Paulo Kanap - Terapia Cognitivo Comportamental cap. 1

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Parte 1 FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS

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Capitulo 01 do livro Terapia Cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos. Paulo Kanap

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  • Parte

    1

    FUNDAMENTOS CIENTFICOS

  • Princpios fundamentais da

    terapia cognitiva

    PAULO KNAPP

    1

    O que perturba o ser humano no so os fatos, mas

    a interpretao que ele faz dos fatos.

    Epitectus Sculo I

    Neste captulo abordaremos os princ-

    pios tericos e prticos essenciais da tera-

    pia cognitiva (TC), os fundamentos da con-

    ceitualizao cognitiva, a incorporao dos

    princpios cognitivos na estrutura da sesso

    e a utilizao adequada dos mtodos de in-

    terveno; terminaremos relacionando al-

    guns mitos e concepes equivocados acerca

    da terapia cognitiva.

    O modelo que iremos adotar neste ca-

    ptulo o de Aaron Beck, um psiquiatra com

    formao psicanaltica tradicional que desen-

    volveu e cunhou o termo terapia cognitiva

    no incio dos anos 1960, na Filadlfia, onde

    ainda trabalha. As idias e os conceitos aqui

    apresentados derivam de textos encontrados

    na literatura de autores como Aaron e Judith

    Beck, Leahy, Dobson, Neenan e Dryden, Free-

    man e vrios outros. Apesar da tentativa de

    ser fiel aos textos originais, neste captulo

    muitas vezes transparece uma forma indivi-

    dual e especfica de pensar e agir no proces-

    so teraputico, advinda da prtica clnica do

    autor.

    Terapia cognitivo-comportamental um

    termo genrico que abrange uma variedade

    de mais de 20 abordagens dentro do mode-

    lo cognitivo e cognitivo-comportamental

    (Mahoney e Lyddon, 1988). Os primeiros es-

    critos importantes e as primeiras abordagens

    cognitivo-comportamentais para o tratamen-

    to dos transtornos emocionais comearam a

    surgir nos anos 1960 e 1970 com autorescomo Aaron Beck (1963,1967; Beck et

    al.,1979), Albert Ellis (1962), Lazarus (1966),

    Meichenbaum (1973) e Mahoney (1974), en-

    tre outros.

    Todas as terapias cognitivo-comporta-

    mentais derivam de um modelo cognitivo pro-

    totpico e compartilham alguns pressupostos

    bsicos, mesmo quando apresentam diferen-

    tes abordagens conceituais e estratgicas nos

    diversos transtornos. Trs proposies funda-

    mentais definem as caractersticas que esto

    no ncleo das terapias cognitivo-comporta-

    mentais (Dobson, 2001):

    1. A atividade cognitiva influencia o compor-

    tamento.

    2. A atividade cognitiva pode ser monitora-

    da e alterada.

    3. O comportamento desejado pode ser in-

    fluenciado mediante a mudana cogni-

    tiva.

    O desenvolvimento da terapia cogniti-

    va se deu em um momento histrico em que

    as abordagens dominantes eram a psicanli-

    se, o behaviorismo e, em menor escala, o hu-

  • 20 Paulo Knapp & colaboradores

    manismo (Dobson, Backs-Dermott, Dozois,

    2000). Algumas caractersticas diferenciam a

    escola cognitiva e seu mtodo teraputico.

    Contrariamente escola psicanaltica, por

    exemplo, o material trazido consulta no

    interpretado pelo terapeuta, mas elaborado

    em conjunto com o paciente num trabalho

    de identificar, examinar e corrigir as distor-

    es do pensamento que causam sofrimen-

    to emocional ao indivduo. A TC focaliza seu

    trabalho em identificar e corrigir padres de

    pensamento conscientes e inconscientes

    (que no esto imediatamente acessveis

    conscincia). O levantamento das possveis

    hipteses de por que as coisas na vida do

    paciente so como so e a testagem empri-

    ca quanto acurcia e/ou validade de cada

    uma dessas hipteses fazem parte do pro-

    cesso teraputico. Diferente do comporta-

    mentalismo, que enfatiza o determinismo

    ambiental, a TC prope que a testagem da rea-

    lidade seja dirigida ao pensamento do pacien-

    te, e no a seu comportamento encoberto.

    A abordagem beckiana, originalmente

    desenvolvida para o tratamento da depres-

    so unipolar (Beck, 1967), aplicada hoje em

    uma grande variedade de transtornos e po-

    pulaes, incluindo transtornos de ansieda-

    de (Beck, Emery, Greenberg, 1985; Clark,

    1989; Salkovskis e Kirk, 1989), dependnci-

    as qumicas (Beck et al., 1993), transtornos

    da personalidade (Beck et al., 1990), trans-

    tornos alimentares (Fairburn, 1997), transtor-

    no bipolar (Basco e Rush, 1996; Newman et

    al., 2002), casais (Dattilio e Padesky, 1990) e

    famlias (Dattilio, 1998), crianas e adoles-

    centes (Reinecke, Dattilio, Freeman, 1996),

    entre outros.

    PRINCPIOS TERICOS

    O modelo cognitivo de psicopatologia

    A terapia cognitiva baseia-se na premissa de

    que a inter-relao entre cognio, emoo ecomportamento est implicada no funciona-mento normal do ser humano e, em espe-

    cial, na psicopatologia. Um evento comum

    do nosso cotidiano pode gerar diferentes

    formas de sentir e agir em diferentes pes-

    soas, mas no o evento em si que gera as

    emoes e os comportamentos, mas sim o

    que ns pensamos sobre o evento; nossas

    emoes e comportamentos esto influen-

    ciados pelo que pensamos. Ns sentimos o

    que pensamos (Burns, 1989). Os eventos ati-

    vam os pensamentos, os quais geram, como

    conseqncia, as emoes e os comporta-

    mentos. Segundo Beck (1976), quando o in-

    divduo capaz de preencher o espao fal-

    tante entre um evento ativador e as conse-

    qncias emocionais e comportamentais, en-

    to suas reaes se tornam compreensveis.

    Exemplificando, se um fbico social interpre-

    ta uma situao qualquer (um evento social,

    digamos) como uma possvel ameaa (no

    saberei o que falar e serei humilhado), con-

    seqentemente ir sentir emoes (ansieda-

    de, medo) e ter um comportamento (esca-

    par do evento), alm de possveis reaes fsi-

    cas, como aumento dos batimentos cardacos.

    Na Figura1.1, apresentaremos o modelo

    cognitivo de forma esquemtica.

    Outra premissa tem como base a obser-

    vao de que as distores do pensamento,

    isto , as distores cognitivas, so bastanteprevalentes em diferentes transtornos. Dis-

    tores cognitivas so vieses sistemticos na

    forma como indivduos interpretam suas ex-

    perincias. Se a situao avaliada erronea-

    mente, essas distores podem amplificar o

    impacto das percepes falhas. As distores

    cognitivas podem levar o indivduo a conclu-

    ses equivocadas mesmo quando sua percep-

    o da situao est acurada. O objetivo da

    terapia cognitiva corrigir as distores do

    pensamento.

    Mas a TC no um modelo linear em que

    as situaes ativam pensamentos, que geram

    uma conseqncia com resposta emocional,

    comportamental e fsica. H uma interao re-cproca de pensamentos, sentimentos, compor-tamentos, fisiologia e ambiente. reconheci-

    do que as emoes podem influenciar os pro-

    cessos cognitivos e que os comportamentos

    tambm podem influenciar a avaliao de uma

    situao pela modificao da prpria situao

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 21

    ou por evocar respostas de outras pessoas

    (Freeman et al., 1990).A mudana em qualquer um desses com-

    ponentes pode iniciar modificaes nos de-

    mais. Usualmente, o trabalho da TC inicia com

    a avaliao e modificao dos pensamentos,

    porque a alterao destes pode gerar um im-

    pacto em todos os outros componentes; po-

    rm, h situaes, como na depresso severa,

    em que a primeira abordagem a ativao com-

    portamental, ficando o trabalho cognitivo para

    mais adiante no processo teraputico.

    O processamento de informaes, tantoconsciente quanto inconsciente, refere-se

    transformao, governada por regras, das re-

    presentaes mentais. Fundamentada no mo-

    delo de processamento de informaes, a abor-

    dagem beckiana prope que, nos problemas

    psicolgicos, o pensamento do indivduo tor-

    na-se no somente mais distorcido, como tam-

    bm mais rgido; os julgamentos tornam-se ab-

    solutos e generalizados; e suas crenas funda-

    mentais, mais inflexveis (Weishaar, 1993). Por

    conseguinte, um dos trabalhos bsicos da TC

    no s ensinar o paciente a identificar, exa-

    minar e modificar as distores do pensamen-

    to para retomar um processamento de infor-

    maes mais preciso, mas torn-lo mais flex-

    vel e no-absoluto na avaliao dos eventos

    (Neenan e Dryden, 2000).Na hiptese da especificidade de contedo,

    Beck e colaboradores (1987) propem que os

    transtornos emocionais tm um contedo cog-

    nitivo especfico, ou seja, uma temtica pr-

    pria de cada transtorno. Por exemplo, a tem-

    tica em torno da desvalorizao e da perda se-

    ria prpria da depresso; perigo e ameaa se-

    riam a temtica encontrada na ansiedade; pe-

    rigos especficos situacionais, nas fobias; intru-

    so de pensamentos involuntria e ameaado-

    ra, na parania; e assim por diante (Quadro 1.1).

    O interjogo de vrios fatores genticos,

    ambientais, culturais, fsicos, familiares, de

    desenvolvimento e personalidade predispe

    o indivduo vulnerabilidade cognitiva. As inte-raes e interfaces de todos esses fatores en-

    tram em jogo na formao das crenas e dos

    pressupostos idiossincrticos de si mesmo,

    das pessoas e do mundo, determinando quais

    eventos de vida iro acionar reaes mal-adap-

    tativas.

    Beck e colaboradores (1987) descreveram

    dois tipos de personalidade a do tipo sociotr-pico e a do tipo autnomo que so influencia-das de formas diferentes no surgimento dos

    transtornos emocionais. A orientao de per-

    FIGURA 1.1 Modelo cog-nitivo.

    Crenas nucleares

    Pressupostos subjacentes

    Pensamentosautomticos

    Situao Reaes

    Emocional

    Comportamental

    Fsica

  • 22 Paulo Knapp & colaboradores

    sonalidade sociotrpica valoriza relaes inter-

    pessoais ntimas e dependente de gratifica-

    es sociais, com nfase em ser aceito e ama-

    do pelos outros. J a orientao de personali-

    dade autnoma reflete um alto investimento

    em independncia pessoal, obtendo sua satis-

    fao na liberdade de escolha, conquistas e

    aquisio pessoal (Blackburn e Twaddle, 1996).

    Um indivduo com boa sade mental re-

    fletiria uma combinao equilibrada dos dois

    tipos de personalidade, pois tanto os altamen-

    te sociotrpicos quanto os exageradamente

    autnomos tm maior vulnerabilidade para

    problemas emocionais, por razes diferentes.

    As pessoas sociotrpicas esto mais propen-

    sas a desenvolver depresso, por exemplo,

    quando percebem uma perda na interao so-

    cial; j o indivduo autnomo pode ficar depri-

    mido numa situao de perda de independn-

    cia pessoal, controle ou mobilidade (Beck et

    al., 1987).

    Beck tambm sugere que h um continuumentre as reaes emocionais/comportamentais

    normais e as exageradas encontradas nos

    transtornos emocionais (Weishaar, 1993). Rea-

    es emocionais normais e exageradas foram

    classificadas por Beck e colaboradores (1979),

    respectivamente, em pensamento maduro (fle-

    xvel) e pensamento primitivo (absoluto). Ex-

    plicar ao paciente o continuum das reaes cog-nitivo-emotivo-comportamentais aos eventos

    da vida ajud-lo a normalizar o que ele sen-

    te (Padesky e Greenberger, 1995).

    A estrutura organizacional do pensamento

    A TC identifica e trabalha trs nveis de cogni-

    o (Figura 1.2): pensamentos automticos (PA),

    pressupostos subjacentes e crenas nucleares.

    Todos ns temos crenas, pressupostos e PA

    tanto positivos quanto negativos, mas normal-

    mente, quando falamos nesses conceitos, es-

    tamos nos referindo aos disfuncionais.

    Crenas nucleares

    Crenas nucleares (core beliefs) so as nossasidias e conceitos mais enraizados e fundamen-

    tais acerca de ns mesmos, das pessoas e do

    mundo. As crenas so incondicionais, isto ,independente da situao que se apresente ao

    indivduo, ele ir pensar do mesmo modo con-

    soante com suas crenas.

    As crenas nucleares vo se construindo

    e formando desde as experincias de aprendi-

    zado mais primevas e se fortalecem ao longo

    da vida, moldando a percepo e a interpreta-

    o dos eventos, modelando o nosso jeito psi-

    colgico de ser. No caso de no haver aes

    QUADRO 1.1 Perfil cognitivo dos transtornospsiquitricos

    Depresso Viso negativa de si, dos outros edo futuro.

    Hipomania ou episdios manacos Viso infla-da de si, dos outros e do futuro.

    Comportamento suicida Desesperana e con-ceito autodesqualificador.

    Ansiedade generalizada Medo de perigos fsi-cos ou psicolgicos.

    Fobia Medo de perigos em situaes especfi-cas, evitveis.

    Pnico Medo de um perigo fsico ou mental imi-nente.

    Estado paranide Viso dos outros como ma-nipuladores e mal-intencionados.

    Transtorno conversivo Idia de anormalidademotora ou sensria.

    Transtorno obsessivo-compulsivo Pensamentoscontinuados sobre segurana; atos repetitivospara precaver-se de ameaas.

    Anorexia ou bulimia Medo de ser gordo e no-atraente.

    Hipocondria Preocupao com doena insi-diosa.

    FIGURA 1.2 Nveis de cognio.

    Pensamentos automticos

    Crenas subjacentes(Pressupostos e regras)

    Crenas nucleares(Esquemas)

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 23

    corretivas das crenas nucleares disfuncionais,

    o indivduo ir cristaliz-las como verdades ab-

    solutas e imutveis. Para alcanar mudanas du-

    radouras na psicopatologia do indivduo, as

    crenas nucleares disfuncionais devem ser

    modificadas; e este o objetivo ltimo da te-

    rapia cognitiva.

    Judith Beck (1995) props que as crenas

    nucleares disfuncionais podem ser colocadas

    em dois grandes agrupamentos, expandidos

    agora para trs. A seguir, alguns exemplos:

    1. Crenas nucleares de desamparo (Helpless-ness):Crenas sobre ser impotente, frgil, vul-

    nervel, carente, desamparado, necessi-

    tado.2. Crenas nucleares de desamor (Unlovability):

    Crenas sobre ser indesejvel, incapaz de

    ser gostado, incapaz de ser amado, sem

    atrativos, imperfeito, rejeitado, abando-

    nado, sozinho.

    3. Crenas nucleares de desvalor (Unworthiness)Crenas sobre ser incapaz, incompeten-

    te, inadequado, ineficiente, falho, defei-

    tuoso, enganador, fracassado, sem valor.

    Os indivduos tambm tm crenas nu-

    cleares disfuncionais acerca dos outros (p. ex.,

    as pessoas so ms, desleais, traioeiras, s

    querem se aproveitar, tirar vantagens, etc.) e a

    respeito do mundo (p. ex., o mundo injusto,

    ameaador, perigoso, etc.) (J. Beck, 1995). As

    crenas nucleares so mais abstratas e gerais,

    constituindo um nvel mais aprofundado de re-

    presentao dos pensamentos.

    As crenas nucleares disfuncionais so

    absolutistas, generalizadas e cristalizadas; po-

    dem permanecer latentes todo o tempo, sen-

    do ativadas nos transtornos emocionais. Com

    a ativao, o processamento de informao

    torna-se tendencioso, no sentido de extrair da

    realidade apenas as informaes que confir-

    mam a crena disfuncional, negligenciando ou

    minimizando as informaes que possam des-

    confirmar as evidncias contrrias. Uma vez

    passado o desequilbrio emocional pela cor-

    reo das crenas disfuncionais ou pela supres-

    so dos fatores precipitantes (p. ex., o indiv-

    duo que fora despedido do emprego foi convi-

    dado para trabalhar em outra empresa) , as

    crenas podem retornar ao seu estado de la-

    tncia e somente ressurgir quando e se ocor-

    rerem situaes semelhantes no futuro. Nos

    traos e transtornos da personalidade, no en-

    tanto, os indivduos tm suas crenas disfun-

    cionais ativadas na maior parte do tempo.

    Esquemas

    Na literatura, os conceitos de crenas nuclea-

    res e esquemas com freqncia so usados

    indistintamente, mas aqui, pelo propsito cl-

    nico, optaremos pela diferenciao: esque-

    mas so estruturas, crenas so o contedo

    dos esquemas.

    A idia de esquema foi introduzida por

    Bartlett h cerca de 80 anos, expandida por

    Piaget nos anos 1930 e usada extensivamen-

    te pela psicologia cognitiva e social nos anos

    1970 (Leahy, 1997). Beck (1964, 1967) utili-

    zou no apenas o termo esquema, mas tam-

    bm o conceito que fora desenvolvido, defi-

    nindo:

    Esquemas so

    estruturas internas de relativa durabilida-

    de que armazenam aspectos genricos ou

    prototpicos de estmulos, idias ou ex-

    perincias, e tambm organizam informa-

    es novas para que tenham significado,

    determinando como os fenmenos so

    percebidos e conceitualizados.

    Esquemas so estruturas cognitivas com

    contedos (crenas). Como estruturas men-

    tais que

    contm armazenadas as representaes

    de significados, esquemas so fundamen-

    tais para orientar a seleo, codificao,

    organizao, armazenamento e recupera-

    o de informaes de dentro do aparato

    cognitivo. Alm do mais, esquemas tm

    uma estrutura interna consistente que

    ordena novas informaes que entram no

    sistema cognitivo. (Williams, 1997)

  • 24 Paulo Knapp & colaboradores

    Portanto, o contedo dos esquemas so

    as representaes internas (crenas) abstradas

    dos dados recebidos do sistema de processa-

    mento de informaes, que provem a base

    para a interpretao das experincias de vida.

    O esquema d experincia sua forma e signi-

    ficado e tambm prov a estabilidade (estru-

    tura) dos sistemas cognitivo, afetivo e compor-

    tamental ao longo do tempo e dos eventos

    (Clark, Beck, Alford, 1999).

    Correlacionados com os esquemas cogniti-

    vos, temos os esquemas afetivo, fisiolgico, com-

    portamental e motivacional, os quais correspon-

    dem a diferentes funes ou aspectos do siste-

    ma biopsicossocial do organismo e tambm es-

    to em constante operao na estrutura mental

    do indivduo (Beck, 1996; Beck et al., 1990; Cla-

    rk, Beck, Alford, 1999). Alm do contedo, os

    esquemas tm uma variedade de propriedades

    ou caractersticas: carga (valncia afetiva) maior

    ou menor, tamanho (mais amplo ou mais estrei-

    to), flexibilidade ou rigidez. Portanto, temos es-

    quemas com contedos acerca de todas as coi-

    sas, nossas e das outras pessoas, de todas as

    emoes (apaixonar-se bom ou, ao contr-

    rio, paixo traz sofrimento), da realidade fsica

    (gosto quando faz frio ou detesto frio), de

    cadeiras e sapatos, de comidas e viagens (adoro

    conhecer lugares exticos ou em viagem no

    gosto de passar trabalho), enfim, de tudo. Des-

    critos de forma simples, esquemas so padres

    ordenadores da experincia que ajudam os indi-

    vduos a explic-la, mediar sua percepo e guiar

    suas respostas (Young, Klosko, Weishaar, 2003).

    A arquitetura dos esquemas faz o indivduo ser

    como .

    Young, Klosko e Weishaar (2003) desen-

    volveram o conceito de esquemas primitivos mal-adaptativos, definidos como

    um padro abrangente e pervasivo, com-

    posto de cognies, emoes, memrias e

    sensaes corporais, em relao a si mes-

    mo ou na relao com os outros, desenvol-

    vido durante a infncia ou adolescncia,

    elaborado ao longo do curso da vida, e dis-

    funcional em um grau significativo.

    Segundo os autores, esquemas mal-adap-

    tativos so:

    1. Verdades a priori acerca de si mesmo e/ou do ambiente.

    2. Resistentes mudana, pois h uma cren-

    a associada de que impeditivo mudar.

    3. Ligados a altos nveis de afeto, quando

    ativados.

    4. Freqentemente desencadeados por algu-

    ma mudana ambiental, como perda de

    um emprego ou o fim de um relaciona-

    mento.

    5. Geralmente resultantes de uma interao

    do temperamento inato da criana com

    experincias de desenvolvimento disfun-

    cionais com pessoas significativas.

    6. Autoperpetuveis.

    Os esquemas primitivos mal-adaptativos

    perpetuam-se por trs formas principais

    (Young, Klosko, Weishaar, 2003):

    Manuteno do esquema: pensar e se com-portar de maneiras que reforam o esque-

    ma. Acontece nos casos de profecia au-

    toconfirmatria: a pessoa tem um esque-

    ma relacionado com, digamos, ser aban-

    donada; acaba agindo de uma forma que

    provoca os outros a abandonarem-na,

    confirmando, assim, sua profecia de que

    seria abandonada.

    Evitao do esquema: procurar maneiras deevitar a ativao dos esquemas e o sofri-

    mento associado. Exemplo: com o esque-

    ma de ser vulnervel, o indivduo tenta

    manter controle obsessivo sobre as coisas.

    Compensao do esquema: agir aparentemen-te de forma a contradizer o esquema. Exem-

    plo: com o esquema de ser inadequado (e,

    portanto, incapaz de ser amado), o indiv-

    duo acaba se relacionando com muitas mu-

    lheres (mas com nenhuma integralmente).

    Pressupostos subjacentes

    So construes cognitivas disfuncionais, sub-

    jacentes aos pensamentos automticos. So

    regras, padres, normas, premissas e atitudes

    que adotamos e que guiam a nossa conduta.

    Pressupostos subjacentes tambm chamados

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 25

    pressupostos condicionais, crenas subjacen-

    tes ou crenas intermedirias (J. Beck, 1995)

    so transituacionais, encontram-se presentes eminmeras, se no em todas, situaes existenciais.

    Os pressupostos so crenas normalmente

    identificadas quando na forma condicional (Se...,

    ento...). Essas crenas pressupem que, desde

    que determinadas regras, normas e atitudes se-

    jam cumpridas (p. ex., Se eu fizer o que os ou-

    tros esperam, ento iro gostar de mim), no

    haver problemas, e o indivduo se mantm rela-

    tivamente estvel e produtivo (Fennell, 1997). No

    entanto, se, por alguma circunstncia (p. ex., per-

    da de emprego), os pressupostos (p. ex., Devo

    sempre sacrificar-me pelo bem-estar dos outros)

    no esto sendo cumpridos, o indivduo torna-

    se vulnervel ao transtorno emocional quando

    as crenas nucleares negativas (p. ex., Sou um

    fracassado, incapaz de ser amado) so ativadas.

    As regras so usualmente expressas na

    forma de afirmaes do tipo tenho que,

    devo: Tenho que ser perfeito em tudo o

    que fao; No devo me mostrar como sou,

    pois vero que sou incompetente. Embora

    o indivduo construa e mantenha os pressu-

    postos subjacentes como tentativa de lidar

    com suas crenas nucleares disfuncionais,

    eles as acabam confirmando e reforando.

    Estratgias de enfrentamento ou estratgiascompensatrias (J. Beck, 1995) so os compor-tamentos que o indivduo utiliza na tentativade lidar com suas crenas. Esses comportamen-

    tos de enfrentamento tm correlao direta

    com as regras e os pressupostos disfuncionais

    e tambm acabam por reforar ainda mais as

    crenas. Os pressupostos condicionais mode-

    lam a relao entre as estratgias comporta-

    mentais e as crenas nucleares.

    Para exemplificar, podemos imaginar que

    um indivduo fbico social com a crena nuclear

    Sou incapaz de ser amado tem o pressuposto

    muito perigoso interagir com as pessoas, pois

    elas no iro gostar de mim e a regra Para no

    ter problemas, eu no devo interagir com as pes-

    soas. Sua provvel estratgia de enfrentamento

    ser no se expor a alguma situao em que a

    interao social seja necessria. Falando com a

    terminologia cognitiva, o paciente diria algo

    como: Se eu me engajar em minha estratgia

    compensatria, estarei bem; se no, minha cren-

    a nuclear ficar evidente ou se mostrar verda-

    deira. Portanto, se eu me afastar dos outros, eles

    ficaro longe e no tentaro me fazer mal, caso

    contrrio, eles iro me machucar.

    Pensamentos automticos

    A todos ns ocorrem milhares de pensamen-

    tos diariamente, a grande maioria dos quais

    no percebida conscientemente, pois acon-

    tece de forma rpida, involuntria e automti-

    ca (da o nome). Pensamentos automticos que

    so exagerados, distorcidos, equivocados, irre-

    alistas ou disfuncionais tm um papel importan-

    te na psicopatologia, porque moldam tanto as

    emoes como as aes do indivduo em respos-

    ta aos eventos da vida. A modificao de PA me-

    lhora o humor do paciente, j a modificao

    da crena nuclear melhora o transtorno.

    Pensamentos automticos so situao-especficos, podendo ser ativados por even-tos externos (por exemplo, estar esperando

    um telefonema) ou eventos internos (por

    exemplo, lembrar-se de algo). PA so as cog-

    nies mais fceis de acessar e modificar,

    porm podem no ocorrer em forma de pen-

    samento, mas em forma de imagens. Quan-

    do o paciente encontra dificuldades de iden-

    tificar seus PA, a forma de evoc-los por

    aquilo que pode estar imaginando (isto ,

    pensando em imagens); por exemplo, um in-

    divduo, ao ser convidado para dar uma pa-

    lestra, tem a imagem de estar encolhido num

    canto, com o rosto vermelho, enquanto toda

    a platia est rindo de alguma bobagem que

    ele imagina ter falado na palestra.

    Em relao validade e utilidade dos pen-

    samentos automticos, eles podem ser de trs

    tipos (J. Beck, 1995):

    1. Distorcidos, ocorrendo apesar das evidn-

    cias em contrrio.

    Ex.: Se me separar, nunca mais serei feliz.

    2. Acurados, mas com a concluso distorcida.

    Ex.: Meu filho no me telefonou at ago-

    ra, deve estar incomodado comigo.

    3. Acurados, mas totalmente disfuncionais.

  • 26 Paulo Knapp & colaboradores

    Ex.: Com esta leso articular, a vida per-

    deu a graa, pois nunca mais poderei jo-

    gar tnis.

    PRINCPIOS PRTICOS

    Afeto, comportamento, pensamento

    Embora a TC seja fortemente identificada com

    intervenes desenhadas para modificar pensa-

    mentos, essa apenas uma de muitas formas de

    interveno. Se as emoes no forem trabalha-

    das, o tratamento cognitivo pode tornar-se ape-

    nas uma troca intelectual, o que no teria senti-

    do teraputico. Sem a presena do afeto, a rees-

    truturao cognitiva do paciente no acontece.

    Alm disso, temos que considerar que os padres

    de comportamento tambm retroalimentam a

    disfuno emocional e cognitiva e, portanto, tam-

    bm precisam ser trabalhados. O fbico social,

    por exemplo, cada vez que utiliza o comporta-

    mento de fuga de situaes sociais (interpreta-

    das equivocadamente como ameaadoras sua

    integridade moral), retroalimenta sua convico

    distorcida (No passei vergonha porque sa an-

    tes que algo acontecesse) e cultiva o alvio das

    emoes, o qual provocado pelo escape das

    situaes temidas. Toda vez que o indivduo foge

    de uma situao temida (para aliviar suas emo-

    es), o temor quela situao aumenta.

    Pensamentos automticos, pressupostos

    subjacentes, crenas nucleares e o impacto do

    humor na cognio combinam-se para configu-

    rar um ciclo autoperpetuador observvel em to-

    dos os transtornos. Como foi dito, um indivduo

    pode ter crenas disfuncionais que o predispem

    para a psicopatologia mesmo sem ter algum efei-

    to perceptvel, at que surge uma situao rele-

    vante que ativa essas crenas. Estas, por sua vez,

    ativam os PA, evocando um humor correspon-

    dente, cuja natureza depende deles. Esse humor,

    ento, leva o indivduo a tendenciar as mem-

    rias de tal forma que ele experiencia mais PA dis-

    funcionais, intensificando seu humor disfuncio-

    nal. Com a intensificao do humor, aumenta a

    tendncia a recordaes e percepes distorci-

    das, num ciclo autoperpetuador (Freeman et al.,

    1990). Na depresso, por exemplo, o paciente v

    a si mesmo, as pessoas sua volta e o futuro de

    uma forma distorcidamente negativa, o que, por

    sua vez, o faz recordar viciadamente apenas as

    vivncias que corroboram seu estado de humor

    depressivo, mantendo e magnificando sua sinto-

    matologia depressiva.

    Se os PA disfuncionais foram evocados por

    eventos externos ou internos negativos, ou se

    o humor foi desencadeado por mudanas bio-

    qumicas, no importa, o mesmo ciclo estar

    presente. De qualquer forma, independente do

    ponto onde o ciclo comeou, a cognio tem

    papel importante e o foco fundamental para

    a interveno.

    A viso cognitiva de psicopatologia, que

    inclui o modelo de interaes entre cognio,

    humor e comportamento, sugere uma varie-

    dade de possveis pontos de interveno, en-

    volvendo aquelas desenhadas para a modifica-

    o do afeto, para alcanar mudana compor-

    tamental, bem como intervenes focadas pri-

    mariamente em cognies. Comumente, o ob-

    jetivo inicial da TC ser quebrar o ciclo que

    perpetua e amplifica os problemas do indiv-

    duo. Isso pode ser feito por meio de tcnicas

    para a modificao dos PA, para a melhora no

    seu humor, para a eliminao do impacto da

    tendenciosidade no humor (trabalhando suas

    QUADRO 1.2 Caractersticas dos pensamentosautomticos

    Coexistem com o fluxo de pensamentos mani-festos

    Aparecem espontaneamente, e no como re-sultado de reflexo ou vontade

    So, usualmente, aceitos como verdadeiros,sem avaliao crtica

    Se no monitorados, passam completamentedespercebidos; a emoo associada mais fre-qentemente reconhecida

    Esto associados com emoes especficas,consoante seu contedo e significado

    So, usualmente, breves, rpidos e fugazes, deforma telegrfica

    Podem ocorrer em forma verbal ou como ima-gens

    Pode-se aprender a identificar pensamentosautomticos

    Pode-se avali-los quanto sua validade e/ouutilidade

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 27

    memrias e percepes) ou para a modifica-

    o dos comportamentos do paciente. Uma

    combinao dessas intervenes pode quebrar

    o ciclo que perpetua os problemas e, assim,

    aliviar os sintomas mais imediatos do paciente.

    No entanto, se o terapeuta trabalhar ape-

    nas as cognies no nvel mais superficial (PA), o

    paciente pode correr o risco de uma recada quan-

    do experienciar eventos similares aos que preci-

    pitaram o episdio em curso. Para adquirir resul-

    tados duradouros, tambm importante modi-

    ficar as crenas e os pressupostos que o pre-

    dispem aos problemas e ajud-lo a planejar

    estratgias eficazes para lidar com situaes

    futuras que podem precipitar uma recada.

    Conceitualizao cognitiva

    a formulao do caso, embasada na con-

    cepo cognitiva dos transtornos emocionais

    do paciente. O foco primrio so os fatores

    cognitivo-comportamentais que mantm as

    dificuldades emocionais, as crenas, os pres-

    supostos, as vulnerabilidades da personali-

    dade, os traumas e as amplas experincias

    de vida que predispuseram o indivduo a vi-

    venciar seus problemas atuais. Passado e pre-

    sente interagem na produo do quadro cl-

    nico idiossincrtico dos problemas em cur-

    so (Neenan e Dryden, 2000).

    A conceitualizao cognitiva a habilida-

    de clnica mais importante que o terapeuta

    cognitivo precisa dominar, pois, para um pla-

    nejamento adequado e eficaz da terapia, um

    bom entendimento das distores cognitivas

    e dos conseqentes comportamentos mal-

    adaptativos do paciente crucial (Persons,

    1989). Sem o entendimento cognitivo do pa-

    ciente, todo o tratamento ser apenas a apli-

    cao de um punhado de tcnicas cognitivas e

    comportamentais com um resultado pobre,

    quando no ineficaz (Knapp e Rocha, 2003).

    Portanto, o objetivo principal da formu-

    lao cognitiva melhorar o resultado do tra-

    tamento, auxiliando o terapeuta e o paciente

    na obteno de uma concepo mais ampla e

    profunda dos mecanismos cognitivos e com-

    portamentais do paciente, em vez de simples-

    mente v-lo como uma coleo de sintomas e

    diagnsticos psiquitricos (Persons, 1989).

    Alm disso, auxilia o terapeuta na escolha das

    intervenes teraputicas e das tarefas a serem

    realizadas. E mais, refora o entendimento e o

    trabalho produtivo da prpria relao teraputi-

    ca, bem como ajuda a entender e lidar com po-

    tenciais problemas e fracassos do tratamento.

    Para uma boa concepo cognitiva do

    caso, o terapeuta deve questionar e investigar

    no seu paciente diversos aspectos (Quadro 1.4).

    Aps mapear esses primeiros aspectos, o

    terapeuta levanta hipteses sobre como o pacien-

    QUADRO 1.3 Terapia cognitiva

    O paciente aprende a: Identificar e modificar sua forma distorcida de

    pensar Identificar e modificar as emoes que esses

    pensamentos provocam Identificar e modificar os comportamentos que

    so tomados como conseqncia desses pen-samentos e emoes

    Utilizar formas alternativas, mais funcionais, depensar e se comportar diante das situaes

    Reestruturar crenas nucleares Solucionar problemas Construir estratgias de enfrentamento Construir habilidades necessrias ao enfrenta-

    mento Prevenir a recada

    QUADRO 1.4 Aspectos da conceitualizao cognitiva

    1. O diagnstico clnico2. Os problemas atuais e os fatores estressores

    precipitantes que contriburam para seus pro-blemas psicolgicos ou interferiram em suahabilidade para resolv-los

    3. As aprendizagens e experincias antigas quecontribuem para seus problemas atuais

    4. As predisposies genticas e familiares5. Seus pensamentos automticos6. Suas crenas subjacentes (incluindo atitudes,

    expectativas, regras e pressupostos)7. Suas crenas nucleares8. Os mecanismos cognitivos, afetivos e compor-

    tamentais que ele desenvolveu para enfren-tar suas crenas disfuncionais

    9. Como ele percebe a si mesmo, os outros e omundo

  • 28 Paulo Knapp & colaboradores

    te desenvolveu o transtorno que o motivou a

    buscar tratamento (J. Beck, 1995). O terapeuta

    inicia a construo da conceitualizao cognitiva

    desde seu primeiro contato com o paciente e

    continua complementando esse processo at a

    ltima sesso. Ele deve ir formulando o caso

    mentalmente (pensar cognitivamente o pacien-

    te) desde a primeira entrevista at o final, na

    preparao para o trmino do tratamento, num

    processo continuado de concepo do caso.

    Como foi dito, a conceitualizao uma hipte-

    se de trabalho, no a verdade absoluta; portan-

    to, medida que aparecem novos dados, tera-

    peuta e paciente colaborativamente modificam

    e refinam sua formulao, confirmando algumas

    hipteses e abandonando outras.

    Nesse processo continuado de conceituali-

    zao, no incio do tratamento o terapeuta diri-

    ge mais a tarefa, enquanto o paciente ainda est

    aprendendo a se perceber cognitivamente. Mais

    adiante, quando novos dados importantes vo

    sendo descobertos e a concepo cognitiva vai-

    se refinando, ento o paciente tem participao

    fundamental. Como em qualquer outra interven-

    o teraputica produzida no modelo da abor-

    dagem colaborativa, quando da construo e

    apresentao da conceitualizao cognitiva, o

    terapeuta deve estar aberto ao fato de que suas

    hipteses conceptuais esto sujeitas modifica-

    o e rejeio pelo paciente.

    Um sinal importante de que a concei-

    tualizao do caso necessita ser revisada o

    resultado pobre do tratamento, sendo uma

    indicao de que a dupla teraputica pode

    estar trabalhando com hipteses equivoca-

    das (Persons,1989). Alis, na TC, quaisquer

    possveis erros do terapeuta, em qualquer

    ponto de todo o processo teraputico, po-

    dem e devem ser sempre admitidos aberta-

    mente, o que s ajudar a reforar a relao

    teraputica. A solicitao peridica de feed-back do paciente como rotina no tratamentofacilita que estas avaliaes crticas e neces-

    srias correes de rumo sejam efetuadas o

    mais precocemente possvel.

    Dada a abrangncia de intervenes pos-

    sveis e a complexidade dos casos clnicos, a

    TC mais eficaz quando o terapeuta pensa

    estrategicamente cada caso especfico e as in-

    tervenes correspondentes. Esse processo

    envolve formular a equao cognitiva especfi-

    ca do indivduo, que ser a fundao do plano

    teraputico e a base para selecionar os alvos

    de interveno mais produtivos e as interven-

    es tcnicas mais apropriadas. O terapeuta

    cognitivo busca sempre o desenvolvimento de

    uma estratgia de tratamento individualizado

    para cada caso, tendo como base o entendi-

    mento cognitivo do paciente.

    A configurao afetivo-cognitivo-compor-

    tamental do paciente pode ser resumida no

    Diagrama de Conceitualizao Cognitiva, se-

    gundo o modelo de Judith Beck (1995) e Leahy

    (1996) (ver Figura 1.3).

    Mtodos teraputicos

    Embora o modelo cognitivo utilize uma am-

    pla variedade de intervenes, muitas das

    quais desenvolvidas por clnicos e pesquisa-

    dores de outras orientaes teraputicas, a

    TC no uma abordagem ecltica, nem um

    punhado de tcnicas usadas aleatoriamente.

    O processo teraputico est embebido em

    vrios mtodos teraputicos prprios da

    abordagem cognitiva. Alguns princpios da

    prtica clnica so fundamentais, como os se-

    guintes.

    Empirismo colaborativo

    Na TC, terapeuta e paciente trabalham em con-

    junto no empreendimento teraputico, como

    uma equipe de trabalho. O terapeuta tem um

    papel ativo e diretivo no tratamento, da mes-

    ma forma que o paciente, que se envolve de

    forma pr-ativa no processo de soluo de pro-

    blemas. Ambos buscam empiricamente, por

    meio de experimentos, as evidncias necess-

    rias para confirmar ou refutar as hipteses

    levantadas colaborativamente. Para Beck e

    colaboradores (1979), terapeuta e paciente

    trabalham como dois cientistas, levantando

    hipteses e testando empiricamente cada

    uma delas.

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 29

    DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAO COGNITIVA

    Nome: ___________________________________ Terapeuta: _______________________ Data: __________

    Diagnsticos: Eixo I __________________________________ Eixo II _________________________________

    FIGURA 1.3 Diagrama de conceitualizao cognitiva. (Adaptado de Leahy, 2002; e J. Beck, 1997.)

    DADOS RELEVANTES DA HISTRIA

    CRENAS NUCLEARES PESSOAIS CRENAS NUCLEARES SOBRE OS OUTROS

    PENSAMENTOS AUTOMTICOS

    PRESSUPOSTOS E REGRAS

    ESTRATGIAS COMPENSATRIAS

  • 30 Paulo Knapp & colaboradores

    Esse modelo pretende ser mais efetivo

    na consecuo das mudanas, e no apenas

    um estilo passivo e no-diretivo de interven-

    o, prprio de outras escolas psicoterpi-

    cas. Porm, para que a dupla teraputica tra-

    balhe afinada, uma boa relao entre tera-

    peuta e paciente de fundamental impor-

    tncia. Como em todas as escolas teraputi-

    cas, o objetivo primeiro estabelecer uma

    fundao slida para a relao teraputica,

    e isso depende de uma srie de fatores, tais

    como empatia, interesse, confiana, genui-

    nidade e outras variveis no-especficas.

    Pelo trabalho colaborativo que o terapeuta

    desenvolve desde o incio do tratamento, ele

    tambm constri ativamente a relao tera-

    putica, em vez de esperar que ela se desen-

    volva ao longo do tempo. A prpria relao

    teraputica pode e deve ser usada como la-

    boratrio para construir experimentos visan-

    do a modificao interpessoal, pois um ex-

    celente veculo de mudanas. Alm disso, e

    como conseqncia, a ocorrncia de resis-

    tncia fica minimizada.

    Desde o primeiro contato com o pacien-

    te at a elaborao da lista de problemas e

    metas de tratamento, preparao da agen-

    da, prescrio das tarefas, feitura dos resu-

    mos da sesso, enfim, em todo o processo

    teraputico perpassa o conceito de um tra-

    balho colaborativo. Alguns mtodos para a

    melhora do empirismo colaborativo esto no

    Quadro 1.5.

    Descoberta guiada e questionamento socrtico

    Na TC, o terapeuta no prov as solues

    nem persuade o paciente da incorreo dos

    pensamentos. Em vez de qualquer debate ou

    confronto direto para desfazer as cognies

    distorcidas (como usual na terapia racio-

    nal-emotivo-comportamental de Ellis), na TC

    o terapeuta vai guiando o paciente para a

    descoberta. Por meio de simples questiona-

    mentos perguntas com respostas abertas,

    como era o mtodo de ensino do filsofo

    Scrates , o terapeuta vai orientando o pa-

    ciente de forma que ele entenda seu proble-

    ma, explore possveis solues e desenvolva

    um plano para lidar com as dificuldades. Beck

    e colaboradores (1979) afirmam: A maior

    premissa na TC conversar sobre os dados

    objetivos, e no convencer o paciente atra-

    vs da fora dos argumentos.

    Exemplos de questionamento socrtico:

    Durante a sesso, a paciente diz Sinto

    que no sou uma boa me, pois gritei com meu

    filho quando ele no estava se comportando

    bem. Escolhendo uma ou mais das formula-

    es seguintes, o terapeuta pode questionar a

    paciente socraticamente, a fim de gui-la

    descoberta de evidncias que comprovem se

    esta afirmao verdadeira ou no:

    O que mesmo ser uma boa me? Des-

    sas caractersticas, enumeradas por voc,

    do que ser uma boa me, quais voc

    possui?

    Quem voc considera uma boa me? Por

    que [essa pessoa] considerada uma boa

    me?

    O que uma boa me faz aps ter gritado

    com o filho e se sentido mal com isso?

    O que voc acha que estava sentindo

    antes de gritar com seu filho? O que voc

    acha que estava pensando antes de gritar

    com seu filho?

    As habilidades que uma pessoa necessi-

    ta para ser uma boa me j nascem com

    QUADRO 1.5 Empirismo colaborativo

    Trabalhar conjuntamente, como uma equipeinvestigativa

    Promover variveis essenciais e no-especfi-cas do terapeuta (p.ex., empatia, gentileza,genuinidade, atitude otimista)

    Ajustar nvel de atividade teraputica consoantea gravidade da doena e fase do tratamento

    Adaptar individualmente as intervenes tera-puticas

    Estimular no paciente o automonitoramento ea auto-eficcia

    Desenvolver estratgias para lidar com perdase dficits reais

    Reconhecer e manejar a transferncia e con-tratransferncia

    Solicitar e oferecer feedback regularmente Utilizar humor gentil

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 31

    ela, ou a pessoa pode aprender a ser uma

    boa me?

    A seguir, exemplos de questionamento

    no-socrtico, na mesma situao:

    E da se voc grita com seus filhos? Todo

    mundo faz isso.

    Por que voc est sendo to dura consi-

    go mesma?

    Seus pais nunca gritaram com voc?

    A descoberta guiada maximiza o envolvi-

    mento do paciente nas sesses e no processo

    teraputico e minimiza a possibilidade de o

    terapeuta impor suas prprias idias e concei-

    tos. Alm disso, essa formulao socrtica tor-

    na possvel ao paciente aprender o mtodo de

    entendimento e soluo de seus problemas,

    equipando-se com as habilidades necessrias

    para lidar com problemas no futuro.

    Com o aumento, por parte do paciente,

    das habilidades de soluo de problemas, o

    terapeuta fica cada vez menos ativo em guiar

    o tratamento. Um bom tratamento prov que

    o paciente possa ser seu prprio terapeuta. Isso

    acontece com o processo colaborativo da des-

    coberta guiada, em que o paciente sai da posi-

    o passiva e adota uma postura pr-ativa.

    Lista de problemas e metas do tratamento

    Para que trabalhem colaborativamente de

    forma efetiva, necessrio que terapeuta e

    paciente concordem em relao s metas de

    tratamento. Assim, concomitantemente

    avaliao inicial e formulao de uma primei-

    ra conceitualizao cognitiva, o profissional

    trabalha com seu paciente para especificar

    as metas para a terapia e a prioridade de cada

    uma delas. Esses objetivos incluem listar cada

    um dos problemas que o paciente espera

    superar e as mudanas positivas que quer

    fazer prosperar. Problemas podem ser vistos

    como desafios.

    A lista de problemas deve ser a mais ob-

    jetiva e clara possvel. Grandes problemas de-

    vem ser divididos em partes menores. Cada

    um deles precisa ser explicitado de forma es-

    pecfica, de tal maneira que objetivos vagos

    e abstratos, como Quero ser feliz com a

    minha mulher, sejam detalhados objetiva-

    mente at que o paciente possa formular um

    plano concreto do que significa ser feliz

    para ele. Uma lista bem objetiva de proble-

    mas torna muito mais fcil a seleo de in-

    tervenes mais adequadas e permite, tam-

    bm, que se possa monitorar, a qualquer

    momento, os progressos do tratamento.

    Uma vez que as metas estejam claras,

    necessrio que a dupla teraputica decida

    quais delas focalizar primeiro. A priorizao

    das metas deve levar em considerao vrios

    fatores, entre os quais as preferncias do

    paciente sobre que problemas trabalhar pri-

    meiro, a conceitualizao cognitiva do caso,

    os problemas que parecem ser mais pass-

    veis de responder s primeiras intervenes

    e quaisquer consideraes de ordem prtica

    que possam ser relevantes. H considervel

    vantagem em trabalhar inicialmente um pro-

    blema que parea ser bem manejvel, mes-

    mo que no seja o problema mais importan-

    te do paciente (Freeman et al., 1990). Se for

    possvel demonstrar o progresso num obje-

    tivo previamente determinado, o paciente se

    sentir motivado, aumentando as chances de

    um engajamento ainda maior na busca de

    solues de seus problemas mais difceis.

    QUADRO 1.6 Questionamento socrtico

    Questionamento sistemtico, orientado para adescoberta

    Estimula exame, ponderao, avaliao e sn-tese de diversas fontes de informao

    O objetivo a avaliao independente e racio-nal dos problemas e de suas solues (racioc-nio autnomo)

    utilizado para trazer informaes conscin-cia do paciente (insight)

    No corrige respostas, pois no h "certo" ou"errado"

    Se realizado corretamente, tem forte impactosobre a organizao cognitiva do paciente

    Toma tempo e requer pacincia Ensina o paciente sobre "como aprender a

    aprender" Converte o sofrimento psquico do paciente em

    auto-explorao inquisitiva Progride do questionamento orientado para o

    insight para um questionamento orientado paraa mudana

  • 32 Paulo Knapp & colaboradores

    Familiarizao com o modelo cognitivo

    Uma das primeiras intervenes usadas na TC

    ensinar o paciente a identificar os pensamentos

    automticos que ocorrem em situaes proble-

    mticas, a reconhecer os efeitos que eles produ-

    zem em suas emoes e comportamentos e a

    responder de forma eficaz a esses pensamentos

    que causam dificuldade. Os pensamentos nega-

    tivos, autodepreciativos, exagerados e errneos

    so parte habitual da vida do paciente; aparecem

    e voltam a aparecer constantemente sem que o

    paciente tenha cincia de sua presena e da rela-

    o deles com o seu problema.

    Embora a apresentao do modelo cogniti-

    vo possa ser feita como uma explicao didtica

    ao paciente, geralmente mais fcil e mais efi-

    caz usar a descoberta guiada e basear a explica-

    o dos pensamentos, sentimentos, comporta-

    mentos e suas correlaes em uma situao vi-

    venciada pelo paciente. Quando este no tem

    uma clara memria de seus pensamentos e sen-

    timentos em uma situao qualquer, possvel

    usar os pensamentos e sentimentos que ele est

    tendo durante a sesso, ou que teve quando es-

    tava na sala de espera, antes da sesso.

    Quando necessria uma explanao mais

    didtica, a melhor opo usar exemplos de si-

    tuaes presenciadas pelo terapeuta durante a

    sesso. Como no exemplo seguinte (Freeman et

    al., 1990), em que o terapeuta pode afirmar:

    Ns temos milhares de pensamentos dia-

    riamente, muitos dos quais passam total-

    mente despercebidos, porque no esta-

    mos conscientes deles. Constantemente

    interpretamos e avaliamos as situaes

    que ocorrem conosco. Quando as pessoas

    tm problemas, algumas vezes porque

    elas interpretam os eventos inadequada-

    mente e, em conseqncia, reagem de

    uma forma inadequada. Outras vezes, a

    pessoa enxerga a situao de uma forma

    acertada, mas no sabe lidar com ela de

    maneira adequada. Na Terapia Cognitiva,

    nosso trabalho principalmente identifi-

    car os pensamentos que passam na cabe-

    a da pessoa, descobrir se as avaliaes e

    interpretaes que ela d para as situa-

    es esto acertadas e se til pensar e

    olhar para as coisas da forma como a pes-

    soa olha. Se o indivduo est interpretan-

    do incorretamente as situaes, um ob-

    jetivo teraputico ele aprender a reco-

    nhecer quando a interpretao est equi-

    vocada e olhar para a situao de uma

    forma mais acertada. Se a pessoa est

    vendo a situao de forma clara e, de fato,

    aquilo que ela est interpretando est

    correto, ento o objetivo teraputico

    aprender formas mais adequadas de lidar

    com a situao que se apresenta.

    Por exemplo, Dona Maria, eu notei,

    aqui na sesso, que quando a senhora fa-

    lou sobre as dificuldades que estava ten-

    do com seu marido, a senhora se emoci-

    onou e chorou. A senhora lembra o que

    estava passando no seu pensamento no

    momento em que se emocionou?

    O trabalho psicoeducativo tambm pode

    ser feito por meio do Modelo ABC, de Ellis

    (1962), do Registro de Pensamentos Disfuncio-

    nais de Beck (Beck et al., 1979; J. Beck, 1995)

    ou mesmo do Registro de Pensamentos de Gre-

    enberger e Padesky (1995). O uso desses ins-

    trumentos est detalhado no Captulo 8.

    Avaliar criticamente as distores cognitivas

    O prximo passo leva, naturalmente, idia de

    corrigir os PA e as crenas e construir pensamen-

    tos alternativos mais funcionais, capazes de ge-

    rar uma melhora no estado de humor do pacien-

    te. Nos estgios iniciais da terapia, pode-se usar

    os pensamentos e sentimentos que ocorrem na

    sesso, ao vivo ou evocados a partir de tcnicas

    como a dramatizao (role-play).No Quadro 1.7, listamos as distores cog-

    nitivas mais comumente observadas, modifica-

    das a partir de outros autores (Beck et al., 1979;

    J. Beck, 1995; Leahy, 1996; Neenan e Dryden,

    2000; Freeman et al., 1990). Normalmente, as

    distores cognitivas tm interseces e sobre-

    posies, por isso o indivduo provavelmente ir

    apresentar, concomitantemente, mais de uma

    distoro numa mesma situao.

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 33

    QUADRO 1.7 Lista de distores cognitivas

    Exemplos: Sou incompetente. Ele uma pessoa m.Ela burra.

    8. Desqualificao do positivo Experincias po-sitivas e qualidades que conflituam com a visonegativa so desvalorizadas porque no con-tam ou so triviais.Exemplos: O sucesso obtido naquela tarefa no im-porta, porque foi fcil. Isso o que esposas devem fa-zer, portanto, ela ser legal comigo no conta. Eles sesto elogiando meu trabalho porque esto com pena.

    9. Minimizao e maximizao Caractersticase experincias positivas em si mesmo, no outroou nas situaes so minimizadas, enquanto onegativo maximizado.Exemplos: Eu tenho um timo emprego, mas todomundo tem. Obter notas boas no quer dizer que eusou inteligente, os outros obtm notas melhores doque as minhas.

    10. Personalizao Assumir a culpa ou responsa-bilidade por acontecimentos negativos, falhan-do em ver que outras pessoas e fatores tambmesto envolvidos nos acontecimentos.Exemplos: O chefe estava com a cara amarrada, devoter feito algo errado. minha culpa. No conseguimanter meu casamento, ele acabou por minha causa.

    11. Hipergeneralizao Perceber num evento es-pecfico um padro universal. Uma caractersti-ca especfica numa situao especfica avaliadacomo acontecendo em todas as situaes.Exemplos: Eu sempre estrago tudo. Eu no me doubem com mulheres.

    12. Imperativos (deveria e tenho-que) Inter-pretar eventos em termos de como as coisas de-veriam ser, em vez de simplesmente considerarcomo as coisas so. Afirmaes absolutistas natentativa de prover motivao ou modificar umcomportamento. Demandas feitas a si mesmo,aos outros e ao mundo para evitar as conseqn-cias do no cumprimento dessas demandas.Exemplos: Eu tenho que ter controle sobre todas ascoisas. Eu devo ser perfeito em tudo que fao. Eu nodeveria ficar incomodado com minha esposa.

    13. Vitimizao Considerar-se injustiado ou noentendido. A fonte dos sentimentos negativos algo ou algum, havendo recusa ou dificulda-de de se responsabilizar pelos prprios senti-mentos ou comportamentos.Exemplos: Minha esposa no entende meus senti-mentos. Fao tudo pelos meus filhos e eles no meagradecem.

    14. Questionalizao (E se?) Focar o evento na-quilo que poderia ter sido e no foi. Culpar-sepelas escolhas do passado e questionar-se porescolhas futuras.Exemplos: Se eu tivesse aceitado o outro emprego, es-taria melhor agora. E se o novo emprego no der cer-to? Se eu no tivesse viajado, isso no teria acontecido.

    1. Catastrofizao Pensar que o pior de uma si-tuao ir acontecer, sem levar em considera-o a possibilidade de outros desfechos. Acredi-tar que o que aconteceu ou ir acontecer ser ter-rvel e insuportvel. Eventos negativos que podemocorrer so tratados como catstrofes intolerveis,em vez de serem vistos em perspectiva.Exemplos: Perder o emprego ser o fim da minhacarreira. Eu no suportarei a separao da minhamulher. Se eu perder o controle, ser meu fim.

    2. Raciocnio emocional (emocionalizao) Pre-sumir que sentimentos so fatos. Sinto, logoexiste. Pensar que algo verdadeiro porquetem um sentimento (na verdade, um pensamen-to) muito forte a respeito. Deixar os sentimen-tos guiarem a interpretao da realidade. Pre-sumir que as reaes emocionais necessariamen-te refletem a situao verdadeira.Exemplos: Eu sinto que minha mulher no gostamais de mim. Eu sinto que meus colegas esto rindonas minhas costas. Sinto que estou tendo um enfar-to, ento deve ser verdadeiro. Sinto-me desespera-do, portanto, a situao deve ser desesperadora.

    3. Polarizao (pensamento tudo-ou-nada, dico-

    tmico) Ver a situao em duas categorias ape-nas, mutuamente exclusivas, em vez de um con-tinuum. Perceber eventos ou pessoas em termosabsolutos.Exemplos: Deu tudo errado na festa. Devo sempretirar a nota mxima, ou serei um fracasso. Ou algo perfeito, ou no vale a pena. Todos me rejeitam.Tudo foi uma perda de tempo total.

    4. Abstrao seletiva (viso em tnel, filtro men-

    tal, filtro negativo) Um aspecto de uma situa-o complexa o foco da ateno, enquantooutros aspectos relevantes da situao so ig-norados. Uma parte negativa (ou mesmo neu-tra) de toda uma situao realada, enquantotodo o restante positivo no percebido.Exemplos: Veja todas as pessoas que no gostamde mim. A avaliao do meu chefe foi ruim (focan-do apenas um comentrio negativo e negligen-ciando todos os comentrios positivos).

    5. Adivinhao Prever o futuro. Antecipar pro-blemas que talvez no venham a existir. Expecta-tivas negativas estabelecidas como fatos.Exemplos: No irei gostar da viagem. Ela no apro-var meu trabalho. Dar tudo errado.

    6. Leitura mental Presumir, sem evidncias, quesabe o que os outros esto pensando, desconsi-derando outras hipteses possveis.Exemplos: Ela no est gostando da minha conver-sa. Ele est me achando inoportuno. Ele no gostoudo meu projeto.

    7. Rotulao Colocar um rtulo global, rgido em simesmo, numa pessoa ou situao, em vez de ro-tular a situao ou o comportamento especfico.

  • 34 Paulo Knapp & colaboradores

    medida que o paciente aprende a iden-

    tificar e nomear as distores cognitivas, a

    dupla teraputica trabalha no desenvolvimen-

    to de respostas alternativas para contrapor o

    impacto negativo dessas interpretaes disfun-

    cionais. Aps aprender a modificar os pensa-

    mentos na sesso, o paciente comea a desen-

    volver e incrementar essa habilidade entre as

    sesses, por meio dos exerccios de automoni-

    toramento e de outras tarefas prescritas. Uma

    planilha de atividades, bem como o Registro

    de Pensamentos Disfuncionais (RPD, Beck et

    al., 1979) so algumas das possveis tcnicas

    de automonitoramento.

    Exerccios, experimentos e tarefas

    A forma mais efetiva de promover mudanas

    pela experimentao. A TC um tratamento

    pr-ativo em que a consolidao das mudan-

    as se d pelo constante monitoramento de

    pensamentos, emoes e comportamentos e

    pela conseqente modificao. Durante todo

    o curso do tratamento, o paciente exercita seus

    aprendizados nas sesses e, principalmente,

    entre as sesses, na vida real. evidente que

    se o paciente pe em prtica o que foi traba-

    lhado na terapia, ele atinge resultados melho-

    res e mais rpidos do que se esperasse para

    trabalhar apenas durante as sesses. Alm dis-

    so, no curso da sua vida o paciente est em

    melhor posio para coletar dados e testar os

    efeitos de mudanas na cognio e no compor-

    tamento, o que seria mais difcil nas sesses.

    S se aprende a fazer fazendo. A maior

    parte das tarefas objetiva o aprendizado das

    estratgias e habilidades necessrias para o

    enfrentamento das situaes disfuncionais,

    para que o indivduo saia de sua posio de

    vtima passiva de seu comportamento e torne-

    se agente de seu crescimento. Para isso, ele

    necessita aumentar sua auto-eficcia, isto , apercepo de sua habilidade de desempenhar,

    de forma eficaz e com sucesso, uma tarefa es-

    pecfica (Bandura, 1977). Toda vez que o indi-

    vduo evita lidar com uma situao temida,

    aumenta o seu temor daquela situao. S h

    um jeito de enfrentar os temores: expondo-se

    a eles e, com planos estratgicos estabeleci-

    dos e habilidades adequadas, superando-os.

    As tarefas no so prescritas apenas pelo

    terapeuta, devem ser uma prescrio colabo-

    rativa. No decorrer da sesso, a dupla terapu-

    tica vai, de forma natural e consoante com o

    que est sendo trabalhado, construindo exer-

    ccios e tarefas que so percebidos como uma

    possibilidade de aprendizado. A no-adern-

    cia tarefa, mesmo com todos os cuidados de

    uma prescrio conjunta, freqentemente

    acontece. E isso ocorre especialmente quando

    o terapeuta, na sesso seguinte, no solicita a

    reviso da tarefa prescrita, fazendo o paciente

    acreditar que ela de somenos importncia

    no tratamento. No entanto, mais do que um

    problema, a no-aderncia tarefa pode cons-

    tituir uma possibilidade de aprendizado, quan-

    do se buscam colaborativamente as possveis

    razes embutidas nesse comportamento, es-

    pecialmente as que esto relacionadas com a

    relao teraputica e/ou com possveis blo-

    queios do paciente por tudo aquilo que uma

    tarefa de casa pode conter de pressupostos

    subjacentes (Neenan e Dryden, 2000).

    Preveno da recada

    Mesmo com a modificao efetiva de PA e de

    suas fontes (os esquemas), o paciente no fica

    imune a futuras dificuldades. Por isso, na fase

    final de tratamento, a TC trabalha explicitamen-

    te na preparao do paciente para possveis

    problemas. Esse trabalho, com base na pesqui-

    sa em preveno da recada de Marlatt e Gor-

    don (1985), consiste em ajudar o paciente a

    tornar-se ciente de situaes de risco, a iden-

    tificar sinais prodrmicos de recada e a de-

    senvolver planos explcitos para lidar com as

    situaes de risco.

    especialmente importante explorar com

    o paciente as expectativas relacionadas com

    futuros problemas e trabalhar quaisquer expec-

    tativas irrealistas. Freqentemente, pacientes

    que superaram seus problemas por meio de

    terapia tm expectativas de nunca mais encon-

    trarem dificuldades. Se o paciente tem alta do

    tratamento sem que essas expectativas de

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 35

    imunidade existencial tenham sido aborda-

    das, ele interpretar equivocadamente futuras

    dificuldades e poder reagir com idias de que

    o tratamento foi um fracasso, por culpa dele

    e/ou do terapeuta. O paciente deve adotar a

    viso mais realista de que todos encontramos

    problemas de tempos em tempos, pois a TC

    equipou-o com as habilidades necessrias para

    lidar eficazmente com os problemas, mas que

    isso no significa imunidade.

    Trmino do tratamento

    A deciso de dar por encerrado o tratamento

    tomada quando o paciente atingiu seus ob-

    jetivos da lista de problemas montada colabo-

    rativamente no incio da terapia, tendo sido

    verificado o seu progresso em diversas situa-

    es de vida e por tempo suficiente. Feito o

    trabalho de preveno da recada, a dupla te-

    raputica decide ir diminuindo o nmero de

    sesses da periodicidade semanal para bimen-

    sal, depois mensal, e assim por diante. Dessa

    forma, o final do tratamento no to abrup-

    to, permitindo dupla uma oportunidade de

    descobrir quo bem o paciente lida com os pro-

    blemas sem a ajuda direta do terapeuta, alm

    de possibilitar a reviso de alguma questo

    adicional que ainda ficou por ser trabalhada.

    Se o paciente desejar, pode retornar

    ocasionalmente para sesses de reforo. E,

    em qualquer momento, pode voltar ao tra-

    tamento para mais um conjunto de sesses,

    a fim de abordar novas questes e aprofun-

    dar seu entendimento cognitivo-comporta-

    mental.

    A estrutura da sesso

    Cada elemento da estrutura da sesso de TC

    desenhado para maximizar a colaborao en-

    tre paciente e terapeuta enquanto trabalham

    eficientemente na resoluo dos problemas lis-

    tados. Alguns autores preferem fazer a reviso

    do humor e da semana como parte da agenda.

    Ns optamos por seguir o modelo de Beck e

    colaboradores (1979):

    1. Reviso do humor, reviso da semana

    2. Ponte com a ltima sesso

    3. Reviso das tarefas

    4. Fazer a agenda

    5. Trabalhar itens da agenda

    6. Resumos peridicos e resumo final

    7. Feedback da sesso

    Reviso do humor e reviso da semana

    Tanto na prtica clnica como em ambientes

    de pesquisa, faz-se necessrio monitorar regu-

    larmente o humor do paciente, por meio de

    medidas objetivas como o Inventrio de De-

    presso Beck (BDI) e o Inventrio de Ansieda-

    de Beck (BAI), validados para a lngua portu-

    guesa (Cunha, 2001). Mas, na prtica clnica di-

    ria, pode-se registrar as evolues do paciente

    fazendo uma rpida reviso do humor, atribu-

    indo uma nota em cada dia de sesso, com a

    pergunta: De 0 a 10, sendo 0 o equivalente a

    nenhuma depresso (ou ansiedade) e 10 muita

    depresso (ou ansiedade), qual nota voc d

    para o seu humor hoje? Tambm a simples

    pergunta Em relao semana passada, voc

    est se sentindo: melhor, pior ou na mesma?,

    ou apenas Como voc est se sentindo esta

    semana?, j dar alguma estimativa da evolu-

    o do estado de humor do paciente.

    Vinculada a isso, a reviso dos aconteci-

    mentos, bons e ruins, do perodo de tempo

    desde a ltima sesso possibilita ao terapeuta

    o monitoramento do progresso teraputico e

    a identificao de alguma questo mais priori-

    tria a ser trabalhada na agenda. desneces-

    srio dizer que questes mais urgentes (por

    exemplo, perda de um emprego, morte de um

    familiar) que podem surgir no decorrer de um

    tratamento, mesmo que no estivessem previa-

    mente contempladas na lista inicial de proble-

    mas, ganham precedncia sobre todas as outras.

    Ponte com a sesso anterior

    Cada sesso est associada e interligada com

    as outras, dando um sentido de continuidade

    ao trabalho. O que voc lembra de importan-

  • 36 Paulo Knapp & colaboradores

    te da nossa ltima sesso? e Fazendo uma

    reviso da nossa ltima sesso, o que voc le-

    vou de mais importante? so perguntas que

    auxiliam essa noo e do seguimento a um

    plano de trabalho teraputico continuado.

    aconselhvel que o paciente traga sem-

    pre consigo material de escrita (caderno, pas-

    ta, folhas em branco) para anotar o que de mais

    importante foi trabalhado e descoberto duran-

    te a sesso. Muitas vezes a tarefa de casa pode

    ser a leitura das anotaes da sesso. Pacien-

    tes que costumam trazer seu prprio cader-

    no de terapia tm mais facilidade em fazer a

    ponte com a sesso precedente.

    Reviso da tarefa

    A consolidao do aprendizado se d pelas tare-

    fas e pelos exerccios extra-sesso. A reviso da

    tarefa permite a confirmao de que a direo e

    a marcha do trabalho teraputico esto adequa-

    das, ou de que, ao contrrio, ainda se faz neces-

    srio incrementar as habilidades e auto-eficcia

    do paciente. Uma tarefa que no deu o resultado

    esperado uma excelente fonte de informaes.

    O paciente somente colocar em prtica

    uma nova tarefa prescrita se for dada impor-

    tncia tarefa anterior. Quando o terapeuta

    no revisa a tarefa e no extrai dela todo o

    aprendizado possvel, tenha ela dado certo ou

    no, estar reforando no paciente a idia de

    que a tarefa no importante, sendo, portan-

    to, desnecessrio e intil faz-la. A no-ade-

    rncia tarefa pode ser um importante item a

    ser trabalhado na agenda.

    Agenda

    A TC tem uma sesso estruturada, no incio da

    qual se estabelece uma agenda, como numa reu-

    nio de trabalho. O objetivo maior da agenda o

    foco nos problemas a serem trabalhados e nas

    suas possveis solues, evitando a tergiversao.

    A prtica de fazer conjuntamente uma

    agenda no incio da cada sesso com o(s)

    tpico(s) que ambos consideram mais importan-

    tes para serem trabalhados naquele momento

    especfico possibilita extrair o mximo proveito

    de cada sesso. Uma agenda de comum acordo,

    no entanto, no previne que o paciente tente

    adotar mecanismos de resistncia ao trabalho

    teraputico, como fazer digresses inteis e des-

    propositadas ao objetivo do tratamento e ao foco

    da sesso. O terapeuta deve, de forma gentil mas

    firme, ajudar o paciente a retornar ao foco da

    pauta proposta no incio da sesso. Quando um

    tpico importante, que no emergencial, apa-

    rece apenas no final da sesso, quando no h

    mais tempo (o que tambm uma forma de re-

    sistncia), o assunto anotado para ser lembra-

    do na elaborao da agenda na prxima sesso.

    A pergunta explcita no comeo da ses-

    so O que voc (ou ns) gostaramos de tra-

    balhar na sesso de hoje? cria no paciente o

    hbito de j pensar antecipadamente naquilo

    que ir tratar na sesso.

    Para que a sesso seja produtiva como

    uma boa reunio de trabalho, tambm poss-

    vel usar uma planilha, como a do Quadro 1.8,

    modificado de McMullin (2000) e J. Beck (1995).

    Pea ao paciente que a preencha por escrito

    (ou mentalmente, depois de faz-la por escri-

    to algumas vezes) antes da sesso de terapia.

    Essa planilha particularmente til para pa-

    cientes que evitam pensar sobre a terapia en-

    tre as sesses ou que tm dificuldade em reto-

    mar a temtica da semana.

    Resumos

    A cada item abordado ou a cada descoberta

    (insight) importante na sesso, o paciente es-timulado a fazer um resumo do que foi traba-

    lhado, sendo ajudado eventualmente pelo te-

    rapeuta. Os resumos tm o intuito de enten-

    der o que foi descoberto e fortalecer a mem-

    ria do que foi aprendido.

    Alm dos resumos capsulares realizados ao

    longo da sesso, ao final de cada uma, feito o

    resumo das principais descobertas. Uma pergun-

    ta regularmente feita para ajudar no resumo :

    O que voc est levando da sesso de hoje? O

    resumo final no uma simples repetio dos

    itens que foram trabalhados, mas a relao das

    descobertas e aprendizados que ocorreram, com

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 37

    QUADRO 1.8 Preparando-se para uma sesso deterapia cognitiva

    1. Em qual problema eu quero trabalhar hoje?2. Como estou me sentindo esta semana, em

    comparao com as outras semanas?3. O que aconteceu esta semana que meu tera-

    peuta deveria saber?4. O que trabalhamos na ltima sesso? O que

    eu aprendi?5. Alguma questo ficou em aberto?6. Alguma coisa me incomodou na ltima ses-

    so?7. Estou com dificuldade de contar alguma coi-

    sa ao terapeuta?8. O que eu fiz como tarefa/ exerccio? O que eu

    aprendi com a tarefa?

    concluses e possveis experimentos que iro

    confirmar e fortalecer tais aprendizados.

    Feedback

    Ao solicitar regularmente o feedback do pacien-te de como foi para ele a sesso, o terapeuta

    aumenta as chances de identificar algum pro-

    blema em curso na relao teraputica. Mes-

    mo que no haja aparente dificuldade, as ex-

    pectativas, contrariedades ou insatisfaes do

    paciente com o terapeuta ou com a sesso so

    solicitadas explicitamente: H alguma coisa

    que eu disse ou fiz na sesso de hoje que voc

    no gostou?; Alguma questo da sesso no

    est bem entendida?

    O feedback no deve ser obtido apenas aofinal da sesso, mas a qualquer momento da

    mesma. Alm disso, regularmente deve-se ob-

    ter o feedback de como est o tratamento, oque o paciente est sentindo e pensando acerca

    do processo e do progresso teraputico. Essas

    informaes pontuais e em todo o percurso

    teraputico podem corrigir o rumo da terapia.

    MITOS E CONCEPES EQUIVOCADASSOBRE A TERAPIA COGNITIVA

    Para finalizar o captulo, relacionamos uma

    srie de mitos e concepes acerca da TC en-

    contrados freqentemente:

    1. A Terapia Cognitiva baseada no poder dopensamento positivo. A TC baseada nopoder do pensamento realista (Beck et

    al., 1979). Um viso irrealistamente oti-

    mista pode ser to prejudicial e mal-adap-

    tativa quanto uma viso irrealistamente

    negativa. Uma abordagem Poliana, de

    que tudo pode ser cor-de-rosa, , no m-

    nimo, enganadora, e no auxilia o pacien-

    te a lidar de forma eficaz com os proble-

    mas reais encontrados na vida. O objeti-

    vo da TC no o pensamento positivo,

    mas a correo dos pensamentos distor-

    cidos ou disfuncionais, promovendo for-

    mas mais adaptativas de lidar com os pro-

    blemas reais.

    2. A teoria cognitiva de psicopatologia propeque os pensamentos negativos distorcidos cau-sam a psicopatologia. Embora os pensa-mentos distorcidos faam parte do ciclo

    vicioso da psicopatologia, eles no so o

    nico fator importante. Os desequilbrios

    bioqumicos, os eventos de vida e as re-

    laes interpessoais so elementos que

    interagem conjugadamente, formando a

    psicopatologia. Os ciclos que perpetuam

    os transtornos podem iniciar-se em qual-

    quer ponto, mas, uma vez iniciados, as

    cognies tm um papel importante e

    provem uma possibilidade de interven-

    o valiosa.

    3. A Terapia Cognitiva simples e apenas utili-za o senso comum. Embora a teoria queembasa a TC parea bastante simples e

    fcil de entender, a prtica da TC me-

    nos fcil (Freeman et al., 1990). As pes-

    soas so complexas, e intervenes efe-

    tivas podem ser bem complicadas, ape-

    sar da relativa simplicidade da teoria.

    Embora o senso comum possa ser utili-

    zado, na maior parte do tempo a dupla

    teraputica tem muito trabalho em des-

    vendar as complexas interaes cogniti-

    vo-afetivo-comportamentais do paciente.

    Alm do mais, o terapeuta cognitivo pre-

    cisa ser um bom estrategista.

    4. A TC convence as pessoas a sair dos seus pro-blemas. A TC no comunga do estilo argu-mentativo utilizado no modelo racional-

  • 38 Paulo Knapp & colaboradores

    emotivo-comportamental de Albert Ellis,

    em que as crenas irracionais dos pacien-

    tes so debatidas e contestadas. Apesar

    das similaridades tericas entre os dois

    modelos, a TC aplica a descoberta guia-

    da, e no o debate. Na TC, o terapeuta

    guia o paciente para que ele prprio faa

    descobertas, ao observar criticamente

    suas distores, diminuindo, assim, suas

    resistncias e estimulando o desenvolvi-

    mento de habilidades necessrias para

    futuramente analisar por si mesmo seus

    problemas.

    5. A TC ignora as emoes. Embora as cogni-es sejam o alvo principal da TC, o su-

    cesso teraputico medido pela corres-

    pondente melhora na emoo e no com-

    portamento. Por vezes, a forma mais ade-

    quada de examinar os pensamentos

    pelas emoes. Como apontaram Free-

    man e colaboradores (1990), a TC pode-

    ria se chamar terapia cognitivo-compor-

    tamental-emocional.

    6. A meta da TC eliminar as emoes. Ameta da TC ajustar a emoo situa-

    o e ajudar o paciente a ser capaz de

    lidar adaptativamente com a emoo.

    Nos transtornos emocionais, o indiv-

    duo geralmente est inundado de

    emoes, razo mesma pela qual ele

    apresenta o transtorno; fica to engol-

    fado pela emoo que no consegue

    pensar sem distoro. Na TC, o objeti-

    vo o equilbrio emocional, no a su-

    presso da emoo. Em muitas situa-

    es, o objetivo regular as reaes

    emocionais exageradas; por outro lado,

    em pessoas rgidas, supercontroladas,

    que no expressam emoes, o produto

    final ser a capacidade de entrar em con-

    tato com suas emoes, mesmo que tal

    problema no fosse reconhecido e no es-

    tivesse na lista de problemas original.

    7. A TC a aplicao de uma variedade de tc-nicas. A terapia cognitiva desenvolveuuma ampla variedade de tcnicas espec-

    ficas e tambm emprestou-as livremente

    de outras terapias. No entanto, o profis-

    sional que focaliza apenas a aplicao de

    tcnicas como se fosse um livro de recei-

    tas no estar sendo eficaz. O uso estra-

    tgico das intervenes teraputicas deve

    estar embasado na conceitualizao do

    caso, isto , no entendimento cognitivo

    do paciente e da sua problemtica espe-

    cfica.

    8. A terapia cognitiva ignora o passado e se in-teressa apenas pelo presente. mais adequa-do dizer que a TC presta ateno no pas-

    sado tanto quanto necessrio. Sempre se

    investiga, na histria do sujeito, quando

    se estabeleceu, a partir de que experin-

    cias, a forma de interpretar os eventos

    atuais. As experincias prvias represen-

    tam a fundao dos problemas do pacien-

    te, mas possvel resolver a fonte dos

    problemas focalizando primariamente o

    presente. O foco no tanto o que foi,

    mas o que e o que mantm ou refora o

    comportamento disfuncional (Dattilio e

    Freeman, 1992).

    9. A TC superficial. A afirmao pressupeque a TC se ocupa apenas das cognies

    que esto na superfcie, os pensamentos

    automticos, negligenciando o tratamen-

    to das crenas subjacentes aos PA e das

    crenas nucleares. A TC no se prope a

    trabalhar automaticamente mudanasmaiores de personalidade, a no ser que

    essa seja ou venha a ser a meta de quem

    busca tratamento. A TC pode trabalhar

    mais na superfcie ou mais profundamen-

    te, dependendo dos objetivos do indiv-

    duo e dos problemas a serem tratados, e

    o paciente quem toma a deciso final

    sobre o grau de mudana que quer atin-

    gir. verdade que a TC focaliza a aquisi-

    o de metas especficas do paciente, e o

    que parece uma mudana superficial para

    quem v de fora pode significar grandes

    mudanas para o paciente.

    10. A relao teraputica no importante naTC. Uma boa relao teraputica essen-cial para o trabalho colaborativo na TC;

    sem ela o tratamento no acontece. Em-

    bora a relao transferencial no seja es-

    timulada como em outras abordagens, a

    relao interpessoal da dupla teraputi-

  • Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 39

    ca (com a presena de transferncia e con-

    tratransferncia) usada como um pode-

    roso instrumento de identificao e re-

    soluo de problemas interpessoais do

    paciente.

    11. A TC tem um limite de 15 a 25 sesses oumenos. Por razes metodolgicas, algu-mas pesquisas de resultados com TC li-

    mitaram a durao do tratamento a 12 a

    25 sesses. A TC tende a obter resulta-

    dos teraputicos relativamente rpidos,

    mas a durao do tratamento depende da

    natureza dos problemas do paciente (tra-

    os e transtornos da personalidade, por

    exemplo) e seu nvel de motivao para

    aprofundar o entendimento de suas ques-

    tes. A TC pode variar de algumas ses-

    ses at vrios anos.

    12. Fazer TC significa no usar medicao. A TC totalmente compatvel com o uso de psi-

    cofrmacos. Em algumas situaes, o pa-

    ciente s estar disponvel para um tra-

    tamento cognitivo quando estiver com-

    pensado bioquimicamente (via medica-

    o), em especial nas depresses graves,

    no transtorno bipolar, em psicoses e mes-

    mo nos transtornos de ansiedade mais de-

    bilitantes. A TC pode ser um complemen-

    to psicofarmacoterapia, e vice-versa.

    13. A TC apropriada apenas para pessoas articu-ladas, com boa capacidade intelectual. O be-nefcio de intervenes com base em olhar

    criticamente os pensamentos disfuncionais

    no privilgio apenas de pessoas inteli-

    gentes. evidente que mais fcil traba-

    lhar com pacientes com boa capacidade de

    raciocnio, cultos, com slida formao edu-

    cacional, algum conhecimento psicolgico

    e bem motivados para o tratamento, mas

    isso verdade para qualquer abordagem

    teraputica. J. Beck (1995) relata pesqui-

    sas que demonstram que a TC efetiva para

    pacientes com diferentes nveis de escola-

    ridade, renda e cultura. A TC precisa ser

    desenhada para as necessidades das pes-

    soas, e no estas serem encaixadas no mo-

    delo. Com pessoas no-alfabetizadas, com

    dificuldades de raciocnio abstrato e mes-

    mo com disfunes cognitivas, a TC traba-

    lha menos com intervenes puramente

    verbais e mais com intervenes compor-

    tamentais para atingir as mudanas de-

    sejadas.

    14. A TC no eficaz em pacientes com transtor-nos mentais graves. Embora, originalmen-te, a TC tenha sido desenvolvida com pa-

    cientes ambulatoriais, ela pode ser usa-

    da de forma eficaz para pacientes com

    transtornos mentais graves, mesmo hos-

    pitalizados. O maior interesse de Aaron

    Beck, no momento, estudar o modelo

    cognitivo e a eficcia de intervenes cog-

    nitivas em pacientes psicticos (vide Ca-

    ptulo 8 neste livro).

    RESUMO

    Os princpios terico-prticos fundamentais da

    TC, abordados neste captulo, podem ser as-

    sim resumidos (modificado de J. Beck, 1995):

    1. um modelo de psicoterapia que requer

    uma boa relao teraputica.

    2. uma psicoterapia focal fundamentada

    no modelo terico que estipula que es-

    to envolvidas cognies disfuncionais

    nos transtornos psicolgicos.

    3. Focaliza seu trabalho no exame e na cor-

    reo de distores nos trs nveis de cog-

    nio: pensamentos automticos, pressu-

    postos subjacentes e crenas nucleares

    (esquemas).

    4. O tratamento envolve a conceitualizao

    especfica de cada caso.

    5. colaborativa: terapeuta e paciente for-

    mam uma dupla teraputica ativa.

    6. Utiliza a descoberta guiada: o terapeuta

    guia o paciente para as descobertas por

    meio do questionamento socrtico.

    7. Usa o mtodo emprico para examinar e

    testar a veracidade e utilidade das cogni-

    es.

    8. psicoeducativa: o paciente aprende a ser

    seu prprio terapeuta.

    9. A sesso estruturada, com metas tera-

    puticas claras e objetivas, e focada na

    soluo de problemas.

  • 40 Paulo Knapp & colaboradores

    10. Utiliza uma variedade de tcnicas cogni-

    tivas e comportamentais para modificar

    pensamentos, humor e comportamentos.

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