Pedagogo Numa Organizao No-governamental Uma Abordagem

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1 O pedagogo numa organização não-governamental: uma abordagem da sua atuação na equipe do programa de Juventude e Ação Política da Etapas José Bruno Gomes 1 Yane Darley Tenório de Almeida Carvalho 2 Ana Cristina Salibe Baptistella de Oliveira 3 RESUMO Este trabalho reflete a atuação de uma pedagoga na equipe do programa de Juventude e Ação Política da Organização Não-Governamental Etapas, do Recife, e mostra que além das ações educativas, sua importância tem relação com o seu investimento numa formação diferenciada à proposta pelo curso de Pedagogia e da prática multidisciplinar requerida pela ONG em que atua. A metodologia usada foi uma pesquisa qualitativa, na qual realizamos entrevistas com a coordenadora da Etapas, a pedagoga e os que formam a equipe em que atua, além de observações e análise documental, dos quais obtivemos dados para descrever o trabalho da pedagoga, que nos possibilitou, ao dar ênfase nas dificuldades do exercício da profissional, verificar que estas são alheias a ela e têm a ver com o aumento da demanda da organização. Palavras – chave: pedagogo, organizações não-governamentais, espaços não- escolares. Introdução A atuação do pedagogo em ambientes não-escolares se torna cada vez mais visível com a dinâmica das relações econômicas e sociais. Isso ocorre porque a educação apresenta mudanças, a partir das exigências oriundas da família, sindicatos, indústrias, hospitais, presídios, entre outras instituições sociais, que a requisitam fora do ambiente da sala de aula. A educação para todos é defendida, considerando que há outras formas de implementá-la, uma vez que a ação do pedagogo tem na educação o seu 1 Concluinte de Pedagogia - Centro de Educação - UFPE. [email protected] 2 Concluinte de Pedagogia-Centro de Educação -UFPE. [email protected] 3 Professora Doutora do Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional – Centro de Educação - UFPE. [email protected]

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O pedagogo numa organização não-governamental:

uma abordagem da sua atuação na equipe do programa

de Juventude e Ação Política da Etapas

José Bruno Gomes1

Yane Darley Tenório de Almeida Carvalho 2

Ana Cristina Salibe Baptistella de Oliveira 3

RESUMO

Este trabalho reflete a atuação de uma pedagoga na equipe do programa de Juventude e Ação Política da Organização Não-Governamental Etapas, do Recife, e mostra que além das ações educativas, sua importância tem relação com o seu investimento numa formação diferenciada à proposta pelo curso de Pedagogia e da prática multidisciplinar requerida pela ONG em que atua. A metodologia usada foi uma pesquisa qualitativa, na qual realizamos entrevistas com a coordenadora da Etapas, a pedagoga e os que formam a equipe em que atua, além de observações e análise documental, dos quais obtivemos dados para descrever o trabalho da pedagoga, que nos possibilitou, ao dar ênfase nas dificuldades do exercício da profissional, verificar que estas são alheias a ela e têm a ver com o aumento da demanda da organização. Palavras – chave: pedagogo, organizações não-govern amentais, espaços não-escolares. Introdução

A atuação do pedagogo em ambientes não-escolares se torna cada vez

mais visível com a dinâmica das relações econômicas e sociais. Isso ocorre

porque a educação apresenta mudanças, a partir das exigências oriundas da

família, sindicatos, indústrias, hospitais, presídios, entre outras instituições

sociais, que a requisitam fora do ambiente da sala de aula.

A educação para todos é defendida, considerando que há outras formas

de implementá-la, uma vez que a ação do pedagogo tem na educação o seu

1 Concluinte de Pedagogia - Centro de Educação - UFPE. [email protected]

2Concluinte de Pedagogia-Centro de Educação -UFPE. [email protected] 3 Professora Doutora do Departamento de Administração Escolar e Planejamento

Educacional – Centro de Educação - UFPE. [email protected]

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objeto de estudo. E hoje o que se pretende é a colocação desse objeto ao

alcance de todos acompanhando as transformações das relações sociais. No

que concordamos com Libâneo (2009, p. 96) ao afirmar que:

A educação é uma realidade que se modifica enquanto fenômeno social e histórico, em face da dinâmica das relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Por consequência, o movimento, a transformação da realidade educativa, leva também a mutações na Pedagogia, cabendo-lhe orientar a prática educativa conforme as exigências concretas postas pelo processo de conquista da humanização em cada momento do processo histórico-social. Com isso, diante das mutações da educação, ela vai propondo novos objetivos e conteúdos da educação.

Essa exigência passou a ser feita porque durante muito tempo o

pedagogo foi tido como um profissional que se caracterizava por sua prática

restrita ao ambiente escolar, resultado de sua formação acadêmica, voltada ao

magistério e habilitações nas áreas de coordenação, supervisão, administração

e orientação escolar.

Hoje, o pedagogo atua em ambientes profissionais diversos à escola,

como indústrias, hospitais, Embraer, Tribunal de Justiça, Organizações Não-

Governamentais (ONGs), sendo esta área a que enfocamos em nossa

pesquisa, considerando que segundo Libâneo (2009, pp. 38,39):

O curso de Pedagogia deve formar o pedagogo stricto sensu, isto é, um profissional qualificado para atuar em vários campos educativos para atender a demandas sócio-educativas de tipo formal, e não-formal e informal, decorrentes de novas realidades – novas tecnologias, novos atores sociais, ampliação das formas de lazer, mudanças nos ritmos de vida, presença dos meios de comunicação, mudanças profissionais, desenvolvimento sustentado, preservação ambiental – não apenas na gestão, supervisão e coordenação pedagógica de escolas, como também na pesquisa, na administração dos sistemas de ensino, no planejamento educacional, na definição de políticas educacionais, nos movimentos sociais, nas empresas, nas várias instâncias de educação de adultos, nos serviços de psicopedagogia e orientação educacional, nos programas sociais, nos serviços da terceira idade, nos serviços de lazer e animação cultural, na televisão, no rádio, na produção de vídeos, filmes, brinquedos, nas editoras, na requalificação profissional etc.

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Temática que surgiu em função das leituras e discussões sobre a

atuação de pedagogos em espaços não-escolares, o que nos levou a

pesquisar acerca de uma área, as ONGs, quando descobrimos a escassez de

literatura sobre a ação do pedagogo nas Organizações Não-Governamentais,

apenas alguns artigos, como os de Hamze (2009) e Silva e Batista (2009),

despertando ainda mais o interesse em realizar nosso trabalho de conclusão

de curso nesse novo campo de intervenção da profissão.

O desafio em pesquisar esse novo espaço profissional, aberto ao fazer

técnico-científico do pedagogo, foi pautado em estudos realizados por autores,

como Libâneo (2009), Hamze (2009), entre outros, que se reportam acerca da

ação desse profissional em espaços não-escolares e de artigos encontrados na

internet, por meio dos quais fundamentamos e analisamos nosso trabalho

sobre o pedagogo numa Organização Não-Governamental: uma abordagem da

sua atuação na equipe do programa de Juventude e Ação Política da Equipe

Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social (Etapas).

Procuramos, então, mostrar, logo no início, pesquisa bibliográfica

relacionada aos trabalhos referentes ao tema e depois análise dos dados

resultante do emprego de entrevistas e observações que tiveram como

diretrizes analisar a importância do papel do pedagogo nas ações educativas;

identificar as dificuldades de atuação do pedagogo; observar e descrever o

trabalho desenvolvido por um pedagogo em uma ONG; caracterizar o espaço

de atuação do pedagogo na ONG.

Autores como Libâneo (2009), Silva e Batista (2009) e Hamze (2009)

tratam dessas novas perspectivas do currículo e da ação profissional, que vão

além do ambiente escolar, caracterizando a expansão da área de atuação do

pedagogo. E às ideias deles recorreremos no desenvolvimento desse trabalho,

buscando analisar a importância do papel do pedagogo nas ações

educacionais da ONG, pois elas não são intrínsecas, apenas, às escolas, à

prática docente, como salienta Libâneo (2009, p. 55) ao enfatizar que “a base

da identidade profissional do educador é a ação pedagógica, não a docência".

O pensamento de Libâneo corresponde ao que a dinâmica das relações

sociais demandam quanto à formação profissional e atuação do pedagogo.

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O curso de Pedagogia no Brasil

O ano de 1939 marca o curso de Pedagogia porque é nele que é

instituída a primeira regulamentação e prevê a formação do profissional dessa

área como bacharel. Com a criação da Lei nº 4.024/61 (LDB) é mantido o

bacharelado (Parecer CFE 251/62) e são regulamentadas as licenciaturas

(Parecer CFE 292/62). Demonstrando a preocupação com a formação do

educador quanto à sua atuação no ambiente escolar (Libâneo, 2009).

No final da década de 1960, com a Reforma Universitária, foi criado o

Parecer CFE 252/69 que acabava com a distinção entre bacharelado e

licenciatura, mas criava para o curso de Pedagogia várias habilitações com a

intenção de formar um profissional capacitado para exercer funções como:

diretor, orientador educacional, supervisor escolar, entre outras.

Depois da criação dessas habilitações, na década de 1970, órgãos

governamentais e instituições da sociedade civil ligados à educação tomaram a

iniciativa de repensar ou reformular o curso de Pedagogia e as licenciaturas.

Uma década depois, alguns eventos foram realizados com profissionais

da área, voltando ao debate vários indicadores como: especificidade do curso

de Pedagogia e das licenciaturas, formação de especialistas não-docentes,

formação dos professores das séries iniciais, entre outros, no intuito de

reformular o currículo.

Também nos anos 1980 surge no cenário nacional a Associação

Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), formada por

educadores que defendiam uma política nacional de formação voltada para

uma sólida educação teórico-prática, condições dignas de trabalho e salariais,

que iniciou um movimento de reformulação dos cursos de formação de

educadores e defendia a docência como a base da preparação do pedagogo.

Devido a esse posicionamento, muitas faculdades acabaram retirando as

habilitações e concentrando o curso de Pedagogia apenas na formação

docente.

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Discordando desse posicionamento Libâneo (2009, p.51), entre outros

autores, ressalta que:

É quase unânime entre os estudiosos, hoje, o entendimento de que as práticas educativas estendem-se às mais variadas instâncias da vida social não se restringindo, portanto, à escola e muito menos à docência, embora estas devam ser a referência da formação do pedagogo escolar. Sendo assim, o campo de atuação do profissional formado em Pedagogia é tão vasto quanto são as práticas educativas na sociedade.

Com as transformações do mundo globalizado e o conhecimento

assumindo novas configurações, a tarefa do pedagogo passa a ganhar outros

âmbitos, assegurados nos pareceres do Conselho Nacional de

Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) números 05/2005, 01/2006, art. 4º:

O curso de licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, na Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:

I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor de Educação;

II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares;

III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares.

As novas diretrizes curriculares abrem um vasto espaço de atuação para

esse profissional, o que lhe possibilita assumir um novo perfil.

Espaços de atuação do pedagogo

Com as transformações ocorridas em nossa sociedade e as exigências

do mercado de trabalho, o perfil de muitos profissionais sofreu modificações,

dentre eles, destacamos o pedagogo que antes desenvolvia o seu trabalho,

predominantemente, no âmbito escolar e hoje atua em diversas instâncias da

sociedade.

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Isso ocorre devido ao reconhecimento das práticas educativas em todas

as esferas da sociedade e pelas mesmas serem pedagógicas, tendo na

contemporaneidade uma visão voltada para viabilizar o processo de ensino e

aprendizagem em todo e qualquer segmento social, não se restringindo apenas

à escola, mostrando que a Pedagogia é uma ciência multifacetada.

No que diz respeito às áreas de atuação do pedagogo, Libâneo (2009)

diz que podem ser definidas em duas esferas de ação educativa: a escolar e a

extraescolar. Na escolar, o pedagogo pode trabalhar como professor do ensino

público e privado, coordenador, orientador educacional, gestor, supervisor

escolar, etc.

Já na esfera extraescolar, os pedagogos podem atuar como formadores,

instrutores, organizadores técnicos, consultores, orientadores que desenvolvem

atividades pedagógicas em órgãos públicos e privados, associações populares,

supervisando funcionários e estagiários em empresas, com atividades culturais,

dentre outras funções.

Como podemos observar, o campo do pedagogo é bastante vasto, e a

revisão curricular solicitada pelo artigo 5º, inciso IV, da Resolução CNE/CP nº

1, de 15 de maio de 2006, para que a formação superior em Pedagogia

contemple as especificidades dos espaços escolares e não-escolares, ainda

em processo de implantação, torna, hoje, impossível a formação deste

profissional em todas as áreas mencionadas anteriormente.

O mesmo art. 5º, inciso IV, da Resolução CNE/CP nº 1, demonstra como

se configura a atuação do pedagogo mediante as leis, quando exige que:

O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: trabalhar em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo.

A exigência do CNE é, também, motivo de análise de Franco (2006),

quando deixa explícito que o pedagogo deve estar preparado para trabalhar em

espaços não-escolares com fins educativos:

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Os profissionais pedagogos, formados no curso de Pedagogia, atuarão nos diversos campos sociais da educação, decorrentes das novas necessidades e demandas sociais a serem regulamentadas profissionalmente. Tais campos são: as escolas e os sistemas escolares; os movimentos sociais; as diversas mídias; incluído o campo editorial; a área de saúde; as empresas; os sindicatos e outros que se fizerem necessários. Incluo ainda a organização, supervisão e avaliação dos programas de educação à distância, dos projetos de capacitação profissional; das políticas educacionais para deferentes setores, tais como a educação dos jovens e adultos, da terceira e quarta idades; gestão de diversos sistemas escolares, formais e não formais; investigação do campo teórico e prático de educação, entre outras ações em que a prática educativa se fizer presente ou necessária (2006, p. 119) apud Libâneo (2009, p. 254).

Com isso, o pedagogo pode assumir o seu papel que é o de trabalhar

com a educação, atuando em várias esferas da sociedade, tendo como objetivo

a formação humana.

Em meio às múltiplas atividades de cunho pedagógico em que o

pedagogo está inserido, focamos a nossa pesquisa na atuação da pedagoga

da ONG Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social (Etapas),

porque esta organização também apresenta um cunho educacional, perfil que

Silva e Batista (2009) apresentam como característico de Organizações Não-

Governamentais que buscam profissionais na área da educação com

habilidades para desenvolver ações educativas ultrapassando a fronteira da

escola.

Com atuação em diversos segmentos da sociedade, entre eles os das

áreas educacionais, saúde, assistência social, cultura, meio ambiente, direitos

humanos, etc., as ONGs precisam de profissionais capacitados para trabalhar

com o público de uma forma que atenda às suas necessidades. E entre estes

profissionais, encontramos o pedagogo inserindo-se num contexto mais

educativo, de acordo com Silva e Batista (2009).

Na área da educação, as Organizações Não-Governamentais que

enveredam por este campo passam a requisitar profissionais na área de

educação que tenham competência para desenvolver ações educativas, se

estabelecendo no campo extraescolar, como indicam Silva e Batista (2009).

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O que exige do pedagogo uma formação profissional em sintonia com as

exigências da sociedade em que está inserido.

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) – breve h istórico

A denominação Organização Não-Governamental (ONG) começa a

aparecer em documentos da Organização das Nações Unidas (ONU) desde a

segunda metade da década de 1940, no pós-guerra. Naquele momento, o

termo era utilizado se referindo às organizações internacionais, que se

destacaram a ponto de possuírem direito a uma presença formal na ONU sem,

contudo, representarem governos. Nos anos de 1960, a ONU incentivou o

aumento de programas de cooperação internacional, que financiavam

entidades para ajudar países subdesenvolvidos, como aponta Haddad (2002).

Ênfase a esse surgimento foi dada por Silva e Batista (2009), quando

mencionaram que:

[...] o termo foi criado pela Organização das Nações Unidas – ONU, na década de 1940, como denominação de entidades não oficiais que recebiam recursos financeiros de entidades públicas para realização de projetos sociais, numa filosofia de trabalho denominada ‘desenvolvimento de comunidade’. O termo foi extraído das agências de financiamento (ONGs de 1º mundo), que inicialmente, as denominavam de ONGDs (Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento), mas para os latino-americanos tornaram-se conhecidas como ‘Centros Populares’, só recentemente é que o universo dessas organizações se ampliou na América Latina, adotando-se, conseqüentemente, o termo ONG (2009, p. 3), apud Gohn (2000).

Nos anos de 1960, as ONGs se inserem num contexto no qual se

configuram duas tendências que se opõem. Uma, com sua base no

pensamento de esquerda, que teve reflexo a partir da década de 1960 e

apogeu em maio de 1968, na França, com o movimento estudantil, que

pregava a cisão com o poder do Estado pelas organizações da sociedade civil.

A outra ocorreu como motivação da política neoliberal de Estado mínimo, que

tem no reducionismo o eixo de seu paradigma, cujo foco é a continuidade e

não a ruptura.

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Haddad (2002, p. 56) ratifica essa perspectiva de continuidade, do

caráter reducionista, típico da política neoliberal quando diz “[...] enquanto para

uma antiga concepção socialista a miséria era um estado de humilhação e um

desafio, para o pensamento reducionista ela é um estrato estatístico.”

No Brasil, as ONGs surgem durante a ditadura militar, resultante do

golpe de Estado de 1964, mais precisamente a partir dos anos de 1970. Eram

representadas por grupo de pequenas organizações formado por pessoas

provenientes de setores das igrejas, de partidos políticos e das universidades,

que se organizou em entidades – associações civis sem fins lucrativos –

visando se dedicar ao trabalho social próximo às camadas mais pobres da

população, como especifica Gohn (2005, p. 55).

O objetivo principal das ONGs era a reconstrução das relações sociais

que haviam se rompido com a ditadura, a defesa dos direitos humanos e a

educação popular. A intenção dessas organizações, por meio desses

processos educativos, visava possibilitar a ampliação do nível de compreensão

que a população pobre tinha das suas condições de vida, discutindo as suas

causas, objetivando uma atuação crítica na sociedade.

Além disso, essas organizações também serviram de meio para a

subsistência dos opositores do regime militar expulsos das universidades e

órgãos públicos, segundo a ABONG (2010, p. 10)

Espaço importante para os trabalhos de ação junto aos grupos

populares com essas características foi a Igreja Católica. A leitura dos textos

bíblicos, adaptando-os à realidade do momento, sob a perspectiva da Teologia

da Libertação servia como base dos processos educativos. As famosas

Comunidades Eclesiais de Base eram grupos de ação pastoral e de educação

popular.

A ação das ONGs tinha como foco dar apoio às pastorais de caráter

social da Igreja Católica. Os temas variavam de acordo com as necessidades

apresentadas pelos grupos populares: saúde, moradia, analfabetismo,

produção, organização, entre outros. A ação educacional das ONGs era

influenciada pelo pensamento do educador Paulo Freire, que desencadeou

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vários trabalhos de educação popular, chamados à época de movimentos de

cultura popular. Essas ações entrelaçavam a política com manifestações

culturais como teatro, música, poesia. Essas intervenções educacionais foram

desenvolvidas com as comunidades pobres, tendo como referência suas

histórias, e que se disseminaram pelo país.

Reforça esse pensamento Haddad (2002, p. 77), quando afirma que:

Em linhas gerais, tais orientações pedagógicas se apoiavam na idéia de que os grupos populares detinham um saber particular, que era produzido conforme suas condições de vida, e que os processos educativos ocorriam do encontro entre esses saberes e os saberes dos educadores. Isso se dava pelo diálogo entre o educador e o educando, tomando como base o estudo da realidade local, voltado para a transformação das condições de vida da população empobrecida. A missão educativa de tais educadores não se realizava separada de uma intencionalidade política.

No término dos anos de 1970 e no começo da década de 1980, dois

acontecimentos tiveram influência na ação educacional das ONGs. O aumento

da demanda de trabalhos sociais na esfera da sociedade civil foi um deles,

ocupando novos espaços, resultantes, muitas vezes, de trabalhos realizados

pelas pastorais da Igreja Católica. Essa intervenção colocou à mostra uma

camada social - os movimentos de bairros, as associações de moradores, os

movimentos de mulheres, etc. - que iria dar vazão à criação de Organizações

Não-Governamentais, como a que serviu de campo para a nossa pesquisa

quanto à atuação do pedagogo.

Com a projeção dos movimentos sociais e populares como área de

intervenção das ONGs, estas passaram a apoiar esses movimentos em sua

organização e mobilização, assim como na ação educacional. Essas ações, no

campo da educação popular realizadas pelas Organizações Não-

Governamentais, adotaram novos temas referentes à questão cultural, da

mesma forma que as questões de gênero, etnia e raça. Essa linha de atuação

com os movimentos sociais possibilitaram as ONGs desenvolverem ações

voltadas à pobreza baseadas em fatores ligados ao campo da produção

cultural e simbólica.

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As ONGs são reflexo da fragmentação da sociedade, que em termos

de organização se subdivide em três dimensões, na dimensão correspondente

ao Estado, que equivale ao primeiro setor; na dimensão do mercado, que seria

o segundo setor; e na dimensão da sociedade civil, onde estão as

Organizações Não-Governamentais e são denominadas Terceiro Setor,

segundo Silva e Batista (2009).

Dado o grande crescimento e desenvolvimento do Terceiro Setor no

cenário brasileiro, onde são realizadas ações sócio-educativas, entre tantas

outras, insere-se implicitamente nesse contexto a interferência de um

pedagogo, tendo em vista que este auxilia no processo de aprendizagem de

crianças, adolescentes e adultos. Em relação ao que o Terceiro Setor

representa Franco Pereira (2006, p. 1) diz:

[...] o Terceiro Setor tem se apresentado e desenvolvido no Brasil, através das instituições sociais que realizam atividades sócio-econômicas, educativas e culturais, visando auxiliar a criança, o adolescente e o adulto no processo de desenvolvimento cognitivo e de inserção social. Dentre estas instituições, um grande número é composto por Organizações Não-Governamentais que atuam principalmente na defesa dos direitos civis e na preservação do meio-ambiente tem um papel de extrema relevância no cenário brasileiro.

De acordo com a Associação Brasileira de Organizações Não-

Governamentais (ABONG), as ONGs que atuam no campo educacional com

ações voltadas para os movimentos sociais têm como ponto comum os

princípios do desenvolvimento humano e da efetivação da cidadania.

Elas apresentam uma grande diversidade, principalmente temática, variando desde as entidades ligadas ao meio ambiente e aos grupos feministas, até as organizações voltadas à proteção da criança e do adolescente, num total de 225, segundo o cadastro/98 da ABONG (2010, p. 8).

Baseadas nessas duas áreas, meio ambiente e grupos feministas, e

organizações voltadas à proteção da criança e do adolescente, as ONGs

adotam as seguintes características “em seu conjunto ou mesmo em

separado”, como mostra a ABONG:

• Concentrar o seu nascedouro na reconstrução da vida democrática nacional;

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• Alojar-se, política e tecnicamente, como inovadoras do fazer social, alargando o espaço de intervenção popular;

• Dedicar-se à superação dos mecanismos de exclusão sócio-política, ao trabalhar, localmente, o cotidiano de segmentos específicos da população;

• Definir a sua ação, reunindo o fazer da denúncia, da reivindicação, da prestação de serviços e da produção de conhecimentos;

• Não representar qualquer classe de indivíduos sendo, por isso, flexíveis;

• Constituir-se em entidades de Direito Privado que concebem a sua ação como sendo pública;

• Conquistar, para si, o papel de agentes do desenvolvimento;

• Combinar a inserção local com a ação internacional.

A Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais

(ABONG) indica que há em Pernambuco 25 ONGs associadas estabelecidas

no Recife, sete (7) em cidades da Região Metropolitana do Recife, como Olinda

e o Cabo de Santo Agostinho, e mais quatro (4) em municípios do Agreste e do

Sertão, entre eles Serra Talhada, Ouricuri, Bezerros e Araripina. Entretanto, a

ABONG menciona que devem existir várias outras não vinculadas à

Associação.

Entre os campos de atuação, de cunho pedagógico, que a ABONG

aponta como existentes em ONGs a ela associadas, destacamos: capacitação

e assessoria em questões políticas, jurídicas, organizacionais e pedagógicas;

capacitação de profissionais da educação; formação humana e profissional de

crianças, adolescentes e jovens.

Metodologia

O estudo de caso qualitativo é a base metodológica que escolhemos

para realizar nossa pesquisa, considerando que a investigação ocorreu numa

unidade específica e que, segundo Godoy (1995, p.25), "visa ao exame

detalhado de um ambiente, de um sujeito ou de uma situação em particular".

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E a necessidade da abordagem qualitativa da pesquisa ocorreu com

base na análise de resultados das entrevistas no que se refere à pedagoga e

aos demais profissionais, além de observações acerca da prática da pedagoga

para que pudéssemos entender o papel da mesma na Etapas.

A coleta de dados aconteceu junto ao grupo do programa de Juventude

e Ação Política, da Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social

(Etapas), localizada no bairro da Boa Vista, após termos obtido permissão da

coordenadora da organização para realizar a pesquisa de campo e o uso do

nome da instituição no desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso,

decisão que reforça a importância dessa instituição como meio para os

movimentos sociais e seus agentes se capacitarem e, também, como espaço

aberto à pesquisa acadêmica. Para a coleta de elementos, utilizamos três

instrumentos de pesquisa: entrevistas, observações e análise documental.

As entrevistas, de acordo com Lüdke e André (1986), possibilitam a

obtenção imediata da informação buscada, seja qual for o entrevistado e as

questões abordadas. No que se refere às observações nas abordagens

qualitativas, as mesmas dão condição ao contato pessoal e próximo do

pesquisador, ajudando-o a identificar e a obter informações referentes aos

objetivos da pesquisa.

No tocante à análise documental, estas foram vitais para se obter dados

que dessem embasamento às afirmações coletadas durante as observações,

como orienta Lüdke e André (1986). Por meio dela, tivemos acesso a textos e

reflexões do curso de Desenvolvimento e Gestão de Organizações e Coletivos

Juvenis; a apostila do módulo de Socialização e Cidadania do curso Gestão de

Serviços Administrativos 2009; plano de trabalho relativo às ações a serem

desenvolvidas, durante o ano de 2010, pela pedagoga dentro dos eixos do

programa de Juventude e Ação Política da Etapas.

Esse processo de coleta iniciou em abril, quando as atividades da ONG

reiniciaram para o público externo, após o recesso para atividades internas, em

fevereiro e março, voltado para as reuniões de discussão e produção de

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relatórios referentes aos programas da organização. Naquele primeiro

momento, realizamos duas das quatro entrevistas feitas no campo de pesquisa.

As entrevistas foram realizadas com a coordenadora da organização e a

pedagoga. As outras duas, ainda em abril, com a assistente social e o

sociólogo, todos componentes da equipe de Juventude e Ação Política, da qual

a pedagoga também faz parte. O instrumento usado foi um gravador, com a

permissão dos entrevistados.

Nas ocasiões seguintes, foram totalizadas dez observações, coleta de

documentos para análise e transcrições das entrevistas, entre abril e primeira

quinzena de maio. Na segunda quinzena de maio, iniciamos a análise das

transcrições das entrevistas e das anotações referentes às observações,

visando fazer análise comparativa de acordo com os objetivos delineados

nessa pesquisa, embasada teoricamente.

Caracterização do campo de pesquisa

A Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social (Etapas),

localizada no bairro da Boa Vista, no Recife, é uma Organização Não-

Governamental, fundada em 1982, visando apoiar os movimentos populares

urbanos (associações e conselhos de moradores) e incentivar a articulação e o

fortalecimento de instituições do movimento, como federações de bairro.

Atualmente, a Etapas atua fortalecendo espaços coletivos de diálogos

envolvendo diferentes segmentos sociais e políticos, priorizando o trabalho em

rede. É uma ONG que declara ser independente de partidos políticos e

governos. Suas ações são financiadas por entidades da cooperação

internacional. Hoje, desenvolve atividades através de convênios, com

governos, especialmente àquelas desenvolvidas com os jovens.

Dois eixos demarcam a intervenção da Etapas, o trabalho com Política

Urbana e Controle Social e o programa de Juventude e Ação Política. Tem

como objetivos, no trabalho com Política Urbana e Controle Social a

organização dos moradores das áreas de baixa renda na perspectiva da

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garantia de direitos, o direito à moradia e a questão ligada ao direito à cidade, à

reforma urbana, ao direito à moradia.

No programa de Juventude, os objetivos são: discutir e propor políticas

públicas de juventude, promover processos de formação política, cidadã e

profissional de jovens com a perspectiva de que os mesmos se constituam

sujeitos de direito nos espaços sociais e na vida comunitária. Desenvolve

atividades para estimular a geração de trabalho e renda, oportunizar a inserção

de jovens no mercado de trabalho, assim com fortalecer iniciativas coletivas

juvenis.

No programa Política Urbana e Controle Social o público atendido é

composto pelos moradores de áreas de baixa renda do Recife, da Região

Metropolitana, pelas organizações comunitárias, conselhos de moradores,

clubes de mães, grupos de jovens, associações de moradores. Já o público

referente ao programa de Juventude e Ação Política está inserido entre os

jovens, moradores das áreas de baixa renda que procuram apoio para

formação profissional, em especial, formação política e formação para o

trabalho.

Análise dos dados coletados

Inserção da pedagoga na Etapas

O ingresso da pedagoga na ONG deu-se através de estágio entre os

anos de 2004 e 2006, período em que trabalhou em um projeto de formação

política e educacional para jovens moradores de áreas de baixa renda,

chamado de Formação Continuada, Trabalho e Política.

Com o término do estágio e sua consequente formação em Pedagogia,

na Universidade Federal de Pernambuco, em 2006, ocorreu a sua contratação

pela Etapas, que considerou entre os critérios para essa decisão, o fato da

profissional ter demonstrado durante o período de estágio competência para

utilizar o conhecimento advindo do curso, fazendo uso dos procedimentos

metodológicos e no diálogo com os jovens.

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16

Para chegar a este nível de aprovação pela organização, a profissional

teve, entretanto, que investir em sua formação durante o processo acadêmico,

procurando literatura que desse embasamento à sua compreensão de uma

área que sempre foi de seu interesse, a das questões sociais, participando das

atividades paralelas às disciplinas relacionadas com os movimentos sociais.

Isto pôde ser comprovado quando a mesma disse:

“[..] tive uma vida acadêmica muito intensa na Federal, principalmente nos dois últimos anos. Então, eu mergulhei muito nas questões sociais. É uma coisa que me motiva muito, me faz movimentar. [...]”

E esta leitura contextual foi evidenciada quando a coordenadora da

Etapas declarou:

“A gente estava, naquele momento, contratando uma pedagoga jovem, porque estávamos apostando, também, na facilitação de linguagem. Então, isso não foi à-toa. Ela foi estagiária da Etapas, depois do estágio a gente continuou com a mesma. Isto, porque tinha uma relação e um diferencial nisso. A forma de lidar com o público diferente, que ela tinha acumulado, com a questão do jovem, porque é um outro campo, ou seja, é um campo diferente, porque a formação acadêmica que ela teve foi muito mais voltada para o trabalho com crianças. Então, foi uma coisa que ela fez muito bem de adaptar a formação dela, aproveitando a oportunidade que teve ao fazer o estágio num lugar diferente [...].”

Acerca do posicionamento adotado pela pedagoga durante sua

formação profissional e pela Etapas ao abrir espaço para o estágio e posterior

contratação, Libâneo (2009, p. 55) afirma que “a base da identidade

profissional do educador é a ação pedagógica, não a ação docente”. O que

reforça a importância do fazer profissional do pedagogo em outros ambientes,

que não apenas o escolar.

Espaço de atuação da pedagoga no programa de Juvent ude e Ação

Política da Etapas

Um de nossos objetivos, citado anteriormente, teve como foco

caracterizar o espaço de atuação da pedagoga numa ONG, neste caso, no

programa de Juventude e Ação Política da Etapas. Chegamos a este recorte

da realidade em que a pedagoga se insere a partir das entrevistas e

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observações que realizamos na organização. Isto ficou evidente quando

questionamos a coordenadora da ONG e também do programa mencionado,

acerca do espaço de inserção da pedagoga quando a mesma afirmou que:

“De uma forma mais direta, cotidiana, o trabalho da técnica, que na sua fundamentação é formada em Pedagogia, está muito mais voltado para o programa com jovens, para a atuação com jovens.”

Este discurso foi ratificado quando ao entrevistarmos a pedagoga esta

informou que 90% de seus trabalhos estavam voltados para o programa de

Juventude.

A Etapas, na década de 1990, começou o trabalho com jovens por conta

de demanda dos próprios moradores das áreas de baixa renda em que a

organização trabalhava. A primeira intervenção educacional se deu através do

curso de Informática e Cidadania, além das aulas de informática abordavam-se

noções e discussões políticas sobre cidadania, democracia e direitos básicos.

A partir dos anos 2000, o programa foi evoluindo ao deixar de atuar,

apenas, com jovens indivíduos para se destinar, também, as organizações

juvenis, como reflexo das inquietudes trazidas pelos técnicos de suas inserções

nas realidades trabalhadas nas áreas em que esse público se encontrava. E

isto pode ser comprovado, através do seguinte relato da pedagoga:

“Isso foi uma coisa que a gente foi percebendo no cotidiano mesmo da nossa ação, que os jovens se organizavam, que os jovens, simplesmente, não queriam só trabalhar, eles queriam além de trabalhar, estudar, mudar a realidade da comunidade em que viviam.”

Hoje, podemos enfatizar, por meio de análise documental, que o

programa de Juventude e Ação Política, da Etapas, trabalha com quatro eixos

de ação: formação continuada (trabalho e política); monitoramento e inserção

profissional; fortalecimento da organização juvenil; e inserção em espaços e

canais institucionais de debate e proposição de políticas públicas de juventude.

A Etapas tem como diretriz trabalhar com uma perspectiva

multidisciplinar no desenvolvimento dos seus programas. E isso foi constatado

na formação da equipe de Juventude e Ação Política, que é composta por

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quatro técnicos de diferentes áreas: Comunicação Social, Serviço Social,

Sociologia e Pedagogia. Esta forma de gerenciamento das ações da

organização ficou explícita na fala da coordenadora/comunicóloga do programa

quando afirmou que:

“[...] aqui, a gente tem uma forma de atuar que é a partir da integração entre os diferentes técnicos e a formação de cada um. É uma questão de tentar trabalhar ao máximo com uma equipe multidisciplinar que discute os eixos, a metodologia e a proposta de intervenção, de uma forma muito coletiva [...]”

A inserção da pedagoga na equipe de Juventude e Ação Política, numa

perspectiva de ação multidisciplinar, pôde ser evidenciado quando a

coordenadora informou:

“No caso do trabalho da pedagoga, aqui a gente tem uma forma de atuar que é a partir da integração entre os diferentes técnicos e a formação de cada um. É uma questão de tentar trabalhar ao máximo com uma equipe multidisciplinar que discute os eixos, a metodologia e a proposta de intervenção, de uma forma muito coletiva, não importa se é o programa Política Urbana, se é o programa de Juventude. É a partir daí que a gente soma as especificidades de cada técnico, que hoje a gente tem pessoas na área de Comunicação, Pedagogia, Sociologia, Serviço Social, Administração, Psicologia.“

Vale salientar, que a ação profissional da pedagoga tem maior ênfase no

programa de Juventude, mas ela também atua no programa de Política Urbana

e Controle Social dando aporte no planejamento do trabalho desenvolvido com

as lideranças das organizações comunitárias (conselhos de moradores, clubes

de mães, entre outros), entretanto, sem participar de sua execução.

Trabalho desenvolvido pela pedagoga

De acordo com as nossas observações e entrevistas, pudemos

constatar que o trabalho da pedagoga no programa de Juventude e Ação

Política é desenvolvido a partir de quatro eixos de atuação em que as

atividades dessa profissional se desenrolam da seguinte forma:

1. Formação Continuada (Trabalho e Política): planeja e realiza cursos de

capacitação, seminários, debates, palestras e atividades coletivas com

jovens;

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2. Monitoramento e inserção profissional: faz contatos com os jovens

através de telefone e emails, atualiza banco de dados relacionado a

todos os jovens que realizaram cursos na Etapas;

3. Fortalecimento da organização juvenil: assessora as organizações

juvenis, contribuindo no planejamento, execução e avaliação de suas

ações. Essa intervenção ocorre de forma processual, considerando as

necessidades de cada organização;

4. Inserção em espaços e canais institucionais de debate e proposição de

políticas públicas de juventude: planeja e realiza oficinas objetivando

formar jovens para que estes se reconheçam como sujeitos de direitos e

na criação e fortalecimento dos espaços institucionais.

Desses quatro eixos, aquele em que a pedagoga esteve mais envolvida é o

relativo ao Fortalecimento das Organizações Juvenis, como a mesma relatou

quando questionamos sobre as suas atribuições, afirmando que “o eixo que

tenho dedicado muito mais do meu tempo é o Fortalecimento da Organização

Juvenil”, fato que pudemos constatar em sete das dez observações realizadas,

onde o foco de sua ação foi voltado a esse eixo.

Importância da pedagoga na Etapas

A inclusão de uma pedagoga em sua equipe técnica demonstra que a

Etapas, após 22 anos de intervenção nos movimentos sociais, buscou

responder às demandas que a dinâmica das relações sociais incorporou às

necessidades do público que requisita os seus serviços. Inserção profissional

que reforça a tese defendida por Hamze (2007, p. 20) e outros autores, relativa

a competência do pedagogo não estar restrita à docência, quando ressalta:

O pedagogo, na sociedade em que vivemos, passa a atuar como educador social em empresas, hospitais, ONGs, associações, igrejas, eventos, emissoras de transmissão (rádio e TV), formando atualmente, um novo panorama de ação deste profissional, que ao atravessar a divisória da escola, invalida preconceitos e idéias de que o pedagogo está apto para exercer suas funções apenas na sala de aula.

A importância da inserção da pedagoga na ONG foi retratada pela

coordenadora da Etapas quando afirmou que:

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“[...] é muito mais importante na nossa equipe um pedagogo do que, nesse momento, um engenheiro, como já foi no passado, já tivemos engenheiro, já tivemos arquiteto, porque tínhamos direto um programa de regularização da terra, então, a equipe era um pouco maior. Nesse momento, uma coisa que é muito mais fundamental é a visão técnica, ou a visão acadêmica, técnica para o trabalho de formação que a instituição tem como princípio metodológico, para os jovens, para todo mundo. Porque a formação política que se faz num trabalho como esse, ela é essencial, ela faz parte da metodologia. [...]”

Ao destacar a questão metodológica para o trabalho com os jovens,

público com o qual a pedagoga está mais envolvida na organização, através do

programa de Juventude e Ação Política, a coordenadora não só ratificou o que

Hamze (2009) apregoa, como dá ênfase ao que diferencia a ação da citada

profissional dos demais componentes da equipe, a questão técnica,

metodológica, o que é reconhecido por Libâneo (2009, p. 142):

[...] pedagogos e professores exercem uma atividade genuinamente prática, implicando capacidade de decisão, conhecimentos operativos e compromissos éticos. Para isso, sua inserção na condição pós-moderna os obriga a uma abertura científica e tecnológica, de modo a desenvolver uma prática investigativa e profissional interdisciplinar. [...] Mas essa síntese interdisciplinar é apenas um passo prévio para definir o que é próprio da Pedagogia, ou seja, investigação da realidade educativa visando, mediante conhecimentos científicos, filosóficos e técnico-profissionais, à explicitação de objetivos e formas de intervenção metodológica e organizativa relacionados com a transmissão/assimilação ativa de saberes.

Um dos profissionais que compõe a equipe multidisciplinar do programa

de Juventude reforça a importância da atuação da pedagoga na organização e,

sobretudo, no programa, quando afirmou que:

“A pedagoga é quem traz os elementos mais metodológicos em relação, pelo menos, ao meu trabalho. Por eu vir de uma formação sociológica, que é um pouco até mais estreita do que a que ela vem trabalhando. Eu conto sempre com ela quanto a questão do material, de que forma eu posso chegar nos jovens, como trabalhar a parte metodológica em sala de aula. Ela é os meus dois braços quando estou trabalhando na formação dos jovens.”

O que a pesquisa de campo nos possibilitou apreender, por meio das

entrevistas, observações e documentos, como o Plano de Trabalho relativo às

ações em desenvolvimento no ano de 2010 pela pedagoga, revela a

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importância e a necessidade da formação dos profissionais de Pedagogia para

responder às demandas que a dinâmica das relações sociais requisitam para a

inserção do pedagogo em espaços extraescolares.

E as observações puderam ratificar o que afirmamos, anteriormente,

quando constatamos a importância da formação política apregoada pela

pedagoga, como fator fundamental à sua atuação, numa de suas inserções

numa comunidade de município da Região Metropolitana do Recife, quando ao

ser avisada de que os componentes do movimento social, com o qual teria

ação educativa enumerada no Plano de Trabalho 2010, não participariam da

mesma, convidando-a para panfletar, quando a mesma não aceitou, avisando

que suas atribuições e responsabilidades não eram aquelas, mas sim de

estudo, discussão e reflexão para subsídio à organização dos membros do

movimento.

Dificuldades que a pedagoga enfrenta para desenvolv er o trabalho

O que identificamos por meio dos instrumentos para coleta de dados, no

recorte de tempo que tivemos na Etapas, dois meses, demonstra três

vertentes: a primeira, relativa à forma como a equipe com a qual a pedagoga

trabalha percebe as dificuldades que a mesma enfrenta em sua ação; a

segunda, com base nas observações realizadas; e a terceira apoiada em

informações coletadas em documentos fornecidos pela instituição.

Em relação ao que os profissionais da equipe de Juventude e Ação

Política revelaram no tocante às dificuldades pelas quais passa a pedagoga,

ficou evidente que elas não têm base no aspecto do fazer profissional, técnico-

metodológico da mesma, mas na limitação da Organização Não-

Governamental, em atender à demanda do público que requisita os seus

serviços, como revelou a coordenadora da instituição:

“Na organização, eu acho que não é uma dificuldade específica da pedagoga, mas de toda a equipe, é que nós somos poucos para uma demanda muito grande. Então, é aquela sensação, pelo menos é a avaliação que a gente discute muito aqui, que a gente acha que podia estar fazendo mais do que está, que às vezes são as condições de tempo, condições de infraestrutura mesmo.”

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No outro foco, o da observação de ação da pedagoga em trabalho com o

fortalecimento das organizações juvenis, percebemos que a grande dificuldade

para a profissional desenvolver o seu trabalho refere-se a baixa frequência dos

jovens participantes dos grupos nas rodas de diálogos que acontecem toda

segunda quinta-feira do mês e nas reuniões feitas pela ONG para discutir

assuntos ligados à juventude. Isto ficou notório na Roda de Diálogo,

procedimento metodológico adotado pela equipe, que ocorreu no dia 13 de

maio de 2010, na própria organização, com a presença de apenas três

representantes das dez organizações diretamente assessoradas pelo

programa.

O reforço a essa comprovação das dificuldades descritas acima pôde

ser constatado ao analisarmos o Plano de Trabalho de 2010 referente às ações

desenvolvidas pela pedagoga no programa de Juventude, como identificamos

no detalhamento do plano de ação das atividades para o mês de maio, quando

no item dificuldades, a profissional menciona que uma delas é “garantir a

presença dos grupos”.

O que pudemos perceber é que a dimensão dessas dificuldades

ultrapassa o fazer profissional da pedagoga, uma vez que a intervenção da

mesma depende da satisfação dos interesses dos participantes com os quais

as atividades são desenvolvidas.

Considerações finais

Uma das inquietações que nos fez escolher a temática deste trabalho foi

se construindo no decorrer do curso de Pedagogia, considerando que o

enfoque dado à formação do pedagogo no meio acadêmico é voltado à prática

docente e não à multidisciplinar em ambientes diversos à escola. E isto ficou

evidente no decorrer da pesquisa que realizamos, neste estudo de caso acerca

da importância do papel da pedagoga, na Etapas, quando ficou explícito no

discurso do sujeito objeto da pesquisa, que sua inserção na Organização Não-

Governamental foi resultado do interesse pelas questões sociais, levando-a a

investir academicamente, através de leituras, cursos e participação em eventos

que lhe agregassem conhecimento sobre ONGs.

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Isto é reforçado nos discursos dos entrevistados que fazem parte do

campo de pesquisa, atuando junto à pedagoga, quando em suas afirmações

ratificaram o que autores como Libâneo (2009) e Silva e Batista (2009)

defendem ao afirmarem que a dinâmica das relações sociais e econômicas

solicita aos profissionais da área pedagógica competência no fazer profissional

para trabalhar não só no espaço escolar como também nos extraescolares.

Sabemos, também, que a adequação a esse perfil multidisciplinar,

começou a ser feita pelos centros de formação universitária em Pedagogia,

reflexo das exigências do art. 5º, inciso IV, da Resolução CNE/CP nº 1, de 15

de maio de 2006, ao requerer que os egressos do curso de Pedagogia tenham

aptidão para trabalhar em espaços escolares e não-escolares.

E pudemos comprovar essa mudança curricular na Universidade Federal

de Pernambuco, cujas turmas que iniciaram o curso em 2009, foram

contempladas com uma formação mais próxima do que requisita a realidade.

Formação, entretanto, que a geração da qual a pedagoga pesquisada e nós

não tivemos, uma das razões, inclusive, para a consecução desta pesquisa.

Nossa intenção foi apontar as variadas atividades pedagógicas que o

pedagogo pode desenvolver. E dependendo da ação a ser realizada por este

profissional, ele deve buscar conhecimentos mais específicos em cursos de

extensão, sobretudo, para os formandos e graduados, cujos currículos são

anteriores ao que o Conselho Nacional de Educação, no art. 5º, inciso IV, da

Resolução CNE/CP nº 1, de 2006, requisitam, devido a maioria dos currículos

relacionados ao curso de Pedagogia não dar direcionamento específico para

que o pedagogo possa trabalhar em espaços extraescolares.

Um dos objetivos dessa pesquisa foi caracterizar o espaço de atuação

do pedagogo na Etapas e durante o processo de coleta de dados verificamos o

quanto a especificidade do trabalho e o planejamento de uma organização tem

influência no desenvolvimento da atuação dos profissionais que a compõe.

E é esse perfil de organização, criada para trabalhar com os movimentos

sociais e que valoriza a multidisciplinaridade de sua equipe no planejamento

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das ações, que possibilitaram, durante a pesquisa, identificarmos a interação

dos profissionais que formam as equipes de trabalho e, mais especificamente,

a de Juventude e Ação Política, na qual a pedagoga está inserida no

desenvolvimento das ações.

Resultado do planejar e trabalhar de forma coletiva pôde ser identificado

quando ao buscarmos ter conhecimento das dificuldades de atuação da

pedagoga na ONG ficou evidente que as mesmas não eram da profissional,

mas reflexo do aumento da demanda que os grupos de trabalho da Etapas

enfrentavam.

Na verdade, nós é que enfrentamos dificuldades para fazer uso dos

instrumentos para coletar os dados necessários para um estudo de caso, não

pela Etapas e de seus profissionais, sobretudo, da pedagoga, que nos deram

todas as condições para esse fim, mas do período em que tivemos que

desenvolver a pesquisa de campo: início do ano, coincidindo com Carnaval,

trabalhos internos de planejamento da organização, o que restringiu nossa

agenda a dois meses de acompanhamento da atuação da pedagoga, nos quais

foram realizadas poucas ações.

A conclusão deste trabalho nos dá o indicativo da necessidade de se

investir na formação política aliada ao caráter teórico-metodológico dos

pedagogos, principalmente, a partir dos que forem resultado do novo currículo

dos cursos de Pedagogia que contemplem a perspectiva pedagógica, e não

apenas a docente, no processo de ensino e aprendizagem. Cremos que a

ocupação de novos espaços de atuação será vital, também, para a produção

de literatura sobre o assunto, outra das dificuldades que enfrentamos para

fundamentar esta pesquisa.

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