Paulo freire e a escola da ponte

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ÂNGELA TREVISOL GONÇALVES PAULO FREIRE E A ESCOLA DA PONTE: EDUCAR PARA PENSAR A PRÓPRIA EXISTÊNCIA Ângela Trevisol Um pensador comprometido com a Vida A essência de uma das grandes obras de Paulo Freire, a pedagogia do oprimido, é seu Prefácio, escrito pelo grande professor Ernani Maria Friori. O prefácio, utiliza uma linguagem não tão simples e principalmente para quem nunca sequer folheou algumas das páginas do livro ou pelo menos sabe algo sobre a pedagogia de Paulo Freire, apesar disso o que a torna tão importante é o fato dela mostrar o que realmente Freire busca com a sua pedagogia. É no prefácio que, em minha opinião deve ser lido após a leitura do livro, é possível entender o que Paulo Freire realmente queria, qual era seu propósito. Logo no início do prefácio, Friori cita Paulo Freire como pensador comprometido com a vida, que não pensa apenas ideias, mas sim, a existência. Ao longo do texto ele explica como se dá a “pedagogia do oprimido” e quais são seus objetivos. Mas o nosso foco aqui não é a visão da educação libertadora, mas sim, com o comprometimento de formar alunos “pensantes”, e não mais meros “copiadores” de uma série de palavras que muitas vezes não fazem o menor sentido para eles. Por ser comprometido com a existência, com a vida das pessoas, a pedagogia de Paulo Freire não poderia ser baseada em outra coisa senão a vidas dessas pessoas. Uma educação feita por elas, eu diria, vinda delas mesmas. E é esse o grande sentido da educação para Freire, alfabetizar para que o aluno possa escrever a sua própria vida, poder enxergá-la como nunca o fez, perceber o quanto ele mesmo sabe, e perceber tudo isso analisando sua existência, suas atitudes, a realidade ao seu redor e poder escrever a sua história. Uma passagem presente no Prefácio, que resume tudo isso, está na fala de uma mulher simples do povo que diz: “Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, percebo como vivo”. (Página 13). “É bom discutir isto por que vivo assim”, diz respeito a educação buscando a realidade como ponto de partida para a alfabetização. “Enquanto vivo, porém, não vejo”. Só é possível 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃOÂNGELA TREVISOL GONÇALVES

PAULO FREIRE E A ESCOLA DA PONTE: EDUCAR PARA PENSAR A PRÓPRIA EXISTÊNCIA

Ângela Trevisol

Um pensador comprometido com a Vida

A essência de uma das grandes obras de Paulo Freire, a pedagogia do oprimido, é seu Prefácio, escrito pelo grande professor Ernani Maria Friori. O prefácio, utiliza uma linguagem não tão simples e principalmente para quem nunca sequer folheou algumas das páginas do livro ou pelo menos sabe algo sobre a pedagogia de Paulo Freire, apesar disso o que a torna tão importante é o fato dela mostrar o que realmente Freire busca com a sua pedagogia. É no prefácio que, em minha opinião deve ser lido após a leitura do livro, é possível entender o que Paulo Freire realmente queria, qual era seu propósito.

Logo no início do prefácio, Friori cita Paulo Freire como pensador comprometido com a vida, que não pensa apenas ideias, mas sim, a existência. Ao longo do texto ele explica como se dá a “pedagogia do oprimido” e quais são seus objetivos. Mas o nosso foco aqui não é a visão da educação libertadora, mas sim, com o comprometimento de formar alunos “pensantes”, e não mais meros “copiadores” de uma série de palavras que muitas vezes não fazem o menor sentido para eles.

Por ser comprometido com a existência, com a vida das pessoas, a pedagogia de Paulo Freire não poderia ser baseada em outra coisa senão a vidas dessas pessoas. Uma educação feita por elas, eu diria, vinda delas mesmas. E é esse o grande sentido da educação para Freire, alfabetizar para que o aluno possa escrever a sua própria vida, poder enxergá-la como nunca o fez, perceber o quanto ele mesmo sabe, e perceber tudo isso analisando sua existência, suas atitudes, a realidade ao seu redor e poder escrever a sua história. Uma passagem presente no Prefácio, que resume tudo isso, está na fala de uma mulher simples do povo que diz: “Gosto de discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, percebo como vivo”. (Página 13). “É bom discutir isto por que vivo assim”, diz respeito a educação buscando a realidade como ponto de partida para a alfabetização. “Enquanto vivo, porém, não vejo”. Só é possível

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analisar a própria existência tentando enxergá-la não como protagonista, mas como observador, com os olhos do outro. “Agora sim, percebo como vivo”. É extremamente importante analisar as próprias atitudes, o que acontece ao nosso redor e como reagimos quanto a isso. Muitas vezes para poder enxergar melhor uma pintura, precisamos dar alguns passos para trás, para poder vê-la como um todo. Assim é a educação, enxergá-la como um todo, refletir sobre ela. E assim nos tornar cada vez mais críticos e compreender a vida como antes não a compreendíamos, pois estávamos próximos demais do quadro, querendo enxergar apenas à nos mesmos.

A concepção “bancária” da educação

Como já havíamos dito, Paulo Freire quer formar alunos “pensantes” e não meros “copiadores” de informações. Mas segundo um dos capítulos de seu livro “A pedagogia do oprimido”, a educação convencional é uma educação “bancária”. Isso porque nesse âmbito o educador conduz o educando à uma memorização mecânica do conteúdo. Em lugar de comunicar-se ele faz “comunicados”, não há uma intercomunicação entre aluno e professor. O autor ilustra muito bem essa concepção com a idéia de que os alunos seriam como vasilhas, vasilhas a serem preenchidas pelo educador. É como se os alunos fossem todos “vazios” e o educador o único portador do conhecimento. O melhor educador será aquele que mais preencher essas vasilhas, e o melhor educando será aquele que mais docilmente se deixará preencher.

Assim o saber seria uma doação dos que se julgam mais sábios para aqueles que julgam nada saber.

Freire defende a educação como intercomunicação. Para ele o aluno já tem o conhecimento, e o educador está lá para despertar esse conhecimento, fazer o aluno refletir. E dentro dessa intercomunicação não é apenas o aluno que aprende, o professor se torna também educando. É necessário ouvir o aluno para que ele mesmo possa se ouvir, para que ele mesmo possa escrever sua história. Mas não sozinho, nunca sozinho. Os homens se educam entre si.

Aquela velha idéia de que a melhor sala de aula é a aquela que está sempre em silêncio e seus alunos ficam de cabeça baixa copiando os textos do quadro é derrubada. A verdadeira sala de aula deve ser aquela que propõe constantes debates, em que os alunos falam, discutem, opinam. Uma sala de aula em silêncio é uma sala de aula morta. Nela não há intercomunicação, não há reflexão, não há a verdadeira aprendizagem.

Os educandos não são robôs, são seres humanos, e é preciso que como seres humanos, dotados de liberdade e do pensar reflexivo - uma das diferenças entre ele e os animais - possam ser conscientes do que estão aprendendo e para que estão aprendendo.

O DiálogoPara Freire, tão importante quanto a intercomunicação é o diálogo, pois ele

está inserido nela. Primeiramente não existe diálogo sem que exista o amor ao

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mundo e aos homens. Sem o amor não é possível a pronúncia do mundo que é um ato de criação e recriação. Por outro lado, não existe diálogo se não houver humildade. Não podemos nos sentir mais virtuosos, mais sábios ou diferentes dos outros, pois a autossuficiência é incompatível com o diálogo. Por esse motivo o educador não pode se sentir superior ao aluno, embora isso parece impossível. É uma tarefa árdua, pois ser humilde não é fácil. Colocar-se diante da perspectiva do outro é tão difícil quanto aceitar suas opiniões. Somos uma sociedade muito egoísta e orgulhosa, e educar deve ser também transformar.

É necessário poder ver os vários “eus” dentro do nosso próprio eu. Enxergar os outros e a si mesmo, construindo em comunhão a história de nossa existência. Cada um tem sua história e tem seu modo de escrevê-la, mas essa história sempre dependerá da história dos outros pois ela se constrói coletivamente, ela não é individual, mas conjunta.

A realidade

A pedagogia de Freire é uma pedagogia baseada na realidade dos educandos. Como o objetivo dessa pedagogia é fazer com que o aluno possa escrever a sua história, a sua palavra, a educação deve estar de acordo com o que vive e onde vive este aluno. O aluno, antes de ser aluno, é um ser humano, e o ser humano tem anseios, dúvidas, inseguranças, e elas devem ser tratadas em sala de aula. Como sabemos, cada comunidade possui a sua cultura, o seu povo, seu cotidiano, seus hábitos, suas crenças, sua realidade. E trazer essa realidade, que é única e diversa, é fazer da sala de aula não um lugar à parte mas um espaço de integração e de continuidade da vida dos alunos. É necessário que o aluno sinta-se confortável e familiarizado com o que ele verá, ele aprenderá coisas novas, é claro, mas que essas coisas novas venham com propósitos para ele, como modos de crescimento, não superficiais e sim reais.

Para a alfabetização, Freire utiliza as chamadas “Palavras geradoras”. Essas palavras servirão de base para o aprendizado dos alunos. Essas palavras devem ter o máximo de polivalência fonêmica, e devem ser retiradas do próprio universo vocabular dos alfabetizandos. As palavras geradoras são pesquisadas com os alunos. Assim, para o camponês, as palavras geradoras poderiam ser enxada, terra, colheita, etc.; para o operário poderia ser tijolo, cimento, obra, etc.

O aluno sabe, sim!!!

Após conhecermos um pouco da pedagogia de Paulo Freire, percebemos que para ele o educando vai aprender e ensinar, com os colegas como os professores, todos aprenderão juntos, em comunhão. A educação seria uma espécie de parto. O educando, como a mãe, já possui o filho dentro de si, e o educador seria uma espécie de parteira, para dar a luz a esse conhecimento, ser um orientador desse educando, mostrar-lhe o caminho mas deixar que ele mesmo possa caminhar, e com seus próprios passos escrever a sua história.

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O aluno sabe sim! Ele não é vazio, não é um vasilha a ser preenchida pelo professor. A aprendizagem deve vir de dentro para fora, deve nascer de cada ser.

Escola da Ponte (Uma idéia que deu certo)

A Escola da Ponte é uma instituição pública de ensino localizada em Portugal, no distrito do Porto, e dirigida pelo educador, especialista em música e em leitura e escrita, José Pacheco.

Na escola da Ponte, cada aluno e a maioria dos orientadores educativos são responsáveis por algum aspecto do funcionamento da escola e estes últimos acompanham todos os educandos. Para que eles próprios possam descobrir o sentido desse estudo.. A comunhão a qual havíamos falado anteriormente, esta presente na sala de aula, uma vez que o estudo é feito em grupos e em duplas.

Os alunos podem escolher o que estudar e com quem, e podem solicitar a ajuda de um professor. O educador, porém, se responsabiliza apenas por orientar a pesquisa, que é feita, predominantemente, em livros e na Internet. O educador aqui é apenas um monitor, ele não sabe mais do que o aluno, o aluno tem um grande autonomia.

Lá os alunos tem a caixinha de segredos, onde deixam recados, pedidos de ajuda, desabafos. Isso leva muito em conta a intercomunicação e a realidade de vida desses alunos.

O aluno do Núcleo da Iniciação, primeira dos três ciclos da escola, é trabalhado a fim de aprender a: ser pontual, assíduo e zeloso por seus materiais e colegas; a cumprir suas tarefas, pedindo auxílio ao professor só quando realmente precisar; desenvolver sua criatividade e participação, com intervenções pertinentes; elaborar e atualizar seu plano de estudo; reconhecer suas falhas e acertos, nas auto-avaliações; pesquisar, resolver conflitos e se comunicar – oralmente e por escrito – de forma clara e coerente.

Desenvolvendo bem as atividades de grupo, pesquisa e auto-avaliação, a criança passa para o Núcleo da Consolidação, procurando cumprir o currículo nacional destinado ao primeiro ciclo do ensino básico de forma autônoma, consolidando suas competências desenvolvidas na primeira fase.

No terceiro e último núcleo, o do Aprofundamento, os alunos trabalham os conteúdos do segundo ciclo do ensino básico. Eles possuem total autonomia de seu tempo na escola, mas devem participar das aulas de educação física e de laboratório e podem fazer parte de projetos de extensão e de pré-profissionalização.

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Mas não é apenas em Portugal que temos esse bom exemplo de escola. Aqui no Brasil existe a Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, localizada na cidade de São Paulo, que, desde 2004, implementou um projeto democrático, e para a Escola Municipal Presidente Campos Sales, também em São Paulo, que começou mais recentemente, em 2008. Nestas, também, as crianças buscam sua autonomia, desenvolvendo o aprendizado por meio de projetos, com os professores – não só um no mesmo espaço - atuando como auxiliares.

Pensar a própria existência, o sentido da vida

Ao fim de tudo percebemos que a educação deve ter um sentido, e esse sentido é pensar a própria existência. Quantos anos de nossas vidas passamos decorando um mundo de fórmulas e de regras que não nos ajudaram em nada?A educação acaba tendo como finalidade apenas tornar os alunos capazes de passar em provas e em concursos, como se o aluno fosse um objeto, uma calculadora que faz cálculos inimagináveis, ou uma máquina de escrever que desatina a escrever palavras difíceis que na realidade não querem dizer nada.

Qual o sentido em passar tantos anos sentado em uma classe, aprendendo datas, decorando a tabuada, cantando musiquinhas para colocar na cabeça todos aqueles nomes de estados e suas capitais. Qual o sentido? O que realmente importa? Sejamos sinceros com nós mesmos. Será que o desinteresse dos alunos não é motivado pelo fato de que não usam o conhecimento que aprendem na escola. Quem nunca ouviu de um aluno a seguinte frase: “Para que eu estou aprendendo isso, se nunca vou usá-lo na minha vida?”

Mas não vamos entender errado. Em nenhum momento eu quis dizer que não devemos mais ensinar a matemática aos nossos alunos, ou a história, ou o português etc, mas sim precisamos rever o modo como estamos transmitindo esse conhecimento a esses alunos. Não podemos mais acreditar no fato de que todos os alunos são um bando de vagabundos que não querem nada com nada. O aluno não é mais um ignorante, ele deve ser ouvido e deve ser questionado. Por que estamos aprendendo isso? Para que vamos precisar disso? São perguntas muito freqüentes, pois a criança e o jovem, sabem muito bem que cada um vive sua vida com um propósito, e estudar algo sem sentido é tornar também parte de sua vida sem sentido. E é impossível escrever a sua própria vida se não é possível entendê-la, se ela não fizer um sentido.

A escola da ponte é um grande exemplo de uma educação transformadora, de uma educação com propósitos. Lá os alunos têm completa autonomia, constroem o próprio conhecimento e com certeza crescem sendo homens e mulheres muito mais sábios.

Todos os conteúdos aprendidos pelo aluno devem ser baseados na realidade. É uma tarefa dificílima, eu sei, nós sabemos. Mas é uma mudança necessária. A partir dessa mudança, o aluno se encontrará não mais perdido e sim vivendo o que está aprendendo e aprendendo o que está vivendo.

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Referências bibliográficas:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 10ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981

http://educador.brasilescola.com/gestao-educacional/escola-ponte.htm

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