Paulo Borges: “Cada criador deve ter a capacidade de se expandir"

1
3 SALVADOR TERÇA-FEIRA 14/9/2010 2 ENTREVISTA Paulo Borges “CADA CRIADOR DEVE TER A CAPACIDADE DE SE EXPANDIR” PEDRO FERNANDES Desta quarta-feira a 1º de ou- tubro, o Iguatemi estreia seu novo evento de moda, o Mo- vimento de Moda Iguatemi (MMI), que substitui a Semana Iguatemi de Moda. Diferente dos anos anteriores, além dos desfiles, outras ações integram a programação. Haverá palestras e bate-pa- pos com estilistas como Lino Vil- laventura e Ronaldo Fraga e o jornalista Alcino Leite Neto faz exposição de fotografias das coleções apresentadas na últi- ma temporada no Rio de Ja- neiro e em São Paulo, além de vídeos desses desfiles, pelos cor- redores e praças do shopping. De acordo com a organização, a ideia é trazer mais informação de moda para o público que frequenta o Iguatemi e aumen- tar a sua participação no evento por meio da interatividade. Para falar sobre as mudanças que resultaram no MMI e sobre produção e consumo de moda na Bahia, A TARDE entrevistou o diretor do evento, Paulo Borges, também responsável pela São Paulo Fashion Week e pelo- Fashion Rio. Para Paulo, a Bahia ainda pre- cisa encurtar as distâncias em relação aos grandes centros pa- ra poder produzir e exportar a sua produção. “Olhe, por exemplo, Minas Gerais. Temos vários estilistas e grifes mineiras tanto no SPFW como no Fashion Rio. Além de crescerem, elas levam o nome do Estado e sua cultura para o resto do País e até mesmo ao mundo”. Thiago Teixeira / Ag. A TARDE / 2.9.2009 Para o diretor do MMI, é preciso encurtar distâncias O que motivou as mudanças que transformaram a Semana Iguatemi de Moda no Movimen- to de Moda Iguatemi? Inovar! Evoluir! Ingredientes importantíssimos para a mo- da. Trazer para o público baia- no e seguidor da moda novas possibilidades e oportunida- des de interagir e se conectar comaculturademoda.Encur- tar as distâncias e trazer para o cenário baiano discussões antes só vistas em São Paulo como o Pense Moda e as ex- posições de fotos e roupas inéditas. Fazer da experiência de assistir a um desfile uma nova experiência, e com isso cumprir sua vocação de ser vanguarda em todas as suaspropostas. De que maneira o evento pode ajudar a fomentar a criação e a indústria baiana? Semprequepropõeodiálogo e a interação com a moda e suacultura. O evento agora traz mais infor- mações de moda para os fre- quentadores do shopping. Mas, ainda assim, essas infor mações não dizem respeito ao que está acontecendo na Re- gião Sudeste? A meu ver, a Bahia, no que tange à cultura de moda, pre- cisaseaproximardosgrandes centros, e assim encurtar qualquer distância que exis- ta.Modasefazassimnomun- do inteiro. Quando se fala de evento de moda, não se pode confundirascoisas.Avocação do Iguatemi é oferecer aos seus clientes a melhor infor- mação e produto de moda. No seu mix de grifes estão as mais relevantes e importan- tes do mercado, com distri- buição nacional, e durante to- dos estes anos os eventos rea- lizados pelo Iguatemi se tor- naram referência para todas estas grifes. Fazem parte da agenda delas, fazem parte das suas estratégias para o consumidorlocal. O que falta para a Bahia produ- zir essas informações, consumir e, por ventura, exportar? O que eu sempre digo é que cada criador ou grife tem que ter a capacidade de se expan- dir e distribuir suas ideias e produtos de forma nacional. No momento que tivermos estes nomes, estas grifes, es- palhadas pelo Brasil, natural- mente isto vai acontecer. Veja a música da Bahia! E eu não estou me referindo ao modis- mo atual. Falo de Caymmi, Gal, Bethânia, Gil, Caetano. Eu falo do Brown e de tantos outros. São todos nomes mundiais! A cultura afro-baia- na alcançou o mundo. Para mim a Bahia é o umbigo do Brasil. Digo isto não é de hoje. Talvez a moda tenha que per- correr os mesmos caminhos que estas áreas já percorre- ram. O Brasil adora a Bahia e sua cultura. Será que a Bahia está se enxergando dentro do Brasil? Por que o Brown saiu do Candeal? E o Museu du Rit- mo?Porqueaindanãoéoque jádeveriaser? Do ponto de vista da criação em moda, para conseguir seu nicho no mercado nacional a Bahia te- ria uma vocação específica a ser explorada? Eu não acredito em moda re- gional ou em moda com qual- quer tipo de "apelido". Eu acredito em boa moda, feita e criada por pessoas com talen- to e criatividade, e elas po- dem vir de qualquer direção. Moda, hoje mais do que nun- ca, é feita para inspirar, e é criada a partir do desejo de seu criador, do seu olhar, da sua visão. Eu se fosse um esti- lista, um designer de moda, olharia com certeza para es- tas minhas origens, para a vo- cação do hand made local, pa- ra as matérias-primas dispo- níveis. Mas faço uma obser- vação: Alexander McQueen fez uma das coleções inspira- das na Amazônia mais lindas que já vi. E ele era inglês. Uma das estilistas mais brilhantes que existem, Rei Kawakubo, fez uma coleção inspirada no futebol. O que eu quero dizer é que não precisa ser baiano para criar a partir da cultura da Bahia, mas se a Bahia qui- serserreferênciaparaamoda de alguns estilistas, ela tem que provocar este desejo. Isto pairanoar,nacabeçadequal- quer criador. O Rio de Janeiro provocouistonomundo. Já existe alguém fazendo isso? Eu não sei afirmar. Da forma como eu vejo "inspiração", realmentenãoseidizer. Em Salvador temos o mercado imobiliário em expansão, pré- dios cada vez mais altos à bei- ra-mar e em suas áreas verdes. Como você tem uma relação profunda com a cidade e tam- bém um olhar de fora, essas transformações estéticas já se manifestam na moda? Nãoacreditonisso.Estatrans- formaçãonãotrariaalteração tão rápida no modo das pes- soas se vestirem. Mas estas transformações pelas quais Salvador está passando de certa forma me preocupam. Esse "progresso" não pode ser simplesmente de expan- são. Como disse, a cidade car- rega uma história única e ex- tremamente importante pa- ra o País. Ela deve salvaguar- dar a sua identidade. O que está sendo feito sobre isso? A Bahia, assim como Salvador, deve demandar uma política muito mais participativa no cenário nacional, principal- mentepeloseuvalorhistórico e cultural. Se esta história de- saparece, grande parte do Brasilvaiemboracomela. O Ministério da Cultura reco- nheceu este ano a moda como parte da área cultural. Com isso será possível pensar em políti- cas públicas para o setor. Elas são mesmo necessárias? Claro que sim. Primeiro por- quehouveumreconhecimen- to histórico, diga-se de passa- gem, pelo então ministro da Cultura Gilberto Gil, baiano dos mais especiais, para tudo que trata o tema moda. Aí es- tamos falando da produção criativa, dos saberes tradicio- nais, da diversidade e da in- clusão, do fomento da nossa cultura em nossos produtos e matérias-primas, e por aí se- gue uma lista enorme de pos- sibilidades. A partir deste re- conhecimento pode se esta- belecer relações claras e pro- positivas nas políticas públi- casemrelaçãoàmoda.Agora é importante entender a pro- fundidade e a seriedade disto tudo.Trata-sedevermodaco- mo uma expressão cultural, e nãoapenasparalevantarfun- dos incentivados para este ou aquele projeto. É uma mu- dança de paradigmas e todos da moda devem procurar co- nhecer os seus “deveres”, pa- ra desfrutar desses novos “poderes”. Eu não acredito em moda regional ou em moda com qualquer tipo de "apelido". Eu acredito em boa moda, feita e criada por pessoas com talento A cidade carrega uma história única e importante para o País. Ela deve salvaguardar sua identidade

description

Entrevista com Paulo Borges, idealizador e diretor artístico da São Paulo Fashion Week e do Movimento de Moda Iguatemi, publicada no Caderno 2+, do Jornal A Tarde

Transcript of Paulo Borges: “Cada criador deve ter a capacidade de se expandir"

Page 1: Paulo Borges: “Cada criador deve ter a capacidade de se expandir"

3SALVADOR TERÇA-FEIRA 14/9/2010 2ENTREVISTA Paulo Borges

“CADA CRIADOR DEVETER A CAPACIDADEDE SE EXPANDIR”PEDRO FERNANDES

Desta quarta-feira a 1º de ou-tubro, o Iguatemi estreia seunovo evento de moda, o Mo-vimento de Moda Iguatemi(MMI), que substitui a SemanaIguatemi de Moda. Diferentedos anos anteriores, além dosdesfiles, outras ações integrama programação.

Haverá palestras e bate-pa-pos com estilistas como Lino Vil-laventura e Ronaldo Fraga e ojornalista Alcino Leite Neto fazexposição de fotografias das

coleções apresentadas na últi-ma temporada no Rio de Ja-neiro e em São Paulo, além devídeosdessesdesfiles,peloscor-redores e praças do shopping.

Deacordocomaorganização,a ideia é trazer mais informaçãode moda para o público quefrequenta o Iguatemi e aumen-tar a sua participação no eventopor meio da interatividade.

Para falar sobre as mudançasque resultaram no MMI e sobreprodução e consumo de modana Bahia, A TARDE entrevistou odiretordoevento,PauloBorges,

também responsável pela SãoPaulo Fashion Week e pelo-Fashion Rio.

Para Paulo, a Bahia ainda pre-cisa encurtar as distâncias emrelação aos grandes centros pa-ra poder produzir e exportar asua produção.

“Olhe, por exemplo, MinasGerais. Temos vários estilistas egrifes mineiras tanto no SPFWcomo no Fashion Rio. Além decrescerem, elas levam o nomedo Estado e sua cultura para oresto do País e até mesmo aomundo”.

Thiago Teixeira / Ag. A TARDE / 2.9.2009

Para o diretordo MMI,é precisoencurtardistâncias

O que motivou as mudançasque transformaram a SemanaIguatemideModanoMovimen-todeModaIguatemi?

Inovar! Evoluir! Ingredientesimportantíssimos para a mo-da.Trazerparaopúblicobaia-no e seguidor da moda novaspossibilidades e oportunida-des de interagir e se conectarcomaculturademoda.Encur-

tar as distâncias e trazer parao cenário baiano discussõesantes só vistas em São Paulocomo o Pense Moda e as ex-posições de fotos e roupasinéditas.Fazerdaexperiênciade assistir a um desfile umanova experiência, e comisso cumprir sua vocação deser vanguarda em todas assuaspropostas.

De que maneira o evento podeajudar a fomentar a criação e aindústriabaiana?

Semprequepropõeodiálogoe a interação com a moda esuacultura.

O evento agora traz mais infor-mações de moda para os fre-quentadores do shopping.Mas, ainda assim, essas infor

mações não dizem respeito aoque está acontecendo na Re-giãoSudeste?

A meu ver, a Bahia, no quetange à cultura de moda, pre-cisaseaproximardosgrandescentros, e assim encurtarqualquer distância que exis-ta.Modasefazassimnomun-do inteiro. Quando se fala deevento de moda, não se podeconfundirascoisas.Avocaçãodo Iguatemi é oferecer aosseus clientes a melhor infor-mação e produto de moda.No seu mix de grifes estão asmais relevantes e importan-tes do mercado, com distri-buiçãonacional,eduranteto-dosestesanososeventosrea-lizados pelo Iguatemi se tor-naram referência para todasestas grifes. Fazem parte daagenda delas, fazem partedas suas estratégias para oconsumidorlocal.

O que falta para a Bahia produ-ziressas informações,consumire,porventura,exportar?

O que eu sempre digo é quecada criador ou grife tem queter a capacidade de se expan-dir e distribuir suas ideias eprodutos de forma nacional.No momento que tivermosestes nomes, estas grifes, es-palhadas pelo Brasil, natural-mente istovaiacontecer.Vejaa música da Bahia! E eu nãoestou me referindo ao modis-mo atual. Falo de Caymmi,Gal, Bethânia, Gil, Caetano.Eu falo do Brown e de tantosoutros. São todos nomesmundiais!Aculturaafro-baia-na alcançou o mundo. Paramim a Bahia é o umbigo doBrasil.Digoistonãoédehoje.Talvez a moda tenha que per-correr os mesmos caminhosque estas áreas já percorre-ram. O Brasil adora a Bahia esua cultura. Será que a BahiaestáseenxergandodentrodoBrasil? Por que o Brown saiudoCandeal?EoMuseuduRit-mo?Porqueaindanãoéoquejádeveriaser?

Do ponto de vista da criação emmoda,paraconseguirseunichono mercado nacional a Bahia te-ria uma vocação específica a serexplorada?

Eu não acredito em moda re-gionalouemmodacomqual-quer tipo de "apelido". Euacreditoemboamoda,feitaecriada por pessoas com talen-to e criatividade, e elas po-dem vir de qualquer direção.Moda, hoje mais do que nun-ca, é feita para inspirar, e écriada a partir do desejo deseu criador, do seu olhar, dasua visão. Eu se fosse um esti-lista, um designer de moda,olharia com certeza para es-tasminhasorigens,paraavo-caçãodohandmade local,pa-ra as matérias-primas dispo-níveis. Mas faço uma obser-vação: Alexander McQueenfez uma das coleções inspira-das na Amazônia mais lindasquejávi.Eeleera inglês.Umadas estilistas mais brilhantes

que existem, Rei Kawakubo,fez uma coleção inspirada nofutebol. O que eu quero dizeré que não precisa ser baianopara criar a partir da culturada Bahia, mas se a Bahia qui-serserreferênciaparaamodade alguns estilistas, ela temqueprovocarestedesejo. Istopairanoar,nacabeçadequal-quer criador. O Rio de Janeiroprovocouistonomundo.

Jáexistealguémfazendoisso?Eu não sei afirmar. Da formacomo eu vejo "inspiração",realmentenãoseidizer.

Em Salvador temos o mercadoimobiliário em expansão, pré-dios cada vez mais altos à bei-ra-mar e em suas áreas verdes.Como você tem uma relaçãoprofunda com a cidade e tam-bém um olhar de fora, essastransformações estéticas já semanifestamnamoda?

Nãoacreditonisso.Estatrans-formaçãonãotrariaalteraçãotão rápida no modo das pes-soas se vestirem. Mas estastransformações pelas quaisSalvador está passando decerta forma me preocupam.Esse "progresso" não podeser simplesmente de expan-são. Como disse, a cidade car-rega uma história única e ex-tremamente importante pa-ra o País. Ela deve salvaguar-dar a sua identidade. O queestá sendo feito sobre isso? ABahia, assim como Salvador,deve demandar uma políticamuito mais participativa nocenário nacional, principal-mentepeloseuvalorhistóricoe cultural. Se esta história de-saparece, grande parte doBrasilvaiemboracomela.

O Ministério da Cultura reco-nheceu este ano a moda comoparte da área cultural. Com issoserá possível pensar em políti-cas públicas para o setor. Elassãomesmonecessárias?

Claro que sim. Primeiro por-quehouveumreconhecimen-to histórico, diga-se de passa-gem, pelo então ministro daCultura Gilberto Gil, baianodos mais especiais, para tudoque trata o tema moda. Aí es-tamos falando da produçãocriativa, dos saberes tradicio-nais, da diversidade e da in-clusão, do fomento da nossacultura em nossos produtos ematérias-primas, e por aí se-gue uma lista enorme de pos-sibilidades. A partir deste re-conhecimento pode se esta-belecer relações claras e pro-positivas nas políticas públi-casemrelaçãoàmoda.Agoraé importante entender a pro-fundidade e a seriedade distotudo.Trata-sedevermodaco-mo uma expressão cultural, enãoapenasparalevantarfun-dos incentivados para este ouaquele projeto. É uma mu-dança de paradigmas e todosda moda devem procurar co-nhecer os seus “deveres”, pa-ra desfrutar desses novos“poderes”.

Eu não acreditoem moda regionalou em moda comqualquer tipo de"apelido". Euacredito em boamoda, feita ecriada por pessoascom talento

A cidade carregauma história únicae importante parao País. Ela devesalvaguardar suaidentidade