Paulo Knauss, CEDES, 2005

download Paulo Knauss, CEDES, 2005

of 18

Transcript of Paulo Knauss, CEDES, 2005

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    1/18

    279Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    O DESAFIO DA CINCIA:MODELOS CIENTFICOS NO ENSINO DE HISTRIA

    PAULOKNAUSS*

    RESUMO: O trabalho pretende contribuir para a discusso sobre aquesto da cincia no ensino de histria. Defende que a aprendizagemescolar pode ser caracterizada como uma iniciao cientfica colocandono centro de suas preocupaes as diferentes bases lgicas da constru-o do conhecimento cientfico. O texto parte da constatao de quenas percepes de professores e alunos h uma dificuldade de definiro conhecimento como cientfico. A partir da, o trabalho procura carac-terizar a diversidade dos modelos de cincia, discutindo como o saberhistrico cientfico se apia em vrias lgicas explicativas. A discussopermite caracterizar como o saber disciplinar acadmico reconfigu-

    rado no contexto escolar, permitindo que na escola seja possvel explo-rar a diversidade cientfica.

    Palavras chaves: Ensino de histria. Conhecimento cientifico. Diver-sidade cientfica.

    THECHALLENGESOFSCIENCE:

    SCIENTIFICMODELSINHISTORYTEACHING

    ABSTRACT: This paper aims to contribute to the discussion on the

    issue of science in history teaching. It advocates that school learningmay be characterized as a scientific initiation focusing on the differ-ent logical bases of the construction of scientific knowledge. Thetext first observes that both teachers and students feel how difficultit is to define any knowledge as scientific. It then attempts to char-acterize the different models of science, discussing how the scientifichistorical knowledge relies on many explicative logics. The discussionallows characterizing how the academical discipline knowledge is

    * Professor do Departamento de Histria e coordenador do Laboratrio de Histria Oral eImagem da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected]

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    2/18

    280 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    reconfigured in the context of school, enabling the possibility of ex-ploring the scientific diversity at school.

    Key words: Historical teaching. Scientific knowledge. Scientific diversity.

    Dificuldade de cincia

    s pesquisas no campo da psicologia do conhecimento tm leva-do constatao de que os alunos enfrentam dificuldades em darsentido aos contedos cientficos explorados na escola. Enfrentar

    este desafio evidencia um dos aspectos da complexidade da tarefa do-cente.

    A dificuldade que os alunos tm para aceitar a perspectiva cient-fica de entendimento do mundo freqentemente no impede a repro-duo de informaes e interpretaes prvias ao ensino formal. Os alu-nos perpetuam ento perspectivas alternativas particulares, com coernciaprpria, mesmo freqentando as salas de aula e convivendo com os con-tedos escolares. Nesse quadro, registra-se, entre outras indicaes, que

    a perspectiva no-cientfica dos alunos geralmente se assenta no predo-mnio do recurso aos sentidos e experincia fsica direta na elaboraode uma leitura de mundo particular. Do mesmo modo, recorrente ainterpretao do desconhecido pelo conhecido, fazendo com que os va-lores e padres do meio social modelem a forma de abordar a realidade. assim que, apesar do processo formal de ensino, certas respostas e vi-ses acerca das coisas do mundo persistem. impossvel, portanto, nodeixar de levar em conta a especificidade da perspectiva do aluno e ad-

    mitir suas qualidades como sistema estruturado e peculiar.1

    As relaes entre conhecimento cientfico e conhecimento co-mum, ou de sentido comum, so freqentemente demarcadas por opo-sio e hierarquia. No caso do ensino, o compromisso exagerado com aperspectiva cientfica pode apenas resultar na reproduo autoritria eevasiva de contedos, no demandando uma mudana paradigmtica dosmodos de ler e pensar a realidade. Por sua vez, preciso reconhecer queo conhecimento cientfico nem sempre capaz de permear integralmen-

    te a perspectiva do aluno e suas diversas expectativas em relao ao co-nhecimento postas pela diversidade de situaes escolares e de vida. Re-conhecer o carter de oposio entre a perspectiva dos alunos e da cincia

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    3/18

    281Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    no deve significar, porm, a falta de compromisso do processo de ensi-no-aprendizagem com a construo do conhecimento renovado acerca do

    mundo. O contrrio seria compactuar com as vises do conhecimentocomum. neste instante que a ao docente e a tarefa de ensinar se co-locam como chave para o processo de construo de conhecimento de-senvolvido nos espaos educativos. nesse momento que o domnio dacincia pode ganhar sentido na sala de aula.

    Ora, se as bases racionais e abstratas do pensamento cientfico nocaracterizam o conhecimento comum da perspectiva dos alunos, as pes-quisas sobre as noes que o professorado detm do conhecimento cient-

    fico indicam uma defasagem que o aproxima da perspectiva do aluno e dosenso comum, ao mesmo tempo que o distancia da cincia. FernandoBecker estudou o universo do trabalho docente para identificar aspectosde uma teoria do conhecimento subjacente ao cotidiano da escola. O quese apresenta resumidamente uma epistemologia do professor aprioristaou empirista, ou de carter mesclado, sustentada, sobretudo, na prticaimediata e sensorial e com base no desenvolvimento cumulativo. inte-ressante destacar a anotao de que, nos depoimentos analisados, experi-

    ncia associa-se vivncia, o que significa dizer que a experincia no sedefine como abstrao a partir da ao, mas, ao contrrio, submisso a umestmulo. De modo sucinto, experincia significa repetio e no transfor-mao, uma sensao interna de que o objeto penetrou a subjetividade,submetendo-a, explica Becker (1993, p. 333). Deduz-se da como a idiade pedagogia ativa redefinida, confundindo seus pressupostos e servindo atualizao de uma pedagogia da repetio ou da reproduo.

    Essa caracterizao da condio de professor, paradoxalmente, o

    aproxima da perspectiva dos alunos, caracterizada anteriormente, e doconhecimento comum. O que surpreende nestas consideraes o fatode que o professorado como agente de difuso da cincia no valoriza asbases do conhecimento cientfico. Diversas so as razes que podem serapontadas para isto. H mesmo que se questionar se, afinal, a cincia onico contedo que existe a ser ensinado, permeada por vrios outrossaberes que convivem no cotidiano escolar e isso afeta, sobretudo, ahistria ensinada.

    No caso da histria ensinada, pode-se dizer que a dificuldade decincia reside propriamente na sua ausncia. A histria do ensino de his-tria demarcada por uma trajetria sem compromisso com o pensa-

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    4/18

    282 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    mento cientfico. Na verdade, ao longo dos tempos, a histria ensinadano Ocidente se definiu ora por uma pedagogia da religio, ora por uma

    pedagogia da civilizao, colocando-se entre a histria sagrada e a hist-ria profana, dividindo-se entre santos e heris. No Brasil, a histria comodisciplina escolar inicialmente foi marcada pelo ensino da moral religio-sa e terminou se encarregando da formao cvica.2De um modo ou deoutro, o ensino de histria desempenhou sempre um papel civilizatrio,participando do processo de afirmao de projetos de identidade nacio-nal, marcados pelo comprometimento com a insero da sociedade doBrasil nos quadros da cultura ocidental. Importa sublinhar que o con-

    tedo moral da histria que sempre marcou o ensino da disciplina nasescolas, permanecendo submetida s orientaes de contedo das diver-sas filosofias da histria, enfatizando o sentido sagrado da histria ou osentido profano. No demasiado afirmar que o ensino da moral sem-pre distanciou a histria do ensino da cincia.

    Nos quadros da histria sagrada que no caso do Ocidente identi-fica-se pela influncia do cristianismo tratava-se de ensinar, sobretudo,como ser um bom devoto para perpetuar uma sociedade pautada por va-

    lores religiosos. A questo fundamental que surge no pensamento socialreligioso a prpria perpetuao das instituies eclesisticas ou religiosas.Nos quadros de uma histria nacional, a histria serviu promoo docivismo e do patriotismo, afirmando a nao como valor superior e o Esta-do como expresso de sua grandeza. Neste caso, a nfase recai na unidadeda sociedade sublinhando o carter homogneo dos membros do corposocial, desconsiderando suas desigualdades e diferenas. Mais recentemen-te, ao se ratificar cada dia mais o compromisso democrtico da sociedadenacional, a pedagogia do civismo tendeu a ser substituda por uma peda-gogia da cidadania que atribui histria um destaque especial. O conhe-cimento histrico legitima a conquista dos direitos sociais e o reconheci-mento de camadas sociais desfavorecidas historicamente. Contudo,tambm neste caso a histria surge como matria moral, ainda que legiti-mada e justificada pelo engajamento na construo de uma sociedade querespeita diferenas e rejeita injustias.

    A questo que se coloca diante deste panorama da histria ensinada que o fundamento cientfico da histria foi raramente ressaltado na sala

    de aula, no se constituindo na base da organizao dos contedos do co-nhecimento histrico a serem trabalhados na sala de aula. assim que oensino de histria se coloca na dependncia das tendncias gerais da

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    5/18

    283Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    historiografia de ponta, no conseguindo delimitar sua especificidade nemsua autonomia face ao saber acadmico da pesquisa da cincia pura. O pas-

    sado, como matria de conhecimento, quase no tem sido afirmado na salade aula a partir da teoria do conhecimento e da cincia.

    Modelos de cincia

    A histria da cincia foi caracterizada por Gaston Bachelard (1996)em trs perodos: 1) o estado pr-cientfico, representado, na tradio oci-dental, pela linhagem de pensamento que se prolonga da Antigidade cls-

    sica at o sculo XVIII, atravessando o Renascimento; 2) o estado cientfi-co que se estende do fim do sculo XVIII at o incio do sculo XX; e 3) oestado do novo esprito cientfico, inaugurado a partir de 1905, com a di-vulgao da Relatividade de Einstein.3Tratando do pensamento cientfi-co, propriamente dito, costuma-se caracterizar dois modelos de cincia. Deum lado, o modelo identificado como newtoniano ou galileico, associados figuras histricas de Galileu Galilei e Isaac Newton e ao desenvolvimen-to dos estudos sobre a dinmica e a consagrao da lei da gravidade; de

    outro lado, possvel caracterizar o modelo einsteiniano, resultante dascontribuies da teoria unificada de Einstein, e Planck, entre outros, e damecnica quntica da Escola de Copenhagen de Bohr, Heisenberg eSchroedineer, para citar alguns nomes destacados. Apesar do perigo redu-tor da generalizao que serve, porm, aos objetivos aqui propostos possvel considerarmos que o primeiro modelo terminou identificado coma observao emprica ao valorizar a experimentao e o tratamento a par-tir de mtodos de induo, sustentando leis gerais, baseadas em princpiosdeterministas, garantidos pela lgica de causalidade (o que significa orde-nar causas e efeitos em linearidade progressiva). Por sua vez, o segundo mo-delo da cincia no sculo XX afirmou-se sob pressupostos distintos, tendoa teoria da relatividade de Einstein e a mecnica quntica como motivo deinspirao. Assim, o modelo contemporneo enfatiza a deduo, salientan-do a importncia da demonstrao lgica, baseada na ordem probabilstica,ressaltando o indeterminismo, a fim de elaborar leis relativas, condiciona-das pela variabilidade das condies dos fatos.

    Em um livro pioneiro, cuja primeira edio data de 1925, Bertrand

    Russel procurou avaliar as conseqncias filosficas da relatividade, subli-nhando, ento, o abandono de concepes de verdades absolutas em favorde verdades aproximadas ou relativas. Indica que preciso compreender

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    6/18

    284 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    que a fsica contempornea informa muito menos sobre o mundo fsico doque se imagina. Isso, fundamentalmente, porque o mundo fsico surge

    como abstrato. Ao lado disso, o pressuposto da matria reificada (matriacoisificada) desabsoltuizado, em favor da concepo de uma matriaacontecimental, devido relatividade dos fatos. Considera-se, ento, que omundo deixa de ser concebido como um mundo de coisas em movimen-to, afirmando-se como um mundo de acontecimento, uma vez que a ma-tria ou as coisas so como acontecimentos (Russel, 1974). H um deslo-camento da matria da objetividade que deixa de ser demarcada pelaspropriedades fsicas para ser caracterizada pelas propriedades temporais.

    O que resulta dessas consideraes que o mundo fsico einsteini-ano passa a ser concebido a partir de sua natureza processual. Nesse senti-do, os acontecimentos tornam-se o material da fsica, assim como todas asdemais cincias e no meramente domnio da histria. Ainda nos anosde 1920, em um ensaio igualmente inaugurador, o espanhol Ortega yGasset (1987) lanou a discusso sobre o sentido histrico da teoria deEinstein. Sua primeira observao a ser anotada que a fsica clssica defi-nia noes absolutas de espao, tempo e movimento, ao contrrio da fsica

    contempornea que enfatiza o carter relativo da realidade. Resulta que oabsolutismo da antiga fsica baseia-se em verdades a priori, sobreva-lorizando o sujeito do conhecimento que impe valores realidade fsica.4

    Em contraposio, a teoria einsteiniana relativiza a condio da razo hu-mana, instaurando o perspectivismo, ao reconhecer que no h um nicocentro de percepo do mundo. O filsofo espanhol destaca que operspectivismo no deve ser confundido com mero subjetivismo, isso por-que a realidade se revela perspectivada ao se apresentar de diversas manei-ras, assim como espao e tempo so elementos variveis ainda que objeti-vos. A perspectiva no assim uma deformao do sujeito, mas a prpriaforma pela qual a realidade se apresenta.5Bachelard (1996, p. 130) ano-taria em outra parte: Na realidade, no h fenmenos simples; o fenme-no um tecido de relaes. O importante que, em seu desdobramento,isso significa que a razo deixa de ser norma imperativa, pois resulta dainterao entre razo e observao. Segundo Ortega y Gasset, isso permite,inclusive, que se pense a diversidade das culturas fora dos parmetros deuma norma imperativa que molde a existncia humana. Em seu desdo-

    bramento, a teoria de Einstein coloca-se como justificao da multipli-cidade dos pontos de vista, o que significa uma nova maneira de sentir ahistria e a vida.

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    7/18

    285Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    Disso decorre que os parmetros racionais do novo esprito cientfi-co, com apoio na compreenso de uma realidade abstrata e perspectivada

    ao elaborar verdades relativas, estabelecem um novo padro de conheci-mento. desse modo que a teoria do conhecimento contempornea estmarcada pela afirmao de que o conhecimento cientfico contradiz o co-nhecimento comum (Bachelard, 1996). Ernest Nagel, em obra clssica,chama a ateno para o fato de que as sociedades que descobriram o usoda roda no sabiam nada sobre as foras de frico, nem conheciam as ra-zes que faziam com que o transporte das coisas ficasse mais fcil sobrerodas do que se fossem arrastadas pelo solo (Nagel, 1991, p. 17) .. Esse

    exemplo sugere os limites da informao adquirida pela experincia cor-rente que, dificilmente, a partir de suas condicionantes, se dedica a elabo-rar uma explicao complexa dos fatos. O conhecimento comum raramen-te consciente de seus limites, adequando-se a situaes invariveis,colocando-se na dependncia de fatores constantes, o que caracteriza suarestrio. Esses limites buscam ser superados pelo conhecimento cientficosistemtico, estimulado pelos freqentes juzos contraditrios ou antag-nicos existentes no cotidiano.

    A distncia entre o sentido comum do conhecimento e a cinciano se define pelo grau de abstrao, mas, sobretudo, pelo fato da cinciase afastar dos valores imediatos especficos e procurar elaborar sistemasexplicativos abrangentes para um conjunto grande de fenmenos variados. por isso que podemos afirmar que a origem da cincia se relaciona dire-tamente com a vontade de explicaes sistemticas e controlveis. Os prin-cpios explicativos, orientados pela organizao e classificao do conheci-mento, constituem o objetivo da cincia, formulando as condies em queos fatos ocorrem em termos gerais. Alm disso, a prtica cientfica ao

    contrrio do sentido comum consiste em uma crtica dedicada a umaconstante avaliao da fora de suas assertivas. A conseqncia da relativi-dade das verdades cientficas permite que sua validade, ainda que admiti-da sob determinadas condies, seja superada, fortalecendo sua identifica-o com parmetros mutantes e no constantes. Desse modo, a cincia sedistingue do sentido comum do conhecimento.

    Resumidamente, podemos afirmar que o conhecimento cientficopossui carter cada vez menos absoluto, sendo esse aspecto, no entanto,

    uma ratificao de sua validade universal. J nos acostumamos aos novosmedicamentos que substituem os antigos com mais propriedade, o que noinvalida a eficcia dos anteriores, mas revelam sua superao. Sua criao

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    8/18

    286 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    est sempre sob vigilncia crtica, ao mesmo tempo que a avaliao dos seusnveis de objetividade garante a universalidade de seu alcance. relevante

    sublinhar, ainda, que a cincia no progride por acumulao.6Tudo issoconfere ao conhecimento cientfico um carter diversificado e marcado pelamultiplicidade, que reside na matria da prpria histria da cincia.

    Lgicas da cincia

    O que se evidencia com o carter histrico do conhecimento cient-fico e a constatao da sua diversidade que a cincia no se define como

    dado, mas como construo intelectual.7

    Acrescente-se, ainda, que con-temporaneamente a natureza mutante das explicaes cientficas decorredo carter processual do conhecimento cientfico, resultante de uma con-cepo processual da realidade fsica caracterizada como acontecimental.Diante disso, o sujeito do conhecimento cientfico caracteriza-se pelomesmo carter processual do perspectivismo, sendo obrigado a redefinira todo instante a natureza de seus objetos, recorrendo a recursos meto-dolgicos cada vez mais sustentados na abstrao aproximada. Resultada que todo o conhecimento cientfico se sustenta na sua capacidade dedemonstrao lgica. So as operaes lgicas do pensamento cientficoque delimitam a validade da afirmao dessa forma especfica de conhe-cimento.

    A caracterizao da estrutura da cincia apresentada por Nagel in-dica que as explicaes cientficas obedecem a quatro modelos lgicos: 1)explicaes dedutivas, cujo produto resultado de premissas; 2) explica-es probabilsticas, quando as premissas so insuficientes para garantir averdade do produto, afirmando sua submisso s variveis; 3) explicaesfuncionais ou teleolgicas, quando a unidade do sistema explicativo residena indicao de um ou mais elementos funcionais, definindo seu papelinstrumental para alcanar seu objetivo; 4) explicaes genticas, que sebaseiam na descrio da seqncia de evoluo de um objeto ou sistemaoriginrio a partir da transformao de outro anterior.8

    No caso da historiografia, estes quatro modelos lgicos de explica-o estruturam modelos de teoria social. O padro lgico dedutivo, porexemplo, aparece claramente na verso sistmica da anlise social que ca-

    racteriza as sociedades, estabelecendo modelos gerais. Essa abordagem t-pica das caracterizaes gerais das sociedades a partir da identificao desuas instituies sociais, combinando a esfera da economia, da poltica e

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    9/18

    287Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    da cultura. Uma forma comum desse tipo de lgica explicativa emerge apartir do universo do materialismo histrico, que caracteriza as sociedades

    a partir de estruturas sociais. Nesse mesmo caso, enquadram-se os mode-los de explicao de carter orgnico ou mecnico da sociedade, de inspi-rao durkheiminiana, que muitas vezes influenciou a histria social dosAnnales. Do mesmo modo, os desdobramentos dos ideais-tipos da socio-logia compreensiva, que ultrapassam a individualidade histrica, permitemleituras dedutivas, reunindo diferentes sociedades em torno da mesmaconceituao histrica. Nesses casos, a caracterizao das sociedades ganhaum sentido formal. Por sua vez, o modelo probabilstico demarca, por

    exemplo, uma teoria social aberta que caracteriza os processos histricoscomo campo de possibilidades, instaurados a partir de variveis que soidentificadas pela caracterizao da experincia histrica dos mltiplos su-jeitos sociais. Inclui-se a no apenas uma histria das subjetividades, mastambm do jogo de escalas, que abarca desde a histria do imaginrio e daantropologia histrica micro-histria. Na historiografia recente sobre aescravido no Brasil, o debate entre o papel das estruturas sociais ou aspossibilidades de sua redefinio processual por parte dos sujeitos sociaisenvolvidos revela os limites e horizontes definidos na teoria social para aafirmao dos cativos na sociedade escravista marcada pela dominao dossenhores.

    As explicaes funcionais, por sua vez, caracterizam grande parte dateoria social que emerge da historiografia, associadas histria escatolgicacrist, por exemplo, e os modelos cientificistas, de sabor evolucionista, mar-cados pelos determinismos diversos. Mas, igualmente, formas de caracteri-zao dos processos sociais marcados por categorias operacionais como lutade classe, de origem marxista, ou inconsciente coletivo, em certa tradioda histria das mentalidades. Por outro lado, as explicaes genticas ca-racterizam um outro conjunto de teorias sociais histricas que enfatizam aabordagem cronolgica descritiva ou apoiada no princpio de estabeleci-mento de relaes de causa e efeito, formas de tratamento tpicas da hist-ria historicizante. A essa leitura dos fatos histricos, a partir de sua evidn-cia superficial, contrape-se uma outra abordagem gentica que procuraencontrar na descrio do processo social estruturas subjacentes dinmi-ca social. Interessa contemporaneamente destacar a importncia desta se-

    gunda vertente de valorizao de uma lgica gentica de explicao cient-fica para a histria. Nesse segundo caso, pode-se fazer referncia a umahistria marcada pelo desejo de afirmar o papel da longa durao, seja

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    10/18

    288 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    numa histria econmica associada obra de Fernand Braudel, seja numahistria do imaginrio exemplificada no livro sobre o medo, de Georges

    Lefebvre. De outro modo, podemos nos referir igualmente histria socialinspirada na obra de Ernest Labrousse, que se articula a partir da anlisede fontes seriais para reconhecer ciclos e conjunturas, reconhecendo o rit-mo dos acontecimentos e identificando os marcos subjacentes do processosocial. Neste caso, a nfase nos mtodos quantitativos e na histria serialindica o mesmo sentido gentico, que se explicita nos quadros de conjun-tura e na tentativa de encontrar lgicas subjacentes no processo histrico. preciso advertir, no entanto, que, no caso da pesquisa histrica, as lgi-

    cas funcionais e genticas se aproximam muito, uma vez que a explicitaodo papel funcional de um elemento pode resultar em um tratamento ge-ntico do processo histrico que o aproxima da ordem do factual. Resumi-damente, essa caracterizao das vertentes historiogrficas a partir de lgi-cas explicativas corre o risco da generalizao.

    Contudo, a caracterizao apresentada pode permitir apontar tam-bm vertentes da historiografia escolar. Nos livros didticos de histria, aprimeira lgica explicativa explorada, sobretudo, no tratamento das soci-

    edades da Antigidade, que so caracterizadas pelas instituies gerais davida econmica, poltica e cultural, formando uma estrutura social geraldemarcada como partes complementares do mesmo conjunto. No limite,a imagem das sociedades aproximada ou igualada, diferenciando-se pelamanifestao diversificada dos tipos sociais o perfil egpcio se distinguedo perfil helenstico, assim como as pirmides so diferentes dos templosgregos. Essa leitura se estende ainda com freqncia para caracterizar a ge-neralidade das sociedades medievais europias demarcadas pela servido,pelo feudalismo e pelo cristianismo; ou ainda para caracterizar as socieda-des europias da poca Moderna, seja no tempo do Renascimento defi-nido como fato social total marcado pelo renascimento comercial, urbanoe cultural , seja no seu perodo clssico moderno delimitado peloMercantilismo, Absolutismo e Iluminismo. O mesmo esquema formal dasestruturas e instituies sociais se repete na explicao de diferentes ordenssociais. Todavia, a introduo da lgica probabilstica mais recente nahistoriografia didtica e menos destacada. Freqentemente, mencionadaem captulos introdutrios sobre a natureza do conhecimento histrico ou

    de definio das sociedades a partir de sua diversidade. O que se caracteri-za, nesses casos, a multiplicidade dos sujeitos sociais como atores ativosdo processo social. Essa perspectiva apresenta-se com freqncia nos livros

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    11/18

    289Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    didticos em boxesde texto ou atividades complementares, que explorambiografias ou fontes de poca, procurando apresentar leituras particulares

    do mundo vivido para explicitar como a experincia histrica no neces-sariamente homognea ou linear e possui singularidades. Verifica-se, noentanto, a dificuldade da historiografia didtica em relacionar as duas l-gicas explicativas.

    A explicao funcional, por seu turno, aparece com freqncia nahistoriografia escolar. Os exemplos mais claros so: o caso exemplar da Re-voluo Francesa e suas etapas, que se caracterizam como momentos daluta de classes, reconhecida pela identificao de grupos polticos que se

    confrontam. Tratamento similar aparece tambm no caso da Revoluo In-glesa, ou da Revoluo Russa. Nestes casos, h sempre um elemento depapel funcional que conduz a leitura dos acontecimentos. Por outro lado,explicaes genticas apoiadas nas relaes de causa e efeito aparecem notratamento didtico do fim do mundo antigo, em que se caracteriza, porexemplo, as invases brbaras e a dissoluo do centro poltico imperialou, ainda, no tratamento da Revoluo Industrial a partir da histria doscercamentos e da mquina a vapor.

    O que interessa enfatizar a partir destas referncias que as diferen-as entre as teorias sociais dos nossos tempos acompanham a pluralidadedas formas do pensamento cientfico. Destaca-se que tratar a histria nosignifica abordar o passado como dado, mas, sim, como discursointerpretativo logicamente constitudo.

    Na verdade, esta afirmao poderia ser generalizada para todos oscampos da investigao cientfica, pois o que prprio da cincia ser umcampo de debates aberto a reavaliaes. Nestes termos, o que prprio da

    cincia no so os dados apresentados a respeito do universo e da histria,mas, sim, formas de ler e interpretar os fatos e abordar os objetos de co-nhecimento. No centro da definio e das leituras que o conhecimentocientfico promove coloca-se, portanto, o sujeito do conhecimento que ope-ra lgicas explicativas diversas que definem o objeto de sua investigao einterrogao. Se o conhecimento cientfico e a teoria social cientfica nose constroem a partir de uma lgica explicativa exclusiva para a interpreta-o e conceituao de seus objetos o que evidencia, alis, as qualidades e

    os limites de suas prprias assertivas , preciso reconhecer que a sua di-versidade lgica serve como parmetro para a prpria caracterizao da ci-ncia como exerccio intelectual.

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    12/18

    290 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    No sem razo, na discusso contempornea sobre a teoria da hist-ria, a ordem narrativa do conhecimento histrico tem sido ressaltada. Keith

    Jenkins (2001) afirma que o passado, como matria de estudo, no podeser confundido com a histria, que se define antes pela historiografia, oupela escrita da histria. Desse modo, a histria antes uma srie de dis-cursos sobre o passado e que confere a tudo que se passou em outro tem-po sentidos e significados. Nestes termos, passado e histria so instnciasautnomas, ainda que relacionadas. a partir de sua autonomia que asleituras mltiplas do passado qualificam a prpria histria como forma deconhecimento. No centro, se coloca o conhecimento como produto de

    operaes logicamente conduzidas.

    Em direo cincia

    As diferentes ordens lgicas caracterizam a diversidade do conheci-mento cientfico. No campo do saber acadmico os profissionais precisamcaracterizar sua produo pela defesa de um modelo explicativo. Por sua vez,a historiografia escolar caracteriza como o ensino da histria se apia no re-

    curso a diferentes modelos de explicao cientfica e explora a diversidade demodelos de cincia. Nesse momento, o saber escolar demarca sua espe-cificidade, pois se permite fazer o que no campo do saber acadmico noseria permitido: utilizar-se de diferentes formas de pensar a histria sem pu-dores, recorrendo ao que convm no processo de ensino e aprendizagem.Nem sempre, porm, essa diversidade se constitui em matria do ensino,pois a ordem dos fatos se impe na ordem da organizao do pensamento.

    A diversidade cientfica de explicaes pode servir para redefinir os

    contedos do saber disciplinar da histria e seu sentido na escola. Em ge-ral, a disciplina da histria est associada aos seus fatos (histria antiga,medieval, moderna e contempornea) e no sua natureza terico-meto-dolgica relativa sua definio como conhecimento cientfico. Ao enfatizaros fatos, os programas escolares terminam desprestigiando a base epistemo-lgica das disciplinas de conhecimento e reforam seu carter normativo eunvoco. De outro lado, nas ltimas dcadas passou-se a falar da impor-tncia de trabalhar os conceitos. E, mais recentemente, de procedimentose atitudes. O que se observa a idia de que necessrio reconsiderar o

    papel do contedo de ensino, apontando o seu carter complexo e plu-ral, indicando a relao complementar e a dependncia mtua entre osdiversos contedos da mesma disciplina de conhecimento.9

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    13/18

    291Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    Os debates educacionais contemporneos sobre a psicologia daaprendizagem ou sobre o saber escolar nem sempre implicam o debate

    sobre a natureza das disciplinas escolares demarcadas pelo estatuto da cin-cia. O exemplo da histria pode ser mesmo considerado um dos mais radi-cais, em que a discusso da natureza do conhecimento relegada s pginasintrodutrias dos livros didticos, no sendo retomada ou explicitada ao lon-go dos captulos de contedo. Contraditoriamente, o tratamento escolar doscontedos especficos da histria nos livros didticos termina explorando di-ferentes modelos explicativos, utilizando-se de interpretaes historiogrficasde carter distinto. Em nenhuma parte, por exemplo, explica-se a razo do

    tratamento diferenciado para abordar a Antigidade mesopotmica e a Re-voluo Russa nos manuais escolares. Porque um caso estudado a partir deestruturas abrangentes e que cobrem uma temporalidade alargada e, noutrocaso, o historiador caracteriza um processo de curta durao que no colo-cado como questo. possvel entender isso pela operao de conceitos dife-renciados (civilizao e revoluo), mas se poderia, igualmente, explicitar deque modo os conceitos dependem e tm por base os diferentes modelos delgica explicativa, por exemplo. Explicitar essa diferena de tratamento equi-vale a entregar o verdadeiro ouro do conhecimento, exibir o prprio proces-so intelectual de construo e polemizar a melhor maneira de abordar e in-terpretar o processo social. Confrontar modelos de explicao da histriacientfica significa tambm chamar ateno para o debate historiogrfico, noapenas em termos de confronto de verses, mas em termos lgicos e formaisde anlise.

    Cabe anotar ainda que, nesse caso, interessa menos a ltima verso dapesquisa acadmica sobre determinado fato da histria. Interessa, sobretudo,a possibilidade de explorar uma velha ou uma nova interpretao da histriano processo de ensino-aprendizagem, demonstrando como se realiza o exer-ccio interpretativo e confrontando as qualidades das diferentes explicaesda histria.

    A partir do reconhecimento da diversidade e do carter aberto dopensamento cientfico, autorizado pela histria da cincia contempornea,o ensino pode superar a dependncia em relao aos fatos e verses doscontedos especficos. Isto importante, sobretudo, porque as matrias dacincia so mltiplas e variveis, marcadas pela renovao constante. A di-

    vulgao cientfica de massa, que envolve os alunos mais interessados e nemsempre consegue ser acompanhada pelos professores na mesma medida,coloca um desafio ainda maior para os caadores de fatos. No entanto, na

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    14/18

    292 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    imprensa dos dias de hoje, nas colunas sobre inovaes da medicina, porexemplo, comum acompanharmos notcias de especialistas em determi-

    nada matria que se contradizem, colocando o leigo numa situao difcilde ter que entender a diversidade dos pontos de vista cientficos. Importaa explicitar que a cincia se caracteriza pela atitude de pesquisa, o que noa reduz dimenso emprica, mas a define antes como procedimentometodolgico e terico, cujo critrio a sua discutibilidade, que a instaurasobre a marca do dilogo, conforme indica Demo (1990).

    Essa identificao pode fornecer elementos para aproximar a apren-dizagem escolar de uma iniciao cientfica exercitada a partir das diferen-

    tes bases lgicas da construo do conhecimento cientfico e no a partirdos fatos que compem o campo especfico de cada disciplina. As opera-es lgicas do conhecimento cientfico podem servir, assim, como refe-rncias metodolgicas do planejamento do processo de ensino e aprendi-zagem. A 5 srie do ensino fundamental, por exemplo, ao tratar aAntiguidade e a Idade Mdia, caracteriza-se na historiografia escolar comoo momento de exercitar o modelo de explicao dedutiva da histria (e alonga durao). A histria contempornea da 8 srie seria o momento detratar as explicaes genticas (e a curta durao). Trata-se de pensar a dis-ciplina como campo epistemolgico que deve ser experimentado na salade aula, promovendo o esprito curioso e investigativo.

    No caso da histria, recorrente o caso dos jovens docentes se ve-rem diante do dilema de trabalharem com contedos da histria ensinadaque muitas vezes eles no esto inteiramente de acordo. o caso, por exem-plo, da questo da causa e do efeito, que rejeitada teoricamente por par-cela das correntes historiogrficas, especialmente devido sua associaocom o pensamento positivista e a busca de leis gerais. Ocorre que no mo-mento de trabalhar o contedo a respeito da Primeira Guerra Mundial,por exemplo, a historiografia corrente insiste em descrever as causas do pro-cesso que se desenrolou e no oferece alternativas ao professor. Ocorre queo princpio da causa e efeito parte da histria da cincia e da historio-grafia. Desse modo, o exerccio sobre a causa e o efeito deveria ser abordadoantes como interrogao sobre as formas de explicar e interpretar o processohistrico, colocando na sala de aula as bases do conhecimento cientfico. Arigor, pode-se considerar que a cada nova unidade de ensino se exercita

    contedos epistemolgicos implcitos explicao dos fatos estudados. Tra-tar a natureza epistemolgica do conhecimento na sala de aula significariaintroduzir uma interrogao sobre as possibilidades do prprio sujeito do

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    15/18

    293Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    conhecimento, desnaturalizando os objetos de estudo e definindo a cinciacomo construo intelectual.

    O resultado da explorao da diversidade da cincia no ensino podeter o significado de condicionar o saber disciplinar na escola em novas ba-ses. Primeiramente, autonomizando-o em relao ao saber acadmico aopermitir-se explorar os diferentes modelos cientficos e no se comprome-tendo com a exclusividade de uma lgica explicativa (o que pode ser carac-terizado como prprio do saber acadmico e que caracteriza a marca auto-ral de um grupo de pesquisa ou pesquisador). Em segundo lugar, tomar adiversidade cientfica como referncia para o ensino e a aprendizagem per-

    mite redefinir a prtica da pesquisa na sala de aula, indo alm da caricatu-ra ou da caa a fatos. Interrogar a cincia como construo intelectual einterpretativa configura a pesquisa como princpio educativo que promoveo sujeito do conhecimento e deixa a cincia ao alcance dos que movem opensamento. A cincia, assim, desafia o ensino de histria.

    Recebido em maio de 2005 e aprovado em setembro de 2005.

    Notas1. Para uma introduo a essa discusso, conferir Colinvaux-de-Domingues (1997).

    2. Um quadro geral da histria da histria ensinada se encontra em Bittencourt (1992/1993,p. 7-16).

    3. O mesmo autor, em outra obra, sobre a alegada unidade da cincia, chama ateno para operigo de postulao de uma epistemologia unitria (Bachelard, 1985).

    4. Henri Poincar (1995, p. 7) chama ateno para a necessidade de se examinar o enqua-dramento da natureza a partir das categorias de tempo e espao e apresenta o seguinte co-

    mentrio: (...) j mostrei o quanto seu valor relativo; no a natureza que os impe ans, somos ns que os impomos natureza porque os achamos cmodos (...).

    5. La perspectiva es el orden y forma que la realidad toma para el que la contempla. Si varia ellugar que el contemplador ocupa, varia tambin la perspectiva. En cambio, si el contempladores sustituido por otro en el mismo lugar, la perspectiva permanence identica. Ciertamente,si no hay un sujeto que contemple, a quien la realidad aparezca, no hay perspectiva (Ortegay Gasset, op. cit., p. 189).

    6. Thomas Kuhn (1987) apresentou a mais conhecida verso da histria da cincia que se con-trape a uma leitura do progresso cumulativo do conhecimento cientfico.

    7 . De outro modo, Jos Ortega y Gasset (1989, p. 25-26) j havia afirmado que A cincia

    a interpretao dos fatos. Por si mesmos eles no nos do a realidade, ao contrrio, ocul-tam-na, isto , nos propem o problema da realidade. Se no houvesse fatos, no haveriaproblemas (...). A realidade no dado, algo dado oferecido mas construo, que o ho-mem faz com o material dado.

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    16/18

    294 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria

    8. A apresentao geral dos modelos de lgica explicativa da cincia feita no captulo 2 dolivro de Ernest Nagel, j citado. Contudo, preciso considerar que, ao longo da sua obra,Nagel vai demonstrando como estes modelos frequentemente esto imbricados. Ele dedica

    parte de sua argumentao a tratar a especificidade do conhecimento histrico e das cinci-as sociais (Nagel, 1991).

    9. Uma referncia nesse sentido o trabalho de Pozo (1998).

    Referncias bibliogrficas

    BACHELARD, G.O novo esprito cientfico. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1985.

    BACHELARD, G. A formao do esprito cientfico. Rio de Janeiro:Contraponto, 1996.

    BECKER, F.Epistemologia do professor:o cotidiano da escola. Petrpolis:Vozes, 1993. p. 333.

    BITTENCOURT, C.M.F. Os confrontos de uma disciplina escolar:da histria sagrada histria profana. Revista Brasileira de Histria,

    So Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 7-16, 1992/1993.COLINVAUX-DE-DOMINGUES, D. Ensino de conceitos cientfi-cos: cincias sociais e cincias naturais. Ensino de Histria, Niteri, v.1, n. 1, nov. 1997.

    DEMO, P. Pesquisa: princpio cientfico e educativo. So Paulo: Cortez,1990.

    JENKINS, K. A histria repensada. Campinas: Contexto, 2001.

    KUHN, T. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo: Perspectiva,1987.

    NAGEL, E. La estructura de la ciencia:problemas de la lgica de lainvestigacin cientifica. Barcelona: Paids, 1991. p. 17.

    ORTEGA Y GASSET, J. El sentido histrico de la teoria de Einstein.In: ORTEGAYGASSET, J. El tema de nuestro tiempo. Madrid, Revista deOccidente, 1987.

    ORTEGA Y GASSET, J. Em torno a Galileu: esquema das crises.Petrpolis: Vozes, 1989. p. 25-26.

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    17/18

    295Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005Disponvel em

    Paulo Knauss

    POINCAR, H. O valor da cincia. Rio de Janeiro: Contraponto,1995. p. 7.

    POZO, J.I. A aprendizagem e o ensino de fatos e conceitos. In: COLL,C. (Org.). Contedos na reforma. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1998.

    RUSSEL, B. ABCda relatividade. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

  • 7/23/2019 Paulo Knauss, CEDES, 2005

    18/18

    296 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 279-295, set./dez. 2005

    O desafio da cincia: modelos cientficos no ensino de histria