Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

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AFFONSO D’E. TAUNAY E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA BANDEIRANTE por PAULO CAVALCANTE DE OLIVEIRA JUNIOR Departamento de História Dissertação de Mestrado em Historiografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor Afonso Carlos Marques dos Santos. Rio de Janeiro, 2º semestre de 1994

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O historiador Affonso d’Escragnolle Taunay, na sua produção acerca da expansão vicentina, inventa historiograficamente a tradição bandeirante, isto é, constrói a memória bandeirante. O autor acredita numa verdade histórica absoluta e sujeita à constante rememoração. Na constituição do tema ele vale-se, em particular, das contribuições específicas de Capistrano de Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e Auguste de Saint-Hilaire. A história das Bandeiras de sua autoria é um veículo de memória porque nela as palavras, os títulos, os temas e a interpretação portam uma dimensão simbólica que ultrapassa a configuração científica da realidade histórica.

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AFFONSO D’E. TAUNAY E A CONSTRUÇÃO DA

MEMÓRIA BANDEIRANTE

por

PAULO CAVALCANTE DE OLIVEIRA JUNIOR

Departamento de História

Dissertação de Mestrado em Historiografia apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Orientador: Professor Doutor Afonso Carlos Marques dos Santos.

Rio de Janeiro, 2º semestre de 1994

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Disponível em: http://teses2.ufrj.br/Teses/IFCS_M/PauloCavalcantedeOliveiraJunior.pdf Publicado, na íntegra, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, a. 156, n. 387, pp. 343-457, abr./jun. 1995.
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Affonso d’Escragnolle Taunay

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iv

Aos meus pais,

Neide e Paulo

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v

AGRADECIMENTOS

O fim de toda jornada é sempre um momento

peculiar: diante dele alcançamos a consciência de que há muito

a percorrer. Esse sentimento de finitude impõe a tarefa de

agradecer àqueles que contribuíram no cumprimento desta etapa.

Ao longo do curso, da pesquisa e da redação do texto

final tive a felicidade de contar com o apoio e a confiança do

Prof. Dr. Afonso Carlos Marques dos Santos, orientador desta

dissertação. Os seus seminários, as questões por ele propostas e

o convívio sempre estimulante e bem-humorado facilitaram

bastante o meu caminho. O Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais da UFRJ, além de intermediar o financiamento do CNPq,

propiciou o encontro com historiadores dos quais obtive

consideração e inspiração. Assim ocorreu, com o Prof. Dr. Arno

Wheling e com a Profª. Drª. Maria Eurydice de Barros Ribeiro.

O registro de um outro grupo de profissionais muito

me apraz porquanto são originários, assim como eu, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Presença decisiva,

constante e insubstituível é Maria Helena do Prado Reis. Por

suas mãos iniciei a carreira do magistério superior e em virtude

de sua insistência implacável e afetuosa hoje posso redigir este

agradecimento. Ainda no campo dos mestres sem-par, recebi de

Nilo Garcia uma acolhida fora do comum no interior do seu lar-

biblioteca. Cercado pelos seus numerosos e especializados

livros, pude ouvi-lo discorrer lucidamente acerca dos temas

relativos ao Brasil colonial. Das suas lições permanece, sem

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vi

dúvida, o que houver de relevante neste trabalho. Em Marcos

Guimarães Sanches encontrei um amigo de todas as horas e

fonte de vivo estímulo intelectual por seu apego à polêmica

historiográfica. Por fim, tive em Miguel Arcanjo de Souza um

interlocutor e colega de curso igualmente dedicado ao estudo do

século XVII.

No dia a dia da pesquisa contei com o inestimável

auxílio de Rogério Cunha de Castro. Sua dedicação superou os

limites da relação professor-aluno, revelando competência, real

vocação e sincera amizade. O cotidiano guarda mais

proximidade com a família e dela recebi um apoio muito maior

do que o possível. Um exemplo é o meu primo Ricardo Luiz

Barreiros Motta que editorou eletronicamente o volume.

Para além de qualquer hierarquia, reservo estas

últimas linhas para Vera Lúcia Bogéa Borges. Professora e

historiadora, sua presença essencial é responsável pelo incentivo

afetivo e profissional, enfim, pela conclusão da jornada.

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RESUMO

O historiador Affonso d’Escragnolle Taunay, na sua

produção acerca da expansão vicentina, inventa

historiograficamente a tradição bandeirante, isto é, constrói a

memória bandeirante. O autor acredita numa verdade histórica

absoluta e sujeita à constante rememoração. Na constituição do

tema ele vale-se, em particular, das contribuições específicas de

Capistrano de Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de

Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e Auguste

de Saint-Hilaire. A história das Bandeiras de sua autoria é um

veículo de memória porque nela as palavras, os títulos, os temas

e a interpretação portam uma dimensão simbólica que ultrapassa

a configuração científica da realidade histórica.

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ABSTRACT

The historian Affonso d’Escragnolle Taunay, in his

production of the “Vicentina” expansion, historiographically

invents the “bandeirante” (explorer) tradition, that’s to say, he

builds up the memory of this exploring group. The author

believes in a absolute historic truth, liable to constant

remembrance. In order to build up the theme, he especially

makes use of specific contribution given by Capistrano de

Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de Almeida Paes Leme,

Frei Gaspar da Madre de Deus and Auguste de Saint-Hilaire.

The history of the “Bandeiras” of his authorship is a “lieu de

mémoire” (a vehicle of memory) in that the words, titles,

themes and interpretation to be found in it bear a symbolic

dimension, surpassing the scientific configuration of the

historic reality.

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SUMÁRIO 1 . INTRODUÇÃO................................................................................ 1 2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O CONHECIMENTO HISTÓRICO.. 9 2.1 Taunay e sua época..................................................................... 10 2.2 A tradição como repetição: uma estratégia.................................. 18 2.3 A história como ciência............................................................... 25 2.4 José Honório e o revisionismo histórico...................................... 36 3 . O PRESENTE E O PASSADO NA CONSTRUÇÃO DA

MEMÓRIA......................................................................................

54 3.1 A contribuição do presente.......................................................... 56 3.1.1 Capistrano de Abreu........................................................... 56 3.1.2 Washington Luís................................................................ 63 3.2 A contribuição do passado.......................................................... 67 3.2.1 Pedro Taques..................................................................... 67 3.2.2 Frei Gaspar........................................................................ 73 3.2.3 Taques e Gaspar por Taunay.............................................. 78 3.2.4 Auguste de Saint-Hilaire.................................................... 87 4 . A HISTÓRIA DAS BANDEIRAS COMO VEÍCULO DE

MEMÓRIA......................................................................................

90 4.1 A memória nas palavras e nos títulos........................................... 92 4.2 A luta pela memória.................................................................... 105 4.3 Os temas estruturadores da memória........................................... 117 4.4 A mitificação do bandeirante....................................................... 131 4.4.1 Antônio Raposo Tavares.................................................... 134 4.4.2 Fernão Dias Pais................................................................ 145 5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 152 6 . FONTES.......................................................................................... 155 6.1 Obras de Affonso d'E. Taunay..................................................... 156 6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E.

Taunay.......................................................................................

167 6.3 Documentos Publicados por Affonso d'E. Taunay Relacionados

ao Bandeirismo.......................................................................... 168 6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay.............. 168 6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas...................... 170 7 . BIBLIOGRAFIA............................................................................. 172 7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho......................... 173

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7.2 Artigos e Partes de Monografias.................................................. 175 7.3 Livros....................................................................................... 181 7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico.......... 181 7.3.2 De Caráter Geral................................................................ 191 7.3.3 De Caráter Específico........................................................ 197

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ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Estátua de Antônio Raposo Tavares, de Luiz Brizzolara........ 47 Figura 2 - Estátua de Fernão Dias Pais, de Luiz Brizzolara.................... 48 Figura 3 - Hall e escadaria do Museu Paulista....................................... 49 Figura 4 - A Partida da Monção, óleo de Almeida Júnior....................... 50 Figura 5 - A Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva..... 51 Figura 6 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral, óleo de Oscar

Pereira da Silva..................................................................... 52 Figura 7 - Fundação de São Vicente, óleo de Benedito Calixto............. 53 Figura 8 - Milicianos índios de Mogi das Cruzes combatendo

Botocudos, de Jean Baptiste Debret...................................... 128

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O homem não vive somente a sua vida

individual; consciente ou inconscientemente

participa também da vida da sua época e dos

seus contemporâneos.

Thomas Mann. A Montanha Mágica .

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1. INTRODUÇÃO

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No campo do conhecimento histórico, os estudos

acerca da expansão vicentina, também chamada de

bandeirantismo ou bandeirismo, tiveram grande proeminência

nas primeiras décadas deste século. Muitos nomes podem ser

arrolados para representar esse conjunto: Basílio de Magalhães,

Alfredo Ellis Júnior, Alcântara Machado, Carvalho Franco, entre

outros. Um autor, porém, se destaca pelo resultado do seu

trabalho: Affonso d'E. Taunay.

Se tomarmos como critério de comparação a

quantidade de livros ou artigos escritos, a situação dos demais

seria humilhante, mesmo hoje é difícil citar algum historiador

brasileiro que tenha publicado mais do que ele. Contudo, sendo

a nossa abordagem também qualitativa, percebemos de imediato

que o autor muito publicou porque muito repetiu. Caso nos

detivéssemos nessa constatação, não teríamos como

problematizar a obra historiográfica de alguém que mais parece

um plagiário de si próprio.

Realmente, o que detectamos na obra de Taunay é a

retomada da tradição bandeirante numa dimensão histórica.

Munido do método e da crença absoluta na cientificidade da

história, ele recolheu a tradição já estabelecida e, juntamente

com os novos documentos descobertos, deu nova vida ao

"nobre" passado paulista.

Taunay bradou contra o esquecimento da temática

bandeirante, verificado até sua época, e reivindicou para esta um

lugar de destaque entre os fatos memoráveis tanto da história de

São Paulo como do Brasil e do mundo. A expansão bandeirante

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constituía um "capítulo original dos fastos brasileiros", o autor

afirmava a "singularidade deste movimento no conjunto da

História Universal".

Ele exultou aqueles que no passado se debruçaram

sobre a questão (Pedro Taques e Frei Gaspar, por exemplo),

reeditando suas obras e acrescentando-lhes estudos específicos.

A habilidade com que abordou, fundamentou, sistematizou,

publicou, enfim, inventou historiograficamente a tradição

bandeirante conduz Taunay a um plano destacado dentre os

demais historiadores envolvidos na mesma empresa.

Em suma, a competência revelada na construção do

tema das Bandeiras por Taunay foi, certamente, de memória e

não de história . No dizer de Pierre Nora, a história "é a

reconstrução sempre problemática e incompleta do que não é

mais" 1, longe de expressar uma consciência deste tipo, o

historiador sempre desejou reter, evocar, exaltar ou

simplesmente reconstituir o passado histórico. Os objetos por

ele tomados foram sacralizados, atualizados por uma

temporalidade nunca rompida, destinaram-se a lembrar com

afeto e magia uma experiência coletiva idealizada, enfim, foram

mitificados para que pudessem melhor traduzir a sua

simbologia.

Por ter como preocupação primordial a extração da

verdade histórica do documento verdadeiro - fator que o vincula

à história-ciência - por desejar a recuperação integral do que

1NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de

Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XIX.

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foi, termina por mitificar lugares, eventos e personagens. Por

exemplo, o rio Tietê foi o lugar, o veículo por excelência da

penetração no interior; as expedições desbravadoras do sertão

(bandeiras) são o exemplo da batalha da construção territorial;

os protagonistas destes eventos (os bandeirantes) são os heróis

que contra tudo lutam antecipando as glórias da nação. Ao invés

de reconstruir o autor reconstituiu , fugindo à problematização e

priorizando o exercício regulado da memória.

Nossa abordagem é historiográfica por ser este o

procedimento indicado para efetivar a definitiva separação entre

história e memória. Por isso estamos em condição de afirmar

que os trabalhos de Taunay relativos à história das Bandeiras

objetivam construir a memória bandeirante. Hoje, ainda segundo

Nora, podemos falar tanto em memória porque ela não existe

mais. O que sobrevive de forma residual são os lugares de

memória e neles encontramos ainda um sentimento da

continuidade rompida pela aceleração da história. Somos

capazes de interrogar a produção historiográfica de Taunay uma

vez que não nos sentimos mais atingidos por ela. Portanto, nossa

perspectiva realiza o cruzamento de dois movimentos: "de um

lado um movimento puramente historiográfico, o momento de

um retorno reflexivo da história sobre ela mesma, de outro lado

um movimento propriamente histórico, o fim de uma tradição de

memória" 2.

São obras de referência sobre Taunay os trabalhos de

Odilon Nogueira de Matos e o de Myriam Ellis, em co-autoria

2NORA, P. Op. cit., p. XXIII.

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com Rosemarie Erika Horch 3. Estes estudos foram motivados

pelo centenário do nascimento do historiador, revestindo-se de

um caráter nitidamente comemorativo. Se, por um lado, estes

livros ocupam um espaço necessário, por outro, não trazem - e

mesmo não pretendem trazer - qualquer problema adicional,

qualquer perspectiva nova ou abordagem diferenciada. Seus

objetivos são apenas decantar Taunay como "homem e mestre"

ou como "historiador de São Paulo e do Brasil".

Há, ainda, dois trabalhos que tratam da relação do

historiador com partes de sua obra. José Pedro Leite Cordeiro

publicou na Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro um pequeno texto intitulado Afonso de Taunay e a

História das Bandeiras, nele, a admiração e o registro do vulto

da empresa superam o aspecto crítico. De diversa origem é o

estudo de Eduardo Rubião Martins Rodrigues. Originalmente,

uma dissertação de mestrado tem como objetivo realizar uma

revisão crítica dos trabalhos de Taunay sobre o Iguatemi

colonial (Mato Grosso do Sul) 4.

Registra-se, assim, uma insuficiência de trabalhos

sobre Taunay e sua obra entre aqueles que procuram tomá-lo nos

quadros de uma problemática específica. Mas dois autores

constituem importante exceção: José Honório Rodrigues e Katia

3ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho

de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. MATOS, O. N. de.

Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio Bibliográfico. São Paulo

: USP, 1977.

4CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-213. RODRIGUES, E. R. M. Iguatemi visto por

Taunay: ensaio de uma revisão crítica (1769-1778). São Paulo : Dissertação de Mestrado apresentada ao

Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1978.

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6

Maria Abud 5. O primeiro, num artigo de cunho historiográfico,

posiciona Taunay no mesmo patamar de Varnhagen e Capistrano

de Abreu além de considerá-lo um representante do chamado

revisionismo histórico; o segundo, numa tese de doutorado,

busca "reconstruir a História da história das bandeiras e os

mecanismos e relações que transformaram o bandeirante num

símbolo paulista" 6. Embora muito avançando frente ao cenário

anterior meramente laudatório, especialmente Abud, a

problematização do tema das Bandeiras com o tema da memória

numa investigação historiográfica permaneceu inédita.

Para desenvolvermos de forma factível essa extração

da memória é necessário articularmos algumas oposições:

passado e presente, lembrança e esquecimento, mito e realidade.

Aplicamos estas oposições principalmente nos textos específicos

sobre o bandeirismo (História Geral das Bandeiras Paulistas ,

História das Bandeiras Paulistas , Na Era das Bandeiras, etc.),

naqueles destinados a elogiar as contribuições de Pedro Taques

de Almeida Paes Leme e Frei Gaspar da Madre de Deus e no

Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. Numa conferência

onde faz um balanço da situação do conhecimento histórico no

seu tempo e publicada com o título Os Princípios Gerais da

Moderna Crítica Histórica , encontramos explicitamente a sua 5ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o

bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay e o Revisionismo

Histórico. In: História e Historiadores. Rio de Janeiro : Fulgor, 1965. p. 135-147. RODRIGUES, J. H.

Afonso d'E. Taunay e a História do Brasil. In: História Combatente. Rio de Janeiro : Nova Fronteira,

1982. p. 233-254. Temos notícia que Maria José Elias desenvolve tese de mentodoutora problematizando

a atuação de Taunay frente ao Museu Paulista. Cf. NOVAIS, F. A. O Monumento da Independência: da

Monarquia à República. In: Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do

Edifício do Museu Paulista da USP. São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 14.

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7

concepção de história e, na Correspondência de Capistrano de

Abreu , podemos dimensionar a influência deste sobre Taunay.

De acordo com Jacques Le Goff, a história torna-se

científica quando faz a crítica dos documentos que chama

"fontes". Ainda mais, devem ser estudadas as condições de

produção do documento uma vez que nenhum documento é

inocente, todo documento é um monumento que deve ser

desestruturado, desmontado:

O poder sobre a memória futura, o poder de perpetuação deve ser reconhecido e desmontado pelo historiador.7

O desmonte deste poder envolve, finalmente, não só

a discussão de sua falsidade ou credibilidade, como também a

sua desmistificação, uma transformação de "sua função de

mentira em confissão de verdade" 8. Na obra de Taunay, relativa

às Bandeiras, tomando-a como documento/monumento condutor

de uma memória, a bandeirante, e objetivando demonstrar como

ela foi historiograficamente construída, dissertamos ao longo de

três capítulos.

O primeiro capítulo estabelece uma ligação entre a

concepção histórica de Taunay e o seu comprometimento

visceral com a lembrança dos "fastos paulistas". Ainda neste

capítulo, discutimos a sua caracterização como "revisionista

histórico" proposta por José Honório Rodrigues. 6ABUD, K. M. Op. cit., p. 12

7LE GOFF, J. História. In: Enciclopédia Einaudi: Memória-História. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa

da Moeda, 1984. v. 1. p. 210.

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8

O segundo capítulo identifica os dois conjuntos de

influências responsáveis pela tendência manifestada nos escritos

de Taunay para a evocação, para a restauração no presente do

que foi o passado, são eles: o primeiro, Capistrano de Abreu e

Washington Luís, o segundo, Pedro Taques, Frei Gaspar e

Auguste de Saint-Hilaire.

O capítulo final discute porque a história das

bandeiras é um veículo de memória, procurando demonstrar, em

especial, como Taunay estruturou a narrativa e como mitificou

os personagens históricos.

8Ibid., p. 221.

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2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O

CONHECIMENTO HISTÓRICO

A História se faz com os documentos

e só com os documentos.

Taunay. Os Princípios da Moderna Crítica Histórica .

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10

2.1 Taunay e sua época

Nascido em Santa Catarina a 11 de julho de 1876,

Affonso d'Escragnolle Taunay formou-se engenheiro civil na

Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1900), foi preparador de

Química da Escola Politécnica de São Paulo e, a partir de 1911,

professor catedrático de Física Experimental na mesma

instituição 9. A sua ligação profissional com as chamadas

ciências exatas, que o levara a São Paulo, findou em 1923

quando foi definitivamente efetivado no cargo de diretor do

Museu Paulista por Washington Luís Pereira de Souza, então

presidente do Estado de São Paulo 10.

A atividade de diretor marcou profundamente a sua

vida. Mesmo após aposentado compulsoriamente, aos setenta

anos, lá permaneceu beneficiado por um gratificante decreto que

lhe concedeu o direito de freqüentá-lo, com prerrogativas, e

desenvolver normalmente suas pesquisas 11. A opção pelo

também chamado Museu do Ipiranga foi testada quando

enfrentou o desafio de escolher entre continuar professor de

História da Civilização Brasileira da recém criada Universidade

de São Paulo e o cargo de direção. Não hesitou. Continuou no

Museu.

9ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho

de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 20-21.

10Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do Edifício do Museu Paulista da USP.

São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 11. Ele dirigia a instituição desde 1916.

11CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-199.

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11

Odilon Nogueira de Matos informa que o primeiro

trabalho de vulto de Taunay foi o Léxico de Termos Técnicos e

Científicos, publicado em 1909 12. Os estudos lexicográficos

ocuparam tempo, laudas, a erudição de Taunay e, especialmente,

a paciência do ilustre amigo historiador. Capistrano de Abreu

não tolerava a polêmica em torno da Língua que Taunay

mantinha com o dicionarista português Cândido de Figueiredo: 13

Affonso amigo, Voltou você ao vômito! Que pena! Nem compreendo

como insista em gastar tanto e tão precioso tempo a discutir com o homem do chinó.

Infeliz mania! Basta! Já V. lembrou os casos do florianista, da

sirema, do guaxupé, do aeroplano e quejandas asnices. Para que mais?

Tantaene animis! Convença-se de que matou e enterrou o sujeito e,

assim, recuperando a saúde mental, cuide de assuntos sérios. 14

Em 1910, com o livro Crônica do Tempo dos

Felipes , Taunay aproxima-se da História através de um romance

cujo cenário é o litoral nordestino ao tempo da União Ibérica e

da invasão holandesa. Em decorrência do espaço cada vez maior

que vinha adquirindo no meio intelectual da época, o ano

subseqüente, contemplou o seu ingresso no Instituto Histórico e

12MATOS, O. N. de. Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio

Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. p. 26.

13Além do Léxico inicial o autor ainda publicaria Léxico de lacunas (1914), Reparos ao dicionário de

Cândido de Figueiredo (1926), A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência dos grandes

dicionários portugueses (1927), Insuficiência e deficiência dos grandes dicionários portugueses (1928) e

Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários portugueses (1932). Os livros têm como origem os

reparos feitos na imprensa em 1923 a terceira edição do Dicionário da língua portuguesa de Cândido de

Figueiredo.

14RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1.

p.349.

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12

Geográfico de São Paulo e no Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, como afirma:

A Comissão de Admissão de Sócios, examinando a proposta que indica para Sócio correspondente do Instituto Histórico (IHGB) o Dr. Affonso d'Escragnolle Taunay, é de parecer que a mesma deve ser aprovada, visto preencher o proposto as condições estabelecidas pelos Estatutos, além de ser portador dum nome tão caro ao Instituto.

Sala das Sessões, 25 de agosto de 1911. 15

Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo... Por

detrás do percurso geográfico diverso esconde-se a imensa

dispersão intelectual de Taunay. A origem francesa, a vivência e

presença histórica da família Taunay (que remonta à missão

artística de 1816); o peso da influência literária e o apreço pelo

regime imperial do pai, o Visconde; o contexto da época em que

se instala na cidade de São Paulo, onde é tomado pelo clima

“das mais virentes e futurosas civilizações contemporâneas” 16;

todos esses são elementos que combinados sustentam as opções

pelos temas, a possibilidade do método, a ausência de reflexão

teórica acerca do conhecimento histórico, a erudição, por fim, a

vontade interior de responder - através da história - à demanda

dos paulistas por uma identidade social presente, que deveria ser

ancorada no passado histórico e projetada no futuro

resplandescente 17.

15Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. LXXIV, parte II, 1912. p. 618. É

lícito concluir que o nome Taunay, mais do que qualquer preceito estatutário, foi determinante na sua

aprovação.

16TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours :

E. Arrault & Cia., 1920. p. 141.

17Pensamos, juntamente com Michael Pollak, que a memória coletiva, fenômeno construído socialmente,

“é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em

que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de

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13

Estes paulistas restringem-se à elite política e

econômica, a intelectuais e escritores interessados pela história

de sua região. De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz,

eles eram uma:

pequena minoria letrada em meio a população cada vez mais avultada no estado; tanto mais que mesmo nas camadas superiores, era modesta a quantidade dos que tomavam conhecimento do que era publicado pelo pequeníssimo grupo dos homens de letras. 18

O tema privilegiado para tentar produzir o efeito de

identificação coletiva e funcionar como instrumento de coesão

social, foi o das Bandeiras. O bandeirismo - ou bandeirantismo 19

- retrocede à expedição de Martim Afonso de Sousa, à fundação

de São Paulo, fincando, lá, o marco inicial da trajetória dos

paulistas. O tema adquire um sentido mais grandiloqüente

quando o paulista, travestido de bandeirante, combate os índios

que tentam impedir o estabelecimento da cidade, avança sertão

adentro em busca de metais e mão-de-obra, terminando por

ampliar “irremediavelmente” o território do Brasil, confirmado

pelo Tratado de Madri, de 1750.

Tomamos os trabalhos de Taunay relativos à história

das Bandeiras objetivando demonstrar como o autor constrói,

uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.” POLLAK, M. Memória e Identidade Social.

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 204.

18QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.

13, 1992. p. 85.

19O problema da origem e do significado dos termos “bandeira” e “bandeirante” é tratado no início do

terceiro capítulo. Por hora sublinhamos algo aparentemente óbvio: “bandeirismo” provém de “bandeira” e

“bandeirantismo” de “bandeirante”. Portanto, Taunay atribuirá preferencialmente, mas não

exclusivamente, ao tema da expansão vicentina nos séculos XVI, XVII e XVIII (primeira metade) a

denominação de bandeirantismo por remarcar a atuação do bandeirante.

Page 26: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

14

amparado numa tradição que ele mesmo reinventa, a memória

bandeirante através da produção historiográfica. Ele recria

porque a imagem do bandeirante, na forma como fora

estruturada por Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus,

no século XVIII, ficou adormecida, posta de lado 20. Segundo

Katia Maria Abud:

O bandeirante - nobre ou mameluco - mas sempre grandioso, jazia à espera que o contexto histórico novamente o chamasse, em defesa de valores, trazidos no bojo daquele contexto. 21

Esse “contexto” principiara com a expansão da

economia cafeeira no estado de São Paulo no último quartel do

século XIX, a mais dinâmica de todo o Brasil como considera

Joseph Love 22. Assim, em 1920 mais de dois sétimos do valor

total da produção agrícola e industrial nacional procedem de São

Paulo. Dezenove anos depois o estado é três vezes maior do que

o segundo colocado, o Rio Grande do Sul. A preponderância dos

setores exportador e manufatureiro permitiu ao estado esta

liderança inquestionável. Café e industrialização imbricam-se no

processo de ascensão, primazia e manutenção do estado de São

Paulo na vanguarda da federação. A confortável imagem da

locomotiva, simbolizando São Paulo e puxando os seus vagões,

os demais estados brasileiros, tem as suas razões de ser aos

20A partir de Katia Abud, Queiroz sintetiza a estruturação de Taques e Gaspar: “Pela primeira vez foi

traçada a imagem do sertanista desbravador, indômito, cheio de iniciativas, conquistador e rebelde. Tais

ingredientes (...) indicam a formação de uma imagem lendária.” QUEIROZ, M.I.P. de. Op. cit., p. 80.

21ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o

bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 110.

22LOVE, J. L. A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro : Paz e

Terra, 1982. p. 63.

Page 27: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

15

olhos da elite paulista contemporânea 23. Convém lembrar que

Taunay se ocupou do tema da expansão do café em obra de

quinze volumes e com financiamento oficial 24.

Se o estado como um todo cresce e amplifica

progressivamente a sua influência sobre o país, a cidade, ao

mesmo tempo, avança em termos populacionais. A taxa de

crescimento populacional da capital entre os censos de 1872 e

1890 é de 107%, para o intervalo 1890/1900 de 269% e para o

período 1900/1920 de 141% 25. Esses dados refletem o forte

fluxo imigratório que entre 1882 e 1930 conduz mais de dois

milhões de pessoas a São Paulo; principalmente italianos (cerca

de 46% do total), além de portugueses e espanhóis 26. A presença

desta nova força de trabalho revela-se importante não só no

mundo rural como também no universo urbano 27.

O impacto do desenvolvimento econômico e urbano

do estado e da cidade gera na elite política um orgulho regional

que rapidamente assume contornos de identificação coletiva 28.

23Ibid., p. 24.

24TAUNAY, A. d'E. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro : Dep. Nacional do Café, 1939-1943. 15 v.

25BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico. 1971, p. 42. Apud. LOVE,

Joseph L. Op. cit., p. 44.

26HOLLOWAY, T. H. Migration and Mobility..., p. 186. Apud. LOVE, J. L. Op. cit., p. 27.

27LOVE, J. L., Op. cit. p. 36.

28A chamada Revolução Constitucionalista de 1932 é o marco fundamental desta transposição da

construção simbólica do bandeirante, nascida e adstrita a um pequeno grupo, para a grande população.

Queiroz afirma que “a camada hegemônica local lançou mão de todos os instrumentos para conseguir

uma adesão a mais ampla possível que assegurasse participação a mais completa”. QUEIROZ, M. I. P.

de. Op. cit. p. 85. Os instrumentos principais achavam-se nos meios de comunicação: “Através de

manifestos, panfletos, comícios, jornais e rádio eram expedidas as mensagens que conclamavam todos a

pegar em armas na defesa de São Paulo e do Brasil. O papel de destaque coube, no entanto, à “grande

imprensa” paulista (que veiculou a ideologia dominante), que nesse momento bem cumpriu sua missão de

“formadora das consciências”.” CAPELATO, M. H. O Movimento de 1932: a causa paulista. São Paulo :

Brasiliense, 198-. p. 32.

Page 28: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

16

Para esta elite, ser paulista no final do século XIX e primeiras

décadas do século XX, é encontrar nos “paulistas primevos” do

século XVI e no bandeirante do século XVII a imagem original e

a predestinação que justifica o sucesso e um lugar privilegiado

no presente 29.

Dessa forma, conclui Katia Abud:

Foi nesse momento, entre 1890 e 1930, que a figura do bandeirante foi resgatada como símbolo, pois ao mesmo tempo em que denunciava as qualidades de arrojo, progresso e riqueza que São Paulo possuía, representava o processo de integração territorial que dera sentido à unidade nacional. Como símbolo, o bandeirante representava, de um lado a lealdade ao estado e de outro a lealdade à nação, e permitia também com a significação que os estudos históricos do período lhe deram, que uma parcela da população, a dos imigrantes, se integrassem, emocionalmente a São Paulo, na medida em que uma das vertentes dos estudos sobre o bandeirismo deu ênfase à miscigenação. 30

Os intelectuais pertencentes à elite política e

econômica de São Paulo 31 e formados em sua maioria pela

Faculdade de Direito se incumbiram desta tarefa. Foi o caso de

Washington Luís, José de Alcântara Machado de Oliveira e

29“Todo processo de heroificação implica, em outras palavras, uma certa adequação entre a

personalidade do salvador virtual e as necessidades de uma sociedade em um dado momento de sua

história. O mito, tende, assim, a definir-se em relação à função maior que se acha episodicamente

atribuída ao herói, como uma resposta a uma certa forma de expectativa, a um certo tipo de exigência.”

GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. p. 82.

30ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.

31“Ellis Jr., Alcântara Machado e Taunay pertenciam ao mesmo grupo da elite dominante paulista durante

a república, e embora o último tenha sido o único a não ter uma carreira política era casado na família

Sousa Queiroz e concunhado de Washington Luís, por sinal, outro historiador dos fatos bandeiristas.” In:

ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.

Page 29: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

17

Alfredo Ellis Júnior. Embora pertença ao grupo, Taunay, como

já vimos, formou-se no Rio de Janeiro e em Engenharia 32.

Taunay dedicou-se exclusivamente à tarefa de

construir a memória bandeirante sem o desvio da carreira

política. Além do mais, só escapando desta é que poderia

ultrapassar anos a fio conjunturas absolutamente desfavoráveis,

dirigindo ininterruptamente o Museu Paulista de 1916 até sua

aposentadoria. Não seria demais lembrar que Taunay fora

nomeado diretor pelo mesmo Washington Luís deposto em 1930.

32Washington Luís Pereira de Souza (1870-1957) bacharelou-se em 1891, José de Alcântara Machado

de Oliveira (1875-1941) em 1894 e Alfredo Ellis Júnior (1895-1974), aluno de Taunay no ginásio, em

1917. Dos nomes referidos o único que não se formou na Faculdade de Direito de São Paulo foi

Washington Luís, nascido em Macaé, Estado do Rio de Janeiro. Cf. 70 Anos da Academia Paulista de

Letras. São Paulo : Academia Paulista de Letras, 1979. A Faculdade de Direito de São Paulo, fundada em

1827, tinha o nome de Academia de Direito. Se nos primórdios a Academia desempenhou um papel ativo

no debate das idéias, progressivamente foi curvando-se a um espírito burocrático-bacharelesco

cristalizado a partir de 1890: “O diploma de advogado veio a ser um passaporte necessário para uma

posição numa sociedade urbana então formada e institucionalizada.” MORSE, R. M. Formação Histórica

de São Paulo. São Paulo : Difel, 1970. p.212.

Page 30: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

18

2.2 A tradição como repetição: uma estratégia

O pensador espanhol José Ortega y Gasset, ao tecer

considerações sobre as possibilidades de ser do homem, afirma

que “o homem inventa um programa de vida, uma figura estática

de ser, que responde satisfatoriamente às dificuldades

equacionadas pelas circunstâncias” 33. Ao transportarmos essa

concepção do plano prioritário do indivíduo para o plano social

- quando o homem dialoga com a coletividade correspondente -

podemos conceber que ele, o homem em sociedade, inventa uma

imagem estática da própria coletividade onde está inserido e que

esta imagem possui existência definida, concreta, faz parte da

realidade com a qual ele lida cotidianamente.

Taunay recolhe no passado a tradição (a imagem)

bandeirante, como havia sido estabelecida no século XVIII,

inventando-a agora do ponto de vista historiográfico, de acordo

com os pressupostos e métodos da história desenvolvidos ao

longo do século XIX, construindo, portanto, a memória e não a

história bandeirante. O que Taunay realiza não é apenas tradição

porque também é história, não é puramente história porque

louva a tradição, é, na verdade, memória 34.

33ORTEGA Y GASSET, J. História como Sistema. In: História como Sistema : Mirabeau ou o Político.

Brasília : UnB, 1982. p. 48.

34“Dos cronistas da Idade Média aos historiadores contemporâneos da história “total”, afirma Pierre Nora,

toda a tradição histórica se desenvolveu como o exercício regulado da memória e seu aprofundamento

espontâneo, a Reconstituição de um passado sem lacunas e sem falha.” NORA, P. Entre Mémoire et

Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de Mémoire I: La République. Paris :

Gallimard, 1984. p. XX.

Page 31: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

19

Segundo Hobsbawm, o termo tradição inventada

possui um sentido amplo, mas nunca indefinido. O termo inclui

tanto as tradições realmente inventadas, construídas e

formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de

maneira mais fácil de localizar num determinado tempo - às

vezes coisas de poucos anos apenas - e se estabeleceram com

enorme rapidez.

A atuação de Taunay, à frente do Museu Paulista,

indica o lado institucionalizador do saber (da tradição

inventada) por ele historiograficamente construído. Responsável

pela edição dos Anais do Museu Paulista , neste periódico

publica fartamente sua obra, além de documentos históricos

mandados copiar no Arquivo das Índias, em Sevilha. Aliás, de

início, copiados por conta própria de Taunay em 1914, só

depois, em 1917, custeados oficialmente. A leitura de Pablo

Pastells, Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia del

Paraguay , em 1912 , revelou a importância da documentação de

origem espanhola. Instruiu também a feitura de telas e

esculturas que perpetuassem a imagem de um passado

confortável e jubiloso:

Celebrando este grande episódio de nosso passado militar fizemos o mestre pintor Henrique Bernadelli executar belo painel para a galeria do Museu Paulista... 35

A oito destes conquistadores pudemos, no peristilo do Museu Paulista, conferir a glória do mármore e do bronze. E pouco depois, ainda nos cabia associar ao nosso esforço mais um monumento bandeirante, o de Quitaúna, a Antônio Raposo Tavares, determinado

35TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 1, p. 96.

Page 32: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

20

por dois reverenciadores da epopéia das bandeiras do vulto de Calógeras e Simonsen. 36

Hobsbawm define tradição inventada como “um

conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou

abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou

simbólica, visam inculcar certos valores e normas de

comportamento através da repetição, o que implica,

automaticamente; uma continuidade em relação ao passado.

Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade

com um passado histórico apropriado.” 37

A forte ligação do passado histórico com o presente,

a continuidade 38 instaurada pelo discurso historiográfico de

Taunay conduz o leitor a ir e vir no tempo, estabelecendo um

elo imediato com o passado, presentificando-o simbolicamente:

Na terra de S. Paulo, o metamorfismo da arrancada sertanista é hoje a criação desta lavoura cafeeira, razão primordial de ser do nosso mercado cambial e de nossa exteriorização financeira nacional. 39

A repetição em Taunay não era aleatória, tinha uma

forma, uma regra. Ele repete e combina, a aparência é nova, mas 36TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924. t.

1, p. 15-16.

37HOBSBAWM, E., RANGER, T. (Org.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1984. p.

9.

38“Para a história, sob sua forma clássica, expende Foucault, o descontínuo era ao mesmo tempo o dado

e o impensável: o que se oferecia sob a forma dos acontecimentos, das instituições, das idéias ou das

práticas dispersas; e o que devia ser, pelo discurso do historiador, contornado, reduzido, apagado, para

que aparecesse a continuidade dos encadeamentos. A descontinuidade era o estigma da dispersão que o

historiador tinha por tarefa suprimir da história.” FOUCAULT, M. Sobre a Arqueologia das Ciências. In:

FOUCAULT, M., LIMA, L. C., MENDONÇA, A. S. et al. Estruturalismo e Teoria da Linguagem.

Petrópolis : Vozes, 1972. p. 13-14.

Page 33: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

21

no fundo é tudo o mesmo, a mesma intenção inicial: uma

vontade de memória. De início poderíamos pensar, com ampla

razão, que Taunay se repete por desejar escrever muito, por

pretender aumentar desmesuradamente a quantidade de fatos

narrados conferindo a todos e ao tema em geral grandeza,

autoridade e nobreza. Não que isto seja inválido. Mas vale

destacar que a repetição de um tema, de um argumento, de uma

conclusão, ocorridos dentro de um mesmo livro, em livros

correlatos ou em momentos aparentemente insignificantes,

conforma uma idéia geral que ganha estatuto de verdade, que

cumpre a sua função simbólica de forma explícita, mas,

especialmente, de forma implícita.

Todas as suas abordagens apresentam algum tipo de

repetição. Tomemos como exemplo o livro S. Paulo nos

Primeiros Anos e nele o tema da pobreza do planalto no século

XVI.

O livro é construído basicamente a partir das Atas da

Câmara da Vila de São Paulo e do Registro Geral , documentos

publicados sob os auspícios de Washington Luís, como não se

cansa de informar. Aliás, o texto é dedicado ao então prefeito da

cidade de São Paulo, numa clara demonstração de amizade e

débito intelectual que só é superada pela forma com a qual

Taunay se refere a Capistrano: os dois personagens

contemporâneos de influência mais poderosa sobre ele. As

características desta influência desenvolveremos adiante.

39TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 16.

Page 34: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

22

O objetivo declarado é reconstruir os “aspectos da

vida primeva paulistana” 40. O livro é a ampliação de estudos que

surgiram primeiramente em 1917 no Correio Paulistano . Vamos

aos tópicos: a vida nos anos iniciais é rudimentar (p. IX), a vila

é “miseravelmente dotada de coisas da civilização” (p. 4), está

sob a iminente agressão por parte dos índios (p. 11), possui ar

de abandonada (p. 12)... Na página 24 repete: “Lugar rude,

desprovido de elementos civilizadores”. A vila era pobre (p.

27), havia penúria de recursos (p. 38), a terra era muito pobre

(p. 46), para interromper as citações que fluiriam em profusão,

as duas últimas, do final do livro: o comércio era rudimentar (p.

145), a rudeza da vida (p. 187).

Não resta a menor dúvida de que a vida cotidiana no

planalto de Piratininga era dura e a carestia imperava. Nossa

intenção não é afirmar o contrário. O que objetivamos é

compreender por que Taunay usa da repetição tantas vezes ao

longo deste livro, e de todos os outros onde tratou o tema da

cidade ou das Bandeiras (por exemplo, a História Geral das

Bandeiras Paulistas - tomos 1 e 2; a História das Bandeiras

Paulistas - tomo 1; Non ducor, duco; etc.).

Para entendermos o papel que a repetição cumpre no

texto, necessitamos considerar que Taunay vê a vila de São

Paulo como um lugar especial: é o centro de irradiação da

conquista do Brasil pelos brasileiros, posto avançado da

civilização no interior do nosso país 41. A sua idéia de

civilização remonta ao século XVIII. Conforme aponta Paul

40TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. VIII.

41Ibid., p. VIII.

Page 35: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

23

Hazard, o termo civilização, em francês, provinha da

jurisprudência; alargado o seu uso, passa a estabelecer a

diferença entre um estado selvagem e um estado submetido às

leis. Isto posto:

(a civilização) colocava-se no ponto mais alto de uma hierarquia: no mais baixo encontrava-se a selvageria; depois a barbárie; em seguida, a civilidade, a delicadeza; logo, “um sensato policiamento”; e, finalmente, a civilização: “o triunfo do desabrochar da razão, não apenas no domínio constitucional, político e administrativo, mas ainda no domínio moral, religioso e intelectual. 42

Sendo um local civilizado, seguindo a aplicação

anacrônica do termo, necessita de aparelhos urbanos e condições

mínimas para que o homem civilizado possa sobreviver e

dominar os não civilizados e a natureza agressora. Entretanto, os

recursos não existem para suprir satisfatoriamente todas as

necessidades. Como ele cobra do passado a lógica que desfruta

no presente, como ele olha no tempo e quer ver um passado de

glórias e luminoso, só lhe resta desculpar os “primevos

habitantes” por não conseguirem impor a ordem que ele julga

ideal e, simultaneamente, valorizá-los por conseguirem, apesar

dos incontáveis obstáculos, construir um grande povoado.

42HAZARD, P. O Pensamento Europeu no Século XVIII: de Montesquieu a Lessing. Lisboa : Editorial

Presença, 1983. p. 345-346. Acreditamos que esta passagem indica tanto a época onde ele foi buscar o

significado de civilização como o autor - Voltaire: “Com o século XVIII abriu-se nova era: principiou-se a

estudar a história dos hábitos dos homens e não mais unicamente a dos acontecimentos. Já antes de

1800 surge, pela primeira vez, a expressão: história da civilização.” TAUNAY, A. d’E. Os Princípios da

Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI,

1914. p. 342. Para uma interpretação de Voltaire à luz da história: Cf. MEINECKE, F. El historicismo y su

génesis. México, Fondo de Cultura Económica, 1982. p. 98-99. CASSIRER, E. A Filosofia do Iluminismo.

Campinas : UNICAMP, 1992. p. 290-298.

Page 36: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

24

A repetição impõe subliminarmente 43 ao leitor a

compreensão da época por intermédio de uma noção precária de

historicidade; precária porque não baseada na ruptura, mas sim

na continuidade; porque não baseada na diferença dos tempos,

mas sim na sua semelhança; enfim, porque não baseada na

multiplicidade temporal, mas sim numa única duração que se

prolonga das origens até o presente. Este último argumento,

aproximando-se do tempo mítico, abre caminho para a

mitificação que será analisada no terceiro capítulo. Seguem duas

citações:

Pitoresca a contraposição da sua vida quinhentista, tão rudimentar, e da existência da capital opulenta hodierna, cheia de convicção da magnitude do porvir que se lhe antolha, e orgulhosa da progressão geométrica de sua grandeza. 44

É que o punhado de descobridores piratininganos, urgidos no seu tosco arraial, pela aspereza da existência do planalto, ilhado do comércio mundial pela Serra Marítima, buscavam no interior do continente elementos que lhes pudessem amenizar a existência pobre do montanhês. E assim se convertera essa rudeza de vida no fator do alargamento brasileiro por terras de onde recuava o castelhano, espoliado dos direitos que lhe conferiram bulas e tratados, graças à insopitável e infatigável arrancada dos homens vestidos de couro, saídos das cabeceiras do Tietê, e ávidos gerifaltes do soneto herediano. 45

43Precisando o significado de subliminar: “... Diz-se de um estímulo que não é suficientemente intenso

para que o indivíduo tome consciência dele, mas que, quando repetido, atua no sentido de alcançar um

efeito desejado...” FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de

Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 1330.

44TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. IX.

45Ibid., p. 186-187. O grifo é nosso.

Page 37: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

25

Está explicada a repetição da pobreza, da rudeza da

vida. Não foram elas causadoras de malefícios seja à raça, seja

ao destino da nação que já se vislumbrava. Muito pelo contrário,

foram o fator de alargamento do território, razão máxima,

justificativa superior do movimento bandeirante.

2.3 A história como ciência

Salientamos acima que Taunay realiza uma vontade

de memória. A sua intenção é retirar do esquecimento uma

tradição que julga digna de ser lembrada no presente e

preservada para o futuro por intermédio da história. Este ponto é

central para a nossa análise e pressupõe a apreciação da sua

concepção a respeito do conhecimento histórico e da realidade

histórica.

Na verdade ele reproduz um conjunto de idéias,

práticas, concepções e visões gerais sobre a história que nos

conduzem a enquadrá-lo como historicista, mais

especificamente, historicista romântico-erudito, ou

simplesmente historista - conforme exposto por Arno

Wehling 46. Indicando que “uma das principais dificuldades para

a interpretação do historismo/historicismo consiste em 46“O termo historismo foi possivelmente utilizado pela primeira vez em 1881, no estudo de Karl Werner

sobre Vico, significando o conjunto de posições que, no século XVIII, valorizavam o conhecimento

histórico, em contraposição ao racionalismo ahistórico.” WEHLING, A. De Varnhagen a Capistrano:

Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese para

Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade Federal

Page 38: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

26

considerá-lo(s) em bloco, o que certamente dificulta a

compreensão de um processo intelectual cuja elaboração

estendeu-se por mais de um século”, procurando considerar as

diversas fases ou etapas 47. Após examinar as diferentes

classificações de Meinecke, Pistone, Mandelbaum e Iggers,

Wheling estabelece a classificação por nós seguida. Essa

classificação demonstra a sua validade ao estabelecer distinções

dentro do longo processo do historicismo, promovendo a

discussão do tema a um plano melhor delimitado.

O primeiro momento é o do historicismo filosófico e

corresponde a produção dos filósofos do século XVII até Kant e

Hegel, cujas características são o anti-racionalismo e,

sobretudo, o anti-mecanicismo, ou seja, a busca de explicações

particulares a épocas e momentos históricos. O caráter

relativista encontrado em boa parte dos filósofos da história do

século XVIII não significou necessariamente adesão ao

irracionalismo ou ao romantismo, pois admitiam o padrão

newtoniano de interpretação do real. Acolhiam a idéia de um

universo regido por leis, procurando apenas detectar as

regularidades peculiares ao desenvolvimento histórico. Wehling

considera os ideólogos do progresso o exemplo mais conhecido

e menos sofisticado.

A obra de Taunay, tomada como um todo, não

apresenta qualquer texto onde seja desenvolvida uma

argumentação de cunho filosófico. Por ser uma etapa

do Rio de Janeiro, 1992. v.1, p. 30. Uma abordagem semelhante, sob o nome de reflexão erudita e

genética, encontra-se em: TOPOLSKY, J. Metodología de la Historia. Madrid : Cátedra, 1985. p. 86-105.

47Ibid., p. 51-57.

Page 39: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

27

predominantemente filosófica, descartamos de antemão, sem

maiores considerações, sua filiação a esta fase do historicismo.

A última fase é a do historicismo cientificista,

correspondendo à produção da esmagadora maioria dos

cientistas sociais entre 1850 e a primeira guerra mundial.

Abrange os campos da história, antropologia, direito,

sociologia, economia, ciência política e psicologia. Tem como

características nas vertentes mais notórias (evolucionismo,

positivismo, grande parte do marxismo) a predominância da

explicação histórica sobre a sistêmica, a diacronia sobre a

sincronia, pela busca de leis que traduzissem as regularidades

do processo histórico, e de todo o real, freqüentemente pela

macro-teleologia dos sistemas sociais com graus menor ou maior

de determinalidade.

Não encontramos nos escritos de Taunay a

preocupação com a identificação de regularidades, o

estabelecimento de leis ou a definição de determinismos no

processo histórico. Esta preocupação crucial ao período

cientificista, pela sua ausência, afasta-o desta etapa.

A fase intermediária, na qual enquadramos a obra

historiográfica de Taunay sobre o tema das Bandeiras, embora

não corresponda cronologicamente ao seu período de vida

(1876-1958), acreditamos ser por ela sobejamente atingido.

Transcreveremos, na íntegra, a definição de Wehling sobre a

fase puramente historista do historicismo.

Page 40: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

28

Historicismo romântico/erudito - compreendendo a produção de historiadores, juristas, literatos e outros intelectuais contemporâneos do romantismo e do nacionalismo imediatamente posterior à Revolução Francesa, até cerca de 1850. Corresponde ao apogeu do anti-racionalismo, recusando-se os autores em geral a admitir a existência de leis históricas, gerais ou relativas a cada povo, cultura ou época. Seria, a rigor, a única fase puramente “historista”, se por esta expressão entendermos o relativismo anti-racionalista e a crença numa realidade histórica orgânica e inconsciente. Isso não significa admitir uma produção não científica: se esta fase foi a do apogeu do romantismo literário, inclusive do romance histórico à Walter Scott, foi também a da construção definitiva da crítica histórica com a obra de Ranke e seus seguidores, além do estabelecimento dos primeiros pilares metodológicos em outras ciências do homem, como a etnologia, a sociologia ou o direito. 48

A obra historiográfica de Taunay pode ser

classificada como historista por conta da extrema convicção que

ele possuía do poder, da capacidade explicativa, da

superioridade do saber científico da história. Compartilhava

assim de uma visão do mundo (Weltanschauung), a partir da

perspectiva científica da história. Visão que conduzia, inclusive,

à historicização dos demais saberes científicos 49. Portanto,

afirma Taunay:

constitui a história indispensável elemento para a compreensão das ciências políticas e as sociais ainda em via de formação. Eis porque a lingüística, o direito, a economia política, a ciência das religiões tomaram, nos tempos contemporâneos (1911), a forma de ciências históricas. E ainda: reside o principal mérito da história na sua

48Ibid., p. 56.

49Ibid., p. 61.

Page 41: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

29

superioridade incomparável, como instrumento de cultura intelectual... 50

A subordinação geral dos demais campos do

conhecimento à história não é suficiente para a determinação de

um historista. Urge tecer considerações de cunho epistemológico

e metodológico.

A epistemologia historista tem o seguinte postulado,

de acordo com Wehling: admite o universo social a conhecer

como uma nebulosa, cujo conhecimento global e perfeito

somente cabia a Deus (Ranke), já que existe uma realidade

histórica que é irredutível à explicação fisicalista-naturalista;

fica, em conseqüência, reduzida à cognição filosófica ou

científica à reconstituição empírica e lógica das ações dos

agentes sociais 51. O processo de explanação da realidade social

assim apreendida não se dá através das leis, mas sim pela

compreensão - à maneira de Herder. 52

Considerado por Ernst Cassirer o Copérnico da

história, Herder procurou lançar sobre o homem um tipo de

investigação tal que pudesse captá-lo como um ser que sente e a

própria dinâmica desse sentir - ao invés de reter apenas as suas

ações e obras. Essa perspectiva buscou o mundo interior do

homem, objetivava alcançar a alma humana. Ademais, reagiu 50TAUNAY, A. d'E. Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI, 1914. p. 344.

51WEHLING, A. Op. cit., p. 101.

52Ibid., p. 97. Johann Gottfried Herder (1744-1803) nasceu na Alemanha - à época Prússia Oriental. Entre

seus ensaios e livros sobre história, teologia, literatura e lingüística encontra-se Idéias para a Filosofia da

História da Humanidade (Ideen zur Philosophie der Geschischte des Menschheit). Cf. GARDNER, P.

(Org.). Teorias da História. Lisboa : Calouste Gulbenkian, 1984. p. 41-42. MEINECKE, F. Op. cit., p. 303-

378.

Page 42: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

30

contra o orgulho racionalista do Iluminismo que secundarizava

as épocas e os povos. Mesmo adotando a idéia de humanidade,

procurou relativizar e valorizar as diferentes culturas no tempo.

Para Herder, a condição fundamental de todo o conhecimento

histórico era penetrar na alma dos grupos históricos para sentir

juntamente com eles, enfim para compreendê-los 53. Se Ranke,

assim como Herder, entendia que todas as gerações da

humanidade tinham iguais direitos perante Deus, o primeiro, no

entanto, acreditava que há uma realidade cultural atomizada,

irrepetível e relativa, mas não subjetiva 54.

Taunay concebia a realidade histórica como algo

concreto, o passado existe, está organicamente constituído, e

cabe ao historiador alcançá-lo da forma mais completa e direta

possível. Como historiador e homem religioso, acredita na

Origem e no Destino, possui a convicção de que o conhecimento

humano do passado está repleto de lacunas, nunca será total. O

sexto capítulo da segunda parte do tomo terceiro da História

Geral das Bandeiras Paulistas tem no início do título: “Lacunas

da história do bandeirismo agora preenchidas em parte”; logo

abaixo, Taunay explica que a história do bandeirismo está

“cheia de enormes lacunas de difícil suprimento” e que agora

“muitas delas se têm reduzido graças às pesquisas arquivais e às

descobertas daí provenientes” 55. O conhecimento histórico é

parcial porque muito se perdeu, porque o homem possui

limitações próprias a sua condição mortal e porque o “real”

53CASSIRER, E. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la Ciencia Modernas: de la muerte de

Hegel a nuestros días (1832-1932). México : Fondo de Cultura Económica, v. IV, 1986. p. 265-274.

54WEHLING, A. Op. cit., p. 64.

55TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Typ. Ideal; H. L. Canton, 1927. t.

3, p.174.

Page 43: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

31

conhecimento, o “verdadeiro”, deve desenrolar o fio da história

desde “os tempos primevos” até o fim (o presente).

O resultado metodológico para reencontrar uma

realidade distante, quase perdida, que se deseja glorificar - por

amor ao passado 56 e à história - é o fetiche do documento. Ele é

o único meio de atingir da forma menos indireta possível o

passado, é a fonte imorredoura da verdade, é o lugar onde o

historiador objetiva o seu conhecimento e limita a sua atuação

ao permitir que o documento “fale”:

A história se faz, com os documentos, os atos cujos vestígios materiais desapareceram estão para ela perdidos e quando muito podem concentrar-se no domínio das reminiscências coletivas. Onde desaparecem os documentos chegam os extremados a avançar cessa a história.

Deve o historiador moderno começar por investigar e recolher documentos, cultivar intensamente essa ciência que os alemães batizaram Heurística. 57

O trabalho do historiador não “cessa” segundo

Taunay, com a busca, com a caçada de documentos,

principalmente os inéditos. Após a reunião de um grande

material, deve o historiador proceder à sua crítica. Esta pode ser

de inspeção, de origem, de interpretação ou das fontes. Lembra

o autor, que o excesso de crítica deve ser cuidadosamente

evitado para “não cair no extremo oposto na hipercrítica que

tudo acha suspeito e nega os caracteres da autenticidade aos 56Segundo Cassirer: “Los románticos aman el pasado por el pasado. Para ellos, el pasado no es tan sólo

un hecho, sino uno de los ideales más elevados. Esta idealización y espiritualización del pasado es una

de las características más distintivas del pensamiento romántico. Todo deviene comprensible, justificable

y legítimo en cuanto podemos referirlo a su origen.” CASSIRER, E. El Mito del Estado. México : Fondo de

Cultura Económica, 1988. p. 214.

Page 44: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

32

documentos mais veneráveis” 58. É forçoso notar que o exercício

da crítica reconhecido por Taunay não deve afrontar a soberania

do documento. Por isso, apesar de mencionar várias modalidades

de crítica, e até uma de interpretação, na verdade elas não

significam coisas diferentes, são variações de um mesmo

princípio.

O objetivo do historiador, seguindo Taunay, é

recuperar o passado, resgatá-lo na sua integridade uma vez que

ele existe antes mesmo da ação do historiador. Para realizar tal

empresa é necessário o documento, único meio de acessar o

passado no tempo; como há o compromisso com a exatidão das

informações obtidas deste documento todo um aparato crítico é

utilizado para detectar se o documento foi adulterado, se é

autêntico, se há divergência interna, se é oficial... Para Taunay

em nenhum momento o documento é tomado para promover a

problematização, o que ele procura é, através da interpretação

das fontes, compreendê-las ao estilo de Herder:

Quem, ao percorrer um texto, não se restringe a sua estrita compreensão, acaba lendo-o através das suas próprias impressões. Critério seguro é então resistir ao primeiro movimento e procurar apenas compreender bem o documento. 59

Percorrido esse caminho o historiador, ao anular suas

impressões, ao conter a sua subjetividade, adquire a

tranqüilidade suficiente para proclamar a verdade sobre o

57TAUNAY, A. d'E. Os Princípios..., p. 326.

58Ibid., p. 329.

59Ibid., p. 331.

Page 45: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

33

passado 60, a real e definitiva tarefa da história, a apologia do

passado histórico: “O melhor modo de fazer a apologética é

ainda dizer a verdade, toda a verdade, nada mais do que a

verdade” 61.

A significação máxima do documento vem também

do seguinte aspecto: os fatos históricos são fornecidos pelos

documentos. Taunay julga que o historiador deve ocupar-se de

determinados fatos históricos, “não deve a História limitar-se a

estudar fatos simultâneos tomados isoladamente”. O

compromisso da história vincula-se ao exame dos estágios da

sociedade em diversos momentos e da constatação das

diferenças existentes entre eles...

Para isto se torna indispensável à indagação dos grandes fatos salientes porque explicam a formação dos estados e o começo das evoluções. Será possível estudar a civilização francesa, sem falar em César e na invasão dos bárbaros? 62

Os grandes fatos, eis então os que merecem a

atenção do historiador, “o importante é que tenham tido ação

decisiva” 63. Taunay entende, por ação, todo tipo de movimento

que agita um grupo, uma coletividade ou o Estado. Estes devem

ser investigados a partir das suas origens até o fim último,

60Ao indagar sobre o que é “provar” em história Roger Chartier conclui: “A questão sugeriu durante muito

tempo uma resposta de tipo filológico, ligando a verdade da escrita histórica ao correto exercício da crítica

documental ou ao devido manejo das técnicas de análise dos materiais históricos.” Taunay procurou

estabelecer essa ligação na sua narrativa, por isso mesmo considerada, por ele e seus contemporâneos,

histórica e científica uma vez que era um relato verdadeiro. CHARTIER, R. A História Cultural: entre

práticas e representações. Lisboa : Difel; Rio de Janeiro : Bertrand, 1990. p. 85.

61Ibid., p. 326.

62Ibid., p. 338.

63Ibid., p. 338.

Page 46: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

34

desígnio cabal do “Destino”. O bandeirismo, a ação das

bandeiras e dos bandeirantes na expansão territorial partida da

capitania de São Vicente, é um grande fato, um grande tema, é o

“episódio culminante dos anais brasileiros, pois a ele deve o

país dois terços do seu território atual”. 64

Escapava a Taunay a concepção de que um fato

histórico só existe quando inserido no processo de construção

do conhecimento histórico conduzido pelo historiador. Portanto,

para ele, o trabalho de crítica das fontes e de determinação dos

dados prescinde da construção científica, própria do

conhecimento histórico 65.

O nosso interesse não é cobrar de Taunay o que

talvez ele não tenha se colocado, desejamos ressaltar que não há

nele senão uma conjugação de idéias e concepções sobre o

conhecimento histórico que objetivam perpetrar a sua meta

primordial: celebrar as tradições paulistas através do

conhecimento científico da história. Nesse duplo movimento, ao

pretender ajustar as suas pretensões de apologia das tradições

com a verdade científica haurida por intermédio da história,

termina por construir historiograficamente a memória

bandeirante.

O prestígio que a história vai adquirindo ao longo do

século XIX no Ocidente explica o motivo da escolha deste saber

como meio primordial de veiculação e legitimação da memória

bandeirante. Segundo Wehling:

64TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 7.

65Cf. MARAVALL, J. A. Teoria del Saber Histórico. Madrid : Revista de Occidente, 1967. p. 97-103.

Page 47: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

35

Da correta interpretação do passado parecia fluir a segurança cognitiva em relação a um processo que ainda se encontrava em curso e que podia, portanto, em diferentes graus, conforme o determinismo do autor, sofrer interferências e correções. 66

Garantida a interpretação segura do passado e

construída a memória bandeirante, se, de um lado, ela

funcionava como elemento de coesão social, de outro, atuava na

demarcação interna da coletividade paulista. O próprio impulso

econômico centrado no café que projetou São Paulo na

federação também promoveu a vinda de imigrantes cujos filhos e

netos (paulistas), especialmente na década de 1920, podiam até

enriquecer e reivindicar cargos de prestígio mas não dispunham

de uma tradição centenária, ou melhor, “quatrocentona”:

O bandeirante enquanto símbolo era criado repleto de um conceito discriminatório; separava, no interior do estado, uma coletividade antiga de outra coletividade de origem recente, valorizando altamente a primeira em detrimento da segunda. Os historiadores do séc. XX se mostravam, pois, muito próximos dos seus antecessores, Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus: como estes, seu intento era traçar uma linha clara de separação entre “paulistas de 400 anos” e forasteiros. 67

Mas a discriminação não prosperou. Tão logo se

tornou necessária a união interna, em todos os planos, para levar

a cabo o movimento de 1932, o termo bandeirante rapidamente

revelou a sua qualidade de símbolo e incorporou a massa antes

alijada da sua representação. A cristalização final da memória

66WEHLING, A. Op. cit., p. 30.

67QUEIROZ, M. I. P. de. Op. cit., p. 84.

Page 48: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

36

bandeirante no discurso historiográfico não restringia-se mais

ao seu traço original elitista.

2.4 José Honório e o revisionismo histórico

Para, finalmente, caracterizarmos Taunay como

artífice da memória bandeirante, resta-nos, neste momento,

discutir o emblema que a Taunay apõe José Honório Rodrigues.

Este atribui-lhe o mérito de ter sido um revisionista histórico

assim como o fora Varnhagen.

Destaca, José Honório, a escolha de Taunay,

promovida em 27 de dezembro de 1944 pela American

Historical Association , para membro honorário desta

Associação. Ressalta, ainda, que o historiador das bandeiras

desfruta da companhia de Johann Huizinga e George Macaulay

Trevelyan, entre outros, nesta eleição. À consagração

estrangeira alcançara, afinal, o “maior trabalhador da

historiografia brasileira”. Assim, demonstra José Honório, a

importância de Taunay e a repercussão da sua obra.

Contudo, o que se deve entender por “revisionismo”?

Rever a realidade histórica deve ser a primeira tarefa

da chamada “história combatente” 68. O revisionismo se opõe à

ortodoxia, à falsa idealização do passado, aos mitos, à

68RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay e o Revisionismo Histórico. In: História e Historiadores. Rio de

Janeiro : Fulgor, 1965. p. 135-147.

Page 49: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

37

oligarquia, à mumificação dos estadistas, enfim, à atividade

destituída de idéias dos cronistas, memorialistas e historiadores

descritivos que apenas estabelecem fatos. O revisionismo é um

movimento independente, uma construção criativa, alia teoria e

prática, não despreza as ideologias, enfrenta a injustiça social,

interpreta e reinterpreta o passado na sua significação presente,

realça a contribuição popular, procura partir para uma finalidade

mais alta, a iluminação da existência e a conexão do presente e

do passado. Por fim: “as descobertas históricas que o

revisionismo sempre estimula vêm menos das pesquisas factuais

trazidas pelos novos documentos que das questões novas que

sabemos levantar” 69.

Assim sendo, o revisionismo histórico é tanto

ideológico como factual. Revelar os adeptos do revisionismo

torna-se muito importante na medida em que poucos no Brasil o

seguiram.

Quando se debruça sobre a obra de Taunay referente

às bandeiras, José Honório constata que Capistrano de Abreu foi

o teórico e Taunay o executor 70. Foi Capistrano de Abreu quem

postulou, em primeiro lugar, uma história da conquista do

interior ao invés da análise exclusiva da conquista do litoral.

Taunay apenas segue a sugestão do mestre de quem tantas lições

tomou. É bastante incentivado e auxiliado também pelos

documentos descobertos e pelas pesquisas levadas a cabo por

Washington Luís. Toda uma massa documental emerge dos

arquivos que se organizam em São Paulo, no final do século

69RODRIGUES, J. H. Vida e História. In: Vida e História. Rio de Janeiro : Civ. Brasileira, 1966. p. 3-23.

70Ibid., p. 16.

Page 50: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

38

XIX e início deste, através do esforço coletivo de eruditos e

historiadores como, por exemplo, além de Capistrano e

Washington Luís, Orville Derby (geógrafo e geólogo), Teodoro

Sampaio (geógrafo) e Basílio de Magalhães (historiador) 71.

Já temos alguns elementos que associados,

configuram o caráter de revisionista histórico destinado a

Taunay por José Honório. A originalidade do tema da

interiorização devido à escassez de trabalhos produzidos até

então. O preenchimento da lacuna pouco explorada por

Varnhagen acerca do século XVII. O tamanho da empresa, pelo

volume das fontes, pelo período abarcado e pela necessidade de

um grande número de pesquisadores nela envolvidos. Isso tudo

reunido dá o tom de revisão factual ou contribuição factual,

sempre conjugado com o revisionismo temático sugerido por

Capistrano de Abreu. José Honório deixa bem clara essa

separação quando diz que Taunay e Rodolfo Garcia seguiram

mais a corrente do puro revisionismo factual 72, composto, em

Taunay, por um factualismo apaixonado e um factualismo

ideológico.

José Honório afirma que Taunay tinha um sentido

realista, empírico (factualismo apaixonado), preferindo sempre a

estrutura e não a conjuntura (factualismo ideológico), o real e

não a aparência, as camadas profundas e não as superestruturas,

os movimentos coletivos e não as minorias governamentais, ou

71RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 136.

72RODRIGUES, J. H. Afonso d'E. Taunay e a História do Brasil. In: História Combatente. Rio de Janeiro

: Nova Fronteira, 1982. p. 241.

Page 51: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

39

seja, as bases econômicas e sociais para a compreensão da

história nacional como produto do processo real 73.

Do que vai dito até o presente, conclui-se que

Taunay foi um homem dedicado ao trabalho. Ele não esperou as

necessárias monografias específicas para construir a obra que

julgava sistemática; principiou a História Geral das Bandeiras

Paulistas a partir dos seus próprios estudos preliminares sobre

São Paulo nos séculos XVI e XVII. Ao longo de sua vida

produziu um montante de textos que ultrapassa mil e

quatrocentos títulos 74. Dessa forma, finaliza José Honório:

Em resumo: Taunay foi bem o representante do revisionismo histórico, cujo fim principal consiste em rever os grandes quadros históricos já construídos, corrigindo, acertando, acrescentando, atualizando. Apenas, sua contribuição, mais que a de Rodolfo Garcia, se caracteriza não pela emenda, mas pela ampliação. O capítulo de Varnhagen sobre as bandeiras era pífio; Garcia tentou atualizá-lo; Taunay construiu um mundo novo. O ímpeto inicial, porém, foi revisionista. 75

Este é o ponto: “O ímpeto inicial .. . foi revisionista”.

Portanto, a partir de um determinado momento ele deixou de ser

revisionista. Qual foi a tendência da sua obra cessado o ímpeto

inicial? O próprio José Honório fornece a resposta:

Taunay, como um grande historiador, reconstruiu todo um mundo espiritual que começa nele de maneira indissolúvel. A vida bandeirante que reconstruiu torna-se imediatamente uma força

73RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 139.

74ELLIS, M., HORCH, R. E. Op. cit., p. 182.

75RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 143.

Page 52: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

40

presente e formadora do futuro. Como representante de sua geração, ele reconstruiu todo esse mundo, sob o impulso da necessidade presente, para que pudéssemos recordar sempre de novo o nosso próprio passado, não esquecê-lo e não perder a substância da nossa própria vida histórica, ameaçada pelo abandono ou esquecimento do grande movimento bandeirante. 76

Consideramos que a denominação “revisionismo

histórico” é muito difusa e de restrita aplicação ao produto do

trabalho historiográfico de Taunay. Se, por um lado, José

Honório afirma que o revisionismo se opõe ao simples

estabelecimento dos fatos, como indicamos acima, como admitir,

de outro lado, a existência de um “revisionismo factual”?

Curiosa é a dupla vinculação do revisionismo: ideológico e

factual. Depreendemos que o revisionismo não deve prescindir

nem de uma, nem de outra vinculação; mas não é exatamente o

contrário que ocorre quando ele aceita o revisionismo puramente

factual? Ou, ainda mais grave, quando a acepção “ideológico” é

usada como sinônimo de “teórico” ou “temático”. Uma luz

esclarecedora surge quando ligamos essa preocupação do

revisionismo com a sua noção de história combatente,

renovadora, problematizadora, que luta no campo oposto de uma

“sub-historiografia entrincheirada em algumas cátedras

universitárias” 77.

A aplicação dessa tentativa de conceito, que é a

expressão “revisionismo histórico”, na obra de Taunay relativa

ao tema das Bandeiras nos causa ainda mais desconforto.

Primeiro porque impreciso, segundo porque limita a dimensão 76Ibid., p. 141.

77RODRIGUES, J. H. Vida e ..., p. 12.

Page 53: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

41

da obra, o que o próprio José Honório reconhece. Ora, o ímpeto

revisionista não foi só inicial?

Muito bem, então Taunay é um revisionista, mas

onde está a sua preocupação teórica? Não é o próprio José

Honório que reconhece que o tema das Bandeiras e o período foi

lembrado a Taunay por Capistrano? Não foi também Capistrano

quem tentou dissuadi-lo de escrever uma história dos capitães-

gerais de São Paulo? É exatamente José Honório quem recorda:

“Pensara, em 1904, escrever uma história dos capitães-generais

de São Paulo, mas desistira, naturalmente em face da viva

condenação de Capistrano” 78.

Como articular a noção de revisionismo com o juízo

que faz Taunay da história, esteio de uma verdade incontestável

sempre que extraída do documento verdadeiro?

Hoje (1911), e cada vez mais, é a sombra a grande inimiga do historiador. O melhor modo de fazer a apologética é ainda dizer a verdade, toda a verdade, nada mais do que a verdade.

A história se faz, com os documentos, os atos cujos vestígios materiais desapareceram estão para ela perdidos e quando muito podem concentrar-se no domínio das reminiscências coletivas.

Onde desaparecem os documentos chegam os extremados a avançar cessa a história. 79

Muito pelo contrário. A concepção de história de

Taunay e, principalmente, a sua produção historiográfica, nos

remete para uma outra noção, completamente distinta da

78RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 140.

79TAUNAY, A. d'E. Os Princípios..., p. 326.

Page 54: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

42

postulada por José Honório, nos conduz para o conceito de

memória.

Se organizar o passado em função do presente é a

função da história, no dizer de Lucien Febvre 80 e seguido por

José Honório, a nós se impõe uma tarefa: como o passado foi

organizado por Taunay em função do presente? No percurso

dessa análise encontraremos os pontos de contato e necessário

afastamento da relação memória-história 81.

A referência que fizemos de Taunay nos fornece o

ponto de partida. Nela, de início, surge a oposição platônica

luz/sombra, a história aparece como discurso apologético (que

justifica, defende ou louva) em prol da verdade, toda a verdade,

nada mais do que a verdade.

Uma definição sucinta de memória denota: “A

memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” 82.

Não é exatamente a verdade absolutizada que Taunay propõe

como missão da história desvelar? A luz da ciência não

iluminaria todo o passado e o revelaria por inteiro ao presente?

80Apud. SANTOS, A. C. M. dos. Memória, história, nação: propondo questões. Revista Tempo Brasileiro,

Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 6. Reforçando a oposição entre memória e história, ainda Lucien Febvre:

“O homem não se lembra do passado. Reconstrói-o sempre. O homem isolado, essa abstração. O homem

em grupo, essa realidade. Ele não conserva o passado na memória, como os gelos do norte conservam

frigorificados os mamutes milenários. Parte do presente - e é sempre através dele que conhece, que

interpreta o passado.” FEBVRE, L. Combates pela História. 3. ed. Lisboa : Editorial Presença, 1989. p.25.

81Para Halbwachs, associar os termos memória e história é um grande equívoco “... porque geralmente a

história começa somente no ponto onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a

memória social.” HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 80. Esse corte não

foi estabelecido por Taunay.

82NORA, P. Entre Mémoire et..., p. XIX.

Page 55: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

43

Revelar por inteiro, eis o império da continuidade, da

continuidade histórica.

Essa luz, no exato instante em que revela por inteiro,

lembra, também por inteiro; retira do esquecimento aquele

passado que não merece o ostracismo. Se a memória é a vida,

aberta à dialética da lembrança e da amnésia 83, a memória

historiograficamente construída é o local onde se pode

cristalizar, solidificar a lembrança recuperada e restaurada,

enfim, livrá-la do desterro.

Por isso a memória reconstitui e não reconstrói, por

isso a memória evoca , ela quer que o passado venha para o

presente na sua dimensão absolutizada e não problematizada.

Vamos a Taunay, anos mais tarde (1926):

Havendo, na grande maioria dos casos, a maior imprecisão de dados, para a fixação dos pontos visitados pelas bandeiras, viu-se o autor forçado a limitar-se a indicar as zonas onde operaram as expedições sertanistas, pretendendo, sobretudo, evocar-lhes os feitos como lhes mencionar o nome dos chefes e as datas das jornadas. 84

Taunay pretendia reconstituir todos os trajetos, ou

pelo menos os mais importantes, das bandeiras. Era impossível,

como ele mesmo constatou. Os bandeirantes não deixaram

relatos das expedições e, além do mais, a nomenclatura dos

acidentes geográficos, dos pontos de referência, dos caminhos,

havia sido tragada pelo tempo. O que restou a Taunay foi 83Ibid., p. XIX.

Page 56: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

44

detectar e marcar os lugares visitados e não as trilhas; mas com

que intuito? De evocar os feitos 85, de fixar (lembrar) os nomes

dos chefes, de registrar as datas. Esta é a preocupação

predominante na obra de Taunay sobre as bandeiras, edificar

historiograficamente a sua memória.

A construção da memória bandeirante envolveu

Taunay em várias áreas de atuação. Antes de escrever sua

História Geral , empreendeu estudos sobre quem ele via como as

principais fontes do bandeirismo: Pedro Taques de Almeida Paes

Leme (1915) e Frei Gaspar da Madre de Deus (1916). Publicou

estudos sobre São Paulo no século XVI e XVII: Na Era das

Bandeiras (1919), S. Paulo nos Primeiros Annos (1920), S.

Paulo no século XVI (1921), Piratininga (1923) e, no ano de

publicação do primeiro tomo da História Geral , Non Ducor,

Duco (1924). Recuperou e reinventou a tradição bandeirante

com a retomada de Pedro Taques e Frei Gaspar.

O tema das Bandeiras imbrica-se com o da cidade

convergindo, ambos, para a construção da memória bandeirante.

No estudo intitulado A Grande Vida de Fernão Dias Pais

(1931), no capítulo X, Taunay faz grande digressão sobre a

84TAUNAY, A. d'E. Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVI-XVII-XVIII. Desenhada

por Gregorio Colas e José Domingues dos Santos Filho. [1926]. Citação escrita no mapa.

85O verbo evocar (do latim evocare) além de significar trazer à lembrança, guarda ainda hoje o sentido

original de caráter sagrado e religioso. Nos primeiros anos da cidade de Roma, de acordo com Raymond

Bloch, a evocatio era um rito “em que o general romano convidava as divindades tutelares da cidade

cercada a deixarem as suas habitações para se fixarem em Roma, onde tempos mais dignos delas lhes

seriam restituídos (...) A evocatio consistia essencialmente numa fórmula mágica pronunciada pelo

comandante das forças na ocasião do assalto a uma cidade sitiada.” BLOCH, R. Origens de Roma.

Lisboa : Verbo, 1971. p.126-128. Não exitamos ao afirmar que Taunay, quando pretende evocar os feitos

passados, deseja que eles retornem do profundo esquecimento para viverem no presente a glória do

reconhecimento eterno. No “posto” de historiador Taunay cumpre a antiga função do comandante romano.

Page 57: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

45

municipalidade, sobre a guerra civil entre Pires e Camargos e

sobre o papel do bandeirante que atua não só no sertão com

aquele “... notável dom de que Fernão Dias Pais deve ter sido

dotado para se impor aos índios...” 86, mas também na urbe: “Iria

a luta entrar em nova fase, quiçá a mais violenta da guerra civil.

Na que se encerrara não estivera Fernão Dias Pais tão em

destaque quanto na que se ia encetar onde lhe caberia um papel

absolutamente capital” 87.

A deliberada benevolência de Taunay em relação aos

bandeirantes transforma-os em entidades mitificadas 88. Como o

seu objetivo é reconstituir a trajetória condutora da formação

dos paulistas, desde a origem idealizada até o valoroso presente,

termina por mitificar os personagens que inauguraram a

ocupação do planalto, também mitificado: “A “borda do campo”

era a borda do sertão ignoto e do mistério profundo, o primeiro

marco da conquista do Brasil” 89; e, mais a frente: “Precisava

João Ramalho fazer como Rômulo” 90.

Poderíamos reproduzir ao infinito as citações que

demonstram que a empresa de Taunay foi de memória e não de

história. Taunay buscou, como indicamos anteriormente, a 86TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Pais. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, 1931.

p.110.

87Ibid., p. 88.

88Nossa reflexão sobre o mito privilegia a sua expressão simbólica destacada por Cassirer: “... hablando

en general, las respuestas humanas pertenecen a un tipo enteramente distinto. Lo que las distingue de las

reacciones animales es su carácter simbólico. En la aparición y el crecimiento de la cultura humana, este

fundamental cambio de sentido puede seguirse paso a paso. El hombre ha descubierto un nuevo modo de

expresión: la expresión simbólica. Este es el común denominador de todas sus actividades culturales: del

mito y la poesía, del lenguaje, del arte, la religión y la ciencia.” CASSIRER, E. El Mito del ..., p. 58.

89TAUNAY, A. d'E. A Vida em Santo André da Borda do Campo. In: Na Era das Bandeiras. São Paulo :

Melhoramentos, 1922. p. 9.

Page 58: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

46

iconografia das bandeiras e dos bandeirantes, quando não

encontrava os seus vestígios, determinava a criação das

imagens: memória pressupõe imagem.

Façamos a experiência! Adentremos no peristilo do

Museu Paulista, lá estão as pinturas imaginadas dos primeiros

povoadores, as estátuas de Antônio Raposo Tavares e Fernão

Dias Pais (figuras 1 e 2); na escadaria (figura 3), em ambos os

lados, os vasos contendo as águas dos grandes rios do Brasil,

especialmente aqueles ligados às Monções 91. Não podemos

esquecer de mencionar, aliás, esquecer jamais pois é um lugar

de memória, as grandes telas: A Partida da Monção de Almeida

Júnior (figura 4), a Fundação de São Paulo e o Desembarque de

Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro de Oscar Pereira da

Silva (figuras 5 e 6), e a Fundação de São Vicente de Benedito

Calixto (figura 7).

Realmente, Taunay “reconstruiu todo um mundo

espiritual que começa nele de maneira indissolúvel”, como quer

José Honório, e por isso mesmo ele é muito mais do que um

revisionista histórico, ele é um construtor de memória .

90Ibid., p. 17.

91Taunay inspirou-se no palácio dos Aquemênidas em Persépolis, que possuía em ânforas as águas do

Nilo, do Danúbio, do Indo..., para instalar os recipientes com as águas dos rios históricos brasileiros:

“Assim, senhores! Quando à gratidão brasileira se impuser, como saldamento imperioso de uma dívida

enorme, a necessidade da ereção de um monumento destinado a rememorar os feitos daqueles que

alargaram o Brasil pela América do Sul a dentro - e no dia em que um monumento nacional como este se

vai erigir aos homens da nossa Independência se erguer a estes filhos de S. Paulo, portadores das quinas

ao coração do continente e doadores ao Brasil, de milhões de quilômetros quadrados de territórios

admiráveis, fiquemos certos de que a tal monumento não pode faltar o lugar para a ânfora d'água do rio

das bandeiras paulistas (o Tietê)!” TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 100-101.

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47

Figura 1 - Estátua de Antônio Raposo Tavares, de Luiz Brizzolara.

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48

Figura 2 - Estátua de Fernão Dias Pais, de Luiz Brizzolara

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49

Figura 3 - Hall e escadaria do Museu Paulista

Page 62: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

50

Figura 4 - A Partida da Monção, óleo de Almeida Júnior

Page 63: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

51

Figura 5 - A Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva

Page 64: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

52

Figura 6 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral, óleo de Oscar Pereira da Silva

Page 65: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

53

Figura 7 - Fundação de São Vicente, óleo de Benedito Calixto

Page 66: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

3 . O PRESENTE E O PASSADO NA

CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA

O presente não se detém. Não poderíamos

imaginar um presente puro; não teria valor. O

presente tem sempre uma partícula de passado,

uma partícula de futuro. E parece que isso é

necessário ao tempo.

Jorge Luis Borges. O Tempo .

Page 67: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

55

A expansão vicentina, conforme exposta na obra de

Taunay, constituiu-se em tema pela interseção de dois conjuntos

de contribuições: um, contemporâneo (Capistrano de Abreu e

Washington Luís), o outro, localizado no passado (Pedro Taques

de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e

Auguste de Saint-Hilaire). No primeiro grupo de autores, em

relação a Capistrano de Abreu, dele recebeu a indicação do

tema, lições sobre o trabalho do historiador e sobre a

importância do conhecimento histórico cientificamente

estruturado; de W. Luís ele não só apreendeu a estima pelas

tradições como deixou-se tragar pelo projeto de valorização do

passado paulista. No segundo grupo, ele encontrou a nobilitação

inicial do bandeirante, e como não divergia, invocou

explicitamente esses autores, através de longas e freqüentes

citações, para sustentar em grande parte as suas intenções e

interpretações.

Portanto, Taunay uniu o ofício do historiador

(Capistrano) e a vontade de celebrar as tradições paulistas (W.

Luís) com as lembranças do glorioso passado de São Paulo

registradas por determinados autores (Taques, Gaspar, Saint-

Hilaire), amparadas documentalmente ou na tradição oral 92.

Procedendo assim, no dizer de Halbwachs, Taunay confere ao

seu texto uma sensação de solidez e exatidão como se a

experiência relatada fosse recomeçada não somente por ele no

presente, mas também por vários grupos no passado 93. Em suma,

92Sobre Pedro Taques, afirma Alice Piffer Canabrava: “Ele recolheu a mística bandeirante conservada na

tradição oral. Profundamente paulista, Pedro Taques foi um intérprete do sentimento tradicionalista de seu

meio.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico

de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica Editora Souza, 1949. p. 495.

93Halbwachs, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 25.

Page 68: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

56

ao submeter o passado e a tradição estabelecida aos rigores da

História convertia os três em memória.

3.1 A contribuição do presente

3.1.1 Capistrano de Abreu

Duas são as influências determinantes do resultado

da obra historiográfica de Taunay - e correspondem ao duplo

movimento acima enunciado: Washington Luís e Capistrano de

Abreu 94. Do primeiro, não só apreendeu a estima pelas tradições

como assimilou o projeto de valorização do passado paulista. Do

segundo, recebeu lições sobre o trabalho do historiador e a

importância do conhecimento histórico cientificamente

estruturado.

A influência inicial e sempre homenageada por

Taunay foi de Capistrano. O filho de Taunay, Augusto

d'Escragnolle Taunay, relata:

estudara engenharia pela necessidade de possuir um diploma superior e dos cursos superiores existentes no país era este o que menos lhe desagradara. E, durante os anos em que se ocupou do ensino da física e da química já se vinha empenhando nas pesquisas históricas, matéria para a qual sempre tivera grandes pendores, possivelmente devido aos

94Wehling indicou a influência de Capistrano de Abreu sobre Taunay Cf. WEHLING, A. De Varnhagen a

Capistrano: Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese

para Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 1992, v. 2, p. 392.

Page 69: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

57

incentivos do seu grande mestre e dileto amigo, Capistrano de Abreu 95.

Pensamos ser correta a conjectura de que a real

vocação de Taunay era a história sendo a engenharia apenas um

pequeno retardo no percurso imposto pela época. De qualquer

forma, fosse Taunay formado em direito ou engenharia,

Capistrano serviu como elo de ligação com a história. Durante

quase quarenta anos (desde os doze anos de idade) Taunay

recebeu lições de história do Brasil do “Mestre prezado e

amigo”, de quem humildemente se considerava discípulo 96.

Desejando que o filho tivesse os melhores professores a sua mãe

contratou, no ano de 1889, Capistrano de Abreu como

“explicador” particular. Realmente é de se invejar a sorte!

A influência de Capistrano foi duradoura e

perpetuou-se até a morte do último (1927):

A Capistrano devi assinalados serviços e os mais leais conselhos. Deu-me indicações preciosíssimas sobre muitos e muitos assuntos. Indicou-me opulentas fontes com aquela prodigiosa liberalidade e ausência total de inveja que formavam o fundo do seu íntimo, ao oferecer aos amigos, aos consulentes em geral, a poderosa valia de seu formidável cabedal de conhecimentos. E como se interessava pelo andamento dos trabalhos daqueles a quem estimava! Como desejava que se aperfeiçoassem! 97.

95Apud. ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11

de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 23.

96TAUNAY, A. d'E. J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3,

primeira parte, 1927. p. XIII-XVIII.

97Ibid., p. XVII.

Page 70: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

58

O período coberto pela correspondência de

Capistrano publicada por José Honório Rodrigues estende-se de

1904 a 1927. Capistrano acompanhou os passos de Taunay na

escrita histórica desde os primeiros capítulos do romance do seu

discípulo. Recomendava muito cuidado com os diálogos, para

que os personagens de época não falassem como os

contemporâneos do autor, além de muita leitura 98.

As cartas de Capistrano de Abreu confirmam o

quanto ele lutou para evitar desvios temáticos e proporcionar a

Taunay uma trajetória que julgava segura. Diz Capistrano por

volta de 1904:

Afonso amigo, A sua ídéia de escrever uma história dos capitães-

generais de S. Paulo é simplesmente infeliz. Que lembrança desastrada a de preferir um período desinteressante, quando a grande época dos paulistas é o século XVII! Deixe este encargo ao... ou ao... Isto lhes vai calhar. Que encham as páginas da Revista com tão desenxabido assunto.

Reserve você para si o melhor naco, deixe os miúdos para quem deles gostar. 99

A tese de concurso à cadeira de História do Brasil do

Colégio Pedro II (1883) já revelava um Capistrano preocupado

com o Brasil interior, há nela um capítulo dedicado ao sertão. O

“Mestre” de Taunay vislumbrava toda uma história do Brasil

alternativa ao enfoque exclusivo do litoral. Nos Capítulos de

98RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1,

p. 274.

99Ibid., p. 276.

Page 71: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

59

História Colonial , o maior de todos os “capítulos”, o do sertão,

é assim iniciado:

A invasão flamenga constitui mero episódio da ocupação da costa. Deixa-a na sombra a todos os respeitos o povoamento do sertão, iniciado em épocas diversas, de pontos apartados, até formar-se uma corrente interior, mais volumosa e mais fertilizante que o tênue fio litorâneo. 100

O tema do sertão, da conquista do interior, foi

portanto sugerido por Capistrano. Devemos indicar que o sertão

foi objeto de livros de Alfredo d'Escragnolle Taunay revelando

assim uma predisposição temática desde o lar, se levarmos em

conta a elevada consideração que Affonso, o filho, nutria pelo

pai. A admiração expressou-se através da publicação e tradução

dos textos do autor de Inocência , das quais Taunay se

encarregou sem descanso. Capistrano manifesta a primazia do

Visconde:

100ABREU, J. C. de. Capítulos de História Colonial: 1500-1800. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :

EDUSP, 1988. p. 141. Ao filão aberto por Capistrano e seguido por Taunay, entre outros, incorporou-se

também, mais tarde, Sérgio Buarque de Holanda: “Vencida porém a escabrosidade da Serra do Mar,

sobretudo na região de Piratininga, a paisagem colonial já toma colorido diferente. Não existe aqui a

coesão externa, o equilíbrio aparente, embora muitas vezes fictício, dos núcleos formados no litoral

nordestino, nas terras do massapê gordo, onde a riqueza agrária pode exprimir-se na sólida habitação do

senhor de engenho. A sociedade constituída no planalto da capitania de Martim Afonso mantém-se, por

longo tempo ainda, numa situação de instabilidade ou imaturidade, que deixa margem ao maior intercurso

dos adventícios com a população nativa. Sua vocação estaria no caminho, que convida ao movimento;

não na grande propriedade rural que forma indivíduos sedentários.” Apud. OLIVEIRA JUNIOR, P. C. de.

Bandeirantes, Índios e União Ibérica: propondo uma outra abordagem. Revista da Universidade Veiga de

Almeida, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 1993. p. 7.

Page 72: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

60

Quando as críticas se apurarem, reconhecerão que seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu sertões de experiência e autópsia, não de chic: antes dele só houvera estrangeiros. 101

Capistrano não só influiu no tema, gestão exitosa,

como procurou interferir no estilo de Taunay, onde fracassou:

“Se V. for capaz de sacrifício, aconselharia um: deite fora a

retórica, reduza o volume ao rigorosamente significativo” 102.

Nesse ponto Capistrano não teve sucesso porque a Taunay

interessava construir um grande tema: o tema das Bandeiras. A

sua intenção não era problematizar a conquista e o povoamento

do interior do Brasil, ele vislumbrava construir uma matéria que

fosse digna aos olhos da História , cujo personagem principal, o

bandeirante, agia segundo os mais elevados sentimentos.

Escrevendo muito, redigindo incontáveis laudas, publicando

vários tomos, Taunay procurava, com o volume, conferir

autoridade quantitativa ao bandeirantismo. Enfim, queria provar

ao grupo, à coletividade paulista e brasileira que aquele

momento histórico não deveria ser esquecido:

Repetindo-se uns aos outros, cronistas coloniais e historiadores do Brasil nação, prestaram, geralmente, imensa atenção às lutas e à repulsa dos estrangeiros, às questões administrativas, freqüentemente tediosas, infindáveis, deixando na mais inexplicável e imerecida obscuridade os feitos das bandeiras. Para eles a história do Brasil é a história da costa, quase somente. 103

101RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 330. O livro de Alfredo d'Escragnolle Taunay ao qual

Capistrano faz referência é Visões do Sertão editado por Taunay após a morte do Visconde. No capítulo

subseqüente posicionamos a influência do pai.

102RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 302.

Page 73: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

61

As críticas a Taunay abrangem a letra “ilegível”,

solicitam que não faça citações literárias, que abandone as

paráfrases, que evite substituir vocábulos em língua portuguesa

por similares estrangeiros, por exemplo hinterland no lugar de

sertão. Esse último aspecto é revelador. Capistrano percebe que

Taunay ao valer-se de palavras em língua estrangeira procura

enobrecer o seu tema:

Li os dois artigos sobre Taques, que devolvo. Por que rush e placer? Será tão indigente a língua que para coisas brasileiras precisa de palavras peregrinas? 104

Os dois historiadores trocavam informações sobre

documentos, discutiam sobre o método de expor a matéria

histórica, comentavam a bibliografia. Capistrano gostava de

brincar com a excessiva religiosidade católica de Taunay,

propunha questões dentro do bandeirismo para ele resolver (por

exemplo a origem do sentido histórico que tinha a palavra

“bandeira” naquela época - década de 20), criticava os textos

enviados por Taunay (considerou que o primeiro volume da

História Geral continha muitas páginas relativas aos espanhóis),

incentivava-o a identificar os bandeirantes (o caso de Domingos

Jorge Velho) e sugeria publicações de livros dado o

conhecimento e intimidade de Taunay com os irmãos Weiszflog

- a atual editora Melhoramentos.

A presença de Capistrano e sua influência sobre

Taunay obedece também às regras do contexto. Se o contato 103TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. ideal; H. L. Canton, 1924. t.

1, p. 7.

Page 74: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

62

entre ambos recua a 1889, quando pela primeira vez ele foi seu

aluno, desde 1880, segundo Wehling, Capistrano já havia

transitado da sua fase cientificista para a subseqüente, cuja

característica é o primado do documento 105. Abandonava,

Capistrano, o historicismo cientificista baseado em Comte,

Buckle e Spencer, entre outros, sem uma rígida vinculação a

qualquer doutrina. Assim sendo, o Capistrano que ministrou

aulas e tornou-se amigo de Taunay não mais tinha como

pressupostos teóricos a crença na unidade do real, na existência

de leis deterministas, na diretividade do processo (a evolução),

na possibilidade de encontrar leis e regularidades para os

fenômenos sociais, na sua cognoscibilidade crescente e na

definição de atitudes epistemológicas semelhantes para as

diversas ciências, envolvendo conceitos abrangentes 106.

Agora, especialmente após a tese de concurso ao

Colégio Pedro II, que foi “o coroamento da conversão de

Capistrano de Abreu ao documento”, “é a verdade que emana

das fontes que comanda a investigação e as conclusões” 107.

Completa, Wehling:

Em 1883, Capistrano de Abreu aparece como um historiador acabado: é um cientista que domina o seu método, a sua problemática e os seus temas. Não é mais o aplicador das leis positivistas, do evolucionismo spenceriano, do determinismo climático. Utiliza-se deste intrumental como hipóteses de trabalho, que tanto podem ser confirmadas como desmentidas pela análise documental; não se vê mais na obra de Capistrano

104RODRIGUES, J. H.(Org.). Correspondência..., p. 289.

105WEHLING, A. Op. cit., v. 2, p. 385.

106Ibid., p. 360-361.

107Ibid., p. 387.

Page 75: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

63

um “tour de force” para encaixar os fatos na teoria pré-elaborada como fez em 1874, a propósito do teatro brasileiro. 108

É esse historiador acabado, cuja obra não ficou

irremediavelmente datada (como a de Sílvio Romero) pois

superou o cientificismo 109, que conviveu e influenciou Taunay.

A ascendência intelectual de Capistrano manifestou-se em pelo

menos cinco aspectos: na importância do documento, no método,

no tema, no período e na indiferença à política. A apreensão

feita por Taunay dos ensinamentos de Capistrano se o afastou

dos ares cientificistas do final do século XIX, no entanto deixou

uma preocupação com o objeto e com o documento histórico,

firmemente convertida em culto documental, único meio de

alcançar àquela realidade que não cessa de escapar, ou melhor,

que tende ao esquecimento.

3.1.2 Washington Luís

A outra influência marcante na obra historiográfica

de Taunay sobre o bandeirismo é Washington Luís Pereira de

Souza. Em todos os momentos nos quais Taunay fez referência à

figura de W. Luís a palavra tradição estava envolvida. No

entanto, o significado atribuído à tradição ligava-se intimamente

à história, na sua dimensão documental. Assim sendo, o antigo

prefeito, presidente do estado de São Paulo e da República, era

louvado pela sua ação de estímulo aos estudos do passado

paulista e pela publicação dos documentos considerados

essenciais a essas pesquisas.

108Ibid., p. 388.

109Ibid., p. 430.

Page 76: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

64

No início do livro S. Paulo no Século XVI (1921 é a

data da publicação; 1919 é a data do texto citado abaixo),

Taunay, no espaço dedicado ao prefácio e que costumeiramente

levava o título “Duas Palavras” - título sugestivo uma vez que

ele decididamente não possuía o tão desejado espírito de síntese

- comenta as fontes das quais se serviu:

Aos elementos hauridos das fontes únicas de outrora, os depoimentos jesuíticos, ajuntamos o copiosíssimo manancial de informes inéditos, proveniente das Atas e do Registro Geral da Câmara de São Paulo , traduzidos e postos à disposição dos estudiosos, graças sobretudo à ação esclarecida de Washington Luís, tão profundo sabedor quanto zelador cioso das tradições da grande cidade de que foi governador. 110

Vale a pena notar dois aspectos que são recorrentes

no discurso historiográfico de Taunay. O primeiro é o destaque

que ele nunca deixa de fazer quando se utiliza de acervo

documental inédito; a respeito especificamente das Atas e do

Registro Geral , fará uma ressalva que talvez só Azevedo

Marques tenha compulsado essa documentação. Mais do que

destacar, Taunay, sempre deu preferência exagerada aos

“inéditos”, como se a história - e era assim, com certeza que ele

pensava - só pudesse ser realizada com objetividade e

originalidade se descobrisse novos materiais. O segundo ponto

relaciona-se à palavra zelador . W. Luís não é apenas sabedor

mas também zelador do conhecimento do passado, das

tradições. Essa função de zelar pelo passado, tão admirada, foi

absorvida por Taunay e assumida como uma das funções da

Page 77: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

65

história. Tradição e história, a primeira corrigida pela segunda,

concorrem para a exaltação do passado paulista. Abaixo, a

dedicatória do primeiro volume da História Geral das Bandeiras

Paulistas:

Ao amigo ilustre,

Dr. Washington Luís Pereira de Souza, a quem imenso devem a tradição bandeirante , e os estudos sobre o Brasil primevo, homenagem muito grata. 111

Com essa dedicatória Taunay agradece não só o

apoio pessoal, a confiança, o estímulo e a amizade, como o

apoio oficial. Boa parte da sua obra sobre o bandeirismo,

inclusive a História Geral , foi financiada por cofres públicos 112.

As funções executivas exercidas por W. Luís - prefeito de São

Paulo no período 1913-1920, em seguida, presidente do estado

de São Paulo e, finalmente, presidente da república entre 1926-

1930 - facilitaram a destinação das verbas que custearam a

construção de uma “história” bandeirante.

110TAUNAY, A. d'E. S. Paulo no Século XVI: História da Villa Piratiningana. Tours : E. Arrault & Cia.,

1921. p. V.

111TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 1. O grifo é nosso.

112“Honrando a publicação a presente obra, com o amparo do governo de S. Paulo, vieram os srs. drs.

Washington Luís e Alarico Silveira, trazer-lhe um testemunho que se de um lado nos provoca o maior

desvanecimento, de outro, nos traz a apreensão do que não corresponderá a incumbência à expectativa

de seus ilustres patronos.” Seria forçoso interpretar a palavra incumbência no sentido de encomenda, não

há como comprovar, mas consideramos que indiscutivelmente havia uma comunhão de interesses

mediados pelo amor à história e ao passado paulista . Dessa forma, não era preciso existir uma

encomenda explícita; havia quem se dispusesse a fazê-la - a História Geral - e quem se dispusesse a

financiá-la. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 16. Capistrano de Abreu deixa vazar, em carta, a

projeção de Taunay junto ao governo paulista: “Bem poderia você estimular os seus amigos do Governo a

impulsionar tão útil série (de documentos).” RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 280.

Page 78: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

66

Enfim, a influência de W. Luís enfeixa também uma

consistente contribuição de natureza histórica. Além de

pesquisar e publicar documentos, além de financiar oficialmente

a publicação de obras históricas, escreveu, ele mesmo, textos

significativos - são significativos e consistentes não só porque

amparados em farta pesquisa empírica como correspondem às

expectativas coevas. As dúvidas que circundaram o nome de

Antônio Raposo Tavares, “magno sertanista”, durante anos e

atribuídas, por Taunay, em grande parte aos desvios da tradição

oral e ao desaparecimento de uma biografia do bandeirante feita

por Pedro Taques para compor a Nobiliarquia , essas dúvidas,

foram definitivamente resolvidas por W. Luís em 1905, com a

publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo do artigo Antônio Raposo 113. Nas palavras de Taunay:

Cabe a Washington Luís como se sabe, a glória da reivindicação histórica que veio dar ao homeríada (Antônio Raposo Tavares) as suas características exatas. 114

Completam a contribuição de W. Luís o texto

Contribuição para a História da Capitania de São Paulo:

Governo de Rodrigo César de Meneses e o livro Na Capitania

de São Vicente; no campo dos documentos o incremento para a

divulgação das séries Inventários e Testamentos e Documentos

Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo . Um

último dado a ser destacado; a polêmica desconcertante sobre o

113LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX,

1905. p. 485-533. O artigo compõe-se do texto propriamente dito e da íntegra de dezessete documentos

comprobatórios.

114TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 279.

Page 79: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

67

cultuado personagem João Ramalho encerrou-se quando veio a

lume, por intermédio de W. Luís, o seu testamento 115.

A medida da ascendência intelectual e oficial

exercida por W. Luís em Taunay e nos demais eruditos e

historiadores da época pode ser obtida através de uma frase de

Capistrano de Abreu. Angustiado pela premência do tempo em

cumprir uma “tarefa” sugerida por W. Luís - a edição dos

escritos de Anchieta - escreve a Taunay: “Haverá tempo? Não

sei quando termina o mandato do Washington. 116”

3.2 A contribuição do passado

3.2.1 Pedro Taques

Pedro Taques nasceu em São Paulo no ano de 1714.

Era o sexto filho do capitão Bartolomeu Paes de Abreu e tinha

uma ascendência ilustre que incluía Fernão Dias Pais e Brás

Cubas. Ainda segundo Taunay, estudou no Colégio Jesuítico de

São Paulo sabendo o francês 117. Estes diminutos dados

biográficos não dão conta do intenso sentimento que Taunay

dedicava a Pedro Taques:

115LUÍS, W. O Testamento de João Ramalho. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,

São Paulo, v. IX, 1905. p. 563-569. Assim como Taunay, Alcântara Machado rendeu agradecimentos a W.

Luís: “Depois de ter divulgado, quando prefeito do município, as atas e papéis da edilidade paulistana,

pondo ao alcance de todos nós os materiais para a reconstrução da vida administrativa da cidade colonial,

materiais aproveitados imediatamente em trabalhos judiciosos pelo sr. Afonso de Taunay, promoveu

depois, na presidência do Estado, a reprodução dos inventários antigos, salvando-os assim do

esquecimento injusto e da destruição inevitável a que estavam condenados.” In: MACHADO, A. Vida e

Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 29-30.

116RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 336.

117TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques. In: LEME, P. T. de A. P. História da Capitania de São Vicente. São

Paulo : Melhoramentos, [1928]. p. 5-53.

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68

Imenso devem o Estado de S. Paulo e o Brasil a Pedro Taques e esta dívida, mais que secular, tão longe ainda de se saldar, precisa concretizar-se num monumento nacional.

Espera firmemente o Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo que, em futuro não remoto, celebre a cidade de São Paulo a glória do filho ilustre num padrão que a todos lembre a memória imperecível daquele a quem tanto cabe o epíteto, formoso entre todos, de - Historiador dos Bandeirantes.

A esta homenagem, por certo, há de todo o país concorrer, porque historiador dos bandeirantes significa: historiador da conquista do Brasil pelos brasileiros.

E celebrando a glória de Pedro Taques, aclamará ao mesmo tempo a Nação, de Norte a Sul, a dos paulistas, construtores do áspero Brasil Meridional e Central. 118

A dívida, os elogios e as homenagens advêm das

qualidades sem-par que Taunay observara na sua conduta e nos

seus escritos. Pedro Taques era “homem orgulhoso de sua

nobreza e opulência”, esteve “alheio aos preconceitos semi-

muçulmanos sobre a mulher que dominavam as velhas

sociedades lusitanas”, foi “o mais fiel dos vassalos do Rei de

Portugal”, dispunha de “rara inteligência e erudição”, possuía

uma “convicta religiosidade”; no seu texto principal, a

Nobiliarquia , procurou “ser imparcial ou pelo menos passar por

sê-lo” e evitou qualquer referência pesada “aos inimigos

encarniçados que contou” 119.

118TAUNAY, A. d'E. Prefácio: Pedro Taques de Almeida Paes Leme. In: LEME, P. T. de A. P.

Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v.

1, p. 35-36. O grifo é nosso.

Page 81: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

69

Os defeitos do linhagista também foram observados,

entretanto de forma esporádica. Em um desses raros momentos,

ao comentar as incoerências do terceiro casamento de Taques,

Taunay revela-se crítico como poucas vezes se pode notar:

Como iria um aristocrata, apaixonado de ferrenhos preconceitos de casta, oriundo de nobre estirpe altamente colocada e prestigiada em toda a capitania, incansável e retumbante arauto da seleção nobiliárquica, aquele que chegara a escrever que a geração de certa pessoa nobre morrera, porque seu progenitor desposara uma mulata, - como iria o linhagista, apregoador dos “estímulos do sangue”, aliar-se a alguém de modesta origem, pertencente a uma família sem tradições, fortuna nem posição, embora branca e cristã velha e - o que mais grave era - em cujo seio, recentemente ainda, graves irregularidades haviam ocorrido? 120

O tom de crítica veemente, contrário aos desígnios

de quem pretende louvar a vida e obra de alguém decorre,

certamente, da indignação de Taunay para com o episódio:

Taques o decepciona. Se na vida íntima, a cada passo, “trai o

linhagista um profundo pendor pelos problemas do eterno

feminismo” 121, na obra preenche as expectativas - de Taunay, é

claro.

Na Nobiliarquia o linhagista materializou, segundo

conclui Taunay, a influência recebida de seu padrinho o frei

Luiz dos Anjos, “apaixonado da nobiliarquia e da ciência

119TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de uma época. Anais do

Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, p. 253-264. Este estudo foi premiado pela Academia Brasileira de

Letras no concurso de erudição realizado em 1923.

120Ibid., p. 143-144.

121Ibid., p. 144.

Page 82: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

70

genealógica” 122. Nos estudos levados a cabo com os jesuítas,

Pedro Taques revelava-se detentor de admirável memória fato

que o distinguia positivamente entre os demais 123. Deve-se notar

que o próprio Taunay possuía tal dom natural, muitas vezes após

ler os documentos e fazer as devidas anotações, no ato de

compor o texto, não os retomava confiando na memória 124.

Taunay ao reparar essa qualidade especial no linhagista não

deixava de se identificar com ele. Um sinal mais forte dessa

identificação nos é dado quando Taunay expressa as supostas

expectativas de Pedro Taques às vésperas de sua viagem a

Lisboa em 1755, ano do terremoto. O ponto de exclamação

indica a emoção de Taques transbordando para o narrador:

Excelente essa ocasião para visitar a capital da monarquia e viajar, amparado pela proteção de altas personalidades que lhe facultariam a entrada no recesso dos arquivos! Anteviu a plena satisfação desta paixão dominante, o contato com os documentos, fonte de sensações deliciosas, para a insaciável curiosidade dos rebuscadores, de impressões fortíssimas, como poucas haverá, tão agradáveis e capazes de provocar os arrepios das grandes comoções e as alegrias intensas dos achados preciosos e inesperados. 125

122Ibid., p. 15.

123Ibid., p. 21.

124“Ao redigir os seus trabalhos, dispensava fichários. Possuía anotações em uma pasta que vez ou

outra consultava. Servia-se, antes, da sua invejável memória prodigiosa”. ELLIS, M., HORCH, R. E. Op.

cit., p. 37.

125TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 57-58. É-nos impossível evitar a lembrança de uma

passagem basilar: “O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele

próprio parcialmente influenciado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou

inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado, quanto

para dizer “a verdade”.” LE GOFF, J. A História Nova. In: LE GOFF, J. (Dir.). A História Nova. São Paulo :

Martins Fontes, 1990. p. 54.

Page 83: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

71

Os documentos históricos, tão valorizados por um e

outro, capazes de provocar as mais espetaculares emoções,

foram reunidos em coleção particular à custa dos cargos

públicos de Pedro Taques. Taunay da mesma forma constituiu

coleções, desta feita no Museu Paulista. Um e outro realizaram

obras vastas - a Nobiliarquia e a História Geral das Bandeiras

Paulistas - também recorrendo às influências, vantagens e

remunerações oriundas do exercício de funções públicas 126. Para

além do valor atribuído aos documentos, unem Taques e Taunay,

sempre através da ótica deste, o mais elevado dos sentimentos

humanos: o amor.

Do amor consagrado aos documentos dá-nos Pedro Taques numerosas provas, quando lastima a dispersão dos velhos arquivos vicentinos, e sobretudo a catástrofe provocada por um incêndio do cartório da Câmara de S. Vicente, “monumento para a posteridade”. 127

Foi no exercício do cargo de guarda-mor das Minas

de São Paulo que Pedro Taques recebeu do capitão-geral D. Luiz

Antônio de Sousa a tarefa de escrever “tudo que souber a

respeito do estado das Aldeias desta Capitania, as ordens Reais

que tem havido a respeito das suas terras e governo, enfim tudo

aquilo que alcançar o seu conhecimento e julgar preciso se

conserve nesta secretaria para todo o tempo constar” 128: assim

veio a lume a Informação sobre as Minas de São Paulo em 126“É nossa convicção - à falta de documentos - que pôde Pedro Taques tanto fazer avultar a sua

Nobiliarquia graças à particularidade de haver sido tesoureiro da Bula e contar, em todas as vilas da

capitania, subordinados.” Ibid., p. 102. Além de ter sido tesoureiro-mor da Bula da Cruzada (1758) Pedro

Taques também foi investido no cargo de guarda-mor das Minas da Comarca de São Paulo (1763).

127Ibid., p. 247.

128Portaria para o Sargento-Mor Pedro Taques declarar tudo o que há a respeito das Aldeias desta

Capitania. Apud. TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo... p. 165.

Page 84: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

72

1772. O mesmo ano conheceu outra obra de Taques produzida

sob encomenda, a História da Capitania de São Vicente, agora

por conta de um particular interessado na defesa de direitos de

herança. Antes, em 1768, havia publicado a Notícia Histórica da

Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São Paulo que não era

resultado de encomenda mas estava marcado pelo contexto

específico da administração pombalina, fazendo com que o autor

manifestasse uma desconfortável posição anti-jesuíta 129.

De fato, a grande obra de Pedro Taques é a

Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica 130. Consumiu o

autor desde os dezesseis anos, envolveu duas viagens a Portugal,

o concurso de auxiliares por vários cartórios (civis e

eclesiásticos) da Capitania, a luta do autor contra as

conseqüências da malária (especialmente várias paralisias) e,

sobretudo, a perda de vários originais quando do terremoto em

Lisboa por ocasião da primeira viagem. Sem dúvida emerge

significativa a produção de Pedro Taques, mas sua relevância

torna-se absoluta por atender aos desígnios de Taunay no

esforço de documentar, provar, fixar e definir os personagens e

feitos de um passado reputado como esplendoroso em

realizações:

São o pendor para a documentação humana, as tendências à individuação, que para nós sobrelevam o valor dessa Nobiliarquia Paulistana - obra de paciência quiçá apenas documentação valiosa de

129Ibid., p. 102.

130O texto foi publicado pela primeira vez na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a partir

de 1869 e compreendeu os tomos XXXII-XXXV. TAUNAY, A. d'E. O Historiador dos Bandeirantes: Pedro

Taques e a sua Obra. In: LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo

Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980, v. 1, p. 43.

Page 85: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

73

nossa história sertanista, para os observadores superficiais; mas para os estudiosos e os sinceros muito mais que isto: porque representa a fixação dos caracteres das gerações longínquas que passaram anônimas, e traduz um pouco da alma que aos dilatadores do Brasil animava. E tudo isto sem a sua intervenção se perdera 131

3.2.2 Frei Gaspar

Gaspar Teixeira de Azevedo (9/2/1715), conhecido

por Frei Gaspar da Madre de Deus, constituiu juntamente com

Pedro Taques, um referencial seguro e precioso para Taunay.

Tanto foi assim, que o historiador soube protegê-los dos

“injustificáveis” ataques dos críticos. Cândido Mendes de

Almeida foi um daqueles a repelir, em Pedro Taques, a chamada

mania nobiliárquica. Na defesa do “historiador vicentino”

Taunay expende:

Dentre o primeiro núcleo de fundadores de S. Vicente, gente havia muito bem aparentada em Portugal, - e isto incontestável é - pretendam o que quiserem as alegações de certa corrente da moderna crítica da nossa História que, obstinadamente, se recusa a aceitar as informações iniciais de Pedro Taques, inquinando-as de suspeitas ou lendárias, nascidas da mania nobiliárquica e do prurido da vaidade exagerada, freqüente entre os genealogistas e os paulistas em geral, acrescenta-se com certa malícia. 132

131TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 252.

132TAUNAY, A. d'E. Biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus. In: MADRE DE DEUS, Fr. G. da.

Memórias para a Historia da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos

anos em que se descobriu o Brasil. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. p. 9.

Page 86: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

74

Quanto a Frei Gaspar a acusação repousava no

testamento de João Ramalho, compulsado pelo beneditino mas

desaparecido até que W. Luís o redescobrisse.

Acusou-o (Cândido Mendes), formalmente, de haver forjado o famoso testamento de João Ramalho e, no entanto, pôde Washington Luís, há alguns anos, trazer a lume irrefragável depoimento comprobatório da veracidade e da boa fé do historiador. 133

A trajetória de Frei Gaspar foi menos tormentosa do

que a de seu primo Pedro Taques. Aquele abrigou-se entre os

beneditinos em 1731 aos dezesseis anos, sua família possuía

grandes propriedades e não enfrentou qualquer abalo repentino

como a acusação de desfalque contra Taques. O único “violento

abalo” familiar, segundo Taunay, teria sido a morte prematura

do pai, Domingos Teixeira de Azevedo. No noviciado da Bahia

Frei Gaspar estudou Filosofia, História e Teologia, participou da

Academia Brasileira dos Esquecidos (1724), logo desfeita, e

conviveu com Rocha Pitta. A este convívio Taunay atribui a

consolidação da vocação do beneditino para a História,

indagando...

No seu remanso freqüentou-o frei Gaspar: quanto não devia ao jovem monge aproveitar o contato com o admirado e invejado mestre supremo da História nacional, o primeiro a quem se atribuíra o título de historiador, quando no país não houvera até então senão cronistas? 134

Muito significativo nos comentários de Taunay

acerca deste episódio é o envolvimento de Pedro Taques, 133Ibid., p. 9.

134Ibid., p. 20.

Page 87: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

75

formando uma tríade (Pedro Taques, Frei Gaspar e Taunay) em

defesa da verdade absoluta produzida pelo conhecimento

histórico e desqualificando, por conseguinte, Rocha Pitta:

Viriam o decorrer dos anos e sobretudo os estudos em comum com Pedro Taques, fazer com que muito se lhe diminuísse esta veneração dos dias da mocidade. “Fantasioso e crédulo”, incidiu a sua “desenfreada pena” em “muitos e péssimos erros” como o afastar-se da alma da História, que é a verdade”, di-lo Pedro Taques, em termos duros quanto possível, para com quem entendia ser o bonzo da História brasileira na época setecentista. 135

A veneração de Frei Gaspar por Rocha Pitta, segundo

Taunay, foi mediada pela intervenção providencial de Pedro

Taques. Este no passado, assim como o próprio Taunay no

presente, comungava da única crença relevante à atividade do

historiador, a paixão pela verdade, pois esta é a própria essência

da História.

Deste momento podemos extrair três conclusões.

Primeiro, que a ação de Pedro Taques em prol da verdade o

coloca numa posição ligeiramente superior a Frei Gaspar no

juízo de Taunay; segundo, Frei Gaspar atende de pronto aos

reclamos propiciados pelos estudos em comum com o primo e

amigo íntimo, revelando uma propensão interna para o caminho

correto valiosa para Taunay; terceiro, esse enredo institui uma

ligação sólida e indissolúvel entre os três protagonistas, todos

amam a verdade, autorizando Taunay a evocá-los quando

necessários. Por conhecê-los a fundo (afinal escreveu-lhes as

biografias), por confiar no resultado dos seus estudos, por

Page 88: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

76

louvar como eles a “Verdade” 136, e porque os três possuem como

tema central a construção de uma imagem positiva do habitante

de São Paulo - bandeirante por excelência - 137, por tudo isso

pôde Taunay qualificá-los como “as fontes do bandeirismo”:

Não há quem ignore que as primeiras obras da história puramente paulista datam do século XVIII. O que para trás desta centúria existe não passa de minúsculos fragmentos, geralmente desvaliosos, não existindo uma única destas contribuições a que se possa dar o título de livro (...) Em suma, a história dos paulistas no século XVIII resume-se até agora naquilo que redigiram Pedro Taques e seu primo Frei Gaspar da Madre de Deus. 138

Potencializa-se a unidade de intenções e concepções

de Taques e Gaspar, veiculadas por Taunay, porquanto trocavam

idéias, documentos e as páginas de suas obras enquanto as

escreviam: “Permutavam os dois historiadores tudo quanto

135Ibid., p. 20. O grifo é nosso.

136Katia Abud observa que na obra de Pedro Taques e Frei Gaspar aparece uma ligação consistente

com a tradição de pesquisa histórica surgida na França do século XVII: “Tal tradição vinha do final do

século anterior, com a obra de D. Mabillon De Re Diplomatica que iniciou a “ciência do documento

valorizando o documento escrito como prova da História, trabalho que foi continuado pelos beneditinos da

Congregação de Saint-Maur e que trouxe “condições seguras para o conhecimento histórico”.” ABUD, K.

M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o

bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 74. Taunay possuía a mesma convicção no tocante

ao documento como prova da História.

137“A imagem do bandeirante construída por Pedro Taques e Frei Gaspar fixou-se e dela se utilizaram a

grande maioria dos historiadores e cronistas que a eles se seguiram, ao tratar da Capitania de São Paulo

(...) Essa mesma imagem, que durante o século XIX se esvaneceria voltaria com maior vigor e retomaria a

sua função de símbolo da camada dirigente de São Paulo, nas primeiras décadas do nosso século.”

ABUD, K. M. Op. cit., p. 98-99.

138TAUNAY, A. d'E. Manuel Eufrásio de Azevedo Marques e seus preciosos “apontamentos”. In:

MARQUES, M. E. de A. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos

da Província de São Paulo. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v. 1. p. 9-11.

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77

tinham” 139. Da intensa correspondência por eles produzida

restou apenas duas cartas, levando Taunay a lamentar:

é fácil aquilatar-se a importância da perda, que sua destruição à História de S. Paulo acarretou. 140

Se, de um lado, a Nobiliarquia de Pedro Taques

constituiu-se num rico manancial de informações e fontes para

Taunay, de outro, as Memórias para a História da Capitania de

S. Vicente hoje chamada de São Paulo de Frei Gaspar elencou e

conjugou os temas originais da trajetória dos paulistas.

Julgamos serem temas originais exatamente porque

buscam reconstituir o processo histórico desde os primórdios até

onde for possível. Dessa forma, o primeiro item do livro de Frei

Gaspar versa sobre a capitania de São Vicente - é interessante

que o item “Descoberta do Brasil” sucede o referente à

“Expansão dos Paulistas”; na seqüência encontramos capítulos

ligados a Martim Afonso de Souza, à fundação de São Vicente, a

João Ramalho e Tibiriçá, à fundação da cidade de São Paulo e,

para não nos estendermos além do necessário, à aclamação de

Amador Bueno. Todas as menções são centrais dentro do

propósito de reconstituir o passado paulista louvando-o e

exaltando-o. Todos eles podem ser encontrados dispersos ao

longo dos títulos da Nobiliarquia de Pedro Taques. Todos foram

incorporados à obra de Taunay, às vezes com pequenos reparos

motivados pelo manuseio de novos documentos (como os

espanhóis), sem alterar-lhes o princípio de seleção. Assim,

mantém-se Taunay dentro dos quadros tradicionais propostos e 139TAUNAY, A. d'E. Biografia de Frei Gaspar..., p. 50.

Page 90: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

78

executados no século XVIII, avançando aqui e ali ou

simplesmente atualizando-os dentro do que ele chamaria “a

moderna crítica histórica”.

3.2.3 Taques e Gaspar por Taunay

Um episódio associado à narrativa do tema da

aclamação de Amador Bueno da Ribeira pode ser utilizado como

exemplo, inclusive porque através dele são enleados Frei Gaspar

e Pedro Taques.

O contexto histórico do final da União Ibérica

(1580-1640) e da Restauração Portuguesa registra diversos

acontecimentos conexos, entre eles, a expulsão dos jesuítas de

São Paulo, a aclamação de Amador Bueno e as lutas de grupos

rivais 141. O traço de união destes episódios é simbolizado pelo

fim da dominação espanhola na metrópole que repercutiu no

cotidiano americano meridional onde o trânsito espanhol-

português/português-espanhol era comum e intenso, embora

proibido. A província do Paraguai e as capitanias da Repartição

do Sul da América portuguesa, portanto a região da bacia do rio

da Prata, ligavam-se preferencialmente através da vila de São

Paulo. Tal intercâmbio significou, na referida vila, uma forte

presença espanhola entre os homens de posse e os políticos de

então - os camaristas.

140Ibid., p. 50.

141Ao abordarmos o tema da aclamação de Amador Bueno seguimos as considerações de Nilo Garcia.

GARCIA, N. Aclamação de Amador Bueno: a influência espanhola em São Paulo. Rio de Janeiro : Tese

de Livre-Docência em História do Brasil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1956. p. 57.

Page 91: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

79

Quando da Restauração, os espanhóis estabelecidos

na imediações de São Paulo vislumbraram a ameaça aos seus

interesses comerciais e políticos no retorno de um monarca

português ao trono em Lisboa. Antes de proclamarem D. João IV

rei (o que só ocorreu a 3 de abril de 1641), aclamaram um

paulista descendente de espanhol, proprietário de terras,

administrador de índios e ocupante de cargos públicos: um

homem escolhido a dedo. Amador Bueno, surpreendido, recusa a

oferta e refugia-se entre os beneditinos. Tudo isso julga-se ter

irrompido no dia 1º de abril de 1641 142.

A trama estava secundada pela ávida ação dos

jesuítas na defesa da liberdade dos índios. Os primeiros foram

expulsos de São Paulo após a vitoriosa missão dos padres

Antônio Ruiz de Montoya e Francisco Dias Tanho na Europa.

Montoya obteve de Felipe IV uma lei régia (31/3/ 1640)

determinando a restituição dos indígenas apresados pelos

bandeirantes principalmente entre 1628-1638; Tanho conseguiu

do papa Urbano VIII o Breve (22/4/1639) confirmando todas as

proibições anteriores quanto à escravização do íncola. Tão logo

publicou-se o Breve em São Paulo (maio ou junho de 1640) deu-

se o início das agitações no sentido da expulsão dos jesuítas

concretizada no dia 13 de julho de 1640 143.

De um lado os paulistas de posses (portugueses ou

não), defendendo os seus meios de sobrevivência e de acúmulo

de relativa riqueza (visto que a região não produzia nada 142“São quase unânimes os historiadores contemporâneos em admitir que o episódio Bueno se tenha

verificado a 1º de abril de 1641, isto é, dois dias antes do ato legal.” Ibid., p. 65.

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80

comparável aos lucros da lavoura canavieira) 144, de outro os

jesuítas que disputavam o mesmo butim. No meio, o fim da

dominação filipina alterando o contexto político no qual

flexibilizavam-se as relações comerciais naquela parte da

América luso-castelhana. Por fim voltaram os jesuítas a São

Paulo como próceres da Restauração e, em seguida, foi

eliminada à força, na Câmara, a influência espanhola que havia

tentado a sublevação.

O próprio Taunay, como indicou Nilo Garcia 145,

chegou a admitir algo parecido com esta interpretação

abandonando-a logo depois:

E para nós, os fatos da aclamação de Amador Bueno da Ribeira nada mais são do que a conseqüência da politicagem paulistana, a tentativa de um dos partidos para tomar o poder, entronizando um dos seus mais prestigiosos membros, ensaio mal sucedido, graças à sensatez ou à indecisão do chefe aclamado.

E mais ainda; às duas parcialidades assistem característicos etnográficos salientíssimos, provocadores do acirramento do conflito. No fundo batiam-se portugueses e espanhóis, como na península, Buenos e Camargos representavam o atavismo castelhano fixado em São Paulo, vultuoso

143LEITE, Serafim, S.I. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro : INL, 1945. v. 6. p.

251-257.

144Após analisar a coleção Inventários e Testamentos, como fizera José de Alcântara Machado, conclui

Zélia Cardoso de Mello: “ não caracteriza a sociedade paulista, nos dois primeiros séculos de sua

existência, a fortuna. Antes, o que se vê é o retrato da pobreza, que começa a diminuir quando se inicia a

atividade mineira. Nos primórdios da ocupação e povoamento predominam os bens para autoconsumo,

economia não monetizada, presença de escambo; maior circulação monetária se percebe a partir dos

últimos anos do século XVII. Até o meio deste século, os imóveis representavam pouco na riqueza,

situação modificada posteriormente. Os emprestadores tinham papel importante na economia e registram-

se nos inventários “negros e mulatos da terra”.” MELLO, Z. M. C. de. Metamorfoses da Riqueza: São

Paulo, 1845-1895. São Paulo : HUCITEC, 1990. p. 42.

145GARCIA, N. Op. cit. p. 59.

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81

importante; Pires e Lemes o contingente trazido pelos lusos para a formação da república paulistana. Aí está certamente a causa primordial deste degladiamento feroz. 146

Examinado o tema da Aclamação segundo a melhor

historiografia, resta-nos expor, à luz do que foi dito, o episódio

envolvendo Taunay, Taques e Frei Gaspar.

Versa o caso sobre a resposta de Taunay às

acusações promovidas por Cândido Mendes de Almeida e

Moreira de Azevedo de que o relato de Frei Gaspar acerca da

Aclamação baseou-se em documentos inexistentes. O último dos

“agressores”, como Taunay os chama, ampliou as críticas a

Pedro Taques intitulando o conjunto das narrativas de “Lenda de

Amador Bueno” 147.

Terrível a inculpação... Não poderia ela ficar sem

resposta à custa do total descrédito para aqueles tão notáveis

repositórios da tradição paulista. Indignado, Taunay verbera:

De um fato tão simples, tão verossímil e possível de se ter passado como esse da aclamação de Amador, quis fazer monstruosa deturpação da Verdade Histórica , com V grande e H maiúsculo, obra da vaidade incomensurável, da descabelada imaginativa, do bairrismo superexaltado dos dois cronistas. 148

146TAUNAY, A. d'E. Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista brasileira, sobretudo em

S. Paulo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922. t. 1, primeira parte, p. 401-402.

147TAUNAY, A. d'E. Notas à biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus: I. In: MADRE DE DEUS, Fr. G.

da. Memórias para a Historia ..., p. 76.

148Ibid., p. 77. O grifo é nosso.

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82

Salvar os dois tradicionais cronistas de São Paulo

não foi difícil. Os “agressores” julgavam por inexistente uma

Patente de Arthur de Sá e Menezes em favor de Manuel Bueno

da Fonseca que traz no bojo do seu texto a referência à

Aclamação. Eles haviam procurado o texto citado por Frei

Gaspar e Pedro Taques no arquivo errado, não o encontrando

julgaram tudo uma fantasia. Quis Taunay refutar as injúrias de

forma cabal. Reproduziu, na íntegra, a Patente e ainda fez o

cotejo da passagem citada em Gaspar com o original. “Mais

favorável não pôde ser o confronto; inequivocamente demonstra

a escrupulosa fidelidade de Frei Gaspar. 149”

Dois aspectos depreendemos do episódio. O primeiro

prende-se à preocupação de Taunay em preservar os cronistas de

acusações quanto ao procedimento rigoroso das suas pesquisas.

Para servir-se de ambos era necessário ter absoluta segurança

nas suas informações; o próprio Taunay não toleraria desleixos,

tal o seu comprometimento com aquela História.

O segundo diz respeito ao próprio tema da

Aclamação e, nesse momento, interligamos a questão com a

mudança de juízo de Taunay sobre o tema indicada acima.

Encerrando o relato dos acontecimentos que envolveram a

aclamação, Pedro Taques arremata:

Porém Amador Bueno, sem temer o perigo nem deixar prender-se da indiscreta lisonja, com que lhe ofereciam o título de rei para o governo dos povos da capitania de S. Paulo, sua pátria, soube desprezar, e ao mesmo tempo repreender a insolente aclamação, desembainhando a espada e gritando a vozes: - Real, real por D. João IV, rei de Portugal. -

149Ibid., p. 82.

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Salvou a vida do perigo em que se viu pelo corpo desta horrorosa sedição, recolhendo-se ao sagrado mosteiro de S. Bento, acompanhado dos leais portugueses europeus e paulistas até ficar em sossego o inquieto ânimo dos castelhanos que tinham fomentado o tumulto. Nesta ação deu inteiramente créditos de si a incontrastável lealdade deste vassalo paulista. Não ocultou o segredo do tempo na oficina do olvido esta briosa resolução de Amador Bueno, porque reinando o Sr. Rei D. João V, de saudosa memória, se dignou a sua real grandeza mandar lançar o hábito de Cristo a Manuel Bueno da Fonseca (...) sem preceder as provanças pela mesa de consciência e ordens; porque logo que lhe fez esta mercê o houve por habilitado, e na carta que lhe mandou passar, como governador e perpétuo administrador do mestrado da cavalaria e ordem de Cristo, se contém esta expressão: - por ser neto do meu mui honrado e leal vassalo Amador Bueno. 150

De forma semelhante conclui Frei Gaspar:

Pela tradição constante entre todos os antigos, e alguns modernos desta Capitania sabem-se as mais circunstâncias principais do mencionado sucesso; o qual eu refiro com gosto não pela honra de contar entre os meus terceiros avós ao dito Amador Bueno, mas sim para propor ao mundo um exemplo da mais heróica fidelidade; e porque os paulistas, conservando na memória estas, e outras gloriosas ações dos seus Maiores, continuem a mostrar em todo o tempo aquele mesmo amor, e inalterável fidelidade, que sempre os caracterizou para com os seus Augustos Soberanos. A glória de ter por progenitor a Amador Bueno de Ribeira pertence a muitas nobres famílias existentes nas Capitanias de S. Paulo, Goiás, Gerais, Cuiabá e Rio de Janeiro 151.

150LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São

Paulo : EDUSP, 1980. v. 1, p. 77-78.

151MADRE DE DEUS, Fr. G. da. Memórias para a Historia..., p. 245. O grifo é nosso.

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Os dois autores expressam o cuidado em exaltar a

atitude de Amador Bueno. Taques destaca a sua lealdade ao o

rei, na condição de “vassalo paulista”, não se importando com o

desafio enfrentado. Gaspar, de pronto, clama pela tradição,

vangloria-se do sucesso do ocorrido e de tê-lo entre seus

ascendentes, reforça a lealdade agora com tonalidades heróicas

mas sempre paulistas, além de explicitamente desejar que tudo

se preserve na memória. Podemos constatar que desde o século

XVIII o tema se presta a todo tipo de louvação, por conseguinte,

nada mais natural, que Taunay brandisse fogo contra os

detratores daqueles preciosos apologistas do passado paulista.

Considera Katia Abud, que ao longo do século XVIII

os antigos senhores rurais paulistas perdem progressivamente a

importância local com o desenvolvimento da atividade

mineradora. Já na segunda metade do século eles, os antigos

organizadores de expedições ao sertão, constituem a minoria na

Câmara, nas altas patentes das companhias militares e nos

cargos da administração metropolitana 152. Sendo assim:

Os dois autores (Taques e Gaspar) fizeram das suas obras porta-vozes das reivindicações das famílias antigas, no sentido de garantirem o seu lugar naquela sociedade ainda estamental. Por esse motivo é tão transparente neles o orgulho de casta, a afirmação da tradição, a procura das provas de ascendência ilustre para a classe dominante, ameaçada pelo grupo de recém-chegados, que assumia a sua mentalidade. 153

152ABUD, K. M. Op. cit. p. 66.

153Ibid., p. 86.

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O esforço intelectual produzido por Taques e Gaspar,

estribado no contexto da substituição de segmentos dominantes

enfraquecidos, corresponde, paralelamente, ao esforço de

Taunay e outros historiadores paulistas no começo do século

XX. Em virtude disso se deu o abandono da referida posição de

Taunay a respeito da Aclamação, lá está dito que tudo não

passou de pura conseqüência da politicagem paulistana. Não há

como exaltar um passado com um juízo desses que muito pouco

tem do próprio Taunay e mais parece um rasgo de lucidez, bem

ao estilo de Capistrano.

Operou Taunay uma mudança no rumo da

interpretação do tema, passando a considerar a “importância

notável do episódio de Amador Bueno como primeira

demonstração da existência do espírito de independência

americana” 154. Realmente a rota alterou-se em trezentos e

sessenta graus, nem Pedro Taques nem Frei Gaspar chegam, no

afã da apologia, a sugerir qualquer espírito nativista ao

episódio 155. Até porque, de fato, nativismo não há e a Aclamação

“não passara de uma explosão de ressentimentos e choque de

interesses entre lusos e espanhóis” 156.

A única justificativa para forçar a interpretação dos

fatos é, segundo o nosso ponto de vista, o empreendimento de

construção da memória bandeirante. Cônscio dos seus atos,

Taunay inaugurou no edifício sede do Instituto Histórico e

154TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1943, t. 11,

primeira parte, p. 47.

155GARCIA, N. Op. cit. p. 72.

156Ibid., p. 74.

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Geográfico de São Paulo, por ocasião dos trezentos anos da

Aclamação (1º de abril de 1941), uma placa que diz o seguinte:

Recorda este preito singelo A oblação grata do Instituto Histórico E Geográfico de São Paulo À memória de Amador Bueno Que ao recusar Uma coroa real Aos paulistas assegurou A continuidade lusitana De sua missão histórica de Impertérritos dilatadores Da Pátria Brasileira 1641-1941. 157

Mais importante do que uma placa é para a memória

a imagem, e esta foi fixada através da tela a óleo de Oscar

Pereira da Silva Aclamação de Amador Bueno da Ribeira

exposta no Palácio Bandeirantes, sede do Governo do Estado de

São Paulo.

Avançando para além de qualquer interpretação

lúcida e possível e afastando-se por completo dos limites

impostos quer pela tradição quer pela documentação, Taunay,

velado por seus propósitos, asseverou:

Foi o episódio de Amador Bueno a mais antiga demonstração do insopitável pendor americano em prol da constituição dos estados independentes no Novo Mundo. Impediu o filho do Sevilhano um movimento perigoso para a conservação da unidade brasileira, e manteve os paulistas na continuidade lusitana da expansão bandeirante, formadora de uma

157TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno..., p. 56.

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pátria grandiosa. 158

3.2.4 Auguste de Saint-Hilaire

No mesmo esteio que Taques e Gaspar, sobreleva-se

a presença do viajante francês Auguste de Saint-Hilaire para a

tradição paulista. Ele juntou ao relato de uma de suas viagens

um resumo da história de São Paulo coerente e engrandecedor.

Nas palavras de Rubens Borba de Moraes:

Eu creio não exagerar muito afirmando que o resumo da história de São Paulo, feito por Saint-Hilaire, ainda é dos melhores que possuímos (...) O resumo de Saint-Hilaire foi escrito há quase um século e, hoje ainda, não podemos deixar de admirar como ele soube salientar o essencial, explicar e comentar o fato importante, abandonando a minúcia sem conseqüência. 159

O texto de Saint-Hilaire é significativo porque bem

executado, ele foi o ponto de partida obrigatório em todas as

vezes que se procurou relatar algo acerca do passado paulista.

Por isso Moraes sublinha que no texto encontra-se o essencial e

não a minúcia. Ademais Saint-Hilaire leu e incorporou à

narrativa os trabalhos de Pedro Taques e Frei Gaspar,

158Ibid., p. 56.

159MORAES, R. B. de. Prefácio. In: SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de São Paulo.

Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. p. XXV-

XXVI. O juízo de Taunay é o seguinte: “livro de encantadora leitura como quanto em geral escreveu o

ilustre naturalista e viajante. Começa por primoroso Quadro abreviado da Província de S. Paulo que pela

primeira vez realizou um apanhado sintético, valioso, embora de pequenas dimensões e deficiente, da

história de S. Paulo. Era porém quanto no tempo se podia fazer.” TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco:

notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924

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reproduzindo, por conseguinte, os temas originais por eles

eleitos e estabelecidos 160.

Não é a toa que detectamos, ao abrirmos o primeiro

volume da História Geral das Bandeiras Paulistas , uma

epígrafe onde Saint-Hilaire é invocado por Taunay. Preside o

volume e toda a obra a expressão definitiva demarcadora de uma

raça não humana. Eis, na íntegra, o parágrafo que revela alvo

para onde se dirigiu o vigor intelectual de Taunay:

Tempo houve em que no interior do Brasil não se avistava uma única choupana, o menor vestígio de cultura, em que as feras disputavam entre si a posse da terra. Foi então que os paulistas o percorreram em todos os sentidos. Várias vezes penetraram no Paraguai, descobriram o Piauí, as minas de Sabará e Paracatú, internaram-se nas vastas solidões de Cuiabá e de Goiás, percorreram o Rio Grande do Sul; no norte do Brasil, chegaram ao Maranhão e ao Amazonas, e tendo galgado a cordilheira peruana, atacaram os espanhóis no âmago de seus domínios. Quando, por experiência própria, se sabe quanta fadiga e privações e perigos, ainda hoje, esperam o viajor que se aventura nestas regiões longínquas e depois se conhecem os pormenores das jornadas intermináveis de antigos paulistas, fica-se como estupefato e levado a crer que estes homens pertenciam a uma RAÇA DE GIGANTES . 161

Numa única expressão, Saint-Hilaire materializou os

diversos tipos de sentimentos manifestados por Pedro Taques e

160De acordo com katia Abud: “Nem as narrações dos ataques às reduções jesuíticas, quando lembrou

que aos paulistas era indiferente o uso da força ou da perfídia; que tinham “devastado e depredado”,

conseguiram dar imparcialidade às narrativas de Saint-Hilaire - há nelas, sempre, um tom de admiração e

respeito aos habitantes de São Paulo, que lhe passaram provavelmente os escritos de Frei Gaspar e

Pedro Taques.” ABUD, K. M. Op. cit., p. 104.

161Apud. TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton,

1924. t. 1, p. 3. O grifo é nosso. Na edição de Saint-Hilaire acima citada podemos encontrar a referida

passagem nas páginas 14 e 15.

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Frei Gaspar em favor da glória dos paulistas. Taunay ampliou o

alcance da expressão equiparando o orgulho bandeirante à

essência do patriotismo brasileiro: a história do Brasil passava

necessariamente por São Paulo, no passado e no presente. Se

Varnhagen publicara uma História Geral do Brasil , em cinco

volumes, Taunay também faria uma História Geral , em onze, só

que das Bandeiras Paulistas: “lia-se” o Brasil por São Paulo.

Os temas originais estabelecidos por Taques e

Gaspar, revalorizados por Saint-Hilaire e refundidos pelo

Taunay formado por Capistrano e W. Luís, coincidiam com os

temas significativos para a história do Brasil. Todos eram

verdadeiros, mas, na narrativa dos apologistas de São Paulo,

passaram a ser portadores de uma segunda “verdade” que

idealizava os primeiros tempos da “civilização paulista”, cujos

personagens eram nobres e suas ações modelares portavam a

consciência do desdobramento futuro. A produção

historiográfica de Taunay sobre o tema das Bandeiras carrega

consigo este sentido, por isso é uma produção de memória, da

memória bandeirante.

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4 - A HISTÓRIA DAS BANDEIRAS

COMO VEÍCULO DE MEMÓRIA

Mitos à frente; santos atrás, e lá se vai a bandeira.

Cassiano Ricardo. Pequeno Ensaio de Bandeirologia .

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O conjunto da obra historiográfica de Taunay acerca

da expansão vicentina constitui um veículo de memória. A

expressão foi cunhada pelo historiador Yosef Hayim Yerushalmi

e é correlata à lugar de memória . Ao decidirmos utilizá-la

tivemos em mente priorizar o lado condutor , veiculador da

memória transmitida pela historiografia 162. Ao longo da sua

História Geral Taunay narra pormenorizadamente os “fastos” 163

bandeirantes. Mas não só nesta alentada seqüência de volumes

podemos encontrar o cortejo da memória bandeirante através da

sua pena. Tão ou mais importante são os livros e artigos

conexos por nós citados e relacionados entre as fontes deste

trabalho, neles identificamos o sentido mais amplo e o objetivo

da empresa. Na História Geral emerge uma exposição que se

pretende sistemática, mas é, na verdade, segundo alguns autores,

repetitiva e difusa, de leitura exaustiva, de restrito acesso e uma

única edição absolutamente esgotada 164. No conjunto dos seus

textos e das suas ações públicas, deparamo-nos com o sentido de

162YERUSHALMI, Y. H. Zakhor: História Judaica e Memória Judaica. Rio de Janeiro : Imago, 1992. p. 11.

163A palavra tem por significado anais, registros públicos de fatos ou obras memoráveis. FERREIRA, A.

B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 614.

Apresentamos um pequeno exemplo do uso que Taunay faz da palavra: “No mesmo dia (14/11/1925) se

inaugurou no recinto das sessões da Câmara uma placa de bronze aludindo igualmente aos feitos

gloriosos dos filhos de Parnaíba (“cidade bandeirante”) no conjunto das ações do bandeirantismo nos

séculos XVII e XVIII em que tanto sobressaem nos nossos fastos nacionais os nomes desses sertanistas

extraordinários que foram os dois Domingos Jorge Velho, tio e sobrinho, os dois Anhangueras, pai e filho;

Fernando Dias Falcão e tantos mais.” TAUNAY, A. d'E. O Tricentenário de Parnaíba (1625-1925). Anais

do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 321-430. p. 370.

164Este é o comentário de Boxer sobre a História Geral: “Difuso e divagante, mas trabalho básico no

assunto, devido às copiosas citações retiradas de documentos originais.” BOXER, C. R. A Idade de Ouro

do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo : Companhia Editora Nacional,

1963. p. 373. Já Pedro Calmon afirma: “Deve-se-lhe a minuciosa restauração dos movimentos sertanistas

(11 volumes da História das Bandeiras Paulistas), mal conhecidos, ou nublados na indecisão das

tradições recolhidas por Pedro Taques e Frei Gaspar” CALMON, P. História do Brasil. Rio de Janeiro : J.

Olympio, 1981. v. 7. p. 2401. Na sua tese de doutorado, recentemente publicada no Brasil, John Monteiro

qualifica a História Geral das Bandeiras Paulistas de “caótica” - apesar de considerá-la “útil”. MONTEIRO,

J. M. Negros da Terra. São Paulo : Companhia das Letras, 1994. p. 235.

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glorificação dos ancestrais e com o objetivo de dar estatuto

científico a uma tradição inventada: noutras palavras, com a

edificação da memória bandeirante.

Neste capítulo final temos como objetivo explicitar

os recursos e os mecanismos utilizados por Taunay para

construir essa memória na sua produção historiográfica. Em

conseqüência, discorreremos acerca do significado e do uso das

palavras bandeira, bandeirante, paulista, bandeirismo e

bandeirantismo. Faremos uma análise dos títulos bastantes

sugestivos das suas obras, da luta historiográfica que empreende

contra os detratores dos bandeirantes e da função dos três temas

essenciais no seu texto.

4.1 A memória nas palavras e nos títulos

É fato sabido que as palavras bandeira, bandeirante e

paulista não foram contemporâneas do chamado ciclo de

apresamento que se estendeu do final do século XVI ao final do

XVII. O próprio Taunay, intrigado, afirma:

Curioso é que as palavras paulista , bandeirante e bandeira sejam relativamente recentes em nossa documentação nacional.

Para os hispano-americanos e os espanhóis, a designação dos paulistas sempre foi portugueses de San Pablo. O mais antigo emprego do gentílico de que temos notícia ocorre numa ordem do visconde de Barbacena a 27 de julho de 1671. Daí em diante generalizou-se rapidamente.

A palavra bandeira vemô-la empregada pela primeira vez num documento do Conselho Ultramarino, datado de 1676 e pelo padre

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Altamirano em 1679 a falar em “banderas de certonistas”, meio século antes do que pensa Alcântara Machado.

Mas bandeirante parece ter-se tornado corrente mais tarde. Os espanhóis diziam “certones” como em 1682 Juan Ortiz de Zárate.

O mais antigo emprego do substantivo que se nos deparou, data de 1740, quando D. Luís de Mascarenhas, Conde d'Alva, se referiu aos “bandeirantes” de uma “bandeyra” despachada contra os índios Pinarés. 165

Simultaneamente à constatação da inexistência de

tão expressivos termos à época de Antônio Raposo Tavares,

Taunay revela-se decepcionado. Por quê? Porque não acha

registro no tempo de quem sempre louvara: o bandeirante

paulista por excelência e membro de um organismo homogêneo

e consciente da sua responsabilidade perante a nação. A nação

não existia, os paulistas eram portugueses ou mamalucos 166 e a

bandeira não possuía qualquer intenção diferente de apresar

índios e encontrar o eldorado. Em suma, alargar o território para

um futuro Brasil independente estava fora de cogitação.

Ao demonstrar, em recente artigo, a evolução das

referidas palavras de substantivo (designa algo que existe

165TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 2, p. 310.

166Sobre a origem e a duplicidade da grafia de mamaluco/mameluco, esclarece Taunay: “Vicentistas

foram chamados, por vezes, mas esta denominação se aplicou sobretudo aos habitantes da costa.

Quanto ao gentílico paulista embora não possamos afirmar quando surgiu pela primeira vez, cremos que

antes do último quartel do século XVII não foi empregado nem era corrente, mesmo entre os lusos-

brasileiros. Mamaluco cuja corruptela é mameluco, significa em tupi o mestiço, di-lo Theodoro Sampaio. O

vocábulo mamã-ruca decompõe-se, no dizer do erudito glotólogo brasileiro, em “mamã”, misturar, dobrar,

abraçar e “ruca” ou “yruuca” que quer dizer tirar. O apelido histórico se traduz, pois: o tirado da mistura ou

da procedência mista. Não é mister grande esforço para se explicar como de “mama ruca” se fez

“mamaluco” segundo o escreveram os primeiros historiadores e, depois, mameluco como em geral se

adotou.” TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton,

1924. t. 1, p. 128-129.

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materialmente e nessa constatação esgota o seu sentido) a

adjetivo (identifica alguém ou alguma coisa por meio de

características que lhe são peculiares), conclui Maria Isaura

Pereira de Queiroz:

O adjetivo “bandeirante” se originou do substantivo, que lhe foi anterior. Sinônimo de paulista , liga esta designação ao substantivo, isto é, ao fato histórico das bandeiras. Nesta ligação se vislumbra toda uma evocação de um passado que se associa a determinados indivíduos, um significado histórico; se paulista tem uma base geográfica, bandeirante tem como base uma tradição; e quem diz tradição não diz somente outros tempos, mas também crenças, pensamentos, sentimentos, aspirações que perpassam as gerações como legados permanentes, estabelecendo entre elas como que uma comunhão espiritual. O adjetivo “bandeirante” se encontra, pois, pleno de um sentido simbólico. 167

Embora a autora afirme que o termo bandeirante não

aparece como substantivo ou como adjetivo antes do final do

século XIX - o que entra em franca contradição com Taunay e

nesse aspecto não temos porque dele duvidar - corroboramos a

associação entre os adjetivos paulista e bandeirante, unidos por

uma simbólica poderosa e “veiculando uma mensagem

específica” 168, essa mensagem veiculada é a memória

bandeirante. É por isso que se diz “curioso”, ele procurou no 167QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.

13, 1992. p. 80.

168Ibid., p. 80. Uma repercussão ampliada dessa mensagem encontra-se em Euclides da Cunha: “Da

absorção das primeiras tribos surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os mamalucos audazes. O

paulista - e a significação histórica deste nome abrange os filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e

regiões do sul - erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo, com a feição perfeita de

um dominador da terra, emancipando-se, insurreto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos

galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopéia inédita das

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tempo o substantivo carregado do significado do adjetivo e não

se conforma com o fracasso da busca 169.

Se para paulista e bandeirante damos por definida a

questão, resta apreciar a conhecida expressão “entradas e

bandeiras”. Bandeira, com já foi dito, só aparece bem no final

do século XVII como sinônimo de expedição, tropa em entrada

pelo sertão. Da mesma forma que os espanhóis tinham um nome

específico para o bandeirante - maloquero - possuíam um para a

bandeira - maloca 170. A partir do século XVIII, segundo

Alcântara Machado, a palavra bandeira vai adquirindo

significados adicionais atribuídos por eruditos e historiadores.

Quase todos chegaram até nós e uma breve relação se

impõe. O termo derivaria do fato de algumas expedições

desfraldarem estandartes; dos sertanistas estarem reunidos em

bandos; do costume tupiniquim de levantar uma bandeira em

sinal de guerra; do fato de levantar “bandera” o promotor da

expedição para o engajamento dos membros; do julgamento de

Martius que afirma ser o sistema de milícias ou “bandera” uma

instituição singular de defesa criada pelos portugueses no

Brasil 171; da designação de um veículo de devastação, de um

“Bandeiras”.” CUNHA, E. da. Os Sertões. Rio de Janeiro : Edições de Ouro, 19--. p. 74. O livro veio a lume

pela primeira vez em 1902.

169Num Léxico que publicou em 1914 Taunay faz referência a um verbo “curioso”: “BANDEIRIAR. v. i.

Organizar bandeiras, tomar parte em bandeiras. (Ap. Cunha Mattos, Chorogr. de Goyaz)”. TAUNAY, A.

d'E. Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. p.

36.

170TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 132.

171O argumento do historiador é o seguinte: “Quando os portugueses descobriram o Brasil, e nele se

estabeleceram, acharam os indígenas, proporcionalmente, em tão diminuto número e profundo

aviltamento, que nas suas recém-fundadas colônias podiam desenvolver e estender-se quase sem

importar-se dos autóctones. Estes exerceram sobre os colonos uma influência negativa tão-somente

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grande corpo militar, de grupos prospectores de minas, de

grupos escravizadores de índios ou de fatos de grande

prestígio 172. Toda essa dispersão serviu mais para difundir e

confundir do que esclarecer. Outra duplicidade surgiria:

bandeirismo / bandeirantismo. Em Varnhagen, a palavra

bandeira toma lugar no capítulo destinado ao conjunto das

relações dos colonos com os índios:

Além das relações com os índios do distrito em que se fixavam, empreendiam os colonos, tanto por mar como terra dentro, algumas de tráfico e resgate com outros índios mais distantes. A essas relações deveram os mesmos colonos o conhecimento, que pronto adquiriram, não só de toda a costa que percorriam em caravelões, em barcaças e até em jangadas, como dos próprios sertões, que devassavam em pequenas troças, chamadas bandeiras; pois não havia cabilda, assaz numerosa, que se atrevesse a atacar quarenta homens juntos, bem armados e de sobreaviso. 173

A apreciação deste tópico complexo, fruto, em

grande parte, da pesquisa anacrônica e da explicação

esquemática 174 irritou Taunay:

Muito papel já se tem gasto e muita sutileza empregado para estabelecer distinção entre entrada e bandeira. Visa semelhante nuga determinar o que

porquanto só os forçaram a acautelar-se contra as suas invasões hostis, e por isso criaram uma

instituição singular de defesa, o Sistema das milícias.” MARTIUS, K. F. P. von. Como se deve escrever a

história do Brasil. In: O estado de direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte : Itatiaia; São

Paulo : EDUSP, 1982. p. 95. O grifo é nosso.

172Um exame profundo e extenso pode ser encontrado em: ROMÁN BLANCO, R. Las “Bandeiras”:

instituciones bélicas americanas. Brasília : UnB, 1966. p. 428. Em função do estilo escolhido pelo autor

para expor o tema, aquiescemos unicamente com as conclusões emitidas quanto às origens, significados

e definições da palavra bandeira.

173VARNHAGEN, F. A. de. História Geral do Brasil. São Paulo : Melhoramentos, 1948. t. 1, p. 260.

174O livro O Ouro e a Paulistânia de Alfredo Ellis Júnior é exemplo, apesar do descontentamento de

Taunay não se referir ao seu dileto colega.

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se nos assemelha indeterminável à luz do critério reinante na era das bandeiras. 175

Ele se insurge contra uma discriminação impossível

para a época: quando a entrada passa a bandeira ou vice-versa?

Com entrada se deseja considerar o grupamento de sertanistas

organizado por autoridades metropolitanas na colônia, ao passo

que com bandeira a penetração unicamente financiada e

comandada por particulares. Embora não refute totalmente a

distinção, mesmo revelando desconforto com ela, o autor

lucidamente expende:

Mas a fronteira entre um e outro tipo freqüentemente se nos afigura tudo quanto há de mais indefinido. 176

Divergindo de Jaime Cortesão 177 e Raimundo

Faoro 178 , para citar dois renomados pesquisadores que

consideram a dita distinção, filiamo-nos àqueles como Taunay 179

175TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras..., t. 2, p. 310.

176Ibid., p. 310.

177Mesmo ressaltando o seu caráter maleável e adaptável às circunstâncias do novo continente e

mesmo admitindo a origem militar e européia das companhias chamadas bandeiras, no que concordamos

inteiramente, o autor não deixa de sobrevalorizar a influência oficial portuguesa: “A companhia, como

acaba de ver-se, com os seus mesmos capitães e estrutura oficial, torna-se de mero organismo de defesa

do território, bandeira livre de assalto e exploração do sertão.” CORTESÃO, J. Raposo Tavares e a

Formação Territorial do Brasil. Rio de Janeiro : MEC, 1958. Muitos anos antes o autor distinguia bandeira

de jornada: “E assim como no sul do Brasil as bandeiras devassavam os mistérios do sertão e reduziram

pouco a pouco a hostilidade das tribos sertanejas, assim no Norte e na capitania de Pernambuco se

organizaram espontaneamente as jornadas, bandeiras do norte, cujo objetivo, visava mais especialmente

a expulsão dos franceses, a redução dos potiguares, seus aliados, e o povoamento do litoral depois de

conquistado.” CORTESÃO, J. Domínio Ultramarino. In: PERES, Damião, CERDEIRA, Eleutério (Dir.).

História de Portugal. Barcelos : Portucalense Editora, 1933. v. V, p. 315-462, p. 412.

178“As bandeiras, salvo as raras empresas não autorizadas de aventureiros, eram recrutadas e

organizadas pelo governo, sobretudo nos cinqüenta anos que precederam à descoberta das minas.”

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre : Globo,

1984. v. 1. p. 161.

179É recorrente, no texto de Taunay, afirmações reforçadoras da autonomia dos bandeirantes frente aos

governos da metrópole e da colônia do tipo: “Continuavam as operações terminais da guerra dos

Palmares. Domingos Jorge Velho reclamava socorros bélicos e D. João de Lencastro lhe respondia,

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, Alice Piffer Canabrava 180 e Sérgio Buarque de Holanda 181,

entre outros, que vêem a expansão vicentina acionada pela

própria dinâmica colonial: tanto o caráter como o fomento das

bandeiras foi particular. Segundo o último dos citados:

A expansão dos pioneers paulistas não tinha suas raízes do outro lado do oceano, podia dispensar o estímulo da metrópole e fazia-se freqüentemente contra a vontade e os interesses imediatos desta. 182

Aqui já se trata da ampliação do termo bandeira para

bandeirismo: o movimento, a ação coletiva de uma região, com

fins e métodos próprios, partido preferencialmente do planalto

de Piratininga, com a organização de bandeira. O trânsito de

bandeira a bandeirismo - movimento expansionista sistemático

de uma coletividade na forma de bandeiras - implicou a

elaboração do termo bandeirantismo. Este último sintetiza no

bandeirante a essência virtuosa da sua comunidade, o

movimento social centra-se agora na pessoa do sertanista, por

isso tornado herói e mitificado. Nem Holanda nem Canabrava

contribuem para esse desdobramento, pensamos, por exemplo,

ríspido, a 13 de dezembro de 1696, que a fazenda real nada lhe devia fornecer. Empreitara ele,

exclusivamente, à sua custa, a terminação da campanha palmarense.” TAUNAY, A. d'E. História Geral...,

t. 7, p. 140.

180“Ao contrário do que se deu na América Espanhola, cujos conquistadores foram patrocinados

diretamente pelos monarcas, senão financeiramente, ao menos pela concessão de direitos legais, no

Brasil, grande parte do movimento expansionista do século XVII se fez à revelia das ordens da metrópole

ou quando muito, apenas com o seu consentimento tácito.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES,

R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica

Editora Souza, 1949. p. 493.

181HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1988.

182Ibid., p. 68.

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no próprio Taunay, em Ellis Júnior e Cassiano Ricardo 183, que

abusam do emprego dos termos.

A palavra bandeira, submetida que foi ao seu

integrante singular, o bandeirante, teve o seu significado preciso

estabelecido por Román Blanco, solucionando assim a longa

disputa com a “entrada”:

la “bandeira” tal y como es enseñada, en el Brasil, tal y como los historiadores modernos nos la pintan, no existió nunca . Ni ella buscó minas, ni tampoco cazó indios, por la simple razón de que ella nada de eso podía hacer. Ella es, tan solo y exclusivamente, la organización táctico-militar, que las “entradas” , (éstas si cautivaban indios), llevaban y que había sido introducida en los Ejércitos regulares españoles, en 1507 y en los portugueses, en 1508. De ellos, y en fechas diferentes, pasó a las respectivas colonias. El “Regimento dos Capitães Mores” fue el cuerpo legal encargado de introducirla, primero en Portugal y después, en África, en la India e por fin en el Brasil. Destinado dicho Regimiento a militarizar y organizar obligatoriamente a todos los particulares, en “bandeiras” o compañías y en escuadras, nada pudo impedir, que ellos emplearan esta misma organización táctica para realizar sus “entradas”. 184

A precisão cortante do autor supracitado nos restitui

o sentido específico da bandeira, mas também exclui o sentido

imaginoso que impregnou a palavra bandeirante dela derivada.

183A idealização da bandeira em Cassiano Ricardo deve ser vista à luz do Estado Novo: “As

considerações sobre a obra de Cassiano Ricardo (Pequeno Ensaio de Bandeirologia e Marcha para

Oeste) se alongam justamente para que fique clara a construção harmoniosa da bandeira como prenúncio

do que o Estado Novo consagra naquele instante. Ricardo mitifica no passado o que lhe tornaria

dificultoso acentuar no presente. A solidariedade social, o espírito cooperativo, dinamismo da ação

individual direcionada socialmente, a mestiçagem intensa e a não existência de preconceitos (...) A

sociedade bandeirante do planalto é projetada acima dos conflitos de classe e pensada como modelo

para o presente.” LENHARO, A. Sacralização da Política. Campinas : Papirus; UNICAMP, 1986. p. 63.

184ROMÁN BLANCO, R. Op. cit. p. 434-435.

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A sensibilidade de um literato permitiu que se alcançasse a

diversidade dos móveis da bandeira sem o risco do esquema.

Numa feliz passagem, Cassiano Ricardo consegue mostrar que

são os próprios mitos, de origem econômica, os responsáveis

primordiais pelo arroubo daqueles homens de então. Vida

material e ideal de vida juntos na expansão:

A força motriz, e mágica, porém, que arrasta os homens sertão a dentro, é a dos mitos de origem econômica: a itaberaboçu resplandescente, o sol da terra, a montanha dourada, a serra das pedras verdes...

Os mitos conduzem, instigam a marcha; os santos a acompanham. 'Peço ao anjo São Gabriel e ao santo do meu nome e ao anjo de minha guarda me queiram acompanhar'.

Mitos à frente; santos atrás, e lá se vai a bandeira . Não é só a pobreza que faz o homem do planalto

emigrar; é o mito do ouro. É também o fascínio do desconhecido. 185

De fato, cremos ser mais adequado e menos

comprometedor do ponto de vista simbólico, nomear a ação

desbravadora (para muitos também civilizadora), apresadora e

prospectora de metais, partida do planalto piratiningano ao

longo do período colonial até o final do século XVIII como

expansão vicentina . A expressão tem o mérito de manter-se

equidistante de todos os inconvenientes observados,

principalmente porque refere-se ao acontecimento histórico

despida do seu invólucro simbólico. Se, do contrário,

decidirmos preservar a mística do movimento num nome que o

185RICARDO, C. Pequeno Ensaio de Bandeirologia. Rio de Janeiro : Ministério da Educação e Cultura,

1956. p. 16-17. O grifo é nosso. Há de se lamentar que essa passagem esteja situada num elenco de

“causas” do bandeirismo elaborado pelo autor.

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defina, apelidá-lo apenas por tema das Bandeiras é preferível a

bandeirismo ou bandeirantismo.

Além das palavras escolhidas para denominar a ação

dos bandeirantes, os títulos dos livros e artigos escritos por

Taunay denotam o esforço por uma memória.

O local que gerou os personagens principais do

movimento mereceu ser estudado a fundo, ao longo das suas

eras . O século XVI fora o dos “anos primevos” onde aquela

sociedade expansionista gestava os seus próceres. Nesse sentido

aparecem S. Paulo nos Primeiros Anos (1554- 1601): Ensaio de

Reconstituição Social e S. Paulo no Século XVI: História da

Vila Piratiningana . O primeiro revela também a já observada

preocupação em reconstituir a trajetória de tão importantes

cidadãos 186.Tanto os habitantes como a própria vila eram

especiais, não fosse assim para que uma história da vila? Mas

não se tratava de um lugar qualquer, tratava-se da “acrópole

piratiningana” 187.

Para o século de maior atuação dos bandeirantes uma

História Seiscentista da Vila de S. Paulo foi escrita, assim como

para o século do ouro uma História da Vila de São Paulo no

Século XVIII e uma História da Cidade de São Paulo no Século

XVIII . A síntese desses trabalhos é a História da Cidade de São

Paulo , publicada para as comemorações do IV Centenário da

cidade. Se a era do quinhentos foi de desbravamento, instalação

186TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours :

E. Arrault & Cia., 1920. p. 13.

187Ibid., p. 8.

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da vila, combate aos índios mais próximos e gênese de uma

estirpe, a era do seiscentos foi a da grande conquista territorial

ao passo que a do setecentos representou a descoberta e desfrute

do ouro e das pedras. Periodizando em eras Taunay produz no

leitor a sensação de estar assistindo o desenrolar natural e

vitorioso de uma civilização ao longo das suas mais variadas

fases. Produz, ainda, uma correlação com os períodos do

Renascimento italiano: trecento , quattrocento e cinquecento .

Taunay inscrevia a coletividade paulista-bandeirante no quadro

das civilizações de grande relevância universal. O primeiro

capítulo da História das Bandeiras, a resumida, traz dois itens

em destaque:

A expansão bandeirante, capítulo original dos fastos brasileiros / Singularidade deste movimento no conjunto da História Universal. 188

De maneira a corroborar nosso argumento o título

que segue não poderia ser mais claro: Na Era das Bandeiras . Ao

equiparar os feitos bandeirantes com as maiores realizações da

humanidade e singularizá-los chegando a afirmar que a “última

fase do bandeirantismo (as Monções), esta sim, não encontra

similar em qualquer outro episódio de tal natureza, nos fastos de

qualquer nação do Globo”; ao julgar São Paulo semelhante à

acrópole ateniense, por essas associações Taunay provoca na

consciência dos seus leitores uma imagem amplificada daquela

história. Numa palavra, constrói memória.

A memória bandeirante é construída para uma

sociedade que espelha no presente o vigor testado com sucesso

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no passado. Os escritos A Grande Vida de Fernão Dias Pais e

Um Grande Bandeirante: Bartolomeu Pais de Abreu procuram,

através da biografia contextualizada, identificar esse vigor

passado/presente. Grandes homens também foram os que

pesquisaram e revelaram os primeiros dados de outrora, por isso

escreveu Pedro Taques e seu Tempo: Estudo de uma

Personalidade e de uma Época . Nem mesmo quando tentou o

gênero do romance abandonou a preocupação com o contexto, o

livro Leonor de Ávila teve, na primeira edição, o título Crônica

do Tempo dos Felipes .

Buscas às tradições não faltaram. Em Heráldica

Municipal Paulista e Heurística Paulista Brasileira de novo os

títulos são emblemáticos. No segundo, há uma clara indignação

com aqueles que dispensam o cotejo dos documentos, com o

estado dos arquivos e dos “papéis nacionais” e com aquela

“legião de repetidores de coisas já impressas”. O historiador,

para Taunay, deveria cumprir um roteiro bem definido:

pesquisar documentos originais e/ou inéditos com o objetivo de

valorizar 189 as tradições já conhecidas ou resgatar as perdidas no

tempo.

Buscas às imagens também foram intensas, já o

dissemos no primeiro capítulo. Com o título Iconografia

Paulista Vetustíssima percebemos a importância que tinha para

Taunay as imagens. Infrutífera demanda! “É, aliás, a nossa

188TAUNAY, A. d' E. História das Bandeiras..., t. 1. p. 13.

189É muito expressivo que o primeiro significado do verbete valor do Aurélio faça menção aos

bandeirantes. “VALOR (...) 1. Qualidade de quem tem força; audácia, coragem, valentia, vigor: Grande o

valor dos bandeirantes que desbravaram nossas terras.” FERREIRA, A. B. de H. Op. cit. p. 1439. Temos

aqui, com certeza, a repercussão da memória construída.

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iconografia brasileira pobríssima até a Independência, ou antes

até a invenção da fotografia” 190. Como não achasse o que

procurava, como imprescindível se afirmasse a presença de

imagens, eis a solução por ele dada:

Assim, quando pedi a Brizzolara que para o Museu Paulista fizesse as duas estátuas dos grandes bandeirantes (Antônio Raposo Tavares e Fernão Dias Pais) e ele solicitou os seus retratos, tratei, para Antônio Raposo Tavares, de arranjar fotografias de indivíduos tipicamente brasileiros, e dentra eles escolhi, com o artista, duas ou três que foram as utilizadas. 191

Mais direto impossível. Se imagens não encontra...

Imagens manda elaborar... Memória termina por construir...

Os últimos títulos escolhidos nos dão caracteres

complementares dos intentos de Taunay. Na História Antiga da

Abadia de S. Paulo (1598-1772) o autor extravasa o carinho

destinado aos beneditinos, a importância deles na nobre

trajetória dos paulistas e a sua intensa devoção pelo credo

católico. Na Zoologia Fantástica do Brasil, cuja capa estampa

um homem ferindo de morte uma sereia monstruosa, assistimos à

sua incontrolável erudição agora em outro campo da ciência.

Mas sobretudo, o impacto descomunal que a natureza dos

trópicos causara primeiro em seu pai, o Visconde, e depois nele

mesmo. Essa natureza indomável é determinante, como

mostraremos adiante, para a louvação dos bandeirantes.

190Esta citação vem de outro trabalho, cujo título também é sugestivo, onde informa como mandou

esculpir o rosto de Fernão Dias Pais. TAUNAY, A. d'E. Os Despojos de Fernão Dias Pais: A Efígie do

Governador das Esmeraldas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 271-282. p. 281.

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Finalizando, há um título muito especial,

denunciador das suas mais profundas motivações e que ao

mesmo tempo estabelece uma densa ligação com o público

paulista. O título? Nas palavras de Taunay, “a magnífica divisa

da cidade de S. Paulo”, Non Ducor , Duco (Não sou conduzido,

conduzo). A origem da legenda do brasão da capital paulista?

Deixemo-lo responder:

Inspiradamente adotada por Washington Luís, para a grande capital que então governava, sintetiza, na verdade do seu laconismo lapidar, a exatidão de vários séculos de ação histórica, no conjunto da formação nacional brasileira. 192

4.2 A luta pela memória

Os “vários séculos de ação histórica” dos paulistas

na “formação nacional brasileira foram contemplados na obra

historiográfica de Taunay. Do seu conjunto podemos inferir

certo plano, certa orientação geral. No primeiro momento

Taunay se insere entre os estudiosos e eruditos de São Paulo que

buscam a origem invulgar da população do planalto, objetivam

definir o caráter do paulista. Nesse sentido, depara-se com o

bandeirante e ato contínuo envolve-se no estudo das Bandeiras,

tanto mais porque fora sugerido por Capistrano. Os séculos XVI

e XVII já estão assim apreciados: anos primevos e ciclo de

“apresamento”. Mas a pesquisa continua, novos documentos são

191Ibid., p. 281.

192TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco: notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L.

Canton, 1924.

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descobertos e o século das Monções emerge. A trajetória

paulistana se desdobra e, conseqüentemente, interpreta-se as

expedições fluviais como integrante do mesmo impulso

incontrolável. O século XVIII é o das Monções mas também é

aquele correspondente ao “ciclo do ouro”. Entretanto, se aqui

(final do século XVIII) termina a expansão vicentina, o destino

dos paulistas permanecerá conhecendo glórias para além destes

três séculos iniciais. O século XIX é para Taunay o século do

café e para ele escreveu quinze volumes. E o século XX? É o

século dos seus leitores, é o século de um São Paulo (cidade e

Estado) que não cessa de expandir-se sob os auspícios da

industrialização. Sobre este último Taunay não escreveu, na

verdade, para ele escreveu. Respondeu com tradição e memória

aos que pediam uma explicação para tão retumbante sucesso,

expresso na posição que São Paulo ocupava na federação.

Esta impulsão coletiva (o bandeirantismo) perduraria quadri-secularmente impelindo os paulistas à perquisição do ouro e ao grande rush da plantação do café que prossegue intenso. 193

Esta continuidade idealizada (XVI, conquista do

solo; XVII, bandeiras e alargamento territorial; XVIII, monções,

ouro e povoamento; XIX, café; XX, indústria) revela, na sua

obra historiográfica referente à expansão vicentina, um projeto e

uma construção de memória e não de história.

Já mencionamos, através de uma citação, como era

invulgar e universal o tema das Bandeiras para Taunay. De tal

forma esta afirmação é verdadeira que o autor sente-se a vontade

193TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 90.

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para equiparar o movimento expansionista por terra “americano”

à expansão ultramarina portuguesa. Um problema fulcral se

apresenta: se o obstáculo maior às navegações era o oceano, o

mar ignoto, qual seria o obstáculo das bandeiras? Resposta: o

sertão.

O sertão é a máxima que representa a natureza bruta

(o índio incluído), o grande desafio da bandeira e do

bandeirante, o alvo a vencer e superar, atingindo assim a glória

imorredoura das grandes civilizações e dos grandes heróis. A

jornada na América é a continuação da jornada marítima

portuguesa no Oriente, por isso universal como esta, por isso

merece ser preservada para a posteridade.

Encontramos uma descrição modelar do sertão, que é

a síntese da rude relação do homem com a natureza, que é

também um ente vivificado porque é “forte e virgem” e porque

se recusa a desvendar seus segredos repelindo os sertanistas, a

partir dos comentários feitos por Taunay sobre os apontamentos

de um bandeirante que cumpria a função de escrivão no curso de

uma jornada. Eis a narrativa:

E aquela demonstração civilizada (os apontamentos) no meio de tão bruta natureza, insensivelmente, lhe evocou talvez os duros transes que eles e os seus iam vencendo, através da floresta americana, à busca dos encontros com o gentio cativável e descível; das refregas com topiães, temiminós, gualachos, pés largos e abiucus; a cata das pintas ricas de ouro e das pedras; dos súbitos e possíveis assaltos dos monstros e abantesmas do sertão, homens e animais.

Matuiús de pés para trás e corredores agílimos; coruqueans antropófagos, de quinze pés de altura; guaiasis, anões minúsculos, formigantes,

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inumeráveis, feroscíssimos; giboiussús, serpentes, imensas e terríveis, cujas carnes putrefatas, fétidas, durante as intérminas e penosíssimas digestões, se refaziam constantemente; hahis colossais, empoleirados nas árvores, vivendo do ar mas matando, por simples ferocidade, os homens que lhes passavam ao alcance dos infindáveis braços.

E em tropel lhe deviam ter acudido à mente os sacrifícios indizíveis daqueles longos meses de privações, desde a partida de S. Paulo; os víveres, maus, péssimos, escassos, freqüentemente faltando, por completo; os dias de fome em que nem sequer havia meio de obter os guaribás, os “paus de digestão”; a perda dos rumos, os alarmes noturnos, o extravio nos pantanais, o assalto de milhões de insetos sanguidentos, as refregas com o gentio, as chuvas diluviais e intérminas, o ataque das moléstias misteriosas e dizimadoras, a luta contra todos estes recursos de morte com que a terra, forte e virgem, obstinadamente recusava desvendar os seus segredos e repelia os devassadores.

Quanta miséria e quanta coragem! E quanto não se lhe inflaria o peito num sentimento de orgulho imenso ao refletir que ele e os companheiros serviam o nome luso com a constância do espírito dos capitães das jornadas de África e das jornadas da Índia! Dos vassalos da conquista do Oriente! 194

O bandeirante, o homem no passado aqui descrito

por Taunay, já evocava o próprio presente, já sentia o impacto

de uma memória futura nos seus atos, já equiparava os seus

feitos memoráveis aos dos lusitanos. A narrativa interliga o

presente e o passado no sentido da eternidade, da eternização da

coletividade bandeirante.

A idealização do sertão está patente, é possível

respirar na atmosfera da época. A vontade de elevar as

realizações “paulistas” (uma verdadeira epopéia) ao plano

194Ibid., p. 83-84.

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mundial também. Mas a questão é tão importante que ele sentiu

a necessidade de ser mais direto, transcrevendo até mesmo uma

fala imaginária vinda do passado. Continua a narrativa:

E agora, na terra americana, proseguia, incansável, tenazmente, insaciável, a epopéia lusa, renovada pelos homens nascidos no planalto de piratininga, de um cruzamento que elevava a mentalidade vermelha e reforçava a agilidade branca.

Afuroador da floresta brasileira, sentiria o escrivão da bandeira a percepção confusa de que era um dos continuadores dos seus antepassados de Aljubarrota, das lides do rei de Boa Memória e do Condestável Santo, que prosseguiam nas jornadas de África e do Oceano, de Ásia e de América.

Repelia-se o castelhano e dilatava-se esse Brasil que as bulas e os tratados queriam mutilado.

E era a sua gente, a gente de S. Paulo, a gente já nascida no Brasil, que promovia agora a obra do alargamento da terra de Santa Cruz.

- Nós outros, que aqui estamos, perdidos no deserto, diria de si para si, padecemos talvez mais do que os vassalos da conquista da África e do Oriente! 195

Uma pergunta resta após estas duas emblemáticas

citações: o que teria motivado Taunay a extravasar os seus mais

recônditos sentimentos de maneira tão intensa, ferindo inclusive

os rigores da “moderna crítica histórica”? Tudo isso foi devido

ao inventário de Pêro Araújo (1616) no qual aparece, no verso

da última folha, algumas estrofes manuscritas dos Lusíadas...

195Ibid., p. 85.

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E assim, de repente, irrompendo-lhe na alma, pela voz do Épico, o clamor da glória da sua raça, levou-o a irresistível associação das idéias e das situações a escrever, no dorso do inventário mísero e obscuro soldado da bandeira, caído na selva em pról da obra da dilatação do Brasil, uma das estrofes narradoras do episódio máximo do Poema. 196

Bastou que se encontrasse um leve e frágil traço de

união para que a expansão vicentina se tornasse um

desdobramento tão notável, ou mais, quanto à expansão

marítima portuguesa.

Um obstáculo se elevava contra este objetivo: a tão

conhecida lenda negra. Desde o início das atividades

apresadoras na bacia do rio Paraná os jesuítas promoveram

intensa campanha de denúncia. Ela não se limitou às autoridades

coloniais, quando perceberam que estas não solucionavam a

questão, muito pelo contrário, sancionavam-na, foram

diretamente para a Europa expor de viva voz as atrocidades

cometidas contra determinações metropolitanas e Papais. As leis

descumpridas remontavam a D. Sebastião, que, a 20 de março de

1570 ordenou em carta régia:

Defendo e mando que daqui em diante se não use nas ditas partes do Brasil dos modos que se até ora usou em fazer cativos os ditos gentios, nem se possam cativar por modo nem maneira alguma, salvo aqueles que forem tomados em guerra justa que os Portugueses fizerem aos ditos gentios, com

196Ibid., p. 85. Alcântara Machado também repercutiu esse “achado”: “Ninguém há que não aprenda o

simbolismo dessa obra maravilhosa do acaso, que é um fragmento da epopéia dos Gamas e dos

Albuquerques a servir de fecho ao inventário do bandeirante obscuro. Dir-se-ia que o gênio de Camões

aparece à beira da sepultura em que descansa o herói desconhecido, para associar a mesma glória as

caravelas arrogantes, vencedoras do Oceano, e as canoas humildes dos sertanistas.” MACHADO, A. Vida

e Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 105.

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autoridade e licença minha, ou do meu Governador das ditas partes, ou aqueles que costumam saltear os Portugueses, ou a outros gentios para os comerem; assim como são os que se chamam Aimorés e outros semelhantes. 197

A legislação possuía brechas. Os colonos poderiam

invocar, a qualquer tempo, a guerra justa e o combate aos

antropófagos para justificar a escravidão do nativo. Entretanto,

as Atas da Câmara da Vila de S.Paulo demonstram que o

assunto também era tratado com clareza e objetividade: os

habitantes da Vila caminhavam na direção do sertão porque lá

estava o seu “remédio”, ou seja, o índio - enquanto metais ou

pedras preciosas não eram descobertos.

Aos vinte e quatro dias do mês de novembro de mil seiscentos e dois anos nesta vila da casa da câmara dela estando aí os oficiais dela José de Camargo e Francisco da Gama vereadores e Francisco Velho juiz e João de Santana procurador do conselho para fazerem câmara nela requereu o procurador do conselho aos ditos oficiais que esta terra se despovoava de peças e que todas fugiam para o sertão de que este povo e capitania recebia muita perda e não era nenhum serviço de deus e de sua majestade despovoar-se a terra e que não as iam buscar por não haver licença que lhe requeria da parte de sua majestade e em nome deste povo o fizesse a saber ao capitão para que pusesse nisso cobro e que outrossim eram idos dez mais ou menos pelo rio abaixo em busca dalgumas peças e que lhe poderia suceder matarem-nos que suas mercês ordenassem alguma gente que fosse buscá-los ou gente que fosse buscar as peças que fugiam e não no

197Apud. VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 408. A rigor, desde o Regimento de Tomé de Sousa

(17/12/1548) encontramos a proibição da escravização do índio que, caso se efetivasse, seria punida com

a pena de morte. Ibid., p. 274.

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fazendo assim protestava de toda a perda que a terra viesse a haver por suas mercês. 198

A penetração no interior realizava-se em favor,

contra ou apesar da legislação. Taunay assim conclui:

A toda a legislação portuguesa relativa à liberdade dos índios inspirava a mais refalsada hipocrisia. 199

Sabedores disso, Antônio Ruiz de Montoya e

Francisco Dias Tanho rumaram para a Europa e lá propagam os

horrores da escravização dos índios. Valendo-se do relato do

jesuíta para destacar certa qualidade dos paulistas, Taunay

indica a “injustiça”:

De quanto eram os paulistas prodigiosos caminheiros temos nos documentos abundantes provas:

“Andan a pie y descalzos como por las calles desta Corte (Madrid). I caminam por aquellas tierras y valles, sin ningun estorbo, trescienteas y quatrocientas leguas, com regalo” deles referia o ilustre Montoya a Filipe IV, em 1643, aliás, a dizer horrores dos filhos de Piratininga. 200

Os jesuítas foram atendidos 201, conforme enunciamos

no capítulo anterior, e logo em seguida sofreram as

conseqüências ao chegarem com as novas na colônia. Estava

198ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Atas da Câmara da Villa de S. Paulo. São Paulo, 1915. v. 2,

p. 112-113.

199TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 80. Antes, Varnhagen, já comentava o problema: “É por isso

que a legislação especial acerca dos índios do Brasil, dada por sua ordem cronológica, apresenta uma

série de contradições, que melhor chegaram a manifestar-se, por vias de fato, nas sublevações que

teremos de historiar pelo tempo adiante.” VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 393.

200TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 235.

201Cf. MALHEIRO, P. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social. Petrópolis : Vozes; Brasília

: INL, 1976. v. 1, p. 183.

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feito. Os paulistas difamados no Ocidente, os jesuítas

“defensores dos índios” desterrados pelos “vilões”, enfim, o

conflito repercutindo de forma definitiva. Katia Abud assim

sintetiza a questão:

Os religiosos organizadores das reduções jesuíticas do Paraguai traçaram com fortes pinceladas a imagem negativa, a “Legenda Negra” do bandeirantismo. Montoya, Jarque e, posteriormente Charlevoix, Vaissete são nomes sempre lembrados, quando a imagem bandeirista se torna escura, pelos crimes que teria praticado. O horror que àqueles significou o ataque dos bandeirantes às suas organizações missionárias provocou o aparecimento de uma literatura indignada, que criou uma visão do bandeirante, ainda hoje retomada em algumas obras de divulgação. 202

Os primeiros a enfrentarem a indigesta lenda negra

foram frei Gaspar e Pedro Taques, no século XVIII. O primeiro

diretamente, discutindo e refutando acusações improcedentes; o

segundo, elaborando uma linhagem de “nobres homens”.

Seguindo o que já afirmáramos antes, Taunay dá continuidade a

esse processo de reabilitação na historiografia, entretanto, o faz

de forma peculiar.

Em nenhum momento Taunay desmente ou oculta o

massacre imposto à população indígena. Em determinadas

passagens chega mesmo a surpreender com a dureza dos termos.

Quando combate o juízo de Handelmann, citado por Tasso

Fragoso, sobre os atos dos bandeirantes, detectamos a sua

estratégia:

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114

E a recordar palavras de Handelmann, o ilustre historiador alemão que com tanta consciência e elevação de vistas cuidou do Brasil, transcreve o mesmo autor: “Para estas caçadas de índios, não há nenhuma desculpa. Constituem uma das manchas mais negras da história do Brasil”.

Não há quem assim possa deixar de pensar, à luz das idéias modernas. O bandeirismo é uma série de violências inspiradas nos sentimentos mais cruéis . Qual dos povos brancos porém pode irrogar-se a glória de não haver, até agora, nos anos que correm da era de 1923, lançado mão da prepotência da superioridade sobre as raças inferiores para as forçar a padecer os maiores horrores? 203

Omitir ou desmentir o acontecido seria um pecado

capital para Taunay, tanto do ponto de vista da História por ele

entendida como da sua fervorosa fé católica 204. O que ele

empreende é um esquecimento programado. Primeiro compara o

massacre perpetrado pelos paulistas com todos os massacres

possíveis promovidos pela “civilização” européia, atenuando,

mitigando o efeito inicial. Depois, simplesmente não menciona

mais os fatos depreciadores, negativos. Em suma, Antônio

Raposo Tavares é louvado como o conquistador dos territórios

além Tordesilhas e não como um escravizador sem escrúpulos.

Esse jogo habilmente conduzido e disfarçado por sua imensa

erudição é um instrumento de memória. Ao final da leitura dos

livros e artigos permanece na consciência do público o lado

202ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista:

o bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 3.

203TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 61. O grifo é nosso.

204No prefácio do terceiro tomo da sua História Geral ele explicita a devoção ao comentar o áspero

trabalho do qual se incumbiu: “É longa e trabalhosa a empresa a que nos abalançamos. Pouco vencemos

em relação ao que nos caberá realizar se o Todo Poderoso para tanto nos conceder vida e forças.”

TAUNAY, A. d'E. História Geral..., 1927. t. 3, p. IX.

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115

“bom” dos devastadores do sertão, ou seja, o da luta pela

formação do território nacional. Dessa maneira, combate

Taunay:

E se Handelmann chama ao bandeirismo “mancha negra da história brasileira” que se reflita um pouco acerca do regime de delícias da colonização germânica quinhentista em Venezuela e dos processos daquele S. Vicente de Paulo que se chamava Ambrósio Alfinger.

Lembrem-se os franceses que o seu Governo, depois de haver decretado a abolição da escravidão, com a Convenção, restabeleceu-a com Napoleão e os ingleses que, em meados do século XVIII, seu governo ameaçou a Espanha de guerra porque o Governo castelhano não queria renovar o contrato do tráfico africano com uma companhia britânica. 205

E assim conclui a luta pela reabilitação:

Se assim se fazia com homens nascidos na Europa ocidental (refere-se à venda de soldados alemães à Holanda em 1792) na região mais civilizada do Universo, em fins do século XVIII, que não se passaria na América selvática e semi-deserta, entre brancos e míseros broncos silvícolas?

Assim a esta questão de extermínio dos tipos inferiores da humanidade não há nação européia que possa atirar a outra qualquer pecha que seja. 206

Os conceitos de Taunay em relação aos índios,

tomadas as últimas citações, podem nos levar a uma falsa ilação.

Qual seria? Uma vez considerado o indígena inferior

necessariamente a mestiçagem auferiria características

degenerativas. Mas esse não é o julgamento de Taunay; a

mestiçagem é altamente positiva. Um momento romântico e 205TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 62.

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116

erudito oferece-nos a confirmação através da preocupação

simbólica declarada:

A raça dos rapineiros brancos movia a seu talante as chusmas inferiores de pele cobreada. Realizava-se nas terras de S. Paulo a aliança do gavião e da narceja, a que tão simbólica e poeticamente aludia o ancião Batuireté ao neto Poti, nas páginas da linda Iracema. 207

Ou, diretamente:

Seria necessário o amálgama de suas qualidades (os portugueses) às dos filhos do Brasil para que se encetasse a verdadeira obra do bandeirismo. 208

A verdadeira expansão é mestiça e, assim sendo,

dependia do cruzamento euro-americano. Esse amálgama

produziu um resultado estupendo superior às duas matrizes

originais, pois reuniu as melhores virtudes de ambas:

206Ibid., p. 65.

207Ibid., p. 71. No romance, o maior chefe dos pitiguares, Batuireté, não mais comanda sua nação. Velho,

retirou-se para a serra deixando Jatobá com o tacape. Poti, filho de Jatobá, vai com o amigo Martim e

Iracema ao encontro do avô. Assim se dá a cena narrada por José de Alencar: “Batuireté estava sentado

sobre uma das lapas da cascata; o sol ardente caía sobre sua cabeça, nua de cabelos e cheia de rugas

como o jenipapo. Assim dorme o jaburu na borda do lago. — Poti é chegado à cabana do grande

Maranguab, pai de Jatobá, e trouxe seu irmão branco para ver o maior guerreiro das nações. O velho

soabriu as pesadas pálpebras, e passou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e

os lábios murmuraram: -– Tupã quis que estes olhos vissem antes de se apagarem, o gavião branco junto

da narceja.” Em nota, José de Alencar informa que Batuireté, ao associar o neto à narceja e Martim ao

gavião branco, profetiza a destruição dos índios pelos conquistadores brancos. Há de se destacar, além

da profunda e sincera amizade que unia Martim e Poti, que Iracema está no local, que ela é esposa do

português e trará no ventre o símbolo maior da aliança aludida por Taunay, o primeiro brasileiro: o mestiço

Moacir. O São Paulo de Taunay reproduz a idealização romântica do Ceará de Alencar. Logo após

proferir o vaticínio Batuireté morre. ALENCAR, J. de. Iracema. São Paulo : Ática, 1992. p. 58-60.

208Ibid., p. 56. Por “filhos do Brasil” é justo depreender o fruto da mestiçagem do índio com o português e

com o espanhol.

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117

Encontrava-se a famosa cruza euro-americana reforçadora da capacidade mental do vermelho e da musculatura do branco. Criavam-se os primeiros destes mateiros incomparáveis cujas proezas Saint-Hilaire comparou à dos titãs. 209

4.3 Os temas estruturadores da memória

Os bandeirantes por vezes eram chamados de

rapineiros ou mateiros mas freqüentemente eram exaltados como

deuses. Por isso a mitologia cumpriu um papel importante nessa

construção historiográfica. A ligação promovida por Taunay

entre a história e a memória, no entanto, já tinha longa estrada

percorrida.

Filha de Urano e Gaia, Mnemósine, a personificação

da memória, é uma deusa titã 210. Ademais, filhas de Zeus e

Mnemósine são as Musas, entre elas Clio, que responde pela

história 211. Lá na Grécia antiga, cujo legado nunca é excessivo

remarcar, nascia a história da memória 212.

209TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15-16.

210GRIMAL, P. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand, 1992. p.

316.

211HESÍODO. Teogonia: origens dos deuses. São Paulo : Roswitha Kempf Editores, 1986. p. 130.

212Evidentemente há diferenças entre a acepção grega antiga do termo memória e o seu uso

contemporâneo. Marcel Detienne informa que: “As pesquisas de J.-P. Vernant permitem afirmar que a

memória divinizada dos gregos não responde, de modo algum, aos mesmos fins que a nossa; ela não

visa, em absoluto, reconstruir o passado segundo uma perspectiva temporal (Taunay). A memória

sacralizada é, em primeiro lugar, um privilégio de alguns grupos de homens organizados em confrarias:

assim sendo, ela se diferencia radicalmente do poder de se recordar que possuem os outros indivíduos.

Nesses meios de poetas inspirados, a Memória é uma onisciência de caráter advinhatório; define-se como

um saber mântico, pela fórmula: “o que é, o que será, o que foi”. Através de sua memória, o poeta tem

acesso direto, mediante uma visão pessoal, dos acontecimentos que evoca; tem o privilégio de entrar em

contato com o outro mundo. Sua memória permite-lhe “decifrar o invisível”. A memória não é somente o

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118

Com grande pendor para a mitologia e para tudo o

que é clássico, Taunay, sempre que pôde, buscou enquadrar a

trajetória dos paulistas nestes quadros. Em titãs transformaram-

se os bandeirantes na historiografia como titã fora a memória na

sua gênese. Mas heróis também poderiam ser e comparáveis a

Hércules seus feitos foram:

Mamaluco de prodigiosa energia, hercúleo e intrépido, era sobremodo propenso a deixar-se arrebatar pela cólera. 213

A mitologia sugere um conjunto, um sistema, uma

ordenação, uma hierarquia, um sentido, enfim, faz parte ou

institui uma tradição. Outrossim, ela confere importância

civilizatória, principalmente a greco-romana, e coloca os

eventos narrados fora do tempo, distantes da realidade,

configurando uma temporalidade cíclica e contínua ao promover

a união entre o passado, o presente e o futuro. Para realizar esta

tarefa de instituir uma tradição, que por ser empreendida

especialmente nas suas obras históricas ganha o nome memória ,

Taunay idealiza e mitifica historiograficamente.

Uma vez que a produção historiográfica de Taunay

relativa às Bandeiras expressa características do historicismo suporte material da palavra cantada, a função psicológica que sustenta a técnica de formular; é também, e

sobretudo, a potência religiosa que confere ao verbo poético seu estatuto de palavra mágico-religiosa.

Com efeito, a palavra cantada, pronunciada por um poeta dotado de um dom de vidência, é uma palavra

eficaz; ela institui, por virtude própria, um mundo simbólico-religioso que é o próprio real.” DETIENNE, M.

Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 19--. p. 17. Apesar da

distância e das distinções, as palavras bandeira e bandeirante, assim como as delas derivadas possuem

essa capacidade, fornecida pela historiografia, de remeter o interlocutor a uma determinada realidade

simbólica.

213TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 180. No final do primeiro capítulo destacamos a associação

entre João Ramalho e Rômulo.

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119

romântico-erudito, de acordo com o que estabelecemos no

primeiro capítulo, é justo aprofundarmos a sua perspectiva

romântica 214. Dessa maneira, o que objetivamos agora é indicar

os elementos de extração romântica que desempenham um denso

papel na tarefa de construção da memória bandeirante.

Ao longo destas páginas, destacamos o amor que

Taunay mantinha pelo passado, amor nostálgico, ideal,

conduzindo-o à sua revivificação integral 215, por nós chamada

de presentificação; apontamos o processo de mitificação de

determinados personagens e, agora, a valorização da natureza

também mitificada 216.

Resta-nos aprofundar a questão. Sem dúvida, no

discurso historiográfico de Taunay não há unidade de ação. As

descrições, os acontecimentos e os argumentos são dispostos

aleatoriamente, por isso Boxer o acusou de difuso. Entretanto,

há um fim a ser cumprido: louvar a tradição. Como efetivá-lo

214Afrânio Coutinho enumera os seguintes aspectos que caracterizam o espírito romântico:

individualismo e subjetivismo, ilogismo, senso do mistério, escapismo, reformismo, sonho, fé, culto da

natureza, retorno ao passado, pitoresco e exagero. COUTINHO, A. O Movimento Romântico. In: A

Literatura no Brasil. Rio de Janeiro : Editorial Sul Americana, 1956. v. 1, t. 2, p. 568-569. A obra

historiográfica de Taunay evidentemente não expressa o individualismo, o subjetivismo ou o ilogismo.

Quanto à questão indianista, nosso autor desvia a idealização na direção do mestiço: o paulista.

215Esta revivificação se assemelha muito, na intenção e não na execução, com a “apreensão total do

passado” em Michelet. Cf. BOURDÉ, G., MARTIN, H. Les Écoles Historiques. Paris : Seuil, 1990. p. 159-

180. LIMA, L. C. De que são feitos os tijolos da história? In: O Controle do Imaginário: Razão e

Imaginação nos Tempos Modernos. Rio de Janeiro : Forense, 1989. p. 176-177. Ou, também

guardadas as devidas proporções, com a história vivificada que Goethe experimentara ao ler Herder. Cf.

CASSIRER, E. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la Ciencia Modernas: de la muerte de

Hegel a nuestros días (1832-1932). México : Fondo de Cultura Económica, 1986. v. IV. p. 267.

216Apesar de ter assistido à fermentação modernista da década de 1920 que, de maneira geral, tratou

com ironia o Romantismo, Taunay a ela manteve-se alheio. Cf. CAMPOS, P. M. Esboço da Historiografia

Brasileira nos Séculos XIX e XX. In: GLÉNISSON, J. Iniciação aos Estudos Históricos. São Paulo :

Difel, 1979. p. 286.

Page 132: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

120

num discurso historiográfico? A sua resposta é simples: através

do documento. Seguindo a lógica interna do documento o seu

texto se confunde com o próprio passado, é difícil saber quando

é o historiador e quando é o documento, principalmente quando

aspas são abertas e assim permanecem até o início de uma nova

citação.

O documento não só comanda a lógica interna do

discurso como a seleção dos assuntos. Na maior parte das vezes

os capítulos são distribuídos pelo tipo de documento trabalhado.

Parece que a medida em que vai descobrindo novos documentos

ele vai abrindo novos capítulos que têm como único elo de

ligação o seu objetivo primordial. Capítulos começam e

terminam sem um sentido específico. Por isso a repetição

intensa, desnecessária e pouco objetiva, por isso a quantidade

imensa de capítulos, por isso, afinal, o tamanho descomunal dos

seus trabalhos.

Contudo, há algo mais. Se Taunay apenas se

limitasse a este tipo peculiar de discurso histórico ele não

atingiria o seu intento. Assim, a obra por inteiro, além de

orientar-se pelos documentos, possui três temas estruturantes.

São eles: o tema da cidade, o tema do sertão e o bandeirante.

O primeiro é o lugar da civilização, o segundo o

lugar da natureza e o terceiro o lugar do mito. Ao longo de toda

a obra acerca das Bandeiras esses temas surgem conduzindo as

descrições, os acontecimentos e os argumentos numa única

direção: a construção da memória. A obra é difusa apenas na

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121

aparência, o seu significado estava cuidadosamente camuflado

pelo discurso da cientificidade da História.

Chamamos os temas referidos de estruturantes por

representarem o cimento, a ligadura, o entrelaçamento dos fatos

narrados. Sem a atuação destes temas o entendimento do texto

não se daria e a meta não seria atingida. Todavia poderíamos

considerá-los, ao invés de estruturantes, condutores: temas

condutores ou, simplesmente, motivos condutores 217.

A última formulação nos parece bastante adequada.

Primeiro ela se origina da leitura das Atas da Câmara da Vila de

S. Paulo por conta da intensa recorrência do termo sertão. Tudo

era o sertão, a tudo ele remediava, todos a ele se dirigiam, de

corpo e alma. Notada a sua importância, Alcântara Machado

poeticamente adota a expressão para melhor explorar o

significado daquelas repetições:

Porque o sertão é bem o centro solar do mundo colonial. Gravitam-lhe em torno, escravizados à sua influência e vivendo de sua luz e de seu calor, todos os interesses e aspirações. Sem ele não se concebe a vida: por os moradores não poderem viver sem o sertão, proclamam-no os oficiais da Câmara numa vereação de mil e seiscentos e quarenta anos. 218

217Motivo condutor é a melhor tradução para a palavra alemã leitmotiv. Intimamente ligada aos aspectos

românticos da obra operística de Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), a associação do termo com os

temas não é nossa: “O sertão... De espaço a espaço, com a teimosia de um estribilho obsidente, com a

insistência tirânica de um leitmotiv, a palavra aparece e reaparece nos inventários paulistanos dos dois

primeiros séculos, a denunciar que para o sertão está voltada constantemente a alma coletiva, como a

agulha imantada para o pólo magnético.” MACHADO, A. Op. cit., p. 231.

218Ibid., p. 52.

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122

Segundo, ao explorar essas repetições por intermédio

da expressão motivo condutor, o autor explicita a constituição

de um tema fundamental para a inteligibilidade do Brasil

colonial. De fato, antecipamos páginas atrás, que o tema fora

sugerido a Taunay por Capistrano, contudo, o seu próprio pai já

escrevera a respeito. O mais famoso de seus livros, Inocência ,

apresenta ao leitor logo no capítulo inicial (após duas epígrafes,

uma de Goethe e outra de Rousseau) o cenário dos

acontecimentos: a natureza; e o seu protagonista: o sertanejo 219.

Nesse momento, Capistrano e o Visconde se unem ao sugerirem

uma temática, em outras palavras e por fim, a história e o

romantismo permitem que a memória seja construída.

Em virtude destes argumentos preferimos tomar a

palavra leitmotiv para dar a real dimensão da construção

historiográfica de Taunay sobre as Bandeiras, quanto mais não

tivesse ela uma ligação tão íntima com o romantismo - certo que

na música:

Denominam-se assim (leitmotiv) motivos musicais característicos de personagens, de situações dramáticas, de sentimentos e de objetos. Suas transformações não obedecem a leis musicais mas

219Antonio Candido destacou a fina sensibilidade, a esmerada cultura do Visconde nas artes plásticas e

na música. Exprimindo-se acerca do mesmo capítulo: “Predominava nele, todavia, a sensibilidade

musical. Compôs com facilidade e elegância, escreveu com acerto sobre assuntos de música; e mesmo

nas descrições do sertão percebemos que também o ouvido elaborava as impressões da paisagem. No

primeiro capítulo de Inocência (“O Sertão e o Sertanejo”), a paisagem e a vida daqueles ermos são

apresentados a partir de alguns temas fundamentais, compostos em seguida num ritmo que se diria

musical. Daí o tom de ouverture dessa página, aliás admirável na sua inspiração telúrica, uma das

melhores da literatura romântica, onde se performam certos movimentos d'“A Terra” e d'“Homem”, n'Os

Sertões, de Euclides da Cunha”. CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos.

Belo Horizonte : Itatiaia, 1993. v. 2, p.275-276. Essa educação refinada, sensível, musical, emigrada da

França e perpetuada nos descendentes brasileiros, sem dúvida alguma foi transmitida ao filho historiador.

Um panorama histórico-cultural dos primeiros membros da família no Brasil é encontrado em: TAUNAY,

A. d'E. A Missão Artística de 1816. Brasília : UnB, 1983.

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123

sim aos acontecimentos dramáticos. Às vezes seu conteúdo emocional corresponde aos significados; outras vezes, funcionam mais por associação. Na Tetralogia, por exemplo, a análise das partituras revela motivos correspondentes à espada, ao ouro do Reno, ao farfalhar da folhagem, à nostalgia, enfim, muitas dezenas de motivos que são variados, combinados, antecipando a entrada de personagens, traduzindo sentimentos ocultos, preparando cenas, etc. Há uma forte doze de racionalismo na elaboração desse sistema. 220

Duas passagens tornam especial a definição acima

reproduzida. Uma, ao afirmar que a técnica do leitmotiv não

obedece senão aos acontecimentos; a outra, ao concluir que há

intenção, “racionalidade”, na elaboração do sistema. Por isso a

tetralogia O Anel do Nibelungo é citada. Composta por um

“prólogo” (O Ouro do Reno) e três “jornadas” (A Walkíria ,

Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses) e escrita (música e

libretos) num grande intervalo de tempo (1848-1853) o sucesso

da narrativa da lenda dos nibelungos deve-se, em grande parte, à

habilidosa concatenação de seus elementos no sentido da obra

de arte universal (Gesamtkunstwerk) 221.

220KIEFER, B. O Romantismo na Música. In: GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo : Perspectiva,

1985. p. 228-229.

221HAUSER, A. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo : Mestre Jou, 1982. t. 2. p. 982. Uma

afirmação conclusiva sobre a obra de Wagner: “Sua arte é, pela música, o cume e a consumação do

Romantismo que nunca conseguira realizar-se completamente em palavras. O Romantismo estava

destinado a terminar em música; e Wagner, o músico, estava destinado a consumar o Romantismo.”

CARPEAUX, O. M. A Literatura Alemã. São Paulo : Nova Alexandria, 1994. p. 179. O leitmotiv mais

conhecido e executado é a cavalgada das Walkírias, no entanto, o mais importante para o conjunto da

obra é o tema da redenção pelo amor que aparece pela primeira vez no terceiro ato da Walkíria e

retorna ao final do Crepúsculo dos Deuses, coroando a Tetralogia. Enfim, não podemos deixar de notar

que o herói Siegfried morre traiçoeiramente durante o êxtase em que recobrava a memória perdida ao

ingerir uma poção do esquecimento, oferecida por aqueles que cobiçavam o seu anel de ouro. Aqui

observamos o esquecimento atrelado à morte enquanto a lembrança representa uma possibilidade de

sobrevida.

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124

Por analogia, a Alemanha buscava no mito nórdico

dos nibelungos a origem do povo e a emoção que conduziria à

formação do Estado-Nação 222, São Paulo, pelo Brasil, construía

os mitos que formaram o Estado e a Nação, ainda na colônia,

para que pudesse desfrutar de uma tradição. O historiador

combinou os acontecimentos deliberadamente, articulou os

temas, repetindo-os à exaustão, sempre concluindo com a

mitificação do bandeirante. A memória bandeirante é

materialização historiográfica desse impulso e Taunay o seu

maior realizador.

Do tema da cidade já tratamos no primeiro capítulo,

voltar a ele seria desnecessário. Acrescentaríamos, somente, que

os habitantes da vila de São Paulo já experimentavam o

sentimento nacional brasileiro e esta, como um microcosmo, era

a própria nação em versão rudimentar. Assim Taunay se

expressa:

É o sentimento confuso do brasileirismo que desperta no fundo destes homens rudíssimos. 223

E, citando Oliveira Martins para assumir

inteiramente a conclusão deste:

Sem exagerar demasiado o valor desta expressão, pode dizer-se que, pelos fins do século XVI, a região de S. Paulo apresentava os rudimentos de uma

222Nesse momento pensamos no sentido mais completo da palavra mito: “ao mesmo tempo ficção,

sistema de explicação e mensagem mobilizadora”. GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo

: Companhia das Letras, 1987. p. 98.

223TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31.

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125

nação: ao passo que a Bahia e as dependências do norte eram uma fazenda de Portugal na América. 224

O tema do sertão já abordamos neste capítulo, resta-

nos complementar a análise. Este termo fartamente utilizado na

documentação de época possui, com certeza, uma definição

estrita. Serafim Leite, baseando-se nos padres jesuítas, assim

postula:

O sertão, como entendiam os primeiros padres, era qualquer lugar distante da costa não ainda povoado pelos portugueses. Noção concreta, ligada ao povoamento não ao solo, e que portanto mudava sucessivamente de balizas a caminho do Oeste, e ainda hoje se denominam sertões vastas zonas subdesenvolvidas do interior do Brasil. Para efeito da conversão do gentio, aplicava-se aos arredores da Bahia em 1550; e, a meia dúzia de léguas da cidade do Salvador, já era “sertão”; de igual modo, ao fundar a aldeia de piratininga, a carta de 1553, em que Nóbrega dá notícia do fato, data-a “deste sertão adentro”, donde continuou viagem para sertão mais distante. 225

O contraste desta definição com a descrição de

Taunay por nós reproduzida anteriormente é significativo. Por

esta não há como nos sensibilizar, emocionar ou encantar. Aqui

o sertão não é o lugar das batalhas, das vitórias, das ações

intrépidas, da luta pelo “território brasileiro”, é simplesmente

onde se dá a catequese, pois aí o índio se refugiou.

No seu discurso historiográfico o sertão reproduz

para o paulista o que o mar ignoto representou para o navegador

224OLIVEIRA MARTINS, G. Apud. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31.

225LEITE, S., S. I. Breve História da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760). Braga : Apostolado da

Imprensa, 1993. p. 93.

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126

português. É o desconhecido, o reduto do mistério, o desafio, o

cenário das aventuras, o local das riquezas disseminadas, ele

personifica uma realidade, uma entidade (o autor grafa, na maior

parte das vezes, a palavra com “s” maiúsculo), é o obstáculo a

ser superado na demanda da glória eterna, transformando aquele

que o desbrava, desvenda, ataca e conquista num herói.

O sertão, mesmo quando não contempla as façanhas

do bandeirante, enobrece-se, transforma-se no cemitério dos

heróis desconhecidos. Simboliza o lugar onde o esquecimento

sobrepuja a lembrança:

E muitos foram sempre esperados e jamais reaparecidos. Tem-se como que a impressão de que muitas viúvas e muitos órfãos viveriam com os olhos fixos à fímbria das serras e à barra dos horizontes como essas viúvas e esses órfãos de marujos e pescadores que a cada passo esperam ver surgir da extrema linha, divisora das águas e dos céus, os barcos em que partiram os arrimos de sua vida dura e pobre.

Irresistível impulso arrasta aquela população toda, tão intenso, que até às crianças contagia. 226

Mais ainda, o sertão aflora no paulista uma vocação

intrínseca, intima-o a embrenhar-se no seu seio, é o “caminho

que convida ao movimento”. Reunindo conclusões de diversos

autores, subscreve Taunay:

O ilhamento dos primeiros povoadores do planalto piratiningano, isolado do Universo pela enorme muralha da Paranapiacaba, quando para Oeste a derrama das terras e o curso dos rios lhes apontava terras infindáveis e acessíveis levou-os à vida

226TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 89-90.

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127

aventurosa dos bosques que para eles tinham todos os perigos e o fascínio do incógnito, expende Joaquim da Silveira Santos.

A vocação destes pioneiros, segundo a feliz observação de Sérgio Buarque de Holanda, estaria no caminho que convidava ao movimento e não na sedentarização da grande propriedade rural.

E observa Nelson Werneck Sodré que a geografia local de Piratininga era tácito convite: “O Tietê corria para os sertões”. Secunda-o Cassiano Ricardo em exata e sintética fórmula: “o planalto empurrou o paulista para o interior”. Foi o seu rio Tietê, “que fez sertanista e bandeirante”. 227

A frase final citada de Cassiano Ricardo é definitiva:

o bandeirante constituiu-se a partir do sertão. Ele para lá é

levado desde a infância em função de um incitamento coletivo

duradouro 228:

É a primeira jornada como que a prova de habilitação do pequeno pagem medieval aspirante e escudeiro. O prosseguimento por essa via penosa constitui os assentamentos habilitadores da promoção.

É ela que vai armar os membros futuros da ordem dos cavaleiros do Sertão . 229

O bandeirante como cavaleiro medieval! A passagem

completa a idealização do passado colonial, o bandeirante

dispunha inclusive de armadura, o gibão de armas (figura 8):

227TAUNAY, A. d'E. Relatos Monçoeiros. São Paulo : Martins, 1953. p. 14.

228“Esta impulsão coletiva perduraria quadri-secularmente impelindo os paulistas à perquisição do ouro e

ao grande rush da plantação do café que prossegue intenso.” TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 90.

229Ibid., p. 91. O grifo é nosso.

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128

Figura 8 - Milicianos índios de Mogi das Cruzes combatendo Botocudos, de Jean Baptiste Debret.

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129

Dessa famosa armadura americana que os paulistas fizeram perlustrar por milhares de quilômetros dos trilhos florestais do continente nenhum exemplar subsiste das antigas eras do bandeirantismo. Nenhuma dessas peças escapou à destruição para figurar em lugar do mais extraordinário destaque no conjunto das coleções dos nossos museus históricos. 230

Revela-se, portanto, mais um elemento de extração

romântica no retorno ao medievo. Como o Brasil não

experimentou tal período da história européia, nada mais lógico

do que encontrá-lo na fase colonial:

Muitos devem ter sido na nossa idade medieval os levantes de índios ocasionadores de mortes dos brancos. 231

Por fim, dignificando a luta que eclodiu entre os

Pires e os Camargos no século XVII, lê-se:

Curiosa esta feição paulistana, esta luta pelas armas de dois partidos que transplantaram ao Brasil costumes de antanho, hábitos da Itália medieval , como foram as lutas encarniçadas dos Capuletos e Montechi, de Verona, imortalizadas pelo idílio shakespeareano de Romeu e Julieta. 232

Parte integrante do sertão, que o auxilia a constituí-

lo em tema, o rio Tietê erigi-se como entidade máxima, divina e

atemporal. A imagem do rio fortalece o efeito de motivo 230Ibid., p. 94-95. O grifo é nosso. Taunay informa ainda, que o “único documento iconográfico até hoje

descoberto sobre a indumentária dos bandeirantes apresentando visos de autenticidade” é a litogravura

de Debret por nós aqui reproduzida. TAUNAY, A. d'E. Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu

Paulista, São Paulo, 1949. t. 13, p. 45.

231TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1931. t.

4, p. 111. O grifo é nosso.

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130

condutor, afinal ele possui correntes, quedas d'água, leito e

movimento; liga a “civilização” à “selva ignota e misteriosa

cheia de espanto e terror” 233 e institui, até mesmo, uma única

duração entre o passado e o presente:

Serviçal obrigado das entradas e das bandeiras, com a lança do seu alveo, outrora enristada para Oeste, contra o domínio do castelhano, continua a divindade fluvial a servir à grandeza de S. Paulo, nesta nova arrancada que o café veio provocar dando-lhe inconfundível proeminência entre as forças brasileiras do progresso e da civilização.

O característico secular da tradição paulista é o da continuidade dos esforços. 234

A importância do Tietê para a expansão vicentina foi

relativizada por Sérgio Buarque de Holanda. Posicionando-se

numa perspectiva exclusivamente histórica, logo, exumada da

memória, ele conclui que os numerosos caminhos terrestres

trilhados pelos índios e adotados pelos bandeirantes

desempenharam um papel muito mais significativo do que os

rios. O valor destes estava “menos em servirem das vias de

comunicação do que de meios de orientação”. 235

A sacralização do Tietê integrada à do sertão

obedece à motivação perene pela memória, importando, na

realidade, o conteúdo simbólico atribuído à natureza. Assim

sendo, retomando o papel das ânforas no Museu Paulista,

discursa Taunay:

232TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 338. O grifo é nosso.

233TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 84.

234TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 97.

235HOLANDA, S. B. de. Índios e Mamelucos na Expansão Paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo,

t. XIII, 1949. p. 193.

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131

Ao padrão nacional evocador da glória das bandeiras virá trazer a presença da ânfora de água do Tietê a nota do mais poderoso e poético simbolismo. 236

4.4 A mitificação do bandeirante

Se o tema da cidade representa o marco original da

trajetória dos paulistas e o tema do sertão expõe o pano de

fundo das suas ações, o tema do bandeirante é a linha de

chegada, o ponto final e culminante da narrativa de Taunay.

Toda a obra relativa às bandeiras expressa a mitificação do

bandeirante ao passo que o conjunto articulado dos temas que a

estruturam edificam a memória através da historiografia.

Por isso a história das bandeiras é um veículo de

memória, ela porta uma mensagem “integrada, ditatorial e

inconsciente dela mesma, organizadora e toda poderosa,

espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado que

reconduz eternamente a herança, remetendo o antigamente dos

ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis, das origens e do

mito” 237.

No Taunay da expansão vicentina, os ancestrais são

João Ramalho e Tibiriçá; o lugar original, em ordem

decrescente, é a colônia, a capitania de São Vicente e São Paulo;

os heróis são, especialmente, Antônio Raposo Tavares e Fernão 236TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 101.

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132

Dias Pais; e o mito, o próprio bandeirante indistinto,

ambivalente 238, indiferenciado no tempo para acomodar-se

simbolicamente tanto à tradição passada quanto ao cotidiano

contemporâneo dos seus leitores.

No curso de uma longa digressão genealógica, o

próprio Taunay se insere na tradição como descendente dos

“ilustres” ancestrais:

Deste casal proviria Maria de Assunção Moraes (.. .) mulher do sargento mor português Lourenço Corrêa Sardinha (...) Da terceira filha do casal Escolástica Maria de Jesus Ribeiro (...) mulher do sargento mor português José Leite Ribeiro (.. .) é terneto o autor desta História Geral das Bandeiras Paulistas que assim se encontra na linhagem dos primeiros povoadores do Brasil como décimo terceiro neto de João Ramalho e de Antônio Rodrigues e décimo quarto de Tibiriçá e Pequerobí. 239

Filho da Europa e da América o historiador

experimenta no corpo e na alma a trajetória mestiça do Brasil,

buscando as suas origens como forma de valorizá-la. Realizada

em São Paulo, a busca histórica efetiva-se como apologia

historiográfica de uma coletividade específica, a paulista.

Todos os homens partidos de São Paulo que se

embrenharam no sertão em busca do ouro, das pedras preciosas

ou do escravo vermelho foram qualificados por Taunay,

genericamente, de sertanistas ou bandeirantes. Na

237NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de

Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XVIII.

238Cf. GIRARDET, R. Op. cit. p. 9-24.

239TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 9, p. 203-204.

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133

impossibilidade de exaltar todos da mesma maneira, diante da

contingência de descobrir documentos diferentes na quantidade

e na qualidade para cada um deles e por causa do resultado das

suas ações, o historiador estabeleceu uma hierarquia dentro do

panteão bandeirante para constituir o tema do mito.

As duas figuras mais altas receberam a glória de

pontificarem, como estátuas da autoria de Luiz Brizzolara, o

hall de entrada do Museu Paulista. Ademais, tanto Antônio

Raposo Tavares como Fernão Dias Pais simbolizam para Taunay

os dois grandes “ciclos” do bandeirantismo: o primeiro

representa o ciclo da caça ao índio e devassa do sertão e o

segundo, o ciclo do ouro e das pedras preciosas. Segue a

descrição dos objetos cuidadosamente posicionados no peristilo,

na pena do idealizador:

Está Antônio Raposo Tavares magnificamente caracterizado num gesto de devassador de terras, com o braço alçado ao nível dos olhos, como quem explora o horizonte. Fernão Dias, não menos expressivamente, examina um mineral.

Em quatro grandes painéis, da autoria de J. Wasth Rodrigues, e em lugares marcados pela arquitetura do peristilo, vêem-se os retratos de Dom João III, Martim Afonso de Souza, João Ramalho e Tibiriçá.

Relembram os vultos essenciais do quinhentismo paulista: o Rei povoador e seu grande delegado americano na colonização inicial, os patriarcas europeu e americano dos mais velhos troncos vicentinos. Nos dois últimos painéis figura simbolicamente o mesmo e pequenino mamaluco, ao lado de seu pai luso e do seu avô brasílico. 240

240TAUNAY, A. d'E. Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo : Imprensa Oficial do Estado,

1937. p. 57.

Page 146: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

134

Outros bandeirantes encontram-se representados na

“escadaria monumental” do Museu, ali reunidos mediante

sugestivo critério:

Sobre os pedestais, figuram, pois, seis bandeirantes célebres, como a montar guarda ao fundador da nacionalidade brasileira (D. Pedro I).

Aproveitando o fato de que são seis estas estátuas, cada uma delas simboliza uma das unidades da Federação que se destacaram do território de São Paulo.

Assim, rememoram as seguintes figuras capitais e simbólicas do bandeirantismo: Manoel da Borba Gato (Minas Gerais); Pascoal Moreira Cabral Leme (Mato Grosso); Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (Goiás); Manuel Preto (Paraná); Francisco Dias Velho (Santa Catarina); e Francisco de Brito Peixoto (Rio Grande do Sul). 241

4.4.1 Antônio Raposo Tavares

Se há um primeiro lugar nesta epopéia, Cabe a Antônio Raposo esse lugar, Que entre os vultos da heróica Paulicéia Se destaca, brilhante e singular: Bem merece, de fato, uma odisséia Esse glorioso lutador sem par, Que, espalmando em S. Paulo as asas grandes, Vai pousar no pináculo dos Andes! 242

A base histórica utilizada para erigir a mitificação

acerca de Antônio Raposo Tavares envolve a invasão e

destruição das missões jesuíticas do Guairá em 1628, com o

óbvio apresamento dos guarani; o “socorro paulista” por ele 241Ibid. p. 60. As estátuas foram executadas por Amadeu Zani, Nicolau Rollo e H. van Emelen.

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135

encabeçado ao nordeste invadido pelos holandeses; e o “périplo

portentoso” pela América do Sul 243.

O seu discurso historiográfico posiciona o “magno

sertanista” como representante da coletividade paulista (tema da

cidade) no processo de expansão para o oeste ocupado pelo

espanhol:

Esta arrancada poderosa em que toma parte a população inteira de S. Paulo, tendo à sua testa os representantes do poder municipal, enceta-se em agosto de 1629, e é sobretudo determinada pela ação de um homem que encerrava em si um prodigioso estuar de energias: Antônio Raposo Tavares. 244

O bandeirante reúne em si os anseios da

coletividade, as energias propulsoras, a inspiração da ação, a

organização da jornada, mas, para ser herói, necessita ocupar o

posto de líder. Contudo, sabemos por intermédio da

documentação jesuítica coeva, conhecida e publicada por

Taunay, que o líder da expedição foi Manuel Preto, este sim, e

não Tavares, desfrutava do posto de mestre de campo:

242CEPELLOS, B. Os Bandeirantes. Rio de Janeiro : Garnier, 1911. p. 29.

243Alfredo Ellis Júnior, o companheiro mais incisivo de Taunay na mitificação do bandeirante, após

afirmar ser Tavares “o rei do bandeirismo” e enaltecer Washington Luís, sintetiza: “Raposo Tavares, o

destruidor do Guairá, conquistador do Itatim, avassalador do Tape, como chefe dos paulistas

companheiros de Luiz Barbalho, na celebérrima retirada, e o autor do maior ciclo de devassamento de

terras americanas, dominando os Andes do Perú e da Nova Granada, e navegando as águas plácidas do

“Rio Mar”.” ELLIS JÚNIOR, A. O Bandeirismo Paulista e o Recuo do Meridiano. São Paulo : Companhia

Editora Nacional, 1934. p. 212.

244TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.

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136

Por mestre de Campo de todas estas Companhias foi Manuel Preto autor de todas estas malocas, como em seu lugar se dirá. 245

Manuel Preto grande fomentador, Autor e Cabeça de todas estas entradas, e malocas, que durante toda sua vida tem feito, levando outros muitos Portugueses, e tupis em sua companhia para trazer índios a força de armas, e agora ultimamente tem dito, que quer morrer nelas. 246

Não importa, num ato magnânimo Tavares cede o

lugar, desde sempre seu, ao companheiro mais idoso. Quanta

consideração!

É ele o inspirador do movimento, muito embora a sua mocidade. A sua recente aclimação entre os paulistas leva-o a deixar a chefia da grande entrada a um sertanista idoso coberto do maior prestígio, o velho Manuel Preto. 247

Sem qualquer sombra de dúvida estamos diante de

uma suposição, não há documentos que nos informem sobre este

gesto tão digno... A única explicação possível é que Taunay

força a interpretação da juventude de um e da velhice do outro

para sanar algo incompreensível para ele: por que o seu herói

não assumiu por inteiro a responsabilidade da missão? Mas,

enfim, Tavares com sua “formidável personalidade” e pela

relevância dos seus resultados, pode ser incluído entre “os

nossos maiores”:

245Relación de los agravios que hicieron los portugueses de San Pablo saqueando las aldeas que los

religiosos de la Compañía de Jesús tenían en la misión de Guairá y campos del Iguazú. Santos 10 de

octubre de 1629. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, segunda parte, p. 248.

246Ibid., p. 263.

247TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.

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137

Mas ele é o organizador, o responsável pelo fato que vai tornar para sempre portugueses os territórios dos nossos atuais estados do Paraná e de S. Catarina e encetar uma era de rechaço dos espanhóis do Rio Grande do Sul e da parte meridional de Mato Grosso. 248

Da sua ação resultam, portanto, a vitória sobre o

espanhol, a aquisição da mão-de-obra necessária à sobrevivência

da colônia e a conquista do território:

Foi a empresa cruel, crudelíssima mesmo, ninguém o pôde negar. Teve porém as mais notáveis conseqüências para o futuro do Brasil.

Não fora a ação de Antônio Raposo Tavares e a fronteira do Brasil seria hoje o Paranapanema com o Paraguai ou a Argentina pouco importa. E Mato Grosso também não nos pertenceria, hispanisado pelas reduções dos Itatins. 249

Este derradeiro resultado é o determinante na

mitificação de Tavares, dele advém o simbolismo do “périplo” e

do “socorro”, afinal o objetivo da História Geral não foi outro

senão “reverenciar a obra destes construtores épicos do Brasil

central e meridional” 250, por isso Tavares é o maior de todos,

porque lutou intensamente contra o jesuíta e o espanhol, porque

percorreu como ninguém a extensão de uma terra desde sempre

brasileira e porque combateu o invasor holandês.

Tamanha é a sua convicção que ele considera a

expansão vicentina fruto de um plano lógico dos paulistas:

248Ibid., p. 5.

249Ibid., p. 95.

250TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15.

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138

Completada a obra de expulsão dos espanhóis do Guairá, com a queda de Vila Rica e a evacuação de Cidade Real prosseguem os paulistas no seu plano de agressão sistematizada e tão lógico que parece obedecer ao desenvolvimento de uma ação estratégica maduramente pensada e determinada em todos os seus pormenores. 251

Vencido o grande inimigo, o espanhol e o jesuíta;

vencido o grande desafio natural, o sertão e o índio; e

confirmada a supremacia da civilização, através da “edilidade

paulistana”; configura-se o ápice da narrativa na revelação do

mito:

Chegamos com a nossa narrativa a um ponto culminante da história do bandeirantismo.

É aqui que se desenha a formidável personalidade de um sertanista cujo nome já por vezes tem figurado em nossas páginas: Antônio Raposo Tavares, verdadeiro homeríada pelo vulto das prodigiosas ações .

Fato curioso! É uma entidade de inconfundível destaque e no entanto, até 1905, viveu a sua memória envolta em profunda nebulosidade! 252

251TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 193. Jaime Cortesão, como já sublinhamos, também imagina

a expansão vicentina decorrente de um plano, português, é claro. “Para enaltecer seu esforço e bravura,

alguns historiadores brasileiros chamam a Raposo Tavares - homeríada. Seja-nos lícito fazer um reparo.

Dos heróis de Homero decorreram os horrores no Mediterrâneo, mar interior cuja maior extensão não

ultrapassa quatro mil e quinhentos quilômetros; e cujos perigos não excediam o canto das sereias e o

agitado mar entre Cila e Caríbedes, no doméstico estreito de Messina. Se temos de comparar aqueles

bandeirantes a grandes navegantes há que recorrer então aos descobridores, que afrontam os cabos das

Tormentas, que dividem os Oceanos. Como Vasco da Gama no Índico, ou Fernão de Magalhães no

Pacífico, Raposo Tavares mediu a sua grandeza pelos dois maiores padrões da Natureza no seu gênero:

os Andes e o Amazonas. Por mais a despropósito que se tenha usado e abusado das palavras,

acreditamos que a Raposo Tavares e aos seus companheiros cabe, sim, por justo título e direito, o

qualificativo mais épico, mais nobre, mais humano e mais brasileiro de Lusíadas.” CORTESÃO, J. A Maior

Bandeira do Maior Bandeirante. Revista de História, São Paulo, n. 45, 1961. p. 27. Disputa-se aqui a

mitologia mais adequada.

252Ibid., p. 69. O grifo é nosso.

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139

Se para a expedição ao Guairá a documentação é

farta, em função dos arquivos espanhóis, o mesmo não se dá

para o “socorro” e para o “périplo”. O que temos são modestas

referências ao nome de Tavares associadas aos locais por onde

teria passado ou às expedições por ele comandadas, até mesmo o

confronto para a confirmação é difícil, quanto mais porque

diversos Antônio Raposo existiram. No entanto, como a sua

busca objetiva dissipar a neblina para em seguida mitificar,

apenas simples registros são suficientes.

A autoridade no assunto, Washington Luís, em artigo

destinado a solucionar todas as controvérsias envolvendo

Tavares, a certa altura, sobre o “socorro”, expende: “Vamos,

pois, narrar a história desse socorro, conforme pudermos” 253. E

realmente só assim poderia se expressar.

Encarregado pelo rei de Espanha da recuperação de

Pernambuco, Dom Fernando de Mascarenhas, o Conde da Torre,

determinou que o capitão-mor e governador do Rio de Janeiro,

Salvador Correia de Sá e Benevides reunisse toda a gente capaz

de atuar numa guerra e que

para efeito da dita leva possa perdoar todos os crimes que lhe parecer dos moradores do sertão da capitania de S. Vicente e S. Paulo e quaisquer outros principalmente no crime das entradas do sertão. 254

Ora, disto todos sabemos e damos fé. Prepostos de

Salvador de Sá ficaram incumbidos da tarefa e as comprovações 253LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX,

1905. p. 492.

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140

surgem nas Atas da Câmara de S. Paulo , inclusive o nome de

Tavares ao lado de outros. Este é o ponto, Tavares reuniu os

homens mas não só ele, muitos mais assim fizeram porque

demandavam o perdão do “crime das entradas do sertão” e não

porque lutariam pela reintegração do território à metrópole e

muito menos ainda porque ele futuramente formaria uma grande

nação. Todavia, estas últimas conclusões são postas de lado,

esquecidas; releva-se a participação mitigando-se a motivação e

a derrota final frente aos holandeses.

Como a sustentação documental é fraca, a saída para

enaltecer o bandeirante eleito veio, sem surpresa, daquele que

no século XVIII perseguiu o mesmo objetivo: Pedro Taques 255.

E, como Washington Luís, assim procedeu Taunay ao incorporar

a tradição à historiografia:

Em 1639-40 Antônio Raposo leva ao norte um socorro de tropas paulistas, para a recuperação de Pernambuco, então em poder dos holandeses; e, em 1641, é em S. Paulo, um dos promotores da aclamação de D. João IV. 256

O “socorro” não era socorro, as tropas não

constituíram um “exército paulista”, mas integraram-se às

demais, a recuperação não se deu (em outras palavras, o

paciente “socorrido” morreu), Antônio Raposo Tavares não foi o

único chefe a conduzir os sertanistas 257 e, por fim, é pouco

254Ibid., p. 524.

255Ibid., p. 494.

256TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 70.

257Carvalho Franco afirma categoricamente que: “Não existe desse modo referência oficial de que

Antônio Raposo Tavares tivesse tomado parte no terço do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra, como

assevera Pedro Taques, e, conseqüentemente, figurando na célebre retirada desse cabo de guerra.”

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141

provável que Tavares tenha participado da aclamação porque,

como lembra Washington Luís, “parece que Azevedo Marques

(em quem Taunay se baseia) se equivocou quanto a esse fato e a

essa data”. 258

No que tange ao episódio do “périplo”, como já

dissemos, a situação não é diferente. Após ter empreendido a

destruição das missões no Guairá e no Itatim, Antônio Raposo

Tavares ausenta-se de São Paulo por quatro anos - a hipótese de

Ellis Júnior é o intervalo 1648-1652. Se, ausentou-se porque

perdeu o rumo na perseguição dos índios em fuga ou porque

partiu em busca de metais e pedras preciosas, consideramos

irrelevante para o nosso intento. Inclusive se cruzou ou não os

Andes passando por Quito, mais uma vez a querela documental é

secundária. Não resta a menor dúvida que os desafios

enfrentados pelos bandeirantes em geral foram imensos, agora

julgar que eles foram vencidos em nome de um glorioso destino

brasileiro é muito diferente. O que importa é a interpretação

promovida por Taunay da documentação específica.

Já em 1905 Washington Luís impunha restrições aos

exageros de alguns, entre eles Saint-Hilaire e Azevedo Marques,

e lembrava ser preciso contextualizar as referências ao “grande

reino do Peru” nos documentos referentes ao “périplo” 259:

FRANCO, F. de A. C. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. São Paulo : Companhia Editora Nacional,

1940. p. 81. Se confrontarmos esta citação com a de Ellis Júnior na nota número 79 perceberemos que o

último também seguiu Taques.

258LUÍS, W. Op. cit. p. 494-495.

259O autor refere-se, principalmente, à narrativa de Bernardo Pereira de Berredo: “Entrou a nova

sucessão de 1651, e no princípio dela chegaram à fortaleza de Santo Antônio do Curupá cinqüenta e

nove homens da capitania de São Paulo, com mais algum gentio, governado tudo pelo Mestre-de-Campo

Antônio Raposo (...) Perdeu-se esta tropa nos sertões de São Paulo; e não atinando com o rumo para se

recolher à capitania, vagou alguns meses por diferentes alturas, até que chegando ao grande reino do

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142

O reino do Peru, divisão administrativa dessas índias, na América, compreendia território em que se acham os Estados de Mato Grosso, Amazonas, parte dos do Pará e de Goiás. A província de Quito, subdivisão do Peru, corria no alto Amazonas.

Navegar o alto Paraguai, o Madeira, entrar a essas partes era, de acordo com a linha de marcação (Tordesilhas), penetrar em territórios do grande reino do Peru, das índias Espanholas. 260

Em suma, para W. Luís, Tavares cruzou a região

peruana e passou por “Quito” sem vencer os Andes. Taunay

sanciona as conclusões do seu incentivador oficial

transcrevendo, como de hábito, quase na íntegra, o artigo citado

sem contradizê-lo. Entretanto, passados cerca de trinta anos, ele

dispõe de novos documentos “comprovadores” e do apoio dos

seus contemporâneos.

Na documentação impressa do Registro Geral da

Câmara de S. Paulo , Ellis Júnior encontra um registro de

patente afirmando que Tavares fez uma viagem de

descobrimento de minas que durou quatro anos 261. Entre as

cartas do padre Antônio Vieira publicadas por João Lúcio de

Azevedo há uma em que, do Maranhão, informa ao Provincial da

“grande perseguição que padecem os índios pela cobiça dos

portugueses em os cativarem” e, em especial, do descaminho de

Peru, não só se viu acometida de muitos índios de cavalos, mas de bastante número de castelhanos,

assistidos também de alguns missionários da Província de Quito”. BERREDO, B. P. de. Anais Históricos

do Estado do Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo mais que nele tem sucedido

desde o ano em que foi descoberto até o de 1718. Rio de Janeiro : Tipo Editor, 198-. p. 235.

260LUÍS, W. Op. cit. p. 496-497.

261ELLIS JÚNIOR, Op. cit., p. 215.

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143

Tavares pela Amazônia 262. Vieira condena evidentemente a ação

desses homens, mas, como menciona uma “jornada do

descobrimento de Quito”, explana o encontro de castelhanos e

recolhe notícias dos percalços sofridos, Taunay considera o

relato “documento de capital importância” 263. O último dos

novos documentos foi divulgado por Paulo Prado, origina-se do

Conselho Ultramarino (1674) e diz respeito ao conflito entre os

Pires e os Camargos. A certa altura registra:

Desta vila (São Paulo) saiu o Mestre de Campo Antônio Raposo, em descobrimento dos sertões, empenhando-se de tal modo, que vindo a parar em Quito daí pelo rio das Amazonas, veio sair ao Maranhão, em cuja viagem passaram grandes trabalhos, e gastaram mais de três anos. 264

Através deste material, que confirma a “veracidade

do périplo raposiano”, Taunay pôde revalidar a mística

bandeirante na direção de Tavares. Nele sintetizou a obra

“descomunal” de construção do território nacional com fortes

cores:

Não era Antônio Raposo Tavares homem para viver na obscuridade...

Desapareceu exausto, prematuramente, pela prodigiosa consumpção de forças exigida pela sua tarefa descomunal. Deixava porém a mais veemente das instigações a que o imitasse a gente de sua grei...

E assim, sob o impulso dos temíveis homens vestidos de couro, seus êmulos e sucessores e cujo lema é: o Brasil sempre a Oeste!, recuam espavoridos os leões de Castela, recua o meridiano tordesilhano e

262AZEVEDO, J. L. de (Org.). Cartas do Padre António Vieira. Coimbra : Imprensa da Universidade,

1925. t. 1, p. 408.

263TAUNAY, A. d’E. História Geral..., t. 3, p. 301.

264Ibid., p. 303.

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144

milhões de quilômetros quadrados se adquirem para o nosso patrimônio nacional.

Os exemplos de Antônio Raposo Tavares sobremodo frutificam. Cada vez mais audazes precipitam-se as bandeiras paulistas para o âmago do Continente. 265

Os documentos trabalhados por Taunay não

permitem interpretar que os bandeirantes e seus herdeiros

tinham como lema absoluto a expansão do território. Na

realidade eles objetivavam descobrir riquezas e escravizar o

índio, por isso enfrentavam os espanhóis (donos da prata

peruana), combatiam os jesuítas (aglutinadores da mão-de-obra

vermelha) e desprezavam solenemente o meridiano demarcador

nunca demarcado. Mais ainda, se julgarmos que Tavares

“devassou” a extensão máxima possível mesmo assim ele apenas

a percorreu, errou a terra sem um plano pré-concebido, não

tomou posse e não assegurou a sua ocupação perene. O próprio

Taunay, paradoxalmente, reconhece:

O ciclo da devassa das terras e da preia pouco de si deixou na obra da definitiva configuração brasileira pelo balizamento de fronteiras por intermédio da implantação de postos avançados permanentes. Era de esperar que assim fosse, pois a natureza das suas operações implicava a prática do nomadismo.

Realmente de todo o século XVII que subsiste em matéria de sedimentação povoadora do bandeirantismo? Talvez nem meia dúzia de atalaias do sertão. 266

Da narrativa da destruição dos redutos jesuíticos, do

“socorro” a Pernambuco e do “imenso périplo” resultou, de fato,

menos a conquista e ocupação do território do que a construção

265Ibid., p. 303. As reticências são do próprio Taunay.

266TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras..., t. 2, p. 317.

Page 157: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

145

de um poderoso “exemplo”. Este, vigora no passado e frutifica

no presente, o mito do bandeirante integra uma memória erigida

para nobilitar as realizações de uma coletividade que não mais

avança sobre o continente, mas que se impõe política e

economicamente aos demais estados da federação. Eis o porquê

da contradição: o Taunay historiador, discípulo de Capistrano,

vez por outra emerge diante do seu duplo, o construtor de

memória.

4.4.2 Fernão Dias Pais

Morre! tu viverás nas estradas que abriste! Teu nome rolará no largo choro triste Da água do Guaicuí... Morre, Conquistador! Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares Subires, e, nutrindo numa árvore, cantares Numa ramada verde entre um ninho e uma flor! 267

A base histórica utilizada para erigir a mitificação

acerca de Fernão Dias Pais prende-se, essencialmente à chamada

expedição esmeraldina (1674). Em função do grande volume

documental disponível, comparativamente ao que se tem sobre

Tavares, a exposição recobriu-se de detalhes e permitiu que

Taunay escrevesse um livro inteiro a respeito do símbolo do

segundo “ciclo” da expansão vicentina. Os seus esforços para

justificar a escravização do índio - “imperativo econômico”,

“crime foi do tempo!” - ou esquecê-la, foram facilitados pelo

brilho da perspectiva da descoberta de metais e pedras

preciosas: se Tavares claramente saía de São Paulo para

267BILAC, O. O Caçador de Esmeraldas: episódio da epopéia sertanista no XVIIIo século. In: Poesias.

Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 170.

Page 158: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

146

submeter outros seres humanos, Fernão Dias partia numa

“jornada pesquisadora de minerais”.

Taunay faz de Fernão Dias um bandeirante afeito à

imagem do pesquisador e não do escravizador, quanto mais que

à época de sua grande “bandeira esmeraldina” o sertanista

encontrava-se nobremente “aposentado”:

Passaram-se os anos. Continuou Fernão Dias Pais em S. Paulo em sua grande fazenda do Capão em Pinheiros, na sua vida de grande landlord , quiçá nostálgico do sertão. 268

Todavia, quando necessitava escravizar, fazia-o com

métodos “civilizados”:

Vários anos permaneceu Fernão Dias nas regiões do sul, refere Pedro Taques, antes de trazer para S. Paulo os dóceis rebanhos de escravos vermelhos, a quem conseguira impor a sujeição por meio de processos de cordura e persuasão, a acreditarmos no que nos refere o seu biógrafo. Processos estes bem diversos dos meios geralmente empregados pelos sertanistas em relação aos homens inferiores da selva. Embora exagerados pela tradição oral ou a benevolência do linhagista, revelam, em todo caso, na alma do futuro governador das esmeraldas, sentimentos humanitários que não eram os comuns do seu tempo.” 269

Fazendeiro de grandes posses, “opulento”, na casa

dos sessenta anos, a sua jornada impressionava antes mesmo de 268TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 64. A “diferença” é destacada por Mafalda Zemella: “As

bandeiras apresadoras, de caráter belicoso, descendo o íncola para o litoral, destruindo as tribos mais

rebeldes, deixaram o sertão aberto e limpo para as pacíficas bandeiras pesquisadoras de metal.”

ZEMELLA, M. P. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo : HUCITEC;

EDUSP, 1990. p. 35. O grifo é nosso.

Page 159: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

147

acontecer. Subscrevendo um contemporâneo, Taunay vê o

prenúncio de algo significativo:

Em princípios de agosto de 1672, a 8, escreve Ellis (...):

“Já se faziam sentir em São Paulo os pródromos da grandiosa expedição de Fernão Dias a mais memorável da época”. 270

O prenúncio concretiza-se e a nostalgia finda quando

o bandeirante aceita o desafio proposto pelas autoridades. Em

carta enviada a Fernão Dias (20 de outubro de 1671), o

governador geral Visconde de Barbacena incita-o “a que

realizasse uma grande jornada de penetração nos sertões centrais

a busca de esmeraldas e prata” 271. Uma segunda correspondência

foi remetida pelo governador (19 de fevereiro de 1672) na

expectativa de já estar o bandeirante a caminho ou de volta.

Indignado, Taunay reage contra a pressa do burocrata colonial:

“Quanto açodamento! e quanta ignorância!” 272

Afinal, quem é o governador para cobrar algo de um

herói? Caberia ao sertanista a organização e o custeio da

expedição recebendo em troca o ressarcimento, títulos e mercês

caso obtivesse sucesso. Escolhido dentre muitos outros homens

do sertão, tratado com respeito e consideração pelos

governantes, partiu fielmente Fernão Dias.

269TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4,

1931. p. 109-110. O grifo é nosso.

270TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 78.

271Ibid., p. 69.

272Ibid., p. 71.

Page 160: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

148

No percurso o bandeirante enfrentou sérias

dificuldades: a falta de armas e provisões, a morte de parentes e

companheiros, as “asperezas do sertão”, a doença do seu próprio

corpo, as deserções e a traição tentada pelo filho bastardo.

Seguindo Pedro Taques, o historiador expõe minuciosamente

todos esses desafios capazes de constituir um líder sem igual,

pois só um verdadeiro herói poderia superá-los:

Exausto de recursos, vendo o desânimo absoluto em torno de si, era pelo prestígio da disciplina terrível e a constância inquebrantável ante a diversidade, que o grande sertanista mantinha a sua bandeira na sujeição. 273

Desgastado no sertão e sem nada descobrir, o

bandeirante determina à esposa que tudo vendesse para que o

montante arrecadado fosse investido na jornada, uma vez que

das autoridades régias nada esperava 274. Isolado, mas

determinado e leal, como poderia sua expedição obter resultado

negativo? Mas assim sucedeu:

Eram turmalinas, por assim dizer, desvaliosas, e não as cobiçadas esmeraldas o que o grande sertanista descobrira; a ignorância induziu-o pelo aspecto das pedras a um engano providencial que lhe encheu os últimos dias de glória e esperanças. 275

O bandeirante nada descobriu e não retornou,

simplesmente morreu ignorante no sertão. Entretanto o

historiador não se dá por rogado, ele mesmo não digere o

fracasso e precisa expandir a sua emoção pelo herói morto 273Ibid., p. 104.

274Ibid., p. 106.

275Ibid., p. 107.

Page 161: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

149

(1681). Ato contínuo, Taunay imagina como Fernão Dias

receberia um aviso de Dom Rodrigo de Castel Blanco

felicitando-o pelo achado, mas recomendando a análise das

pedras antes de noticiarem ao rei:

Como acolheria Fernão Dias Pais a proposta da demora de seu comunicado oficial da descoberta?

Suspeitoso, com certeza, muito embora viessem os acontecimentos posteriores demonstrar que a prudência recomendada por D. Rodrigo era essencial. As famosas pedras verdes que julgava esmeraldas não passavam de modestas turmalinas.

Mas a carta de D. Rodrigo já lhe não chegaria às mãos...

Tinha Fernão Dias Pais atingido a meta dos seus esforços! Estavam, a seu ver, descobertas as lavras “férteis” de esmeraldas onde a terra restituiria ao cêntuplo os esforços imensos feitos para o seu desbravamento!

Imagine-se a enorme alegria que deve ter invadido a alma do ousado septuagenário, que via coroada de tanta felicidade a sua magna empresa. E avalie-se o entusiasmo dos últimos companheiros que o seguiam através do impérvio sertão! Tivera razão o grande bandeirante!

Havia pedrarias, havia esmeraldas no bojo daquelas penedias alcantiladas, ele as pressentira e afinal viera a descobri-las!

Agora o que se precisava fazer era levar o fato ao conhecimento dos altos funcionários da colônia.

Determinara Deus ao Descobridor o termo da sua carreira. 276

Apresentamos, de novo, um momento em que Taunay

elucubra. Inconformado por não poder narrar fidedignamente o

sucesso que ele próprio havia programado para o “caçador de

esmeraldas”, emocionado com a circunstância do chamamento

de Deus - só Ele poderia convocar o Herói -, e necessitando

276TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida..., p. 165-166.

Page 162: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

150

contornar a derrota do bandeirante perante o leitor, sua única

saída é inventar uma cena na qual o herói abandona vitorioso o

campo de batalha. Todos os recursos são válidos para não

macular o mito, uma vez chegado o ponto culminante da

narrativa ele tinha que dar-se plenamente, a qualquer preço.

Vemos, uma vez mais, a memória desalojar a história. 277

Com efeito, se não descobriu nem ouro nem

esmeraldas, a expedição de Fernão Dias clareou o horizonte das

minas, sendo esta a sua única característica vitoriosa. Primeiro,

porque conduzia três outros bandeirantes que desfrutariam, em

breve e com sucesso, dos conhecimentos adquiridos na viagem

(Matias Cardoso de Almeida, Manuel de Borba Gato e Garcia

Rodrigues Pais - filho de Fernão); segundo, porque ao longo dos

seus sete anos de duração foram disseminados vários pequenos

roçados que povoaram o interior; e, por fim, estes roçados

permitiram o deslocamento inicial da população, alimentando-a,

quando da efetiva descoberta. Este balanço positivo,

compartilhado por Taunay e por Basílio de Magalhães 278, mais

tarde foi endossado por Mafalda Zemella:

O ano de 1674 é o momento culminante da bandeira pesquisadora. Foi quando entrou para o sertão a bandeira de Fernão Dias Pais, bandeira essa que abriu largamente as portas da região aurífera, facilitando o caminho para as minas, pontilhando-o de roças. 279

277Invertemos uma passagem de Nora ao dizer que “a história desaloja, ela torna sempre prosaico”.

NORA, P. Op. cit., p. XIX.

278MAGALHÃES, B. de. A Expansão Geográfica do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Epasa, 1944. p. 133-

135.

279ZEMELLA, M. P. Op. cit., p. 38.

Page 163: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

151

De fato, se o papel desempenhado por estas

“fazendolas” foi tão determinante não temos como julgar. O que

sem dúvida alguma podemos afirmar é a sua sobrevalorização,

aqui ocorre uma mudança significativa na constituição do mito

do bandeirante. Ele deixa de ser um desbravador ou escravizador

e veste a indumentária do povoador e civilizador. No primeiro

“ciclo” ocorreu a luta pela conquista do território, despovoou-

se, e Antônio Raposo Tavares foi escolhido como símbolo;

agora, no segundo “ciclo”, assiste-se ao movimento

complementar daquele plano imaginado por Taunay, repovoa-se

a terra, e Fernão Dias é o seu símbolo máximo.

Da destruição à construção, de desbravador a

civilizador, o bandeirante mitificado adapta-se aos mais

diferentes contextos, no passado ou no presente. Consciente

dessa poderosa simbologia, Taunay tudo fez para fortalecê-la e

legitimá-la na historiografia, terminando por construir a

memória bandeirante.

Page 164: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 165: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

153

Affonso d'E. Taunay reuniu ao longo da vida, em sua

obra, um conjunto de experiências passadas e contemporâneas

que desejava perpetuar no futuro. Ele pretendeu concretizar essa

meta por intermédio de um saber científico: a história. Filho de

uma família originária da França, com o pai nobilitado pelo

Império, casado numa importante família de São Paulo, diretor

de museu anos seguidos até a aposentadoria; disso resulta um

historiador que produz a partir de um universo elitista e oficial.

Entretanto, se seu discurso historiográfico expressa em parte

essa ligação, ele não é um ideólogo das classes dirigentes. No

limite, a sua obra fornece os meios - símbolos, por exemplo -

disponíveis a todo o tipo de manipulação. É o passado que mais

o interessa, lá está a vida idealizada; o presente é significativo

na medida em que o desperta para determinados temas e que

constitui-se na possibilidade de transmiti-los.

Em nossa análise do seu trabalho historiográfico

obtivemos as seguintes conclusões básicas:

— A vinculação ao historicismo romântico-erudito

permitiu-lhe acreditar numa realidade histórica dada, existente

antes mesmo da intervenção do historiador. Isto posto, bastava

ao pesquisador do passado debruçar-se intensamente sobre os

documentos e fazê-los “falar”. Quando assim procedia, aquela

realidade se apresentava viva, total, pulsante, presentificada.

Esta é a base da construção historiográfica da memória

bandeirante: a crença numa verdade histórica absoluta capaz de

ser celebrada eternamente.

Page 166: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

154

— A construção do tema das Bandeiras por Taunay

dependeu também da interseção de contribuições de Capistrano

de Abreu e Washington Luís - contemporâneos - e de Pedro

Taques, Frei Gaspar e Auguste de Saint-Hilaire. De Capistrano

obteve o saber histórico, dos demais retomou a tradição

construída no século XVIII, e, com todos nele reunidos, edificou

a memória bandeirante.

— A produção historiográfica de Taunay relativa à

expansão vicentina é um veículo (lugar) de memória porque as

palavras, os títulos, os temas e a interpretação são estruturados e

articulados para conduzirem uma mensagem simbólica que

extrapola a configuração científica da realidade histórica.

Assim construiu, o engenheiro Taunay, o edifício

historiográfico da memória bandeirante.

Page 167: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

6 . FONTES

Page 168: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

156

6.1 Obras de Affonso d'Escragnolle Taunay

* 1909

Léxico de Termos Técnicos e Científicos, São Paulo : Separata

do Anuário da Escola Politécnica de São Paulo , 154 p.

* 1910

Crônica do Tempo dos Felipes. Tours : Arrault, 368 p.

* 1911

A Missão Artística de 1816. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro , Rio de Janeiro, t. 74. p. 3-202. ([3.

ed.], Brasília : UnB, 1983. 332 p. il.)

Extrato das Viagens de François Pyrard, de Laval, relativo à

estada deste navegante no Brasil, em 1610. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo,

v. XIII, p. 341-357.

* 1913

Discurso de Posse pelo Dr. Affonso d'Escragnolle Taunay.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo ,

São Paulo, v. XVII, p. 89-91. (2. ed., São Paulo, 1943).

Page 169: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

157

Discurso Proferido pelo Orador Oficial Dr. Affonso

d'Escragnolle Taunay na Sessão Aniversaria a 1º de

novembro de 1912. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. XVII, p. 449-465.

(2. ed., São Paulo, 1943).

* 1914

Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo,

v.XVI, p. 323-344.

Discurso Proferido pelo Orador Oficial Dr. Affonso

d'Escragnolle Taunay na Sessão Magna de 1º de novembro

de 1913. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São

Paulo , São Paulo, v. XVIII, p. 549-568. (2. ed., São Paulo,

1942).

Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua

portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. 223 p. (Separata do

tomo XVI da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo).

* 1915

Pedro Taques. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo , São Paulo, v. XIX, p. 235-261. (Também no

livro de Pedro Taques: História da Capitania de São

Vicente. São Paulo : Melhoramentos, [1928]. 176 p. p. 3-

53).

Page 170: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

158

* 1916

Frei Gaspar da Madre de Deus. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro , Rio de Janeiro, t. 77, 2ª parte, 1916.

p. 419-495. (Também na: Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. XX, 1918. p. 127-

173; reproduzido, com alterações, na terceira edição do

livro de Frei Gaspar: Memórias para a História da Capitania

de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos

anos em que se descobriu o Brasil. 3. ed. São Paulo :

Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. p. 9-75).

* 1918

Inéditos de Frei Gaspar da Madre de Deus e Documentos sobre

o Historiador. Revista do Instituto Histórico e Geográfico

de São Paulo , São Paulo, v. XX, p. 187-248.

Inéditos de Pedro Taques e Documentos Inéditos Referentes ao

Autor da “Nobiliarquia”. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. XX, p. 745-790.

A Lenda de Amador Bueno; O Livro Terceiro das “Memórias

para a Capitania de São Vicente”. Revista do Instituto

Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. XX, p.

175-186. (Também na terceira edição do livro de Frei

Gaspar: Memórias para a História da Capitania de S.

Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos anos em

que se descobriu o Brasil. 3. ed. São Paulo : Weiszflog

Irmãos, 1920. 383 p. p. 76-89).

Page 171: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

159

* 1919

Na Era das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro , Rio de Janeiro, t. 84, p. 383-531. (2.

ed. [rev. aum.] São Paulo : Melhoramentos, 1922. 195 p.

il.)

* 1920

A Glória das Monções. São Paulo : Casa Editora O Livro, 42 p.

(Reeditado no livro: Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo :

Melhoramentos, [1926]. 106 p. il. p. 83-101).

S. Paulo nos Primeiros Anos (1554-1601): Ensaio de

Reconstituição Social. Tours : E. Arrault & Cia., 216 p.

* 1921

S. Paulo no Século XVI: História da Vila Piratiningana. Tours :

E. Arrault & Cia., 292 p.

* 1922

Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVI-

XVII-XVIII. 2 p. il.

Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de

uma época. Anais do Museu Paulista , São Paulo, t. 1, p. 1-

286.

Page 172: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

160

Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista

brasileira, sobretudo em S. Paulo. Anais do Museu Paulista ,

São Paulo, t. 1, primeira parte, p. 290-416.

Um Grande Bandeirante: Bartolomeu Paes de Abreu (1674-

1738). Anais do Museu Paulista , São Paulo, t. 1, primeira

parte, p. 417-528.

* 1923

Piratininga: Aspectos Sociais de S. Paulo Seiscentista. São

Paulo : Tip. Ideal; Heitor L. Canton, 173 p.

* 1924

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L.

Canton, t. 1, 370 p.

Non Ducor, Duco: Notícias de S. Paulo, 1565-1820. São Paulo :

Typ. Ideal; H. L. Canton, 186 p.

* 1925

André João Antonil (Padre João Antonio Andreoni, S. J.). Anais

do Museu Paulista , São Paulo, t. 2, primeira parte, p.63-

114.

Page 173: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

161

Frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800). Anais do Museu

Paulista , São Paulo, t. 2, primeira parte, p. 115-199.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; Heitor L.

Canton, t. 2, 379 p.

* 1926

História Seiscentista da Vila de S. Paulo (1600-1653). São

Paulo : Typ. Ideal; Heitor L. Canton, 281 p. il. t . 1.

Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 106 p. il.

Reparos ao novo dicionário de Cândido de Figueiredo. Tours :

Arrault, 111 p.

* 1927

Antigos Aspectos Paulistas. Anais do Museu Paulista , São

Paulo, t. 3, primeira parte, p. 319-371.

O Caminho entre S. Paulo e o Rio de Janeiro na Era Colonial.

Anais do Museu Paulista , São Paulo, t. 3, primeira parte,

p.195-243.

Os Despojos de Fernão Dias Paes: A Efígie do Governador das

Esmeraldas. Anais do Museu Paulista , São Paulo, t. 3,

primeira parte, p. 271-282.

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Instrução Setecentista. Anais do Museu Paulista , São Paulo, t.3,

primeira parte, p. 283-293.

J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista ,

São Paulo, t. 3, primeira parte, p. XIII-XVIII.

História Antiga da Abadia de S. Paulo (1598-1772). São Paulo :

Typ. Ideal; H. L. Canton, 267 p. il.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L.

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História Seiscentista da Vila de S. Paulo (1653-1660). São

Paulo : Typ. Ideal, t. 2, 287 p. il.

A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência

dos grandes dicionários portugueses. São Paulo, Revista do

Museu Paulista , t . 15, segunda parte, p. 275-384.

* 1928

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 4, 401 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo. São Paulo : Typ.

Ideal; Heitor L. Canton, t. 3, 306 p.

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163

A insuficiência e deficiência dos grandes dicionários

portugueses. Tours : Arrault, 159 p.

* 1929

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 5, 366 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo: escrita à vista da

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, e

estrangeiros. São Paulo: Typ. Ideal; Heitor L. Canton, t. 4,

385 p.

* 1930

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 6, 372 p.

* 1931

A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista ,

São Paulo, t. 4, p. 1-200.

Terra Bandeirante. Anais do Museu Paulista , São Paulo, t. 4,

p.325-425.

* 1932

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164

Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários

portugueses. São Paulo, Revista do Museu Paulista , t . 17.

* 1933

Visitantes do Brasil Colonial (séculos XVI-XVIII). São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 241 p. (2. ed. 1938.).

* 1936

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L.

Canton, t. 7, 377 p.

* 1937

Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo :

Imprensa Oficial do Estado, 122 p. il.

* 1939

Posse do Dr. Afonso de Escragnolle Taunay na Presidência

Honorária do Instituto: Discurso do Dr. Afonso de Taunay.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo ,

São Paulo, v. XXXVII, p. 9-14.

* 1941

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165

Ensaios da História Paulistana. Anais do Museu Paulista , São

Paulo, t. 10, primeira parte, p. 1-223.

Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil. Anais do

Museu Paulista , São Paulo, t. 10, terceira parte, p. 1-311.

* 1943

Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista , São

Paulo, t. 11, primeira parte, p. 1-217.

* 1945

Comemoração do Cinqüentenário da Solene Instituição do

Museu Paulista no Palácio do Ipiranga. Anais do Museu

Paulista , São Paulo, t. 12, quarta parte, p. 1-51.

* 1946

O Bandeirismo e os Primeiros Caminhos do Brasil. In:

TAUNAY, A. d' E., CORRÊA FILHO, V., ELLIS JUNIOR,

A. et al. Curso de Bandeirologia . São Paulo : Dep. Estadual

de Informações, 1946. 146 p. il. p. 5-28.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 8,

545+32 p.

* 1948

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166

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 9,

676 p.

* 1949

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 10,

262+396 p.

Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu Paulista ,

São Paulo, t. 13, p. 29-45.

José Ferraz de Almeida Júnior. Anais do Museu Paulista , São

Paulo, t. 13, p. 151-168.

Jubileu do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894-

1944): Discurso do Sr. Afonso de E. Taunay. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo,

v.XLIV, segunda parte, p. 147-162.

* 1950

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de

avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros,

espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 11,

313+219 p.

Page 179: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

167

* 1951

História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos,

365 p. il. (2. ed. São Paulo, 1961. 3 v.).

* 1953

João Ramalho e Santo André da Borda do Campo. São Paulo :

Revista dos Tribunais, 322 p. il.

Relatos Monçoeiros: Introdução, Coletânea e Notas de Afonso

de E. Taunay. São Paulo, Martins, 273 p. il.

Relatos Sertanistas: Coletânea, Introdução e Notas de Afonso

de E. Taunay. São Paulo, Martins, 234 p. il. (ed. Belo

Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1981.).

* 1954

História da Cidade de São Paulo. São Paulo : Melhoramentos,

272 p. il.

6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E.

Taunay

* RODRIGUES, José Honório (Org.). Correspondência de

Capistrano de Abreu. Prefácio por José Honório Rodrigues.

Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1. 446 p. il.

Page 180: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

168

6.3 Documentos Publicados por Affonso d'E. Taunay

Relacionados ao Bandeirismo

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentação Brasileira

Seiscentista: Documentação Paulista de Procedência

Baiana. São Paulo, t. 3, p. 233-318.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos Bandeirantes do

Arquivo Geral das Índias de Sevilha. São Paulo, 1931. t. 5,

parte segunda, p. 5-320.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos Paulistas do

Arquivo Geral das Índias de Sevilha. São Paulo, 1923. t. 1,

segunda parte, p. 139-442.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos sobre o

Bandeirantismo do Arquivo Geral das Índias em Sevilha.

São Paulo, 1925. t. 2, segunda parte, p. 5-334.

6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay

* ANTONIL, André João (João Antonio Andreoni, S.J.). Cultura

e Opulência do Brasil. Com um estudo bio-bibliográfico por

Affonso d'E. Taunay. [5. ed.]. São Paulo : Melhoramentos,

1923. 280p. il.

* LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. História da Capitania

de São Vicente. Com um escorço biográfico do autor por

Page 181: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

169

Affonso d'E. Taunay. São Paulo : Melhoramentos, [1928].

176 p.

* ____. Informação sobre as Minas de São Paulo : A Expulsão

dos Jesuítas do Colégio de São Paulo. Com um estudo sobre

a obra do autor por Affonso d'E. Taunay. São Paulo :

Melhoramentos, [1929]. 215 p.

* ____. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica.

Biografia do autor e estudo crítico de sua obra por Affonso

d'E. Taunay. 5. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :

EDUSP, 1980. 3 v. (1. ed. Rio de Janeiro : Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. XXXII-

XXXV, 1869-).

* MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a História

da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e

Notícias dos anos em que se descobriu o Brasil. Com um

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3. ed. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. (1. ed.

Lisboa : Academia Real de Ciências, 1797).

* MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos

históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e

noticiosos da Província de São Paulo. Prefácio por Affonso

d'E. Taunay. 5. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :

EDUSP, 1980. 2 v. (1. ed. Rio de Janeiro : Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro , 1879).

Page 182: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

170

6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas

* ANCHIETA, José de. Cartas: informações, fragmentos

históricos e sermões. Edição fac-similar da 1. ed. Belo

Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988. 258 p.

* AZPILCUETA NAVARRO, et al. Cartas Avulsas. Edição fac-

similar da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo :

EDUSP, 1988. 529 p.

* BERREDO, B. P. de. Anais Históricos do Estado do

Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e

tudo mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi

descoberto até o de 1718. 4. ed. Rio de Janeiro : Tipo

Editor, 198-. 390 p. il.

* CABEZA DE VACA, Alvar Núñes. Naufrágios. Edição,

Introdução e Notas de Trinidad Barreta. Madrid : Alianza,

1985. 181 p. il.

* LEITE, SERAFIM, S.I. Cartas dos Primeiros Jesuítas do

Brasil. São Paulo : Comissão do IV Centenário da Cidade

de São Paulo, 1954. 3 v. il.

* ____. Novas Cartas Jesuíticas: de Nóbrega a Vieira. São

Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. 344 p.

* NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil. Edição fac-similar

da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP,

1988. 258 p.

Page 183: Paulo Cavalcante Affonso d'E Taunay e a construção da memória bandeirante

171

* SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Província de São

Paulo. Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de

Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. 357 p. il.

* SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627.

Revisão de Capistrano de Abreu, Rodolfo Garcia e Frei

Venâncio Wílleke, OFM. 7. ed. Belo Horizonte : Itatiaia;

São Paulo : EDUSP, 1982. 437 p.

* SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em

1587. Edição acrescida de alguns comentários por Francisco

Adolfo de Varnhagen. 5. ed. São Paulo : Companhia Editora

Nacional; Brasília : INL, 1987. 389 p.

* VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus.

Introdução de Serafim Leite. 3. ed. Petrópolis : Vozes;

Brasília : INL, 1977. 2 v.

* VIEIRA, António. Cartas do Padre António Vieira.

Coordenadas e anotadas por J. Lúcio d'Azevedo. Coimbra :

Imprensa da Universidade, 1925-1928. 3 v.

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172

7 . BIBLIOGRAFIA

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7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho

— BURGUIÈRE, André (Org.). Dicionário das Ciências

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des Sciences Historiques .

— ELLIS, Myriam, HORCH, Rosemarie Erika. Affonso

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Conselho Estadual de Cultura, 1977. 208 p.

— FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário

da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de Janeiro : Nova

Fronteira, 19--.

— FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de

Bandeirantes e Sertanistas do Brasil: séculos XVI-XVII-

XVIII. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1989.

443 p.

— GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana.

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Janeiro: Bertrand, 1992. 554 p. il.

— LE GOFF, J., CHARTIER, R., REVEL, J. (Dir.). A Nova

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— MATOS, Odilon Nogueira de. Afonso de Taunay Historiador

de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio

Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. 267 p. il.

— MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual

Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro :

Gráfica Editora Souza, 1949. 895 p.

— SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da Lingua

Portuguesa. Edição fac-similar da 2. ed. Direcção de

Laudelino Freire. Rio de Janeiro : Litho-Typographia

Fluminense, 1922. 2 v.

— SILVA, M. C. da, BRAYNER, S. Normas Técnicas de

Editoração: teses, monografias, artigos e papers. 2. ed. Rio

de Janeiro : Editora da UFRJ, 1993. 75 p.

— VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das

Palavras, Termos e Frases. Edição crítica baseada nos

manuscritos e originais de Viterbo por Mário Fiúza. Porto :

Liv. Civilização, 1966. 2 v.

— 70 Anos da Academia Paulista de Letras. São Paulo :

Academia Paulista de Letras, 1979. 248 p. il.

7.2 Artigos e Partes de Monografias

— BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia

Einaudi: Anthropos-Homem . Tradução por Manuel

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Moeda, 1985. p. 296-332.

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— BORGES, Jorge Luis. O Tempo. In: Cinco Visões Pessoais.

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— CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Estudos

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7.3 Livros

7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico

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Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras

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— ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Tradução por

Mauro W. Barbosa de Almeida. 2. ed. São Paulo :

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Reininho. Porto : Rés-Editora, 19--. 120 p. Tradução de:

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— ____. El Mito del Estado. Tradução por Eduardo Nicol. 6.

reimp. México : Fondo de Cultura Económica, 1988. 360 p.

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