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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE DOUTORADO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, POLÍTICA E PRÁXIS EDUCATIVAS PEDRO ISAAC XIMENES LOPES AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: INTENÇÕES E TENSÕES NA PROPOSTA DE CRIAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE SUPERVISÃO E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (INSAES) Natal/RN 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE DOUTORADO

LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, POLÍTICA E PRÁXIS EDUCATIVAS

PEDRO ISAAC XIMENES LOPES

AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: INTENÇÕES E

TENSÕES NA PROPOSTA DE CRIAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE

SUPERVISÃO E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (INSAES)

Natal/RN

2019

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PEDRO ISAAC XIMENES LOPES

AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: INTENÇÕES E

TENSÕES NA PROPOSTA DE CRIAÇÃO DO INSTITUTO NACIONAL DE

SUPERVISÃO E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (INSAES)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como parte dos requisitos para

obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientadora: Dra. Alda Maria Duarte Araújo Castro

Natal/RN

2019

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Lopes, Pedro Isaac Ximenes. Avaliação e regulação da educação superior: intenções etensões na proposta de criação do Instituto Nacional deSupervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES) / PedroIsaac Ximenes Lopes. - Natal, 2019. 307 f.: il.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte, Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação emEducação. Orientador: Profa. Dra. Alda Maria Duarte Araújo Castro.

1. Educação superior - Tese. 2. Avaliação - Tese. 3.Regulação - Tese. 4. Supervisão - Tese. 5. INSAES - Tese. I.Castro, Alda Maria Duarte Araújo. II. Título.

RN/UF/BS - Centro de Educação CDU 378

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Elaborado por Rita de Cássia Pereira de Araújo - CRB-15/804

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Aos meus amados filhos, Beto, Gabriel e Lis, três gerações,

que crescem e me fazem crescer.

À minha esposa, Grazi, companheira de todas as horas.

Ao meu pai, Cezar, e à minha mãe, Jandira, por todo o amparo.

À minha avó Lili e ao meu avô Ximenes, o verdadeiro Doutor.

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AGRADECIMENTOS

Sou muito grato a pessoas que foram fundamentais no percurso deste

Doutorado. Meu muito obrigado:

Primeiramente, à paciência e dedicação da minha orientadora, Professora

Doutora Alda Maria Duarte Araújo Castro. Reúne em si exigência, precisão, rigor,

força e, ao mesmo tempo, doçura, afetuosidade e delicadeza. No mundo aparente,

ressaltam-se as primeiras qualidades. Em sua essência, prevalecem as últimas. É

orientadora, professora, educadora, mãe. Sou grato por tudo o que aprendi em sala

de aula, em textos, em reuniões, no convívio, nos brindes de vinho.

À Professora Doutora Andréia da Silva Quintanilha Sousa, que muito

contribuiu, não apenas com suas críticas a esta tese, mas também me mostrou

como ser um profissional e uma pessoa melhor. É inspiradora. Faz com que muitos

de seus estudantes se motivem a continuar lutando pela educação. Embora eu não

tenha conseguido incorporar grande parte das sugestões, sei que ficam portas

abertas para a continuidade da parceria.

Ao Professor Doutor Gilmar Barbosa Guedes, intelectual e militante, pelo

companheirismo durante os debates na Linha, no Grupo de Política do Ensino

Superior e por carinhosamente se disponibilizar em dialogar com esta tese.

Ao Professor Doutor José Carlos Rothen, maior referência nos estudos

acerca da avaliação da educação superior no Brasil, por sua produção acadêmica e

pelos apontamentos à construção da tese.

Ao Professor João Ferreira de Oliveira, por toda a sua produção e

conferências que tenho acompanhado nos últimos anos, bem como pelo convívio no

Projeto Integrado de Pesquisa “Expansão e qualidade da educação superior no

contexto do Plano Nacional de Educação (2014-2024)”. Neste, na condição de

investigador aprendiz, tenho amadurecido e me capacitado. Continuo um

pesquisador em formação.

Ao Professor Doutor Antônio Cabral Neto, pelos conselhos e incentivos. Com

sua sabedoria, só precisa de uma palavra para centelhar ideias que dão rumo às

investigações dos que têm o privilégio de com ele aprender. Sua influência é

imprescindível para que todos da Linha de Pesquisa Educação, Política e Práxis

Educativas possam crescer academicamente.

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Ao Professor Doutor José Moisés Nunes da Silva, por se disponibilizar em

dialogar com esta tese.

À Professora Doutora Maria Luísa Machado Cerdeira, minha orientadora

durante o Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE) da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), realizado no Instituto de

Educação da Universidade de Lisboa (IE/ULisboa). É uma pessoa forte e sensível,

exemplo de profissional e de demonstração de princípios humanos. A ela, por quem

guardarei profundo apreço e carinho, serei eternamente grato. Estendo, ainda, o

agradecimento a todos os docentes com quem tive a oportunidade de dialogar e

aprender no IE/ULisboa, bem como aos demais estudantes pela hospitalidade dos

colegas de morada.

Às professoras e aos professores da Linha de Pesquisa Educação, Política e

Práxis Educativas Luciane Terra dos Santos Garcia, Magna França, Maria Goretti

Cabral Barbalho, Walter Pinheiro Barbosa Junior e, em especial, à Professora

Doutora Maria Aparecida de Queiroz, a quem estimo muito carinho e admiração.

Às amigas e aos amigos do PPGEd, Girliany Santiago, Marcos Torres, Amilka

Dayane, Danilma de Medeiros, Raphael Lacerda, Janaína Lopes, Fabiana Araújo,

Gersonita Paulino, Maria Paula, Naelly Carla, Gilneide Lobo, Josielle Soares, Larissa

Fernandes, Matheus Lucas, Francineide de Lucena (in memoriam), Maize Sousa,

Aline Medeiros, Anna Gabriella, Isabela Cristina, Polena Valesca e tantos outros que

estiveram presentes nos grupos de estudos, disciplinas, eventos acadêmicos e

conversas de corredores. Um agradecimento, em especial, ao irmão camarada

Christomyslley (o Maguinho), que conheci na Universidade Potiguar (UnP), e tive a

oportunidade de estender os laços fraternais na UFRN, sempre com sorriso e abraço

festivo da minha chegada.

Aos docentes do Centro de Educação da UFRN, particularmente à Professora

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros, educadora engajada e pessoa doce. Sempre

com a mão estendida para nos impulsionar.

Aos amigos do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Avaliação de Políticas

Públicas (GIAPP), sobretudo os Professores Doutores Lincoln Moraes de Souza e

João Matos Filho, intelectuais críticos e amigos, sempre acolhedores.

À Coordenação do PPGEd, em especial, ao Secretário Mestre Milton José

Câmara dos Santos, Técnico em Assuntos Educacionais, que, com toda a sua

equipe técnico-administrativa, possibilita a realização da atividade-fim.

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Ao Vice-Reitor da UFRN, Professor Doutor José Daniel Diniz Melo, ao Pró-

Reitor de Pós-Graduação, Professor Doutor Rubens Maribondo do Nascimento, e ao

Diretor do Centro de Tecnologia, Professor Doutor Luiz Alessandro Pinheiro da

Câmara de Queiroz, pelo apoio à concretização deste trabalho.

Às e aos discentes da UnP e da UFRN, pelo privilégio de ter feito parte da

formação acadêmica, seja como docente, orientador e/ou tutor. Ao modo freireano,

talvez sem saberem, estimularam-me à reflexão crítica sobre a prática docente, com

alegria e esperança. Ensinaram-me sobre humildade, tolerância e generosidade.

Fortaleceram em mim o desejo de luta em defesa da educação. Reacenderam a

ideia de que a mudança é possível.

À minha família, por ser meu abrigo. Desculpem-me pelas horas roubadas

pelo tempo de estudo. Um beijo carinhoso na minha esposa, Grazi, na minha mãe,

Jandira, no meu pai, Cezar, e nas crianças e adolescentes (filhos e sobrinhos), Beto,

Gabriel, Lis, Rebeca, Vinicius, Júlio e Dani.

A todas essas pessoas, mais uma vez: MUITO OBRIGADO!

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“[...] tínhamos atingido nosso fim principal, que era enxergar

claramente as nossas ideias.”.

(MARX, Karl. Prefácio. In: ______. Contribuição à crítica da economia política. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.

7)

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RESUMO O objetivo geral desta pesquisa foi analisar a construção da proposta de criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), investigando as intenções e as tensões nos debates ocorridos na Câmara dos Deputados acerca da avaliação, regulação, supervisão e acreditação da educação superior no Brasil. O referencial teórico e metodológico foi construído a partir das contribuições do materialismo dialético, sob a articulação das categorias da totalidade, da contradição e da mediação. Quanto aos procedimentos técnico-instrumentais, foram realizadas entrevistas exploratórias com cinco sujeitos situados em contextos institucionais envolvidos no debate, além da análise dos discursos presentes nos documentos produzidos na Câmara dos Deputados durante a tramitação da matéria, fazendo uso do software MAXQDA na organização e análise dos dados. O movimento expositivo da pesquisa partiu das determinações e relações diversas ao concreto pensado, com o intuito de representar o fenômeno estudado no seu lugar histórico. Constatamos que o INSAES evidencia similitudes com o formato de agência reguladora, já vigente em outros setores econômicos e sociais, fruto da Reforma do Estado brasileiro, desencadeada especialmente a partir dos anos 1990. O Projeto de Lei (PL) nº 4.372/2012, propondo o INSAES, compunha o programa desenvolvimentista do Governo Dilma Rousseff. Este concebia o capitalismo baseado em uma economia de mercado planejada e administrada pelo Estado, que passa a investir em sua capacidade gerencial, sem romper com a hegemonia do grande capital e, consequentemente, sem obstaculizar a privatização da expansão da educação superior e sem promover a sua estatização. A Câmara dos Deputados foi o lócus de concretude dos embates decisórios e tensões, evidenciando o conflito de interesses acerca do modelo de educação superior e projeto de sociedade em disputa. Defensores da educação enquanto bem público eram favoráveis ao Projeto, embora o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) tenham demonstrado preocupações com a possibilidade de secundarização e desmonte da avaliação já desenvolvida no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Ganhou destaque, porém, a atuação do bloco de oposição ao PL, composto precipuamente pela bancada de parlamentares e entidades representativas associadas ao setor privado-mercantil. De um modo geral, as emendas alinhadas ao setor privado reivindicaram a supressão da supervisão e da necessidade de autorização prévia para transações entre as empresas educacionais (fusão, aquisição, incorporação e outras). A pressão fez com que o Governo cedesse, reduzindo valores de taxas e multas e garantindo a participação do segmento privado nas instâncias colegiadas. Contudo, a crise capitalista brasileira e, sobretudo, a crise da forma política, instalada entre os Poderes Legislativo e Executivo, fez com que a coalização multipartidária, liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), se desagregasse, retirando o Projeto INSAES da agenda pública, não por questões de mérito, mas sim por decisão

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política. Concluímos que a desregulação da oferta aprofunda a precarização nas condições de ensino, pesquisa e extensão, impedindo o efetivo direito social à educação e contribuindo para uma maior mercantilização da educação superior. Palavras-chave: Educação superior. Avaliação. Regulação. Supervisão. INSAES.

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ABSTRACT The main purpose of this study was the analysis about the construction of the proposal to create the National Institute of Supervision and Evaluation of Higher Education (INSAES), investigating the intentions and strains in the debates in the Chamber of Deputies about the evaluation, control, supervision and accreditation of higher education in Brazil. The theoretical and methodological framework were constructed with the support of the dialectical materialism, under an articulation of the categories of totality, contradiction and mediation. As for the technical-instrumental procedures, exploratory interviews were conducted with five subjects located in institutional contexts involved in the debate, besides the analysis of the speeches present in the documents produced in the Chamber of Deputies during the parliamentary procedure of the issue, making use of MAXQDA software in the organization and data analysis. The expository movement of the research started from the determinations and distincts relations about the concrete thought, with the intention to represent the phenomenon studied in its historical place. We realized that INSAES shows similarities with the regulatory agency format, already in force in other economic and social sectors, as a result of the Brazilian State Reform, that was mostly triggered in the 1990s. The bill number 4.372/2012, that proposed the INSAES, comprised the developmental program of the Government Dilma Rousseff. The Rousseff Government was grounded in a form of capitalism based on a planned and state-run market economy that began to invest in its managerial capacity, without breaking with the hegemony of big capital and, consequently, without impeding the privatization of the expansion of higher education and without promoting its nationalization. The Chamber of Deputies was the locus of concreteness of the decision-make strifes and tensions, evidencing the conflict of interests about the model of higher education and the project of society in dispute. Although the Anísio Teixeira National Institute of Educational Studies and Research (INEP) and the National Commission for the Evaluation of Higher Education (CONAES) have expressed concern about the possibility of relegation and dismantling of the evaluation already developed within the framework of the National System for the Evaluation of Higher Education (SINAES), defenders of education as a Commonweal were in favor of the Project. The bill opponents' block, however, was mainly composed of members of parliament and representative entities associated with the private-market sector. In general, the amendments aligned with the private sector demanded the suppression of supervision and necessity of prior authorization for transactions between educational companies (merger, acquisition, incorporation and others). The pressure caused the Government to cede, reducing rates and fines and ensuring the participation of the private segment in collegiate bodies. However, the Brazilian capitalist crisis and above all the crisis of the political form, installed between the Legislative and Executive Branches, caused the multiparty coalition, led by the Workers' Party (PT) and the Brazilian Democratic Movement Party (PMDB) to disaggregate, removing the INSAES Project from the public agenda, not by merit, but by political decision. We have concluded that the deregulation of the supply deepens

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the precariousness in the conditions of teaching, research and extension, hindering the effective social right to education and contributing to a greater commodification of higher education. Keywords: Higher education. Evaluation. Regulation. Supervision. INSAES.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Documentos analisados acerca da tramitação do INSAES ................... 43

Quadro 2 – Documentos da UNESCO e do Banco Mundial analisados ................... 67

Quadro 3 – Normas e orientações europeias para a garantia da qualidade ............. 97

Gráfico 1 – Evolução da dotação orçamentária autorizada para o Fies (em bilhões de

reais) ....................................................................................................................... 145

Quadro 4 – Classificação de Instituições de Educação Superior quanto à sua

organização acadêmica – Brasil – 1997-2019 ........................................................ 149

Quadro 5 – Síntese histórica recorrente da avaliação educacional, conforme Lima

(2008) ...................................................................................................................... 153

Quadro 6 – Configuração do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

(SINAES) ................................................................................................................. 179

Quadro 7 – Comparativo entre o SINAES da CEA, o SINAPES e o SINAES

aprovado pelo Congresso Nacional ........................................................................ 182

Quadro 8 – Composição do CPC e pesos das suas dimensões e componentes ... 186

Quadro 9 – Políticas de educação superior condicionadas a processos de avaliação

................................................................................................................................ 188

Quadro 10 – Comparativo entre o Decreto nº 7.690/2012 e o Projeto de Lei nº

4.372/2012 .............................................................................................................. 201

Figura 1 – Broche confeccionado pela Associação de Servidores do INEP

(ASSINEP) – “País que tem INEP não improvisa com INSAES” ............................ 204

Quadro 11 – Anexo VII do Projeto de Lei nº 4.372/2012 ........................................ 209

Quadro 12 – Estimativa de valores que seriam arrecadados com a Taxa de

Supervisão, sobre o n° de vagas autorizadas ......................................................... 210

Figura 2 – Nuvem com as 50 palavras mais recorrentes no PL nº 4.372/2012 ...... 211

Quadro 13 – Composição e atribuições do Plano de Carreiras e Cargos do INSAES

................................................................................................................................ 212

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Quadro 14 – Quadro de Pessoal proposto para o INSAES e Folha Salarial estimada

................................................................................................................................ 213

Quadro 15 – Comparando o quadro de pessoal do INSAES e sua Folha Salarial com

o MEC, Capes, INEP e outros órgãos da Educação Superior ................................ 214

Quadro 16 – Agências Reguladoras e total de funcionários ................................... 215

Quadro 17 – Comparativo entre a Lei nº 10.861/2004 e o Projeto de Lei nº

4.372/2012 .............................................................................................................. 217

Figura 3 – Linha do tempo referente ao Projeto INSAES na Câmara dos Deputados

................................................................................................................................ 222

Quadro 18 – Composição da Comissão de Educação e Cultura (CEC) – 2012 ..... 223

Quadro 19 – Relação dos deputados que apresentaram emendas da CE ............. 230

Quadro 20 – Comparativo entre Emendas adotadas pela CE e a proposta do Poder

Executivo ................................................................................................................. 232

Quadro 21 – Relação dos deputados que apresentaram emendas da CTASP ...... 239

Quadro 22 – Comparativo entre as emendas adotadas pela CTASP e os textos

precedentes ............................................................................................................. 241

Quadro 23 – Resultado da votação sobre o PL nº 4.372/2012 na CTASP ............. 244

Quadro 24 – Relação dos deputados que apresentaram emendas na CFT ........... 254

Quadro 25 – Votação dos destaques na CFT ......................................................... 256

Quadro 26 – Resultado da votação sobre o Parecer do Relator na CFT ............... 257

Quadro 27 – Comparativo entre as emendas adotadas pela CFT e os textos

precedentes ............................................................................................................. 257

Quadro 28 – Relação dos deputados que apresentaram emendas da CCJC ........ 262

Quadro 29 – Orientação das Bancadas para votação do Requerimento nº 7492/2013

– Urgência para apreciação do PL Nº 4.372/2012 .................................................. 263

Quadro 30 – Resultado da votação do Requerimento nº 7492/2013 – Urgência para

apreciação do PL nº 4.372/2012 ............................................................................. 266

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Evolução do número de matrículas de graduação, por categoria

administrativa – Brasil – 1964-2016 ........................................................................ 137

Tabela 2 – Número de matrículas em cursos de graduação, na modalidade a

distância, em IES públicas – Brasil 2006-2016 ....................................................... 141

Tabela 3 – Número de matrículas em cursos de graduação, em IF e CEFET – Brasil

2009-2016 ............................................................................................................... 143

Tabela 4 – Matrícula total e com financiamento estudantil/bolsa em cursos de

graduação na rede privada – Brasil 2009-2016 ...................................................... 144

Tabela 5 – Número de instituições de educação superior, por categoria

administrativa .......................................................................................................... 148

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABMES Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior

AM Amazonas

AP Amapá

ARCU-SUL Sistema de Acreditação Regional de Cursos de Graduação do

MERCOSUL

Art. Artigo

ASSINEP Associação de Servidores do INEP

BA Bahia

BM Banco Mundial

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania

CE Ceará

CE Comissão de Educação

CEA Comissão Especial de Avaliação da Educação Superior

CEBAS Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social

CEC Comissão de Educação e Cultura

CFT Comissão de Finanças e Tributação

CNE Conselho Nacional de Educação

CONAES Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior

CONFENEN Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

CONTEE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

CTAA Comissão Técnica de Acompanhamento da Avaliação

CTASP Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público

DEM Democratas

Dep. Deputado

DF Distrito Federal

EMI Exposição de Motivos Interministerial

ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes

ENC Exame Nacional de Cursos

ES Espírito Santo

EEES Espaço Europeu de Ensino Superior

FENEP Federação Nacional das Escolas Particulares

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FHC Fernando Henrique Cardoso

GO Goiás

IES Instituições de educação superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

INSAES Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior

MA Maranhão

MEC Ministério da Educação

MEXA Mecanismo Experimental de Acreditação do MERCOSUL

MG Minas Gerais

MS Mato Grosso do Sul

NR Nova Redação

OMC Organização Mundial do Comércio

PA Pará

PAIUB Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras

PB Paraíba

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDT Partido Democrático Trabalhista

PE Pernambuco

PHS Partido Humanista da Solidariedade

PI Piauí

PL Projeto de Lei

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN Partido da Mobilização Nacional

PP Partido Progressista

PPS Partido Popular Socialista

PR Paraná

PR Partido da República

PRB Partido Republicano Brasileiro

PROS Partido Republicano da Ordem Social

PRP Partido Republicano Progressista

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSC Partido Social Cristão

PSD Partido Social Democrático

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PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSL Partido Social Liberal

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PTC Partido Trabalhista Cristão

PV Partido Verde

RANA Rede de Agências Nacionais de Acreditação

RJ Rio de Janeiro

RN Rio Grande do Norte

RO Rondônia

RR Roraima

RS Rio Grande do Sul

SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SC Santa Catarina

SD Solidariedade

SE Sergipe

SERES Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior

SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

SINPROEP/DF Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de

Ensino do Distrito Federal

SP São Paulo

TO Tocantins

UNE União Nacional dos Estudantes

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 20 1.1 Contextualização do objeto de estudo ......................................................................... 20 1.2 Delimitação do objeto de estudo .................................................................................. 24 1.3 Objetivos (geral e específicos) ..................................................................................... 29 1.4 Referencial teórico e metodológico .............................................................................. 30 1.5 Estrutura da tese .......................................................................................................... 45

2 INFLUÊNCIA DOS FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGENDA

GLOBALMENTE ESTRUTURADA PARA A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO

SUPERIOR ................................................................................................................ 47 2.1 Contexto socioeconômico e político e suas repercussões na educação: o papel do

conhecimento para o desenvolvimento da economia ........................................................ 48 2.2 Regulação transnacional e organismos multilaterais: atores político e intelectual na

configuração da educação superior ................................................................................... 65 2.2.1 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO) e as diretrizes para a educação superior .................................................... 67 2.2.2 Orientações economicistas para a educação superior: Banco Mundial (BM) e

Organização Mundial do Comércio (OMC) .................................................................... 78 2.2.3 Sistemas de acreditação em escala global: o INSAES como disposição para uma

tendência em curso ........................................................................................................ 94

3 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO E AS

REPERCUSSÕES NA RELAÇÃO EXPANSÃO-AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO

SUPERIOR .............................................................................................................. 103 3.1 Reforma do Estado e modernização da administração pública: a difusão do modelo

gerencial ........................................................................................................................... 104 3.2 Do Plano Diretor da Reforma ao Novo Desenvolvimentismo: institucionalização do

modelo gerencial e criação de agências reguladoras ...................................................... 110 3.2.1 Reforma do Estado no Brasil: primeiras iniciativas ............................................. 110 3.2.2 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e as iniciativas do Governo

FHC (1995-2002) ......................................................................................................... 115 3.2.3 Os Governos do PT (2003-2016) e o chamado Novo Desenvolvimentismo:

continuidade da Reforma do Estado ............................................................................ 126 3.3 Educação superior no Brasil e sua transformação em serviço competitivo e não-

exclusivo do Estado ......................................................................................................... 134

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4 AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA REFORMA DO ESTADO: POLÍTICAS PÚBLICAS

DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ................................... 151 4.1 Um breve histórico da avaliação educacional e da avaliação de políticas públicas e

suas relações ................................................................................................................... 152 4.2 Propostas e políticas públicas de avaliação da educação superior no Brasil: os

antecedentes do SINAES ................................................................................................. 164 4.3 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e os processos de

regulação e supervisão .................................................................................................... 175

5 O INSTITUTO NACIONAL DE SUPERVISÃO E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO

SUPERIOR (INSAES): DO PODER EXECUTIVO AO LEGISLATIVO ................... 195

5.1 Projeto de Lei nº 4.372/2012: a formulação do Poder Executivo ............................... 196 5.2 Tramitação na Câmara dos Deputados: correlação de forças ideológicas e políticas

em disputa ........................................................................................................................ 220 5.2.1 Comissão de Educação (CE): construção do consenso em torno da criação do

INSAES ........................................................................................................................ 223 5.2.2 Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP): ruptura do

consenso em torno da criação do INSAES .................................................................. 239 5.2.3 Comissão de Finanças e Tributação (CFT): intensificação da resistência em torno

da criação do INSAES .................................................................................................. 245 5.2.4 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e Plenário da

Câmara: crise da coalizão multipartidária .................................................................... 261

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 275

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 285

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1 INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização do objeto de estudo

A ação de “avaliar” é intrínseca a grande parte das atividades humanas,

enquanto apreciação de um determinado sujeito ou fenômeno, seja de maneira

espontânea, no âmbito do senso comum, ou mesmo de modo formal mediante

espaços criados para tal fim. Isso porque, nas situações cotidianas, atribuem-se

juízos de valor e escolhem-se, opta-se, tomam-se decisões no dia a dia. Mas há

procedimentos avaliativos que ultrapassam o juízo de valor individual e ganham

dimensão social. Num mundo cada vez mais complexo, a intermediação da

avaliação por terceiros, com caráter institucional, torna-se mais recorrente. Sistemas

de avaliação em setores econômicos e sociais, avaliação realizada por usuários de

serviços, avaliação de desempenho de funcionários e diversos outros tipos de

avaliação, servem formalmente para descobrir analiticamente os problemas

(embora, inversamente, possam também servir para camuflá-los).

A avaliação, no sentido de interesse público, é prerrogativa do Estado e está

articulada à apreciação dos serviços prestados e ao comércio de mercadorias,

pilares do sistema de trocas no contexto do padrão de “acumulação flexível”

(HARVEY, 2012a). O Estado, nesse sentido, adquire o papel de avaliador para fins

de regulação, no sentido de controle dos produtos. Com o campo da educação, cada

vez mais organizado para a produção e venda de serviços educacionais, não tem

sido diferente (VALE, 2018).

A chamada avaliação educacional, em suas origens, estava mais associada

ao processo de ensino e aprendizagem, nas relações entre professores e

estudantes, sobretudo mediante aplicação de testes. A partir do último cartel do

século XX, assumiu o caráter de avaliação das políticas educacionais de maneira

mais ampla, ganhando importância nos debates acerca da gestão pública (SOUZA,

2017).

Nos anos 1980 no plano internacional e mais precisamente no Brasil, a partir

da década de 1990, a avaliação se tornou parte da Reforma do Estado, compondo o

projeto de expansão da educação superior que ainda está em curso. Nesse período,

a larga e acelerada ampliação de vagas e Instituições de Educação Superior (IES)

foi impulsionada não apenas pela demanda da população brasileira, mas também

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pelo processo de globalização da economia, em que a produção de informação,

conhecimento e inovação, se tornou fator de produtividade e ganhos de vantagens

na concorrência econômica global. Diante da centralidade assumida pelo

conhecimento, o sistema de ensino, especialmente o de nível superior, passou a ser

estratégico para as políticas de desenvolvimento socioeconômico dos países.

Representativo desse investimento é o crescimento do número de estudantes

matriculados na graduação no Brasil, que saltou de 1.565.056, em 1991, para

8.290.911, em 2017 (INEP, 2018). Tudo isso ocorreu sob a lógica e as necessidades

do modo de produção capitalista, acompanhada das noções de “sociedade do

conhecimento”, “empregabilidade”, “pedagogia das competências” e

“empreendedorismo” (FRIGOTTO, 2011). A importância incumbida à educação

superior impactou fortemente na sua gestão, que passou a ser alvo de cobrança

sucessiva dos agentes econômicos, pressão por novos modelos de financiamento e

coação mediante critérios de avaliação.

Diante desse cenário, políticas de avaliação da educação têm assumido maior

relevância na agenda nacional, como uma das ações para direcionamento da

crescente expansão. No mundo globalizado, a problemática da avaliação está

imbricada também com a internacionalização da educação superior, o que torna

necessário conferir validade internacional à certificação, de modo a viabilizar

mobilidade de estudantes e trabalhadores, mediada por organismos internacionais,

que influenciam a configuração dos sistemas educativos nacionais. A centralidade

adquirida pela avaliação internacional comparada por intermédio de rankings globais

de universidades (BARREYRO, 2018) ilustram esse fenômeno. Desse modo, a

avaliação da educação superior tem se constituído como “problema público” e como

“problema político”, isto é, um problema que exige intervenção da autoridade pública

e mobilização dos segmentos envolvidos.

A primeira política pública brasileira de avaliação sistemática da educação

superior foi o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras

(PAIUB), implementada em 1994 (BARREYRO; ROTHEN, 2011). Concebendo a

educação como bem público e tendo a avaliação institucional como foco, o PAIUB

pautou-se pelo princípio da globalidade, isto é, defendeu uma perspectiva avaliativa

multidimensional, que desse conta das diversas atividades desenvolvidas na IES, e

não apenas restrita a um aspecto desconexo do todo. Além disso, sendo a adesão

voluntária, o Programa sustentou o princípio da não-punição ou premiação, pois a

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ideia era cultivar uma cultura da avaliação, a fim de identificar e formular ações que

implicassem na superação das insuficiências encontradas. O fundamento foi a

valorização da participação da comunidade acadêmica e a negociação, constituindo-

se em oportunidade de autoconhecimento da universidade pública e reflexão crítica

(RISTOFF, 2011; BARREYRO; ROTHEN, 2008).

O PAIUB teve vida curta, pois foi desvanecendo com o avanço da ideologia

neoliberal no Brasil, que passou a implementar políticas de avaliação a fim de

atribuir credibilidade ao processo de reforma da administração pública assentado no

modelo gerencial, bem como para amparar as diretrizes de desregulamentação e

privatização de áreas monopolizadas, até então, pelo Estado. Adequando-se a esse

novo contexto de influência, no primeiro ano do Governo Fernando Henrique

Cardoso (FHC), foi criado o Exame Nacional de Cursos (ENC). Embora o ENC

incluísse uma série de procedimentos, ganhou relevância o Provão, aplicado no

período de 1996 a 2003, destinado a aferir os conhecimentos e competências

adquiridos pelos concluintes dos cursos de graduação. Não houve, assim,

articulação do Provão com os demais componentes da avaliação de cursos,

limitando o ENC à medição, classificação e ranqueamento (BARREYRO; ROTHEN,

2006; DIAS SOBRINHO, 2010).

No primeiro Governo Luís Inácio Lula da Silva, a política foi modificada, com a

sanção da Lei nº 10.861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Superior (SINAES), vigente até os dias atuais. O SINAES partiu de uma

concepção mais abrangente, de integração das dimensões internas e externas,

particular e global, somativo e formativo, quantitativo e qualitativo (CEA, 2009;

BARREYRO; ROTHEN, 2006), abarcando a avaliação da tríade: instituições, cursos

de graduação e estudantes. A avaliação institucional é dividida entre autoavaliação e

a avaliação externa in loco. Quanto aos cursos, são avaliadas as condições de

ensino (perfil do corpo docente, instalações físicas e organização didático-

pedagógica) e inclui, entre outros procedimentos e instrumentos, visitas por

comissões de avaliadores das respectivas áreas do conhecimento. Já a avaliação

dos estudantes é realizada anualmente mediante aplicação do Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes (ENADE), teste que é componente curricular

obrigatório e condição para emissão do diploma (BARREYRO; ROTHEN, 2014). A

partir de 2008, “a pretexto de se resolverem questões práticas, como a dos atrasos

burocráticos relativos à autorização, reconhecimento e renovação de

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reconhecimento de cursos, e de credenciamento e recredenciamento de IES”

(SGUISSARDI, 2013, p. 952), os ciclos avaliativos da educação superior passaram a

ser orientados pelo Conceito Preliminar de Curso (CPC) e pelo Índice Geral de

Cursos Avaliados da Instituição (IGC). Esses índices transformaram

consideravelmente o SINAES, pois são calculados majoritariamente por

instrumentos relacionados ao ENADE, produzindo um “Neo-Sinaes” (SOUSA;

FERNANDES, 2016), perdendo-se parte da concepção de avaliação

multidimensional, com finalidade de estimular melhores práticas, e aproximando-se à

ideia de medidas de conformação.

Não obstante essas metamorfoses, a avaliação ainda possui o potencial

formativo de orientar o planejamento e as ações acadêmicas em geral, contribuindo

para a aprendizagem institucional. Mas, além da avaliação, a Lei nº 9.394/1996, que

estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB), prevê como

incumbência do Poder Público a regulação e supervisão de cursos e IES. Desse

modo, a avaliação realizada pelo SINAES constitui referencial básico para os

processos de regulação (credenciamento e recredenciamento, em se tratando de

IES, e autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento, quando

cursos) e supervisão, a fim de zelar pela conformidade da oferta com a legislação,

podendo culminar na aplicação de sanções. A prescrição dessas funções tem sido

permeada por micro-regulamentos, mediante portarias, instrumentos, notas técnicas

etc., emitidos pelo Ministério da Educação (MEC). A execução tem sido realizada

por diversas instâncias, que incluem o próprio MEC, a Secretaria de Regulação e

Supervisão da Educação Superior (SERES), a Comissão Nacional de Avaliação da

Educação Superior (CONAES), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a Comissão Técnica de Acompanhamento da

Avaliação (CTAA) e o Conselho Nacional de Educação (CNE).

No primeiro mandato do Governo Dilma Vana Rousseff, marcado pela maior

presença estatal na coordenação do programa desenvolvimentista e pelo

fortalecimento do seu papel regulador, foi encaminhado ao Congresso Nacional o

Projeto de Lei (PL) nº 4.372/2012, propondo a criação do Instituto Nacional de

Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES). Considerando a estrutura

vigente do MEC insuficiente, a ideia era desenvolver uma autarquia responsável, ao

mesmo tempo, pela avaliação, regulação, supervisão e acreditação das instituições

e cursos de graduação, criando 550 cargos. O Governo justificou o PL levando em

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conta a meta de massificação posta no Plano Nacional de Educação (PNE),

afirmando que, sem o INSAES, a capacidade operacional do MEC, para o efetivo

exercício das atribuições de avaliação, regulação e supervisão da educação

superior, estaria inviabilizada (BRASIL, 2012). Destarte, o INSAES seria condição

para viabilizar a expansão sob controle, diante, sobretudo, do predomínio privado-

mercantil na educação superior brasileira (SGUISSARDI, 2008a; CHAVES, 2010;

CABRAL NETO e CASTRO, 2011; GOMES, 2016; VALE, 2018). Para abarcar todo

o macroprocesso regulatório, o INSAES, entre outras coisas, alteraria a Lei do

SINAES, texto que permanece o mesmo desde a sua sanção.

No debate legislativo, ocorrido no período de 2012 a 2015, num primeiro

momento, diante da ampla coalizão multipartidária que o Governo compôs, capaz de

atingir maioria no Congresso Nacional, a aprovação do INSAES parecia certa. De

fato, em menos de três anos, o Projeto foi aprovado nas Comissões de Educação

(CE), na de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e na de

Finanças e Tributação (CFT). O PL, que se submeteu à apreciação conclusiva das

Comissões e tramitou em regime de prioridade, parou na última Comissão, a de

Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), diante do desgaste do Governo, que

resultou no processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016.

1.2 Delimitação do objeto de estudo

Atuando na elaboração do planejamento e execução dos programas e ações,

bem como das avaliações institucionais, em IFES, e coordenando o processo de

discussão do ENADE em IES privada, sentimos a necessidade de ampliar e

aprofundar o debate na temática da avaliação da educação superior. O objeto de

estudo foi construído a partir das inquietações acerca das novas configurações e

arranjos institucionais que estavam perpassando o âmbito da avaliação. Como

exposto por Sguissardi (2012, p. 956), “a criação do Insaes é [...] ocasião propícia

para oportunas questões”. Diante disso, a motivação de ordem intelectual para

realizar esta pesquisa foi registrar historicamente o momento de tensão da ação

pública no que concerne à política de avaliação da educação superior, mais

especificamente na proposta do INSAES. Pode-se contestar que a problemática por

nós investigada não aborda uma política implementada, pois encontra-se numa

condição de indeterminação quanto ao resultado final por estar “suspenso”, havendo

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a possibilidade de o Projeto de Lei nº 4.372/2012 nunca mais ser retomado, ao

menos no seu formato atual. Antecipando-nos a essa arguição, embora julguemos

legítimo e necessário a investigação do desenho das políticas educacionais e dos

resultados obtidos, consideramos também que há uma certa recusa, em geral, em

examinar sequências históricas que não tiveram seu ciclo completamente produzido.

Para levar a pesquisa adiante, entendemos que o INSAES, enquanto herança

cognitiva do debate, continua vivo em suas tensões e intenções, mesmo que

secundarizado na agenda política. Não obstante não ter produzido resultados,

efeitos ou impacto no sentido discutido por Souza (2014), entendemos que o

INSAES se realizou ideologicamente como ação pública. Foi, desse modo, um

resultado em si. É oportuno mencionar que para alguns analistas, como Dye (2011),

política pública envolve o fazer e o não fazer de forma deliberada. Desse modo, é

possível afirmar que toda ação pública, independentemente da alternância de fases

– na maior parte das vezes não-linear –, pode ser objeto de análise. Ou seja, aquilo

que o Estado faz ou deixa de fazer é passível de ser conquistado, construído e

verificado enquanto fato científico. Nesse sentido, analisar como os problemas são

delimitados no processo de formulação de políticas e as maneiras pelas quais as

alternativas são apresentadas, selecionadas ou negligenciadas são questões

fundamentais para a compreensão da dinâmica da ação estatal. Focalizar a

formação da agenda pública, compreender como questões mobilizam debates,

esforços e recursos, são questões importantes para se compreender os fenômenos

sociais.

Trata-se de uma pesquisa que se constitui o que no campo da análise das

políticas públicas se denomina de avaliação ex ante, a priori ou avaliação-

diagnóstico, que ocorre durante a fase de preparação de uma dada política.

Segundo Meny e Thoenig (1992), a avaliação ex ante pode assumir o caráter

prospectivo, sendo aplicada para auxiliar na tomada de decisões quando estão em

disputa distintas alternativas, permitindo a escolha mais satisfatória. Para

Stufflebeam (1978), trata-se de uma avaliação do contexto, que fundamenta as

decisões da fase de planejamento ao identificar necessidades não satisfeitas,

oportunidades não aproveitadas e outros problemas subjacentes.

Tem-se como objeto de estudo, portanto, o momento da formulação de uma

política de avaliação, o que abrange os embates em torno de sua discussão. Como

aponta Celina Souza (2007), a formulação de políticas públicas é o momento em

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que a ação governamental aponta seus propósitos em programas e ações que

poderão produzir respostas no mundo real. Entendendo esse momento como o

processo de formulação de uma política pública, Draibe (2001, p. 29-30) afirma que

se trata de um movimento complexo:

Teoricamente, compreende a formação da agenda pública (a introdução do tema ou mais diretamente das demandas na agenda social e, posteriormente, pública); a produção e o confronto de alternativas por parte dos diferentes grupos de atores; os processos de filtragens e de apropriação/domesticação da policy por parte dos agentes, segundo o legado ou as tradições e culturas organizacionais; a formulação e decisão; as definições de estratégias de implementação.

No caso do INSAES, não ter sido implementado, no sentido mais estreito,

não implica que não tenha sido engendrado, pois movimentou sujeitos e grupos,

mobilizou toda uma teia institucional em torno do debate público, tendo interrompido

o seu ciclo em decorrência de transformações no contexto macropolítico. Assim,

rechaçando a ideia de que a formulação de políticas públicas é um processo

exclusivamente racional e linear, desvinculado do processo político, buscamos

articular a produção da policy ao contexto maior da politics, visto que os fenômenos

sociais são multidimensionais e dialéticos.

A segunda razão para desenvolver esta pesquisa foi de ordem ético-moral,

vinculada ao princípio de justiça social, pois o que está em discussão, como pano de

fundo, é um debate mais amplo, uma vez que a avaliação da educação deve ser

uma política pública que contribua para o aprofundamento dos valores democráticos.

As estatísticas e programas criam a representação de que se tem expandido a

educação com o objetivo de democratizar, ampliando o leque de possibilidades de

acesso. Há elementos, contudo, que indicam uma flexibilização que justifica a

“inclusão excludente” (KUENZER, 2007). O Brasil contabilizou, em 2017, taxa bruta

e líquida de matrícula de, respectivamente, 34,6% e 19,1% (INEP, 2018). Isto indica

que o país está em transição para um processo de massificação1. O aumento

1 Trow (1973, 2005), ao analisar as transformações no âmbito da educação superior, estabeleceu três modelos de configuração: sistema de elite, sistema de massa e sistema universal. Para distinguir a transição de um modelo para outro, o autor utiliza fundamentalmente o tamanho do sistema como critério. Assim, o sistema de elite é caracterizado por atender até 15% da população com idade prevista para estar cursando a educação superior. Já o sistema de massa, compreende um volume de matrículas que abrange entre 16% e 50% desse grupo etário, estando consolidado quando atinge mais de 30%. O sistema universal, por sua vez, acolhe mais de 50% do intervalo de idade recomendado. Ressalte-se, ainda, que, além do fundamento no tamanho do sistema, Trow (2005) elabora mais dez dimensões a fim de qualificar a distinção entre cada sistema, a saber: atitudes em

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quantitativo no número de estudantes matriculados, porém, não garante,

necessariamente, um padrão de qualidade. Aliás, Santana et alii (2018, p. 3)

afirmam que “não existe um conceito único de qualidade, mas sim ideias

multirreferenciadas e polissêmicas sobre o tema”. É, pois, um termo polissêmico,

que tem seu sentido atribuído conforme o contexto, o lugar de fala e a concepção

acerca da função social da educação. Isto é, “[...] qualidade é um conceito histórico,

que se altera no tempo e no espaço, ou seja, o alcance do referido conceito vincula-

se às demandas e exigências sociais de um dado processo histórico.” (DOURADO;

OLIVEIRA, 2009, p. 203-204). Um ponto em comum é a noção de que qualidade

significa um juízo de valor positivo: se algo tem qualidade é porque possui virtudes

(ROTHEN; TAVARES; SANTANA, 2015). Na macrotendência do capitalismo

concorrencial (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012), qualidade vincula-se à ideia

economicista de eficiência, está nos números, nas estatísticas. Consoante as bases

pedagógico-administrativas apontadas por Saviani (2011), o neotecnicismo se faz

presente na “qualidade total”, que está ligada à ideia de satisfação do cliente num

mercado altamente competitivo.

Concebemos, todavia, a qualidade concatenada à noção de educação

enquanto bem público social, em superação ao paradigma da liberdade econômica e

da eficiência (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012). Desse modo, é imprescindível

articular a prerrogativa de uma política regulatória de Estado a uma concepção de

qualidade, como apontam Santana et alii (2018), fundamentada nos valores de

igualdade e na superação da ideia que restringe a educação superior à formação de

profissionais para o mercado de trabalho.

Bachelard (1996) afirma que o fato científico é conquistado, construído e

constatado. Ou seja, conquistado sobre os preconceitos, construído pela razão e relação ao acesso, funções da educação superior, currículo e formas de ensino, “carreira” do estudante, características institucionais, lócus de poder e de tomada de decisão, padrões acadêmicos, políticas de acesso e seleção, formas de gestão acadêmica e governança interna. Para cada dimensão, o modelo de sistema se adequa considerando a quantidade do atendimento. Vale destacar também as fases da educação superior na América Latina definidas por Vitale (2006). Segundo este autor, após a primeira reforma, caracterizada pela autonomia, co-governo e monopólio público, e a segunda reforma, marcada pela mercantilização e modelo público-privado dual, vive-se hoje a transição para a terceira reforma na região, evidenciada pela massificação, regulação e internacionalização, formando um modelo ternário: público-privado-internacional. É um momento marcado pela crescente massificação, manifestada em mudanças no perfil social do corpo discente: estudantes mulheres, do interior dos países, clientes, de curta duração, trabalhadores, a distância, diversidade étnico-racial, com deficiência, entre outros, juntamente com estudantes tradicionais brancos, urbanos e de alta renda (VITALE, 2006).

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verificado nos fatos. Ideia semelhante está em Bourdieu, Chamboredon e Passeron

(2007), que estabelecem como hierarquia dos atos epistemológicos a ruptura, a

construção e a verificação. Nesse processo de ruptura com as ideias pré-

estabelecidas e noções prévias, foram importantes as questões de partida e o

levantamento exploratório mediante as leituras. Buscando ultrapassar a

imediaticidade, rompendo com a “ilusão da transparência” (BOURDIEU;

CHAMBOREDON; PASSERON, 2007), as leituras exploratórias e consultas a

documentos contribuíram para o balanço do conhecimento relativo ao problema. As

leituras possibilitaram a construção da problemática, transição entre a ruptura e a

construção.

À vista disso, elaboraram-se os seguintes problemas de pesquisa:

a) Que fatores do contexto socioeconômico e político desencadearam

tensões nas dimensões da avaliação, regulação, supervisão e

acreditação na proposta de criação do Instituto Nacional de Supervisão

e Avaliação da Educação Superior (INSAES)?

b) Quais as intenções e tensões dos diversos grupos perpassaram o

processo de formulação do Instituto Nacional de Supervisão e

Avaliação da Educação Superior (INSAES) no debate na Câmara dos

Deputados?

c) Que aspectos do Projeto INSAES concebido pelo Poder Executivo

foram alvo de embates políticos na Câmara dos Deputados, no período

de 2012 a 2015, resultando em modificações do Projeto original?

Como tese, defende-se que o INSAES, seguindo uma tendência global, visa a

institucionalizar uma agência reguladora, fundamentada numa perspectiva que

unifica, no mesmo órgão, as funções de avaliação, regulação, supervisão e

acreditação, com vista a aproximar a educação superior ao modelo de regulação de

mercados. O Projeto constituiu o programa desenvolvimentista do Governo Dilma

Rousseff, a fim de configurar uma economia de mercado planejada e administrada

pelo Estado, sem romper com a hegemonia do grande capital e, consequentemente,

não obstaculizando a privatização da expansão da educação superior. Como parte

do conflito de interesses acerca do modelo de educação superior e disputa sobre o

plano de sociedade a ser implementado, o Projeto, por um lado, é sustentado por

grupos que defendem maior regulação das IES privadas, mas, por outro, enfrenta

resistência dos conglomerados privatistas adeptos ao neoliberalismo, bem como de

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entidades que defendem a separação institucional entre a avaliação e os atos

regulatórios. A tramitação na Câmara dos Deputados resultou em modificações do

Projeto, a fim de tentar reduzir a pressão do setor privado-mercantil, especialmente

no que diz respeito aos efeitos regulatórios e de seus custos, sobretudo em função

da supervisão e intervenção em questões peculiares ao mercado educacional.

O problema proposto se apresenta como um registro pioneiro. Trata-se de

uma “descoberta”, pois se constitui em “[...] um trabalho que, teoricamente, os outros

estudiosos do ramo não deveriam ignorar, porquanto diz algo de novo sobre o

assunto.” (ECO, 2012, p. 2). Dessa maneira, outra motivação para desenvolver esta

pesquisa foi de ordem prática. Julgamos que esta tese de doutorado se torna

pertinente e relevante na medida em que problematiza um processo em curso, pois

registra, descreve, interpreta e analisa uma proposta que trouxe à tona diversos

diagnósticos e questionamentos. Uma oportunidade para refletir como o país pode

assegurar a qualidade da oferta e expansão da educação superior. Não se tem a

pretensão aqui de decidir sobre a política de avaliação para esse nível de ensino.

Mas, além de lançar luz sobre o objeto estudado, a pesquisa pode contribuir

teoricamente para a literatura especializada. Uma tese, portanto, não possui uma

função restritamente instrumental, mas também uso teórico, formativo e educativo.

Desse modo, há uma alta probabilidade de nenhuma decisão ou ação estatal se

desencadear em função do nosso trabalho, pois o pesquisador não possui poder de

decisão. Mas se conseguirmos aproximar produção de conhecimento e ampliar o

debate em torno do tema, teremos alcançado a práxis crítico-emancipadora, pois o

conhecimento é mediação indispensável no processo de transformação da

realidade.

1.3 Objetivos (geral e específicos)

Nosso objetivo geral foi analisar a construção da proposta de criação do

Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES),

investigando as intenções e as tensões nos debates ocorridos na Câmara dos

Deputados acerca da avaliação, regulação, supervisão e acreditação da educação

superior no Brasil.

Como objetivos específicos, foram delineados:

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• Analisar os fatores do contexto socioeconômico e político desencadearam

tensões nas dimensões da avaliação, regulação, supervisão e acreditação na

proposta de criação do INSAES;

• Investigar o Projeto INSAES como parte do movimento histórico que caracteriza

as políticas públicas de avaliação no campo da educação superior brasileira;

• Analisar a formulação, no Poder Executivo, e a tramitação até 2015, na Câmara

dos Deputados, do Projeto de Lei nº 4.372/2012; e

• Analisar as intenções e tensões políticas na criação de agência de avaliação,

regulação, supervisão e acreditação nos debates ocorridos na Câmara dos

Deputados.

1.4 Referencial teórico e metodológico

A pesquisa, conforme expõe Gamboa (2012), não pode ser pensada apenas

como mera aplicação de procedimentos e técnicas, como se fosse uma receita. O

pesquisador, enquanto sujeito histórico e político, deve refletir e expor as opções

epistemológicas que guiam a investigação. Assim, esta pesquisa foi construída

tendo como postura, método e modelo de análise as reflexões de Marx (1953, 1984,

1986, 1998a, 1998b, 2002, 2013a, 2013b, 2013c) e o materialismo dialético.

A questão central na obra marxiana, todavia, conforme apontam Frigotto

(2000), Paulo Netto (2011), Prado Junior (1973), Gamboa (2000, 2012), Tonet

(2013) e Triviños (1987), não é epistemológica, mas ontológica. Nessa perspectiva,

para se compreender as possibilidades do conhecimento, a relação entre sujeito e

objeto, a verdade e seus critérios, deve-se primeiro partir de uma concepção de

mundo em seu conjunto. Dessa maneira, ao adotar o materialismo (como ciência) e

a dialética (como ciência da história), não se pode tratar de forma autônoma a

problemática do conhecimento, pois “[...] toda teoria do conhecimento se apoia,

implícita ou explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe

uma determinada concepção da realidade mesma.” (KOSIK, 2002, p. 33). Assim

sendo, “Na filosofia materialista a categoria da totalidade concreta é sobretudo [...] a

resposta à pergunta: que é a realidade? e só em segundo lugar [...] ela é e pode ser

um princípio epistemológico e uma exigência metodológica.” (KOSIK, 2002, p. 42)

Entende-se, nesta pesquisa, que os sujeitos, seres históricos, são moldados e

determinados pelo contexto socioeconômico, político e cultural. Por outro lado, ao

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mesmo tempo, mulheres e homens constroem e transformam essa realidade. Tem-

se, assim, um mundo social em permanente produção, reprodução e transformação.

Marx e Engels (1998a, p. 20) afirmam partir de “premissas reais”: Essas premissas são os homens, não os homens isolados e definidos de algum modo imaginário, mas envolvidos em seu processo de desenvolvimento real em determinadas condições, desenvolvimento esse empiricamente visível. Desde que se represente este processo de atividade vital, a história deixa de ser uma coleção de fatos sem vida, tal como é para os empiristas, que são eles próprios também abstratos, ou a ação imaginária de sujeitos imaginários, tal como é para os idealistas. É aí que termina a especulação, é na vida real que começa a ciência real, positiva, a análise da atividade prática, do processo, do desenvolvimento prático dos homens.

Opondo-se à ontologia idealista e empirista, o materialismo dialético concebe

os fenômenos sócio-históricos como parte de uma totalidade mais ampla, que

abarca um conjunto de condições materiais concretas determinantes. Desse modo,

embora os sujeitos atuem com intenções, o processo histórico em si não possui

intencionalidade; não existe um determinismo imanente. Os sujeitos (re)produzem e

transformam a vida real, mas a história não é controlada voluntariamente, pois “os

homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem

sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam

diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” (MARX, 2002, p. 21). Desse

modo, “[...] cada geração, por um lado, continua o modo de atividade que lhe é

transmitido, mas em circunstâncias radicalmente transformadas, e, por outro lado,

ela modifica as antigas circunstâncias entregando-se a uma atividade radicalmente

diferente [...]” (MARX; ENGELS, 1998a, p. 47). Reconhece-se, assim, uma visão

dinâmica da realidade e as noções ontológicas do “mundo inacabado” e “universo

em construção” (GAMBOA, 2012), campo aberto de possibilidades, sob uma

complexa totalidade de determinações e relações.

Na abordagem materialista, Triviños (1987) expõe que a essência do mundo é

a matéria em movimento – constituindo-se em realidade objetiva –, sendo anterior à

consciência. Portanto, esta é reflexo daquela. Marx (2013b, p. 90) afirma: “[...] o

ideal não é mais do que o material, transposto e traduzido na cabeça do homem.”.

Por conseguinte, sendo a consciência produto do processo de vida real, isso permite

que o mundo se reflita na consciência, o que possibilita aos sujeitos conhecerem a

realidade objetiva. Logo, o universo e suas leis são cognoscíveis. Mas, consoante

Triviños (1987), o conhecimento é produzido concernente a determinada época

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histórica e contexto socioeconômico: “A verdade imperfeita de hoje pode ser

verdade absoluta de amanhã. [...] A busca científica transforma no mundo, a cada

dia, dezenas de ‘coisas em si’ em coisa para nós.” (TRIVIÑOS, 1987, p. 25). Para

Bhaskar (2001, p. 374), Dois temas epistemológicos predominam em Marx: (i) ênfase na objetividade, na realidade independente das formas naturais e a realidade relativamente independente das formas sociais em relação ao conhecimento (isto é, realismo, na dimensão ontológica ou “intransitiva”); e (ii) ênfase no papel do trabalho no processo cognitivo e portanto no caráter social, irredutivelmente histórico, de seu produto: o conhecimento (isto é, o “praticismo” na dimensão estritamente epistemológica, ou “transitiva”).

Quanto a esta historicidade do processo cognitivo – o conhecimento como

sendo de caráter transitivo –, infere-se que a descoberta, a apreensão e a

representação mental das relações presentes na realidade avançam gradualmente.

A ciência, nessa acepção, é quem possui o caminho que contempla esforço,

apropriação, organização e exposição necessários à compreensão dos fenômenos.

Segundo Paulo Netto (2011, p. 20-21): o conhecimento teórico é o conhecimento do objeto – de sua estrutura e dinâmica – tal como ele é em si mesmo [...]. A teoria é, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa. E esta reprodução [...] será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto.

O próprio Marx (2013a, p. 612) se posicionou epistemologicamente quanto à

cientificidade intrínseca ao processo cognitivo: [...] com a forma de manifestação [...], em contraste com a relação essencial [...], ocorre o mesmo que com todas as formas de manifestação e seu fundo oculto. As primeiras se reproduzem de modo imediatamente espontâneo, como formas comuns e correntes de pensamento; o segundo tem de ser primeiramente descoberto pela ciência.

Declara que “[...] toda a ciência seria supérflua se a forma de manifestação e

a essência das coisas coincidissem imediatamente [...]” (MARX, 1986, p. 271). Ou

ainda: “As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela

experiência de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das

coisas.” (MARX, 1953, p. 17).

Não obstante os fenômenos apareçam diretamente na representação e na

experiência sensível, a “‘coisa em si’ não se manifesta imediatamente ao homem.”

(KOSIK, 2002, p. 13). A essência não é imediatamente cognoscível, pois se

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manifesta de forma caótica e obscura. Desse modo, a incumbência da investigação

científica, por ser a que melhor sistematiza e deliberadamente elabora o

conhecimento, é tratar da “coisa em si”, evidenciando o fundamento oculto, suas

determinações e suas relações. Segundo Kosik (2002, p. 16), “Captar o fenômeno

de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta

naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde. Compreender o

fenômeno é atingir a essência.”.

Para ilustrar o caminho da pesquisa científica, Marx (1984), ao tratar do

método da economia política, apresenta o exemplo da população como o início do

estudo sobre a economia de um país. Ele expõe: Se começasse, portanto, pela população, elaboraria uma representação mais estrita, chegaria analiticamente, cada vez mais, a conceitos mais simples; do concreto representado, chegaria a abstrações [universalidades] cada vez mais tênues, até alcançar as determinações simples. Chegado a este ponto, teria que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não como uma representação caótica de um todo, porém como uma rica totalidade de determinações e relações diversas. (MARX, 1984, p. 409-410)

Diante disso, para apreender a complexa articulação entre aparência e

essência especificamente em cada objeto, o sujeito cognoscente tem como ponto de

partida os fatos empíricos objetivos de uma parte do todo sincrético –

“representação mais estrita” do que Kosik (2012) chama de “pseudoconcreticidade”.

Em seguida, levanta-se, a partir de categorias abstratas e uma visão sincrônica e

diacrônica, amplo leque de dados a fim de analisar as inter-relações contextuais e a

dinâmica histórica e desvelar as leis fundamentais do objeto estudado – examinar

“[...] os fatos com a maior precisão possível [...]” (MARX, 2013b, p. 89). No caso das

ciências sociais, “[...] não podemos nos servir de microscópio nem de reagentes

químicos. A força da abstração deve substituir a ambos.” (MARX, 2013c, p. 78).

Progride-se, então, do abstrato ao concreto (“a viagem de modo inverso”), chegando

não mais às representações aparentes, mas ao concreto pensado – “[...] as

determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do

pensamento.” (MARX, 1984, p. 410). O conhecimento propriamente dito, portanto, é

produzido pelo pensamento e suas operações. Em síntese, “O concreto se constrói

por intermédio de um processo que se origina na percepção empírico-objetiva,

passa pelo abstrato de características subjetivas, até construir uma síntese

convalidada no próprio processo do conhecimento.” (GAMBOA, 2012, p. 99).

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Percebe-se que a trajetória cognitiva está centralizada na relação dinâmica sujeito-

objeto, pretendendo o progresso da abstratividade à concreticidade. Kosik (2002, p.

61) expressa da seguinte forma os momentos do processo do conhecimento: [primeiro] a destruição da pseudoconcreticidade, isto é, da fetichista e aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento da sua autêntica objetividade; em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do individual e do humano em geral; e enfim o conhecimento do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar histórico que ele ocupa no seio do corpo social. (KOSIK, 2002, p. 61)

Traçar o “caráter histórico do fenômeno”, a fim de formular “o conhecimento

do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno”, pressupõe que nenhum

fenômeno social (totalidades menores) se encontra isolado de uma totalidade macro

e complexa. Isto posto, o mesmo fenômeno pode ser entendido como uma

totalidade composta de partes, e, ao mesmo tempo, parte em relação a um todo

mais amplo. Essa(s) totalidade(s) não é(são) estática(s). Seu movimento dinâmico

decorre da contradição de todas as totalidades. Além disso, as relações que as

vinculam são mediadas. Desse modo, Paulo Netto (2011) exprime que, haja vista a

indissociabilidade entre os fundamentos epistemológicos e a ontologia do ser social

em Marx, essas três categorias teórico-metodológicas nucleares (totalidade,

contradição e mediação) encontram-se articuladas2.

Considerando que “a consciência é [...] um produto social [...]” (MARX,

ENGELS, 1998a, p. 25), cabe ressaltar que os trabalhos científicos não são

axiologicamente neutros. A relação sujeito e objeto não é de externalidade. O

conhecimento está encadeado com o conjunto do processo sócio-histórico,

determinado por interesses e conflitos. Segundo Habermas (1974), as ideias

mascaram interesses subjacentes como se estivessem desvinculadas de ações

ideológicas. Assim, ele descreve uma tipologia do conhecimento científico a partir

dos interesses e pressupostos filosóficos: No exercício das ciências empírico-analíticas, imiscui-se um interesse técnico do conhecimento; no exercício das ciências histórico-hermenêuticas, intervém um interesse prático do conhecimento e, no posicionamento das ciências de orientação crítica, está implicado [um] interesse emancipatório do conhecimento [...]. (HABERMAS, 1974, p. 136-137).

2 Cury (1985) inclui ainda as categorias reprodução e hegemonia.

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Nesse sentido, é necessário superar a falsa consciência sobre os processos

do conhecimento rumo à racionalidade crítica. Entende-se que o materialismo

dialético está inserido no âmbito das ciências de orientação crítica, que possui como

interesse cognitivo a práxis crítico-emancipadora. Práxis esta não no sentido

estritamente utilitário, mas como interpretação e transformação. Conforme Marx

(1998b, p. 103), “Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do

que se trata é de transformá-lo.”. Não se reduz, pois, o ser ao conhecer, a uma mera

especulação. Gamboa (2012, p. 189-190) afirma: O homem conhece para transformar. [...] A práxis elevada a categoria epistemológica fundamental se transforma em critério de verdade e de validez científica. A práxis significa reflexão e ação sobre uma realidade buscando sua transformação. Transformação orientada para a consecução de maiores níveis de liberdade do indivíduo e da humanidade em seu devir histórico (interesse crítico emancipador).

Na mesma ótica, Triviños (1987) afirma que o materialismo dialético sustenta

a prática social e histórica como critério da verdade. A ação é a categoria

epistemológica fundamental. É ela que define o que é conhecimento ou não. A

atividade prática humana passa a ter primazia antropológica, histórica, ontológica e

“[...] gnosiológica – como fundamento e fim do conhecimento, e critério de verdade

[...]” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2011, p. 54). Sobre esse aspecto, Marx (1998b, p. 100)

expõe: A questão de atribuir ao pensamento humano uma verdade objetiva não é uma questão teórica, mas sim uma questão prática. É na práxis que o homem precisa provar a verdade, isto é, a realidade e a força, a terrenalidade do seu pensamento. A discussão sobre a realidade ou a irrealidade do pensamento – isolado da práxis – é puramente escolástica.

Desse modo, conhecer é mediação imprescindível no processo de

transformação da realidade. Ou seja, a práxis está na base de todo o conhecimento

e é o propósito final.

Ressalte-se que a relação cognitiva (sujeito e objeto) se constrói e se

transforma, pois ambos são inacabados, sofrem transformações na realidade em

movimento. Nas palavras de Lênin (2011, p. 166-167): O conhecimento é o processo pelo qual o pensamento se aproxima infinita e eternamente ao objeto. O reflexo da natureza no pensamento humano deve ser compreendido não de modo “morto”, não “abstratamente”, não sem movimento, não sem contradição, mas no processo eterno do movimento, do surgimento das contradições e da sua resolução.

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Isso dá ao conhecimento um caráter transitivo e cumulativo: “Ao longo da

história da humanidade, a transformação da natureza e do próprio ser humano

significou uma contínua, ainda que nada linear, acumulação de conhecimentos [...]”

(TONET, 2013, p. 113). Não existe, destarte, limite, ponto de chegada. O

conhecimento está aberto à ampliação e ao aprofundamento. Logo, o conhecimento

é aproximativo e inesgotável. Assim, a ciência deve avançar por meio de sucessivas

“rupturas epistemológicas” (BACHELARD, 1996), tanto na superação senso comum,

quanto no decorrer do próprio desenvolvimento científico.

Diante da fundamentação epistemológica adotada nesta tese, nota-se que,

para produzir conhecimento acerca das políticas educacionais, é necessário, por um

lado, examinar a educação “[...] como uma rica totalidade de determinações e

relações diversas.” (MARX, 1984, p. 410). Deve-se, por outro lado, investigar os

fenômenos educativos em seu devir e em seu processo histórico-dialético,

percebendo o caráter dinâmico e conflitivo da realidade. A parte não é idêntica ao

todo: ela pode ser diferente e, paradoxalmente, ser a negação, oposição e semente

de transformação. Desse modo, a educação não é simples reprodução do social.

Existe a possibilidade de se opor às estruturas e aos interesses dominantes,

constituindo-se em um todo específico e contraditório, de modo a transformar as

circunstâncias. São essas contradições internas entre as partes e a “práxis

revolucionária” que possibilitam a “mudança das circunstâncias e da atividade

humana ou automudança” (MARX; 1998b, p. 100), resultando na construção de uma

nova sociedade.

Ainda na abordagem do materialismo dialético, para além da política de

avaliação da educação superior propriamente dita, é imprescindível compreender as

questões mais abrangentes e macros, as quais desvendam as mediações entre as

políticas educacionais e o contexto socioeconômico e político, a fim de articular as

perspectivas macro e micro. Uma destas relações fundamentais é a que se

estabelece entre Estado e políticas públicas. Para isso, Poulantzas (2000) contribui

para a compreensão do processo contraditório e conflituoso da reprodução do

Estado para organizar um bloco no poder. Para organizar a unidade política das

classes dominantes, o Estado detém uma autonomia relativa em relação a essa ou

àquela fração do bloco no poder. Essa autonomia se manifesta concretamente pelas

diversas medidas contraditórias que cada uma dessas classes e frações consegue

introduzir na política estatal. Isso não implica dizer que o Estado é uma entidade de

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direito próprio, como um sujeito racional ou coisa-instrumento. É sim uma relação

social. Conforme posto por Poulantzas (2000, p. 130), [...] o Estado, no caso capitalista, não deve ser considerado como uma entidade intrínseca mas, como aliás é o caso do ‘capital’, como uma relação, mais exatamente como a condensação material de uma relação de forças entre classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira sempre específica, no seio do Estado.

O Estado é perpassado por relações de forças, um campo onde se

entrecruzam núcleos e redes de poder que se articulam e apresentam contradições.

Emanam daí táticas movediças que se entrecruzam, se combatem, encontram

pontos de impacto em determinados setores, provocam curto-circuito em outros.

Não é, portanto, um bloco monolítico sem fissuras. Por isso, que para além da noção

de classes, faz sentido falar em frações de classe, divididas em circuitos, redes e

trincheiras diferentes. Representam interesses divergentes de cada um ou de alguns

componentes do bloco no poder, o que abarca as particularidades de rentistas,

empreiteiros, agropecuaristas, mineiros, industriais, varejistas etc. Muito mais que

com um corpo unitário em tomo de uma vontade política unívoca, existem feudos,

clãs, diferentes facções, que resultam em micropolíticas diversificadas.

Se, num primeiro nível, tudo parece incoerente e caótico, na última instância

há uma linha de força geral que atravessa os confrontos do bloco no poder, pois

cabe ao Estado exatamente a função de organização. Ou seja, essa política global é

uma espécie de cálculo estratégico, embora resultante de uma coordenação

conflitual de micropolíticas e táticas divergentes. Ao mesmo tempo em que se

consagra e reproduz a hegemonia do bloco no poder, desorganizam-se e dividem-se

continuamente as classes dominadas, sendo impostos muitas vezes ao bloco no

poder, ou a uma ou outra de suas frações, mediante a autonomia relativa do Estado,

os compromissos materiais indispensáveis a essa hegemonia. Por isso, o Estado

não constitui, em relação às classes dominadas, um bloco monolítico que lhes é

imposto de fora, como uma fortaleza isolada delas. As lutas populares, assim,

atravessam o Estado, ocasionando divisões e contradições internas, dentre seus

diversos setores e aparelhos.

Quanto à noção de poder, em conformidade com Foucault (2013), que

concebe o campo do poder como sendo estritamente relacional, Poulantzas (2000,

p. 149) acrescenta a importância das classes e da luta de classes, bem como o

papel central do Estado.

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O poder referido às classes sociais é um conceito que designa o campo de sua luta, o das relações de forças e das relações de uma classe com uma outra: os interesses de classe designam o horizonte de ação de cada classe em relação às outras. A capacidade de uma classe em realizar seus interesses está em oposição à capacidade (e interesses) de outras classes: o campo do poder é portanto estritamente relacional.

Desse modo, o poder não é uma quantidade ou coisa que se possua, nem um

atributo imanente a uma essência de classe. O poder de cada classe é designado e

delimitado pelo lugar das outras classes. Além disso, o Estado não é nem o

depositário instrumental de um poder-essência que a classe dominante deteria, nem

um sujeito que possua poder por si. É sim um lugar e um centro de exercício do

poder, mas que não possui poder próprio.

Para além dessas categorias do materialismo dialético, esta pesquisa tem

como dimensões de análise: “avaliação”, “regulação”, “supervisão”, “acreditação” e

“privatização” da educação superior. A escolha desses conceitos está relacionada

ao Projeto de Lei nº 4.372/2012. As quatro primeiras dimensões concatenam-se às

atribuições que passariam a ser exercidas pelo INSAES. A última dimensão, diz

respeito ao cenário desencadeado pela expansão, objeto do controle a ser exercido

pelo INSAES.

A dimensão “avaliação” é, antes de tudo, atribuir valor, estabelecer o mérito,

medida de aprovação ou desaprovação, a partir de concepções epistemológicas,

teóricas e metodológicas, envolvendo critérios, indicadores e padrões (SCRIVEN,

1978; ARRETCHE, 1999). Para Tyler (1976), “avaliação educacional” consiste em

reunir evidências acerca do processo ensino-aprendizagem, verificando a

congruência entre as capacidades desenvolvidas e os conteúdos e objetivos

curriculares, bem como a identificação dos pontos fracos e fortes dos programas

educacionais, podendo ser utilizados os testes como procedimento. Além disso, de

forma mais ampla, existe a “avaliação de uma dada política” ou a “avaliação de

programas ou de políticas públicas” (SOUZA, 2017), que diz respeito ao processo de

julgamento sobre a validade da ação pública. Na área das políticas sociais, a

avaliação de programas usa os métodos próprios da pesquisa social (FIGUEIREDO;

FIGUEIREDO, 1986). A avaliação pode ser formativa, quando tem como foco os

processos, ou somativa, quando a ênfase recai sobre os resultados (SCRIVEN,

1978). Entre as funções da avaliação, está a de fornecer informações relevantes e,

assim, orientar a tomada de decisões (STUFFLEBEAM, 1978). Na legislação

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brasileira, a avaliação da educação superior está prevista na Constituição Federal e

na LDB/1996. De modo específico, a Lei nº 10.861/2004, que institui o SINAES,

partindo de uma concepção abrangente de integração das dimensões internas e

externas, particular e global, somativo e formativo, quantitativo e qualitativo,

estabelece a avaliação em três grandes eixos: avaliação das instituições, dos cursos

de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes.

Os resultados dessa avaliação constitui referencial básico dos processos de

regulação e supervisão da educação superior. A dimensão “regulação”, de modo

mais amplo, é definida por Cabrito (2011, p. 187) como sendo: [...] o modo como os portadores de autoridade coordenam, controlam e influenciam o sistema educativo e seus atores, por meio de regras, normas, pressões e constrangimentos, condicionando a ação daqueles atores em função dos objetivos políticos que perseguem. Neste sentido, a regulação concretiza-se nas ações que os detentores dos órgãos de poder, isto é, aqueles que possuem a capacidade para exercer constrangimentos com êxito e dentro da legalidade, realizam com o objetivo de levar os governados a executarem suas decisões.

Dessa maneira, a noção de regulação aplicada à análise das políticas

públicas diz respeito às formas como são produzidas e executadas regras e

coerções que orientam a ação dos sujeitos. A regulação é, portanto, um fenômeno

intrínseco ao Estado contemporâneo, produzida tanto em sua estrutura político-

administrativa, como em sua extensão na sociedade civil, incluindo a regulação

econômica, de modo particular (CABRAL NETO, 2012; SGUISSARDI, 2013). A

Constituição brasileira, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica,

dispõe no Art. 174 que, “como agente normativo e regulador da atividade

econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo

e planejamento [...].” (BRASIL, 1988, grifo nosso). Nesse sentido, a regulação, como

ação do Estado brasileiro, é realizada para fiscalizar determinado setor da

economia, possibilitando essa atuação mediante agências reguladoras. No que fiz

respeito ao campo da educação, Antunes (2006) considera a regulação como: (i) o conjunto de mecanismos postos em ação para produzir a congruência dos comportamentos, individuais e coletivos, e mediar os conflitos sociais, bem como limitar as distorções que possam ameaçar a coesão social, incluindo, em particular, (ii) a definição de padrões e regras que estabelecem o quadro para o funcionamento das instituições. (ANTUNES, 2006, p. 67).

Nessa perspectiva, enquanto conjunto de atividades tendentes à congruência

de comportamentos e definição de regras que constituem o quadro em que as

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instituições operam, “regulação”, circunscrita à legislação que trata da educação

superior (BRASIL, 2004, 2006), compreende os atos administrativos de

credenciamento e renovação de credenciamento de IES, e autorização,

reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação.

Além da avaliação e dos atos regulatórios, existe a função de supervisão. A

dimensão “supervisão” é a ação de controle estatal, a fim de zelar pela conformidade

da oferta com a legislação aplicável. Se a supervisão identifica deficiências ou

irregularidades, medidas cautelares e sanções podem ser aplicadas. Na educação

superior, a sistemática de supervisão inclui o exame de documentos e visitas de

verificação às instituições, podendo culminar nas penalidades de desativação de

cursos, intervenção, suspensão temporária de prerrogativas da autonomia ou

descredenciamento de IES, entre outras (BRASIL, 2006; 2012; 2017).

Nota-se, portanto, que avaliação, regulação e supervisão da educação

superior são complementares e indissociáveis. A dimensão “acreditação” não possui

uma definição clara na legislação educacional brasileira, a despeito de o termo estar

associado para se referir ao reconhecimento de certificação no âmbito do

MERCOSUL, como iniciativa para alcançar a integração regional. Assim, de modo

geral, acreditar é, mediante o cumprimento de requisitos mínimos, certificar a

qualidade de algo, reconhecendo de forma legítima e oficial a sua validade (DIAS

SOBRINHO, 2008; SANTOS, 2011a). Considerando os crescentes processos de

mobilidade e cooperação acadêmica regional e internacional, existe a tendência

global a desenvolver mecanismos de garantia da qualidade de IES e cursos via

acreditação.

Como pano de fundo dessas dimensões regulatórias, está o processo de

privatização da expansão e promoção de iniciativas empresariais na educação.

Privatização consiste não apenas na ausência do Estado na prestação de um

determinado serviço ou direito social, mas também na restrição da oferta pública e

estímulo a atuação do setor privado, especialmente o de viés mercantil. Sob o

ideário neoliberal, tal política foi adotada no Brasil de forma sistemática a partir da

Reforma do Estado iniciado na década de 1990. A Organização Mundial do

Comércio (OMC) tem buscado incluir a educação no Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio (AGCT/GATT), o que reforça não apenas a privatização do ensino, mas

também a perspectiva mercantil. Para Mancebo (2004), além da evidente

privatização decorrente da abertura do campo para a iniciativa de instituições de

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direito privado e do enxugamento do financiamento estatal em instituições públicas,

existem situações em que a privatização se faz com a manutenção do gasto público,

mas delegando e promovendo iniciativas empresariais destinadas a substituir ou a

complementar as responsabilidades do Estado. Há ainda a privatização de forma

indireta, por meio da introdução de mecanismos de gestão empresarial nas

instituições públicas educacionais, sobretudo para captar fontes alternativas de

recursos (MANCEBO, 2004). Segundo Vale (2018), privatização e mercantilização

assumem forma conjugada, sendo a privatização “todo processo que toma aquilo

que é comum em lócus de realização de interesses particulares, aberta ou

mascaradamente” e mercantilização significa “não apenas a simples venda de

qualquer mercadoria, mas a organização da vida social para a produção e para a

venda de mercadorias” (VALE, 2018, p. 24). Desse modo, atualmente, a privatização

de viés predominantemente mercantil da educação superior tem sido caracterizada

pela formação de oligopólios, em que poucos conglomerados detêm a concentração

de capital a partir de fusões e compras de instituições pequenas e da abertura do

capital nas bolsas de valores (CHAVES, 2010; SANTOS FILHO, 2016; SANTOS

2018).

Quanto aos procedimentos técnico-instrumental e metodológico, no período

de construção do objeto, no ano de 2016, fomos a campo, fazendo uso do que Quivy

e Campenhoudt (2005) chamam de entrevistas exploratórias, a fim de constituir a

problemática de investigação: As entrevistas exploratórias tem, portanto, como função principal revelar determinados aspectos do fenômeno estudado em que o investigador não teria espontaneamente pensado por si mesmo e, assim, completar as pistas de trabalho sugeridas pelas leituras. (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2005, p. 69).

Nesse sentido, esse tipo de entrevista ocorre de forma aberta e flexível,

evitando-se perguntas numerosas e demasiadamente precisas, pois a ênfase maior

é no ouvir, a fim de encontrar pistas de reflexão, ampliar as leituras, aclarar as

dimensões e aspectos do problema. Assim, entrevistamos “testemunhas

privilegiadas” (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2005, p. 71), representantes de grupos ou

organizações afetados pela proposta do INSAES. Foram cinco sujeitos, sendo um

representante de uma associação do setor privado, dois de entidade classista de

servidores do INEP e dois ocupantes de cargos de gestão no INEP. As perguntas

norteadoras giraram em torno da origem do INSAES e em perceber a defesa

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favorável ou contrária do sujeito/grupo representado. O propósito foi construir os

dados empíricos e aprofundar a perspectiva de participantes. Conforme Bogdan e

Biklen (1994, p. 134), “[...] a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na

linguagem do próprio sujeito [...]”. Ou, consoante Lüdke e André (1986, p. 34) “[...] a

entrevista permite correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam

sobremaneira eficaz na obtenção das informações desejadas.”. Desse modo,

mantendo uma relação de interação, sem impor uma ordem rígida de questões, o

entrevistado discursou de forma autêntica. Porém, por se tratar de entrevistas

exploratórias, não houve a formalização do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE). Além disso, os entrevistados não permitiram a gravação da

conversa, o que, de certa forma, evidencia o temor em ser vítima de assédio moral,

retaliação ou perseguição, dado o caráter político do assunto. Diante disso, optamos

por não fazer uma referência direta, nem citar expressamente os sujeitos.

Em seguida, nosso foco foi o que, na proposta de Ball (apud MAINARDES,

2006), se constituem o contexto de influência e o contexto de produção do texto da

política3, debruçando-se sobre documentos produzidos durante as reuniões que

debateram o INSAES na Câmara dos Deputados, no período de 2012 a 2015. O

Quadro 1 sintetiza os principais documentos analisados.

3 Mainardes (2006) discute a abordagem do ciclo de políticas, formulada por Stephen Ball e outros pesquisadores ingleses, para a análise de políticas educacionais. Nessa perspectiva, a análise da trajetória de políticas ou programas educacionais tem como base cinco contextos inter-relacionados e não lineares: contexto de influência, contexto da produção de texto, contexto da prática, contexto dos resultados/efeitos e contexto de estratégia política. No que diz respeito especificamente ao contexto de influência e ao contexto da produção de texto, tratam, respectivamente, do campo de concorrência entre múltiplos interesses protagonizados por diversos atores, que se mobilizam para marcar a definição e os propósitos da política, e dos chamados textos políticos (leis, pronunciamentos oficiais etc.), resultados de disputas, embates de grupos e acordos.

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Quadro 1 – Documentos analisados acerca da tramitação do INSAES TEXTO ESCRITO ÁUDIO

31/08/2012: Projeto de Lei nº 4.372/2012 02/07/2013: Projeto de Lei nº 4.372-A/2012. Aprovado na CE 24/10/2013: Projeto de Lei nº 4.372-B/2012. Aprovado na CTASP 14/05/2014: Projeto de Lei nº 4.372-C/2012. Aprovado na CFT 07/04/2015: Parecer do relator na CCJC

11/12/2012: Audiência pública para debater o PL na Comissão de Educação e Cultura 05/06/2013: 16a Reunião Ordinária da CE 12/06/2013: 17a Reunião Ordinária da CE 02/10/2013: 57a Reunião Ordinária da CTASP 16/10/2013: 59a Reunião Ordinária da CTASP 21/11/2013: Audiência pública para debater o PL na Comissão de Educação e Cultura 04/12/2013: 60a Reunião Ordinária da CFT 17/12/2013: 66a Reunião Ordinária da CFT 18/12/2013: 67a Reunião Ordinária da CFT 23/04/2014: 9a Reunião Ordinária da CFT 07/05/2014: 10a Reunião Ordinária da CFT 03/03/2015: Discursos e aprovação do Requerimento de Urgência nº 7492/2013 04/03/2015: Discursos e retirada de pauta do INSAES no Plenário 12/03/2015: Embates no plenário, na 30a Sessão

Os discursos presentes nesses documentos condensam a construção da

proposta de criação do INSAES, abrangendo as intenções e tensões dos grupos no

processo de formulação e o debate na Câmara dos Deputados. Esses discursos,

ainda que proferidos por sujeitos, encarnam a concepção ideológico de grupos

sociais. Consoante Bakhtin (2006, p. 111), [...] o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social.” (p. 111).

Para Foucault (2011), a ordem social e a discursiva estão intimamente

imbricadas. Logo, o discurso é materializado pelas relações de poder. Fairclough

(2001), ao reunir a análise linguística e a teoria social, concebe o conceito de

discurso de forma tridimensional: textos, práticas discursivas e práticas sociais.

Nesta última dimensão, relacionada aos aspectos ideológicos e hegemônicos na

instância discursiva, o discurso não é entendido como atividade puramente

individual, pois há uma “[...] relação dialética entre o discurso e a estrutura social,

existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a

última é tanto uma condição como um efeito da primeira.” (FAIRCLOUGH, 2001, p.

91). Logo, o discurso é determinado estruturalmente, mas também socialmente

constitutivo, construindo a realidade social.

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Assim, o esforço desta pesquisa foi ir além do ator individual, como um

trabalho de desocultação, buscando o latente, indo além da mera aparência. Para

alguns autores do campo da análise das políticas públicas, tratar-se-ia de uma

“avaliação política” (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986), que tem como foco o

aspecto político do processo de uma dada política (ARRETCHE, 2009). Desse

modo, para compreender os pressupostos que fundamentam a criação do INSAES,

não basta apreender os discursos formais de que ele é produto. Assim, restringir-se

às explicações correntes sobre os propósitos dos sujeitos sociais e suas instituições

conduz à “ilusão da transparência” (BOURDIEU et al., 2004). Segundo Souza (2014,

p. 19), sustentado nas reflexões de Foucault, “a linguagem não diz exatamente o

que diz”. Isto posto, teve-se que ir além do superficial e tornar visível o horizonte de

referência que está em estado implícito.

Dessa maneira, muitas vezes recorreu-se à inferência (amparada em fatores

históricos, sociais, econômicos e/ou políticos) das condições de produção dos

enunciados. Foi um trabalho arqueológico por examinar os vestígios deixados nos

textos e documentos, a fim de reconstituir a genealogia em torno do projeto INSAES.

Não se examinou como a inscrição do poder social na linguagem pode ser rastreada

em estruturas lexicais, sintáticas e gramaticais. Não foi intenção esmiuçar estruturas

semânticas ou linguísticas. Foi muito mais uma análise hermenêutica para

compreender os documentos em seu (con)texto, buscando identificar as

representações ideológicas e concepções de mundo que orientaram o Projeto

INSAES.

Na análise dos documentos, utilizou-se o software MAXQDA, versão

“MAXQDA Analytics Pro 2018”, com a finalidade de organizar os dados. Esse

programa possibilitou a categorização de informações por meio da utilização de

códigos, tanto dos arquivos de texto, como os de áudio. Conforme Bardin (2014), a

codificação transforma os dados brutos em unidades que permitem a intepretação

das características relevantes do conteúdo. Para o recorte, as unidades de registro

foram compostas pelas dimensões da pesquisa e os grupos e sujeitos envolvidos

nos debates, compreendidas nas unidades de contexto dispostas em frases e/ou

parágrafos dos textos. O MAXQDA possui uma função em que é possível localizar

todos os segmentos associados (unidade de contexto) a um código específico

(unidade de registro), de forma a facilitar a identificação do contexto em que se

encontra.

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Essa exploração do material viabilizou a descrição do conteúdo e permitiu a

inferência de conhecimentos relativos às condições de produção das mensagens,

bem como o tratamento dos resultados obtidos e interpretação, de modo a

compreender as intenções e tensões dos diversos grupos durante o debate em torno

do INSAES.

1.5 Estrutura da tese

Esta tese, ao considerar o INSAES como objeto singular, preocupou-se em

não o tomar isoladamente, de modo a considerar a complexidade de relações em

que o universal concreto está particularizado e singularizado. Seguindo, então, o

método de Marx (1984), o caminho da pesquisa partiu da realidade imediata, da

pseudoconcreticidade, da percepção empírico-objetiva, elevando-se do concreto ao

abstrato, até atingir os elementos mais gerais, pois nenhum fenômeno social se

encontra isolado de uma totalidade macro e complexa, movido contraditoriamente e

por relações mediadas. Deste ponto, a exposição do movimento real do objeto

percorreu o caminho inverso, partindo do abstrato ao concreto pensado, para este

ser representado como resultado de determinações e relações diversas, situando

sua função objetiva e o seu lugar histórico.

Nessa perspectiva, a tese está composta de seis partes, incluindo este

primeiro capítulo introdutório, que retratam o esforço em expor o caminho da

abstratividade à concreticidade, do passado para o presente, do geral ao particular.

A seção intitulada “Influência dos fatores socioeconômicos e agenda

globalmente estruturada para a avaliação da educação superior”, discute o contexto

socioeconômico e político e suas repercussões na educação, com ênfase na

reestruturação produtiva, globalização e neoliberalismo, bem como aponta a

centralidade e o papel que o conhecimento assumiu para o desenvolvimento da

economia, tendo como guia a teoria do capital humano. Aborda ainda os principais

documentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO), do Banco Mundial (BM) e da Organização Mundial do Comércio

(OMC) para regulação da educação superior em nível transnacional da educação

superior. O último item apresenta o INSAES como reflexo de uma tendência em

curso, que é a adequação institucional para a formação de sistemas de acreditação

supranacional.

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A “Reforma administrativa do estado brasileiro e as repercussões na relação

expansão-avaliação da educação superior” designa o capítulo 3, que situa,

primeiramente, a difusão do modelo gerencial para a administração pública em

escala global. Em seguida, possui um tópico em que debate a institucionalização do

modelo gerencial no Brasil, acompanhada da criação de agências reguladoras de

setores econômicos e sociais, enfatizando o Plano Diretor da Reforma do Aparelho

do Estado, gestado no Governo Fernando Henrique Cardoso, e o Novo

Desenvolvimentismo dos Governos do Partido dos Trabalhadores. O capítulo

culmina na caracterização do cenário atual da educação superior no Brasil,

transformada em serviço competitivo e não-exclusivo do Estado, e demonstra como

paulatinamente a expansão foi se relacionando com políticas de avaliação.

O capítulo 4, “Avaliação a serviço da reforma do estado: políticas públicas de

avaliação da educação superior no Brasil”, versa, num primeiro momento, sobre a

constituição histórica da “avaliação educacional” e da “avaliação de políticas

públicas”, assim como suas relações. Logo depois, evidencia propostas e políticas

públicas de avaliação da educação superior no Brasil até o vigente SINAES,

traçando seu elo com os processos de regulação e supervisão.

O quinto capítulo, denominado “O Instituto Nacional de Supervisão e

Avaliação da Educação Superior (INSAES): do Governo Dilma Rousseff ao Poder

Legislativo”, examina o Projeto de Lei nº 4.372/2012 formulado pelo Poder

Executivo. Em seguida, analisa a tramitação do Projeto INSAES em quatro

comissões da Câmara dos Deputados: Comissão de Educação (CE), Comissão de

Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), Comissão de Finanças e

Tributação (CFT) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC),

buscando apontar as tensões de grupos em torno de uma política regulatória

No último capítulo, são apresentadas considerações finais, que traçam uma

retrospectiva geral do procedimento seguido, resultados e conclusões produzidos

pela investigação e possíveis encaminhamentos.

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2 INFLUÊNCIA DOS FATORES SOCIOECONÔMICOS E AGENDA GLOBALMENTE ESTRUTURADA PARA A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A partir da segunda metade do século XX e início do século XXI, o acesso à

informação e a produção de conhecimento passaram a ocupar, de forma acentuada,

um papel central no desenvolvimento das sociedades capitalistas. Por conseguinte,

a educação formal tornou-se estratégica para obtenção de vantagens competitivas

na economia global (CABRAL NETO; CASTRO, 2014). Diante desse contexto,

organismos multilaterais, governos e grupos organizados da sociedade civil

passaram agir na variedade de interdependências em nível nacional e supranacional

para produzir formas de regulação da educação (BARROSO, 2006). Organismos

internacionais se engajaram na defesa de políticas públicas que estendessem a

educação básica a todos e, também, criassem mecanismos para fortalecer a

relevância do papel estratégico da educação superior (UNESCO, 1990). A avaliação

da educação superior, destarte, enquanto parte das reformas empreendidas pelos

Estados, transcende questões propriamente educativas e se insere no âmbito

socioeconômico e político mais global.

Faz-se necessário, assim, investigar o contexto mais amplo a fim de situar a

totalidade que condiciona a importância dada à esfera educacional atualmente, que

implica na constante busca de determinar o valor da ação pública. Em outras

palavras, para além da política de avaliação, é medular compreender as questões

mais abrangentes, as quais elucidam as relações entre os modelos de avaliação

adotados e as diretrizes estruturantes a nível socioeconômico e político.

Haja vista nossa fundamentação teórico e metodológica no materialismo

dialético, esse movimento é condição sine qua non para o caminho da investigação,

com o intuito de representar a totalidade de determinações, mediações diversas e

contradições implicadas no Projeto INSAES, captando as inter-relações contextuais,

para superar a pseudoconcreticidade, as representações aparentes e chegar ao

concreto pensado. Ou seja, é preciso situar o INSAES como parte de um movimento

macro e histórico mais amplo.

Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre o conjunto de processos que

conduziram a educação superior, e mais propriamente a sua avaliação, ao status de

“problema”, incluindo-a em controvérsias políticas e na agenda da ação pública.

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Para isso, a partir de uma incursão mais geral na literatura, este capítulo expõe,

primeiramente, aspectos assumidos pelo trabalho na contemporaneidade, permeado

pelas transformações técnico-produtivas, pelo processo de globalização e pela

política neoliberal, desenvolvendo a ideia de economia do conhecimento, de modo a

impactar no campo da educação. Num segundo momento, perscruta-se a mediação

dos organismos multilaterais nas reformas educacionais como agentes de regulação

transnacional, notadamente a Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Banco Mundial (BM). Na última parte, examina-

se o fenômeno de criação de sistemas de acreditação em escala global, constituindo

o INSAES uma disposição para essa tendência em curso.

2.1 Contexto socioeconômico e político e suas repercussões na educação: o papel do conhecimento para o desenvolvimento da economia

Ao lançar um olhar sobre a gênese histórica da espécie humana, constata-se

que o ensino não estava balizado em um espaço à parte. Não havia, portanto, o que

hoje se conhece como escola. Nas sociedades sem classes, em que a propriedade

era coletiva, os sujeitos produziam sua existência em comum e se educavam no

processo de vivência coletiva. Desse modo, a aprendizagem se dava de forma

espontânea. Ponce (1989, p. 19) afirma que “[...] nas comunidades primitivas, o

ensino era para a vida e por meio da vida; para aprender a manejar o arco, a criança

caçava; para aprender a guiar um barco, navegava.”. Aranha (2006) acrescenta

ainda que, nas chamadas “sociedades tribais”, por meio da “[...] educação difusa, de

que todos participam, a criança toma conhecimento dos mitos dos ancestrais,

desenvolve aguda percepção do mundo e aperfeiçoa suas habilidades.” (ARANHA,

2006, p. 35).

A instituição escolar remonta, de forma incipiente, à Antiguidade Oriental

(Egito e Mesopotâmia) e ganha contornos na Antiguidade grega e romana

(MANACORDA, 1989; ARANHA, 2006). Etimologicamente está vinculada ao grego

“scholé”, que significa ócio, tempo livre para o estudo, livre do trabalho servil

(MANACORDA, 1989). Assim sendo, está posto que a educação escolar não é algo

que sempre existiu. Foi o resultado de uma construção sócio-histórica.

Segundo Manacorda (1989), no antigo Egito, já havia a separação entre

instrução e trabalho, de modo que a primeira era para poucos, voltada para a arte de

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governar. Na Grécia antiga, havia processos educativos distintos, ajustados às

classes sociais. Para as classes governantes uma escola, isto é, um processo de educação separado, visando preparar para as tarefas do poder, que são o “pensar” ou o “falar” (isto é, a política) e o “fazer” a esta inerente (isto é, as armas); para os produtores governados nenhuma escola inicialmente, mas só um treinamento no trabalho, cujas modalidades, que foram mostradas por Platão, são destinadas a permanecer imutáveis durante milênios: observar e imitar a atividade dos adultos no trabalho, vivendo com eles. Para as classes excluídas e oprimidas, sem arte nem parte, nenhuma escola e nenhum treinamento mas, em modo e em graus diferentes, a mesma aculturação que descende do alto para as classes subalternas. (MANACORDA, 1989, p. 41)

Essa dualidade constante na história da educação, que teve continuidade na

Idade Média, com paróquias e mosteiros controlados pela autoridade papal, revela

que as classes subalternas, desprovidas dos meios de produção, estavam afastadas

dos espaços escolares. Estes, portanto, já nasceram com o caráter excludente.

Quanto à educação superior, as primeiras universidades surgiram na Baixa

Idade Média. Manacorda (1989) afirma que, nesse período, mestres livres instruíam

leigos, fora das escolas episcopais. O autor presume que as universidades tenham

nascido a partir da atuação desses mestres livres, tendo, como estudantes, clérigos

vagantes. Disso, atribui como a gênese das universidades medievais o ensino do

direito romano, em Bolonha, na segunda metade do século XI. Charle e Verger

(1996) apontam que as universidades surgiram a partir do desenvolvimento de

escolas diversas (escolas catedrais, escolas particulares e escolas de Direito e

Medicina), ativas no século XII. Definindo universidade como “comunidade (mais ou

menos) autônoma de mestres e alunos reunidos para assegurar o ensino de um

determinado número de disciplinas em um nível superior” (CHARLE; VERGER,

1996, p. 7), os autores indicam o nascimento das primeiras instituições universitárias

em Bolonha, Paris e Oxford, no início do século XIII. O maior número dos estudantes

eram oriundos das classes urbanas em ascensão (oficiais reais, juristas, médicos,

notários, comerciantes, artesãos abastados etc.).

Posteriormente, com a formação do capitalismo e o corolário processo

urbano-industrial – em que há uma crescente incorporação da ciência no processo

produtivo – e o “ideário liberal-iluminista” (GAMBOA, 2009, p. 80), promanou-se

paulatinamente a necessidade de uma escola para a massa da população. Os

países de maior poder econômico, como Inglaterra e França, adotaram o

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mercantilismo e promoveram suas revoluções industriais, tendo como estratégia o

desenvolvimentismo. A promoção de uma escola de massas estava incluída nesse

projeto de desenvolvimento econômico. Cabrito (2002, p. 19) aponta que Pelas suas características potencialmente massificadoras, que permitem “ensinar a muitos no tempo de um”, a escola constituiu-se como o “instrumento” mais rápido e barato de satisfazer as necessidades da economia, ao permitir educar simultaneamente muitos indivíduos de forma ajustada, sincronizada e condicionada. Desta forma, os imperativos econômicos surgem a influenciar a educação, seja na sua qualidade, seja na sua quantidade. Ao mesmo tempo a educação é investida da função de produção de mão-de-obra qualificada, indispensável ao crescimento econômico.

Passou-se, portanto, a demandar a formação de um trabalhador

economicamente ativo e politicamente dócil. Conforme Marx (2013a, p. 436), Adam

Smith, considerado o “pai da economia moderna”, no século XVIII, “[...]

recomendava o ensino popular, cargo do Estado, embora em doses cautelosamente

homeopáticas.”. Para Gamboa (2009, p. 82), esse projeto modernista “[...] já

discriminava a educação pública mínima, limitada a ‘ler, escrever e fazer contas’

para a maioria da população, estando a educação integral e mais abrangente

destinada aos setores privilegiados.”. Firma-se, então, uma contradição do processo

escolar, em que, embora se amplie aos poucos para as classes até então excluídas,

a instrução não ocorre de forma irrestrita: atende predominantemente as

necessidades do processo produtivo. Dessa forma, constata-se que a massificação

da escola está ligada ao trabalho face ao desenvolvimento do modo de produção

capitalista. Isso demonstra a centralidade da categoria trabalho para se

compreender o desenvolvimento dos sistemas de ensino.

Ao discutir os fundamentos do trabalho, Braverman (1987), partindo das

contribuições de Marx, expõe que, diferentemente dos outros animais, apenas na

espécie humana uma ideia concebida por uma pessoa (força motivadora do

trabalho) pode ser executada por outra. Desde a instituição da propriedade privada,

Mulheres e Homens têm dissociado concepção e execução na divisão social do

trabalho. A peculiaridade do capitalismo, porém, é o desenvolvimento da divisão

pormenorizada do trabalho, ou seja, o parcelamento do processo de construção de

um produto em diversas operações executadas por diferentes trabalhadores. Desse

modo, tornou-se fundamental para o detentor dos meios de produção criar

mecanismos para controlar os procedimentos de trabalho e, por conseguinte, o

trabalhador.

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Nesse sentido, o engenheiro estadunidense Frederick Taylor, no final do

século XIX e início do século XX, foi o pioneiro a aplicar métodos científicos para

controlar o processo de trabalho, buscando elevar a eficiência e a produtividade e

criar condições mais favoráveis ao máximo aproveitamento da força de trabalho. Os

princípios da administração científica de Taylor fundamentalmente defendiam a

dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores, a

separação entre concepção e execução e o controle, por parte da gerência, de cada

fase laboral (BRAVERMAN, 1987).

Ainda na composição da administração científica, o empresário

estadunidense Henry Ford, na primeira metade do século XX, seguiu os princípios

de padronização e simplificação do trabalho e desenvolveu a esteira rolante

automática na montagem de veículos, evitando deslocar o operário do seu posto.

Pinto (2013) revela que a ideia era reduzir esforço intelectual e os movimentos do

trabalhador. No século XIX, Marx (2013a, p. 720), ao analisar a produção da mais-

valia, já apontava que o trabalhador havia se tornado um mero complemento da

máquina e que o conhecimento científico estava alheio: [...] no interior do sistema capitalista, todos os métodos para aumentar a força produtiva social do trabalho aplicam-se à custa do trabalhador individual; todos os meios para o desenvolvimento da produção se convertem em meios de dominação e exploração do produtor, mutilam o trabalhador, fazendo dele um ser parcial, degradam-no à condição de apêndice da máquina, aniquilam o conteúdo de seu trabalho ao transformá-lo num suplício, alienam ao trabalhador as potências espirituais do processo de trabalho na mesma medida em que tal processo se incorpora a ciência como potência autônoma [...].

O modelo de produção idealizado por Taylor e ampliado por Ford, doravante

“taylorismo-fordismo” 4 , constituiu-se pela intensificação do trabalho. Utilizando

tecnologia rígida e rotinas padronizadas, caracterizou-se ainda pela produção em

massa de bens homogêneos. A homogeneização da produção induziu a um padrão

de consumo também homogêneo.

Essa organização do trabalho no início do século XX se desenvolveu unida ao

Estado-Providência (ou Estado de bem-estar social). Segundo Silva (2013), em 1883

– com o primeiro seguro saúde criado na Alemanha sob Otto von Bismarck5 – até a

4 O processo de trabalho característico do taylorismo-fordismo e o processo de reprodução social dessa fase do capitalismo foram registrados de forma jocosa e crítica no filme “Tempos modernos” (1936). Para um maior aprofundamento, conferir análise de Alves (2005). 5 Chanceler da Alemanha de 1871 a 1890.

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Primeira Guerra Mundial (1914-1918), surgiram sistemas públicos de direitos sociais

aos trabalhadores na maioria dos países europeus. Nesse período, o orçamento

público voltado a esse tipo de despesas, nos países europeus mais desenvolvidos,

girou em torno de 5%. A Crise de 1929 (Grande Depressão), desencadeada a partir

da quebra na bolsa de valores de Nova Iorque, se constituiu na primeira crise

orçamentária do Estado-Providência. Em resposta à crise econômico-financeira, o

Governo de Franklin Roosevelt6 implementou o conjunto de políticas keynesianas,

que ficou conhecido como New Deal, desenvolvendo o Estado-Providência moderno

nos EUA (SILVA, 2013).

O período pós-Segunda Guerra Mundial marcou um momento de impulso da

economia capitalista. O taylorismo-fordismo obteve maturidade a partir de 1945,

aliado a políticas econômicas keynesianas e à composição do Estado de bem-estar

social – possibilitando a organização do trabalhador em sindicatos –, tornando-se

mais que um sistema de produção em massa. O taylorismo-fordismo converteu-se,

assim, num “modo de vida total” (HARVEY, 2012a, p. 131), por envolver diversos

elementos: incorporação de tecnologias, lutas de classes, sindicalismo organizado,

acordos coletivos e anseios de consumo. Clarke (1991, p. 119-120), ao abordar o

tema, afirma que: O equilíbrio geral entre a oferta e a procura é alcançado por meio de políticas keynesianas de macroeconomia, enquanto o equilíbrio geral entre salários e lucros se alcança através de acordos coletivos supervisionados pelo Estado. A educação, treinamento, socialização etc. do operário de massa é organizada através das instituições de massa de um welfare state burocrático. Coletivamente, estas instituições, que surgiram na década de 1950, definem um círculo virtuoso de nível de vida crescente e produtividade crescente, salários em aumento e lucros em aumento, estabilidade econômica e harmonia social.

O pós-Segunda Guerra foi marcado pelo clamor popular em torno de reformas

sociais. Desse modo, forma-se um consenso político em torno de um Estado de

Bem-Estar Social – fundado sobre os princípios da cidadania –, viabilizado pelo

crescimento econômico, que gerava pleno emprego e era fonte de receita pública.

Representativo desse consenso é a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. Em seu Artigo 26,

reconhece, como direito de todos, a instrução gratuita, pelo menos nos graus

elementares e fundamentais, sendo a primeira obrigatória. Já a instrução superior

6 Presidente dos Estados Unidos de 1933 a 1945.

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anunciada baseada no mérito. Sinaliza-se, assim, o consenso em torno da

universalização do atendimento escolar, em seu grau elementar, e o dever do

Estado em promovê-la.

No final da década de 1960 e início dos anos 1970, contudo, o padrão de

acumulação capitalista vigente passou por um processo de recessão, que impactou

nas dimensões econômica, social e de organização do Estado. Num cenário de

saturação dos mercados de massa, baixa taxa de crescimento econômico, altas

taxas de inflação e excessivos gastos sociais nos países de capitalismo avançado, o

taylorismo-fordismo e o keynesianismo manifestaram sinais de esgotamento.

A crise levou à fragmentação econômica, social e política, engendrando, no

âmbito da produção, o processo de reestruturação produtiva. Surgiram novos

métodos de produção, migrando de um rígido modelo assentado no taylorismo-

fordismo, para um padrão de “acumulação flexível” (HARVEY, 2012a). Este adequou

o processo produtivo às flutuações e variações do mercado e conduziu a uma

crescente diferenciação dos produtos, com nova ênfase na qualidade, mediante

novas tecnologias. Passou-se a exigir trabalhadores polivalentes e mais

qualificados, com mais responsabilidade e autonomia. Isso, por conseguinte,

requereu o desmonte das organizações sindicais, a quem eram reputados interesses

corporativistas e práticas rígidas. Segundo Clarke (1991, p. 120), eram [...] necessários acordos descentralizados para negociar sistemas de pagamento mais complexos e individualizados, que recompensam a qualificação e a iniciativa. [...] As necessidades de bem-estar, saúde, educação e treinamento de uma força de trabalho diferenciada não podem mais ser satisfeitas por um welfare state burocrático e padronizado, mas apenas por instituições diferenciadas, capazes de responder de maneira flexível às necessidades individuais.

De acordo com Ricardo Antunes (2009, p. 54), a acumulação flexível,

inspirada no modelo de produção toyotista, promove uma “liofilização organizacional

e do trabalho”, isto é, um enxugamento da empresa, com turnos de trabalho mais

curtos e unidades de produção menores e mais flexíveis. Novas técnicas de gestão

da força de trabalho são engendradas, buscando o chamado trabalho em equipe,

envolvimento participativo, trabalho polivalente etc., combinadas com uma estrutura

mais horizontalizada e integrada entre diversas empresas, o que resulta em

terceirização de atividades.

De acordo com Harvey (2012a), ocorre uma radical reestruturação do

mercado de trabalho, destacando-se o aumento do setor de serviços, regimes e

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contratos de trabalho mais flexíveis, crescente uso do trabalho em tempo parcial,

temporário ou subcontratado e redução do emprego regular/formal. O núcleo central

do mercado de trabalho – formado pelos empregados em tempo integral e que

possuem maior estabilidade e outras vantagens de ascensão, e que, ao mesmo

tempo, exigem maiores qualificações e flexibilidade – reduz-se cada vez mais. A

periferia do mercado de trabalho – formada pelos que possuem habilidades

largamente disponíveis e que, portanto, é contratada e demitida facilmente – passa a

ser caracterizada pela alta rotatividade, em conformidade com as flutuações

econômicas. Além desses grupos, tem crescido ainda um número significativo de

trabalhadores que atuam afastados da formalidade, labutando autonomamente ou

por meio da subcontratação. Diante disso, para Kuenzer (2007), a flexibilização

justifica a inclusão excludente. Ou seja, com o aprofundamento do desemprego

estrutural, a força de trabalho formal passou a ser excluída do mercado de trabalho

para ser incluída através de diferentes formas periféricas.

O regime de acumulação flexível foi mediado pelas transformações técnico-

científicas. Assim, a acentuada introdução das tecnologias da informação e

comunicação (TIC) e da automação no processo de trabalhos estão entre as causas

da elevada rotatividade no mercado de trabalho e do desemprego estrutural, na

medida em que impactaram nas formas e técnicas de organização do trabalho.

Além disso, as transformações técnico-científicas impulsionaram a integração

socioeconômica mundial, generalizando e aprofundando o processo de globalização.

Conforme aponta Castanho (2009), a globalização, em sua acepção ampla, é parte

constitutiva da lógica interna do capitalismo desde sua origem. Saliente-se que,

historicamente, os países têm se inserido nessa dinâmica de forma profundamente

assimétrica, sem igualdade em força e estratégias de influência nas relações

internacionais. Ademais, a tendência à globalização se apresenta como um

fatalismo. Nesse sentido, não se tem a opção de aceitar a introdução nesse

processo, mas apenas a negociação da forma de inserção. Os avanços nas TIC

possibilitaram sobejamente a erupção de fatores socioeconômicos em escala global,

que impactam no local, no regional e no nacional. Castanho (2009, p. 20) denomina

o momento desencadeado a partir da Segunda Guerra Mundial de “maré da

globalização contemporânea”.

Emerge uma economia do imaterial, apoiada na informação. De acordo com

Castells (2002), a economia passou a ser caracterizada pelo: “informacionalismo”,

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em que a produtividade e a competitividade dependem da capacidade de gerar,

processar e aplicar de forma eficiente a informação; “globalização”, em que as

atividades produtivas estão organizadas em escala global; e “funcionamento em

rede”, em que a produtividade é gerada e a concorrência é feita na interação entre

redes empresariais em âmbito global. Estas peculiaridades promovem a dispersão

geográfica da produção em pequena escala, promovendo a organização da cadeia

produtiva de mercadorias no espaço global. Para obter vantagens competitivas, as

empresas realizam fusões e diversificações corporativas. Conforme Gamboa (2009,

p. 97), “a norma é: produzir onde os salários são mais baixos, investir onde as leis

são mais generosas e usufruir lucros onde os impostos são menores”.

Jameson (2001) aponta que a globalização repercutiu em mudanças

tecnológicas, políticas, culturais, econômicas e sociais, todas interconectadas. No

nível tecnológico, tem-se destacado a nova tecnologia das comunicações e a

revolução da informação, que impactam, entre outras esferas, na produção e

comercialização de mercadorias. No plano político, verifica-se o enfraquecimento

dos Estados-nações em favor de uma subordinação ao imperialismo estadunidense,

que se exerce pela servidão voluntária, pela ameaça econômica e/ou pelo uso da

força militar. Como estratégia política, o autor aponta que se tem posto o uso de

armas nucleares restrito aos Estados Unidos, o modelo estadunidense de direitos

humanos e de democracia eleitoral, limites à imigração e a propagação do livre-

mercado global. Na dimensão cultural, intensificou-se a padronização da cultura

mundial, mediante a “americanização” de hábitos e costumes (American way of life),

difundidos pela indústria cultural. O âmbito econômico tem sido caracterizado por

empresas transnacionais que vendem mercadorias por sua imagem e seu uso

imediato, com forte apelo à publicidade. Além disso, os Estados Unidos têm buscado

desmantelar, com a ajuda de organismos multilaterais, o protecionismo cultural e

econômico dos demais países com o intuito de favorecer as empresas

estadunidenses. Destacou-se ainda o surgimento de uma nova divisão internacional

do trabalho, em que as empresas globais transferem suas operações para regiões

com força de trabalho mais barata. Na esfera social, tem-se o estímulo ao consumo

idiossincrático, que individualiza e atomiza, reforçando a demanda por produtos mais

diferenciados.

Ainda sobre a globalização em nível social, de modo específico quanto à

flexibilização do padrão de consumo, Harvey (2012a) afirma que tem corrido a

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redução do tempo de giro através da obsolescência programada, isto é, aceleração

do ritmo da inovação e redução do período de vida de um produto. Mobiliza-se

também artifícios de indução de necessidades, fazendo uso do marketing, da

publicidade, da propaganda, estimulando modas efêmeras.

Para Bourdieu (2001, p. 101), a globalização da economia – “mercado

mundial” – é resultado de uma “criação política”, implementada deliberadamente

para a liberalização do comércio, eliminando as barreiras nacionais para facilitar a

atuação das grandes corporações transnacionais. Acrescenta: [...] embora dando aparência de um universalismo sem limites, de uma espécie de ecumenismo que encontra suas justificativas na difusão universal dos estilos de vida cheap da “civilização” do MacDonald’s, do jeans e da coca-cola, ou na “homogeneização jurídica”, frequentemente tida por um indício positivo de “globalization”, esse “projeto de sociedade” serve os dominantes, isto é, os grandes investidores que, situando-se acima dos Estados, podem contar com os grandes Estados, e em particular com o mais poderoso dentre eles política e militarmente, os Estados Unidos, e com as grandes instituições internacionais, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio, controladas por eles, para garantir as condições favoráveis à condução de suas atividades econômicas. (BOURDIEU, 2001, p. 107)

Em sentido semelhante, Milton Santos (2015) imputa à globalização o intuito

de promover “o discurso único do mundo”. Por isso, entende-a “como perversidade”,

sendo uma das tiranias o dinheiro. Com o fortalecimento das empresas

transnacionais, o Estado tem sua autonomia relativa reduzida para formulação das

políticas macroeconômicas.

Harvey (2012a) destaca ainda, neste contexto, a hegemonia do capital

financeiro, evidenciada pela maior autonomia do sistema bancário, que forma

conglomerados com poder global. Estes passam a incentivar reduções draconianas

de gastos públicos, cortes de salários e austeridade nas políticas fiscal e monetária.

Além disso, há o crescimento do denominado “empreendimentismo com papéis”

(HARVEY, 2012a, p. 154), que consiste em obter lucros sem produzir bens ou

serviços. Em outras palavras, obtêm-se lucros estritamente financeiros (“capital

fictício”, “papel”) sem dar importância à produção real. Nessa cultura

empreendimentista, vai se formando como valor central a competitividade e o

individualismo. Este comportamento se insere no quadro geral da transição do

fordismo para a acumulação flexível, pois foi através da difusão da formação de

novos negócios, da inovação e do empreendimento que novos sistemas de

produção foram implementados.

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Ianni (1999), em sua reflexão, também aponta, como características da

globalização, a revolução da informática; a energia nuclear como a mais avançada

técnica de guerra; a força do sistema financeiro internacional sob determinações dos

principais países capitalistas e de organismos multilaterais; e a influência das

grandes corporações transnacionais na dinâmica das forças produtivas, da divisão

internacional do trabalho e do mercado mundial. Acrescenta ainda que o inglês se

transformou na língua universal, nas relações sociais, políticas, econômicas e

culturais. Conjuntamente, afirma que o neoliberalismo adquiriu predomínio como

forma de gestão do mercado e poder político, concepção do público e privado,

ordenação da sociedade e visão de mundo.

Dando continuidade a essa última ideia, percebe-se que a acumulação

flexível e a globalização se desenvolveram sob a égide do neoliberalismo enquanto

uma “superestrutura ideológica e prática política” (THERBORN, 1995). Na definição

de Harvey (2012b, p. 12), O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio.

Conforme Anderson (1995), o neoliberalismo, na condição de fenômeno

distinto do liberalismo clássico, teve início com a obra, escrita em 1944, “O Caminho

da Servidão” de Friedrich Hayek, da Escola Austríaca de economia. O livro foi uma

reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Expandiu-

se em ambientes acadêmicos da Europa e América do Norte, tendo como

defensores os economistas Milton Friedman, Ludwig Von Mises, entre outros. A

proposta central é a de um Estado mínimo em relação aos gastos sociais e nas

intervenções econômicas. Segundo Harvey (2012b), o papel do Estado é garantir a

propriedade privada e a integridade do dinheiro, estabelecer as estruturas e funções

militares e atuar apenas onde não existirem mercados. Na ideologia neoliberal,

subjazem “teorias conservadoras da crise” (OFFE, 1984), que partem do diagnóstico

do fracasso do Estado. São adotadas estratégias administrativa e política como

terapias para o problema da “ingovernabilidade”.

Com a crise do petróleo de 1973, ajustes neoliberais passaram a ser

adotados, pouco a pouco, pelos governos. A despeito da experiência do Governo

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chileno de Augusto Pinochet7, foi o Reino Unido o primeiro país de capitalismo

avançado a pôr em prática o programa neoliberal, sob o governo de Margaret

Thatcher8, em contraposição à Escola Keynesiana. Em seguida, vieram Ronald

Reagan9 e o avanço da nova direita em grande parte da Europa e na América do

Norte durante os anos 1980, marcando a ascensão da ideologia neoliberal. A partir

de então, revela-se “a globalização como fábula” (SANTOS, 2015) e “[...] o

neoliberalismo se apresenta sob as aparências de inevitabilidade.” (BOURDIEU,

1998, p. 44). Nas palavras de Harvey (2012b, p. 13), “[...] o neoliberalismo se tornou

hegemônico como modalidade de discurso e passou a afetar tão amplamente os

modos de pensamento que se incorporou às maneiras cotidianas de muitas pessoas

interpretarem, viverem e compreenderem o mundo”.

O Consenso de Washington, realizado em 1989, teve papel fulcral para

implantar o “dilúvio neoliberal” (BORÓN, 1995) na América Latina. Deste Consenso,

resultaram os seguintes eixos principais: busca de equilíbrio orçamentário, abertura

comercial, liberalização financeira, desregulamentação do mercado interno e das

relações de trabalho, redução dos gastos públicos e privatização de empresas e

serviços estatais (SOARES, 2009). Ao longo da década de 1990, a ideologia

neoliberal consolidou-se na região, obtendo mais êxito ideológico-cultural do que

econômico. A liberalização financeira retirou os obstáculos, tornando o setor atrativo

para maximização dos lucros. Em decorrência disso, a especulação financeira

converteu-se numa aplicação mais atrativa, em detrimento dos investimentos

produtivos. Simultaneamente, ocorreu o crescimento do déficit público e o

endividamento do Estado, levando-o a se tornar refém do capital financeiro. As

desregulamentações reduziram progressivamente os postos de trabalho formal, o

que significou a imersão da população sem ocupação formal, em condições

precárias, sem direitos trabalhistas e em situação de exclusão social. De acordo com

Anderson (1995), o neoliberalismo não conseguiu revitalizar economicamente o

capitalismo, mas, no que concerne aos custos sociais, criou sociedades mais

desiguais.

No Brasil, consoante Gros (2004), Institutos Liberais foram criados por grupos

econômicos, no início dos anos de 1980, para defender e divulgar princípios do livre

7 Presidente do Chile de 1973-1990. 8 Primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990. 9 Presidente dos Estados Unidos de 1981 a 1989.

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mercado como sendo os valores da liberdade. Esses “think tanks” influenciam os

debates da agenda pública, formulando estudos, promovendo propostas de projetos

de políticas públicas de cunho privatista e participando do processo legislativo.

Em 2008, em um contexto de elevada financeirização da economia, a

sociedade capitalista se viu diante de mais uma crise, em escala global, a crise das

hipotecas “subprime”, conforme exposto por Harvey (2011). O colapso foi resultado

da política de expansão do mercado imobiliário durante o Governo de George W.

Bush (2001 a 2009). Os bancos estenderam empréstimos a segmentos que

possuíam potenciais dificuldades para quitação da dívida, numa operação de crédito

de risco, conhecida como “subprime”. Sob um clima de elevada especulação com os

valores dos imóveis, os bancos transformaram as dívidas em títulos do mercado

financeiro, que foram negociados em todo o mundo. Em 2008, a bolha financeira

estourou e os títulos e derivativos das hipotecas começaram a dissolver. Isso fez ruir

os grandes bancos estadunidenses, ocasionando mudanças de estatuto, fusões e

falências. Tendo os Estados Unidos como epicentro, a crise se alastrou pelo globo.

“Todo mundo tinha agido como se os preços dos imóveis pudessem subir para

sempre.” (HARVEY, 2011, p. 10). A partir de então, todos os segmentos da

economia dos EUA estavam em recessão, ocasionando desconfiança do

consumidor, paralisação da política de habitação, queda nas vendas no varejo,

elevação do desemprego e falência de lojas e fábricas. Em nível global, o comércio

internacional caiu, criando tensões em países exportadores e produtores de

matérias-primas, como o petróleo, e enfrentando dificuldades com a queda de

preços. As bolsas de valores de todo o mundo despencaram e foi necessário o

Estado agir para socorrer o mercado financeiro. Isso representou na ressignificação

do neoliberalismo de livre mercado como modelo para o desenvolvimento capitalista.

Foi preciso manter os lucros privatizados, mas socializar os riscos.

Aliada a essa crise econômica, vive-se atualmente um momento novo, que

tem posto em dúvida os benefícios da globalização. Para Bresser-Pereira (2017),

desde 2016, o baixo crescimento econômico foi agravado por uma crise política, o

que pode ser indicativo de uma mudança estrutural no capitalismo. Alguns fatos são

representantes deste momento, como a saída do Reino Unido da União Europeia

(evento que ficou conhecido como Brexit), a eleição de Donald Trump nos EUA e o

ressurgimento do nacionalismo de extrema direita, conservador e autoritário, desde

Marine Le Pen na França a Jair Bolsonaro no Brasil. Em detrimento da noção de um

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“mundo sem fronteiras” propagada pelos ideólogos da globalização, há um

movimento, nos países de economias mais forte do mundo, em adotar medidas

protecionistas, defendendo o trabalho e o capital nacionais, e priorizar acordos

econômicos bilaterais.

De qualquer modo, essas vicissitudes da sociedade capitalista têm

intensificado, ao longo do tempo, a importância dos sistemas de ensino para

qualificação da força de trabalho e a função estratégica da produção de ciência,

tecnologia e inovação em bens de capital a fim de promover o desenvolvimento

socioeconômico dos diversos países. Não apenas isso: a educação escolar reforça

as relações de trabalho. Por meio de semelhanças estruturais, as instituições de

ensino legitimam relações de poder e autoridade, impõem planos de estudos,

estabelecem carga horária, fixam divisão de saberes e estimulam a competição,

análogo ao mundo do trabalho.

Portanto, as configurações sociais, econômicas e políticas, assumidas no

decorrer do século XX e neste início do século XXI, atingem diretamente o sistema

educacional. Este torna-se o espaço para a formação de capital humano que irá

atuar na concorrência do mercado global. Torna-se uma ferramenta para a

competição, estimulando a concorrência entre as escolas e a seletividade de

indivíduos. Sendo assim, o acesso ou a privação à escola passa a ser determinante

da condição de inclusão ou exclusão social.

No processo de globalização da economia, informação, conhecimento e

inovação são produzidos como bens e serviços cognitivos. A circulação de capitais,

em escala internacional, tem se baseado nessa indústria do saber. Diante da

relevância atribuída à produção de conhecimento, o sistema de ensino passa a ser

considerado estratégico para as políticas dos países. Dessa maneira, a educação

escolar ganha função e valor econômico crucial, torna-se fator de produtividade e

conquista de prestígio social.

Carnoy (2002, p. 39) afirma que a mundialização dos capitais e do

investimento cria uma demanda globalizada que incide sobre determinados tipos de

saberes, notadamente inglês, raciocínio matemático, lógica científica e programação

computadorizada, associados aos graus superiores do ensino. As sociedades

tecnológicas globalizadas, com vocação científica, interessam-se cada vez mais por

pesquisadores e engenheiros formados nas universidades de países industrializados

para suas atividades de inovação. Ao mesmo tempo, os Governos aceleram o

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desenvolvimento da educação superior na área das ciências e da tecnologia na

expectativa de se beneficiarem desse processo de produção de conhecimento.

Bernheim e Chauí (2008) fazem um balanço acerca da centralidade assumida

pelo conhecimento na sociedade contemporânea, governada pela lógica do

mercado. Ao discutir a relação entre a universidade e a sociedade, identificam que

há uma tendência a reduzir a relevância da educação superior às demandas do

setor empresarial. Assim, paulatinamente, vai ocorrendo uma ampliação das

relações da Universidade com a economia. O conhecimento vai ganhando, desse

modo, papel crescentemente estratégico para a geração de riqueza no âmbito da

sociedade do conhecimento. Isso impacta fortemente na gestão da educação

superior, que passa a ser alvo de cobrança sucessiva dos agentes econômicos,

pressão por novos modelos de financiamento e coação mediante critérios de

avaliação.

Essa associação entre educação e desenvolvimento econômico, é uma

herança cognitiva oriunda da teoria do capital humano, construída ao longo da

década de 1950 e difundida acentuadamente a partir dos anos 1970. Schultz (1973)

debateu a noção de capital humano considerando a educação como um

investimento realizado, a fim de adquirir competências, habilidades, atitudes e

valores que agregam rendimentos. Grácio (1997) cita também os estudos de Edward

Denison, que averiguou a conexão entre educação e o produto interno bruto (PIB),

focando na associação da educação com rendimentos como a evidência do impacto

da educação sobre a economia.

Grosso modo, tendo como fundamento uma visão otimista face ao mercado e

a adequação das intenções de oferta e de procura de educação, os países que

investem mais em educação têm maior produtividade e, consequentemente, maior

crescimento econômico. Essa noção se estende ao plano individual: o sucesso

econômico depende das competências e da qualificação escolar de cada um.

À vista da ligação linear entre qualificação e desenvolvimento, estava posta a

panaceia para diminuir a desigualdade entre países, grupos e indivíduos. Um dos

efeitos da teoria do capital humano, conforme Frigotto (1984), foi tornar a educação

adstrita a um mero instrumento de capacitação dos indivíduos para disputarem um

nicho no mercado de trabalho. De acordo com Gamboa (2009, p. 85), “semelhante

às fábricas que produzem mercadorias, o sistema educativo deve produzir outra

mercadoria denominada capital humano”.

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O tempo e as experiências históricas demonstraram, no entanto, que essa

ligação inexorável entre qualificação e emprego não se efetivou na prática. Os

investimentos em qualificação e formação profissional não têm sido suficientes para

impedir as tendências de desemprego.

Durante a reconfiguração do mercado de trabalho, desencadeada a partir da

crise dos anos 1970, mesmo os sujeitos com maiores níveis de qualificação se

depararam com o emprego precário e instável, ou até mesmo com o desemprego.

Há três perspectivas teóricas, consoante Cabrito (2002), que equacionam a relação

educação-economia de forma distintas, contrariando a teoria do capital humano. São

as teorias da seleção, da segmentação e da reprodução. Segundo o autor, as

“teorias da seleção” refutam a ligação linear entre educação e o aumento da

produtividade no trabalho. Por esse ângulo, a produtividade não provém do

trabalhador ou do seu investimento em capital humano, mas sim das características

do ofício. A educação somente sinalizaria de quem se pode esperar maiores níveis

de produtividade, porém em função das particularidades de cada um. A educação

escolar, nesse sentido, serve como um filtro para que os recrutamentos de recursos

humanos possam selecionar os que estão aptos para a socialização e a

aprendizagem no ambiente de trabalho. Já as “teorias da segmentação” apontam

que, não obstante sujeitos possuam o mesmo investimento em capital humano, suas

respectivas remunerações no mercado de trabalho são distintas em decorrência de

questões de origem, etnia, gênero, idade, ideologia ou outras formas de

discriminação. Haveria, assim, uma segmentação do mercado do trabalho por

aspectos discriminatórios. Existe, ainda, a “crítica radical” das “teorias da

reprodução”. Nestas a escola desempenha um papel de reproduzir as assimetrias

socioeconômicas, inculcando valores e preparando para o trabalho conforme a

classe social dos estudantes. Contrariando, então, a teoria do capital humano, a

dedicação aos estudos em si não garantiria o título meritocrático e a mobilidade

social, servindo muito mais para harmonizar a aceitação das desigualdades

(CABRITO, 2002).

A educação escolar, dessa maneira, não obstante seja um elemento relevante

para a questão do emprego, não resolve problemas estruturais inerentes ao modo

de produção capitalista, como a queda tendencial da taxa de lucro em decorrência

do contínuo desenvolvimento tecnológico aplicado ao processo de trabalho. É

necessário pensar a questão aliada a uma ampla política de geração de emprego e

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renda, que enfrente o definhamento do mercado de trabalho atual, e uma política

industrial e de desenvolvimento econômico que supere a ideia de mercado auto-

regulável.

Assumindo uma postura crítica diante da teoria do capital humano, Frigotto

(2011, p. 23) ressalta que há condicionantes estruturais intrínsecos ao modo de

produção capitalista e que, consequentemente, as políticas educacionais foram

incapazes de superar a pobreza e as desigualdades sociais: As políticas educativas – no conteúdo, método e forma – não se constituíram na “galinha dos ovos de ouro” para diminuir a desigualdade entre países e entre grupos, exatamente porque a educação e as escolhas não dependem apenas do querer, mas das condições objetivas das relações de poder entre países, classes sociais e grupos sociais.

Em decorrência do que chama “pseudoconceito de capital humano”, Frigotto

(2011) exprime que “novas mistificações” surgiram, como as noções de “sociedade

do conhecimento”, “qualidade total”, “empregabilidade”, “competência e pedagogia

das competências” e “empreendedorismo”. Ainda que os dados empíricos não

exprimam a ligação linear defendida pela teoria do capital humano, continua a

“esperança” de que o investimento em educação garantiria um bom emprego e o

crescimento econômico.

No que diz respeito especificamente à noção de empregabilidade, segundo

Leite (1997), é a capacidade do sujeito de se manter empregado ou, quando

demitido, encontrar novo emprego. Mas, diante do contexto de reestruturação

produtiva, desencadeado pelo regime de acumulação flexível, os investimentos em

educação e formação profissional não têm garantido empregos com boas condições

e remuneração satisfatória. Ao invés disso, crescem os empregos precários, a

queda real dos salários, o trabalho informal e o desemprego. Isso demonstra que a

qualificação é apenas um dos elementos que compõe a questão do emprego, mas

não é a única, nem a determina.

A ordem social, todavia, apresenta o desemprego como resultado da

inadequação do indivíduo às exigências do mercado. Desse modo, o desempregado

está em tal condição, não pela falta de emprego, mas por não se adequar às

exigências de qualificação requeridas no mercado. Saviani (2011), ao analisar as

bases econômico-pedagógicas das ideias pedagógicas no Brasil, constata a

hegemonia do neoprodutivismo, que enfatiza as competências e habilidades que

cada sujeito deve adquirir no mercado educacional para conquistar o status de

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empregabilidade. O autor constata o predomínio de uma “pedagogia da exclusão”,

que passa a inculcar nos sujeitos a sua responsabilidade pela condição de excluído.

Saviani (2011, p. 431) expõe: Com efeito, além do emprego formal, acena-se com a possibilidade de sua transformação em microempresário, com a informalidade, o trabalho por conta própria, isto é, sua conversão em empresário de si mesmo, o trabalho voluntário, terceirizado, subsumido em organizações não governamentais etc. Portanto, se diante de toda essa gama de possibilidades ele não atinge a desejada inclusão, isso se deve apenas a ele próprio, a suas limitações incontornáveis. Eis o que ensina a pedagogia da exclusão.

Percebe-se, desse modo, a ênfase meritocrática inerente à teoria do capital

humano, ignorando o desiquilíbrio entre as dimensões da população

economicamente ativa e as ofertas de trabalho. Isso fez com que as famílias

investissem na educação dos seus filhos e que jovens e adultos buscassem novas

qualificações, visto que havia o potencial de ser individualmente rentável.

Nesse cenário, a informação e o conhecimento se tornam a matéria-prima de

sustentação da economia. Outrossim, transformam-se em mercadoria. Desse modo,

conforme sinaliza Milton Santos (2015, p. 39), as técnicas da informação “[...] são

apropriadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os

processos de criação de desigualdades”, configurando uma “tirania da informação”.

Divide-se, de um lado, os que produzem a informação; de outro, a periferia do

capitalismo, excluída desse exercício. Nesse mesmo sentido, Castro (2011, p. 22)

afirma que “a distribuição desigual de conhecimento gera um desequilíbrio global de

poder, que tem sua origem não mais no uso da força e das armas, mas no domínio

do conhecimento, nos avanços científico-tecnológicos.”. Corroborando também com

essa ideia, Gamboa (2009, p. 103) expõe que A revolução informacional se desenvolve num contexto de exclusão social, onde os primeiros excluídos serão os “incapacitados” em termos de atualização de conhecimentos, de habilidades e competências que a educação básica tradicional, ainda não ofereceu. Pelo contrário, ela não diminuiu as antigas desigualdades, mas acrescentou outras mais profundas.

Nesse contexto, exigem-se graus mais elevados de qualificação e

flexibilização da força de trabalho. Flexibilidade, conforme exposto por Leite (1997),

passa a ter duas conotações no que diz respeito ao mercado de trabalho: uma

qualitativa e outra quantitativa. A primeira, a flexibilidade funcional, exige um

trabalhador polivalente. A segunda, a flexibilidade numérica, diz respeito à facilidade

na contratação e demissão de pessoal, o que, ao contrário da anterior, não tem

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relação basilar com a qualificação do sujeito, o que dispensa políticas de

treinamento por parte das empresas, isto é, pode ser compatível com a

desqualificação. Na prática, o emprego bem remunerado, estável e qualificado é

para um reduzido núcleo, ao contrário do crescimento acelerado do trabalho

instável, precário, informal e com pouca qualificação, agravado por políticas de

desregulamentação.

Ao mesmo tempo, com o neoliberalismo, a educação volta-se para o

atendimento das demandas e exigências do mercado. Passa-se a requerer dos

governos investimentos na produção de pesquisa, desenvolvimento e inovação

tecnológica, uma vez que se constitui numa dimensão necessária para que os

países e as empresas possam competir no mercado global. Desse modo, as

economias de capitalismo dependente, incluindo os países da América Latina,

procuram se adaptar às tendências globais, estimulando a promoção da educação

superior, com o intuito de formar recursos humanos, como estratégia para

competição e desenvolvimento econômico.

2.2 Regulação transnacional e organismos multilaterais: atores político e intelectual na configuração da educação superior

O Estado nacional, ainda que importante instância, não detém o monopólio no

processo de ação pública, visto que as políticas públicas incluem redes de ação que

se organizam em diferentes níveis, incluindo o global e o regional. No mundo atual,

há um sistema politico transnacional, formado por arranjos cada vez mais densos de

corporações transnacionais que se organizam a fim de influenciar as políticas

nacionais.

Desse modo, o ajustamento dos países de capitalismo dependente à ordem

neoliberal tem ocorrido sob o auspício do “Proto-Estado-Global” (GAMBOA, 2009, p.

100). Este, constituído por diversas instituições setoriais, foi edificando

paulatinamente uma “agenda globalmente estruturada para a educação” (DALE,

2004), consoante ao imperativo da acumulação flexível, das TIC, da globalização e

do neoliberalismo, fazendo surgir “[...] perspectivas sombrias para a educação

pública” (GAMBOA, 2009, p. 100-101). Essa agenda pressupõe a atuação de forças

econômicas supra e transnacionalmente que ultrapassam as fronteiras nacionais,

reconstruindo as relações entre as nações. Trata-se de uma globalização

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econômica, política e cultural marcada, respectivamente, pelo neoliberalismo,

governação supranacional e consumismo.

O “ensino terciário” se apresenta como condição para inserção e

competitividade dos países na economia global. Dos organismos que compõem

esse aparato, destacam-se a UNESCO, o BM e a OMC, que se tornaram atores

financeiro e, sobretudo, político e intelectual (PEREIRA, 2010) das mais diversas

políticas públicas, incluindo as voltadas para a formação de “capital humano”. Nesse

sentido, percebe-se que as políticas públicas resultam da hibridação de modelos

globais, regionais e nacionais, de modo que, para se analisar a ação pública

nacional, é preciso situá-la nesse contexto.

Os documentos publicados pelos organismos multilaterais são diagnósticos e

orientações geradores de normas e padrões para a ação política, tanto em seu

conteúdo, como muitas vezes em sua forma. Aliado a isso, é notório o financiamento

internacional da educação e a intervenção das agências mundiais na estruturação

dos sistemas de ensino. Nesse conjunto, propala-se a lógica de mercado, tornando

a educação um produto a ser consumido. O pensamento neoliberal tem sido fecundo

em induzir a privatização da educação, dando a cada um o que sua função social

exige.

Mas as diretrizes dos organismos multilaterais não são imposições ou mera

subordinação do país. Não obstante haja condicionalidades para a concessão de

empréstimos financeiros e o constrangimento à culpabilização do “fracasso”

nacional, os organismos de atuação global têm a capacidade de difundir a

concepção do “ensino terciário” por meio do otimismo quanto à possibilidade de

desenvolvimento socioeconômico e inserção dos países na economia global.

Diante disso, serão analisados, neste capítulo, a concepção de educação

superior da UNESCO e do Banco Mundial, disseminados nos documentos dispostos

no Quadro 2.

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Quadro 2 – Documentos da UNESCO e do Banco Mundial analisados ORGANISMO DOCUMENTO ANO DE PUBLICAÇÃO

UNESCO

Política de mudança e desenvolvimento no ensino superior 1995

Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação 1998

Declaração da Conferência Regional de Educação Superior na América Latina e no Caribe 2008

Banco Mundial

Ensino superior: lições derivadas da experiência 1994 Ensino superior nos países em desenvolvimento: riscos e promessas 2000

Ensino superior no Brasil: desafios e alternativas 2002 Construir sociedades do conhecimento: novos desafios para o ensino terciário 2003

Conhecimento e inovação para a competitividade 2008

Estes são os documentos centrais que tratam da noção de “educação

terciária”, acompanhado de, entre outros aspectos, processos de avaliação e

controle da qualidade. Expressam, assim, os fundamentos teóricos de projeto de

educação e das funções que esta deve exercer no processo de afirmação da

sociabilidade burguesa e da localização que a educação deve ocupar dentro dos

modelos políticos e econômicos defendidos pelos organismos internacionais,

corporações e governos alinhados com essas orientações.

2.2.1 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e as diretrizes para a educação superior

Desde a sua criação, em 1945, pautando-se em um discurso mais humanista

e prospectivo, a UNESCO (2002) tem defendido a paz fundamentada na

solidariedade intelectual e moral da humanidade e a colaboração entre as nações

através da educação, da ciência e da cultura10. Por ser a agência da Organização

das Nações Unidas (ONU) especializada em educação, suas recomendações

influenciam de forma significativa as políticas educacionais dos Estados-membros.

Conforme aponta Leher (2001), várias motivações contribuíram para a criação

da UNESCO, entre elas: o empenho da Conferência de Ministros Aliados da

Educação (CAME) – fundamentalmente formada pelos Aliados da Segunda Guerra

Mundial – para a reconstrução dos seus sistemas de ensino; a guerra fria; e o

10 A Organização é formada por uma rede de escritórios, entre eles o Escritório Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe (OREALC), com sede em Santiago do Chile. Possui ainda institutos para níveis educacionais, como o Instituto Internacional da UNESCO para a Educação Superior na América Latina e Caribe (IESALC), com sede em Caracas, Venezuela.

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empenho dos Estados Unidos da América (EUA) em favor da segurança e do estilo

de vida estadunidense11. Em 1954, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS) ingressou na entidade e, nos anos 1960, a Organização se aproximou mais

dos países economicamente periféricos. Nesse período, foi adotada a “Convenção

relativa à Luta contra a Discriminação no campo do Ensino” (UNESCO, 2003), em

que os Estados Partes se comprometiam a “[...] tornar obrigatório e gratuito o ensino

primário; generalizar e tornar acessível a todos o ensino secundário sob suas

diversas formas; tornar igualmente acessível a todos o ensino superior em função das capacidades individuais” (Art. IV, a, grifo nosso). Nesse contexto, o

bloco socialista e os países de capitalismo dependente puderam atuar na instituição,

modificando as relações de forças internas. Estes países periféricos, em certa

medida, passaram a induzir as ações da Organização para fomentar sistemas de

ensino capazes de promover autonomia técnico-científica e cultural.

Paralelamente, os EUA atuavam de forma bilateral, como, por exemplo,

através da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

(USAID). Depois, durante o governo do presidente Ronald Reagan, de postura

conservadora de direita, recrudesceu a linha anti-UNESCO nos EUA. Resultado

disso foi a saída do país como Estado Parte, em 1984. No ano seguinte, retiraram-

se Reino Unido e Singapura12. Para Leher (2001, p. 52), essa atitude estadunidense

significou “[...] o abandono da ideologia do desenvolvimento em favor da ideologia

da globalização.”. Além disso, favoreceu a ascensão do Banco Mundial na “condição

de ministério mundial da educação dos países periféricos.” (LEHER, 2001, p. 53).

No ano de 1990, foi adotada a “Declaração Mundial sobre Educação para

Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem”. Como indica o

próprio subtítulo, o foco era a educação básica, constituindo-se na prioridade de

atuação da UNESCO. De um modo geral, a Organização compreende a educação

como a promotora do progresso socioeconômico pessoal, devendo, desse modo, a

educação básica ser ofertada a todos e serem adotadas práticas gerenciais frente

ao contexto concorrencial. A Declaração reconhece também que um ambiente

11 Embora os EUA tenham se constituído como o principal financiador da Organização, mantendo uma superioridade política, isso não impediu avanços internos que relativizassem a sua hegemonia. A título de ilustração, a sede da UNESCO, diferentemente da ONU, não se instalou nos EUA – mas sim em Paris –, bem como foi garantido igualdade de voto aos Estados-membros. 12 O Reino Unido retornou em 1997, os EUA em 2003 e Singapura em 2007 (UNESCO, 2015).

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intelectual e científico na educação básica dependeria da melhoria da educação

superior e do desenvolvimento da pesquisa.

Em continuidade a esse encadeamento, considerando a decisão tomada na

27ª sessão da Conferência Geral, realizada em 1993, que previa a elaboração de

uma política para Organização que contemplasse a educação superior, a UNESCO

publicou, em 1995, o documento “Política de mudança e desenvolvimento do ensino

superior” (UNESCO, 1999), uma síntese das tendências diagnosticadas e das

respostas que poderiam ser adotadas. Foram identificadas três grandes tendências:

expansão quantitativa; diversificação de estruturas institucionais e formas de

estudos; e dificuldades na consecução de recursos e fundos públicos13. Sendo

assim, partindo do pressuposto de que “[...] o ensino superior está num estado de

crise em praticamente todos os países do mundo”, pois “[...] a capacidade de

suporte público está declinando” (UNESCO, 1999, p. 7), o documento reconhece

que “o apoio público para o ensino superior permanece essencial [...]” (UNESCO,

1999, p. 14), porém instituições de educação superior (IES), estudantes, pais etc.

deveriam buscar fontes alternativas de recursos para viabilizar a requerida expansão

e diversificação. Anuncia-se, desse modo, o ocaso do financiamento público para

incentivar a procura de fundos alternativos, invocando o fortalecimento de alianças

com organizações não-governamentais, comunidades locais, famílias etc. Essa

distribuição das responsabilidades de custeio da educação superior é sinalizada

mediante introdução de mensalidades em IES públicas e da promoção de ações que

gerem receita, como contratos de pesquisa, prestação de serviços e oferta de cursos

de curta duração. O documento reforça também a necessidade de se construir uma

base mais ampla de fundos, mobilizando todos para a obtenção de investimentos.

Ademais, aponta como uma das necessidades o “engajamento [...] para a obtenção

de fundos, baseada na participação de todos os que, direta ou indiretamente, obtêm

benefícios do ensino superior, inclusive setor econômico, comunidades locais, pais,

estudantes e a comunidade internacional” (UNESCO, 1999, p. 86), bem como maior

esforço das IES para aumentar eficiência, esta podendo ser interpretada como

elevação do número de estudantes e dos resultados, sem correspondente aumento

de custos.

13 Sobre a questão do financiamento, ressalte-se que a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, em seu Artigo 9º, já antecipava que era necessário mobilizar novos recursos financeiros e humanos, recorrendo-se ao setor privado e ao voluntariado.

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Considerando a expansão, a diversificação e a escassez de recursos

públicos, a UNESCO (1999) indicou que as respostas do ensino superior deveriam

ser guiadas por três diretrizes: relevância, internacionalização e qualidade. Quanto à

relevância, são apontados: relações com a sociedade por meio de “serviços

acadêmicos” (UNESCO, 1999, p. 51); relações com o mundo do trabalho mediante

“parcerias contínuas e interativas com o setor produtivo [...]” (UNESCO, 1999, p. 53);

renovação no processo de ensino e aprendizagem, sob o princípio da flexibilização;

fortalecimento da pesquisa, adaptando-se “[...] a novos enfoques para obter

financiamentos [...]” (UNESCO, 1999, p. 64); responsabilidade em face de outros

níveis de ensino – estimulando “[...] os jovens [...] a estudar ciências naturais,

tecnologia e engenharia.” (UNESCO, 1999, p. 67). No que tange à

internacionalização da educação superior, o documento discute a necessidade de

acesso ao conhecimento numa economia globalizada, princípios e formas de

cooperação internacional e a formação de redes para se conseguir excelência

acadêmica. Diante da internacionalização como resposta, no contexto de

mercantilização do “ensino terciário”, os países periféricos, na sociedade capitalista

global, tornam-se vulneráveis à penetração de serviços educacionais, na medida em

que possuem escassa participação como produtores de conhecimento. A educação

superior, na prática, se afasta da ideia de bem público e se aproxima muito mais de

uma perspectiva mercantil, podendo ser vendida e/ou comprada no comércio de

serviços.

Em relação à qualidade, o documento afirma que “a qualidade no ensino

superior é um conceito multidimensional, que depende em grande parte do contexto

de um determinado sistema, missão institucional ou condições e padrões dentro de

uma dada disciplina.” (UNESCO, 1999, p. 67). Com essa diversificação da qualidade

a depender do contexto institucional, o documento trata das obrigações de docentes

e estudantes e das condições de infraestrutura. A relevância, a internacionalização e

a qualidade enquanto diretrizes, segundo a UNESCO, devem ser acompanhadas

pela necessidade de se avaliar a qualidade e prestar contas à sociedade, que se

tornam centrais para a política de mudança e desenvolvimento na educação

superior. O documento, ao menos a nível do discurso, pautou a ideia de avaliação

num tom mais progressista, afirmando que: [...] a avaliação de qualidade, especialmente de instituições públicas de ensino superior, não deve ser sinônimo de regulamentação externa, ou

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utilizada como modo de restringir fundos públicos. Ela deve funcionar como mecanismo que permita ao ensino superior assegurar seu próprio melhoramento. (UNESCO, 1999, p. 57).

Desse modo, o principal objetivo da avaliação seria o de melhorar a

instituição, assim como todo o sistema. E acrescenta: O processo de avaliação em geral e a avaliação da qualidade devem começar com os professores e pesquisadores e ativamente envolvê-los, tendo em vista seus papéis centrais nas diversas atividades das instituições de ensino superior. A participação de outros, inclusive de estudantes, nos assuntos relacionados à avaliação do ensino, deve ser organizada dando-se reconhecimento apropriado ao papel dos depositários na avaliação. (UNESCO, 1999, p. 69)

Após a divulgação de “Política de mudança e desenvolvimento do ensino

superior”, consultas regionais foram realizadas no decorrer dos três anos seguintes.

Em outubro de 1998, com a presença de representantes de Governos, do setor

privado, de associações de professores e de estudantes, reitores, pesquisadores em

educação, representantes de associações de universidades, ocorreu a Conferência

Mundial sobre Educação Superior. Desse evento, resultou a aprovação de dois

documentos básicos: “Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI:

Visão e Ação” (UNESCO, 1999a) e “Marco referencial de ação prioritária para a

mudança e o desenvolvimento da educação superior” (UNESCO, 1999b). No

Preâmbulo da Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI, a

educação superior é definida como todo tipo de estudos, treinamento ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, oferecido por universidades ou outros estabelecimentos educacionais aprovados como instituições de educação superior pelas autoridades competentes do Estado. (UNESCO, 2003a, p. 19)

Percebe-se a diversificação institucional do “nível pós-secundário” mediante a

convivência de instituições universitárias e não-universitárias. Ademais, há uma

separação entre o treinamento (atividade de ensino) e a formação para a pesquisa.

Destaca-se, ainda, a ideia de diversificar, por meio de instituições privadas, a fim de

viabilizar a massificação da demanda e dar acesso a distintos modos de ensino

(cursos breves, estudo de meio período, horários flexíveis, cursos em módulos,

ensino a distância etc.), baseados na facilidade de acesso e conclusão. O

documento expõe que as IES devem aproveitar o potencial das novas tecnologias

de informação e comunicação, criando, entre outros aspectos, novos ambientes de

aprendizagem, que abarcam desde os serviços de educação a distância até as

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instituições e sistemas de educação superior totalmente virtuais. A Declaração

sustenta o financiamento da educação superior por meio de parcerias e alianças

com estudantes, mundo do trabalho, grupos da comunidade, organizações não-

governamentais etc. Para Calderón, Pedro e Vergas (2011), a Conferência Mundial

sobre Educação Superior de 1998 defendeu a presença e a responsabilidade do

Estado pelo ensino superior, opondo-se à mercantilização, ainda que reconheça a

necessidade de se incluírem recursos privados. Por outro lado, Leher (2001) afirma

que, na primeira versão do Relatório da Conferência Mundial sobre Educação

Superior de 1998, havia um posicionamento a favor do financiamento público das

universidades públicas. Na versão final, entretanto, em função sobretudo da atuação

de representantes do Banco Mundial, estabeleceu-se a diversificação do

financiamento, representando uma perda da autonomia da Assembleia Geral da

UNESCO. Abriu-se caminho, então, para as fontes alternativas de recursos,

oriundas dos estudantes, das empresas e do mercado e a diversificação institucional

e o apoio às instituições privadas.

No Artigo 2º, a Declaração Mundial sobre Educação Superior (UNESCO,

2003a) afirma que devem ser garantidas a liberdade acadêmica e a autonomia, mas

tendo as IES que observar responsabilidade com a sociedade, prestando contas.

Assim, ao tratar da avaliação, no Artigo 11, mantém-se a ideia contida no documento

anterior (UNESCO, 1999), em que a qualidade é um conceito multidimensional que

deve envolver todas as suas funções e atividades (ensino, pesquisa, extensão,

pessoal, estudantes, infraestrutura, dimensão internacional etc.). Desse modo: Uma auto-avaliação interna transparente e uma revisão externa com especialistas independentes, se possível com reconhecimento internacional, são vitais para assegurar a qualidade. Devem ser criadas instâncias nacionais independentes e definidas normas comparativas de qualidade, reconhecidas no plano internacional. Visando a levar em conta a diversidade e evitar a uniformidade, deve-se dar a devida atenção aos contextos institucionais, nacionais e regionais específicos. Os protagonistas devem ser parte integrante do processo de avaliação institucional. (UNESCO, 2003a, p. 29)

A Declaração insere, como formas de garantir a qualidade, a coexistência da

avaliação interna e externa, esta realizada por órgãos nacionais e especialistas

independentes, e que possibilitem, ao mesmo tempo, o respeito à diversidade e a

comparação com indicadores internacionais. Essa ideia foi consubstanciada no

Marco Referencial de Ação Prioritária (UNESCO, 2003b), em que se aponta a

premência de se garantir a alta qualidade compatível com os padrões internacionais,

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tendo as IES obrigação de prestar contas e de fazer avaliações, tanto internas

quanto externas, respeitando a autonomia e a liberdade acadêmica, e

institucionalizar mecanismos transparentes para esse fim. A gestão universitária

deveria estar fundamentada, portanto, no princípio da autonomia (especialmente

financeira), baseada no mérito, e da prestação de contas transparente dos

resultados (baseada na avaliação e regulação) e que a qualidade estaria

dependente de uma avaliação e de uma regulação de natureza sistemática.

De um modo geral, a Conferência Mundial sobre Educação Superior de 1998,

por ser mediada pela UNESCO, organismo pautado em programas das áreas de

educação, ciências naturais, ciências sociais/humanas, cultura e

comunicação/informação numa perspectiva mais democrática, conforma os

interesses contraditórios de grupos que defendem a educação como bem público e

dos grupos privatistas. Para Castanho (2000, p. 166),

trata-se de um documento de compromisso entre os modelos contemporâneos, incorporando parcialmente o modelo emergente, ou seja, o neoliberal-globalista-plurimodal, também parcialmente o modelo estabelecido e em crise de hegemonia, o democrático-nacional-participativo, tendo mesmo, em certas passagens, um tom que o aproxima do referencial crítico-cultural-popular. Este último, por definição, é a voz da resistência à exclusão, da promoção da inclusão, é o discurso do não, um grito que sobe dos subterrâneos da liberdade. O modelo estabelecido e em crise de hegemonia é o discurso do talvez, que esconde o sim ao proclamar o não. E o modelo emergente, o neoliberal, é o discurso do sim sem disfarces, da promoção ativa da exclusão em nome da eficiência capitalista.

Para Bernheim e Chauí (2008), os impactos da Conferência Mundial sobre

Educação Superior de 1998 foram positivos, de modo que “[...] o paradigma da

UNESCO e sua agenda superaram e substituíram na América Latina e no Caribe a

hegemonia do paradigma teórico do Banco Mundial e seus seguidores”

(BERNHEIM; CHAUÍ, 2008, p. 39). Houve também o aumento no número das IES e

diversificação das suas modalidades, o uso das novas tecnologias de informação e

comunicação, a internacionalização, a cooperação entre a educação superior e o

setor produtivo, e o desenvolvimento de sistemas nacionais de avaliação e

acreditação (BERNHEIM; CHAUÍ, 2008).

Dez anos depois à primeira Conferência, ocorreram as conferências regionais

que antecederam a Conferência Mundial sobre Educação Superior de 2009. O

documento final da Conferência Regional da Educação Superior na América Latina e

no Caribe, realizada na cidade de Cartagena das Índias, Colômbia, enfatiza a

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educação superior como “[...] um bem público social, um direito humano e universal

e um dever do Estado.” (UNESCO, 2009a, p. 235). Assim, a declaração da

Conferência Regional de 2008, em linhas gerais, apresenta um discurso

progressista, afastando-se do núcleo da ideologia neoliberal. A Educação Superior [...] enfrenta correntes que promovem sua mercantilização e privatização, assim como a redução do apoio e financiamento do Estado. É fundamental reverter esta tendência, de tal forma que os governos da América Latina e do Caribe garantam o financiamento adequado das instituições de Educação Superior pública [...]. A Educação não pode, de modo algum, reger-se por regulamentos e instituições com fins comerciais, nem pela lógica do mercado. (UNESCO, 2009a, p. 238)

Dessa maneira, a Conferência Regional da Educação Superior na América

Latina e no Caribe 2008 posicionou-se contrária à mercantilização e privatização da

educação e a favor do apoio e financiamento do Estado. Nesse sentido, a

declaração lança críticas à Organização Mundial de Comércio e ao Acordo Geral de

Comércio e Serviços: A incorporação da Educação como um serviço comercial no marco da Organização Mundial de Comércio (OMC) foi sumariamente rejeitada por diversas organizações relacionadas diretamente com a Educação Superior. Essa incorporação constitui uma forte ameaça para a construção de uma Educação Superior pertinente nos países que aceitem os compromissos exigidos no Acordo Geral de Comércio e Serviços, e isto supõe graves danos para os propósitos humanistas de uma Educação integral e para a soberania nacional. [...] Afirmamos, ainda, nosso propósito de agir para que a Educação, em geral, e a Educação Superior, em particular, não sejam consideradas como serviço comercial. (UNESCO, 2009a, p. 238-239)

Entre os valores sociais e humanos da educação superior apresentados pela

Conferência Regional da Educação Superior na América Latina e no Caribe 2008,

está o preceito de promover mecanismos que permitam, sem prejuízo da autonomia,

a participação de distintos atores sociais na definição de prioridades e políticas

educativas, assim como na avaliação das mesmas. Declara a necessidade de

construção de um Espaço de Encontro Latino-Americano e Caribenho de Educação

Superior (ENLACES) como iniciativa básica para alcançar a integração regional.

Entre um dos pontos para consolidação do ENLACES, é elencada a convergência

dos sistemas de avaliação e revalidação nacionais e sub-regionais, visando dispor

de padrões e procedimentos regionais de garantia de qualidade, esta entendida

como um conceito inseparável da equidade e da pertinência. Vê-se, assim, um viés

crítico e mais próximo de uma concepção de educação superior como bem público.

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Além disso, percebe-se a categoria avaliação como fundamental para a constituição

de equipes e comunidades científicas integradas em rede, e o fomento da

mobilidade intrarregional de estudantes, pesquisadores e professores.

Ainda em 2008, a UNESCO publicou Tras la pista de una revolución

académica: Informe sobre las tendencias actuales (UNESCO, 2009b) para ser

apreciada na Conferência Mundial sobre Educação Superior. Em grande parte, o

Relatório trata das formas em que o “ensino pós-secundário” tem respondido ao

desafio da massificação. Assim, discute desigualdades de acesso, mobilidade

estudantil, currículo, financiamento, pesquisa e tecnologia da informação e

comunicação. Quanto à garantia de qualidade, o Relatório afirma: Ante los muchos establecimientos nuevos que ofrecen opciones de estudios postsecundarios, a veces resulta difícil distinguir las instituciones legítimas de las “fábricas de diplomas o títulos” que distribuyen credenciales a quienes las compran. Esta situación hace que sea más urgente que existan mecanismos internacionales de garantía de la calidad. (UNESCO, 2009b, p. 11)

Desse modo, afirma que a expansão e a diversificação institucional, a

globalização, a integração regional e a crescente mobilidade de estudantes tornaram

a necessidade de se ter padrões reconhecidos internacionalmente. Isto é, à medida

que se expande os programas de mobilidade internacional, a comparabilidade das

qualificações educacionais torna-se uma questão fundamental. Cita o Processo de

Bolonha como um progresso na integração da educação superior na Europa, criando

uma estrutura de qualificações e quadros comuns de qualificações, a fim de fornecer

uniformidade e garantia de qualidade, promovendo mobilidade, empregabilidade e

aprendizado centrado no aluno. O Relatório reconhece também que, diante dos

processos de avaliação, o corpo docente perdeu parte da autonomia. O pêndulo da

autoridade no ensino superior mudou, assim, de professores para gerentes e

burocratas.

No ano seguinte, ocorreu a Conferência Mundial de Ensino Superior, cujo

documento final (UNESCO, 2009b) apresenta uma visão distinta da Conferência

Regional de Educação Superior na América Latina e no Caribe 2008, na medida em

que a educação superior é concebida muito mais próxima da ideia de serviço

comercial, provida pelo mercado. Segundo o documento produzido pela Conferência

Mundial, “[...] o ensino superior deve ser uma questão de responsabilidade e

suporte econômico de todos os governos.” (UNESCO, 2009, p. 2, grifos nossos).

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Ou seja, “suporte do governo” denota algo secundário, que escamoteia a defesa em

prol de fontes alternativas de recursos. Ao tratar do ensino, pesquisa e inovação,

afirma que “[...] instituições devem procurar novos meios de se expandirem no

campo da pesquisa e inovação através de parcerias público-privadas de multi-

stakeholders, incluindo pequenas e médias empresas.” (UNESCO, 2009, p. 5).

Expõe ainda que “a educação é um bem público, porém financiamento privado deve

ser estimulado. [...] especialmente as baseadas no modelo de parceria público-

privado.” (UNESCO, 2009, p. 5). Quanto ao convite à ação dos Estados Membros,

há orientações para a consolidação de mercados nacionais e transnacionais,

mediante diversificação tanto no fornecimento do ensino superior quanto nos meios

de seu financiamento, promoção da EAD, combate às “falsificadoras de diplomas”

em nível nacional e internacional e fortalecimento de “sistemas de certificação de

qualidade e estruturas regulatórias com o envolvimento de todos os investidores”

(UNESCO, 2009, p. 6).

De acordo com Calderón, Pedro e Vargas (2011), percebe-se, na Conferência

Mundial sobre Educação Superior de 2009, a incorporação das orientações

neoliberais, sinalizando para o fortalecimento da mercantilização da educação

superior. [...] pode-se afirmar que a naturalização do mercado de Educação Superior, por parte da Unesco, aponta para uma identidade ou afinamento ideológico com a visão predominante, na sociedade capitalista contemporânea, nas grandes agências multilaterais e organizações intergovernamentais que orientam as políticas educacionais em âmbito planetário. (CALDERÓN; PEDRO; VARGAS, 2011, p. 1191)

Os autores, ao investigarem o conceito de responsabilidade social presente

nas Conferências Mundial sobre Educação Superior de 1998 e 2009, constatam que,

embora, na primeira, a UNESCO tenha defendido a responsabilidade do Estado, na

segunda valorizou-se a ideia de serviço comercial, sob a luta contra as ditas

“fábricas de diplomas”. Assim, nota-se a correlação de forças contraditórias na

UNESCO, que tenta se equilibrar entre o liberalismo político (educação enquanto

direito social) e o liberalismo econômico (educação como serviço comercial)

(CALDERÓN; PEDRO; VARGAS, 2011).

De acordo com Segrera (2010), a Conferência Mundial sobre Educação

Superior de 2009 expressou a relação da recessão global e seu impacto negativo na

educação superior. Assim, o principal debate dentro da Conferência girou em torno

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da visão da educação superior como um bem público, como um serviço público ou

mera mercadoria. Segrera (2010) afirma que o discurso dos participantes dos países

desenvolvidos teve um caráter neoliberal, ao contrário do discurso crítico que

prevaleceu nas intervenções dos participantes da América Latina e do Caribe e da

África. Segundo o autor, um dos debates mais relevantes para chegar a um

consenso no Comunicado Final foi a abordagem do Grupo Latino-Americano, que

defendeu a ideia de que a educação superior é um bem público social, sendo dever

dos Estados garanti-lo. Após um longo debate, o conceito de ensino superior como

um bem público foi incluído no Comunicado Final, e não como um serviço público.

Na III Conferência Regional da Educação Superior para América Latina e no

Caribe, realizada em 2018, diante das pressões para tornar a educação superior

uma atividade lucrativa, os dirigentes da região ratificaram a defesa de que os

Estados assumam o compromisso de regular e avaliar instituições públicas e

privadas, com o intuito de tornar efetivo o acesso e a permanência de estudantes,

com inclusão e relevância local e regional. O Comunicado entende que a fraca

regulação da oferta estrangeira aprofunda os processos de transnacionalização e a

visão mercantilizada, impedindo o efetivo direito social à educação. Assim, afirma

que é fundamental reverter essa tendência, estabelecendo sistemas rigorosos de

regulação. Nesse sentido, o documento solicita que os Estados da região não

assinem acordos bilaterais ou multilaterais de livre comércio que impliquem

conceber a educação como um serviço lucrativo (UNESCO/IESALC, 2018).

Embora haja uma correlação de forças, que busca introduzir noções da

ideologia neoliberal, o que decerto irá se manifestar na Conferência Mundial de

Educação Superior que acontecerá no ano de 2019, em Paris, compreende-se da

análise desses documentos que a UNESCO historicamente consegue, em meio às

tensões de grupos contraditórios, propalar o humanismo, a solidariedade e a

cooperação intelectual através da educação, da ciência e da cultura. No que

concerne à educação superior, é considerada um bem público e dever do Estado,

mas, admitindo que os recursos públicos são escassos, recomenda fontes de

financiamento privadas. Além disso, diante da ampliação da internacionalização e

dos programas de mobilidade, a UNESCO aponta para a criação de padrões

acadêmicos induzidos por sistemas de avaliação e acreditação.

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2.2.2 Orientações economicistas para a educação superior: Banco Mundial (BM) e Organização Mundial do Comércio (OMC)

Forças supranacionais, ligadas ao sistema financeiro global, também têm

afetado os sistemas educativos nacionais. Um desses organismos influentes é o

BM14 , que tem exercido um papel determinante na configuração da educação

superior. A instituição, sediada em Washington, possui como principal mentor os

Estados Unidos, que têm mantido a hegemonia política no interior do órgão até os

dias atuais. O Banco surgiu em 1944, na Conferência de Bretton Woods, como

instituição voltada para atuar no mercado de concessão de empréstimos,

especialmente aos países europeus assolados pela Segunda Guerra Mundial. Logo

depois, mudou sua atenção para a América Latina, África e Ásia. No contexto da

Guerra Fria, era preciso ter poder de influência nos chamados países de “terceiro

mundo” e elidir tendências de esquerda e socialistas. Nos anos 1950 e 1960, o BM

teve como foco o financiamento e a assistência técnica de projetos de infraestrutura,

como barragens, redes elétricas, sistemas de irrigação e estradas. Na década de

1970, direcionou ações para questão da pobreza, financiando projetos relacionados

à produção de alimentos, saúde e nutrição (BANCO MUNDIAL, 2016).

Nos anos 1980, ampliou seu foco para questões como educação,

comunicação, patrimônio cultural e gestão pública. Segundo Torres (2009), o BM foi

ocupando o espaço tradicionalmente conferido à UNESCO no campo da educação

global, principalmente a partir da saída dos EUA da Organização, em 1984.

Conforme Pereira (2010), o Banco tem agido como um ator político, intelectual e

financeiro. Desse modo, para além de conceder empréstimos, o BM tem participado

do processo de formulação de políticas públicas, bem como difundido ideias sobre o

que fazer, como fazer, quem deve fazer e para quem fazer. Assim, sua influência se

deve muito mais à atuação político-ideológica no processo de ajuste neoliberal dos

países pobres do que ao volume de seus empréstimos.

Desde então, o BM tem participado da configuração das políticas

educacionais dos países de capitalismo dependente, o que, nas palavras de Leher

14 O BM é composto pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e pela Associação Internacional de Desenvolvimento (AID). O Grupo Banco Mundial conta ainda com a Sociedade Financeira Internacional (SFI), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA) e o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (ICSID).

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(1999), tem se constituído em um Ministério Mundial da Educação dos países

periféricos. Isso não implica que o Banco é onipotente, nem institui por força, de

cima para baixo, as diretrizes políticas nos diversos setores. Ressalta-se, todavia,

que o BM tem exercido papel atuante na definição de pressupostos e princípios e na

formulação de políticas e programas em diversos países. Não obstante, os preceitos

do BM e de outros organismos internacionais foram e são assimilados de forma

diferenciada, de acordo com a correlação de forças internas de cada país. Em outras

palavras, a conjuntura política, a dimensão e organização dos movimentos sociais,

assim como os blocos no poder em cada país, são elementos que explicam a

adoção, por vezes, de políticas distintas.

A partir da década de 1980, a relação entre o BM e os países de capitalismo

dependente transformou-se profundamente: Dada a situação de crise e extrema vulnerabilidade dos países endividados [...] o Banco Mundial passou a impor uma série de condicionalidades para a concessão de novos empréstimos. Mediante essas condicionalidades, o Banco Mundial (tal como o FMI) passou a intervir diretamente na formulação da política interna e a influenciar a própria legislação dos países. (SOARES, 2009, p. 21)

Por meio dessas condições, o BM iniciou a implementação do amplo conjunto

de reformas estruturais nos países endividados. No campo educacional, foi notório o

papel que esse organismo exerceu na América Latina e no Caribe, tanto do ponto de

vista financeiro, como de cooperação técnica, difundindo, entre outras medidas, a

legitimação da privatização da educação superior e da mercantilização da produção

do conhecimento. Coraggio (2009, p. 95) assinala que “[...] a análise econômica

transformou-se na metodologia principal para a definição das políticas educativas.”.

Este autor, bem como Pereira (2010), aponta que o fundamento da política

educacional do BM tem como marco teórico-metodológico a teoria econômica

neoclássica e a teoria do capital humano.

Em 1994, o BM reafirmou em “Ensino superior: lições derivadas da

experiência” (BANCO MUNDIAL, 1995) o papel do conhecimento como valor

econômico. Este documento se tornou indubitavelmente o grande pilar da matriz que

se construiu a partir de então no campo da educação superior. O relatório destaca

aprendizagens da prática com o ensino superior em diversos países, descrevendo

resultados de estudos de caso temáticos e regionais. Assim, faz recomendações

para demonstrar como os países em desenvolvimento podem alcançar maior

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eficiência na educação superior. Esta é aludida indiferentemente por intermédio das

expressões “ensino superior”, “nível terciário” ou “pós-secundário”. Esse vocabulário

indica uma mudança de orientação no atendimento da demanda, uma vez que se

trata de buscar processos de aprendizagem mais flexíveis e aligeirados, em

detrimento de um modelo universitário tradicional, considerado rígido e dispendioso.

Para o BM (1995, p. 1), os investimentos no nível terciário “[...] contribuyen a

aumentar la productividad laboral y a producir un crecimiento económico más alto a

largo plazo, elementos que son fundamentales para el alivio de la pobreza.”.

Destarte, partindo dos pressupostos da teoria do capital humano, o relatório expõe

que despesas com ensino pós-secundário contribuem para o crescimento

econômico e elevam a produtividade e os rendimentos das pessoas. Afirma, todavia,

que o ensino superior passa por uma crise de proporções globais. Destaca, como

uma das causas, a dependência com o financiamento público e o seu uso

ineficiente, este ilustrado pela baixa relação entre alunos e professores, serviços

subutilizados, altas taxas de evasão e repetência. Indica que a melhoria da

qualidade e aumento da matrícula no ensino pós-secundário pode ser conseguido

com pouco ou nenhum aumento da despesa pública e cita como políticas inovadoras

as que estimulam maior subvenção privada. Ao considerar estratégias e opções

para melhorar os resultados no nível superior, o estudo centra-se em quatro

direções principais para a reforma. Cada uma dessas orientações supõe

concepções teórico-políticas em torno da educação superior e de suas relações com

o Estado e a sociedade (BANCO MUNDIAL, 1995).

A primeira ação é promover diversificação institucional. Para o Banco Mundial

(1995), o modelo tradicional de universidade revelou-se oneroso e inadequado.

Maior diferenciação, incluindo o desenvolvimento de instituições não-universitárias e

o estímulo à oferta privada, atende a crescente demanda e se ajusta melhor às

necessidades do mercado de trabalho. Quanto às IES privadas, afirma que podem

reagir de forma mais eficiente e flexível às mudanças na demanda. Cita que alguns

países também têm dado incentivos financeiros para estimular o instalação de IES

privadas, pois é uma forma de expandir as matrículas com menor custo público.

Dessa maneira, o ensino superior deve se tornar mais diversificado e flexível,

através de instituições não-universitárias e privadas, objetivando uma expansão com

contenção nos gastos públicos.

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A segunda diretriz é incentivar as IES públicas a diversificarem suas fontes de

subsídio, com a mobilização de um maior volume de recursos privados, envolvendo,

por exemplo, a participação de estudantes nas despesas. O BM defende que os

países precisam reduzir as despesas ditas não relacionadas com o ensino, como a

assistência estudantil (habitação, refeição, bolsa etc.). Nessa lógica, deve-se

incentivar as IES públicas para atividades de geração de renda, tais como cursos de

curta duração, contratos de pesquisa com a indústria e serviços de consultoria. Una meta podría ser que las instituciones estatales generaran ingresos que financiaran el 30% de los gastos ordinarios con cargo a estas fuentes no gubernamentales. Ya hay varios países que han logrado este porcentaje sólo en base a los derechos de matrícula. (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 8)

A proposta, portanto, é maior suporte financeiro privado para o ensino

superior mobilizados pela eliminação dos subsídios não relacionados com a

instrução, cobrança de taxas, obtenção de doações e realização de atividades

geradoras de rendimento. Há também estreita ligação entre financiamento e

avaliação dos resultados, isto é, a alocação e a utilização os recursos a partir do

critério da eficiência, de modo a produzir mais resultados com um orçamento menor.

A terceira recomendação é redefinir o papel do Estado. Assim, em vez de

atuar diretamente, o Estado deve fornecer um ambiente político favorável para IES

públicas e privadas e incentivar o uso eficiente dos recursos. Argumenta a favor de

uma maior autonomia administrativa das IES públicas, incluindo o poder de fixar

taxas, contratação e demissão, utilização das dotações orçamentárias de forma

flexível em várias categorias de despesas etc. Junto com a autonomia, advoga por

uma maior responsabilização das IES, com a atuação de agências de controle

capazes de avaliar e divulgar o desempenho. Ou seja, a autonomia institucional está

condicionada a critérios de avaliação e de controle.

A última orientação é melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa, adequar

às exigências do mercado de trabalho e buscar maior equidade. Assim, é preciso

monitorar e avaliar a qualidade dos resultados de ensino e pesquisa, através da

avaliação externa de associações profissionais ou de agência reguladora do

governo. Para uma maior capacidade de resposta às novas exigências econômicas,

faz-se necessária a participação de representantes do setor privado nos conselhos

de IES públicas e privadas, ajudando a garantir a relevância de programas

acadêmicos. Além disso, precisam ser estimulados incentivos financeiros à pesquisa

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por meio de um estreitamente entre a indústria e as universidades, estágios para

estudantes financiados por empresas e compromissos acadêmicos de profissionais

do setor produtivo a tempo parcial. Quanto à equidade, declara a necessidade de

elevar a proporção de minorias étnicas e mulheres de baixa renda.

O BM reconhece que a implementação destas reformas não é tarefa fácil.

Chega a afirmar que as reformas podem representar uma ameaça para a

estabilidade política em função da possível balbúrdia de estudantes: “[...] los

estudiantes resentidos – y los habrá si se reducen los subsidios y los privilégios –

pueden representar una amenaza a la estabilidad política. En consecuencia, los

gobiernos deben proceder con mucha cautela al implantar reformas [...]” (BANCO

MUNDIAL, 1995, p. 5). O documento, por fim, expressa que essa reforma resultará

na aplicação de recursos públicos aos níveis primário e secundário em detrimento

do terciário: La reforma de la enseñanza superior, y en especial las estrategias para movilizar un mayor financiamiento privado a nivel postsecundario mediante la participación en los gastos y el fomento de las instituciones privadas, puede ayudar a los países a liberar algunos de los recursos públicos que se requieren para mejorar la calidad y el acceso a los niveles primario y secundario. (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 14)

Desse modo, o BM se compromete a dar prioridade a países dispostos a

adotar uma política de ensino superior com menor custo para o Estado, por meio da

diversificação institucional, diferenciação das fontes de recursos e estímulo a IES

privadas. Para Sguissardi (2000, p. 7), [...] as premissas da análise econômica do tipo custo/benefício norteiam as principais diretrizes do Banco para a reforma dos sistemas de educação superior nesses países [em desenvolvimento]: priorizam-se os sinais do mercado e o saber como bem privado.

Ao analisar a influência do Banco Mundial, Dias Sobrinho (2002) afirma que,

por ser uma instituição financeira, em sua concepção de política pública, há um forte

elo entre avaliação e financiamento, já que todos os empréstimos concedidos são

associados a avaliação ex-ante, monitoramento e avaliação ex-post. Dessa maneira,

o Banco fomenta competências locais em avaliação, estabelecendo uma pedagogia

de avaliação com características típicas do controle e da racionalidade econômica.

Considerando o incentivo à privatização do setor, o BM ressalta experiências

que fixaram um conjunto de políticas de regulação, tais como controles de preços

nas matrículas, e mecanismos de supervisão, acreditação e avaliação das

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instituições. O texto deixa claro: “[…] el Banco apoya el establecimiento de sistemas

de acreditación y de evaluación del desempeño.” (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 16).

Ou seja, propõe medidas de controle da eficiência e de iniciativas que aumentem a

cobertura e apresentem mais pertinência às necessidades urgentes dos setores

econômicos locais, bem como certificação da qualidade. Esse papel de fiscalização

pode ser desempenhado por órgãos de supervisão, estatal ou não, a fim de

acompanhar as políticas de ensino superior, orientar e avaliar dotações

orçamentárias e divulgar o desempenho das instituições para os consumidores.

Nesse sentido, o BM deixa claro que atribui importância aos investimentos

destinados a melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa, prestando assistência a

fim de estabelecer sistemas de acreditação e avaliação de desempenho.

Johnstone (1998), apoiado pelo BM, publicou um relatório acerca da reforma

a ser empreendida no âmbito do financiamento e da gestão do ensino superior,

como parte das contribuições do Banco à Conferência Mundial sobre Educação

Superior de 1998. Aspectos elencados em “Ensino superior: lições derivadas da

experiência” apresentam-se de forma mais acentuada nesse relatório. Johnstone

(1998) afirma que a agenda de reforma gira em torno de cinco temas: 1) expansão e

diversificação – de matrículas e número e tipos de instituições; 2) redução do

custo/aluno; 3) necessidade de maior soluções baseadas no mercado e a busca de

receitas não-governamental; 4) maior responsabilização de instituições e docentes

para prestar contas aos “consumidores”; e 5) maior qualidade (maior relevância

econômica) e eficiência. Reconhece que a agenda de reformas a partir dos anos

1990 é orientada para o mercado, estabelecendo um ensino superior assentado nos

princípios neoliberais. Entende que o ensino superior não pode ser tratado como um

bem puramente público, pois apresenta características de um bem privado, incluindo

a competitividade. O fundamento no mercado desloca o poder de decisão para o

cliente (estudante, empresa, sociedade de um modo geral). Além disso, transfere

parte da carga de custo dos contribuintes para alunos e pais, dando um alinhamento

mais razoável entre aqueles que pagam e aqueles que se beneficiam. Isso implicaria

na adoção de princípios de mercado, mesmo em IES estatais. Quanto à qualidade, o

relatório entende que não se relaciona ao fato de uma IES ser pública ou privada,

mas que se baseia em resultados efetivos. Nesse sentido, o Estado precisa tornar

os padrões de qualidade transparentes e implementar mecanismos adequados para

avaliá-los e credenciar novas instituições. Considera, além do mais, que os

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mecanismos de acreditação podem ser enquadrados por uma instituição

governamental, um órgão autônomo criado por IES ou por profissionais de diversos

setores da economia. Conclui afirmando que os governos, contando com o apoio do

BM, estão implementando a agenda de reforma financeira e administrativa do ensino

superior, realizando complementação dos recursos públicos (mormente a partir dos

estudantes e famílias que podem pagar), diferenciação institucional, incentivo ao

setor privado e redução da regulação governamental. Esse relatório consubstancia a

concepção economicista do BM para as políticas de educação superior, ao mesmo

tempo em que demonstra a tentativa de persuadir os espaços de debate global no

sentido de adotar um viés neoliberal.

Posteriormente, um Grupo Especial sobre educação superior, que contou com

a participação de membros do Banco Mundial (2000) e da UNESCO, publicou

“Ensino superior nos países em desenvolvimento: riscos e promessas”, cujo objetivo

foi definir estratégias para a reforma da educação superior convergente com o

processo de desenvolvimento socioeconômico e apontar, nos chamados países em

desenvolvimento, os obstáculos e formas de superá-los. Ressalte-se que, nesse

período, muitos desses países já haviam adotado as políticas neoliberais e o guia

prescrito em “Ensino superior: lições derivadas da experiência” (BANCO MUNDIAL,

1995). Assim, já havia um cenário de privatização, diversificação institucional,

diferenciação da fonte de recursos, redimensionamento do Estado e avaliação.

Sguissardi (2000) observa que a exposição do Grupo Especial não se limitou à

análise economicista. De fato, algumas passagens enfatizam cariz distinta ao

discurso tradicional do Banco, ilustradas neste trecho: A partir de los años ochenta, muchos gobiernos nacionales y donantes internacionales han otorgado a la educación superior una prioridad relativamente baja. Un análisis económico superficial, y a nuestro juicio equivocado, ha contribuido a la noción de que la inversión pública en universidades y otras instituciones de nivel superior brindan bajas tasas de retorno en comparación con las inversiones en establecimientos de educación primaria y secundaria. Además, quienes así piensan estiman que la educación superior magnifica las desigualdades en materia de ingresos. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 11-12)

Esse possicionamento não implica em incompatibilidade com o discurso

defendido nos documentos anteriores. Trata-se apenas de mudanças de ênfase

pontuais, sobretudo em decorrência do viés mais progressista da UNESCO. A matriz

da expansão, diversificação e privatização, entretanto, permanece.

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Referindo-se ao contexto da chamada sociedade do conhecimento, o

documento ressalta diversas vezes as potencialidades da educação pós-secundária

para diminuir as desigualdades existentes entre países ricos e pobres, visto que as

competências e habilidades dos indivíduos são cada vez mais decisivas para a

economia mundial. Los países en desarrollo tienen así una formidable tarea por delante: ampliar el sistema de educación postsecundaria y elevar simultáneamente su calidad, siempre dentro de los estrechos márgenes que les imponen las limitaciones presupuestarias. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 39)

O documento procede a uma inflexão quanto à posição do BM, compartilhada

também pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1998), de

destinar recursos para o ensino fundamental e médio em detrimento do superior.

Agora, acredita que os argumentos econômicos tradicionais estão respaldados num

limitado entendimento sobre o retorno social e interesse público do nível “pós-

secundário”. Defende que a existência de pessoas com bons níveis educacionais e

altamente capacitadas é crucial para a criação de um ambiente propício ao

desenvolvimento econômico, com boa administração, instituições sólidas e uma

infraestrutura de ponta. Nessa lógica, a pesquisa universitária tem importante

impacto sobre a economia, compondo um benefício social que está no centro dos

argumentos para a expansão e fortalecimento da educação superior.

Nesse sentido, os países que negligenciam a educação superior atrasam seu

progresso social e político e se colocam à margem da economia global. O

documento defende o que chama de abordagem holística, focada em uma ampla

gama de possíveis soluções que mutuamente se reforçam e se complementam.

Desse modo, mantém a defesa das IES privadas, mas, considerando a busca de

lucro intrínseca ao mercado, pondera que não as considera como única solução.

Assim, deve-se evitar um domínio absoluto de IES dessa natureza, advogando por

um sistema híbrido. O Grupo de Trabalho, em síntese, recomenda como ações a

serem implementadas: 1) modelo de financiamento misto, aproveitando o potencial

do setor privado com fins lucrativos, instituições filantrópicas e estudantes, que

devem contar com mecanismos de financiamento público; 2) utilização mais eficiente

do capital humano e físico, incluindo o acesso às novas tecnologias, que são

imprescindíveis para os países em desenvolvimento manterem comunicação

constante com as principais correntes intelectuais dominantes no mundo; 3) boa

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governança, pois uma melhor gestão levará a um uso mais eficaz dos escassos

recursos; 4) desenvolvimento curricular, especialmente em duas áreas

contrastantes: ciência e tecnologia e formação geral. No campo da avaliação, o

Grupo de Trabalho recomenda o exercício de fiscalização ativa por parte do Estado,

tendo como responsabilidade primária, entre outras coisas, regular o setor privado a

fim de estimular bons padrões acadêmicos e, ao mesmo tempo, evitar abusos.

Pondera, contudo, que o Estado não deve exceder sua intervenção, agindo apenas

quando tiver um diagnóstico claro sobre o problema do qual está tratando, quando

for capaz de propor uma solução e estiver realmente em condições de colocá-la em

prática. Como alternativa, propõe a criação de órgãos de direito público que reúnam

representantes do governo, IES, setor privado e organizações não-governamentais

(BANCO MUNDIAL, 2000).

Segundo o documento Banco Mundial (2002), a pedido de Paulo Renato

Souza, Ministro da Educação durante todo o Governo Fernando Henrique Cardoso

(1995-2002), o Banco avaliou o cenário do ensino superior brasileiro e fez

recomendações sobre adequações na sua finalidade, estrutura, objetivos,

financiamento e gestão. O estudo consistiu em quatro fases. Na primeira, Ministro,

Conselho Nacional de Educação, reitores, servidores federais da educação superior

e funcionários do Banco Mundial levaram à identificação dos principais problemas:

expansão do atendimento, aumento da autonomia gerencial e eficiência institucional,

mudança do papel do governo federal, melhoria da qualidade do ensino e apoio das

partes interessadas. Na segunda fase, vários especialistas em políticas foram

contratados para produzir uma série de documentos de referência, que foram

tratados na terceira etapa, um workshop, que reuniu uma delegação, liderada pelo

Ministro da Educação, especialistas em política internacional e funcionários do BM.

O último momento do estudo culminou no documento “Ensino superior no Brasil:

desafios e alternativas” (BANCO MUNDIAL, 2002). O texto discute as maneiras

pelas quais o Brasil poderia abordar as principais questões identificadas e preparar o

setor. O documento, em linhas gerais, descreve o sistema de educação superior

brasileiro, fornece uma perspectiva econômica examinando as questões de

eficiência externa (relação com o mercado), eficiência interna (estrutura de cursos) e

medidas para promover um acesso mais equitativo, bem como contém

recomendações de políticas. Para Boaventura Santos (2005, p. 22), neste relatório:

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[...] se assume que não vão (isto é, que não devem) aumentar os recursos públicos na universidade e que, por isso, a solução está na ampliação do mercado universitário, combinada com a redução dos custos por estudante (que, entre outras coisas, serve para manter a pressão sobre os salários de docentes) e com a eliminação da gratuidade do ensino público [...]

O estudo recomenda fundamentalmente a melhoria de quatro estratégias:

acesso, relevância, eficiência e qualidade. Quanto ao acesso, defende a

intensificação da diversificação através dos cursos sequenciais e dos centros

universitários, do financiamento estudantil para pobres e aumento da matrícula, sob

a avaliação. Afirma que o governo brasileiro tinha várias opções políticas para

aumentar o acesso, que incluíam: a) aumento do financiamento privado das IES

públicas; b) redução de custos por aluno em instituições públicas, e c) cobrança de

taxa de matrícula em universidades públicas. Nesse sentido, percebe-se uma

ofensiva contra a gratuidade das universidades públicas, estando a ideia de

privatização fortemente presente. Quanto à relevância, apoia diretrizes curriculares

mais flexíveis aliadas a novos mecanismos administrativos (por exemplo,

transferência de créditos, reconhecimento de atividades desenvolvidas fora das

disciplinas etc.). No que concerne à eficiência, entende que é preciso ser

acompanhada de maior autonomia das IES, alterações na forma financiamento, com

maior flexibilidade para a IES gerar recursos, e fortalecimento da gestão estratégica

de longo prazo. No que diz respeito à qualidade, o BM recomenda que o MEC

transforme seu papel de financiador de insumos em um garantidor de padrão

mínimo de qualidade. Cita como boa prática a avaliação de cursos de pós-

graduação realizada pela CAPES e constata que o Exame Nacional de Cursos

(Provão) estava desenvolvendo uma cultura de avaliação de desempenho dentro

das universidades, reduzindo a resistência de estudantes e docentes, assim como

mudando as percepções do público sobre a qualidade das instituições. Segundo o

documento, por um lado, algumas universidades públicas, bem financiadas, estavam

diminuindo o prestígio devido à baixa pontuação; por outro, universidades privadas

bem pontuadas estavam elevando as matrículas, enquanto as IES de baixa

pontuação estavam com dificuldades para atrair estudantes. Defende, assim, a

continuidade do Provão por julgar uma política de avaliação exitosa (BANCO

MUNDIAL, 2002).

No ano seguinte, o Banco Mundial (2003) publicou “Construir sociedades do

conhecimento: novos desafios para o ensino terciário”. Dos documentos analisados

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até aqui, este foi o primeiro que adotou predominantemente a expressão “educação

terciária”. Percebe-se que é um termo consentâneo à ideia de um nível superior

diversificado, formado por uma multiplicidade de cursos e programas, além de

variados graus de abrangência institucional. Parte da concepção da Organização

para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que define educação

terciária como: un nivel o una etapa de estudios posterior a la educación secundaria. Dichos estudios se adelantan en instituciones de educación terciaria, como universidades públicas y privadas, institutos de educación superior y politécnicos, así como en otros tipos de escenarios como escuelas de secundaria, sitios de trabajo, o cursos libres a través de la tecnología informática y gran variedad de entidades públicas y privadas. (WAGNER apud BANCO MUNDIAL, 2003, p. IX).

O termo se adequa ao atendimento da demanda, mediante um público

amplamente diversificado, indicando uma noção de aprendizagem mais branda,

flexibilização de currículos, cursos reduzidos, instituições universitárias e não-

universitárias, públicas e privadas, voltadas para o mercado e o treinamento

profissional. Para Lima (2011, p. 89), a diversificação “[...] ganhou nova

racionalidade, na medida em que qualquer curso ‘pós-médio’ (público ou privado)

era considerado de nível ‘terciário’, seja através da emissão de diplomas,

certificados ou atestados de aproveitamento.”. Nesse contexto, a profissão docente

se confunde com a ideia de facilitador, tutor, motivador etc.

O documento indica adequações na postura do BM, sinalizando no sentido de

revisar a prioridade dada à educação básica em detrimento da educação terciária.

Assim, faz-se uma autocrítica: Se suele considerar al Banco Mundial como un organismo que presta apoyo exclusivamente a la educación básica; que aboga de forma sistemática por la reasignación del gasto público de la educación terciaria hacia la educación básica; que promueve la recuperación de costos y la expansión del sector privado; y que disuade a los países de bajos ingresos a considerar cualquier inversión en capital humano avanzado. Dadas estas percepciones los rápidos cambios que tienen lugar en la esfera global y la persistencia de los problemas tradicionales de la educación terciaria en los países en desarrollo y transición, obligan a replantear de manera urgente las políticas del Banco Mundial y sus prácticas en el subsector de la educación terciaria. (BANCO MUNDIAL, 2003, p. XVIII)

Além de apontar o conhecimento como impulsionador do desenvolvimento

econômico, “Construir sociedades do conhecimento: novos desafios para o ensino

terciário” indica a necessidade de mudança do papel do Estado. Nesse sentido, o

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marco regulatório deve facilitar a inovação nas instituições públicas e as iniciativas

do setor privado. As regras para o estabelecimento de novas instituições, incluindo

instituições privadas e virtuais, devem ser restritas a requisitos mínimos de

qualidade e não devem constituir barreiras para o acesso ao mercado. Outras

necessidades regulatórias devem ser a implementação de mecanismos de garantia

de qualidade (avaliação, acreditação, exames nacionais, classificação de instituições

por nível de qualidade e publicação de informações) e controles financeiros aos

quais as instituições públicas devem se submeter. Os elementos essenciais da

garantia de qualidade apontados incluem: organismos semiautônomos; consenso

em torno dos padrões e expectativas; autoavaliação inicial, complementada por uma

revisão externa realizada por pares externos; recomendações escritas; e emissão de

relatórios públicos sobre os resultados (BANCO MUNDIAL, 2003).

Em 2008, o BM publicou “Conhecimento e inovação para a competitividade”,

traduzido pela Confederação Nacional da Indústria (BANCO MUNDIAL et al., 2008).

O documento discute as razões pelas quais o Brasil não tem avançado na inovação.

Constata que o país, diferentemente de seus competidores, notadamente a Ásia,

não tem promovido uma educação de qualidade, ignorando inovações mais

corriqueiras dos processos de produção e dependendo do governo para incentivar a

inovação. Assim, o relatório expõe as três principais áreas associadas ao aumento

da competitividade em que o Brasil deve se empenhar: 1) ampliar as reformas que

possam melhorar o clima de investimento; 2) expandir a produtividade por meio de

crescimento que leve em conta a inovação; e 3) implementar duas microrreformas:

aumento dos incentivos – para que as empresas inovem – e aprimoramento do

sistema educacional, visando à melhoria da capacidade dos profissionais que

entram no mercado de trabalho.

Um dos focos do documento refere-se ao estímulo à inovação. Para o BM,

dois fatores explicam a deficiência atual do Brasil na área de inovação: “[...] a

tendência à pesquisa excessivamente ‘teórica’ nas universidades públicas e a

expressiva falta de investimento do setor privado que, protegido, é poupado da

necessidade de competir.” (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 31). Interessante destacar

que, considerando o atraso tecnológico dos países em desenvolvimento, o

documento recomenda que se adquira conhecimento e tecnologia do exterior para

uso e adaptação local.

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No que diz respeito à avaliação, o BM reconhece o pioneirismo do Brasil na

aplicação de testes em larga escala para quantificar o aprendizado dos estudantes e

também da avaliação institucional externa (BANCO MUNDIAL, 2008). Orienta,

porém, para o aperfeiçoamento do monitoramento e da avaliação da pesquisa

pública, imprimindo mais transparência aos objetivos das pesquisas nas IES e

utilizando os resultados para alocar recursos conforme o desempenho. A proposta

do BM sustenta-se em cima da relação avaliação, resultados e financiamento. O

documenta advoga em favor de normas mais flexíveis para o uso dos recursos

públicos, com o intuito de promover maior grau de eficiência. Destarte, “[...] o

governo deveria considerar uma combinação de mecanismos complementares com

o objetivo de destinar verbas para as instituições de ensino superior, baseando-se

na avaliação do desempenho.” (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 219). Nota-se que

prevalece a lógica empresarial para a educação superior no país, tendo a avaliação

função primordial na implementação dessa racionalidade. O argumento é que o

Estado gaste menos com a educação superior e que a competição por recursos seja

estimulada entre IES, pesquisadores e estudantes, tudo legitimado pelos resultados

captados em avaliação intensamente produtivista.

Em vista disso, são ressaltados os testes aplicados por meio do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino

Médio (ENEM), o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e

Adultos (ENCCEJA) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE).

Defende que essa “[...] nascente cultura da avaliação deve ser preservada e

intensificada [...]” (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 213). Para o BM, maior autonomia,

esta entendida como autonomia financeira para captar fontes alternativas de

recursos, permitirá às universidades públicas melhorarem o seu desempenho, tendo

o governo papel importante na definição das metas a serem alcançadas. Assim, O Ministério da Educação (MEC) e os setores produtivos precisam desenvolver um rigoroso sistema de avaliação orientado para resultados. Os indicadores devem ser claros e mensuráveis, especificando os resultados institucionais, acadêmicos e financeiros pelos quais todos os protagonistas poderão ser responsabilizados. (BANCO MUNDIAL, 2008, p. 219)

Na ótica do BM, o sistema de educação superior brasileiro possui um alto

custo unitário, precipuamente nas universidades federais, atribuindo as causas a

fatores como a baixa proporção aluno por professor, pagamento de pessoal e

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elevado corpo técnico-administrativo. Propõe, como forma de avaliar a eficiência no

uso dos recursos, calcular o coeficiente de produtividade de cada IES, definido como

o número de programas altamente conceituados (conceitos seis e sete nas

avaliações da CAPES) dividido pelo número de professores com título de doutorado.

Ou seja, uma concepção baseada na relação custo-benefício, no produzir o máximo

possível com o menor dispêndio de recursos financeiros.

Diante dos documentos descritos, percebe-se que o BM tem assumido um

papel central na configuração da “educação terciária”. Tendo como fundamento a

teoria econômica neoclássica, esse organismo tem sido um intelectual orgânico, um

think tank, na propagação da lógica de mercado neoliberal e adequação da

educação superior à economia global, flexível, sob o pilar do conhecimento.

De modo geral, a tônica do discurso do Banco Mundial apresenta pequenas

porções de enfoque social. Ao menos no âmbito do discurso, a educação é um bem

que deve ser oferecido e assegurado a todos. Predominam, todavia, recomendações

para a oferta de educação sob um enfoque gerencial e alinhado à visão

economicista. Os documentos explicitam a defesa da desresponsabilização dos

Estados nacionais pela oferta da educação, recorrendo a parceiros da sociedade

para realizar e financiar a oferta. Nesse sentido, a dita “autonomia” prescrita diz

respeito à concorrência para captação de recursos, aprofundando o processo de

subordinação do trabalho acadêmico e da gestão das IES aos parâmetros

estabelecidos por agências externas, o que subtrai a efetiva e substancial autonomia

institucional e a possibilidade de construção de uma identidade autorreferenciada.

Em meio a isso, são estimuladas práticas avaliativas que evidenciem a

responsabilização das IES sob a lógica produtivista.

Outro organismo multilateral, de viés economicista, que tem atuado no sentido

de enquadrar a educação numa perspectiva voltada para o capitalismo de mercado,

é a Organização Mundial do Comércio (OMC). Criada em 1995 para viabilizar a

abertura do comércio internacional, a OMC nasceu como resultado das negociações

realizadas no período 1986-1994, no âmbito da Rodada Uruguai, e de negociações

anteriores no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (AGCT/GATT). Os

Acordos são o núcleo da OMC, negociados e assinados pela maioria dos países que

mantêm trocas comerciais. Esses documentos estabelecem as normas legais

fundamentais do comércio internacional, que geralmente envolve interesses

conflitantes. São essencialmente contratos que obrigam os governos a manter suas

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políticas comerciais dentro dos limites acordados, tendo como escopo um livre fluxo

comercial.

O AGCS/GATS, vigente a partir de 1995, foi criado para ampliar o sistema

multilateral de comércio para os serviços, uma vez que o AGTC/GATT fornecia

apenas um sistema para o comércio de bens materiais. O AGCS/GATS tem como

objetivo a liberalização progressiva dos serviços, procurando efetivar a eliminação

de barreiras, sobretudo no âmbito de temas antes não contemplados pelo

AGTC/GATT. Trata-se, assim, de um acordo que estabelece um quadro de

princípios e regras, responsáveis pela regulação do setor de serviços em âmbito

global. A OMC tem tentado incluir a educação, especialmente o “ensino terciário”,

como um dos setores de serviço do AGCS/GATS, constituindo-se, desse modo, em

um progressivo programa de privatização e controle externo às políticas

educacionais e de mercantilização do ensino.

No AGTC/GATT, propõe-se a liberalização progressiva do mercado de

serviços em quatro modos de prestação de serviços: 1) do território de um Membro

dentro do território de outro Membro, isto é, oferta transfronteiriça; 2) do território de

um Membro para os consumidores localizados no território de outro Membro, isto é,

consumo no exterior; 3) por prestador de serviços de um Membro, através de

presença comercial situado no outro Membro; e 4) por prestador de serviços de um

Membro, através de presença de pessoa natural do Membro, dentro do território do

outro Membro, isto é, presença de pessoas físicas de um país executando serviços

em outros países (LATRILLE, 2005; SIQUEIRA, 2004; RIBEIRO, 2006; BORGES,

2009).

A concepção de educação superior da OMC encontra-se formulada nos

documentos do AGCS/GATS. A partir de 2000, Estados Unidos, Austrália e Nova

Zelândia, publicaram documentos propondo aos demais países uma abertura dos

mercados aos seus prestadores de serviços educacionais, demonstrando uma

mobilização em favor da inclusão da educação no Acordo (SIQUEIRA, 2004;

RIBEIRO, 2006; BORGES, 2009).

A ideia da OMC para a educação superior está inserida no contexto da

internacionalização. Os países periféricos do capitalismo têm escassa participação

como produtores de conhecimento, tornando-se vulneráveis à penetração de

serviços educacionais com fins lucrativos. A educação superior, dessa maneira, se

afasta da ideia de bem público e direito humano fundamental, e se aproxima de uma

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perspectiva comercial, que reconhece esse nível de ensino como ferramenta da

economia global, mas que se torna uma mercadoria, podendo ser vendida e/ou

comprada no comércio de serviços.

A tendência é focalizar o papel do Estado como supervisor e avaliador dos

sistemas educacionais, em vez de fomentador e financiador direto. Dias Sobrinho

(2003b, p. 26) lembra que as principais políticas regulatórias são de âmbito nacional,

porém questiona: “[...] como será possível uma política de organização e regulação

de um sistema de educação superior, vinculado aos projetos nacionais, quando os

fornecedores estrangeiros tenham como orientação central os seus próprios critérios

e por principal objetivo o lucro?”. Vale lembrar que o artigo VII do AGCS/GATS

incentiva os Membros a celebrarem acordos mútuos de reconhecimento ou

composições amigáveis, com o intuito de reconhecerem a educação ou experiências

adquiridas, os padrões, licenças ou certificados garantidos em determinados países,

sem restrições entre os países que aplicam os referidos padrões ou critérios, no

caso de concessão de autorizações, licenças, ou certificados de prestador de

serviços.

Organismos multilaterais aqui discutidos compõem as principais forças

presentes no âmbito da regulação transnacional. Barroso (2006, p. 44-45) define a

regulação transnacional como [...] conjunto de normas, discursos e instrumentos (procedimentos, técnica, materiais diversos, etc.) que são produzidos e circulam nos fóruns de decisão e consulta internacionais, no domínio da educação, e que são tomados, pelos políticos, funcionários ou especialistas nacionais, como “obrigação” ou “legitimação” para adotarem ou proporem decisões ao nível do funcionamento do sistema educativo.

Desse modo, difundem-se internacionalmente receitas para serem postas em

prática e os países as adaptam da forma mais conveniente, porém convergindo com

finalidades políticas globais. Para as políticas de garantia da qualidade e avaliação

da educação superior, não têm sido diferente. A apropriação das diretrizes

internacionais de avaliação não tem ocorrido de forma linear e igual, pois cada país

possui suas contradições, diante da correlação de forças entre suas classes e

frações de classes, que medeia o nacional e as orientações dos organismos

multilaterais (BARROSO, 2006), mas uma linha geral e comum passa a ser traçada.

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2.2.3 Sistemas de acreditação em escala global: o INSAES como disposição para uma tendência em curso

As mudanças socioeconômicas e políticas produzidas pelo regime de

acumulação flexível, pela globalização e pelo neoliberalismo, têm formatado, indireta

e diretamente, as políticas educacionais. Nessa conjuntura, tem ganhado força a

ideia de sociedade do conhecimento, em que a aprendizagem ao longo da vida

torna-se inelidível, fazendo emergir novos modos de regulação das políticas

educacionais. Por conseguinte, o campo da decisão em educação se tornou mais

complexo, ampliando modalidades e protagonistas para além da dimensão nacional.

Assim, os espaços transnacional e supranacional têm efetivamente exercido

influência normativa e institucional sobre sistemas de ensino, promovendo a

portabilidade de políticas (BARROSO, 2006; ANTUNES, 2006; 2007).

Embora os fóruns supranacionais possuam, muitas vezes, aparente caráter

voluntário, formalmente não vinculativo, na prática as decisões são transpostas para

os sistemas nacionais, constituindo um dinâmico processo de alteração das

estruturas, implementando o programa educacional definido. Nesse contexto, o

poder burocrático-legal da avaliação e do controle internacional tem se destacado,

mediante o reconhecimento mútuo de graus de estudos, a elaboração de rankings e

a comparação do desempenho de estudantes em testes de larga escala

(BARREYRO, 2018). Assim, a esfera supranacional tem exercido o poder de definir

os papéis da educação e as prioridades da formação e da pesquisa, detendo a

titularidade da acreditação e induzindo padrões e critérios de qualidade. Conforme

Dias Sobrinho (2008, p. 818), esses espaços internacionais: Gozam de prestígio, dado que exercem uma função de responsabilidade pública que cabe aos Estados, e não enfrentam muitos antagonismos, em razão de que a diversidade de interesses e a baixa capacidade de acordos existentes nas comunidades acadêmicas dificultariam a eficácia dos processos de garantia de qualidade. Devido ao predomínio da economia global, esses círculos hegemônicos, a partir dos países centrais, consideram necessário que em toda parte a qualidade seja concebida e avaliada em termos objetivos e homologáveis. Nessa perspectiva, a qualidade passa a ser algo livre de contextos e interpretações subjetivas, identificável objetivamente, mensurável, enquadrável em escalas comparativas, possibilitando que se lhe aplique um selo, à semelhança do que se faz na indústria.

Vê-se, portanto, que um dos fenômenos resultantes desse contexto é a

criação de sistemas e agências de garantia da qualidade e de acreditação, com

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aspectos semelhantes à regulação de mercados. Diante do comércio de serviços no

âmbito da educação superior, por meio da educação a distância, da mobilidade

estudantil e de pesquisadores, franquias transnacionais etc., os sistemas de

acreditação tornaram-se presentes em várias regiões. Além disso, no contexto da

sociedade do conhecimento, existe a ideia de que a educação é uma mercadoria

que pode proporcionar benefícios, como a empregabilidade no mercado de trabalho

global, uma vez que prepararia força de trabalho qualificada e permitiria a circulação

de profissionais diplomados.

Não obstante o processo de acreditação dos Estados Unidos tenha a mais

longa tradição (POLIDORI; CARVALHO, 2016), o modelo certamente mais

consolidado e difundido para a garantia da qualidade na educação superior é o da

União Europeia. A partir da Declaração de Bolonha, em 1999, houve o

comprometimento dos países signatários em promover reformas, estabelecer um

Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES) e promover a competitividade desse

sistema em todo o globo. Segundo Robertson (2009, p. 409), O imperativo para a Europa progredir como um projeto político e econômico de modo mais geral, e como uma economia baseada no conhecimento mais especificamente, está ligado aos Estados Unidos e ao declínio da participação da Europa na produção mundial de bens. Por esse motivo, os Estados Unidos e a UE partilham um interesse comum na expansão da economia de serviços globais – incluindo a educação superior como um mercado, como um motor para a inovação e um setor-chave no desenvolvimento de novas formas de propriedade intelectual.

Assim, o Processo de Bolonha constituiu uma ação política em direção ao

EEES, a fim de aumentar a atratividade da Europa,para estudantes europeus e de

países terceiros, como mercado educacional. Como observam Lima, Azevedo e

Catani (2008, p. 10-11), O texto da Declaração de Bolonha não se revela nada enigmático quanto à opção pelo princípio da competitividade em termos não só de emulação, de eficiência e de financiamento, mas também de lógica mercantil, assumindo com clareza a ideia da centralidade da Europa no fornecimento de serviços educativos, de resto de matiz assumidamente etnocêntrico.

O Processo de Bolonha representou também uma nova ordem das relações

sociais em educação, como apontado por Fátima Antunes (2006; 2007),

transformando os modos de governação, ação, agenda e modelos educacionais

rumo a: a) governação pluri-escalar; b) múltiplas modalidades e protagonismos de

ação transnacional; c) desenvolvimentos e agendas para a educação estruturados

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por pressões e estratégias político-econômicos globais; e d) disputas entre

tendências e modelos de ambição mundial.

Entre os principais objetivos traçados, está o de adotar um sistema baseado

em ciclos de estudos e promover a mobilidade dos estudantes. O Processo de

Bolonha passou a ser referência para as políticas de educação superior no mundo,

inclusive no Brasil, reforçando a mercantilização e a adequação dos programas e

currículos às necessidades do mercado. Além disso, a construção de um sistema

europeu de educação superior fortemente atrativo em escala global demanda a

indução de rivalidade interinstitucional por meio da divulgação aos consumidores

dos resultados das avaliações, tendo reflexos também no financiamento público.

Assim, no campo da avaliação, um dos objetivos traçados no Processo de Bolonha

foi a promoção de um sistema com o intuito de desenvolver critérios e metodologias

comparáveis. No ano de 2000, conforme aponta Sérgio Santos (2011b), foi criada a

Associação Europeia para a Garantia da Qualidade na Educação Superior (ENQA),

tendo como principal objetivo fomentar a cooperação no domínio da avaliação e

garantia da qualidade, tornando-se o espaço para a promoção da cooperação

europeia na avaliação. Ou seja, o papel da ENQA é reunir as agências dos países

do EEES e realizar o processo de meta-acreditação, a fim de que as agências

nacionais obtenham o Registro Europeu de Agências de Garantia de Qualidade

(EQAR) (SANTOS, 2011b; BARREYRO, 2018).

Em 2003, foi constituído grupo para preparar padrões, procedimentos e

orientações sobre a garantia da qualidade comumente aceitos e ainda para explorar

vias para assegurar um sistema de acompanhamento para as Agências nacionais.

Assim, surgiram os padrões europeus para a garantia da qualidade, que se

materializou no documento Standards and Guidelines for Quality Assurance in the

European Higher Education Area (ESG), adotado na reunião ministerial de Bergen,

em 2005, e que constitui o principal referencial para os sistemas de garantia da

qualidade, incluindo a organização e funcionamento das próprias Agências

(SANTOS, 2011b). Segundo Antunes (2006; 2007), nessa Conferência Ministerial de

Bergen, foram definidas três grandes áreas de desenvolvimento de políticas

apresentadas como características-chave da estrutura do EEES: a) um modelo

convergente assente na definição de uma unidade de medida (o crédito europeu),

que vigore no domínio da formação profissional e do ensino superior, e que permita

definir padrões similares ou equivalentes para um número amplo de cursos,

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diplomas e instituições; b) a definição de um único sistema de graus em que podem

ter lugar variações mínimas, na modalidade 3+2 anos ou 180+120 créditos europeus

para os dois primeiros ciclos; c) o esforço para fundar sistemas de avaliação, de

garantia de qualidade e de acreditação. Este último item inaugura novo quadro

regulatório, envolvendo a trilogia de instrumentos: garantia de qualidade – padrões e

orientações – reconhecimento de graus e períodos de estudos, e acreditação. Esses

instrumentos estão direcionados para a prestação de serviços de educação através

de fronteiras, criando condições para a competição entre instituições e espaços

econômico-políticos (ANTUNES, 2006; 2007).

Rothen (2018) sintetiza o documento da ENQA que estabelece as normas e

diretrizes para a garantia da qualidade no espaço europeu do ensino superior,

conforme o Quadro 3. Segundo o autor, as diretrizes e normas para a garantia da

qualidade no EEES, ao mesmo tempo em que regula todo o processo de avaliação,

concede autonomia para que as agências nacionais elaborem as suas avaliações.

Quadro 3 – Normas e orientações europeias para a garantia da qualidade

Critérios e diretrizes para a garantia da qualidade Interna Externa Agências

Política e procedimentos de garantia de qualidade

Utilização de procedimentos de garantia da qualidade interna

Utilização de procedimentos de garantia externa da qualidade no ensino superior

Aprovação, acompanhamento e revisão periódica dos programas

Desenvolvimento de processo da garantia da qualidade externa

Classificação oficial

Avaliação dos alunos Critérios para a decisão Atividades de garantia da qualidade

Garantia da qualidade do pessoal docente (qualificação)

Processos adaptados às finalidades Recursos utilizados

Recursos de aprendizagem e apoio ao estudante; sistemas de informação

Relatórios acessíveis Missão da agência

Informação pública atualizada e imparcial Processos de monitoramento Independência e autonomia

Avaliações periódicas; análise de todo o sistema

Critérios e processos de controle de qualidade externos utilizados pelas agências

Procedimentos de prestação de contas

Fonte: Rothen (2018, p. 25-26).

Os ESG foram concebidos para serem aplicáveis a todas as IES e agências

de garantia da qualidade na Europa, independentemente da sua estrutura, função e

dimensão, e do sistema nacional em que se inserem.

Segundo ponderação de Antunes (2006; 2007), como efeito, não apenas da

acreditação europeia, mas do chamado Processo de Bolonha como um todo, pode-

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se correr o risco de, em nome da regulação (e uniformização) nível supranacional,

descaracterizar especificidades e autonomias nacionais. Nessa mesma perspectiva,

para Lima, Azevedo e Catani (2008, p. 12-13), É visível, com efeito, uma reforma da educação superior à escala europeia, sem precedentes, em que se destaca, em primeiro lugar, uma grande perda de protagonismo dos estados nacionais, a tal ponto que talvez se possa falar de uma espécie de “desnacionalização” da educação superior ou, de outro ponto de vista, de uma decisiva e definitiva “europeização” das universidades e outras escolas superiores, optando por políticas de liberalização e pela necessária harmonização para a emulação e a competitividade, vencendo barreiras e fronteiras tradicionais. [...] Assiste-se, assim, a um complexo processo de redução da autonomia relativa dos estados nacionais em matéria de educação superior; a uma direção supranacional de políticas, agora relativamente descontextualizadas; a uma deslocalização das arenas de debate e dos processos de discussão democrática de tipo tradicional; à não participação ou a uma participação fluida e difusa dos atores educativos diretamente envolvidos, em favor da intervenção de stakeholders altamente organizados e institucionalizados; à emergência de novas tecnoestruturas e especialistas (gestores, grupos de missão, peritos e avaliadores profissionais etc.); a uma adaptação célere e por vezes sem discussão das legislações nacionais, assim sobre-determinados externamente à escala europeia e frequentemente subtraídas do processo de deliberação democrática; à produção de estudos internacionais, de avaliações externas e exames de política, acompanhados de processos diversos de pilotagem e monitorização transnacional e pela imposição de mecanismos externos de “prestação de contas”; à definição externa e a priori de “problemas” a enfrentar e de “soluções” a adotar, aparentemente universais ou, pelo menos, não contingentes e situados, apresentados como imperativos racionais ou como exemplos incontornáveis de “boas práticas”.

Em sentido semelhante, Dias Sobrinho (2008) observa que a regulação

transnacionais, mediante centros hegemônicos que definem a qualidade em termos

objetivos e quantificáveis, faz com que a qualidade se torne: [...] conformidade a padrões previamente estabelecidos por especialistas e pelos membros de órgãos que definem os critérios e padrões através dos quais são controlados os setores acadêmicos e efetuadas as medidas. Como tendência geral, se observa que, quando a avaliação e o conceito de qualidade estão determinados pelos especialistas externos e as autoridades governamentais, em geral, se limitam a controlar, medir certificar e regular, em detrimento dos processos participativos e formativos de reflexão e debates da comunidade acadêmica e científica, com prejuízo, portanto, ao exercício da autonomia universitária. (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 819)

Seguindo essa tendência de estabelecer padrões e orientações

supranacionais de avaliação e acreditação como forma de reproduzir um padrão

regulatório baseado no modelo de organização de mercados, foi celebrado o Acordo

sobre a criação e a implementação do Sistema de Acreditação Regional de Cursos

de Graduação (Sistema ARCU-SUL) para o reconhecimento regional dos

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respectivos diplomas, no âmbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A

origem do Sistema ARCU-SUL remonta ao Memorando de Entendimento Sobre a

Implementação de um Mecanismo Experimental de Acreditação de Cursos para o

Reconhecimento de Títulos de Graduação Universitária nos Países do MERCOSUL,

aprovado pelos Ministros de Educação do bloco, em 1998. Esse Memorando

representou a primeira definição de diretrizes de um processo de acreditação

comum. Segundo Hizume e Barreyro (2017, p. 49), Este documento constitui a primeira proposição de regulação da matéria, precisando termos técnicos a fim de uniformizar o entendimento de temas específicos, em face das diferenças entre os sistemas educacionais e avaliativos nacionais e o surgimento de novos atores institucionais ligados ao Setor Educacional do Mercosul.

As autoras afirmam, ainda, que Argentina e Brasil, países que apresentavam

maior experiência em avaliação, desempenharam papel central na formulação dos

procedimentos avaliativos do projeto de acreditação. Foram previstas duas etapas,

uma de autoavaliação e outra de avaliação externa, esta constituída pela visita in

loco realizada pelo chamado Comitê de Pares. O Mecanismo Experimental de

Acreditação do MERCOSUL (MEXA) foi aplicado entre 2002 e 2006, com

convocatórias para os cursos de Agronomia, Engenharia (Civil, Química, Industrial,

Eletrônica e Mecânica) e Medicina, perfazendo um total de 62 cursos acreditados,

dos quais 12 foram brasileiros (HIZUME; BARREYRO, 2017).

Para Serikawa e Moura (2016), embora Argentina, Brasil, Chile e Colômbia já

possuíssem sistemas nacionais de avaliação em andamento, nos demais países,

como Bolívia, Paraguai e Uruguai, foi o MEXA que fomentou a cultura da avaliação,

por meio da Rede de Agências Nacionais de Acreditação (RANA). Como

desdobramento, foi elaborado, em 2008, o Sistema ARCU-SUL, com o intuito de

estabelecer critérios regionais de qualidade e uma possível convergência dos

sistemas nacionais de avaliação da educação superior no MERCOSUL

(BARREYRO; LAGORIA; HIZUME, 2015).

O Sistema ARCU-SUL executa a avaliação e acreditação de cursos

universitários e é gerenciado pela RANA, no âmbito do Setor Educacional do

MERCOSUL (SEM)15. Ou seja, não há uma agência regional de acreditação, mas

15 Conforme Hizume e Barreyro (2017), o SEM foi instituído, em 1991, para tratar da educação, mas articulando-se com outros setores, inclusive econômico e comercial, exigindo estratégias pontuais, como a circulação de força de trabalho qualificada.

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sim uma rede composta por agências nacionais que atuam nos seus respectivos

países e realizam a acreditação regional dos cursos selecionados.

A acreditação certifica a qualidade acadêmica dos cursos de graduação,

atestando que o perfil do graduado satisfaz os critérios de qualidade previamente

aprovados no âmbito regional para cada diploma. Ou seja, por meio do ato de

acreditação, os países membros reconhecem mutuamente a qualidade acadêmica

dos diplomas outorgados em cursos de graduação acreditados 16 . O Acordo

evidentemente demandou ajustes institucionais por parte dos países associados.

No Brasil, a noção de “acreditação” não foi institucionalizada na legislação,

exceto quando trata do Sistema ARCU-SUL. A Portaria MEC nº 1.004/2008

designou à CONAES a atribuição de integrar, pelo lado brasileiro, a RANA. Porém,

segundo Barreyro, Lagoria e Hizume (2015), por não dispor de orçamento próprio e

de um quadro de pessoal, a ação da CONAES no Sistema ARCU-SUL tornou-se

inexequível. Diante disso, com a posterior criação da SERES, o MEC publicou nova

Portaria, a de nº 1.734/2011, designando, além da CONAES, o INEP e a SERES

para integrarem a RANA. Dessa maneira, a CONAES é encarregada de estabelecer

os critérios a serem utilizados para o funcionamento do Sistema ARCU-SUL no

Brasil e o INEP está incumbido da implementação do processo de avaliação de

cursos no Sistema. Quanto à SERES, a Portaria MEC nº 1.734/2011 não explicita as

atribuições.

Interessante destacar que, à exceção do Brasil, todos os países membros

possuem numericamente uma instância vinculada à RANA, e não três17, embora,

como apontam Serikawa e Moura (2016), a diversidade, em termos de sistemas de

avaliação, é uma característica dos membros do ARCU-SUL. Além disso, os países

possuem tradições avaliativas distintas. Enquanto Argentina, Brasil, Chile e

Colômbia têm sistemas de avaliação institucionalizados, com normas e órgãos

16 Vale salientar que o reconhecimento da qualidade acadêmica dos títulos ou diplomas acreditados no Sistema ARCU-SUL não outorga, em si, direito ao exercício da profissão nos demais países. Não obstante, pode ser usado como critério para facilitar o reconhecimento mútuo de títulos ou diplomas para o exercício profissional em convênios ou tratados bilaterais, multilaterais ou sub-regionais celebrados a esse respeito. 17 Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU, Argentina), Comisión Nacional de Acreditación de Carreras Universitarias (CNACU, Bolívia), Comisión Nacional de Acreditación (CNA, Chile), Consejo Nacional de Acreditación (CNA, Colômbia), Agencia Nacional de Evaluación y Acreditación de la Educación Superior (ANEAES, Paraguai), Comisión Ad Hoc de Acreditación (Uruguai) e Comité de Evaluación y Acreditación de Programas e Instituciones de Educación Superior (CEAPIES, Venezuela).

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autônomos, Bolívia, Paraguai e Uruguai ainda não consolidaram plenamente seus

sistemas, nem ajustaram completamente o marco legal (SERIKAWA; MOURA,

2016).

Essa diversidade na experiência avaliativa de cada país, aliás, pode ser uma

das causas para impasses e atrasos no desenvolvimento integral do Sistema. Para

Barreyro, Lagoria e Hizume (2015, p. 65), O ARCU-SUL constitui a institucionalização do mecanismo experimental anterior e, portanto, era esperada a ocorrência de um fluido processo de acreditação de cursos nos países do bloco, contudo, isto não se deu, especialmente no caso brasileiro, sendo uma das possíveis explicações as descompassadas dinâmicas internas dos países e sistemas e processos de avaliação e acreditação muito diferentes. Uma das diferenças está focalizada nas agências ou órgãos encarregados de realizar esses procedimentos de acreditação em nível interno e, ainda, realizar a acreditação regional Mercosul.

De acordo com a análise de Barreyro (2018, p. 9-10), “o Brasil continua com

sua política (SINAES) em escala nacional e com poucos efeitos do regional ARCU-

SUL”. Mas, se por um lado a diversidade pode ter obstaculizado o funcionamento

amplo do ARCU-SUL, por outro, Serikawa e Moura (2016) afirmam que tem ajudado

no fortalecimento da tradição avaliativa e na formação de avaliadores por meio de

oficinas e processos nacionais e regionais de acreditação, notadamente na etapa da

avaliação externa do ARCU-SUL, momento em que há contato com realidades e

pares de outros países.

Conforme Barreyro (2018), a proposta de criação do INSAES pode ser

entendida como inserida nesse contexto de uma agenda globalmente estruturada

para a educação, pois as práticas do EEES, mediante a ENQA, e as do ARCU-SUL,

requerem uma agência de avaliação e acreditação. Mas, consoante Barreyro,

Lagoria e Hizume (2015), o Brasil ainda não tem essa agência e realiza essa função

por meio de diversos órgãos da estrutura do MEC.

De forma semelhante, entendemos que o Projeto INSAES é uma tentativa de

integrar e otimizar em uma agência o formato difuso, característica do sistema

brasileiro. Diferentemente de algumas agências do EEES18, que são de direito

privado, o INSAES, pela proposta, seria uma autarquia federal dotada de 18 Em Portugal, por exemplo, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) é uma fundação de direito privado, dotada de personalidade jurídica e reconhecida como de utilidade pública. Tem como finalidade a avaliação e a acreditação das IES e dos seus ciclos de estudos, bem como o desempenho das funções inerentes à inserção de Portugal no sistema europeu de garantia da qualidade do ensino superior (SANTOS, 2011b).

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personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira,

vinculada ao MEC. Esse investimento na capacidade gerencial do Estado na

normatização e monitoramento da prestação de bens e serviços converge para a

lógica da Nova Gestão Pública. Para compreender esse fenômeno, faz-se

necessário analisar o processo de implementação do modelo gerencial de

administração pública como parte da Reforma no Brasil, que transformou a

educação em serviço competitivo e não-exclusivo do Estado, repercutindo na

relação expansão-avaliação da educação superior.

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3 REFORMA ADMINISTRATIVA DO ESTADO BRASILEIRO E AS REPERCUSSÕES NA RELAÇÃO EXPANSÃO-AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

A reforma19 da administração pública faz parte de uma agenda de ajustes que

se desencadeou após o desmoronamento da “Era de Ouro” do breve século XX

(HOBSBAWN, 1995), como resposta à crise do padrão de acumulação capitalista.

Diante do cenário de profundas transformações socioeconômicas e políticas,

desencadeadas por crise fiscal, esgotamento das formas estatizantes de intervenção

estatal, aumento dos índices de inflação, elevação do desemprego, dificuldades dos

governos em resolverem os problemas públicos, processo de globalização da

economia e aceleração das inovações tecnológicas, os Estados se viram forçados a

reestruturar a economia e o aparelho administrativo.

No campo da economia, passaram-se a implementar políticas de viés

neoliberal. Na gestão pública, o diagnóstico indicava crescimento excessivo da

máquina estatal, especialmente em termos de pessoal e de despesa. Como

corolário, a pressão recaiu sobre a necessidade de redução da máquina estatal, que

incluía a restrição dos gastos com servidores e aumento da eficiência

governamental. Além disso, o modelo de administração pública burocrática –

considerado centralizador, rígido nos procedimentos e atravessado pelo excesso de

normas e regulamentos – já não respondia às exigências de gestão pública no novo

contexto. As adequações do setor público ganharam também atenção de

organismos multilaterais, como o Banco Mundial (BM) e, de modo específico na

América Latina e Caribe, o Centro Latino-americano de Administração para o

Desenvolvimento (CLAD).

Neste capítulo, faz-se um resgate dos modelos de administração pública,

examinando especialmente a concepção do gerencialismo. Em seguida, analisa-se a

reforma administrativa do Estado brasileiro, com ênfase a partir dos anos 1990,

observando as ações dos Governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula

19 Embora se utilize nesta investigação o vocábulo “reforma”, é preciso destacar que não há necessariamente a conotação positiva que etimologicamente o termo carrega. Para alguns autores, como Behring (2003) e Leher (2004), a palavra “reforma” carrega um sentido conservador, acompanhado de retrocessos deletérios. Boron (1999) considera, como resultado do êxito da algaravia neoliberal, o termo resignificado para uma conotação involutiva e antidemocrática, o que constitui, na prática, uma contrarreforma.

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da Silva e Dilma Vana Rousseff. Por fim, entendendo que a avaliação e a regulação

da educação superior no Brasil dizem respeito diretamente ao modelo de expansão

em curso, apresentam-se as vicissitudes das políticas que conduziram a essa

expansão.

3.1 Reforma do Estado e modernização da administração pública: a difusão do modelo gerencial

A reforma da administração pública, impulsionada paulatinamente no início

dos anos 1980, girou em torno da implementação da abordagem gerencialista como

reação à rigidez do modelo burocrático. Este, por sua vez, já era resultado de uma

resposta à administração patrimonialista. Numa perspectiva histórica, portanto, tem-

se três modelos de administração pública: patrimonial, burocrático e gerencial. Seus

percursos ocorrem com transformações e incorporações, negações e afirmações

entre si.

No patrimonialismo, o público e os bens privados se confundem. O modelo

patrimonial caracterizou a administração das monarquias absolutistas, notadamente

na Europa a partir do século XVII. Havia, portanto, uma privatização da esfera

pública, visto que o Estado era uma espécie de propriedade do rei. Conforme Weber

(1999b, p. 240), Quando o príncipe organiza [...] seu poder político [...], com o emprego da coação física contra os dominados, sobre territórios e pessoas extrapatrimoniais (os súditos políticos), da mesma forma que o exercício de seu poder doméstico, falamos de uma formação estatal-patrimonial. A maioria de todos os grandes impérios continentais apresentou, até os inícios da Época Moderna e ainda dentro desta época, um caráter fortemente patrimonial.

O patrimonialismo tornou-se incompatível com o capitalismo industrial, ideais

republicanos e regimes políticos ditos democráticos, que surgiram a partir do século

XIX. O desenvolvimento do capitalismo, ao menos no nível aparente, passa a

distinguir de forma mais explícita Estado, mercado e sociedade, de modo a discernir

a esfera privada da esfera pública.

Nesse contexto, torna-se premente, na administração pública, uma separação

entre o público e o privado, entre o político e o administrador. Emerge, então, a

administração burocrática, que se constituiu na célula germinativa do Estado

ocidental contemporâneo. A burocracia, consoante Bresser-Pereira (2006a), arroja-

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se como resistência ao nepotismo e à corrupção, duas características marcantes da

administração patrimonialista.

Para Weber (1999a), o quadro administrativo burocrático se constitui no tipo

mais puro de dominação legal. É de caráter racional, tendo suas atitudes

fundamentadas na regra, disciplina, impessoalidade, procedimentos rígidos, forte

hierarquia, foco no processo, formalismo e estar baseada no princípio do mérito

profissional. Nesse sentido, os funcionários “obedecem somente às obrigações

objetivas de seu cargo”, “são nomeados (e não eleitos) numa hierarquia rigorosa dos

cargos”, “têm competências funcionais fixas”, são selecionados segundo a

qualificação verificada por intermédio de prova e certificada por diploma, são

remunerados com salários fixos com direito à aposentadoria, “exercem seu cargo

como profissão única ou principal”, “têm a perspectiva de uma carreira” e “estão

submetidos a um sistema rigoroso e homogêneo de disciplina e controle do serviço”

(WEBER, 1999a, p. 144). A organização burocrática, do ponto de vista dos ideais

republicanos, estabeleceu-se como um avanço, na medida em que compôs

superioridade técnica sobre as experiências precedentes. Weber (1999b, p. 212)

elaborou a seguinte correspondência: A relação entre um mecanismo burocrático plenamente desenvolvido e as outras formas é análoga à relação entre uma máquina e os métodos não-mecânicos de produção de bens. Precisão, rapidez, univocidade, conhecimento da documentação, continuidade, discrição, uniformidade, subordinação rigorosa, diminuição de atritos e custos materiais e pessoais alcançam o ótimo numa administração rigorosamente burocrática (especialmente monocrática) exercida por funcionários individuais treinados [...].

A administração burocrática foi implantada inicialmente nos países europeus

capitalistas desenvolvidos no final do século XIX e atendia as demandas do pequeno

Estado liberal. Ao taylorismo-fordismo na esfera econômica e ao social-liberalismo

no âmbito sociopolítico, portanto, uniu-se a administração pública burocrática,

permanecendo esse encadeamento até os anos 1970.

No decorrer do século XX, o Estado, apoiado no bem-estar social20, ampliou

sobremaneira a promoção de políticas relativamente universais nas áreas de

educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, lazer, previdência social etc.

20 Nos países de capitalismo avançado, foi implementado o Estado Social, destacadamente nos Estados Unidos e na Europa. Nos chamados países em desenvolvimento, houve o Estado Desenvolvimentista. Nos países em que o modo de produção estatal tornou-se dominante, ocorreu o Estado Socialista.

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Além disso, havia suas intrínsecas atribuições na área econômica, inspirada no

keynesianismo, em que a intervenção estatal buscava garantir o pleno emprego e

atuar em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento. Desse modo, o

processo de intervenção do Estado e a ampliação dos serviços públicos expandiram

a esfera pública e o aparelho burocrático. Em meio à crise da década de 1970,

porém, a rigidez do modelo burocrático já não reagia a contento, de modo a manter

o equilíbrio fiscal. O Estado soçobrava, assim, nas três dimensões: econômica,

sociopolítica e administrativa.

Diante dessa conjuntura, o princípio da eficiência tornou-se substancial. O

keynesianismo, o Welfare State e a administração pública burocrática não garantiam

baixo custo, qualidade e rapidez. Ganhou força, desse modo, no campo econômico

e social, o neoliberalismo. Paralelamente, principiaram as transformações da gestão

pública com incorporações de práticas inspiradas na abordagem gerencial,

buscando a alteração da forma piramidal de administração a fim de se construir um

Estado mais “enxuto” e ágil. Com a reestruturação produtiva, formou-se, assim, a

tríade toyotismo, neoliberalismo e gerencialismo.

O modelo gerencial apoiou-se nas transformações organizacionais ocorridas

no setor privado. Caracterizou-se por buscar formas flexíveis de gestão,

horizontalização de estruturas, descentralização de funções e maior autonomia de

decisão aos gerentes, acompanhada de avaliação dos resultados e

responsabilização. O gerencialismo, porém, não se constituiu em uma ruptura

radical com a administração burocrática. Seu desenvolvimento ocorreu num

amálgama de elementos do modelo burocrático e a criação de novos instrumentos

de gestão. Permaneceram do modelo burocrático, entre outros aspectos, a ideia de

profissionalização e impessoalidade do corpo de servidores, sobretudo os que

compõem o núcleo estratégico e alto escalação da administração pública.

O Governo da Primeira-Ministra do Reino Unido Margaret Thatcher (1979-

1990), do Partido Conservador, constituiu-se em um tipo ideal da reforma

administrativa, acompanhado pelos demais países com suas particularidades21 .

21 Abrucio (2006) identificou três fases nas respostas à crise do modelo burocrático inglês: o modelo gerencial puro, o consumerism e o public service orientation. O gerencialismo puro priorizou a eficiência, reduzindo custos com corte de pessoal e aspirando à produtividade e buscando aproximar a gestão pública da privada. O consumerism introduziu as ideias de flexibilidade, qualidade e satisfação dos clientes/consumidores, por meio da descentralização administrativa, o estímulo à competição e um novo modelo contratual para os serviços públicos. O public service orientation

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Cabral Neto (2009, p. 184-185) sintetiza algumas tendências atuais da

administração pública inspiradas no modelo gerencial, entre elas descentralização,

horizontalização da gerência e do processo decisório, adoção de parcerias, do

planejamento estratégico, negociação coletiva, investimento na formação de

recursos humanos com ênfase na aquisição de múltiplas competências, introdução

de ganhos de produtividade e novos critérios de promoção. Além desses aspectos,

outro fenômeno nesse movimento da gestão pública é a aplicação de mecanismos

de avaliação de desempenho, com ênfase na qualidade e na produtividade.

O contexto de maturação do modelo gerencial, a partir da experiência

britânica, coincidiu com a busca dos socialdemocratas por uma “terceira via” de

pensamento e de prática política, associada a Tony Blair22 do Partido Trabalhista

britânico e, nos EUA, a Bill Clinton23. Conforme Giddens (1999), desde a década de

1980, os socialdemocratas começaram a reagir à ascensão do neoliberalismo e aos

problemas do socialismo. Tratava-se, portanto, de buscar uma alternativa à nova

direita e à velha esquerda. Enquanto aquele defendia Estado mínimo, livre mercado,

conservadorismo moral, individualismo econômico e aceitação da desigualdade, a

social-democracia clássica defendia o a estatização da vida social, com viés

corporativista. O propósito da “terceira via” era, então, ajustar a sociedade para se

relacionar com a globalização, as transformações na vida pessoal e a natureza.

Assim, tem-se uma atitude positiva em relação à globalização, que contesta o

protecionismo econômico e cultural e abrange a ideia de uma democracia

cosmopolita que promova a inclusão social e fomente sistemas transnacionais de

governo. Propõe-se ainda uma redefinição de direitos e obrigações no

relacionamento entre indivíduo e comunidade, tendo como preceitos a ideia de que

não há direitos sem responsabilidades e não há autoridade sem democracia

(GIDDENS, 1999).

(PSO), que tem sido o modelo hegemonicamente prescrito na atualidade, promanou da defesa de uma ampliação da noção de descentralização, associada a ideias de accountability, transparência, participação, justiça e equidade. O conceito de consumidor foi substituído pelo de cidadão, passando a ter uma conotação coletiva, expressando a capacidade de participação nas tomadas de decisões. A noção de competição foi repensada pela possibilidade de cooperação entre as organizações, a fim de melhorar os serviços públicos (ABRUCIO, 2006; CABRAL NETO, 2009). Ainda que na realidade não haja uma rígida separação e que não sejam excludentes, essa classificação possibilita perceber as transformações no decorrer do tempo, com continuidades e rupturas. 22 Primeiro-ministro do Reino Unido de 1997 a 2007. 23 Presidente dos Estados Unidos de 1993 a 2001.

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Ao descrever a relação Estado e sociedade civil no programa da terceira via,

Giddens (1999), semelhante ao PSO, defende a parceria com aproveitamento da

iniciativa local e envolvimento do terceiro setor, para fomentar a renovação e o

desenvolvimento da comunidade, mediante democratização da democracia –

incluindo mecanismos de democracia direta –, descentralização, maior transparência

da esfera pública e elevação da eficiência administrativa. O autor propõe, como base

econômica, o que denomina de “a nova economia mista”, distinta da ideia da

indústria e do mercado não-privado. Essa nova economia mista busca [...] uma nova sinergia entre os setores público e privado, utilizando o dinamismo dos mercados mas tendo em mente o interesse público. Ela envolve um equilíbrio entre regulação e desregulação, num nível transnacional bem como em níveis nacional e local; e um equilíbrio entre o econômico e o não-econômico na vida da sociedade. (GIDDENS, 1999, p. 109-110).

Desse modo, ao Estado caberia investir no social e na infraestrutura

necessária ao desenvolvimento de uma cultura empresarial.

O movimento do gerencialismo inglês foi reproduzido em outros países,

incluindo a América Latina, com adequações locais. Ressalte-se que, ao contrário

dos países de capitalismo avançado que viviam um átimo de reação à nova direita,

na América Latina vivia-se a ascensão do neoliberalismo. Os organismos

multilaterais, nesse processo, atuaram como propagadores do modelo gerencial. O

BM publicou, em 1997, o documento “O Estado num mundo em transformação”, que

oferece uma estrutura para guiar a reforma do Estado. Para a instituição, “o Estado

é essencial para o desenvolvimento econômico e social, não como promotor direto

do crescimento, mas como parceiro, catalisador e facilitador.” (BANCO MUNDIAL,

1997, p. 1). Focou como estratégias fundamentais o ajuste das funções do Estado à

sua capacidade (ou seja, limitação da atuação estatal e apoio à esfera privada e

voluntária) e o revigoramento das instituições estatais (isto é, melhoria da

produtividade), otimizando recursos humanos, exercendo maior controle e avaliação

de desempenho.

Quanto à promoção da reforma gerencial na América Latina, o Centro Latino-

americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD), organismo

intergovernamental, exerceu papel estratégico. Trata-se de um órgão de natureza

intergovernamental, criado em 1972, com o objetivo de atuar na modernização das

administrações públicas, como fator estratégico no processo de desenvolvimento

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socioeconômico. Atualmente conta com vinte e um membros Ibero-americanos, bem

como desenvolve atividades de pesquisa e fortalecimento institucional em conjunto

com instituições governamentais de cooperação e instituições de pesquisa e ensino

na Europa, Estados Unidos e Canadá.

Ao longo dos anos, o CLAD tem promovido a análise e o intercâmbio de

experiências em torno da reforma do Estado e da administração pública, por meio de

encontros, publicações, realização de estudos e execução de atividades de

cooperação técnica entre os países membros. Ao pensar uma nova gestão pública24

para a América Latina, o CLAD (1998, 1999) defende a mudança do papel do

Estado, em relação à forma de intervenção, nos setores econômico e social. Na

esfera econômica, em vez de intervenção direta como produtor, o aparelho estatal

deve concentrar suas atividades na regulação, promovendo privatizações e criação

de agências reguladoras. Na área social, o Estado deve ser formulador e financiador

de políticas públicas, mas cooptando comunidade, empresas e o chamado terceiro

setor para compartilhar responsabilidades na execução, principalmente nos campos

da saúde e educação. Argumenta ainda a favor da criação de sistemas de avaliação

de desempenho dos serviços públicos, tanto organizacional quanto individual, a

partir de metas definidas a priori e controle ex post dos resultados. Para isso,

sustenta o estabelecimento de contrato de gestão entre a agência central e as

descentralizadas, bem como maior autonomia dos gestores e do corpo de servidores

(CLAD, 1998; 1999). Estava assentada, assim, a matriz intelectual e ideológica do

gerencialismo em implementação na América Latina.

Percebe-se, portanto, ao analisar esse movimento global, um esforço em

distinguir a esfera privada e pública, como superação da privatização do público e do

nepotismo, típicos do patrimonialismo, e uma reação à rigidez de procedimentos e

hierarquia do modelo burocrático. Mediando essas transformações na gestão

pública, tendo como paradigma as práticas empresariais, ocorreram mudanças

também no âmbito do processo produtivo e na organização sociopolítica, rumo a

formas mais flexíveis, “enxutas” e ágeis. As ações estatais passaram, assim, a 24 Segundo Hall e Gunter (2015), a Nova Gestão Pública (NGP) emergiu no Reino Unido com a eleição do Partido Conservador, em 1979, e a liderança de Margaret Thatcher. No mesmo contexto, houve a ascensão do ideário neoliberal, que enfatizava a ineficiência governamental e os custos excessivos de se manter um Estado assistencialista. Assim, a NGP foi acompanhada de programas de reforma da administração pública em países de capitalismo avançado, que intencionavam transformar a atividade governamental mais empresarial, por meio de técnicas de gestão e da cultura e valores do setor privado (HALL; GUNTER, 2015).

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empreender programas de horizontalização, descentralização, participação de

setores da sociedade nas fases de planejamento, implementação e avaliação das

políticas públicas e profissionalização de pessoal com o propósito de desenvolver

múltiplas competências.

3.2 Do Plano Diretor da Reforma ao Novo Desenvolvimentismo: institucionalização do modelo gerencial e criação de agências reguladoras

Até início da década de 1990, no Brasil, a administração pública estava

caracterizada por um hibridismo, entre o patrimonialismo e elementos do modelo

burocrático. Seguindo preceitos de organismos multilaterais (Banco Mundial, FMI,

CLAD), o gerencialismo brotou de forma sistemática sob a presidência de Fernando

Henrique Cardoso (FHC), com a publicação do Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado, e prosseguiu nos Governos do Partido dos Trabalhadores (PT),

o que desencadeou em novos arranjos na delimitação estatal.

3.2.1 Reforma do Estado no Brasil: primeiras iniciativas

No Brasil, historicamente, a máquina estatal está atravessada por interesses

e vontades particulares, pela apropriação pessoal em detrimento de interesses

objetivos e pelas relações de informalidade e proximidade, características distintivas

da “cordialidade” do brasileiro (HOLANDA, 1995). Desse modo, o patrimonialismo e

o clientelismo estão inscritos na tradição brasileira como herança do período

colonial.

No século XX, inicia-se um movimento de sincretismo, buscando incorporar

práticas convergentes com ideais republicanos de que o patrimônio público seja

utilizado de forma pública. De acordo com Bresser-Pereira (2006b), houve duas

grandes ações relativas à reforma da administração pública, ambas em períodos

autoritários, que merecem destaque.

A primeira emergiu nos anos 1930, com o advento da Era Vargas,

destacando-se o Decreto-lei nº 579, de 30 de julho de 1938, que organizou o

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) – empreendendo o

chamado modelo daspiano – e reorganizou as Comissões de Eficiência dos

Ministérios. Implementada num período, não por acaso, denominado de “Estado

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Novo”, teve um viés predominantemente assentado no modelo burocrático. Essa

primeira reforma do Estado brasileiro fortaleceu a administração diretamente

vinculada à Presidência da República, com o propósito de compor um Estado

interventor, mediante empresas estatais e autarquias, fortemente centralizado e

formado por uma burocracia profissional, regida pelo universalismo de

procedimentos. Competia singularmente ao DASP traçar diretrizes e inspecionar os

serviços públicos, organizar a proposta orçamentária e fiscalizar a sua execução,

selecionar os candidatos aos cargos públicos federais e promover o

aperfeiçoamento dos funcionários civis da União. Martins (1997, p. 18), constatou,

porém, que essa política do Governo Vargas para modernizar a administração rumo

ao modelo burocrático “[...] foi parcialmente distorcida e, mais tarde, abandonada

pela cultura política clientelista profundamente enraizada.”, que ainda persiste.

A segunda reforma da administração pública brasileira se deu durante a

Ditadura Militar, por meio do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Este

instaurou o planejamento, coordenação, descentralização, delegação de

competência e controle como princípios fundamentais da Administração Federal.

Martins (1997, p. 20) aponta dois movimentos presentes no Decreto-lei nº 200/1967:

De um lado, exigia diretrizes normativas centralizadas no âmbito do governo federal [...]. De outro lado, a ideia era de diversificar a natureza dos órgãos estatais (autarquias, empresas públicas, fundações, etc.) para promover a descentralização funcional do aparelho do Estado, mediante a delegação de autoridade a esses órgãos da administração indireta para a consecução de muitas das funções e das metas do governo.

Para Bresser-Pereira (2006b), essa se constituiu na primeira tentativa de

descentralização e desburocratização com tendência gerencial. Posteriormente, em

1979, foi criado o Ministério da Desburocratização, que existiu até 1986. O Decreto-

lei nº 200/1967, no entanto, não desencadeou mudanças significativas, na

administração pública, continuando a coexistência de núcleos de eficiência na

administração indireta e formas tradicionais na administração direta ou central. O

Brasil, desse modo, não completou a construção do modelo burocrático conforme o

padrão dos países de capitalismo avançado. Persistiu a convivência da

administração pública burocrática com elementos do patrimonialismo, tais como

práticas clientelistas para preenchimentos de cargos. Ademais, a Ditadura Militar,

que perdurou nos anos de 1964 a 1985, aprofundou, segundo Abrucio (2007), os

problemas históricos da administração pública, perpetuando práticas como o

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descontrole financeiro, a falta de responsabilização e a politização dos cargos

públicos.

Paralelamente, na esfera da política econômica, em meados da década de

1930 até os anos 1960, o chamado Desenvolvimentismo25 Clássico surgiu como

resposta à crise do liberalismo econômico na coordenação do capitalismo, que

culminou na Grande Depressão de 1929. Correspondeu ao período dos programas

implementados pelo New Deal, durante o Governo Franklin Roosevelt, para

recuperar a economia estadunidense, aliada às práticas produtivas e de vida do

taylorismo-fordismo, ganhando maturidade na Europa após a Segunda Guerra

Mundial. De um modo geral, o Desenvolvimentismo Clássico combinava a

macroeconomia keynesiana com a economia política clássica. Foi nesse contexto

que surgiu o Banco Mundial, em 1944, defendendo ideias desenvolvimentistas:

industrialização, financiamento externo e protagonismo estatal.

A primeira experiência de desenvolvimentismo no Brasil ocorreu durante o

nacional-desenvolvimentismo, de 1930 a 1980, intervalo que contemplou a Era

Vargas (1930-1945), a República Populista (1946-1964) e a Ditadura Militar (1964-

1985). Foi um período de criação de estatais, como a Companhia Siderúrgica

Nacional (CSN), Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Companhia Hidrelétrica do

São Francisco (CHESF), na década de 1940, Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES) e Petrobras, na década de 1950, e Eletrobras, na

década de 1960. Destacou-se o Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), com a

ideia de “50 anos em 5”, que resultou na construção de Brasília, investimento em

infraestrutura de rodovias, ferrovias e portos, energia elétrica, expansão do processo

de industrialização, instalação de multinacionais etc. Além disso, destacou-se o

chamado milagre econômico brasileiro (1968-1973), também conhecido como anos

de chumbo. Bielschowsky (2000, p. 7) entende desenvolvimentismo como: [...] a ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro;

25 O desenvolvimentismo, conforme Bresser-Pereira (2016), remonta ao Mercantilismo, período que caracterizou a economia capitalista entre os séculos XV e XVIII. A monarquia e a burguesia partilharam o projeto de construção – sob o protecionismo – de um mercado interno forte, balança comercial favorável e de promoção da industrialização. As principais economias europeias, nesse período, como Inglaterra e França, industrializaram-se em torno de uma estratégia desenvolvimentista, acompanhadas dos demais países ricos, como os EUA.

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b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das forças espontâneas de mercado; por isso, é necessário que o Estado a planeje; c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente.

Percebe-se que, nesse sentido, o Estado é um aparato central para planejar e

apoiar a superação do subdesenvolvimento, por meio de uma industrialização

capitalista. Logo, demandaria uma estrutura administrativa profissional, eficiente e

eficaz. No final da década de 1960, porém, o Desenvolvimentismo Clássico

apresentou sinais de declínio. Para Bresser-Pereira (2016), que designa esse

período como uma versão vulgar do keynesianismo ou variante populista do

Desenvolvimentismo Clássico, seus defensores foram incapazes de combater o

populismo cambial e fiscal, bem como adotaram déficits orçamentários que

aumentaram a dívida pública em relação ao PIB.

A crise econômica da década de 1970 encerrou os Anos Dourados do

capitalismo e possibilitou a hegemonia da ideologia neoliberal. No decorrer dos anos

1980, ganhou força, nos países de capitalismo dependente, a ideia de que a melhor

alternativa para o desenvolvimento econômico era crescer sob a tutela dos países

ricos, em vez de tentar atingir a autonomia nacional. No caso da América Latina e

Caribe, o Consenso de Washington, em 1989, demarcou o conjunto de prescrições

neoliberais, que impactaram em múltiplos setores, incluindo a economia e a

organização da administração pública.

No gestão do Presidente José Sarney, que esteve a frente do Governo de

1985 a 1990, realizaram-se as reformas nas finanças que buscaram reordenar as

contas públicas. Destacam-se o fim da “conta movimento”26 e a promulgação do

Decreto nº 92.452, de 10 de março de 1986, que criou, no Ministério da Fazenda, a

Secretaria do Tesouro Nacional, que assumiu a função de execução orçamentária,

até então atribuída a um departamento do Banco do Brasil (ABRUCIO, 2007). Teve-

se ainda o Decreto nº 93.277, de 19 de setembro de 1986, que instituiu a Escola

Nacional de Administração Pública (ENAP), destinada a planejar, promover,

26 Por meio da chamada “conta movimento”, o Banco do Brasil financiava despesas do governo emitindo moeda, sem que constasse no orçamento fiscal e sem que o Banco dispusesse dos recursos. A diferença era suprida pela conta-movimento por meio da emissão de títulos públicos no mercado financeiro, o que contribuía para o aumento da inflação.

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coordenar e avaliar as atividades de formação, aperfeiçoamento e profissionalização

do pessoal civil de nível superior da Administração Federal.

A Constituição da República de 1988 também tratou de várias questões

relativas à administração pública. Entre estas, Abrucio (2007) destaca o

fortalecimento de mecanismos de controle externo, os espaços de descentralização

política, financeira e administrativa, e os princípios de profissionalização do corpo de

servidores, como estabelecimento de aprovação prévia em concurso público de

provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público. O

sentido dessas mudanças, segundo o autor, na prática, se efetuou parcialmente, o

que revela a distância que há, muitas vezes, entre o ordenamento jurídico e as

ações.

Para Bresser-Pereira (2006b), o capítulo da Constituição que trata da

Administração Pública, estabeleceu princípios de uma administração pública

burocrática: centralizada, hierárquica e rígida, em que toda prioridade seria dada à

administração direta, e não à indireta. Havia uma percepção negativa, na época da

Assembleia Nacional Constituinte, quanto às estratégias descentralizadoras

precedentes que tinham possibilitado práticas clientelistas durante a Ditadura Militar.

Ainda segundo Bresser-Pereira (2006b, p. 247), [...] contraditoriamente com seu espírito burocrático-legal, a Constituição de 1988 permitiu que uma série de privilégios fossem consolidados ou criados. Privilégios que foram ao mesmo tempo um tributo pago ao patrimonialismo ainda presente na sociedade brasileira e uma consequência do corporativismo que recrudesceu com a abertura democrática, levando todos os atores sociais a defender seus interesses particulares como se fossem interesses gerais.

Para o autor, isso foi resultado de uma visão equivocada do movimento a

favor da democracia, que associou a crise do Estado como resultado do processo de

descentralização que o Governo Militar tentou implementar. Além disso, sob um

novo espírito populista e patrimonialista, as forças democráticas, juntamente com a

alta burocracia, advogaram a favor dos interesses corporativistas do funcionalismo.

Diante dos problemas que ainda persistiam, no Governo do Presidente

Fernando Collor de Mello (1990-1992), que tinha a alcunha de “Caçador de

Marajás”, sobrepujou a defesa do Estado mínimo por considerar a máquina

volumosa, morosa e custosa. Segundo Abrucio (2007), os servidores públicos se

tornaram o bode expiatório da crise do Estado. Contraditoriamente, foi nesse

período que se sancionou a Lei nº 8.112/1990, que dispôs sobre o regime jurídico

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dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas

federais, com caráter assaz corporativista. Ainda contraditório foi o fato de Collor,

defensor de uma gestão técnico-profissional, ter sido o primeiro presidente deposto

por um processo de impeachment no Brasil, em decorrência de envolvimento em

corrupção. Na avaliação de Martins (1997, p. 27), O governo Collor foi especialmente destrutivo, pela desorganização imposta às estruturas do governo federal (o que abriu o caminho para a corrupção de alto nível) e pela desmoralização ainda maior da burocracia pública, quer através de ataques verbais indiscriminados, quer pela demissão arbitrária e inócua de servidores [...].

No Governo Itamar Franco, nos anos de 1993 e 1994, não houve maiores

destaques na área da administração pública. Bresser-Pereira (2006b) indica apenas

o documento “Estrutura e organização do Poder Executivo”, organizado pela ENAP,

em 1993. Segundo o autor, o documento prescrevia o modelo burocrático como

escopo a ser alcançado.

A administração pública brasileira, portanto, até início da década de 1990,

estava caracterizada por um hibridismo, amálgama entre o patrimonialismo e

elementos do modelo burocrático. O gerencialismo, embora já aparecesse por meio

de alguns elementos, brotou de forma sistemática sob a presidência de Fernando

Henrique Cardoso (FHC) e se acentuou nos Governos do PT.

3.2.2 O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e as iniciativas do Governo FHC (1995-2002)

Após ter sido o Ministro da Fazenda que chefiou a elaboração do Plano Real,

Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi eleito Presidente da República no primeiro

turno da eleição de 1994, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Um

dos empreendimentos de maior destaque político do Governo FHC (1995-2002) foi a

chamada “reconstrução da administração pública” (BRASIL, 1995).

Ocorreram, nesse período, as mudanças mais significativas e de forma

sistemática na gestão pública brasileira, estruturando-se a concepção de Estado

distribuidor das responsabilidades e regulador das ações, e não mais um Estado

necessariamente provedor. Seguindo o movimento político internacional, o Estado

continuou como condição sine qua non para a mediação do desenvolvimento

econômico e social, porém com novo papel: possibilitar que a economia nacional se

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tornasse globalmente competitiva, valorizando a ação privada de bens e serviços.

Em vez da intervenção direta na condição de prestador dos serviços, o Estado altera

os marcos legal (inclusive constitucional) e passa a promover privatizações,

concessões e abertura de mercados ao capital privado internacional, o que levou à

criação de agências reguladoras e de políticas de avaliação. O próprio Cardoso

(2006, p. 15) afirmou: Reformar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um Estado assistencialista e paternalista, de um Estado que, por força de circunstâncias, concentrava-se em larga medida na ação direta para a produção de bens e de serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo para o consumidor.

O Estado continuou tendo centralidade na formulação e financiamento das

políticas sociais, no cunho “direita para o social” (NEVES, 2010). Utilizou-se, porém,

da estratégia de compartilhar a responsabilidade pela execução com setores da

sociedade civil.

Durante o primeiro mandato de FHC, que ocorreu do ano de 1995 a 1998, foi

criado o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), com

Luiz Carlos Bresser Pereira à frente do órgão. Reformar, segundo o próprio Ministro,

significava “[...] transitar de um Estado que promove diretamente o desenvolvimento

econômico e social para um Estado que atue como regulador e facilitador ou

financiador a fundo perdido desse desenvolvimento.” (BRESSER-PEREIRA, 1997, p.

17).

Na ampla reforma do Estado – que incluía ajustamento fiscal, reformas

econômicas, reforma da previdência social e mudanças nos instrumentos das

políticas sociais –, estava em pauta a reforma do aparelho do Estado, com intuito de

aumentar sua “governança”. Nesse sentido, em novembro de 1995, foi publicado o

Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL 1995), elaborado pelo MARE e

aprovado pela Câmara da Reforma do Estado e pelo Presidente. No documento,

munido do discurso gerencial e empresarial, FHC convocou os servidores para

terem uma nova visão do seu ofício e afirmou na apresentação: É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, [...] “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. (BRASIL, 1995, p. 7)

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O documento, destarte, se referiu à necessidade de reforçar a governança

com o propósito de transformação da administração pública burocrática para a

gerencial, fortalecendo os órgãos da administração indireta (autarquias e

fundações). Expôs que o Estado tendeu a assumir a execução de múltiplas

atividades. Deveria, desse modo, deixar de ser o responsável direto pela produção

de bens e serviços, devendo fortalecer sua função de regulador e coordenador,

transferindo para o setor privado as atividades controladas pelo mercado. Isso teria

como consequência privatização de empresas estatais, programas de terceirização

e publicização mediante a descentralização de serviços como educação, saúde,

cultura e pesquisa científica para o setor público não-estatal, e o Estado regulador

como o formato congruente com a administração gerencial.

Privatização, terceirização e publicização, resultaram de um problema

econômico-político. Estava subjacente uma nova concepção na delimitação estatal,

que tinha como escopo a limitação do seu tamanho. O aparelho do Estado, nessa

perspectiva, possuiria quatro setores: núcleo estratégico, atividades exclusivas,

serviços não-exclusivos e produção de bens e serviços para o mercado.

O núcleo estratégico do Estado seria o pequeno nicho onde ocorre a

formulação das leis e das políticas públicas, isto é, setores onde são tomadas as

decisões estratégicas, formados pelas cúpulas dos Poderes Executivo (Presidente,

Ministros e auxiliares e assessores), Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Já

as atividades exclusivas, incluíam o poder de Estado, atividades monopolistas de

formular políticas na área econômica e social e de realizar transferências. Ou seja,

incumbência que apenas o Estado pode realizar: poder de regulamentar, fiscalizar,

fomentar (como, entre outros, cobrança e fiscalização dos impostos, polícia,

fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, serviço de trânsito e controle do

meio ambiente). Desse modo, tanto no núcleo estratégico, como nas atividades

exclusivas, a propriedade tem que ser necessariamente estatal.

Quanto à produção de bens e serviços para o mercado, caracterizada pelas

atividades econômicas voltadas para o lucro, dada a possibilidade de coordenação

via mercado, a propriedade privada é a regra. Nos casos, todavia, em que o setor

privado não possuísse recursos para investir ou por ser de uma área considerada

estratégica, seria realizada mediante sociedades de economia mista, na qual há

recursos estatal e privado.

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No que concerne aos serviços não-exclusivos ou competitivos, surge uma

nova noção, que é a ideia de propriedade pública não-estatal. Bresser-Pereira

(2006b) explicita que, embora haja a propriedade pública e a privada, ressalva que a

propriedade pública se subdivide em estatal e não-estatal. Desse modo, as

instituições de direito privado voltadas para atividades consideradas de interesse

público não são privadas, mas sim públicas não-estatais. Isto é, não é exercido pelo

Estado, mas pode receber subsídios públicos. Instituições de ensino, centros de

pesquisa científica e tecnológica, hospitais, entidades de assistência social, grupos

de cultura etc. são exemplos do público não-estatal. O Estado estimula e subsidia a

atuação de organizações públicas não-estatais, com autonomia administrativa,

porque considera áreas relevantes para os direitos sociais. O Plano Diretor defendeu

que a propriedade pública não-estatal possibilitaria um maior controle social,

mediante participação dos diversos segmentos envolvidos nos conselhos de

administração. Bresser-Pereira (1997, p. 25) corrobora afirmando: Se o seu financiamento em grandes proporções é uma atividade exclusiva do Estado – seria difícil garantir educação fundamental gratuita ou saúde gratuita de forma universal contando com a caridade pública – sua execução definitivamente não o é. Pelo contrário, estas são atividades competitivas, que podem ser controladas não apenas através da administração pública gerencial, mas também e principalmente através do controle social e da constituição de quase-mercados.

Bresser-Pereira (2006b) advogou ainda pela transformação das entidades

públicas não-estatais em “organizações sociais”, que celebrariam um contrato de

gestão com o Poder Executivo e participariam do orçamento público. Acreditava-se

que, assim, se reduziriam gastos e se tornariam mais ágeis os processos decisórios

e ações.

Diante disso, percebe-se que um dos propósitos da Reforma foi circunscrever

a ação do Estado a funções específicas. Conforme defendido por Bresser-Pereira

(2006b), tratava-se de fortalecer o “núcleo estratégico do Estado” e descentralizar a

administração pública através de “agências autônomas” e de “organizações sociais”

controladas por contratos de gestão. No fundo, a área econômica do Governo

defendia a privatização de órgãos estatais e a competitividade de mercado.

Na discussão do setor de bens e serviços, estava envolvido o componente da

(des)regulação, ou seja, a redefinição do papel regulador do Estado, diminuindo sua

interferência nas atividades privadas, mas promovendo a capacidade de competição

no âmbito internacional. Para isso, deveria reduzir ao estritamente necessário, o que

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não significa eliminar, por meio de programas de (des)regulação que estimulasse

prioritariamente o controle via mercado.

Segundo Bresser-Pereira (1997), a Reforma pretendia também o aumento da

governança esta entendida como a capacidade administrativa e financeira para

governar. Assim sendo, o propósito era viabilizar o controle das finanças públicas e

autonomia aos órgãos que compõem a gestão, sobrepujando a crise fiscal, oriunda

dos anos 1980, e a forma burocrática de administrar, a fim de assegurar o equilíbrio

fiscal e a estruturar uma administração pública gerencial.

Um outro aspecto apontado por Bresser-Pereira (1997), na Reforma do

Estado no sentido mais amplo, foi o político. Tratava-se de aumentar a

governabilidade, isto é, a capacidade política democrática de governar. Era preciso

garantir capacidade às instituições políticas em mediar interesses e conflitos das

classes, em coordenar segmentos sociais para atingir as metas discutidas e

definidas coletivamente, assegurando a legitimidade em face da sociedade. Sem

governabilidade, não seria possível obter governança. Por outro lado, uma boa

governança elevaria a governabilidade. Dever-se-ia, então, criar espaços para o

controle social e aumentar a responsabilização dos governantes, diretrizes fulcrais

da administração gerencial.

O documento do Plano Diretor faz referência à Proposta de Emenda à

Constituição (PEC) nº 173/1995, de autoria do Poder Executivo, que posteriormente

foi transformada na Emenda Constitucional (EC) nº 19/1998, que dispôs sobre

princípios e normas da administração pública, servidores e agentes políticos. Além

disso, aludiu à PEC nº 33/1995, que também foi de autoria do Governo FHC,

ulteriormente transformada na EC nº 20/1998, que modificou o sistema de

previdência social. Ambas as emendas alteraram dispositivos relacionados à

administração pública, como o fim da obrigatoriedade do regime jurídico único, a

flexibilização da estabilidade dos servidores estatutários, a permissão de

contratação de estrangeiros, limitação da remuneração dos servidores públicos e

membros dos Poderes, limitação dos proventos da aposentadoria e pensões ao

valor equivalente percebido na ativa e vedação de percepção simultânea de

proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função

pública.

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O Plano Diretor da Reforma do Estado plantou novos conceitos e princípios,

como descentralização 27 , flexibilização e responsabilização por resultados na

administração pública brasileira. Ao realizar um balanço dos principais avanços da

Reforma promovida no primeiro mandato de FHC, Abrucio (2007) aponta, em

primeiro lugar, a reorganização administrativa do governo federal, destacando a

melhoria das informações, fortalecimento das carreiras de Estado, realização de

concursos e a revitalização das capacitações realizadas pela ENAP. Em segundo

lugar, o autor cita que as Emendas nº 19 e nº 20 implicaram em teto para o gasto

com funcionalismo, alterações no caráter rígido do Regime Jurídico Único e inclusão

do princípio da eficiência na administração pública. Em terceiro, elogia o

estabelecimento de um espaço público não-estatal, referindo-se às parcerias

público-privadas (PPPs) como reflexo dessa ideia. Ressalte-se, nesse sentido, a

aprovação, no início do segundo mandato, da Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999,

que dispôs sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins

lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e

instituiu o Termo de Parceria.

Abrucio (2007) menciona, por outro lado, problemas enfrentados pela

Reforma. Um deles foi a prevalência da equipe econômica no interior do Governo

FHC. O autor reconhece que não existia incompatibilidade entre o ajuste fiscal e o

Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, mas houve uma subordinação do

gerencial ao aspecto financeiro. Ademais, o autor afirma que o próprio Plano Diretor

continha erros de diagnóstico. Cita, como exemplo, o conceito muito restrito de

carreiras estratégicas de Estado, que não incorporava outros setores essenciais da

União para que atuasse como regulador, avaliador e indutor no plano das relações

intergovernamentais.

No segundo Governo FHC (1999-2002), o MARE foi extinto, mas as diretrizes

do novo marco para modernização administrativa já estava posto e em

implementação. Nesse período, houve inovações vinculadas à sistemática de

planejamento, centradas no Plano Plurianual (PPA). Quanto à questão fiscal, foi 27 Não raro, o que ocorreu, na prática, foi uma desconcentração. Seguindo o entendimento de Mello (2011), a atividade administrativa é descentralizada quando o Estado atua indiretamente, por intermédio de outras pessoas, ainda que sejam parcelas do aparelho estatal. Pressupõe, assim, pessoas diversas àquela que originariamente tem ou teria titulação sobre certa atividade, não estando a pessoa descentralizada (estatal ou não) subordinada à Administração Central. Descentralização distingue-se, pois, de desconcentração, que consiste na distribuição interna de competências decisórias no próprio Estado, mantendo-se vínculos hierárquicos de órgãos e agentes.

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aprovada a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como a Lei

de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabeleceu normas de finanças públicas

voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. A LRF passou a exigir ação

planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de

afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de

resultados entre receitas e despesas e o estabelecimento de limites e condições no

que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade

social e outras. Abrucio (2007) cita, ainda, a criação de mecanismos para maior

participação social e ações mais ágeis, por parte dos governos estaduais e

municipais, como a expansão dos centros de atendimento integrado, que no Rio

Grande do Norte ficaram conhecidas como Central do Cidadão. Destaca as

inovações nas políticas sociais, com mecanismos de avaliação, formas de

coordenação administrativa e financeira, controle social e programas voltados à

realidade local. Aponta também a constituição de uma coalizão em torno do PPA e

da ideia de planejamento, segundo uma proposta mais integradora de áreas a partir

de programas e projetos. Por fim, menciona o uso do meio eletrônico, melhorando a

organização das informações, reduzindo custos e aumentando a transparência das

ações da gestão pública (ABRUCIO, 2007).

Ponto que merece destaque durante o Governo FHC é a regulação e

fiscalização mediante agências reguladoras. Conforme visto na análise até aqui, o

fim das restrições ao capital estrangeiro, a flexibilização dos monopólios estatais e

as privatizações transformaram o papel estatal. Em vez de executor dos serviços, o

Estado passou a planejar, regulamentar e fiscalizar. Foi nesse contexto que

surgiram as agências reguladoras, autarquias especiais criadas por lei, em âmbito

federal, num primeiro momento, e, em seguida, nas unidades da federação.

Apesar da referência à função de regulação, o Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado não detalhou aspectos para a criação de entes regulatórios,

apenas os englobou dentro da proposta de “agências autônomas”, que resultariam

da transformação de autarquias e de fundações que exercessem atividades

exclusivas do Estado. Essas agências estariam, portanto, voltadas para resultados,

dotadas de flexibilidade administrativa e ampla autonomia de gestão. Segundo o

Plano, O Projeto das Agências Autônomas desenvolver-se-á em duas dimensões. Em primeiro lugar, serão elaborados os instrumentos legais necessários à

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viabilização das transformações pretendidas, e um levantamento visando superar os obstáculos na legislação, normas e regulações existentes. Em paralelo, serão aplicadas as novas abordagens em algumas autarquias selecionadas, que se transformarão em laboratórios de experimentação. (BRASIL, 1995, p. 59)

Para a implantação da reforma, o Plano Diretor previu, entre outras

instâncias, o Conselho da Reforma do Estado (CRE), que foi instituído pelo Decreto

nº 1.738, de 8 de dezembro de 1995, com caráter consultivo e com a finalidade de

proceder a debates, em articulação com a sociedade, e oferecer sugestões à

Câmara de Reforma do Estado. O CRE emitiu a Recomendação de 31 de maio de

1996, em que o assunto era a construção do marco legal dos entes reguladores. A

Recomendação continha o seguinte teor: O projeto de reforma do Estado visa substituir o antigo estatismo pelo moderno Estado regulador. O aparato regulatório existente é enorme, obsoleto, burocratizante e, em essência intervencionista, sendo necessário primeiro desregular para, a seguir, regular por novos critérios e formatos mais democráticos, menos intervencionistas e burocratizados. A formulação de uma política regulatória que dê consistência e coerência às propostas de governo requer a definição de um padrão de marco para a criação ou reforma de agências reguladoras, como princípios que disciplinem, inclusive, as iniciativas na compra legislativa. A regulação estatal, dentro de uma perspectiva moderna, deve responder a uma política explícita, coerente e integrada, com princípios e objetivos claros e seguir uma estratégia incremental que comece regulando o mínimo possível e componha o novo quadro regulatório à luz dos desenvolvimentos reais em cada mercado e setor de atividade. A regulação democrática é aquela que confere amplo acesso das partes interessadas ao ente regulador e plena transparência às suas decisões. Destarte, diagnostica-se a necessidade de estabelecimento de critérios gerais para a criação de entidades de fiscalização e regulação de serviços públicos, em regime de concorrência, no âmbito da administração federal. (BRASIL, 1997, p. 26-27)

Seguindo esse viés privatizante e mercadológico, a Recomendação do CRE

elencou os seguintes princípios que deveriam nortear os anteprojetos de lei de

criação de entidades de fiscalização e regulação: autonomia e independência

decisória do ente regulador, publicidade das normas, procedimentos e decisões,

celeridade processual, participação de usuários, consumidores e investidores no

processo de elaboração de normas, e limitação da intervenção do Estado na

prestação de serviços públicos. O objetivo era criar um arranjo institucional que,

entre outras coisas, garantisse a competitividade, os direitos dos consumidores,

dirimisse conflitos entre consumidores e prestadores de serviços e prevenisse o

abuso do poder econômico. O documento sugere, ainda, autonomia gerencial (que

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incluísse processo decisório colegiado), financeira e operacional do ente regulador,

e que fosse organizado sob forma de autarquia.

Embora o Art. 174 da Constituição Federal preveja que o Estado, como

agente normativo e regulador da atividade econômica, deve exercer as funções de

fiscalização, incentivo e planejamento, a primeira proposta de criação de uma

agência reguladora foi enviada pelo Poder Executivo por intermédio do PL nº 1.669,

de 22 de março de 1996, contemporâneo à Recomendação do CRE. O PL tratava

da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), sob o modelo de autarquia

convencional, sem autonomia decisória. Modificações ocorreram durante a

tramitação no Congresso Nacional, de modo que o desenho institucional final

materializou autonomia política e financeira, independência em relação ao Poder

Executivo e mandatos fixos para seus dirigentes e não coincidentes com os do

Presidente da República, bem como procedimentos de controle e transparência.

Iniciava-se, assim, um novo marco regulatório no Brasil, em que a regulação deixava

de realizada por departamentos da administração pública direta para ser exercida

por intermédio de autarquias especiais (órgãos da administração indireta). Os

demais projetos incorporaram tal modelo já em sua proposta inicial.

Ao fiscalizar a atividade de determinado setor, consoante Nunes (2001), as

agências reguladoras são híbridas de funções, como um “quarto poder”, assumindo,

dessa maneira, parte das incumbências típicas de cada um dos poderes tradicionais.

Exercem, por exemplo, concessão e fiscalização de atividades econômicas, funções

típicas do Poder Executivo. Do Legislativo, editam normas, regras e procedimentos

sobre o setor de sua atuação. Do Judiciário, julgam, impõe penalidades, interpretam

contratos e obrigações. Trata-se, portanto, de uma inovação administrativa que tem

como escopo conferir independência a esses entes.

Tendo como referência a classificação de Pó e Abrucio (2006) e Cunha

(2016), pode-se dividir a criação do modelo regulador nos anos FHC em três

gerações. Na primeira, estabelecida entre 1996 e 1997, estão, além da ANEEL, a

Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a Agência Nacional do Petróleo

(ANP), relacionadas a áreas de privatização e rompimento do monopólio estatal.

Além da obtenção de recursos para pagamento da dívida pública, argumentava-se

com a necessidade de mitigar a escassez de recursos públicos para investimentos

nesses de infraestrutura, bem como conferir credibilidade regulatória aos

investidores. Nesse último caso, o mercado exige que os órgãos reguladores

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tenham autonomia em relação às pressões políticas de governos, a fim de assegurar

a competitividade econômica e um ambiente com regras estáveis. A intenção,

destarte, é que essas agências, blindadas de apropriação política, evitem a

descontinuidade de ações de longo prazo.

O segundo grupo, caracterizado pela regulação social e econômica a fim de

garantir o direito dos cidadãos, apresenta certa divergência entre os autores. De um

modo geral, atribuem o surgimento aos anos de 1999 a 2001. Incluem, nesta

segunda geração, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ambas ligadas à área da saúde. Foi criada

também a Agência Nacional de Águas (ANA), com a finalidade de implementar a

Política Nacional de Recursos Hídricos, e a Agência Nacional do Cinema (ANCINE),

com a finalidade de fomentar, regular e fiscalizar a indústria cinematográfica e

videofonográfica. As agências reguladoras nas áreas sociais se justificariam como

forma de induzir a qualidade dos serviços, defender os direitos dos usuários ou, até

mesmo, para transferir os custos políticos de tomada de decisões impopulares

(NUNES; RIBEIRO; PEIXOTO, 2007).

Autores, como Nunes (2001), Pacheco (2006) e Peci (2007), julgam que o

modelo de agência reguladora da área de infraestrutura foi replicado indevidamente

para outros setores. Nas áreas de infraestrutura, que muitas vezes constituem

monopólios, há o entendimento de que é preciso a adoção de autonomia da agência

em relação ao governo. Na área social, porém, não há essa necessidade, uma vez

que não se trata de garantir a concorrência, mas sim de ordenar o mercado e a

competição para que não ponham em risco os direitos dos cidadãos. Isto é, trata-se

mais de uma atuação estatal fiscalizadora. Para Pacheco (2006), esta tarefa pode

ser exercida por uma agência da administração indireta que supervisione a

qualidade dos serviços. Nunes (2001) lembra que grande parte da ação estatal é

atividade regulatória, existindo diversos órgãos para esse fim. Desse modo, nem

toda a atividade regulatória precisa necessariamente ser exercida por uma agência

independente.

Por fim, a terceira geração, no período de 2001 a 2005, contempla distintas

finalidades e áreas de atuação, para liberalização de mercados e de setores de

infraestrutura. Foram criadas a Agência Nacional de Transportes Aquaviários

(ANTAQ), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência

Nacional de Aviação Civil (ANAC), sendo esta última criada após o Governo FHC.

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Segundo Peci (2007), a criação das agências reguladoras, impulsionada pelo

Banco Mundial e inspirada nas experiências internacionais, sobretudo, dos Estados

Unidos, não resultou de uma discussão quanto ao modelo de regulação, de uma

política sistematizada ou de um marco de referência para a reforma regulatória,

ocorrendo primeiro o encaminhamento dos projetos de lei de criação e,

posteriormente, o debate sobre os conceitos básicos. Para a autora, [...] a criação de agências reguladoras brasileiras pode ser mais considerada fruto do acaso da conjugação da política de desestatização com as medidas de flexibilização da gestão pública de que propriamente de um quadro coerente de políticas governamentais [...]. (PECI, 2007, p. 90).

Não há, portanto, norma geral que defina e discipline genericamente as

agências reguladoras no Brasil28. Desse modo, as características específicas de

cada ente regulador são encontradas na lei que o criou.

Na área da educação, não foi criada agência reguladora de facto. Em vez

disso, a Medida Provisória nº 1.568/1997, convertida na Lei nº 9.448, de 14 de

março de 1997, transformou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais (INEP) em Autarquia Federal vinculado ao MEC. Entre as finalidades

do INEP, estão: coordenar o desenvolvimento de sistemas e projetos de avaliação

educacional, visando o estabelecimento de indicadores de desempenho; subsidiar a

formulação de políticas na área de educação, mediante a elaboração de

diagnósticos e recomendações decorrentes da avaliação da educação básica e

superior; coordenar o processo de avaliação dos cursos de graduação; e promover a

disseminação de informações sobre avaliação da educação básica e superior

(BRASIL, 1997).

Com toda essa nova arquitetura organizacional, a educação pública passou

por transformações. Os recursos públicos foram direcionados prioritariamente para o

ensino fundamental, base da formação do capital humano. Como apontam Silva

Júnior e Sguissardi (2001), é no âmbito da Reforma do Estado dos anos 1990 que

se pode situar a estratégia e as ações oficiais de reforma da educação superior.

Esta passou a ser vista não mais como função exclusiva do Estado, havendo um

28 Há apenas dispositivo acerca da gestão de pessoas e do plano de cargos e carreiras, como a Lei nº 10.871/2004. Vale salientar, porém, que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6.621/2016, de autoria do Senador Eunício de Oliveira (MDB/CE), originalmente Projeto de Lei do Senado nº 52/2013, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras.

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estímulo à atuação de instituições privadas, sob a concepção da propriedade pública

não-estatal. Ao mesmo tempo, a avaliação, mecanismo de implantação e

fortalecimento de um dado projeto educacional e de sociedade, expandiu-se como

política pública tendo como enfoque os resultados. Segundo Faria (2005, p. 98),

“nas décadas de 1980 e 1990 a avaliação de políticas públicas foi posta a serviço da

reforma do Estado.”. Isto é, a “gerencialização” da avaliação de políticas públicas e a

implantação de sistemas de avaliação são derivadas de sua instrumentalização no

processo de rearranjo do Estado. Como expõem Silva Júnior e Sguissardi (2001),

para superar o diagnóstico de ausência de qualidade da educação superior, foi posto

como alternativa “um eficiente sistema de avaliação cujos critérios, em grande

medida, se norteariam pela busca da eficiência, sinônimo de adequação às

demandas do mercado” (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2001, p. 52). Isto posto,

consoante Silva, Lopes e Castro (2016), o Sistema de Avaliação da Educação

Básica (SAEB), criado em 1990, foi significativamente ampliado e, para educação

superior, foi implementado o Exame Nacional de Cursos (ENC-Provão)29, ambos

como formas de subsidiar os fluxos das reformas.

3.2.3 Os Governos do PT (2003-2016) e o chamado Novo Desenvolvimentismo: continuidade da Reforma do Estado

Durante os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o

Partido dos Trabalhadores (PT) fez oposição ao Governo. Em 2002, porém, ano de

campanha para o cargo presidencial, o Partido redirecionou o tom do discurso e o

cariz político, ao estilo “esquerda para o capital” (NEVES, 2010). Naquele ano,

durante encontro sobre o programa de governo do PT, Luiz Inácio Lula da Silva30 fez

um discurso, denominado “Carta ao povo brasileiro”. Nesta, clamava por mudança,

no entanto já ponderava que seria “uma lúcida e criteriosa transição” (SILVA, 2002).

Assim, para alinhar a plataforma programática ao mercado financeiro, comprometia-

se a um crescimento com estabilidade, respeitando os contratos e honrando os

compromissos: “Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle.”

(SILVA, 2002). Isso incluía o combate à inflação, ao câmbio flutuante e a

29 Uma discussão mais aprofundada acerca das políticas de avaliação da educação serão desenvolvidas no Capítulo 4. 30 Doravante Lula, forma como é usualmente conhecido.

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manutenção do superávit primário. Aloizio Mercadante Oliva31 afirmou ipsis litteris

“[...] abdicávamos publicamente de uma estratégia de ruptura [...]” (OLIVA, 2010, p.

3). Em síntese, sustentava um projeto que não violaria os interesses do grande

capital, ao estilo “Lulinha paz e amor”, expressão cunhada como forma de atenuar a

imagem de político adepto à esquerda radical.

Lula triunfou nas eleições de 2002, reelegeu-se em 2006 e teve participação

direta nas eleições da sucessora, em 2010 e 201432. Como parte do movimento

contraditório conciliador de classes e frações de classes no âmbito do Governo,

Singer (2012) constata que o PT teve que acomodar dois traços: o “espírito do Sion”

(referência ao Colégio Sion, em São Paulo, local de fundação do PT, em 1980)33 e o

“espírito do Anhembi” (reporta-se ao centro de convenções do Anhembi, em São

Paulo, onde, em julho de 2002, o Diretório Nacional do PT aprovou e transformou

em orientações as propostas antecipadas pela “Carta ao povo brasileiro”)34. Embora

não haja uma desvinculação dos dois perfis, o processo contraditório de

popularização do PT ocorreu com a predominância do espírito do Anhembi aliado à

figura de Lula, de jaez nacional-popular.

Para alguns autores, como Sader et alii (2013), os governos do PT – a

exemplo de outros governos latino-americanos, como Néstor Kirchner e Cristina

31 Na época, era Deputado Federal pelo PT/SP. Durante todo o Governo Lula, ocupou o cargo de Senador. 32 Ao analisar o movimento dos votos a partir das eleições de 2006, Singer (2012) verifica um realinhamento que, ao contrário das eleições precedentes, ampliou o apoio ao PT entre os eleitores de baixa renda, baixa escolaridade, das regiões Norte/Nordeste e das periferias. Mas também, principalmente a partir do Mensalão (esquema de corrupção que consistiu na compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional, entre 2005 e 2006), passou a ter menos força relativa na classe média (invertendo o que ocorreu em 1989, quando Lula foi derrotado pelos mais pobres, que votaram em Fernando Collor de Melo) e entre eleitores de alta escolaridade, das regiões Sul/Sudeste e das capitais mais ricas. 33 O espírito do Sion alude à origem de esquerda radical do PT, que aglutinava reformistas e simpatizantes do socialismo. Nesse período, Singer (2013) destaca três grupos: intelectuais de esquerda das classes médias urbanas, católicos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e sindicatos de trabalhadores. Em seguida, sob a ideia de organizar a classe trabalhadora, integrou trabalhadores industriais, do setor de serviços (bancários e professores), funcionários públicos e, até mesmo, do campo. Aglutinava-se, nessa perspectiva, a defesa de reformas estruturais profundas, a propriedade social dos meios de produção e um postulado genérico anticapitalista. 34 O espírito do Anhembi tem início com o clima da campanha de 2002 e se tornou orientação permanente dentro do partido. Fez com que o PT abandonasse a postura radical, admitindo coalizão com o “centrão” em nome da vitória e da governabilidade. Passou a adotar um maior compromisso com a estabilidade econômica, o respeito aos contratos que garantem os direitos do capital e um apoio às grandes empresas. Ou seja, a conduta pragmática se sobrepôs à antiga ideologia (SINGER, 2013).

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Kirchner na Argentina, José Mujica e Tabaré Vázquez no Uruguai, Hugo Chávez na

Venezuela, Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador – podem ser

caracterizados como pós-neoliberais, o que pressupõe rupturas com o modelo

neoliberal. Segundo Sader (2013), esses governos representam uma reação

antineoliberal, por priorizarem as políticas sociais, os processos de integração

regional e intercâmbios Sul-Sul e o papel do Estado como indutor do crescimento

econômico e da distribuição de renda.

Em contrapartida, entendemos que foram implementadas políticas alinhadas

à ideologia neoliberal, como ajuste fiscal, parceria coadjuvante dos países

hegemônicos no capital financeiro e favorecimento dos interesses de mercado,

como o financiamento público de conglomerados privados de educação superior. Em

outras palavras, não obstante o Governo Lula ter adotado políticas focalizadas para

reduzir a pobreza e estimular o mercado interno – elevando o padrão de consumo

da classe trabalhadora por meio da expansão do crédito, o que, em muitos casos,

conduziu ao endividamento –, não houve uma antinomia aos interesses do capital.

Entretanto, reconhecemos que, na medida em que o Governo Lula conseguiu

diminuir os índices de pobreza e os desequilíbrios regionais, não se pode atribuir um

caráter puramente neoliberal, pois uma das características do neoliberalismo é

precisamente criar sociedades marcadamente mais desiguais e desestatizadas

(ANDERSON, 1995). Singer (2012) interpreta os Governos do PT como um

“reformismo fraco”, que promoveu lenta queda da desigualdade e ascensão do

subproletariado à condição de proletariado via emprego – por vezes, precário –,

consumo interno e crédito, contudo sem reformas anticapitalistas. E continua: Para eles (os super-ricos), as mudanças ocorridas no período Lula não representaram perdas materiais, ao contrário. Pode-se aproveitar o dólar barato para adquirir produtos importados e viagens ao exterior. A proliferação de lojas “exclusivas”, templos modernos da estratificação, evita a perda de status. [...] Além disso, para a burguesia, o reformismo fraco representa um caminho possível, embora não o de sua predileção, para o desenvolvimento do capitalismo no país, sem que a sua posição esteja ameaçada. (SINGER, 2012, p. 207)

Ocorreram, pois, programas sociais em compatibilidade com as concessões

ao grande capital produtivo e financeiro, em congruência aos ganhos dos super-

ricos. O Governo Lula buscou, assim, uma conciliação de classes, em conformidade

com os interesses de amplas frações de classes.

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Surgiu no Brasil, então, o fenômeno que Singer (2012) denomina de “lulismo”.

Este foi construído no primeiro mandato (2003-2006) mediante a relação entre a

liderança carismática de Lula com frações das classes pobres, que, beneficiadas por

políticas públicas, corresponderam em apoio nas eleições de 2006 em diante. Por

outro lado, no entanto, surgiu também o antilulismo, que se concentrou

principalmente no PSDB e tem alijado paulatinamente a classe média de Lula e do

PT35.

Oliva (2010) defende a tese de que o Brasil, ao longo do governo Lula, iniciou

a construção de um novo padrão de desenvolvimento, distinto do neoliberalismo e

do antigo nacional-desenvolvimentismo. O novo desenvolvimentismo, segundo o

autor, tem o social como um dos eixos estruturantes, centrado na distribuição de

renda, inclusão social e combate à pobreza. Nesse sentido, caracteriza o governo

Lula como desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado: ênfase no

mercado interno e no papel do Estado para influenciar a distribuição de renda e a

alocação de investimentos.

Bresser-Pereira (2004, 2016) afirma que o novo desenvolvimentismo é uma

teoria histórico-dedutiva baseada nas experiências bem sucedidas de crescimento

acelerado e na crítica ao populismo fiscal e cambial. Reconhece a natureza

relativamente dependente das burguesias nacionais, mas se contrapõe à

impossibilidade de uma revolução burguesa em países em desenvolvimento. Desse

modo, se faz necessária uma coalizão de classes que envolva empresários de

capital produtivo, trabalhadores e burocracia pública. O autor defende a construção

de um Estado capaz (dotado de administração competente), desenvolvimentista

(coordenador do crescimento econômico), social (financiador dos direitos sociais) e

republicano (defensor do patrimônio público). A microeconomia do novo

desenvolvimentismo adota uma distinção entre os setores competitivo e não

competitivo, ficando o primeiro para a coordenação do mercado, mas o segundo

exigindo planejamento e regulamentação estatal. Já na macroeconomia, propõe que

política tributária progressiva, política de construção do Estado social (gastos sociais

e aumento do consumo coletivo), política de salário mínimo e definição de um

35 Nas eleições de 2018, o anti-PTismo foi canalizado na figura do candidato, e presidente eleito, Jair Bolsonaro do Partido Social Liberal (PSL) e vem se constituindo em tendência crescente, com vitória nas urnas de diversos parlamentares de direita e extrema-direita.

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(baixo) nível para a taxa de juros. As Dez Teses sobre o Novo Desenvolvimentismo

(FGV, 2010) reforçam as ideias do autor, entre as quais: 2. O mercado é o lócus privilegiado desse processo, mas o Estado desempenha um papel estratégico em prover o arcabouço institucional apropriado que sustente esse processo estrutural. [...] 8. O desenvolvimento econômico deve ser financiado primordialmente com poupança doméstica. [...] A tentativa de utilização de poupança externa via déficits em conta corrente geralmente não aumenta a taxa de investimento (como defendido pela visão ortodoxa), pelo contrário, aumenta o endividamento doméstico e reforça a instabilidade financeira. [...] 10. Para atingir o desenvolvimento de longo prazo a política econômica deve perseguir o pleno emprego como seu objetivo principal, ao mesmo tempo em que garanta estabilidade de preços e financeira.

Bastos (2012) distingue esse projeto econômico em social-

desenvolvimentismo e novo-desenvolvimentismo, apontando que ambos

reconhecem o papel do Estado, mas com modos diferentes de relação com o

mercado. O social-desenvolvimentismo enfatiza o mercado interno de massas, tendo

o Estado papel central na (re)distribuição de renda, na elevação do salário mínimo,

na ampliação do crédito ao consumidor e no investimento em políticas sociais. Já o

novo desenvolvimentismo evidencia o desenvolvimentismo exportador do setor

privado, tendo o Estado que assegurar preços macroeconômicos, sobretudo juros e

câmbio. Em outras palavras, o que distingue ambos, de um modo geral, é que o

primeiro foca o mercado interno, enquanto o segundo, as exportações.

Consideramos que, ao se observar o conjunto das ações contidas na matriz

dos Governos do PT, percebe-se o viés desenvolvimentista. Independentemente do

termo, social ou novo desenvolvimentismo, existem aspectos nesses governos que

apontam para um cariz desenvolvimentista. Apesar disso, no que concerne à

administração pública, não há ruptura com as diretrizes postas no Plano Diretor da

Reforma do Estado. Ocorreu efetivamente uma continuidade que reforçou o

arcabouço do modelo gerencial.

Se no Governo FHC foi estabelecida uma diretriz geral para a gestão pública

mediante o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, no período Lula as

políticas públicas conduziram isoladamente a agenda da gestão. Ao analisar a

administração pública nos governos FHC e Lula, Abrucio (2011) destaca três

atuações: gestão por resultados, governança federativa e mecanismos de controle

público.

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Quanto à construção de uma agenda baseada na adoção da gestão por

resultados, há continuidade nos dois governos. O lulismo, aliás, ampliou o uso de

instrumentos de monitoramento e avaliação para as políticas públicas, prescritos no

Plano Diretor. No campo da educação, ressaltamos o acompanhamento e o controle

social dos procedimentos de concessão de bolsas no âmbito do Programa

Universidade para Todos (PROUNI), o Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica (IDEB) como indicador para a verificação do cumprimento do Plano de Metas

Compromisso Todos pela Educação e o monitoramento das metas fixadas no Plano

de Ações Articuladas (PAR). Podemos apontar também concepção de administração

do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI), mediante o contrato de gestão entre as universidades federais e

o MEC, que condicionou a destinação de recursos ao cumprimento de metas, numa

forma de regulação determinada por objetivos. A avaliação dos sistemas

educacionais tem contribuído outrossim para que as instituições de ensino assumam

uma gestão gerencial, buscando atingir certo padrão de desempenho e

produtividade, metas e resultados, por vezes impactando na captação de recursos.

Além disso, induz mudanças significativas na organização e produção do trabalho

acadêmico. Nessa conjuntura, destaca-se a criação Sistema Nacional de Avaliação

da Educação Superior (SINAES) e todo o aparato microrregulatório emitido pelo

MEC.

No que se refere às ações de coordenação federativa, Abrucio (2011) julga

que tem ocorrido mais articulação intergovernamental, sobretudo na área da

educação. Neste sentido, são representativos o financiamento – com o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB) –, o IDEB, o piso salarial profissional nacional

para os profissionais do magistério público da educação básica e o PAR. O Governo

Lula, com recursos oriundos de empréstimo contraído junto ao Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), impulsionou também reformas no âmbito

das unidades da federação e nos municípios, com programas de apoio à

modernização da gestão e do controle externo, a fim de alcançar maior eficiência do

gasto público. Esses programas, em linhas gerais, tinham o objetivo de fortalecer a

capacidade de planejamento e de gestão de políticas públicas, desenvolver políticas

de recursos humanos, modernizar as estruturas organizacionais, fortalecer a

transparência e atualizar os sistemas de tecnologia de informação.

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No que diz respeito ao controle público federal, Abrucio (2007; 2011)

reconhece que, embora frágeis e com limitações, ocorreram avanços, citando

particularmente as ações da Polícia Federal (PF), do Tribunal de Contas da União

(TCU), Ministério Público (MP) e da Controladoria Geral da União (CGU). Para

ilustrar uma das inovações, pode-se mencionar o Portal da Transparência, criado

pela CGU, em 2004, com o objetivo de aumentar a publicidade da aplicação dos

recursos públicos. Destacamos também o exercício das funções de regulação e

supervisão de IES e cursos de graduação e sequenciais no sistema federal de

ensino. Nesse âmbito, a Portaria Normativa MEC nº 40, de 12 de dezembro de

2007, republicada em 201036, instituiu o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de

trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação,

avaliação e supervisão da educação superior, bem como consolidou disposições

sobre índices de qualidade, banco de avaliadores (BASIS) e o Exame Nacional de

Desempenho de Estudantes (ENADE).

Ressalte-se ainda, no Governo Lula, a ampliação dos mecanismos de

participação e diálogo com a sociedade civil, como as conferências nacionais de

políticas públicas, espaços criados para formalizar a participação social, a exemplo

da Conferência Nacional de Educação (CONAE). Ponderamos, entretanto, que o

aparato jurídico-legal é importante, mas não garante necessariamente o controle

social e a responsabilização do gestor público. Não raro, há um distanciamento entre

o quadro normativo e a realidade. Reconhecemos que a abertura institucional

democrática e republicana é um passo significativo, isto é, o arranjo jurídico é

requisito para o amadurecimento e o desenvolvimento de uma cidadania

participativa. Mas, pari passu, é preciso estimular e proporcionar efetivamente a

participação, bem como a formação de cidadãos críticos e reflexivos.

Quanto à elevação da capacidade regulatória do Estado, no Governo Lula,

Cunha (2016) destaca as atividades desenvolvidas por um Grupo de Trabalho

Interministerial (GTI), em 2003, que revisou premissas e identificou lacunas da

reforma dos anos 1990, culminando na criação da Agência Nacional de Aviação Civil

(ANAC), em 2005. O autor ressalta também o Programa de Fortalecimento da

36 Recentemente, a Portaria Normativa MEC nº 40/2007, republicada em 2010, foi revogada pela Portaria Normativa MEC nº 11, de 20 de junho de 2017, que estabeleceu normas para o credenciamento de instituições e a oferta de cursos superiores a distância, em conformidade com o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017.

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Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), instituído em

2007, que, partindo de uma visão mais sistêmica, tem como finalidade contribuir

para a melhoria do sistema regulatório, da coordenação entre as instituições, dos

mecanismos de prestação de contas e de monitoramento por parte da sociedade

civil e da qualidade da regulação de mercados.

O Governo Dilma Rousseff deu continuidade à matriz política desenvolvida

durante o Governo Lula, nas áreas econômica, gerencial, social, educacional e

demais setores. Conforme Singer (2016), o lulismo no Governo Dilma Rousseff

esteve presente no esforço em formar a coalizão entre industriais e trabalhadores e

ampliar a intervenção do Estado na economia. Para o autor, ocorreram esforços

para a retomada industrial, desconfiança em relação às forças espontâneas do

mercado, centralidade ao planejamento estratégico e ação estatal em definir setores

de expansão e em seu respectivo financiamento. Considerando esse ativismo

estatal do Governo Dilma Rousseff, houve, portanto, um “ensaio desenvolvimentista”

(SINGER, 2016), que misturou elementos do social-desenvolvimentismo e do novo

desenvolvimentismo, com elementos antiliberais, no sentido de maior intervenção do

Estado.

Quanto à política regulatória, conforme Cunha (2016), no Governo Dilma

Rousseff, foi criado o Plano Nacional de Consumo e Cidadania e a Câmara Nacional

das Relações de Consumo, em 2013. O Plano Nacional de Consumo e Cidadania,

seguindo tendência internacional, tem a finalidade de promover a proteção e defesa

do consumidor, por meio da integração e articulação de políticas, programas e

ações, descentralizando e possibilitando maior atuação dos usuários dos serviços

regulados na gestão. Esse Plano possui um Observatório Nacional das Relações de

Consumo, que tem em sua estrutura um Comitê Técnico de Consumo e Pós-Venda.

Interessante destacar que, na composição deste Comitê, há, inclusive, um

representante do MEC, o que indica o reconhecimento da aproximação entre a

educação e a atividade mercantil.

Diante da análise desse percurso de transição para incorporação do modelo

gerencial na estrutura administrativa do Estado brasileiro, constatamos que, tanto o

Governo FHC, quanto os Governos do PT, promoveram ações com o intuito de erigir

instituições pautadas em critérios técnicos, protegidas da política partidária na

administração pública brasileira, com maior profissionalização meritocrática das

carreiras de Estado. No entanto, a prática de loteamento dos cargos públicos, de

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politização da administração indireta e dos fundos de pensão, de aparelhamento, de

nepotismo e de clientelismo, revelam o patrimonialismo ainda presente na

administração direta e em estatais, com postura antirrepublicana de empresários,

partidos, Governo e Legislativo. Embora seja um vício praticado historicamente na

cultura brasileira, os escândalos de desvios na conduta de agentes (públicos e

privados) no âmbito do Estado ganharam maior destaque nos Governos Lula e

Dilma Rousseff. Desse modo, tem prevalecido no Brasil, conforme assinalam Cabral

Neto (2009) e Abrucio (2011), um modelo híbrido de administração pública, em que

a busca da implementação do modelo gerencial convive com a cultura política

populista, fisiologista e patrimonialista.

Quanto à concepção e execução de políticas voltadas para promoção de

direitos sociais, o Estado brasileiro tem atuado de maneira focalizada, em

conformidade com o modelo gerencial e a ideologia neoliberal. Nessa lógica, a

tônica tem sido o aprofundamento das privatizações e concessões em áreas de

interesse público, como a educação. Essa modernização administrativa tem

repercutido na política estruturante de expansão da educação superior. Ao

reconhecer o papel do conhecimento como valor econômico, consoante as

recomendações de organismos multilaterais, o Estado brasileiro tem construído uma

educação superior caracterizada por diferenciação institucional, diversificação das

fontes de subsídio (com a mobilização de maior volume de recursos privados e

financiamento público no setor privado), otimização dos recursos existentes a partir

do critério de eficiência, fixação de metas mediante contrato de gestão e a

implantação de mecanismos de controle e avaliação, vinculando o desempenho à

alocação do financiamento e responsabilizando instituições e docentes.

3.3 Educação superior no Brasil e sua transformação em serviço competitivo e não-exclusivo do Estado

O Estado intervencionista, no período do capitalismo Welfare State, era

financiador e provedor majoritário de serviços sociais indispensáveis (SILVA, 2013).

Com a ascensão do ideário neoliberal, esses serviços deslocaram-se,

paulatinamente, para as empresas privadas, consentâneo à racionalidade mercantil,

difundindo-se a ideia de que o Estado era ineficiente e corporativista. Em

contrapartida, as empresas privadas, sob a lógica concorrencial, teriam

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supostamente melhores condições de ofertar mercadorias mais eficientes e com

qualidade (HARVEY, 2012b). Nessa conjuntura, a partir do último cartel do século

XX, ganha força a oferta privado-mercantil no campo da educação superior, como

parte de uma agenda globalmente estruturada.

Os documentos publicados pelos organismos internacionais demonstram a

função político-ideológico de seus diagnósticos e orientações. Eles exerceram papel

fulcral na criação de um consenso de ampliação desse nível de ensino, por meio da

fragmentação e flexibilização institucional, como condição para integração à

sociedade do conhecimento. A UNESCO (1999, p. 31) apresenta dados que

comprovam o processo de crescimento da educação superior no período de 1960 a

1991: O número de estudantes do ensino superior cresceu [...] de 13 milhões de estudantes em 1960 para 28 milhões em 1970, 46 milhões em 1980 e 65 milhões em 1991. Os números para os países em desenvolvimento mostram um passo particularmente rápido de crescimento – de 3 milhões de estudantes em 1960 para 7 milhões em 1970, 16 milhões em 1980 e 30 milhões em 1991. [...] Em algumas regiões, o crescimento em matrículas parece espetacular: [...] de 2 milhões em 1970 para 8 milhões em 1991 na América Latina e Caribe.

Em seus prognósticos, “As projeções da UNESCO para matrículas no ensino

superior mostram um crescimento no número de estudantes no mundo, de 65

milhões em 1991 para 79 milhões no ano 2000, 97 milhões em 2015 e 100 milhões

em 2025.” (UNESCO, 1999, p. 33). Ainda assim, ao que parece, considerando o

crescimento demográfico e a falta de investimento, as vagas serão insuficientes para

atender a demanda, notadamente nos países que ainda possuem um sistema de

elite, em que o acesso se constitui apanágio (TROW, 2005). Diante de populações

que têm elevado o quantitativo de concluintes da educação básica e de jovens e

trabalhadores em busca de qualificação para ascender à condição de

empregabilidade, os gastos públicos dos governos dos países de capitalismo

dependente têm sido incapazes de acompanhar a demanda continuamente

crescente.

Diante da centralidade conferida ao conhecimento e a função estratégica da

educação superior para sua produção, são apresentadas múltiplas demandas para

esse nível de ensino: formar pessoas aptas à inserção nos mais diversos setores

profissionais, capacitar professores de todos os níveis, suscitar o desejo permanente

de aperfeiçoamento cultural, desenvolver ciência e tecnologia de ponta, produzir

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inovação tecnológica avançada, promover a extensão aberta à participação da

população, ampliar as políticas de inclusão, promover a ascensão social de grupos

desfavorecidos, apoiar os setores comercial e industrial, entre outras numerosas

exigências. Todas as demandas se apresentam como prioritárias, precisando de

soluções imediatas, como se a educação superior pudesse resolver todos os

problemas. Mas, na verdade, grande parte dessa pauta é seguramente difícil de ser

dirimida.

Tendo em vista constituir sociedade de conhecimento, as orientações dos

organismos, férteis especialmente a partir dos anos 1990, formam uma matriz

materializada nas políticas nacionais para mudança e desenvolvimento da educação

superior. Sob aquiescência dos governos locais, essa influência tem ocorrido desde

a legislação, passando pela diversificação de fontes de recursos e no processo de

privatização mercantil – ainda que as políticas adquiram suas particularidades nas

condições socio-históricas e nos interesses de cada âmbito nacional. Como alicerce,

tem-se uma ordem econômico-política hegemônica apoiada num processo técnico-

produtivo flexível, na globalização do capital e no avanço da ideologia neoliberal.

No Brasil, o processo de expansão da educação superior, sob a lógica de

privatização, teve início na segunda metade do século XX. Para analisar o

movimento do fenômeno, Gomes (2016) propõe quatro ciclos políticos. Seguindo em

linhas gerais esse agrupamento, o primeiro ciclo corresponde ao regime civil-militar,

vigente de 1964 a 1984. O segundo refere-se à transição para o regime político

democrático, no período de 1985 a 1994, abrangendo os governos de José Sarney,

Fernando Collor e Itamar Franco. O terceiro e o quarto concernem, respectivamente,

aos governos FHC e os do PT.

Ao examinar os dados sobre a participação dos setores público e privado na

matrícula total do ano de 1960 a 2016, conforme a Tabela 1, percebe-se que, ao

longo do período, a participação da categoria pública reduziu de 55,7% para 24,7%.

Por outro lado, a categoria privada cresceu de 44,3% para 75,3%.

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Tabela 1 – Evolução do número de matrículas de graduação, por categoria administrativa – Brasil – 1964-2016

Ano Matrícula Bruta Público % Privado %

Regime civil-militar 1964 142.386 87.587 56,2 68.194 43,8 1974 937.593 341.028 36,4 596.565 63,6 1984 1.399.539 571.879 40,9 827.660 59,1

Transição democrática 1985 1.367.609 556.680 40,7 810.929 59,3 1994 1.661.034 690.450 41,6 970.584 58,4

Governo FHC 1995 1.759.703 700.540 39,8 1.059.163 60,2 2002 3.479.913 1.051.655 30,2 2.428.258 69,8

Governos do PT 2003 3.887.022 1.136.370 29,2 2.750.652 70,8 2016 8.048.701 1.990.078 24,7 6.058.623 75,3

Fonte: Adaptado a partir de Gomes (2016, p. 39) e INEP (2017).

A Tabela 1 aponta dados relativos ao início e término de cada período

político. Quanto ao ano de 1974, integrante do ciclo da Ditadura Militar, foi

explicitado para destacar a virada que impulsionou o domínio privado, a nível

nacional 37 , tendência esta que já vinha ocorrendo paulatinamente nos anos

anteriores e que teve continuidade nos períodos subsequentes. Nesse sentido,

Sguissardi (2008a, p. 998) afirma: “Sob o ‘espírito’ do regime político, ocorre de

forma marcante o primeiro grande movimento de privatização do sistema.”. Durante

esse regime, alinhado à ideologia dos Estados Unidos, por intermédio da Agência

dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e do BM o

principal marco legal, no que diz respeito à organização e funcionamento da

educação superior, foi a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, mais conhecida

como Reforma Universitária, estratégica para o projeto de integração e

desenvolvimento econômico nacional e para imprimir um caráter tecnocrático às

universidades.

O segundo ciclo histórico, período de transição democrática do Brasil, foi

marcado por uma baixa taxa de crescimento da educação superior, ficando

praticamente estável. A proporção entre matrículas públicas e privadas, como

aponta a Tabela 1, permaneceu praticamente inalterada: 41,6% públicas e 58,4%

privadas. Consoante CEA (2009), Barreyro e Rothen (2008) e Zandavalli (2009),

nesse período, em 1985, foi constituída a Comissão Nacional de Reformulação da

37 Ao perscrutar o plano regional e estadual, nota-se que o domínio privado ocorreu assimetricamente. No Nordeste e no Rio Grande do Norte, por exemplo, Cabral Neto e Castro (2011) constatam que a superioridade de matrículas no setor privado só ocorreu a partir dos anos de 2005 e 2008, respectivamente. Aponta-se como um dos fatores explicativos para a privatização tardia dessa região o baixo poder aquisitivo da população, aliado a programas específicos de estímulo a novas matrículas em IES privadas, que catalisaram a supremacia do segmento privado, mas que só ocorreram acentuadamente a partir dos anos 2000.

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Educação Superior (CNRES), a fim de subsidiar a formulação de uma nova política

para a educação superior. O resultado da CNRES materializou-se num relatório,

que, em linhas gerais, defendeu a autonomia e o financiamento universitário,

acompanhados por avaliação externa baseada nos resultados e na valorização do

mérito acadêmico. Esse relatório final da CNRES serviu de ponto de partida para o

Grupo Executivo para a Reformulação da Educação Superior (GERES), grupo

interno do MEC criado em 1986 com a função de elaborar uma proposta de Reforma

Universitária. O resultado foi um Projeto de Lei, que dispunha sobre a natureza

jurídica, a organização e o funcionamento das Instituições Federais de Educação

Superior (IFES). O GERES compreendia que o sistema deveria ser flexibilizado,

tanto nos seus objetivos, como na sua estrutura organizacional. Em consonância

com o documento da CNRES, o GERES sustentou a ideia de um sistema de

avaliação de desempenho e que o financiamento das IFES fosse vinculado aos

resultados. Essas propostas ficaram como herança cognitiva no debate público, de

modo que somente em 1993, fundamentado numa perspectiva menos regulatória e

muito mais processual, foi implementado o Programa de Avaliação Institucional das

Universidades Brasileiras (PAIUB), constituindo-se na primeira experiência de

avaliação institucional da educação superior brasileira enquanto política pública mais

ampla (CEA, 2009; BARREYRO e ROTHEN, 2008; ZANDAVALLI, 2009).

Em seguida, no período formado pelos oito anos do Governo FHC, Barbalho e

Castro (2012) sustentam que foi marcado pela involução no crescimento de IES

públicas e que a expansão se deu pela via da privatização. Assim, de alguma forma

o governo brasileiro foi se desresponsabilizando com a oferta da educação superior

pública e promovendo a liberalização do mercado da educação superior brasileira

(SOUSA, 2009). Recrudesceu-se o redimensionamento do aparelho de Estado

brasileiro e implementou-se grande parte das orientações da UNESCO e do Banco

Mundial, como condição para se inserir na economia global e desenvolver novas

habilidades e competências exigidas pelo mercado à classe trabalhadora. Nesse

contexto, em meio à reforma do Estado brasileiro, foi promulgada a Lei nº

9.394/1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional (LDB).

Fundada no princípio da flexibilidade, passou a abarcar uma multiplicidade de cursos

e programas, além de variados graus de abrangência de instituições, abrindo novos

horizontes no processo de expansão, diversificação, privatização e mercantilização

da educação superior. A partir do Decreto nº 2.306/1997, as instituições particulares

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em sentido estrito, com finalidade lucrativa, passaram a se submeter ao regime da

legislação mercantil, quanto aos encargos fiscais, parafiscais e trabalhistas, como se

comerciais fossem. Dois anos depois, a Lei nº 9.870, de 23 de novembro de 1999,

que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares (incluindo educação

superior), acrescentou o Art. 7º-A à Lei nº 9.131/1995, estabelecendo que as

pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de IES, poderiam assumir

qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial. Inventava-

se, assim, efetivamente um novo setor econômico: educação superior com finalidade

lucrativa. Até 1999, todas essas IES eram classificadas como beneficentes

filantrópicas e de assistência social, não visando formalmente ao lucro e, portanto,

não se sujeitavam, ainda, ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990).

Em que pese a elevação de 98% no número de matrículas, no período de

1995 a 2002, o Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010) diagnosticou que o

Brasil apresentava um dos índices mais baixos de acesso à educação superior, pois

a porcentagem de matriculados, em relação à população de 18 a 24 anos, era de

menos de 12% (BRASIL, 2001).

A abertura da educação superior brasileira a corporações lucrativas, durante o

Governo FHC, foi acompanhada da premência por um ensino de qualidade e para

que o MEC desenvolvesse a regulação e supervisão do setor. Nessa conjuntura, foi

institucionalizado o Exame Nacional de Cursos (ENC), também conhecido como

“Provão”, teste aplicado no período de 1996 a 2003, estabelecendo a prática de

avaliações periódicas, por meio de exames nacionais anuais com base nos

conteúdos mínimos de cada curso, destinados a aferir os conhecimentos e

competências adquiridos pelos alunos em fase de conclusão. O propósito era que os

resultados das avaliações orientassem as ações do Estado na expansão do sistema.

A fase dos Governos do PT, foi uma etapa marcada por múltiplas propostas e

programas voltados para a educação superior, tanto na categoria pública e privada,

como na modalidade presencial e a distância. Nesse período, o Deputado Átila Lira

(na época do PSDB/PI) apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 4.212/2004, propondo

uma Reforma Universitária. O Poder Executivo, posteriormente, também apresentou

seu projeto de Reforma (PL nº 7.200/2006), que foi apensado ao anterior38. A não

38 Atualmente, ambos os projetos estão apensados ao PL 4.533/2012 de autoria Senador Arthur Virgílio (PSDB/AM), que propõe elevar a exigência, nas Universidades, das percentagens específicas mínimas para doutores, mestres e docentes com regime de trabalho em tempo integral.

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aprovação da Reforma Universitária do Governo Lula não impediu a sua política

para a educação superior, que se deu de forma fragmentada, através de Leis,

Decretos e Portarias. Como resultado desse empreendimento, podem-se citar, entre

outros: a Lei nº 10.861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Superior (SINAES); o Decreto nº 5.205/2004, posteriormente revogado

pelo Decreto nº 7.423/2010, que trata das relações entre as IFES e de pesquisa

científica e tecnológica e as fundações de apoio; a Lei nº 10.973/2004, que dispõe

sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente

produtivo; a Lei nº 11.091/2005, que dispõe sobre a estruturação do Plano de

Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos no âmbito das Instituições Federais de

Ensino; o Decreto nº 5.622/2005, que regulamentava a modalidade de educação a

distância39; o Decreto nº 7.234/2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de

Assistência Estudantil (PNAES); a Lei nº 12.550/2011, que criou a Empresa

Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH); o Decreto nº 7.485/2011, que dispõe

sobre a constituição de banco de professor-equivalente das universidades federais e

regulamenta a admissão de professor substituto; a Lei nº 12.711/2012, que dispõe

sobre cotas no ingresso às universidades federais e às instituições federais de

ensino técnico de nível médio; e a Lei nº 12.772/2012, que dispõe sobre a Carreira

do Magistério Superior.

Em conformidade com Gomes (2016), a expansão no Governo FHC e nos

Governos do PT apresenta continuidades no que diz respeito ao crescimento das

matrículas, das IES não-universitárias e do setor privado, mas demonstra distinções

quanto aos grupos de interesse público-alvo, principalmente no que se refere ao

perfil socioeconômico, destacando a política de bolsas e cotas. Além disso, se no

período FHC houve cortes no orçamento do setor público federal, no período do PT

retomou-se o investimento. Assim, a reestruturação e expansão das universidades

federais vincularam-se ao projeto novo desenvolvimentista dos Governos do PT.

Desse modo, programas deram relativo fôlego a IES públicas, contribuindo para a

continuidade do processo de expansão e diversificação, como o Sistema

Universidade Aberta do Brasil (UAB), o Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e a criação dos

Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF).

39 Foi revogado pelo Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017.

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O Sistema UAB foi instituído pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006,

voltado para o desenvolvimento da modalidade de educação a distância (EaD), com

a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação

superior no País. Entre os objetivos do Sistema UAB, estão oferecer cursos de

licenciatura e de formação inicial e continuada de professores e demais profissionais

da educação básica. Além disso, seguindo as diretrizes dos organismos

multilaterais, propõe-se fomentar o desenvolvimento institucional para a modalidade

de educação a distância, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de

ensino superior apoiadas em tecnologias de informação e comunicação (BRASIL,

2006). Embora tenha um tímido impacto no sistema, constata-se, como se pode

observar na Tabela 2, que a maior contribuição das matrículas em IES públicas, na

modalidade a distância, foi no ano de 2008, correspondendo a 5% do total de

matrículas em cursos de graduação, o que representa a importância do Sistema

UAB para expansão da educação superior dia EaD.

Tabela 2 – Número de matrículas em cursos de graduação, na modalidade a distância, em IES públicas – Brasil 2006-2016

Ano Total Percentual em relação ao total de matrículas

de graduação Federal Estadual Municipal

2006 42.061 1% 17.359 21.070 3.632 2007 94.209 2% 25.552 67.275 1.382 2008 278.988 5% 55.218 219.940 3.830 2009 172.696 3% 86.550 86.059 87 2010 181.602 3% 104.722 76.414 466 2011 177.924 3% 105.850 71.152 922 2012 181.624 3% 102.211 64.778 14.635 2013 154.553 2% 92.344 46.929 15.280 2014 139.373 2% 96.482 39.181 3.710 2015 128.393 2% 81.463 43.988 2.942 2016 122.601 2% 73.674 45.479 3.448

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de INEP (2017).

Em termos absolutos, o maior número foi registrado em 2012, ponto alto do

projeto social desenvolvimentista do Governo Dilma Rousseff, totalizando 181.624

matrículas em cursos de graduação, na modalidade a distância, em IES públicas.

Nos anos seguintes, coincidindo com o período da crise econômica e política,

percebe-se uma tendência de queda no quantitativo. Outro fator a ser considerado é

o alto índice de evasão em cursos do Sistema UAB. Dados apresentados nos

estudos de Sousa e Maciel (2016) e Sousa (2017) apontam que, até o ano de 2012,

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142

a média de estudantes desvinculados do Sistema UAB foi de 32%, o que chama a

atenção para a necessidade de se criar mecanismos de acompanhamento efetivos e

transparentes para favorecer a permanência.

Outro programa que implicou em expansão da graduação via universidades

federais foi o REUNI, instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, com o

objetivo de ampliar o acesso pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de

recursos humanos existentes. A meta global foi a elevação gradual da taxa de

conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da

relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito.

O MEC alocou para o Programa recursos financeiros, sobretudo para construção e

readequação de infraestrutura e equipamentos, compra de bens e serviços e

despesas de custeio e pessoal. Em consonância com os preceitos da nova gestão

pública, os repasses dos recursos financeiros adicionais destinados a cada

universidade estavam vinculados ao cumprimento das etapas previstas no plano de

reestruturação da IES (BRASIL, 2007). Segundo Andrés (2017) os Governos do PT

destinaram ao REUNI cerca de R$ 10 bilhões até 2012, fazendo com que as vagas,

nas IFES, saltassem de 139.875, em 2007, para 231.530, em 2011. A autora avalia

que “Os resultados efetivos da implantação e desenvolvimento deste programa

foram significativos e as comunidades universitárias das federais pressionaram o

MEC para que ele fosse continuado após 2012, ano previsto para seu término. O

programa foi retomado com orçamento decrescente a partir de 2013.” (ANDRÉS,

2017, p. 175).

Ainda no âmbito federal, foi criada a Rede Federal de Educação Profissional,

Científica e Tecnológica, por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008,

constituindo, entre outras instituições de educação profissional e tecnológica, os IF.

Além de atuar na educação básica e profissional, os IF têm como objetivo ministrar

cursos superiores de tecnologia, de licenciatura, de bacharelado e engenharia, de

pós-graduação lato sensu e stricto sensu. A legislação impõe a cada IF a oferta de,

no mínimo, 20% de suas vagas para atender cursos de licenciatura, bem como

programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de

professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática,

e para a educação profissional (BRASIL, 2008). Os dados contidos na Tabela 3

mostram que, em termos absolutos, o número de matrículas em cursos de

graduação, nos IF, tem apresentado uma tendência de crescimento. No período de

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143

2009 a 2016, a progressão percentual foi de 242%, saltando de 68.097 para 164.592

matrículas.

Tabela 3 – Número de matrículas em cursos de graduação, em IF e CEFET – Brasil 2009-2016

Ano Total Percentual em relação ao total de matrículas de graduação 2009 68.097 1%

2010 87.506 1%

2011 101.626 2%

2012 111.639 2%

2013 120.407 2%

2014 131.962 2%

2015 144.876 2%

2016 164.592 2% Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de INEP (2017).

Essa abrangência dos IF implicou na expansão e interiorização da oferta de

cursos de graduação nos multicampi, ainda que o impacto dos IF no cômputo total

de matrículas, em termos percentuais, seja muito reduzido, correspondendo a

apenas 2%, em 2016.

Diante de toda essa expansão da rede federal de educação superior, é

possível reconhecer que os Governos do PT elevaram o investimento na educação

superior pública. Mas, conforme os dados quantitativos apresentados, a participação

do segmento público no cômputo geral das matrículas de graduação continua

reduzida, não obstante os esforços no sentido de incrementá-la. Em vista disso, os

programas direcionados para as IES públicas foram incapazes de reverter o

processo de privatização da expansão, pois a categoria privada continuou

avançando, estabelecendo, em 2016, um percentual de 75,3%, contra 24,7% de

matrículas nas IES públicas, maior distância na relação público-privado, conforme

visto na Tabela 1. Ou seja, a privatização não se caracterizou pela transferência de

IES públicas para o setor privado. O que houve foi, inversamente ao acelerado ritmo

de crescimento das IES privadas, morosidade na evolução quantitativa do segmento

público.

Esse fenômeno se explica pela própria forma como os Governos do PT

conduziram a política de operacionalização da elevação das taxas de matrícula.

Merecem destaque, entre os programas de viés privatista, a ampliação do Fundo de

Financiamento Estudantil (FIES) e a criação do Programa Universidade para Todos

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144

(PROUNI) e do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das

Instituições de Ensino Superior (PROIES).

O FIES foi criado pela Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, ainda no

Governo FHC, sob a designação Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino

Superior. Destinado à concessão de financiamento a estudantes matriculados em

cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos

pelo MEC, o FIES ganhou notoriedade nos Governos do PT, que reduziram a taxa

de juros e elevaram o período de carência e o de amortização (BRASIL, 2001). As

informações expostas na tabela 4 apontam que aconteceu um progresso substancial

do FIES. No período de 2009 a 2015, houve um crescimento de 921% de matrículas

financiadas pelo programa, correspondendo à metade das matrículas na rede

privada com financiamento estudantil/bolsa, seguida de uma leve queda em 2016.

Essa redução em 2016 se deve, possivelmente, à crise de 2015 apontada por Gilioli

(2017), em que houve mudança nos repasses do FNDE para as mantenedoras

válidas para aquele ano, a qual ensejou o estabelecimento de novos critérios de

concessão, bem como outra crise, no segundo semestre de 2016, que também

resultou em atraso nos repasses federais para as IES.

Tabela 4 – Matrícula total e com financiamento estudantil/bolsa em cursos de graduação na rede privada – Brasil 2009-2016

Ano Matrícula na rede privada

Total Com financiamento

Total FIES PROUNI Outros 2009 4.460.683 1.006.020 133.089 337.727 535.204 2010 4.764.062 1.294.887 151.035 337.185 806.667 2011 4.991.898 1.523.520 220.603 365.782 937.135 2012 5.160.266 1.785.246 434.000 399.507 951.739 2013 5.389.948 2.206.263 817.081 385.427 1.003.755 2014 5.878.199 2.707.330 1.303.202 437.786 966.342 2015 6.080.989 2.699.068 1.332.369 483.336 883.363 2016 6.058.623 2.768.447 1.226.352 538.708 1.003.387

Fonte: (INEP, 2017). Percebe-se que o FIES assumiu o protagonismo no financiamento público da

expansão privada, tendo o grupo Kroton se transformado no maior beneficiário

(SANTOS, 2018). Conforme o Gráfico 1, a evolução da dotação orçamentária

autorizada para o FIES (em bilhões de reais) saltou de 1.387 para 17.851.

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145

Gráfico 1 – Evolução da dotação orçamentária autorizada para o Fies (em bilhões de reais)

Fonte: (ANDRÉS, 2017).

Esse montante de recursos certifica a centralidade assumida pelo FIES

enquanto programa estratégico de expansão via segmento privado-mercantil.

Interessante notar que somente a dotação orçamentária autorizada para o FIES no

ano de 2014 supera todo o investimento no REUNI.

A Tabela 4 demonstra que o PROUNI também apresentou crescimento

significativo de 160% no período analisado. O Programa, instituído pela Lei nº

11.096, de 13 de janeiro de 2005, concede bolsas de estudo integrais40 e parciais41

para estudantes de cursos de graduação e sequenciais, em instituições privadas.

Entre os destinatários da bolsa, estão estudante que tenha cursado o ensino médio

completo em escola da rede pública e professor da rede pública de ensino

(independentemente da renda) que cursarão licenciatura. A instituição que adere ao

PROUNI fica isenta do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição Social para

Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e da Contribuição para o Programa

de Integração Social (PIS) (BRASIL, 2005). O PROUNI, semelhante ao FIES, é uma

política pública que corresponde à noção de público-não estatal, prevista no Plano

Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. As IES privadas, desse modo, prestam

um serviço público, o que justifica a destinação indireta de verbas públicas para o

setor privado mediante renúncia fiscal.

40 A bolsa de estudo integral é concedida a não portadores de diploma de curso superior, cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até um salário-mínimo e meio. 41 As bolsas de estudo parciais, de 25% ou 50%, são concedidas a não-portadores de diploma, cuja renda familiar mensal per capita não exceda até três salários-mínimos.

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No conjunto das ações de empresariamento da educação superior, o Governo

Dilma Rousseff institui o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao

Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), mediante a Lei nº

12.688, de 18 de julho de 2012, com o objetivo de assegurar condições para a

continuidade das atividades de entidades mantenedoras, por meio da aprovação de

plano de recuperação tributária e da concessão de moratória de dívidas tributárias

federais. Isso possibilitou que IES privadas renegociassem suas dívidas tributárias,

convertendo até 90% dessas dívidas em bolsas de estudo, ao longo de 15 anos, e

assim reduzir o pagamento em espécie a 10% do total devido. O Programa, ao

mesmo tempo, amplia a oferta de educação superior e recupera parte dos créditos

tributários (MALDONADO DA SILVA, 2014).

Aliado ao FIES, PROUNI e PROIES, o segmento lucrativo tem causado

“efervescência do mercado educacional” (SGUISSARDI, 2008a, p. 1003), com a

“formação de oligopólios” (CHAVES, 2010, p. 491), ocorrendo oferta de ações na

bolsa de valores, fundos de investimento, participação de capital estrangeiro e

ocorrência de fusões e aquisições por parte de empresas transnacionais. Ganha

força, efetivamente, a educação no setor de serviços a ser negociada na

Organização Mundial do Comércio (OMC). Como consequência, a educação é transformada num grande “negócio” a ser comercializado no mercado capitalista e os estudantes, em clientes-consumidores, disputados por instituições privadas de ensino superior que reproduzem, em seu interior, relações capitalistas, por meio de práticas instrumentais e utilitaristas, distanciando-se da reflexão crítica e da educação como possibilidade emancipadora. (CHAVES, 2010, p. 496)

Diante disso, tem ocorrido a oferta de ações na bolsa de valores, fundos de

investimento, participação de capital estrangeiro e ocorrência de fusões e aquisições

por parte de empresas transnacionais. Desse modo, além da busca da eficiência no

âmbito público e programas de matrículas em IES privadas, a privatização da

expansão da educação superior no Brasil tem sido marcada pela financeirização e

desnacionalização, mediante redes multinacionais de capital aberto. Segundo Melo

(2017), os quatro maiores conglomerados no Brasil são Kroton Educacional, Estácio

Participações, Universidade Paulista (UNIP) e Laureate International Universities.

Juntos, possuem participação de mercado total de 75%. Diante desse cenário, a

educação superior passa a ser tratada como negócio, orientada pelo vocabulário do

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mundo business, guiada pela lógica do marketing, metas de vendas, lucro e

satisfação do cliente. Para Assis e Oliveira (2013, p. 66), [...] as reformas promovidas pelo Estado brasileiro no âmbito das políticas públicas para a educação vêm colaborando de forma decisiva para fortalecer os objetivos do sistema econômico, que passa a tirar o maior proveito possível do processo de privatização e da desregulamentação da educação superior.

Desse modo, o Brasil se transformou em um país com educação superior

majoritariamente ofertada por entidades com finalidades lucrativas. A expansão via

setor privado é resultado da noção de serviços não-exclusivos do Estado, em que a

propriedade considerada ideal para atuar é a pública não-estatal, concepção iniciada

no governo FHC. O Estado subsidia porque se trata de um direito social, mas regula

e estimula a atuação de organizações não-estatais, sob controle social. Nesse

sentido, o Brasil se tornou um espaço atrativo para o mercado educacional, um

campo seguro para investidores. Observando a lógica ideológica presente no

Espírito de Sion (SINGER, 2012), nela não cabe a defesa de uma educação superior

baseada em finalidades lucrativas, mas a ancoragem nesse setor com fins lucrativos

foi expandida e aprofundada, principalmente pela participação de grandes

investidores transnacionais, nos Governos do PT.

Não se pode negar, contudo, que essa expansão, ainda que via setor privado,

representou uma forma do lulismo promover maior acesso à educação superior,

possibilitando, conforme sinalizam Gentili e Oliveira (2013, p. 257), “[...] que mais de

1 milhão de jovens pobres se tornassem a primeira geração de estudantes nas suas

respectivas biografias familiares.”. Vincular a concessão de bolsas à renda familiar

mensal, como é o caso do PROUNI, é uma ação que atribui algum conteúdo social à

privatização.

O recorte histórico analisado, a partir dos anos 1960, é permeado pelas

correlações de forças entre um projeto privatista-mercantil e um público-estatal.

Percebe-se que a expansão da educação superior brasileira produziu um processo

de privatização independentemente “[...] das formações político-ideológicas e

discursivas das classes e grupos que dominaram e ocuparam o Estado ao longo dos

últimos 50 anos” (GOMES, 2016, p. 43). Isto é, grupos empresariais tomaram a

educação superior como um campo fértil em possibilidades de negócios, sob o

estímulo do bloco no poder, que viu nesse movimento um modelo eficiente de

atendimento à crescente demanda. De acordo com Nunes, Fernandes e Albrecht

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(2014), as matrículas em IES com fins lucrativos, no ano de 2000, representavam

18,4% do total de matrículas no segmento privado. Em 2007, esse percentual

passou para 30,5% e, em 2012, chegou a quase metade do total, 49,6%.

Hoje, a educação superior brasileira, como um todo, tornou-se uma gigante,

totalizando 8.286.663 matrículas na graduação (INEP, 2018), com alto montante de

despesas e receitas e grande número de profissionais com vínculo formal,

impactando de forma ampla na economia. Para adquirir essa dimensão, além da

expansão via IES privadas, percebe-se aprofundamento no processo de

diferenciação institucional, em que o modelo universitário passa a ser refreado em

favor de outros formatos mais flexíveis, em conformidade com as orientações dos

organismos multilaterais. Se a Tabela 1 demonstra a evolução do número de

matrículas de graduação, no período de 1964-2016, a Tabela 5 apresenta o número

de IES universitárias e não-universitárias por categoria administrativa, revelando a

ocorrência de forte processo de diferenciação institucional via instituições não-

universitárias.

Tabela 5 – Número de instituições de educação superior, por categoria administrativa

Ano Total Geral

Universidades Instituições Não-Universidade (Centro Universitários; Faculdades; Institutos

Federais) Total Federal Estadual Municipal Privada Total Federal Estadual Municipal Privada

1964 601 37 ... ... ... ... 564 ... ... ... ... 1974 814 58 30 6 1 21 778 18 73 77 610 1984 847 67 35 10 2 20 780 18 64 109 589 1994 851 127 39 25 4 59 724 18 48 84 574 1995 894 135 39 27 6 63 759 18 49 71 621 2002 1.637 162 43 31 4 84 1.475 30 34 53 1.358 2003 1.859 163 44 31 4 84 1.696 39 34 58 1.568 2012 2.416 193 59 38 11 85 2.223 44 78 74 2.027 2016 2.407 197 63 39 6 89 2.210 44 84 60 2.022 Adaptado a partir de Gomes (2016, p. 42) e INEP (2017).

À exceção das IES municipais, nota-se que houve expansão em todos os

arranjos institucionais e categorias. O número de instituições não-universitárias, que

na série histórica sempre foi maior, tem um impulso especialmente a partir de 1995,

período de implementação sistemática do modelo gerencial de administração

pública. Em 1995, a organização acadêmica universitária e não-universitária

correspondiam, respectivamente, a 15% e 85% do total de IES. Em 2016, a relação

foi, nessa ordem, 8% e 92%. Isso certamente foi viabilizado pela LDB, que

flexibilizou as possibilidades de organização institucional. O Artigo 44 da Lei nº

9.394/1996, além dos cursos de graduação, de pós-graduação e de extensão,

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incluiu “cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de

abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas

instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente”

(Redação dada pela Lei nº 11.632/2007). O Artigo 45 da LDB dispôs que “a

educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou

privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.”. Esse dispositivo

foi regulamentado, ao longo do tempo, conforme sintetizado no Quadro 4:

Quadro 4 – Classificação de Instituições de Educação Superior quanto à sua organização acadêmica – Brasil – 1997-2019

Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997. Depois, Decreto nº

2.306, de 19 de agosto de 1997

Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001

Decreto nº 5.225 de 1º de outubro de 2004

Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006. Depois, Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017

1. Universidades 2. Centros

universitários 3. Faculdades

integradas 4. Faculdades 5. Institutos superiores

ou escolas superiores

1. Universidades 2. Centros

universitários 3. Faculdades

integradas, faculdades, institutos ou escolas superiores

1. Universidades 2. Centros Federais de

Educação Tecnológica e centros universitários

3. Faculdades integradas, faculdades de tecnologia, faculdades, institutos e escolas superiores

1. Universidades 2. Centros universitários 3. Faculdades

Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008

4. Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

Fonte: Elaboração do próprio autor.

As universidades, para serem credenciadas nessa condição, devem obedecer

ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, possuir um

terço do corpo docente com titulação de mestrado e doutorado, bem como em

regime de tempo integral, ofertar regularmente cursos de graduação, de mestrado e

de doutorado e obter elevado conceito institucional na avaliação institucional

externa. Da mesma maneira, as instituições da Rede Federal de Educação

Profissional, Científica e Tecnológica são equiparadas às universidades federais

para efeito de regulação, supervisão e avaliação. Nos centros universitários e

faculdades, o foco é mais a atividade de ensino, de modo que os processos

regulatórios são gradativamente mais brandos, sem as rigorosas exigências fixadas

para as universidades. Essa diferenciação organizacional, embora possibilite maior

acesso de estudantes, torna o sistema bastante heterogêneo, fragmentando tanto

verticalmente (centros universitários, faculdades, institutos etc.), como

horizontalmente (particulares com fins lucrativos, comunitárias, confessionais,

filantrópicas etc.), ou através de ambas as formas (educação a distância).

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150

Nesse diapasão, no Brasil, ainda persistem desafios para a democratização

efetiva da educação superior. De fato, o país não conseguiu nem atingir resultados

quantitativos satisfatórios. Prova disso é a Meta 12 da Lei nº 13.005, de 25 de junho

de 2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024). Ainda se

apresenta como escopo, a elevação da taxa líquida de matrícula na educação

superior para 33% da população de 18 a 24 anos, com, pelo menos, 40% das novas

matrículas no segmento público. Ainda numa fase de transição para um sistema de

educação superior de massas, os dados do INEP (2018) indicam que a Meta 12 está

longe de ser alcançada.

Diante dessa análise acerca da reforma administrativa e as repercussões na

relação expansão-avaliação da educação superior, constata-se que o Estado

deslocou seu papel de modo a se aproximar das funções de regulação e avaliação.

Ao mesmo tempo, o processo de expansão da educação superior implementou

políticas em congruência com as orientações dos organismos multilaterais. Para o

setor público, foram postos em prática o contrato de gestão, a otimização eficiente

dos recursos, a competição para captação de financiamento e a diversificação da

oferta mediante a modalidade a distância e os IF. Os dados demonstraram, porém, o

aprofundamento do predomínio de instituições e matrículas em instituições privadas

ao longo dos anos, marcado pela operação de multinacionais que comercializam a

educação superior como mercadoria. Dessa maneira, tem-se um setor diversificado,

tendencialmente com finalidade lucrativa, lastreado em megainstituições de ensino,

geridas por investidores nacionais e internacionais. Decorrem, desse conjunto de

traços, desafios para a gestão da educação superior. A avaliação, nesse cenário,

tornou-se mecanismo de transparência na relação entre prestadores dos serviços

educacionais e consumidores. O modelo de expansão da educação superior

brasileira, portanto, entre outros aspectos expostos, põe em evidência a

imprescindibilidade das ações de avaliação, regulação, supervisão e acreditação

para garantia do padrão de qualidade socialmente referenciada.

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151

4 AVALIAÇÃO A SERVIÇO DA REFORMA DO ESTADO: POLÍTICAS PÚBLICAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

As políticas de avaliação têm sido implementadas em todas as áreas de ação

estatal, com distintas finalidades, mas predominantemente como forma de governos

modelarem sistemas e promoverem práticas de responsabilização de gestores

públicos, prestação de contas, regulação da atividade privada e controle social. Essa

marcha tem ocorrido sob correlações de forças com perspectivas ético-políticas

distintas, pois, de modo geral, dois grupos estão em disputa: de um lado, os que

defendem as políticas num sentido com caráter social; de outro, os que colocam em

primeiro plano as demandas do mercado.

A avaliação baseada no método científico, desde o seu início, almejou um

caráter eminentemente técnico e, ao longo do tempo, tem se tornado cada vez mais

complexa. Seria ingênuo, todavia, restringi-la apenas à competência técnica, pois as

experiências históricas têm demonstrado que, para além dessa cariz, há

inextricavelmente uma dimensão política, no sentido mais amplo da palavra, haja

vista ser a avaliação uma atividade de interesse público e, consequentemente,

produzir impactos sociais.

Não há, pois, conforme aponta Dias Sobrinho (2003), avaliação

desinteressada. Essa essência política é propriamente a principal motivação dos

embates: “[...] a avaliação está no centro das reformas, no foco das competições que

se travam no campo da educação e se referem a disputas mais amplas pela

construção de tipos distintos de sociedade.” (DIAS SOBRINHO 2003, p. 95). Ou,

segundo Natércio Afonso (2009), não há avaliação neutra: tem sempre um cliente e

uma agenda.

Desse modo, a avaliação se tornou objeto de políticas públicas, estas

entendidas, segundo Thoenig (2004), como um fenômeno social e político,

concernente às intervenções de uma autoridade investida de poder público e

legitimidade governamental. Mas, baseando-se numa abordagem multicêntrica

(SECCHI, 2013), vale ressaltar que envolve também sujeitos, segmentos e grupos

não-estatais. Nesse sentido, para Lascoumes e Le Galès (2012, p. 31), “[...] política

pública corresponde a designar a ação desenvolvida por uma autoridade (só ou em

parceria) com o objetivo de solucionar dada situação percebida como um problema”.

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Desse modo, possui intencionalidade e resposta a um problema público, abarcando

múltiplos atores.

No que diz respeito à avaliação da educação superior, ao mesmo tempo em

que reflete concepções e práticas da macropolítica, induz e fortalece um dado

modelo de educação que se pretende engendrar e, por conseguinte, impacta na

totalidade social. Dessa maneira, as políticas para o ensino, a pesquisa e a

extensão, a organização didático-pedagógica, a infraestrutura física, as políticas de

pessoal, as competências e habilidades dos egressos e outras áreas da gestão das

instituições, numa inversão entre meios e fins, passam a ser reformuladas a fim de

atender os critérios da avaliação.

Assim sendo, neste capítulo, são investigadas as vicissitudes da avaliação da

educação superior brasileira, mais especificamente para os cursos de graduação.

Para isso, faz-se, em linhas gerais, um histórico do campo da avaliação educacional

amalgamada com a avaliação de políticas públicas, com ênfase no contexto

estadunidense e no brasileiro. Em seguida, são consideradas as iniciativas surgidas

nos anos 1980 para conceber a avaliação da educação superior, culminando, na

década de 1990, no Programa de Avaliação Institucional das Universidades

Brasileiras (PAIUB) e no Exame Nacional de Cursos (ENC-Provão). Por fim, são

analisados o atual Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES),

instituído em 2004, e os processos de regulação e supervisão decorrentes.

4.1 Um breve histórico da avaliação educacional e da avaliação de políticas

públicas e suas relações

Avaliar, em sentido amplo, enquanto ação de julgar ou determinar o valor de

algo ou alguém, é algo intrínseco ao homo sapiens. Utilizando o atributo do

pensamento, a espécie humana pratica avaliações no âmbito do senso comum, para

as mais variadas atividades cotidianas. Ademais, procedimentos avaliativos com

interesse público também são historicamente praticados nas diversas sociedades.

Segundo Dias Sobrinho (2003), há mais de 2 mil anos, na China, já se faziam

exames de seleção para os serviços públicos. O autor cita ainda a docimasia em

Atenas, na Grécia Clássica, uma espécie de concurso que se fazia sobre as

aptidões dos candidatos à função pública, que incluía uma investigação acerca da

vida do cidadão eleito.

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Em conformidade com Lima (2008), o percurso da avaliação avançou, ao

longo da história humana, por meio de sucessivas rupturas epistemológicas,

conforme o Quadro 5. O autor defende a ideia de que a capacidade de avaliar

remonta à pré-história e que a primeira ruptura epistemológica se deu no processo

de hominização concomitante ao desenvolvimento das capacidades psicológicas

humanas superiores. O propósito da avaliação, nessa fase inicial, era a própria

sobrevivência da espécie, marcar o rito de passagem para a vida adulta e o

acompanhamento do sujeito.

Quadro 5 – Síntese histórica recorrente da avaliação educacional, conforme Lima (2008) 3.500 a.C. 476 1453 1789 è

PRÉ-HISTÓRIA IDADE ANTIGA IDADE MÉDIA IDADE MODERNA IDADE CONTEMPORÂNEA

- Desenvolvimento das funções psicológicas superiores (1a ruptura epistemológica) - Medidas práticas e sem padrão uniforme - Exames sobre usos e costumes (caça, pesca e lutas) - Primeiros exames qualitativos - Método pré-histórico (anterior a 3.500 a.C.) - Epistemologia primitiva: imaginação humana (conhecimento mítico) - Propósito da avaliação: SOBREVIVÊNCIA, PROMOÇÃO E CONTROLE.

- Primeiras tecnologias e sistemas de medidas e pesagem (“pantometria” da Antiguidade) (2a ruptura epistemológica) - Primeiros exames extraescolares (3.000 a.C.) na China e 560 a.C. na Grécia (3a ruptura epistemológica) - Exames qualitativos - Método grego (séc. VII a.C.-séc. IV a.C.) - Epistemologia grega: superação da mitologia pela filosofia - Propósito da avaliação: MILITAR, CLASSIFICAÇÃO E CONTROLE.

- Primeiros exames escolares orais e formais (4a ruptura epistemológica) - “Ratio studiorum” - Pedagogia tradicional e jesuítica - Exames qualitativos - Método escolástico (séc. IV-séc. XIII) - Epistemologia medieval: pensamento teológico - Propósito da avaliação: DISCIPLINA, CLASSIFICAÇÃO E CONTROLE.

- Modelo quantitativo de mensuração (“pantometria” moderna) (1600) (5a ruptura epistemológica) - Exames universitários orais e escritos (1702 em Cambridge) (6a ruptura epistemológica) - Modelos de Comenius (1657) e de La Salle (1720) - Primeiros exames quantitativos - Método moderno (1620) - Epistemologia moderna: conhecimento científico e racional universal - Propósito da avaliação: CONHECIMENTO, CLASSIFICAÇÃO E CONTROLE.

- Primeiros padrões nacionais de medidas (Sistemas métrico decimal, França 1791) - Psicometria (1879) - Classificação dos alunos com notas (1890) - Primeiros testes padronizados de rendimento escolar (1903) - Docimologia (1930-1960) - Surge o termo Avaliação Educacional (1934) - Exames quantitativos e qualitativos - Surge a Avaliação de Programas (1950) - Avaliação tyleriana (1934) (7a ruptura epistemológica) - Método contemporâneo (posterior a 1900) - Epistemologia contemporânea: interação sujeito e objeto - Propósito da avaliação: AVALIAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E CONTROLE.

Fonte: Lima (2008, p. 227). De acordo com o Quadro 5, a segunda ruptura epistemológica se deu na

Antiguidade, com o advento da “pantometria”, viabilizada por instrumentos para

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medir pesos, seguida da terceira ruptura, concernente aos exames orais aplicados

na China para selecionar os candidatos ao serviço público e militar, prática

posteriormente realizada na Grécia. Esses exames extraescolares visavam

precipuamente à classificação e ao controle militar. A quarta ruptura aconteceu sob

o predomínio do método escolástico, mediante exames orais nas universidades

medievais, princípios incorporados na Ratio Studiorum, organização pedagógica da

Companhia de Jesus. A avaliação, nesse contexto, servia para classificar as aulas

de ensino jesuítico e disciplinar por normas de conduta e fé. Na modernidade, o

método racional impactou em avanços na “pantometria” e implicou na quinta ruptura

epistemológica, seguida da sexta ruptura, com a aplicação de exames escritos em

universidades e escolas europeias e exames quantitativos na educação, sob os

modelos de Comenius e João Batista de La Salle. Trata-se de procedimentos que

buscavam o conhecimento científico, mas ainda marcados por aspectos

quantitativistas para fins de classificação e controle. Na contemporaneidade, a

aplicação de testes psicométricos, que consiste em técnicas de mensuração e

quantificação dos fenômenos psicológicos a partir das contribuições da matemática

e da estatística, no campo da educação do final do século XIX, favoreceu o advento

de uma nova fase. Outra importante contribuição para a área, no início do século

XX, foram as investigações docimológicas, ou seja, estudos sistemáticos dos

exames, particularmente do sistema de atribuição de notas e dos comportamentos

dos examinadores e examinados. Paralelamente a esse caráter mais quantitativo,

ocorreu a sétima ruptura epistemológica, no ambiente acadêmico e político dos

Estados Unidos, devido à elaboração do termo “avaliação educacional”. Esta noção,

embora utilize a mensuração, inclui também aspectos qualitativos e passa a ser

considerada como uma verificação do alcance dos objetivos curriculares. Desse

modo, além do estudante, engloba programas e a estrutura educacional como um

todo (LIMA, 2008).

Segundo Vianna (1995), a avaliação associada ao processo educativo

sempre existiu, porém apenas assumiu caráter formal quando Horace Mann (1796-

1859), em 1845, coletou dados para subsidiar a tomada de decisões de políticas

educacionais nos Estados Unidos. A primeira avaliação propriamente dita,

prossegue o autor, só ocorreu no final do século XIX, quando Joseph Rice (1857-

1934) verificou a influência do tempo dedicado a exercícios no processo de

alfabetização, mobilizando aspectos experimentais e quantitativistas.

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O início do século XX foi o período de maturação do taylorismo-fordismo, de

modo que os princípios eram sistematização, padronização e eficiência, noções que

se tornaram hegemônicos em toda a sociedade estadunidense. Devido a esse

desenvolvimento da indústria capitalista, a avaliação passou a ser utilizada para

selecionar os trabalhadores ou como forma de obter informações para a tomada de

decisão do gerente. Nesse contexto, a educação escolar assumiu progressivamente

papel central no desenvolvimento socioeconômico. Logo, foi se constituindo

paulatinamente uma escola de massas, bem como se formando o Estado de bem-

estar e o clamor social por direitos. A educação escolar tornou-se estratégica na

política de desenvolvimento econômico nacional, passando a avaliação, ao longo do

tempo, a instrumentar essa política. Isso, num certo sentido, indica que a história da

pesquisa avaliativa, para além de suas controvérsias no plano teórico-metodológico,

é um fenômeno político, estando suas formulações e transformações

indissoluvelmente relacionadas ao contexto sócio-histórico.

Seguindo, então, os procedimentos que industriais procuravam implantar no

mundo do trabalho, tratava-se, no campo da educação, de delinear instrumentos e

padrões que possibilitassem a mensuração do desempenho dos alunos, o que

indicaria o grau de eficiência do sistema, das escolas e dos professores. Assim, nas

três primeiras décadas do século XX, a avaliação era centrada na aplicação de

testes, sendo muito mais uma avaliação de aprendizagem, visando medir o

rendimento dos estudantes. Conforme Dias Sobrinho (2003), os autores que se

destacaram nesse período foram os psicólogos estadunidenses Edward Thorndike

(1874-1949) e Robert Thorndike (1910-1990), que desenvolveram fundamentação

teórica sobre psicometria e psicologia educacional. Portanto, até então, avaliação se

resumia a testes de aprendizagem aplicado a estudantes, sob um aparato

tecnológico para medir as capacidades humanas. Segundo Vianna (1995), os testes

padronizados surgiram logo após a Primeira Guerra Mundial e passaram a ser

usados na determinação da eficiência de programas educacionais e na

apresentação de diagnósticos relativos a currículos e sistemas educacionais, além

de servirem, também, para a tomada de decisões sobre o desempenho escolar dos

alunos.

A partir da década de 1930, período do New Deal, de acordo com Rossi,

Lipsey e Freeman (2004), o aparelho estatal estadunidense e sua atuação na área

social cresceram em ritmo acelerado, de modo que houve forte pressão para aplicar

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os princípios da administração científica nas ações governamentais. Procedimentos

de planejamento, orçamento, controle de qualidade e prestação de contas, bem

como, em período posterior, noções mais sofisticadas de análise custo-benefício,

tornaram-se a ordem do dia.

Na área da avaliação educacional, Ralph Tyler passou a ser a grande

referência a partir dos anos 1930, especialmente após cunhar o termo “avaliação

educacional” para alinhar medidas e testes com objetivos educacionais. Em vez de

apenas “testes com lápis e papel” (TYLER, 1976, p. 100), a noção tyleriana consiste

em reunir evidências abrangentes de aprendizado, verificando a congruência entre

os conteúdos curriculares e as capacidades desenvolvidas. Embora os testes sejam

um procedimento válido, existem comportamentos pretendidos para os estudantes,

previstos nos objetivos, mas que não são captados pelos testes. Desse modo,

passam a ser incorporadas outras formas de obter dados sobre mudanças de

comportamento: observação, entrevista, questionários e atividade dos alunos

(redações, pinturas, livros retirados da biblioteca, cardápio do lanche, fichas médicas

etc.). O foco não é mais o aluno isolado, mas sim os objetivos do programa

educacional. O propósito é verificar até que ponto esses objetivos estão sendo

realmente alcançados. Deve ficar claro que a avaliação torna-se, então, um processo cuja finalidade é verificar até que ponto as experiências de aprendizagem, tais como foram desenvolvidas e organizadas, estão realmente produzindo os resultados desejados, e o processo de avaliação compreenderá a identificação dos pontos fracos e fortes dos planos. Isso ajuda a aferir a validade das hipóteses básicas sobre as quais foi organizado e desenvolvido o programa de ensino, e também a aferir a eficácia dos instrumentos particulares, isto é, os professores e outras condições que estão sendo utilizadas para levar a termo o programa de ensino. Em resultado da avaliação, é possível notar sob que pontos de vista o currículo é eficiente e a que respeitos necessita de ser melhorado. (TYLER, 1976, p. 98)

O processo de avaliação, portanto, consiste essencialmente em determinar

em que medida os objetivos educacionais previstos no programa estão sendo

realmente alcançados. Considerando que os objetivos colimados consistem em

modificar comportamentos do estudante, a avaliação torna-se o processo em que se

analisa o grau em que essas mudanças de comportamento estão realmente

ocorrendo. Além disso, identificam-se pontos fortes e fracos do programa curricular,

de modo a informar à comunidade sobre o sucesso (ou fracasso) da escola.

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Segundo Rossi, Lipsey e Freeman (2004), durante a Segunda Guerra

Mundial, o Governo estadunidense utilizou procedimentos para avaliar o

desempenho de soldados, as técnicas de propaganda e a moral civil. Após a

Segunda Guerra, no contexto do Estado de bem-estar social, a pesquisa avaliativa,

já desenvolvida na educação, se intensificou, pouco a pouco, para as mais diversas

políticas públicas, nas áreas de habitação, emprego, segurança e saúde. O alto

investimento exigia resultados para justificar o financiamento público. Isso evidencia

que a avaliação de políticas públicas possui uma interdependência, um

entrelaçamento, com o campo da educação, notadamente no contexto

estadunidense. Para Souza (2017, p. 28), “há uma espécie de tronco comum que

perpassa as avaliações de políticas públicas e a avaliação em educação, tendo esta

como a principal raiz”.

A partir do Governo John Kennedy , os investimentos em educação foram

acompanhados da ideia de accountability, a fim de evitar desperdícios dos recursos

financeiros concedidos aos programas educacionais. A literatura sobre avaliação se

multiplicou e surgiram cursos, eventos e cooperação entre instituições, de modo a

qualificar pessoal, elevar o rigor técnico e estruturar uma profissionalização do

campo. Nesse contexto, emergiu a figura do avaliador como um profissional com

atividades específicas, até então exercidas por educadores com formação

generalista. Por conseguinte, a pesquisa avaliativa tornou-se efetivamente uma

prática constante, sob a difusão da elaboração de relatórios e controle da qualidade

do ensino e dos investimentos realizados. Conforme Vianna (1995, p. 13), tornou-se

um campo profissional definido, exigindo especialização aprofundada, deixando de

ser uma “terra de ninguém”.

Dentre os autores apontados na literatura (SILVA, 2007, 2010; LIMA, 2008;

SOUZA, 2017) como relevantes nesse movimento de profissionalização da

avaliação até os dias atuais, destacamos três. Um é o psicólogo educacional Lee

Cronbach, cujas contribuições para questões de mensuração foram bastantes

influentes e incluíram avanços em aspectos psicométricos, bem como reformulações

para entender os desempenhos nos testes, que foram além da matemática. Uma

das noções de maior influência foi o alfa de Cronbach, um método para determinar a

confiabilidade de testes educacionais e psicológicos. Outro autor que contribuiu para

métodos de avaliação e influenciou o trabalho de muitos estudiosos foi Michael

Scriven. Superando a visão de que a avaliação é mera descrição ou a ideia de que é

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neutra, Scriven definiu explicitamente avaliação como o estabelecimento do mérito

ou valor de um programa e que, portanto, emite julgamentos e determina o valor, a

partir de critérios. As principais contribuições de Scriven (1978) foram os conceitos

de avaliação formativa e somativa e a noção de a avaliação sem referência a

objetivos (goal-free), em que o avaliador mantém certa distância dos formuladores.

O terceiro prestigiado teórico foi Daniel Stufflebeam, que, partindo de uma

perspectiva de análise gerencial, toma a avaliação como meio de propiciar

informações relevantes e, assim, orientar a tomada de decisões. Segundo

Stufflebeam (1978, p. 127), “A avaliação é o processo de delinear, obter e fornecer

informações úteis para o julgamento de decisões alternativas.”. Ele criou o chamado

Modelo de Avaliação CIPP (Contexto, Insumo, Processo, Produto) como uma forma

de tornar a avaliação diretamente relevante para as necessidades dos gestores

durante as atividades de um programa, com base em um ciclo de fases

(planejamento, estruturação, implementação e revisão de decisões), cada uma

examinada por um aspecto diferente de avaliação: contexto, insumo, processo e

produto.

Com a crise econômica ocorrida na década de 1970, foi se consolidando a

cultura de accountability, fundamentada na produção da literatura especializada e

não se restringindo à “avaliação educacional”, mas abrangendo a “avaliação das

políticas públicas” como um todo. Refreava-se, assim, a expansão da ação do

Estado na promoção de programas governamentais e passava-se a ter maior

atenção em avaliar os gastos cotejando aos benefícios, bem como se buscava maior

responsabilidade fiscal e gestão mais racional, eficiente e eficaz. Para Faria (2005),

as pesquisas avaliativas tinham um acentuado viés top-down, utilizadas como

subsídio de planejamento destinado aos formuladores de políticas e gestores.

Conforme Almerindo Afonso (2009), o documento A Nation at Risk: The

Imperative for Educational Reform foi elaborado, em 1983, por uma comissão

constituída pelo Governo Ronald Reagan e contribuiu para a ideia de que as escolas

estadunidenses possuíam desempenho abaixo do esperado nos testes

estandardizados em escala nacional e internacional. Considerando o impacto de

uma nação em risco no decurso da Guerra Fria e da competitividade global, esse

relatório desencadeou uma onda de reformas nos Estados Unidos. O caminho a ser

percorrido era:

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da regulação para a desregulação; da escola pública para as escolhas educacionais e para a competição entre as escolas; das preocupações sociais para as preocupações com a economia e com a produtividade; da igualdade de oportunidades para a excelência; das necessidades educativas para as capacidades individuais e para a seletividade. (AFONSO, 2009, p. 67)

A partir desse documento, acompanhado de forte prestação de contas e da

competição entre as escolas, estabelecia-se um Estado Avaliador. Testes

estandardizados, com ênfase em resultados ou produtos educacionais, passaram a

ser cada vez mais frequentes. A avaliação educacional se tornou instrumento de

controle estatal e, simultaneamente, para a difusão da lógica de mercado, carregada

de competição, individualismo e meritocracia.

Outras funções do itinerário histórico da institucionalização da avaliação de

políticas públicas são apontadas por Derlien (2001). Segundo o autor, partindo da

década de 1960, a função da avaliação teve como foco o fornecimento de

informação para os gestores de programas públicos, de forma a propiciar correções

de rumo. Na década de 1980, a avaliação acrescenta a função de realocação, tendo

os avaliadores se tornado auditores que privilegiam aspectos quantitativos dos

resultados, buscando eficiência na alocação de recursos. Na terceira fase, durante a

década de 1990, sob o contexto da nova administração pública, a avaliação assume

a função de legitimação, ao mesmo tempo em que são exigidos resultados da

administração e das políticas.

Não se pode deixar de mencionar que, paralelamente às abordagens mais

cientificistas e positivistas, surgiram enfoques naturalistas e fenomenológicos. Um

expoente dessa abordagem mais qualitativa e interacionista foi o psicólogo

educacional Robert Stake, que se dedicou à avaliação com o propósito de

compreender diferentes pontos de vista no processo, a chamada “avaliação

responsiva”, em que os dados da pesquisa são as experiências e significados

pessoais e os procedimentos metodológicos são a observação participante e a

introspecção. Na produção acadêmica britânica, Malcolm Parlett e David Hamilton

elaboraram a “avaliação iluminativa”, que tem como proposta “iluminar” a realidade

estudada em sua totalidade, verificando o impacto, a validade e a eficácia de um

programa (VIANNA, 1995; SILVA, 2007, 2010; LIMA, 2008; SOUZA, 2017). Diante

disso, como observa Gatti (2009), atualmente a avaliação educacional é um campo

de estudos específico, com diferentes abordagens teóricas, processos e métodos, e

com distintas subáreas (avaliação de programas, avaliação de sistemas

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educacionais, avaliação institucional, autoavaliação, avaliação de desempenho

escolar etc.).

Esse percurso histórico da pesquisa avaliativa é dividido por Guba e Lincoln

(2011) em gerações. Conforme os autores, a primeira geração foi caracterizada pela

mensuração e a ferramenta mais utilizada foi a aplicação de testes. A segunda

geração foi marcada pela descrição, em que o avaliador cumpria o papel de expor

os pontos fortes e fracos considerando objetivos estabelecidos, evitando a

contaminação com subjetivismos. Já na terceira geração, a avaliação foi

caracterizada pelo julgamento de valor, deixando a mensuração de ser sinônimo de

avaliação, sendo redefinida como um dentre vários instrumentos. Desse modo, o

avaliador assume o papel de julgador, mantendo-se as funções técnicas e

descritivas das gerações anteriores. Guba e Lincoln (2011) propõem uma quarta

geração, que corresponde à avaliação numa perspectiva “construtivista responsiva”,

em que, no geral, a principal dinâmica é a negociação. Entendemos que hoje, na

prática das políticas públicas de avaliação, não há aplicação de um tipo puro, mas

sim uma combinação teórico-metodológica das diversas contribuições dessas

gerações.

O epicentro da avaliação de políticas ainda continua na literatura acadêmica

estadunidense, que tem uma forte preocupação com a qualidade das pesquisas. A

Joint Committee on Standards for Educational Evaluation, formada em 1975, é uma

organização que representa uma coalizão de associações profissionais, voltadas

para a avaliação. A Comissão Mista, que é influente e referência na área, apresenta

quatro padrões que considera fundamentais em todos os processos avaliativos:

propriedade (aspectos ético-legais), utilidade (aspectos informativos), exequibilidade

(viabilidade) e exatidão (precisão e confiabilidade).

Como se vê, a imprescindibilidade da avaliação de políticas públicas surgiu

nos países anglo-saxões, referências da administração pública gerencial, e se

difundiu por intermédio da influência de organismos internacionais. Embora os

modelos de avaliação nacionais sejam resultado da concepção ideológica externa,

sob apoio de classes locais, a apropriação da cultura da avaliação não ocorreu de

forma linear e igual. Cada país, a partir de seus consensos, conflitos e contradições,

mediou a tensão entre a realidade local e os preceitos dos organismos multilaterais,

de modo a construir sua própria política.

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Segundo apontam Vianna (1995) e Saul (2010), a preocupação com

processos avaliativos escolares surgiu no Brasil, ainda que de forma incipiente, a

partir da década de 1960, sob influência metodológica estadunidense. Essa atuação

se viabilizou por intermédio de cursos e mediante as relações MEC e a Agência dos

Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Gatti (2009) afirma

que, em 1966, foi criado, no âmbito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Centro de

Estudos de Testes e Pesquisas Psicológicas (CETPP), com os objetivos de

promover estudos e pesquisas-piloto na área, aperfeiçoar e treinar pessoal

especializado e divulgar informações sobre testes e medidas educacionais. A equipe

do CETPP elaborou um conjunto de provas e questionários para alunos do ensino

médio, o que pode ser considerado a primeira iniciativa relativamente ampla, no

Brasil, para verificação da aquisição de conhecimentos e sua relação com diferentes

variáveis. Simultaneamente, Sousa (2005) evidencia que pesquisadores da

Fundação Carlos Chagas (FCC) investigavam aspectos relacionados à medida

educacional, em sua maior parte oriunda das atividades direcionadas a processos

seletivos de candidatos para a educação superior.

Em meados dos anos 1970, na literatura educacional nacional, surgiu a

avaliação de outros aspectos além da aprendizagem, como programas, projetos,

currículos etc., bastante influenciada pelo modelo de Tyler. Segundo Gatti (2009),

desenvolveu‑se, no âmbito do Programa de Estudos Conjuntos de Integração

Econômica Latino-americana (ECIEL), uma pesquisa avaliativa na região, abarcando

o Brasil, acerca da relação entre nível de escolaridade e rendimento escolar de

estudantes com distintas condições socioeconômicas, que incluiu coleta de dados

sobre alunos, professores, diretores e escolas. Outro estudo, no mesmo período, foi

realizado para testar um instrumento de medida para verificar o desempenho dos

alunos dos anos iniciais do ensino fundamental das diferentes regiões do Brasil

(GATTI, 2009). Na educação superior, teve início, em 1977, a avaliação dos

programas, realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES) (CASTRO; SOARES, 1983).

Vianna (1995) observa que continuaram crescendo os estudos relacionados a

aspectos psicométricos dos instrumentos de medida e à análise de dados

socioeconômicos sobre o acesso à graduação, especialmente em publicações da

revista Educação e Seleção (1980-1989) e Estudos em Avaliação Educacional (a

partir de 1990). Na avaliação de programas educacionais, o modelo bastante

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utilizado nas propostas do MEC foi o de tomada de decisão, baseado no modelo

CIPP de Stufflebeam (VIANNA, 1995; SAUL, 2010).

Nos anos 1980, Vianna (1995) e Gatti (2009) citam como relevante a

avaliação realizada na esfera do Programa de Expansão e Melhoria da Educação no

Meio Rural do Nordeste (EDURURAL-NE), projeto financiado pelo Banco

Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)42. Segundo os autores,

no final da década de 1980, estudos e experiências deram subsídios à implantação

do sistema de avaliação da educação básica, com desdobramentos e participação

de Secretarias estaduais de educação. O MEC, em 1988, instituiu o Sistema de

Avaliação da Educação Primária (SAEP), que, em 1990, adequou-se à nova

Constituição e passou a se chamar Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica (SAEB), com o objetivo de qualificar os resultados obtidos pela rede pública,

realizando um trabalho entre o Ministério e as secretarias estaduais. A proposta do

SAEB adotou um modelo de estudo de fluxo e de produtividade da UNESCO, com

vistas a estudar questões relacionadas com a gestão escolar, competência docente,

custo-aluno direto e indireto e rendimento escolar, com base em uma metodologia

de amostras relacionadas, embora já tenha se modificado bastante ao longo dos

anos. Os exames, antes aplicados somente no cotidiano escolar, passaram a ser

utilizados como um panorama do conjunto da gestão. Destarte, esses exames

ganharam importância como instrumento de implementação da reforma educacional,

que ocorre sob a flexibilização dos meios, a fim de possibilitar expansão e

autonomia e, concomitantemente, controle dos resultados. Assim, tinha início,

sistematicamente, a avaliação como instrumentalização de políticas reformistas.

Como efeito cascata do movimento no âmbito nacional, redes estaduais passaram a

implementar programas de avaliação na educação básica, como São Paulo, Minas

Gerais, Paraná e Ceará (GATTI, 2009). Essas experiências contribuíram para a

42 A avaliação do programa coletou dados durante a década de 1980, em Estados da região, por intermédio de provas aplicadas a crianças de 2ª e 4ª séries do ensino fundamental. Não se limitou, porém, ao rendimento escolar, pois incluiu a avaliação de outras variáveis, como as condições das escolas, perfil dos professores, impacto do treinamento e condições da família. Os estudos etnográficos realizados possibilitaram a aplicação de provas, tanto quanto possível, adequadas à realidade local e à identificação das razões para o baixo rendimento das crianças. Para Gatti (2009), com metodologia clara e bem definida, essa experiência representou um exemplo do que se poderia fazer com pesquisas avaliativas, no sentido de reivindicar uma escola efetivamente de qualidade para os segmentos mais pobres.

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formação de pesquisadores e técnicos em avaliação, tanto em nível nacional, como

nas Secretarias estaduais e em instituições voltadas para a área.

Consoante Silva, Lopes e Castro (2016), políticas de avaliação da educação

básica e superior se difundiram em escala nacional a partir do Governo FHC. A LDB

(BRASIL, 1996) incumbiu a União de assegurar processo nacional de avaliação do

rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior. Isto posto, foi criado,

em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que, ao longo desses anos,

passou por várias reformulações. Hoje, o ENEM é utilizado como critério de seleção

para os estudantes que concorrem a bolsa de estudo, como o Programa

Universidade para Todos (PROUNI), sendo o resultado desse exame também

utilizado para ingresso na educação superior. Em 2005, foi criada a Prova Brasil,

que busca avaliar o desempenho das redes municipais e instituições de ensino. No

ano de 2008, uma nova avaliação passou a ser aplicada: a chamada Provinha

Brasil, que tem por objetivo avaliar o estágio da alfabetização dos alunos das

escolas públicas. Em 2013, o SAEB foi reformulado e passou a contar também com

a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), avaliação externa que afere os níveis

de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e Matemática de estudantes do

3º ano do ensino fundamental das escolas públicas. Destaque-se também, no

âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), a criação do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), através do Decreto nº 6.094/2007,

calculado a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o

desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do SAEB, como forma de

aferir o cumprimento do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.

Contraditoriamente a essa lógica do monopólio avaliativo dos exames, a LDB

(BRASIL, 1996) estabeleceu como regra comum, na verificação do rendimento

escolar na educação básica, avaliação contínua e cumulativa do desempenho do

aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos

resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.

Essa trajetória exprime a forma como o Brasil estruturou o seu modelo de

Estado Avaliador para as políticas educacionais, em que, sob influência de

organismos multilaterais e da experiência anglo-saxã, ao mesmo tempo que reduziu

a centralidade estatal na oferta direta de serviços e financiamento público, amplificou

o controle. Em nome de uma aparente autonomia e uma suposta descentralização,

moldam as instituições de ensino ao controle da accountability e à competitividade

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de mercado, em que, após avaliações externas e somativas, o produto final é o

desempenho dos estudantes.

4.2 Propostas e políticas públicas de avaliação da educação superior no Brasil: os antecedentes do SINAES

Sem a pretensão de esmiuçar detalhes da história da regulação e controle do

sistema federal de educação superior no Brasil, vale mencionar que essa atividade

regulatória, consoante Nunes, Fernandes e Albrecht (2014), remonta ao período

imperial, via instâncias burocráticas ligadas ao governo central. O Decreto nº

7.247/1879 tratava sobre a reforma do ensino primário e secundário no município da

Corte e o superior em todo o Império. Nesse instrumento legal, já havia os

chamados exames preparatórios como condição para a matrícula nos cursos de

ensino superior. Da mesma forma, a atividade regulatória era exercida para a

atuação privada, definindo as condições para conceder o título de Faculdade livre

para os cursos privados. O referido Decreto estabelecia também a nomeação de

comissários para anualmente assistir aos exames que eram realizados, a fim de

zelar pela conformidade do ensino.

Na Primeira República, o Decreto nº 1.159/1892 aprovou o código das

disposições comuns às IES dependentes, na época, do Ministério da Justiça e

Negócios Interiores. Além de estabelecer normas para os exames de admissão,

havia a atividade de regulação e supervisão. Nos casos de cursos ofertados pelos

Estados federados, estariam sujeitos à inspeção de delegados nomeados pelo

Governo Federal. Enquanto isso, os estabelecimentos particulares estavam sujeitos

à inspeção para garantir as condições de moralidade e higiene. Para as faculdades

ou escolas livres, o Decreto previa que o Governo nomearia anualmente comissários

para inspecionarem os estabelecimentos e assistirem a seus exames.

O Estatuto das Universidades Brasileiras, promulgado na Era Vargas por

meio do Decreto nº 19.851/1931, embora admitisse a criação de institutos isolados,

adotou o modelo universitário. O Estatuto previa, entre outras coisas, as exigências

para a constituição de uma universidade, concedia autonomia administrativa,

didática e disciplinar, e versou sobre a organização técnica e administrativa. Em

seguida, o Decreto-Lei nº 421/1938 regulamentou o funcionamento dos

estabelecimentos de ensino superior, dispondo as regras para autorização prévia do

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Governo Federal para que um curso superior se organizasse e funcionasse, e os

procedimentos para reconhecimento. Segundo Nunes, Fernandes e Albrecht (2014,

p. 15), Com a instalação do Conselho Federal de Educação (CFE), em 1962, e aprovação da LDB/1961 foi possível padronizar os processos e critérios de análise, em sua maioria já existentes, em instrumentos específicos para visitas às instituições. A categorização dos procedimentos feita pelo CFE resultou na manutenção dos processos de autorização e reconhecimento constantes do Decreto-Lei n° 421/38, além da renovação do reconhecimento dos cursos; autorização para funcionamento das instituições (Portaria CFE n° 4/1963).

Estava posto, assim, que o funcionamento dos estabelecimentos de ensino

superior se daria por autorização e que a sua permanência seria mediante a análise

de reconhecimento. Quanto aos cursos, apenas se exigia autorização dos que

estivessem relacionados às profissões liberais. Para além dessa atividade

regulatória, no que diz respeito aos processos de avaliação, até a década de 1960,

prevaleceram os exames realizados para acesso e as testes de aprendizagem

aplicados ao longo do curso.

Zandavalli (2009, p. 386) aponta que, nos anos de 1960, período

caracterizado pelas relações entre o Governo brasileiro e a Agência dos Estados

Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a Reforma Universitária de

1968 foi precedida por avaliações, “[...] no sentido de requererem reflexão de

segmentos da sociedade e do Estado sobre a concepção, a função e o modelo a ser

instituído para a educação superior”. A autora destaca quatro iniciativas. Primeiro, a

atuação do estadunidense Rudolph Atcon, assessor da UNESCO encarregado de

planejar a reforma de universidades na América Latina, tendo sido ativo na

concepção da reestruturação da universidade brasileira. Consoante a autora, o

Plano Atcon constituiu um dos primeiros processos avaliativos oficiais da estrutura

da universidade brasileira, buscando controlar recursos e vincular investimentos a

resultados. Em seguida, foram relevantes as orientações da Associação

Internacional de Desenvolvimento (AID), organismo que compõe o Banco Mundial, e

os trabalhos da comissão criada pelo Governo Militar para disciplinar o movimento

estudantil, que culminou no Relatório Meira Mattos. As diretrizes da AID e o

Relatório Meira Mattos tiveram forte influência sobre as políticas para a educação

superior, considerada como estratégica para o projeto de integração e

desenvolvimento econômico. Por fim, a quarta iniciativa foi o Grupo de Trabalho

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Universitário (GTRU) instituído pelo MEC para estudar a crise da universidade. No

geral, legitimou a reforma já em curso pelos militares, a saber, feição tecnocrática às

universidades, busca de uma gestão eficiente, eficaz e produtividade e maior vínculo

entre instituições e empresas (ZANDAVALLI, 2009). Essas ações nortearam a

política de educação superior durante toda a década de 1970.

Segundo Afonso (2009), a partir dos anos 1980, governos de viés ideológico

neoconservador e neoliberal, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido,

fizeram emergir um Estado-avaliador. A avaliação tornou-se um mecanismo para

implementar a lógica do mercado ao enfatizar produtos e resultados, em detrimento

do processo, a partir da mensuração e indicadores com fins de classificação, bem

como adotar o modelo gerencial na administração pública, acompanhado de

racionalidade econômica. A educação superior foi inserida num espaço de “quase-

mercado” educacional, em que os estudantes/pais passaram a ser os consumidores

da educação e o Estado minimiza sua provisão direta. As instituições públicas,

desse modo, também se tornaram prestadoras de serviços, regidas pelas leis de

mercado, seguindo a ideologia neoliberal da privatização do público, redução de

custos e tendo que diversificar suas fontes de recursos.

O contexto político da década de 1980, no Brasil, inversamente à tendência

dos países de capitalismo avançado, foi marcado pela transição democrática e a

mobilização dos movimentos sociais em defesa da educação pública. No âmbito

econômico, o país passava por uma recessão que impactou no financiamento das

universidades públicas, bem como no debate sobre o papel da universidade. Assim,

em meio à embrionária efervescência da avaliação educacional no Brasil, foram

constituídas comissões para reformularem a política de educação superior,

destacando-se o Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU), a

Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior (CNRES) e o Grupo

Executivo da Reforma da Educação Superior (GERES) (CEA, 2009; BARREYRO e

ROTHEN, 2008; ZANDAVALLI, 2009).

O PARU foi lançado pelo MEC no final do governo militar, em junho de 1983,

por iniciativa do Conselho Federal de Educação (CFE). O Grupo Gestor da Pesquisa

do PARU, composto pelos professores Edson Machado de Souza, Sérgio Costa

Ribeiro e Isaura Belloni, bem como especialistas em análise de projetos, sendo

alguns técnicos do MEC, tinha a finalidade de avaliar a Reforma Universitária e

propor alternativas. O Grupo Gestor elaborou questionários, que foram respondidos

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por estudantes, dirigentes universitários e docentes, e acolheu estudos específicos

para avaliar o impacto da Lei nº 5.540/1968 (Reforma Universitária). O PARU trataria

de dois temas: a Gestão da IES e a Produção e a Disseminação do Conhecimento

(GRUPO GESTOR, 1983). O programa se desenvolveria em quatro etapas: 1)

realização de estudo-base para investigar a realidade das instituições; 2)

consolidação dos resultados da etapa anterior; 3) debates nacionais; e 4) conclusão

da análise dos subsídios e definição das propostas a serem encaminhadas ao CFE.

Para Cunha (1997, p. 23), “o enfoque da pesquisa era avesso ao tecnicismo

dominante no Ministério da Educação [...]”, isto é, predominavam elementos da

perspectiva formativa. Sem apoio político do MEC, segundo Belloni (1989),

participante do Grupo Gestor da Pesquisa, o PARU foi desconstituído em agosto de

1986, na etapa final de trabalho, durante a análise dos resultados, de modo que não

conseguiu encaminhar nenhuma proposta efetivamente.

Atendendo as demandas de entidades docentes, a CNRES, que também

ficou conhecida como a “Comissão de Notáveis”, foi instituída pelo Decreto nº

91.177/1985, no Governo José Sarney, com o objetivo de subsidiar a formulação de

uma nova política para a educação superior. A Comissão foi composta

heterogeneamente por vinte e quatro membros, na maior parte docentes

universitários, mas também havia representantes da educação básica, do setor

produtivo, de entidade sindical e do movimento estudantil. Após seis meses de

trabalhos, o resultado da CNRES materializou-se num relatório (BRASIL, 1985), que,

em linhas gerais, defendeu a autonomia e o financiamento universitário,

acompanhados por avaliação externa baseada nos resultados e na valorização do

mérito acadêmico. Foram apresentadas seis propostas para o que o documento

chama de “nova universidade”, realçando-se aqui a ideia de reformular o CFE. Para

Barreyro e Rothen (2008, p. 139), essa proposta “[...] introduzia pela primeira vez, a

ideia de um órgão responsável pela avaliação – ou seja, uma ‘agência de avaliação’

– e da disseminação para todo o sistema da metodologia de avaliação por pares

utilizados pela [...] (CAPES) [...]”. Na segunda parte do documento, cada tema

específico foi destacado em treze recomendações. Em síntese, a Comissão

compreendia que o controle do desempenho se daria por meio de processos

avaliativos, com a participação de especialista do mundo acadêmico externo à

instituição avaliada, criando um sistema meritocrático que nortearia o financiamento

público.

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Esse relatório final da CNRES serviu de ponto de partida para o GERES,

grupo interno do MEC criado em 1986 com a função de elaborar uma proposta de

Reforma Universitária. O Grupo, composto por cinco pessoas, mantinha certa

homogeneidade ideológica entre os membros. O resultado foi um Relatório (GERES,

1986) contendo um Projeto de Lei, que dispunha sobre a natureza jurídica, a

organização e o funcionamento das IFES, e um Anteprojeto de Lei que reformulava

o CFE. O GERES compreendia que o sistema deveria ser flexibilizado, tanto nos

seus objetivos como na sua estrutura organizacional, abandonando a ideia presente

da Reforma Universitária de que o modelo único seria a universidade. Em

consonância com o documento da CNRES, o Grupo Executivo propôs também que

o controle social fosse feito a partir de um sistema de avaliação de desempenho e

que parte do financiamento das IFES deveria estar vinculada aos resultados. Por

outro lado, o GERES deu tratamento diverso do proposto pela CNRES quanto à

condução do processo de avaliação. Para o Grupo Executivo, o processo de

avaliação deveria ser conduzido pela Secretaria da Educação Superior (SESu) do

MEC, contemplando duas vertentes básicas: a da avaliação do desempenho

institucional e a da avaliação da qualidade dos cursos oferecidos (GERES, 1986).

Em função da resistência da comunidade acadêmica ao caráter regulador e top

down, o projeto foi retirado do Congresso Nacional, permanecendo as ideias como

herança cognitiva no debate público.

A avaliação continuava, dessa maneira, um tema em aberto. Na Constituição

Federal de 1988, a seção “Da Educação” dispôs, entre outros preceitos, sobre a

garantia de padrão de qualidade como um dos princípios, concedeu autonomia

didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial às

universidades e admitiu a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino,

observadas as condições de autorização e avaliação de qualidade pelo Poder

Público. Faltava ainda, porém, definir qual seria o modelo de avaliação. Em meio a

esse embate, na década de 1990, implementaram-se as primeiras políticas públicas

de avaliação da educação superior. Autores (THOENIG, 2000; TREVISAN; VAN

BELLEN, 2008) observam que as avaliações podem ser um “problema” para os

governantes, gestores públicos e servidores, na medida em que as informações e os

resultados são capazes de causar críticas e constrangimentos aos sujeitos

envolvidos. Torna-se, assim, um mecanismo de controle social, em que o cidadão

pode monitorar a ação dos agentes públicos. Em vista disso, por vezes, existe certa

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relutância quanto à ideia de ser avaliado. No Governo Itamar Franco, contudo, o

processo de diálogo e negociação entre o MEC e a comunidade acadêmica

conseguiu minguar a cultura de resistência à avaliação.

Nesse sentido, sob articulação e financiamento do MEC, foi criada uma

Comissão, em 1993, composta por membros da SESu e representantes de

associações (dirigentes das universidades públicas e privadas), com o objetivo de

estabelecer diretrizes e viabilizar a implementação do Programa de Avaliação

Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB). Em seguida, foi constituído o

Comitê Técnico Assessor, composto por professores universitários que tinham a

função de assessorar a Comissão e avaliar os projetos oriundos das universidades.

O grande ponto de partida foi a minuta intitulada “Avaliação das Universidades

Brasileiras – Uma Proposta Nacional” apresentada pela Associação Nacional dos

Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). Após estudos,

seminários e contribuições, a Comissão Nacional de Avaliação das Universidades

Brasileiras publicou o Documento Básico “Avaliação das Universidades Brasileiras”

(BRASIL, 1994), que continha os requisitos mínimos a serem atendidos na

submissão do projeto a ser enviado por cada universidade. Tendo a avaliação

institucional como foco, segundo Ristoff (2011), os seguintes princípios estavam

presentes no Documento Básico: globalidade, comparabilidade, respeito à

identidade institucional, não premiação ou punição, adesão voluntária, legitimidade e

continuidade. Esses princípios da avaliação estavam vinculados a dois conceitos

basilares da concepção de universidade adotada: a educação como bem público e a

autonomia universitária. Percebe-se que o PAIUB tinha como fundamento e

pressuposto em seu conteúdo geral os modelos de avaliação naturalista, ou de

quarta geração, propostos por Guba e Lincoln (2011), que valorizam a participação e

a negociação, a partir de um enfoque responsivo pensado por Stake, e uma

metodologia construtivista. Ou seja, mais que levantamento de dados e identificação

de problemas, a avaliação é uma oportunidade de reflexão crítica da ação, momento

de autoconhecimento da própria sociedade, que procura compreender a si mesma

por intermédio da universidade pública. A SESu lançou Edital convidando as

universidades interessadas a apresentarem projetos para o período de 1994/1995,

constituindo-se na primeira experiência sistemática e ampla de um sistema nacional

de avaliação institucional da educação superior brasileira.

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No plano internacional, sob a égide da ideologia neoliberal, a avaliação

representava um mecanismo em potencial para reformas da gestão pública, na

medida em que, segundo Thoenig (2000, p. 54), era “[...] um meio de aperfeiçoar a

capacidade de aprender como conduzir mudanças bem-sucedidas e definir

resultados alcançáveis nos campos da eficiência e eficácia públicas.”. Tornou-se,

assim, uma atividade que produz e analisa informações socialmente relevantes,

orientando a ação, notadamente as políticas de reformas do serviço público. Além

disso, fazia-se cada vez mais necessário regular os monopólios estatais

privatizados. A avaliação, então, na qualidade de política pública, enquanto ação de

uma autoridade investida de poder público e legitimidade governamental (MENY;

THOENIG, 1992), adquire centralidade, tanto para atribuir credibilidade ao processo

de reforma da administração pública rumo ao modelo gerencial, como para amparar

as diretrizes de desregulamentação e privatização.

Nessa conjuntura, em meio à Reforma do Estado implementada pelo Governo

FHC e sob as recomendações formuladas a partir das experiências compiladas pelo

Banco Mundial (1995) e as tendências e desafios propostos pela UNESCO (1999)

para o dito ensino terciário, atribui-se ao MEC a realização de avaliações periódicas

das IES e dos respectivos cursos, realizando necessariamente, a cada ano, exames

nacionais com base nos conteúdos mínimos de cada curso, destinados a aferir os

conhecimentos e competências adquiridos pelos alunos em fase de conclusão.

Dessa maneira, sob a direção do Ministro da Educação, Paulo Renato Souza,

imposto de cima para baixo, sem consulta à comunidade acadêmico-científica, nem

discussão pública, foi institucionalizado o Exame Nacional de Cursos (ENC), que

ficou conhecido pelo “Provão”43. Criado a partir da Medida Provisória nº 1.159/1995,

posteriormente convertida na Lei nº 9.131/1995, aplicou o Provão aos formandos, no

período de 1996 a 2003. O MEC divulgava, anualmente, o resultado do exame,

informando o desempenho de cada curso, sem identificar nominalmente os alunos

avaliados. Desse modo, embora precedido pelas iniciativas discutidas anteriormente,

o Provão foi a primeira política a ser aplicada de forma universal, obrigatória e

condicionada à expedição de diploma. Em razão disso, o apoio do Governo ao

43 A origem do termo “Provão”, segundo Polidori, Marinho-Araújo e Barreyro (2006), surgiu da União Nacional dos Estudantes (UNE), que utilizou a expressão para se opor ao ENC. Posteriormente, o próprio MEC resignificou a palavra e tentou atribuir conotação positiva.

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PAIUB foi se enfraquecendo a partir de 1995 e, em 1997, sem financiamento, o

PAIUB foi extinto por inanição.

Um ano após à Lei nº 9.131/1995, que criou o CNE e institucionalizou o ENC,

e a Lei nº 9.192/1995, que criou normas para o processo de escolha dos dirigentes

universitários, foi aprovada a Lei nº 9.394/1996, a nova LDB. Foi atribuída à União

assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar e das IES, bem

como autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar cursos e IES. Ficou

estabelecido ainda que a autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o

credenciamento de IES, teriam prazos limitados, sendo renovados, periodicamente,

após processo regular de avaliação, podendo os resultados do processo regular de

avaliação gerar punições. Uma vez constatadas deficiências, deve ser aberto um

prazo para saneamento que gera nova reavaliação, a qual pode resultar em sanções

administrativas (BRASIL, 1996). A LDB, portanto, fixou um conjunto de princípios e

preceitos que possibilitou, de um lado, processos de descentralização e

flexibilização e, por outro, novas formas de controle. Iniciou-se, assim, a expansão

das vagas, sob o princípio da flexibilização, possibilitando o crescimento do setor

privado, tendo o Provão papel de regulador (ROTHEN, 2006; DIAS SOBRINHO,

2010).

Meses antes da aprovação da LDB, o Decreto nº 2.026/1996 estabeleceu os

procedimentos para o processo de avaliação dos cursos e IES. Incluíam quatro

procedimentos: a análise dos principais indicadores de desempenho global do

sistema nacional; a avaliação do desempenho individual das IES; a avaliação do

ensino de graduação por meio da Análise das Condições de Oferta (ACO), bem

como através do Provão; e avaliação dos programas de mestrado e doutorado.

Esses mecanismo deveriam ser complementares, mas o Provão foi o instrumento

privilegiado no ENC, visto que “[...] os outros tinham menor destaque na divulgação

oficial, sendo os seus resultados utilizados para efeitos regulatórios no

reconhecimento de cursos de graduação.” (BARREYRO; ROTHEN, 2006, p. 959).

Conforme Rothen e Schulz (2007, p. 169), o Provão “[...] foi o instrumento quase

exclusivo, tanto que o resultado dessa avaliação era amplamente divulgado, o que

não sucedia com o resultado das outras avaliações.”. Fato também constatado por

Dias Sobrinho (2010, p. 203): “O Censo de Educação Superior e a Avaliação das

Condições de Ensino (ACE), esta realizada por meio de visitas de comissões

externas aos cursos, eram os outros instrumentos, embora de menor importância e

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com escassa relação entre si.”. Em outras palavras, não houve articulação do

Provão com os demais componentes da avaliação, não se efetivando a ideia de

sistema, em que as partes contribuem para uma visão geral do todo. A avaliação foi

limitada à medição e utilizada como teste de verificação de aprendizagem, mediante

provas, questionário-pesquisa e questionário sobre impressão das provas, aplicados

aos estudantes. Dessa maneira, de uma perspectiva que tem como foco a avaliação

institucional, abrangente e processual, que estava sendo construído pelo PAIUB,

simplificou-se a avaliação a um teste. Como observa Lima (2008, p. 348), o Provão é

resultado do processo histórico da cultura do exame: Percebe-se que, mesmo uma nova ou novíssima proposta, mais sintonizada com os conceitos epistemológicos contemporâneos de avaliação não é capaz de eliminar totalmente o exame, e mesmo o “provão”, da Educação brasileira. Sua capacidade histórica de sobrevivência é grandiosa, desde as primeiras experiências chinesas em cerca de 3.000 a.C., a adoção de exames escritos na Era Medieval do método, a sua prática no ensino superior de Cambridge em 1702 sob a hegemonia da “pantometria” e posteriormente da Psicometria e da Docimologia do início do século XX, até as primeiras experiências brasileiras de vestibular referendadas nas decisões educacionais de D. João VI e o ingresso nas primeiras escolas superiores estatais de cunho profissionalizante que originaram as “aulas de preparatórios” em 1915 e a compulsoriedade do exame vestibular em 1920. O provão de 1996 está dentro desta longa trajetória, portanto não é novidade educacional-instrumental de governos recentes, mas faz parte de uma cultura avaliativa baseada na “pedagogia do exame” ainda predominante no Brasil contemporâneo, porém atualizada como parâmetro de marketing e competitividade institucional no mercado da Educação superior. (LIMA, 2008, p. 348).

Portanto, sem destacar os processos e as condições institucionais, reduzindo

aprendizagem a desempenho e educação a ensino, o Provão resgatou a ênfase na

medição, presente nos primórdios da avalição educacional, ganhando visibilidade na

sociedade o caráter classificatório e os rankings.

O ENC, na medida em que era implementado, era alvo de críticas por parte

significativa da comunidade acadêmica, especialmente dos especialistas em

avaliação. Em função disso, segundo Rothen (2006), o processo como um todo foi

sendo estabelecido por atos normativos em resposta à oposição. Para ilustrar a

dimensão microrregulatória, Nunes, Fernandes e Albrecht (2014, p. 18) apontam

que: No interstício 1994-2006, entre a extinção do CFE e edição do Decreto n° 5.773/2006 que transferiu à SESU/MEC competências de regulação, vigoraram 848 normas, sendo 713 portarias do MEC e 135 resoluções do CNE. Para efeitos comparativos, em 29 anos, entre 1962 e 1991, vigoraram 314 resoluções e portarias do CFE, menos da metade do que vigorou nos

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12 anos de atuação da SESu/MEC à frente dos processos regulatórios (1994/2006).

Ainda que contestado e boicotado, o Provão, com ampla repercussão na

mídia, teve também apoio por permitir o domínio da lógica de mercado (DIAS

SOBRINHO, 2010), em conformidade com a política estruturante da Reforma do

Estado, que tinha como propósito a minimização da ação estatal na prestação de

direitos sociais e alteração da sua função (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI, 2001). Ao

Estado, agora, cabia regular a oferta dos serviços, que deve ser realizada por entes

privados.

O Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010), aprovado pela Lei nº

10.172/2001, em que pesem os vetos do Governo FHC às metas relacionadas ao

financiamento, traçou objetivos e metas para a educação superior. Entre eles,

estavam: 6. Institucionalizar um amplo e diversificado sistema de avaliação interna e externa que englobe os setores público e privado, e promova a melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica. 7. Instituir programas de fomento para que as instituições de educação superior constituam sistemas próprios e sempre que possível nacionalmente articulados, de avaliação institucional e de cursos, capazes de possibilitar a elevação dos padrões de qualidade do ensino, de extensão e no caso das universidades, também de pesquisa. 8. Estender, com base no sistema de avaliação, diferentes prerrogativas de autonomia às instituições não-universitárias públicas e privadas. 9. Estabelecer sistema de recredenciamento periódico das instituições e reconhecimento periódicos dos cursos superiores, apoiado no sistema nacional de avaliação. [...] 14. A partir de padrões mínimos fixados pelo Poder Público, exigir melhoria progressiva da infraestrutura de laboratórios, equipamentos e bibliotecas, como condição para o recredenciamento das instituições de educação superior e renovação do reconhecimento de cursos. (BRASIL, 2001).

Diante disso, ficou estabelecido no PNE a ideia de sistema e, portanto, de

integração, articulação e participação, que, até então, não tinha ocorrido na prática.

No mesmo ano do PNE, o Decreto nº 3.860/2001, mais um ato legislativo do

Governo FHC concernente à avaliação, alterou aspectos da avaliação de cursos e

instituições, que passou a não ser mais competência da SESu, mas sim do Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Além disso,

a Avaliação de Condições de Oferta (ACO) passou a ser denominada de Avaliação

das Condições de Ensino (ACE). As avaliações realizadas pelo INEP, sob

centralidade do Provão, deveriam subsidiar os atos regulatórios de

recredenciamento de IES e de reconhecimento e renovação de reconhecimento de

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cursos. Desse modo, identificadas deficiências ou irregularidades, as ações de

supervisão poderiam determinar, conforme o caso, suspensão do reconhecimento

ou desativação de cursos, suspensão temporária de prerrogativas de autonomia

universitária e intervenção ou descredenciamento na IES. De acordo com Dias

Sobrinho (2010), não obstante as ações do MEC em algumas instituições privadas,

que reiteradamente acumularam resultados negativos, não houve na prática nenhum

efeito punitivo, seja por decisões judiciais, seja por força de pressões políticas. Para

Barreyro e Rothen (2006), houve apenas divulgação midiática e publicitária. Nesse

mesmo sentido, Fonseca, Oliveira e Amaral (2008, p. 30) afirmam que: [...] não houve fechamento de IES com baixo desempenho dos alunos, como era previsto, nem um controle da qualidade do ensino. Pelo contrário, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso registrou-se uma expansão acelerada da oferta de educação superior privada, sem o devido controle da qualidade. A promessa governamental de ampliação da qualidade, com o fechamento de cursos que não atendessem a esse requisito, não se efetivou.

No segundo mandato do Governo FHC, cogitou-se ainda criar a Agência

Nacional de Educação (ANE), com a finalidade de avaliar a qualidade do educação

brasileira em todos os níveis (PARAGUASSÚ, 2000). Segundo Domingues e Oliveira

(2000, p. 20-21), [...] o MEC para consolidar o sistema implementado, quer tornar lei o atual sistema de avaliação e criar uma instituição independente de avaliação e criar uma instituição independente com a função de controlar o ensino brasileiro, assumindo todos os tipos de avaliação. A proposta do ministro da educação, Paulo Renato Souza, é criar uma Agência Nacional de Educação (ANE) que garanta a continuidade do modelo de avaliação, assumindo o SAEB, o ENEM, o Provão, os centros educacionais, a avaliação das condições de oferta dos cursos de graduação, o credenciamento e o recredenciamento dos cursos e das IES, dentre outras modalidades que poderão ser criadas. Essa agência sofreria menos perturbações externas, pois seria um órgão autônomo, com administração própria.

A ideia, todavia, foi abandonada.

Todo esse processo estava inserido no movimento de implementação da

reforma do Estado, de modo a promover uma “gerencialização” da avaliação de

políticas públicas, conforme aponta Faria (2005), decorrente da sua

instrumentalização no projeto/processo de reforma do setor público. A avaliação se

tornou um instrumento fundamental para controle do cumprimento de metas e do

desempenho. Nessa mesma lógica gerencial, outros aspectos da vida acadêmica

foram sendo alterados. A Gratificação de Estímulo à Docência (GED) no Magistério

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Superior, instituída pela Lei nº 9.678/1998, foi um exemplo. Amaral (2009; 2011)

explica que a GED era um complemento ao salário do docente e focava, na prática,

os índices de produtividade em detrimento da qualidade. Ganhou força o “aulismo” e

a procura por eventos que acumulassem pontos na corrida pela gratificação salarial.

Segundo o autor, no período em que esteve em vigor, a GED contribuiu para a

expansão do número de vagas nas IFES sem elevação proporcional de professores

e recursos financeiros para manutenção e investimentos institucionais44.

Em síntese, a concepção de avaliação implementada pelo Governo FHC teve

o Provão como expoente, baseado em competências finais específicas do

educando, secundarizando aspectos relacionados ao processo de ensino-

aprendizagem e à formação ética. Os resultados foram utilizados muito mais para

estabelecer rankings, induzindo, assim, as IES a priorizar resultados imediatos,

deixando para segundo plano aspectos mais formativos. No fundo, essa política não

oferecia elementos para a melhoria e aperfeiçoamento do sistema, visto que não

operava como indutor da qualidade.

4.3 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e os processos de regulação e supervisão

Durante o Governo FHC, os movimentos em defesa da educação pública

reivindicavam maior participação nas políticas e a construção de um sistema de

avaliação, em contraposição ao caráter que o ENC assumiu. Nas eleições

presidenciais de 2002, o caderno temático do programa de governo “Uma Escola do

Tamanho do Brasil”, organizado pelo Comitê Lula Presidente, anunciava como

alternativa a expansão das vagas na educação superior, respeitando o princípio da

associação entre ensino, pesquisa e extensão e da permanente avaliação das IES

(públicas e privadas). Entre as propostas para a educação superior, estavam o

controle social da universidade mediante mecanismos abertos de prestação de

contas e de avaliação institucional, a revisão do ENC com o intuito de criar um

sistema nacional de avaliação institucional a partir, dentre outras, da experiência do

PAIUB, e aperfeiçoamento e aplicação da legislação sobre reconhecimento ou

44 A GED foi revogada dez anos depois, pela Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008.

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renovação da condição de universidade atribuída às IES (COLIGAÇÃO LULA

PRESIDENTE, 2002).

Foi nesse clima que, no início do Governo Lula, foi criada a Comissão

Especial de Avaliação da Educação Superior (CEA)45, com a finalidade de oferecer

subsídios, fazer recomendações e propor estratégias para a reformulação dos

processos e políticas de avaliação da educação superior, elaborando revisão crítica

dos seus instrumentos, metodologias e critérios. Como resultado dos trabalhos, a

CEA apresentou ao Ministro Cristovam Buarque46, em 27 de agosto de 2003, a

proposta “Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES): bases

para uma nova proposta da educação superior”.

Os fundamentos da proposta da CEA (2009) buscaram integrar múltiplas

dimensões (ex-ante e ex-post, internas e externas, particular e global, somativo e

formativo, quantitativo e qualitativo) e articular diversas concepções e atores estatais

e não-estatais, por intermédio de uma construção coletiva. Há, no geral, o esforço

em abranger a avaliação sob duas lógicas: na qualidade de análise crítica para

autoconhecimento institucional e como controle, com o intuito de verificar a

conformidade. Desse modo, a CEA buscou cercar a proposta de múltiplos

instrumentos, combinar diversas metodologias e tipos de avaliação. Coerente com a

ideia de sistema, a Comissão articulou, então, a avaliação propriamente dita

(compreendendo o conjunto integrado de dimensões, funções e finalidades de

ensino, pesquisa e diálogo com a sociedade) e a regulação/supervisão/fiscalização,

funções próprias de Estado, não no sentido do controle burocrático, mas no de

45 Designada pelas Portarias MEC/SESu nº 11, de 28/04/2003, e nº 19, de 27/05/2003, a CEA foi presidida pelo professor José Dias Sobrinho (UNICAMP) e integrada pelos seguintes membros: professores Dilvo Ilvo Ristoff (UFSC), Edson Nunes (UCAM), Hélgio Trindade (UFRGS), Isaac Roitman (CAPES), Isaura Belloni (UnB), José Ederaldo Queiroz Telles (UFPR), José Geraldo de Sousa Júnior (SESu), José Marcelino de Rezende Pinto (INEP), Júlio César Godoy Bertolin (UPF), Maria Amélia Sabbag Zainko (UFPR), Maria Beatriz Moreira Luce (UFRGS), Maria Isabel da Cunha (UNISINOS), Maria José Jackson Costa (UFPA), Mario Portugal Pederneiras (SESu), Nelson Cardoso Amaral (UFG), Raimundo Luiz Silva Araújo (INEP), Ricardo Martins (UnB), Silke Weber (UFPE), Stela Maria Meneghel (FURB) e pelos estudantes Giliate Coelho Neto, Fabiana de Souza Costa e Rodrigo da Silva Pereira, representando a UNE. Isto é, quinze professores de universidades, dois representantes do INEP, dois da SESu, um da CAPES e três estudantes. Daniel Ximenes (SESu) foi o coordenador executivo da CEA, assessorado por Adalberto Carvalho (SESu), e contou ainda com a colaboração de Teófilo Bacha Filho do Conselho Estadual de Educação do Paraná. Com exceção da UNE, não houve na composição representante de movimentos sociais, sindicais ou de associações. 46 Cristovam Buarque foi Ministro da Educação do Governo Lula no período de janeiro de 2003 a janeiro de 2004.

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garantir a qualidade. Assim, caberia ao Estado e à comunidade acadêmica elaborar

a avaliação propriamente dita, fazendo com que a regulação não se esgotasse em si

mesma, e que, articulada com os ciclos do conjunto de avaliação global, fosse

também uma prática formativa.

Quanto ao desenho e operacionalização do SINAES, o documento da CEA

elenca diversos instrumentos que, articulados, o constituiriam. A avaliação

institucional seria o instrumento central, organizador da coerência do conjunto,

sendo constituída pelo processo de autoavaliação e complementada pela avaliação

externa, ideia muito semelhante ao que foi proposto no PAIUB47. Assim, mais que a

integração de múltiplos instrumentos, a CEA propôs outra perspectiva, em que o

curso e o aluno seriam avaliados, mas não isoladamente, e sim em função da

totalidade institucional.

Sob o princípio da globalidade, a avaliação institucional, tanto na dimensão

interna, quanto na externa, incorporaria as informações e os resultados de diversos

instrumentos (Censo da Educação Superior, cadastro das IES, avaliação da pós-

graduação etc.). A CEA sugeriu também a criação da Comissão Nacional de

Avaliação da Educação Superior (CONAES) para coordenar e supervisionar o

SINAES e servir como intermediário entre as políticas estabelecidas pelo MEC e a

sociedade. A ideia era que a CONAES fosse uma instância nacional colegiada,

órgão associado, articulado a outros órgãos do Poder Executivo, mas autônomo

frente ao governo. A CONAES teria o papel de identificar os acertos e equívocos e

fazer recomendações para serem consideradas em cada novo ciclo avaliativo.

Para a avaliação dos discentes, a CEA propôs a criação do Processo de

Avaliação Integrada do Desenvolvimento Educacional e da Inovação da Área

(PAIDEIA), que seria aplicado a grupos amostrais de estudantes, no meio e no fim

do curso. O objetivo era realizar um acompanhamento longitudinal das ações

pedagógicas e proceder a análises sobre a evolução dos processos educativos em

cada área do conhecimento, percebendo suas relações com a totalidade,

especialmente nos aspectos de formação e de inovação. Segundo Dias Sobrinho

(2010, p. 212), o PAIDEIA: [...] buscaria consolidar a ideia de processo, de integração, de movimento, evolução e inovação, contrapondo-se à avaliação produtivista, estática e de

47 Alguns membros da CEA fizeram parte do Comitê Assessor do PAIUB, como os professores José Dias Sobrinho, Dilvo Ristoff e Isaura Belloni.

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meros resultados. Não se tratava simplesmente de constatar desempenhos de estudantes, mas de avaliar as grandes tendências curriculares, as dinâmicas formativas e as relações interdisciplinares de conjuntos de cursos que constituem as grandes áreas do conhecimento, como ciências humanas, exatas, tecnológicas e da saúde.

Diferentemente do Provão, o PAIDEIA seria apenas um componente da

avaliação, integrado aos demais instrumentos.

A proposta da CEA, ao passo que se submetia aos níveis de decisão, foi

sendo reformulada no entrechoque de interesses de grupos e frações de classe, de

modo que alteraram significativamente aspectos do documento original. O processo

de discussão no MEC foi marcado por conflitos em relação à função prioritária da

avaliação. Segundo Rothen (2006, p. 114): O então Ministro da Educação, Cristovam Buarque, defendia explicitamente a manutenção, em linhas gerais, dos procedimentos da avaliação do governo anterior. Por sua vez, o relatório da Comissão Especial da Avaliação apresentou uma proposta com a visão da avaliação como formação/emancipação.

Nesse sentido, Cristovam Buarque articulou a publicação da Medida

Provisória (MPv) nº 147/2003, instituindo o Sistema Nacional de Avaliação e

Progresso do Ensino Superior (SINAPES). Na exposição de motivos, o Ministro

afirmava que a avaliação do SINAPES estava apoiada em quatro pilares: o processo

de ensino; o processo de aprendizagem; a capacidade institucional; e a

responsabilidade do curso com a sociedade em geral. Para cada um desses itens,

seria construído um indicador parcial. Combinados, esses quatro indicadores

comporiam o Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior (IDES), embora o corpo

da MPv não tenha feito nenhuma referência ao IDES, ou qualquer outro índice. Além

disso, a MPv nº147/2003 propunha a criação da Comissão Nacional de Orientação

da Avaliação (CONAV), à qual caberia estabelecer as linhas acadêmicas, e da

Comissão Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior (CONAPES), que

deliberaria sobre os critérios, métodos de análises e procedimentos. Ou seja, essas

comissões teriam funções, respectivamente, consultivas e executivas (BRASIL,

2003).

No início de 2004, com a reforma ministerial realizada no Governo Lula, Tarso

Genro48 assumiu o MEC. Logo após, a MPv nº 147/2003 foi discutida, alterada e

aprovada no Congresso Nacional, sendo sancionada sob a Lei nº 10.861, em 14 de

48 Tarso Genro foi Ministro da Educação no período janeiro de 2004 a julho de 2005.

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abril de 2004, instituindo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

(SINAES). Posteriormente, a Lei foi regulamentada pela Portaria do MEC nº 2.051,

de 9 de julho de 200449. Tinha-se, assim, pela primeira vez na história das políticas

para a educação superior, a formalização de um amplo sistema de avaliação que

articula múltiplos instrumentos.

O objetivo do SINAES, conforme o Quadro 6, é realizar processo nacional de

avaliação baseado na tríade: IES, cursos de graduação e desempenho acadêmico

dos estudantes.

Quadro 6 – Configuração do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) Avaliação das instituições de educação superior (Avaliação

institucional)

Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG)

Exame Nacional de Desempenho do Estudante

(ENADE)

Avaliação interna (Autoavaliação)

Realizada pela Comissão

Própria de Avaliação (CPA) de cada IES

A avaliação, realizada pelas comissões do BASis, é feita

quando uma instituição solicita autorização para abrir um

curso. Quando a primeira turma do curso novo integraliza

metade da estrutura curricular, a instituição solicita o

reconhecimento. Então, uma segunda avaliação verifica se foi cumprido o projeto. Já a avaliação de renovação de

reconhecimento é feita a cada três anos. Os cursos que obtêm conceito 1 ou 2 são avaliados in

loco.

Prova; questionário socioeconômico; questionário de impressões sobre a prova;

questionário aos coordenadores de curso.

Avaliação externa

Realizada pelas comissões do Banco de Avaliadores (BASis)

A prova é anual. Atualmente é aplicada a todos os concluintes, sendo a periodicidade trienal de

aplicação aos estudantes de cada curso de graduação.

Fonte: Elaboração do próprio autor.

Assim, a avaliação institucional como o centro do processo da avaliação, ideia

recomendada pela CEA, foi relativizado. O SINAPES proposto pelo Ministro

Cristovam Buarque, apoiado no processo de ensino-aprendizagem, na capacidade

institucional e na responsabilidade do curso, certamente configurou a Lei ao incluir

esses três eixos como modelo final do SINAES.

A avaliação das instituições está dividida entre autoavaliação e a avaliação

externa in loco. Quanto aos cursos de graduação, são avaliadas as condições de

ensino oferecidas aos estudantes, sobretudo no que concerne ao perfil do corpo

docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica. Essa avaliação

dos cursos de graduação inclui, entre outros procedimentos e instrumentos, visitas 49 A Portaria MEC nº 2.051, de 9 de julho de 2004, foi revogada pela Portaria Normativa MEC nº 40/2007, republicada em 29 de dezembro de 2010, mas aquela teve suas disposições consolidadas nesta.

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por comissões do Banco de Avaliadores (BASis) das respectivas áreas do

conhecimento. Da avaliação in loco, realizada pelas Comissões de Avaliação, são

gerados conceitos de avaliação, ordenados em uma escala com cinco níveis:

Conceito de Curso (CC) e o Conceito Institucional (CI), para cursos e IES,

respectivamente (BRASIL, 2004, 2010).

Quanto ao desempenho dos estudantes, segundo Dias Sobrinho (2010, p.

212), “A proposta do PAIDEIA não foi bem entendida e acabou recusada pelo MEC,

pela mídia e pelo Congresso Nacional.”. Desse modo, em vez de avaliar as grandes

tendências curriculares, as dinâmicas formativas e as relações interdisciplinares de

conjuntos de cursos que constituem as grandes áreas do conhecimento, a Lei do

SINAES optou pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE),

com o intuito de aferir o cumprimento dos estudantes em relação aos conteúdos

programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de

graduação, correndo o risco de produzir uma avaliação estática e de meros

resultados.

Enquanto na proposta do PAIDEIA o exame seria aplicado a grupos amostrais

de estudantes, no ENADE o uso de procedimentos de amostragem ficou facultativo,

de forma que desde 2009 o exame tem sido censitário. Como componente curricular

obrigatório e condição para emissão do diploma, o ENADE é realizado todos os

anos, aplicando-se trienalmente a cada curso, de modo a abranger as formações

objeto das Diretrizes Curriculares Nacionais e da legislação de regulamentação do

exercício profissional. São inscritos no ENADE os estudantes ingressantes e

concluintes, embora, desde 2011, os ingressantes estão sendo dispensados de

realizar a prova. O exame, composto de questões de múltipla escolha e discursivas,

possui conteúdo geral de conhecimentos e uma parte específica de cada área,

voltada a aferir as competências, habilidades e conteúdos agregados durante a

formação, bem como um questionário de percepção sobre a prova (MEC, 2010).

Segundo a Lei do SINAES, aos estudantes de melhor desempenho no ENADE o

MEC concederá estímulo, na forma de bolsa de estudos.

Para Barreyro e Rothen (2006, p. 966), o processo de criação de uma prova

em larga escala aplicada aos estudantes, desde o Provão até o ENADE, foi se

constituindo como uma colcha de retalhos para atender as condicionalidades dos

organismos multilaterais. Dias Sobrinho (2010) pondera que, apesar de

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semelhanças operacionais, o Provão e o ENADE pertencem a paradigmas

diferentes. Segundo o autor, A diferença fundamental consiste nas distintas concepções de avaliação estática, do Provão, e dinâmica, do ENADE. O Provão era uma avaliação estática: uma prova aplicada aos alunos no final do curso colhia respostas pontuais, cuja soma de acertos e descontos dos erros resultava em pontuações e classificações, sem oferecer feedback. Era essencialmente uma avaliação de produto, somativa. Já o ENADE se propõe como avaliação dinâmica, incorporando a noção de mudança e desenvolvimento do aluno em seu percurso formativo. Nessa perspectiva, o processo ganha proeminência sobre o resultado final isolado. Entre uma e outra aplicação do exame, o aluno tem oportunidade de superar suas deficiências, desenvolver suas habilidades cognitivas e aplicá-las em novas situações. Em outras palavras, o ENADE tem como foco principal a trajetória do estudante, visando avaliar mudanças verificáveis entre o potencial de aprendizagem demonstrado no ingresso e as habilidades acadêmicas para o domínio da área, em termos de conhecimentos e atitudes, bem como as competências profissionais, isto é, os conhecimentos básicos e as capacidades de utilizá-los em distintas situações, a serem demonstrados no último ano do curso. (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 213-214)

Desse modo, ao menos do ponto de vista formal, o ENADE transcende o

simples controle e verificação de conteúdos disciplinares, buscando avaliar o

processo de aprendizagem e de formação, com o intuito de conhecer mudanças que

ocorrem em determinados intervalos, identificar as causalidades que levam à

compreensão dos resultados e superar as dificuldades. Na prática, porém, o uso que

tem sido feito pelos meios de comunicação, e até mesmo pelas IES, resulta em

rankings, às vezes a partir de aspectos parciais, isoladamente, de forma

descontextualizada.

Conforme sugestão da CEA, a Lei nº 10.861/2004 instituiu a CONAES, órgão

colegiado composto por treze membros, sendo cinco especialistas em avaliação ou

gestão universitária, três oriundos de organizações representativas dos segmentos

universitários e cinco representantes do MEC. A CONAES é a instância responsável

fundamentalmente por coordenar e supervisionar o SINAES, tendo entre suas

competências o estabelecimento de diretrizes para a elaboração, pelo INEP, dos

instrumentos de avaliação de cursos de graduação e de avaliação interna e externa

de instituições. Os resultados do processo de avaliação devem ser encaminhados à

CONAES para a elaboração de seu parecer conclusivo. Para os resultados

considerados insatisfatórios, tem-se a formalização do Protocolo de Compromissos

a ser cumprido pela direção do curso e da instituição, visando à superação das

falhas e insuficiências. O descumprimento desse protocolo pode ensejar a aplicação

de penalidades (BRASIL, 2004; MEC, 2010).

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Diante dessa análise, constata-se que a Lei do SINAES apresenta tanto

características da avaliação processual quanto da regulatória. No mesmo sentido,

Barreyro e Rothen (2006, p. 971) afirmam que: [...] o SINAES é o resultado da cumulação e da metamorfose. Os três pilares que constituem o Sistema atualmente são derivados das experiências anteriores: a) a Avaliação Institucional, do PAIUB, b) a Avaliação dos Cursos de Graduação, da Avaliação das Condições de Ensino e c) o Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes, do Provão. A cumulação dos mecanismos de avaliação foi realizada sem considerar que cada um deles é produto de valores e paradigmas divergentes: a visão formativa/emancipatória do PAIUB, fundada na participação e na autonomia institucional, a visão somativa da Avaliação das Condições de Ensino e o mecanismo de ranking do Provão. (BARREYRO; ROTHEN, 2006, p. 971).

Estão presentes no SINAES, portanto, concepções distintas, tendo influências

tanto do PAIUB, recuperada pela CEA na proposta de autoavaliação, como do ENC

e do Provão, com a ideia de controle e aferição de produto. Partindo das reflexões

de Lima (2008), um paralelo entre a proposta da CEA, o SINAPES de Cristovam

Buarque e o SINAES consubstanciado na Lei nº 10.861/2004 é apresentado no

Quadro 7.

Quadro 7 – Comparativo entre o SINAES da CEA, o SINAPES e o SINAES aprovado pelo Congresso Nacional

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) –

Proposta original da CEA

Sistema Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior

(SINAPES) – Proposta MPv nº 147 de 15/12/2003

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) – Lei nº

10.861, de 14 de abril de 2004

1. O conceito de educação superior é mais amplo que o conceito de ensino, pois transcende o desempenho e o rendimento buscando os significados mais amplos da formação e a responsabilidade social das IES. A ênfase está na avaliação institucional e na visão de totalidade, articulação e integração entre as estruturas da educação superior em uma visão sistêmica.

1. Mantém a valorização da responsabilidade social dos cursos e das IES que os ofertam, mas adota a expressão “ensino superior” e dá maior ênfase à avaliação dos cursos, como o sistema adotado no Governo anterior, aproximando o conceito de avaliação ao de medição.

1. O conceito de educação superior assemelha-se à proposta do SINAES original, porém a ênfase múltipla está na avaliação institucional, de cursos e do desempenho discente, valorizando a responsabilidade social e a formação mais ampla na IES.

2. Ênfase nos aspectos qualitativos, sem abstrair os aspectos quantitativos.

2. Ênfase nos aspectos quantitativos com a proposta de estabelecimento do Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior (IDES), sem abstrair os aspectos qualitativos.

2. Buscar uma integração entre instrumentos que valorizem elementos descritivos e de valoração semiqualitativa, com elementos que também dão ênfase aos aspectos quantitativos.

3. Os pilares do modelo são 10 (dez) grandes grupos de indicadores: a missão institucional, o corpo de professores e pesquisadores, o corpo discente, o corpo técnico-administrativo, os currículos e programas, a produção acadêmico-científica, as atividades de extensão e ações de intervenção social, a infraestrutura, a gestão, e outros itens importantes pelas especificidades da instituição.

3. Os pilares do modelo são 4 (quatro): o processo de ensino, o processo de aprendizagem, a capacidade institucional, e a responsabilidade do curso.

3. As dimensões institucionais a serem avaliadas são as seguintes: a missão e o plano de desenvolvimento institucional (PDI), a política para o ensino, a pesquisa, a pós-graduação, a extensão e as respectivas formas de operacionalização, a responsabilidade social, a comunicação com a sociedade, as políticas internas para os corpos docente e técnico-administrativo, a organização e a gestão institucional, a infraestrutura física, o planejamento e a autoavaliação, e a sustentabilidade financeira.

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Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) –

Proposta original da CEA

Sistema Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior

(SINAPES) – Proposta MPv nº 147 de 15/12/2003

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) – Lei nº

10.861, de 14 de abril de 2004

4. Propõe que a coordenação e a supervisão do SINAES sejam da competência da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) que, embora esteja vinculada ao MEC, compreende instância autônoma de articulação entre SESu, INEP, CAPES e sociedade. A CONAES tem um perfil mais técnico e acadêmico.

4. Propõe que as linhas acadêmicas da avaliação do ensino superior sejam estabelecidas pela Comissão Nacional de Orientação da Avaliação (CONAV); e que os critérios, métodos de análises e procedimentos de avaliação sejam deliberados pela Comissão Nacional de Avaliação e Progresso do Ensino Superior (CONAPES). Estas comissões são vinculadas ao MEC.

4. Propõe que a função de estabelecer os parâmetros gerais e as diretrizes de operacionalização do SINAES fique a cargo da CONAES, diferenciando-se da sua proposta original por apresentar aqui um perfil mais político.

5. A CONAES seria constituída por 12 membros com perfil de especialistas reconhecidos em Avaliação Educacional superior e gestores de IES com experiência concreta na coordenação ou execução de processos avaliativos. A SESu, o INEP, a CAPES e o SEMTEC teriam membros natos.

5. A CONAV teria 7 membros indicados pelo MEC, representando os corpos docente, discente e técnico-administrativo das IES e a CONAPES teria 7 membros também designados pelo MEC, dentre os quais o presidente do INEP, 2 outros representantes da CAPES e 3 representantes do MEC.

5. A CONAES terá 12 membros, sendo 1 representante do INEP, 1 da CAPES, 1 do corpo docente, 1 do corpo discente, 1 do corpo técnico-administrativo das IES e 5 representantes definidos pelo MEC dentre reconhecidos cidadãos com competência em avaliação ou gestão da educação superior.

6. Além da continuidade do processo avaliativo com a indicação de recomendações para melhorias em prazos estabelecidos, o SINAES dá ênfase à meta-avaliação periódica como retroalimentação do sistema e aperfeiçoamento dos próprios processos de avaliação.

6. Institui um protocolo de compromissos gerados com os cursos e respectivas IES para superação dos seus problemas e limitações, como principal indutor da melhoria da qualidade do ensino superior, porém não deixa clara na proposta a realização de meta-avaliação do sistema.

6. Busca tornar o SINAES um sistema de avaliação que expõe os compromissos públicos e sociais da educação superior, bem como capaz de afirmar os valores acadêmicos, e aprimorado continuamente em uma meta-avaliação que reflita sobre os métodos, instrumentos, agentes envolvidos, objetivos e o cenário em que o sistema opera.

7. Reconhece análises comparativas internas e elimina as classificações, hierarquizações ou rankings dos diversos cursos e instituições por notas, menções e outros códigos numéricos ou alfabéticos.

7. Mantém a análise comparativa oficial de cursos e instituições implantada com o provão, porém com várias outras opções de análise comparativa e evitando-se as distorções geradas pela comparação universal do provão e seu modelo de pontuação.

7. Apresenta a manutenção de classificações e rankings, como é o caso da premiação dos alunos de melhor desempenho no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).

8. Admite a aplicação de exame (PAIDEIA), porém como parte da avaliação e não o seu todo, e estando ainda plenamente articulado com as demais dimensões do SINAES e dentro de uma filosofia e de uma lógica de avaliação educativa e não de uma lógica mercadológica de competitividade como fazia o Exame Nacional de Cursos (ENC).

8. Mantém o exame na avaliação regulada da educação superior, porém com várias mudanças, dentre elas a integração às demais dimensões avaliativas, redução da ênfase no ranking de cursos e instituições e observância das diferentes realidades das IES e dos seus cursos quando forem feitas comparações. O instrumento recebe o nome de Exame Nacional de Desempenho do Corpo Discente em substituição do termo PAIDEIA, indicado na proposta original do SINAES.

8. O desempenho dos estudantes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos previsto nas diretrizes curriculares, suas habilidades e competências necessárias para compreensão de temas exteriores ao âmbito específico da sua profissão, será obtido por meio de um exame, o ENADE, que por procedimentos amostrais será aplicado aos discentes em final de primeiro semestre e de curso.

9. A comunidade acadêmica é também sujeito da avaliação, pois participa da sua construção e aplicação como um processo de questionamento institucional e das suas atividades.

9. A comunidade acadêmica é objeto de avaliação, preenchendo formulários de coleta de dados eletronicamente sem qualquer questionamento da sua atuação institucional, mas apenas dos produtos que gera.

9. Assim como no SINAES original, a comunidade acadêmica é incentivada a participar da construção da autoavaliação institucional e dos cursos da IES.

Fonte: Lima (2008).

Esse complexo processo de formulação do SINAES repercute no caráter

multiforme da política, não consistindo na aplicação de um projeto racionalmente

coerente. Desse modo, a Lei nº 10.861/2004 foi uma síntese complexa das diversas

contribuições anteriores, tornando-se uma “Lei híbrida” (BERTOLIN, 2004),

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contraditória em seu âmago, marcada pela tensão entre uma concepção mais

progressista, democrática e processual, herança das contribuições da CEA, e, de

outro lado, uma visão gerencial e mercadológica. Verifica-se, nesse sentido, que o

processo de criação do SINAES expressou uma condensação de forças, em que

frações de classes foram capazes de influenciar a produção da política.

A Lei do SINAES tratou fundamentalmente da avaliação, mas não da

regulação e supervisão. A fim de compor o elo entre o exercício dessas três funções,

foi promulgado o Decreto nº 5.773/200650, chamado de “Decreto-Ponte”, estatuindo

os processos e as respectivas competências do MEC, do CNE, do INEP e da

CONAES. Nas palavras de Sguissardi (2008b, p. 860), o referido instrumento legal

significou “o maior avanço na definição de padrões e regras, em que devem atuar as

instituições, e de sua regulação e controle [...]”. Consoante o texto do Decreto nº

5.773/2006, a avaliação realizada pelo SINAES constitui referencial básico para os

processos de regulação e supervisão. A regulação é realizada por meio de atos

administrativos autorizativos de credenciamento e recredenciamento, em se tratando

de IES, e autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento, quando de

cursos de graduação e sequenciais. Já a supervisão é realizada a fim de zelar pela

conformidade da oferta com a legislação, podendo culminar na aplicação de

sanções, que incluem desativação de cursos e habilitações, intervenção, suspensão

temporária de prerrogativas da autonomia ou descredenciamento. A bem da

verdade, embora existam a Lei e o Decreto, a regulamentação dessas funções tem

sido permeada por uma lógica microrregulatória, mediante um labirinto de portarias,

instrumentos de avaliação, notas técnicas etc., o que torna complexa a

operacionalização das normas. O MEC, dessa maneira, exerce um papel ativo no

processo de interpretação e reinterpretação do marco legal, tendo implicações para

o processo de implementação da política de avaliação.

Avaliação, regulação e supervisão são, portanto, complementares e

indissociáveis. Para engendrar o exercício dessas funções, tem sido mobilizada um

conjunto de instituições. Entre elas está a Comissão Técnica de Acompanhamento

da Avaliação (CTAA), órgão colegiado com a finalidade de acompanhar os

processos de avaliação institucional externa e dos cursos de graduação, instituída

50 O Decreto nº 5.773/2006 foi revogado pelo Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das IES e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino.

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pela Portaria MEC nº 1.027/200651. As avaliações in loco são realizadas por pares

(sorteados pelo Sistema e-MEC52 dentre os integrantes do Banco de Avaliadores –

BASIs), que compõe Comissões de três membros, quando se trata de IES, e de

dois, no caso de curso (MEC, 2010). De um lado, a CONAES, além de coordenar e

supervisar o SINAES, assumiu a posição política de assessoramento ao Ministro da

Educação. Por outro lado, foi conferido à CTAA perfil mais operacional,

acompanhando o trabalho das comissões e julgando recursos decorrentes das

avaliações externas. Desse modo, sucintamente, a CONAES delibera sobre as

diretrizes, o INEP elabora os instrumentos e executa, a CTAA analisa os relatórios

em grau recursal e, por fim, o INEP conclui a fase de avaliação, disponibilizando o

relatório da visita in loco no Sistema e-MEC para instruir os processos regulatórios e

de supervisão.

A partir de 2008, o MEC, fazendo uso da dimensão incremental da ação

pública, deu novos contornos aos sentidos atribuídos à avaliação no âmbito do

SINAES, por intermédio de normas infralegais. Seguindo a mesma lógica que já

havia sido implementada, em 2007, para aferir a qualidade da educação básica com

a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), os ciclos

avaliativos da educação superior passaram a ser orientados por índices. Estes

geram conceitos de instituições e cursos, expressos numa escala de cinco níveis,

em que os níveis iguais ou superiores a três indicam qualidade satisfatória, a

chamada “avaliação positiva”. Os índices criados foram o Conceito Preliminar de

Curso (CPC), o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC) e o Conceito

ENADE 53 . As comissões de avaliação têm utilizado o CPC e o IGC como

referenciais orientadores das avaliações in loco.

O CPC é calculado no ano seguinte ao da realização do ENADE de cada

área, com base no desempenho de estudantes e sua percepção acerca da

infraestrutura e dos recursos didático-pedagógicos, e nos dados sobre o corpo

docente, conforme o Quadro 8.

51 A Portaria nº 1.027, de 15 de maio de 2006, foi revogada pela Portaria Normativa MEC nº 40/2007, republicada em 2010, mas aquela teve suas disposições consolidadas nesta. 52 O sistema e-MEC foi instituído por meio da Portaria Normativa MEC nº 40/2007, republicada em 2010, para realizar a tramitação em meio eletrônico dos processos regulatórios de instituições e cursos de graduação e sequenciais. 53 As Portarias Normativas MEC nº 12, de 5 de setembro de 2008, que instituiu o CPC, e nº 12, de 5 de setembro de 2008, que instituiu o IGC, foram revogadas pela Portaria Normativa MEC nº 40/2007, republicada em 29 de dezembro de 2010, mas aquelas tiveram suas disposições consolidadas nesta.

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Quadro 8 – Composição do CPC e pesos das suas dimensões e componentes

DIMENSÃO COMPONENTES PESOS Desempenho dos

estudantes Notas dos concluintes no ENADE 20,0%

Valor agregado pelo processo formativo

oferecido pelo curso Nota do IDD 35,0%

Corpo docente Nota de proporção de mestres 7,5%

30,0% Nota de proporção de doutores 15,0% Nota de regime de trabalho 7,5%

Percepção discente sobre as condições do processo

formativo

Nota referente à organização didático-pedagógica 7,5%

15,0% Nota referente à infraestrutura e instalações físicas 5,0%

Nota referente às oportunidades de ampliação da formação acadêmica e profissional 2,5%

Fonte: INEP (2017).

Percebe-se que 70% da composição do CPC estão relacionados à

performance acadêmica e ponto de vista dos estudantes: desempenho no ENADE

(20%), valor agregado pelo IDD (35%) 54 e percepção sobre as condições do

processo formativo (15%). Isto é, de alguma forma, 70% do CPC concerne a algo

que envolve o ENADE.

Quanto ao IGC, é calculado anualmente, considerando a média dos CPCs no

ano do cálculo e nos dois anteriores, ponderada pelo número de matrículas em cada

um dos cursos computados. Para IES que possuem cursos de pós-graduação stricto

sensu, é incluída no cálculo a média dos conceitos dos programas na última

avaliação quadrienal da CAPES, convertida para escala compatível e ponderada

pelo número de matrículas em cada um dos programas (MEC, 2010).

Esses índices implicaram em mudanças substanciais de concepção no âmbito

do SINAES, uma vez que são calculados fundamentalmente alicerçados nos

resultados do ENADE, reduzindo a definição de qualidade. Isso demonstra o peso

ideológico do legado do Provão, pois, não obstante a CEA ter focado na avaliação

institucional e rechaçado práticas classificatórias e apesar do SINAES inaugurar a

tríade avaliativa (IES, cursos e discentes), na prática se tem dado maior importância

54 O Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD), que compõe o CPC, mede o valor agregado pelo curso ao desenvolvimento dos estudantes concluintes, considerando seus desempenhos no ENADE e suas características de desenvolvimento ao ingressar no curso de graduação avaliado. O cálculo do IDD leva em consideração: número de estudantes concluintes participantes no ENADE; desempenho geral dos estudantes concluintes no ENADE; desempenho dos estudantes no ENEM; e número de concluintes participantes no ENADE com nota do ENEM recuperada para o cálculo do IDD (INEP, 2017).

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ao desempenho dos estudantes. Dessa maneira, gradualmente, a avaliação

institucional interna foi secundarizada pelo ENADE, que ganhou destaque na

comunidade acadêmica, na mídia, no mercado educacional e na sociedade.

A força assumida pelo ENADE é representada também pela alteração de

critérios de dispensas da avaliação in loco, que passaram a ser norteadas pelos

índices e conceitos. Em 2009, a avaliação in loco passou a ser dispensada para

autorização de cursos presenciais, condicionada ao CI e IGC iguais ou superiores a

três. Nos pedidos de autorização de cursos em EAD, a dispensa estava

condicionada ao CI e IGC iguais ou superiores a quatro55. No caso de CI ou IGC

inferiores aos mencionados, podiam ser indeferidos, independentemente de visita de

avaliação in loco, a autorização de cursos presenciais, os pedidos de

credenciamento institucional e autorização de cursos para a modalidade de EAD e

credenciamento de novos polos. Como forma de reduzir o volume de processos para

emissão de atos regulatórios e contrair custos, na prática, conforme apontam Nunes,

Fernandes e Albrecht (2014), a avaliação presencial tem se tornado a exceção.

Reconhecendo essa grande importância conferida ao desempenho de

estudantes, Cabral Neto (2009, p. 47) observa que “[...] o ENADE tem assumido

maior destaque no conjunto do processo de avaliação do Sinaes, tendo sido,

inclusive, utilizado como forma de classificar as instituições.”. Nas palavras de Sousa

e Fernandes (2016), o CPC e o IGC criam o “ENADE ampliado”, transcendendo o

mero desempenho dos estudantes ao se tornarem referências para diversos

programas. Isso porque, além de definir o critério da dispensa da avaliação in loco, o

ENADE ultrapassa, inclusive, o âmbito do SINAES, uma vez que repercute em

outras políticas educacionais, como as de financiamento. No Quadro 9, apontam-se

políticas de educação superior em que o instrumento legal fazem referência à

avaliação.

55 Primeiramente, os critérios para dispensa de avaliação in loco foram estabelecidos pela Portaria MEC nº 10, de 02 de julho de 2009. Posteriormente, foi revogada pela Portaria Normativa MEC nº 40/2007, republicada em 29 de dezembro de 2010, mas aquela teve suas disposições consolidadas nesta.

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Quadro 9 – Políticas de educação superior condicionadas a processos de avaliação

POLÍTICA INSTRUMENTO LEGAL REFERÊNCIA À AVALIAÇÃO

Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)

Lei nº 10.260/2001

“Art. 1º É instituído [...] o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) [...] destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação própria.” (Redação dada pela Lei nº 12.513/2011).

Programa Universidade para Todos (PROUNI)

Lei nº 11.096/2005

“Art. 7º, § 4º O Ministério da Educação desvinculará do Prouni o curso considerado insuficiente, sem prejuízo do estudante já matriculado, segundo critérios de desempenho do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, por duas avaliações consecutivas [...].” (Redação dada pela Lei nº 11.509/2007).

Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)

Decreto nº 5.800/2006

“4.3.3. Para os casos de cursos que já passaram por ciclos avaliativos do Ensino Superior, somente poderão ser propostos aqueles que possuem CPC igual ou superior a 3, referente ao último ciclo avaliativo.” (Edital CAPES nº 05/2018).

Programa de Melhoria do Ensino das Instituições de Educação Superior (PROGRAMA IES – MEC/BNDES)

Portaria Normativa MEC

nº 14/2009

“Art. 2º A apresentação dos projetos referidos no art. 1º somente poderá ser efetuada por IES que possua, no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), Índice Geral de Cursos (IGC) igual ou superior a 3 (três), considerado o IGC mais recente publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) até a data do protocolo do projeto na Instituição Financeira Credenciada. (Redação dada pela Portaria Normativa nº 18/2011)”.

Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)

Lei nº 12.513/2011

“Art. 6o-D. As normas gerais de execução do Pronatec por meio da concessão das bolsas-formação de que trata a alínea a do inciso IV do caput do art. 4o aos estudantes matriculados em instituições privadas de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio serão disciplinadas em ato do Ministro de Estado da Educação, que deverá prever: (Incluído pela Lei nº 12.816, de 2013) ......................................... VI - exigências de qualidade acadêmica das instituições de ensino, aferidas por sistema de avaliação nacional e indicadores específicos da educação profissional, observado o disposto no inciso III do § 1o do art. 6o-A; .................................”

Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES)

Lei nº 12.688/2012

“Art. 13. É facultado o pagamento de até 90% (noventa por cento) do valor das prestações mensais [...] mediante a utilização de certificados de emissão do Tesouro Nacional, emitidos pela União, na forma de títulos da dívida pública, em contrapartida às bolsas Proies concedidas pelas mantenedoras das IES para estudantes de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva [...], condicionada à observância das seguintes condições por ocasião da adesão [...]”.

Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica

Decreto nº 8.752/2016

“Art. 12. O Planejamento Estratégico Nacional deverá prever programas e ações integrados e complementares relacionados às seguintes iniciativas: ............................................................... XIV - financiamento estudantil a estudantes matriculados em cursos de licenciatura com avaliação positiva pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - Sinaes, na forma disciplinada pela Lei nº 10.861, de 10 de abril de 2004, inclusive a amortização do saldo devedor pela docência efetiva na rede pública de educação básica; .......................................”.

Fonte: Elaboração do próprio autor, a partir da legislação mencionada.

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Nota-se que o Estado exerce controle mediante a articulação financiamento e

avaliação, que introduz instrumentos de gestão, exigência de metas e cumprimento

de resultados. Embora as leis gerais que tratam dessas políticas, não mencionem

diretamente o ENADE, os instrumentos de regulamentação muitas vezes o fazem.

Nesse sentido, no Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), disposto pela

Lei nº 10.260/2001, é condição imprescindível para concessão do financiamento o

estudante estar matriculado em curso com avaliação positiva, isto é, com índice

maior ou igual a três. As Portarias Normativas do FIES também fazem menção ao

CC, CPC e ENADE, inclusive como critérios de desempate para distribuição das

vagas 56 . Quanto ao Programa Universidade para Todos (PROUNI), a Lei nº

11.096/2005 prescreve que o MEC deve desvincular do programa o curso

considerado insuficiente na avaliação. As Portarias Normativas, que dispõem sobre

os procedimentos para a adesão de mantenedoras e a emissão de termo aditivo aos

processos seletivos do PROUNI, estipulam que somente podem ser ofertadas

bolsas nos cursos presenciais com CC, CPC ou ENADE maior ou igual a três,

observada a respectiva ordem na inexistência do conceito anterior57. No Programa

de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino

Superior (PROIES), a Lei nº 12.688/2012 se refere a bolsas em cursos com

avaliação positiva. Na Portaria Normativa MEC nº 26/2012, que dispõe sobre os

procedimentos para oferta de bolsas e seleção de bolsistas de que trata o PROIES,

a noção de avaliação positiva se refere a cursos de graduação que possuem

conceito maior ou igual a três, considerando CC, CPC e o ENADE, respectivamente,

na hipótese de inexistência do anterior.

A Portaria MEC nº 160/2013, concernente ao Programa Nacional de Acesso

ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), indica que as IES privadas devem

dispor de IGC (caso não possuam, pode ser o CPC em curso de engenharia ou

curso superior de tecnologia) igual ou superior a três para serem habilitadas no

programa. A Portaria MEC nº 817/2015 prevê a autorização para oferta de cursos

somente de instituições que atenderem cumulativamente as seguintes condições:

CPC ou CC (o que for mais recente) igual ou superior a três, no curso de graduação

em área de conhecimento correlata ao curso técnico a ser ofertado; IGC ou CI (o

que for mais recente) igual ou superior a três; inexistência de supervisão institucional 56 Ver, por exemplo, Portaria Normativa MEC nº 16, de 1º de setembro de 2017. 57 Ver, por exemplo, Portaria Normativa MEC nº 18, de 6 de novembro de 2014.

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ativa; e inexistência de penalidade institucional nos cursos de graduação correlatos

aos cursos técnicos a serem ofertados.

No âmbito de políticas voltadas para atividades acadêmicas, o Programa de

Melhoria do Ensino das Instituições de Educação Superior (PROGRAMA IES –

MEC/BNDES) disponibilizou às IES públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos,

recursos financeiros, na forma de financiamento concedido pelo Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Conforme a Portaria Normativa

MEC nº 14/2009, a apresentação dos projetos somente poderia ser efetuada por IES

que possuísse IGC igual ou superior a três.

A Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica,

instaurada pelo Decreto nº 8.752/2016, prevê um Planejamento Estratégico

Nacional, em que seus programas e ações devem estar relacionados, entre outras

iniciativas, ao financiamento a estudantes matriculados em cursos de licenciatura

com avaliação positiva, em conformidade com a estratégia 15.2 do Plano Nacional

de Educação (PNE 2014-2024). Além disso, um dos eixos dessa Política é o

fortalecimento das funções de avaliação, regulação e supervisão da educação

superior, visando à plena implementação das diretrizes curriculares relativas à

formação dos profissionais da educação básica.

Todas essas ações estimulam IES privadas a ajustarem a organização do

trabalho pedagógico com o intuito de lograrem êxito no ENADE, na medida em que

repercute fortemente na posição de qualidade do curso e da IES. Assim, o mercado

agita-se e mobiliza-se para, direta ou indiretamente, granjear recursos públicos.

Como efeito do esforço em se alcançar resultados nos indicadores, segundo Amaral

(2011, p. 99-100), “[...] tem levado as instituições privadas a oferecerem cursos

internos preparatórios aos exames nacionais, prêmios para os estudantes e a

exercerem forte pressão nos seus professores e coordenadores de cursos.”. As IES

passaram a se dedicar à sua “imagem institucional” (NEAVE, 2012), de modo a

produzir resultados favoráveis ou a controlar os danos nos rankings e utilizar os

resultados em anúncios de propaganda. Fazem isso adequando a formação dos

estudantes ao exame, com adaptações no currículo, redefinindo o perfil dos

professores e modificando as práticas na sala de aula. Nessa lógica, a avaliação

passa a constituir as matrizes curriculares de referência, negando a autonomia e a

identidade institucional. É um círculo vicioso: a IES privada precisa de receitas; a

concessão de financiamento estudantil está condicionada a cursos com avaliação

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positiva no ENADE; a IES privada, então, prepara os estudantes para o teste; os

resultados positivos no exame são utilizados para fins de marketing acadêmico para

atrair novos clientes e, por conseguinte, elevar as receitas. O círculo é, assim,

reiniciado.

Como pano de fundo, tem-se a defesa da avaliação como fenômeno

classificatório. O pressuposto é o de que a desigualdade é uma questão histórico-

cultural universal, assumindo no capitalismo apenas cariz particular, que é a

exclusão de mercado. Nesse sentido, a avaliação é feita para classificar, escalonar,

cotejar, sujeitos ou instituições, de modo a saber a distância entre o lugar que

ocupam no momento e o lugar onde deveriam estar. Essa seria uma forma de

descobrir as razões pelas quais estudantes não aprendem e instituições não

promovem com êxito o processo de ensino-aprendizagem, para que, ao se

constatarem os motivos, possam alcançar a posição desejada. Nessa abordagem,

cabe discutir os motivos pedagógicos da classificação e seus riscos, mas não o

contexto classificatório em si (DEMO, 2010).

Diante disso, depreende-se que a divulgação dos índices cumpre a função de

monitorar o sistema fixando metas de desempenho, sobretudo no que diz respeito

ao mercado educacional das instituições privadas. Nessa mesma interpretação,

Amaral (2011) afirma que: A implantação do Exame Nacional de Cursos (ENC), o provão (lei n. 9.131/1995), a sua extinção e a criação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, o Enade (lei n. 10.861/2004), e a divulgação pelo MEC do Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e do Índice Geral de Cursos (IGC) em 2008 propiciam o ranqueamento das IES e passaram a ser instrumentos avaliativos que acirraram ainda mais a competição entre as instituições privadas.

Em que pesem as IFES estarem também sujeitas aos processos de

avaliação, sob a política de accountability, que busca maior eficiência e

responsabiliza o servidor público, a pressão e o temor à supervisão se apresenta

menor. Ainda assim, políticas voltadas para instituições públicas também relacionam

recursos orçamentários e o chamado indicador de qualidade. Um exemplo é o

Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), em que o edital, segundo o Decreto nº

5.800/2006, deve fixar requisitos, condições de participação e critérios de seleção.

Segundo o mais recente Edital CAPES nº 05/2018, semelhante aos anteriores, os

cursos que já passaram por ciclos avaliativos apenas podem submeter propostas se

possuírem CPC igual ou superior a 3 na última avaliação.

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Vale salientar, outrossim, que até o ano de 2017, a Resolução CES/CNE nº

3/2010 dispunha como condição para o requerimento de credenciamento como

universidade, CI e IGC igual ou superior a quatro na última avaliação58. Para

recredenciamento de universidades, entre outras disposições, são necessários o

último CI e IGC igual ou superior a três. Todos esses exemplos certificam o peso

dos indicadores nas diversas políticas voltadas para a educação superior.

Para Sguissardi (2008b, p. 858), “[...] o neopragmatismo típico do mundo

econômico, que se caracteriza pela supervalorização da competitividade mercantil,

tomou conta do sistema de supervisão e regulação estatal da educação superior no

Brasil, pretextando uma suposta avaliação de sua qualidade.”. Dessa forma, por um

lado, reduziu-se a importância da avaliação institucional, da produção de

significados e reflexão sobre os valores do conhecimento, e, por outro, o ENADE

assumiu centralidade, acompanhado da seleção e da classificação. Os resultados

vindos a público, tendo por base fundamentalmente os conceitos obtidos no ENADE,

acentuam a ênfase no mercado educacional, para informar sobre o produto que está

sendo oferecido, em detrimento de uma análise global e integrada da instituição,

assim como ganham preponderância para as ações de regulação e supervisão. É

um caminho que vai na contramão de processo avaliativo indutor da qualidade

socialmente referenciada, mas que se ajusta à concepção teórico-metodológica e

ético-política da “avaliação gerencialista” (SOUZA, 2014), componente da Reforma

do Estado, assentada na Nova Gestão Pública, que disponibiliza informações para

alocação de recursos financeiros e serve de auditoria.

Desse modo, a relevância dada à instituição no plano formal da Lei não é

garantia de que tenha adquirido na prática a importância e o sentido que lhe atribui.

Grande parte das ações assumiram, na realidade, um caráter pro forma, como um

momento final e sem qualquer relevância para os processos. Conforme aponta Dias

Sobrinho (2010, p. 216), isso tem levado “[…] a avaliação institucional a se

burocratizar, tornando pouco relevante o papel das CPAs (Comissões Próprias de

Avaliação) e praticamente abafando as reflexões dos professores, estudantes e

funcionários.”. Nessa mesma perspectiva, Sguissardi (2008b, p. 860) afirma que “as

medidas de regulação e controle tendem a entrar em contradição com os

procedimentos entendidos como de avaliação institucional [...]”. Isso porque as 58 A Resolução CNE/CES nº 5, de 19 de outubro de 2017, suprimiu a necessidade IGC igual ou superior a quatro para credenciamento e recredenciamento de Universidades.

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ações do MEC, por meio de normas infralegais, exerceram sucessivos arranjos de

sentido para serem compatíveis com as crenças e ideias do gerencialismo, dando

nova semântica ao SINAES. Para Sousa e Fernandes (2016), o SINAES, desde sua

formulação, tem passado por intensas mudanças de princípios e dispensas de

formalidades, de forma que, tal como está hoje, se caracteriza um “Neo-Sinaes”, isto

é, uma política assaz distinta da ideia inicial.

Em sentido inverso à noção de avaliação enquanto classificação e

escalonamento, o Documento Final da Conferência Nacional da Educação (CONAE

2010) defendeu a articulação entre a concepção de avaliação formativa, indicadores

de qualidade e a efetivação de um subsistema nacional de avaliação da educação

básica e superior. Contrapondo-se à forma pela qual tem sido desenvolvida a

avaliação vigente, que resulta em competição institucional, e opondo-se aos

sistemas de incentivos (via prêmios e punições) e ao estabelecimento de rankings, a

CONAE defendeu uma visão mais ampla e formativa, compreendendo que a

instituição de educação é fruto de uma série de fatores internos e externos que

devem ser levados em consideração. Dessa maneira, além do rendimento escolar, a

avaliação deve considerar outras variáveis e indicadores institucionais, como os

contextos socioculturais nos quais se realizam os processos de ensino e

aprendizagem, os salários e a carreira dos professores, o atendimento extraturno

aos estudantes que necessitam de maior apoio, número de estudantes por

professor, dentre outros. O objetivo da CONAE 2010 era, via sociedade civil

organizada, por meio dos fóruns realizados em todo o país, contribuir efetivamente

para a elaboração do PNE. O Projeto de Lei encaminhado pelo Poder Executivo e o

processo legislativo foram marcados por contradições que contemplaram

parcialmente as deliberações da CONAE. Quanto à política para a educação

superior, a Meta 13 do PNE 2014-2024, consoante a Lei nº 13.005/2014, trata da

elevação da qualidade, acompanhada de nove estratégias, chamando atenção o fato

de que metade dessas estratégias abordam algum aspecto da avaliação. São elas: 13.1) aperfeiçoar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, de que trata a Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, fortalecendo as ações de avaliação, regulação e supervisão; 13.2) ampliar a cobertura do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes - ENADE, de modo a ampliar o quantitativo de estudantes e de áreas avaliadas no que diz respeito à aprendizagem resultante da graduação; 13.3) induzir processo contínuo de autoavaliação das instituições de educação superior, fortalecendo a participação das comissões próprias de

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avaliação, bem como a aplicação de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a qualificação e a dedicação do corpo docente; 13.4) promover a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia e licenciaturas, por meio da aplicação de instrumento próprio de avaliação aprovado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior - CONAES, integrando-os às demandas e necessidades das redes de educação básica, de modo a permitir aos graduandos a aquisição das qualificações necessárias a conduzir o processo pedagógico de seus futuros alunos (as), combinando formação geral e específica com a prática didática, além da educação para as relações étnico-raciais, a diversidade e as necessidades das pessoas com deficiência; [...] 13.8) elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas, de modo a atingir 90% (noventa por cento) e, nas instituições privadas, 75% (setenta e cinco por cento), em 2020, e fomentar a melhoria dos resultados de aprendizagem, de modo que, em 5 (cinco) anos, pelo menos 60% (sessenta por cento) dos estudantes apresentem desempenho positivo igual ou superior a 60% (sessenta por cento) no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes - ENADE e, no último ano de vigência, pelo menos 75% (setenta e cinco por cento) dos estudantes obtenham desempenho positivo igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento) nesse exame, em cada área de formação profissional; (BRASIL, 2014).

Embora a estratégia 13.3 trate da autoavaliação das IES, nota-se que o PNE

sinaliza para um ENADE cada vez mais ampliado, tanto do ponto de vista

quantitativo de estudantes e de áreas avaliadas, como atinente a fomentar a

melhoria dos resultados de aprendizagem, definida pelo chamado “desempenho

positivo” no exame. Ademais, pretende promover a melhoria da qualidade dos

cursos de licenciaturas, mediante instrumento próprio de avaliação a ser aprovado

pela CONAES. Verifica-se, dessa maneira que a principal política de Estado dirigida

ao planejamento educacional, e que tem como uma das diretrizes fundantes a

melhoria da qualidade, visa a esse padrão por meio do aprofundamento do exame

de desempenho dos estudantes da educação superior.

Coexiste com a ênfase no ENADE, a ideia de aperfeiçoar o SINAES,

fortalecendo as ações de avaliação, regulação e supervisão, posta na estratégia

13.1. É digno de nota que, após quinze anos, a Lei nº 10.861/2004 nunca teve seu

texto alterado. Uma das propostas que pretende inserir mudanças legais e

operacionais no SINAES é o Projeto de Lei nº 4.372/2012 para criação do Instituto

Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), enviado em

31 de agosto de 2012 pelo Governo Dilma Rousseff ao Congresso. Pode-se

conjecturar que a proposição é uma tentativa de instaurar algo próximo a uma

agência reguladora para a educação superior, a despeito de o Projeto não explicitar

esse termo.

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5 O INSTITUTO NACIONAL DE SUPERVISÃO E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR (INSAES): DO PODER EXECUTIVO AO LEGISLATIVO

A avaliação, enquanto julgamento, tem o potencial de produzir informações e

conhecimento socialmente relevantes, promover a reflexão crítica e subsidiar a

tomada de decisões, direcionando a ação rumo à qualidade idealizada. Na prática,

porém, os sentidos atribuídos às finalidades da avaliação são os mais diversos, uns

de tendência processual e democrática, outros de orientação tecnicista e mercantil.

Com essas concepções em tensão, o modelo gerencial de administração pública,

assentado na noção de accountability, tem conduzido Estados a ampliarem cada vez

mais o monitoramento das políticas públicas e desenvolverem processos

regulatórios, aliados a ideias de prestação de contas e responsabilização.

Nesse sentido, o Brasil vem desenvolvendo uma série de iniciativas na área

educacional, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e

o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Além disso, o

intenso processo de expansão e diferenciação institucional, que tem caracterizado a

formação de nível superior, resulta, como tema central, na delimitação das funções

reguladora e de controle do sistema por parte do Estado. Considerando que o atual

modelo de expansão, direcionado por orientações economicistas de organismos

como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC), é preenchido

em grande parte por poderosos conglomerados que possuem investimentos no

mercado financeiro e ambicionam essencialmente o lucro, o campo da educação

superior fica permanentemente em alerta, temendo o impacto das iminentes crises

do capitalismo, especialmente a deflagrada em 2008, cujos efeitos se veem até os

dias de hoje. A representação é a de que, tal como o livre mercado põe o

capitalismo em colapso, a constituição de um mercado educacional sem efetiva

regulação e controle põe ininterruptamente em cheque esse sistema de ensino, pois

as empresas se movimentam e atuam ao sabor dos ganhos de dividendos.

Diante desse cenário, o Governo Dilma Rousseff, em seu período marcado

pelo Estado em ação para coordenar o programa social desenvolvimentista,

formulou o Projeto de Lei (PL) nº 4.372/2012, propondo a criação do Instituto

Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES). Tal Instituto

seria responsável, entre outras funções, pela avaliação, regulação, supervisão e

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acreditação das IES e cursos de graduação, o que acarretaria modificações no

SINAES.

Para compreender a construção da proposta do INSAES, abrangendo as

intenções e tensões dos grupos no processo de formulação, será analisado o PL

encaminhado pelo Governo Federal e seus desdobramentos no debate legislativo.

Para tal fim, o capítulo está organizado em duas seções. Na primeira, analisa-se o

PL nº 4.372/2012 formulado pela equipe do Poder Executivo. Na segunda, examina-

se os desdobramentos na Câmara dos Deputados, no período de 2012 a 2015,

valendo-se dos documentos produzidos pelas audiências públicas realizadas, as

reuniões que trataram do tema nas Comissões de Educação (CE), de Trabalho, de

Administração e Serviço Público (CTASP), de Finanças e Tributação (CFT) e de

Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e de discursos proferidos em plenário.

5.1 Projeto de Lei nº 4.372/2012: a formulação do Poder Executivo

Em 2010, Dilma Vana Rousseff, filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) e

ex-Ministra de Minas e Energia e ex-Ministra-chefe da Casa Civil do Governo Luiz

Inácio Lula da Silva, foi eleita a primeira mulher presidenta do Brasil. Somada ao

apoio de seu antecessor, que contava com proeminente índice de popularidade, foi

fundamental para a vitória a constituição de uma aliança eleitoral, recorrendo à

ampla coalizão multipartidária, numa coligação que envolveu o PT, o Partido do

Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)59 e mais oito siglas. Na condução dessa

heterogeneidade interna, cercada pela disputa por cargos, enquanto Luiz Inácio Lula

da Silva possuía um perfil mais conciliador, Dilma Rousseff assumiu uma conduta

aparentemente mais técnica.

Singer (2012) observa que, buscando dar coerência à diversidade ideológica

da grande coalizão e unir industriais e trabalhadores, o Plano de Governo não fez

menções a qualquer tipo de rupturas rumo a um modo de produção socialista, nem

se comprometeu preservar superávits primários altos. Desse modo, estabilidade

econômica, de um lado, e distribuição da renda, de outro, figuravam como núcleo do

59 Em dezembro de 2017, o PMDB decidiu retirar a letra “P”, como parte da estratégia de reduzir o desgaste partidário em decorrência da Operação Lava Jato, que resultou em condenações a políticos e empresários. Assim, a legenda resgatou o nome original, Movimento Democrático Brasileiro (MDB), da época de oposição à Ditadura Militar.

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programa, sob a intervenção estatal. Para o autor, ocorreram esforços para resistir

às forças espontâneas do mercado e pôr o Estado em ação para definir setores de

expansão e seu respectivo financiamento, com foco na industrialização.

No primeiro ano de mandato, em meio à crise financeira internacional,

sobretudo na Europa, o Governo procurou imprimir sua marca, sustentando o ritmo

do crescimento com uma postura intervencionista: redução dos juros, uso intensivo

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),

desonerações, plano para investimento em infraestrutura, reforma do setor elétrico,

desvalorização do real, controle de capitais e proteção ao produto nacional. Entre o

segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012, instituições privadas foram

forçadas a reduzir os próprios lucros, sob pressão dos bancos públicos e de

mudança nas regras da poupança. Contrariando os interesses do setor financeiro, o

Governo diminuiu os juros e forçou a redução da margem de lucro. Considerando

esse “ativismo estatal” do Governo Dilma Rousseff, Singer (2016) compreende que

houve, portanto, um “ensaio desenvolvimentista”, que misturou elementos do social-

desenvolvimentismo e do novo desenvolvimentismo, com viés antiliberal.

Ou seja, ainda que o Governo Dilma Rousseff apresente as contradições que

permeiam o “presidencialismo de coalizão” (ABRANCHES, 1988), até porque o

Estado não é constituído por um bloco no poder de todo homogêneo, é possível

apontar o desenvolvimentismo como quadro normativo que traçou a diretriz geral.

Conforme Muller e Surel (2002, p. 17), “[...] toda política pública se caracteriza por

contradições, até incoerências, que devem ser levadas em conta, mas sem impedir

que se defina o sentido das condutas governamentais.”. Diante dessa ideia,

percebe-se que, sob o amparo do fenômeno “lulismo” (SINGER, 2012), o primeiro

mandato do Governo Dilma Rousseff dispôs de oportunidades políticas para

construção de uma agenda caracterizada por um relativo intervencionismo do

Estado na condução da política econômica, que priorizou a industrialização nacional,

reduzindo o protagonismo do capital financeiro.

Nesse período, o Governo tinha uma base política com condições de obter a

maioria no Congresso, para a aprovação de diversas ações postas na agenda,

incluindo o INSAES. Foi um intervalo de relativa capacidade de tornar aceitáveis as

escolhas e efetivar as decisões. A primeira ação indicativa de mudança na

organização e gestão na área da educação foi a aprovação da Estrutura Regimental

do MEC, por intermédio do Decreto nº 7.480, de 16 de maio de 2011. Com o novo

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arranjo do MEC, foi criada a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação

Superior (SERES) objetivando zelar pelo cumprimento da legislação educacional no

âmbito da educação superior, profissional e tecnológica e estabelecer diretrizes e

instrumentos com vistas à supervisão e regulação da educação a distância,

absorvendo, assim, competências antes da Secretaria de Educação Superior

(SESu), da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da

Educação (SETec) e da extinta Secretaria de Educação a Distância (Seed). Menos

de um ano depois, o Decreto nº 7.690, de 2 de março de 2012, aprovou nova

Estrutura Regimental do MEC, atribuindo à SERES apenas a responsabilidade com

a educação superior, ficando composta por três diretorias: Diretoria de Política

Regulatória, Diretoria de Supervisão da Educação Superior e Diretoria de Regulação

da Educação Superior. Apesar de indicar a intenção de propiciar maior racionalidade

aos processos de regulação e supervisão, com a uniformização de fluxos e

procedimentos regulatórios, essas mudanças repentinas sugerem que o Governo

não tinha um projeto claro e acabado para área. De qualquer forma, aliada à ideia de

criação de novas IES e abertura de novos cursos, havia a demanda por mecanismos

de controle dessa expansão, conforme apontam Assis e Oliveira (2013, p. 62): As medidas de flexibilização das exigências administrativas para abertura de novas instituições de ensino superior reforçaram a necessidade de implementação de um sistema de controle da qualidade do ensino por elas ministrado. Devido à contradição no sentido de flexibilizar (ou facilitar) a criação de novas IES e a abertura de novos cursos superiores e, ao mesmo tempo, criar mecanismos rígidos de controle e regulação sistêmicos destes cursos, os mantenedores e gestores desta categoria de IES passaram a conviver com um monitoramento permanente das suas ações, acompanhado de forte pressão da sociedade, da comunidade acadêmica (professores e alunos) e do próprio governo no sentido de obter bons resultados nas avaliações.

Embora o Governo Dilma Rousseff propagasse um discurso de participação e

diálogo, o processo de construção do Projeto INSAES foi delineado por um pequeno

grupo do próprio Governo. Durante as entrevistas exploratórias realizadas no

percurso desta investigação, membros do INEP e representante do setor privado

atribuíram a autoria do Projeto INSAES a membros ocupantes do núcleo estratégico

do MEC, no período de 2010 a 2012.

Entendemos, porém, que a formulação de uma política pública não é

resultado de um indivíduo solitário, mas um campo de forças compreendendo

diversos sujeitos e atores coletivos. Não obstante o “pontapé inicial” tenha sido

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dado pelo núcleo estratégico do MEC, no ciclo das políticas públicas, o momento da

decisão não é um ato isolado, mas sim um processo. Conforme Muller e Surel

(2002), trata-se de um fluxo contínuo de várias escolhas, em diferentes níveis do

sistema de ação, que é preciso analisar como um conjunto. Compreendemos ainda

que as políticas são motivadas por um amplo leque, conferindo à ação pública um

caráter eminentemente complexo. No caso do INSAES, ao reconstruir o

encadeamento que conduziu a sua proposição, julgamos que, direta ou

indiretamente, explícita ou implicitamente, foi resultado do longo processo histórico

de recomendações dos organismos internacionais, sobretudo a UNESCO, o Banco

Mundial e a OMC, bem como foi fruto da maturação dos preceitos gerenciais de

administração pública, pautado no modelo de agências estatais para regular

serviços com atributos econômicos. Além disso, com o processo de expansão da

educação superior no Brasil, o INSAES descende dos arranjos institucionais que

foram se formando para criar elos entre a política de avaliação, regulação,

supervisão e acreditação ante um campo marcado pela privatização mercantil.

O PL nº 4.372/2012 foi enviado ao Congresso Nacional no dia 31 de agosto

de 2012, quase seis meses após a aprovação da nova Estrutura Regimental do

MEC e a menos de dois anos da criação da SERES. O Projeto INSAES se propôs a

integrar e otimizar em um órgão o formato que compartilha as funções de avaliação

e supervisão em distintas instâncias. Na análise de Sguissardi (2013, p. 949), A criação do Insaes talvez se constitua em importante primeiro passo para a unificação do processo de regulação da educação superior no Brasil, que ainda se vê dividido por diversos órgãos (CNE, Sesu, Inep, Capes) e, em especial, cindido entre graduação e pós-graduação [...].

Diversamente ao modelo privado de agências de acreditação existentes e

consolidadas em outros países, o INSAES, pela proposta, seria uma autarquia

pública federal, com autonomia administrativa e financeira. Nesse sentido, embora o

texto do PL não mencione a ação de “regular”, o que prevê, no fundo, é manter a

prerrogativa estatal de exercer, mediante órgão público, as funções de regulação.

O PL anuncia duas finalidades bem distintas ao INSAES: supervisionar e

avaliar IES e cursos de graduação; e certificar entidades beneficentes que atuem na

área de educação superior e básica. Tais quais grande parte dessas finalidades,

algumas das competências já estão previstas atualmente para serem exercidas pela

SERES. Não obstante a disparidade entre as finalidades, o grande foco era o

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desenvolvimento de processos regulatórios. Na Exposição de Motivos

Interministerial (EMI)60 ao Projeto, o Governo apresentou as razões para mais uma

reestruturação da área, que inclui a transformação da SERES no INSAES:

Em que pese o importante passo dado pela criação da SERES, o desafio imposto ao MEC de atingir e manter elevado padrão de qualidade na educação superior ainda requer profundas alterações da atual estrutura do Ministério. [...] o que implica na necessidade de uma ampliação significativa dos recursos humanos e financeiros disponíveis para o cumprimento das atribuições institucionais de avaliação, regulação e supervisão da educação superior. Atualmente, o MEC é responsável pela regulação e supervisão de cerca de 2.667 instituições de educação superior (excluídos deste total as unidades acadêmicas e os campi fora de sede) e 40.748 cursos de graduação nas modalidades presencial e a distância [...]. Para isso, são desenvolvidas cerca de 7.000 avaliações in loco por ano [...]. Com a necessária ampliação da rede de instituições públicas e privadas de educação superior, [...] a capacidade operacional do Ministério para o efetivo exercício dessas atribuições legais de avaliação, regulação e supervisão da educação superior, além de suas muitas outras, estarão inviabilizada. (BRASIL, 2012b, p. 38-39, grifos nossos).

Argumento era, pois, que o arranjo vigente do MEC é insuficiente e incapaz

de controlar o acentuado processo de expansão do sistema. Em um cenário

marcado por IES que funcionam como empresas a fim de obter lucros, praticamente

coloca o INSAES como indutor da qualidade por meio de suas ações. Nesse mesmo

sentido, dados apresentados por Nunes, Fernandes e Albrecht (2014, p. 36)

apontam que: O Sistema em si tem se revelado moroso, ineficiente e inoperante. Levantamento de janeiro de 2013 com 6.561 processos de Universidades tramitando no Sistema e-MEC, demonstrou que 57% dos processos de recredenciamento das Universidades Federais e 60,5% das Universidades Privadas encontravam-se “em análise” em algum dos órgãos envolvidos. Passados quase seis anos do protocolo, em 2007, observou-se que quase 20% dos processos ainda aguardavam decisão. Quase 50% dos processos de reconhecimento de cursos estavam “em análise”, significativa quantidade deles protocolados em 2007 e 2008. Nos processos para “Reconhecimento de Curso EAD”, 99,3% dos pedidos de universidades privadas estavam parados na SERES/MEC, sendo que na mesma situação estão 100% dos mesmos processos das universidades públicas.

Essas informações quantitativas apontam efetivamente que o quadro técnico-

burocrático não acompanhou a acelerada expansão. O Relatório de Gestão da

SERES referente ao exercício 2013 indicou que a Secretaria contava com 87

servidores em cargos efetivos. Por outro lado, o Censo da Educação Superior de 60 A EMI foi assinada por Miriam Belchior (Ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão), Aloizio Mercadante (Ministro da Educação, posteriormente Ministro-chefe da Casa Civil) e Guido Mantega (Ministro da Fazenda).

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2013 (INEP, 2015) indicava haver 7.305.977 estudantes matriculados, 334.628

docentes e 394.416 técnico-administrativos distribuídos em 2.391 IES, 32.049

cursos presenciais e a distância. Acrescente-se a pretensão da Meta 12 do Plano

Nacional de Educação (2014-2024), que na época estava em tramitação no

Congresso Nacional, em elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para

50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos. Eram desafios que

efetivamente impunham uma arquitetura institucional capaz de zelar pela

conformidade da oferta com o desejado padrão de qualidade.

Ao se comparar as antigas e as atuais atribuições da SERES e o Projeto

INSAES, percebe-se que muitas competências são semelhantes, conforme o

Quadro 10.

Quadro 10 – Comparativo entre o Decreto nº 7.690/2012 e o Projeto de Lei nº 4.372/2012 Decreto nº 7.690, de 2 de março de

2012 Projeto de Lei nº 4.372, de 31 de

agosto de 2012 Comentários

Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do MEC.

Cria o INSAES, e dá outras providências.

Enquanto a SERES compõe a relação de órgãos específicos singulares da estrutura organizacional do MEC, o INSAES, embora vinculado ao MEC, teria condição de autarquia com autonomia administrativa e financeira.

Art. 26*. À Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior compete:

Art. 3º Compete ao INSAES: -

I - planejar e coordenar o processo de formulação de políticas para a regulação e supervisão da educação superior, em consonância com as metas do PNE;

I - formular, desenvolver e executar as ações de supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos de educação superior no sistema federal de ensino, de acordo com as diretrizes propostas pelo Ministério da Educação, e em consonância com o Plano Nacional de Educação;

O INSAES teria a competência ampliada, abrangendo a formulação e desenvolvimento de ações, não apenas de políticas regulatórias da educação superior, mas também de avaliação de IES e cursos.

V - estabelecer diretrizes e instrumentos para as ações de regulação e supervisão da educação superior, presencial e a distância, em consonância com o ordenamento legal vigente; VI - estabelecer diretrizes para a elaboração dos instrumentos de avaliação de instituições e cursos de educação superior;

II - expedir instruções e estabelecer procedimentos para a aplicação das normas relativas à sua área de competência, de acordo com as diretrizes do Ministério da Educação;

De um modo geral, são competências semelhantes, que atribuem o dever de orientar acerca da operacionalização dos processos relativos à atuação do órgão.

II - autorizar, reconhecer e renovar o reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais, presenciais e a distância;

III - autorizar, reconhecer e renovar o reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais;

Manteria a mesma competência de atos regulatórios para cursos de graduação e sequenciais, em qualquer modalidade.

III - exarar parecer nos processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior para as modalidades presencial e a distância;

IV - instruir e exarar parecer nos processos de credenciamento e recredenciamentos de instituições de educação superior;

Além de exarar parecer, o INSAES instruiria o processo relativos aos atos regulatórios de IES, em qualquer modalidade.

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Decreto nº 7.690, de 2 de março de 2012

Projeto de Lei nº 4.372, de 31 de agosto de 2012 Comentários

- V - acreditar instituições de educação superior e cursos de graduação;

Sem definir explicitamente a “acreditação”, o PL incumbe ao INSAES essa função. Vale salientar que a Portaria MEC nº 1.734/2011 elenca como representantes do Brasil no Sistema ARCU-SUL a CONAES (estabelece critérios), o INEP (implementa a avaliação) e a SERES, que não tem sua competência evidenciada.

-

VI - realizar avaliações in loco referentes a processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior e de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais, e diligências para verificação das condições de funcionamento dessas instituições e cursos; e

Essa competência não está prevista para a SERES, uma vez que as avaliações externas in loco são realizadas pelo INEP.

IV - supervisionar instituições de educação superior e cursos de graduação e sequenciais, presenciais e a distância, com vistas ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos padrões de qualidade da educação superior, aplicando as penalidades previstas na legislação;

VII - supervisionar instituições de educação superior e cursos de graduação e sequenciais, quanto ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos padrões de qualidade da educação superior, aplicando as penalidades e instrumentos previstos na legislação;

Manteria a mesma competência de supervisão de IES e cursos, em qualquer modalidade, independentemente da categoria administrativa.

-

VIII - decretar intervenção em instituições de educação superior, e designar interventor, nos termos de lei específica;

O INSAES fortaleceria o papel regulador do Estado, inclusive intervindo em instituições privadas.

-

IX - designar, após indicação do Ministério da Educação, instituição de educação superior pública para a guarda do acervo acadêmico de instituições descredenciadas, conforme regulamento;

O INSAES apontaria a quem os estudantes devem recorrer, quando uma IES é descredenciada, para ter acesso, por exemplo, ao histórico acadêmico.

XIII - gerenciar, planejar, coordenar e executar as ações referentes à concessão dos certificados das entidades beneficentes de assistência social da área de educação, e decidir sobre a certificação; (Redação dada pelo Decreto nº 8.066, de 2013)

X - conceder, renovar concessão e supervisionar a regularidade do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS, quanto às entidades de educação superior e de ensino básico, observados os requisitos e a sistemática da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009;

Trata-se de um dos pontos mais controversos, pois o INSAES, voltado para a educação superior, seria responsável também pela certificação de entidade beneficente de assistência social que atue na educação básica, embora competência semelhante já estivesse atribuída à SERES.

VII - gerenciar sistema público de informações cadastrais de instituições e cursos de educação superior; VIII - gerenciar sistema eletrônico de acompanhamento de processos relacionados à regulação e supervisão de instituições e cursos de educação superior; IX - manter e atualizar o catálogo dos cursos superiores de tecnologia;

XI - constituir e gerir sistema público de informações cadastrais de instituições, cursos, docentes e discentes da educação superior, e disponibilizar informação sobre a regularidade e qualidade das instituições e cursos da educação superior e a condição de validade de seus diplomas;

São atribuições semelhantes que convergem para a questão da transparência, com o intuito de garantir aos cidadãos a plena informação sobre a qualidade do sistema.

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Decreto nº 7.690, de 2 de março de 2012

Projeto de Lei nº 4.372, de 31 de agosto de 2012 Comentários

-

XII - aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino; e

Uma das novidades do INSAES, essa aprovação prévia reforçaria a função reguladora do Estado, aproximando-se da prevenção para evitar abusos do poder econômico exercido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

XII - articular-se, em sua área de atuação, com instituições nacionais, estrangeiras e internacionais, mediante ações de cooperação institucional, técnica e financeira bilateral e multilateral; (Redação dada pelo Decreto nº 8.066, de 2013)

XIII - articular-se, em sua área de atuação, com instituições nacionais, estrangeiras e internacionais, mediante ações de cooperação institucional, técnica e financeira bilateral e multilateral.

Mesma atribuição, está relacionada ao plexo de regulações transnacional, nacional e local no campo das políticas educacionais.

-

Parágrafo único. Nas hipóteses de que trata o inciso IV do caput, serão exigidas certidões de regularidade fiscal perante as fazendas federal, estadual e municipal, e certidões de regularidade perante a seguridade social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a Justiça do Trabalho.

Competência apenas atribuída ao INSAES. Tal exigência não possuiria relação direta com a avaliação da qualidade. Condicionar a tramitação dos processos de credenciamento e recredenciamentos de IES à regularidade fiscal seria uma estratégia indireta de cobrança de tributos.

X - propor as ações de concepção e atualização dos referenciais e das diretrizes curriculares dos cursos superiores de graduação; XI - propor referenciais de qualidade para a educação a distância, considerando as diretrizes curriculares da educação superior e as diversas tecnologias de informação e comunicação; XIV - gerenciar, planejar, coordenar, executar e monitorar ações referentes a processos de chamamento público para credenciamento de instituições de educação superior privadas e para autorização de funcionamento de cursos em áreas estratégicas, considerando as necessidades do desenvolvimento do País e a inovação tecnológica. (Incluído pelo Decreto nº 8.066, de 2013)

-

Apesar de o PL não fazer referência a ações voltadas para diretrizes curriculares dos cursos ou o chamamento público para autorização de funcionamento de cursos, o representante do Governo, durante a audiência pública realizada na Comissão de Educação, colocou como um dos eixos do INSAES o fomento de política de editais para a criação de cursos em regiões carentes de profissionais e abertura de novos cursos em áreas estratégicas. Está subentendida também a ideia de contratos de gestão como forma de responsabilização por resultados.

Fonte: Elaboração do próprio autor, a partir da legislação citada. Nota: Alguns incisos dos Decretos nº 7.690/2012 foram retirados da sequência crescente para possibilitar a comparação com o PL nº 4.312/2012.

Embora as atribuições sejam semelhantes ao da SERES, o INSAES

expandiria a atuação, assumindo, inclusive, as avaliações externas in loco

realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (INEP). Isso desencadeou manifestações de rejeição ao Projeto INSAES

por parte de servidores do INEP, organizados em um blog denominado Servidores

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do INEP61 . A página eletrônica realizou postagens abordando o que julgavam

“riscos” do Projeto INSAES. Em linhas gerais, defendiam o modelo de avaliação já

desenvolvido pelo INEP e entendiam que a concentração de todos os processos no

INSAES cercearia a atividade avaliativa diante das funções de regulação e

supervisão (SERVIDORES DO INEP, 2015). Durante a fase das entrevistas

exploratórias, tivemos a oportunidade de dialogar com dois servidores pertencentes

à direção da Associação de Servidores do INEP (ASSINEP), momento em que nos

foi entregue o broche exposto na Figura 1.

Figura 1 – Broche confeccionado pela Associação de Servidores do INEP (ASSINEP) – “País que tem INEP não improvisa com INSAES”

Fonte: Servidores do INEP (2015).

Os membros da ASSINEP afirmaram saber pouco sobre a origem do

INSAES, atribuindo a concepção do Projeto a José Henrique Paim Fernandes62.

Segundo os entrevistados, os servidores do INEP não foram convidados a participar

do processo de formulação do PL, fato confirmado em entrevista com uma das

coordenadoras-geral do INEP. Em dezembro de 2013, houve uma reunião dos

servidores do INEP em que se constatou que “o INSAES fatiaria o INEP”, ocasião

em que deliberaram a confecção do broche exposto na Figura 1.

Além de ficar responsável por realizar as avaliações in loco, atualmente

exercida pelo INEP, uma das novidades que o INSAES traria é a medida coercitiva

de decretar intervenção e de aprovar aquisições, fusões e cisões de IES, o que

61 O endereço da página eletrônica é https://blogdoinep.wordpress.com/. Segundo consta no site, o “[...] blog foi criado pelos Servidores do INEP [...]. Inicialmente, participam deste projeto os servidores membros da Associação de Servidores do INEP e da Comissão Permanente de Servidores para discussão do Plano de Carreira. O Blog não tem nenhuma relação com a Presidência/Diretoria/Coordenação do INEP e as opiniões aqui não expressam as orientações da direção do órgão.”. A última atualização da página foi de dezembro de 2015. 62 Henrique Paim ocupou o cargo de Secretário-Executivo do MEC no período de 2006 a 2014 e foi Ministro da Educação de fevereiro a dezembro de 2014.

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causou forte rejeição por parte do setor privado durante o debate legislativo.

Interpretamos que essa dimensão do “poder de polícia”63 do INSAES está articulada

com a politics do Governo Dilma Rousseff, fundamentada no fortalecimento do papel

regulador estatal, e converge para teses sobre o novo desenvolvimentismo (FGV,

2010), entre as quais o mercado é o lócus privilegiado, mas o Estado desempenha

papel estratégico em prover o arcabouço institucional que sustente o processo

estrutural.

Até então, não havia previsão na legislação educacional de dispositivo que

interviesse no caráter mercantil que a educação superior no Brasil assumiu nos

últimos anos, que cresceu ao sabor do ideário neoliberal. Visando preencher essa

lacuna, o Projeto INSAES envereda para a regulação econômica, a fim de evitar

riscos intrínsecos à “mão invisível” do mercado, isto é, os perigos oriundos das

distorções do livre mercado quando não é coordenado por alguma entidade estatal.

De fato, a atividade econômica possui particularidades que podem resultar em

distorções da função social da propriedade privada e da livre concorrência, como por

meio da formação de oligopólios, situação em que poucas empresas detêm o

controle da maior parcela do mercado. Ou seja, não se trata apenas de regular e

supervisionar atividades relacionadas à educação, mas também um campo que,

independentemente de juízo de valor, se tornou mercantil. Como constatado por

Chaves (2010) e Sguissardi (2008a; 2013), o modelo de expansão da educação

superior no Brasil está caracterizada pela formação de oligopólios, além da

transnacionalização, a partir das fusões e compras de instituições pequenas e da

abertura do capital nas bolsas de valores, o que tem acarretado a entrada de

capitais estrangeiros no mercado educacional. Esse fenômeno agravou o contexto

de denúncias de irregularidades, deficiência acadêmica e problemas financeiros de

algumas IES, como o caso da Gama Filho e da UniverCidade, em que houve

deflagração de greve de professores, funcionários e estudantes por falta de

pagamento de salários64.

63 Poder de polícia, consoante Di Pietro (2015, p. 158), “[...] é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.”. Em sentido mais restrito, segundo Mello (2011), relaciona-se às intervenções do Poder Executivo (polícia administrativa) para prevenir e repreender atividades particulares incompatível com os interesses sociais. 64 Em 2012, a mantenedora Galileo assumiu o controle da Gama Filho e da UniverCidade, que já estavam em crise financeira. Ao longo do ano de 2013, foram alternados períodos de aparente normalidade com períodos de agravamento da crise, com ocupação de alunos na reitoria, suspensão

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O poder que se pretendia conceder ao INSAES fazia parte do programa do

Governo, de forma deliberada. Na Exposição de Motivos Interministerial (EMI) ao

Projeto, afirma-se que: A integração em um único órgão das atividades de avaliação e supervisão da educação superior justifica-se não apenas pela maior otimização de recursos e integração de processos, mas também porque, de acordo com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, a avaliação institucional externa de cursos e instituições de educação superior constitui referencial básico para os processos de regulação e supervisão [...]. (BRASIL, 2012b, p. 39, grifos nossos).

Atribuir, ao mesmo tempo, o exercício das funções de regulação, supervisão e

avaliação das IES e cursos ao INSAES é um ponto controverso. O princípio da

integração entre avaliação, regulação e supervisão está consagrado na Lei do

SINAES. A ideia, porém, é de integração, e não fusão ou tensão. Assim, a

autonomia dos processos poderia ser colocada em cheque, tornando-a mero

acessório da regulação. Ou seja, ao concentrar todas as funções na mesma

instância, em vez de referencial para os processos de regulação e de supervisão, a

avaliação poderia ficar subordinada ou secundarizada, perdendo-se o potencial de

produzir conhecimento, promover a reflexão crítica e estimular a autoavaliação. Não

se pode perder de vista que, além de orientar as ações de regulação e o

estabelecimento de políticas públicas, a avaliação, enquanto política de Estado, tem

distintas finalidades, como fornecer informações para a tomada de decisão por parte

de estudantes ou gestores acadêmicos que busquem melhorias no curso e na

instituição.

Outra competência atribuída ao INSAES no Projeto é a articulação com

instituições nacionais, estrangeiras e internacionais, mediante ações de cooperação

institucional, técnica e financeira bilateral e multilateral. Fruto da “multirregulação da

educação” (BARROSO, 2006), este encargo, já atribuído à SERES, insere-se na

complexa relação de entrelaçamento entre as regulações transnacional, nacional e

local no campo das políticas educacionais. Na EMI, afirma-se que:

do fornecimento de água e luz, e ausência de serviços de segurança e limpeza. Foi firmado Termo de Saneamento de Deficiências (TSD), mas o grupo Galileo não cumpriu as premissas firmadas no contrato. Assim, o MEC suspendeu o vestibular, os processos regulatórios das duas instituições e novos contratos para o FIES e bolsas do PROUNI, bem como restringiu a participação no PRONATEC. Em janeiro de 2014, o MEC descredenciou ambas as instituições (G1, 2014).

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Com a proposta de criação do Instituto, busca-se atualizar os mecanismos de avaliação e supervisão da Educação Superior no Brasil, por meio das melhores práticas nacionais e internacionais em processos gerenciais, metodológicos e organizacionais customizadas à realidade nacional, adequando estes mecanismos aos objetivos governamentais e da população no que tange ao ensino superior de qualidade. (BRASIL, 2012b, p. 41, grifo nosso).

Nota-se que a regulação é um processo múltiplo, abarcando uma diversidade

de fontes, não se podendo desconsiderar a dimensão transnacional. Esta,

consoante Barroso (2006), é um conjunto ideológico, intelectual e normativo que

circula em instâncias internacionais e que é tomado como “obrigação” e/ou

“legitimação” para ser adotado dentro do sistema educativo nacional e apropriado no

plano local. Via de regra, tem origem nos países centrais, em estruturas

supranacionais e em organismos multilaterais. Desse modo, difundem-se

globalmente receitas para ser postas em prática e os governos as tomam de

“empréstimo”. Nesse contexto, o Estado assume a função de “regulador das

regulações”, isto é, de uma “metarregulação”, a fim de garantir a coordenação geral,

produzindo uma relação dialética entre o transnacional, o nacional e o local

(BARROSO, 2006). Seguindo essa perspectiva, Cabral Neto (2012) formula que os

países de maior poder econômico e político, bem como instâncias globais, exercem

hegemonia no processo de regulação, de modo que os países de capitalismo

dependente se inserem subalternamente. Sem embargo, o autor observa que os

Estados nacionais ainda guardam protagonismo no ciclo de suas políticas.

Nesse sentido, o Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES) é

representativo desse fenômeno. Em 2000, foi criado o que passou a se chamar

posteriormente de Associação Europeia para Garantia da Qualidade no Ensino

Superior (ENQA), determinante no desenvolvimento de critérios e metodologias

comparáveis, prescritos pela Declaração de Bolonha, impulsionando o

estabelecimento de um quadro comum de referência. Os padrões europeus foram

consubstanciados no documento Normas e Diretrizes para a Garantia de Qualidade

na Área Europeia de Ensino Superior (ESG), publicado em 2005 e revisado em

2015, constituindo no principal referencial para os países signatários, incluindo a

organização e funcionamento das agências nacionais (ANTUNES, 2006; LIMA,

AZEVEDO e CATANI, 2008; ROBERTSON, 2009; SANTOS, 2011b; BARREYRO,

2018; ROTHEN, 2018).

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Embora o PL não explicite o significado do termo “acreditação”, assim como

não está mencionado ou utilizado na legislação que norteia o SINAES, um aspecto a

ser considerado na análise do Projeto INSAES é a disposição para a acreditação

regional. Conforme indicam Polidori e Carvalho (2016), a criação do INSAES abriria

a possibilidade do modelo de acreditação ser inserido na prática avaliativa do

sistema de educação superior do país. Considerando que o PL incumbe ao INSAES

acreditar instituições e cursos de graduação, bem como articular-se para o

intercâmbio internacional, supõe-se que a tendência seria a intensificação da

internacionalização do processo de avaliação brasileira, mediante sobretudo o

exercício da função de agência nacional no âmbito da acreditação de cursos de

graduação dos membros do Mercado Comum do Sul (Sistema ARCU-SUL), acordo

assinado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile, visando trabalhar

em conjunto na reciprocidade e no valor intrarregional de um selo MERCOSUL sobre

a qualidade universitária. Tal medida converge com a prioridade dada pelo novo

desenvolvimentismo aos processos de integração regional e os intercâmbios Sul-

Sul. Segundo Dias Sobrinho (2008, p. 818), “Acreditar é praticar um ato legal

certificando que uma instituição, um curso, um programa tem qualidade; portanto,

seus efeitos são legítimos e publicamente assegurados e validados pelo Estado.”.

Nas palavras de Sérgio Santos (2011a, p. 3), “[...] a acreditação visa a garantia de

cumprimento dos requisitos mínimos que conduzem ao reconhecimento oficial do

curso ou instituição avaliados.”. Dessa maneira, a acreditação é a certificação de

qualidade de uma instituição ou curso, conferindo fé pública. Assim, no contexto de

crescente mobilidade e cooperação acadêmica, bem como deslocamentos

geográficos de profissionais qualificados, há uma tendência global em desenvolver

mecanismos de garantia da qualidade de IES e cursos. No Brasil, de acordo com a

Portaria MEC nº 1.734/2011, são representantes no Sistema ARCU-SUL a

Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), o INEP e a

SERES. A CONAES é encarregada de estabelecer os critérios a serem utilizados

para o funcionamento do Sistema ARCU-SUL no Brasil e o INEP está incumbido da

implementação do processo de avaliação de cursos no Sistema. Quanto à SERES, a

Portaria MEC nº 1.734/2011 não explicita as atribuições. À exceção do Brasil, todos

os países membros possuem numericamente uma instância vinculada ao Sistema

ARCU-SUL, e não três. Conjectura-se que o INSAES assumiria o protagonismo

sozinho.

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Quanto ao financiamento do INSAES, o Projeto prevê, entre outras receitas, a

figura de um Estado interventor e financiador, mediante as dotações consignadas no

Orçamento-Geral da União. Tendo em vista que o Governo Dilma Rousseff projetava

a aprovação do INSAES ainda para seu mandato, ao se analisar o Plano Plurianual

da União (PPA) para o período de 2012 a 2015 (Lei nº 12.593/2012), identificamos a

ação orçamentária “03GF – Promoção da qualidade da educação superior por meio

do fortalecimento institucional do processo de regulação e dos instrumentos de

supervisão e avaliação das instituições e cursos desse nível de ensino”. O INSAES,

portanto, já estava previsto nessa iniciativa do PPA. Além disso, a outra fonte de

financiamento seriam as receitas oriundas das multas aplicadas no exercício das

suas atividades. Para isso, o PL versa que a Taxa de Avaliação in loco65, atualmente

em favor do INEP, seria revertida para o INSAES e visa criar a Taxa de Supervisão,

recolhida semestralmente, isentando desse ônus as IES públicas. O Quadro 11

refere-se à tabela relativa à Taxa de Supervisão, que seria atualizada, anualmente,

com base no Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M). O valor da taxa cresceria

conforme a quantidade de vagas autorizadas.

Quadro 11 – Anexo VII do Projeto de Lei nº 4.372/2012 TAXA DE SUPERVISÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

Taxa semestral de acordo com o número de vagas autorizadas Número de vagas autorizadas Taxa semestral (R$)

até 1.000 R$ 5,00 por vaga De 1001 até 3.000 R$ 5,25 por vaga De 3001 até 5.000 R$ 5,50 por vaga De 5001 até 10.000 R$ 5,75 por vaga De 10.001 até 15.000 R$ 6,00 por vaga De 15.001 até 15.000 R$ 6,25 por vaga De 20.001 até 30.000 R$ 6,50 por vaga De 30.001 até 50.000 R$ 6,75 por vaga

Mais de 50.001 R$ 7,00 por vaga Fonte: Brasil (2012, p. 36).

Nunes, Fernandes e Albrecht (2012) realizaram estimativa de valores que

seriam arrecadados com a Taxa de Supervisão, sobre o número de vagas

autorizadas, conforme Quadro 12. O valor total arrecadado, em um ano, seria de R$ 65 Vale lembrar que, ainda no período do ENC, o INEP estabeleceu, por meio de Portaria (nº 22/2002 e depois nº 104/2003), o valor a ser pago pelas IES a título de ressarcimento pelos custos oriundos do processo de avaliação institucional e de Avaliação das Condições de Ensino (ACE). Tal cobrança, porém, foi questionada juridicamente e as decisões judiciais sentenciaram a impossibilidade da exigência ser feita por Portaria do INEP, uma vez que a instauração de tributos deve ocorrer por meio de instrumento legal adequado e em obediência aos princípios estabelecidos pela ordem tributária. Assim, o Governo Lula propôs a Medida Provisória nº 153/2003, convertida na Lei nº 10.870/2004, instituindo a Taxa de Avaliação in loco.

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37.377.456,20. Considerando que as vagas autorizadas diferem de matrículas

verdadeiramente efetuadas, pois é sabido que há um número significativo de vagas

ociosas nas IES privadas-mercantil, o montante a ser pago seria relativamente alto.

Quadro 12 – Estimativa de valores que seriam arrecadados com a Taxa de Supervisão, sobre o n° de vagas autorizadas

Número de vagas autorizadas Taxa semestral (R$) n° de IES n° de vagas até 1.000 2.743.480,00 1.373 548.696

De 1001 até 3.000 5.491.531,50 585 1.046.006 De 3001 até 5.000 3.667.081,00 175 666.742 De 5001 até 10.000 4.311.361,50 110 749.802 De 10.001 até 15.000 1.976.652,00 27 329.442 De 15.001 até 20.000 2.153.656,25 20 344.585 De 20.001 até 30.000 2.143.414,00 14 329.756 De 30.001 até 50.000 2.539.431,00 10 376.212

Mais de 50.001 12.350.849,00 12 1.764.407 TOTAL 37.377.456,20 2.326 6.155.648,00

Fonte: Nunes, Fernandes e Albrecht (2012, p. 29).

Reconhecemos que despesas com transporte terrestre, passagens aéreas,

pagamento de diárias e honorários dos avaliadores demandam uma fonte de

recursos orçamentários. Ao Poder Público se impõe o dever constitucional de

garantir o padrão de qualidade, mas não pode arcar sozinho com o custo da

regulação. Julgamos legítimo, portanto, que IES privadas contribuam para o

financiamento, no entanto, sem transferir a despesa às mensalidades pagas pelos

estudantes, apesar de não haver mecanismos de impedir o repasse desse custo.

No que se refere à estrutura organizacional do INSAES, o PL aventa um

Conselho Consultivo, um Presidente e até seis Diretores. O Presidente passaria a

compor a Câmara de Educação Superior do CNE na condição de membro nato.

Conforme anunciado na EMI, os seis Diretores seriam de administração, regulação,

supervisão, avaliação, e tecnologia da informação e de certificação de entidades

beneficentes, assim como haveria corregedoria, ouvidoria e procuradoria federal.

Não explicita, todavia, como seriam nomeados os diretores, nem o prazo dos

mandatos. Supomos que, por ficar vinculado ao MEC, o Poder Executivo escolheria

os diretores, o que consequentemente abriria possibilidade de ingerência por parte

do Governo.

A administração pública gerencial, flexibilizando aspectos do modelo

burocrático, não prescinde da admissão segundo critérios de mérito, existência de

plano de carreira, profissionalização e treinamento sistemático, conforme

preconizado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995).

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Todavia, o controle passa a ser nos resultados ao invés de se basear nos

processos, fazendo-se, por isso, imperativo avaliar o desempenho individual. Dessa

maneira, dos 49 artigos do PL, 31 (ou seja, 62%) compõem o capítulo que trata do

quadro de pessoal e dos servidores. Na Figura 2, é possível visualizar a nuvem de

palavras do corpo do PL juntamente com a EMI.

Figura 2 – Nuvem com as 50 palavras mais recorrentes no PL nº 4.372/2012

Fonte: Elaboração pelo próprio autor, a partir do software MAXQDA.

As palavras que mais aparecem no documento, como já se poderia esperar,

são “educação” (147 vezes) e “superior” (139). Mas chama a atenção o fato de que

“cargos” se sobressai com um destaque maior do que “avaliação”. Isso ocorre

porque os vocábulos “cargos” (98) e “cargo” (30), possuem ocorrência superior ao

termo “avaliação” (88), ainda que acrescido de “avaliações” (14), “avaliar” (1) e

“avaliativo” (1), expressando a dimensão do quadro de pessoal no Projeto. Os

recursos humanos voltados para a atividade regulatória eram uma das motivações

para a formulação do Projeto INSAES. Nesse sentido, unidades de registro expostas

na nuvem remetem a aspectos de uma carreira atraente, como desempenho (51),

nível (38), plano (38), atividades (35), cursos (34), carreiras (31), gratificação (30),

padrão (28) e classe (27). O diagnóstico era o de que a SERES atendia com

dificuldades a demanda de processos em tramitação em 2013. Com a expansão da

educação superior, reforçada pela Meta 12 do PNE, a estrutura da SERES seria

incapaz de atender satisfatoriamente a demanda. O INSAES, então, seria uma

importante via para ampliar o número de servidores e, consequentemente,

responder adequadamente as necessidades da área. Isso desencadeou um tensão

entre modelo neoliberal, que preconiza a redução do Estado, e o modelo do novo

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desenvolvimento, que defende um Estado mais coordenador e controlador das

ações públicas.

Esses dados acerca da amplitude do quadro de pessoal são muito

significativos. Haja vista os servidores do MEC não possuírem plano de carreira

específico, os próprios membros do INEP relataram, em entrevista, que o INSAES

significaria melhores condições de trabalho e valorização dos funcionários da

SERES. O PL propõe quatro carreiras e seus respectivos cargos e atribuições,

conforme o Quadro 13. Basicamente seria composto por um grupo especializado de

nível superior para executar as atividades-fim e outro núcleo voltado a atividades

administrativas e logísticas.

Quadro 13 – Composição e atribuições do Plano de Carreiras e Cargos do INSAES Carreira Composição Atribuições

Carreira de Supervisão e Avaliação da

Educação Superior

Cargos de nível superior de

Especialista em Supervisão e Avaliação da

Educação Superior

Voltadas às atividades especializadas de avaliação e supervisão de cursos e instituições de educação superior, na modalidade presencial e a distância; ao desenvolvimento de sistemas de informações e documentação sobre cursos e instituições de educação superior; e à implementação e execução de planos, programas, políticas e projetos sobre o tema e realização de estudos e pesquisas relativos a essas atividades.

Carreira de Analista

Administrativo

Cargos de nível superior de

Analista Administrativo

Voltadas a atividades administrativas e logísticas relativas ao exercício das competências legais do INSAES.

Carreira de Técnico

Administrativo

Cargos de nível intermediário de

Técnico Administrativo

Voltadas a atividades administrativas e logísticas de nível intermediário, e atividades de suporte ao cargo de Analista Administrativo, relativas ao exercício das competências legais do INSAES.

Servidores em efetivo exercício na SERES em 1º de setembro de

2012

Cargos de nível superior e

intermediário

Mantidas as denominações e as atribuições do cargo já exercidas e os requisitos de formação profissional.

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de Brasil (2012).

De acordo com o Projeto, seriam criados 550 cargos: 350 de Especialista em

Avaliação e Supervisão da Educação Superior, 150 de Analista Administrativo e 50

cargos de Técnico Administrativo. O Plano de Carreiras e Cargos do INSAES segue

a mesma lógica estabelecida para as carreiras e organização de cargos das

agências reguladoras, previstas na Lei nº 10.871/200466.

66 Na Lei nº 10.871/2004, estão previstos cargos de nível superior de Especialista em Regulação, de nível intermediário de Técnico em Regulação, de nível superior de Analista Administrativo e de nível intermediário de Técnico Administrativo.

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Excetuando-se evidentemente os servidores oriundos da SERES, o ingresso

nas Carreiras ocorreria por meio de concurso público. Interessante notar que o PL

não distingue o especialista em supervisão e o em avaliação, colocando ambas as

funções no mesmo cargo, como uma tentativa de conciliar a tensão entre as duas

atividades regulatórias. Ao mesmo tempo, tocava em uma questão sensível ao

defensores da avaliação totalmente autônoma das demais funções regulatórias.

Consoante o modelo gerencial de administração pública (BRESSER-

PEREIRA 1998, 2006b; CABRAL NETO, 2009), que advoga a favor de incentivos e

bonificações eficientes, a depender do desempenho no cargo público, a progressão

funcional e as gratificações do servidor do INSAES ocorreria após, entre outros

requisitos, avaliação positiva no desempenho individual e institucional, bem como

participação em eventos de capacitação. Toda a estrutura de cargo, nível, classe e

padrão de vencimento foi pensada para constituir um quadro técnico de servidores e

consolidar uma cultura gerencial. Além do vencimento básico e da gratificação de

desempenho, a remuneração do servidor incluiria a retribuição por titulação. Nunes,

Fernandes e Albrecht (2012), a partir das médias das remunerações previstas no PL,

estimaram a folha salarial mensal do INSAES em R$ 3.355.082,78, conforme

Quadro 14.

Quadro 14 – Quadro de Pessoal proposto para o INSAES e Folha Salarial estimada Cargo N° de servidores Folha salarial estimada (R$)

Especialista em Avaliação e Supervisão da Educação Superior 350 2.327.723,81

Analista Administrativo 150 891.158,25 Técnico Administrativo 50 136.200,72

TOTAL DE SERVIDORES 550 3.355.082,78 Fonte: Nunes, Fernandes e Albrecht (2012, p. 27).

Diante dessa estimativa, ao contrário da Reforma do Estado realizada na

década de 1990, em que se buscou reduzir os gastos públicos e se valorizou a

provisão privada de bens e serviços, institucionalizando a avaliação de políticas

públicas, o INSAES, indo além da avaliação, significaria investimento na atividade

regulatória e desencadearia despesas obrigatórias de caráter continuado, consoante

a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). A longo prazo, as

despesas com pessoal abrangeria gastos com os servidores ativos, inativos e

pensionistas, bem como as diversas espécies remuneratórias (vencimentos e

vantagens, proventos da aposentadoria, pensões, gratificações, horas extras e

encargos sociais). Por um lado, tal medida parece ir de encontro ao preceito

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neoliberal de ênfase no livre mercado e livre comércio, bem como as “teorias

conservadoras da crise” (OFFE, 1984), que partem do diagnóstico do fracasso do

Estado. Ressalte-se ainda que esse pensamento neoliberal norteou o processo de

privatização da expansão da educação superior brasileira, assim como impôs às

instituições públicas a submissão à lógica da privatização do público, reduzindo

custos e diversificando as fontes de recursos. Foi nesse contexto, também, que

ganhou força o modelo gerencial para a administração pública, emergindo o Estado-

avaliador (AFONSO, 2009), em que a avaliação se tornou instrumento para

implementar reformas. Ainda que alguns autores (OLIVA, 2010; SADER, 2013)

enquadrem os Governos do PT como pós-neoliberais, o que justificaria o maior

investimento na máquina estatal, entendemos que a intervenção do Estado na

regulação dos serviços públicos e da economia, consentânea às políticas que

constituíram o novo desenvolvimentismo no Brasil, não são divergentes com

manutenção de interesses do grande capital. Isto é, o fortalecimento institucional no

âmbito da organização e gestão estatal não é incompatível com a primazia do

segmento privado-mercantil na oferta de ensino, uma vez que o Estado,

reconhecendo a centralidade do conhecimento no desenvolvimento, teria o papel

normativo e regulador da atividade econômica, fiscalizando, incentivando e

planejando, mas não obstruiria o processo de privatização.

Partindo do valor estimado da folha salarial mensal do INSAES de R$

3.355.082,78 exposta no Quadro 14, Nunes, Fernandes e Albrecht (2012)

elaboraram uma comparação entre essa estimativa face à folha salarial de outros

órgãos vinculados ao MEC, como demonstrado no Quadro 15. O INSAES passaria a

ter um quadro maior relação à CAPES e ao INEP.

Quadro 15 – Comparando o quadro de pessoal do INSAES e sua Folha Salarial com o MEC, Capes, INEP e outros órgãos da Educação Superior

Lotação Total de servidores Folha Salarial Nos órgãos vinculados: IES e outros 226.233 1.262.434.556,69

No MEC 1.291 7.763.803,58 No INSAES 550 3.355.082,78 Na CAPES 363 2.926.514,05 No INEP 306 2.282.372,23

Fonte: Nunes, Fernandes e Albrecht (2012, p. 29).

Segundo Nunes, Fernandes e Albrecht (2012), observando-se somente os

servidores dedicados à regulação e supervisão, conforme o Decreto n° 6.920/2009,

anteriormente lotados nas três Secretarias (SESU, SETEC e SEED), nas respectivas

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Diretorias de Regulação e Supervisão e suas Coordenações, os autores

identificaram um total de 34 servidores na regulação e supervisão, sendo 7 na

SETEC, 14 na SESu e 13 na SEED. Considerando que a SERES surgiu, em 2011,

com 63 servidores, extinguindo as Diretorias de Regulação nas demais Secretarias,

evidencia-se um aumento na regulação/supervisão de 85,3% em relação ao número

de servidores na área. Com o Decreto nº 7.690/2012, o quadro de pessoal ampliou

em 129%, haja vista que a SERES passou a dispor de 78 servidores. Com 550

servidores do Projeto INSAES, elevar-se-ia 1.388% em relação ao montante de

servidores de 2012. Quer dizer que a estrutura proposta para cuidar da regulação e

supervisão demandaria 14 vezes mais que os servidores da SERES em 2012. No

Quadro 16, é apresentada a quantidade de cargos para agências reguladoras,

autarquias que desempenham funções semelhantes às do INSAES.

Quadro 16 – Agências Reguladoras e total de funcionários Autarquia especial Quantidade de cargos

Agência Nacional de Águas (ANA) 45 Agência Nacional do Cinema (ANCINE) 360

Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) 470 Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) 703 Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) 765

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) 780 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) 1328 Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) 1690

Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) 1705 Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) 1755

Fonte: Elaboração do próprio autor a partir do Anexo I da Lei nº 10.871/2004, com redação dada pela Lei nº 12.823/2013.

Comparando com as agências reguladoras, consoante o Quadro 16, percebe-

se que os novos cargos a serem criados pelo INSAES superaria a equipe da ANA,

da ANCINE e da ANTAQ. Se forem somados os novos cargos com os servidores

oriundos da SERES, o INSAES ficaria com 628 servidores, número muito próximo da

ANS. Isso demonstra a magnitude que o Instituto passaria a ter. Essa analogia é

pertinente, pois, ao assumir a privatização como um fato social, o Estado brasileiro

sinaliza para a ênfase nas funções de planejamento, regulamentação e fiscalização,

em detrimento do protagonismo na oferta, mediante as agências reguladoras, na

forma de autarquias especiais criadas por lei (NUNES, 2001; PÓ; ABRUCIO, 2006;

PACHECO, 2006). A autonomia de gestão dessas agências é um aspecto

fundamental com o intuito de se resguardar das pressões políticas, assumindo

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custos de decisões impopulares, e criar um ambiente com regras estáveis, dando

continuidade a políticas de Estado de longo prazo.

Nesse sentido, semelhante ao controle exercido pelas agências reguladoras,

quanto às sanções administrativas, o PL prenuncia que o INSAES poderá impor aos

infratores as seguintes penalidades: I - desativação de cursos e habilitações; II - redução do número de vagas autorizadas para o curso; III - suspensão temporária de prerrogativas de autonomia da instituição; IV - reclassificação da categoria administrativa da instituição; V - descredenciamento institucional; VI - advertência aos dirigentes e representantes legais da instituição; VII - suspensão dos dirigentes e representantes legais da instituição para o exercício das atividades de gestão institucional por até um ano; VIII - inabilitação dos dirigentes e representantes legais para o exercício de atividades de gestão em instituições de educação superior de dois a dez anos; e IX - multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). (BRASIL, 2012, p. 13-14).

Entre as sanções, estão o poder de suspender a prerrogativa da autonomia,

prevista na Constituição Federal, e de impedir o exercício dos dirigentes e

representantes legais da IES. Do ponto de vista formal, as medidas cautelares e

punitivas visam ao interesse público. A ideia de sanções, porém, causa

desconfiança e receio nas IES, sobretudo nas privadas, o que pode ter como efeito a

mobilização de lobby a fim de barganhar resultados. Ou seja, supervisionados,

diante da competição, buscam de alguma forma se salvaguardar. A depender do

formato de implementação, existe o risco do aparato regulatório, criado para velar

pela qualidade, tornar-se uma espécie de espaço de barganha e estar sujeito a

fortes pressões de corporações de elevado poder econômico, via controle

hierárquico. Em decorrência disso, poderia haver um conflituoso campo de

interesses, o que conduziria ao debate acerca da independência do INSAES em

relação aos regulados, governo e entidades de influência política, bem como formas

de controle e de accountability do Instituto. Preocupação semelhante é apresentada

por Pacheco (2006), ao abordar as distintas formas de controle sobre as agências

reguladoras brasileiras. Distinguindo “controle hierárquico” e “controle político”, a

autora afirma: O controle hierárquico baseia-se na relação de autoridade que se estabelece entre o nomeador e o nomeado; é fortemente sustentado no paradigma clássico da burocracia, que pressupõe autoridade única e relações verticais de comando e controle. Tradicionalmente, o controle hierárquico é exercido pelo chefe do Poder Executivo, por meio do instituto

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da nomeação e demissão ad nutum dos ministros e demais dirigentes públicos. [...] Mas o significado de controle político é distinto, e decorre da exigência de accountability desses entes reguladores. O controle político implica a supervisão permanente exercida por múltiplos atores – e não apenas pelo Executivo. (PACHECO, 2006, p. 539-540)

Nessa perspectiva, autonomia não significa ausência de controle, desde que

esse controle não seja um alinhamento hierárquico, mas sim um mecanismo de

accountability por meio do controle político e, sobretudo, social. Este controle social

seria capaz de manter a vigilância e evitar que a agência fosse cooptada pelos

regulados.

O Projeto tenciona ainda alterações na Lei do SINAES, conforme Quadro 17.

Vale salientar que, até hoje, o texto da Lei do SINAES nunca foi modificado.

Quadro 17 – Comparativo entre a Lei nº 10.861/2004 e o Projeto de Lei nº 4.372/2012 Lei nº 10.861/2004 Projeto de Lei nº 4.372/2012 Comentários

Art. 7º A CONAES terá a seguinte composição: ................................................... III – 3 (três) representantes do Ministério da Educação, sendo 1 (um) obrigatoriamente do órgão responsável pela regulação e supervisão da educação superior; ................................................... § 4º A CONAES será presidida por 1 (um) dos membros referidos no inciso VII do caput deste artigo, eleito pelo colegiado, para mandato de 1 (um) ano, permitida 1 (uma) recondução.

“Art. 7º A CONAES terá a seguinte composição: ................................................... III - três representantes do Ministério da Educação; ................................................... VIII - um representante do INSAES. ................................................... § 4º A CONAES será presidida pelo representante do INSAES. ................” Nova Redação (NR)

Em vez de treze membros, a CONAES passaria a ter catorze, sendo acrescida uma vaga a ser ocupada pelo representante do INSAES, que se tornaria o presidente.

Art. 8º A realização da avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes será responsabilidade do INEP.

“Art. 8º A realização da avaliação das instituições e dos cursos será de responsabilidade do INSAES.” (NR) “Art.8º-A. A realização da avaliação do desempenho dos estudantes será de responsabilidade do INEP.” (NR)

Em vez de o INEP, o INSAES passaria a coordenar o processo de avaliação das IES e cursos. Ao INEP caberia apenas a realização do ENADE.

Fonte: Próprio autor a partir de Brasil (2004; 2012, grifos nossos).

Como se observa, as mudanças seriam na constituição da CONAES e no

papel do INEP. No que diz respeito a transformações na CONAES, em vez de treze

membros, passaria a ter catorze, pois seria acrescida uma vaga a ser ocupada pelo

representante do INSAES, que se tornaria o presidente da Comissão. Isso

demonstra a tentativa do Governo em conceder ao INSAES mais poder de

coordenação da política de avaliação, pois o mesmo servidor iria dirigir, por um lado,

a instância que concebe diretrizes gerais (a CONAES), e, por outro, compor,

provavelmente ocupando uma função estratégica, o órgão que executa e fiscaliza

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normas (o INSAES). Ao INEP, caberia apenas planejar, orientar e coordenar o

desenvolvimento do ENADE, ao passo que o INSAES coordenaria o processo de

avaliação das IES e cursos. Seria uma forma de não excluir totalmente o INEP do

processo avaliativo, mas também pressupõe uma certa aprovação quanto ao

formato do ENADE. Tal organização acarretaria em mudanças na Lei nº 9.448/1997,

que transformou o INEP em autarquia federal. Fundamentalmente, retiraria do INEP

a ideia mais abrangente de desenvolver “avaliação educacional”, limitando-a à

noção de “avaliação da aprendizagem educacional”. Haveria, assim, o risco de se

fragmentar o processo avaliativo, pois a avaliação do desempenho dos estudantes é

um insumo para a avaliação dos cursos, sendo um elemento central para a

determinação do CPC. Se o SINAES está assentado na tríade avaliação das IES,

dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, é como

se fatiasse este último elemento dos demais.

Na avaliação in loco, continuaria a participação de especialistas por área de

conhecimento como consultores nas equipes de avaliação, mas haveria também

pelo menos um servidor efetivo do INSAES como coordenador do grupo para “[...]

assegurar as coerências conceitual, epistemológica e prática [...]” (BRASIL, 2012b,

p. 40). Estaria em cheque a avaliação praticada por pares acadêmicos, tradição

consolidada na avaliação da pós-graduação realizada pela CAPES e “por comissões

de especialistas das respectivas áreas do conhecimento” previsto no SINAES

(BRASIL, 2004). É amplamente defendido pela literatura que a avaliação

institucional seja realizada por comissões interdisciplinares e de pares, no caso da

avaliação de cursos e do desempenho dos estudantes. O PL, contudo, expõe como

estratégia inserir servidores do INSAES como coordenadores das comissões de

avaliação, sob o pretexto de articular concepções, objetivos, metodologias e práticas

e elevar a coerência.

Embora o INSAES seja voltado fundamentalmente para a educação superior,

o PL dispõe também, como finalidade, conceder, renovar concessão e supervisionar

a regularidade do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social

(CEBAS), quanto às entidades de educação superior e de ensino básico. Propõe,

assim, alterações na Lei nº 12.101/2009, que dispõe sobre a certificação das

entidades beneficentes de assistência social. Na maior parte do PL, as modificações

incidiriam na substituição do termo genérico “Ministério da Educação” no texto da

referida Lei por “INSAES”, contemplando a participação do Instituto nos

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procedimentos de concessão do CEBAS. Apesar de parecer extrapolar os limites do

INSAES e ser tema estranho em um Projeto que trata de uma agência voltada para

a educação superior, vale mencionar que a coordenação da política de certificação

de entidades beneficentes de assistência social, com atuação na área de educação

como um todo, já é competência desenvolvida pela SERES. Desse modo, o INSAES

herdaria questões relacionadas ao CEBAS.

Essa análise do Projeto de Lei nº 4.372/2012 evidencia, nas (entre)linhas,

similitudes do INSAES com o formato de agência reguladora. Apesar de não prevê

elementos típicos das agências reguladoras, como aprovação prévia da direção pelo

Senado Federal e independência em relação ao Poder Executivo (PÓ; ABRUCIO,

2006), o Projeto INSAES alvitra atribuições inerentes às agências: regime colegiado,

funções de regulação/controle/fiscalização, imposição de taxas e aplicação de

multas. Diante disso, para Nunes, Fernandes e Albrecht (2012), o INSAES se

configura como “agência reguladora atípica”, pois pretende criar cargos técnicos e

apresenta estrutura e função semelhante, embora não preveja o grau de autonomia

que as agências demandam.

A ideia de criar uma agência reguladora para a educação já havia sido

pensada por outros autores. Bertero (2009, p. 68), aceitando o fato de que a

educação superior brasileira é formada por “IES-negócios”, algumas sociedades

anônimas de capital aberto com ações negociadas na Bovespa, propôs “[...] a

criação da Agência Nacional de Educação (Aned) como agência reguladora das

instituições de educação superior do Brasil, com a posterior extensão de suas

atividades aos demais níveis de ensino.”. Partindo do pressuposto de que o

aluno/cliente é um consumidor que precisa ter seus direitos protegidos e que as IES

privadas-mercantil possuem um serviço questionável, a ANED teria papel importante

no estabelecimento de metas de níveis de qualidade.

Quanto ao Projeto do Governo Dilma Rousseff, o PL versava acerca da

vigência das tabelas de vencimento básico a partir de 1º de janeiro de 2013,

projeção replicada em outros itens do documento. Pelas estimativas apresentadas

na EMI: [...] haverá aumento do dispêndio na medida em que forem autorizados os concursos públicos para o provimento das vagas que se propõe criar. Embora se estime um período de dois anos para a completa implantação da Autarquia, o provimento dos cargos criados somente poderá ocorrer a partir de 2014 e ocasionaria, se provido integralmente, um impacto

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estimado em R$ 43.438.390,02 (quarenta e três milhões, quatrocentos e trinta e oito mil, trezentos e noventa reais e dois centavos) anualizados. Quanto aos cargos já existentes, que serão enquadrados no Plano, estima-se o impacto de R$ 3.757.759,46 (três milhões, setecentos e cinquenta e sete mil, setecentos e cinquenta e nove reais e quarenta e seis centavos) anualizados, a partir de 1º de janeiro de 2013 ou da publicação da Lei, se posterior. (BRASIL, 2012, p. 41, grifos nossos).

Mesmo tendo impacto no orçamento público, provavelmente o Poder

Executivo esperava uma aprovação célere, diante da ampla coalizão multipartidária

que compôs, capaz de atingir maioria no Congresso Nacional. O presidencialismo de

coalizão, porém, é um sistema caracterizado pela instabilidade, de forma que

mudanças contextuais no projeto neodesenvolvimentista do Governo Dilma Rousseff

impediram que sua vontade se efetivasse.

5.2 Tramitação na Câmara dos Deputados: correlação de forças ideológicas e políticas em disputa

No ciclo das políticas públicas, as decisões formam um longo processo,

compõem um conjunto de atos decisórios. Conforme Muller & Surel (2002), a

decisão é um fluxo contínuo de decisões, em diferentes níveis do sistema de ação.

O momento da formulação não é resultado de um indivíduo solitário, especialmente

quando envolve um processo legislativo. Nesse sentido, um campo de forças do

campo político, administrativo e de diversos segmentos da sociedade civil, que

muitas vezes seguem lógicas diferentes, mobiliza recursos para configurar a ação.

Seguindo a perspectiva dessa abordagem cognitiva, portanto, o processo decisório é

uma construção progressiva da representação do problema, das soluções e de suas

consequências. Desse modo, a análise da ação pública precisa dar conta dessa

totalidade.

O PL nº 4.372/2012, propondo a criação do INSAES, por ter sido iniciativa do

Poder Executivo, foi encaminhado ao Congresso Nacional em regime de

prioridade67. De acordo com a Constituição brasileira vigente (BRASIL, 1988), o

Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara

dos Deputados68 e do Senado Federal, sendo a primeira Casa iniciadora e a

67 Prioridade é a dispensa de exigências regimentais para que determinada proposição seja incluída na Ordem do Dia da sessão seguinte, logo após as proposições em regime de urgência (CÂMARA, 1989). 68 A Câmara dos Deputados compõe-se de 513 representantes, eleitos para o mandato de quatro

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segunda a revisora. Considerando essa organização, a Mesa Diretora da Câmara

submeteu o Projeto INSAES para apreciação conclusiva 69 na Comissão de

Educação e Cultura (CEC)70, na de Trabalho, de Administração e Serviço Público

(CTASP), na de Finanças e Tributação (CFT) e na de Constituição e Justiça e de

Cidadania (CCJC)71 . A Figura 3 ilustra a trajetória do Projeto na Câmara dos

Deputados.

anos, pelo sistema proporcional, em cada Estado e no Distrito Federal. Possui Comissões Permanentes, que têm por finalidade apreciar assuntos ou proposições submetidos e sobre eles deliberar, assim como exercer o acompanhamento dos planos e programas governamentais e a fiscalização orçamentária da União, no âmbito dos respectivos campos temáticos e áreas de atuação. O número de membros das Comissões Permanentes é fixado de modo a permitir a observância do princípio da proporcionalidade partidária (CÂMARA, 2017). 69 A exceção dos casos previstos no Art. 24, inciso II, do Regimento Interno da Câmara (a saber, projetos de lei complementar; de código; de iniciativa popular; de Comissão; relativos a matéria que não possa ser objeto de delegação; oriundos do Senado, ou por ele emendados, que tenham sido aprovados pelo Plenário de qualquer das Casas; que tenham recebido pareceres divergentes; e em regime de urgência), os demais Projetos de Lei estão sujeito à apreciação conclusiva nas Comissões Permanentes, isto é, fica dispensada a competência do Plenário. 70 Em 2013, a CEC foi desmembrada, ficando o Projeto INSAES na Comissão de Educação (CE). 71 Em 22/11/2012 o Dep. Raul Henry (PMDB/PE) apresentou o Requerimento nº 6404/2012 para revisão do despacho da Mesa Diretora, no sentido do encaminhamento do Projeto INSAES também à Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), para análise do mérito. O Requerimento foi indeferido em 17/12/2012, “tendo em vista a distribuição haver sido feita nos termos regimentais”. Em 21/12/2012, o mesmo Deputado reapresentou no Plenário Requerimento de Redistribuição nº 6.630/2012. O Dep. Izalci Lucas (PSDB/DF) também apresentou no Plenário Requerimento de Redistribuição nº 6.681/2013, sugerindo a oitiva das Comissões de Seguridade Social e Família (CSSF) e de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), quanto ao mérito da proposição. No início de 2013, ambos os Requerimentos foram indeferidos.

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Figura 3 – Linha do tempo referente ao Projeto INSAES na Câmara dos Deputados

Fonte: Elaboração do próprio autor.

Os embates em torno de cada momento descrito na Figura 3 serão

analisados ao longo das seções 5.2.1, 5.2.2, 5.2.3 e 5.2.4. Por ora, vale salientar

que esses espaços formais, reconhecidos, legitimados e detentores de poder,

produzem processos de decisão e a regulação/regulamentação da vida social.

Compreender seu jogo complexo de funcionamento é imprescindível para a análise

dos grupos em negociação e em disputa para imprimir seus interesses, que variam e

decorrem das características do próprio processo político. Assim, o Estado em ação

é indissociável dos sujeitos que o produzem, mediante seus discursos concorrentes

e modos de mobilização. Desde a inclusão de um problema na agenda pública,

intervêm sujeitos, individualmente ou como parte de um segmento coletivo

(organizações multilaterais, governantes, parlamentares, partidos, servidores dos

órgãos administrativos, associações profissionais, sindicatos, organizações da

sociedade civil, especialistas etc.). Isso mostra que a ação pública é multirregulada,

uma vez que a política pública não se resume à ação do Governo. Ou seja, não

obstante o Governo possua um papel proeminente na formulação e implementação

31/08/2012 Projeto

INSAES foi enviado à Câmara

11/12/2012 Audiência pública na

CEC

10/04/2013 Formalização

do Requerimento de Urgência

05/06/2013 Reunião

Ordinária da CE

12/06/2013 Reunião

Ordinária da CE

02/07/2013 Publicadas

alterações no Projeto

aprovadas na CE

02/10/2013 Reunião

Ordinária da CTASP

16/10/2013 Reunião

Ordinária da CTASP

24/10/2013 Publicadas

alterações no Projeto

aprovadas na CTASP

21/11/2013 Audiência

pública na CFT

04/12/2013 Reunião

Ordinária da CFT

17/12/2013 Reunião

Ordinária da CFT

18/12/2013 Reunião

Ordinária da CFT

23/04/2014 Reunião

Ordinária da CFT

07/05/2014 Reunião

Ordinária da CFT

14/05/2014 Publicadas

alterações no Projeto

aprovadas na CFT

03/03/2015 Aprovação do Requerimento de Urgência no Plenário

04/03/2015 Retirada do INSAES da

pauta no Plenário

12/03/2015 Última

menção ao Projeto, no

Plenário

07/04/2015 Parecer do relator na

CCJC

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das políticas, esse papel é compartilhado com outras entidades, diante da

multiplicidade de atores (públicos e privados) que intervêm no funcionamento dessas

políticas. Reflexo desse fenômeno, foi o debate travado de 2012 a 2015 na Câmara

acerca do Projeto de Lei nº 4.372/2012. À medida que foi avançando nas

Comissões, a clivagem entre favoráveis e contrários foi se acentuando.

5.2.1 Comissão de Educação (CE): construção do consenso em torno da criação do INSAES

A tramitação do PL iniciou pela antiga Comissão de Educação e Cultura

(CEC). A Comissão conta com 30 membros e igual número de suplentes. Desses,

em 2012, conformo disposto no Quadro 18, 38% era composto pelo PT e PMDB,

que também possuíam a presidência e a primeira e segunda vice-presidência.

Quadro 18 – Composição da Comissão de Educação e Cultura (CEC) – 2012 Partido Membros (titulares e suplentes) %

PT 12 20% PMDB 11 18% PSDB 5 8% DEM 4 7% PDT 4 7% PR 4 7%

PSB 4 7% PP 3 5% PV 3 5%

PCdoB 2 3% PSD 2 3%

PSOL 2 3% PPS 1 2% PRB 1 2% PSC 1 2% PTB 1 2%

TOTAL 60 100% Fonte: Relatório de Atividades 2012 da CEC.

Como a bancada governista era maioria na Comissão, em setembro de 2012,

foi indicado, para relatar o Projeto INSAES, o Dep. Waldenor Pereira (PT/BA).

Segundo o próprio relator, a partir de então:

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[...] foi cumprida uma extensa agenda de debates e reuniões com os membros da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação); com o Senhor Ministro da Educação e com os dirigentes e representantes dos servidores técnico-administrativos do MEC, sobretudo da SERES – Secretaria de Regulação e Supervisão de Educação Superior; com membros da CONAES (Comissão Nacional de Avaliação da Edu- cação Superior); com dirigentes e representantes do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar); da UNE (União Nacional dos Estudantes); da CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação); da ABMES (Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior); da ABRUC (Associação Brasileira das Universidades Comunitárias); a ANEC (Associação Brasileira de Educação Católica no Brasil); e do SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo). Na Câmara dos Deputados, realizaram-se inumeráveis discussões com os nossos pares da Comissão de Educação, os coordenadores das bancadas partidárias, os nossos companheiros de partido e os consultores e assessores legislativos [...]. (CÂMARA, 2013, p. 27531)

Havia, assim, várias instâncias e associações atraídas para discutir o

INSAES, tanto do setor privado, como da esfera pública estatal. Isso mostra que a

educação superior, em âmbito nacional, é uma ação pública multirregulada, que

envolve diversos atores em diferentes níveis. Nessa perspectiva, a política de

educação superior é apreendida como um processo complexo, que não se restringe

à ação do Governo e da sua regulação, mas que resulta da participação de vários

grupos nesse processo.

Antes do debate nas reuniões da Comissão, o PL foi discutido em audiência

pública, a pedido do Dep. Izalci Lucas (PSDB/DF). A audiência possibilitou, por sua

própria natureza, a presença de representante do Governo e de organizações

diretamente relacionada à educação superior. Embora seja um espaço que

pressuponha o conhecimento técnico sobre o tema, a escolha do conteúdo do

discurso é, em grande parte, política e condicionada a interesses corporativos. Esse

espaço de debate público remete ao contexto de transformações no modo de

intervenção governativa proeminentemente mais complexo, em que a ação pública é

regulada por meio da participação e das relações entre os vários atores.

Compuseram a mesa na condição de convidados o Secretário da SERES, o

Presidente da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

(CONFENEN), a Coordenadora-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores

em Educação (CONTEE), a Vice-Presidente da Federação Nacional das Escolas

Particulares (FENEP), o Diretor-Executivo da Associação Brasileira de

Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e um Diretor do Sindicato dos

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Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal

(SINPROEP/DF).

No contexto de influência (MAINARDES, 2006), os múltiplos grupos se

mobilizam para marcar a definição e os propósitos da política, constituindo os

discursos e conceitos em que a política vai assentar. Além do Governo,

representado pela SERES, defenderam o Projeto a CONTEE e o SINPROEP/DF.

Opuseram-se aos INSAES, a CONFENEN, a FENEP e, de forma mais moderada, a

ABMES. Estas correlações e embates demonstram que as políticas públicas não são

circunscritas apenas à intervenção governamental, pois se constroem pela mediação

e contradição dos diversos interesses (públicos e privados) que disputam espaço na

sua construção e implementação (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012; SECCHI, 2013).

Entre os principais pontos controversos expostos na audiência pública,

representantes privatistas (CONFENEN, FENEP e ABMES) questionaram a

legitimidade do exercício da atividade de supervisão dos estabelecimentos privados,

a ser realizada pelo INSAES. Não obstante afirmem defender o exercício da

avaliação e o que chamam de qualidade, essas associações, ao preconizarem os

preceitos neoliberais de livre concorrência, entendem que a supervisão ofenderia a

autonomia do setor privado: [...] é realmente um Projeto que trouxe uma preocupação muito grande para o seio da escola particular [...]. Eu vou focar no ponto principal da nossa preocupação que é a questão da supervisão. [...] Admissível que a União possa supervisionar o sistema ou rede de ensino superior ou os estabelecimentos mantidos por ela. No entanto, o mesmo não se pode dizer quanto à instituição de ensino em si, principalmente a mantida pela iniciativa privada. Nas vezes em que a Constituição Federal inclui a palavra supervisionar, por exemplo no Artigo 87, ela o faz para atribuir a órgãos públicos federais o exercício de tal poder para os que fazem parte da administração federal. A escola particular tem a regê-la o Artigo 209 da Constituição Federal, que lhe impõe a obrigação apenas de cumprir dois requisitos, entre os quais não se inclui a supervisão. [...] A CONFENEN tem muita apreensão com o Projeto por entender que ele faz direta intervenção na escola particular [...]. Praticamente torna pública a escola particular, ficando seus mantenedores com os ônus. (Arnaldo Cardoso, CONFENEN – Áudio da Audiência Pública. CEC, 11/12/2012, grifos nossos). O grande equívoco deste Projeto está no pressuposto de que a iniciativa privada está sujeita à supervisão do Poder Público. De acordo com a Constituição Federal, sujeitam-se à supervisão do Ministro de Estado da área correlata apenas as estruturas funcionais públicas. A iniciativa privada está sujeita exclusivamente à autorização e avaliação. [...] o Estado está criando uma autarquia financiada pela iniciativa privada. A Taxa de Supervisão baseada no poder de polícia não encontra fundamento legal, nem moral para sua existência. [...] não somos contrários à avaliação, nem contra a existência de um órgão que a realize, somos contra a tutela e a

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intervenção, travestida de supervisão, que sufoca a liberdade de aprender e de ensinar. (Amábile Pacios, FENEP – Áudio da Audiência Pública. CEC, 11/12/2012, grifos nossos). [...] consideramos como pontos importantes para o aprofundamento da reflexão sobre a criação do INSAES: [...] A intervenção em instituição de educação superior em desacordo com o art. 209 da CF e seus dispositivos que garantem a livre iniciativa privada; A suspensão da autonomia das universidades intervindo em um direito constitucional delas; [...] A cobrança de taxa de supervisão acarretando aumento nas mensalidades escolares; [...]. (Sólon Hormidas Caldas, ABMES – Áudio da Audiência Pública. CEC, 11/12/2012, grifos nossos).

Esses discursos demonstram que, na fase inicial de um problema na agenda

pública, grupos podem fixar-se na rejeição da pertinência de um problema,

especialmente quando este problema é suscetível de modificar a situação desses

grupos. Embora, no plano do discurso explícito, não se oponha aos processos

avaliativos, a grande preocupação do setor privado-mercantil era com a

possibilidade de maior controle estatal, via supervisão, o que evidencia a defesa do

neoliberalismo de mercado no campo da educação superior. É como se

defendessem a seguinte ideia: o Estado pode supervisionar, exceto o segmento

privado, pois este é regido pelas leis da livre iniciativa de mercado. Fundamentam-se

na Constituição Federal que, na seção sobre Educação, não menciona

expressamente a supervisão pelo Poder Público como condição à atuação privada.

Vale destacar, porém, que a supervisão já é exercida pela SERES, amparada na

LDB (“Art. 9º A União incumbir-se-á de: [...] IX – autorizar, reconhecer, credenciar,

supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação

superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino.”). Portanto, não se trataria

de algo novo. É possível conjecturar que a minimização da SERES é interessante

para o setor privado-mercantil, pois, assim, a supervisão seria muito mais no âmbito

formal, amostral e superficial, sem efeitos de controle que exigisse requisitos e

contrapartidas ao crescimento lucrativo.

Além dessa oposição à ação de supervisão no setor privado, havia também o

questionamento quanto à cobrança da Taxa de Supervisão, a ser paga apenas pelas

instituições privadas, o que, se argumenta, acarretaria oneração indireta dos

estudantes, mediante repasses às mensalidades. O pressuposto é o de que as

funções de regulação e supervisão constituem atividades inerentes ao Estado, em

decorrência do poder de polícia, financiadas pelos tributos. Desse modo, a taxa teria

que ser específica e individualizada para quem e quando utilizar um serviço público.

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Ignorando o fato de que o Projeto INSAES prevê como receita as dotações

consignadas no Orçamento-Geral da União e em seus créditos adicionais, o grupo

privatista identifica uma discriminação na aplicação de taxa somente para as IES

privadas, julgando ser apenas fonte de renda para manter a autarquia.

Preocupações semelhantes às da CONFENEN, FENEP e ABMES, foram

reforçadas por representantes da Associação Brasileira das Mantenedoras das

Faculdades Isoladas e Integradas (ABRAFI), Sindicato dos Estabelecimentos

Particulares de Ensino do Distrito Federal (SINEPE/DF), Sindicato do Ensino Privado

do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS), Sindicato das Escolas Particulares do Estado

do Paraná (SINEPE/PR), Associação Nacional de Educação Católica do Brasil

(ANEC) e Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará

(SINEPE/CE), presentes no plenário da audiência, participando dos debates.

Na audiência pública, já se evidenciaram posicionamentos que se

aprofundaram nas Comissões seguintes. Grupos privatistas inquietavam-se ante a

possibilidade de crescimento da máquina estatal, bem como percebiam obstáculos

ao livre exercício da atividade econômica. Por outro lado, o Projeto contava com

apoio de parlamentares e entidades que defendiam maior controle estatal sobre o

mercado educacional e indução de melhorias dos padrões de qualidade. Neste

último grupo, estiveram presentes a CONTEE e o SINPROEP/DF, bem como

manifestaram apoio ao INSAES os Deputados Paulo Rubem Santiago (PDT/PE),

Jean Wyllys (PSOL/RJ) e Artur Bruno (PT/CE). Este grupo que defendia maior

controle estatal sobre o mercado educacional funcionou como “empreendedores da

causa” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012, p. 143).

No regime de presidencialismo de coalizão, as relações entre o Poder

Legislativo e o Executivo são centrais para caracterizar a ação pública. Nesse caso,

o Governo tem que convencer os grupos a adotarem uma política pública e, nesse

processo, argumentos, arranjos e procedimentos são essenciais. Por significar

possibilidades de ganhos no quadro de pessoal, no plano de carreira e nas

condições de trabalho, os servidores da SERES também acompanharam todo o

processo. Em sua exposição, o Secretário da SERES, representando o Governo,

defendeu pontos já descritos na EMI do PL, reforçando que a SERES atendia a

demanda regulatória de 2013, mas seria incapaz de exercer a atividade a partir da

implementação da meta de expansão posta no PNE. Desse modo, o INSAES seria

importante, pois ampliaria o número de servidores para atender satisfatoriamente os

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processos. Em síntese, o representante do Governo defendeu a ideia do que

chamou de “macroprocesso regulatório”, isto é, uma única autarquia concentrando

recursos divididos entre SERES e INEP, citando modelo já implementado na

Austrália pela Agência de Qualidade e Padrões do Ensino Superior (TEQSA).

Em outros posicionamentos da audiência, como os dos deputados Lelo

Coimbra (PMDB/ES) e Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO), havia o

reconhecimento da necessidade de criação do INSAES, principalmente como

política de avaliação, mas apontam-se ressalvas e a imprescindibilidade de se

fazerem ajustes no Projeto. O Dep. Izalci Lucas (PSDB/DF), apesar de fazer

objeções durante a audiência a fim de resguardar os interesses do setor privado,

proferiu discurso em Plenário, após a audiência pública, manifestando-se favorável

ao Projeto: “[...] esta semana fizemos uma audiência pública para discutir a lei do

INSAES, uma autarquia ligada ao Ministério da Educação que é necessário que seja

criada de fato, com o objetivo de avaliação do ensino superior.”. Em outro momento,

o referido Deputado afirmou: Nós temos um projeto, que foi encaminhado por esta Casa, sobre a criação do INSAES, exatamente um instituto de avaliação do ensino superior. E nós temos a responsabilidade agora de nos debruçar sobre essa matéria e aprová-la, mas não da forma como veio. E não venha o MEC querer agora [...] enfiar goela abaixo a aprovação desse projeto de lei sobre o qual nós já discutimos bastante em audiência pública, inclusive. Nós temos que fazer algumas correções para a aprovação dessa matéria. Mas ninguém é contra; muito pelo contrário. Os Parlamentares, em sua quase unanimidade, reconhecem que nós precisamos fazer uma avaliação não só do ensino básico, mas principalmente um controle do ensino superior. (Dep. Izalci Lucas, PSDB/DF – Áudio do Plenário da Câmara, 25/03/2013, grifo nosso).

Ou seja, ainda que houvesse ressalvas quanto ao PL, membros da CEC que

formavam a bancada de oposição não eram contrários ao INSAES, o que abriu

caminho para a construção de um relativo consenso. O Dep. Fabio Trad (PMDB/MS)

também proferiu discurso em plenário em defesa do INSAES, sendo acompanhado

por deputados da base do Governo: […] tangencia a omissão ou a negligência pública que, entre outros, setores essenciais como o da saúde, o das telecomunicações, o da energia e o do petróleo estejam, apropriadamente, sob regulação de agências com ampla e merecida autonomia, enquanto o ensino particular, que tem a crescente e sempre discutível delegação do Estado para formar o principal patrimônio da Nação, o seu capital humano, não tenha ainda essa instância especial de controle. [...] esta é a tese central do meu pronunciamento, de uma agência reguladora do ensino privado, como imperativo de ordenação do setor, que não pode

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continuar sendo fiscalizado e eventualmente punido pelo Governo, que está sempre a reboque dos fatos. [...] O envio, a esta Casa, de projeto de lei propondo a criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (INSAES) foi o suficiente para provocar abalos sísmicos nos territórios de organizações corporativas das instituições privadas de ensino. Classificado de inconsistente, autoritário, genérico, e por aí afora, o Projeto de Lei do INSAES arregimentou contra si um incrível número de entidades, o que expõe, de pronto, o grau de dificuldade que enfrenta o Governo para uma interlocução mais objetiva com o segmento. Portanto, ainda que, pela sua própria natureza institucional, não possa ter o grau de autonomia assegurado à agência reguladora que defendemos, o Instituto proposto pelo Executivo poderá se constituir, como afirmamos anteriormente, em importante instrumento de consecução das políticas regulatórias e das práticas de fiscalização e controle. (Fabio Trad, PMDB/MS – Áudio do Plenário da Câmara – 11/04/2013, grifos nossos)

Nesse discurso, evidencia-se a defesa de um controle da educação superior

conforme o modelo de agência reguladora, assumindo como fato o modelo de

expansão sob domínio da privatização. Ou seja, se em outras áreas, econômica e

social, foram criadas agências reguladores diante da quebra do monopólio estatal e

maior abertura da prestação do serviço para a iniciativa privada, há quem

defendesse que a mesma estrutura fosse replicada na educação superior. Desse

modo, ter-se-ia uma instância que gozaria autonomia, reduzindo a possibilidade de

apropriação política, evitando descontinuidade de ações e suscitando maior controle.

Decerto, por essa razão, “abalos sísmicos” foram provocados no setor privado-

mercantil, por temer a intervenção do Estado na atividade econômica. Ou seja, a

representação era de que os grupos privatistas não tinham interesse na aprovação

do INSAES.

A CONAES, ainda que não estivesse formalmente presente nos debates da

Câmara, se preocupou em acompanhar o tema. Após a audiência pública realizada

na CEC, a CONAES (2012) aprovou documento com recomendações ao Projeto.

Entre essas recomendações, estavam a explicitação do significado do termo

“acreditação” no contexto do PL, a composição de membros com legitimidade

perante a comunidade acadêmica nas coordenações das comissões de visitas de

avaliação, e a preservação de um membro com notório saber, eleito pelo colegiado,

para a presidência da CONAES. O documento apresentou ainda dois temas para

reflexão e discussão. Nesse sentido, pondera que a avaliação e os consequentes

processos de regulação e supervisão podem ser realizados na mesma instância,

desde que a primeira fosse desenvolvida de forma autônoma, enfatizando que a

regulação é apenas uma entre as diversas consequências dos processos

avaliativos. O outro ponto é a preocupação quanto à fragmentação do processo

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avaliativo proposto pelo Projeto INSAES, pois caberia ao novo Instituto a realização

da avaliação dos cursos, enquanto a avaliação do desempenho dos estudantes seria

responsabilidade do INEP. A preocupação da CONAES era a de que a separação

institucional entre a avaliação de cursos e avaliação do desempenho estudantil

poderia fortalecer a ideia de que a referida avaliação constitui uma avaliação de

estudantes, pois, na verdade, é uma avaliação do “desempenho” dos estudantes a

fim de contribuir para a avaliação dos cursos (CONAES, 2012). Fica evidente a

tensão que o Projeto INSAES estava causando nas funções de regulação. Assim,

entendemos que a CONAES, por assumir o pressuposto da aprovação do INSAES,

buscou a melhor forma de minimizar os efeitos sobre a centralidade da avaliação

promovida pelo SINAES.

Em 2013, houve desmembramento da CEC e, desse modo, o PL passou para

a Comissão de Educação (CE). Seis Deputados ofereceram oitenta e uma emendas,

distribuídas consoante o Quadro 19.

Quadro 19 – Relação dos deputados que apresentaram emendas da CE

Deputado Partido / Estado

Quantidade de emendas Teor das emendas

Izalci Lucas PSDB/DF 51 De um modo geral, propunham: eliminar ou flexibilizar a supervisão, suprimir a Taxa de Supervisão, decretar intervenção apenas em IES públicas, retirar a competência de autorização prévia de fusão, aquisição e incorporação, flexibilizar prazos, retirar a função de avaliação, minimizar as penalidades, eliminar a exigência de certidões tributárias para emissão de atos regulatórios, excluir o termo acreditação, restringir a acreditação para fins de reconhecimento internacional, regulamentar a função de Ouvidor e regulamentar as instâncias recursais.

Lelo Coimbra PMDB/ES 17

Rogério Peninha

Mendonça PMDB/SC 08

Omar Serraglio PMDB/PR 03

Waldir Maranhão PP/MA 02

Emenda modificativa (Art. 1º a fim de atribuir status de autarquia em regime especial, semelhante às agências reguladoras) e emenda supressiva (Art. 3º a fim de retirar a competência de aprovar previamente aquisições, fusões e cisões de IES).

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de Câmara (2013).

As emendas incidiram principalmente sobre o art. 1º (personalidade jurídica

do INSAES), art. 3º (competências do INSAES), art. 37 (penalidades a impor aos

infratores) e art. 39 (alterações na Lei nº 10.870/2004, que Institui a Taxa de

Avaliação in loco). No geral, a ideia era flexibilizar o controle sobre o setor privado e

permitir uma espécie de autorregularão via mercado. Entre essas emendas, chama a

atenção o fato de que 28 delas (35%) foram propostas pelo PMDB, que compunha a

base do Governo. Sabe-se que existem parlamentares que representam a causa do

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mercado educacional, por estarem ligados a conjuntos de mantenedoras e IES

privadas ou por terem suas campanhas financiadas por esses grupos. A esse

respeito, Aline Santos (2018), ao investigar as correlação de forças entre o Estado e

os grupos privados na governança do FIES, constatou-se que a Kroton tornou-se a

maior beneficiária do programa, mediante relação estreita com a bancada que

representa os empresários da educação no Congresso Nacional. Ao que parece, o

modos operandi em matéria educacional é semelhante: a rede de grupos privados

se mobilizam para imprimir seus interesses por intermédio da aparente legitimidade

da representação parlamentar.

Após a apresentação dessas emendas, em junho de 2013, foi realizada a

primeira Reunião Deliberativa Ordinária da CE que tinha o INSAES como um dos

pontos de pauta. O Dep. Waldenor Pereira (PT/BA) fez a exposição do Relatório,

mas o INSAES não foi votado porque alguns parlamentares solicitaram vistas

conjuntas ao Projeto. Ao término da discussão da matéria, tendo em vista a

presença da presidenta da UNE e outros membros da entidade, ouve-se o coro: “Eu

pago, não deveria: educação não é mercadoria” e “Educação sem qualidade é o

Brasil pela metade”. A UNE compôs, durante todo o processo, o grupo dos

“empreendedores da causa”, defendendo maior controle estatal sobre o mercado

educacional e indução de melhorias dos padrões de qualidade. O INSAES tornou-se

central na pauta da UNE, fazendo parte da aba sobre a história da entidade na

página eletrônica: Atualmente, a UNE se mobiliza pela criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes), para que o Estado brasileiro possa fiscalizar as instituições de ensino com mais rigor e eficiência. Outras importantes campanhas são “Quem Entrou Quer Ficar“, que defende a expansão da assistência estudantil; e a “Educação Não é Mercadoria“, que pede a redução do reajuste da mensalidade das universidades particulares para o índice da inflação e o combate à desnacionalização do ensino superior. (UNE, 2018).

A postura crítica da UNE diante o processo de expansão via privatização, fez

com que a entidade fosse paulatinamente incluída no rol de movimento social a ser

hostilizada. Mais adiante, outras entidades estudantis passariam a fazer parte dos

debates para fazer frente à UNE.

No dia 12/06/2013, o PL do INSAES foi posto como primeiro ponto de pauta

na 17a Reunião Deliberativa Ordinária da CE. O Relator proferiu seu parecer,

propondo mudanças, que, de certa forma, incorporaram parcialmente emendas

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apresentadas por outros parlamentes. Esse contexto da produção do texto

(MAINARDES, 2006) nem sempre resulta em um documento internamente coerente

e consistente, sendo muitas vezes contraditório, marcado por confronto de valores,

princípios e interesses. Partindo das reflexões de Stephen Ball, Mainardes (2006, p.

53) afirma que: Os textos são produtos de múltiplas influências e agendas e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do Estado e dentro do processo de formulação da política. Nesse processo, apenas algumas influências e agendas são reconhecidas como legítimas e apenas algumas vozes são ouvidas.

Dessa maneira, o Projeto foi aprovado, acatando as treze emendas, que, de

modo geral, fizeram concessões ao setor privado, como a previsão de mecanismos

e instrumentos capazes de reduzir a intervenção do aparelho estatal sobre IES

privadas, a possibilidade de recurso administrativo ao CNE, a representação das

instituições privadas na CONAES e redução dos valores e os efeitos das taxas,

conforme Quadro 20.

Quadro 20 – Comparativo entre Emendas adotadas pela CE e a proposta do Poder Executivo Proposição do Poder Executivo Emendas adotadas pela CE Comentários

Art. 3º Compete ao INSAES: I - formular, desenvolver e executar as ações de supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos de educação superior no sistema federal de ensino, de acordo com as diretrizes propostas pelo Ministério da Educação, e em consonância com o Plano Nacional de Educação;

EMENDA Nº 1: Dê-se ao inciso I do art. 3º a seguinte redação: “Art. 3º .................................................. I – formular, desenvolver e executar as ações de supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos de educação superior no sistema federal de ensino, de acordo com as diretrizes propostas pelo Ministério da Educação, e em consonância com o Plano Nacional de Educação, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.”

Explicitou a importância da observância do SINAES e da LDB.

XII - aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino;

EMENDA Nº 2: O inciso XII do art. 3º terá a seguinte redação: “Art. 3º .................................................. ............................................................... XII – aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino, no prazo de sessenta dias, contados da apresentação do requerimento, devidamente instruído, ou de sua adequada complementação, assegurados os princípios da celeridade e sigilo, conforme regulamento.”

Acrescentou-se prazo para atender ao princípio da celeridade. Desse modo, buscou-se reduzir a resistência dos grupos privatistas, que via em tal competência maior burocracia e rigidez para o exercício do livre mercado.

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Proposição do Poder Executivo Emendas adotadas pela CE Comentários

Parágrafo único. Nas hipóteses de que trata o inciso IV do caput, serão exigidas certidões de regularidade fiscal perante as fazendas federal, estadual e municipal, e certidões de regularidade perante a seguridade social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a Justiça do Trabalho.

EMENDA Nº 3: Suprima-se o parágrafo único do art. 3º e lhe sejam acrescidos os incisos XIV e XV e os §§ de 1º a 6º, com a seguinte redação: “Art. 3º .................................................. ............................................................... XIV – auferir a capacidade de autofinanciamento das mantenedoras das Instituições de Educação Superior; XV – promover conciliações e celebrar termos de ajuste de conduta. § 1º No exercício das competências previstas neste artigo, o INSAES observará: I – as diretrizes da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004; II – os princípios do devido processo legal e da proporcionalidade. § 2º Nas hipóteses do credenciamento de que trata o inciso IV do caput, serão exigidas certidões de regularidade fiscal perante as fazendas federal, estadual e municipal, e certidões de regularidade perante a seguridade social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a Justiça do Trabalho. § 3º A acreditação de que trata o inciso V do caput é facultativa e não é condição para a oferta de educação superior no sistema federal de ensino. § 4º A avaliação in loco realizada pelo INSAES em processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior e de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais será realizada por comissão de avaliação integrada, necessariamente, pelos agentes de que trata o art. 1º da Lei nº 11.507, de 11 de julho de 2007. § 5º O decurso do prazo de que trata o inciso XII sem manifestação conclusiva do INSAES ensejará a autorização para prosseguimento dos atos nele previstos. § 6º O ato do poder executivo de que trata o inciso XII observará necessariamente o art. 3º da Lei nº 10.861, de 2004, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de assegurar as condições de oferta para a continuidade da atividade educacional e o interesse dos estudantes.”

Entre as modificações, estão a explicitação do respeito às diretrizes do SINAES, da LDB e os princípios do devido processo legal e da proporcionalidade. Outro ponto foi, tendo em vista a ausência de uma definição clara acerca da acreditação e, consequentemente, as controvérsias em torno do tema, tornou a acreditação de IES e cursos de graduação facultativa. Um item que incorporou as recomendações da CONAES foi o § 4º, que estabeleceu que a avaliação in loco deveria ser realizada por comissão integrada necessariamente por servidor ou colaborador eventual em exercício da docência ou pesquisa na educação superior, público ou privado. Outro acréscimo desta Emenda, fruto da crítica do grupos privatistas à burocracia pública, foi o prosseguimento dos atos regulatórios diante do não cumprimento do prazo por parte do INSAES.

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Proposição do Poder Executivo Emendas adotadas pela CE Comentários

Art. 4º O INSAES será dirigido por um Presidente e até seis Diretores, e disporá, em sua estrutura regimental, de um Conselho Consultivo, cuja composição e competências serão estabelecidas em regulamento.

EMENDA Nº 4: Dê-se ao art. 4º a seguinte redação: “Art. 4º O INSAES será dirigido por um Presidente e até seis Diretores, e disporá, em sua estrutura regimental, de um Conselho Superior, cujas funções e composição serão disciplinadas em regulamento. § 1º O Conselho Superior funcionará como órgão de orientação das atividades do INSAES e será assegurada em sua composição a participação do poder público, das instituições de educação superior, dos docentes e dos estudantes. § 2º Os representantes das instituições de educação superior de que trata o § 1º serão indicados em listas tríplices pelas suas respectivas entidades representativas de âmbito nacional, observadas as diferentes categorias administrativas de que tratam os artigos 19 e 20 da Lei nº 9.394, de 1996. § 3º O INSAES constituirá uma Câmara de Conciliação, cujas atribuições serão dispostas em regulamento.”

Em vez de Conselho Consultivo, o Projeto INSAES passou a contar com um Conselho Superior e uma Câmara de Conciliação. Além disso, atendendo à reinvindicação do setor privado, foi assegurado no Conselho Superior a paridade de participação das IES públicas e privadas.

Art. 37. O INSAES poderá impor aos infratores desta Lei, da legislação educacional, e de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: .............................................................. IX - multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

EMENDA Nº 5: No art. 37 altere-se a redação do inciso IX e acrescentem-se os seguintes parágrafos: “Art. 37. ................................................ .............................................................. IX – multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 250.000 (duzentos e cinquenta mil reais). § 1º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará a gravidade da infração, os antecedentes do agente, e, no caso de multa, a sua situação econômica, conforme regulamento. § 2º Da decisão do INSAES caberá recurso ao CNE, em trinta dias. § 3º Os recursos interpostos em face das penalidades previstas nos incisos V, VI, VII, VIII e IX serão recebidos com efeito suspensivo, a ser apreciado pelo CNE. § 4º A decisão administrativa final será homologada em Portaria do Ministro de Estado da Educação. § 5º No caso de reincidência, a multa poderá ser estipulada em até o dobro do valor máximo previsto no inciso IX.”

Reduziu-se o valor máximo das multas e explicitou-se a possibilidade de se recorrer das penalidades ao CNE.

Art. 39. A Lei no 10.870, de 19 de maio de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 1º-A. .............................................. § 1º A Taxa de Supervisão da Educação Superior será recolhida ao INSAES semestralmente, em valores expressos em reais, conforme tabela constante do Anexo, e seu recolhimento será feito até o dia dez dos meses de janeiro e agosto de cada ano.”

EMENDA Nº 6: No art. 39 do projeto, dê-se a seguinte redação ao § 1º do art. 1º-A da Lei nº 10.870, de 2004: “Art. 39. ................................................ ‘Art. 1º ..........................................’(NR) “Art. 1º-A. .............................................. § 1º A Taxa de Supervisão da Educação Superior será recolhida ao INSAES semestralmente, em valores expressos em reais, calculada de acordo com o número total anual de alunos ingressantes, conforme tabela constante do Anexo VII, e seu recolhimento será feito até o décimo dia útil dos meses de abril e setembro de cada ano. .............................................................”

Sob pressão do setor privado, alterou-se o cálculo da Taxa de Supervisão, a fim de reduzir os valores, passando a ter como referência o total anual de alunos ingressantes, em vez de vagas autorizadas, que possui, em geral, uma quantidade maior que aquele.

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Proposição do Poder Executivo Emendas adotadas pela CE Comentários

Art. 44. A Lei no 10.861, de 14 de abril de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 7º A CONAES terá a seguinte composição: .............................................................. VII - cinco membros, indicados pelo Ministro de Estado da Educação, escolhidos entre cidadãos com notório saber científico, filosófico e artístico, e reconhecida competência em avaliação ou gestão da educação superior;”

EMENDA Nº 7: A redação do inciso VII do art. 7º da Lei nº 10.861, de 2004, proposta pelo art. 44 do projeto, passa a ser a seguinte: “Art. 44. ................................................ .............................................................. VII – cinco membros, indicados pelo Ministro de Estado da Educação, escolhidos entre cidadãos com notório saber científico, filosófico e artístico, e reconhecida competência em avaliação ou gestão da educação superior, sendo que, pelo menos três, dentre os indicados, em listas tríplices elaboradas pelas entidades representativas de âmbito nacional de instituições de educação superior de que trata o art. 20 da Lei nº 9.394, de 1996.”

A intenção foi assegurar na Lei do SINAES a presença de pelo menos três membros da CONAES oriundos de IES privadas.

§ 4º A CONAES será presidida pelo representante do INSAES.

EMENDA Nº 8: Suprima-se, no art. 44 do projeto, o § 4º, proposto para o art. 7º da Lei nº 10.861, de 2004.

Excluiu o disposto que tornava o representante do INSAES presidente da CONAES. Isso possibilitaria a ocupação do cargo de presidente da Comissão por indicados pelo setor privado.

Art. 45. A Lei no 4.024, de 20 de dezembro de 1961, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 8º A Câmara de Educação Básica e a Câmara de Educação Superior serão constituídas, cada uma, por doze conselheiros, sendo membros natos, na Câmara de Educação Básica, o Secretário de Educação Básica, e na Câmara de Educação Superior, o Secretário de Educação Superior e o Presidente do Instituto de Supervisão e Avaliação da Educação Superior, nomeados pelo Presidente da República. .........................................................” (NR)

EMENDA Nº 9: No art. 45 do projeto, dê-se a seguinte redação ao art. 8º da Lei nº 4.024, de 1961: “Art. 45. ................................................ ‘Art. 8º A Câmara de Educação Básica e a Câmara de Educação Superior serão constituídas, cada uma, por treze conselheiros, sendo membros natos, na Câmara de Educação Básica, o Secretário de Educação Básica e o Secretário de Educação Profissional e Tecnológica, e na Câmara de Educação Superior, o Secretário de Educação Superior, e o Presidente do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior, nomeados pelo Presidente da República.’ ”

Aumentou a composição da Câmara de Educação Básica e da Câmara de Educação Superior do CNE, evitando a retirada de membros que já possuíam assento, assim como abriu a possibilidade para um colegiado mais plural.

Art. 47. A Lei no 9.448, de 14 de março de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 1o Fica o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, órgão integrante da estrutura do Ministério da Educação, transformado em Autarquia Federal vinculada àquele Ministério, com sede e foro na cidade de Brasília - DF, com finalidade de: ................................................................................................... VI - coordenar o processo de avaliação dos cursos de graduação, em conformidade com a legislação vigente;”

EMENDA Nº 10: No art. 47 do projeto, acrescente-se nova redação para o inciso VI do art. 1º da Lei nº 9.448, de 14 de março de 1997: “Art. 47. ................................................ ‘Art. 1º .................................................. .............................................................. VI – coordenar o processo de elaboração de indicadores para avaliação de cursos de graduação e de instituições de ensino superior, em conformidade com a legislação vigente; .............................................................”

Considerando que o INSAES passaria a executar as avaliações in loco, minimizou a secundarização do INEP no processo, assegurando a sua competência para o processo de elaboração de indicadores de cursos e IES.

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Proposição do Poder Executivo Emendas adotadas pela CE Comentários

-

EMENDA Nº 11: Acrescentem-se os arts. 47-A, 47-B e 47-C ao projeto: “Art. 47-A. A proposição de que trata o inciso VIII do Art. 3º será encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional no prazo de cento e oitenta dias após a entrada em vigor desta Lei. Art. 47-B. Nos três primeiros anos após a constituição do INSAES, a taxa de supervisão será recolhida anualmente, até o quinto dia útil de mês de abril de cada ano. Art. 47-C. A implantação do INSAES não poderá causar prejuízos à tramitação processual dos processos protocolados na Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação.”

Foi estabelecido prazo para que o Governo enviasse um projeto de lei regulamentando a competência do INSAES para decretar intervenção em IES e designar interventor, bem como garantiu que os processos em tramitação na SERES não seriam prejudicados.

Art. 48. Fica revogado o inciso VI do caput do art. 1º da Lei 9.448, de 14 de março de 1997.

EMENDA Nº 12: Suprima-se o art. 48 do projeto.

Atribuiu novamente ao INEP a finalidade de coordenar o processo de avaliação dos cursos de graduação.

EMENDA Nº 13: O Anexo VII assumirá o seguinte teor:

Sob pressão do setor privado, alterou-se o cálculo da Taxa de Supervisão, a fim de reduzir os valores, passando a ter como referência o total anual de alunos ingressantes, em vez de vagas autorizadas, que possui, em geral, uma quantidade maior que aquele. Não houve alteração dos valores.

Fonte: Elaboração do próprio autor, a partir de Câmara dos Deputados (2013a, grifo nosso).

Como se observa no Quadro 20, houve modificação no Projeto do Poder

Executivo que previa apenas um Conselho Consultivo na gestão, sendo proposto

pela Emenda nº 4, na estrutura do INSAES, um Conselho Superior (assegurando a

paridade de participação das IES públicas e privadas, dos docentes e dos

estudantes na composição) e uma Câmara de Conciliação (esta não tem sua função

detalhada, mas provavelmente atuaria de forma similar à CTAA/INEP). Essa garantia

de assento de IES privadas foi exigência do setor, mesma modificação produzida

pela Emenda nº 7, que garantiu que pelo menos três membros da CONAES seriam

oriundos de IES privadas. O PL, porém, continuou sem detalhar as funções e a

forma de composição desse Conselho Superior e da Câmara de Conciliação, o que

seria feito posteriormente por meio de regulamento. A Emenda nº 8 suprimiu o

disposto que tornava o representante do INSAES presidente da CONAES,

devolvendo à CONAES independência e imparcialidade no exercício de seu papel

como coordenadora do SINAES. Ao mesmo tempo, haveria a possibilidade do cargo

de presidente da Comissão ser ocupado pelo setor privado, via assento dos

membros escolhidos entre cidadãos com reconhecida competência. A Emenda nº 3,

considerando a ausência de uma definição clara acerca da acreditação no Projeto

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INSAES e, consequentemente, as controvérsias em torno do tema, tornou a

acreditação de IES e cursos de graduação facultativa.

Quanto à aprovação prévia de aquisições, fusões, cisões, transferências de

mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de IES, ponto

bastante contestado pelo setor privado, a Emenda nº 2 acrescentou prazo para

atender ao princípio da celeridade. Desse modo, buscou-se reduzir a resistência dos

grupos privatistas, que via em tal competência maior burocracia e rigidez para o

exercício do livre mercado. A Emenda nº 5 reduziu o valor máximo das multas e

explicitou a possibilidade de se recorrer das penalidades ao CNE. As Emendas nº 6

e nº 13 alteraram o cálculo da Taxa de Supervisão, a fim de reduzir os valores.

Desse modo, passou a ter como referência o total anual de alunos ingressantes, em

vez de ser calculada de acordo com o número de vagas autorizadas, que possui, em

geral, uma quantidade maior que aquele. A Emenda nº 11, com o intuito de evitar

apreensões para o setor privado e dar mais transparência, estabeleceu um prazo

para que o Poder Executivo enviasse um projeto de lei regulamentando a

competência do INSAES para decretar intervenção em IES e designar interventor,

bem como garantiu que os processos em tramitação na SERES não seriam

prejudicados. Assim, constata-se que grande parte das modificações incidiram sobre

a flexibilização da dimensão da supervisão.

A Emenda nº 3 provavelmente foi resultado do diálogo com as

recomendações da CONAES, pois estabeleceu que a avaliação in loco deveria ser

realizada por comissão integrada necessariamente por servidor ou colaborador

eventual em exercício da docência ou pesquisa na educação superior. Foi um

esforço em buscar a “difícil conciliação entre medidas de regulação e procedimentos

de avaliação institucional” (SGUISSARDI, 2013). Diante da nova redação dada pela

CE, a CONAES (2013) publicou novo documento: “Ponderações da CONAES

referentes à implantação da Lei 4.372/2012, após aprovação pelo Congresso

brasileiro”. O documentos faz algumas sugestões, entre elas: a) uma das Diretorias

do INSAES deveria tratar especificamente da avaliação; b) o Conselho Superior

deveria ser composto por um número razoável de membros com experiência no

campo da avaliação; c) o Presidente da CONAES deveria ter assento permanente

no Conselho Superior, d) os papéis do Conselho Superior e os da CONAES

deveriam ser melhor distinguidos; e) o cargo de especialista em avaliação deveria

ser distinto do de especialista em supervisão; e f) a independência do INSAES em

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relação aos regulados, governo e entidades de influência política deveria ser melhor

explicitada (CONAES, 2013).

Os embates na CE evidenciaram a mobilização de apoio à educação superior

privado-mercantil, por intermédio da interação com CONFENEN, FENEP e ABMES.

A principal preocupação dessas entidades era a dimensão da supervisão, esta

entendida como sinônimo de intervenção estatal, acompanhada de ônus, mediante

Taxa de Supervisão. Dessa maneira, parlamentares propuseram emendas com o

intuito de retirar a supervisão das finalidades do INSAES, ou restringi-la às IES

públicas, suprimir a Taxa de Supervisão, remover das competências do INSAES

necessidade de autorização prévia para fusão, aquisição, incorporação e outras

transações entre as empresas educacionais e minimizar as sanções administrativas.

Essa pressão fez com que o Governo cedesse em algumas questões, alterando

partes do PL. Essas concessões realizadas ao setor privado, nas Emendas nos 2, 3,

4, 5, 6, 7, 8 e 13, foram fundamentais para evitar dificuldades e se criar um

consenso na Comissão, de modo que o PL foi aprovado sem nenhum voto contrário.

Os principais pontos contemplados foram alteração do cálculo da Taxa de

Supervisão (a fim de reduzir os valores), redução do valor máximo das multas,

transformação da acreditação em dimensão facultativa, inclusão do CNE como

instância recursal e inserção dos princípios da celeridade processual, do devido

processo legal e da proporcionalidade. Este último viabilizou maior participação do

setor privado nas instâncias colegiadas.

Julgamos, também, que houve avanços nas modificações realizadas pela CE.

Foi destacada formalmente a importância das diretrizes do SINAES e da LDB para

as ações do INSAES, fato que não estava explicitado no PL original, dando

relevância à dimensão da avaliação, bem como estabeleceu que a avaliação in loco

deveria ser realizada por comissão integrada por pares. Além disso, considerando

que o INSAES passaria a executar as avaliações in loco, a CE minimizou a

secundarização do INEP no processo, assegurando a sua competência para o

processo de elaboração de índices, atribuindo novamente ao INEP a finalidade de

coordenar o processo de avaliação dos cursos de graduação.

Diante dessa tramitação, já ficou claro que o Projeto não tinha intenção de

estatizar a expansão da educação superior via segmento público, como queria fazer

crer alguns críticos. A grande questão era, por um lado, a resistência do setor

privado ante a possibilidade de mais regulação, mais supervisão. Por outro,

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entidades públicas, como o INEP e a CONAES, temiam a secundarização e o

desmonte da avaliação já desenvolvida no âmbito do SINAES. Assim, o relator, no

geral, embora tenha cedido às reinvindicações dos grupos privatistas no sentido de

flexibilizar o controle, não modificou o protagonismo do Estado em regular a

educação superior, presente no Projeto original do Governo.

5.2.2 Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP): ruptura do consenso em torno da criação do INSAES

A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) é

responsável por assuntos que versam sobre serviço público da administração

federal direta e indireta e prestação de serviços públicos em geral e seu regime

jurídico. O PL do INSAES deu prosseguimento na CTASP que, em junho de 2013,

designou o Dep. Alex Canziani (PTB/PR) como relator. Foram oferecidas dezenove

sugestões de modificação no PL por membros da Comissão, consoante o Quadro

21.

Quadro 21 – Relação dos deputados que apresentaram emendas da CTASP

Deputado Partido / Estado

Quantidade de emendas Teor das emendas

Lelo Coimbra PMDB/ES 10 Supressão da palavra “supervisionar”, remoção da Taxa de Supervisão, exclusão da necessidade de autorização prévia de fusões, aquisições e incorporações, restrição do poder de intervenção à somente IES pública, entre outras.

Mendonça Prado DEM/SE 07

Pedro Uczai PT/SC 01

Atribuir ao INSAES a concessão de credenciamento às IES junto ao Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES).

Professora Dorinha Seabra Rezende

DEM/TO 01 Supressão da finalidade para “certificar entidades beneficentes que atuem na área de educação superior e básica”.

Elaboração pelo próprio autor a partir de Câmara (2013b).

A emenda do Dep. Pedro Uczai (PT/SC) propunha que o INSAES passasse a

decidir sobre a ampliação de prazos e a concessão de credenciamento às IES junto

ao Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de

Ensino Superior (PROIES), pois argumentava que, à época da promulgação da Lei

nº 12.688/2012, pelo curto espaço de tempo e por terem dúvidas, muitas IES

deixaram de fazer a adesão. Assim, pretendia que o INSAES pudesse analisar e

decidir sobre a possibilidade de recuperação financeira e administrativa de outras

IES, ampliando a política de financiamento público à privatização da expansão.

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A emenda da Dep. Professora Dorinha (DEM/TO) pretendia retirar do INSAES

a competência a ele atribuída pelo texto original voltada a certificar a condição de

entidade beneficente que atuem na área de educação básica, pois, como o INSAES

trata de educação superior, a referida parlamentar julgava estranha a extensão de

poderes para atingir a educação básica, de modo que extrapolaria os limites do

INSAES. A parlamentar já havia manifestado tal posicionamento na CE, mas,

embora não tinha sido atendida, não foi motivo para que a mesma votasse contra o

PL.

As emendas propostas pelos deputados Lelo Coimbra (PMDB/ES) e

Mendonça Prado (DEM/SE), em linhas gerais, tentavam restringir ao âmbito de IES

públicas a possibilidade de intervenção, retirar do INSAES a competência de

supervisionar, excluir a previsão da arrecadação da taxa de supervisão e suprimir a

atribuição do INSAES para aprovar previamente aquisições, fusões, cisões,

transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento

voluntário de IES integrantes do sistema federal de ensino. Esses constituíam

pontos sensíveis e eram motivos de maiores preocupações no segmento privado-

mercantil. A partir de então, o DEM, juntamente com o PSDB, SD e alguns

parlamentares do PMDB, passariam a impor resistências nos debates. Ou seja,

bancadas mais alinhadas ao setor privado, o que pode pressupor os

constrangimentos impostos por entidades e grupos empresariais da área.

Em outubro de 2013, o Projeto INSAES foi incluído na pauta de Reunião

Deliberativa Ordinária da CTASP. Primeiramente, após breve debate, foram

concedidas vistas ao processo, solicitadas por um parlamentar da Partido do

Governo, sem expor as motivações. Pode-se conjecturar que tal medida visava

ganhar tempo a fim de convencer outros membros da Comissão a apoiar o PL. No

mesmo mês, o INSAES voltou à pauta. O relator, em seu voto, elogiou o Projeto e o

trabalho desenvolvido na CE, mas anunciou que, a partir da incorporação parcial de

algumas emendas apresentadas na CTASP, julgava [...] cabíveis pequenos ajustes, relacionados ao valor e à cobrança de tributo previsto no projeto. Sustenta-se a necessidade de diminuir o montante atribuído a esse encargo e a abrangência da respectiva base de cálculo [...]. (Dep. Alex Caziani, PTB/PR – Áudio da Reunião CTASP, 16/10/2013).

Desse modo, deu parecer favorável à aprovação do INSAES, com as

emendas dispostas no Quadro 22.

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241

Quadro 22 – Comparativo entre as emendas adotadas pela CTASP e os textos precedentes

Proposição do Poder Executivo Emendas adotadas pela CE Emendas adotadas pela CTASP Comentários

Art. 39. ....................... “Art. 1o-A. .................. § 1º A Taxa de Supervisão da Educação Superior será recolhida ao INSAES semestralmente, em valores expressos em reais, conforme tabela constante do Anexo, e seu recolhimento será feito até o dia dez dos meses de janeiro e agosto de cada ano.”

Art. 39. ............................... “Art. 1o-A. ......................... § 1o A Taxa de Supervisão da Educação Superior será́ recolhida ao INSAES semestralmente, em valores expressos em reais, calculada de acordo com o número total anual de alunos ingressantes, conforme tabela constante do Anexo VII, e seu recolhimento será feito até o décimo dia útil dos meses de abril e setembro de cada ano.”

EMENDA Nº 1: Acrescente-se à redação determinada pelo art. 39 do projeto ao art. 1º-A da Lei nº 10.870, de 19 de maio de 2004, o seguinte § 7º: Art. 1º-A. ..................................... ....................................................... § 7º Não serão computadas para cálculo da Taxa de Supervisão da Educação Superior as matrículas relacionadas a alunos ingressantes beneficiários do Programa Universidade para todos – Prouni. (NR).

A CE, sob pressão do setor privado, já havia alterado o cálculo da Taxa de Supervisão, a fim de reduzir os valores, passando a ter como referência o total anual de alunos ingressantes. A CTASP foi além: retirou os ingressantes beneficiários do PROUNI do cálculo, minimizando ainda mais os valores a serem pagos pelas IES privadas.

-

EMENDA Nº 11: Acrescentem-se os arts. 47-A, 47-B e 47-C ao projeto: “Art. 47-B. Nos três primeiros anos após a constituição do INSAES, a taxa de supervisão será recolhida anualmente, até o quinto dia útil de mês de abril de cada ano.”

EMENDA Nº 2: Dê-se ao art. 47-B, acrescentado ao projeto pela Emenda nº 11 aprovada pela Comissão de Educação, a seguinte redação: Art. 47-B. Nos três primeiros anos após a constituição do INSAES, a Taxa de Supervisão da Educação Superior será recolhida anualmente, até o quinto dia útil do mês de abril de cada ano, em valor fixo de R$ 3,00 (três reais), no caso de instituições de ensino com número de matrículas igual ou inferior a 5.000 (cinco mil) alunos, e R$ 4,00 (quatro reais) para aquelas em que o número de ingressantes superar o referido quantitativo.

Na primeira versão do parecer, o relator havia posto o valor fixo de R$4,00 por aluno ingressante em relação à Taxa de Supervisão. Na versão final, reduziu o valor, durante os três primeiros anos subsequentes à implementação da Taxa, para R$3,00, no caso de IES com até cinco mil matrículas, constituindo em mais uma flexibilização a fim de evitar o impacto nas despesas do setor privado.

Elaboração do próprio autor a partir de Câmara (2013b, grifo nosso).

Ao analisar o Quadro 22, nota-se que as mudanças recaíram sobre a

dimensão supervisão. Na Emenda nº 1, foram retirados do cálculo da Taxa de

Supervisão os estudantes ingressantes contemplados com bolsa do PROUNI. Isso

foi mais uma forma de flexibilizar e reduzir os valores a serem pagos pelas IES

privadas. Além disso, a princípio, o relator havia posto no parecer o valor fixo de

R$4,00 por aluno matriculado, qualquer que fosse a quantidade de ingressantes na

instituição a ser supervisionada. Segundo o próprio Relator, após negociações com

o MEC, afirmou ter conseguido reduzir o valor da Taxa, durante os três primeiros

anos subsequentes à sua implementação, para R$3,00, no caso de IES com até

cinco mil matrículas, e para R$4,00, no caso das que matriculassem quantidade

superior, consoante expresso na Emenda nº 2. De acordo com o relator: [...] cabe registrar [...] a contribuição oferecida pelos envolvidos para a obtenção de uma solução de consenso acerca da proposta. Não há como negar que houve boa vontade de todas as partes e certamente não se viabilizaria a votação do projeto sem tal esforço. (Dep. Alex Caziani, PTB/PR – Áudio da Reunião CTASP, 16/10/2013)

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Concebemos, portanto, que as modificações na CTASP foram fruto de

concessões do Governo ao segmento privado para tentar minimizar a pressão do

empresariado, evidenciando como a ação pública é passível de cooptação por parte

dos detentores do grande capital. São consensos e contradições que vão dando um

caráter mais flexível ao Projeto INSAES, como uma forma de conseguir manter o PL

tramitando, em um ambiente de mercado efervescido, marcado pela financeirização

e oligopolização da educação superior.

Durante a discussão, destacaram-se as intervenções do Dep. Silvio Costa

(PTB/PE), que se mostrou insatisfeito com o Projeto e solicitou por diversas vezes o

adiamento da votação sob a alegação de precisar de mais tempo para analisar o PL.

Como membro da base do Governo Dilma Rousseff na coalizão multipartidária, em

determinado momento ameaçou exaltado: “Se for para usar o rolo compressor, eu

viro oposição ao Governo hoje!” (Dep. Silvio Costa, PTB/PE – Áudio da Reunião,

CTASP, 16/10/2013). Sempre em tom de voz alto e se mostrando irritado, proferiu as

seguintes declarações: O MEC já tem instrumento para realizar a fiscalização do ensino superior. Isto é mais um arranjo, mais um cabide de emprego que está sendo criado! [...] isso vai ser mais um Instituto para as universidades privadas elaborarem lobby. Vai ser uma luta política enorme pela presença de pessoas nesse órgão. [...] é impressionante como funciona o lobby neste MEC. A gente deveria chamar [...] as pessoas do MEC que liberam autorizam as faculdades. [...] Tem lobista aqui em Brasília que ganha R$40.000, R$50.000, por mês, só para lobby de montar faculdade. [...] Este Instituto agora é o paraíso dos lobistas! [...] Eu já estou ficando desconfiado com tamanha pressa! [...] Isso tem trela! Tá cheirando! (Dep. Silvio Costa, PTB/PE – Áudio da Reunião, CTASP, 16/10/2013, grifo nosso).

Ou seja, o referido Deputado deu voz ao grupo que entendia que o INSAES

fazia parte do projeto governamental de aumentar a estrutura burocrática do Estado

e, consequentemente, as despesas públicas e que, ao contrário do que parecia,

estaria sensível a ser instrumentalizada pelo setor privado. Nunes (2001, p. 6) faz

ponderação semelhante em suas reflexões: Não existe regulação neutra. Nem regulação inocente. Nem toda regulação é contra o regulado. Muitos regulados abençoarão e, neste sentido, buscarão normas regulatórias que os protejam da competição, que lhes diminuam custos, que criem barreira de entradas à competição, que os mantenham no mercado, que os protejam de demandas do público. Nem toda regulação, portanto, é a favor do público. Nem toda regulação é a favor do regulado. O mercado regulatório é um selvagem campo de lutas de interesses. Regula quem pode, não quem quer.

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Haveria, portanto, o risco de a agência de regulação ser cooptada pelos

regulados, sobretudo os de maior capital político e econômico. Compreendemos,

porém, que embora a intervenção estatal possa ser objeto de influência de

interesses patrimonialistas e, consequentemente, a regulação em si não assegura

os direitos do cidadão, as agências reguladoras surgem com o potencial de defender

o interesse público, pois, na lógica da Nova Gestão Pública, trata-se de um Estado

que canaliza a administração para a normatização e monitoramento da prestação de

bens e serviços.

As objeções ao PL foram acompanhadas por outros parlamentares, grande

parte deles de partidos de oposição: “Isso mostra como este Governo é

atabalhoado! Não zela com o dinheiro público!” (Dep. Augusto Coutinho – DEM/PE),

“[O INSAES] Seria mais um cabide de empregos!” (Dep. Andreia Zito – PSDB/RJ). O

Dep. Jorge Corte Real (PTB/PE) afirmou ser contra a criação de mais um órgão

público e sugeriu que se desse condições à estrutura já existente no MEC, pois o

custo do INSAES seria alto: “Criar outro Instituto é onerar também, mais uma vez, o

erário público, que isso queira ou não queira, vai cair nas costas do contribuinte, nas

costas de nós todos.” (Dep. Jorge Corte Real – PTB/PE). Esses discursos estavam

imbuídos da concepção neoliberal que preconiza o Estado mínimo e enxugamento

da administração pública, [...] que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. (HARVEY, 2012b, p. 12),

Nessa perspectiva, o INSAES representava o alinhamento com a

macrotendência do capitalismo baseado em uma economia de mercado planejada e

administrada pelo Estado. Consubstanciava-se com a ideia de Estado

desenvolvimentista, que é capaz do ponto de vista gerencial e coordena o

crescimento econômico e pratica uma política macroeconômica ativa (BRESSER-

PEREIRA, 2004; 2016).

Neste momento, considerando ainda a força do Governo, com menos de 40

minutos de discussão, o Parecer foi posto em votação, sendo aprovado por 10 votos

favoráveis e 6 contrários, conforme o Quadro 23.

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Quadro 23 – Resultado da votação sobre o PL nº 4.372/2012 na CTASP Deputados que votaram “sim” Deputados que votaram “não”

1. Alex Caziani (PTB/PR) 2. Assis Melo (PCdoB/RS) 3. Bala Rocha (PDT/AP) 4. Daniel Almeida (PCdoB/BA) 5. Eudes Xavier (PT/CE) 6. Luciano Castro (PR/RR) 7. Policarpo (PT/DF) 8. Roberto Santiago (PV/SP) 9. Ronaldo Nogueira (PTB/RS) 10. Vilalba (PP/PE)

1. Andreia Zito (PSDB/RJ) 2. Augusto Coutinho (DEM/PE) 3. Erivelton Santana (PSC/BA) 4. Isaias Silvestre (PSB/MG) 5. Jorge Corte Real (PTB/PE) 6. Silvio Costa (PTB/PE)

Fonte: Elaboração do próprio autor a partir da Ata da Reunião da CTASP realizada no dia 16/10/2013.

De acordo com o exposto no Quadro 23, para além do conflito partidário entre

a base do Governo e a oposição, constata-se a divergência interna do PTB, em que

dois membros votaram a favor e dois contrários. Interessante notar, ainda, que a

CTASP foi onde a tramitação do PL foi mais célere, pois durou menos de quatro

meses.

Se, por um lado, a rapidez na aprovação do INSAES na CTASP demonstrava

força do Governo em fazer valer sua agenda no Congresso Nacional, por outro, a

estrondosa resistência no debate, com voto contrário de membros de partido da

coalizão em torno da Presidenta, indicava os efeitos do desgaste em nível macro.

Vale ressaltar, consoante Singer (2016), que, entre o segundo semestre de 2011 e o

primeiro de 2012, instituições privadas foram forçadas a reduzir os próprios lucros,

sob pressão dos bancos públicos e de mudança nas regras da poupança. Ao reduzir

os juros e forçar a redução da margem de lucro, o Governo Dilma Rousseff

defrontou o setor financeiro, passando a sofrer ataques das agências de risco e think

tanks nacional e internacional. O autor afirma que a revista britânica The Economist

passou a atacar o intervencionismo dilmista, pedindo a demissão do Ministro da

Fazenda, Guido Mantega, e difundindo a ideia de que o Brasil havia debilitado o que

de bom fora construído nos anos anteriores. A publicação aponta como solução a

redução dos gasto estatal, redução do valor das aposentadorias, cortes de impostos

e reforma das leis trabalhistas (SINGER, 2016).

Outro evento que ocorrera meses antes da aprovação do Projeto INSAES, na

CTASP, foram as Manifestações de Junho de 2013. Diversos atos de protestos

populares ocorreram em todo o país, durante vários dias. Inicialmente para contestar

os aumentos nas tarifas de transporte público, as ações tomaram um caráter

contraditório, abrangendo grande variedade de temas, como os gastos para a

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construção das Arenas destinadas à Copa do Mundo FIFA de 2014, a má qualidade

dos serviços públicos e a corrupção na política. Todo esse contexto, aos poucos, foi

desgastando a legitimidade do Governo.

5.2.3 Comissão de Finanças e Tributação (CFT): intensificação da resistência em torno da criação do INSAES

Por tratar de aspectos financeiros e orçamentários de proposições que

impactam na despesa pública, o Projeto INSAES foi encaminhado para a terceira

Comissão, a de Finanças e Tributação (CFT), que deveria emitir parecer quanto à

adequação financeira e orçamentária e em relação ao mérito da proposta. A pedido

do relator, Dep. João Magalhães (PMDB/MG), foi realizada audiência pública em

novembro de 2013. Compuseram a mesa da audiência o Secretário da SERES, a

Coordenadora da Secretaria de Assuntos Institucionais da CONTEE, a Presidente

da FENEP, o Diretor da CONFENEN, o Vice-Presidente do Fórum Nacional de

Entidades Estudantis, o Presidente da ABMES e a Presidenta da UNE. Assim, havia

um representante do Governo (a SERES), uma instituição sindical (a CONTEE),

duas entidade estudantis (a UNE e o Fórum) e três corporações do setor privado

(FENEP, CONFENEN e ABMES). A exceção das representações estudantis, todos

os demais já haviam participado da audiência promovida na CE. Em meio as

contradições em disputa, isso mostra a força, sobretudo da FENEP, CONFENEN e

ABMES, na formulação de políticas educacionais, com poder de barganha e de fazer

valer seus interesses.

O Dep. João Magalhães (PMDB/MG), que presidiu a audiência, comunicou

que foi encaminhado convite ao INEP, que informou que seria representado pelo

Secretário da SERES, bem como foi convidado para prestigiar o evento a Presidente

da Associação dos Servidores do INEP (ASSINEP). Membros da ASSINEP, em

entrevista, afirmaram que a referida Associação foi impedida de compor a mesa da

audiência pública, estando apenas presente como espectador. Nesse mesmo

sentido, um Deputado de oposição ao Governo afirmou: [...] eu fiz um requerimento à Comissão para que a Associação dos Servidores do INEP estivesse presente. Eles precisam falar sobre este projeto, mas foram praticamente alijados. É preciso verificar o que aconteceu, porque fui eu que fiz o requerimento para que eles pudessem fazer a sua exposição, já que manifestam alguma divergência com relação

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ao projeto. Eles devem ter sofrido alguma coisa por parte do Ministério da Educação. (Dep. Izalci Lucas, PSDB/DF – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

Isso expunha o mal-estar dentro do Executivo e a posição contrária do INEP

em relação ao INSAES. Além disso, explicitava a tensão que estava posta entre, de

um lado, a dimensão avaliação e, de outro, as de regulação e supervisão. Mas, se o

setor privado estava descontente com o peso que a supervisão poderia assumir, o

INEP apresentava preocupações com a possibilidade desse peso definhar o

potencial da avaliação.

A existência ou não da política constitui um desafio para os grupos que, de

acordo com a sua posição, tenderão a sobrevalorizar a racionalidade da própria

ação ou, ao contrário, a colocar em causa a coerência, até a existência, da ação

governamental. Na audiência, o representante do Governo, evidentemente

assumindo a posição de valorização da ação, colocou o INSAES como condição

para enfrentar os problemas desencadeados pela forte expansão via setor privado: Evidentemente, o crescimento trouxe vários problemas. [...] Temos vários problemas, e vamos ter que enfrentá-los. E o projeto do INSAES, Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior, se coloca como um ponto importante de correção desses problemas. Nós viemos aqui e trouxemos vários extratos de notícias recentes, para demonstrar uma preocupação que não é só nossa, mas da sociedade, com os problemas e as mazelas trazidas por uma expansão sem o acompanhamento necessário do Estado: “Faculdade Alvorada é descredenciada pelo MEC após denúncias de problemas”; “Alunos da Universidade Gama Filho vão à Justiça por nova administração”; “Estudantes e professores pedem a solvência do grupo que cuida de ambas”; “MEC suspende a entrada de novos alunos da Gama Filho na UniverCidade”; “Ministério Público Federal pede a paralisação de cursos em faculdades sem credenciamento do MEC”; “Faculdades irregulares estão sob investigação no oeste do Pará. Mais de 200 vítimas já denunciaram o esquema ilegal”; “MPF, no Amapá, investiga denúncias de irregularidades em duas faculdades”; “Apenas 13 cursos de graduação a distância têm nota máxima do MEC”; “Polícia investiga denúncias contra faculdade particular que atua em Santa Catarina e tem oito unidades no Estado”; “Faculdade que certifica curso de Pedagogia ofertado por um instituto em Araguaína não possui autorização do MEC”; “PROCON apura denúncia contra faculdade em Santarém”; “Fusões batem recorde no setor de educação: ensino chega a 2,4 bilhões em aquisição”; “CADE investiga fusões e aquisições no setor educacional”; “Congresso quer a intervenção do MEC sob grupo que controla a Universidade Gama Filho”. Essas demandas que nós apontamos no Projeto de Lei do INSAES [...] foram-nos colocadas pela sociedade. Ninguém acordou e resolveu colocar um projeto de lei sem nenhuma reflexão. São pontos que nos foram trazidos e colocados, para reflexão, pela sociedade brasileira. Outros extratos: “CPI investiga situação do ensino superior privado em São Paulo”; “CPI pede indiciamento de dirigentes e intervenção do MEC em Universidades do Rio”. (Jorge Messias, Secretário da SERES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013, grifos nossos).

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Desse modo, um dos principais argumentos do Governo era intervir no

controle do setor privado, que, pelo balanço, estava dando sinais de

enfraquecimento em decorrência da má oferta. O INSAES era apresentado como a

solução para os problemas desencadeados pela expansão via privatização. Ao

apresentar manchetes de notícias veiculadas na imprensa, relatando prejuízos a

estudantes e professor oriundos de IES privadas, o Governo se identificava como

defensor dos direitos da sociedade civil. Entendemos, porém, que ao possibilitar, e

até estimular, a efervescência do mercado da educação superior mediante

financeirização e oligopolização, o discurso, no fundo, reconhecia implicitamente os

efeitos perniciosos da opção adotada pelo Estado brasileiro, ampliada nos Governos

do PT. Ao analisar a política de financiamento da educação superior privada, via

utilização de recursos do fundo público, Santos Filho (2016) demonstra o nexo que

há entre o Estado e o capital financeiro. Ao se debruçar sobre os dados relativos a

demonstrativos contábeis e financeiros do Estácio Participações, do Ânima e do Ser

Educacional, o autor revela que os recursos do fundo público contribuem para o

aumento da lucratividade desses grupos educacionais, com forte ingresso de

estudantes na graduação, havendo redução da carga tributária em decorrência de

renúncias fiscais do PROUNI e de garantia de crédito por parte do governo federal,

nos contratos do FIES. Aline Santos (2018) aponta que o grupo Kroton se tornou o

maior beneficiário do Fies, garantindo grande parte dos lucros da empresa. Segundo

a autora, “em apenas três anos, período de 2014 a 2016, a companhia recebeu R$

6,8 bilhões do Tesouro Nacional.” (SANTOS, 2018, p. 207). Toda essa expansão,

conforme o discurso do secretário da SERES, tem sido realizado com qualidade

questionável, em IES restritas ao âmbito do ensino, promovido de forma a reduzir o

máximo de custo por parte do grupo educacional.

Outro ponto exposto pelo representante do Governo foi o esgotamento da

SERES diante da elevada demanda para regular e supervisionar IES e cursos, com

vistas ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos

padrões de qualidade da educação superior: Quando o projeto foi colocado aqui, nós tínhamos cerca de 20 mil processos. Em 1 ano de debates já aumentamos mais de 8 mil processos. Temos hoje 28.551 processos regulatórios de supervisão de certificação. Temos só 48 técnicos dedicados à área finalística. Se eu parasse a Secretaria, hoje, não fizesse mais nada e dissesse: Vou cuidar só do estoque, eu levaria, com a minha equipe, 6,2 anos. Isso se eu considerar

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fechada a Secretaria, para cuidar só do estoque. (Jorge Messias, Secretário da SERES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013)

Diante desse esgotamento da SERES, defende o INSAES: Aqui eu coloco, por exemplo, uma estrutura sob o aspecto administrativo organizacional, mas não para por aí. Estamos falando aqui de novas competências legais. Nós estamos falando de um órgão com a carreira própria, especializada, uma carreira de Estado que consiga responder a essas necessidades, que consiga promover uma cultura organizacional, ter uma memória organizacional, que hoje não temos. Nós temos hoje, no Ministério, órgãos de excelência que demonstram o acerto da medida. O INEP – está aqui a Presidenta da associação. Hoje, o INEP é colocado como órgão de excelência porque construiu uma carreira, que se especializou e consegue responder às necessidades. (Jorge Messias, Secretário da SERES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013, grifo nosso).

Isto é, para além de elevar a quantidade do quadro de pessoal, o INSAES se

constituiria em um órgão técnico e especializado, a exemplo do INEP e da CAPES.

Entendemos que efetivamente ocorreria o fortalecimento da estrutura estatal nas

funções de regulação, mas isso não implica em maior investimento em IES públicas.

Estava implícito, na verdade, a tentativa de atribuir legitimidade, mediante padrões

regulatórios, à expansão privado-mercantil.

Atinente à dimensão da acreditação, havia muitos questionamentos, pois o PL

não o definia e a legislação do SINAES não fazia referência. Assim, o representante

do Governo afirma que: Esse movimento de acreditação de IES e cursos aqui está colocado no contexto global de mobilidade. Hoje, pelo menos 20% dos estudantes em outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) fazem pelo menos 1 ano de estudo fora. Hoje, os estudantes brasileiros estão indo estudar fora, mas não voltam. Eles estudam, querem voltar e não conseguem voltar. Nós estamos perdendo uma oportunidade de formação desses estudantes. E nós não estamos recebendo estudante nenhum de outros países. (Jorge Messias, Secretário da SERES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

Desse modo, indica a acreditação como inserção no mundo globalizado e o

caminho para elevar a mobilidade estudantil, não apenas numa condição passiva,

mas também recebendo estudantes. Como apontam Chaves e Castro (2016, p. 135-

136), o Brasil tem adotado “o modelo de internacionalização passiva se inserindo na

estratégia da globalização numa posição de submissão aos grandes centros do

capital”. Assim, conjecturamos que a ideia, a partir do INSAES, seria a de constituir

uma cultura do selo de qualidade internacional no Brasil, tendo a acreditação como

estratégia para manter os brasileiros no país e, pari passu, atrair acadêmicos

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estrangeiros, ou, ainda, oferecer serviços educacionais no exterior, podendo

culminar até na instalação de campi. Enfim, criar mecanismos de garantia de

qualidade considerando a internacionalização da educação superior.

Em todas as Comissões, o segmento privado demonstrava insatisfação

quanto à intenção do Projeto de exercer maior intervenção, por intermédio do

INSAES, nas negociações de compra e venda de IES, sobretudo por já existir o

CADE. Diante disso, o posicionamento do Governo era: Aprovação prévia de aquisições, fusões, cisões e transferência de mantença, unificação de mantidas, tudo isso é uma necessidade. Nós precisamos analisar o mérito, a qualidade dessas aquisições, com um sentido: resguardar a qualidade. Aqui ninguém vai colocar o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). O Papel do CADE é resguardado. O nosso papel é educacional. O que não se pode colocar é um processo selvagem de aquisição e de fusão, em que o regulador, em que o Estado toma conhecimento pela imprensa. (Jorge Messias, Secretário da SERES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013, grifos nossos).

Dessa maneira, o Governo sustentava que a intervenção, via maior regulação

e supervisão, teria como finalidade induzir melhorias dos padrões de qualidade. Por

fim, destacamos no discurso do Governo a ideia de “macroprocesso regulatório”: Nesse contexto, o INSAES consolida o macroprocesso regulatório, em que as atividades de supervisão, regulação, avaliação e fomento vão gerar confiança para o sistema. Não podemos conceber um sistema que é colocado pela Constituinte como híbrido, em que o público atua ao lado do privado, como instituições de segunda classe, de terceira classe. Um diploma expedido no âmbito do sistema federal tem que ter a confiança necessária que a sociedade exige. Não se pode ter um sentido de desconfiança como se coloca hoje na sociedade. Então, no processo de construção do INSAES, nós estamos apostando na racionalização dos fluxos processuais, convergência de processos e procedimentos, com um novo sistema eletrônico de tramitação, avaliação in loco, agrupadas e racionalizadas. (Jorge Messias, Secretário da SERES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013, grifo nosso).

Em linhas gerais, a defesa é de que o INSAES deveria reunir as funções de

avaliação, regulação, supervisão e acreditação, pois está implícito o pressuposto de

que as IES privadas precisam ser induzidas a melhorar a oferta mediante um forte

ente regulador. Essa junção das dimensões em um órgão configuraria o chamado

“macroprocesso regulatório”, em que o propósito é dar coerência e reduzir as

tensões entre o exercício das dimensões.

A exemplo das Comissões anteriores, os representantes do setor privado

atacaram o exercício da “supervisão”. Para o representante da CONFENEN, estava

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configurado um “intervencionismo estatizante” e a inadmissibilidade do Governo em

supervisionar as instituições privadas: INSAES, intervencionismo estatizante. O Governo não se conforma com o art. 209 da Constituição Federal. Constantemente, procura iniciativas e medidas para submeter a escola particular aos seus desígnios e diretrizes. Se não consegue implantar o monopólio estatal na educação, pelo menos busca quebrar a opção no ensino, que é característica e pilar do regime democrático. A liberdade de imprensa, a liberdade de ensino, o pluralismo de ideias de educação são fundamentais ao regime democrático, por impedirem a ditadura e o dirigismo do Estado, do Governo e do partido único. O INSAES é mais uma tentativa. O objetivo mesmo, se não consegue o ensino único estatal, é interferir no ensino privado, transformando-o em mero apêndice da escola pública. [...] É admissível que a União possa supervisionar o sistema ou rede de ensino ou os estabelecimentos mantidos por ela. No entanto, o mesmo não se pode dizer quanto à instituição de ensino em si, principalmente a mantida pela iniciativa privada. (João Luiz Cesarino da Rosa, Diretor da CONFENEN – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

Em sentido semelhante, a representante da FENEP pôs a Federação

contrária à dimensão da supervisão e em defesa dos ideais neoliberais na

educação: A ideia de supervisão atribuída ao INSAES possui suas raízes na concepção de regulação, a qual é exercida no desenvolvimento de serviços públicos. Nestes a supervisão é realizada por agências reguladoras. No segmento privado a intervenção autorizada pela Constituição é a de fiscalização, do cumprimento das normas gerais de educação e da avaliação de qualidade. [...] O segmento educacional privado não teme ser fiscalizado, mas rejeita toda e qualquer pretensão de retirada do seu direito à livre iniciativa, de sua liberdade de ensinar e principalmente da sua equiparação ao segmento público, no qual, aí sim, é e será cabível a regulação e a supervisão. (Amábile Pacios, Presidente da FENEP – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

A representante da FENEP encerrou o discurso, colocando em causa a

existência da ação, afirmando que “em nome dos 27 sindicatos que compõem a

Federação, eu peço o arquivamento desse projeto.” (Op. cit.).

Posicionou-se também contrário ao Projeto o Fórum Nacional de Entidades

Estudantis, movimento de ideologia neoliberal, que surgiu em 2013, em oposição à

UNE, à União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), à Associação

Nacional de Pós-Graduandos e das entidades a elas filiadas. Esse Fórum Nacional

de Entidades Estudantis defendeu a estrutura de regulação já existente: Gostaria de lembrar que eu conversei também com a associação do INEP, que desenvolveu um trabalho muito bom na última década. Eles estão se sentindo prejudicados porque algumas questões delegadas a eles, algumas funções delegadas a eles serão retiradas. Eu acho que esse trabalho do INEP é muito importante, eu acredito que deva continuar a estrutura do jeito

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que está, devendo ser melhorada, aperfeiçoada, reestruturada. Será melhor do que se criar uma nova autarquia, que daqui a 10 anos a gente pode estar sentado aqui de novo debatendo por que não deu certo. (Alan Valente, Vice-Presidente do Fórum Nacional de Entidades Estudantis – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

Chamou atenção o posicionamento da ABMES. Se nas Comissões anteriores,

ainda que comedida, essa Associação apontava críticas ao INSAES, na audiência

da CFT se mostrou aberta para ajudar na implementação do novo órgão: [...] é necessário ter, segundo a necessidade de um país moderno, um organismo que melhor atenda as necessidades do desenvolvimento da educação brasileira, conforme preconiza a Constituição e as leis a serem seguidas. Representando aqui a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), colocamo-nos à disposição para, dentro das realidades atuais, continuar a discutir e poder intervir para que o INSAES possa acontecer. (Gabriel Mario Rodrigues, Presidente da ABMES – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

Essa postura pode ter diversas motivações. Destacamos duas. Primeiro, em

fevereiro de 2013, como parte da correlação de forças e pressão do setor privado

para modificar aspectos do Projeto, a ABMES realizou o seminário “Processo

regulatório: principais mudanças e suas repercussões nas IES”. O programa do

evento inclui como um dos temas “INSAES: propostas conciliatórias de alterações”,

com a participação do relator na CE, Dep. Waldenor Pereira (PT/BA). O evento já

apontava para a aceitação do INSAES como uma ação inexorável, porém mobilizava

o segmento privatista para imprimir modificações. A segunda razão está no fato de

que, diferentemente da FENEP, que reúne faculdades particulares menores, a

ABMES abrange grandes entidades mantenedoras de educação superior particular,

parecendo ocupar posição em frentes importantes junto ao campo político para a

formulação de políticas públicas, bem como na construção e revisão de normas

legais, a fim de barganhar conquistas para seus representados.

No grupo dos favoráveis, a CONTEE reforçou seu posicionamento, na

condição de entidade sindical dos docentes e técnico-administrativos em

estabelecimentos de ensino do setor privado, tanto da educação básica, como

superior. Para a representante da CONTEE: A Lei do INSAES, além de fortalecer a avaliação e a supervisão gerada pela avaliação, busca regular também as fusões e aquisições, como fenômeno que começa a aparecer a partir de 2005, e que hoje tem sido motivo de preocupações de amplos setores da sociedade brasileira, e também no Parlamento, uma vez que transforma as instituições da educação superior em instituições de capital aberto na Bolsa de Valores. Hoje, grande parte dessas instituições pertence, inclusive, a capital que não é capital

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brasileiro. Essa é uma grande preocupação, que nós destacamos e somos contra, uma questão importante: a desnacionalização da educação superior em nosso País. Ao CADE cabe, sim, regular do ponto de vista econômico essas fusões que, aliás, já vêm se transformando em verdadeiros oligopólios. [...] Porém [...] o que a Lei do INSAES diz é que será preciso haver autorização prévia do MEC para manter as mesmas condições de oferta que havia na época da avaliação dos seus cursos. Isso é muito importante, porque esses grupos que compram instituições esperam o processo de avaliação se encerrar, depois mudam o projeto pedagógico, demitem os docentes mais qualificados, burlando, de forma aberta, o processo de avaliação e, portanto, driblando o que preceitua o art. 209 da nossa Constituição. (Nara Teixeira de Souza, Coordenadora da Secretaria de Assuntos Institucionais da CONTEE – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013, grifos nossos).

Percebe-se que a CONTEE tem como defesa a educação como direito e bem

público, a regulamentação do setor privado com a exigência do cumprimento do

papel do Estado no controle, regulação e avaliação, e o combate à mercantilização e

à desnacionalização da educação. A entidade, em oposição ao processo de

financeirização e oligopolização da educação superior, defende o INSAES como

forma de, entre outras coisas, exigir aprovação prévia de aquisições, fusões, cisões,

transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento

voluntário de IES, para além da atuação do CADE para fiscalizar e apurar abusos do

poder econômico. A Coordenadora da CONTEE toca ainda na mesma questão

apontada por Sheila Santos (2012, p. 237), de que “a crescente mercantilização do

setor privado de educação superior impõe cada vez mais barreiras ao trabalho

docente”, de modo a elevar as exigências em relação a qualificação do professor e,

após o ciclo avaliativo, demitir os docentes de maior custo, constituindo uma espécie

de proletarização da profissão.

Em perspectiva semelhante à da CONTEE, diante da declarada incapacidade

da SERES de dar conta do volume de processos, a representante da UNE afirmou

que os estudantes, presentes no Congresso da entidade, decidiram pelo apoio à

aprovação do INSAES. Eu acho que a principal prerrogativa do INSAES [...] é a possibilidade de modernizar o sistema de supervisão e fiscalização do ensino superior privado do nosso País, porque o sistema de fiscalização e supervisão que nós temos hoje já se mostrou insuficiente para os desafios que estão dados no ensino superior. [...] Acho também que o CADE, ao cumprir a sua prerrogativa de defesa de concorrência, tem avaliado as fusões e compras de universidades, mas a função do CADE é a defesa da concorrência. Não existe hoje nenhum instrumento que possibilite que fusões e compras de universidades sejam previamente avaliadas pelo Estado brasileiro do ponto de vista da garantia de qualidade dessas instituições. Tanto que o que a gente tem visto é que grandes fusões e compras de universidades têm tido como consequência, em sua maioria quase absoluta, o rebaixamento da

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qualidade do ensino oferecido nessas instituições. (Virgínia Barros, Presidente da UNE – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

A UNE, portanto, diante do forte processo de privatização, mercantilização e

empresariamento da educação superior brasileira, formado por instituições que não

investem na melhoria acadêmica, defende o INSAES por entender que o sistema

vigente não dá conta de garantir a educação como bem público. Com o INSAES, a

UNE compreende que haveria o cumprimento de uma estratégia nacional, que é a

regulação, supervisão e avaliação sob a perspectiva da qualidade educacional

socialmente referenciada.

Nos discursos dos deputados presentes, oposicionistas políticos acusavam o

Governo de esquecer as finalidades externas das políticas públicas (os benefícios à

coletividade) em proveito de finalidades internas, ligadas aos interesses da

burocracia (ampliar o aparato estatal). Um membro da bancada de oposição ao

Governo deu o tom da resistência que o PL iria enfrentar durante a tramitação na

CFT: A questão da estatização [...] é uma característica do Governo do PT. Não vou partir para esse lado partidário, mas é uma característica do Governo do PT, que, durante esses 10 anos, vem implantando uma política chavista intervencionista [ouvem-se palmas] nas entidades públicas do nosso país. Delegar poder de polícia de caráter intervencionista [...], nós temos que tomar cuidado para que o Estado não se torne o opressor do ensino privado. Isso é um fato que tem que ser combatido. (Dep. Alexandre Leite, DEM/SP – Áudio da Audiência Pública CFT, 21/11/2013).

O discurso contra o Governo Dilma Rousseff, seu intervencionismo estatal e

investimento no setor público, marcou os debates nas cinco sessões realizadas na

CFT. Foram apresentadas 318 emendas no âmbito da CFT, dispostas no Quadro 24:

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Quadro 24 – Relação dos deputados que apresentaram emendas na CFT

Deputado Partido / Estado

Quantidade de emendas Teor das emendas

Lelo Coimbra PMDB/ES 59 De um modo geral, as emendas abordam a restrição da intervenção à IES pública, inclusão do CADE no corpo do Projeto a fim de limitar a atuação do INSAES, supressão da supervisão, avaliação e/ou acreditação, supressão da certificação de entidades beneficentes, supressão da necessidade de autorização prévia de fusões, aquisições e incorporações, redução do rol de sanções administrativas, exclusão da Taxa de Supervisão, regulamentação da função de Ouvidor e maior representação do segmento privado na CONAES.

Zequinha Marinho PSC/PA 43 Izalci Lucas PSDB/DF 41 Roberto de Lucena PV/SP 34 André Moura PSC/SE 33 Dorinha Seabra Rezende DEM/TO 33 Pastor Marcos Feliciano PSC/SP 20 Anderson Ferreira PR/PE 10 Marcos Rogério PDT/RO 10 Rodrigo Maia DEM/RJ 10 Dr. Ubiali PSB/SP 08 Paulo Freire PR/SP 08 Laércio Oliveira SD/SE 05 Edmar Arruda PSC/PR 03 Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de Câmara (2014).

PSC, PMDB, DEM e PSDB foram responsáveis por 76% das emendas.

Foram cinco Reuniões Deliberativas a abordar o INSAES na CFT, sendo três em

2013 e duas em 2014. Em todas elas, a estratégia da bancada de oposição, formada

especialmente pelos partidos PSDB, DEM e SD, foi apresentar medidas

protelatórias, como solicitação de vistas do processo, discussão de atas anteriores,

requerimento de verificação de votação de Ata, requerimentos de retirada do

INSAES de pauta, requerimentos de quebra de interstício e requerimentos de

adiamento de discussão, exaurindo o tempo até o início da Ordem do Dia do

Plenário, o que regimentalmente obriga a paralisação dos trabalhos das Comissões.

As intervenções dos parlamentares de oposição deixavam claro que a intenção era

ganhar prazo para obstruir e impedir a aprovação do INSAES. Em abril de 2014, o

PL foi posto para debate. Segue a Ata da reunião: Às dez horas e quarenta e oito minutos do dia vinte e três de abril de dois mil e quatorze [...].O Deputado Vaz de Lima apresentou questão de ordem [...] no sentido de ser obrigatória a leitura da ata da reunião anterior. [...] O Deputado Rodrigo Maia apresentou verificação de votação do resultado. [...] Usaram da palavra para discussão das atas os Senhores Deputados Rodrigo Maia, Vaz de Lima e Luiz Carlos Hauly. [...] O Deputado Rodrigo Maia usou da palavra para orientação da bancada. O Deputado Vaz de Lima apresentou requerimento para que a votação das atas se ocorresse pelo processo nominal [...]. Orientou a bancada o Deputado Rodrigo Maia. [...] ORDEM DO DIA: [...] PROJETO DE LEI Nº 4.372/12 [...]. O Presidente anunciou Requerimento de adiamento de discussão, de autoria do Deputado Rodrigo Maia, pelo prazo de dez sessões [...]. O Deputado Mendonça Filho usou da palavra na condição de Líder de Bancada [...]. O Deputado Vaz de Lima usou da palavra, na condição de Vice-Líder de Bancada [...]. Os Deputados Rodrigo Maia e Antonio Imbassahy usaram da palavra para orientar as bancadas. Em votação, o requerimento foi rejeitado. O Presidente anunciou Requerimento de adiamento de discussão,

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de autoria do Deputado Vaz de Lima, pelo prazo de nove sessões [...]. Os Deputados Rodrigo Maia, Luiz Carlos Hauly e Afonso Florence usaram da palavra para orientação das bancadas. Em votação, o requerimento foi rejeitado. Os Deputados Vaz de Lima e Eduardo Cunha apresentaram requerimento conjunto de verificação de votação [...]. O Presidente anunciou Requerimento de adiamento da votação, por cinco sessões, de autoria do Deputado Rodrigo Maia. [...] Em votação, o requerimento foi aprovado. Os Deputados Afonso Florence e Vaz de Lima apresentaram requerimento conjunto de verificação de votação [...]. Em votação nominal, o Requerimento foi rejeitado [...]. O Presidente anunciou Requerimento de Quebra de Interstício para verificação de votação para o requerimento de adiamento de votação, apresentado pelo Deputado Vaz de Lima. O Deputado Vaz de Lima orientou a votação. Usou da palavra para orientação o Deputado Luiz Carlos Hauly. O Deputado Rodrigo Maia usou da palavra para orientação de bancada. Em votação, o requerimento foi rejeitado. O Presidente anunciou Requerimento de adiamento da votação, por quatro sessões, de autoria do Deputado Vaz de Lima. [...] O Deputado Luiz Carlos Hauly usou da palavra para orientar a bancada. Em votação, o requerimento foi rejeitado. O Presidente anunciou Requerimento de adiamento da votação, por duas sessões, de autoria do Deputado Fernando Francischini. [...] Os Deputados Vaz de Lima e Mendonça Filho orientaram as bancadas. Em votação, o requerimento foi rejeitado. Dando continuidade, o Presidente deu conhecimento de vinte e quatro requerimentos de destaque sobre a matéria. O Presidente suspendeu a reunião por trinta minutos para a organização dos destaques. Retornando, o Presidente comunicou que havia acordo para apreciação do parecer do Relator, ressalvados todos os destaques. Iniciado o processo de votação, o Presidente foi informado de que a Ordem do Dia do Plenário já havia iniciado. Nesse sentido, o Presidente comunicou que a votação teria continuidade na reunião seguinte. (Ata da Nona Reunião Ordinária, CFT – 23/04/2014).

Como se vê, para procrastinar e, até mesmo, obstruir a matéria, a oposição

apresentou novamente questão de ordem, discussão de atas, verificação de votação

dos resultados, requerimento para que a votação das atas ocorresse pelo processo

nominal, diversos requerimento de adiamento de discussão, requerimento de quebra

de interstício, orientações de bancada e encaminhamentos da votação.

Na última reunião que discutiu o INSAES na CFT, realizada em maio de 2014,

deu-se continuidade ao processo de votação, conforme acordo firmado na reunião

anterior, sendo que o parecer do Relator seria submetido a votos, ressalvados os

destaques e que todas as deliberações seriam realizadas pelo processo nominal.

Haviam sido apresentados vinte e quatro destaques, sendo cinco de bancada e

dezenove individuais. O Dep. Rodrigo Maia (DEM/RJ), alegando que manteria o

acordo das votações nominais, retirou todos os destaques individuais de sua autoria.

Desse modo, a votação dos destaques está disposta no Quadro 25.

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Quadro 25 – Votação dos destaques na CFT Destaque Solicitação Votação

Destaque nº 24/14 - da Bancada do DEM

Supressão da palavra “supervisionar” constante do Art. 2º (finalidades do INSAES)

Em votação nominal, o Destaque foi rejeitado, contra os votos dos Deputados Guilherme Campos (DEM), Rodrigo Maia (DEM) e João Dado (SD).

Destaque nº 1/14 - da Bancada do PSDB

Votação em separado do Art. 3º (competências do INSAES)

Em votação nominal, o Destaque foi rejeitado, contra os votos dos Deputados Guilherme Campos (DEM), Rodrigo Maia (DEM) e João Dado (SD).

Destaque nº 23/14 - da Bancada do SD

Supressão do inciso XII do Art. 3º (aprovar previamente aquisições, fusões etc.)

Em votação nominal, o Destaque foi rejeitado, contra os votos dos Deputados Guilherme Campos (DEM), Rodrigo Maia (DEM), João Dado (SD) e Nelson Marchezan Júnior (PSDB).

Destaque nº 22/14 - da Bancada do DEM

Votação em separado do inciso II do Art. 5º e do Art. 39 (Taxas de Avaliação in loco e de Supervisão)

Em votação nominal, o Destaque foi rejeitado, contra os votos dos Deputados Leonardo Quintão (PMDB), Alfredo Kaefer (PSDB), Vaz de Lima (PSDB), Guilherme Campos (DEM), José Humberto (PSD), Nelson Marchezan Junior (PSDB), Rodrigo Maia (DEM) e João Dado (SD).

Destaque nº 2/14 - da Bancada do PSDB

Votação em separado do Art. 9º (criação do quadro de pessoal)

Em votação nominal, o Destaque foi rejeitado, contra os votos dos Deputados Alfredo Kaefer (PSDB), Vaz de Lima (PSDB), Guilherme Campos (DEM), Pauderney Avelino (DEM), Nelson Marchezan Junior (PSDB), Rodrigo Maia (DEM) e João Dado (SD).

Fonte: Elaboração do próprio autor a partir da Ata da Décima Reunião Ordinária, CFT – 07/05/2014.

Esses destaques pretendiam retirar do INSAES a finalidade de supervisão,

problematizar as competências, suprimir a aprovação prévia de aquisições e fusões

de IES, contestar a Taxa de Supervisão e a criação dos 550 cargos. Ou seja, os

principais pontos que ocasionaram discordância por parte da oposição, no geral,

ficaram em torno da dimensão supervisão, entendida como intervenção do público

no privado. Para os grupos privatistas, contrários ao INSAES, está subentendido a

ideia de excesso e da sobrecarga regulatória. Para os oposicionistas, a nova

instância de supervisão, acompanhada de restrições regulatórias, não traria

benefícios coletivos, constituindo-se em regulação desnecessária e redundante. A

premissa abraçada é a de que não se precisa regular aquilo cuja desregulação não

acarrete consequências prejudicais. Por isso, sustenta-se a economia dos recursos

materiais, minimização das despesas com servidores, dos custos de

operacionalização e maior abertura para a liberdade dos regulados. Em seguida, o

Parecer foi submetido à votação nominal, sendo aprovado, conforme o Quadro 26.

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Quadro 26 – Resultado da votação sobre o Parecer do Relator na CFT Deputados que votaram favorável Deputados que votaram contrário

1. Akira Otsubo (PMDB/MS) 2. Celso Maldaner (PMDB/SC) 3. João Magalhães (PMDB/MG) 4. Manoel Junior (PMDB/PB) 5. Mário Feitoza (PMDB/CE) 6. Pedro Novais (PMDB/MA) 7. Pedro Paulo (PMDB/RJ) 8. Afonso Florence (PT/BA) 9. Assis Carvalho (PT/PI) 10. Pedro Eugênio (PT/PE) 11. Pepe Vargas (PT/RS) 12. Rogério Carvalho (PT/SE) 13. Aelton Freitas (PR/MG) 14. Edmar Arruda (PSC/PR) 15. Júlio Cesar (PSD/PI) 16. Nelson Meurer (PP/PR)

1. Alfredo Kaefer (PSDB/PR) 2. João Dado (SD/SP) 3. Rodrigo Maia (DEM/RJ)

Fonte: Elaboração do próprio autor a partir de Câmara (2014).

Como se pode visualizar, houve um esvaziamento da votação por parte da

oposição. Esteve presente e votou contrário apenas um representante de cada

partido que já vinha apresentando obstrução: PSDB, DEM e SD. Como todos os

destaques foram rejeitados, o Quadro 27 apresenta as emendas adotadas pela CFT,

em comparação com textos anteriores.

Quadro 27 – Comparativo entre as emendas adotadas pela CFT e os textos precedentes Texto anterior Emendas adotadas pela CFT Comentários

PROPOSIÇÃO DO PODER EXECUTIVO: Art. 2º O INSAES tem por finalidade supervisionar e avaliar instituições de educação superior e cursos de educação superior no sistema federal de ensino, e certificar entidades beneficentes que atuem na área de educação superior e básica.

EMENDA Nº 01: O artigo 2º vigorará com o seguinte teor: “Art. 2º O INSAES tem por finalidade supervisionar e avaliar instituições de educação superior e cursos de educação superior no sistema federal de ensino, e certificar entidades beneficentes que atuem na área de educação superior ou básica.”

Para maior precisão textual, explicitou que a entidade beneficente a ser certificada poderia atuar na educação superior ou básica, e não necessariamente em ambas.

PROPOSIÇÃO DO PODER EXECUTIVO: V - acreditar instituições de educação superior e cursos de graduação;

EMENDA Nº 02: O inciso V do artigo 3º vigorará com o seguinte teor: “Art. 3° ................................ ................................................................ V – promover a acreditação de instituições de educação superior e de cursos de graduação; ...............................................................”

Em vez de o INSAES realizar a ação de acreditar, passaria a promover a acreditação, o que poderia ser realizado por outras instâncias.

PROPOSIÇÃO DO PODER EXECUTIVO: VII - supervisionar instituições de educação superior e cursos de graduação e sequenciais, quanto ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos padrões de qualidade da educação superior, aplicando as penalidades e instrumentos previstos na legislação;

EMENDA Nº 03: O inciso VII do artigo 3º vigorará com o seguinte teor: “Art. 3° .................. ............................................................................. VII – supervisionar instituições de educação superior e cursos de graduação, sequenciais e de especialização, quanto ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos padrões de qualidade da educação superior, aplicando as penalidades e instrumentos previstos na legislação; ............................................................................”

Foram incluídos os cursos de especialização na supervisão.

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Texto anterior Emendas adotadas pela CFT Comentários

PROPOSIÇÃO DO PODER EXECUTIVO: VIII - decretar intervenção em instituições de educação superior, e designar interventor, nos termos de lei específica;

EMENDA Nº 04: O inciso VIII do artigo 3º vigorará com o seguinte teor: “Art. 3° .................. VIII – decretar intervenção em instituições de educação superior, e designar interventor, nos termos do § 1º, do art. 46, da Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 e de lei específica; ...............................................................”

Citação mais precisa da legislação educacional.

EMENDA Nº 3 da CE: “Art. 3º ............................................. ......................................................... XIV – auferir a capacidade de autofinanciamento das mantenedoras das Instituições de Educação Superior; ........................................................”

EMENDA Nº 05: O inciso XIV do artigo 3º vigorará com o seguinte teor: “Art. 3° ......................................... XIV – aferir a capacidade de autofinanciamento das mantenedoras das Instituições de Educação Superior;”

Em vez de “auferir”, que possui sentido próximo a “obter”, “colher”, “lucrar”, optou-se por empregar o verbo “aferir”, que está relacionado à ideia de “apreciar”, “verificar”, “cotejar”.

EMENDA Nº 3 da CE: “Art. 3º ............................................. ......................................................... § 6º O ato do poder executivo de que trata o inciso XII observará necessariamente o art. 3º da Lei nº 10.861, de 2004, e a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de assegurar as condições de oferta para a continuidade da atividade educacional e o interesse dos estudantes.”

EMENDA Nº 06: O parágrafo 6º do artigo 3º vigorará com o seguinte teor: “Art. 3° .................. ............................................................................. § 6º O ato do poder executivo de que trata o inciso XII observará exclusivamente as disposições da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e da legislação educacional, com o objetivo de assegurar as condições de oferta para a continuidade da atividade educacional e o interesse dos estudantes;”

Citação mais precisa da legislação educacional.

EMENDA Nº 4 da CE: “Art. 4º ................................... ............................................... § 2º Os representantes das instituições de educação superior de que trata o § 1º serão indicados em listas tríplices pelas suas respectivas entidades representativas de âmbito nacional, observadas as diferentes categorias administrativas de que tratam os artigos 19 e 20 da Lei nº 9.394, de 1996.”

EMENDA Nº 07: O parágrafo 2º do artigo 4º vigorará com o seguinte teor: “Art. 4° .................. ............................................................................ § 2º Os representantes das instituições de educação superior de que trata o § 1º serão indicados em listas tríplices pelas suas respectivas entidades representativas de âmbito nacional, observadas as diferentes categorias administrativas de que tratam os artigos 19 e 20 da Lei nº 9.394, de 1996 e assegurada a representatividade de cada uma das categorias previstas no art. 20;”

Passou a assegurar a representatividade de cada uma das categorias privadas (particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais e filantrópicas) no Conselho Superior do INSAES.

EMENDA Nº 11 da CE: “Art. 47-A. A proposição de que trata o inciso VIII do Art. 3º será encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional no prazo de cento e oitenta dias após a entrada em vigor desta Lei.”

EMENDA Nº 08: Suprima-se o artigo 47-A.

Foi suprimido o prazo, estabelecido pela CE, para que o Governo regulamentasse a competência do INSAES para decretar intervenção em IES e designar interventor.

-

EMENDA Nº 09: Acrescenta-se o Inciso XVI ao art. 3º, com a redação que se segue: “Art. 3º ..... ................................................................ XVI – supervisionar instituições de educação superior quanto ao cumprimento da legislação dos programas federais de acesso ao ensino.”

Foi acrescentada a supervisão quanto à execução de políticas públicas voltadas para o acesso à educação superior.

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Texto anterior Emendas adotadas pela CFT Comentários

-

EMENDA Nº 10: Acrescenta-se o parágrafo 7º ao art. 3º, com a redação que se segue: “Art. 3º ................................................................ §7º A atividade de supervisão prevista no inciso I será exercida por meio de procedimentos fiscalizatórios e de monitoramento, tendo como referencial os resultados das avaliações no âmbito do SINAES, cumprimentos das normas da educação nacional, melhoria do padrão de qualidade da educação superior e a normalidade das atividades acadêmicas e administrativas.”

Definição mais explícita da dimensão “supervisão”, devendo considerar os processos de avaliação e observar o cumprimento de aspectos educacionais.

-

EMENDA Nº 11: Acrescentam-se os parágrafos 6º e 7º ao art. 37, com a redação que se segue: “Art. 37. ............. ................................................................ §6º As decisões do CNE relativas aos incisos VI, VII, VIII e IX terão caráter terminativo, prescindindo de homologação do Ministro de Estado da Educação. §7º Considera-se instituição para fins de aplicação de penalidade aquelas instituições definidas no art. 19, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.”

Citação mais precisa da legislação educacional.

-

EMENDA Nº 12: Acrescenta-se o artigo 47-D, com a redação que se segue: “Art. 47-D Ato do Poder Executivo poderá dispor sobre a participação do INSAES na gestão dos programas federais de acesso ao ensino superior, executados pelas instituições de educação superior.”

Foi acrescentada a possibilidade do INSAES participar da gestão de políticas públicas voltadas para o acesso à educação superior.

PROPOSIÇÃO DO PODER EXECUTIVO: Art. 10. O ingresso no Plano de Carreiras e Cargos do INSAES ocorrerá nos cargos de provimento efetivo de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 7º, por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, e será: ...............................................

EMENDA Nº 13: O caput do artigo 10 do PL nº 4.372, de 2012, vigorará com o seguinte teor: “Art. 10. O ingresso no Plano de Carreiras e Cargos do INSAES ocorrerá nos cargos de provimento efetivo, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, e será: ....................................”

Citação mais precisa da norma constitucional.

PROPOSIÇÃO DO PODER EXECUTIVO: I - para os cargos de que tratam os incisos I e II do caput do art. 7o, diploma de nível superior, em nível de graduação, e poderá ser exigido, conforme disposição do edital, formação profissional especifica e registro profissional em entidade de classe; e

EMENDA Nº 14: O inciso I do artigo 10 do PL nº 4.372, de 2012, vigorará com o seguinte teor: “Art. 10. .................................................. I – para os cargos de que tratam os incisos I e II do caput do art. 7º, diploma de nível superior, em nível de graduação, e poderá ser exigido, conforme disposição do edital, formação profissional específica; e .......................”

Foi suprimida a necessidade de registro profissional em entidade de classe para os cargos de nível superior (Especialista em Avaliação e Supervisão da Educação Superior e Analista Administrativo).

Fonte: Elaboração do próprio autor, a partir de Câmara dos Deputados (2014).

Dessas 14 emendas, 6 alteraram o PL original do Governo, 4 modificaram

emendas da CE e houve também 4 acréscimos que não estavam previstos em

nenhum dos textos anteriores. Quanto às duas emendas da CTASP, não sofreram

alterações. Em linhas gerais, as mudanças mais significativas foram a ideia de que o

INSAES deveria “promover a acreditação” e não necessariamente a ação de

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“acreditar”, definição mais precisa da dimensão “supervisão”, a inclusão dos cursos

de especialização na supervisão, a garantia da representatividade de cada uma das

categorias privadas no Conselho Superior e a referência à legislação educacional.

Além disso, acrescentou-se a supervisão de IES quanto ao cumprimento da

legislação dos programas federais de acesso ao ensino superior e a participação do

INSAES na gestão desses programas.

Toda a obstrução na CFT era o sinal de que o Governo estava perdendo a

capacidade de mobilizar sua base para levar adiante a agenda governamental. No

contexto macro, com a inflação em alta, segundo Singer (2016), o Banco Central

iniciou o ciclo de alta de juros a partir de abril de 2013, favorecendo recursos para os

rentistas e devolvendo ao mercado financeiro controle sobre parte fundamental da

política econômica. Nos meses seguintes, além do aumento contínuo dos juros,

houve corte no investimento público, diminuição das restrições ao capital

especulativo e privatizações na área de transportes. Isso paralisou o avanço

progressista e a retomada do desenvolvimento nacional. Desse modo, as

perspectivas de crescimento ficaram nulas e, por conseguinte, o novo

desenvolvimentismo esvaeceu. Nesse contexto, as contraditórias manifestações de

junho de 2013, que incluíram a ofensiva liberal contra o Estado, enfraqueceram o

apoio social a Dilma.

Quanto às tensões e embates relativos ao Projeto INSAES na CFT, os

partidos defensores da minimização do Estado e da liberdade de iniciativa

econômica privada, adeptos à ideia do mercado como princípio fundamental da

sociedade, adeptos à privatização de bens e serviços, ao ensino privado e à

educação como mercadoria, caudatários dos conglomerados que concentram o

capital do mercado educacional, passaram a fortalecer a resistência por julgarem

ameaçados os princípios neoliberais. Os principais pontos contestados, no que diz

respeito ao que chamavam de intervencionismo estatal, foram o exercício da

supervisão e a aplicação da Taxa de Supervisão e a necessidade de autorização

prévia para fusões, aquisições e incorporações de IES. Quanto ao investimento na

administração pública, questionavam veemente a criação dos 550 cargos. Apesar

disso, o Governo continuou sustentando o Projeto e mobilizando os parlamentares

da base aliada para levar o INSAES adiante. Nesse sentido, contraditoriamente à

pressão do setor privado-mercantil, a Comissão ampliou o rol da supervisão do

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INSAES, incluindo os cursos de especialização e o acompanhamento da execução

dos programas federais de acesso ao ensino.

5.2.4 Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e Plenário da Câmara: crise da coalizão multipartidária

Em maio de 2014, o PL chegou à CCJC, a quem compete a análise das

proposições legislativas quanto à sua constitucionalidade ou juridicidade, em parecer

terminativo. Esta seria, portanto, a última Comissão a apreciar o INSAES na

Câmara. A Lei Orçamentária (LOA) para 2014 (Lei nº 12.952/2014), por meio das

ações 6344, 20RH e 2000, previam um total de 5,63 milhões de reais para custeio e

investimento do INSAES pelo período de seis meses, a partir de julho de 2014. Além

disso, estavam previstos cerca de 10 milhões de reais para a mesma finalidade para

todo o exercício financeiro de 2015.

O contexto macropolítico estava iniciando uma fase sem precedentes na

história do Brasil. Em março de 2014, teve início a Operação Lava Jato que,

juntamente com o Mensalão, fez com que o PT ficasse exaustivamente exposto

como o partido mais corrupto, representando o modo tradicional de fazer política.

Isso enfraqueceu o Governo Dilma Rousseff e fortaleceu os ataques aos serviços

públicos e ao Estado, diminuindo as chances de resistência ao avanço neoliberal.

A primeira reunião ordinária deliberativa que iria discutir o INSAES foi

agendada para maio de 2014. Porém, não ocorreu por falta de quórum. Na reunião

seguinte, realizada no mesmo mês, o INSAES estava na pauta, mas foi retirado, de

ofício, a pedido do Relator, Dep. Alessandro Molon (PT/RJ72).

O segundo semestre de 2014 teve como foco as eleições gerais que

escolheriam novos parlamentares, governadores e presidente. A campanha foi

marcada pela polarização entre os apoiadores do Governo Dilma Rousseff e aqueles

que estavam insatisfeitos com o viés estatista dos Governos do PT. Na eleição

presidencial, o Programa de Dilma Rousseff sinalizava para um Estado forte e

intervencionista Após a reeleição em segundo turno, por uma diferença de apenas

3,28%, o discurso mudou repentinamente e passou a justificar “sacrifícios” em

função da escassez de recursos. Em meio à retração, no final de 2014, o Governo 72 Em setembro de 2015, o Dep. Alessandro Molon se filiou ao partido Rede Sustentabilidade (REDE). Posteriormente, em fevereiro de 2018, filiou-se ao PSB.

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nomeou Joaquim Levy, que já havia trabalhado em instituições financeiras, para o

Ministério da Fazenda a fim de implementar medidas de austeridade e acalmar o

mercado73.

Nesse ínterim, foram apresentadas 177 emendas pelos deputados da CCJC

ao Projeto INSAES, conforme o Quadro 28.

Quadro 28 – Relação dos deputados que apresentaram emendas da CCJC

Deputado Partido / Estado

Quantidade de emendas Comentários

Izalci Lucas PSDB/DF 21 A exemplo das Comissões anteriores, as emendas, no geral, tratavam da supressão da finalidade para “supervisionar”, restrição da intervenção à IES pública, alterações e nas competências do INSAES, principalmente a supressão da incumbência de aprovar previamente aquisições, fusões etc., retirada das Taxas de Avaliação in loco e de Supervisão, supressão da certificação de entidades beneficentes e maior representação do segmento privado na CONAES.

Eli Correa Filho DEM/SP 19 Beto Mansur PRB/SP 18 Lelo Coimbra PMDB/ES 18 Pastor Marcos Feliciano PSC/SP 17 Omar Serraglio PMDB/PR 15 Silvio Costa PSC/PE 14 André Moura PSC/SE 13 Alexandre Leite DEM/SP 10 Sandro Mabel PMDB/GO 07 Arnaldo Faria de Sá PTB/SP 06 Onyx Lorenzoni DEM/RS 06 Laércio Oliveira SD/SE 06 Esperidião Amin PP/SC 04

Cândido Vaccarezza PT/SP 03

Acrescenta critérios gerais para a formação da estrutura funcional, explicita o direito constitucional à legitima defesa e ao contraditório quando da aplicação de sanção administrativa e altera a composição da CONAES (garante assento para a UNE e ao setor privado).

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de Câmara (2014).

Grande parte dessas emendas reiterava matérias já apresentadas nas

Comissões anteriores. Entre elas, estavam a proposta de supressão da dimensão

supervisão em todo o texto do PL (como a eliminação da Taxa de Supervisão e a 73 Para Singer (2016), a explicação para o recuo do “Ensaio Desenvolvimentista” está no deslocamento da burguesia industrial, que a partir de 2012 começa a sair da coalizão produtivista e passa para a rentista. Assim, a coalizão de forças entre industriais e trabalhadores no lulismo de Dilma fracassou. Embora o Governo Dilma tenha cedido para os industriais, o autor destaca quatro aspectos para tal deslocamento. Primeiro, a financeirização do capitalismo misturou capital de indústrias e das finanças, restringindo o grau de empenho produtivista. O resultado foi o baixo compromisso com a redução do ganho financeiro. O segundo ponto reúne três fatores: a) greve de investimentos da burguesia para forçar o desemprego e controlar a política econômica, b) incremento do número de greves, e c) ascensão dos rendimentos do trabalho. Outro ponto foi o investimento no relacionamento Sul-Sul, criando vínculo privilegiado com o Mercosul e o BRICS. A burguesia pressionava por uma relação bilateral com os EUA e com a Parceria Transatlântica sobre Comércio e Investimento (TTIP). Por fim, a) acusações de incompetência, arbítrio, autoritarismo e corrupção (julgamento do mensalão 2012/2013), b) piora das condições objetivas (baixo crescimento do PIB e pressão inflacionária), e c) oscilação do lucro.

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substituição da sigla “INSAES” por “INAES”), a retirada da competência para

certificar entidades beneficentes que atuem na área de educação básica, exclusão

do poder de decretar intervenção ou restringi-lo às IES públicas, supressão da

competência de aprovar previamente negociações de compra e venda de IES e

eliminação de multas. Nas palavras do relator: Manifestamo-nos [...] pela não regimentalidade e, assim, injuridicidade das emendas apresentadas no âmbito desta Comissão, pois que todas interferem no mérito do projeto e já foram deliberadas nas Comissões anteriores, notadamente a Comissão de Finanças e Tributação. (Alessandro Molon, PT/RJ – Parecer do Relator CCJC, 07/04/2015).

Destarte, como a análise do mérito cabia às Comissões anteriores, o relator

se deteve aos critérios de constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade,

rejeitando todas as emendas apresentadas na CCJC. Em seu voto, afirmou: Pelo exposto, votamos pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto de Lei nº 4.372, de 2012, bem como das Emendas apresentadas e aprovadas nas Comissões de Educação (CE), de Trabalho, de Administração e de Serviço Público (CTASP) e de Finanças e Tributação (CFT). Vota-se, ainda, pela não regimentalidade e injuridicidade das Emendas apresentadas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). (Alessandro Molon, PT/RJ – Voto do Relator CCJC, 07/04/2015).

No dia 03/03/2015, foi colocado em votação Requerimento de Urgência74 para

que o Projeto INSAES fosse apreciado no Plenário. A orientação das bancadas está

disposta no Quadro 29.

Quadro 29 – Orientação das Bancadas para votação do Requerimento nº 7492/2013 – Urgência para apreciação do PL Nº 4.372/2012

Fonte: Elaborado pelo próprio autor a partir de Câmara (2015).

Durante o debate, alguns deputados pediram a palavra para defender a

alteração do regime de tramitação para Urgência: 74 Urgência é a dispensa de exigências, interstícios ou formalidades regimentais para que determinada proposição seja de logo considerada, até sua decisão final. Aprovado o requerimento de urgência, a matéria entra em discussão na sessão imediata, ocupando o primeiro lugar na Ordem do Dia (CÂMARA, 1989).

Sim Não Obstrução PMDB / PP / PTB / PSC / PHS / PEN PRB / PTN / PMN / PRP / PSDC / PRTB / PTC / PSL / PTdoB PT PCdoB PDT PR PROS PSB PSD Governo

Minoria PSOL

PSDB / PPS / PV

DEM Solidariedade

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Hoje temos um déficit na agenda política do Ministério: o corpo técnico é tão pequeno que, para se aprovar um curso, leva mais de 2 anos. Temos mais de 47 mil cursos de ensino superior licenciados no País e pouco mais de 48 técnicos na área finalística desse assunto. [...] Não é por acaso que a associação das entidades universitárias, das entidades de ensino superior, a UNE e todos os envolvidos são a favor do projeto, é porque precisamos revolucionar o ensino superior em nosso País. E sem o INSAES hoje o Governo não tem instrumento para fazê-lo. (Dep. Domingos Neto, PROS/CE – Discurso em Plenário, 03/03/2015). A gente tem que ter sim uma estrutura de Governo que tenha possibilidade de acompanhar e fiscalizar a educação, que não pode ser tratada no nosso País como mercadoria. Se ela não pode ser tratada como mercadoria, nós também não podemos entregar tudo o que existe na educação pública, principalmente na educação superior, à vontade, aos desejos da iniciativa privada. Nós precisamos sim estabelecer uma relação que seja respeitosa, mas essa relação respeitosa em momento nenhum pode significar subserviência. (Dep. Glauber Braga, PSB/RJ – Discurso em Plenário, 03/03/2015). Temos visto hoje, por todo o País, a proliferação de cursos de 3º grau ou de ensino superior de toda a ordem, em todos os cantos, sejam a distância, sejam presenciais, aparentemente com fins exclusivamente econômicos. É o momento de discutir, no mérito, a qualificação dessas escolas. Precisamos avaliar se realmente os alunos que saem da faculdade têm competência para o exercício da profissão do curso no qual se formaram. É neste momento que o Instituto toma tal importância e tem tal função. (Dep. Newton Cardoso Junior, PMDB/MG – Discurso em Plenário, 03/03/2015).

Esses discursos refletem o apoio de bancadas que advogavam a favor do

fortalecimento estatal para o exercício do controle do setor privado de educação

superior. Para justificar a transformação do INSAES em matéria a ser tratada com

urgência, os parlamentares referiam-se, sobretudo, déficit no quadro de pessoal do

MEC para exercer as atividades de avaliação, regulação e supervisão,

principalmente diante da forte expansão privado-mercantil.

O Partido Humanista da Solidariedade (PHS) assumiu a posição de defesa da

urgência, mas não se comprometeu apoiar posteriormente o mérito do INSAES: Venho também tratar do assunto em pauta e colocar que o PHS acompanhou a orientação do nosso bloco, do PMDB, hoje conduzido aqui pelo Líder Newton Cardoso Junior. Nós votamos “sim” também [...] lembrando que votamos “sim” no requerimento de urgência. Deixamos registrado aqui hoje no plenário que, quanto ao mérito da questão, o PHS ainda quer discutir. [...] Fica para nós [...] uma dúvida [...] quanto ao mérito, pelo momento econômico que nós vivemos no País. Nós acreditamos que a medida é boa, saudável, salutar, porém o nosso questionamento é quanto ao momento em que o País se encontra. (Dep. Marcelo Aro, PHS/MG – Discurso em Plenário, 03/03/2015).

Para o PHS, a política pública parece plausível sob o ponto de vista técnico,

mas intempestiva diante do contexto de crise econômica que o país estava inserido.

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Isto é, ponderava-se quanto ao investimento na máquina pública, o que provocaria

despesas obrigatórias de caráter continuado. Lembramos, porém, que recursos para

o INSAES já estavam previstos no PPA e na LOA. Vale frisar, ainda, que, além das

dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, comporiam a receita do

INSAES a arrecadação das Taxas de Avaliação in loco e de Supervisão, bem como

multas aplicadas no exercício das suas atividades de supervisão.

Em menor quantidade de representatividade, contrários ao PL também

registraram a oposição ao INSAES de forma contundente: Esta matéria [...] é mais um ato de aparelhamento político do Partido dos Trabalhadores, criando mais de 500 cargos, num momento em que o Brasil atravessa uma situação difícil. E eu não vou, de forma alguma, como membro de um partido de oposição, avalizar esta matéria. [...] o PT tem como método não deixar prosperar nada na área da livre iniciativa. Se as universidades e faculdades privadas vão bem, o PT tem que criar algo que possa atrapalhar, que possa controlar, que possa manietar o ensino superior e que possa subordinar o interesse das universidades ao interesse do atual Governo. Essa é a metodologia em todas as áreas da governança pública. A gente tem o exemplo das agências reguladoras: elas não regulam nada do ponto de vista de missão legal, são todas aparelhadas na área de telecomunicações, na área de petróleo, na área de energia. Tudo que é regulado pela administração do Partido dos Trabalhadores é mal regulado, e a gente não pode entender como normal que a administração da Presidente Dilma, não satisfeita com a má governança na área do ensino superior, venha instituir outro modelo de intervenção econômica, criando esse tal de INSAES, que vai ser outro gueto de políticos, de indicados pelo Partido dos Trabalhadores, para interferir na área do ensino superior. (Dep. Mendonça Filho, DEM/PE – Discurso em Plenário, 03/03/2015, grifos nossos). O Governo está fazendo exatamente o que fez com a PETROBRAS: através de coação, através de pressão, através de ameaça, ele quer impor este projeto, que é inadmissível. Ninguém é contra fiscalização, ninguém é contra avaliação. Nós somos contra [...] a interferência indevida, porque educação privada não é concessão – art. 209 da Constituição. (Dep. Izalci Lucas, PSDB-DF – Discurso em Plenário, 03/03/2015). Os tentáculos do Estado, os tentáculos do poder público não podem cada vez mais controlar a vida privada. Nós temos que dar liberdade para o empreendedor; temos que ter um ambiente de negócios, de investimento capaz de estimular a iniciativa privada, capaz de deixar essas amarras da burocracia para trás. Para que criar mais um organismo que simplesmente terá a função de gerar burocracia e descontrole num setor já cambaleante neste ano de 2015? Queremos proteger a esfera de desenvolvimento. (Dep. Efraim Filho, DEM/PB – Discurso em Plenário, 03/03/2015). É um projeto que vai de encontro ao desenvolvimento do País. Esse Governo tem que aprender, de uma vez por todas, que o setor produtivo deste País tem que ser desonerado e não ter aumentada sua carga tributária. Esse é mais um projeto para aumentar a carga tributária das universidades privadas do Brasil. [...] O Democratas é favorável à fiscalização da educação, mas com os recursos que existem nos cofres da União; é favorável à redução da carga tributária e à desoneração do setor

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privado do País. (Dep. Felipe Maia, DEM/RN – Discurso em Plenário, 03/03/2015).

Em linhas gerais, além de oposição explicita à concepção de gestão

produzido pelos Governos do PT, considerados burocráticos e estatizantes, os

argumentos apresentados pelas Bancadas do PSDB e DEM eram em defesa do

gerencialismo puro e do neoliberalismo: enxugamento da administração pública,

mínima intervenção do Estado na economia, livre iniciativa de mercado e

desoneração das empresas privadas. Essa enunciação, em sua natureza social, é

representativa da abertura à mercantilização da educação superior. Além disso,

ainda que simpáticos, a nível formal, à dimensão da avaliação da educação superior

com a estrutura já existente, às vezes chamada de “fiscalização”, mostraram-se

resistentes à ideia de qualquer possibilidade de interferência nas IES privadas.

A orientação do PSOL chamou atenção. Embora na Comissão de Educação a

sua bancada tenha assumido uma postura aguerrida em favor do INSAES, da

regulação do setor privado e contra a inserção de capital estrangeiro na educação,

no plenário a defesa era do debate via CCJC: [...] o PSOL é a favor da investigação, da fiscalização e do controle de todas as entidades públicas e, principalmente, privadas de educação, que não são fiscalizadas hoje. Mas é preciso fazer um balanço da avaliação do ensino desde o Governo Fernando Henrique Cardoso, com o Provão e, depois, com o ENADE, e também do papel que foi cumprido pelo INEP [...]. Não somos favoráveis à urgência neste momento, porque [...] queremos discutir qual deve ser o instrumento de avaliação, de fiscalização e de controle. Queremos que isso seja discutido com mais rigor. E queremos discutir qual papel caberá ao INEP, que pode cumprir um grande papel também. (Dep. Ivan Valente, PSOL/SP – Discurso em Plenário, 03/03/2015).

Posto em votação, eram necessários 257 votos para aprovar o Regime de

Urgência do Projeto. O resultado final da votação está exposto no Quadro 30. O

Requerimento foi aprovado com 27 votos a mais que o mínimo necessário.

Quadro 30 – Resultado da votação do Requerimento nº 7492/2013 – Urgência para apreciação do PL nº 4.372/2012

Voto Resultado Sim 284 Não 053 Abstenção 006 Total da Votação 343 Art. 17 001 Total Quórum 344 Obstrução 047

Fonte: Câmara (2015).

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Com a aprovação da urgência para apreciação do PL nº 4.372/2012, o Projeto

INSAES parecia plausível tecnicamente e viável politicamente. Em 2015, o PT, com

69 deputados, e o PMDB, com 65, possuíam as duas maiores bancadas na Câmara,

além de serem os partidos que formavam presidência e vice-presidência da

República. Ressalte-se, ainda, que o PMDB detinha a presidência das duas casas

do Congresso Nacional. Todavia, as políticas públicas são determinadas por um

amplo conjunto de elementos contextuais. Assim, oscilações na dimensão da

politics, isto é, da política partidária, podem dificultar, e até mesmo impedir, a

exequibilidade da policy (política pública), pois envolvem relações profundamente

complexas, abrangendo multiplicidade de pesos de interesses e de valores. Nesse

sentido, desestabilização econômica e abalos na coalizão multipartidária fizeram

com que o Projeto INSAES perdesse a condição de apoio majoritário, pois no dia em

que seria discutido em Plenário, vieram a público as declarações do Ministro da

Educação, Cid Gomes, acusando os parlamentares de “achacadores”. Segundo a

reportagem do Jornal O Povo: Durante visita à Universidade Federal do Pará, na sexta-feira, 27, Cid disse que a direção da Câmara nas mãos de Eduardo Cunha (PMDB) “será um grave problema para o Brasil”. Ele disse também que a eleição do peemedebista não foi vontade da presidente Dilma Rousseff (PT) e que todas as forças políticas que têm “compromissos sociais” se opuseram à eleição de Cunha. Ele falou ainda: “tem lá uns 400 deputados, 300 deputados que quanto pior, melhor para eles. Eles querem é que o governo esteja frágil porque é a forma de eles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais dele, aprovarem as emendas impositivas”. (WELMA, 2015)

O Ministro da Educação expunha publicamente o ponto nevrálgico do

Governo: as tensões e contradições nas relações entre o PT e o PMDB e demais

partidos que formavam, naquele momento, o instável presidencialismo de coalizão.

Mais especificamente, havia claras divergências entre a Presidenta da República e o

Presidente da Câmara dos Deputados. Diante desse imbróglio, desencadeado em

particular por um Ministro da área da educação, o Presidente da Câmara retirou o

INSAES de pauta, afirmando que: Se o Governo deseja votar o projeto do INSAES, cuja urgência eu trouxe ontem para o plenário, ele requeira urgência constitucional para que a matéria venha à pauta, trancando a pauta, porque esta Presidência não o colocará mais em votação. (Dep. Eduardo Cunha, PMDB-RJ – Áudio do Plenário, 04/03/2015).

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De modo peremptório, a matéria não foi mais votada em caráter de urgência.

Um deputado do PSB pediu esclarecimento ao presidente da Câmara sobre a não

colocação em votação do PL do INSAES, seguindo-se este diálogo: Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Além de 288 Parlamentares terem votado “sim” à urgência, já é uma praxe da Casa – aconteceu durante todo o ano passado – que a aprovação das urgências tenha relação direta com a votação das matérias em seguida. Qual é a motivação para não colocá-lo? Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ): Deputado, a motivação é regimental. Cabe à Presidência definir a pauta. Tem a palavra o Deputado André Figueiredo, como Líder. (Pausa.) Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Eu gostaria de saber qual é a motivação política, Sr. Presidente, dessa decisão. Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ): A motivação política é decisão política do Presidente. Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Muito pouco democrático. Pouco democrática essa decisão, sem... (O microfone do Dep. Glauber Braga é desligado.)

Fica evidente que “a motivação política” de não levar o Projeto INSAES

adiante era uma “decisão política do Presidente” da Câmara. Ou seja, não havia

relação com o valor da ação pública. Não se argumentava nada a respeito do

investimento no poder estatal em exercer as atividades de avaliação, regulação,

supervisão e acreditação da educação superior ou controle da expansão privado-

mercantil. Não estava em debate ser a favor ou contrário às finalidades do INSAES.

A obstaculização era muito mais uma forma deliberada de mostrar força no embate

com o Governo.

Durante a sessão no Plenário, o Dep. Mendonça Filho (DEM/PE) apresentou

Requerimento solicitando a convocação do Ministro da Educação para prestar

pessoalmente informações sobre declaração feita durante visita à Universidade

Federal do Pará. Ao discutir o assunto, o líder do PMDB na casa foi um dos

principais defensores da convocação do Ministro e da retirada do INSAES da pauta,

ao ponto de ameaçar obstrução das votações no caso de reinclusão da matéria: Há um ditado popular, muito correto, que diz o seguinte: “Quem fala o que quer ouve aquilo que não quer”. Então, o Ministro terá oportunidade. Se ele não disse isso ou se foi mal interpretado, ele terá a oportunidade de esclarecer isso a este Plenário e restabelecer a convivência civilizada. Se ele disse, ele vai ouvir desta Casa o que merece ouvir, porque aqui não há 400 achacadores; aqui há 513 representantes do povo brasileiro, eleitos pelo voto, com legitimidade para representar a sociedade, votar as leis do País, exercer o controle externo, cumprir as nossas atribuições. [...]

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Segundo ponto, Sr. Presidente, eu quero parabenizar V.Exa. pela decisão de ter tirado o projeto do INSAES da pauta. Quero dizer aos Parlamentares que perguntavam a razão no sentido de que, se o Presidente não o tivesse tirado, o PMDB apresentaria o requerimento de retirada de pauta, o PMDB obstruiria qualquer tentativa de votação desse projeto, por algumas razões. A primeira delas, Sr. Presidente, nós estamos no meio da discussão de um pacote de ajustes fiscais no Brasil, um projeto que vem aqui propor a criação de mais de 500 cargos. O Ministério da Educação promove um arrocho no FIES, que é o maior programa educacional do País. Ora, se tem dinheiro para criar 500 cargos, por que é que tem que cortar recursos do FIES, exigindo o pagamento de quatro parcelas? É um contrassenso. Esse projeto chega aqui na hora errada, no momento errado. É por isso que ele não pode ser votado agora. Ele invade atribuições do CADE. Não há necessidade desse projeto. O Ministério já tem todos esses instrumentos para garantir a qualidade do ensino superior. É só aperfeiçoar e cuidar da qualidade do funcionamento dos seus órgãos: tais como o INEP e das suas Secretarias. Não precisa criar mais cargos para duplicar funções e aumentar o número de pessoas nomeadas, aumentando os custos do Estado brasileiro. É por isso que esse projeto não pode ser votado; é por isso que o Presidente desta Casa fez bem de tirá-lo de pauta; é por isso que na hora em que ele voltar à pauta o PMDB obstruirá a sua votação. (Dep. Leonardo Picciani, PMDB-RJ – Discurso em Plenário, 04/03/2015, grifos nossos).

Nessa prédica do líder do PMDB, nota-se a defesa de uma ala do partido que,

diante da desestabilização político-econômica, defendia austeridade fiscal em

detrimento da criação de novos cargos na administração pública. Além disso, havia

insatisfação pela crise do FIES, em que foram estabelecidos novos critérios de

concessão: À exigência de nota mínima no Enem e de não zerar a redação, foi acrescido no Fies, também no fim do primeiro semestre de 2015, o direcionamento prioritário do programa a cursos de instituições com conceito 4 e 5 no sistema de avaliação oficial (Sinaes), com preferência para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e para áreas consideradas mais relevantes para o país: licenciaturas, cursos da área de saúde e engenharias. (GILIOLI, 2017, p. 212).

Ocorreram também contenção nos repasses do FNDE para as grandes

mantenedoras e, até em certo momento, atraso nos repasses (GILIOLI, 2017).

Portanto, o argumento da bancada alinhada ao setor privado-mercantil era: se não

há recursos para o FIES, logo não deve ser destinado orçamento para elevar os

custos do serviço público estatal. O líder do PMDB, em defesa do neoliberalismo,

assim como alguns parlamentares nas Comissões, expunha também que o CADE já

exercia a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientado pelos

princípios de liberdade de iniciativa e livre concorrência, e o INEP e SERES já

realizavam as funções da área educacional.

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Percebe-se que, se no dia anterior a bancada do PMDB tinha todos os

argumentos favoráveis ao INSAES, em vinte e quatro horas o entendimento acerca

do Projeto havia se invertido, reconstruindo a representação do problema, das

soluções e de suas consequências. A bancada do PT, em vão, tentou transformar a

convocação do Ministro em convite e convencer das novas estratégias da

Presidenta para retomada do diálogo com o Congresso Nacional, mediante ajuste

fiscal com vistas ao reequilíbrio da economia. A convocação do Ministro acabou

sendo aprovada e as relações da base aliada com o Governo ficaram enfraquecidas.

Na semana seguinte, na sessão do dia 12/03/2015, Dep. Glauber Braga

(PSB/RJ) voltou a pressionar o Presidente da Câmara para que reconsiderasse a

retirada de pauta do INSAES: Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Houve aqui a oportunidade de apreciar e de votar um requerimento de urgência que teve o voto de 288 Deputados, que votaram favoravelmente ao projeto que trata do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES). V.Exa., na semana passada, teve a oportunidade de ir ao microfone – e eu me dirijo a V.Exa., Presidente da Câmara, Eduardo Cunha – e disse que não votaria o INSAES, passando por cima da vontade dos 288 Deputados Federais que aprovaram a urgência do projeto. Eu tive a oportunidade de ver a entrevista de V.Exa. para a Rede Bandeirantes no domingo. V.Exa. disse ao conjunto de entrevistadores que não votaria e não deliberaria o INSAES. Eles questionaram V.Exa. sobre o motivo – o mesmo questionamento que eu tive a oportunidade de fazer no plenário. A resposta de V.Exa.: “Eu dialogo com tranquilidade, com respeito e com ponderação”. Para mim, não é suficiente, Sr. Presidente. A resposta que V.Exa. me deu naquele dia foi: “Não votarei o INSAES e esse projeto que vem do Ministério da Educação porque é uma prerrogativa desta Presidência não colocar em pauta esse projeto”. A justificativa tem que ser de natureza política e administrativa, porque, nesse caso específico, Sr. Presidente, a sua vontade, mesmo que tenha prerrogativas próprias, não é a vontade dos 288 Deputados que, por maioria, votaram a urgência. Eu tenho certeza de que V.Exa. também percebeu que foi o mesmo questionamento que os jornalistas da TV Bandeirantes fizeram. Também não entenderam que a vontade ou qualquer disputa possa ser superior aos interesses nacionais em votação de matérias importantes como essa. Então, quando V.Exa. articula um projeto como esse da Secretaria de Relações Internacionais, eu gostaria de ter a oportunidade de, dialogando claramente, pedir... (O microfone é desligado.) Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ): Já é a segunda prorrogação, Deputado. Vamos concluir. Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Concluo em alguns segundos. Eu gostaria de dialogar com V.Exa., para que, no exercício da Presidência, haja alguns limites e que esses limites sejam, em primeiro lugar, respeitar a vontade da maioria dos Deputados Federais que votaram “sim” à urgência, e não fazer com que disputas de natureza pessoal ou políticas momentâneas se sobreponham aos interesses maiores do Brasil. Então, o que foi aprovado pela maioria tem que ser votado pelo Plenário; e aquilo que é interesse do Ministério da Educação não é interesse única e exclusivamente do Ministro,

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é um interesse brasileiro, que precisa ser votado por esta Casa. Muito obrigado, Presidente.

Logo em seguida, o Presidente insinua que havia feito todo o esforço para

aprovação do INSAES, até ocorrer a crise desencadeada pelo então Ministro da

Educação: Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ): Respondo ao Deputado Glauber, por consideração e respeito a S.Exa.: em primeiro lugar, esse projeto é de autoria do Poder Executivo, e não veio com urgência constitucional, está aqui há mais de 2 anos. Este Presidente colocou em votação o requerimento de urgência e fez todo o esforço para aprová-lo. E V.Exa. não concluiu com a resposta que eu dei na Rede Bandeirantes. Eu disse que “achacador não pode votar projeto do Ministério da Educação”, porque foi assim que, desta Casa, foram chamados 400 Parlamentares. Se o Governo entende que o projeto tem a importância que V.Exa. está falando, basta uma mensagem da Presidenta da República dando a urgência constitucional, que ele estará compulsoriamente em pauta.

Momentos depois, o Dep. Glauber Braga (PSB/RJ) retomou o tema,

afirmando que as políticas educacionais não poderiam ficar reféns de divergências

pessoais: Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Sr. Presidente, eu uso da palavra em microfone aqui embaixo mesmo. Eu só queria dizer a V.Exa., com todo o respeito, como foi também a resposta de V.Exa., que nós não podemos considerar que, pela declaração do Ministro, a partir de hoje esta Casa não vota mais nenhum projeto que seja da educação, ou do Ministério da Educação. Então, quer dizer que a gente interrompe todas as ações da educação brasileira por conta da declaração do Ministro? Esse passa a ser o entendimento de V.Exa.? Sr. Presidente, com todo o respeito, V.Exa. está errado. A Casa não pode deixar de votar um projeto dessa natureza, ou projetos do Ministério da Educação, seja qual for a declaração do Ministro. Essa é uma obrigação, Sr. Presidente. Dep. Leonardo Picciani (PMDB/RJ): Sr. Presidente, pelo PMDB, eu quero falar sobre o tema. Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ): Deputado, V.Exa. tem a prerrogativa. Vou dialogar com V.Exa. V.Exa. tem a prerrogativa de fazer requerimentos e colocar em mesa. Eu tenho certeza absoluta de que, se eu colocar um requerimento para votação imediata, esta Casa derrotará, com a maior tranquilidade. V.Exa. concluiu?

Como se pode ver, em resposta, o Presidente da Câmara deixa claro que já

havia uma coalizão para barrar projetos do Governo. O diálogo se encerra da

seguinte maneira: Dep. Glauber Braga (PSB/RJ): Nesse caso específico, o requerimento não se demonstra necessário, porque essa votação já foi feita no plenário e aprovada por 288 Deputados Federais, Sr. Presidente.

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Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ): Foi votação de requerimento de urgência, Deputado. Não há obrigação. Deputado Glauber, existem cerca de 500 requerimentos de urgência referentes a 500 projetos que não estão em votação. Se eu colocar os 500 em ordem, esse será o 501. Então, não há a obrigatoriedade de votação do requerimento de urgência, da colocação imediata em pauta do projeto original. Com a palavra o Deputado Leonardo Picciani. Dep. Leonardo Picciani (PMDB/RJ): Sr. Presidente, sobre esse tema, a Liderança do PMDB quer esclarecer que não aceita a inclusão em pauta desse projeto. Nós não vamos votar a criação de mais de 500 cargos no momento em que se corta dinheiro do FIES, em que mais da metade dos estudantes não conseguem fazer a sua renovação no FIES. É por essa razão, e não por nenhuma outra, que o PMDB não aceita a inclusão em pauta e não votará esse projeto.

Embora o Líder do PMDB tenha atribuído a rejeição do INSAES à defesa da

limitação dos gastos públicos, as falas do Presidente da Câmara expressam o início

de ruptura com o Governo. Ou seja, longe de fundamentada com dados e estudos

técnicos, a decisão foi eminentemente política e fortemente condicionada por

interesses e lógicas de poder.

Cid Gomes compareceu à Câmara em 18/03/2015 e, no mesmo dia, pediu

demissão, deixando a pasta. O novo Ministro, Renato Janine Ribeiro75, dias após

assumir o cargo, afirmou que a sua prioridade legislativa era a aprovação do Projeto

INSAES (MUGNATTO, 2015).

O clima, porém, já era de completo desgaste do Governo Dilma Rousseff,

incapaz de executar a agenda dos grupos que representava, fazendo crescer

movimentos dissidentes. O contexto era de esgotamento dos recursos públicos,

redução do apoio social e rompimento do apoio político do Presidente da Câmara76

ao Governo. Segundo a tese de Mascaro (2018, p. 24), esta crise brasileira foi

resultado de duas crises de formas sociais: a) a crise econômica mundial, cujo talhe atual se origina de seu epicentro, em 2008, e que enseja uma específica crise capitalista brasileira, e b) a crise da forma política, em específico em sua faceta neoliberal de desenvolvimentismos divergentes, ou, num plano geral, de controles e induções estatais do capital [...].

A partir de então, matrizes cognitivas e normativas concorrentes passaram a

direcionar o debate e a modificar substancialmente a ação pública. A inabilidade do

Governo em resolver a crise resultou em processo de impeachment e a consequente

75 Ministro da Educação no período de abril a setembro de 2015. 76 O Dep. Eduardo Cunha (PMDB/RJ) foi Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil no período de fevereiro de 2015 a 7 de julho de 2016.

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perda do cargo por parte da presidenta Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 201677.

Para Löwy (2016, p. 64), O que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado. Golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se preferir, mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos anteriores! Não há dúvida de que vários quadros do PT estão envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras, mas Dilma não... Na verdade, os deputados de direita que conduziram a campanha contra a presidente são uns dos mais comprometidos nesse caso, começando pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (recentemente suspenso), acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fiscal etc.

Por conseguinte, uma nova agenda governamental emergiu, fazendo com que

o Projeto INSAES, somado a tantos outros, fossem abandonados.

Durante os debates no Plenário relativamente ao INSAES, os deputados não

fizeram referências a estudos para sustentar os seus argumentos, tampouco

apresentaram informações ou dados resultantes de estudos de natureza científica

ou produzidos por especialistas. As suas intervenções, de um modo geral,

apoiavam-se em crenças geradas por suas convicções ideológicas ou pelas

estratégias político-partidárias.

O Projeto enfrentou, a todo momento, resistência de grupos privatistas

adeptos ao neoliberalismo, bem como de grupos que defendem o modelo vigente,

que separa institucionalmente o momento da avaliação dos atos regulatórios. A

avaliação é um consenso no embate, entendida como atividade que reúne

evidências acerca do processo ensino-aprendizagem, verificando a congruência

entre as capacidades desenvolvidas e os conteúdos curriculares, fornecendo

informações e orientando a tomada de decisões. A tensão era: deixar a avaliação

separada, a cargo do INEP, ou integrá-la no mesmo órgão regulador. A dimensão

“acreditação” pouco foi referida durante as discussões. Nas poucas vezes em que foi

citada, foi para exigir melhor definição do termo, o que demonstra que não possui

destaque na política de educação superior brasileira. No geral, essa dimensão está

restrita ao reconhecimento regional da qualidade acadêmica no âmbito do

MERCOSUL. O principal ponto de tensão foi a supervisão, que mobilizou o setor

77 Curiosamente, nessa mesma data, quatro anos antes, em 31 de agosto de 2012, o INSAES havia sido enviado à Câmara dos Deputados.

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privado-mercantil, suas entidades e sua bancada para se opor a uma maior

regulação e intervenção estatal no campo.

De um modo geral, a tramitação na Câmara dos Deputados resultou em

modificações do Projeto, a fim de tentar reduzir a pressão dos críticos,

especialmente atinente aos efeitos sobre o setor privado, como a redução do valor

das taxas e a garantia de representatividade nos órgãos colegiados. Com a

mudança de Governo, entretanto, o INSAES acabou retirado da agenda pública,

assumindo uma nova agenda de cunho neoliberal, que priorizou o estabelecimento

de teto para os gastos públicos em despesas primárias, incluindo áreas sociais.

O atual cenário privado-mercantil e as limitações estruturais da SERES nos

preocupam, pois continua indispensável, para o Estado brasileiro, implementar uma

arquitetura institucional capaz de exercer as ações de regulação, com o propósito de

construir verdadeiramente uma educação superior com qualidade concatenada à

noção de educação enquanto bem público social. A desregulação, seja pela

ausência de uma política regulatória efetiva, seja pela flexibilização na emissão de

atos regulatórios, facilita a liberalização dos serviços educacionais. Desse modo, a

desregulação agrava a cariz mercantilizada e oportuniza a criação de cursos

organizados para a formação aligeirada, meramente voltada para demandas

imediatas do setor econômico, impedindo o efetivo exercício do direito social à

educação. Assim, é imprescindível articular a prerrogativa de uma política regulatória

de Estado a uma concepção de qualidade, fundamentada na superação dessa ideia

que restringe a educação superior à simples preparação da força de trabalho para o

mercado de trabalho. O INSAES, que demandou tempo, trabalho e custos, em seu

processo de formulação e discussão, seria uma alternativa para constituir um

rearranjo regulatório, em que pese as contradições entre o público e o privado-

mercantil que indubitavelmente acompanharia a sua implantação. É estarrecedor o

fato de que o entorpecimento do Projeto se deu muito mais como parte do Golpe de

2016 (LÖWY, 2016; MASCARO, 2018), e não por questões do conteúdo do

INSAES. Continua, assim uma questão premente refletir como avaliar e, ao mesmo

tempo, supervisionar instituições e cursos de educação superior, em um ambiente

marcado pela privatização, mercantilização, financeirização e oligopolização.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que as políticas educacionais, ao mesmo tempo em que

influenciam a sociedade por meio da educação enquanto processo formativo, são

mediadas e fortemente configuradas para se ajustar ao contexto socioeconômico e

político mais amplo. Dessa maneira, a reestruturação produtiva, a globalização da

produção, a institucionalização do neoliberalismo nos sistemas político-econômicos,

a progressiva ampliação da forma de atuação dos Estados em blocos e a Nova

Gestão Pública, têm produzido efeitos e impactos no campo da educação,

transformando currículos, práticas pedagógicas, formas de financiamento, modelos

de organização e gestão, entre outros aspectos. Da combinação desses fenômenos

emergiu a chamada sociedade do conhecimento, fazendo com que a educação

superior assumisse centralidade na adequação da força de trabalho aos

conhecimentos requeridos pelo mercado.

A partir da atuação de organismos multilaterais, foi constituída uma agenda

globalmente estruturada para a educação, alterando o complexo campo da decisão

política em educação, de modo a ampliar os protagonistas para além da dimensão

nacional. Nesse sentido, o papel dos Estados na gestão da educação foi

transfigurado, na medida em que instituições globais passaram a induzir e elaborar

as políticas educacionais, tendo destaque a influência da Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Banco Mundial e da

Organização Mundial do Comércio (OMC).

Nesse contexto, a redução dos gastos nos setores sociais, como parte da

Reforma de Estado, sob o ideário neoliberal, e a privatização da expansão

educacional suscitaram a necessidade de controle mediante políticas de

accountability. No campo da educação superior, diante da liberalização de seu

mercado, novos modos de regulação das políticas foram desenvolvidos, ganhando

relevância sistemas de avaliação e acreditação, por intermédio do reconhecimento

mútuo de graus de estudos, da elaboração de rankings e a comparação do

desempenho de estudantes.

No Brasil, as tensões entre as atividades regulatórias e a avaliação foram

resultado do longo processo histórico de recomendações dos organismos

internacionais voltadas para a política de mudança e desenvolvimento da educação

superior, bem como foram fruto da maturação do modelo gerencial de administração

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pública, pautado no arranjo de agências estatais para regular os mais diversos

serviços. A partir dos anos 1990, o Brasil passou a implementar o modelo gerencial

de administração pública como parte da Reforma do Estado, em conformidade com

a política socioeconômica neoliberal, adotando, entre outras coisas, redução de

gastos públicos, abertura comercial, liberalização financeira e a constituição de um

Estado-avaliador-regulador.

Com efeito, a educação superior se converteu em serviço competitivo e não-

exclusivo do Estado, acompanhada de diversificação de estruturas institucionais e

formas de estudos, ruptura com o modelo tradicional de universidade humboldtiana,

redução do fundo público na manutenção exclusiva de IES públicas e

implementação de políticas públicas de avaliação. No que concerne a este último

aspecto, a primeira política pública brasileira de avaliação sistemática da educação

superior foi o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras

(PAIUB), que em seu âmago valorizava a participação da comunidade acadêmica, a

negociação e a autorreflexão da universidade pública. O PAIUB foi preterido para

dar lugar ao Exame Nacional de Cursos (ENC), que compôs a Reforma do Estado

iniciada em 1995, ganhando relevância o Provão, teste aplicado aos concluintes dos

cursos de graduação. Com a sanção da Lei nº 10.861/2004, foi instituído o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), abrangendo a avaliação de

instituições, cursos de graduação e estudantes, sob uma perspectiva

multidimensional. A partir de 2008, porém, os ciclos avaliativos da educação superior

passaram a ser orientados pelo Conceito Preliminar de Curso (CPC) e pelo Índice

Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC), alterando consideravelmente o

SINAES, pois são calculados majoritariamente por instrumentos relacionados ao

Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), perdendo-se parte da

concepção de avaliação formativa que havia na sua proposta inicial.

No decurso desse período, estimulou-se a privatização da expansão,

ocorrendo o aprofundamento do predomínio de instituições, cursos e matrículas no

segmento privado, mantido por oligopólios que comercializam a educação como

mercadoria, somada à abertura do capital nas bolsas de valores, o que tem

proporcionado a entrada de capitais estrangeiros e a especulação financeira. Dessa

maneira, tem-se um setor diversificado, tendencialmente com finalidade lucrativa,

concentrado em conglomerados, geridos por investidores nacionais e estrangeiros,

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formando um campo marcado pela privatização, mercantilização, financeirização e

oligopolização.

Nas diversas esferas das áreas econômica e social, ao adotar a privatização,

o Estado brasileiro, em detrimento do protagonismo na oferta, sinalizou para a

ênfase nas funções de planejamento, regulamentação e fiscalização mediante as

agências reguladoras. Tal ação traz implícita a ideia de que a completa liberalização

é um risco para o próprio capitalismo de mercado, fato demonstrado pela crise

econômica mundial, iniciada em 2008 nos Estados Unidos e que rapidamente se

expandiu para outros países nos anos seguintes. Desse modo, a crise estrutural do

capital pôs em alerta também o atual modelo de financeirização da educação

superior brasileira, capturada por poderosos conglomerados, de investimentos

rentistas. Na mesma rapidez em que ingressa em um mercado, esse tipo de negócio

é caracterizado por fugas de capitais para regiões mais lucrativas. Desse modo, tal

como o livre mercado pode solapar a base do capitalismo, percebe-se que a

constituição de um mercado na educação superior, sem efetiva regulação e controle,

pode colocar em risco a sua efetividade substancial.

Nesse sentido, a relação mercado e educação superior no Brasil se tornou

alvo do Governo Dilma Rousseff com o intuito de estabelecer novo arranjo

institucional no marco regulatório. Destarte, propôs, em 2012, a criação do Instituto

Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), com o

objetivo de constituir uma autarquia responsável pela avaliação, regulação,

supervisão e acreditação das instituições e cursos de graduação, ressaltando a

centralidade do Estado na gestão do sistema. O Projeto INSAES traz em sua

genealogia as determinações e mediações dos organismos multilaterais e as

configurações assumidas pelo Estado brasileiro que deram os atuais contornos à

educação superior, assim como é parte constituinte e resultado do movimento

histórico que caracteriza as políticas públicas de avaliação no campo da educação

superior no Brasil.

A tese é a de que o Projeto de Lei nº 4.372/2012 evidencia similitudes do

INSAES com o formato e a estrutura de agência reguladora, como regime colegiado,

funções de fiscalização, imposição de taxas, aplicação de multas e constituição de

um corpo técnico próprio. Reunindo em si o chamado macroprocesso regulatório, o

INSAES desencadearia despesas obrigatórias de caráter continuado, com os

servidores ativos, inativos e pensionistas e as diversas espécies remuneratórias,

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bem como materiais, equipamentos e serviços necessários ao funcionamento do

órgão. Nessa perspectiva, representava confluência com a macrotendência do

capitalismo baseado em uma economia de mercado planejada e administrada pelo

Estado. Consubstanciava-se com a ideia de Estado desenvolvimentista, que investe

em sua capacidade gerencial, coordena o crescimento econômico e pratica uma

política macroeconômica ativa. Tal medida se alinhava ao ideário do novo

desenvolvimentismo, mas não rompia com a hegemonia do grande capital. Isto é, o

fortalecimento institucional no âmbito da organização e gestão estatal não seria

incompatível com a primazia do segmento privado na oferta de ensino, uma vez que

o Estado, reconhecendo a centralidade do conhecimento no desenvolvimento e da

movimentação econômica gerada pelos serviços educacionais, estaria apenas

exercendo papel normativo e regulador, planejando e fiscalizando, mas não

obstruindo o processo de privatização. Ao contrário, o formato de agência

reguladora era a aceitação de que, independentemente de juízo de valor, a

educação superior se tornou mercantil. Desse modo, entendemos que o Projeto não

tinha intenção de estatizar a expansão, mas sim controlar o setor privado-mercantil,

na medida em que a atividade econômica possui particularidades que podem

resultar em distorções na sua função social. O Projeto INSAES, porém, enfrentava

dois blocos de resistência: por um lado, o setor privado se posicionava contrário à

possibilidade de maior regulação e supervisão; por outro, entidades públicas, como

o INEP e a CONAES, temiam a secundarização e o desmonte da avaliação já

desenvolvida no âmbito do SINAES.

A Câmara dos Deputados, espaço formal, legitimado e detentor de poder,

prolífico em processos de decisão e de regulação/regulamentação da vida social, foi

o lócus de concretude dos embates decisórios acerca do Projeto INSAES. Em sua

essência, a discussão pôs em conflito interesses acerca do modelo de educação

superior e, consequentemente, mobilizou disputa em torno de projeto de sociedade.

O processo político materializou-se como campo de interação e confronto, tornando-

se espaço de debate e ação. Manifestaram-se sujeitos, individualmente ou como

parte de um segmento coletivo (partidos, associações, sindicatos e organizações da

sociedade civil), defensores de interesses polarizados, públicos e privados, no

campo da educação. O grande embate e tensão girou em torno dos dilemas nas

relações entre agência, avaliação, regulação, supervisão, acreditação e privatização.

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As disputas na Comissão de Educação (CE) evidenciaram a mobilização de

apoio à educação superior privado-mercantil, por intermédio da atuação da

Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), da

Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP) e da Associação Brasileira

de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES). A principal preocupação dessas

entidades era a dimensão da supervisão, esta entendida como sinônimo de

intervenção estatal, acompanhada de ônus, mediante taxas e multas. Dessa

maneira, parlamentares do PSDB e PMDB propuseram emendas com o intuito de:

retirar a supervisão das finalidades do INSAES, suprimir a Taxa de Supervisão,

remover das competências do INSAES a necessidade de autorização prévia para

fusão, aquisição, incorporação e outras transações entre as empresas educacionais

e minimizar as sanções administrativas. Essa pressão fez com que o Governo

cedesse, alterando o cálculo da Taxa de Supervisão, diminuindo o valor máximo das

multas, transformando a acreditação em dimensão facultativa, incluindo o CNE como

instância recursal e inserindo os princípios da celeridade processual, do devido

processo legal e da proporcionalidade nas instâncias colegiadas, este último com o

intuito de garantir maior participação do setor privado. Considerando também as

críticas dos defensores da avaliação vigente, a CE destacou formalmente no PL a

importância das diretrizes do SINAES para as ações do INSAES, estabeleceu que a

avaliação in loco deveria ser realizada por comissão integrada por pares e atribuiu

ao INEP a coordenação do processo de avaliação dos cursos de graduação. Diante

dessas alterações, o Projeto foi aprovado por unanimidade, atestando um relativo

consenso na CE em torno do INSAES.

Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP),

parlamentares do PMDB e do DEM, alinhados ao setor privado-mercantil e à

concepção neoliberal que preconiza o Estado mínimo e enxugamento da

administração pública, propuseram restringir ao âmbito de IES públicas a

possibilidade de intervenção, retirar do INSAES a competência de supervisionar,

excluir a previsão da arrecadação da Taxa de Supervisão e suprimir a atribuição do

INSAES para aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de

mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de IES

integrantes do sistema federal de ensino. Houve manifestações também no sentido

de acusar o Governo de aumentar a estrutura burocrática do Estado e,

consequentemente, o aparelhamento e as despesas públicas e que, ao contrário do

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que declarava, o INSAES estaria sensível a ser instrumentalizada por grupos de

interesse. Com 63% dos votos, o Projeto foi aprovado com duas mudanças que

recaíram sobre a dimensão supervisão: foram retirados os estudantes ingressantes

contemplados com bolsa do PROUNI do cálculo da Taxa de Supervisão e foi

reduzido o valor da Taxa, com o objetivo de flexibilizar e diminuir o montante a ser

pago pelas IES privadas. Concebemos, portanto, que as modificações na CTASP

foram fruto de concessões ao segmento privado para tentar minimizar a pressão,

evidenciando como a ação pública é passível de cooptação por parte dos detentores

do grande capital.

Em meio às contradições em disputa, os debates na Comissão de Finanças e

Tributação (CFT) mostraram mais uma vez a força da FENEP, da CONFENEN e da

ABMES na formulação de políticas educacionais, ao compor a audiência pública,

juntamente com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior

(SERES), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de

Ensino (CONTEE), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Fórum Nacional de

Entidades Estudantis. Chamou a atenção a ausência do INEP e o isolamento da

Associação dos Servidores do INEP (ASSINEP) nos debates, explicitando a tensão

que estava posta entre, de um lado, a dimensão avaliação e, de outro, as demais

dimensões regulatórias. Mas, se o setor privado estava descontente com o peso que

a supervisão poderia assumir, o INEP apresentava preocupações com a

possibilidade de esse peso definhar o potencial da avaliação. Nos discursos dos

deputados oposicionistas, o Governo era acusado de esquecer os benefícios à

economia de mercado em favor do aparelhamento estatal. Os partidos defensores

da minimização do Estado e da liberdade de iniciativa econômica privada, adeptos à

noção do mercado como princípio fundamental da sociedade e à ideia de

privatização de bens e serviços, ao ensino privado e à educação como mercadoria,

caudatários dos conglomerados que concentram o capital do mercado educacional,

passaram a fortalecer a resistência por julgarem ameaçados os princípios

neoliberais. Foram apresentadas emendas, no âmbito da CFT, sobretudo por

iniciativa do PSC, PMDB, DEM e PSDB, que, de um modo geral, solicitavam a

restrição da intervenção à IES pública, a inclusão do CADE no corpo do Projeto a

fim de limitar a atuação do INSAES, a supressão da supervisão, da avaliação e/ou

da acreditação, a supressão da certificação de entidades beneficentes, a remoção

da necessidade de autorização prévia de fusões, aquisições e incorporações, a

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redução do rol de sanções administrativas, a exclusão da Taxa de Supervisão, a

maior representação do segmento privado na CONAES e a não criação dos 550

cargos. Em todas as reuniões, a estratégia da bancada de oposição, formada

especialmente pelos partidos PSDB, DEM e SD, foi apresentar medidas

protelatórias, com a intenção de obstruir a matéria. Os principais pontos que

ocasionaram discordância por parte da oposição, no geral, ficaram em torno da

dimensão supervisão, entendida como intervenção do público no privado. Para os

grupos privatistas, contrários ao INSAES, está subentendido a ideia de excesso e da

sobrecarga regulatória. Assim, defendiam a economia dos recursos, minimização

das despesas com servidores, dos custos de operacionalização e maior abertura

para a liberdade dos regulados. Contraditoriamente à pressão do setor privado-

mercantil, o Governo conseguiu aprovar o PL na CFT, inserindo definição mais

precisa da dimensão “supervisão”, acrescentando a supervisão de IES quanto ao

cumprimento da legislação dos programas federais de acesso ao ensino superior e

incluindo os cursos de especialização na supervisão.

Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), grande parte

das emendas apresentadas reiterava solicitações já apresentadas nas Comissões

anteriores. Entre essas reivindicações, estavam as propostas de supressão da

dimensão supervisão em todo o texto do PL, a eliminação da Taxa de Supervisão, a

retirada da competência para certificar entidades beneficentes que atuem na área de

educação básica, a exclusão do poder de decretar intervenção ou restringi-la

somente às IES públicas, a supressão da competência de aprovar previamente

negociações de compra e venda de IES e a eliminação de multas.

O Projeto INSAES não chegou a ser debatido na CCJC, uma vez que foi

aprovado requerimento de urgência para apreciação do PL em Plenário. A crise

institucional, porém, instalada entre o presidente da Câmara e o Governo fez com

que a coalização multipartidária, liderada pelo PT e o PMDB, se desagregasse

pouco a pouco. Ficou evidente a motivação política de não levar o Projeto INSAES

adiante, resultado de uma decisão política do grupo de oposição ao Governo, nada

se relacionando ao valor da ação pública. Não foi feita menção a respeito do

investimento no poder estatal em exercer as atividades de avaliação, regulação,

supervisão e acreditação da educação superior ou controle da expansão privado-

mercantil. Não estava em debate ser a favor ou contrário às finalidades do INSAES.

A obstaculização era muito mais uma forma deliberada de mostrar força no embate

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a nível da politics. Diante desse contexto, grande parte do PMDB, que possuía

argumentos favoráveis ao INSAES, reconstruiu a representação acerca do

problema, das soluções e de suas consequências, e passou a defender a

austeridade fiscal em detrimento da criação de uma nova autarquia. Além disso,

havia insatisfação pela crise do FIES, em que foram estabelecidos novos critérios de

concessão e houve contenção e atrasos nos repasses do FNDE para as grandes

mantenedoras. O argumento da bancada alinhada ao setor privado-mercantil era: se

não há recursos para o FIES, logo não deve ser destinado orçamento para elevar os

custos do serviço público estatal. Estavam convencidos, assim, de que o CADE já

exercia a supervisão da ordem econômica, orientado pelos princípios de liberdade

de iniciativa e livre concorrência, e o INEP e a SERES já realizavam as funções na

área educacional.

A tese, portanto, é a de que o Projeto INSAES, seguindo uma tendência

global, visou a institucionalizar uma agência reguladora, unificando, no mesmo

órgão, as funções de avaliação, regulação, supervisão e acreditação, com vista a

aproximar a educação superior ao modelo de regulação de mercados. O Projeto era

parte do programa desenvolvimentista do Governo Dilma Rousseff, a fim de

configurar uma economia de mercado planejada e administrada pelo Estado, sem

romper com a hegemonia do grande capital e, consequentemente, não

obstaculizando a privatização da expansão da educação superior. Como parte do

conflito de interesses acerca do modelo de educação superior e disputa sobre o

plano de sociedade a ser implementado, o Projeto, por um lado, foi sustentado por

grupos que defendem maior regulação das IES privadas, mas, por outro lado,

enfrentou resistências dos conglomerados privatistas adeptos ao neoliberalismo,

bem como de entidades, como o INEP, que defendem a separação institucional

entre a avaliação e os atos regulatórios. A tramitação na Câmara dos Deputados

resultou em modificações do Projeto, a fim de acomodar demandas do setor privado-

mercantil, especialmente no que diz respeito aos efeitos regulatórios e de seus

custos, sobretudo em decorrência da supervisão e intervenção em questões

peculiares ao mercado educacional. Ainda assim, essas modificações foram

incapazes de levar o Projeto INSAES adiante em função das mudanças na

macropolítica governamental.

Diante de todo esse embate, percebemos que não é um trabalho simples

oferecer alternativas sólidas e exequíveis para a regulação de um sistema que, em

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2017, totalizou 2.448 IES, 35.380 cursos de graduação e 8.290.911 matrículas em

cursos de graduação (INEP, 2018). Não é tarefa fácil formular e implementar

políticas de apoio à massificação e que, ao mesmo tempo, contribuam para a alta

qualificação e fomentem a pesquisa, a inovação e o desenvolvimento tecnológico.

Tem-se, ainda, como agravante, o fato de que a maior parte desses números está

concentrada nas mãos de poderosos conglomerados nacionais e transacionais, com

fins lucrativos, detentores de capital econômico e político, com força de influência

sobre os formuladores de políticas e gestores públicos. Entretanto, julgamos que,

diante do atual cenário privado-mercantil e das limitações estruturais da SERES, se

faz necessário um órgão em condições de exercer a prerrogativa estatal e promover

a regulação e a avaliação da educação superior, com o intuito de tornar efetivo o

acesso e a permanência de estudantes. A desregulação da oferta abre inteiramente

o caminho para a livre circulação dos serviços educacionais, suprimindo formas de

controle burocrático e social, consideradas ameaçadoras para o programa de

liberalização. Desse modo, a desregulação aprofunda a visão mercantilizada e a

consequente precarização nas condições de ensino, pesquisa e extensão,

impedindo o efetivo direito social à educação. O INSAES, que demandou recursos

de várias ordem em seu processo de formulação e discussão, possivelmente seria a

alternativa apresentada mais factual para constituir um realinhamento regulatório.

Ponderamos, todavia, que não acreditamos na ingênua ideia de uma

regulação estatal de tipo puro. Ou seja, ainda que se constituísse em política de

Estado e não estivesse subordinada a um determinado Governo, a atividade

regulatória coexistiria com as contradições presentes nas relações entre o público e

o privado-mercantil que têm marcado historicamente a sociedade brasileira. Sempre

haverá o risco de a agência de regulação ser cooptada pelos regulados, sobretudo

os de maior capital político e econômico. Compreendemos, porém, que, embora a

intervenção estatal possa ser objeto de influência de interesses patrimonialistas, as

agências reguladoras surgem com o potencial de defender o interesse público.

Sustentamos, portanto, um modelo mais democrático e livre de clientelismo, tendo o

controle social como o melhor caminho para evitar a cooptação da regulação por

parte dos regulados.

Consideramos, ainda, que a regulação, a supervisão e a acreditação são

atividades importantes para a construção de uma educação superior enquanto

direito social e bem público, mas não são suficientes. É necessária, pois, a interface

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com a avaliação contínua, que contemple a totalidade das dimensões envolvidas,

fomentando o desenvolvimento e a aprendizagem institucional das comunidades

acadêmicas. Ou seja, o Estado, para defender o sentido público da educação, deve

exercer função regulatória e de responsabilização, instaurando procedimentos com o

objetivo de garantir a existência de condições para os processos educativos. Mas,

além disso, é preciso superar a racionalidade que impõe uma “gaiola de ferro” em

busca da eficiência como o critério prioritário. Faz-se necessário compatibilizar as

ações regulatórias com uma concepção dialética da avaliação. Em outras palavras,

deve-se encontrar o equilíbrio entre a regulação controladora e a avaliação formativa

e multidimensional. Para isso, é fundamental a negociação e a reflexão crítica com

os sujeitos e grupos envolvidos, sob os princípios do sentido público e da

responsabilidade social.

Para a constituição de uma nova política regulatória, é fundamental trilhar o

caminho do diálogo com o conhecimento produzido pela comunidade acadêmica.

Desse modo, é plausível a constituição de uma Comissão com essa finalidade.

Enquanto isso não ocorre, resta aos defensores da educação enquanto bem público,

resistir.

Quanto a nós, parafraseando Marx, acreditamos que conseguimos “enxergar

claramente as nossas ideias”, pois conhecer é mediação imprescindível no processo

de transformação de si. Entre as contingências e incertezas que envolvem as

veredas percorridas no processo de investigação, descobre-se, ao término, que o

fim é apenas provisório. Novos questionamentos surgem e nos impulsionam para

outras perguntas, outros problemas. Ademais, a práxis transformadora da realidade

está na base de todo o conhecimento e é o seu propósito. Portanto, este não é o

ponto de chegada, mas sim apenas o início de uma longa caminhada...

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