Pecuária, pesca e ecoturismo no Pantanal

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Pecuária, pesca e ecoturismo no Pantanal

1. 2.

Pecuária, pesca e ecoturismo no Pantanal

Draft report

Miraira Noal Manfroi,

André Valle Nunes, André Restel,

Tom Akre, Peter Leimgruber,

Rafael Morais Chiaravalloti

1. Introdução .............................................................................................................. 4

2. Métodos ................................................................................................................. 4

3. Resultados ............................................................................................................. 5

3.1. Pecuária ............................................................................................................. 5

3.1.1. Pecuária sustentável ...................................................................................... 7

3.1.2. Tamanho das fazendas .................................................................................. 7

3.1.3. Iniciativas de pecuária sustentável ................................................................. 8

3.1.3.1. Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS) ...................................................... 8

3.1.3.2. Programa Carne Sustentável e Orgânica do Pantanal (ABPO) ................... 9

3.1.3.3. Projeto Novilho Precoce .............................................................................. 9

3.1.3.4. Cota de Reserva Legal (CRA) ................................................................... 10

3.1.3.5. Aliança com fazendeiros (5P) .................................................................... 10

3.2. Pesca ............................................................................................................... 11

3.2.1. Sustentabilidade ........................................................................................... 12

Desafios...................................................................................................................... 13

Soluções ..................................................................................................................... 13

3.3 Ecoturismo ............................................................................................................ 13

Desafios...................................................................................................................... 14

Soluções ..................................................................................................................... 14

4. Referências ......................................................................................................... 14

1. Introdução

Os seres humanos alteraram profundamente a dinâmica dos ecossistemas, com impactos em escalas globais e históricas, especialmente no século passado. Aceleramos a taxa de extinção de espécies em 1000 vezes (Jenkins et al., 2013). Mais de um milhão de espécies serão extintas no próximo século (IPBES, 2019). O impacto humano é aumentado pela mudança climática. Um aumento de até 1,50 C na temperatura global nas próximas décadas mudará os recursos fundamentais e vitais para a sobrevivência da humanidade (da disponibilidade de água à polinização) (Masson-Delmotte et al., 2019). Além disso, o aumento esperado na quantidade e intensidade de eventos climáticos extremos, como secas, inundações e furacões, impactará constantemente a abundância e distribuição de recursos, aumentando a imprevisibilidade local. Modelos de desenvolvimento sustentável que podem proteger a biodiversidade e garantir que as sociedades possam atender às suas necessidades sem ameaçar a disponibilidade de recursos naturais para as gerações futuras são fundamentais (Griggs et al., 2013).

A área úmida do Pantanal é de 179,3 mil Km2, e se destaca como um exemplo marcante de desenvolvimento sustentável. A região é uma das áreas úmidas mais preservadas do mundo, com mais de 80% de sua vegetação nativa ainda em pé (IBAMA, 2012). Além disso, também abriga populações saudáveis de espécies ameaçadas e em perigo de extinção, como onça pintada (Panthera onca) (Cavalcanti et al., 2012), cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) (Mourão et al., 2000) e jabiru (Jabiru mycteria) (Mourão et al., 2010). Ao mesmo tempo, ~ 90% do Pantanal são propriedades de fazendeiros que criam aproximadamente 4 milhões de cabeças de gado na região (Tomas et al., 2019). Além disso, o turismo e a pesca geram milhões de dólares e envolvem milhares de pessoas locais ou turistas que vêm à região todos os anos para pescar (Girard & Vargas, 2008) sem nenhum sinal claro de sobrepesca (Chiaravalloti, 2017).

Embora a região seja apontada como um exemplo emblemático de sustentabilidade, aumento do uso excessivo, técnicas insustentáveis de pecuária, planos ambiciosos de desenvolvimento de infraestrutura e mudanças culturais ameaçam o Pantanal (Tomas et al., 2019). É uma série de ameaças contínuas que o Pantanal enfrenta, que com o tempo podem colocar em risco sua função, serviços ecossistêmicos, biodiversidade e as atividades econômicas sustentáveis existentes. Neste relatório, discutimos três aspectos do uso sustentável dos recursos naturais para o Pantanal: pecuária, pesca e ecoturismo. O objetivo principal é fornecer uma visão geral das características dessas atividades e algumas percepções sobre as ameaças e possíveis formas de promover a sustentabilidade na região.

2. Métodos

Para examinar as possíveis ameaças, desafios, oportunidades e soluções para o uso sustentável dos recursos naturais no Pantanal, usamos informações secundárias de várias fontes oficiais, como o Serviço Florestal Nacional, Banco de Dados Ambientais Rurais e dados de ONGs (por exemplo, MapBiomas). Também realizamos várias

entrevistas semiestruturadas com as partes interessadas da região. Todas as entrevistas foram realizadas por meio de plataformas virtuais para garantir a adesão às medidas de isolamento impostas no país em função da pandemia (COVID-19). Foram realizadas 13 entrevistas com entrevistados de 9 instituições (Associação dos Pescadores Profissionais do Pantanal, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Refúgio da Ilha (Eco-lodge), Secretaria de Meio Ambiente de Produção e Agricultura de Mato Grosso do Sul (SEMAGRO), Associação da Carne Orgânica (ABPO), 5P e Biofílica.

3. Resultados

3.1. Pecuária

A produção de gado no Pantanal ocorre desde o começo da colonização europeia (século XVI). No entanto, a primeira fazenda focada em produção pecuária surgiu apenas em 1746 (Abreu et al., 2010). Embora outras fazendas tenham surgido ao longo dos anos, muitos dos fazendeiros abandonaram a região durante a guerra do Paraguai entre 1860 e 1864. Após a guerra, Joaquim Gomes da Silva, conhecido como seu Nheco, liderou uma reocupação do Pantanal através da fazenda Firme, localizada na região da Nhecolândia. A partir dali, outros fazendeiros também vieram ocupando as áreas abandonadas, criando grandes áreas de terra que chegavam a quase 2 milhões de hectares. Grande parte dessas terras foi destinada para criação de gado. Atualmente, o sistema de criação é extensivo com ênfase na criação de bezerros, e se caracteriza pelo frequente deslocamento de animais de acordo com a disponibilidade de pastagens. A atividade pastoril é favorecida pelo fato do Pantanal possuir extensas áreas de pastagens naturais. A composição florística é variável em função dos níveis de inundação, tipo de solo e fatores antrópicos (e.g. intensidade de uso e manejo). A grande diversidade de ambientes e espécies forrageiras favorece a pecuária, por permitir maior seletividade de pastejo aos bovinos (Pott, 1997). Aqui dividimos a pecuária no Pantanal em três pontos principais: Características, Desafios e Soluções para sustentabilidade.

Características da pecuária no Pantanal:

● 88.3% do território do Pantanal é composto por fazendas. ● O Cadastro Ambiental Rural (CAR) indica que no Pantanal existem 3.360

fazendas (1.544 no estado do Mato Grosso e 1.816 no Mato Grosso do Sul). ● Estima-se uma população de 3,8 milhões de gado sendo criados na região. ● Nascem por ano ~ 1 milhão de bezerros. ● Mais de 90% das fazendas do Pantanal possuem desmatamento zero. ● A pecuária no Pantanal responde por 7.3% do Produto Interno Bruto (PIB) do

estado de Mato Grosso do Sul. ● A pecuária gera US$2,5 milhões no MS (17% do PIB do estado). Não há

dados para o MT.

Figura 1: Fazendas de gado e cobertura do solo no Pantanal. Em vermelho estão as áreas que foram desmatadas. Dados do MapBiomas de 2019.

3.1.1. Pecuária sustentável

A maior parte do gado no Pantanal é criada em pastagens nativas. Isso protege os habitats naturais e permite o desenvolvimento econômico. No entanto, o desmatamento tem se acelerado rapidamente na região, aumentando 44% (16.000 ha) até 2020 (Souza et al., 2020). A cidade de Corumbá, localizada no meio do Pantanal Sul, estava entre os 50 municípios brasileiros que registraram o maior índice de desmatamento no Brasil.

3.1.2. Tamanho das fazendas

Durante o período de colonização, as primeiras fazendas de gado do Pantanal ocupavam milhões de hectares. Pesquisadores estimam que a fazenda Jacobina, uma das primeiras a ser explorada no Pantanal, e a fazenda Firme, a primeira fazenda de gado depois da Guerra do Paraguai, ocupavam áreas de mais de 2 milhões de hectares. No entanto, com o tempo, essas fazendas começaram a ser divididas entre membros da família. Ao longo das gerações, o tamanho médio de uma fazenda de gado na região foi diminuindo. Segundo alguns entrevistados, atualmente as fazendas estão se tornando pequenas propriedades, o que obriga os fazendeiros a substituir a vegetação nativa por capim exótico para rentabilizar a propriedade. Para entender melhor o impacto do tamanho das fazendas de gado na sustentabilidade do Pantanal, comparamos o tamanho das fazendas e o nível de desmatamento, também comparamos um mapa das fazendas da região da Nhecolândia elaborado em 1952 e o mapa atual (2020) da mesma região para verificar se as fazendas estão reduzindo de tamanho.

● O tamanho da fazenda não tem efeito significativo sobre a quantidade de área desmatada dentro da fazenda (p=0,87).

● Na região da Nhecolândia, em 1952, existiam 284 fazendas e até o ano de 2000 esse número passou para 405 propriedades. Ou seja, um incremento de 70% no número de propriedades.

● Em 1952 as fazendas da Nhecolândia apresentavam um tamanho de 8.378 ha (SD= ± 7.998 ha), e em 2000 5.794 ha (SD= ± 6.710 ha) (Figura 2).

● Atores locais apontam um possível efeito sanfona na compra e venda de fazendas. Nesse sentido, o que observamos na Nhecolândia não seria uma tendência para todo o Pantanal.

● Entrevistados e referências da literatura apontam que o manejo adequado das fazendas seria um fator mais importante que o tamanho.

Figura 2: Redução do tamanho médio das fazendas de 1952 a 2000 em todo o Pantanal.

3.1.3. Iniciativas de pecuária sustentável

Se por um lado o Pantanal enfrenta ameaças crescentes à sustentabilidade de seu sistema de pecuária, por outro, são várias as iniciativas que mostram um importante movimento de promoção e celebração de práticas tradicionais. Com base em entrevistas com as partes interessadas locais e revisão da literatura, selecionamos algumas delas:

3.1.3.1. Fazenda Pantaneira Sustentável (FPS)

A FPS foi desenvolvida pela Embrapa com apoio de universidades, centros de pesquisa e associações. O objetivo principal é avaliar as fazendas sob os aspectos ecológicos, econômicos e sociais, identificando onde e como os pecuaristas podem aprimorar suas práticas em relação à sustentabilidade. Para levar esse programa adiante, a Embrapa desenvolveu diversos protocolos, que vão desde a qualidade do gado até a diversidade da paisagem (Santos et al., 2017).

Escala do programa

• 15 fazendas no Mato Grosso já fazem parte do programa e 15 fazendas no Mato Grosso do Sul começaram a implementar.

Vantagens

• O programa certifica que ambas as fazendas que vendem o gado para outras fazendas ou direto para o matadouro podem participar1.

• O programa considera aspectos sociais (como o bem-estar e contrato justo com os funcionários), um parâmetro raro em um índice de sustentabilidade.

• Como a maioria das fazendas do Pantanal não tem desmatamento, o programa poderia ser implantado na maioria das propriedades sem a necessidade de grandes modificações em seus sistemas de produção.

3.1.3.2. Programa Carne Sustentável e Orgânica do Pantanal (ABPO)

O programa começou com a criação da Associação Brasileira dos Produtores Orgânicos (ABPO) em 2001 por pecuaristas do Pantanal. O principal objetivo era apoiar os pecuaristas que buscavam certificar sua produção de carne bovina como orgânica. Em 2018, o Estado de Mato Grosso do Sul criou um programa denominado Apoio à Produção de Carne Bovina Sustentável no Pantanal (PROAPE) que reconhecia dois tipos de produção: 1) carne orgânica - carne produzida de acordo com os protocolos de alimentos orgânicos no Brasil e 2) carne bovina sustentável - carne produzida de acordo com protocolos desenvolvidos pela Associação Brasileira dos Produtores Orgânicos e registrados na Confederação Nacional da Agricultura.

Escala do programa

• 4 fazendas registradas como carne orgânica e 12 como sustentável no estado de Mato Grosso do Sul.

• Entre 250-300 bovinos são enviados para o matadouro como orgânicos e cerca de 20.000 como sustentáveis por ano.

Vantagens

• Os produtores de carne orgânica ou sustentável têm desconto no ICMS. Os produtores de carne orgânica têm desconto de até 67% e os produtores de carne sustentável de até 50%.

• O programa faz parte da agenda política do governo. • O governo está produzindo um software para simplificar o processo de

certificação da carne bovina orgânica e sustentável.

3.1.3.3. Projeto Novilho Precoce

O programa de bezerros jovens está focado em antecipar o tempo de abate dos bezerros de 24 a 12 meses. Inicialmente o programa não estava vinculado à agenda ambiental, porém, logo ficou claro que reduzir a vida útil do gado reduziria a quantidade de carbono emitido pela pecuária. A criação de gado no Brasil é responsável por 17% das emissões de dióxido de carbono do país.

1 A maioria das fazendas no Pantanal produz bezerros e vendem para fazendeiros de fora do Pantanal.

Escala do programa

• Existem 2.600 fazendas de gado no programa, porém, a maioria delas está fora do Pantanal.

Vantagens

• O programa reduziu consideravelmente a emissão de carbono nas fazendas que aderiram.

• O programa é bastante conhecido entre os pecuaristas da região. • Antecipar o abate aumenta a qualidade da carne. • Empresas já apoiam os pecuaristas para aderirem ao programa. • Pecuaristas que comercializam bezerros dentro do programa têm desconto de

até 67% no ICMS.

3.1.3.4. Cota de Reserva Legal (CRA)

De acordo com a legislação brasileira, todos os proprietários de terras devem reservar uma parte de suas propriedades como Reserva Legal. Esse percentual varia de 80% na Amazônia a 20% na Mata Atlântica. No Pantanal, os proprietários estão sujeitos a legislações diferentes, no Pantanal Norte (MT) eles têm que proteger 20% de suas propriedades e no Pantanal Sul (MS) o percentual protegido depende do tipo de ecossistema. Nos casos em que o proprietário possui Reserva Legal sem vegetação nativa e não deseja reflorestar a área, no estado de Mato Grosso do Sul, ele pode comprar ou alugar de outra pessoa que tenha mais do que o exigido pela legislação. Os proprietários podem comprar ou alugar áreas com as mesmas características do ecossistema e não precisa estar dentro do mesmo bioma. Por exemplo, quem possui uma área no bioma Cerrado pode comprar/alugar uma área no Pantanal, desde que ambas as áreas sejam classificadas como savana.

Escala

• O programa começou recentemente e apenas alguns negócios foram fechados.

Vantagens

• O Pantanal tem grande parte de sua vegetação nativa remanescente e uma grande parte da região pode ser vendida ou emprestada para proprietários de terras do Cerrado.

• A legislação já existe e atualmente não depende de vontade política para acontecer.

• Existem poucas empresas negociando Reservas Legais (e.g. Biofilica).

3.1.3.5. Aliança com fazendeiros (5P)

Uma rede de fazendeiros para apoiar agendas comuns, organizar reuniões e conectar as Reservas Legais é um aspecto fundamental para a sustentabilidade local. Nesse sentido, destacamos o projeto 5P (Pantanal, Preservação, Pecuária, Produtividade e Parceria). O projeto começou com a compra da fazenda Santa Sofia com 34 mil hectares. Fazendeiros vizinhos também aderiram ao programa, como a Fazenda Caiman em Miranda (53 mil hectares) e a Fazendinha em Aquidauana (33 mil hectares).

O principal objetivo da aliança é criar um corredor ecológico de fazendas com foco na sustentabilidade do Pantanal. Essas fazendas mesclam a pecuária com o ecoturismo e outras atividades sustentáveis. O objetivo é ampliar o projeto, agregando outras fazendas na aliança.

Escala

• Participam 10 fazendeiros (ex: BTG pactual, Onçafari, Caiman), 14 propriedades e mais de 500 mil hectares.

Vantagens

• Juntos, os fazendeiros têm mais poder político. • A aliança não depende de ações governamentais. • A aliança pode ser facilmente ampliada.

3.2. Pesca

A pesca é uma atividade importante no Pantanal. Registros arqueológicos mostram que a pesca é praticada na região desde quando indígenas começaram a ocupar a região, há cerca de 6.000 anos (Bespalez, 2015). Hoje, a maioria das comunidades que vivem nas áreas rurais do Pantanal têm como principal atividade econômica a pesca. Além disso, a pesca é uma atividade importante para o turismo. Milhares de pessoas vêm ao Pantanal, todos os anos, para a pesca esportiva nos rios pantaneiros. Algumas comunidades também fazem parte dessa atividade, fornecendo iscas para os turistas.

A pesca pode ser dividida em três categorias principais: 1) os pescadores artesanais e profissionais que pescam para comer e vendem seus peixes nos mercados das cidades, 2) os pescadores esportivos que vêm ao Pantanal para pescar e, 3) os pescadores esporádicos (pescadores difusos) que vivem em cidades do Pantanal e às vezes pescam para se alimentar.

Existe um acalorado debate em torno da sustentabilidade da pesca. No início da década de 1980, o setor pesqueiro no Pantanal era regulamentado por uma política governamental e vários incentivos foram implementados para apoiar os pescadores da região (por exemplo, apoio a cooperativas, etc.). No entanto, depois de meados da década de 1980, a maior parte do apoio aos pescadores profissionais foi retirado devido às preocupações de que essas atividades tivessem levado à sobrepesca e ao esgotamento das populações de peixes. Novas políticas foram focadas em restringir os pescadores artesanais e profissionais (Chiaravalloti, 2017). Em Mato Grosso do Sul (MS), Pantanal Sul, três leis diferentes foram aprovadas entre 1983 e 1994 proibindo o uso de redes de pesca. No Pantanal Norte, o estado de Mato Grosso (MT) proibiu as redes de pesca em 1987 (Albuquerque et al., 2011). Diante das novas restrições, os pescadores locais foram levados a buscar meios de subsistência alternativos nas cidades próximas ou localmente, com muitos começando a trabalhar para o comércio de turismo, como guias de pesca (piloteiros) ou fornecedores de iscas (Catella et al., 2014). Nesse período, um novo negócio de pesca turística surgiu na região, tornando-se rapidamente um dos mais importantes motores da economia local. Em 1999, no MS (único estado onde se registram dados anuais), 59.000 turistas por ano vinham pescar na região (Catella et al., 2014). No entanto, em meados da década de 2000, o número de turistas começou a cair (o número caiu para cerca de 15.000 pessoas/ano em 2006 em MS). As empresas locais alegaram que não havia turistas porque não havia peixes, revivendo a narrativa da sobrepesca dos pequenos pescadores comerciais locais (Chiaravalloti, 2017). Os legisladores apoiaram uma aplicação de lei mais rígida,

especialmente para algumas espécies de peixes grandes e sobre o uso de diferentes equipamentos de pesca pela população local. Atualmente, há um debate em torno da proibição total da pesca no Pantanal, permitindo apenas a pesca esportiva na região. A seguir apresentamos as principais características do setor pesqueiro no Pantanal, as descobertas científicas sobre sustentabilidade, possíveis desafios e iniciativas que podem apoiar a sustentabilidade.

Pesca artesanal/profissional

• Existem 9.663 pescadores artesanais cadastrados no Pantanal, 6.326 no Mato Grosso e 3.337 no Mato Grosso do Sul.

• Existem 18 colônias de pescadores profissionais no Pantanal. Eles trabalham como sindicatos de pescadores e os ajudam com seus direitos de pesca e a papelada para registrar suas capturas.

• O setor artesanal profissional capturou 5 milhões de toneladas de pescado, gerando cerca de US$ 14 milhões em 2018.

Pesca esportiva

• São 92 pousadas no Mato Grosso e 50 no Mato Grosso do Sul para receber os pescadores esportivos que visitam o Pantanal.

• Anualmente, cerca de 120 mil turistas vistam o Pantanal Sul (Mato Grosso do Sul) e cerca de 100 mil turistas visitam o Pantanal Norte (Mato Grosso) para pescar.

• O setor de pesca esportiva gera cerca de 700 empregos diretos, de pilotos a cozinheiros.

• O setor de pesca esportiva gera cerca de US$ 16,8 milhões no Pantanal Sul (Mato Grosso do Sul) e cerca de US$ 1,8 milhões em apenas um trecho de rio (rio Cuiabá; Massaroli et al. 2021) no Pantanal Norte (Mato Grosso).

• Dados oficiais do Mato Grosso do Sul apontam que os pescadores esportivos capturam 211 toneladas por ano (Catella et al., 2020). Sem dados para Mato Grosso.

Pesca difusa

• São 1,4 milhão de pessoas que praticam a pesca esporádica, gerando cerca de US$ 270 milhões por ano.

3.2.1. Sustentabilidade

• O estudo mais extenso e em grande escala sobre a sustentabilidade da pesca no Pantanal foi conduzido entre 1994 e 1999 e mostrou possíveis sinais de superexploração para Pacu (P. mesopotamicus) (Catella et al., 1995). Outros estudos confirmaram esses achados (Mateus et al., 2011).

• Estudos mais localizados não mostraram sinais de sobrepesca. Na região de Amolar (Alto Pantanal), onde pescadores profissionais e esportivos estão presentes; o índice de integridade biológica apresentou alto nível de proteção (Polaz et al., 2017).

• Estudos focados na governança das estratégias de pesca têm mostrado que as comunidades se organizam de forma a proteger sua região da pesca predatória (Chiaravalloti et al., 2021).

Desafios

• Nas décadas de 80 e 1990, vários Comitês de Pesca foram criados para reunir cientistas, pessoas locais e legisladores para discutir possíveis iniciativas governamentais em torno da sustentabilidade da pesca. Porém, todos os comitês foram extintos e, atualmente, as políticas públicas não incorporam sugestões de grupos ou cientistas locais.

• A construção planejada de mais de 140 pequenas barragens hidrelétricas ao redor do Pantanal pode impactar drasticamente a população de peixes no Pantanal.

• Dados de captura de pesca de longo prazo estão disponíveis apenas para Mato Grosso do Sul.

• Áreas estritamente protegidas impõem barreiras severas à mobilidade e adaptação dos pescadores. Essas barreiras colocam em risco os meios de subsistência e a segurança alimentar das pessoas (Chiaravalloti, 2019).

• As estimativas de captura são provavelmente muito baixas. Os dados de captura registrados oficialmente representam provavelmente menos de 10% da captura total real (comunicação pessoal A. Catella).

Soluções

• Ampliar os programas de monitoramento participativo para a pesca que estão atualmente em vigor na Fronteira Ocidental do Pantanal poderia ajudar a sustentabilidade das práticas de pesca e apoiar a priorização da paisagem no Pantanal (Chiaravalloti, 2021).

• Replicar protocolos de monitoramento de pesca que possam estimar lacunas de informações nos dados oficiais de pesca (Amazonas et al., 2020).

• Alianças de pescadores e associações locais já estão organizadas para impedir a construção de pequenas barragens hidrelétricas e elas podem ser ampliadas e apoiadas.

• Estudos científicos que avaliem populações de peixes, estrutura de governança e impacto na sustentabilidade local.

3.3 Ecoturismo

Os turistas visitam o Pantanal desde o final do século XIX. Após a guerra contra o Paraguai em 1864, várias fazendas foram abertas no Pantanal e familiares ou amigos dos fazendeiros locais frequentemente visitavam a região. Na maioria dos casos, esses turistas estavam atrás de caça, com o objetivo de caçar mamíferos de grande porte, como onças-pintadas e ariranhas. Nesse período, o turismo não foi formalizado. Porém, em 1964, a caça no Brasil tornou-se uma atividade ilegal, cessando grande parte do turismo de caça no Pantanal.

Em meados dos anos 1970 e 1980, com o crescente interesse pelo mundo natural e a preocupação com o futuro do planeta, o turismo de natureza ou ecoturismo começou a crescer. Em todo o mundo, tornou-se um dos setores de negócios de maior sucesso e, hoje, alguns países dependem fortemente da receita das atividades de ecoturismo (Lindsey et al., 2020). O Pantanal, porém, aos poucos começou a receber ecoturistas, durante as décadas de 80 e 1990, a maioria visitava o Pantanal para pescar de forma recreativa/esportiva. Um dos primeiros lodges de ecoturismo criados na região foi o Refúgio Ecológico Caiman, estabelecido no final dos anos de 1980 dentro dos limites da fazenda Caiman. No entanto, antes dos anos 2000, o ecoturismo no Pantanal não decolou de forma significativa.

Foi apenas no início dos anos 2000 que novas fazendas começaram a se envolver com ecoturistas. No Pantanal Norte (Mato Grosso), diversos operadores turísticos da região do Jofre criaram um dos pontos mais procurados para ver as onças-pintadas. Depois de habituar as onças aos turistas, essas fazendas agora vendem pacotes turísticos com “garantia de onça”. Essas estadias de três noites garantem ao comprador que não sairá da região sem avistar uma onça-pintada. Outras regiões também registraram crescimento no ecoturismo. Na Serra do Amolar, todos os anos, os fazendeiros organizam um concurso denominado Pantanal Extreme, durante o qual as pessoas devem atravessar a serra a pé em um período de cinco dias. Apresentamos a seguir algumas informações importantes sobre o ecoturismo na região, alguns desafios e possíveis oportunidades.

• Os ecoturistas representam 15,3% de todos os turistas que vêm ao Pantanal Sul, e 22,4% de todos os turistas que vêm ao Pantanal Norte.

• Apenas 10% de todos os turistas que chegam ao aeroporto de Campo Grande vão para o Pantanal.

• Apenas 4,6% de todos os turistas do Pantanal vêm de outros países. • O turismo de onça-pintada e observação de aves no Pantanal gera US$ 6,8

milhões por ano (Tortato et al., 2017).

Desafios

• Dinâmicas ecológicas (por exemplo, mosquitos, enchentes) criam algumas barreiras para os turistas visitarem o Pantanal.

• Os Parques Nacionais e a maioria das Áreas Protegidas (RPPNs) que poderiam receber turistas não possuem infraestrutura adequada para facilitar, administrar/orientar o turismo. No entanto, outras áreas no Brasil tiveram sucesso nisso, como o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.

• A maioria dos pacotes turísticos são caros e não atraem o público em geral, principalmente o nacional.

• O conflito humano com animais de grande porte (por exemplo, onças) ainda está presente em várias regiões, podendo prejudicar a observação de animais.

Soluções

• A conscientização sobre o Pantanal está aumentando (por exemplo, uma nova novela chamada Pantanal estará na TV aberta em breve), o que aumentará a demanda por pousadas na região.

• Pousadas de ecoturismo localizadas no Pantanal Sul e em Porto Jofre (Pantanal Norte) geram renda alta e modelos de negócios semelhantes poderiam ser implementados em outras fazendas da região.

• A aliança 5P já está conectando diferentes proprietários de pousadas e pode ser ampliada ou replicada em outras regiões do Pantanal.

4. Referências

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