e não abstratamente à nação, Mário de Andrade se aproxima muito mais da sociedade do que do Estado ou dirigentes do SPHAN, pois consegue enxergar a dimensão pedagógica dessa tarefa [...]. Como fez literalmente em Macunaíma, construiu o anteprojeto e em suas pesquisas em uma imagem de Brasil plural, fragmentada, aberta e descentralizada, compatível com a realidade de que ele se aproximou em suas viagens etnográficas pelo país” (FONSECA, 2001, p. 99).

No texto do anteprojeto de Mário de Andrade, redigido em 1936,

definia-se o patrimônio como

“todas as obras de arte pura ou aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos e a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil” (LEMOS, 2006, p.38).

O anteprojeto estava embasado no objetivo de catalogar todas as

manifestações culturais da sociedade brasileira, sem discriminação de classes,

raças ou tipos de bens culturais. Abrangia desde edificações e artefatos até

elementos harmoniosos produzidos pelo homem, como a música, os costumes de

determinados grupos e o seu saber fazer, elemento único e muitas vezes pouco

valorizado e nunca antes alvos de políticas públicas.

Assim, o trabalho de Mário de Andrade, num esforço para abarcar tudo

o que diz respeito à produção artística e cultural brasileira, incluindo os eventos

de interesse da antropologia social, marca o começo dos debates efetivos e

fundamentados sobre a preservação do patrimônio cultural e artístico no Brasil.

Além de Mário de Andrade, outros intelectuais de grande destaque nacional

também trabalharam na criação do SPHAN, como Oswald de Andrade, Manoel

46

Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cândido Portinari, Tarsila do Amaral

e Lúcio Costa.

Segundo Gramsci (1989), os intelectuais são um grupo social autônomo,

independente da camada social em que gravitam, com uma função social de

porta-vozes dos grupos ligados ao mundo, servindo muitas vezes de

intermediários. Em resumo, muitos intelectuais e artistas, tiveram um papel de

mediadores e intérpretes dos anseios e institucionalizações políticas no âmbito

cultural no Brasil.

No entanto, o Decreto Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, que

legalizou o SPHAN, distanciou-se do projeto original e audacioso do intelectual

modernista, e definiu oficialmente o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

como sendo

“o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (LEMOS, 2006, p. 43).

Existiam diferenças dessa definição com a do anteprojeto. Cortes foram

feitos por Gustavo Capanema, que já previa que o campo de atuação do recém

órgão não conseguiria preservar uma gama extensa de bens culturais,

principalmente por empecilhos financeiros e políticos da época, por isso, houve

essa redução, deixando de lado um bem extremamente relevante, o patrimônio

imaterial.

Nesse contexto, um bem cultural só seria reconhecido e salvaguardado

depois de inscrito em seu respectivo livro de tombo. Segundo Santos (2001), a

inscrição, em um dos livros do tombo, de bens móveis ou imóveis, impede

legalmente que eles sejam destruídos ou desconfigurados. Sendo uma

prerrogativa do poder Executivo, o tombamento não implica desapropriação nem

47

determina o uso dos bens, mas sim a defesa do interesse público relativo à

preservação de valores culturais da nação brasileira.

O tombamento é uma das mais importantes ações para gestão e proteção

dos bens culturais, na medida em que promove a preservação. Porém a

preservação somente torna-se visível para todos quando um bem cultural

encontra-se em bom estado de conservação, propiciando sua plena utilização.

Outro elemento importante para o trabalho de catalogação e fiscalização

do patrimônio no Brasil é o inventário. A palavra inventário deriva do latim,

inventarium, que significa relação de bens deixados por alguém ou lista de

registro de bens contendo ou não uma enumeração detalhada ou minuciosa

destes. No contexto da preservação e catalogação, o inventário ampliou sua

essência num ideal de encontrar, descobrir e aprofundar. Fonseca (1997) faz

referência à importância da utilização da inventariação na preservação do

patrimônio cultural, relembrando que eles, os inventários, são instrumentos

utilizados para a proteção, gestão e conhecimento dos bens móveis e integrados.

O primeiro presidente do SPHAN foi o escritor e jornalista Rodrigo

Melo Franco de Andrade, que esteve à frente da instituição de 1937 a 1967,

quando se aposentou. De forma geral, nesse período, o IPHAN contribuiu para a

restauração e preservação da arquitetura e da arte barroca no Brasil, entre outras

atividades, perseguindo a idéia da construção de uma identidade brasileira.

No entanto, como coloca Chuva (2003), diante do longo trabalho de

defesa e preservação dos bens culturais que estava por se realizar para que a

nação brasileira se constituísse, nação em um sentido de consciência moral e

cultural, de pertencimento, Rodrigo Melo Franco considerava fundamental, ao

mesmo tempo, reafirmar uma herança europeia – portuguesa – e, em

contrapartida, negar uma possível herança indígena. “A posição que Rodrigo Melo Franco tomou nesse debate delinearia, ou melhor, daria propriamente uma forma ao pensamento que se consolidou no SPHAN, ao buscar, sem

48

regionalismos, constituir a fisionomia do Brasil que seria apresentada, no âmbito das relações internacionais que estabelecia, para garantir um pertencimento ao mundo das nações modernas” (CHUVA, 2003, p. 316).

Nota-se nesse processo um choque entre o tradicional e o moderno, entre

o hegemônico e o subalterno, bem como uma dificuldade em discernir o que é

típico de uma sociedade, ou o que uma política cultural deve favorecer. Segundo

Canclini (1997), o discurso de preservação sempre esteve associado à unidade e

à continuidade da nação como patrimônio tradicional, com espaços e bens

antigos que serviriam para tornar coesa a população, mesmo que essa história e

sociedade sejam híbridas. Foi nessa tradição, ou invenção da tradição, que se

fundamentou as escolha de Rodrigo de Melo Franco Andrade.

À frente do SPHAN, Rodrigo de Melo Franco Andrade buscou a

formação de uma cultura nacional. Segundo Hall (1999), a invenção das culturas

nacionais foi composta por instituições culturais, bem como por símbolos e

representações. Assim, uma cultura nacional seria um discurso, ou seja, um

modo de construir sentidos que influenciariam tanto nas ações quanto nas

concepções que cada um tem de si, que cada cidadão tem de si mesmo e da sua

nação, construindo assim identidades nacionais.

O IPHAN passou por inúmeras mudanças durante seus mais de 70 anos

de atuação. Em sua fundação, foi denominado Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN), em 1946 passou a chamar-se Diretoria do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), e em 1970 estabeleceu sua

última e atual nomenclatura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (IPHAN). Apesar das diversas nomenclaturas, a direção geral do órgão

mudou poucas vezes até a década de 1980. Depois de Rodrigo Melo Franco,

assumiu a presidência o arquiteto Renato de Azevedo Duarte Soeiro, que

permaneceu de 1967 a 1979, e depois foi sucedido pelo professor Aloísio

Magalhães, que foi diretor de 1979 a 1982.

49

Durante essas diretorias ou presidências, ocorreu a implantação de

vários programas como o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades

Históricas (PCH), criado em 1973; o Centro Nacional de Referência Cultural

(CNRC), criado em 1975 e abrangendo elementos de preservação e valorização

de bens imateriais; e a Fundação Pró-Memória, criada em 1979.

Na política federal de preservação no Brasil, Fonseca (1997) reconhece

dois períodos importantes e contrários, conflitantes. Primeiramente teve o

momento fundador, nas décadas de 1930 e 1940, e depois, o momento

renovador, nas décadas de 1970 e 1980. No primeiro período,

institucionalizador, prevaleceu a visão modernista, segundo o qual o patrimônio

deveria ser um retrato do Brasil, predominando uma cultura elitista. Foi liderado

por Rodrigo Melo Franco de Andrade e nele foi feito um esforço gigantesco na

preservação do patrimônio edificado e dos objetos de arte produzidos no

passado. Já no segundo período, encabeçado por Aloísio Magalhães, ressurge a

preocupação com a preservação das criações populares, com os bens de caráter

imaterial, intangível, resumindo-se em um trabalho de inspiração antropológica.

O Quadro 1 a seguir mostra as ênfases e diferenças dos dois presidentes

do IPHAN:

Quadro 1 Rodrigo de Mello Franco de Andrade X Aloísio Magalhães

Rodrigo de Mello Franco de Andrade

Aloísio Magalhães

Retórica da pedra Retórica da pedra + risco de homogeneização

Ênfase no passado, na tradição histórica e artística

Diversos passados, ênfase no presente, ligado ao futuro, ao desenvolvimento

Bens patrimoniais Bens culturais Herança = monumentos ameaçados Objetos, espaços e atividades

transitórios

50

Monumentalidade Cotidiano Patrimônio: “pedra e cal” Patrimônio imaterial: lugares, festas,

saberes Tombamento Registro Fonte: OLIVEIRA, 2008, p. 131.

Cabe ressaltar que nesse último momento, sob a direção de Aloísio

Magalhães, começa-se a buscar a participação da sociedade no processo de

identificação e proteção do patrimônio cultural. Surge a discussão sobre a

importância de elementos pertencentes a diversas classes sociais ou etnias, bem

como um novo olhar sobre a diversidade desses elementos. Em suma, nasce a

perspectiva do patrimônio ou bem cultural como forma de comunicação social.

Na trajetória, um momento de valor foi a criação do Ministério da

Cultura em 15 de março de 1985, durante o governo de José Sarney. O

Ministério da Cultura foi instituído pelo Decreto nº 91.144. Antes as atribuições

desta pasta eram elaboradas e executadas pelo Ministério da Educação.

Atualmente, existem diversas instituições vinculadas ao Ministério da Cultura

como: o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Fundação Casa de Rui Barbosa

(FCRB), a Fundação Cultural Palmares (FCP), a Fundação Nacional de Arte

(Funarte) e a Fundação Biblioteca Nacional (BN).

Outro marco histórico importante dessa trajetória foi o estabelecimento

do Decreto 3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu e concretizou o Registro

e o Inventário do patrimônio ou bem cultural de caráter imaterial ou intangível.

Depois de décadas de atraso, pois a preservação deste tipo de bem ou patrimônio

cultural já estava presente no anteprojeto para criação do SPHAN elaborado pelo

escritor paulista Mário de Andrade, concretizou-se a diversificação e total

abrangência de bens de relevância para a identidade nacional e para a

manutenção de espaços públicos e sociais.

51

Na legislação essa questão parecia resolvida, a preservação abrangia

toda a diversidade de bens culturais, mas na prática, sua interpretação está

sujeita à subjetividade de processos decisórios, bem como está relacionada às

questões de classes. Como ressalta Canclini (1997), o popular nessa história

sempre foi o excluído. Segundo o mesmo, a complexidade cultural em países da

América-latina, bem como sua heterogeneidade, dificultou e de certa forma

ainda dificulta a preservação e gestão desses bens, onde atuam poderes oblíquos.

Nota-se que a trajetória das políticas públicas de preservação dos bens

culturais no Brasil tem característica bastante centralizadora, salvaguardando

bens de caráter tradicional e material. Essa característica perdura até a década de

1980, quando foi promulgada a Constituição de 1988, que descentraliza a gestão

de bens culturais. Nessa Constituição foi ampliado o conceito de patrimônio

histórico e artístico para de patrimônio cultural, incorporando as manifestações

de natureza imaterial, intangíveis, como passíveis de tombo. Tradições e

manifestações culturais popular tornaram-se passíveis de tombo, de

reconhecimento como elementos fundamentais da sociedade.

Outra mudança significativa nesse sentido foi a descentralização

política, em que os municípios passaram a ser responsáveis pela política de

preservação e disseminação da cultura nacional, regional e local. Segundo

Fonseca (1997), as transformações ocorridas “nas décadas de 70 e 80, se devidamente incorporadas a propostas atuais para uma política federal de preservação, certamente contribuirão para uma reelaborarão dos princípios, dos critérios e dos procedimentos que têm norteado a produção, a proteção e a promoção do patrimônio cultural brasileiro. E, quem sabe, contribuírem também para que a prática já consolidada da preservação de bens culturais seja democratizada, no sentido de ser efetivamente apropriada, enquanto produção simbólica e enquanto prática política, pelos diferentes grupos que integram a sociedade brasileira” (FONSECA, 1997, p. 260-261).

52

Por fim, dentro dessas relações de poder e espaço, inseridas nas

discussões e na preservação dos bens culturais, nota-se, que no Brasil, apenas

recentemente, em 2004, começou-se a discutir nos estados e municípios a

ampliação da participação social na construção das políticas públicas culturais,

dando um primeiro passo a uma nova forma de gestão, fundamentada na

participação da sociedade. Diversos atores foram colocados como protagonistas

e suas histórias começam a ser contadas e preservadas.

Diante dessas constatações, Guimarães (2007) discute as possibilidades

da construção do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que contribuirá na

alteração dos conceitos de políticas públicas e participação social no campo

cultural no Brasil. O objetivo do SNC é implementar uma política pública de

cultura democrática e permanente, pactuada entre os entes da federação, e com a

participação da sociedade civil, de modo a estabelecer e efetivar o Plano

Nacional de Cultura, promovendo desenvolvimento com pleno exercício dos

direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional.

O potencial transformador existente no discurso do SNC encontra-se na

ruptura com as políticas que o antecederam, encerrando a visão de políticas

públicas culturais dominantes na década de 1990 e em quase absolutamente

todos os períodos passados. As propostas básicas contidas no Sistema3 é a

ampliação da participação social, a inclusão de novos atores sociais na discussão

sobre as políticas, e, através disso, institucionalizar uma nova forma de preservar

os bens culturais e, consequentemente, os espaços públicos.

2.8 A complexidade da gestão de políticas públicas de bens culturais

3 Existem outras políticas, programas e ações que embasam a criação e atuação do SNC. Seu site é: http:<//www.cultura.gov.br/site/categoria/politicas/gestao-cultural/sistema-nacional-de-cultura/>. Acesso em: 15 jan. 2011.

53

Na contemporaneidade, a discussão sobre o papel do Estado na cultura

deve ser feita em cada país ou até mesmo em diferentes regiões dentro de um

mesmo país, de diferentes formas. Cada nação, país ou região tem sua própria

história e práticas culturais peculiares. No caso do Brasil, onde a diversidade

interna é um dos traços mais fortes e nítidos da cultura, visto que as origens da

sociedade estão ligadas a contribuições de populações indígenas, africanas e

europeias, as estratégias de gestão pública necessitam ser pensadas tanto como

diretrizes gerais nacionais, quanto em termos de ações regionalizadas.

Sérgio Buarque de Hollanda (1997), em seu clássico livro “Raízes do

Brasil”, trata da formação histórica e cultural do Brasil. Ele aborda as origens da

sociedade brasileira através de uma perspectiva sociológica e psicológica com

um objetivo político, que busca entender a construção da identidade nacional.

Holanda considera o elemento lusitano como predominante na formação cultural

brasileira. Segundo ele, mesmo onde há mistura, esta teria sido devida mais a

uma habilidade, plasticidade social portuguesa, capaz de adaptar-se a novos

costumes. De forma geral, a seu ver, toda a associação se deu com o predomínio

e precedência dos colonizadores portugueses.

Tratar a questão da cultura no campo da gestão pública requer a atenção

para alguns pressupostos. Nem sempre perspectivas como a de se preservar o

bem coletivo, pertencente a todos, seja ele de que classe for ou representar, bem

como o de observar a interferência das práticas culturais enraizadas nas ações

sociais, foram levadas a cabo. Muito se foi perdido na trajetória de preservação

de bens culturais, principalmente os elementos que não representavam as elites

ou as classes dominantes. De forma geral, hoje a realidade busca atender esses

pressupostos, contemplando a inclusão e o fomento à cultura em sua dimensão

antropológica, não é de responsabilidade específica de um setor governamental,

deve estar nas diretrizes globais de governo, integrada com o conjunto das áreas

de atuação do Estado.

54

De acordo com Lemos (2006),

“essa questão da memória social, tão dependente da preservação sistemática de segmentos do patrimônio cultural, tem sido tratada com seriedade somente agora nos tempos recentes, a partir dos primeiros movimentos europeus da segunda metade do século XIX. Antes, só manifestações isoladas de estudiosos e colecionadores que, aos poucos, foram envolvendo e interessando as comunidades e os seus próprios governos, levando-os a, oficialmente promover a preservação dos chamados Patrimônios Históricos e Artísticos” (LEMOS, 2006, p.22).

Quanto à questão da preservação do patrimônio, Simão (2006) afirma

que: “o papel da preservação do patrimônio cultural nacional extrapola, hoje, os limites da história e da memória, uma vez que começa a cumprir o papel econômico e social. Assim, pesquisar sobre a preservação cultural e compreendê-la implica em desvendar não somente as características culturais, mas, sobretudo, em avaliar as possibilidades de ampliar o leque de atividades econômicas dos núcleos urbanos possuidores de acervo cultural” (SIMÃO, 2006, p.17).

Nesse sentido, o bem cultural deve ser entendido enquanto uma

categoria existente em todas as sociedades ou como um elemento formador das

comunidades, chegando a ser confundido com a autoconsciência cultural, que se

torna um recurso para as comunidades, para os sujeitos sociais, recurso esse que

pode ser usado para o desenvolvimento comunitário e para a melhoria da

qualidade de vida.

O patrimônio construído é a acumulação de esforços herdados por uma

sociedade, que expressa seu desenvolvimento habitacional, social e a capacidade

de investimento da comunidade através do tempo. Esse patrimônio é um capital

concentrado, em seu estado bruto, cujas possibilidades de aproveitamento

através de operações de reabilitação, reciclagem e reutilização não deve ser

55

deixado de lado, pelo seu valor cultural, social e também econômico

(GUTIÉRREZ, 1992).

Com relação às políticas de bens culturais, Coelho (1997) as classifica

como: 1 - patrimonialistas, buscando a preservação, fomento e difusão de

tradições culturais supostamente autóctones, ligadas às origens do país, ao

patrimônio histórico e artístico; 2 - criacionistas, promovendo a produção,

distribuição e uso de novos valores e obras culturais, em geral privilegiando as

formas culturais próprias das classes médias ou das elites. De forma geral, o

autor aborda a dinâmica cultural e ao mesmo tempo abre espaço para considerá-

la sob a ótica dos estudos do imaginário.

Já Canclini (1997), em seu célebre livro “Culturas Híbridas”, classifica

as gestões culturais bem como os modelos ideológicos que embasam a

elaboração de políticas no campo da cultura. Segundo o autor as gestões

culturais podem ser tradicionalistas ou tradicionais, promovendo as práticas

culturais nacionais e populares autênticas a serem preservadas da

industrialização, da massificação urbana e das influências estrangeiras e

culturais modernizadoras, partindo de uma concepção de arte pela arte, sem

fronteiras territoriais, confiando na experimentação e na inovação.

Acerca dos modelos ideológicos de elaboração de políticas, são

destacados três: 1 – política de dirigismo cultural, podendo ter como base a

cultura popular ou não; 2 – política de liberalismo cultural, que não defende

modelos únicos de representação simbólica nem entende, necessariamente, que é

dever do Estado promover a cultura; 3 – políticas de democratização cultural,

baseadas no princípio de que a cultura é uma força social de interesse coletivo

que não pode ficar à mercê das disposições do mercado, devendo ser apoiada em

princípios consensuais (CANCLINI, 1997).

É neste último princípio ideológico, políticas de democratização

cultural, que o Brasil está buscando embasar sua política de preservação. Em

56

tese, a base dessa gestão deve ser o reconhecimento cultural dos distintos

agentes sociais, levando a criação de canais de participação democrática. Um

dos grandes desafios da gestão pública da cultura e da avaliação das ações

implementadas diz respeito à relatividade de seus objetivos e à multiplicidade de

efeitos buscados ou por ela alcançados. As ações públicas têm que ter

fundamentos, uma coerência entre o que se diz buscar e o que se faz de concreto

para tanto.

Em resumo, além da complexidade inerente à gestão pública de bens

culturais, da diversidade e regionalização das realidades, torna-se necessário

ressaltar também a complexidade e as mudanças da esfera pública, bem como

sua formação. É relevante ainda compreender a gestão pública, a perspectiva da

descentralização e a inclusão de novos atores e processos convivendo com

práticas patrimonialistas, elitistas e pouco democráticas, que marcam a história

brasileira.

2.9 A esfera pública

Habermas (2003), dentro da discussão contemporânea acerca da esfera

pública, tenta elucidar os significados dos conceitos “público” e “esfera

pública”. Segundo o autor, “chamamos de públicos certos eventos quando eles,

em contraposição às sociedades fechadas, são acessíveis a qualquer um – assim

como falamos de locais públicos ou de casas públicas” (HABERMAS, 2003, p.

14).

O conceito de esfera pública é muitas vezes utilizado para ilustrar

espaços simbólicos de opinião pública, aonde essa opinião muitas vezes vai

contra a opinião do poder público. Habermas (2003) faz referências a duas

tradições para demonstrar a proveniência da esfera pública: a grega, para a qual

a esfera pública é o espaço de discussão da polis - base de democracia ateniense;

57

e a romana, para designar as atribuições do senado e do império e os assuntos e

bens da res publica.

Os gregos viam a esfera pública como um espaço de liberdade, onde

podiam expressar seus pensamentos e vontades e, assim, dar continuidade aos

seus anseios. Para eles “só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue

aparecer, tudo se torna visível a todos” (HABERMAS, 1997, p. 16). Para

Habermas (2003) a esfera pública foi o espaço que a sociedade burguesa utilizou

para se desenvolver, apesar de muito antes desse período já se falar em

“público”, daquilo que não é “privado”.

Nos séculos XVII e XVIII, cafés e salões surgem como sendo espaços

utilizados por ingleses, franceses e alemães para a discussão livre de assuntos de

interesse coletivo, onde conversavam em pé de igualdade, como sujeitos livres e

autônomos. Esses espaços foram utilizados para substituir a representatividade

pública das cortes por instituições de esfera pública burguesa, onde pessoas

privadas discutiam assuntos de interesse coletivo. Eram nesses espaços que

emergiam, também, a crítica literária, locais nos quais a literatura tinha de se

legitimar, em que a intelectualidade se encontrava com a aristocracia. Porém,

esses salões e cafés eram frequentados por um público restrito e caracterizado

por uma elite.

Habermas (2003) afirma que “não se deve crer que a concepção de público que implica a igualdade do simplesmente “meramente humano” tenha sido efetivada com os salões, cafés e associações, mas com eles foi institucionalizada enquanto idéia e, dessa forma, colocada como reivindicação [...]” (HABERMAS, 2003, p. 52).

Pode-se assim, caracterizar a esfera pública como sendo o espaço onde o

público pode-se representar socialmente. Seria o espaço do domínio daquilo que

58

se pode falar sem reservas, uma arena pública e lócus de discussão e interação

social.

“A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões, nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos” (HABERMAS, 1997, p. 92).

Para Wilson Gomes (2006) o conceito habermasiano de esfera pública se

remete a uma condição de vida social, na qual as pessoas podem discutir sobre

suas ideias próprias de forma aberta, acessível e opondo-se àquilo que é ocluso e

fechado. A esfera pública é caracterizada então como sendo palco para

discussões, debates e questões sociais que são trazidos à tona por indivíduos ou

coletividades, minorias ou maiorias, atores ou espectadores.

“Em sociedades complexas, a esfera pública forma uma estrutura intermediária entre o sistema político, de um lado, e os setores privados do mundo da vida e sistemas de ação especializados em termos de funções, de outro lado. Ela representa uma rede super-complexa que se ramifica especialmente num cem número de arenas internacionais, nacionais, regionais, comunais e subculturais, que se sobrepõem umas às outras; essa rede se articula objetivamente de acordo com os pontos de vista funcionais, temas, círculos políticos, assumindo a forma de esferas públicas mais ou menos especializadas, [...]” (HABERMAS, 1997, p. 107).

Trata-se, então, de uma discussão pública de forma amigável de vários

tipos de interesses construída por diversos públicos que se organizam em torno

de temas de interesse comum, ou seja, interesses culturais, políticos e sociais.

Para John Thompson (1995), Habermas evidencia a “idéia de uma esfera pública

como uma comunidade de indivíduos que estão unidos por sua participação num

debate racional-crítico” (THOMPSON, 1995, p. 150).

Para uma compreensão ainda maior do conceito de esfera pública,

podemos citar ainda Patrick Charaudeau (2003), o qual menciona que

59

“el espacio público no es algo único, no es un hecho ni un punto de partida. Resulta de la conjunción de las práticas sociales y las representaciones. Las primeras constituyen el motor de las segundas, y estas dan a aquellas su razón de ser al atribuirles valores que tienden a refirmarlas o modificarlas. Esta interacción diatectica construye un espacio público plural e móvil” (CHARAUDEAU, 2003, p. 132).

No Brasil a transformação dos espaços públicos é analisada a partir do

período da Independência e do início da construção do Estado nacional

brasileiro, que representou a principal mudança nas relações socioeconômicas.

Segundo Morel (2005), nesse período a expressão esfera pública era

polissêmica, surgindo juntamente com a noção de opinião pública, com destaque

para a atuação da impressa. A noção de espaço público no trabalho de Morel

(2005) apresenta três possibilidades: a cena ou a esfera pública, onde interagem

diferentes atores, e que não se confunde com o Estado; a esfera literária e

cultural, que não é isolada do restante da sociedade e resulta da expressão letrada

ou oral de diversos agentes históricos; e os espaços físicos ou locais, onde se

configuram estas cenas e esferas.

De forma geral, pode-se concluir que o conceito de esfera pública

pressupõe igualdade de direitos individuais (sociais, políticos e civis) e

discussão, sem violência ou qualquer outro tipo de coação, de problemas por

meio da autoridade negociada entre os participantes do debate. A esfera pública

é o espaço onde a soberania do povo, em sociedades complexas, passa a ser

entendida como um processo prático de argumentação, fruto da interceptação e

sobreposição de discursos, ou seja, é o espaço intersubjetivo, comunicativo, no

qual as pessoas tematizam as suas inquietações por meio do entendimento

mútuo.

Embasada nas perspectivas apresentadas até o momento sobre o

conceito de esfera pública, salienta-se que a mesma tem grande importância

enquanto local de interação social, sendo assim lugar primordial para a

60

realização da gestão pública e construção e preservação dos bens culturais de

relevância para um determinado povo ou sociedade. É na esfera pública que as

práticas e representações de uma sociedade ganham significados e representam

um determinado período histórico.

2.10 Gestão Pública

O termo gestão pública ou administração pública é bem conhecido, mas

muitas vezes tão incompreendido na sua real essência ou fundamentação. De

forma genérica a gestão pública é o conjunto de órgãos, serviços e agentes do

Estado, seja ele em qualquer esfera (municipal, estadual ou federal), que

asseguram a satisfação das necessidades coletivas variadas, tais como a

segurança, a cultura, a saúde e o bem estar da sociedade como um todo.

Os escorços conceituais sobre o Estado e a gestão ou administração

pública andam juntos, onde um busca complementar o outro. No Dicionário

Aurélio da Língua Portuguesa (Ferreira, 2009), a palavras administração aparece

como: “1 - ação de administrar, de dirigir os negócios públicos ou privados, de

gerir bens; 2 - governo, gestão dos negócios públicos; 3 - corpo administrativo

que tem a seu cargo a administração pública: a administração do Estado”

(FERREIRA, 2009). Já o adjetivo público aparece como: “1 - que se refere ao

povo em geral: interesse público; 2 - relativo ao governo de um país: negócios

públicos; 3 - manifesto, conhecido por todos: rumor público; 4 - a que todas as

pessoas podem comparecer: reunião pública” (FERREIRA, 2009).

Como aponta Tenório (2007), esses dois termos são prolixos e têm

origem em períodos diferentes, mas têm certas características essenciais. Ele

conclui em poucas palavras, “que a função da administração pública é atender,

sem discriminação, às pessoas que habitam um país ou quaisquer de suas

subdivisões” (TENÓRIO, 2007, p.111). Sendo assim, a administração ou gestão

61

pública não é só a arte ou a ciência da gerência aplicada aos negócios do Estado,

mas também é a representação do interesse expressado coletivamente, livre de

preconceitos e privações.

Segundo Ceneviva (2010), a administração pública é o conjunto de

órgãos ou entidades do Estado encarregado de exercer, em razão do bem

comum, do bem da sociedade, funções previstas na Constituição e nas leis de um

país.

Matias-Pereira (2008) coloca que o intuito da gestão pública é o de

viabilizar e garantir direitos, de ofertar serviços e distribuir recursos. Segundo o

mesmo, a ação do Estado geralmente tem como base o apoio de uma estrutura

pesada, burocrática, que limita a mesma muitas vezes de responder

adequadamente às demandas e aos desafios da modernidade, como a promoção

da pessoa humana e seu desenvolvimento integral em liberdade.

Já Paula (2005) em seu livro “Por uma nova administração pública”,

trata das raízes da nova administração pública, analisando a emergência e a

consolidação desta. Segundo a autora, a crise do nacional desenvolvimento e as

críticas ao paternalismo e autoritarismo do Estado brasileiro, elementos esses

presentes na história da administração pública brasileira, estimularam a adoção

de um consenso político de caráter liberal e a reforma da administração pública,

a reforma gerencial.

Sendo assim, a noção de administração ou gestão pública também se

alterou após a redemocratização e as conquistas constitucionais. Começou a

circular a premissa de que a organização pública existe para servir ao indivíduo,

a sua demanda. Apesar dos progressos, ocorreram limitações na nova

administração pública, pois muitas mudanças esbarraram em fortes fatores

históricos e culturais do país.

Motta (2007) advoga que a administração pública brasileira ainda

carrega tradições seculares de características semifeudais e age como um

62

instrumento de manutenção do poder tradicional. Apesar do progresso em

muitas instâncias de governo, as formas de ação obedecem menos a razões

técnico-racionais e mais a critérios de loteamento político, para manter coalizões

de poder e atender os objetivos de grupos preferenciais. Resumidamente ele

coloca que em países em desenvolvimento, com experiências similares à

brasileira, é necessário construir novos espaços, regras e estruturas políticas que

repartam e unam novos recursos de poder para garantir a representação de novos

grupos sociais.

De uma maneira geral, falar de administração ou gestão pública no

Brasil requer diversas orientações e entendimentos, bem como a compreensão de

que a cultura brasileira é elemento primordial nesse cenário ou discussão.

Segundo Faoro (2001), foi no período de colonização que o país começou a

desenvolver suas raízes culturais e políticas. Ter sido colonizado por Portugal,

um estado absolutista, deu origem a males profundos na estrutura administrativa

do Brasil, como a corrupção e a burocracia. O clientelismo, as dificuldades em

separar o patrimônio público dos bens privados, os obstáculos para a construção

de um Estado Moderno, baseado nos preceitos legais, são algumas

características da realidade histórica do Brasil. De acordo com o autor, toda a

estrutura patrimonialista foi trazida para o país, enraizando-se na economia

política e influnciando até hoje as práticas do setor.

No que diz repeito a gestão pública da cultura, ou do patrimônio

histórico, Simões et al (2010) ressalta que nessa gestão também é necessário

analisar o contexto e as peculiaridades brasileiras. De acordo com os atores, nos

últimos anos, a área da cultura tem sido espaço para iniciativas que, de alguma

forma, tentam romper com as já consolidadas e problemáticas formas de

relacionamento entre Estado, mercado e sociedade. Novas esferas de discussão

estão sendo criadas. Novos paradigmas orientadores de políticas culturais

embasados na pluralidade tentam ser implementados.

63

2.11 Descentralização

Além da análise da gestão pública, de seu conceito e orientações no país,

cabe também abordar a questão da descentralização. Foi a Constituição de 1988

que introduziu os princípios da descentralização na gestão e implementação das

políticas públicas no Brasil. No entanto, a substituição do paradigma da

centralização para o de descentralização praticamente ocorreu em todo o mundo

nos últimos 20 anos. Esse processo teve início no final da década de 1970 com

os projetos neoliberais de Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Tatcher, na

Inglaterra.

Enquanto conceito, o termo descentralização, significa um sistema

oposto à acumulação dos poderes no governo central, ao centralismo. O termo

descentralização é bastante utilizado nos discursos, pronunciamentos e

argumentações de políticos, administradores e cientistas e até mesmo para

justificar a implementação de determinadas políticas públicas. Todavia, é

preciso situar a discussão atual sobre a descentralização no marco de um

processo que não começou na contemporaneidade e que tem uma

fundamentação complexa.

A análise da história do Brasil mostra a constante dicotomia e

alternância entre o federalismo e a centralização. O Brasil passou por ciclos de

diferentes “federalismos”, na qual a essência propriamente de uma federação

não esteve presente. De forma geral, o federalismo no Brasil segue

estruturalmente o modelo dos Estados Unidos. Entretanto, segundo Abrucio

(1998), o federalismo brasileiro formou-se por motivos opostos aos que

orientaram a formação da federação estadunidense. Enquanto nos Estados

Unidos o modelo surgiu porque diferentes unidades queriam ser guiadas por

uma autoridade política comum, as inclinações federalistas no Brasil tinham por

64

finalidade ganhar autonomia de um Governo Central já estabelecido durante o

governo de Dom Pedro II.

São várias e distintas as forças impulsoras do debate e do processo de

descentralização no país. Historicamente, a primeira força a se manifestar

decorreu da crise financeira do setor público federal, instalada a partir da

segunda metade da década de 1970, com o fim do Milagre Econômico. Dado o

centralismo então existente, os estados e municípios passaram a bradar por

maior descentralização tributária, financeira e decisória, quando a União não

mais tinha condições de repassar os recursos necessários ao financiamento dos

programas e projetos executados por aquelas esferas de governo.

Segundo Arretche (1999),

“ao longo dos anos 80, recuperaram-se as bases do Estado federativo no Brasil. A democratização – particularmente, a retomada de eleições diretas para todos os níveis de governo – e a descentralização fiscal da Constituição de 1988 alteraram profundamente a natureza das relações intergovernamentais. A autoridade política de governadores e prefeitos não deriva do governo central, mas do voto popular direto. Paralelamente, estes últimos também expandiram expressivamente sua autoridade sobre recursos fiscais – uma vez que se ampliou a parcela dos tributos federais que é automaticamente transferida aos governos subnacionais –, assim como passaram a ter autoridade tributária sobre impostos de significativa importância. Em suma, no Brasil pós-1988, a autoridade política de cada nível de governo é soberana e independente das demais. Diferentemente de outros países, os municípios brasileiros foram declarados entes federativos autônomos, o que implica que um prefeito é autoridade soberana em sua circunscrição” (ARRETCHE, 1999, p.114).

Nesse contexto de descentralização também surgiu a leitura neoliberal e

conservadora que entende esse processo como transferência de atribuições, de

forma a garantir eficiência e eficácia. A vertente neoliberal prega o Estado

mínimo, com o deslocamento para a coletividade local de parte dos custos e da

produção da melhoria da qualidade de vida dos municípios ou até mesmo do

65

combate à pobreza. Após essa transição pode-se dizer que ocorreu um

reposicionamento de diversos atores sociais. Novos papéis foram atribuídos aos

estados e principalmente aos municípios.

Existe outra compreensão e intenção política presente na aposta e

reforço ao processo de descentralização. É aquela orientada para a distribuição

do poder, por uma democratização dos negócios públicos, pelo compromisso

com a maior equidade no acesso e usufruto dos serviços emanados das políticas

públicas, pelo fortalecimento e maior participação da sociedade civil. Pinho e

Santana (2002) colocam que a transferência de problemas e poder de decisão

para o nível municipal mostram que esta esfera seria habilitada para a resolução

dos mesmos, visto que a sociedade está mais próxima dessa instância, como

também das soluções, podendo acompanhar e se interar de todo o processo.

De forma geral, a autonomia política e fiscal que os governos estaduais e

municipais conquistaram, através do processo de descentralização e

federalização no país, permitiu com que estes novos atores no cenário nacional

adotem uma agenda própria, independente da agenda do Executivo federal. As

relações verticais na federação brasileira – do governo federal com Estados e

municípios e dos governos estaduais com seus respectivos municípios – são

caracterizadas pela independência, pois Estados e municípios são entes

federativos autônomos.

Em tese, a descentralização e a participação são também percebidas

como elementos fundamentais de reorientação das políticas, sejam elas em

qualquer âmbito, do social ao cultural, voltadas a garantir equidade e inclusão de

novos segmentos da população na esfera do atendimento estatal.

Dentro do processo de descentralização ocorreu também a municipalização.

Deslocou-se para o município grande parte da arena decisória e gestora dos

direitos dos cidadãos. Ele tornou-se um dos protagonistas da administração

66

pública brasileira e esta mudança foi extremamente importante para o início da

participação social.

No entanto, como ressaltam Mafra e Naves (2009), “a descentralização ganha força com a idéia de que é preciso conferir mais poder àqueles que estão perto dos cidadãos e de suas necessidades, mas, pode-se dizer que tal processo colocou em evidência tanto as possibilidades e oportunidades existentes neste espaço como os problemas, conflitos e obstáculos que se construíram com base nas especificidades locais ao longo da história e da formação da cultura política local” (MAFRA; NAVES, 2009, p.36).

De forma geral, é importante não perceber a municipalização no Brasil

como um avanço já consolidado na distribuição democrática de serviços

públicos. A heterogeneidade de municípios num país de tamanho continental, as

desigualdades regionais, a ausência de competências locais, a presença ainda

enraizada de oligarquias e nepotismos são alguns dos tantos desafios para uma

municipalização afirmativa que contemple seu importante papel.

67

3 METODOLOGIA

A finalidade desta seção é elencar e descrever os procedimentos

adotados na obtenção das informações que permitiram que os objetivos da

pesquisa fossem atingidos.

A seção está dividida em quatro partes. Primeiramente, aborda-se a

característica ou natureza da pesquisa, bem como seus fundamentos. Na segunda

parte são apresentados o modelo teórico da pesquisa e a descrição do município

pesquisado, São João del-Rei. A terceira parte aborda as técnicas de pesquisa.

Por último, a quarta parte descreve os sujeitos de pesquisa.

3.1 Característica da pesquisa

O presente trabalho tem como intuito principal interpretar ou

dimensionar fenômenos sociais contemporâneos, através da obtenção de dados

descritivos. Busca-se descobrir a natureza e profundidade de uma determinada

realidade através de uma pesquisa de caráter qualitativo.

As pesquisas qualitativas nas ciências sociais trabalham com:

significados, motivações, valores e crenças e estes não podem ser simplesmente

reduzidos às questões quantitativas, pois que, respondem a noções muito

particulares (MINAYO, 1996).

Triviños (1987) ressalta que na realização de uma pesquisa de natureza

qualitativa, não há preocupação com números, medidas ou expressões,

prevalecendo uma visão mais subjetiva dos atores envolvidos, diferenciando-se

da pesquisa quantitativa, conforme destaca o Quadro 2 a seguir. Ainda segundo

este autor, na pesquisa qualitativa, parte-se para a análise dos resultados de

forma indutiva, ou seja, não há hipóteses para se verificar empiricamente. Sendo

68

assim, os significados e a interpretação são frutos da percepção do fenômeno

estudado dentro de um contexto.

Quadro 2 Pesquisa qualitativa X Pesquisa quantitativa

Componente Pesquisa Qualitativa Pesquisa Quantitativa

Hipótese Indutiva Dedutiva

Amostra Intencional/Pequena Aleatória/Grande

Ambiente Mundo real/Sociedade Laboratório

Coleta de dados O pesquisador Os instrumentos

Delineamento Flexível Inflexível

Análise dos dados Interpretativa Estatística

Visão Subjetiva/Profunda Objetiva

Fonte: Adaptado de Malhotra (2002).

Segundo Godoi et al. (2006), a pesquisa qualitativa busca dar conta do

horizonte das formas simbólicas nas quais se desenvolvem as ações sociais, cujo

estudo interessa por seu caráter comunicativo que leva ao exame das produções

significativas dos próprios sujeitos, através dos discursos, relatos, imagens,

representações e práticas que são geradas e construídas por atores, no diálogo

direto com eles, em seus próprios contextos situacionais, sociais e históricos.

3.2 Estudo de caso

A pesquisa realizada pode ser caracterizada como um estudo de caso.

Segundo Goode e Hatt (1973), o estudo de caso pode ser assinalado como um

meio de organizar dados e reunir informações a respeito do objeto de estudo de

maneira a preservar seu caráter unitário. Eles ainda descrevem-no como o

estudo profundo de um objeto, de maneira a permitir amplo e detalhado

69

conhecimento sobre o mesmo, o que seria praticamente impossível através de

outros métodos de investigação.

O estudo de caso é considerado um dos principais métodos de

abordagem da investigação em ciências sociais e humanas, bem como em outras

áreas. Esse tipo de estudo, analisa ou trata da história de um fenômeno, passado

ou corrente, a partir de múltiplas fontes de evidência, nas quais se somam dados

obtidos tanto em observações diretas e entrevistas sistemáticas, como em

documentos escritos.

Triviños (1987, p. 133) coloca que o estudo de caso “é uma categoria de

pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente”. Nota-se

que esta unidade deve ser extraída de parte de um todo. O autor considera ainda

que o estudo de caso orienta a reflexão sobre uma cena, evento ou situação,

produzindo uma análise crítica que leva o pesquisador à tomada de decisões ou à

proposição de ações transformadoras.

De acordo com Yin (2001), o estudo de caso

“permite investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto real: [...] o estudo de caso possibilita uma investigação que inclui, de maneira significativa e abrangente, as características de fenômenos da vida real – tais como ciclo de vida individual e processos gerenciais e organizacionais de forma geral” (YIN, 2001, p. 14).

Stake (1994) apud Alencar (2003) afirma que estudo de caso não é uma

escolha metodológica, mas a escolha de um objeto a ser estudado, dessa

maneira, um caso pode ser:

a) um único indivíduo desempenhando uma ação específica;

b) um conjunto de indivíduos desempenhando diferentes ações;

c) um programa ou projeto de desenvolvimento em que está envolvida uma

pluralidade de atores sociais de distintas organizações, desempenhando

diferentes ações;

70

d) experimentos, por exemplo, conduzidos nas áreas de educação,

psicologia ou recursos humanos, bem como;

e) um balanço de uma empresa ou balanços de empresas em momentos ou

contextos específicos (STAKE, 1994 apud ALENCAR, 2003, p. 70).

Em suma, com este método ou procedimento objetiva-se adquirir

conhecimento de um determinado fenômeno estudado a partir da exploração

intensa de um único caso. Sua característica principal é promover uma análise

profunda do contexto e dos processos envolvidos na gestão pública dos bens

culturais no município de São João del-Rei.

3.2.1 O município de São João del-Rei

O município de São João del-Rei está situado no Estado de Minas

Gerais, na região do Campo das Vertentes e possui aproximadamente 1.464 Km

quadrados e uma população de cerca de 84.404 habitantes, de acordo com dados

do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Ele faz

parte do Circuito dos Inconfidentes, um circuito turístico que engloba cidades da

Estrada Real.

Segundo Gaio Sobrinho (2000), sua ocupação inicial ocorreu no final do

século XVII, quando taubateanos liderados por Tomé Portes del Rei chegaram

ao local. Destaca-se que a cidade de São João Del-Rei originou-se do antigo

Arraial Novo do Rio das Mortes e foi uma das cidades mais importantes do

período do ciclo do ouro no Brasil. Esse período marcou a história e a

construção do município.

Na sua parte geográfica podem-se citar suas principais bacias

hidrográficas: Rio das Mortes, Córrego do Lenheiro, Córrego da Água Limpa,

Ribeirão de São Francisco Xavier, Córrego Rio Acima, Rio Elvas, Rio Carandaí.

O Distrito sede está situado num vale, circundado pela Serra do Lenheiro, Morro

71

da Forca, Morro do Guarda-Mor, Morro do Matola, Várzea do Marçal e Serra de

São José. O município, em sua composição, possui cinco distritos: São Sebastião

da Vitória, Rio das Mortes, São Gonçalo do Amarante, São Miguel do Cajuru e

Emboabas.

Dentro das peculiaridades do município, observa-se que a cidade evoluiu

de arraial minerador para importante pólo comercial da região, mas sem alterar

parte de sua essência. Hoje pode-se assinalar essa característica interessante do

município conhecido como:

“uma mescla de estilos arquitetônicos que tem origem na arte barroca, passa pelo ecletismo e alcança o moderno. Em São João del-Rei, é possível apreciar a evolução urbana de uma vila colonial mineira, cujo núcleo histórico permanece bastante preservado em harmonia com as construções ecléticas do século XIX e as mudanças ocorridas no século XX” (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL REI, 2010).

Na contemporaneidade a cidade de São João del-Rei ocupa um lugar de

destaque entre as cidades históricas de Minas Gerais e do Brasil em si, devido à

representatividade e originalidade de seu repertório arquitetônico e suas diversas

entidades e representações culturais.

Seu conjunto arquitetônico urbano vai do colonial ao barroco, passando

pelo eclético e chegando ao moderno, observando que seu processo de

desenvolvimento após o período de decadência, devido ao fim do ciclo do ouro,

foi diferente das demais cidades e essencial para a trajetória e diversidade do

município. Novos caminhos foram encontrados através da reinvenção, mas ao

mesmo tempo foram mantidas diversas tradições e práticas.

De forma geral, a opção pelo estudo de caso no município de São João

del-Rei se faz pela necessidade de trabalhar as experiências e seus significados,

buscando o histórico, a caracterização das práticas, formas de articulação social

e cultural, bem como a compreensão da gestão pública dos bens culturais, e

porque o município tem suas atividades sociais, econômicas e sua identidade

72

fortemente vinculadas ao patrimônio cultural, sendo, portanto, caso bastante

expressivo.

3.3 Técnicas de Pesquisa

Os dados foram coletados por meio de: (a) realização de entrevistas

semi estruturadas com os sujeitos (visão dos gestores); (b) amostragem tipo bola

de neve; (c) observação não participante da pesquisadora, como observadora,

em cinco reuniões do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio

Cultural; (d) pesquisa documental; e (e) triangulação de dados. O tratamento dos

dados foi feita mediante análise qualitativa.

Segundo Gil (1999), a entrevista é a técnica em que o investigador se

apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de

obtenção de dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma

forma de interação social, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das

partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. Ela

é bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas

sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram,

bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas

precedentes.

Godoi e Mattos (2006) entendem a entrevista como evento de

intercâmbio dialógico, sendo capaz de promover a reformulação metodológica

que tem como capacidade enriquecer a prática de pesquisa, levando à construção

de novas situações do conhecimento. Os mesmos comparam a entrevista

qualitativa à situação da confissão religiosa, prática milenar utilizada pela Igreja

Católica, “na qual o sujeito entrevistado é convidado à confidência, a participar de um ritual de descobrimento de si próprio e de

73

análise do mundo social, reavaliando o espaço inconsciente de sua vida cotidiana” (GODOI; MATTOS, 2006, p. 317).

No trabalho em questão, a entrevista semi estruturada mostrou-se a mais

apropriada. Esse tipo de entrevista caracteriza-se pela existência de uma direção

previamente preparada que serve de eixo orientador ao desenvolvimento da

entrevista, no entanto, não exige ordem rígida nas questões, sendo flexível ou

facilmente adaptada. Para Triviños (1987), a entrevista semi estruturada tem como

fundamento questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses

que se relacionam ao tema da pesquisa. Esse tipo de entrevista ainda favorece a

descrição dos fenômenos sociais, objetivando a explicação e a compreensão de

sua totalidade, além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador

no processo de coleta de informações.

Assim, a entrevista semi estruturada busca a caracterização genérica dos

entrevistados, ao mesmo tempo em que abre espaço para a manifestação de suas

experiências, opiniões, pontos de vista, percepções, histórias, etc. Essa técnica

permite a obtenção de respostas livres e espontâneas dos informantes,

conjuntamente com a valorização da atuação do entrevistador.

Na escolha dos sujeitos da entrevista a amostragem se deu por bola de

neve. Nesta técnica, escolhe-se inicialmente um grupo aleatório de

entrevistados. Após serem entrevistados, os próprios entrevistados identificam e

indicam outros sujeitos que pertençam à população-alvo de interesse. Ressalta-

se que esse processo pode ser executado em ondas sucessivas, obtendo-se

referências ou informações a partir de referências ou informações.

Amostragem tipo bola de neve é um tipo de amostragem não

probabilística que tem como principal objetivo estimar características raras da

população alvo. Em resumo, esse tipo de amostragem, por bola de neve, busca

74

estudos aprofundados dos sujeitos, que acrescentam informações até atingir o

estágio suficiente à estruturação e organização da pesquisa.

Outra técnica de pesquisa muito utilizada nas ciências sociais é a

observação. Ela é considerada uma técnica de coleta de dados para conseguir

informações sob determinados aspectos da realidade. Ela ajuda o

pesquisador a “identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os

quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu

comportamento” (LAKATOS; MARCONI, 1996, p. 79).

Na pesquisa em questão optou-se pela observação não participante em

cinco reuniões do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural

do município de São João del-Rei. Na observação não participante, o

investigador não interage com o objeto do estudo no momento em que realiza a

observação, logo não poderá ser considerado participante. Este tipo de técnica

reduz substancialmente a interferência do observador no observado e permite o

uso de instrumentos de registro sem influenciar o objeto do estudo.

Seu ponto fundamental é caracterizar comportamentos e expressões não

verbais que podem revelar muito sobre a dinâmica do trabalho e dos

relacionamentos de diferentes atores sociais. A utilização dessa técnica ajuda a

captar a realidade empírica, acompanhando algumas experiências diárias dos

sujeitos e apreendendo o significado que esses atribuem à realidade e as suas

ações.

Já a pesquisa documental, outra técnica utilizada, assemelha-se muito à

pesquisa bibliográfica, mas sua diferenciação encontra-se na natureza das fontes.

Enquanto na pesquisa bibliográfica as bases são os livros e periódicos científicos

editados por vários autores, na pesquisa documental as fontes são materiais que

ainda não receberam um tratamento analítico, ou seja, que ainda podem ser

reelaboradas para a pesquisa.

75

Godoy (1995) destaca que a análise ou pesquisa documental é descritiva

e tem o papel de complementar os dados obtidos por meio das entrevistas.

Segundo a autora (1995, p. 25), “a análise documental pode ser utilizada

também como técnica complementar, validando e aprofundando dados obtidos

por meio de entrevistas, questionário e observação”.

As fontes da pesquisa documental são mais diversificadas e estão muitas

vezes dispersas em diferentes locais, como arquivos públicos, arquivos

particulares, museus, etc., e podem ser documentos extra-oficiais como cartas,

diários, biografias, relatos de viagens, fotografias, etc. Esses tipos de

documentos encontram-se em seu estado bruto, onde podem-se extrair valores

extremamente relevantes dos mesmos, valores esses que por muito tempo

ficaram restritos ou afastados da interpretação da realidade.

Sendo assim, o uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e

valorizado. A riqueza de informações que deles podem-se extrair e resgatar

justifica o seu uso como procedimento metodológico em várias áreas das

ciências humanas e sociais, porque possibilita a ampliação do entendimento de

objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural.

No trabalho em questão foram utilizadas como fontes documentais a

legislação municipal sobre o patrimônio cultural, a Lei Orgânica e o Plano

Diretor do município, as atas das reuniões do Conselho Municipal de

Preservação do Patrimônio Cultural bem como documentos, guias e trabalhos

realizados pela prefeitura de São João del-Rei.

Por fim, foi utilizada outra técnica de pesquisa, a triangulação de dados.

Na perspectiva de Triviños (1987), essa metodologia busca abranger máxima

amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo. Segundo

Alencar (2003) “o emprego da triangulação é a tentativa do pesquisador de aumentar a confiança dos resultados do seu estudo, tendo em vista a complexidade dos fenômenos que constituem o

76

objeto de estudo das ciências sociais” (ALENCAR, 2003, p. 99).

Uma vez que as informações coletadas, para embasar a pesquisa, foram

retiradas de diferentes fontes e confrontadas (por meio de levantamento

documental, realização de entrevistas semi estruturadas e observação não

participante), além de ouvir diferentes sujeitos cujas percepções sobre a mesma

realidade podem variar, optou-se por checar a consistência dos dados.

Buscou-se, dessa forma um ponto de equilíbrio para as informações

coletadas, proporcionando maior segurança tanto durante a realização do

trabalho de campo quanto nas análises subsequentes das informações obtidas.

Sendo assim, a triangulação de dados objetiva embasar o uso de mais de uma

fonte de dados para assim reforçar a fidedignidade da pesquisa, ou seja, a

convergência de resultados a partir de diferentes métodos.

Por fim, os dados coletados foram analisados ou tratados de forma

qualitativa, valorizando-se sempre o discurso dos atores.

3.4 Os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos que participaram desta pesquisa foram:

a) membros da Secretaria de Cultura e Turismo de São João del-Rei e

membros do IPHAN, especificamente do escritório técnico de São João

del-Rei;

b) representantes de ONGs e associações do município ligadas à cultura e

bens culturais;

c) integrantes de Entidades Culturais;

d) e membros do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio

Cultural de São João del-Rei, órgão autônomo, normativo, deliberativo,

77

consultivo e de composição paritária, especificada na Lei Municipal nº

3.453.

No total, foram entrevistadas 15 pessoas ligadas direta ou indiretamente

à área de gestão de bens culturais, identificadas anteriormente por meio de

análise de documentos e por indicação de outros entrevistados durante a

realização das entrevistas. Foi dada ênfase na visão dos gestores. A fim de

resguardar a identificação dos entrevistados, optou-se por nomeá-los como

Entrevistado 1, Entrevistado 2, sucessivamente até Entrevistado 15. Não foram

identificados os cargos que ocupavam/ocupam ou os setores que

trabalhavam/trabalham ou a área de atuação.

A seguir, o Quadro 3 mostra a divisão e o número de entrevistados por

área de atuação.

Quadro 3 Divisão e número de entrevistados por área de atuação

Administração Púbica

Conselho Municipal de

Preservação do Patrimônio

Cultural

Sociedade Civil

Total

4 6 5 15 Fonte: Elaborado pela autora (2011).

78

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção serão apresentados os principais resultados da pesquisa

juntamente com a discussão dos mesmos. A abordagem realizada contextualiza

os elementos centrais da discussão, que diz respeito à gestão pública de bens

culturais no município de São João del-Rei. A seção foi subdividida em seis

partes, cada uma contendo a análise dos temas que fundamentam a pesquisa. Em

resumo, esta parte busca retratar o caso analisado e apresentar as respostas dos

objetivos da pesquisa.

4.1 Atores e atribuições

Caracterizar os atores envolvidos e as formas de ações ou competências

desses atores na gestão, seja ela pública ou não, de bens culturais no município

de São João del-Rei foi uma das primeiras etapas desse trabalho. Cabe chamar

atenção que na gestão dos bens culturais de São João del-Rei existem vários

atores envolvidos além daqueles que compõem a administração direta.

Isso fica claro no Quadro 4 e no relato do Entrevistado 3, que ressalta

que a gestão de bens culturais é feita por diversos atores.

“[...] Você tem o IPHAN com as ações da instituição, e seja da aprovação de projetos e orientação e da transmissão desse conhecimento ou a própria Secretaria de Cultura através do Conselho, é... a Prefeitura através da, da valorização das festas culturais, a Igreja Católica através da manutenção dos rituais católicos, procissões é... porque na verdade é uma manifestação católica de uma tradição cultural, seja as procissões, missas e o toque dos sinos. Então eu acho, é... na verdade eu acho que a sociedade é... as entidades, IPHAN, Prefeitura, órgãos e Conselhos e a sociedade civil que mantém isso vivo, o pessoal das orquestras, do teatro, da música e das artes”.

79

Quadro 4 Atores presentes na gestão dos bens culturais no município de São

João del-Rei

Atores citados na execução da gestão cultural no município de São João

del-Rei:

Secretaria de Cultura e Turismo (SCT)

Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (CMPPC)

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei (IHG)

ONGs (ex: Atitude Cultural)

Conselho de Cultura (em processo de criação)

A igreja (as paróquias)

Associações Culturais

Entidades Culturais

Entidades Musicais (orquestras e bandas)

Museu de Artes Sacras

Museu Regional

Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA)

Secretaria do Estado de Minas Gerais

Teatro Municipal de São João del-Rei

Academia de Letras de São João del-Rei

Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)

Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier

Biblioteca Municipal Caetano Baptista

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Quando perguntados sobre quem executa a gestão de bens culturais no

município de São João del-Rei, os sujeitos da pesquisa elencaram diversas

instituições e órgãos, em todas as esferas, seja municipal, estadual ou nacional.

80

Somente um dos entrevistados não soube dizer quem é ou são os executores da

gestão cultural no município. A percepção dos atores reforça a ideia de que,

apesar do movimento de descentralização, da delegação de poder aos

municípios, a gestão dos bens culturais ainda depende muito de órgãos ou

instâncias superiores, de âmbito estadual e nacional. Observa-se, a partir dos

relatos, que ocorre certa centralização ou dependência de atores externos na

elaboração e implementação da política cultural na esfera local.

Autores como Pinho e Santana (2002) ressaltam o processo de

descentralização no Brasil, discorrendo sobre a importância da esfera municipal

na gestão dos interesses públicos, por essa esfera estar mais próxima da

sociedade e por ter competência para tal. Todavia, ressalta-se que a gestão

pública dos bens culturais do município é partilhada por vários órgãos da esfera

municipal, estadual e nacional.

A ênfase maior na gestão de bens culturais do município, por parte dos

entrevistados, recaiu sobre a Secretaria de Cultura e Turismo, reforçando os

laços entre o turismo e a cultura que estão na base econômica do município.

Outro aspecto relevante que vale a pena destacar refere-se à citação das igrejas

ou paróquias como agentes importantes na gestão de bens culturais. Essa

constatação está intimamente ligada à importância dos objetos religiosos como

componentes do patrimônio cultural de São João del-Rei e a realização de uma

Semana Santa que tem seus rituais reconhecidos nacionalmente. Vários

entrevistados citaram a magnitude da Semana Santa e a importância da

confecção dos tapetes de rua para as cerimônias realizadas pela diocese de São

João del-Rei.

Segundo relatos do Entrevistado 11, “a semana santa tem todas as... os rituais, é... preservados, muito bem preservados... [...], a gente faz os tapetes de rua que é um resgate fantástico e com isso a gente consegue fortalecer os grupos que já faziam, a gente consegue projetar São João del-Rei a nível nacional, é... porque

81

realmente são lindos os tapetes né, envolve muitos grupos, muitos artistas, é aquela coisa multiplicadora da cultura”.

O IPHAN, a UFSJ, o IHG e as ONGs também foram citados. Nota-se

que a gestão de bens culturais envolve um conjunto de instituições e associações

sociais, que numa ação conjunta, mesmo que muitas vezes descrita por alguns

entrevistados como desarticulada, buscam gerir e preservar os bens culturais do

município de São João del-Rei. Nesse quesito até a sociedade pode ser elencada

como importante gestora e protetora de seus bens culturais.

O Entrevistado 11 reforça essa visão, de ação, organização e execução

conjunta, discorrendo que [...]quem executa a política de bens culturais [...]é o governo de Minas Gerais, a Prefeitura Municipal e as Associações Culturais, todas as Associações, todas as ONGs, todos os grupos culturais, todos os artistas, são muito, muito é...empreendedores e batalhadores da cultura”.

Pretende-se, nesse trabalho destacar e discorrer sobre os principais

atores nesse processo.

4.1.1 Secretaria de Cultura e Turismo

A Secretaria de Cultura e Turismo do município de São João del-Rei é o

órgão da prefeitura responsável por desenvolver uma política de gestão integrada

dos setores do turismo e da cultura. Na sua página institucional ela divulga os

eventos culturais da cidade, os bens tombados, os roteiros turísticos, entre outras

informações.

Segundo o site da SCT, a atual gestão tem como prioridade os seguintes

objetivos:

82

1. realizar o cadastramento cultural do município no intuito de conhecer e

reconhecer as manifestações culturais;

2. estimular a diversidade e a descentralização de manifestações culturais;

3. desenvolver ações que fomentem a educação patrimonial, preservando a

identidade e a memória;

4. valorizar novos talentos e estimular a produção cultural;

5. ampliar o acesso da população aos bens culturais e artísticos;

6. promover, através de campanhas, o sentido de pertencimento a

população pelo seu patrimônio cultural material e imaterial;

7. propor ações aos órgãos competentes para transformar a cidade de São

João del-Rei em lugar agradável e bonito para o turista e para morador;

8. divulgar a cidade de São João del-Rei no Brasil e no exterior;

9. dotar a cidade de infraestrutura necessária ao bem estar do cidadão são-

joanense e do turista. (SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO DE

SÃO JOÃO DEL-REI, 2010)

Nota-se, que segundo os objetivos, os bens culturais, sejam eles

materiais ou imateriais, estão contemplados nos discursos institucionais como

elementos de gestão pública, tendo consonância com a legislação estadual e

nacional sobre o tema.

A educação patrimonial, citada pelos Entrevistados 2 e 11 como

importante mecanismo na preservação da identidade e memória dos municípios,

também compõe as prioridades e objetivos da Secretaria. Nesse quesito

constatou-se que a SCT de São João del-Rei tem desenvolvido projetos na área

de educação patrimonial, atuando na institucionalização e divulgação do

patrimônio cultural municipal. O “Projeto Conhecer para Preservar - 2008/2010”

é um exemplo de ação na vertente educação patrimonial, mas cabe ressaltar que

este está ligado à preservação e ao conhecimento do patrimônio material,

edificado.

83

O projeto em questão inventariou, por meio da formatação de um banco

de dados, todos os bens edificados tombados no município de São João del-Rei.

O resultado do projeto foi à confecção de um guia ilustrado, que divulga o rico

acervo arquitetônico da cidade.

Outro ponto relevante nos objetivos norteadores da SCT é a busca do

bem estar do cidadão são-joanense e do turista como propósito comum. Esses

dois atores, o cidadão e o turista, são colocados em igual patamar, compondo as

bases dos investimentos e ações no campo. Esse objetivo vai ao encontro do

discurso de grande parte dos entrevistados que quando discorreram acerca de

para quem é feita a gestão pública dos bens culturais no município, destacaram a

sociedade são-joanense e o turista como os beneficiários. Segundo o

Entrevistado 8, as políticas públicas na área dos bens culturais “são feitas para a

população da cidade, [...], é para a população atual e futura”. Já segundo o

Entrevistado 1,

“são tanto para o cidadão que..., pra viver num lugar que tem cultura, que tem beleza, que tem uma qualidade de vida melhor, quanto turisticamente né, porque igual eu falei, a base do nosso turismo é através do bem cultural”. (Entrevistado 1)

Por fim, cabe apontar, que na realidade muitas dessas finalidades não

saem do papel ou do discurso, e muitas das vezes nem é pela falta de dedicação

das autoridades diretamente envolvidas no assunto, como secretários ou

funcionários da própria Secretaria de Cultura e Turismo, mas porque, como se

verá a seguir, no tema recursos, relações e conflitos, os recursos nessa área são

escassos. Essa informação foi constatada em algumas das entrevistas dos

sujeitos de pesquisa e na observação não participante da autora.

4.1.2 Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural

84

O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural do

município de São João del-Rei foi criado em 16 de julho de 1998, pela Lei

municipal nº 3.338, que foi modificada em 08 de junho de 1999, pela Lei nº

3.453, que regulamenta até hoje a competência e composição do Conselho. O

CMPPC é um órgão autônomo, normativo, deliberativo e consultivo,

encarregado de assessorar o poder público municipal em assuntos referentes à

proteção, conservação e defesa do patrimônio cultural de São João del-Rei.

Dentre as principais competências do Conselho definidas no Artigo 2º

da Lei nº 3.453 pode-se citar:

1. formular e fazer cumprir as diretrizes da política de preservação;

2. elaborar projetos de Lei pertinentes à preservação do patrimônio cultural

e encaminhá-los à Câmara de Vereadores;

3. elaborar normas, bem como determinar procedimentos e ações

destinadas à preservação, conservação, manutenção, recuperação, defesa

e melhoria do patrimônio cultural do município, observadas as

legislações federal, estadual e municipal que regulamentam os assuntos

afins;

4. fiscalizar o cumprimento das leis;

5. solicitar aos órgãos federais, estaduais e municipais competentes o

suporte técnico complementar para as ações executivas do município

relativas à preservação do patrimônio cultural;

6. identificar a existência de agressões ao patrimônio cultural, denunciá-las

à comunidade e aos órgãos públicos competentes federais, estaduais e

municipais, propondo medidas que recuperem o patrimônio danificado,

entre outras (SÃO JOÃO DEL-REI, 1999).

A composição do CMPPC é paritária, isto é, divida entre a sociedade

civil e o poder público, entre representantes de órgãos governamentais e órgãos

não governamentais. Seus integrantes pertencem fundamentalmente a

85

instituições ligadas à área da cultura, do patrimônio, do turismo e da educação.

Ainda fazem parte do Conselho representante da igreja, de entidades musicais,

de associações do município, representantes de outros Conselhos municipais,

como o Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente,

CODEMA, entre outros. No total 16 cadeiras fazem a composição do Conselho.

A escolha dos membros do CMPPC se dá, em algumas áreas, por

indicação do prefeito municipal, quando se trata de representantes das

Secretarias Municipais, em outras os conselheiros são indicados pelos seus

respectivos órgãos e entidades. Cabe ainda ressaltar que as sessões do CMPPC

são públicas, qualquer cidadão pode comparecer às reuniões.

Os conselheiros serão indicados no prazo de 15 dias, antes do término

dos mandatos dos atuais conselheiros. Cada membro terá suplente que o

substituirá em caso de impedimento ou ausência. Os mandatos dos membros

serão de três anos, permitidas as reconduções. Em resumo, pode-se destacar, que

de acordo com Lei municipal nº 3.453, a função dos membros do CMPPC é

considerada como relevante serviço prestado à comunidade e é exercida sem

remuneração, com o intuito de preservar os bens culturais do município.

Segundo a teoria, no Brasil, a instituição dos conselhos de políticas

ocorreu com a promulgação da Constituição de 1988, no intuito de ampliar a

participação da sociedade civil na definição das diretrizes de políticas públicas,

na implementação das ações e em seu controle, nesse caso, a política de

preservação do patrimônio cultural. Segundo Starling (2009), os conselhos

“constituem, pois, instâncias híbridas de partilhamento das decisões entre os representantes do governo e os diversos segmentos da sociedade, conjugando dinâmicas e processos próprios das esferas governamental e social. Esses formatos institucionais se definem por princípios inovadores como a publicidade, a natureza deliberativa e a dinâmica de negociação entre os diferentes grupos e interesses em jogo. Embora não se possa considerar a participação dos atores não governamentais como rigorosamente representativa da sociedade civil, a legitimidade de sua representação nesses

86

espaços é oriunda da efetividade de sua contribuição para a defesa de bens públicos e de seu reconhecimento em face da eficácia de sua atuação” (STARLING, 2009, p.148).

O quadro a seguir traz trechos de entrevistas a cerca da relevância do

CMPPC de São João del-Rei.

Quadro 5 Importância do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio

Cultural

Trechos de entrevistas

Sem o Conselho nós não teríamos a preservação, não teria preservado o que tem aí hoje, apesar de muitas coisas estarem descaracterizadas, não estarem conforme deveria estar... mas sem o Conselho é...estaria com certeza muito mais degradado. (Entrevistado 2)

É o Conselho ele... vou te dizer que ele anda com as próprias pernas vamos dizer assim, ele tem realmente esse vínculo com a prefeitura mas, é... ele realmente toma suas decisões independentes, existe uma transparência que eu acho importante. (Entrevistado 2)

“O conselho conseguiu ampliar a delimitação de tombamento do IPHAN, acho que foi a primeira coisa”. (Entrevistado 4)

“Ele é fundamental. [...] é claro que a gente tem, por exemplo, o IPHAN, que tem o cuidado também de forma mais restrita, uma área mais restrita da cidade, mas, é... feito desta forma, com o a gente pode falar, de uma política dentro do município, é o conselho que faz essa política”. (Entrevistado 7)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Os atores entrevistados afirmam que o CMPPC, foi e é fundamental na

gestão pública de bens culturais do município. Segundo relatos, após sua criação

novas articulações se formaram entorno da preservação dos bens culturais no

município de São João del-Rei. De acordo com Entrevistado 4,

“criou-se uma certa consciência de preservação, e, ao mesmo tempo, criou uma outra maneira de gestar. Sabe, gerir essa questão da preservação. Começou a criar uma visão um pouquinho mais ampla”.

87

O Conselho ampliou a preservação no município e realizou diversos

tombamentos do patrimônio cultural, uma de suas principais competências. Os

tombamentos podem ser realizados em qualquer bem cultural que tenha valor

para o município, que é constituído pelos bens móveis e imóveis, de natureza

tangível ou intangível, produtos da atividade humana. Foi graças à criação do

CMPPC que bens, nunca antes salvaguardados, passaram a ser preservados e a

receber a atenção e olhar do poder público, bens esses exemplares da história e

da cultura de toda a região. Isso fica claro pelo atual número de tombamentos

individuais atuais no município, que são 75.

O primeiro tombamento realizado pelo CMPPC foi o da Igreja de São

Miguel do Cajuru, no distrito de mesmo nome, e que desta forma, pode

promover captação de recursos para as obras de restauração deste importante

templo, além de ampliar os horizontes da preservação. Durante seus mais de dez

anos de atuação, o CMPPC tombou mais de 75 bens individualmente, fruto da

Lei municipal nº 3.452, de 08 de junho de 1999, que estabeleceu normas para o

tombamento do patrimônio cultural do município de São João del-Rei. Sendo

assim, o Conselho, por meio de uma legislação específica, conseguiu ampliar

relativamente a preservação dos bens culturais no município.

No entanto, apesar de haver certo consenso entre os entrevistados de que

criação e atuação do Conselho representam um grande passo rumo à

conservação, muitas dificuldades ainda são enfrentadas. Algumas das

dificuldades encontradas estão presentes no discurso abaixo:

“nós tivemos muita dificuldade para... administrar o Conselho porque não tínhamos assim apoio financeiro da Prefeitura e nem sede [...], a gente reunia na churrascaria, na Associação Comercial, [...], um conselheiro doava todo o material, porque nós temos muito artigo, muito trabalho [...]”. (Entrevistado 5)

88

Segundo os relatos dos entrevistados, apesar de preservar, de buscar

salvaguardar bens importantes, de ser transparente e agir com autonomia, muitas

vezes o Conselho encontra barreiras. O Entrevistado 9 coloca que muitas vezes

preservar parece “uma luta contra, contra a corrente”, devido à modernização e

progresso das cidades. Um elemento citado particular à cidade de São João del-

Rei é o fato de esta ter uma Universidade Federal, que está crescendo muito,

impulsionando a construção civil e consequentemente gerando uma pressão

imobiliária, que dificulta certas políticas de preservação. Todavia, cabe ressaltar

que a Universidade, enquanto instituição de ensino contribui muito para o

fomento da cultura no município, como se discutirá adiante.

Outro quesito importante, que pode ser notado nas entrevistas, é que a

atuação do CMPPC se restringe quase que exclusivamente à preservação dos

bens materiais de São João del-Rei, do complexo arquitetônico urbano. Observa-

se que a proteção do patrimônio imaterial, dos elementos intangíveis não estão

incorporados de fato na atuação do Conselho. Nos discursos dos entrevistados

fica claro que o Conselho atua prioritariamente no tombamento e preservação

dos bens edificados do município. No entanto, a importância dos bens imateriais

sempre é mencionada, mesmo que na prática eles não sejam contemplados por

ações efetivas, como o registro e a inventariação.

A seguir, o Quadro 6, elenca trechos de entrevistas a cerca do

funcionamento e atuação do CMPPC de São João del-Rei.

Quadro 6 Como funciona o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio

Cultural

Trechos de entrevistas

“Ele tem [...] duas reuniões por mês, na segunda e na quarta semana de cada mês, às quartas-feiras. Já existe um calendário, mas são chamados na véspera, confirmando a reunião”. (Entrevistado 4)

“Olha, o conselho é aberto, tem um local fixo dentro da Secretaria de

89

Cultura, recebe as demandas e as indagações [...]” (Entrevistado 4)

“E o Conselho de São João ele é assim é..., tão bem administrado porque os conselheiros de um modo geral, os conselheiros não ganham nada pra isso né, o Conselho, o Conselho é..., é um, pra você ser conselheiro é assim um trabalho voluntário, você até gasta dinheiro”. (Entrevistado 5)

Bom, o que a gente vem fazendo já há dez anos é... por exemplo, tombar manifestações culturais. [...] Depois, apoiar e organizar seminários de estudos sobre gestão pública, gestão de bens patrimoniais etc., né... isso também já foi feito e vem sendo feito... tombar bens imóveis do município, isso também a gente vem fazendo... é, me parece que são as mais importantes. (Entrevistado 7)

“Bom, o projeto... normalmente os projetos todos, a cidade é dividida em Centro Histórico e tem o entorno do Centro Histórico, dentro dessa área qualquer obra, todo projeto de construção e reforma que é feito, que entra na prefeitura legalmente tal como projeto e tal, ele é analisado lá e se ele faz parte ou do Centro Histórico ou do entorno ele vem para o Conselho, pra nós analisarmos aqui se aquilo tá dentro do..., se vai ser preservado, se tá dentro do Centro ele tem que ser preservado, tem que ser mantida as linhas arquitetônicas, e etc., etc. [...]. (Entrevistado 9)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

A atuação do Conselho é norteada por diretrizes que ressaltam, entre

outros pontos, o caráter preservacionista. Na poligonal de atuação, que

compreende o Centro Histórico e seu entorno, como mostram a seguir os Mapas

1 e 2, prima-se pela conservação e quando muito, pela adaptação dos bens

tombados e protegidos por Lei. O Conselho orienta as construções e

modificações no sentido da harmonia, para que o contraste entre o antigo e o

novo não seja agressivo. Outro critério utilizado é o total de área construída, que

não pode ultrapassar 70%, assim, 30% da área deve ser permeável.

A delimitação do Centro Histórico foi aprovada por meio da Lei

municipal n° 3.531, de 06 de junho de 2000. Segundo seu Artigo 1º, “considera-

se Centro Histórico de São João del-Rei e sua respectiva área de entorno as áreas

circunscritas pelas poligonais traçadas na planta anexa a esta Lei que dela faz

90

parte integrante” ( SÃO JOÃO DEL-REI, 2000). Essa área do Centro Histórico

delimita a área tombada, ou seja, o que está sob proteção legal.

Qualquer projeto de construção de edificação, de demolição ou

reconstrução, na área do Centro Histórico de São João dei-Rei, dependem de

parecer vinculante do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio

Cultural, nos termos do Inciso XXI, da Lei municipal n° 3.453, de 08 de junho

de 1999. Na área de entorno também, qualquer demolição ou reconstrução de

imóveis de estilo histórico, dependerão de parecer vinculante do Conselho

Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural.

Mapa 1 Demarcação do Centro Histórico e do entorno de São João del-Rei

Fonte: SÃO JOÃO DEL REI TRANSPARENTE, 2010.

91

Mapa 2 Limite de proteção do Centro Histórico de São João del-Rei

Fonte: SÃO JOÃO DEL REI TRANSPARENTE, 2010.

O CMPPC é investido de uma função técnica e normativa, fazendo com

que sua ação esteja ligada à administração municipal, sendo de sua competência

a emissão de parecer vinculante sobre os projetos de construção e modificações

de edificações no perímetro dos bens imóveis tombados, bem como nas suas

vizinhanças. Para haver o embasamento técnico, o Conselho conta com o apoio

de uma arquiteta que analisa os projetos enviados para a prefeitura, quando estes

dizem respeito ao seu perímetro de proteção e atuação.

O Conselho se reúne duas vezes por mês, nas segundas e quartas

quartas-feiras de cada mês. Ele se reúne por convocação do seu presidente,

normalmente através da secretária, que liga para os demais integrantes

confirmando a reunião, para a discussão de uma pauta. Essa pauta é constituída

normalmente de informações encaminhadas pela Secretaria de Cultura e

92

Turismo ou de indagações ou interesses de discussão da sociedade são-joanense,

em prol da preservação do patrimônio cultural do município.

Segundo o Entrevistado 8, o trabalho do Conselho “é tentar segurar o

pouco que aqui ainda resta, que é o que dá à cidade todo esse “status” de

cidade cultural e histórica”. Reforçando essa ideia, o Entrevistado 9 coloca que

“o papel é a luta mesmo até... é uma luta constante contra a destruição do que a

gente tem, é uma luta para preservar”.

Como coloca o Entrevistado 6, o CMPPC de São João del-Rei

“é um órgão colegiado, deliberativo, paritário entre o Poder Municipal e a sociedade civil. Tem a Lei que o rege e seu Regimento Interno. Reúne-se quinzenalmente e analisa as consultas que lhe são dirigidas através da prefeitura, vindas do seu Departamento de Urbanismo, principalmente. Cada processo é distribuído para um conselheiro que o analisa e fundamento para depois apresentar seu voto, que depois de apresentado, pode ou não ser referendado pela assembleia do Conselho”.

Observa-se nos discursos dos entrevistados que existe uma vinculação

do CMPPC com a Secretaria de Cultura e Turismo. Essa ligação tanto pode

facilitar – e facilita, segundo relatos de alguns entrevistados – o trabalho do

Conselho, quanto pode dificultar sua representatividade como espaço público

aberto, enquanto esfera pública de participação. De acordo com a teoria

(GOMES; 2006; HABERMAS, 2003; MOREL, 2005), a esfera pública não deve

ser confundida com o Estado, esta deve ser compreendida enquanto local de

interação social, enquanto espaço intersubjetivo, comunicativo, no qual as

pessoas tematizam as suas inquietações por meio do entendimento mútuo.

Sendo assim, a esfera pública pode ser destacada como lugar primordial

para a realização da gestão pública e preservação dos bens culturais de

relevância para um determinado povo ou sociedade, pois é na esfera pública que

as práticas e representações de uma sociedade ganham significados e

representam um determinado período histórico.

93

4.1.3 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

O IPHAN, órgão federal de preservação do patrimônio cultural

vinculado ao Ministério da Cultura, foi criado em 13 de janeiro de 1937 pelo

Decreto Lei nº 25, que regulamentou o instrumento jurídico do tombamento e

passou a configurar a principal ferramenta de suporte para a atuação do Estado

na preservação dos bens patrimoniais.

A rigor, o processo de preservação no Brasil acompanhou a experiência

internacional, orientado pelas cartas patrimoniais, e iniciou-se com a proteção

aos edifícios individualmente, dotados de valor arquitetônico e memorável,

seguido da contemplação dos Conjuntos Históricos.

Atualmente o Instituto é responsável pela proteção dos bens culturais do

país, através da realização de tombamentos, restaurações e revitalizações que

assegurem o acervo arquitetônico, urbanístico, documental, etnográfico e

artístico do território brasileiro. Ele também é responsável pelo registro e

proteção dos bens imateriais, bens relevantes para a memória social.

O órgão em questão é importante para a pesquisa, pois compõe o rol de

atores envolvidos na gestão dos bens culturais de São João del-Rei. O Quadro 7,

a seguir trás trechos de relatos dessa instituição.

Quadro 7 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Trechos de entrevistas

“Eu acho que o IPHAN teve uma posição muito interessante é, na preservação de todas as cidades históricas do Brasil, não tenho dúvida disso, o trabalho foi fundamental. Mas chegou um momento que o IPHAN e o turismo têm brigado muito. Que o IPHAN tem uma visão de fechar o imóvel, tomar conta dele, colocar uma redoma, ninguém toca, ninguém chega, ninguém usa, e o turismo é o contrário, ele quer que as pessoas entrem, usem né". (Entrevistado 1)

94

“O IPHAN estando aqui ele realmente reforça né, ele reforça o papel do Conselho né, a área de abrangência dele não é a mesma da área do Conselho, mas a presença dele aqui é de extrema importância pra ajudar realmente nessa preservação, no controle das operações”. (Entrevistado 2)

“Eu acho que como sendo órgão é... de preservação é... a importância dele é ímpar, porque é a, é a Secretaria de governo responsável pela gestão do patrimônio cultural no país, então é... é possível se pensar que a partir do momento que um governo institucionaliza uma entidade, que a gente pode chamar assim, uma autarquia federal, pra cuidar dos bens do seu país, dos bens culturais da sua nação, primeiro ele está reconhecendo que é... que existem alguns bens de valor ímpar e que precisam de um, é... de uma autarquia específica para cuidá-los, porque você precisa de um cuidado técnico e de um é... são cuidados específicos de gestão, manutenção, conservação e restauração que você não pode delegar pra outras Secretarias”. (Entrevistado 3)

“Nós temos o IPHAN né, a gente tem inclusive um departamento, como que a gente chama? É superintendência... que é de São João del-Rei, mas a gente sente que o IPHAN, ele não tem assim o número de funcionários suficiente e nem sempre ele consegue ser eficiente, porque muitas vezes as demolições acontecem na calada da noite ou... bom, a questão da burocracia do IPHAN também eu acho que dificulta muito essa política de preservação do próprio IPHAN”. (Entrevistado 11)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Nos trechos acima, observa-se que os entrevistados ressaltaram a

importância do IPHAN na preservação do patrimônio histórico e artístico

nacional, principalmente na preservação das cidades históricas. Em São João

del-Rei o órgão atua de forma mais efetiva desde 1985, quando foi aberto um

escritório técnico que atua no município e região.

Mas o primeiro tombamento federal no município ocorreu em 1938, já

sob a regulamentação do Decreto Lei nº 25. O conjunto tombado pelo IPHAN

compreende várias ruas de São João del-Rei como a Getúlio Vargas, Santo

Antônio, Resende Costa, Marechal Bittencourt, do Carmo, Santo Elias, Santa

Tereza, João Mourão, entre outras. Foram tombadas as pontes da Cadeia e do

Rosário, além das igrejas da Ordem Terceira de São Francisco (inclusive o

95

respectivo cemitério), da Ordem Terceira do Monte do Carmo (inclusive o

respectivo cemitério), Matriz de Nossa Senhora do Pilar, de Nossa Senhora do

Rosário, de Santo Antônio, de Nossa Senhora das Mercês, Nosso Senhor do

Bonfim, Senhor dos Montes e Matosinhos. Outros prédios e monumentos

também foram tombados pelo IPHAN nessa época.

Segundo relatos dos sujeitos de pesquisa, a partir da instituição de um

escritório técnico do IPHAN em São João del-Rei, em 1985, sua atuação passou

a ser mais efetiva. A presença física do Instituto no município aumentou a

assessoria técnica e a fiscalização das obras tombadas, bem como a preservação

do Centro Histórico. Dentre as atribuições desse órgão federal encontra-se a

manutenção da segurança dos bens, sua conservação e a restauração dos

mesmos.

De acordo com um entrevistado, a presença institucional do IPHAN em

São João del-Rei significa

“[...] ter os olhos técnicos para que as coisas não aconteçam ou que você evite as coisas negativas acontecer no ato, é... você ter um poder de quando for o caso de ter uma ação efetiva policial para que se evite um ato de demolição, de descaracterização e principalmente a orientação técnica no momento exato que a sociedade precisa, qualquer proprietário a hora que for executar um bem, antes de executar uma obra, uma manutenção, tem que ter uma autorização prévia do IPHAN, e é o momento que o IPHAN presta a orientação pra que ele execute de acordo com a técnica que aquela edificação necessita”. (Entrevistado 3)

Todavia, pontos negativos foram levantados sobre a atuação da

instituição. Dentre eles pode-se destacar: o número reduzido de funcionários do

escritório técnico de São João del-Rei, a burocratização de seus processos e sua

forma de atuação, muitas vezes desvinculada da realidade e da utilização dos

imóveis protegidos. Segundo a concepção atual de bens culturais, esses devem

servir e interagir com a comunidade.

96

É nesse ponto que muitas vezes as políticas implementadas pelo IPHAN

esbarram nas políticas de turismo do município, que tem sua base no turismo

cultural, envolvendo os patrimônios materiais e imateriais. Segundo a literatura

(BANDEIRA, 2010; BARRETTO, 2007; RODRIGUES, 2005) o turismo é um

fenômeno contemporâneo, dinâmico, fruto da sociedade capitalista industrial.

No turismo o homem busca sair do cotidiano ao mesmo tempo em que

possibilita o encontro com o novo, o diferente, com a diversidade,

proporcionando ao mesmo tempo o consumo e o conhecimento. É necessário

uma interação do turista com os atrativos turísticos.

Assim, o discurso e atuação preservacionista do IPHAN geram embates

no município. Isso fica claro no discurso do Entrevistado 1:

“Então há uma briga muito grande, entre o turismo, com o IPHAN, pela maneira que o IPHAN é..., tenta não deixar esses imóveis serem utilizados. [...] Muitas coisas o IPHAN não deixa porque é uma burocracia pra liberar né, e o IPHAN tem uma posição muito, tá numa posição muito de juiz, de tomar conta demais. Então nós estamos tentando brigar um pouquinho com isso, [...] nós não queremos destruir os imóveis, é saber utilizar de uma maneira correta, com preservação né. Inclusive quando você tá usando o imóvel ele é mais fácil de preservar do que quando ele está sozinho né, então é isso que a gente tem que mudar”.

Sobre a questão dos recursos recebidos pelo IPHAN e a atenção que o

governo federal tem dado a esse órgão, cabe ressaltar que melhorou muito. O

fragmento abaixo comprova essa realidade, mesmo constatando que ainda não

seja realizada a política ideal.

“[...] Hoje a gente tem um apoio muito grande é... eu falo do ponto de vista que até em 2006 o IPHAN tinha um recurso orçamentário em Minas de é... 600 mil, pra fazer a gestão da instituição e obras e hoje a gente já está na casa dos 50 milhões pra Minas. Então de 2006 até então, você vê que assim, melhorou muito. De 600 pra 30 milhões, que ó que se está planejando pro ano que vem, e esse ano foi... 50 milhões desculpa, esse ano foram quase 30. O ano passado

97

nós executamos 15 milhões em termos de orçamento da instituição é... pra manutenção, pagamento de... como se diz, água, café e papel, e as despesas físicas da instituição e obras, então por exemplo, o ano passado foi um investimento pesado em São João del-Rei é... o IPHAN trouxe para São João del-Rei quase 2 milhões em obras e este ano eu já estou no 1 milhão e 500, quer dizer, a gente não teve um processo de execução financeira ainda total, vai acontecer só após as eleições, então eu vou ultrapassar os 2 milhões só para São João del-Rei e aí não é só obra em Igreja, é... você tem obras e você tem contratação de projetos também, é... projetos de restauração, projetos de gestão do núcleo histórico, o levantamento de dados para auxiliar a gestão do núcleo histórico. Então é... mudou, a visão do governo mudou e melhorou muito, mas ainda não é a ideal”. (Entrevistado 3)

4.1.4 Instituto Histórico e Geográfico

Segundo seu Estatuto, no Artigo 1º, o Instituto Histórico e Geográfico de

São João del-Rei, órgão de âmbito municipal, fundado em 1º de março de 1970,

denominado IHG, é uma sociedade civil com finalidades científicas e culturais,

sem fins lucrativos, com sede e foro na cidade de São João del-Rei.

Dentre as funções e atividades do IHG de São João del-Rei, pode-se

destacar que este órgão é empenhado em apresentar ações efetivas em favor do

patrimônio cultural tangível e intangível do município

No Artigo 3º do seu Estatuto, apontam-se suas finalidades específicas:

1. Congregar os esforços daqueles que se interessam pelos estudos da

História, Geografia, Meio Ambiente, Etnografia, Genealogia, Folclore,

Artes e ciências correlatas, em âmbito nacional, estadual, do município

de São João del-Rei e região da antiga Comarca do Rio das Mortes;

2. Incentivar, por todos os meios, o cultivo e a divulgação de pesquisas

sobre a historiografia das regiões anteriormente descritas, no âmbito dos

estudos mencionados no artigo anterior;

98

3. Participar de movimentos e empreendimentos que visem à preservação

do patrimônio cultural tangível e intangível de São João del-Rei e região

da antiga Comarca do Rio das Mortes;

4. Promover cursos, conferências, seminários, mesas-redondas, oficinas,

exposições e trabalhos de campo sobre os assuntos de seu interesse;

5. Manter entrosamento e intercâmbio com entidades, escolas, instituições

públicas, privadas e congêneres, apoiando, aperfeiçoando, estimulando e

colaborando mutuamente na promoção dos valores culturais e na defesa

do patrimônio, da tradição e das diversas manifestações artísticas;

6. Manter biblioteca, mostras, arquivos iconográficos e mapoteca;

7. Publicar, a cada mandato da presidência, pelo menos um número de sua

Revista. (IHG, 2010)

De acordo com os relatos dos entrevistados, o IHG é um grande parceiro

na luta pela preservação e promoção dos bens culturais. Ele é o proponente de

vários projetos e obras realizadas no município. Foi o Instituto que levou a frente

o projeto “Capital Brasileira da Cultura 2007 - São João del-Rei”, projeto esse

que rendeu ao município verbas e investimentos em cultura. O Entrevistado 11

destacou a confecção de cartazes e agendas comemorativas relativas ao projeto

Capital Brasileira da Cultura.

O Entrevistado 13 ainda destaca que o IHG surgiu no intuito da

preservação de um bem cultural do município. Segundo o relato:

“Existia um grupo de estudiosos aqui em São João del-Rei, [...] que na época de 1970 tiveram um problema muito grande, que foi a demolição da Igreja de Senhor Bom Jesus de Matusinho, [...], então o pároco da época, o cônego Jacinto Lovato, que Deus o tenha, mas assim quem ama o patrimônio, quem gosta de preservação, ele é uma pessoa mal quista, então essas pessoas se reuniram para tentar impedir a demolição deste templo, lamentavelmente não conseguiram, apesar de ser um bem tombado, e nisso o IPHAN pecou, por que não sabia que o bem era tombado, e essas pessoas se reuniram para tentar evitar isso, mas só que, depois de o bispo também assinar a carta autorizando

99

a demolição para a construção de um outro templo lá, horrível por sinal, a igreja de Matusinhos, aí eles resolveram fundar o IHG. Os objetivos são muito amplos, é estudar a história da comarca de São João del-Rei, a atual e a antiga, a antiga,, tinha jurisdição daqui até quase o norte de São Paulo e a oeste sem definição, Mato Grosso, Goiás era tudo da jurisdição de São João, comarca bastante extensa da época. Então, estudar a história de São João del-Rei, da comarca, dos distritos e etc., fazer a divulgação dessa história, proteger e defender o patrimônio artístico e cultural, histórico da cidade, esses assim são os mais básicos. Além de estudar e estas pesquisas, a coisa é bastante grande. Esses são os quesitos básicos do IHG”.

Cabe destacar também que o IHG tem uma cadeira no CMPPC,

compondo a vertente dos representantes não governamentais. Em uma eleição

interna o IHG escolhe um de seus membros para representar o Instituto nas

reuniões do Conselho. No geral, observa-se que o IHG é um ator local, mas de

representação e inserção ampla, pois se articula com instituições estaduais e

nacionais, juntando-se aos esforços de preservação de patrimônio cultural no

município.

4.1.5 ONGs, Associações e Entidades Culturais

De acordo com os entrevistados, as ONGs, Associações e Entidades

Culturais também são fundamentais na dinâmica e articulação cultural do

município. Apesar de não fazerem parte da gestão pública, do Estado, essas

organizações ou entidades têm um papel fundamental na preservação, promoção,

propagação e até na gestão dos bens culturais. Elas são em grande parte as

mantenedoras da cultura e tradições locais, estando bem próximas da sociedade,

representando a comunidade local.

A atuação dessas entidades culturais na maioria das vezes é feita sem

nenhum apoio ou suporte do Estado. Na pesquisa foi entrevistado um

100

representante de ONG, um representante de uma Associação e dois

representantes de Entidades Culturais do município. Dessas entidades, três tem

representantes no Conselho.

De acordo com os entrevistados, as entidades culturais do município de

São João del-Rei representam a diversidade e riqueza cultural do mesmo, bem

como a sua trajetória e significação histórica. Ressalta-se que essa dinâmica ou

diversidade cultural é inerente ao município, sendo uma característica positiva e

peculiar de São João del-Rei.

Dentro da diversidade cultural várias representações e práticas foram

citadas, como: a folia de reis; o teatro ou a tradição das artes cênicas; a

musicalidade e as orquestras bicentenárias do município; a religiosidade e suas

manifestações e rituais; as festas populares e profanas; entre outras.

As representações citadas pelos entrevistados como parte da diversidade

e dinâmica cultural do município, como elementos singulares do município,

estão presentes na Lei Orgânica de São João del-Rei. Segundo o Artigo 226, parágrafo 2º, é de responsabilidade do poder público, com a cooperação da

sociedade civil promover essa diversidade, oferecendo

“oficinas ou cursos de redação, artes plásticas, artesanato, dança e expressão corporal, cinema, teatro, literatura e fotografia, além de outras expressões culturais e artísticas” (LEI ORGÂNICA DE SÃO JOÃO DEL-REI, 1990).

4.1.6 Universidade Federal de São João del-Rei

A Universidade Federal de São João del-Rei, UFSJ, originou-se das três

instituições de ensino superior existentes em São João del-Rei na década de

1980: Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras; Faculdade de

Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis; e Faculdade de Engenharia

Industrial.

101

“Foi num contexto de resgate histórico que nasceu a Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei, FUNREI, após a assinatura da Lei nº 7.555 de 18 de dezembro de 1986 pelo então Presidente José Sarney. Finalmente, em 19 de abril de 2002, a instituição é transformada em Universidade Federal, pela Lei nº 10.425” (UFSJ, 2010).

A UFSJ, hoje importante Universidade do Estado de Minas Gerais, e do

Brasil, pode ser considerada uma importante instituição ligada à cultura. O

município e a sociedade regional são beneficiados pelas ações culturais da

Universidade. Nessa vertente aponta-se que a Universidade tem um Centro

Cultural, o Solar da Baronesa e realiza anualmente um festival de inverno que

promove a cultura e diversidade no município, uma das principais realizações

destacadas pelos entrevistados.

O Inverno Cultural é um festival de arte e cultura, realizado durante o

mês de julho, desde 1988. Ele é considerado o maior programa de extensão da

Universidade e consolida sua fundamentação através de oficinas, exposições,

lançamentos de livros, seminários, espetáculos de natureza diversa e shows,

compondo um rico repertório e linguagens múltiplas da arte e da cultura. O

evento vem se consolidando através da promoção, incentivo e revitalização das

várias formas de manifestações artístico-culturais, tornando-se, desde as

primeiras edições, referência cultural na região dos Campos das Vertentes

(UFSJ, 2010).

Segundo os depoimentos dos entrevistados, a UFSJ é uma das

responsáveis pela gestão dos bens culturais, pela divulgação e propagação da

cultura no município e isso fica claro na fala do Entrevistado 2:

“[...] nós temos a Universidade que promove o Inverno Cultural né, então nós temos vários agentes e cada um contribui né, de uma forma pra manter essa diversidade e essa riqueza do município”.

102

A UFSJ também tem uma cadeira no CMPPC, compondo a vertente dos

representantes não governamentais. Em virtude de sua fundamentação

educadora, de ser importante instituição de fomento cultural, seu representante

faz o diálogo entre os anseios da instituição e os anseios municipais.

4.2 Definições e entendimentos

4.2.1 Bem cultural

Caracterizar as visões e entendimentos dos diferentes atores envolvidos

diretamente ou indiretamente na gestão de bens culturais sobre os mesmos é

parte dos objetivos deste trabalho. Quando se entende de fato o que esses bens

significam e contemplam fica mais fácil compreender o desenvolvimento das

políticas públicas nessa área no município em questão. O Quadro 8, a seguir,

mostra parte desses entendimentos e visões.

Quadro 8 Definições e entendimentos sobre significados de bem cultural

Trechos de entrevistas

“O bem cultural é nossa ligação com o divino. O bem cultural... a cultura é a parte onde que a gente é mais humano né, onde a gente pode ser mais ser humano né. Ela dá essa, essa importância pra nós... deixar de ser animal...”. (Entrevistado 1)

“Bem cultural? É um bem que..., vamos dizer assim, ele guarda a memória, a história da cidade[...]”. (Entrevistado 5)

“Entendo como sendo o conjunto de tudo aquilo que integra o Patrimônio Cultural, sejam bens materiais ou intangíveis; são as coisas e os saberes que são de interesse para a memória geral e constituem a identidade de um povo”. (Entrevistado 6)

“[...]bem cultural é aquilo que tem valor de alguma forma, valor histórico, valor artístico né, valor afetivo, aí é valor”. (Entrevistado 2)

“Pra mim bem cultural é tudo aquilo que, tudo aquilo que representa um

103

princípio, um valor é uma prática coletiva, né, e que comunga a questão da humanidade, a questão do trabalho, a questão do respeito”. (Entrevistado 11)

“Cultura é uma coisa que o povo vem trazendo de geração para geração, então, a folia de reis é uma cultura. [...] A folia, é como manifestação de fé, de devoção, é a manifestação que eu entendo em uma sociedade, é uma manifestação de fé em Deus, fé na nossa religião, então essa é a manifestação nossa”. (Entrevistado 15)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Como se observa no quadro acima, os trechos extraídos das entrevistas

foram organizados como forma de se identificar as visões dos diferentes atores

envolvidos na gestão sobre o que são os bens culturais e sua singular

importância para o município de São João del-Rei. De forma geral, os

responsáveis pela gestão dos bens culturais do município descrevem o bem

cultural como uma forma de ligação com o divino, como parte da memória ou

identidade, como tudo aquilo que é produzido pelo homem, pela sociedade,

representando-a.

De acordo com Le Goff (2003), a memória e a identidade de um povo

ou sociedade são consideradas elementos essências, de legitimação das tradições

e experiências passadas, levando à conquista de liberdades e à elaboração de

possibilidades criativas.

Os entrevistados ainda argumentam que o bem cultural é um bem que

tem um determinado valor, seja ele histórico, artístico ou afetivo. Ele também é

compreendido como parte de uma continuidade, algo que passa de geração para

geração.

Esses entendimentos perpassam pelo conceito de cultura, que segundo

Bosi (1992, p. 16), é “o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos

valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de

um estado de coexistência social”.

104

As definições dos bens culturais nas vertentes materiais e imateriais

também estão presentes em alguns relatos. Um dos entrevistados define com

clareza as diferenças entre os dois tipos de bens culturais passíveis de tombo no

Brasil e no município. Isso fica claro no relato do Entrevistado 7, que afirma que

“os bens culturais seriam a expressão dos valores de uma determinada sociedade, e esses valores podem ser classicamente divididos em bens materiais e bens imateriais. O primeiro caso seria, por exemplo, a preservação dos imóveis e no segundo a preservação de um ritual, por exemplo, o toque dos sinos da cidade que foi uma das coisas que foram tombadas”( Entrevistado 7).

Retornando ao acarbouço teórico, Magalhães (1997) ressalta que o

conceito de bens culturais engloba três vertentes de bens: os de valor histórico –

essencialmente voltados para o passado; os de expressão individual – obras que

constituem o acervo artístico, como a música, o teatro, a literatura, entre outros;

e os do fazer popular – que estão inseridos na dinâmica da vida cotidiana. De

acordo com ele, o bem cultural tem um conceito amplo, envolvendo elementos

de várias naturezas e significados da vida em sociedade. Nesse sentido, observa-

se a multiplicidade de interpretações apresentadas pelos entrevistados em

relação aos bens culturais que se aproxima da definição de Magalhães (1997).

Pode-se afirmar que os bens culturais, conceito amplo, englobam o

conjunto de bens e práticas consideradas de valor para uma determinada

comunidade. É tudo aquilo que representa a cultura de um povo, são os saberes

que foram criados e passados ao longo do tempo, reinventando-se. São frutos da

relação do homem com a natureza em si, mostrando elementos que contam a

história de um povo, gerando coerência, identidade e legitimidade social.

O conceito de bens culturais engloba o conceito de patrimônio cultural,

que segundo o Artigo 216 da Constituição de 1988

“são os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988).

105

Segundo a Lei municipal nº 3.452, de 08 de junho de 1999, que

estabelece as normas para o tombamento do patrimônio cultural do município de

São João del-Rei, entende-se por patrimônio cultural “os bens móveis ou

imóveis, de natureza tangível ou intangível, cujas existências e manifestações

são decorrentes da atividade criativa de seus cidadãos ou pessoas forâneas que

deixem suas obras no espaço físico do município” (SÃO JOÃO DEL-REI,

1999).

Outro documento que delimita o campo dos bens culturais em São João

del-Rei é Regimento do CMPPC, órgão responsável pelo registro formal e

tombamento de bens integrantes da patrimônio cultural do município. Segundo o

Regimento, os bens culturais, sejam eles móveis ou imóveis, são aqueles que se

verificam nos campos: da arquitetura, das artes plásticas, da literatura, da

música, do urbanismo, da documentação histórica, das artes cênicas, do folclore,

do artesanato, do paisagismo, dos sítios arqueológicos e não especificados

através de denominações consagradas.

Os entrevistados, os atores envolvidos na gestão de bens culturais do

município de São João del-Rei, cada um a seu modo, descreveram com suas

palavras o que são bens culturais. Eles ressaltaram as peculiaridades desses bens,

e a relevância dos mesmos para a sociedade.

Cada ator expressou suas percepções, definições, mas essas foram em

consonância com os princípios manifestos tanto na legislação municipal que

trata do tema, quanto em referenciais normativos de outras instâncias públicas

do país. O generalismo das definições apresentadas pelos entrevistados levaram

ao questionamento de que tipo de elementos representam os bens culturais e se

havia espaço para a diversidade, um dos grandes avanços conceituais nesse

debate, nas políticas e práticas relativas à gestão de bens culturais em São João

del-Rei.

106

4.2.2 Diversidade cultural em São João del-Rei

Quadro 9 Definições e entendimentos sobre a diversidade cultural no município

de São João del-Rei

Trechos de entrevistas

“É a manifestação da sociedade que aqui se formou, é uma manifestação da sociedade. É uma característica muito positiva por sinal”. (Entrevistado 3)

“É um diferencial da cidade que eu acho que tem que ser preconizado né, eu morei no interior também, nasci no interior, eu morava em Belo Horizonte, mas eu nasci no interior e no município onde eu nasci não existe essa cultura, não existe essas tradições e aqui é diferente, a cidade ela tem essa característica importantíssima que é o diferencial, que é o chamarisco”. (Entrevistado 2)

“[...]. Aqui o tradicional com o erudito se faz muito bem”. (Entrevistado 4)

“A diversidade ela é uma diversidade que traduz bem a realidade do próprio Brasil, né, que é um país que tem múltiplas formação cultural, ele é um país, é... vamos dizer assim, constituído na sua origem por, pelos portugueses, mas também por vários grupos de negros e de índios, mas que depois ao longo da sua história recebeu a presença de diferentes outros grupos étnicos, nós temos contribuições de italianos, alemães, na nossa região aqui, na cidade de São João del-Rei em especial, a presença italiana é muito importante, né,[...]. (Entrevistado 7)

“Percebo que é de grande valia e as diferenças de cada uma contribuem para o entendimento do todo. É uma fonte de dinamismo social e de compreensão das tradições que, partindo de cada segmento, formam o que podemos chamar de uma “rede cultural”. (Entrevistado 6)

“É uma... Cada iniciativa, cada grupo, cada... cada ação cultural vai... complementa a outra, enriquece a outra, embeleza a outra, cobre uma época do ano, a outra cobre outra né, é de complementação”. (Entrevistado 11)

“Eu entendo ela no sentido financeiro, que aí você tem coisas para... tem vários sentidos, um deles é o financeiro. Então você tem pra todos os bolsos e gostos. Pra todos os bolsos, do 0800 de gratuito até o mais caro. E da mesma forma você tem para todos os gostos, que seria do mais popular, do mais popular no sentido de ter a maior abrangência possível em termos do gosto e do alvoroço da população, você tem coisas que agradam a todos os

107

públicos, tem eventos de massa, e, ao mesmo tempo você tem eventos mais fechados, restritos a comunidades. Você tem o congado que até às vezes outras pessoas vão, mas faz sentido para uma determinada comunidade. Então, você tem as manifestações de diversidade ética, também. É, você tem eventos considerados.... coisas mais requintadas, requintadas em que sentidos, não necessariamente de ser o mais caro, não tem relação com o financeiro, normalmente tem, mas não necessariamente, você tem coisas mais voltadas para o clássico, no teatro municipal couver você tem concertos de piano, essas coisas que o grosso da população não se interessa, por isso, muitas vezes é gratuito, mas.. Acho que eu deixei mais ou menos claro...”.( Entrevistado 12)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Como se pode observar nos trechos de entrevistas no quadro acima,

Quadro 9, os diversos grupos entrevistados reconhecem a diversidade cultural no

município, entendem-na como uma característica positiva, como um diferencial

que deve ser preconizado. Segundo relatos, a diversidade cultural do município

pode ser comparada a diversidade cultural do Brasil, que teve a contribuição de

três sociedades: a europeia, a indígena e a africana.

Cabe ressaltar que o termo diversidade cultural não é novidade no

Brasil, tanto de uma perspectiva cotidiana e do senso comum quanto de uma

perspectiva técnica e política.

Segundo Brant (2005), a sociedade brasileira já se dá conta que essa

diversidade e miscigenação de culturas, de povos, de origens, de tons, cores e

sabores são o que define sua unidade social. A noção de nação brasileira e a

identidade de sua gente se dão justamente desse ingrediente miscigenador e

dessa capacidade de troca e convivências culturais.

O termo diversidade diz respeito à variedade e convivência de ideias,

características ou elementos diferentes entre si, em determinado assunto,

situação ou ambiente. Já o termo cultura, como coloca Laraia (1986), é um

conceito antropológico. Segundo o autor, a cultura influencia o comportamento

108

social e diversifica enormemente a humanidade, não podendo ser explicada

unicamente pelos determinismos geográficos ou biológicos.

De forma geral, a literatura (BOSI, 1992; BURKE, 2005; THOMPSON,

2008) coloca que o conceito de cultura abrange o todo complexo, que vai das

práticas dos patrícios às práticas dos plebeus, do erudito ao popular, incluindo

conhecimentos, crenças, arte, regras morais, costumes, enfim, as aptidões e

hábitos adquiridos pelo homem em convívio social. O termo cultura tem o

intuito de compreender a pluralidade e a diversidade, descrevendo equivalentes

populares, como a música folclórica, a medicina popular, dentre outras práticas

ou representações.

Outros elementos colocados pelos atores são as características de

complementação e multiplicação da diversidade cultural no município. Nota-se

que o município tem uma vasta agenda cultural, que contempla manifestações de

todos os tipos, do popular ao erudito. Esses elementos são ressaltados como

enriquecedores e embelezadores, compondo o ambiente cultural do município.

Tanto manifestações requintadas ou elitizadas, como a apresentação de

orquestras e bandas, como as manifestações populares, como o Congado e a

Folia de Reis, foram citadas.

Interessante destacar que pelo menos um dos entrevistados destaca a

questão da diversidade inerente ao município na comparação com outros

municípios de menor e grande porte. Nota-se que a diversidade seria um

diferencial da própria identidade do município, não apenas pela sua existência,

mas pelo fato de ser manifesta e conservada.

A questão financeira também foi levantada como um aspecto positivo

dessa diversidade. Segundo relatos, com a diversidade é possível oferecer

eventos, atividades, apresentações, etc. para todos os gostos e bolsos.

Não se pode negar a existência de uma grande diversidade de

manifestações e representações culturais no município de São João del-Rei, e de

109

acordo com os sujeitos de pesquisa, de maneira geral, essa diversidade e as

representações dela são respeitadas. Isso fica claro no discurso do Entrevistado

6, que diz que em São João del-Rei, “[...] há movimentos que representam as mais diversas correntes culturais e que tem sua organização e tradições respeitadas. Tem o Movimento Negro do Baio São Geraldo, a parte religiosa e profana que coexiste pacificamente na Festa do Divino do bairro de Matosinhos, os movimentos que representam as correntes imigratórias, como por exemplo, os italianos, as Bandas, as Orquestras, os grupos folclóricos...”

Todavia, apesar dos sujeitos de pesquisa relatarem a diversidade cultural

de São João del-Rei, de citarem as inúmeras manifestações culturais locais,

destaca-se que muitas dessas manifestações sobrevivem sem grande apoio ou

nenhum apoio da prefeitura e órgãos públicos. Não existe no município uma

lista oficial com as manifestações culturais populares, oriundas das diversas

representações sociais e culturais. As entrevistas e a observação não participante

mostram as dificuldades e fortalecem a ideia de que as políticas de conservação

adotam princípios mais conservadores de cultura com ênfase no patrimônio

material e erudito.

4.3 Importância dos bens culturais para São João del-Rei

Depois de analisar as definições e entendimentos sobre os bens culturais

e a diversidade cultural do município na percepção dos atores, analisara-se a

importância dos bens culturais para o município. O entusiasmo dos entrevistados

facilitou o questionamento sobre o papel desses bens para São João del-Rei, isso

fica claro no Quadro 10, a seguir.

110

As entrevistas permitem afirmar que os sujeitos da pesquisa elencaram

vários fundamentos que envolvem o município e os bens culturais, como se

fossem inseparáveis.

Quadro 10 Importância dos bens culturais para São João del-Rei

Trechos de entrevistas

“Muita importância né, o município é um município histórico né, então nós temos além dos bens materiais os imateriais que são importantíssimos né, é o modo de fazer né, nós temos aqui a linguagem dos sinos, nós temos... nos distritos é... a tradição ainda da Folia de Reis, é... mais é muita coisa, nós temos o tejucano né, a culinária, então é... fora todo esse valor dos bens imateriais nós temos os bens materiais né, que a cidade histórica com construções é... antigas né, [...]”. (Entrevistado 2)

“Eles marcam muito mais do que para o município de São João del-Rei, eles marcaram ou marcam o fundamento da organização da sociedade, né, e dão identidade a essa sociedade. Eu acho que é muito mais do que São João del-Rei, é uma identidade de uma civilização mineira, vamos dizer assim, que São João del-Rei estaria aí vinculada a outras cidades, mas é fundamentalmente isso, quer dizer, é a construção de uma identidade nacional, uma identidade mineira, né, e é isso que marca essa política”. (Entrevistado 7)

“Eu acho que a cultura está pra comunidade assim como... a identidade né, porque uma comunidade que tem bens culturais e que cuida desses bens culturais e que produz bens culturais e que respeita esses bens culturais é uma comunidade que tem educação, é uma comunidade que tem identidade, é uma comunidade que tem princípios e que zela por esses princípios”. (Entrevistado 11)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Como se observa nos trechos anteriores, com relação à importância dos

bens culturais para o município, elementos como a identidade e a representação

histórica foram citados. Os entrevistados apontaram que os bens culturais

representam a história de São João del-Rei, representam a formação da

sociedade são-joanense e da cidade em si. De forma geral, a história de São João

111

del-Rei ultrapassa o âmbito local, tendo representatividade tanto para a história

de Minas Gerais como para a história Brasil. Para alguns entrevistados, os bens

culturais marcaram a construção de uma identidade local e nacional, que está

intimamente relacionada ao período colonial do ciclo do ouro.

Salienta-se que a consolidação dessa visão, voltada para a importância

histórica do município, em destaque o período colonial minerador, fortalece ou

fortaleceu o desenvolvimento de políticas voltadas para o patrimônio relativo a

esse período histórico, ou seja, o patrimônio edificado, o complexo arquitetônico

do município.

Segundo autoras como Fonseca (1997) e Chuva (2002), a noção de

patrimônio está imersa na história e constitui-se em uma construção humana.

Surgiu há tempos, associada a práticas voltadas para o fortalecimento dos laços

de identidade de determinados grupos ou de uma determinada sociedade. Essas

práticas tomaram novas proporções no século XIX, quando a construção de um

patrimônio foi articulada à formação dos Estados nacionais e à construção da

identidade da nação.

Hall (1999) também ressalta que a identidade é definida historicamente,

e por isso, está em constante movimentação, é o que ele denomina de

“celebração móvel”. Ainda segundo o autor, esse conceito complexo é

fundamentado na interação entre o eu e a sociedade, através dos diálogos

contínuos com os mundos culturais.

Cabe ressaltar também que a importância dos bens culturais na formação

do município e em sua identidade, levou à valorização do patrimônio cultural

também como parte do turismo e como forma de criação de fontes de renda para

a comunidade local. Nota-se nos depoimentos que os bens culturais representam

uma opção econômica para a cidade e região. “O patrimônio da cidade transita entre o Colonial e o Barroco, o Eclético e o atual. O patrimônio imaterial está presente com bastante força. Costumo dizer que, para uma

112

cidade que se pretende ser atrativo turístico, estes bens são as nossas “galinhas dos ovos de ouro”. (Entrevistado 6)

O turismo encontra-se entre um dos fundamentos mais citados e

frisados, pois o município busca renda com as atividades turísticas, de prestação

de serviços aos visitantes de São João del-Rei. Os relatos evidenciam que o

município tem um potencial turístico grande, o que leva muitos moradores a

investirem nessa área. O fragmento abaixo comprova isso:

“No caso aqui de São João del-Rei, que é uma cidade histórica, a importância é primordial né, porque a cidade, ela... turisticamente, se você pensar, ela vive da cultura dela, a gente usa o turismo cultural com uma maneira de divulgar o turismo aqui de São João del-Rei. E ali, o patrimônio cultural também, ele tem a parte, vamos dizer, imaterial, patrimônio imaterial, que é muito importante, que aqui a parte de música principalmente, é muito forte, tem mais de 200 anos, orquestras. Então, São João del-Rei tem... assim, ela culturalmente é uma cidade muito importante aqui em Minas Gerais e no Brasil”. (Entrevistado 1)

Segundo Bandeira (2010) os dois elementos, patrimônio e turismo estão

diretamente ligados. O turismo precisa do patrimônio como parte de seu atrativo,

como agente estimulante capaz de fazer as pessoas deslocarem-se de seu local de

residência para outro, a fim de conhecê-lo ou contemplá-lo. E, em função disso,

o patrimônio conta com o turismo para fomentar sua divulgação e valorização, e

estimular sua manutenção e preservação, não só pelos turistas, mas também pela

população local.

Assim, sabendo-se que o patrimônio tem relação direta com a identidade

do local, Banducci Jr e Barretto (2001) destacam que o turismo pode

desencadear um processo de aproximação entre o passado e o presente.

Inicialmente visto como cultura encenada, como tradição inventada, o turismo

acaba penetrando os interstícios do tecido social e transformando-se em

113

movimento cultural do presente, com interesse genuíno na valorização e no

conhecimento do próprio passado.

No entanto, apesar de grande parte dos autores (BANDEIRA, 2010;

BANDUCCI JR; BARRETTO, 2001; BARRETTO, 2007; RODRIGUES, 2005)

defender a ligação do patrimônio com o turismo, ou de salientar a relevância dos

bens culturais para a sociedade, nota-se que em muitos locais, o patrimônio

cultural e até mesmo o turismo são vistos por muitos cidadãos ou governantes

apenas como um custo ou como um entrave ao desenvolvimento local.

Parece que muitas vezes o turismo e a preservação dos bens culturais

esbarram ou concorrem com outras atividades econômicas, levando a não

conservação dos bens, ou na própria perda parcial ou total dos mesmos. Cabe

ainda apontar que muitas vezes o turismo é encarado como uma atividade feita

de forma não planejada, desarticulada ou predatória.

É esse o fundamento que o IPHAN utiliza para distanciar-se ou opor-se

às políticas voltadas para o turismo. O Instituto tem uma política de salvaguarda,

a fim de promover a defesa e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Com base nas entrevistas, nota-se que alguns sujeitos de pesquisa

advogam que a integração dessas atividades políticas pode levar a ações mais

efetivas voltadas para o patrimônio cultural e para a qualidade de vida da

sociedade como um todo. De acordo com o Entrevistado 7, se o município

tivesse uma articulação e qualidade turística, se investisse no turismo,

“ele alavancaria o desenvolvimento da cidade, né, em todos os sentidos, quer dizer, começando por exemplo por cobrar uma, uma... cidade mais limpa, então isso beneficiaria toda cidade, não é, você ia ver uma cidade que tem turismo e por outro lado precisaria além de ser uma cidade mais limpa, uma cidade arborizada, uma cidade mais bem cuidada, uma cidade mais bonita, então, todos esses elementos que o turismo traria ele iria reverter em benefícios para a própria comunidade que está aqui, não é, além do que, nós vamos dizer assim, nós teríamos então um número muito grande de pessoas que se hospedariam nos hotéis e nas pousadas, que iriam frequentar os restaurantes, iriam fazer compras de

114

pequenas coisas, de pequenos objetos, etc... que iriam viajar, e que quando iriam viajar na região eles acabariam consumindo gasolina, enfim, isso movimentaria toda a economia em geral, eu acho que movimentaria tudo”. (Entrevistado 7)

Segundo relatos, a relação do patrimônio cultural com o turismo pode

ser benéfica para a cidade, pois quando o poder público investe em

infraestrutura, limpeza, arborização e revitalização das praças para recepcionar e

atrair turistas, essas melhorias e investimentos atingem a comunidade local. Até

mesmo a preservação é ampliada, passando o poder público e a própria

sociedade a valorizar seus bens culturais, bens esses que servem de atrativo

turístico.

Ademais, as questões referentes ao turismo contribuem para tornar mais

complexa a gestão dos bens culturais em São João del-Rei.

4.4 Elementos priorizados na gestão de bens culturais

Essa categoria aborda os elementos priorizados na atual gestão de bens

culturais em São João del-Rei. Destaca-se que com base nas entrevistas os

elementos considerados como prioritários na gestão são: o turismo; o turismo

cultural; eventos culturais, nas áreas de música, teatro e dança; a preservação

arquitetônica e cultural; e a revitalização de espaços públicos.

A diversidade dos elementos priorizados também foi evidenciada nos

relatos, onde a própria essência eclética do município vem à tona. Nesse

ecletismo, os elementos materiais e imateriais são destacados, sendo parte da

realidade vivenciada pelos são-joanenses. Todavia, alguns entrevistados não

souberam responder a questão ou não souberam especificar os elementos

priorizados. Tal dificuldade está relacionada ao fato de que as políticas locais

são muito genéricas. Além disso, a manifestação de alguns itens como

115

prioritários pode ser compreendida como contrária à defesa da diversidade,

presente no discurso dos entrevistados.

Essa não delimitação fica clara no seguinte trecho: “Não existe (...) uma prioridade oficialmente delineada. Temos um patrimônio invejável que está se perdendo, sendo deteriorado a cada dia que se passa, infelizmente. As coisas ainda são feitas de forma amadorística... Avalio que gestões mais específicas e enérgicas deveriam ser fomentadas, especialmente quanto ao patrimônio e tradição musical da cidade, da sua arquitetura, bem como em favor do que restou de sua ferrovia, a antiga estrada de Ferro Oeste de Minas – EFOM”. (Entrevistado 6)

A música foi muito citada como elemento priorizado na gestão de bens

culturais de São João del-Rei. A existência de duas orquestras bicentenárias, a

Ribeiro Bastos e a Lira são-joanense, orquestras estas especialistas em música

sacra colonial brasileira, evidencia a proximidade do são-joanense com a

musicalidade, mas isso não significa a contemplação dessa área nas políticas

públicas.

O Entrevistado 14 relata a importância da música para o Brasil e para o

município, que tem seu nome em destaque nacional por essa atividade, por ter

duas orquestras bicentenárias. A relevância e história de uma delas é ressaltada

pelo mesmo ator:

“A Ribeiro Barros foi fundada no século XVIII, não sei a data certa, mas foi no século XVIII, mas é uma grande responsabilidade nossa né, em manter isso tudo, até por que até um certo período a Ribeiro Barros não executava, no princípio da década de 70, a Ribeiro Barros executava música de compositores estrangeiros, mas depois de 75 pra cá, que se eu não me engano, a Ribeiro Barros tomou uma postura de realmente preservação da música colonial brasileira, tanto que não toca nada de compositores estrangeiros, só de compositores do período colonial, mineiros, até baianos, carioca como o padre Amauri, então essa preservação, tudo é entorno dela”. (Entrevistado 14)

116

Além das duas orquestras bicentenárias, que perpetuam e difundem a

musicalidade no município, este ainda possui uma banda centenária, a Banda

Theodoro de Faria, fundada em 1902; uma Orquestra Sinfônica que completou

80 anos em 2010; o Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier;

além do curso de música na UFSJ.

No entanto, apesar da forte tendência musical do município, alguns

entrevistados reclamaram da falta de recursos e de apoio do poder público para

com essas instituições, as orquestras e bandas. Isso fica claro no extrato da

entrevista a seguir.

“Nós existimos para eles quando vai se falar nós temos. Quando a prefeitura vai falar “nós temos as duas orquestras mais antigas da America Latina, nós temos, é para nós que estamos fazendo isso, e pra eles não, porque não existe apoio nenhum, esse relacionamento para eles não é interessante, fica tudo no discurso [...]”. (Entrevistado 14)

Analisando a legislação municipal, que deve orientar a gestão pública,

observa-se que os elementos citados pelos entrevistados a integram. Na Lei

Orgânica de São João del-Rei, promulgada em 1990, quando é abordado o

quesito cultura, no Artigo 221, questões como o acesso aos bens da cultura e as

condições objetivas para produzi-los são elencados como um direito do cidadão

e dos grupos sociais. Em seu parágrafo único é ressaltado que todo cidadão é um

agente cultural e o poder público incentivará de forma democrática os diferentes

tipos de manifestação cultural existentes no município.

Segundo o Artigo 222, constituem patrimônio cultural do município

“os bens de qualquer natureza tomados individualmente ou em conjunto, que contenham referências à identidade e à memória dos diferentes grupos formadores do povo são-joanense, entre os quais se incluem: I. as formas de expressão; II. os modos de criar, fazer e viver; III. as criações tecnológicas, científicas e artísticas; IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados a manifestações artísticas e culturais; V. os sítios

117

de valor histórico, paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico ou científico” (LEI ORGÂNICA DE SÃO JOÃO DEL-REI, 1990).

No primeiro e segundo parágrafo do mesmo artigo, elementos culturais

como o teatro de rua; a música, por suas múltiplas formas e instrumentos; a

dança; a expressão corporal; o folclore; as artes plásticas; as cantigas de roda,

entre outras, são elencadas como manifestações culturais de extrema relevância

para o município. Ainda destaca-se que todas as áreas públicas, especialmente os

parques, jardins e praças públicas são abertas às manifestações culturais.

A Lei Orgânica ainda destaca em seu Artigo 223, que o município, com

a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá, por meio da elaboração

de um plano permanente, o patrimônio cultural e natural de São João del-Rei,

que, aliado a sua vocação de centro dinâmico, está presente nas manifestações

culturais do século XVIII, XIX e XX, por meio de inventários, pesquisas,

registros, vigilância, tombamento, desapropriação e outras formas de

acautelamento e preservação.

Todavia, apesar do discurso dos entrevistados e da legislação municipal

ressaltar a importância do patrimônio cultural, principalmente os elementos

culturais imateriais, como a música, o teatro, as manifestações culturais como

um todo, ressalta-se que esses elementos não são contemplados na íntegra pelas

políticas públicas. Os bens materiais ou patrimônios edificados ainda são os que

mais recebem recursos para a preservação. Isso fica evidente no relato do

Entrevistado 2:

“nós não entramos nos bens móveis e nem nos bens imateriais, que também são de extrema importância, não tem registro nenhum, não existe... são poucas as políticas feitas nessa área ainda, [...] aqui em São João só tem tombada a linguagem dos sinos, né, que é o único registro que a gente tem de bem imaterial aqui no município, pelo IPHAN, mas não foi só São João del-Rei né, foi Ouro Preto, São João del-Rei, Mariana, foram várias cidades, foi o

118

primeiro registro que se fez imaterial é esse, nós não temos mais nada, no município não há tombamento imaterial”.

4.5 Recursos, relações e conflitos

A gestão dos bens culturais não se faz, como em outras áreas sem

recursos, principalmente financeiros. A falta de recursos é reclamação e

justificativa sempre presente no discurso dos gestores, como se pode notar no

Quadro 11.

Quadro 11 Recursos para a cultura

Trechos de entrevistas

“É... tem atenção, mas com certeza ela poderia ser maior”. (Entrevistado 2)

“Nenhum, nenhum, é a maior briga, uma disputa pra conseguir míseros recursos. Se a gente não for buscar recursos fora do município a gente não faz nada aqui, infelizmente as prefeituras estão mais preocupadas na parte de obras, saúde, educação, vamos dizer assim, do que com cultura”. (Entrevistado 1)

“Acho que não. Sempre alegam que faltam recursos nos cofres municipais para aplicar estas áreas. Ainda que se anuncie que há a boa vontade e a atenção do município, na prática essa afirmação não se concretiza. Nem mesmo a arrecadação do ICMS Cultural é totalmente aplicada na área cultural e preservacionista”. (Entrevistado 6)

“Eu acho que não. Não aparenta isso, não é... pra se ter uma idéia, por exemplo, até o recurso que é o ICMS Cultural, que é repassado ao município, que era repassado ao município, por exemplo, pela ação do Conselho, ele nunca redundou efetivamente em ações de política cultural a partir dele, olha, vocês captaram tanto, vamos fazer o que com esse dinheiro? ou vamos gastar esse dinheiro dessa forma, isso nunca foi feito, quer dizer, o dinheiro cai aqui num caixa comum e faz o que... qualquer coisa e provavelmente menos isso, porque a gente não vê nada dessas coisas acontecerem”. (Entrevistado 7)

“Não, infelizmente não. Porque os recursos eu acho que os recursos pros bens culturais, mesmo que a cidade fosse perfeita, como a gente conhece

119

várias cidades que são muito bem e muito politicamente bem cuidada né, ela... recurso é sempre uma coisa complicada porque é caro você manter, é caro você preservar, mas é claro que compensa. Agora infelizmente... a gente sabe que o Secretário de Cultura luta muito né, porque nem todos os vereadores, nem todos os prefeitos, nem todos os gestores eles têm essa percepção da importância ou mesmo o conhecimento da causa”.( Entrevistado 11)

“Bom, ter não tem, mas assim, tá começando, o atual Secretário tem começado a tentar trabalhar isso, mas com todos os impedimentos, inclusive dentro do próprio governo mesmo. Então, assim, tem engatinhando”. (Entrevistado 12)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Observa-se que quase todos os entrevistados, quando perguntados se a

vertente cultural e gestão de bens culturais têm os recursos necessários e a

devida atenção da prefeitura de São João del-Rei, apontam que há falta de

recursos e não apenas materiais para a efetividade de políticas na área de

patrimônio cultural.

Destaca-se que as respostas chamam a atenção pela falta de precisão. A

maioria acha e não tem certeza sobre os recursos, o que diz muito sobre a

questão da participação, da transparência e da forma de gestão dos bens culturais

no município. Nota-se que a gestão dos recursos financeiros não ocorre em

dimensão pública, não se sabe ao certo o quanto se arrecada com a cultura no

município e nem o quanto se gasta na área. A única unanimidade constatada nos

discursos é a escassez de investimentos e recursos para a vertente cultural.

Um recurso importante arrecadado no município que foi levantado por

alguns entrevistados é o ICMS Cultural, que segundo os mesmos, deveria ser

aplicado na área cultural e na preservação dos bens culturais de São João del-

Rei. Segundo sujeitos da pesquisa, esse recurso, o ICMS Cultural, deveria

redundar efetivamente em ações e políticas culturais, reforçando a gestão,

120

conservação e promoção dos mesmos. Nota-se que até o momento isso não

ocorre no município.

O ICMS Cultural foi criado pelo Governo de Minas em 1996. Ele é um

recurso distribuído aos municípios mineiros visando identificar e quantificar

uma referência de ação pública na área do patrimônio para aqueles municípios

que já dispõem de um acervo identificado a ser preservado e para aqueles que

querem se habilitar a trabalhar e executar ações na área.

Cabe ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, IEPHA,

fundação integrante do sistema operacional de cultura, criado em 30 de setembro

de 1971, definir a metodologia de pontuação dos municípios e calcular os

índices de rateio do ICMS de acordo com o critério em questão.

Segundo Starling e Reis (2002), esta metodologia atende ao que

determina o anexo III da Lei estadual nº 13.803, a qual define a pontuação dos

municípios em função dos atributos núcleo histórico (NH), conjunto paisagístico

(CP), bens imóveis (BI), bens móveis (BM) e política cultural local (PCL). Cada

um desses atributos faz jus a uma pontuação definida em termos essencialmente

quantitativos, variando em relação ao número de domicílios dos núcleos

históricos, à área dos conjuntos urbanos ou paisagísticos e ao número de

unidades dos bens móveis e imóveis.

Do ponto de vista qualitativo, é observado o estado de conservação dos

bens tombados a partir dos próprios dossiês de tombamento e da apresentação de

laudos técnicos. Cada um desses documentos, além do inventário do acervo

cultural do município, deve ser apresentado conforme modelo divulgado pelo

IEPHA.

No item política cultural local é observada a existência de lei de

tombamento municipal, de conselho municipal de patrimônio cultural e de

departamento de patrimônio cultural ou órgão afim, com equipe técnica

especializada. O somatório da pontuação de cada um desses atributos define o

121

Índice de Patrimônio Cultural (PPC) municipal, que é dado pela relação

percentual entre o somatório das notas do município e o somatório das notas do

conjunto de municípios.

Observa-se que as normas do ICMS Cultural contribuem fortemente

para definir o desenho da estrutura (como valorização do conselho e lei de

tombamento municipal) e das ações priorizadas na política de gestão de bens

culturais do município (como por exemplo a conservação do patrimônio

edificado).

Outro elemento pontuado nos municípios são os trabalhos na área de

educação patrimonial. No município em questão, um trabalho importante foi

realizado nessa área, intitulado “Projeto Conhecer para Preservar - 2008/2010”.

O projeto elaborou um guia dos bens edificados de São João del-Rei, guia esse

que foi divulgado e distribuído no município, principalmente nas escolas

municipais e estaduais.

De acordo com o Entrevistado 2,

foi um grande passo investir em educação patrimonial, com as crianças e adolescentes, principalmente, e depois é... fazer esse trabalho também com os adultos de mostrar o que a gente tem é... porque até o título do projeto... quando eu cheguei existia esse projeto que chama “Conhecer para Preservar”, que é justamente isso, aquilo que você não conhece você não preserva, aquilo que não tem uso não é preservado, [...]”.

Observa-se que no próprio Plano Diretor do município, no item

educação, aparece o incentivo à educação patrimonial. Segundo o Artigo 13,

entre umas das diretrizes da política municipal de educação encontra-se o

desenvolvimento de “projetos educacionais ligados à difusão e valorização da

cultura e da história do município, integradas aos programas de educação

patrimonial”. (PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE

SÃO JOÃO DEL REI, 2006)

122

Retomando a questão da pontuação do ICMS Cultural, segundo dados

do IEPHA, para o exercício de 2011, 698 municípios apresentaram a

documentação que dá origem à pontuação, o que representa mais de 80% das

cidades mineiras. Nota-se, analisando o Quadro 12, a seguir, que o município de

São João del-Rei conseguiu aumentar muito sua pontuação no ICMS Cultural.

De 2004 para 2011 o município mais que dobrou sua pontuação, estando hoje

entre os 10 primeiros classificados do Estado. O município primeiro colocado

foi Mariana, seguido de Ouro Preto, Santa Bárbara, Diamantina e Catas Altas.

São João del-Rei foi o sexto colocado, conseguindo no ano de 2011 a sua maior

pontuação desde o início da distribuição do recurso (IEPHA, 2010).

Quadro 12 Pontuação do ICMS Patrimônio Cultural

Pontuação do ICMS Patrimônio Cultural do município

de São João del-Rei

Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Pontuação 13,85 11,95 20,00 18,50 19,50 14,30 23,50 29,80

Fonte: Adaptado do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA), 2010.

Segundo relato do Entrevistado 1, o recurso do ICMS quase dobrou no

município, ele define o ICMS Cultural como

“[...] uma ideia genial que de certa forma traz um recurso direto para a cultura, coisa que, como eu falei, a Prefeitura não tem interesse, o ano passado [...] São João estava em 19º, nós tínhamos menos de 200 mil de recursos aprovados durante o ano [...]. Aumentamos quase 200 mil reais de recursos e o prefeito assinou um decreto passando metade dos recursos que vem, na verdade quase 400 mil, a metade vai para um Fundo de Cultura que foi criado através do Conselho de Cultura e esses recursos vai ser revertido para o Conselho de Cultura, eles vão decidir como usar, de que maneira usar, é a maneira de estar passando à sociedade,

123

direcionando o caminho que ela quer pra cidade pra área de cultura e área de turismo”.

Já o Entrevistado 2 avalia o ICMS Cultural por outra perspectiva,

“Então, o ICMS Cultural é... eu avalio que a importância dele nem seja financeira, a importância dele é a mobilização de várias pessoas nessa questão cultural. A recompensa é financeira, mas eu vou te ser bem sincera é... o valor é pouco, o valor que se recebe é pouco, mas a mobilização, no meu entendimento, ele muito mais importante do que o recurso mesmo e São João del-Rei tem uma pontuação razoável né, nós podemos melhorar sem dúvida, sempre se pode melhorar e muito, mas nós estamos tentando né, cada uma nova ação, uma estratégia que ajude na pontuação, mas a pontuação é o mínimo, o mais importante é a ação em si, o que ela vai provocar... a expectativa das pessoas, igual o trabalho, o projeto “Conhecer para Preservar”, ele entra como uma ação, mas o mais importante não é a pontuação que ele adquiriu ou vai adquirir, o mais importante é o trabalho em si né”.

Em suma, o ICMS Cultural representa importante recurso para os

municípios mineiros que têm bens culturais e que buscam preservá-los, tendo

papel fundamental na definição das políticas e ações de gestão de bens culturais

nesses municípios. Se revertido ou investido em cultura, pode significar

mudanças e aumento de investimentos na área, assim como uma maior

mobilização e entendimentos das especificidades da área.

No entanto, cabe destacar, que ao mesmo tempo em que os recursos

aumentaram no município, aumentaram também as possibilidades de conflito

entre diferentes atores com implicações para a gestão de bens culturais. As

relações e conflitos provenientes da gestão pública de bens culturais também são

parte importante da pesquisa, como se observa no Quadro 13. Destaca-se, por

exemplo, que a disputa por recursos financeiros é evidente, tanto entre áreas

administrativas quanto entre grupos que mantém viva as diferentes

manifestações culturais quanto em relação às organizações não governamentais

que também buscam captar recursos para a cultura no município.

124

Quadro 13 Relações e conflitos

Trechos de entrevistas

“Não tem o conflito, não tem é..., vamos dizer assim é..., uma interação entre elas, que seria melhor. Não existe conflito [...]”. (Entrevistado 1)

“Conflito sempre existe né, falar que não existisse seria teórico demais, existir existe sim, mas não que seja impeditivo né”. (Entrevistado 2)

“Ah... isso é difícil, cada coisa (risos)... Olha, às vezes a relação é boa às vezes a relação não é. Nem sempre as... você... em duas relações antagônicas você tem gestões antagônicas de interesses, então nem sempre a manutenção do patrimônio, seja por quem quer que seja, vai de encontro ou contra uma política pública de... vamos dizer, de embate, então é... eu acho que ocorre de tudo”. (Entrevistado 3)

“A relação é..., é amigável e boa né. Agora não é muito estreita não”. (Entrevistado 5)

“São relações nem sempre pacíficas. Muitas das vezes as duas feições entram em choque”. (Entrevistado 6)

“Eu não saberia te dizer com certeza, mas aparentemente a desarticulação atrapalha bem, mesmo que não haja conflito a desarticulação ela prejudica muito”. (Entrevistado 7)

“Eu acho que trabalham em conjunto, na medida do possível, e relativamente, porque diretamente não tem como. É uma harmonia, uma convivência pacífica, não tem conflito”. (Entrevistado 8)

“Olha é conflitante. É conflitante por causa disso, porque depende do (...) do governo que está instalado sabe, se ele tem uma cabeça aberta né, se é uma pessoa culta certo, é mais fácil, agora senão é, o choque, aí o conflito é bem maior”. (Entrevistado 9)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

Como se observa nos trechos acima, quando perguntados sobre o

relacionamento entre os atores e órgãos envolvidos na gestão pública de bens

culturais no município de São João del-Rei, e se existem conflitos, as respostas

ficaram divididas. Parte dos entrevistados responderam que a relação é muito

125

boa, amigável, que as políticas e os atores convivem de forma harmônica e os

envolvidos trabalham de forma conjunta.

Outra parte ressalta que existem conflitos, que as relações entre os

diversos agentes da gestão pública de bens culturais nem sempre são boas.

Segundo relato, em duas relações antagônicas observa-se interesses divergentes,

que geram conflitos, e que a política em si já é conflitante. Segundo o

Entrevistado 6, “intervenções de interesse público ou político muitas das vezes

entram em conflito com as necessidades culturais e preservacionistas”.

Sendo assim, nota-se que no ambiente de gestão e preservação de bens

culturais existem relações de poder explícitas e implícitas. Segundo Fonseca

(2003a), nesse cenário amplo, com diversas relações, a atividade de identificar

referências e proteger bens culturais não pode ser apenas como um saber ou uma

técnica, pois envolve relações conflitivas. Nesse contexto seria fundamental

perguntar quem teria legitimidade ou poder para decidir quais são as referências

mais significativas a serem preservadas, principalmente quando estão em jogo

diferentes versões da identidade de um mesmo grupo ou de vários grupos

contrários, ou que apenas não convergem.

Velho (2006) também advoga que as ações políticas de gestão e

preservação do patrimônio ocorrem em meio à negociação e ao conflito, e

coloca que a heterogeneidade da sociedade estabelece dificuldades e limitações

de uma ação pública responsável pela defesa e pela proteção de um patrimônio

cuja escolha e definição implicam necessariamente em arbítrio e, em algum

nível de exercício do poder.

Um conflito ressaltado por alguns entrevistados é a questão da pressão

imobiliária. Segundo relatos, o setor da construção civil e, consequentemente a

Secretaria Municipal de Obras, esbarra muito na vertente preservacionista. O

Centro Histórico e o entorno de São João del-Rei não podem ter construções

altas, com características contemporâneas. Nesse sentido existe um embate entre

126

o estilo colonial e o moderno, entre manter parte da cidade preservando suas

características arquitetônicas originais e a modernização das construções atuais.

A autora nas reuniões do CMPPC de que participou pôde observar

alguns desses embates, ligados à questão da construção civil, envolvendo

arquitetos que tentavam adaptar seus projetos de reformas e construções às

normas do Conselho e do IPHAN (normas preservacionistas, de manutenção das

fachadas, de área construída etc.) e ao mesmo tempo buscavam satisfazer o

gosto de seus contratantes, os proprietários de imóveis tombados ou com

imóveis em áreas tombadas ou no entorno. Mensalmente vários casos como

esses, de aprovação de projetos para reformas e novas construções passam pelo

CMPPC. Um caso que pode ser salientado é a possibilidade de construção de

uma nova sede de uma agência bancária no perímetro do Centro Histórico, em

frente a EFOM. O projeto de construção não foi aprovado pelo Conselho, que

recomendou inúmeras alterações e adaptações para a aprovação do mesmo.

Muitas vezes a não aprovação ou demora na aprovação dos projetos

encaminhados gera embates e contestações.

De acordo com o Entrevistado 11, o setor da construção civil entra em

conflito com a gestão dos bens culturais.

“A questão da pressão imobiliária sobre a questão arquitetônica é que é sempre a ferida de São João del-Rei e é uma luta constante e é assim... infelizmente a gente perde muito pela, a gente pode chamar inclusive de ignorância né, as pessoas não terem noção do quanto é importante a questão da preservação arquitetônica, a gente vem notando que infelizmente a cidade tem sido favelizada muito né, tem se verticalizado mais do que seria suportável e mais do que seria respeitoso com relação à história da cidade. Nessa questão arquitetônica pra mim é uma questão confliante... é uma ferida sempre aberta”. (Entrevistado 11).

Muitas vezes o planejamento e execução de políticas públicas de

reestruturação do espaço urbano gera conflitos em cidades com um rico

complexo arquitetônico histórico, como é o caso de São João del-Rei. Através da

127

observação não participante e da análise das entrevistas realizadas salienta-se

que muitas vezes a prefeitura e os órgãos responsáveis pelo planejamento urbano

no município não estão muito preocupados com a preservação, mas com o que

eles consideram “progresso” e “desenvolvimento” para a cidade.

A questão do turismo também emerge como uma arena de conflitos no

município, e isso já foi relatado no item 4.1.3, que relata a política e atuação do

IPHAN no município e no item 4.3, que trata da importância dos bens culturais

para São João del-Rei, onde foi relatada por um entrevistado a oposição do

IPHAN a algumas políticas voltadas para o turismo, em decorrência da

característica preservacionista do órgão, que tem uma política de salvaguarda do

patrimônio cultural brasileiro.

Por fim, pode destacar-se a questão da diversidade cultural do município

que também pode ser entendida como conflitante, pois envolve diversos setores,

classes, etnias e significados para a sociedade. Em resumo isso vai ao encontro

do que diz Canclini (1997), que salienta a complexidade cultural em países da

América-latina, como o Brasil, bem como sua heterogeneidade, que dificulta a

preservação e gestão desses bens, onde atuam poderes oblíquos.

4.6 Participação da sociedade

A questão da participação da sociedade é outro quesito relevante na

gestão pública de bens culturais. Analisar se a sociedade são-joanense participa

ou não, se ela interage de fato na questão cultural do município é indispensável.

O Quadro 14, a seguir, mostra os discursos dos entrevistados sobre a

participação da sociedade são-joanense na preservação dos bens culturais.

Quadro 14 Participação da sociedade

Trechos de entrevistas

128

“Na verdade o Conselho já é uma participação né, porque o Conselho ele tem... é sociedade civil né, mas poderia ser mais participativa. Talvez haja um erro tanto da parte do governo quanto dos interesses também da sociedade, então é... eu acho que tem as duas vertentes, um poderia estar investindo mais nessa participação e outro também em querer participar mais”. (Entrevistado 2)

“Existe, através de algumas entidades que correm atrás, que... através do Conselho que evita que algumas coisas negativas sejam feitas, através de algumas pessoas que tem ONG’s ou associações que conseguem verbas, que revitalizam alguma atitude, então existe sim, a sociedade aqui participa de certa forma”. (Entrevistado 3)

“Ela existe mas não é muito assim é..., atuante não. Não é muito coisa não. É..., aqui em São João a gente tem assim, existe aquele que defende que os bens, sobretudo os bens arquitetônicos devam ser preservados, mas existe muita gente ainda que acha que não que deveria derrubar tudo pra fazer tudo de novo. Não enxergam isso não. É bastante variável”. (Entrevistado 5)

“Sim, através de suas entidades e suas ONGs. A ação do Instituto Histórico e Geográfico é um exemplo disto”. (Entrevistado 6)

“Então a nossa sociedade, de um modo geral, está participando sim. Participam”. (Entrevistado 10)

“Quando pode a sociedade participa, agora a gente vê que talvez pudesse ser um pouco mais, aí eu volto a dizer na questão do patrimônio arquitetônico, mas é muito... porque você vê, São João del-Rei praticamente todas as casas têm alguém que toca música, tem alguém que toca instrumentos, desculpa... e que participa de alguma entidade, de alguma associação, ou de alguma cooperativa, ou de alguma instituição, muito legal isso, de algum grupo de Folia de Reis ou de Congado, algum tipo de manifestação”. (Entrevistado 11)

“[...] Você tem a população um pouco afastada, dessa gestão, dessas políticas de preservação, assim, eu acho que deveria ser o inverso, deveria chamar toda população e vir o máximo de pessoas possível [...]”. (Entrevistado 12)

“São sempre as mesmas pessoas, sempre os mesmo grupos. Quem faz parte da Academia de Letras, do IHG, da Atitude Cultural e etc. é que são as pessoas que se preocupam com isso, por que a maior parte acha que é velharia e que deveria ser tombado”. (Entrevistado 13)

Fonte: Elaborado pela autora com base nas entrevistas (2011).

129

Os trechos acima mostram que os entrevistados, os sujeitos ligados

direta ou indiretamente com a gestão de bens culturais, quando perguntados

sobre a participação da sociedade na questão da preservação e gestão dos bens

culturais, apontam diferentes entendimentos.

Para uns a sociedade participa, mesmo que timidamente, ou está

começando a participar. Outros ressaltam que são sempre as mesmas pessoas ou

entidades de representação social que participam, que se envolvem com a

questão da preservação e gestão dos bens culturais. Segundo o relato do

Entrevistado 8 “um ou outro setor da sociedade sim, se envolve, mas de modo

geral não. O povão não cuida disso”.

Dentro dos setores da sociedade citados como engajados na causa dos

bens culturais pode-se destacar o CMPPC, as ONGs e Associações do

município, o IHG, cooperativas, alguns grupos específicos de pessoas

envolvidas na área da cultura e as próprias entidades de manifestações culturais.

Destaca-se que por um lado, a atuação do Conselho é encarada como

uma forma de democratização das decisões e das políticas públicas de gestão de

bens culturais. Mas, no cotidiano, observa-se que muitas manifestações culturais

sobrevivem sem apoio ou sem referência nas políticas de bens culturais do

município, ou seja, de alguma forma aquilo que aparece no discurso oficial de

diversidade cultural dos principais gestores públicos do município existe porque

alguns atores (não oficiais) administram tais bens culturais.

Nota-se que os sujeitos entrevistados apontam a importância da

participação no processo de preservação e gestão dos bens culturais, eles

salientam que a população muitas vezes mantém-se afastada desses assuntos, e a

sua posição deveria ser inversa, envolvendo-se e conscientizando-se da causa.

Nesse sentido, a iniciativa de educação patrimonial poderia contribuir para a

130

maior participação da população ou pelo menos maior interesse pelas questões

de patrimônio no município.

O Entrevistado 7 relembra a questão do turismo no município e coloca

que o envolvimento da sociedade com a preservação e gestão de bens culturais é

“muito pouco, mas eu acho que já começa acontecer, não é, já começa acontecer. Por quê? Porque há certos setores, setores como o, o setor de hotelaria e restaurante, não é, o próprio setor aí do comércio que lida com artesanato, ou com estanhos, esses setores eles já se preparam, eles já se orientam para tentar atender o turista, eles já procuram ter uma orientação nesse sentido, então eu acho que há setores da sociedade que já começam a se preocupar sim com o turismo, mas é muito pequeno, é um grupo pequeno e desarticulado do conjunto total, né. A população em geral, não me parece que perceba a dimensão do que isso significa, do que isso possa significar, não é, quer dizer, eles falam o turismo é uma coisa legal, é mas vamos dizer assim, a maioria da população não sente e não percebe porque que é, como que seria... muitas vezes não nota, as vezes até que o emprego que tem, não nota que a melhoria da cidade decorre disso,[...]”.

A literatura (FUNARI; PELEGRINI, 2009; GUIMARÃES, 2007)

retoma que a interação entre o patrimônio, o bem cultural e a comunidade é uma

significativa tônica surgida a partir da Constituição de 1988. Apesar de a

sociedade participar ainda muito pouco na questão cultural, foi a Constituição de

1988 que regulamentou e delegou essa nobre função a sociedade.

O Artigo 216, em seu parágrafo 1º coloca que

“o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 1988).

Observa-se que para o município cumprir seu papel de proteção,

conservação e gestão dos bens culturais, é extremamente relevante a

participação da sociedade. Alguns entrevistados relataram casos de mobilização

131

e participação social, onde os são-joanenes lutaram para a preservação dos bens

culturais do município.

De acordo com o Entrevistado 8, “antes do Conselho existir houve um movimento aqui, um reduto de grande importância, tentaram tirar daqui o complexo ferroviário. O que é esse complexo ferroviário? É São João del-Rei com a sua oficina enorme, é... a Estação propriamente dita, e a ligação com Tiradentes, que forma esse ramal São João/Tiradentes, formando só, um único complexo ferroviário, então é importantíssimo em termos históricos, de patrimônio, de relicário também porque isso não existe em lugar nenhum mais, a coleção de locomotivas que a cidade tem, feitas na Filadélfia, ih... coisa fantástica que nos Estados Unidos não possui igual, eu já fiz uma..., acompanhei uma visita de... internacional, de rotarianos americanos que vieram a São João del-Rei e fizeram todo empenho em conhecer essa locomotiva da Filadélfia. São coisas assim pequenas em termos gerais, em termos estaduais, mas como cidade, como interior, isso é uma coisa fantástica. Então, a tentativa foi de tirar as locomotivas daqui, principalmente aquela que trouxe aqui o imperador quando visitou a cidade, queriam levar não sei para onde, Belo Horizonte tem uma lá no meio da praça, ao tempo, que tentam até trazer de volta, e é esse tipo de coisa, dilapidando o que já existia pra outras cidades. [...] Enfim, tentaram tirar isso daqui e o povo reagiu e não tiraram, eu acho que isso foi um marco geral, foi uma... manifestação pública, tipicamente pública. Eu estive também aqui, na própria, em frente a estação e vi o povaréu não deixando sair, etc.”.

Em suma, como ressalta Fonseca (2003b), a questão do patrimônio não

deve se esgotar apenas no âmbito conceitual, mas também na prática

participativa, pois deve implicar o envolvimento constante de novos atores na

busca de novos instrumentos de preservação e promoção. Esse quadro muito

mais complexo e desafiador busca enriquecer a relação da sociedade com seus

bens culturais, construindo uma preservação abrangente e conjunta com a

sociedade.

132

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou investigar a formulação e implementação de

políticas públicas voltadas para a área de bens culturais no município de São

João del-Rei. Para responder a esta pergunta, o trabalho pautou-se de uma

indagação que propiciasse, além da resposta, a descoberta de elementos e

características intrínsecas ao município.

Buscou-se descobrir a natureza e profundidade de uma determinada

realidade através de uma pesquisa de caráter qualitativo. Foi realizado um estudo

de caso no município de São João del-Rei, dando ênfase nas visões e percepções

dos gestores. Os dados foram coletados por meio de realização de entrevistas

semi estruturadas, observação não participante e pesquisa documental.

Após a análise, foi possível destacar os principais atores envolvidos na

gestão de bens culturais do município e suas atribuições. Esses atores são

fundamentalmente a Secretaria de Cultura e Turismo, o IPHAN, através da

atuação do seu escritório técnico em São João del-Rei, o CMPPC, o IHG, a

UFSJ, a Igreja, as Entidades Culturais, as Associações e ONGs voltadas para a

preservação, fomento e divulgação dos bens culturais de São João del-Rei.

Destaca-se a diversidade de atores envolvidos. A percepção dos atores

reforça a ideia de que, apesar do movimento de descentralização, da delegação

de poder aos municípios, a gestão dos bens culturais ainda depende muito de

órgãos ou instâncias superiores, de âmbito estadual e nacional. Outra

característica constatada é a centralização de recursos e normas, sobretudo em

função dos esforços de adaptação às normas do ICMS Cultural, uma das formas

de captação de recursos para o município.

Na gestão pública dos bens culturais em São João del-Rei, observa-se

que a preservação e fomento do patrimônio imaterial ainda é restrito. É

perceptível, todavia, a importância atribuída nos discursos dos gestores a essas

133

manifestações e representações culturais que, em sua maior parte, estão

relacionadas à música, artes, tradições, festas religiosas e aos rituais.

Ressalta-se que a gestão pública de bens culturais no município de São

João del-Rei ainda se encontra focada na preservação do patrimônio edificado e

no controle das intervenções nos bens tombados em seus diversos âmbitos.

Nessa vertente pode-se salientar o papel e atuação do CMPPC, que ampliou a

preservação e o tombamento no município. Foi após a criação do Conselho que

foi realizado um trabalho efetivo de tombamento e fiscalização das áreas e bens

tombados.

Constata-se que existem poucas políticas públicas implementadas no

município de São João del-Rei para a proteção do patrimônio imaterial. De

forma geral, as políticas ainda não contemplam de fato as manifestações

culturais, sendo que a burocracia, a falta de interlocução ou diálogo com as

entidades culturais e a não inventariação das mesmas aparecem como

empecilhos para sua realização. A falta de institucionalização nessa área é

elemento desarticulador.

Sendo assim, conclui-se que na gestão pública de bens culturais em São

João del-Rei as manifestações culturais são tratadas como elementos periféricos,

como elementos secundários dentro das políticas de preservação. Porém, o

patrimônio imaterial do município é inerente ao mesmo, ele sobreviveu por ter

significado para a comunidade, porque diz respeito à sua história. Trata-se de

uma construção social local que favorece a diversidade e dinâmica cultural do

município.

Dentre os elementos positivos da gestão pública de bens culturais do

município cabe ressaltar, que segundo alguns entrevistados novos caminhos

estão sendo trilhados pelas políticas de preservação e fomento aos bens culturais

em São João del-Rei. A própria pontuação alta do município na a captação do

134

ICMS Cultural pode apontar uma nova perspectiva para a área. Nota-se que um

novo diálogo entorno do assunto está emergindo.

Outro aspecto constatado diz respeito à municipalização da política e a

instituição e atuação de fato do CMPPC, que podem ser considerados também

pontos favoráveis ligados à ampliação da participação da sociedade nas

discussões e decisões relativas ao tema. A diversidade da composição do

segmento societário, representado por intelectuais, pelas associações culturais e

comunitárias e pelos grupos de tradições culturais populares, sinaliza para uma

abertura do processo decisório de escolha dos bens aos quais será atribuído valor

de bem cultural.

Isso vem ao encontro das novas tendências observadas na abordagem

mais ampla do bem cultural, que os próprios entrevistados descreveram com

suas palavras, e nas recomendações de democratização da sua gestão, que

incluem o compartilhamento com a sociedade civil das decisões da política de

patrimônio cultural.

Outro quesito relevante é a implementação no município de políticas de

educação patrimonial. Pode-se citar o “Projeto Conhecer para Preservar -

2008/2010”, que nasceu com o intuito de levar conhecimento e assim salientar a

importância da preservação e manutenção dos bens culturais do município de

São João del-Rei.

Projetos de educação patrimonial buscam mobilizar a comunidade para

realizar a patriótica tarefa de preservação dos bens culturais, possibilitando o

conhecimento cultural e social de forma coletiva. Esse tipo de ação reforça que

compete ao poder público, através dos meios de comunicação, de exposições e

cursos, sensibilizar a população para a participação e valorização do assunto.

O projeto em questão inventariou, por meio da formatação de um banco

de dados, todos os bens edificados tombados no município de São João del-Rei.

135

O resultado do projeto foi à confecção de um guia ilustrado, que divulga o rico

acervo arquitetônico da cidade.

Ainda vale destacar, que apesar de haver poucos recursos e reduzidas

políticas de preservação, o patrimônio imaterial, a diversidade cultural do

município sobreviveu, a prova disso é a gama de representação e entidades

culturais de São João del-Rei, que mesmo não tendo uma lista oficial ou um

inventário descrevendo todas, essas existem, estão presentes na vida e cotidiano

do são-joanense.

Aponta-se que é fundamental que se formulem e implementem políticas

que tenham como finalidade enriquecer a relação da sociedade com seus bens

culturais, sem que se deixe de lado os valores que justificam a preservação. Não

se deve olhar só para os patrimônios culturais, mas para o conjunto de bens

culturais, materiais e imateriais, que o município contempla.

Deve-se estimular a participação da sociedade retomando as palavras de

Aloísio Magalhães (1997, p. 189): “a própria comunidade é a melhor guardiã de

seu patrimônio”, bem como o entendimento de Reis Filho (1992), de que a

defesa da preservação não pode ser a defesa do imobilismo, mas da interação e

do diálogo, da conversação.

Como limitações têm-se que o presente estudo foi realizado apenas com

um único município, não buscando realizar parâmetros de comparação com

outros municípios ou realidades. Dessa forma, os resultados aqui obtidos estão

validados somente ao município estudado, uma vez que a aplicação do estudo

em outros municípios pode apresentar resultados diferenciados. Diante dessas

limitações, tem-se que este trabalho não termina neste ponto, significando assim

possibilidades de novos estudos. O desenvolvimento de novas pesquisas pode

ajudar a entender e a sanar algumas questões levantadas neste estudo, como por

exemplo, a priorização de elementos a serem preservados nos municípios,

recursos direcionados para a vertente cultura e até mesmo o envolvimento ou

136

participação dos cidadãos na gestão de bens culturais. Dessa forma, sugere-se

que novos estudos investiguem outras realidades ou novas formas de

preservação e gestão dos bens culturais nacionais, estaduais e municipais.

137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, R.; CHAVES, M. (Orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. São Paulo: DP&A Editora, 2003. 316 p. ABRUCIO, F. L. Os Barões da Federação: os Governadores e a Redemocratização Brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1998. 253 p. ALENCAR, E. Métodos de pesquisa nas organizações. Lavras: UFLA, 2003. 132 p. ARRETCHE, M. T. S. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 14, n. 40, p.111-141, jun. 1999. BANDEIRA, F. Patrimônio e Turismo. In: Museus: patrimônio de todos / Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. Recife: FUNDARPE, 2010. p. 61-65. BANDUCCI JR, A.; BARRETTO, M. (Orgs.). Turismo e identidade local: uma visão antropológica. Campinas: Papirus, 2001. 208 p. BARRETTO, M. Cultura e turismo: Discussões contemporâneas. Campinas: Papirus, 2007. 176 p. BOMENY, H. M. B.; CHUVA, M. (Org.). A invenção do patrimônio: continuidade e ruptura na constituição de uma política oficial de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995. 79 p. BRANT, L. (Org.). Diversidade cultural – Globalização e culturas locais: dimensões, efeitos e perspectivas. São Paulo: Escrituras Editoras, 2005. 230 p. BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 16 mar. 2010. BURKE, P. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 191 p. BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo, Cia. das Letras, 1992. 404 p.

138

CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 1997. 385 p. CENEVIVA, W. Lei dos registros públicos comentada. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 795 p. CÉSAR, P. A. B.; STIGLIANO, B. V. A viabilidade superestrutural do patrimônio: estudo do museu da língua portuguesa. CULTUR, Ilhéus, v. 4, n. 1, p. 76-88, jan. 2010. CHARAUDEUAU, P. El discurso de la información: La construcción del espejo social. Barcelona: Gedisa, 2003. 317 p. CHOAY, F. A Alegoria do Patrimônio. São Paulo, Editora: UNESP, 2001. 304 p. CHUVA, M. Patrimônio imaterial: práticas culturais na construção de identidades de grupos. In: SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Reflexões e contribuições para a educação patrimonial. Belo Horizonte: SEE/MG, 2002. Disponível em: <http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.asp?id_projeto=27&ID_OBJETO=30468&tipo=ob&cp=003366&cb=&n1=&n2=Biblioteca%20Virtual&n3=Temas%20Educacionais&n4=&b=s>. Acesso em: 10 nov. 2010. CHUVA, M. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. TOPOI, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, p. 313-333, jul./dez. 2003. COELHO, T. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo, Iluminuras, 1997. 293 p. CORIOLANO, L. N. M. T. O turismo nos discursos, nas políticas e no combate a pobreza. São Paulo: Annablume, 2006. 238 p. DURHAM, E. R.; THOMAZ, O. R. A dinâmica cultural: ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. 477 p. FAORO, R. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Globo, 2001. 913 p.

139

FENELON, D. R. Políticas Culturais e Patrimônio Histórico. In: O Direito à Memória: Patrimônio Histórico e Cidadania. Departamento do Patrimônio Histórico. São Paulo: DPH, 1992. p. 29-33. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Curitiba: Editora Positivo, 2009. 2120 p. FONSECA, M.C.L. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997. 315 p. FONSECA, M.C.L. A Invenção do Patrimônio e a Memória Nacional. In: BOMENY, H. (Org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p. 85-102. FONSECA, M. C. L. Referencias culturais: base para novas políticas de Patrimônio. In: Ministério da Cultura/Instituto do Patrimônio Histórico e artístico Nacional Patrimônio Imaterial: O registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, Brasília, 2003a. p. 43-60. FONSECA, M. C. L. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural. In: ABREU, R.; CHAVES, M. (Orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. São Paulo: DP&A Editora, 2003b. p.56-76. FUNARI, P. P.; PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2009. 72 p. GAIO SOBRINHO, Antônio. História da Educação em São João del-Rei. São João del-Rei: FUNREI, 2000, 98 p. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Editora Atlas, 1999. 200 p. GODOI, C. K. et al. (Org.). Pesquisa Qualitativa em Estudos Organizacionais: Paradigmas, Estratégias e Métodos. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. 460 p.

GODOI, C. K.; MATTOS, P. L. C. L. Entrevista qualitativa: instrumento de pesquisa e evento dialógico. In: GODOI, C. K. et al (Org.). Pesquisa

140

Qualitativa em Estudos Organizacionais: Paradigmas, Estratégias e Métodos. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 301-323. GODOY, A. S. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 20-29, maio/jun. 1995. GOMES, W. Apontamentos Sobre o Conceito de Esfera Pública. In: MAIA, R e CASTRO, M. C. P. (Orgs). Mídia, Esfera Pública e Identidades Coletivas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 247 p. GONÇALVES, J. R. S. A retórica da perda: Os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. 152 p. GOODE, W.; HATT, P. Métodos em pesquisa social. São Paulo: Nacional, 1973. 488 p. GUIMARÃES, R. G. A Participação da Sociedade na Construção das Políticas Públicas Culturais no Brasil: um recurso gerencial ou de poder? Cadernos Gestão Social, Salvador, v.1, n.1, Ed. Especial, p.1-17, set./dez. 2007. GUTIÉRREZ, R. História, Memória e Comunidade: o direito ao patrimônio Construído. In: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA/ DPH. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. Prefeitura Municipal de São Paulo: DPH, 1992. p. 121-127. GRAMSCI, A. Intelectuais e a Organização da Cultura. São Paulo: Civilização Brasileira, 1989. 244 p. HABERMAS, J. Direito e democracia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 356 p. HABERMAS, J. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 397 p. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. 102 p. HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 220 p.

141

ICOMOS. Carta de Washington, Washington: 1986. Disponível em: <http://www.icomos.org.br/002_001.html>. Acesso em: 20 dez. 2010. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 15 jan. 2011. INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do;jsessionid=3390CD870C5D3A970483D1BD31E23E87?id=10852&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 15 jul. 2009. INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS. ICMS Patrimônio Cultural. Disponível em: <http://www.iepha.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=96&Itemid=151>. Acesso em: 10 dez. 2010. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO JOÃO DEL-REI. Disponível em: <http://www.ihgsaojoaodelrei.org.br/?Pagina=estatuto_capi>. Acesso em: 05 jan. 2011. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Técnicas de pesquisa. 3a edição. São Paulo: Editora Atlas, 1996. 282 p. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986. 116 p. LE GOFF, J. História e memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2003. 476 p. LEI ORGÂNICA DE SÃO JOÃO DEL-REI. Câmara Municipal de São João del-Rei, 1990. Disponível em: <http://www.saojoaodelrei.mg.gov.br/repositorio/File/lei_organica.pdf> Acesso em: 27 jan. 2011. LEMOS, C. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 1987. 115 p. MAFRA, L. A. S.; NAVES, F. L. Gestão de políticas sociais: a importância das articulações institucionais e setoriais em programas de segurança alimentar e nutricional. CADERNOS EBAPE, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, mar. 2009.

142

MAGALHÃES, A. E Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Fundação Roberto Marinho, 1997. 262 p. MALHOTRA, N. K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Editora Bookman, 2001. 734 p. MATIAS-PEREIRA, J. Manual de gestão pública contemporânea. São Paulo: Atlas, 2008. 197 p. MINAYO, M. C. de S. (Org). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 6a Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1996. 80 p. MOREL, M. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005. 326 p. MOTTA, P. R. A modernização da administração pública brasileira nos últimos 40 anos. RAP, Rio de Janeiro, v. 41, Edição Especial Comemorativa 1967-2007, p. 87-96, 2007. OLIVEIRA, L. L. Cultura é patrimônio: um guia. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2008. 191 p. PAULA, A. P. P. de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 204 p. PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DEL REI, 2006. Disponível em: <http://www.pdp.saojoaodelrei.mg.gov.br/4068.pdf> Acesso em: 15 jan. 2011. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DEL REI. Disponível em: <http://www.saojoaodelrei.mg.gov.br/?Pagina=história>. Acesso em: 12 abr. 2010. PINHO, J. A. G. de; SANTANA, M. W. O Governo municipal no Brasil: construindo uma nova agenda política na década de 90. In: FISHER, Tânia (Org.). Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Salvador: Casa da Qualidade, 2002. p. 275-297. REIS FILHO, N. G. Espaço e Memória: conceitos e critérios de

143

intervenção. In: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA/ DPH. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. Prefeitura Municipal de São Paulo: DPH, 1992. p. 167-168. RODRIGUES, M. Preservar e consumir: o patrimônio histórico e o turismo. In: FUNARI, Pedro Paulo; PINSKY, Jaime (Org). Turismo e patrimônio cultural. 4ª Edição. São Paulo: Contexto, 2005. 15-26 p. SALCEDO, R. F. B. A reabilitação da residência nos centros históricos da América Latina: Cusco e Ouro Preto. São Paulo: EdUnesp, 2007. 262 p. SANTOS, C. R dos. Novas fronteiras e novos pactos para o patrimônio cultural. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v.15, n.2, p. 43-48, abr./jun. 2001. SÃO JOÃO DEL-REI. Lei nº 3.338, 16 de julho de 1998.

SÃO JOÃO DEL-REI. Lei nº 3.452, de 08 de junho de 1999.

SÃO JOÃO DEL-REI. Lei nº 3.453, de 08 de junho de 1999.

SÃO JOÃO DEL-REI. Lei n° 3.531, de 06 de junho de 2000.

SÃO JOÃO DEL REI TRANSPARENTE. Disponível em: <http://www.saojoaodelreitransparente.com.br/ >. Acesso em: 15 dez. 2010. SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO DE SÃO JOÃO DEL-REI. Disponível em: <http://www.cultura.saojoaodelrei.mg.gov.br/?Pagina=a_secretaria>. Acesso em: 16 nov. 2010. SILVA, F. C. T. Brasil, em direção ao Século XXI. In: LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. p. 385-445. SIMÃO, M. C. R. Preservação do patrimônio cultural em cidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 125 p. SIMÕES, J. M. et al. A gestão pública da cultura: uma análise da experiência do estado do rio de janeiro. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 34.,2010, Rio de Janeiro. Anais...Rio de Janeiro: ENANPAD, 2010.

144

SIRINELLI, J. F. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Editora FGV, 2003. p. 231-270. STARLING, M. B. de L. Patrimônio, participação local e democracia: o papel dos conselhos municipais de patrimônio cultural de Minas Gerais. Políticas Culturais em Revista, Salvador, v. 2, n.1, p. 140-156, 2009. STARLING, M. B. de L.; REIS, A. A. Apontamentos sobre o ICMS patrimônio cultural. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002. 30 p. TENÓRIO, F. G.; SARAIVA, H. J. Escorços sobre gestão pública e gestão social. In: MARTINS, P. E. M.; PIERANTI, O. P. (Org.). Estado e Gestão Pública: visões do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. p. 107-158. THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 493 p. THOMPSON, J. B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995. 427 p. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1987. 175p. UNESCO. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, Paris, 2003. Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2010. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/>. Acesso em: 16 jan. 2011. VELHO, G. Patrimônio, negociação e conflito. Mana, Rio de Janeiro, v.12, n. 1, p.237-248, abr. 2006. ZARINATO, S. H. Usos sociais do patrimônio cultural e natural. CEDAP, Assis, v. 5, n.1, p. 145-160, out. 2009 ZANIRATO, S. H.; RIBEIRO, W. C. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v.26, n.51, p. 251-262, jan./jun. 2006.

145

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001. 205p.