IRREQUIETO AMANHECER – ABRAÃO E SARATEATRO EVANGÉLICO (A arte Teatral a Serviço do Mestre)

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SINOPSE

NO CAPÍTULO 22 DE GÊNESIS, DEUS DÁ UMA ORDEM A ABRAÃO. ALGUM TEMPO DEPOIS DEUS TESTOU ABRAÃO. DISSE A ELE: “ABRAÃO!” “EIS-ME AQUI” ELE RESPONDEU. ENTÃO DEUS DISSE: “TOME O SEU FILHO, O SEU ÚNICO FILHO, ISAQUE, A QUEM TU AMAS, E VAI PARA A REGIÃO DE MORIÁ. SACRIFIQUE-O COMO OFERENDA NO LOCAL QUE EU TE MOSTRAREI.”

SE VOCÊ FOSSE ABRAÃO E TIVESSE ESPERADO MAIS DE 100 ANOS PELO SEU PRIMEIRO FILHO, VOCÊ VOLTARIA A DORMIR TRANQÜILO DEPOIS DE OUVIR ESTAS PALAVRAS? IRREQUIETO AMANHECER É BASEADO NA PREMISSA DE QUE MESMO POSSUINDO ABRAÃO UMA FÉ TREMENDA NA PROMESSA DE DEUS, ESTE MANDAMENTO FOI MUITO PERTURBADOR.

TEMPO30min

PERSONAGENSABRAÃO E SARA.

TEMASOBEDIÊNCIA.FÉ.PROMESSAS DE DEUS.

OBJETOSCAJADOS: NÃO SÃO NECESSÁRIOS EXCETO UM PERTENCENTE A ISAQUE. ENTRETANTO, OUTROS CAJADOS PODEM SER UTILIZADOS CONTANDO COM A DISCRIÇÃO DO DIRETOR .NÃO É NECESSÁRIA MUITA COISA, OS QUAIS FICAM A CRITÉRIO DO DIRETOR. EXCETO OS OBJETOS PERTENCENTES A ISAQUE.

HORÁRIO:

CEDO PELA MANHÃ, BEM ANTES DO AMANHECER, NO DIA EM QUE ABRAÃO LEVARÁ SEU FILHO ISAQUE, AO MONTE MORIÁ PARA O SACRIFÍCIO.

LOCAL: A TENDA DE ABRAÃO.

TRAJES: CONSIDERANDO QUE ABRAÃO NÃO DORMIU NAQUELA NOITE, ELE AINDA ESTÁ VESTINDO AS ROUPAS QUE USARA DURANTE O DIA. LEMBRE-SE QUE ABRAÃO NÃO É UM JUDEU – ELE É CALDEU. SEU VESTUÁRIO NÃO SERIA COMO OS ROUPÕES COMUMENTE DESCRITOS, MAS UM ESTILO BABILÔNICO, COM LINHAS CLARAS, E NORMALMENTE COM UM OMBRO CAÍDO. ELA NÃO USARIA A BARBA CHEIA E ESPESSA, MAS UMA BARBA CAPRICHOSAMENTE APARADA, DE FORMATO QUASE QUADRADO, E PROVAVELMENTE SEM BIGODE. ELE TALVEZ ATÉ ESTIVESSE USANDO UM CHAPÉU, O QUAL PARECERIA BASTANTE COM UM GORRO MODERNO.SARA, QUANDO ENTRA, DEMONSTRA QUE HAVIA ESTADO DORMINDO, PORTANTO NÃO ESTARIA USANDO ROUPA DO DIA-A-DIA. UM SIMPLES ROUPÃO SIMILAR AO MODELO SEM OMBRO QUE ABRAÃO ESTÁ USANDO, BASTARIA . SERIA APROPRIADO USAR UM FINO XALE SOBRE SEUS OMBROS.LEMBRE-SE, APESAR DE NÔMADES E DE MORAREM EM TENDAS, ABRAÃO E SARA NÃO ERAM POBRES. SUAS ROUPAS DEVEM REFLETIR SUA GRANDE RIQUEZA.

Entra Abraão. Ele tem perto de 112 anos. Mas considerando que ele viverá até os 175 anos, ele é considerado um homem de meia idade. Ele é visivelmente velho, mas de nenhuma maneira inseguro. Deus acabou de falar com Abraão, ordenando que ele entregue o seu filho como sacrifício – como holocausto. Ele irá viajar para o Monte Moriá (cerca de 3 dias de jornada) para realizar este sacrifício. O momento inicial passou; Abraão está pensativo, mergulhado em seus pensamentos, mas não extenuado. Ele tem vivido uma vida de total obediência ao seu Deus e mesmo com esta ordem tão inesperada ele irá cumprir. Entretanto, não é a obediência de um tolo; ele obedecerá, mas haverá um preço pessoal para sua obediência.

Abraão anda para lá e para cá pela tenda, parando para meditar, trabalhando este momento em sua mente. Finalmente ele pega algo que pertence a Isaque - um brinquedo ou uma peça de roupa – a qual foi deixada em sua tenda. Ele estuda esta lembrança dolorosa de seu filho e no que acontecerá daí a poucas horas. Primeiramente ele permanece seguro atrás de suas defesas patriarcais, mas então, abraçando o objeto (brinquedo ou roupa), ele sente remorso antecipado diante da perda que ele sofrerá.

(Nota: Neste ponto e durante toda a peça, qualquer inquietação/preocupação, ansiedade, raiva ou remorso relacionados ao sacrifício devem permanecer dentro

do contexto de Hebreus 11:19, da fé e obediência de Abraão. Deve haver, a desagradável determinação de que ele não entenda esta exigência peculiar, mas está pronto para esperar nas promessas feitas a ele pelo Senhor. De uma maneira ou de outra seu filho Isaque perpetuará sua linhagem).

Abraão:(enquanto se move pela tenda)

Ele não o tirará de mim. (confidencialmente) Ele achará uma maneira. (repetindo; mais preocupado) Ele achará uma maneira. Ele é meu filho – e o que é um homem sem um filho? Eu sei!, Ele se torna o assunto favorito de uma discussão quando seus amigos se ajuntam ao redor da fogueira. (raivosamente) Mulheres todas dão risadinhas pôr detrás de seus véus! Crianças – Crianças! Correm para os joelhos de sua pobre esposa rindo dela. Ele morre como um homem velho tendo somente outro homem velho que ficou para enterrá-lo. Sua vida fica vazia, insegura –como o reflexo em um rio lamacento. Sem alegria. Sem promessas de futuro.

Entra Sara esfregando os olhos sonolentos.

Sara :(murmurando)

Abraão?

Abraão: (surpreendido)

Sara, porque você está fora da sua cama?

Sara: Porque meu marido está fora da cama dele. Porque você está de pé?

Abraão: Oh, não é nada. Eu escutei o som de um animal do lado de fora. Você sabe que nesta época do ano os lobos rondam por aí. Não achei nada, mas agora fiquei completamente acordado.

Sara:(não acreditando nem por um minuto)

Engraçado, os sons da noite nunca o acordaram antes. (ela boceja) Você sempre os chamou de... “A música de ninar de Deus”

Abraão(com um sorriso embaraçado):

Bem, na verdade eu nunca fui um poeta. (subitamente sério) Você deu uma olhada em Isaque?

Sara: Parece dormir. (sentindo a testa de Abraão) Você está doente?

Abraão: É claro que não.

Sara: Hummm...

Abraão: Ah! E agora o diagnóstico.

Sara: Você tinha outro argumento com seu supervisor?

Abraão: Eu estou sendo julgado?

Sara: Não é da sua natureza estar de pé no meio da noite.

Abraão: Eu já disse, eu escutei um barulho (ele pára, irritado)

Sara: Eu já entendi, você escutou um barulho do lado de fora. Você vai insistir nesta

história?

Abraão: Sara! Já está muito tarde para continuarmos com este assunto. Vamos falar sobre

isto pela manhã.

Sara continua de pé, esperando pacientemente, com os braços cruzados, olhando para Abraão até que ele perde a paciência.

Abraão: Está bem. Está bem. (procurando outra desculpa) Foi a carne que eu comi a noite passada. O cordeiro não estava muito bom e o meu estômago me acordou. É isto.

Sara: Então foi a minha culinária, a culpada!

Abraão:(com impaciência)

Sara, por favor. Eu tenho certeza que a culpa é tanto do meu estômago como da sua comida. Vamos acabar com este assunto.

Sara: Bem, ninguém mais passou mal do estômago...

Abraão :(passando a mão pelo estômago)

É somente a minha indisposição.

Sara: A qual não está das melhores esta noite.

Abraão tenta conduzir a conversa para outro assunto.

Abraão:(com amor)

Venha. Assente-se aqui comigo.

Sara: No meio da noite? Nós deveríamos voltar para a cama.

Abraão: Por favor. Só um pouco. Nós ultimamente temos tido pouco tempo a sós.

Sara :(assentando-se perto de Abraão)

É diferente ter Isaque por perto, não é mesmo?

Abraão: (ternamente)

Sinto sua falta, às vezes.

Sara: (demonstrando surpresa)

Depois de todos estes anos?

Abraão: (um pouco envergonhado)

Eu sinto ciúmes do tempo que você dedica a Isaque.

Sara:Com tanta gente mimando-o, ele ocupa muito pouco do meu tempo.

Abraão: Mesmo assim eu ainda sinto sua falta.

Sara: Você já devia ter se acostumado com os novos ritmos da nossa vida.

Abraão: (sorrindo)

Novos ritmos – velhas canções! (eles riem) eu vivi a maior parte da minha vida sem um filho, (ternamente) vivi a maior parte da minha vida com você.

Sara: (afetuosamente)

Você fala de um modo estranho no meio da noite. Está tudo tão quieto, tão em paz. Parece ser o tempo de Deus – Seu tempo especial (um novo pensamento

passou por sua mente) Como se Ele tivesse destinado a luz do dia para nós, mas (com respeito) a noite é Dele. Ele está perto. Eu quase posso senti-lo.

Abraão :(melancolicamente)

Meu pai certa vez me contou sobre as ruínas de uma antiga torre que havia perto da Babilônia. Esta história se refere a um tempo perdido. Esta torre – apesar de já

estar em ruínas pela sua idade – ainda mostra uma série de níveis diferentes, degraus-

Sara: Eu conheço a história desta torre.

Abraão: A história diz que o povo construiu esta torre de maneira que eles pudessem subir os degraus e ver o céu. Eles trabalharam arduamente sob o sol por anos e anos.

A torre subia tão devagar que eles pensavam que nunca seria completada. Finalmente, ela atingiu uma altura tão perigosa, que em certas manhãs nuvens obscureciam o topo. Então Deus mostrou sua ira. Ele respondeu àqueles tolos

dando a cada um uma língua diferente e os espalhando sobre a face da terra. E este espetáculo nunca mais soube da presença do homem. Agora a torre

permanece como uma testemunha silenciosa dos métodos fúteis que os homens inventam para encontrar o seu deus.

Sara: (orgulhosamente)

Mas nós O temos exatamente aqui.

Abraão: E sem o auxílio de uma torre ridícula. O Senhor estabeleceu um novo caminho pelo qual podemos nos chegar a Ele – um caminho melhor: Ele vem até nós!

Sara :(distraidamente)

Eu não esquecerei a primeira vez que o Senhor falou com você. Você estava tão – Oh, eu não sei dizer como é que você estava. Pasmado/aturdido, eu acho. Você estava tão ansioso para me contar tudo. (ficando mais séria) Lembre-se, que o

seu Deus ainda não era o meu Deus. Como nosso sobrinho Ló, eu também estava cética e relutante em perder nosso...Bem, os nossos deuses de Ur.

Abraão: Humm, deuses tranqüilos.

Sara:Mas eu escutei. Eu estava muito curiosa em conhecer este novo Deus que na

verdade falava com Seu povo. Nossos velhos deuses ficaram em profundo silêncio. Eles somente tinham um olhar furioso com suas grandes faces de pedra – sempre com raiva de uma coisa ou outra! Eu nunca consegui descobrir o motivo da raiva deles!... Seus seguidores. Ele falava com eles – até mesmo aparecia para

eles – tornou-se um benfeitor da riqueza e posição futuras.

Abraão:(concordando)Ele está vivo!

Sara: Ele está vivo! (após pensar por um momento) Você já pensou como seria nossa

vida se você não tivesse escolhido obedecer ao nosso Senhor?

Abraão: Tem certeza que eu tinha alguma escolha?

Sara: Nós não poderíamos ter ficado na Caldéia?

Abraão: Um homem sente coisas que não sabe explicar (meditando) Sempre existe esta tensão dentro de mim. Não é dúvida; é somente tensão. Eu paro para pensar por quanto tempo Ele nos fez esperar por Isaque. Pareceu-me uma vida inteira. Ano após ano aceitando Sua palavra. Aceitando Sua promessa. Esperando. (pausa)

Ah, mas então eu me lembro daquele meu sobrinho. Minha tensão subitamente foi embora, e eu me coloquei de joelhos, clamando ao Senhor, agradecendo a Ele

por nos permitir sermos seus filhos.

Sara: Não temos tido nenhuma notícia de Ló desde então. Desde a destruição, não

temos recebido nem uma palavra.

Abraão: Como se ele nunca tivesse sido uma parte de nós.

Sara: Eu me preocupo com ele.

Abraão: Oh, Ló pode tomar conta de si próprio. Ele sempre se saiu bem.

Sara: Certo, enquanto você estava por perto.

Abraão: Porque você diz isto?

Sara: Bem, ultimamente eu tenho pensado. Talvez isto faz parte da tarefa de ser mãe: observando Isaque brincar com outros meninos, olhando-o aprender, cometer erros, tomar duas decisões por conta própria, mesmo as mais insignificantes...

Fico pensando nas decisões que ele tomará quando for adulto.

Abraão: É muito cedo para pensar nisto.

Sara:Deus só me deu uma única chance! Eu quero criá-lo de maneira correta.

Abraão :(assegurando)

Você o fará.

Sara: E como você, eu me lembro de Ló. Ele sempre teve pouca visão de futuro.

Quando você ofereceu a ele sua chance de escolher uma terra para o seu povo, sem pensar ele escolheu a mais bonita, a mais fértil.

Abraão: (inocentemente)

Uma escolha inteligente.

Sara: Uma escolha egoísta, Abraão. E para onde foi que ele levou sua família? Sodoma, quando havia tantas outras cidades! (sarcasticamente) Um lugar maravilhoso para

se criar uma família.

Abraão: O Senhor o tirou de lá.

Sara: É isto o que eu estou tentando dizer! Pense sobre isto: Em todo a caminhada pela

Caldéia, a jornada para Haran, a moradia em Haran, então todas as nossas viagens para Canaã – ao longo de todo caminho, Ló sempre estava fazendo as

escolhas erradas. Ou as escolhas certas no momento errado. Deus sempre o tirou de situações difíceis.

Abraão:

Veja só como Deus é bom!

Sara: Mas Deus salvou Ló por sua causa.

Abraão: Bem, não posso dizer que seja assim...

Sara: Ele compartilhava da sua fé?

Abraão: Ló compartilhava das nossas crenças – nosso culto ao único e verdadeiro Deus.

Sara :(insistentemente)

Ele compartilhava da nossa fé?

Abraão: (exasperado)

Não. Não compartilhava. Você está certa, Sara. O que você quer dizer com tudo isto?

Sara: Quero dizer que não penso que um relacionamento com Deus seja transmitido

pelo sangue. Ló era seu parente e ele tinha um relacionamento totalmente diferente com o Senhor.

Abraão: Porque você está tão preocupada com Ló, assim de repente?

Sara: Eu não estou preocupada com Ló. Eu estou preocupada com Isaque. Nós temos

que ensina a ele a amar ao Senhor. Isto não acontecerá somente porque ele é seu filho. Ele deve compartilhar a nossa fé.

Abraão: Você não acha que ele já compartilha?

Sara: (balançando a cabeça)

Ele ainda é uma criança. Ele o segue porque ele o ama. Ele ainda não ama ao Senhor.

Abraão:(introspectivamente, com uma voz profunda a qual Sara não entende)

Este dia chegará muito em breve.

Sara :(surpresa)

Você parece estar contente com o fato de ainda não ter amanhecido. O que aconteceu com a sua fé?

Abraão: Minha fé está intacta. É a minha coragem que me abandonou.

Sara:(afetuosamente)

Oh, o meu marido sempre teve uma grande coragem. (implicando com ele). Bem, agora espere um minuto. Eu me lembro... Sim, havia o nosso amigo Sem-Usert.

Abraão: (com voz forte)

Sara, eu já disse a você para não mencionar este nome!

Sara: Deus nos salvou do rei do Egito apesar de nós mesmos...

Abraão: Sara...

Sara: Eu não o culpo.

Abraão: Aquilo foi muito constrangedor.

Sara: Você temeu pela sua vida! Você teve poucas opções.

Abraão: Oh, mas eu escolhi a opção que colocou minha esposa em perigo!

Sara: Eu não estava em perigo.

Abraão: Não, somente pela bondade do coração dele.

Sara: Coração de quem? Sem-Usert... Ou Deus?

Abraão:

Bem, ambos, eu suponho. Sem-Usert atendeu à voz de Deus que disse a ele para nos tratar melhor do que nós merecíamos.

Sara: Ele nos tratou melhor, com certeza, pois nos expulsou de lá!

Abraão: Sim – e a nossa jornada continua. Nós ainda continuamos a nossa caminhada,

não é mesmo, Sara?

Sara: Nós levamos uma boa vida.

Abraão olha para Sara e dá uma gargalhada.

Sara:O que é que você está achando tão engraçado?

Abraão: (provocando)

Oh, eu me lembro de uma mulher jovem – há muitos anos atrás – que pensava de maneira diferente. Os pés dela estavam muito doloridos da viagem, e ela estava

sempre reclamando, reclamando...

Sara: Aquele tempo foi difícil para mim.

Abraão: E não foi difícil também para nós outros?

Sara: Foi difícil para eu deixar nossa casa e amigos em Ur. Então, quando finalmente

nos estabelecemos em Haran, nós partimos novamente.

Abraão: Você sabe porque nós partimos.

Sara: Abraão, você estava obedecendo a vozes que ninguém mais ouvia. Para mim

aquilo era... Bem, era somente uma tolice.

Abraão: Sim, eu me lembro. Nossos vizinhos disseram que eu estava respondendo o

chamado de um Deus tolo.

Sara: Você podia realmente culpá-los?

Abraão: (após pensar pôr um instante)

A fé encontra-se no fundo do coração, Sara. A princípio ninguém mais pode enxergar. Nós estávamos deixando o certo para perseguir o duvidoso. Como eles poderiam saber? A fé não pode ser compartilhada como... Como um cobertor em

uma noite fria. Nossos vizinhos somente viram que nós deixamos uma vida confortável em Haran, e fomos para uma terra estranha – a procura de um destino

desconhecido.

Sara: E eu estava tão insegura quanto eles.

Abraão:Mas a fé sempre tem certeza do seu destino.

Sara: (pensativamente)

Talvez a fé possa ser compartilhada. Onde eu consegui a minha, se não foi de você?

Abraão:Eu suponho que a fé possa ser aprendida...

Sara: (entusiasticamente)

Como a liberdade... (subitamente devagar) Ou o exílio...

Abraão:(estudando o rosto de Sara por um momento antes de falar)

Você às vezes pensa em Hagar?

Sara: (relutantemente)

Eu, bem...

Abraão: Você pensa?

Sara: (pausadamente, depois com certa tristeza)

Eu às vezes penso se ela ainda me odeia. Eu não consigo esquecer aquele olhar de animal assustado – quando você a mandou embora.

Abraão: Então ela deve odiar a mim.

Sara: (com um meio sorriso)

Você a mandou embora porque o Senhor te ordenou (maldosamente). Eu a mandei embora porque eu a odiava.

Abraão: Não exatamente raiva.

Sara: Ela tinha o meu filho – e eu a odiava por isto!

Abraão: Meu filho!

Sara: Você vê?

(Sara sai de perto de Abraão, ajuntando seus pensamentos e recompondo seu humor, após uma longa pausa)

Como nós saberemos qual é à vontade de Deus? Onde termina a nossa vontade e começa a vontade de Deus? E quando a nossa sabedoria se torna presunção?

Abraão: (seriamente)

Não tenho resposta para esta pergunta. (pensando) Bom não é nada. Sabedoria é somente... Mistérios que se aprendem com o tempo.

Sara: (um pouco na defensiva)

O que teria acontecido se eu não tivesse enviado Hagar até você? Se não fosse pela minha idéia, teria Deus encontrado outra maneira de providenciar o

nascimento de Ismael? Isto foi falta de fé, falta de paciência ou foi à sabedoria divina que me levou a realizar o propósito de Deus?

Abraão: Você procurou fazer a vontade Dele? Ou você procurou uma criança a qualquer custo? Você procurou seguir a tradição ao invés de procurar Deus... E tradição

pode ser mais poderosa do que qualquer promessa.

Sara: (argumentando)

Mas eu fiz isto por causa da promessa Dele! Como poderia nascer uma criança se não houvesse uma união? Eu pensei... Talvez Deus tivesse outra esposa em

mente para você – uma esposa que pudesse lhe dar esta herança.

Abraão:(com força)

Porque estamos sempre fazendo de Deus a nossa imagem? Porque colocamos nossas limitações sobre Ele? (energicamente) Ele é Deus! Ele envolve o universo com o Seu manto! Ele julga cidades inteiras e as destrói com Seu sopro quente.

Ele não pode colocar uma criança em um útero estéril? (pausa) Onde está a necessidade da fé, se Ele somente trabalhar no que já é esperado?

Sara: Talvez nós estejamos esperando muito de Deus?

Abraão: Não. Nós esperamos muito poucos.(ponderando; ajuntando sua evidência) Quando Ele fala comigo,... Eu posso sentir uma... (lutando para encontrar a

palavra certa) complementação em relação a Ele. Sua compaixão, Seu calor me envolvem. Mesmo além de Suas palavras para mim, eu estou... Consciente da Sua habilidade em providenciar tudo para cada necessidade minha. Ele não

somente é capaz de providenciar tudo, mas anseia para que nós confiemos nele. (pausa)

Não. Nós seremos mais felizes quando aprendermos a confiar completamente no nosso Deus. E se Ele fizer uma promessa – Esta promessa será cumprida.

(suavemente) Sara, nós já éramos velhos quando Ele nos prometeu um filho. E apesar de você ter duvidado e rido do absurdo da promessa Dele – Ele a cumpriu.

Ele manteve Sua palavra. (subitamente falando devagar) E agora nós devemos fazer a nossa parte.

Sara: (perturbada pela súbita mudança de Abraão)

Porque existe tanta escuridão em seu coração esta noite?

Abraão: (longe de Sara; cabisbaixo lidando com suas emoções)

Não. Não é escuridão. (o que é, então?) Sombras. (amedrontado; cochichando) Sombras. (lembrando que foi testemunha da destruição de Sodoma) Eu vi a Sua ira. (o que o fez lembrar-se de seu sobrinho, Ló) Como nosso Deus é complexo! Este sempre foi o problema de Ló. Ele nunca viu a complexidade do nosso Deus.

(sarcasticamente) Para ele, o Senhor era somente uma nuvem de vapor indefinida, alguém – não, alguma coisa – para fazer seus joelhos baterem. (seriamente, enfaticamente) Ele nunca reconheceu as complexidades da

personalidade de Deus: o amor, a ternura,... A ira. (agitado) Eu vi a Sua ira. (ardorosamente) eu vi a Sua ira contra Sodoma (olhos bastante abertos) horríveis

labaredas de fogo, saíam de Sua boca! Totalmente consumida! Exterminada!

Sara: (com um pouco de raiva)

Você me assusta, Abraão. Eu não consigo entendê-lo esta noite. Você está falando em círculos...

Abraão (deprimido):

Estou cansado. Velho e cansado. Às vezes eu sinto como se já tivesse vivido duas vidas.

Sara: Deus está requerendo muito de você. E você tem sido fiel.

Abraão: Tenho sido? Pelos padrões de quem? Eu tenho sido fiel ao Senhor assim como

Ele tem sido para comigo?

Sara:Nós temos sido somente humanos, apesar de tudo! Eu ri Dele, Abraão, Eu ri da

Sua promessa.

Abraão: (perdido em seus pensamentos)

Eu também tenho visto Sua ternura e Seu perdão para conosco. (ironicamente) Sua paciência. Oh, como Ele tem paciência. Nós temos sido tão estúpidos às

vezes!

Sara:(agora profundamente centrada em seus pensamentos; depois de uma

pausa)Porque Ele nos escolheu – você e eu? Porque Ele escolheu dois velhos e uma

criança para estabelecer Seu reino aqui? E sendo assim, porque Ele nos fez tão imperfeitos? Porque Ele nos escolheu para agir desta maneira?

Abraão:(reconhecendo que esta foi uma longa noite)

Nós não conseguimos conter Seu conhecimento, Sara. (meditando) Um Deus se torna inútil se você não tiver confiança Nele.

Que bem faziam os velhos deuses da Caldéia? Eles eram simplesmente objetos de um ritual vazio. Eles eram... Bem, eles eram necessários, porque os homens

sempre tiveram seus deuses – eles sempre tiveram que acreditar em alguma coisa maior do que eles. (irritado) A maioria das pessoas é como Ló. Eles querem acreditar em alguma conveniência – uma estátua de argila tola, que somente fica

assentada lá – fria, sem exigências. Você se lembra dos velhos tempos na Caldeia? Eram os sacerdotes que exigiam – não eram os deuses. Os deuses

somente ficavam assentados lá nos seus templos escuros - frios e sem vida. Não havia dependência naqueles deuses. (ficando novamente agitado) Mas o nosso

Senhor, que é Deus acima de todos os deuses, requer que nós confiemos totalmente Nele. E esta é a diferença entre “crença e fé”. (concluindo o seu

argumento) Você pode acreditar na existência de qualquer deus , mas (todos os seus pensamentos estão centralizados em Isaque e o seu sacrifício) você colocará

tudo o que você é sob sua responsabilidade? (falando devagar, a voz tremendo) Você colocaria seu bem mais precioso ... Sobre o seu altar?!

Abraão termina sua fala longe de Sara, esmagado pela súbita intensidade de suas emoções – e embaraçado pôr demonstrar fraqueza perto de Sara. Ele fica de pé, soluçando, permanecendo de costas para Sara.

Sara: (caminha em direção a Abraão)

Abraão, o que há de errado?

Abraão: Oh, sonhos e vozes...Silêncios pavorosos... Visões de como será o futuro...

(virando-se rapidamente; Sara o abraça; Abraão agarra-se a ela) Oh Sara, pode um homem ser o começo de tanta coisa? Pode um homem suportar a

responsabilidade de tantos?

Sara: (carinhosamente; acalmando-o)

Ssss... Você cumpriu a sua responsabilidade. Os dissabores de ontem ficaram para trás.

Abraão: (com olhar cansado, deprimido)

Oh, eu queria que tivessem ficado para trás. Eu queria.

Sara: Vê o que acontece quando se passa a noite acordado? Eu nunca ouvi tanta

conversa tola! (levando-o em direção à saída) Vou colocá-lo na cama e pedir aos empregados para deixá-lo dormir.

Abraão pára no centro do palco, notando o aproximar da manhã (olhando em direção à platéia).

Abraão: Amanhece. Logo a luz surgirá. (estremecendo) Oh, porque têm que existir tanta

friagem pela manhã? (demonstrando estar um pouco fora de si) A noite se despede do fio. E o sol que surge trás o seu calor... (recompondo-se; olhando para sua esposa que está preocupada; mais do que uma pergunta, ele afirma)

Você sabe que te amo?

Sara: (com a confiança que adquiriu após tantos anos de casamento)

Sim.

Abraão: (interrompendo a caminhada)

Você sabe... Que... Eu nunca a magoaria?

Sara: (confusa)

Você sempre me trouxe felicidade. (sabendo que alguma coisa estava acontecendo) Porque esta manhã te incomoda tanto?

Abraão: (separando-se de Sara)

Eu viajarei por alguns dias.

Sara: O quê?

Abraão: Arrume alguma comida na mochila para nós.

Sara: Nós?

Abraão: (lutando para manter a compostura na frente de Sara)

Vá e acorde seu filho. Levarei Isaque comigo.

Sara: Para onde vocês irão?

Abraão: O Senhor... Pediu... Um sacrifício.

Sara: Mas, porque você deve...

Abraão: (explodindo)

Somente obedeça! (no mesmo instante arrependido por ter falado com ela desta maneira, toma Sara em seus braços; dizendo mais para ele próprio do que para

Sara) Oh, meu amor! Confie no Senhor. Agarre-se àquela fé a qual tem sido conosco por todos estes anos. Não desanime! (firmemente) Ele nos prometeu. Ele

não falhará.

Sara: (suplicando)

Mas eu não entendo...

Abraão: (calmamente)

Ele nunca disse que nós deveríamos entender. Ele somente disse para obedecer. (firmemente) Agora, vá.

Sara demora-se, mas então devagar se afasta de Abraão, segurando sua mão, depois os dedos, até não se tocar mais. Ela está preocupada, mas está confiante em seu marido assim como ele está confiante no Senhor.

Sara sai.

Abraão dá um longo e último olhar ao seu redor. Ele nota o objeto pertencente a Isaque o qual havia chamado sua atenção antes. Ele o pega, olha para ele, então, coloca-o dentro de sua roupa e sai.

TEATRO EVANGÉLICO (A arte Teatral a Serviço do Mestre)