Pecado da Língua ou Alquimia do Diabo

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    Pecado da Lngua

    ou

    Alquimia do Diabo?pelos padres do Priorado Padre Anchieta

    Vivemos uma situao cada vez mais confusa, porque nos jornaise depois na internet iniciou-se uma contnua discusso, em que cadaum quer ensinar os outros. Para tornar a ser uma referncia, no hesi-taram em empregar meios injustos da maledicncia para desacreditaras outras pessoas. O uso da lngua e o ataque honra dos outros co-mearam a ser moedas correntes. A situao que resultou disso foicontendas entre pessoas que no entanto defendiam a tradio. Esta

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    anlise da situao nos conduz a abordar uma questo importante, ado pecado da lngua.

    Como veremos, j os inimigos da Igreja eram peritos nesta arte etalvez influenciaram os catlicos que estavam busca dum meio de

    neutralizar os outros catlicos e assim se destacar. Os pecados daLngua pretendem mesma eficcia que a alquimia, embora de ma-neira negativa. Em vez de transformar tudo em ouro, transformamtudo em lixo. A fora da maledicncia e da calnia que vamos cha-mar por isso a Alquimia do demnio, consegue transformar o bemem mal. O bom trabalho dos outros vai ser desprezado pela influn-cia da maledicncia e o que podia ser bom vai ser suspeito de escon-der um mal e assim o bem ser considerado um mal em potncia e omal um bem ou uma coisa necessria.

    Jesus Cristo nos aconselha a no fazer acepo de pessoas mas fa-lar segundo a Verdade e a Justia.

    No texto a seguir, vamos ver como esta arma da maledicncia uma predileo dos inimigos da igreja, inspirados pelo rei da menti-ra.

    Eis o plano traado pelos maons[1]:

    O trabalho que vamos empreender no obra nem de um dia,nem de um ms ou ano: pode durar muitos anos, um sculo talvez;mas , em nossas fileiras, morre o soldado e o combate continua. Noest em nossa mente trazer os Papas para a nossa causa, fazer delesnefitos para os nossos princpios, propagadores de nossas ideias... Oque devemos pedir, procurar e encontrar, como os judeus esperam oMessias, um papa adaptado s nossas necessidades... Ganganellientregou-se, ps e punhos amarrados, aos ministros dos Bourbons

    que lhe inspiraram medo, aos incrdulos, que apregoavam a sua to-lerncia, e Ganganelli tornou-se um grande Papa (Papa ClementeXIV, que teve a covardia de no resistir aos governos polticos, quequeriam suprimir a Companhia de Jesus, assinou um documento con-tra esta no dia 30 de Abril de 1770). Outro, mais ou menos assim, que nos convinha agora, se possvel. Assim, marcharemos com maisfirmeza, ao assalto da Igreja, do que por meio dos escritos... Quereis

    [1] Documento da Maonaria: Instruo secreta e permanente da Venda Suprema,1819.

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    saber a razo? Porque, deste modo, para destruirmos o rochedo sobreo qual fundou Deus a Sua Igreja, no precisamos de vinagrecorrosivo, plvora, ou mesmo de nossos braos: teremos o dedinhodo sucessor de Pedro envolvido na conspirao, e este dedinho vale,

    em tal cruzada, todos os Urbanos II e S. Bernardos da cristandade...No duvidamos chegar a este termo de nossos esforos, mas quandoe como?... mister deixar os incorrigveis na escola de Gonsalviou procurar nos nossos arsenais de popularidade as armas quelhes tornaram ridculo ou intil o poder, quando o tiverem nasmos. Uma palavra, que se inventa com habilidade e se tem aarte de derramar no seio de certas famlias honradas eescolhidas, para que da desa aos botequins e destas s ruas:uma palavra pode, algumas vezes, matar um homem. Se umpadre chegar de Roma, para exercer algumas funes pblicas nosconfins da Provncia, indagai logo qual o seu carter, antecedentes,qualidades e defeitos, principalmente. ele um inimigo declarado?Envolvei-o com todos os laos que puderdes armar-lhe debaixo dosps: criai-lhe uma dessas reputaes, que atemorizam as crianas eas velhas; pintai-o cruel e sanguinrio, contai alguns feitos de

    crueldade que possam gravar-se na memria do povo. Quando osjornais, por interveno nossa, aproveitarem-se destas narraes,que eles embelezaro, inevitavelmente, pelo respeito verdade,mostrai, ou antes, fazei mostrar por algum respeitvel imbecil,essas folhas, onde esto relatados os nomes dos indivduos e osexcessos inventados... Esmagai o inimigo quem quer que seja,esmagai o poderoso fora da maledicncia ou de calnias; mas,principalmente, esmagai-os no ovo...

    A) O pensamento da Igreja catlica na sua teologia:

    A honra e a reputao como que a vida social do indivduo,atentar honra ou reputao do prximo atentar contra a sua vidana sociedade, e portanto, um ato grave. Devemos pensar muito, an-tes de agredir assim a honra ou a reputao do prximo. Perder a

    honra e a reputao , s vezes, pior do que perder a vida. No deve-mos fazer aos outros o que no queremos que se faa a ns.

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    Podemos chegar rapidamente ao pecado mortal, que, para ser per-doado, exige a reparao adequada, que consiste em restaurar a honradanificada pela calnia, pelo julgamento temerrio, pela maledicn-cia, pela m interpretao da atividade do prximo, pela sugesto

    maldosa etc.Os antigos diziam que, antes de falar sobre o prximo, devera-

    mos respeitar trs regras:1 Saber se o que queremos dizer verdade;2 se o que queremos dizer til;3 se o que queremos dizer vem dum corao bom e benevolente.

    Ento, devemos nos abster de falar sobre o prximo, cada vez queno temos certeza que no seja profcuo e que estejamos animadospela impacincia, pelo dio, antipatia, vingana etc.

    A teologia moral ensina o seguinte para nos ajudar a respeitar ajustia nesta rea:

    No menos necessrio respeitar a reputao e honra do prximodo que respeitar os bens e at a vida fsica do prximo.

    a) evitar-se-o, pois, os juzos temerrios sobre o prximo: ocondenar os nossos irmos por simples aparncias ou por motivosmais ou menos fteis, sem conhecer a fundo as suas intenes, usurpar o direito de Deus, nico juiz supremo dos vivos e dos mor-tos, cometer injustia para com o prximo, pois se se condena semser ouvido nem

    conhecidos os motivos secretos das suas aes, e na maior partedas vezes, sob o imprio de preconceitos ou de qualquer paixo. A

    justia e a caridade exigem, ao contrrio, que nos abstenhamos dejulgar, e interpretemos o mais favoravelmente possvel as aes doprximo.

    b) Com maior fora de razo, devemos nos abster da maledicn-cia, que manifesta aos outros as faltas ou defeitos secretos do prxi-mo. Embora sejam muito reais esses defeitos; mas, enquanto no sodo domnio pblico, no temos direito de os revelar. Se o fazemos:

    1) contristamos ao prximo que, ao ver-se atingido na sua reputa-o, sofre com isso tanto mais quanto mais aprecia a honra.

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    2) abatemo-lo da estima dos seus semelhantes;3)enfraquecemos a autoridade, o critrio de que ele tem necessi-

    dade para gerir os seus negcios ou exercer legtima influncia, edeste modo, causamos muitas vezes prejuzos quase irreparveis.

    Nem se diga que aquele, cuja faltas se divulgam, j no tem direi-to fama; conserva-o, enquanto as faltas no so pblicas; e, sejacomo for, no se deve perder de vista a palavra de Jesus Cristo:Quem de vs estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra Jo. 8,7.

    de notar que os santos so extremamente misericordiosos, ebuscam todos os meios para salvaguardar a reputao de seus irmos.Imitemo-los. De fato, nos exerccios revelados pela Me de Deus aSanto Incio, encontramos esta regra 22 que diz assim[2]: Para quetanto o que d os exerccios espirituais como o que os recebe, mais seajudem e aproveitem, se h de pressupor que todo o bom cristo deveestar mais pronto a salvar a proposio do prximo que a conden-la;se no pode salvar, inquira como a entende, e, se entende mal, corri-ja-o com amor; e se no basta, busque todos os meios convenientes,para que, entendo-a bem, se salve.

    c) E deste modo mais seguro, estaremos evitando a calnia, que,

    por meio de imputaes mentirosas, acusa o prximo de faltas queele no cometeu. O que seguramente injustia, tanto mais gravequanto certo que, muitas vezes, inspirada pela maldade ou pelainveja. E que males no acarreta! Demasiado bem acolhida, infeliz-mente, pela malcia, circula rapidamente de boca em boca, destri areputao e a autoridade daqueles que dela so vtimas, e por vezes,causa-lhes prejuzo considervel, at mesmo nos negcios temporais.

    pois dever estrito de reparar as maledicncias e as calnias.

    difcil sem duvida, pois custa retratar-se, e, depois a retratao, porsincera que seja, no faz mais que paliar a injustia cometida: a men-tira ainda quando se desdiz, deixa muitas vezes vestgios indelveis.Isso, porm, no razo para no reparar a injustia cometida; de-ver at aplicar-se a isso com tanto mais energia e constncia quantomaior o mal. Mas, a dificuldade duma reparao deve-nos levar aabstermo-nos de tudo quanto, de perto ou de longe, nos pudesse fazer

    cair nesse grave defeito.[2] Exerccios de Santo Incio n 22

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    Eis o motivo porque as pessoas, que aspiram perfeio, cultivamno somente a justia, seno tambm a caridade que, fazendo-nos vera Deus no prximo, nos leva a evitar solicitamente tudo quanto apossa contristar.

    B) Qual o ensinamento da Igreja sobre este assunto, atravs dossermes de So Joo Maria Vianney, padroeiro dos Procos.

    Primeiro Sermo - do 11 Domingo depois de Pentecostes

    Graas dou-Vos, Meu Deus porque eu no sou como os outros

    homens, que so ladres, injustos e adlteros, nem como este publi-cano que est por ai (Lc 18,11)

    Tal , meus caros irmos, a linguagem dos orgulhosos, que cheiode boa estima por si prprio, despreza, em pensamento, o prximo,censura a sua conduta, e condena as aes que so realizadas com asintenes mais puras e mais inocentes. No encontra fora de si mes-

    mo, nada que seja bem dito ou bem feito; se pode v-lo sempre a es-piar as palavras e as aes do seu vizinho, e sobre as menores aparn-

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    cias de mal, sem nada examinar, j censura, julga e condena-os. Ah!maldito pecado, quantas divises, dios, contendas tu causas, e paramelhor dizer, quantas almas arrastas tu nos infernos! Sim Meus carosamigos, vemos que uma pessoa que est sujeita a este pecado escan-

    daliza-se e est chocado por tudo. Era necessrio que Jesus Cristojulgasse este pecado muito mau, que os danos que faz no mundo fos-sem muito assustadores; por que para nos inspirar tanto horror quefor possvel, apresenta-o duma maneira to clara e to sentida na pes-soa deste fariseu. Ah, meus caros irmos, quo grandes e assustado-res so os males que acarreta este maldito pecado! Oh, como difcilse corrigir dele por aquele que j est afetado deste vcio. Para vosempenhar, meus caros irmos, a nunca vos deixar domar por um tomau defeito, vou vos mostrar:

    1) a Malcia deste pecado;2) os meios que devemos empregar para nos garantir dele.

    1 digo primeiramente, que o julgamento temerrio um pensa-mento ou uma palavra desvantajosa sobre a conta do prximo e sobligeiras aparncias. S dimana dum corao mau, repleto de orgulho

    e de inveja; porque um bom cristo, que penetrado da sua misria,no pensa nem julga mal de ningum; nunca ao menos, sem ter umconhecimento certo, e mesmo assim, somente quando est obrigadopor dever de vigiar sobre estas pessoas e nunca de maneira outra. Di-zemos, meus caros irmos, que os julgamento temerrios brotam nocorao dos orgulhosos e dos invejosos, o que muito fcil entender.Um orgulhoso e um invejoso apenas tem boa opinio dele mesmo, einterprete a mal tudo o que o prximo pode fazer; o bem que ele nota

    no prximo aflige-o e o ri de tristeza. A sagrada Escritura nos d umbom exemplo em Caim, que virava em mal tudo o que o seu irmofazia[3]. Vendo que era agradvel a Deus, Caim concebeu o projeto demat-lo. Foi o mesmo caso com Esa que quis matar o seu irmoJac[4]. Passava o seu tempo a espiar o que ele fazia, pensando sem-pre o mal no seu corao, no encontrando boas aes. Mas o seu ir-mo Jac, que tinha um corao bom e um esprito humilde, no s

    [3] Gn 4,5[4] Gn 27,41

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    no pensava mal do seu irmo, mas tambm amava-o de todo o seucorao, pensava sempre bem dele, desculpava as suas aes, apesarde muito ms, pois que ele buscava lhe tirar a vida. Jac fazia tudopara lhe mudar as disposies do corao do seu irmo rezava a Deus

    por ele, fazia-lhe at presentes para lhe demonstrar que ele o amava eque tinha os pensamentos que Esa imaginava. Ai meu Deus, meusirmos, como mau este pecado no corao dum cristo que noconsegue sofrer o bem dos outros, tornando mal tudo o que os outrosfazem! Sim, meus irmos, este pecado um verme roedor que devoradia e noite estas pobres pessoas: vede-los sempre tristes,melanclicos, sem querer confessar o que o cansa, porque o orgulhopoderia ser ferido; este pecado f-los morrer fogo brando. meuDeus, que triste vida! Mas que vida mais feliz, meus irmos, que adaquele que no est inclinado a julgar mal o seu prximo, que pensasempre bem dos outros! A sua alma est em paz, no pensa mal senoapenas dele prprio, e por ai, humilha-se diante de Deus e espera naSua Misericrdia. Eis ai um bom exemplo.

    Lemos na biografia dos Padres do deserto, que um religioso quelevou uma vida das mais puras e das mais castas, foi atingido por

    uma doena, e morreu. Como ele era perto da sua morte, e todos osreligiosos do mosteiro estavam volta dele, o superior pediu-lhe quelhes dissesse em que ele pensava ter sido mais agradvel a Deus.Meu padre, respondeu o religioso santo, isso muito difcil paramim, mas por obedincia, eu vos vou diz-lo. Desde a minha infn-cia, eu foi vitima de muitas tentaes fortes da parte do demnio;mas tanto mais ele me atormentava, tanto mais Deus me consolava,bem como a Virgem Maria, que um dia que eu estava bem atacado

    pelo demnio, me apareceu bem repleta de glria, repeli o Demnioe encorajou-me a perseverar na virtude. A fim, diz-me ela, de vos tor-nar os meios mais fceis, eu vou vos desvendar alguma coisa das ri-quezas do Meu filho divino; quero vos ensinar trs coisas, que, se aspraticais bem, vos tornaro muito agradvel aos olhos de Deus, e vosfar vencer facilmente o demnio, vosso inimigo, que apenas busca avossa perda eterna. H de vos humilhar: no comer, nunca buscar o

    que vos agrada mais, no vestir, sempre com vestido simples; nas vos-sas funes, nunca buscar o que podia vos enaltecer aos olhos do

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    mundo, mas o que pode vos manter na humildade; para com o vossoprximo, nunca julgai mal nem as palavras, nem as aes dele que ovede a fazer, porque muitas as vezes os pensamentos do corao noso as mesmas do que parece na ao. Julgai e pensai bem de toda as

    pessoas; uma ao agradvel ao meu Filho. A santa Virgemdesapareceu dizendo-me isso, e por fazer isso que me aplicou desdeeste tempo; o que me fez muito merecer para o cu.

    Depois disso, meus irmos, vedes portanto que s h um coraomau que possa julgar mal do seu prximo. Alm disso, no devemosjulgar o prximo sem ter em considerao a sua fraqueza e o seu ar-rependimento que ele pode ter do seu pecado. Ordinariamente, e qua-se sempre, arrependemo-nos de ter mal pensado ou mal falado dosoutros, porque, muitas vezes, depois de ter bem examinado, reconhe-cemos que o que tnhamos falado do prximo era falso. Acontece oque ocorreu aos que julgaram a casta Susana, sob o relatrio de doisfalsos testemunhas, sem ter-lhe dado o tempo de se justificar[5]; ou-tros imitam a presuno e a malcia dos judeus, que publicaram queJesus Cristo era um blasfemador[6], era do demnio[7], enfim, outrosconduzem-se como fariseus, que, sem examinar se a Madalena tinha

    renunciado s suas desordens, ou no, apenas considerava-a comouma infama pecadora[8], apesar de v-la aflita chorando ao p de Je-sus, o seu Salvador e Redentor.

    O Fariseus, meus irmos, que Jesus nos apresenta como um mo-delo infame daqueles que pensam e que julga mal do prximo, caiu,segundo toda a aparncia, em trs pecados. Condenando este pobrepublicano, pensa mal, julga mal e condena-o, sem mesmo conheceras disposies do seu corao. Pronunciava o seu julgamento apenas

    com conjunturas: eis, meus irmos, o primeiro carter do julgamentotemerrio. Ele julga em si prximo apenas por um efeito do seu orgu-lho e da sua malcia: eis o segundo carter deste maldito pecado. En-fim, no sabendo se o que ele lhe imputava era falso ou justo, julgoue condenou-o; enquanto que este penitente, recolhido numa esquinado templo, batia a seu peito, e regava o pavimento com as suas lgri-

    [5] Dn. 13, 41

    [6] Mt. 9, 3[7] Jo 7, 20[8] Lc 7, 39

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    mas pedindo misericrdia ao bom Deus.Digo, 1, meus irmos, que o que d tantas ocasies de julgamen-

    tos temerrios, que consideramos isso apenas como pouca coisa;enquanto que, muitas as vezes, pode haver pecado mortal, se a mat-

    ria considervel. mas, dir-me-eis, isso s ocorre no corao. precisamente o que torna o pecado especialmente mau, ao passoque o nosso corao criado s por amar a Deus e o prximo; e serum traidor... Muitas vezes, de fato, em nossas palavras deixamos crer(aos outros) que os amamos, que temos uma boa opinio deles; en-quanto que, em ns mesmo, odiamo-los. Mas h outros que pensamque, ao no dizer o que eles pensam, no h mal nenhum. verdadeque o pecado menos quando no o manifestamos ao exterior, por-que, ento, seria um veneno que tentaramos destilar no corao donosso vizinho contra o prximo.

    Se este pecado j grande, desde que o cometemos no nosso cora-o, eu deixo-vos imaginar o que ele aos olhos de Deus, quando te-mos a infelicidade de manifest-lo por palavras. Isso deve levar-nos abem examinar as coisas antes de pronunciar um julgamento sobre onosso prximo, por medo de se enganar: o que nos acontece muitas

    vezes. Vede um juiz, quando condena umas pessoas morte: introduzos testemunhas, um aps outro; interroga-os, extremamente atentoao examinar se eles no se contradizem; ameaa-os, olhando paraeles afivelando um ar temvel: o que provoca o temor e o susto noscoraes; faz at todos os esforos para tirar , se possvel, a verdadeda boca do ru. Vedes que , na menor dvida, ele suspende o seu jul-gamento; e se sente obrigado a fulminar a sentena de morte, faz issos tremendo, no receio de condenar uma pessoa inocente. Ah! meus

    irmos, quantos julgamentos a menos, se tivssemos a felicidade detomar todas estas cautelas ao querer julgar a conduta do nosso prxi-mo. Ah!, meus irmos, quantas almas a menos nos infernos!

    Deus nos d um bom exemplo da maneira com que devemos jul-gar o prximo, e isso na pessoa do nosso primeiro pai Ado. O se-nhor tinha certamente visto e ouvido tudo do que eles disseram e fi-zeram; podia muito bem condenar os nossos primeiros pais sem mais

    exame; mas no, para nos ensinar a no precipitar nada no julgamen-to que queramos pronunciar contra as aes do prximo, Ele os in-

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    terrogou um aps outro, para que confessassem o mal que tinham co-metido[9]. Donde pode vir, meus caros irmos, esta multido de julga-mentos to precipitados sobre a conta do prximo? Ai meu Deus,dum grande orgulho que nos cega escondendo-nos os nossos prprios

    defeitos, que so inumerveis, e, muitas vezes, muito mais horrorosodo que os defeitos das pessoas que condenamos; e podemos dizer quequase sempre enganamo-nos julgando mal as aes do prximo. Euvi alguns que muito com certeza faziam julgamento falso; apesar deser advertido que se enganavam, no queriam abandonar esta manei-ra de julgar. Pois vamos, pobres orgulhosos, Deus est a esperar porvs, e diante Dele, sereis bem obrigados de reconhecer que apenasera o vosso orgulho que vos levava a julgar mal do vosso prximo.Por outro lado, meus caros irmos, para julgar uma pessoa na base doque ela diz ou faz, e no se enganar, seria necessrio conhecer as dis-posies do corao e a inteno que ela tinha quando fazia ou diziaisso. Ai meu Deus, meus caros irmos, no tomemos todas estas cau-telas: o que nos leva tanto fazer mal examinando a conduta dos nos-sos vizinhos. Fazemos como que se condenaramos morte uma pes-soa seguindo o mero relatrio de algumas pessoas levianas, sem dei-

    xar-lhe o tempo de se justificar.Mas, dir-me-eis talvez, julgamos apenas o que vemos, e ouvimos;e o de que somos testemunhas: eu o vi fazer tal ao, logo sou teste-munha; ouvi o que ele disse, com os meus prprios ouvidos; segundoisso, no posso enganar-me. Pois bem, eu dir-vos-ia de comearpor entrar em vosso corao que apenas um monto de orgulho,que como que completamente queimado por este vcio: reconhecer-vos-eis infinitamente mais culpveis que aquele que julgais to teme-

    rariamente, e tendes muito mais motivos de temer que um dia o ve-reis entrar no cu , enquanto que sereis arrastados pelos demniosnos infernos! Ah! Desgraados orgulhosos, diz-nos Santo Agosti-nho, atreveis-vos a julgar o vosso irmo a partir das menores aparn-cias de mal, e ser que sabeis se ele j no se tinha arrependido dassuas faltas, e se ele no j do nmero dos amigos de Deus? Acaute-lais-vos somente de que ele tomasse o lugar que o vosso orgulho est

    a vos pr em perigo de perder. Sim, meus caros irmos, todos estes[9] Gn 3

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    julgamentos temerrios e todas estas interpretaes s pode dimanarduma pessoa que tem um orgulho secreto, que no se conhece, e quese pretende conhecer o interior do seu prximo: o que s conhecidode Deus. Ai meu Deus! meus caros irmos, se conseguirmos levar a

    cabo de erradicar este primeiro pecado capital do nosso corao,nunca o nosso prximo seria to mal e nunca perderamos o tempode examinar a sua conduta; bastar-nos-ia de chorar os nossos pecadose de trabalhar , tanto quanto poderamos, em corrigir, e nada mais.No, meus caros irmos, No penso que haja pecado maior a temer emais difcil de emendar, e isso, at nas pessoas que parecem cumpriros seus deveres religiosos. Sim, meus caros irmos, uma pessoa queno est atingido por este maldito pecado pode se salvar sem grandepenitncia; eis um exemplo: aconteceu na vida dos Padres do desertoque um monge tinha levado uma vida muito ordinria e que apareciaao ver dos outros religiosos, muito imperfeita. Estando na hora dasua morte, o superior via-o to tranquilo e to contente como se o culhe era assegurado. Admirado desta paz, e temendo que isso fosseeste engano que muitas as vezes o demnio consegue inspirar nasalmas, diz-lhe o seguinte: Meu Irmo, parece-me que sois bem

    tranqilo e como uma pessoa que no tem nada a temer; no entanto, avossa vida no tem nada que possa vos assegurar; pelo contrario, opouco de bem que fizestes deveria vos assustar, no momento em quemais santos tremiam. isso verdade, meu padre, lhe respondeuo religiosos, tudo o que consegui fazer muito pouca coisa, e quasenada; mas o que me consola neste momento, que, em toda a minhavida, fui preocupado de cumprir o preceito do Senhor, que dado atoda gente, de nunca pensar, falar, julgar mal de ningum: pensava

    que todos os meus irmos faziam melhor do que mim, sempreacreditei que eu era o maior criminoso do mundo; sempre escondi edesculpei as faltas deles na medida em que Deus queria, e porqueJesus dizia: No julgai, e no sereis julgados, espero ser julgadofavoravelmente. Eis, meu padre, em que se assenta a minhaesperana. O superior, tudo admirado disso, exclamou: Ah quelinda virtude, como sois dum grande preo diante de Deus! Ide em

    paz , meu irmo, fizestes tudo, o cu vos assegurado! que lindavirtude, como sois rara! Ai meu Deus! Sois to rara como raros so

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    aqueles que so pronto para o cu!De fato, meus caros irmos, o que seria um cristo que tivesse to-

    das as virtudes sem ter esta? Ai meu Deus apenas um hipcrita, umfalso, um mau, que, por ser virtuoso exteriormente, no seno pior

    e mais maldoso. Quereis, meus caros irmos, saber se pertenceis aDeus? Vede a maneira com que vos comportais com o prximo, vedecomo examinais e julgais as aes dele. Vamos pobres orgulhosos,pobre invejosos, o inferno est a espera por vs, e mais nada. Masabordamos isso de mais perto.

    Falar-se-ia bem duma filha narrando as suas boas qualidades? Ah,dir um, se ela tem boas qualidades, tambm tem ms; freqenta acompanhia dum tal que no tem muito boa reputao; estou com cer-teza que no se encontram para fazer o bem. Eis uma tal que andabem vestida e que veste bem os seus filhos, mas deveria antes pagaras suas dvidas. Ao ver uma tal, parece ela boa e afvel com toda agente, mas, se a conhecerdes como eu a conheo, julg-la-ia muitodiferentemente; ela fez todas estas caretas apenas para esconder assuas desordens; um tal vai pedi-la em casamento, mas se ele me pe-disse um conselho, eu indicar-lhe-ia o que ele no sabe sobre ela;

    para dizer melhor, um mau sujeito. Quem esta pessoa que pas-sa? Dir um outro. Ai meu Deus! melhor no conhec-la, ignor-la,no seria grande mal; no vou vos dizer algo a mais. Afastai-vos dasua companhia, um verdadeiro escandaloso; toda a gente o conside-ra como tal. Olhe, tal como esta mulher que faz a sbia e a devota,no h pior pessoa que uma vez a terra suportou; alias, o ordinriodestas pessoas que querem passar por virtuosas, ou, se quereis, porser sbia, mas que so ms, vingativas. Talvez, esta pessoa vos te-

    nha feito algum ultraje? Oh, No; mas sabeis que elas so todas asmesmas. Eu estive um dia com um dos meus antigos conhecidos, um bom bbado e um famoso insolente. Talvez, dir o outro, eletivesse cometido algo de irritante contra vs ? Ah! No; nunca eleme diz coisas que no se deve, mas todas as pessoas consideram-nocomo tal. Se no fosse vs a dizer-me isso, no seria eu capaz deacreditar nisso. Quando ele est com aqueles que no o conhecem,

    ele sabe fazer o hipcrita, para fazer acreditar que homem honesto. como um dia que eu estava com um tal, que conheceis bem, era

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    tambm um homem virtuoso: mas se no faz mal a ningum, nodevemos por isso lhe dar a nossa confiana, porque ele s age assim,no podendo fazer de outro modo; asseguro-vos que eu no quereriaficar sozinho com ele. Talvez, porque ele j vos fez mal algumas

    vezes, dir o outro? . No, nunca, porque nunca tive negcioalgum com ele. Mas ento como sabeis que ele um mauindividuo?. Oh no difcil afirmar isso, todas as pessoas dizemisso. tambm aquele que estava um dia conosco: ao ouvi-lo falar,dir-se-ia que ele o homem mais caridoso do mundo, que no recusaalgo a quem lhe pede; enquanto que ele um avarento de primeira,que para ganhar dois centavos, percorreria dez lguas. Asseguro-vosque hoje j no se conhece bem o mundo, no se pode dar confianaa ningum. ainda aquele de que vos falava recentemente: elerealiza bem os seus negcios, est bem comportado, todos os seusesto muito bem estabelecidos. Isso no muito difcil, ele nodorme a noite inteira. Talvez, o senhor o apanhasse em flagrantefurtando? - Oh! No, nunca o vi roubar nada; mas, diz-se que umanoite ele entrou na sua casa muito carregado; alm disso, ele no temmuita boa reputao. Ele conclui, dizendo: asseguro-vos que eu no

    sou perfeito, mas ficaria muito irritado de valer menos do que estapessoa.Vede este famoso fariseu, que jejua duas vezes por semana, que

    paga o dzimo de tudo o que ele possui, e que agradece a Deus de noser como o resto dos homens, que so injustos, ladres e adlteros!Vede este orgulho, este dio e esta inveja!

    Mas, diga-me, meus caros irmos, sobre o que se fundamentamestes julgamentos e estas sentenas? Que pena! sobre fracas apa-

    rncias, e muitas vezes, sobre um boato. Mas, talvez, dir-me-eis quej tendes tudo visto, tudo ouvido. Que pena! Podeis vos enganar nomesmo, ouvindo e olhando, como vereis. 1 para no se enganar, necessrio conhecer as disposies do corao da pessoa, a sua inten-o realizando a ao. Eis um exemplo que vai vos mostrar, comono se possa melhor, que podemos facilmente nos enganar, e que en-ganamo-nos quase sempre. Digais-me, meus caros irmos, o que te-

    reis dito se vivsseis no tempo de So Nicolau, e que o visse andardurante a noite rodear volta da casa de trs moas, examinando

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    bem, e acautelando-se de que ningum o visse. Eis um bispo, tereislogo pensado, que desonra o seu carter, pois um famoso hipcrita;na igreja, ele parece ser um santo, e ei-lo durante a noite, porta detrs moas, que no tm muita boa reputao. No entanto, meus, e no

    entanto, era uma viva piedosa, muito casta e agradvel a Deus, queexps a sua vida para salvar a do seu povo. Diga-me, meus irmos,com a vossa precipitao em julgar mal o vosso prximo, o quetereis pensado, se tivsseis visto o Casto Jos sair do quarto damulher de Putifar, e ouvindo gritar a mulher, tendo na mo umpedao do manto de Jos, perseguindo-o como que um infame, quequis abusar da sua honra caros irmos, este bispo que certamenteteria sido condenado, era um grande santo e muito querido de Deus;porque o que ele fazia era a melhor obra do mundo. Para evitar queestas moas sejam envergonhadas de mendicar, ele vinha de noitejogar dinheiro pela janela dentro do quarto, receando que a pobrezaas obrigasse a se entregar ao pecado. Se tivesse visto a linda Juditedeixar o seu traje de luto, e revestir tudo o que a natureza e a arte podia lhe oferecer, para realar a sua formosura, que eraextraordinria, tereis dito com certeza, vendo-a entrar no quarto do

    general da tropa, que apenas era um vicioso inveterado; vendo-a,digo eu, parecendo fazer tudo o que podia para agradar-lhe, tereisdito: Eis uma mulher de m vida[10], e no entanto, era uma vivapiedosa, muito casta e agradvel a Deus, que exps a sua vida parasalvar a do seu povo. Diga-me, meus irmos, com a vossaprecipitao em julgar mal o vosso prximo, o que tereis pensado, setivsseis visto o Casto Jos sair do quarto da mulher de Putifar, eouvindo gritar a mulher, tendo na mo um pedao do manto de Jos,

    perseguindo-o como que um infame, que quis abusar da sua honra? [11]Logo, sem examinar, tereis pensado e dito que este jovem era ummau sujeito e um libertino, por ter tentado induzir esta mulher nomal, e ainda por cima a mulher do seu mestre, de quem ele recebeutantos benefcios. De fato, Putifar, o seu mestre, condena-o, e todasas pessoas julgam-no ru, censuram-no e desprezam-no; mas Deus,que conhece o fundo do corao e a inocncia de Jos, felicita-o da

    [10] Jt 10, 3-17

    [11] Gn 39,16

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    sua vitria, do fato de ele preferir, antes perder a sua reputao e ata sua vida, do que perder a sua inocncia, cometendo o menorpecado.

    Sereis de acordo comigo, meus irmos, do grande perigo em que

    estamos de julgar mal as aes do nosso prximo, apesar de todos osconhecimentos e as referncias certas que nos pensamos ter? O quenos deve levar a nunca julgar as aes do nosso prximo sem ter bemrefletido antes, e ademais, s quando somos encarregados da condutadestas pessoas, como o so os pais e as mes, os mestres e professo-res; mas, quanto s outras pessoas, quase sempre mal tentar julgaros outros. Sim, meus irmos, j vi pessoas julgarem mal das inten-es do seu prximo, que eu conhecia muito bem, que eram boas.Por mais que eu lhes fizesse entender isso, j no valia a pena. Quepena! Maldito orgulho, quanto mal tu fazes e quantas almas tu con-duzes para o inferno! Digais-me, meus irmos, estamos mais funda-mentados nos nossos julgamentos, que lanamos sobre as aes donosso prximo do que aqueles que teria visto So Nicolau, querodeava volta da casa destas trs moas e que tentava descobrir ajanela do quarto delas; estamos mais seguros do que aqueles que teri-

    am visto Judite adornando-se vantajosamente, antes de parecer noquarto de Holofernes? No, meus irmos, no estamos mais segurosdos julgamentos que lanamos contra o nosso prximo, do que aque-les que viram a mulher de Putifar com o pedao de manto de Jos namo, e gritando a todos aqueles que podiam ouvir as acusaes con-tra Jos de a ter ofendido na sua honestidade. Eis, meus irmos, trsexemplos que o Esprito Santo nos deixou, para nos ensinar como asaparncias so enganadoras, e como nos arriscamos a pecar, julgando

    mal as aes do prximo; sobretudo, quando no temos a obrigaode dar conta da conduta deles no tribunal de Deus.

    Vemos que o fariseu julgava muito temerariamente este publicanode ser um ladro, porque cobrava os impostos (em nome dos roma-nos); dizendo, sem saber nada, que ele exigia injustamente mais doque devia e usava da sua autoridade para fazer injustias. No entanto,este pretenso ladro retira-se do templo de Deus, justificado, e este

    fariseu, que se imaginava perfeito, regressa a casa mais culpvel; oque nos mostra que, na maior parte das vezes, o que est julgando

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    mais culpvel do que aquele que julgado.Mas, como so maus estes coraes orgulhosos, invejosos, ciu-

    mentos, pois que so estes trs vcios que levam a julgar mal dos vi-zinhos. Algum foi roubado? Temos perdido alguma coisa? Logo,

    pensamos que talvez seja um tal que fez isso e pensamos sem ter omenor conhecimento. Ah! meus irmos, se conhecsseis bem este pe-cado, vereis que um dos pecados mais temveis, que o menos co-nhecido e o mais difcil de se emendar. Tentai ouvir estes coraesimbudos deste vicio. Se algum exerce um emprego, assume umcargo em que os outros cometeram injustia; logo, eles concluem quetodos aqueles que desempenham este papel fazem o mesmo, que novalem mais do que os outros, que so todos ladres e sem escrpulos.Se, numa famlia, um filho se comporta mal, todos os outros j novalem nada. Se, numa parquia, algumas pessoas cometeram umacoisa escandalosa, toda a parquia composta de maus elementos.Se, dentre os sacerdotes, h alguns que no so to santos como de-veriam, todos os outros so da mesma, no valem nada: o que ordina-riamente um pretexto para desculpar a sua prpria indiferena pelasalvao. Porque Judas no valia nada, quereria fazer acreditar que os

    outros Apstolos tambm no valiam nada? Do fato de Caim ser ummau elemento, pensais que o seu irmo Abel era semelhante a ele?No, sem dvida. Porque os irmos de Jos foram miserveis e tomaus, pensais que Jos foi o mesmo? No, certo, pois que foi umsanto. Se vemos algum que recusa a esmola a um pobre, logo dize-mos que avarento, que tem um corao mais duro que uma pedra,que, ademais, nunca valeu nada; enquanto que teria feito em segredograndes obras de caridade, que s vamos conhecer no julgamento fi-

    nal.Que pena! meus irmos, digamos que cada um fala da abundn-

    cia do corao, como diz muito bem Nosso Senhor Jesus Cristomesmo; conhecemos a rvore pelos seus frutos [12]. Quereis conhe-cer o corao duma pessoa? Escutai-a a falar. Um avarento sabe falarsomente dos avarentos, daqueles que enganam, que so injustos; umorgulhoso no para de aborrecer os ouvintes acerca daqueles que

    querem se fazer valer aos olhos dos outros, que pensam ter muito es-[12] Mt 12,33-34

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    prito, que se gabam do que eles fazem ou dizem. Um impudico notem nenhuma palavra na boca, seno que um tal leva uma vida m;que tem uma relao com uma tal, que perdeu a reputao; etc... por-que seria demasiado longo de entrar nestes pormenores.

    Que pena! meus irmos, se tivssemos a alegria de ser isentos doorgulho e da inveja, nunca julgaramos as pessoas, contentaramo-nosem chorar sobre as nossas misrias espirituais e rezarmos pelos pob-res pecadores, e nada mais; sendo bem convencido que o Senhor ape-nas nos exigir de prestar conta das nossas aes e no das dos ou-tros. Ademais, como nos atrevemos a julgar e a condenar algum,mesmo ainda que o surpreendssemos cometendo um pecado? SantoAgostinho no disse que aquele que ontem era um grande pecador,pode ser hoje um santo penitente. Quando vemos muitos males no prximo,. Que pena! meus irmos, quantos pecados cometemosdesta maneira! Que pena! Quantas pessoas no conhecem estespecados e por consequncia nunca os tinham confessado! Meu Deus,quantas pessoas danadas por no se ter deixado instruir sobre esteassunto e de no ter bem refletido nisso! digamos ao menos: quepena, se Deus no me tivesse dado mais graas do que a ele, talvez ti-

    vesse cado mais gravemente. Sim meus irmos, o julgamento teme-rrio acarreta necessariamente consigo a runa e a perda da caridadecrist. De fato, meus irmos, logo que lanamos uma suspeita sobrealgum de mal se conduzir, j no temos a mesma opinio favorvelque deveramos ter dela. Alm disso, meus irmos, no a ns queos outros devem prestar conta da sua vida, mas unicamente a Deus;trata-se de se estabelecer em juiz naquilo que no nos compete; ospecados dos outros so por eles mesmos e os nossos pecados sero

    por ns. Deus no nos pedir contas do que os outros fizeram; mas,muito antes, pedir contas do que ns mesmos teremos feito; acaute-lemo-nos somente de ns e no nos atormentemos tanto dos outros,pensando ou dizendo o que os outros disseram ou fizeram. Tudo isso,meus irmos, apenas tempo perdido, que s provm dum orgulhoprofundo, semelhante ao deste fariseu, que s estava preocupado empensar e julgar mal do prximo, em vez de bem se cuidar e de gemer

    sobre a sua prpria vida. No, meus irmos, deixemos de lado a con-duta do prximo, contentemo-nos em dizer, como o santo rei David:

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    Meu Deu concedei-me a graa de me conhecer, tal como sou, paraque eu veja o que pode Vos agradar, que me possa emendar,arrepender e obter o perdo. No, meus irmos, tanto quanto umapessoa perde o seu tempo em examinar a conduta dos outros, nem ela

    se conhecer, nem pertencer a Deus, quer dizer que continuar aviver no orgulho e na teimosia. O nosso Senhor nos disse: No julgueis e no sereis julgados. O Meu Pai vos tratar da mesmamaneira do que tratareis aos outros; a mesma medida, queempregareis para os outros, ser empregada por vs[13]. Ademais,meus irmos, quem dentre vs estaria contente, se algum julgassemal do que ele faz ou diz? Ningum na verdade. Nosso Senhor nodisse: No fazeis aos outros o que no desejais que se faais avs[14]. Que pena! meus irmos, quantos pecados cometemos destamaneira! Que pena! Quantas pessoas no conhecem estes pecados epor consequncia nunca os tinham confessado! Meu Deus, quantaspessoas danadas por no se ter deixado instruir sobre este assunto ede no ter bem refletido nisso!

    II. Acabamos de ver como este pecado comum e horrvel aos

    olhos de Deus, e ao mesmo tempo, como difcil de ser emendado.Para no vos deixar sem vos dar o meio de nos corrigir, vejamosquais so os remdios que devemos empregar para nos preservar delee para nos corrigir, se temos a desgraa de ter sido culpveis destepecado. So Bernardo, este grande Santo, nos disse que, se no qui-sermos julgar mal o nosso prximo, devemos evitar a curiosidade,este desejo de saber demasiado, e de no nos informar do que faz umou diz um outro, nem do que acontece dentre das casas. Deixemos o

    mundo andar como Deus permite que ande, apenas pesando e julgan-do mal de ns mesmos. Uma vez se dizia a So Tomas, que tinha opi-nies demasiadas boas das pessoas e que vrios se aproveitavam dasua bondade para o enganar. Ele lhe fez esta muita boa resposta: tal-vez, isso seja verdade; mas, penso que somente eu seja capaz de fazero mal, como sendo o mais miservel do mundo; Prefiro muito antesque eles me enganem, do que eu me enganasse julgando mal o prxi-

    [13] Mt 7,1-2

    [14] Mt. 7; Tb 4,16

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    mo. Escutai o que diz o prprio Jesus Cristo pela boca de So Joo:Quem ama o seu prximo, cumpre todos os mandamentos deDeus[15]. Para no julgar mal ningum, meus irmos, preciso sem-pre separar o que ela faz da inteno que ela teria podido ter, reali-

    zando a ao. Talvez, devsseis pensar em vs mesmos, imaginavaele fazer mal cometendo-o; talvez, propusesse um bom objectivo, outinha sido enganado a si mesmo; quem sabe? talvez por ligeireza eno por Malcia; s vezes, agem sem refletir, quando eles virem oque fizeram, arrepender-se-o; Deus perdoa facilmente uma ao deligeireza, muito se pode acontecer que um dia consigam ser eles bonscristos e santos...

    Santo Ambrsio d-nos um bom exemplo, no elogio que ele fezdo imperador Valentino, dizendo que este imperador nunca julgavamal as pessoas e que castigava os crimes em que caiam os seus sdi-tos, o mais tarde possvel. Se eles eram jovens, atribua as faltas deles leviandade da idade deles e ao pouco de experincia. Se eram deidade, respondia que a fraqueza da idade deles e da caducidade podialhe servir de desculpa; que talvez, tivessem durante muito tempo re-sistido e combatido antes de fazer o mal, e que o arrependimento ti-

    vesse seguido de perto pecado. Se eram elevados em dignidade, dizi-a-se em si prprio: que pena! Ningum duvida que as honras e asdignidades seja um grande peso capaz de nos arrastar ao mal; a cadainstante, encontramo-la para faz-lo. Se fosse simples particulares:Meu Deus, dizia ele, esta pessoa fez mal apenas por medo; sem d-vida, para no desagradar a algumas pessoas, que lhe tinham feito umbem. Se eram completamente pobres: quem pode duvidar que a pob-reza seja algo de muito duro? que eles precisavam disso para no

    morrer de fome eles ou os seus filhos; talvez, eles fizessem isso so-mente com arrependimento, com o pensamento de reparar depois odano. Mas, quando a coisa era demasiado evidente, e j no podiadesculpar: Meu Deus, exclamava ele, como o demnio astuto! H,talvez, muito tempo que estava a tent-lo: e ele fez esta falta, verda-de, mas, talvez, o seu arrependimento lhe merecesse o perdo da par-te de Deus: o que sabemos? Se Deus me tivesse posto a tanta provas,

    no teria eu feito mal ainda maior? Como eu teria a coragem de jul-[15] Rm 13,8

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    gar e conden-lo? Ele vai ter tempo suficiente para ser julgado e cas-tigado por Deus, que no se pode enganar nos seus julgamentos; en-quanto que ns, na maioria das vezes, enganamo-nos, por falta deluz; mas penso que Deus vai ter piedade dele, e um dia, ele rezar por

    mim, que posso cair a cada instante e condenar-me.Vede, meus irmos, a maneira como que este imperador se com-

    portava; vede como ele em todo o momento, encontrava sempre oque desculpar dos defeitos do seu prximo e interpretava tudo embem e nunca em mal? Ah, meus irmos, isto porque o seu coraoera livre deste detestvel orgulho e desta negra inveja ou cime, emque temos a desgraa de ser mergulhados. Considerai, meus irmos,a conduta das pessoas do mundo, se eles tm a caridade crist, queinterpreta tudo em bem e nunca em mal. Que pena!, meus irmos, setivssemos a felicidade de lanar um olhar sobre a nossa vida passa-da, contentaramo-nos de chorar as nossas misrias, de ter passadodias a praticar o mal e deixaramos de lado, com certeza, o que noest a ver conosco.

    Vemos, meus irmos, que h poucos vcios de que os santos ti-nham mais horror como o da maledicncia. Lemos na vida de So

    Pacmio, que, quando algum falava mal do seu prximo, afivelavauma averso impressionante, dizendo que da boca dum cristo, nuncadevia sair palavras desvantajosas contra o prximo. Se no conseguiaimpedir-lhes de maldizer, fugia com precipitao; mostrava por ai,como isso lhe causava penas [16]. Ele fugia. So Joo-O-Esmoleiro,quando via algum maldizer na sua companhia, mandava ao que ti-nha a funo de abrir a porta de no deix-lo entrar uma outra vez, seo via regressar, para ensin- lo a corrigir-se. Um santo solitrio dizia

    um dia a So Pacmio: Meu padre, como se pode impedir de falarmal do prximo? So Pacmio respondeu-lhe: necessrio sempreter diante dos olhos o retrato do nosso prximo e o nosso: Se olha-mos atentamente o nosso e os seus defeitos, ento temos a certeza deestimar o do prximo e de nunca falar mal; Amaremos ao menos talcomo ns mesmos, considerando-o muito mais perfeito do que ns.Santo Agostinho, sendo bispo, tinha um tal horror da maledicncia e

    do maledicente, que por parar um costume to mau, e to indigno[16] Biografia dos Padre do Deserto. V. 1, p. 327.

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    dum cristo, que mandou escrever na sala de jantar, estas palavras:Quem ama dilacerar a reputao do seu prximo, deve saber queesta mesa lhe proibida. [17] Se algum, at dentre de bispos,infringisse a regra e desatava a proferir maledicncia, com to

    vivacidade cesurava-o, que chegava a dizer-lhe: Quer apagai estaspalavras escritas nesta casa, quer levantai-vos e ide embora para asvossas casas, antes do fim da refeio; ou se no quereis acabar comestes discursos, eu mesmo me levantarei e vos deixarei ai sozinhos.Possdio, que escreveu a sua vida, disse-nos que foi testemunha destefato narrado.

    relatado na vida de Santo Anto, que ele caminhava com outrossolitrios que, durante a viagem, falavam de vrias boas coisas; mas,como muito difcil, e at impossvel falar muito tempo, sem cair nacrtica sobre a conduta do prximo. Ao cabo da viagem, So Antodisse aos seus companheiros de viagem: Tendes tido muito sorte deter por companheiros este bom velho e dirigindo-se para um velho,que no abriu a boca durante toda a viagem, dizendo-lhe: Pois bem!Meu Padre, no verdade que fizestes uma boa viagem encontrandoa companhia destes solitrios? verdade que eles so bons, res-

    pondia-lhe o velho, mas no tm porta na sua casa querendo dizerque no conseguem reter a sua lngua e que muitas vezes feriram areputao do prximo.

    Ah meus irmos, concluamos que h muito pouco que colocamportas na sua casa, isto na sua boca, para no deixar sair coisas queprejudica o prximo. Feliz aquele que deixar ao lado a conduta doprximo, no sendo encarregado dela, para s pensar em si prprio,gemendo sobre as suas faltas e fazendo todos os esforos para emen-

    dar-se! Feliz quem seja apenas preocupado na sua mente e no seu co-rao das coisas que respeitam a Deus, empregando a sua lngua uni-camente para pedir perdo a Deus, e os seus olhos para chorar sobreos seus pecados...!

    [17] Biografia dos Padre do Deserto. V. 1, p. 327.

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    Segundo Sermo do 11 Domingo depois de Pentecostes Amaledicncia

    A sua lngua foi desligada e falava muito bem. (Mc 7,35)

    Como seria desejvel que se possa dizer de cada um de ns, o quefoi dito deste mudo, que Jesus curou: que ele falava muito bem. Ai!meus irmos, no poderia, pelo contrrio, censurar-nos de falar quasesempre mal, sobretudo, quando falamos do prximo. Qual de fato aconduta do cristo hoje em dia? Ei-la. Criticar, censurar, denegrir econdenar o que faz o prximo: eis dentre todos os vcios o mais uni-versalmente difundido, e talvez, o pior de todos. Vcio que nunca po-deramos suficientemente detestar, vcio que tem as consequnciasmais funestas, que acarreta sempre em todo lado perturbao e deso-lao. Ah! Oxal, de me dar um destes carves que o anjo utilizoupara purificar os lbios do profeta Isaas[18], afim de purificar a lnguade todos os homens! Oh! Quantos males assim poderamos afastar dasuperfcie da terra, se pudssemos expelir a maledicncia. Ser queposso, meus irmos, vos inspirar tanto horror que tenhais a felicidade

    de vos emendar para sempre?

    Qual o meu desgnio, meus irmos? Ei-lo a: de vos fazer co-nhecer:

    1 o que a maledicncia;2 Quais so as causas dela e as suas consequncias;3 a necessidade e a dificuldade da reparao.

    I.No quero empreender de vos mostrar a grandeza , e fealdadedeste crime que faz tanto mal; quer dizer que a causa de tantas con-tendas, dios, assassinatos e inimizades, que duram tanto tempocomo a vida das pessoas, visto que no poupa mais os bons do que osmaus; basta vos dizer que este crime um dos arrastam mais almaspara o inferno. Creio que vos mais necessrio vos fazer conhecer dequantas maneiras podemos nos tornar culpveis; para que, conhecen-

    do o mal que fazeis, possais corrigir-vos, e evitar os tormentos que[18] Is 6,6-7;

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    lhe so preparados no mundo do alm. Se me perguntais o que amaledicncia, eu dir-vos-ei: fazer conhecer um defeito ou uma fal-ta do prximo duma maneira capaz de prejudicar, mais ou menos, sua reputao e isso se comete de vrias maneiras:

    1Fazemos maledicncia quando imputamos ao prximo um malque ele no fez ou um defeito que ele no tem, o que se chama umacalnia; crime infinitamente horrvel, que, no entanto, muito co-mum. No vos enganeis, meus irmos, da maledicncia calnia, hapenas um pequeno passo. Se examinarmos bem as coisas, reparare-mos que quase sempre, acrescentamos ou aumentamos ao mal quedenunciamos do prximo. Uma coisa que passa de boca em boca, jno a mesma, aquele que a disse em primeiro, j no a reconhece,tanto quanto ela foi mudada e acrescentada; Da, concluo que um ma-ledicente quase sempre um caluniador, e todo caluniador um infa-me. H um santo Padre que afirma que deveramos expelir osmaledicentes da sociedade dos homens como feras perigosas.

    2 Maldizemos quando aumentamos o mal que o prximo fez.Vistes algum cometer uma coisa: o que fazeis? Em vez de encobriro pecado com o manto da caridade, ou, ao menos, diminui-lo, au-

    mentai-o. Vereis um servidor que se descansa um pouco, bem comoum obreiro; se algum vos fala dele, direis, sem outro exame, que ele um preguioso, que est a roubar o dinheiro do seu mestre. Vereispassar uma pessoa num vinha ou num pomar, apanhando umas bagasde uvas, ou algum fruto, o que ela no devia fazer, claro ; logo, ireisnarrar a todas as pessoas, que encontreis, que esse tal um ladro,que devemos tomar cautela, e isso mesmo que ele nunca tivesse rou-bado nada; assim do resto... o que se chama maldizer por exagero.

    Escutai So Francisco de Sales: No digais que um tal um bbadoou um ladro, por t-lo visto roubar ou se embriagar uma vez. No eLot embriagaram-se uma vez[19]; no entanto, nem um nem outro fo-ram bbados. So Pedro no foi um blasfemador por ter blasfemadonuma ocasio[20]. Uma pessoa no viciosa por ter cado uma veznum pecado, e mesmo que ela casse vrias vezes, sempre correra-mos o risco de maldizer numa acusao. o que aconteceu a Simo

    [19] Gn. 9, 21;19, 32-34;[20] Mc. 16, 21

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    O Leproso, quando viu Madalena aos ps de Jesus, regando-os comas suas lgrimas: se este homem fosse profeta, como se diz dele, noconheceria que esta mulher aos seus ps uma pecadora? [21] eleenganava-se redondamente: Madalena j no era pecadora, mas uma

    santa penitente, porque os seus pecados lhe eram todos perdoados.Vede ainda este orgulhoso fariseu, que, estando de p no templo,alardeava-se das suas pretensas boas obras, agradecendo a Deus deno ser como os outros homens, que so pecadores adlteros,injustos e ladres, tal como este publicano. Dizia ele que estepublicano era um pecador, ao passo que foi justificado na mesmahora.[22] Ah! meus irmos, diz este So Francisco de Sales, porque amisericrdia de Deus to grande, que um s instante basta para queele perdoe o maior crime do mundo. Como, ento, podemos nosatrever a dizer, que aquele que ontem era um grande pecador, o fossetambm hoje?. Concluo dizendo que, quase sempre, enganamo-nos,quando julgamos mal o prximo, qualquer que seja a aparncia deverdade que tenha a coisa sobre a qual baseamos o nosso julgamento.

    3 Maldizemos, quando fazemos conhecer, sem razo legtima,um defeito escondido do prximo, ou uma falta que no conhecida.

    H pessoas que imaginam que quando sabem algum mal do prximo,podem revel-lo aos outros e conversar sobre ele. Enganai-vos meusamigos. O que temos de mais recomendvel na nossa religio do quea caridade? A razo at nos diz que no devemos fazer aos outros oque no quereramos que se fizesse a ns mesmos. Estudemos isso demais perto: ficaramos muito contentes se algum vos visse cometeruma falta e divulgasse isso a todas as pessoas? No, sem dvida, pelocontrrio: se tivesse a caridade de escond-la, seramos-lhe muito

    reconhecidos. Vede como isso vos irrita, se algum dissesse algumacoisa sobre vs ou sobre algum da vossa famlia: onde ento estariaa justia e a caridade? Enquanto a falta do vosso prximo ficaescondida, ele conserva a sua reputao; mas, logo que a divulgasse,derrubaria-lhe a sua reputao, e, nisso, prejudicarias-lhe muito maisdo que quando lhe retirasses uma parte dos seus bens, pois que oEsprito Santo nos ensina que uma boa reputao vale mais que as

    [21] Lc. 7, 39;[22] Lc. 18, 11-14;

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    riquezas.[23]

    4 maldizemos, quando interpretamos mal as boas aes do prxi-mo. H pessoas que so semelhantes a aranhas, que torna em venenoas melhores coisas. Uma pobre pessoa, uma vez vtima das lnguas

    maledicentes, semelhante a um gro de trigo de baixo da pedra domoinho: dilacerada, esmagada e inteiramente destruda. Estas pes-soas nos emprestaro intenes que nunca tendes tido, envenenamtodas as vossas aes e diligncias: se tendes piedade, e quereis cum-prir os vossos deveres religiosos, sois apenas um hipcrita, um deusde igreja e um demnio de casa. Se praticais boas obras, eles pensa-ro que fazeis por orgulho, para parecer bom. Se evitais a multido,sois um ser exquisito, uma pessoa de mente fraca; se cuidais do vos-so bem, apenas sois um avarento; digamos melhor, meus irmos: Alngua do maledicente como que um verme que ri os bons frutos,quer dizer, as melhores aes do mundo e se esfora de torn-las emm parte. A lngua do maledicente como que uma lagarta, que sujaas mais lindas flores, deixando uma baba desgostosa atrs dela.

    5Podemos maldizer calando-nos, e eis como: Louvamos na vossapresena uma pessoa que sabemos ser conhecida de vs; ficando ca-

    lado e apenas louvando-a fracamente: o vosso silncio e a vossa re-serva faz pensar que conheceis sobre ela alguma coisa de mau queleva a vos calar. Outros, maldizem por compaixo. No sabeis, dizemeles, que conheceis bem esta pessoa; sabeis o que lhe aconteceu? Quepena que se deixou enganar!... No verdade, sois como eu, no otendes acreditado?... So Francisco diz-nos que tal maledicncia se-melhante a uma flecha envenenada, que se mergulha no azeite, paraque penetre mais fundo. At mesmo um gesto, um sorriso, um

    mas..., um aceno de cabea, um ar de desprezo: tudo isso d muitoque pensar da pessoa de que se fala.

    Mas, a maledicncia mais negra e mais funesta nas suas conse-quncias, de relatar a algum o que um outro disse dele ou fez con-tra ele. Estes relatrios fazem males mais horrveis, que despertamsentimentos de dio, de vingana, que, s vezes, podem permanecerat morte. Para vos mostrar como esta espcie de gente culpvel,

    escutai o que diz o Esprito Santo: H seis coisas que Deus odeia,[23] Pv. 22,1;

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    mas detesta a stima, e esta stima so os relatrios[24]. Eis pelomenos, meus irmos, em quantas maneiras podemos pecar pormaledicncia. Examinai o vosso corao, e vede se sois, em algumacoisa, culpveis nesta matria.

    Primeiro, eu vos direi que no devemos acreditar facilmente nomal que se diz dos outros, e, apesar duma pessoa acusada no se de-fender, no devemos, assim, acreditar que o que se diz seja muitocerto; eis um exemplo que vos mostrar que todos ns podemos nosenganar, e que muito dificilmente devemos acreditar no mal que sediz duma pessoa. narrado na histria que um homem vivo, tendoapenas uma filha nica, muito jovem, confiou-a a um dos parentes efoi se fazer religioso num mosteiro de eremitas. A sua virtude f-loamvel de todos os religiosos. Quanto a ele, gostava muito davocao; mas, alguns tempo depois, pensando na sua filha, a ternuraque sentia por ela, encheu-o de dor e de tristeza de a ter assimabandonado. O Abade do Mosteiro notou isso e lhe diz um dia: Oque se passa convosco, meu irmo, o que vos aflige tanto? Quepena, meu Padre, respondeu-lhe o eremita, abandonei na cidade umacriana muito nova: eis a causa da minha pena. O Abade no

    entendeu que se tratava duma filha, e pensando que era um filho, diz-lhe: ide busc-lo, e levai-o para a perto de vs. Logo, o eremitapartiu, considerando isso como um sinal do cu, foi ter com a suafilha, chamada Marina. Ele diz-lhe de se chamar doravante Marino, proibindo-a de se fazer conhecer como moa, e levou-a para omosteiro. O seu pai tomou tanto cuidado de lhe ensinar a necessidadeda perfeio, para uma pessoa que deixa o mundo, para se entregar aDeus, que, em pouco tempo, ela se tornou um modelo de virtude,

    mesmo para os mais velhos dentre dos monges, apesar da sua juventude. O seu pai, antes de morrer, recomendou-lhe muito denunca revelar a sua identidade feminina. Marino apenas tinhadezessete anos de idade, quando o seu pai faleceu; todos os religiososchamavam-na do nome de Irmo Marino. A sua humildade, que erato profunda e a sua virtude to rara, f-la amar e respeitar de todosos religiosos. Mas o demnio, invejoso de v-la caminhar to

    rapidamente na virtude, ou melhor, Deus, querendo p-la prova,[24] Pv. 6,16-19;

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    permitiu que ela fosse caluniada da maneira mais negra. Era-lhe fcilprovar a sua inocncia; mas no fez nada. Vereis como uma pessoaque ama verdadeiramente a Deus, considera tudo o que Deus permiteque acontea na nossa vida, at a maledicncia e a calnia, como

    coisas que servem ao nosso bem. Os irmos eram acostumados a irao mercado alguns dias da semana, para buscar provises, e o irmoMarino acompanhava-os. O dono do hotel tinha uma filha, que setinha entregado ao pecado com um soldado. Notando que a sua filhaestava grvida, quis saber dela com quem ela pecou; esta moa, cheiade malcia, inventou a mais negra maledicncia e a mais horrvelcalnia, e disse ao seu pai que era o irmo Marino que a tinhaseduzido e que caiu no pecado com ele. O pai, cheio de furor, foi sequeixar ao Abade, que foi muito admirado dum tal fato da parte deirmo Marino, que passava por um santo. O Abade fez chegar na suapresena o irmo Marino e lhe perguntou o que ele fez, qual vida elelevou, qual vergonha por um religioso! O pobre Marino, elevando oseu corao para Deus, pediu-Lhe o que devia responder, e, antes dedifamar esta filha impdica, contentou-se a dizer: Sou um pecadorque deve fazer penitncia. O Abade no examinou o assunto mais

    alm, pensando que era culpvel do crime de que o acusavam,castigou-o severamente e o expulsou do convento. Mas, esta pobrecriatura, semelhante a Jesus Cristo, recebeu os golpes e os insultos,sem abrir a boca, para se queixar nem para fazer conhecer a suainocncia, que para ela era to fcil. Permaneceu trs anos porta domosteiro, considerado por todos os religiosos como um infame;quando os religiosos passavam, prostrava-se diante deles para pedir aajuda das suas oraes, um pedao de po, para no morrer de fome.

    A filha do dono do hotel, tendo dado a luz, ficou algum tempo com acriana; mas logo depois de o ter desmamado, enviou-o para serentregue ao Irmo Marino, como se ele fosse o Pai. Sem nada fazerparecer da sua inocncia, alimentou-o durante dois anos, partilhandocom ele as suas pequenas esmolas, que as pessoas lhe davam. Osreligiosos comovidos de ver tanta humildade, foram suplicar aoAbade para ter piedade do irmo Marino, representando-lhe que

    durante 5 anos, ele fazia penitncia porta do Mosteiro, e que eranecessrio, por amor de Jesus Cristo, perdoar-lhe e receb-lo. O

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    abade fazendo-o comparecer diante dele, fez-lhe cruis censuras: Ovosso Pai foi um santo, vos fez entrar a desde a vossa infncia, etivestes a teimosia de desonrar esta casa pelo crime mais detestvel;no entanto, eu vos dou licena para entrar nesta casa com esta

    criana, de que sois o indigno pai, e vos condeno, em expiao davossa falta, aos trabalhos mais vis e baixos, e a servir a todos osirmos. Este pobre Marino, sem proferir uma palavra, se submeteu atudo, sempre contente e sempre mais decidido de nada dizer quepossa fazer conhecer que no era culpvel. Este novo trabalho, quemal um homem robusto conseguia realizar, no o desanimou. Noentanto, ao cabo de algum tempo, oprimido pelo cansao do trabalhoe das austeridades dos seus jejuns, sucumbiu, e pouco tempo depois,morreu. O Abade mandou, por caridade, que lhe prestasse os ltimosdeveres como aos outros religiosos; mas, para inspirar mais horror aovcio, o enterrassem longe do Mosteiro, para que se esquecesse dele.Mas, Deus quis fazer conhecer a sua inocncia, que ela mantinhaescondida desde tanto tempo. Tendo reconhecido que era uma moa:Meu Deus, exclamaram todos, batendo o peito, como esta santamulher conseguiu sofrer com tanta pacincia, tantos oprbrios e

    aflies, sem se queixar, to fcil que era para ela se justificar?Correram anunciar ao Abade a notcia, derramando lgrimas emabundncia e gritando muito: Vinde, Padre, vinde ver o IrmoMarino. O Abade, espantado pelos gritos e lgrimas, correu visitaresta pobre filha inocente. Foi apanhado de to viva dor, que caiu dejoelho, bateu o cho com a cabea, derramando torrentes de lgrimas.Exclamaram todos juntos, ele, e os religiosos desolados: Oh santainocente filha, conjuro-vos, pela misericrdia de Jesus Cristo, que me

    perdoeis todas as penas e injustas censuras que vos tinha feito! Aide mim! Exclamou o Abade, fui na ignorncia e vs tendes tido apacincia suficiente para tudo sofrer, e eu tive demasiada pouca luz, para reconhecer a santidade da vossa vida. Tendo mandadodepositar o corpo desta santa filha na capela do mosteiro, foram dar anotcia ao Pai da filha que tinha acusado o Irmo Marino. Esta pobredesgraada, que falsamente tinha acusado Santa Marina, era, desde o

    seu pecado, possuda do demnio, e veio toda desesperada, confessaro seu crime ao p da santa, pedindo-lhe perdo. Foi instantaneamente

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    libertada do demnio pela intercesso dela.Vede, meus irmos, como a maledicncia e a calnia fazem sofrer

    pobres inocentes! Quantas h, mesmo no mundo, pobres pessoas queso acusadas falsamente e no julgamento sero estimadas inocentes.

    No entanto, os que so acusados desta maneira, devem reconhecerque Deus que permite isso, e que o melhor meio para eles aban-donar nas mos de Deus a sua inocncia e no se deixar atormentardo fato da sua reputao ser assim ferida, quase todos os santos pas-saram por esta prova. Vede So Francisco de Sales, que foi acusadodiante um grande nmero de pessoas de ter mandado assassinar umhomem para viver com a esposa dele. O santo confiou tudo nas mosde Deus, e no se deixou afligir por causa da sua reputao ferida.Aos que lhe aconselhavam de defender a sua reputao, respondiaque deixava o cuidado de restabelec-la, a Deus que permitiu que elafosse ferida, logo que Ele acharia bom. Como a calnia coisa muitosensvel, Deus permite que quase todos os santos tenham sidocaluniados. Penso que o melhor partido que devemos ter neste caso de se calar, de pedir muito a Deus, de sofrer isso por amor Dele, e derezar pelos caluniadores. Alis, Deus s permite isso queles pelos

    quais Ele tem grande desgnios de misericrdia. Se uma pessoa ca-luniada, que Deus decidiu lev-la a uma alta perfeio. Devemoslamentar aqueles que enegrecem a nossa reputao e nos alegrarmosde sofrer isso; porque so benefcios que recebemos para a eternida-de. Mas, regressemos agora ao nosso assunto, porque o nosso princi-pal objetivo, de fazer conhecer o mal que o maledicente faz a eleprprio.

    Dir-vos-ei que a maledicncia um pecado mortal, quando a ma-

    tria grave, pois que So Paulo coloca este pecado no nmero dosque nos excluem do reino do Cu.[25] o Esprito Santo ensina-nos queo maledicente maldito por Deus, que est em abominao diante deDeus e dos homens.[26] verdade que a maledicncia mais ou me-nos grave, segundo a qualidade, a proximidade e a dignidade da pes-soa de que falamos. por consequncia, um pecado maior de fazerconhecer os defeitos e vcios dos seus superiores, bem como do seu

    [25] 1Cor. 6,10;[26] Pv. 24,9

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    pai e da sua me, da sua esposa, do seu marido, dos seus irmos e dassuas irms e da sua parentela, do que o de fazer conhecer os vciosdos estrangeiros, porque devemos ter mais caridade para com os nos-sos mais prximos, do que pelos outros. Falar mal das pessoas consa-

    gradas e dos ministros da Igreja, um pecado ainda maior, por causadas consequncias que so to funestas para a religio e por causa doultraje que se faz contra o carter sagrado deles. Escutai, eis o quediz o Esprito Santo, pela boca do profeta: Maldizer os seus Minis-tros tocar na pupila dos olhos de Deus[27] quer dizer, que nada podeferir e ultraj-lo de maneira to sensvel como este crime sempre togrande, que ningum consegue compreend-lo... Jesus Cristo tam-bm nos diz: Aquele que vos despreza, despreza a Mim. [28]. Assim,meus irmos, quando estais com paroquianos de outras parquias,que sempre falam mal dos seus pastores, nunca deveis participar nasconversas; retirai-vos, se possvel, ou se no conseguir, calar-se.

    Segundo isso, meus irmos, concordai comigo que para fazer umaboa confisso, no basta dizer que tnhamos feito maledicncias con-tra o prximo; mas dizer ainda se por dio, ligeireza, por vingana,se foi para prejudicar a reputao do prximo; precisar se um supe-

    rior, um igual, um pai, uma me, um dos parentes, pessoas consagra-das a Deus; na presena de quantas pessoas: tudo isso necessriopara fazer uma boa confisso. Muitas pessoas enganam-se nesta ma-neira de confessar; confessam sim que ter feito maledicncias, massem precisar sobre quem nem qual era a dignidade ou com qual in-teno falavam mal destas pessoas, o que causa de muitas con-fisses sacrlegas. Outras, quando se pergunta se houve prejuzo, res-pondem que no. Meu amigo vos enganastes; cada vez que revelaste

    uma coisa escondida da pessoa quem falastes, prejudica o prximode que falastes, porque diminustes a boa estima, que o ouvinte tinhadeste prximo. Da, podemos facilmente concluir que quase nuncaconseguimos maldizer duma pessoa, sem prejudicar ou enfraquecer,de qualquer maneira, a reputao do prximo. Mas, dir-me-eis,quando pblico, no h mal algum. Meu amigo, quando isso pblico, como se dizer que quando uma pessoa tinha o corpo j

    [27] Zc. 2,8;[28] Lc. 10,16;

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    todo coberto de lepra, salvo um pequeno espao, necessrio acabarde cobrir o corpo de lepra, pois que j quase todo recoberto. omesmo. Se a coisa publica, deveis, pelo contrrio, ter compaixodeste pobre desgraado, esconder, e diminuir a sua falta tanto quanto

    for possvel. Vede se justo, conduzindo uma pessoa doente perto deum precipcio, aproveitar da sua fraqueza e do fato de ela estar emrisco de cair, para empurr-la para baixo? Pois bem! Eis o quefazemos, quando reativamos o que j pblico. Mas, dir- me-eis,quando dizemo-lo a um amigo com a promessa de no dizer isso aningum? Ainda vos enganastes, meu amigo; como querereis queos outros no divulgassem o que vs no conseguistes calar? comose disssseis a algum: Olhe, meu amigo, vou te dizer uma coisa,mas suplico-te de ser mais sbio e mais discreto do que eu; tem maiscaridade do que eu; no faas, no digas o que eu vou te dizer.Penso que o melhor meio, de nada dizer; qualquer coisa que se faz,que se diz, no vos intrometais, mas trabalhai em ganhar o cu. Nunca ficamos arrependidos de no ter dito nada, mas semprearrependemo-nos de ter falado demais. O Esprito Santo nos diz queUm tal que fala tanto, no fala sempre bem.[29]

    II. Vejamos agora quais so as causas e as consequncias damaledicncia. H muitos motivos que nos levam a maldizer o prxi-mo. Uns maldizem por inveja, o que acontece, sobretudo dentre aspessoas de mesmo estado, para atrair as prticas; vo dizer mal dosoutros , que as mercadorias deles no valem nada; ou que eles enga-nam, que no h nada a buscar neles e que seria impossvel encontrarmercadoria a este preo; que muitas pessoas j se tinham queixado...

    que vo ver que no sero de muito proveito... ou: que o peso no exato, nem a medida. Um operrio dir que tal outro no bom tra-balhador; que, em muitas casas, onde ele foi trabalhar, a pessoa noestava nada contente; ele no trabalha, diverte-se; ou: no sabe traba-lhar. o que eu vos digo, necessrio no repetir a ningum, porqueisso poderia prejudicar-lhe. necessrio, dizeis vs; melhor vale-ria que vs no tivsseis dito nada, isso seria agir muito melhor.

    Um morador vendo que o negcio do seu vizinho prospera melhor[29] Pv. 10,19;

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    do que o seu, irrita-se e falar mal dele. Outros falam mal do seu vi-zinho por vingana: se tnheis dito ou feito algo a algum, mesmopor dever de caridade, ele vai vos difamar, inventando mil coisascontra vs, para se vingar. Se se diz bem deles, eles se irritam, dizen-

    do-vos: Ele bem como os outros, tem defeitos tambm; tinha feitoisso e dito isso; vs no o conheceis , porque nunca tivestes coisasa tratar com ele. Muitos maldizem por orgulho, imaginam elevar-se,rebaixando os outros dizendo mal dos outros; vo fazer valer as suaspretensas qualidades; tudo o que eles diro ou faro ser muito bem,mas tudo o que os outros fizeram ser mal. Mas a maioria maldizempor leviandade, como movido por um prurido de falar, sem examinarse verdade ou no; necessrio falar para eles. Apesar destes lti-mos serem menos culpveis do que os outros, isto daqueles que fa-lam por causa do dio, por inveja ou vingana, no esto sem peca-do; por qual motivo que seja, eles ferem no menos a reputao doprximo.

    Penso que a maledicncia encerra quase tudo o que h de pior.Sim, meus irmos, este pecado encerra o veneno de todos os vcios, abaixeza, da vaidade, o veneno da inveja, a acidez da ira, o fel do dio

    e a leviandade to indigna dum cristo; o que faz dizer a So Tiago,Apostolo: que a lngua do maledicente repleta dum veneno mortal,que um mundo de iniquidade.[30].Para quem quer esforar-se deexaminar, no h maior evidncia. No a maledicncia, que semeiaa todo lado a discrdia, a diviso, que enreda entre os amigos, queimpede os inimigos de se reconciliar, que perturba a paz dos casais,que azeda a relao entre irmos, entre marido e esposa, , entre sograe nora, entre genro e sogro. Quantos casais em paz foram perturbados

    por uma lngua maledicente, e que agora os cnjuges j no podemnem se ver nem se falar. Qual a causa? A nica m lngua do vi-zinho ou da vizinha...

    Sim, meus irmos, a lngua do maledicente envenena todas asboas aes e evidencia todas as ms. ela que difunde sobre uma fa-mlia mculas que sujam os pais, e passam a manchar os filhos, e as-

    sim, de gerao em gerao, e talvez nunca vo se apagar. A lngua[30] Tg 3,8;

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    maledicente vai at mexer nos tmulos do mortos, agitar as cinzasdestes pobres desgraados, fazendo reviver, isto , dando uma novaexistncia aos defeitos que foram sepultados com eles no tmulo.Que fealdade, meus irmos, com que indignao no sereis anima-

    dos, se vsseis um desgraado encarniado contra um cadver, dilace-rando-o em mil pedaos? Isso vos faria gemer de compaixo. Poisbem! Este crime muito maior, pois trata de renovar as faltas dumpobre morto. Quantas pessoas tm esta atitude, falando de algum jfalecido: Ah! Ele j fez muitas no seu tempo de vida, era um bbadoincrvel, um manhoso da pior espcie, enfim, era um mau vivo. Aide ti, meu amigo, talvez estejas enganado, e mesmo que as coisasfossem tais como dissestes, talvez agora ele esteja no cu, Deus te-nha-lhe perdoado tudo. Mas, onde est a tua caridade? No vs queests prejudicando a reputao dos filhos dele, se ele os tem, ou a dosseus parentes? Ficaria contente que se falassem desta maneira dosvossos pais?

    Com a caridade, no teremos nada a dizer mal de ningum, isto ,se nos esforssemos em examinar antes a nossa conduta e no a dosoutros. Mas, colocando a caridade de lado, no achareis um s ho-

    mem na terra em que no encontrareis alguns defeitos; de maneiraque a lngua do maledicente encontra sempre matria para falar. No,meus irmos, apenas no dia das vinganas o mal causado pelas ln-guas dos maledicentes evidenciar-se-. Vede, a nica calnia queAmam fez contra os judeus, porque Mardoqueu no quis dobrar ojoelho diante dele, influenciou o rei a matar todos os judeus. [31] Se acalnia no fosse descoberta, a nao judaica teria sido exterminada:era a inteno do General. Oh meu Deus! Quanto sangue derramado

    por uma s calnia! Mas Deus , que nunca abandona o inocente, per-mitiu que este desgraado perecesse pelo mesmo suplcio pelo qualele mesmo queria fazer perecer o judeu Mardoqueu.[32]

    Mas, sem ir to longe, quanto mal no far uma pessoa que dis-sesse ao seu filho o mal do seu pai ou da sua me ou dos seus profes-sores. Teria-lhe inspirado uma opinio m deles, agora ele vai come-ar a ter um olhar de desprezo; se no temesse ser castigado, no he-

    [31] Est 3,6;[32] Est 7,10;

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    sitaria em ultraj-los. Os pais e as mes, os professores vo maldiz-los, vo fazer imprecaes sobre estas crianas, trat-los-o duramen-te; quem ser a causa de tudo isso? A vossa m lngua. Falais mal dosministros da Igreja, e talvez at do vosso pastor; enfraqueceis a f

    nos vossos ouvintes, por isso abandonaram os sacramentos, vivemagora sem sacramentos; quem a causa disso? A vossa m lngua.Sois a causa de que este negociante e este operrio j no tm traba-lho to bom, por causa de t-los depreciados. Esta mulher, que estem paz como seu marido, tende-vos dirigido calnias contra ela aoseu marido; agora ele j no pode suport-la, de maneira que, depoisdos vossos relatrios, no existe nada seno dio e maldies entreeles.

    III.Se as consequncias da maledicncia, meus irmos, so toterrveis, a dificuldade da reparao no menor. Quando a maledi-cncia considervel, meus irmos, no basta se confessar; no que-ro dizer por ai que no se deve confessar; no, meus irmos, se noconfessais as vossas maledicncias, sereis condenados ao Inferno,apesar de todas as penitncias que podereis fazer; mas, quero dizer

    que confessando-as, necessrio absolutamente, se possvel, repa-rar a perda, que a calnia causou ao vosso prximo, e como o ladro,que no devolve o bem roubado nunca entrar no cu, de mesma ma-neira, aquele que derrubou a reputao do seu prximo, tambm nun-ca entrar no cu, enquanto no fez tudo o que depende dele para re-parar a reputao do seu vizinho.

    Mas, dir-me-eis, como, portanto, devemos proceder para reparar areputao do seu prximo? Eis como: Se o que foi dito contra o

    prximo falso, absolutamente necessrio ir encontrar todas aspessoas com quem havamos falado mal desta pessoa, dizendo quetudo o que foi dito era falso, que foi divulgado por dio, por vingan-a ou por ligeireza; quando mesmo devssemos passar por mentiro-sos, enganadores, impostores, deveramos faz-lo. Se o que dizemos verdade, no podemos nos desdizer, porque nunca permitidomentir; mas, devemos dizer todo o bem que conhecemos desta pes-

    soa, para apagar o mal que tnhamos dito. Se esta maledicncia, estacalnia causaram-no alguns prejuzos, temos a obrigao de reparar

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    as consequncias da maledicncia. Vede, meus irmos, como custo-so admitirmos que somos mentirosos; no entanto, se o que dizemos falso, devemos faz-lo, ou nada de cu para ns! Ai meu Deus! meusirmos, como esta falta de reparao vai condenar muita gente! O

    mundo est cheio de caluniadores e de maledicentes, e no h quaseningum que repare, e por conseguinte, quase ningum ser salvo.No h meia medida, meus irmos, ou a reparao, quanto for poss-vel, ou a danao. tal como o bem roubado, vamos ser danados, sepodendo devolv-lo, no o fazemos. Pois bem! meus irmos, sentisagora o mal que fazeis pela lngua e a dificuldade que existe derepar-lo?

    necessrio entender que tudo no maledicncia, quando faze-mos conhecer os defeitos duma criana aos seus pais, dos servidoresaos seus amos, enquanto que estejam na ideia de se corrigirem, ques falamos aos que podem remediar a isso e sempre inspirados pelovnculo de caridade.

    Termino dizendo que no s mal proceder como maldizer e ca-luniar, mas ainda, mal ouvir a maledicncia e a calnia com prazer;porque se ningum escutasse, no haveria maledicentes. Por a, pas-

    samos a ser cmplices de todo o mal que faz o maledicente. So Ber-nardo disse-nos que muito difcil saber qual dentre o maledicente eo ouvinte, mais culpvel; um tem o demnio na lngua, e o outro,nos ouvidos. Mas, dir-me-eis, o que devemos fazer quando esta-mos numa companhia que maldiz? Eis como: se um inferior,quer dizer, uma pessoa abaixo de vs, deveis faz-lo calar, fazendo-lhe ver o mal que est provocando. Se uma pessoa do vosso nvel,deveis, habilmente, desviar a conversa, falando doutra coisa, ou tor-

    nando-se surdo ou indiferente ao que ela diz. Se um superior, querdizer uma pessoa que est acima de vs, no devemos censur-lo;mas, aparecer com um ar srio e triste, que lhe mostre que ele dpena, e, se podeis ir embora, necessrio faz-lo.

    O que devemos concluir de tudo isso, meus irmos? Eiscomo: no tomar o costume de falar da conduta dos outros,pensando que haveria muito o que dizer sobre a nossa conta,

    se as pessoas conhecessem tal como somos, e de fugir dascompanhias do mundo tanto quanto for possvel, e dizer

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    muitas vezes, como Santo Agostinho: Meu Deus, dai-me agraa de me conhecer tal como sou Feliz! Mil vezes feliz,aquele que apenas se servir da sua lngua para pedir a Deusperdo dos seus pecados e cantar os seus louvores! o que

    vos desejo...

    A Discrdia, ilustrada pelo clssico dos quadrinhos Asterix.

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    Ensinamento do Catecismo

    A JUSTIFICAO OU A SALVAO DO HOMEM[33]

    A. Definio: A Justificao , no estado da nossa natureza fe-rida pelo pecado original e pessoal, a passagem do estado de pecadopara o estado da graa.

    Jesus Cristo opera a salvao no pecador, mas no sem o pecador(sem a sua colaborao). O pecador, Aquele que te criou sem ti, note salvar sem ti Santo Agostinho

    B. As disposies: requeridas pela Justificao da parte do pe-cador so:

    1. A F, que consiste em crer em Deus e considerar como verda-des as coisas reveladas e prometidas por Deus, e sobretudo, a revela-o de que Deus que justifica o pecador pela sua graa, em virtudeda Redeno operada por Jesus Cristo.

    A boa vontade aceitar a F e acreditar em tudo o que Deus reve-la, na medida das nossas possibilidades de conhecer as verdades

    reveladas. Mas, o mnimo aceitar a existncia de Deus e que Deusrecompensa os bons que esto busca dEle e castiga os maus queno crem e no se conformam ao que Deus quer:

    Sem a F impossvel agradar a Deus: de fato necessrio que oque se aproxima de Deus, creia que Ele existe e que remuneradordos que o buscam (Hb 11,6).

    Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura. Oque crer e for batizado, ser salvo; o que porm, no crer, ser conde-

    nado (Mc 16,15).

    2. O temor da justia de Deus

    O temor de Deus expulsa o pecado. Quem no tem este temor, nopoder ser justo (Eclo 1,27.28).

    [33] Encyclopdie de la Foi catholique, Vol. A Graa pg. 55, 56). (Enciclopdia daF catlica).

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    3. A esperana de ser tratada por Deus com misericrdia por causado amor de Jesus Cristo.

    Aquele que espera no Senhor ser saciado (curado). (Pr 28,25). ATi recorro, Senhor: no serei confundido para sempre (Sl 30,1). Por-

    que o agarro a Mim, livr-lo-ei, Proteg-lo-ei, porque reconheceu oMeu Nome. (Sl90,14).

    4. Um incio de amor de Deus, que preciso amar como a fontede toda justia.

    Aquele que no ama permanece na morte (1Jo 3,14).

    5. O dio do pecado e luta contra ele. O amor seja sem fingimen-to. Aborrecei o mal, aderi ao bem (Rm 12,9).

    6. A resoluo de receber o Batismo (ou o Sacramento da Penitn-cia). de comear a levar uma vida nova e de observar os Mandamen-tos de Deus. Porm, se queres entrar na vida eterna, guarda os Man-damentos (Mt 19,17).

    C. As propriedades da Justificao:

    1 incerta. Porque de nada me sinto culpado, mas, nem por issome dou por justificado; o Senhor quem me julga (1Cor 4,4).; 2 No igual para todos (depende dos mritos).; 3 Pode perder-se; 4 Poderecuperar-se.

    D. Sinais da presena da graa em ns:

    1. Pensar muitas vezes em Deus;2 Ouvir de bom grado a palavra de Deus, ou falar de Deus;3 Guardar os Mandamentos;4 Buscar as coisas espirituais e desprezar as coisas da terra;5 Exercer as obras de misericrdia.