Patrocínio cultural no Brasil

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Administração Mercadológica PATRocíNIO EMPRESARIAL E INCENTIVOS FISCAIS A CULTURA NO BRASIL: ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA RECENTE José Carlos Garcia Durand Coordenador do CECC (Centro de Estudos da Cultura e do Consumo) da EAESP/FGV. Maria Alice Gouveia Técnica da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Graça Berman Atriz, Produtora Cultural e Membro do Conselho Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. RESUMO: O artigo examina o estado geral da implantação no Brasil, nos anos 90, da legislação federal, municipal e estadual de incentivo fiscal à cultura. Mostra as características mais comuns - os pontos fortes e as deficiências - e, quando disponíveis, resultados numéricos extensivos até 1995. A análise apóia-se em um levantamento junto às autoridades culturais responsáveis, sendo que as leis ou projetos de lei foram comparados em suas virtudes de agilidade de operação para o poder público e a comunidade cultural, atrativo para empresários, prevenção de fraudes etc. ABSTRACT: The article examines the implantation of fiscal incentives for culture in Brazil from 1986 to 1995, in the federal, state and municipal leveis. The analysis is based on cultural authorities survey and shows the main challenges to the cultural policy modernization in Brazil. It also considers the main features of the incentive laws as ways to avoid fiscal frauds, describes advantages of these laws to the government, community and companies. Besides that, the article provides some quantitative information and analyses the results obtained until 1995. PALAVRAS-CHAVE: patrocínio empresarial, incentivos fiscais, cultura, Brasil. KEY WORDS: business sponsorship, fiscal incentives, culture, Brazil. 38 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 4, p. 38-44 Out./Dez. 1997

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Artigo sobre produção culltural no pais.

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Page 1: Patrocínio cultural no Brasil

Administração Mercadológica

PATRocíNIO EMPRESARIAL EINCENTIVOS FISCAIS A CULTURA NO

BRASIL: ANÁLISE DE UMAEXPERIÊNCIA RECENTE

José Carlos Garcia DurandCoordenador do CECC (Centro de Estudos da Cultura e do

Consumo) da EAESP/FGV.

Maria Alice GouveiaTécnica da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Graça BermanAtriz, Produtora Cultural e Membro do Conselho Municipal de

Cultura da Cidade de São Paulo.

RESUMO: O artigo examina o estado geral da implantação no Brasil, nos anos 90, da legislação federal, municipale estadual de incentivo fiscal à cultura. Mostra as características mais comuns - os pontos fortes e as deficiências- e, quando disponíveis, resultados numéricos extensivos até 1995. A análise apóia-se em um levantamento juntoàs autoridades culturais responsáveis, sendo que as leis ou projetos de lei foram comparados em suas virtudes deagilidade de operação para o poder público e a comunidade cultural, atrativo para empresários, prevenção defraudes etc.

ABSTRACT: The article examines the implantation of fiscal incentives for culture in Brazil from 1986 to 1995, in thefederal, state and municipal leveis. The analysis is based on cultural authorities survey and shows the main challengesto the cultural policy modernization in Brazil. It also considers the main features of the incentive laws as ways toavoid fiscal frauds, describes advantages of these laws to the government, community and companies. Besidesthat, the article provides some quantitative information and analyses the results obtained until 1995.

PALAVRAS-CHAVE: patrocínio empresarial, incentivos fiscais, cultura, Brasil.

KEY WORDS: business sponsorship, fiscal incentives, culture, Brazil.

38 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 4, p. 38-44 Out./Dez. 1997

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PATROcíNIO EMPRESARiAl E INCENTIVOS FISCAIS A CULTURA NO BRASil

Se por mecenato entendermos os patrocí-nios e doações econômicas de vulto, por meiodos quais pessoas de fortuna, por livre e espon-tânea vontade, enriquecem o patrimônio e o re-pertório cultural coletivos, será forçoso reconhe-cer que se trata de fato incomum no Brasil.'

Basta lembrar, de início, que o Brasil nãoconheceu um patronato mecenas antes de se ini-ciar a implantação no país do moderno sistemade patrocínio corporativo às artes,' e salientarque essa ausência, por sua vez, contribuiu paraque este sistema surgisse com certo atraso e sedesenvolvesse com dificuldade, quando se com-para o Brasil com outros países.

O moderno patrocínio corporativo temcomo uma primeira característica o fato de queé a empresa - e não o empresário ou sua fa-mília - o agente da ação. Ou seja, ainda quepossa haver a mão forte de um proprietário oupresidente sensível às artes, as doações ou pa-trocínios são decididos em função de uma es-tratégia corporativa e não de caráter indivi-dual-familiar. Argumenta-se que no Brasilesse grau de institucionalização ainda é muitofrágil e que a mudança de nomes na composi-ção das diretorias das empresas afeta enorme-mente a continuidade de sua ação cultural.

Outra característica é que, no Brasil, doa-ções ou patrocínios costumam resultar de de-cisões tomadas com o objetivo de um retomode prestígio para a imagem da empresa e/ou deseus produtos. Ou, para usar o jargão do pró-prio marketing cultural, o investimento emcultura serve para "qualificar" o conjunto dasações de comunicação da empresa com o mer-cado e com a sociedade. Não se confunde as-sim com os aportes financeiros feitos em pro-dutos da indústria cultural, âmbito no qual acultura se exprime sob a forma de mercadoriasdestinadas a gerar lucro econômico para seusprodutores.

Para a busca de doações e patrocínios, cos-tumam ser necessanos profissionaisespecializados em dar a iniciativas culturais oformato de projetos de interesse empresarial.Esse trabalho inclui, entre outros aspectos, ahabilidade e a sensibilidade em localizar pon-tos de afinidade entre o evento ou o bem cultu-ral para o qual se procura recursos e a posiçãoque determinada empresa ocupa ou pretendeocupar no mercado, em termos de tamanho,ramo de atividade, perfil de público consumi-dor etc.

Além de profissionais especializados fazen-do a mediação entre o campo empresarial e o

cultural, esse sistema com freqüência tambémsupõe certos benefícios assegurados por lei adoadores ou patrocinadores. Em geral, são leisque estabelecem benefícios tributários (nos im-postos sobre a renda, sobre a transmissão dopatrimônio ou ou-tros) para pessoas fí-sicas ou jurídicasque fizerem doaçõesou patrocínios cultu-rais ou ainda que de-cidirem investir emcultura com finali-dade de lucro. Final-mente, como resul-tado de uma práticaque se rotiniza e quetende a atrair um nú-mero crescente deempresas, esse siste-ma costuma favore-cer o surgimento de associações para orientaros empresários em suas decisões em matériade doações e patrocínios.' Ao enaltecer as vir-tudes do patrocínio cultural, ao estimular o de-bate do assunto e ao divulgar estatísticas a res-peito, tais associações ajudam a aumentar onúmero de empresas que patrocinam a cultu-ra. Contribuem para que se conheçam os to-tais aplicados pelas empresas conforme seu ta-manho e ramo de negócios, assim como o tipode atividade cultural fomentada. Igualmente,ajudam a identificar quais são as áreas que seapresentam aos homens de empresa como con-correntes à área de cultura na disputa pela verbainstitucional de reforço de imagem. A propó-sito, cabe esclarecer que as principais dentreessas áreas são: esporte, meio ambiente, as-sistência social e educação, ciência e tecnolo-gia. Em um país como o Brasil, no qual a de-vastação ecológica e os níveis de pobreza sãomundialmente criticados, e no qual o esportefaz vibrar multidões, é fácil concluir que aopção "cultura" enfrenta fortes adversários, nasdecisões das empresas.

O moderno mecenato corporativo surgiunos Estados Unidos, nos anos 60,4 em umaépoca de prosperidade econômica e de iníciode uma mudança muito significativa nas es-tratégias empresariais. Trata-se da passagemda produção de massa e da comunicaçãoindiscriminada com o mercado, através da mí-dia broadcasting, para uma etapa na qual osprodutos são feitos para fatias cada vez maispequenas do mercado e divulgados por uma

Para a busca de doaçõese patrocínios" costumam

ser necessáriosprofissionais

especializados em dar àsiniciativas culturais oformato de projetos deinteresse empresarial.

© 1997, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

1. Esta definição exclui da categoria demecenas as pessoas que fomentaram acultura usando recursos públicos ou deterceiros, embora possam ter tido atuaçãochave no campo cultural, e tambémaqueles empresários que retiram prestígiodo fato de constituírem conselhos deentidades culturais, sem a contrapartida dedoações significativas. Numerosaspessoas celebradas como mecenas noBrasil, do século passado até hoje, nãomereceriam ser assim chamadas, no rigortécnico da definição.

2. Ver, de J. C. Durand, "Business andculture in Brazil", a ser publicado em 1996por Praeger Eds., Westpont/Londres, emantologia organizada por RosanneMartorella sob o título Art and business:an international perspective onsponsorship (Versão original emportuguês "Empresas e cultura no Brasil",caderno n. 8 da Série DidáticaAdministração da Cultura, do Centro deEstudos da Cultura e do Consumo. SãoPaulo, maio 1995).

3. Entidades para coordenação e fomentoda ação empresarial no campo da culturaexistem hoje em catorze países. São eles:Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, EUA,França, Grécia, Holanda, Hong-Kong,Inglaterra, Irlanda, Israel, Japão e Suécia.Essa relação foi apresentada pelo produtorcultural Vacoff Sarkovas, em "Arte-empresa: parceria multiplicadora". In:MENDONÇA, M. (org.). Lei de incentivo àcultura: uma saída para a arte. São Paulo:Carthago & Forte, 1994. p. 50.

4. Mais especificamente em 1967, quando,liderados por Nelson Rockefeller, osempresários americanos criaram oBusiness Committee for the Arts. Esteajudou a canalizar 22 milhões de dólarespara a cultura no ano em que foi criado,soma que atualmente ultrapassa um bilhãode dólares anual, conforme anota Sarkovasno artigo citado.

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5. O elemento certamente maisembrionário ainda é a associação patronalpara fomento à cultura. Embora não existanenhuma instituição assim especializadano Brasil, é indispensável mencionar aexistência, desde 1992, do GIFE-Grupode Institutos, Fundações e Empresas.Fundados na premissa da cidadaniaparticipativa, os empresários ligados aoGIFE pretendem, através dele, "incentivarações de parceria, o intercâmbio de idéiase a participação solidária na busca dealternativas para os problemas sociaisbrasileiros através da filantropia privada".Esse grupo atesta reunir cinqüentainstituições, que movimentam cemmilhões de dólares por ano de recursospróprios em projetos "de natureza social,econômica, cultural e científica".

6. Embora se trate de um mandatopresidencial atípico, posto que terminadopelo vice-presidente em virtude doimpeachment do presidente eleito, ogoverno Fernando Collor/Itamar Franco(março de 1990 - dezembro de 1994)teve nada menos que cinco ministros dacultura, cada um com um perfil diverso.

7. Ver, a esse respeito, de J. C. Durand,os artigos: "A delicada fronteira entreempresa e cultura" , in: MENDONÇA,Marcos (org.). Op.cit.; e "Profissionalizara administração da cultura" , in: RAE -Revista de Administração de Empresas.São Paulo, v. 36, n. 2, pp. 6-11, 1996.

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comunicação mais seletiva e dirigida. Dizemos teóricos da administração que isso corres-ponde ao movimento de amplitude mundial eirreversível de segmentação interna dos mer-cados nacionais de consumo.

É possível dizer que no Brasil dos anos 90estão presentes todas as caracterfsticas até aquimencionadas. Algumas, é claro, apenas de for-ma embrionária." Isso autoriza dizer que omoderno sistema de patrocínio corporativo àcultura está em fase de implantação e leva aadmitir que se progresso maior ainda não hou-ve é porque fatores adversos de maior ampli-tude ainda impõem efeitos paralisantes.

Entre estes há os de caráter macroeconô-mico: recessão prolongada e hiperinflação (de1980 a 1994), queda nos lucros, elevadas mar-gens de evasão e sonegação fiscal e constantesmudanças nas regras tributárias. Há também osde natureza político-administrativa: por exem-plo, mudanças excessivas de comando da áreacultural pública, além de desprofissionaliza-ção e baixos salários dos técnicos do setor. 6

Ou ainda uma opinião pública não suficiente-mente exigente com relação ao comporta-mento ético, cívico e ambiental de suas em-presas (embora inegáveis progressos estejamocorrendo nesta frente, como se viu quando dopreparo da Constituição em 1988 e do exercí-cio de lobby político que desde então ela vemsuscitando nas empresas privadas). A propósi-to, sabe-se que há ramos de negócios para osquais é mais aguda a necessidade de repararimagem ou de reforçá-la positivamente atra-vés do marketing cultural: é o caso das indús-trias de bebidas alcoólicas, de tabaco e da pe-troquímica, pela ameaça que oferecem à saúdehumana e ao meio ambiente; ou o caso dos ban-cos, que trabalham uma mercadoria comum (di-nheiro) e só podem se demarcar na mente dopúblico em termos da associação de seu nomee logotipo com cultura, esporte ou beneficên-cia. Finalmente, os de ordem cultural, entre osquais está o nível menos sofisticado de consu-mo cultural dos dirigentes de empresa brasi-leiros, quando comparado ao de seus colegasde países avançados. Também aqui, a eleva-ção rápida dos níveis de escolaridade superiornesse segmento social, no Brasil, obriga a re-conhecer que as coisas estão rapidamente me-lhorando.

Como os argumentos até aqui apresentadosestão mais desenvolvidos em outras publica-ções,? é mais interessante passar ao exame deum ponto específico bastante atual e em rela-

ção ao qual há resultados de pesquisa aindainéditos. Este ponto diz respeito à legislaçãofiscal até agora criada pelo poder público (fe-deral, estadual e municipal) para incentivarempresários a fomentar cultura.

A EXPERIÊNCIA DE INCENTIVOSFISCAIS À CULTURA NO BRASIL:1986-95

A legislação federal: leis "Sarney" e"Rouanet"

A primeira lei de incentivos fiscais à cultu-ra foi de nível federal. Foi apresentada ao Con-gresso Nacional em 1972, mas só conseguiuaprovação definitiva em 1986, quando o par-lamentar autor do projeto - José Sarney -tornou-se Presidente da República pelo votoindireto e pelos azares de uma sucessão impre-vista. Depois de duas décadas de regime mili-tar, Sarney, eleito vice-presidente, tornou-se oprimeiro presidente civil, assumindo o poderem virtude da morte de Tancredo Neves, o pre-sidente escolhido pelo Congresso Nacional.

Conhecida como "lei Sarney", a primeiralei de incentivo teve vida relativamente curta.Ficou em vigor até março de 1990 e seus re-sultados quantitativos ainda não foram divul-gados oficialmente nem avaliados com rigor.Sabe-se que o total de captação, durante todasua vigência, foi da ordem de 450 milhões dedólares, mas não se conhece a distribuição des-ses recursos segundo sua origem ou destino. Aparticularidade mais criticada dessa lei foi a deque, ao não exigir aprovação técnica prévia deprojetos culturais mas apenas o cadastramentocomo "entidade cultural", junto ao Ministérioda Cultura, das pessoas e firmas interessadasem captar recursos das empresas, a lei teria fa-vorecido muito abuso; como, entre outras ra-zões, pelo fato de que qualquer nota fiscalemitida por uma entidade cadastrada poderiaser usada por seu destinatário para abatimentofiscal, independentemente de se referir ou nãoa despesa efetiva com projeto cultural. O nú-mero de cadastrados no Ministério da Culturafoi de 7.200, o que deve ter significado cercade dez mil pessoas físicas ligadas à produçãode cultura, em todo o país.

Outra crítica insistente era de que a lei nãodistinguia, entre as iniciativas culturais, aque-las que de fato precisavam de incentivo, po-dendo assim ser usada inclusive para grandesespetáculos de caráter nitidamente comercial.

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Finalmente, recriminava-se o fato de que a leiacolhia inclusive projetos culturais sem cará-ter público, como era o caso das edições deluxo de livros de arte, que as empresas gostamde oferecer como presente de fim de ano a seusfornecedores e clientes.

A Lei Sarney foi revogada junto com to-das as demais leis de incentivo fiscal vigen-tes, por ocasião do primeiro plano de conten-ção inflacionária adotado pelo presidenteCollor, em março de 1990. Em uma posturaneoliberal extremada, Collor acreditou que omercado substituiria o governo no fomento àcultura no país. Assim, determinou, logo apóssua posse, o encerramento de atividades dasprincipais instituições federais da área cultu-ral. Após um período particularmente turbu-lento, em meados de 1991 foi aprovada umanova lei de incentivo fiscal à cultura. É a leinº 8.313/91, elaborada quando era Ministroda Cultura o embaixador Sérgio PauloRouanet.

Essa nova lei introduziu a aprovação pré-via de projetos por parte de uma comissão comrepresentantes do governo e de entidades cul-turais. Criou três mecanismos de apoio: o FNC(Fundo Nacional de Cultura), que destina re-cursos diretamente a projetos culturais atravésde empréstimos reembolsáveis ou cessão a fun-do perdido a pessoas físicas, a pessoas jurídi-cas sem fins lucrativos e a órgãos culturaispúblicos; os FICARTs (Fundos de Investimen-to Cultural e Artístico), que são disciplinadospela CVM (Comissão de Valores Mobiliários)e organizam formas de investimento em pro-jetos; e finalmente o Incentivo a Projetos Cul-turais, que cria benefícios fiscais para os contri-buintes do Imposto sobre a Renda que apoia-rem projetos culturais sob forma de doação oupatrocínio.

Todavia, ao impedir a remuneração de in-termediários, ao enrijecer o processo de avalia-ção de projetos e ao estabelecer em nível mui-to baixo o percentual de imposto que as em-presas poderiam dirigir à cultura, a nova leinão conseguiu mobilizar parcela significativados recursos postos à disposição. s Em 1994,os 60 projetos viabilizados pela Lei Rouanetcorresponderam a apenas 17,8% dos projetosaprovados. Foram 13,6 milhões de dólares usa-dos pelos produtores culturais, ou seja, umapequena parte do total de 100,8 milhões de dó-lares aprovado para o mesmo período. Comoos resultados dos anos anteriores não forammuito diferentes, é lícito concluir que até fins

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Um primeiro traço geraldas leis de incentivo é aintenção de que elas

estimulem as empresas amobilizar uma parcela deseus recursos próprios noapoio a projetos culturaise assim possam abaterum percentual de algum

imposto a pagar.

de 1994 a Lei Rouanet tenha efetivamente ca-nalizado à cultura uma quantia de recursos mui-to inferior à Lei Sarney.

No início da gestão de Francisco Weffortno Ministério da Cultura, em janeiro de 1995,encarou-se a reforma da Lei Rouanet comotarefa prioritária. O percentual de imposto so-bre a renda passível de ser usado como in-centivo fiscal aumentou de 2 para 5%. Alémdisso, os demais tipos de pessoa jurídica tor-naram-se aptos a abater de seu imposto de ren-da recursos transfe-ridos para projetosculturais, visto queanteriormente só aspessoas jurídicastributadas com baseno lucro real pode-riam fazê-lo.

Desde que expli-citadas na planilhade custos e sujeitasa exame técnico,passou a ser permi-tida a inclusão dedespesas referentesà contratação de ser-viços para elabora-ção, difusão e divul-gação de projetos culturais e para captaçãode recursos junto a contribuintes e incentiva-dores. Anteriormente, apenas os serviços deelaboração de projetos estavam previstos eainda assim limitados a 10% do valor do pro-jeto. Conseqüências positivas dessas medidasjá estão sendo sentidas. Segundo José ÁlvaroMoisés, Secretário de Apoio Cultural do Mi-nistério da Cultura," a média de 300 projetosanuais recebidos pela Comissão Nacional deIncentivo à Cultura (CNIC), no período1993-94, já foi ultrapassada no primeiro se-mestre de 1995, durante o qual a Comissãorecebeu 650 projetos. Se prosseguir nesse rit-mo, o movimento de 1995 deverá ser o quá-druplo dos anos anteriores. Para o fomentoao cinema, regulado por uma lei especial, aLei do Audiovisual, os oito milhões de reaiscanalizados em 1994 deverão passar a 34milhões até o fim de 1995. Assim, espera-seque o número de filmes de longa metragemresultantes salte de nove para 39 no mesmoperíodo. 10

A partir das mudanças feitas em 1995, oMinistério da Cultura poderá delegar a aná-lise, a aprovação e o acompanhamento de

8. Entenda-se aqui por recursos "postos àdisposição" o total dos impostos que ogoverno concorda, em determinado ano,em deixar de receber dos contribuintespara apoiar a cultura. Não significa umamassa de recursos nos cofres do governoe pronta para ser transferida aos artistas eprodutores culturais. É apenas um limitesuperior de gastos que a autoridadefinanceira autoriza a autoridade cultural aaprovar, como somatório global dosorçamentos dos projetos aprovados.

9. Informação transmitida na abertura doevento "Economia da Cultura: as leis deincentivo". São Paulo, 12.09.95.

10. Dados fornecidos por representantesda Comissão de Valores Mobiliários(CVM), em evento recente. Dos 48 roteirosde filmes à busca de financiamento, oitojá estão com os recursos captados junto ainvestidores no mercado.

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Traços das leis de incentivoprojetos a Estados e Municípios que tenhamsuas próprias leis de incentivo à cultura e queestruturem um órgão colegiado de avaliaçãode projetos composto por representantes dosdiversos segmentos culturais e artísticos emproporção no mínimo paritária em relaçãoaos representantes do governo.

A legislação estadual e municipalcriada a partir de 1990

11. Levantamento feito pelo Centro deEstudos da Cultura e do Consumo, daEAESP/FGV, entre janeiro e maio de 1995,junto a secretarias municipais e estaduaisde cultura.

Em meados de 1995, dispunham de leisaprovadas de incentivo fiscal à cultura o Dis-trito Federal (Brasília), quatro Estados (Pará,Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo), oito

capitais estaduais(Aracaju, Belo Ho-rizonte, Curitiba,Rio de Janeiro, Sal-vador, São Paulo,Teresina e Vitória) etrês outros Municí-pios: Londrina, SãoBernardo do Campoe Uberlândia. Esterol não inclui Muni-cípios ou Estadosque apenas tinhamfundos de amparo àsartes, como é o casode Porto Alegre,Santo André e São

José dos Campos, além do Estado do EspíritoSanto. II Há finalmente locais em que constahaver - mas não foi possível confirmar -leis ou projetos de lei de incentivo fiscal à cul-tura: Municípios de Araraquara, Botucatu, Li-meira, Piracicaba e Estados do Ceará, Piauí,Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

As leis de âmbito estadual e municipal co-meçaram a surgir no início desta década. En-quanto as primeiras reservam um percentualdo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços), as segundas valem-se detributos como o IPTU (Imposto sobre a Pro-priedade Territorial Urbana) e o ISS (Impos-to Sobre Serviços). A legislação municipal to-mou a dianteira temporal em relação à esta-dual, se bem que em ambos os níveis o maisfreqüente são os casos de implantação lenta.Há defasagens por vezes longas entre a apre-sentação de projeto de lei ao legislativo, suaaprovação, sua regulamentação, a montagemde comissões de avaliação e a publicação dosprimeiros editais.

Conhecida como "IeiSarney", a primeira lei de

incentivo teve vidarelativamente curta e

seus resultadosquantitativos ainda não

foram divulgadosoficialmente nem

avaliados com vigor.

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Um primeiro traço geral das leis de incen-tivo é a intenção de que elas estimulem as em-presas a mobilizar uma parcela de seus recur-sos próprios no apoio a projetos culturais e as-sim possam abater um percentual de algum im-posto a pagar. A participação dos recursos pró-prios varia entre 20 e 30% do custo de cadaprojeto, o que significa dizer que uma empresasó pode custear até 80% de um projeto comrecursos que terão isenção fiscal. Entende-seque, se a lei não força a empresa a entrar comrecursos próprios, é como se o governo sacri-ficasse uma massa de dinheiro público capazde ser empregada diretamente por suas insti-tuições culturais, para agir indiretamente, dei-xando às empresas a decisão do que financiar.Em outras palavras, seria como sacrificar re-ceita pública convertendo-a em reforço do or-çamento publicitário das empresas.

Um segundo traço é que todas as leis su-põem o exame técnico de projetos como con-dição necessária para o financiamento. Emgeral, o exame deve ser feito a partir deconvocatórias públicas de projetos através deeditais periódicos (trimestrais, quadrimestraisou semestrais). As comissões que os analisamcostumam contar com representantes do poderexecutivo (municipal ou estadual) das áreas decultura e finanças e de um certo número de re-presentantes de sindicatos ou outras associa-ções de artistas ou produtores culturais. Comexceção das leis municipais de São Paulo e deSalvador, que admitem maioria para os repre-sentantes de entidades culturais (sete entre dezvotos, em São Paulo, e cinco entre sete votos,em Salvador), nas demais se vê um equilíbrioentre os representantes do governo e das enti-dades artísticas. Como casos limites, as leis doMunicípio de Londrina, no Estado do Paraná,e de Teresina, capital do Estado do Piauí, con-centram poder em mãos de representantes dasáreas de finanças, cultura e da chefia do exe-cutivo municipal. São indicados pela prefeitu-ra sete dos doze membros previstos pela lei deTeresina e todos os membros da comissão jáatuante em Londrina. O primeiro caso écaricatural: é o próprio prefeito, em pessoa,quem nomeia cinco membros, o mesmo nú-mero que as entidades culturais. Ou os prefei-tos de Teresina costumam ser mais envolvidose versados em cultura que os do resto do país,ou a sociedade civil local está em nível tãobaixo de organização que não existem entida-

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des organizadas na área cultural, ou éclientelismo explícito mesmo.

Em nível estadual, a lei do Rio de Janeirotambém prevê maioria de três para um entreos representantes do governo e das entidadesculturais (ou seja, doze do governo e quatrodas entidades culturais).

Um terceiro traço é que todas as leis ve-dam relações de proximidade social (parentes-co e/ou participação em negócios comuns) en-tre membros das comissões de avaliação e au-tores de projetos. Como durante o período emque permanece como membro de uma dessascomissões, assim como no ano seguinte ao seudesligamento, ninguém pode recorrer a elas, aparticipação nessas comissões significa mui-tas vezes um considerável sacrifício econômi-co pessoal de algum artista ou produtor cultu-ral. A apreciação de projetos e seu acompa-nhamento são cansativos e não-remunerados.Somando-se o tempo de trabalho em casa como dispendido em reuniões, um membro da co-missão consome dois dias inteiros por semanadurante o mês que segue a cada um dos trêseditais abertos a cada ano e um dia inteiro porsemana no resto do ano. É o tempo que cadamembro tem para ler e analisar o conteúdo e oorçamento de 30 a 40 projetos ou para exami-nar suas prestações de contas." As leis procu-ram também evitar ligações de interesse entrefinanciados e financiadores. A este respeito, alei federal é uma exceção, pois aceita que osgrandes grupos econômicos possam manter ins-tituição cultural permanente e aplicar, atravésdela, os seus recursos de isenção fiscal. São oscasos dos institutos ou fundações filiados, porexemplo, a bancos e grupos financeiros. Emnível municipal, a lei de São Paulo também éexceção, posto que não proíbe vinculação entreprodutor cultural e contribuinte.

Uma quarta característica do sistema é ve-dar às comissões a rejeição de projetos cultu-rais a partir de uma avaliação de mérito. As-sombrados "Coma lembrança nefasta da censu-ra vigente durante o regime militar (1964-85), os autores dos projetos fizeram questãode deixar explícita essa interdição. Assim, de-vem as comissões limitar-se a examinar apenasa clareza e a precisão de cada projeto, o realis-mo dos orçamentos e prazos de execução, e de-mais condições previstas em lei. Resta sabercomo se comporta, na prática, tão enfática de-monstração de neutralidade contida nas leis.

Um quinto traço é que a aprovação do pro-jeto não é garantia de seu financiamento, como

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ocorre no sistema de fundos de fomento cultu-ralou científico. Nestes, quando o projeto éaprovado ele já está garantido, pois os recur-sos estão disponíveis. No caso dos incentivosfiscais à cultura, ge-ralmente a aprova-ção do projeto ape-nas credencia, porum certo período detempo, o seu autor(ou alguém em seunome) a procuraruma empresa que opatrocine, emborapossa haver casosem que o autor jánomeie uma empre-sa como interessa-da. Ou seja, a apro-vação tem um perío-do de validade de-terminado. É claroque, se existe o risco de os produtores culturaisnão encontrarem patrocinadores para seus pro-jetos, será razoável que as comissões tenham odireito de aprovar projetos em um valor supe-rior ao disponível, o que tende a acontecer, comojá ocorre na lei do Município de São Paulo. Masas leis tendem a restringir essa possibilidade,uma vez que trabalham geralmente dentro deparâmetros fixos:a) o percentual da massa de um mesmo im-

posto que os contribuintes podem sacrifi-car para o apoio à cultura (20% na grandemaioria dos casos, podendo chegar até 50%no caso da lei estadual paulista);

b) o percentual das estimativas de arrecadaçãodo respectivo imposto, que varia entre 2 e 5%;

c) nenhum projeto, individualmente conside-rado, pode representar mais do que deter-minado percentual dos recursos colocadosà disposição dos agentes culturais, paraevitar que um ou alguns "rnegaprojetos"açambarquem a totalidade ou a maior par-te dos recursos.Um sexto traço é que, infelizmente, não se

encara com bons olhos a remuneração de espe-cialistas em formatar, produzir, administrar ecaptar recursos para projetos culturais. (Há leisque aceitam essa remuneração, limitando-a a umpercentual máximo sobre o valor do projeto).Tenta-se assim evitar a formação de um seg-mento de especialistas em produção cultural,como se isso introduzisse alguma distorção ir-remediável. Outro cuidado que se vê em alguns

Embora sejam poucas asinformações a respeito dequem financia projetos

culturais, uma conclusãojá se apresenta segura: ade que vem crescendobastante o número de

empresas que aderem asleis de incentivo fiscal à

cultura.

12. Esses cálculos foram feitos por pessoaexperiente na administração da leimunicipal de São Paulo. Seria de seperguntar o desastre que aconteceria seessa restrição de apresentar projetos fosseutilizada pelas agências de fomento àciência, cuja clientela tem nas bolsas depesquisa um complemento precioso deseus parcos vencimentos de professoresuniversitários.

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Page 7: Patrocínio cultural no Brasil

textos legais é evitar que eventos "mundanos"(como coquetéis de vemissage ou noites de au-tógrafo) consumam parcela importante dos re-cursos previstos para um projeto cultural.

Um sétimo traço diz respeito à possibilida-de ou não de o próprio governo que cria o in-centivo poder se beneficiar dele. Ou seja, de aspróprias agências de conservação ou fomentopertencentes ao governo incentivador poderemapresentar projetos às comissões. As leis emgeral aceitam essa possibilidade de concorrên-cia, ressalvando que qualquer projeto de go-verno tem de competir "em pé de igualdade"com os projetos apresentados por particulares.Percebe-se aí o grande perigo que o sucessodessas leis introduz: o de os governos quere-rem transferir para os incentivos suas despesascorrentes com seus eventos e com a manuten-ção de suas entidades culturais.

Um oitavo traço é que a definição dos seg-mentos culturais e atividades financiáveis atra-vés das leis varia de uma localidade a outra.Ou seja, como a cultura artística, além de múl-tipla em termos de linguagem, é suscetível deter seu sistema de classificação flutuante aolongo do tempo, as definições de gêneros e ati-vidades cobertas varia de uma a outra. Even-tos e proteção ao patrimônio estão previstas emtodas. A pesquisa em artes já não é freqüentee, infelizmente, apenas uma lei inclui apoio soba forma de bolsas de estudo.

Uma nona e última característica é o âmbi-to sociogeográfico de cobertura das leis. A exi-gência de que os candidatos a verbas residamno Município ou Estado há um mínimo de anos,prioridades no financiamento de iniciativas quefocalizem a cultura local ou ainda a exigênciade que a iniciativa se realize ou seja divulgadaem primeira mão no Município ou Estado quecriou a lei são os requisitos mais comumenteestabelecidos.

RESULTADOS ALCANÇADOS EPERSPECTIVAS

Embora a maioria das leis aqui comenta-das não tenha produzido resultados reais emintensidade que permitam uma avaliação, ou-tras há que já permitem alguma inferência.

Na cidade de São Paulo, a Lei MarcosMendonça em seu primeiro ano de funciona-mento, 1991, recebeu 253 projetos, dos quaisaprovou vinte e viabilizou doze. Conseguiurepassar para os produtores culturais cerca de272 mil dólares, o que significa uma "taxa de

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aproveitamento" de 3,4%, posto que o total dis-ponível era de oito milhões de dólares. Trêsanos depois, em 1994, tanto em número de pro-jetos quanto em valor efetivamente gasto, seusresultados mostravam um considerável cresci-mento: 453 projetos apresentados, dos quais 236aprovados e 44 realizados. Estes consumiram6,5 milhões de dólares ou aproximadamente33% dos 19,5 milhões de dólares disponíveis.

Embora sejam poucas as informações a res-peito de quem financia, uma conclusão já seapresenta segura: a de que vem crescendo bas-tante o número de empresas que aderem as leisde incentivo fiscal à cultura. Em lugar de só severem os poucos e tradicionais financiadores- grandes bancos privados ou públicos, em-presas de petróleo, tabaco e bebidas,empreiteiras - pode-se ver um rol ampliadode setores, incluindo empresas de ônibus oude limpeza pública, estacionamentos, papela-rias, gráficas e editoras, fábricas de instrumen-tos musicais, escolas particulares e hotéis. En-fim, ramos de atividade em que se pode facil-mente localizar grandes contribuintes de im-postos municipais como ISS ou IPTU. É claroque a nova leva de patrocinadores mobilizaorçamentos pequenos (um ou alguns milharesou dezenas de milhares de reais), enquanto umgrande patrocinador tem um orçamento anual- só para fomento à cultura - em tomo decinco a seis milhões de reais.

No que diz respeito à operacionalidade dosistema, talvez seja necessário aguardar aindaa entrada em vigor de um número maior de leispara se poder chegar a um balanço mais fiel. Apropósito, das leis estaduais, apenas a do Riode Janeiro entrou em vigor, mas sem resulta-dos quantitativos ainda disponíveis.

Mas, como conciliar, na seleção de proje-tos, interesses de produtores culturais com asvariantes de gosto e preferência dos vários seg-mentos sociais em matéria de cultura? Comoevitar fraudes fiscais sem sacrificar a agilida-de necessária ao sistema? Como simplificar amecânica das leis para aumentar o círculo dosfinanciadores e dos financiados? Como inte-grar a participação das várias áreas governa-mentais afetadas pela legislação de incentivo,visando seu melhor funcionamento?

Há ainda um grande número de questões aserem equacionadas e resolvidas nesse percur-so. Os agentes culturais da etapa que se inicianão poderão mais torcer o nariz à empresa pri-vada, encarando a participação delas em culturacomo profanação de um território sagrado. O

RAE • v. 37 • n. 4· Out./Dez. 1997