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  • PEDRO TAVARES DE ALMEIDA

    Sociologia Poltica

    RELATRIO

    Programa, contedos e mtodos

    2012

  • 2

    Relatrio sobre o programa, contedos e mtodos da

    unidade curricular Sociologia Poltica, apresentado

    no mbito das provas de agregao requeridas no

    ramo de Cincia Poltica, na especialidade de Elites

    e Comportamentos Polticos.

  • 3

    NDICE

    1. Prembulo 1

    2. Metodologia pedaggica e avaliao 2

    2.1. Aulas tericas

    2.2. Aulas prticas

    2.3. Repertrio bibliogrfico

    2.4. Materiais de apoio didctico

    - Recursos multimdia

    - Recursos electrnicos

    2.5. Regime de avaliao

    3. Programa 7

    3.1. Estrutura

    3.2. Distribuio dos tempos lectivos

    3.3. Sinopse descritiva

    Tema 1: O estudo da poltica

    Tema 2: Modernidade, modernizao e democracia

    Tema 3: Eleies e comportamentos eleitorais

    Tema 4: Princpios e modos de organizao da aco colectiva

    Tema 5: As elites polticas

    4. Bibliografia: roteiro temtico e comentado 38

    Anexo:

    Prova escrita presencial - exemplos de perguntas 60

  • 4

    SOCIOLOGIA POLTICA

    Relatrio

    1. Prembulo

    Ao abrigo do disposto no despacho reitoral n 20995/2008, de 1 de agosto, que

    reformula os ramos e especialidades aplicveis para a obteno do ttulo de agregado na

    Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (vd. Dirio

    da Repblica, 2 srie, n 154, de 11 de agosto de 2008), requeremos as provas de

    agregao no ramo de Cincia Poltica, na especialidade Elites e Comportamentos

    Polticos.

    De harmonia com o disposto na alnea b) do artigo 5 do Decreto-Lei n

    239/2007, de 19 de junho, cumpre-nos apresentar um relatrio sobre uma unidade

    curricular no mbito do ramo do conhecimento ou especialidade em que so prestadas

    as provas (vd. Dirio da Repblica, 1 srie, n 116, de 19 de junho de 2007).

    A escolha da unidade curricular Sociologia Poltica justifica-se por duas ordens

    de razo fundamentais. Por um lado, tem uma funo de charneira no grupo de

    disciplinas de Cincia Poltica que compem a Licenciatura em Cincia Poltica e

    Relaes Internacionais (CPRI) da FCSH-UNL, fazendo a articulao e estabelecendo

    pontes entre os contedos programticos de vrias unidades curriculares especializadas.

    De frequncia obrigatria, desempenha assim um papel importante na formao

    cientfica de base dos estudantes do actual curso de 1 ciclo em CPRI, introduzindo-os

    nos diferentes modos de pensar a poltica e fornecendo-lhes uma viso alargada e

    integrada de temas fundamentais na construo da identidade e no desenvolvimento

    terico-metodolgico deste campo disciplinar. Acresce ainda que nesta unidade

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    curricular, que preexiste criao da Licenciatura em CPRI, estando inicialmente

    ancorada na Licenciatura em Sociologia, que o signatrio tem o mais longo e contnuo

    magistrio, constituindo esse capital de experincia docente o molde em que foi vazado

    o presente Relatrio sobre o programa, os contedos e os mtodos de ensino terico e

    prtico das matrias da disciplina.

    Por outro lado, no plano epistemolgico, as teorias e as investigaes empricas,

    quer sobre as minorias organizadas com poder e influncia (as elites) quer sobre as

    determinantes da aco colectiva (os comportamentos polticos, em particular o voto),

    que configuram a rea de especialidade disciplinar, esto na prpria gnese e no cerne

    da Sociologia Poltica.

    2. Metodologia pedaggica e avaliao

    2.1. AULAS TERICAS

    Em termos gerais, a orientao cientfico-pedaggica da unidade curricular

    baseia-se numa concepo plural e aberta, que visa familiarizar os alunos com as

    diversas perspectivas tericas e tradies analticas na abordagem dos temas

    leccionados, incentivando-os a confrontarem argumentos e a desenvolverem a

    capacidade de reflexo crtica fundamentada.

    Uma outra directriz essencial a importncia atribuda ao mtodo comparativo,

    quer como instrumento heurstico, quer como instrumento de controlo cientfico. Por

    um lado, a comparao um poderoso meio de descoberta - Compare yourself with

    others! Know what you are!, j proclamava Goethe (Torquato Tasso, 1790)1 - e de

    explicao, nomeadamente conferindo inteligibilidade s relaes de causalidade -

    nous navons quun moyen de dmontrer quun phnomne est cause dun autre, cest

    de comparer les cas o ils sont simultanment presents ou absents, postulava Emile

    Durkheim em Les rgles de la mthode sociologique (1895). Por outro, permite testar a

    validade das generalizaes e singularizar o que verdadeiramente excepcional,

    actuando como antdoto de muitas falcias universalistas e particularistas. Deste

    modo, o repertrio bibliogrfico da unidade curricular tende a privilegiar os estudos

    1 Citado por Thomas Mann em epgrafe ao seu livro Reflections of a Nonpolitical Man (New York, 1985)

    [ed. original, em alemo: Berlim,1918]. Mantivemos a frase na verso em lngua inglesa.

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    empricos que fazem uma abordagem comparativa das instituies, dos actores ou dos

    comportamentos polticos.

    Para cada um dos temas do Programa, o docente traa a evoluo do estado da

    arte, sumariando as principais teorias e hipteses explicativas e os intentos de

    validao emprica. Nesse mbito, feita a apresentao crtica de um elenco

    seleccionado de obras clssicas e fundamentais - assim definidas pelo seu estatuto

    pioneiro e/ou impacto decisivo no desenvolvimento do conhecimento e no estmulo

    investigao sobre certos temas. A prioridade dada ao estudo dessas obras seminais e

    inspiradoras os pilares mais slidos e duradouros, amide revisitados e no raro fonte

    de inesgotveis controvrsias tanto mais justificvel quanto a literatura especializada

    cada vez mais vasta e torna necessria uma triagem criteriosa.

    A exposio oral das matrias leccionadas frequentemente ilustrada com

    representaes grficas dos modelos tericos e analticos escrutinados - por exemplo, o

    diagrama sistmico de David Easton, o mapa conceptual da Europa ou a tipologia

    das estruturas de clivagem e dos sistemas de partidos de Stein Rokkan, ou ainda o

    funil de causalidade das decises de voto de Angus Campbell et al. (Escola de

    Michigan) - e documentada com a apresentao de dados estatsticos que permitem

    comprovar hipteses e fazer comparaes no tempo e no espao.

    2.2. AULAS PRTICAS

    Nas aulas prticas, pelo menos a primeira parte da sesso sempre destinada

    apresentao e discusso pelos alunos dos textos de leitura obrigatria indicados no

    incio do semestre (vd. Programa Sinopse descritiva). A apresentao de cada texto

    feita, de modo breve (15 minutos, mximo), por um ou dois alunos previamente

    seleccionados. No debate, o docente desempenha o papel de moderador, fazendo o

    balano final e sublinhando as conexes mais pertinentes com a matria leccionada nas

    aulas tericas. H 14 textos de leitura (integral ou parcial) obrigatria, que perfazem

    cerca de 250 pginas, uma extenso conforme s recomendaes do relatrio

    justificativo dos crditos ECTS do actual plano de estudos do curso de licenciatura.

    Em algumas das aulas prticas, a segunda parte da sesso utilizada para a

    apresentao e explorao de alguns recursos multimdia e electrnicos com interesse

    cientfico-pedaggico para a aprendizagem em curso (vd., adiante, a relao dos

    Materiais de apoio didctico).

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    2.3. REPERTRIO BIBLIOGRFICO

    A extensa lista de livros e de alguns artigos de revistas que acompanha o

    Programa da disciplina justifica-se por trs motivos. Por um lado, visa facultar aos

    alunos o conhecimento do acervo bibliogrfico que serve de suporte s lies

    ministradas pelo docente nas aulas tericas, bem como facilitar-lhes a identificao dos

    autores e dos textos expressamente citados. Por outro lado, disponibiliza aos alunos um

    variado leque de escolhas na seleco das obras que podero ser objecto da recenso

    prevista no regime de avaliao da unidade curricular. Finalmente, pode constituir um

    guia til para futuros trabalhos acadmicos. Assinalamos com um asterisco (*) a short

    list que recomendamos como bibliografia de base.

    Em conformidade com a estrutura do Programa, a bibliografia est organizada

    em cinco grandes divises temticas, que comportam algumas subdivises. Em geral,

    feita tambm a distino entre os estudos pioneiros e a literatura especializada

    subsequente.

    Em virtude da prpria interconexo das matrias leccionadas, h vrias

    referncias bibliogrficas que no se confinam a um nico tema. Todavia, por um

    critrio de simplicidade e economia descritiva, cada obra apenas registada uma vez.

    Na maioria dos casos, a sequncia expositiva dos assuntos determinou a localizao

    preferencial da referncia bibliogrfica por exemplo, o livro de Robert Michels figura

    nos estudos pioneiros dos partidos polticos [TEMA 4], apesar de ser tambm uma

    das obras fundadoras da teoria das elites [TEMA 5].

    As obras clssicas e mais relevantes so, por vezes, acompanhadas por breves

    comentrios que sumariam o seu principal contributo terico ou emprico, ou elucidam

    pormenores editoriais teis.

    Sempre que estejam disponveis e tenham qualidade, so indicadas as tradues

    em lngua portuguesa dos ttulos inventariados.

    2.4. MATERIAIS DE APOIO DIDCTICO

    Nas aulas prticas, quer como complemento enriquecedor da apresentao de

    alguns textos, quer como fonte selectiva de materiais empricos, so utilizados alguns

    recursos multimdia e electrnicos.

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    Recursos multimdia:

    Visionamento de uma parte do debate sobre o conceito de mltiplas

    modernidades, organizado por ocasio da atribuio a S.N. Eisenstadt do Holberg

    International Memorial Prize (Universidade de Bergen, 2006), bem como da curta

    entrevista sobre o tema feita ao premiado. No debate participam, entre outros, Jack

    Goldstone, Jeffrey Alexander e Luis Roniger [TEMA 2, 1 aula prtica].

    Recursos electrnicos:

    Os indicadores sociais publicados pela United Nations Statistics Division

    (UNSD Statistical Databases) [http://unstats.un.org/unsd/databases.htm] e no OECD

    Statistics Portal [http://www.oecd.org/statistics/] servem para ilustrar e comparar as

    caractersticas descritivas (S.N. Eisenstadt) ou os nveis de mobilizao social

    (Karl Deutsch) de diferentes sociedades modernas ou em processo de modernizao

    [TEMA 2, 1 aula prtica].

    A pgina electrnica do International Institute for Democracy and Electoral

    Assistance (IDEA) [http://www.idea.int/] inclui ligaes para vrias Databases and

    Networks, em alguns casos com componentes interactivas, que tm materiais (sries

    estatsticas, mapas, relatrios, etc.) teis para documentar ou comprovar alguns

    postulados sobre a democracia, os sistemas eleitorais e o voto.

    o State of Democracy Network: vd., por ex., o documento Assessing the Quality of Democracy (2008), onde definido um elenco de questes

    que devem orientar a investigao sobre o tema [TEMA 2, 2 aula

    prtica]

    o Electoral Systems Design: vd, por exemplo, o documento World Chart of Electoral System Type, um mapa actualizado e interactivo com a

    distribuio planetria dos vrios tipos de sistemas eleitorais [TEMA 3,

    1 aula prtica].

    o Voter Turnout: a mais completa srie das estatsticas da participao eleitoral desde 1945, organizada por pas; inclui tambm os mais

    recentes indicadores sobre Desenvolvimento Humano e literacia, que

    permitem testar empiricamente a assuno de que h uma correlao

    positiva forte entre os nveis de desenvolvimento socioeconmico e

    cultural e a participao eleitoral [TEMA 3, 2 aula prtica].

    http://www.oecd.org/statistics/

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    A pgina electrnica da Inter-Parliamentary Union [http://www.ipu.org/] faculta

    informao actualizada sobre a representao feminina nos parlamentos nacionais

    escala global (Women in National Parliaments), permitindo quantificar e comparar as

    diferenas de gnero no recrutamento das elites polticas [TEMA 5, 2 aula prtica]. Para

    o estudo dos mapas cognitivos (percepes, preferncias e atitudes) das elites

    polticas, no stio web do Projecto IntUne, sediado no portal da Universidade de Siena

    [http://www.intune.it/research-materials/elite-group], esto disponveis alguns dados e

    relatrios preliminares da primeira vaga de inquritos realizada em simultneo aos

    parlamentares de 18 paises, entre Janeiro e Maro de 2007, com uma srie de questes

    sobre a identidade e a integrao europeias. Na pgina do European Election Studies

    (EES), do Leibniz-Institut fr Sozialwissenschaften [http://www.ees-homepage.net/],

    est prevista uma seco designada Elite Surveys, ainda em construo.

    2.5. REGIME DE AVALIAO

    De acordo com o novo Regulamento de Avaliao em vigor na FCSH (vd.

    Despacho n 38/2011, de 12 de julho), no 1 ciclo obrigatrio que um dos elementos

    de avaliao seja presencial e escrito. Um regime equilibrado, que permite testar e

    valorizar diferentes competncias dos estudantes, consiste na aplicao de trs

    elementos de avaliao individual dois principais e um acessrio - que, em termos de

    classificao final (expressa na escala numrica de 0/20 valores), tm a ponderao a

    seguir indicada:

    (i) Uma prova escrita presencial (teste), no final das aulas, sobre os temas do programa leccionado (40%).

    A prova tem a durao mxima de duas horas e os alunos tm de responder a

    duas perguntas escolhidas de entre um leque de trs (vd., no anexo final,

    exemplos do enunciado das perguntas).

    (ii) Uma pequena recenso de um livro, seleccionado pelo aluno no repertrio bibliogrfico da disciplina (40%).

    O trabalho deve contemplar uma exposio concisa e rigorosa das principais

    hipteses, argumentos e concluses da obra, seguida de uma reflexo crtica.

    Extenso mxima: c. 13 mil caracteres (com espaos) .

    (iii) Intervenes orais nas aulas prticas, tanto na apresentao como na discusso dos textos de leitura obrigatria (20%).

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    3. Programa

    3.1. ESTRUTURA

    1. O estudo da poltica: tradies analticas e mudanas de paradigma

    1.1. As instituies como objecto de estudo: a abordagem clssica.

    1.2. A poltica como processo: a revoluo behaviorista e a teoria sistmica.

    1.3. Novas abordagens: a teoria da aco racional e o neo-institucionalismo.

    1.4. Cincia poltica (velha e nova), sociologia da poltica e sociologia poltica.

    2. Modernidade, modernizao poltica e democracia

    2.1. A natureza e dinmica das sociedades e sistemas polticos modernos.

    2.2. Estabilidade, mudana e protesto: consenso vs. conflito.

    2.3. Democracia e democratizao: requisitos e trajectrias histricas.

    2.4. Modelos democrticos: democracia maioritria vs. democracia consensual.

    3. Eleies e comportamentos eleitorais

    3.1. Cidadania, eleies e estruturao do espao poltico nacional.

    3.2. Os sistemas eleitorais e os seus efeitos polticos.

    3.3. As teorias explicativas do voto: dos pioneiros actualidade.

    3.4. As dinmicas eleitorais: da era do alinhamento era do desalinhamento.

    4. Princpios e modos de organizao da aco colectiva

    4.1. Zweckrationalitt ou racionalidade funcional: o fenmeno burocrtico.

    4.2. Burocracia e partidos polticos: os estudos seminais de Ostrogorski e de Michels.

    4.3. Gnese e desenvolvimento dos partidos polticos.

    4.4. Estrutura de clivagens e sistemas de partidos: a tipologia de Lipset e Rokkan.

    5. As elites polticas

    5.1. As teorias clssica e pluralista das elites: as premissas de base.

    5.2. Elites e desenvolvimento poltico.

    5.3. Padres de recrutamento das elites polticas (parlamentares e ministeriais).

    5.4. A transformao das elites polticas: principais tendncias e variaes.

  • 11

    3.2. DISTRIBUIO DOS TEMPOS LECTIVOS

    O plano de estudos do curso de licenciatura (1 ciclo) em Cincia Poltica e

    Relaes Internacionais da FCSH-UNL est organizado por semestres (seis, ao todo) e o

    tempo lectivo de cada unidade curricular de 64 horas, o que equivale a 32 aulas com a

    durao de 2 horas cada. A distribuio do nmero de aulas tericas e prticas

    varivel, dentro de certos parmetros, consoante a natureza especfica da disciplina. Por

    norma, o tempo lectivo atribudo s componentes terica e prtica de cerca de 60% e

    de 40%, respectivamente.

    ______________________________________________

    Aulas

    Contedos ___________________________

    programticos Tericas Prticas Total*

    ______________________________________________

    Apresentao 1

    Tema 1 2 1 3

    Tema 2 6 3 9

    Tema 3 4 2 6

    Tema 4 4 2 6

    Tema 5 4 2 6

    Prova escrita 1 1

    Total:

    N 19 12 31 (+1)

    % 61 39 100

    ______________________________________________

    * Horas de aula = 64 horas (cada aula, 2 horas) - Tericas = 38 horas

    - Prticas = 24 horas

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    3.3. SINOPSE DESCRITIVA

    TEMA 1

    Aulas tericas:

    As vrias narrativas da histria intelectual da Cincia Poltica (CP) tm um

    ponto de partida comum: o estudo das instituies (i.e., o complexo de estruturas, regras

    e procedimentos estandardizados) do Estado a marca gentica da disciplina e um seu

    indelvel legado. Este paradigma terico inicial e unificador, que constituiu a CP como

    Staatswissenschaft (cincia do Estado), foi crucial no processo de autonomizao

    cientfica e de legitimao social do novo saber disciplinar a partir do ltimo quartel do

    sculo XIX [vd., em particular, Favre (1989)], ao construir um objecto prprio e

    reconhecido como relevante. Por um lado, identificou a poltica com uma realidade

    delimitada e visvel, a ordem institucional e jurdica formalizada - as estruturas e

    papis especializados de governo e administrao, e as normas que os enquadram e que

    regulam a vida colectiva (as leis constitucionais, por exemplo). Por outro, privilegiou

    uma dimenso central da vida poltica, pois o Estado a instituio das instituies

    (Maurice Duverger), o detentor do poder soberano (o poder supremo) ou, na

    consagrada frmula weberiana, do monoplio da violncia (ou coaco) fsica legtima

    que se exerce sobre uma colectividade inscrita num dado territrio. Num contexto de

    afirmao ou consolidao dos Estados nacionais, que tendiam a centralizar os

    instrumentos de poder e a concentrar recursos, a busca da racionalidade da aco

    administrativa conferia uma utilidade (e legitimidade) acrescida a um conhecimento

    vocacionado para o seu estudo.

    A abordagem institucional clssica padecia, no entanto, de um vcio redutor e de

    um excessivo formalismo legal (fruto do conbio com o Direito Constitucional),

    ignorando ou neglicenciando as instituies polticas no estaduais e os processos

    reais. Como escreveu Moisei Ostrogorski (1912: IX), fazendo um diagnstico crtico

    precoce da ortodoxia dominante, jusquici on stait trop exclusivement appliqu

    ltude des formes politiques. La mthode dobservation elle-mme [] s est exerce

    de prfrence sur les institutions, sur les lois, en ngligeant presque totalement, pendant

    lontemps, les hommes concrets qui les crent et les mettent en oeuvre.

  • 13

    Consequentemente, postulava a necessidade de combinar o estudo das formas

    polticas com o das foras polticas.

    A reviso crtica e, depois, a rejeio das premissas do velho institucionalismo

    conduziu a um novo paradigma, ancorado no conceito mais inclusivo de poder. Na curta

    e incisiva definio de Harold Lasswell (1936), um pioneiro no estudo das elites, a CP

    visa estudar a formao e a distribuio do poder (who gets what, when and how). O

    universo da poltica deixa de confinar-se s instituies formais de governo, alargando-

    se a todos os processos (actividades, comportamentos) orientados numa perspectiva de

    poder ou que afectem a sua lgica distributiva. O estudo da poltica , assim,

    socialmente contextualizado: visa a compreenso de todos os problemas relacionados

    com o poder e com o uso que dele se faz em contextos sociais [Dowse e Hughes

    (1972)]. A chamada revoluo behaviorista, que ocorreu nos EUA aps a II Guerra

    Mundial, a par da introduo de programas de pesquisa emprica com metodologias

    quantitativas cada vez mais sofisticadas, deu um grande impulso a este enfoque

    sociolgico, nomeadamente na anlise dos comportamentos eleitorais e das

    determinantes sociais (e psicolgicas) da aco poltica. Como escreveram Seymour

    Lipset e Reinhard Bendix, a CP (agora rebaptizada Sociologia Poltica) comea na

    sociedade e examina a forma como esta afecta o Estado [cit. in Dowse e Hughes

    (1972: 23)].

    Esta reconceptualizao da poltica, ao mesmo tempo que permitiu uma viso

    mais integrada e dinmica, comportou riscos de diluio do objecto e suscitou

    problemas de identidade disciplinar. A ambivalncia do conceito de poder que tanto

    designa o poder de facto, socialmente difundido, como o poder legtimo, que

    singulariza o que especificamente poltico [vd., em particular, Dahl (2003)] e a

    deriva sociologista de algumas abordagens contextuais que reduziram a poltica a

    uma mera varivel dependente ou um subproduto da sociedade - conduziram, com

    alguma frequncia, a uma sociologia da poltica e no a uma sociologia poltica, na

    subtil e pertinente distino proposta por Giovanni Sartori (vd. Lipset, dir., 1969, cap.

    4).

    A abordagem sistmica da poltica [vd. Easton (1953)] no s introduziu um

    maior rigor e refinamento conceptuais (por ex., a distino clara entre poder e

    autoridade ou a incorporao da linguagem da ciberntica), como permitiu conceber o

    seu objecto de estudo em inter-relao com o ambiente societal, sem perda de

    identidade ou diluio de fronteiras. Na verdade, o conceito de sistema poltico define

  • 14

    a poltica simultaneamente como um domnio especfico - onde se localiza um

    conjunto de instituies e papis especializados, e se desenrolam os processos

    decisrios essenciais - e como um atributo presente nas vrias interaces sociais que

    afectam o funcionamento daquele. Nas palavras de D. Easton, a vida poltica um

    sistema de actividades inter-relacionadas que influenciam o modo como as decises

    investidas de autoridade so formuladas e postas em prtica numa sociedade. A nfase

    posta na anlise dos fluxos contnuos de interaco (inputs, outputs e feedback)

    concorreu, no entanto, para a desvalorizao do estudo das prprias instituies

    polticas.

    Em reaco a estas tradies analticas, emergiram duas teorias que dominam

    actualmente a agenda das investigaes politolgicas [vd. Marsh e Olsen (1989),

    Goodin e Klingemann, dir. (1996), Rhodes et al., dir. (2007)]: a teoria da aco

    racional, baseada nos trabalhos pioneiros de Kenneth Arrow e Anthony Downs, e a

    teoria neo-institucional. A primeira, recorrendo a modelos econmicos e a frmulas

    lgico-matemticas, uma teoria dedutiva com um elevado nvel de abstraco, que

    interpreta a poltica a partir das preferncias individuais e do jogo de clculos

    instrumentais (relao custos/benefcios); a racionalidade dos comportamentos dos

    indivduos baseia-se em estratgias que visam maximizar a sua utilidade. Teve especial

    impacto nos estudos eleitorais, da competio partidria e dos processos de deciso. A

    segunda, que acolhe algumas variantes, recolocou as instituies no centro da vida

    poltica resgatando a importncia do conceito de Estado (bringing the state back in)

    [vd. Evans et al. (1985)] -, postulando no essencial que elas tm uma autonomia relativa

    e produzem efeitos independentes. Se bem que tendo pressupostos distintos, ambas as

    teorias acabaram por encontrar uma zona de interseco, ao reconhecerem que as

    caractersticas institucionais geram diferentes oportunidades e constrangimentos, e,

    como tal, afectam a avaliao estratgica que os actores fazem das suas aces. Como

    afirmam James March e Johan Olsen, institutions empower and constrain actors

    differently and make them more or less capable of acting according to prescriptive rules

    of appropriateness [Elaborating the New Institutionalism, in Rhodes et al., dir.

    (2007: 3)].

    Fruto de outras confluncias, o neo-institucionalismo ramificou-se ainda nas

    variantes sociolgica e histrica [vd. Hall e Taylor (1996)]. Esta ltima sublinha

    que as instituies no so estticas, mas o modo como se transformam e o sentido da

    mudana no so inteiramente independentes da sua trajectria histrica (path

  • 15

    dependence). O desenvolvimento institucional no est prisioneiro dos legados do

    passado, mas tambm no pode fazer tbua rasa desse mesmo passado. Alm disso, a

    dinmica institucional no linear ou irreversvel, e pode ocorrer atravs de adaptaes

    incrementais ou de mudanas drsticas e repentinas, estas associadas a conjunturas

    crticas. O neo-institucionalismo sociolgico procura situar as instituies polticas no

    seu contexto societal, demonstrando que a mudana social e o desenvolvimento

    institucional so processos interactivos [vd., por exemplo, Skocpol (1979)].

    Neste conspecto geral, de cunho propedutico, so assim descritos e examinados

    os diferentes modos de formalizao conceptual da poltica e as suas implicaes

    analticas e metodolgicas. Num balano crtico, procuramos sensibilizar os alunos para

    as virtualidades de modelos tericos que no estabelecem dicotomias rgidas e artificiais

    (por exemplo, entre estrutura e aco (agency), instituies e comportamentos,

    interesses e ideais) e potenciam uma viso mais complexa e dinmica dos fenmenos

    polticos - contextualizando-os socialmente, mas reconhecendo igualmente a sua

    especificidade e autonomia relativa. Nessa medida, e como advoga Giovanni Sartori, as

    perspectivas sociolgica e politolgica devem cruzar-se, formando um hbrido

    interdisciplinar que combina as variveis explicativas sociais e polticas.

    Aula prtica (1): textos de leitura obrigatria.

    Giovanni SARTORI, Da Sociologia da Poltica Sociologia Poltica, in S.M. Lipset, dir., Poltica e Cincias Sociais, Rio de Janeiro, 1972, pp. 106-112 e 138-148.

    B. Guy PETERS, Political Institutions, Old and New, in R. Goodin e H.-D. Klingemann, dir., A New Handbook of Political Science, Oxford, 1996, pp. 205-218.

  • 16

    TEMA 2

    Aulas tericas:

    A natureza e dinmica da sociedade e dos sistemas polticos modernos, as

    principais trajectrias e desafios da modernizao poltica, as novas estruturas de

    clivagem e padres de protesto (conflito) e os mecanismos de integrao (consenso)

    ou, noutros termos, a combinao entre mudana e estabilidade -, e, por ltimo, a

    democracia (requisitos sociais e modelos institucionais), constituem o entrelaado

    feixe temtico a abordar neste segundo mdulo.

    Cronologicamente, e sem ignorarmos o significado percursor de outros factos e

    dinmicas anteriores, a civilizao moderna irrompe nos finais do sculo XVIII: a

    revoluo industrial inglesa, as Grandes Revolues americana e francesa, e as reformas

    burocrticas prussianas constituem as experincias histricas decisivas que lanaram os

    seus alicerces materiais, polticos e organizacionais. Acontecimentos esses que esto,

    assim, tambm na gnese das problemticas fundadoras das cincias sociais.

    No plano analtico, e sem prejuzo do reconhecimento de que a modernidade se

    cristalizou em distintas configuraes estruturais e culturais, que no so meras

    variantes locais de um modelo nico e da a relevncia conceptual das mltiplas

    modernidades [Eisenstadt (2007)] -, possvel identificar um conjunto de princpios

    bsicos ou propriedades genricas que lhe so comuns: (i) diferenciao, que se traduz

    em diversificao estrutural e especializao funcional crescentes, tornando as

    sociedades cada vez mais complexas; (ii) individualismo, a emancipao dos indivduos

    de vnculos grupais rgidos e de carcter adscritivo, e que se traduz na inveno da

    cidadania; (iii) racionalidade, o primado da razo e do esprito cientfico, que se

    concretiza no desenvolvimento das organizaes burocrticas e da tecnologia; (iv)

    expanso, o impulso contnuo para a inovao e a sua difuso, que, para alguns, tem

    como eptome o fenmeno contemporneo da globalizao [vd., em particular,

    Sztompka (1993)].

    Estes traos qualitativos so objectivveis e mensurveis num conjunto de

    caractersticas descritivas ou indicadores de mobilizao social (na frmula

    consagrada de Karl Deutsch), como sejam o rendimento per capita, a urbanizao, a

    mobilidade geogrfica e ocupacional, a literacia e a exposio aos mass media [vd.

    Eisenstadt (1990)].

  • 17

    Na literatura clssica sobre o tema, que alberga sofisticadas elaboraes tericas

    e valiosas pesquisas empricas [vd. Harrison (1997)], os atributos fundamentais da

    sociedade moderna so geralmente definidos por antinomia ou contraste com os da

    sociedade tradicional. Assim o testemunham, entre outras, as clebres distines de

    Ferdinand Tnnies entre Gemeinschaft (comunidade tradicional) e Gesellschaft

    (associao ou sociedade moderna), de Emile Durkheim entre solidariedade mecnica

    e solidariedade orgnica, de Max Weber entre autoridade tradicional e autoridade

    racional-legal, ou ainda o elenco de variveis padro (pattern variables) enunciadas

    por Talcott Parsons (1951) status adscritivo vs. status adquirido (ascription vs.

    achievement); papis difusos vs. papis especficos; particularismo vs. universalismo,

    etc.). Estes tipos ideais, se bem que teis para sinalizarem o sentido da mudana,

    foram amide confundidos com generalizaes factuais, cristalizando em categorias ou

    esquemas analticos dicotmicos. Assim, tradio e modernidade tenderam a ser

    (erradamente) concebidas como realidades antitticas e mutuamente exclusivas [vd.,

    para uma reviso crtica, Bendix (1964) e Eisenstadt (1990)]. O paradigma clssico dos

    estudos sobre a modernidade (que inclui os contributos tanto dos pais fundadores das

    cincias sociais, como de uma vasta pliade de estudiosos nas dcadas de 1950-60)

    enferma, alis, de outros pressupostos equvocos, de que destacamos aqui dois deles.

    Por um lado, o evolucionismo, que se expressa na viso dos processos de modernizao

    como sendo lineares (uma sequncia universal de etapas), irreversveis e orientados

    numa direco comum (vd., por exemplo, a teoria da convergncia das sociedades

    industriais ou, na actualidade, a noo de fim da histria), o que posto em cheque

    pela tese de Barrington Moore Jr. (1966; trad. port., reed., 2010) sobre as diferentes

    vias de modernizao das sociedades (com distintos corolrios institucionais e

    polticos) ou pelos conceitos de colapsos da modernidade e de mltiplas

    modernidades cunhados por S.N. Eisenstadt (1990 e 2007). Por outro lado, a

    idealizao da modernidade, que se traduz na sua sinonmia com a ideia de progresso

    e na prevalncia de narrativas optimistas sobre os seus efeitos (por exemplo, a ideia de

    que a modernizao conduzir inevitavelmente democracia), quando o balano

    histrico ambivalente [vd. Giddens (1990) e Sztompka (1993)].

    No que diz respeito ao significado da modernidade na esfera poltica, podem

    apontar-se trs caractersticas ou dimenses fundamentais:

    (i) A racionalizao da autoridade, com a emergncia de um princpio de

    legitimidade secular (a soberania nacional ou soberania popular, em

  • 18

    vez da soberania divina ou Mandato do Cu) e o estabelecimento de

    mecanismos de responsabilizao ideolgica e/ou institucional (atravs

    do sistema eleitoral) dos governantes perante os governados.

    (ii) O desenvolvimento de estruturas (instituies de governo, partidos,

    etc.) altamente diferenciadas e a concomitante especializao (e

    profissionalizao) das funes polticas. Uma dinmica em conexo

    com o incremento do poder infra-estrutural do Estado [Mann (1993)] e

    a crescente penetrao do centro na periferia.

    (iii) O aumento da participao poltica de grupos cada vez mais vastos

    da sociedade, nomeadamente atravs do processo de incluso cvica que

    culmina no sufrgio universal adulto. De assinalar, como bem advertiu

    Norbert Elias, que a massificao poltica no se traduziu necessa-

    riamente num maior controlo dos governantes pelos governados.

    Pode tambm identificar-se um conjunto de crises ou desafios cruciais que,

    integral ou parcialmente, os sistemas polticos enfrentam no seu processo de

    modernizao. Desafios comuns e interligados, que no obedecem a uma sequncia

    linear e rgida, e podem suscitar respostas diferentes, com consequncias igualmente

    diferentes. Na sistematizao proposta por um grupo de cientistas polticos americanos

    [vd. Binder et al. (1971)], so cinco: (i) identidade: a criao de lealdades e sentimentos

    de pertena a uma comunidade poltica unificada e mais vasta, o Estado nacional, um

    desafio que ganha maior acuidade em contextos societais mais heterogneos e

    segmentados; (ii) legitimidade: a adeso s novas instituies e smbolos centrais e a

    construo da confiana entre governantes e governados - transformando assim a fora

    em direito e a obedincia em dever (J.-J. Rousseau); (iii) participao: a incorporao

    cvica das massas e a extenso do sufrgio; (iv) penetrao: o pleno exerccio da

    autoridade territorial do Estado, quebrando (por meios coercivos ou pela negociao) as

    resistncias de poderes perifricos; (v) distribuio: o acesso a recursos valiosos e

    desigualmente repartidos, em conexo com a extenso dos direitos sociais da cidadania

    [vd. tambm Marshall (1950; 1992)].

    Modernizao significa mudana e transformao, e os impulsos de mudana

    so contnuos, tornando-se tanto mais intensos e acelerados quanto mais modernas so

  • 19

    as sociedades. Transformaes essas que geram frequentemente inadaptaes,

    resistncias, divises e antagonismos. E ao induzirem tanto uma maior diferenciao de

    interesses que podem cristalizar em novas linhas de clivagem - como uma maior

    participao poltica, as sociedades modernas potenciam inegavelmente o conflito. O

    protesto , por isso, uma dimenso central e estruturante das sociedades modernas [vd.

    Andrain e Apter (1995)], e os seus diferentes padres (protagonistas sociais, modos de

    organizao e orientaes simblicas) so um importante factor de diferenciao das

    mltiplas modernidades [Eisenstadt (2007)]. Por isso, uma das pistas para decifrar a

    singularidade americana reside na famosa interrogao do opsculo de Werner

    Sombart, Why Is There No Socialism in the United States? (1906). A capacidade de

    absoro dos impulsos de mudana e a necessidade de garantir a paz civil exigem,

    por sua vez, estabilidade institucional e mecanismos de contratualizao social e de

    pacificao da luta poltica. Consenso e conflito so assim dimenses fundamentais. E

    h dois modos distintos de os conceptualizar. As teorias monistas, em que se filiam as

    solues polticas autoritrias, postulam que so polaridades inconciliveis, porquanto o

    conflito um fenmeno disfuncional e perturbador da harmonia e coeso sociais, e,

    como tal, indesejvel e deve ser reprimido. Inversamente, as teorias pluralistas, em

    que se fundam as instituies e valores democrticos, no s reconhecem que o

    descontentamento e o protesto so realidades endmicas nas sociedades modernas,

    como valorizam os seus efeitos positivos enquanto fontes de inovao e criatividade

    sociais, advogando por isso que possvel e desejvel a coexistncia do consenso e do

    conflito, desde que este ltimo se subordine a regras institucionais e controlos

    normativos que neutralizem os potenciais riscos de violncia, privando os contendores

    (ou adversrios) do recurso a meios destrutivos. Os conflitos institucionalizados ou

    regulados, que no implicam a ruptura de compromissos bsicos, desempenham

    assim um importante papel integrador e pacificador, sublimando e canalizando as

    tenses e antagonismos. O sistema eleitoral, ao fomentar uma competio pacfica em

    que ningum permanentemente vencedor ou vencido, mantendo as alternativas em

    aberto, tornou-se assim um dispositivo institucional privilegiado na regulao dos

    conflitos polticos [vd. Simmel (1908; 1986), Coser (1956), Dahrendorf (1957; 1976),

    Luhman (1980) e Lipset (1985)].

    A relao entre modernidade e democracia um dos temas proeminentes da

    investigao de politlogos, socilogos e historiadores, e tem originado uma vasta

  • 20

    literatura2. Partindo de uma clarificao conceptual sobre a definio de democracia [vd.

    Schumpeter (1943) e Collier e Levitsky (1997)], seguida de um breve excurso

    comparativo sobre algumas trajectrias histricas dos processos de democratizao [vd.

    Weber (1921-22; 1978), Moore (1967), Grew (1978), Stephens (1989), Luebbert

    (1991), Rueschemeyer et al. (1992), Ertman (1998), Bermeo e Nord, dir. (2000), e

    Bermeo (2003)], focaremos e esmiuaremos depois sobretudo as teses de Seymour M.

    Lipset (1960 e 1968) sobre os requisitos sociais da democracia e de Robert A. Dahl

    (1999) sobre as condies essenciais e favorveis democracia. Ambos os

    contributos so submetidos a uma avaliao crtica com base noutros estudos [vd.,

    Lijphart (1977 e 2008), Diamond et al., dir. (1995), Przeworski e Limongi (1997),

    Przeworski et al. (2000), Boix (2003) e Acemoglu e Robinson (2005)] e discutidos

    numa aula prtica.

    O modelo explicativo de Lipset assenta em duas premissas essenciais, em parte

    inter-relacionadas. Em primeiro lugar, na existncia de uma forte correlao positiva

    entre desenvolvimento econmico e a institucionalizao da democracia (The more

    well-to-do a nation, the greater the chances it will sustain democracy). O incremento

    da riqueza mdia, a difuso do bem-estar e a expanso das oportunidades (sociais,

    educacionais...) no s moderam a intensidade dos conflitos distributivos, como

    aumentam a confiana na eficcia de instituies e prticas baseadas na negociao e no

    compromisso. Em segundo lugar, no impacto favorvel de um sistema de estratificao

    social mais aberto e flexvel, bem como das clivagens cruzadas (cross-cutting).

    Quanto mais fluidos forem os canais de mobilidade social, favorecendo o declnio das

    desigualdades socioeconmicas e a formao de uma vasta classe mdia, maior a

    probabilidade de a democracia singrar [uma tese corroborada pelas anlises empricas

    recentes de Boix (2003)]. Do mesmo modo, quando as diversas linhas de clivagem

    horizontais (classe social) e verticais (lngua, religio, etnia) no se sobrepem e

    convergem, reforando-se mutuamente, mas antes originam frentes cruzadas de conflito,

    maior a eficcia dos dispositivos de regulao desse mesmo conflito. As lealdades

    cruzadas, como tambm sublinhou Luhmann (1980), tornam as fronteiras entre aliados

    e adversrios mais porosas, inibindo a fractura da comunidade poltica entre amigos e

    inimigos, bem como o florescimento de ideologias radicais e sectrias. Lipset

    2 Uma viso mais completa dessa bibliografia, sobretudo a que incide sobre os processos de

    transio para as democracias da 3 vaga, na frmula consagrada de Samuel Huntington,

    apresentada numa outra unidade curricular da licenciatura, designada Teoria da Democracia.

  • 21

    acrescenta ainda dois outros factores complementares favorveis estabilidade

    democrtica: a resoluo histrica dos conflitos, ou seja a no acumulao de

    velhos e novos conflitos; e o bipartidarismo, baseado em partidos de

    representao (i.e., que agregam e expressam interesses heterogneos).

    Por seu turno, Robert Dahl enumera as premissas de base da democracia

    (dirigentes eleitos; eleies livres, justas e frequentes; liberdade de expresso; fontes de

    informao alternativas e independentes; autonomia associativa; cidadania inclusiva),

    estabelecendo a distino entre condies essenciais (subordinao dos militares ao

    poder civil; inexistncia de ameaa externa de interveno estrangeira; uma cultura

    poltica arreigada a crenas e valores democrticos) e favorveis (sociedades mais

    homogneas, com um pluralismo cultural fraco, e uma economia capitalista de

    mercado desenvolvida) sobrevivncia do que designa como democracias

    polirquicas. Retomando no fundamental (e refinando) os argumentos de Lipset, no

    deixa todavia de equacionar a problemtica relao entre o capitalismo de mercado e a

    democracia, desfiando e sopesando os pr e os contra.

    A assuno de que existe uma associao virtuosa entre modernizao

    econmica e democracia foi submetida por Adam Przeworski a um extenso teste de

    validao emprica. Fazendo a distino clara entre condies de emergncia e de

    estabilidade da democracia, as suas concluses contrariam a existncia de um

    determinismo econmico: The emergence of democracy is not a by-product of

    economic development . [...]. Only once it is established do economic constraints play a

    role: the chances for the survival of democracy are greater when the country is richer.

    Yet even the current wealth of a country is not decisive []. If they succeed in

    generating development, democracies can survive even in the poorest nations

    [Przeworski e Limongi (1997: 177)].

    No que diz respeito aos efeitos negativos da heterogeneidade social, Arend

    Lijphart contraps que o funcionamento e a estabilidade das instituies polticas no

    so mecanicamente condicionados pela estrutura de clivagens prevalecente, e que

    aquelas podem adaptar-se com xito a contextos societais adversos. Pondo a nfase no

    papel dos actores polticos e das reformas institucionais, argumenta que a estabilidade

    democrtica vivel em sociedades mais hetergeneas, desde que as elites polticas

    cooperem e adoptem dispositivos eficazes de regulao do conflito (por exemplo, o

    federalismo onde h clivagens territoriais ou a representao proporcional onde h um

    pluralismo partidrio polarizado ou minorias activas).

  • 22

    A reflexo crtica de Lijphart conduz-nos descrio e anlise da sua tipologia

    das democracias contemporneas - as maioritrias (segundo o modelo de Westminster)

    e as consensuais -, que estabelece a ponte com a matria leccionada no mdulo

    seguinte.

    Aulas prticas (3): textos de leitura obrigatria.

    (1)

    Shmuel N. EISENSTADT, Mltiplas modernidades: problemtica e enquadramento de base, in S.N. Eisenstadt, Mltiplas modernidades. Ensaios, Lisboa, 2007, pp. 13-22 e

    39-48.

    (2)

    Robert A. DAHL, Condies favorveis e desfavorveis, in Robert A. Dahl, Democracia, Lisboa, 1999, pp. 167-203.

    (3)

    Arend LIJPHART, O modelo democrtico consensual, in A. Lijphart, As democracias contemporneas, Lisboa, 1984, pp. 39-58.

  • 23

    TEMA 3

    Aulas tericas:

    As eleies so uma instituio fundamental nos processos de modernizao e

    democratizao polticas. Se bem que no constituam propriamente uma inovao

    institucional (as tradies electivas remontam Grcia e Roma clssicas), no sculo

    XIX, com o triunfo do liberalismo e a consagrao do governo representativo (John

    Stuart Mill), que as eleies se difundem e assumem um papel central nos sistemas

    polticos, desempenhando um conjunto de funes muito importantes3. Destaquemos as

    trs mais relevantes: (i) legitimao, quer concretizando o novo princpio de

    responsabilizao dos governantes perante os governados (tornando-se um dos

    principais canais de influncia dos cidados nas democracias consolidadas), quer como

    uma arena privilegiada de controlo social e/ou de regulao do conflito; (ii)

    recrutamento, assegurando a seleco e a circulao da classe poltica e da elite

    governante; (iii) integrao, contribuindo para a nacionalizao do espao poltico,

    em ntima conexo com o desenvolvimento dos Estados-nao e a formao das

    identidades nacionais [vd., Bendix (1964), Rokkan (1961, 1970 e 1999) e Caramani

    (2004)]. Como sublinhou Stein Rokkan (1961: 133), uma referncia incontornvel

    nestes assuntos, the development of the channels for mass politics was an important

    element in the growth and integration of territorially defined nation-states.

    Numa perspectiva histrica, h duas dimenses que sobressaem no processo

    geral de democratizao poltica. Por um lado, a progressiva incorporao cvica das

    massas, mediante a ampliao do direito de voto (abolio das barreiras censitrias,

    capacitrias e de gnero), um processo que teve dinmicas e ritmos diversos consoante

    os pases, e que culmina no sufrgio universal adulto. Por outro, a igualizao das

    condies de voto a eliminao do sufrgio indirecto e do voto plural, bem como o

    estabelecimento efectivo do segredo de voto e de rcios eleitores/deputados idnticos

    em todos os crculos - , cujo terminus ad quem a consagrao do princpio um

    eleitor, um voto, o mesmo valor. Esta democratizao da instituio eleitoral tanto

    3 Concentramo-nos aqui nos regimes liberais e democrticos, no ignorando que nos regimes

    autoritrios, apesar de desfiguradas (des lections pas comme les autres: no-concorrenciais,

    sem liberdade de expresso, nem garantias legais), as eleies tm um papel que no deve ser

    negligenciado. Sobre as eleies em contextos autoritrios, vd. o estudo pioneiro de Guy

    Hermet et al., Des lections pas comme les autres (1978), e mais recentemente Andreas

    Schedler, dir., Electoral Authoritarianism: The Dynamics of Unfree Competition (2006).

  • 24

    resultou de presses vindas de baixo, da mobilizao poltica dos excludos, como de

    iniciativas a partir de cima, fruto da competio inter-elites e/ou de estratgias

    preventivas4 [vd. Rokkan (1961;1970), Collier (1999), Zibblat (2006) e Przeworski

    (2008)].

    A institucionalizao do sufrgio universal igualitrio - verdadeira esfinge dos

    tempos modernos, no aforismo do historiador Pierre Rosanvallon - teve vrias

    implicaes. Criou eleitorados nacionais social e culturalmente mais diferenciados e

    hererogneos, potenciando assim a traduo na esfera poltica das principais divises e

    clivagens existentes nas sociedades. Induziu a reformulao das molduras institucionais

    da aco poltica, em particular as organizaes partidrias (substituio dos partidos

    de notveis pelos partidos de massas, e sua crescente burocratizao). Estimulou o

    aumento da competio eleitoral e partidria, associada tambm a uma maior

    polarizao ideolgica.

    A relevncia institucional e poltica das eleies reside igualmente nos

    potenciais efeitos estruturantes dos mecanismos de escrutnio os sistemas eleitorais,

    stricto sensu. Os sistemas eleitorais de representao maioritria (RM) dominam quase

    em exclusivo a paisagem poltica at viragem do sculo XIX para o sculo XX. Os

    sistemas de representao proporcional (RP), uma inovao tardia introduzida em

    eleies parlamentares nacionais na Blgica em 1899 e a seguir na Finlndia em 1906 -,

    s se difundem na Europa por alturas da I Guerra Mundial. De acordo com a

    interpretao cannica de Stein Rokkan, a tendncia que se manifesta ento para a

    substituio da RM pela RP tem origem em pases com maior heterogeneidade cultural,

    mas acentua-se sobretudo devido crescente diferenciao socio-econmica de

    eleitorados nacionais massificados: the pressures for [PR] increase with the ethnic

    and/or religious heterogeneity of the citizenry and [...] with the increased economic

    differentiation generated through urbanisation and the monetisation of transactions

    [Rokkan et al. (1970: 88)]. Em vrios pases h, alis, uma perfeita sincronia na

    adopo do sufrgio universal e da RP. Ainda segundo Rokkan, o fascnio ento

    exercido pela RP, ditado mais por clculos instrumentais do que por razes idealistas de

    justia eleitoral, decorre da sua ambiguidade funcional: reivindicada inicialmente por

    minorias polticas radicais, tambm apropriada por elites conservadoras empenhadas

    em resguardar a sua influncia num contexto de sufrgio de massas.

    4 Na formulao clebre de Earl Grey (1831), I am reforming to perserve [] to prevent the necessity of

    revolution.

  • 25

    A avaliao das consequncias dos sistemas eleitorais - e, numa perspectiva

    mais normativa, das suas vantagens e inconvenientes para a democracia e o bom

    governo , desde o ltimo tero do sculo XIX, um tema importante e recorrente no

    debate poltico e cientfico. Os contornos essenciais desse debate foram de algum modo

    delineados pelas opinies de John Stuart Mill (1861) a favor da RP e pela reaco

    crtica de Walter Bagehot (1867). O primeiro - que acolheu entusiasticamente o sistema

    de RP inventado pelo seu compatriota Thomas Hare (1857 e 1859) - destacou duas

    vantagens essenciais do novo mtodo de escrutnio: (i) a representao das minorias

    suficientemente expressivas, assegurando assim a justia eleitoral e a formao de

    assembleias parlamentares plurais e dinmicas; (ii) a substituio da representao

    territorial5 pela representao pessoal

    6, o que favorece a ligao ideolgica entre

    eleitores e eleitos e a elevao dos padres de qualidade (intelectual e moral) no

    recrutamento parlamentar. Por sua vez, Walter Bagehot contra-argumenta apontando

    trs consequncias negativas principais da RP: (i) inaco parlamentar e governos

    fracos: a representao matematicamente exacta das minorias conduz a uma paralisia do

    processo de deciso legislativo, prejudicando a eficcia e estabilidade governativas; (ii)

    radicalismo poltico: a representao independente de mltiplas opinies e interesses

    diferenciados encoraja os comportamentos sectrios e egostas, minando um dos pilares

    do regime parlamentar (o esprito de moderao); (iii) tirania dos partidos: a

    eliminao dos pequenos crculos eleitorais refora o papel das organizaes partidrias,

    com a consequente perda de independncia dos parlamentares.

    Esboado o panorama da reflexo clssica sobre os sistemas eleitorais - onde

    so convocados mais alguns contributos interessantes, de Antnio Cndido (1881) e

    Victor dHondt (1882) a Ferdinand Hermens (1941) -, procedemos ento ao exame

    crtico do debate cientfico contemporneo, aps a II Guerra Mundial, quando as

    generalizaes ou hipteses tericas so baseadas numa pesquisa emprica cada vez

    5 Segundo Mills, os pequenos crculos eleitorais de base territorial acentuam o localismo

    poltico e favorecem o clientelismo: the only persons who can get elected are those who

    possess local influence, or make their way by lavish expenditure (1991: 158). 6 No sistema proposto por Hare, o apuramento final dos votos faz-se num crculo nico

    nacional. Assim, como explica Mills, any elector would be at liberty to vote for any candidate,

    in whatever part of the country he might offer himself, o que estimularia os eleitores a votarem

    by selection from all the persons of national reputation on the list of candidates with whose

    general principles they were in simpathy (1991: 153).

  • 26

    mais ampla, em termos geogrficos e temporais. Podem identificar-se trs orientaes

    analticas principais.

    A abordagem institucional clssica, que tem como expoente mximo Maurice

    Duverger, postula que os sistemas eleitorais tm um efeito poltico decisivo, porquanto

    so a varivel independente que determina a configurao do sistema de partidos e o

    prprio modelo de organizao dos partidos. O politlogo francs [1950 e 1951]

    enunciou mesmo trs leis sociolgicas, a seguir reproduzidas na sua formulao

    inicial: (i) a representao proporcional conduz a um sistema de partidos mltiplos,

    rgidos e independentes; (ii) o escrutnio maioritrio a duas voltas conduz a um sistema

    de partidos mltiplos, flexveis e independentes; (iii) o escrutnio maioritrio a uma s

    volta leva ao dualismo dos partidos [vd. traduo portuguesa in Braga da Cruz, org.

    (1998: 116)]. Esta , alis, uma das teses mais famosas da Cincia Poltica, que no s

    tem alimentado infindveis controvrsias, como foi objecto de alguns importantes

    refinamentos crticos [vd., por exemplo, Rae (1967 e 1971)].

    A abordagem sociolgica tende, por sua vez, a minimizar o impacto dos

    sistemas eleitorais no formato das constelaes partidrias, valorizando o papel

    determinante das clivagens socioestruturais [vd. Lipset e Rokkan (1967) ou Rokkan et

    al. (1970)]. Nessa medida, tanto os sistemas eleitorais como os sistemas de partidos so

    tratados como variveis dependentes; acresce ainda que as reformas eleitorais nem

    sempre antecedem, mas antes confirmam as alteraes nas dinmicas partidrias.

    Por ltimo, a abordagem neo-institucional faz uma espcie de sntese das duas

    anteriores, advogando que os sistemas eleitorais so importantes, mas a sua influncia

    tende a variar consoante as circunstncias. O mesmo dizer: depende dos factores ou

    variveis contextuais [Nohlen (2007:55)]. Assim, embora possam identificar-se

    diferentes efeitos tendenciais dos sistemas de RM e RP (vd. quadro sinptico), um

    mesmo sistema eleitoral pode ter consequncias distintas consoante as circunstncias

    sociais e polticas concretas.

  • 27

    Os sistemas eleitorais: tipos fundamentais e efeitos tendenciais

    ______________________________________________________________

    Efeitos tendenciais RM RP

    ______________________________________________________________

    Bipartidarismo Sim No

    Maioria absoluta de um s partido Sim No

    Estabilidade do governo Sim No

    Alianas de governo No Sim

    Atribuio unvoca da responsabilidade poltica Sim No

    Representao justa No Sim

    Oportunidades para novas tendncias polticas No Sim

    ____________________________________________________________

    Fonte: Nohlen (1995: 51).

    Um outro aspecto inquirido sobre os sistemas eleitorais o do seu impacto nos

    comportamentos e atitudes eleitorais. Harold Gosnell (1930) foi talvez o primeiro a

    sugerir, ainda que com uma escassa evidncia emprica, o impacto positivo da RP na

    participao eleitoral, uma hiptese confirmada por estudos recentes [vd. Lijphart

    (1997) e Rose (1997)]. Por seu turno, Maurice Duverger (1950 e 1951) introduziu a

    importante distino entre os efeitos mecnicos e os efeitos psicolgicos dos sistemas

    eleitorais, explicando estes ltimos o fenmeno do chamado voto til, um tema que

    ganhou acuidade no contexto actual de maior volatilidade eleitoral e em conexo com o

    modelo do cidado racional, e que deu lugar a sofisticadas anlises sobre o que hoje

    se designa por voto estratgico [vd., em particular, Cox (1997)].

    O estudo da participao eleitoral, das determinantes e motivaes do voto (ou

    da absteno), no quadro das democracias contemporneas constitui um dos grandes

    temas de investigao da sociologia poltica. Compreensivelmente, pois como adverte

    Anthony Downs (1957: 269), participation in elections is one of the rules of the game

    in a democracy [] without it democracy cannot work. Assim, na parte final deste

    mdulo expomos os lineamentos essenciais das teorias explicativas do voto e o sentido

    da evoluo recente das dinmicas eleitorais7.

    7 Os alunos que prosseguem a sua formao acadmica na rea de especializao em Cincia

    Poltica, inscrevendo-se no curso de mestrado (2 ciclo), tero oportunidade de aprofundar estes

    temas na unidade curricular Estudos Eleitorais.

  • 28

    Comeamos, uma vez mais, por sinalizar os contributos dos pioneiros o

    francs Andr Siegfried (a geografia eleitoral: os temperamentos polticos regionais),

    o americano Harold Gosnell (a busca das causas da absteno) e o sueco Herbert

    Tingsten (percursor das explicaes sociolgicas do voto) 8

    . Segue-se, ento, a descrio

    dos postulados dos trs principais modelos tericos, ou ortodoxias [Catt (1996)], que

    se sucederam e rivalizaram a partir de meados da dcada de 1940:

    (i) O modelo sociolgico, enunciado de modo eloquente por Paul

    Lazarsfeld e os seus colegas da universidade nova-iorquina de Columbia

    na seguinte assero: a person thinks, politically, as he is, socially.

    Social characteristics determine political preference (1944; reed., 1968:

    27].

    (ii) O modelo sociopsicolgico (ou modelo de Michigan), graficamente

    representado por um funil de causalidade, que postula a preeminncia

    das identificaes partidrias na determinao do voto [Campbell et al.

    (1960)].

    (iii) O modelo do eleitor racional, formulado inicialmente por Anthony

    Downs (1957) mas cuja difuso foi mais tardia, que postula ser o homo

    politicus um cidado racional e, como tal, procura maximizar a utilidade

    do seu voto, fazendo uma ponderao dos custos e benefcios [vd.

    tambm a noo conexa do eleitor responsvel, cunhada por Key

    (1966)].

    As controvrsias tericas (e metodolgicas) sobre a explicao do voto [vd.

    Natchez (1985) e Niemi e Weisberg (1993)] no so alheias ao sentido da evoluo dos

    comportamentos eleitorais nas democracias Ocidentais no aps-Guerra. relativa

    estabilidade dos alinhamentos eleitorais nas primeiras dcadas, ditada pela aparente

    fossilizao das clivagens estruturais e sua projeco em sistemas de partidos robustos,

    sucedeu a partir de meados da dcada de 1970 uma nova era, pautada por uma maior

    absteno [vd. Lijphart (1997), Rose (1997) e Franklin (2004)] e uma crescente

    instabilidade ou volatilidade eleitoral [vd. Dalton et al., dir. (1984) e Martin (2000)],

    8 Vd. os comentrios s obras destes autores na bibliografia final (seco 3.3).

  • 29

    associada a uma orientao mais individualista no exerccio da cidadania, que se

    atribui quer ao declnio de certos marcadores rgidos do passado - o voto de classe,

    o voto religioso, as identificaes partidrias -, quer emergncia de novas linhas

    de clivagem e de uma outra cultura poltica (ps-materialista) [vd. Dogan (1995),

    Broughton e Martien, dir. (2000), Leduc, dir. (2002) e Klingemann, dir. (2012)].

    Dinmica eleitoral essa que interage com o desenvolvimento dos partidos e se repercute

    na estrutura da competio poltica e partidria um tema a aflorar no mdulo seguinte.

    Aulas prticas (2): textos de leitura obrigatria.

    (1)

    Adam PRZEWORSKI, Conquered or Granted? A History of Suffrage Extensions, British Journal of Political Science, 39, 2008, pp. 291-321.

    (2)

    Dieter NOHLEN, Duverger, Rae, Sartori e os efeitos nomolgicos dos sistemas eleitorais, in D. Nohlen, Os sistemas eleitorais: o contexto faz a diferena, Lisboa,

    2007, pp. 42-52.

    Mattei DOGAN, Le dclin du vote de classe et du vote religieux en Europe occidentale, Revue internationale des sciences sociales, 146, Dezembro 1995, pp. 601-

    616.

  • 30

    TEMA 4

    Aulas tericas:

    Como afirmou em tempos Michel Crozier (1963: 215), fazendo-se eco de uma

    opinio partilhada por muitos especialistas, le phnomne bureaucratique constitue un

    des problmes clefs de la sociologie et de la science politique moderne.

    O triunfo da Zweckrationalitt9 ou racionalidade funcional no mundo

    moderno manifesta-se precisamente no desenvolvimento de organizaes burocrticas

    em todas as esferas da sociedade. Os antecedentes histricos e os pressupostos

    (econmicos, culturais e tecnolgicos) desse fenmeno, bem como as suas

    consequncias, so magistralmente descritos e analisados nos escritos fundadores de

    Max Weber (1922; trad. inglesa, 1978). Se Marx viu na separao do produtor dos

    meios de produo a chave da emergncia do capitalismo, Weber postula, por analogia,

    que na esfera do Estado a separao do administrador ou funcionrio dos meios de

    administrao10

    foi o processo fulcral na transio da burocracia patrimonial ou

    tradicional para a burocracia racional ou moderna. Os atributos essenciais desta ltima,

    fixados no tipo-ideal weberiano - hierarquia (com mecanismos de subordinao e

    controlo), especializao funcional, recrutamento meritocrtico e profissionalizao dos

    funcionrios, regras objectivas e impessoais, rotinizao dos procedimentos -, conferem

    s instituies uma superioridade tcnica e eficcia administrativa mpares. Na prtica,

    porm, as consequncias da burocratizao so ambivalentes, e h tambm lugar a

    disfunes e patologias por um lado, a rotinizao inibidora da capacidade de

    adaptao criativa s circunstncias, e, por outro, a impessoalidade das normas e os

    constrangimentos hierrquicos so fautores de desumanizao e opresso [vd. Merton

    (1936), Crozier (1963) e Blau e Meyer (1971)].

    Na esfera poltica, e como assevera o prprio Weber (1978: 969), the big state

    and the mass party are the classic field of bureaucratization. Uma dinmica que foi

    9 Max Weber distingue dois tipos, ainda que interligados, de racionalidade: a Zweckrationalitt,

    a dimenso formal e organizacional, associada ao processo de diferenciao estrutural, e a

    Wertrationalitt, que se manifesta na esfera simblica e dos valores. Na traduo de Karl

    Manheim corresponde distino entre racionalidade funcional e racionalidade

    substantiva. 10

    In principle, the modern organization of the civil service separates the bureau from the

    private domicile of the official and, in general, segregates official activity from the sphere of

    private life. Public monies and equipment are divorced from the private property of the official.

    This condition is everywhere the product of a long development. Nowadays, it is found in

    public as well as in private enterprises [Weber (1978: 957)].

  • 31

    estimulada pela contnua expanso (quantitativa e, sobretudo, qualitativa11

    ) dos recursos

    e capacidades administrativas dos Estados nacionais, bem como pelas novas exigncias

    organizacionais criadas pela progressiva massificao do sufrgio [vd. LaPalombara,

    dir. (1967) e Mayntz (1985)]. Questo crucial aqui, sem dvida, a da complexa relao

    entre burocracia e democracia, pois uma e outra tanto convergem12

    e se reforam, como

    se entrechocam [vd. Etzioni-Halevy (1985) e Page (1992)]. Um dilema que inquietou

    Weber e que suscitara precocemente as reflexes pessimistas de dois contemporneos

    seus, o russo Moisei Ostrogorski (1902) e sobretudo o alemo Robert Michels (1911;

    trad. port., 2001). Ambos elegeram os partidos polticos, enquanto modos preferenciais

    de organizao da aco colectiva nas democracias modernas, como o observatrio

    privilegiado das consequncias das tendncias burocrticas. Embora as instituies

    partidrias j tivessem sido objecto de algumas valiosas descries morfolgicas [vd.,

    em particular, Bryce (1889) e Lowell (1896)], Ostrogorski e Michels foram mais longe,

    dissecando a sua anatomia e formulando hipteses gerais sobre a lgica do seu

    funcionamento. Nessa medida, so considerados os verdadeiros fundadores do estudo

    cientfico dos partidos.

    Segundo Ostrogorski, cuja investigao emprica incidiu sobre os EUA e

    Inglaterra, os mtodos de aco e organizao dos partidos polticos tinham-nos

    convertido em mquinas centralizadas e disciplinadas (exrcitos regulares)

    vocacionadas exclusivamente para a conquista e exerccio do poder, atrofiando o espao

    de afirmao espontnea da cidadania e despojando-a da sua fora de intimidao

    social. Especificando, identifica trs malefcios essenciais do tipo ento dominante de

    partidos: (i) so uma fonte de dogmatismo e intolerncia, impondo aos seus membros

    uma obedincia e lealdade incondicionais, ao mesmo tempo que encorajam as

    animosidades sectrias contra os adversrios; (ii) so uma fonte de empobrecimento do

    debate poltico, confinando-o aos temas que se inscrevem num quadro de divergncias

    reconhecidas; (iii) so instrumentos de tirania e corrupo, ao converterem-se num

    fim em si-mesmo, usurpando o poder soberano das massas, e ao subordinarem a

    11

    Como sublinha Weber (1978: 971), bureaucratization is stimulated more strongly, however,

    by intensive and qualitative expansion of the administrative tasks than by their extensive and

    quantitative increase. 12

    Bureaucracy inevitably accompanies modern mass democracy [...]. This results from its

    characteristic principle: the abstract regularity of the exercise of authority, which is a result of

    the demand for equality before the law in the personal and functional sense hence, of the

    horror of privilege, and the principled rejection of doing business from case to case

    [Weber (1978: 983)].

  • 32

    gesto dos recursos pblicos a critrios de distribuio clientelares13

    . Na opinio de

    Ostrogorski, o predomnio dos partidos permanentes e rgidos no todavia uma

    inevitabilidade, podendo dar lugar a uma espcie de partidos ad hoc, temporrios, que

    seriam benficos para a vida democrtica: Le parti entrepreneur gnral des nombreux

    et varis problmes rsoudre [...] ferait place des organisations spciales, limites

    leurs objets particuliers. Il cesserait dtre un amalgame de groupes et dindividus runis

    dans un accord fictif [...] et ferait place des groupements qui se formeraient et se

    reformeraient librement selon les problmes changeants de la vie et les jeux dopinions

    que ceux-ci amneraient. Des citoyens qui se seraient spars sur une question feraient

    route ensemble sur une autre question (1912, pp. 647-48).

    O diagnstico crtico de Michels, ancorado sobretudo no exemplo do Partido

    Social-Democrata alemo, mais radical. Postula que as exigncias organizacionais e a

    dinmica burocrtica das modernas sociedades de massas engendram a inelutvel

    degenerescncia oligrquica dos partidos (uma lei de ferro) e inviabilizam a

    democracia. O aumento do volume e da complexidade das tarefas administrativas nas

    organizaes em larga escala implica uma crescente especializao funcional e

    hierarquia de posies, que conduz profissionalizao dos dirigentes e a uma estrutura

    de poder fortemente assimtrica e restritiva. Uma tendncia estrutural que seria ainda

    agravada quer pela psicologia das massas - apatia congnita, necessidade (religiosa)

    de venerao dos chefes, etc. -, quer pelas estratgias de reproduo no poder utilizadas

    pelos dirigentes. Nas palavras de Michels (2001: 54-55), a democracia entra em fase

    de declnio medida que aumenta o nvel de organizao, pois quem diz organizao,

    diz tendncia para a oligarquia.

    Escritas numa poca em que os modernos partidos de massas, densamente

    burocratizados e profissionalizados, ainda estavam na sua infncia, as teses de

    Ostrogorski e de Michels, no obstante os exageros, tm sobretudo interesse pelo seu

    carcter premonitrio - o que explica, alis, a sua redescoberta nas dcadas de 1960-

    70, quando se intensificam as crticas partidocracia.

    Os partidos polticos so, inegavelmente, actores institucionais omnipresentes

    nos sistemas polticos modernos ou em vias de modernizao, tanto democrticos como

    autoritrios, o que decerto significa que emergem whenever the activities of a political

    system reach a certain degree of complexity, or whenever the notion of political power

    13

    Le parti formant une troupe montant lassaut du pouvoir pour se partager les dpouilles

    [Ostrogorski (1912: 643)].

  • 33

    comes to include the idea that the mass public must participate or be controlled [

    LaPalombara e Weiner (1972: 3)]. Nas democracias consolidadas o protagonismo dos

    partidos bem visvel em duas arenas institucionais. Por um lado, e em conexo com o

    papel fulcral que desempenham na integrao e mobilizao do eleitorado

    estruturando a catica vontade pblica (Sigmund Neumann) -, monopolizam a

    representao poltica nos seus mltiplos nveis (local, regional, nacional e

    supranacional). Por outro, controlam o poder executivo o governo de partidos a

    norma.

    O universo dos partidos , porm, variado e dinmico, tendo conhecido algumas

    mudanas significativas ao longo do tempo. As vrias tipologias ou classificaes dos

    partidos evidenciam essa diversidade gentica e as metamorfoses ocorridas na sua

    trajectria histrica: partidos de notveis e partidos de massas (Max Weber), partidos de

    origem interna e partidos de origem externa (Maurice Duverger), partidos catch-all

    (Otto Kirchheimer), partidos cartel (Richard Katz e Peter Mair) 14

    .

    A par da abordagem institucional dos partidos, h uma outra, de cariz

    sociolgico, que privilegia a anlise das linhas de diviso ou clivagens socioestruturais

    que alimentam os principais contrastes e antagonismos partidrios nos sistemas

    polticos modernos. Destacamos aqui, pela sua relevncia analtica e impacto na

    literatura especializada, a tipologia da estrutura de clivagens proposta por Seymour

    Lipset e Stein Rokkan para explicarem a gnese e desenvolvimento dos sistemas de

    partidos na Europa. Identificam uma constelao de quatro tipos bsicos de clivagens,

    associadas a duas transformaes revolucionrias. Assim, as Revolues Nacionais

    i.e., os movimentos que, sob o impulso da Revoluo Francesa, conduziram formao

    dos Estados-nao criaram ou acentuaram15

    duas clivagens: (i) clivagem territorial,

    que tem a ver com a resistncia de regies e identidades culturais (por exemplo,

    minorias lingusticas) perifricas ao processo de integrao nacional conduzido pelas

    elites do centro; e (ii) clivagem religiosa, que se prende com o conflito entre Estado e

    Igreja, nomeadamente sobre o controlo da educao. Por seu turno, a Revoluo

    14

    A descrio e anlise crtica dos desenvolvimentos recentes nos modelos de organizao e nos

    perfis ideolgicos dos partidos polticos feita, de modo aprofundado, na unidade curricular do

    1 ciclo Partidos Polticos e Organizaes de Interesses. Aqui limitamo-nos a traar um breve

    panorama da transformao dos partidos, sublinhando a sua interaco com mudanas ocorridas

    na esfera eleitoral (j abordadas no final do anterior mdulo temtico) e nos padres e lgicas de

    recrutamento poltico (a aflorar no prximo mdulo temtico). 15

    Nalguns pases, as clivagens territoriais e religiosas podem ter origem em processos iniciais

    de construo dos Estados (aps Vesteflia) ou nas guerras religiosas.

  • 34

    Industrial gerou outras duas clivagens: (iii) clivagem urbano-rural, que radica no

    conflito de interesses entre os sectores primrio e secundrio da economia; e (iv)

    clivagem de classe, que est ligada ao conflito entre capital e trabalho.

    Segundo Lipset e Rokkan, este modelo analtico no prescreve qualquer

    determinismo sociolgico, na medida em que a constelao de clivagens no se projecta

    mecnica e automaticamente na formao dos sistemas de partidos. Acresce, alis, que a

    intensidade e persistncia do conflito gerado por uma clivagem inicial pode inibir o

    impacto poltico de novas linhas de clivagem por exemplo, em alguns pases a

    clivagem religiosa subalternizou a clivagem de classe16

    . Salientam tambm que as trs

    primeiras clivagens (territorial, religiosa e funcional) foram as que tiveram maior

    impacto na diferenciao entre os sistemas partidrios dos vrios pases europeus

    (existncia ou no de partidos regionais, cristos ou agrrios); pelo contrrio, a clivagem

    classista teve um efeito de convergncia, pois surgiram partidos de trabalhadores

    (socialistas e comunistas) em todos os pases europeus. Sublinham, por ltimo, que a

    difuso da representao proporcional na fase final de massificao do sufrgio nos

    comeos do sculo XX contribuiu para estabilizar e congelar (freeze) o sistema de

    alternativas partidrias em vrios pases - the party systems of the 1960s reflect, with

    few but significant exceptions, the cleavage structures of the 1920s [Lipset e Rokkan

    (1967: 50)]. Uma proposio que descrevia correctamente a realidade visvel, mas no

    antecipava as mudanas latentes que iriam manifestar-se a partir de meados da dcada

    de 1970 (declnio das identificaes partidrias, volatilidade e realinhamentos

    eleitorais).

    Aulas prticas (2): textos de leitura obrigatria.

    (1)

    Max WEBER, Bureaucracy, in M. Weber, Economy and Society: An Outline of Interpretive Sociology, vol. 2, Berkeley, Calif., 1978, pp. 956-963 e 973-985.

    (2)

    Stein ROKKAN, Party Systems and the Model of Europe, in S. Rokkan,. State Formation, Nation-Building and Mass Politics in Europe, Oxford, 1999, pp. 320-340.

    16

    The deeper and more persistent the church-state conflicts, the greater the fragmentation of

    the working class [Rokkan (1999: 44)].

  • 35

    TEMA 5

    Aulas tericas:

    O termo elite foi incorporado no vocabulrio cientfico17

    no dealbar do sculo

    XX por Vilfredo Pareto (1901), que forma com Gaetano Mosca (1896; 1939) e Robert

    Michels (1911) a trade fundadora da chamada teoria clssica das elites. Esta assenta

    em quatro premissas de base. Primeiro, o domnio de uma minoria (as elites) sobre a

    maioria (as massas) uma inevitabilidade, pois no se trata de uma mera contingncia

    histrica, mas de uma constante da estrutura de poder em todas as sociedades. Segundo,

    as elites (governantes) detm o monoplio dos recursos vitais de poder e dos lugares

    estratgicos de deciso, no estando subordinadas a um controlo efectivo das massas,

    independentemente da existncia de rituais democrticos. A formulao mais eloquente

    desta incompatibilidade insanvel entre elites e democracia porventura a da lei de

    ferro das oligarquias de Michels, atrs enunciada. Terceiro, em todas as sociedades h

    uma distribuio desigual dos recursos que tende a ser cumulativa - a vantagem das

    positions dj prises (Mosca) - e, nessa medida, riqueza, status social e poder poltico

    tendem a concentrar-se e a reforar-se mutuamente, o que estimula o carcter

    monoltico, exclusivista e auto-reprodutivo das elites. Quarto, as elites so grupos

    coerentes (sociologicamente), coesos (em termos organizacionais) - tanto Mosca como

    Michels sublinharam o contraste decisivo entre os recursos organizacionais das elites e a

    desorganizao das massas - e unidos (i.e., com uma vontade comum para a aco).

    Trata-se, na formulao clssica de James Meisel (1958: 16), do predomnio dos trs

    Cs: goup cohesion, consciousness, conspiracy the unity of being, thought, and

    purpose. Acrescente-se, por ltimo, a proposio paretiana de que as elites esto

    expostas a um movimento contnuo de renovao - a circulao das elites -, cuja

    amplitude e intensidade varivel, e que constitui um mecanismo indispensvel de

    equilbrio social, prevenindo a estagnao ou fossilizao das sociedades.

    A reviso crtica destes postulados, inspirada na definio de democracia

    proposta por Joseph Schumpeter18

    (1943), deu origem teoria pluralista das elites ou

    elitismo democrtico, que tem em Robert Dahl pela sua elaborao terica (conceito

    17

    Para um til inventrio dos usos prvios do termo elite na linguagem comum, vd. Genieys (2012: 15-

    18]. 18

    An institutional arrangement for arriving at political decisions in which individuals [as

    elites] acquire the power to decide by means of a competitive struggle for the peoples vote

    (Schumpeter, 1976: 269). Vd. referncia bibliogrfica na seco 2.3.

  • 36

    de poliarquia) e pesquisa emprica sobre who governs? na cidade americana de New

    Haven (1961) uma das figuras mais proeminentes. Esta nova teoria sustenta que as

    desigualdades existem, mas so dispersas e no cumulativas, no existindo assim uma

    correlao necessria entre as hierarquias de riqueza, status e poder19

    ; por outras

    palavras, o controlo de um recurso de poder no implica o controlo de outros recursos

    de poder, gerando assim elites mais diferenciadas e hetergeneas, cujos interesses

    podem no ser coalescentes, mas divergentes ou at contraditrios. Como sublinhou

    Robert Putnam (1976: 213), a crescente diferenciao estrutural e especializao

    funcional das sociedades modernas tende a reduzir a integrao e coeso das elites. Por

    sua vez, a competio poltica, em particular na arena eleitoral, permite ao cidado

    comum intervir no processo de seleco da elite governante e escrutinar regularmente

    a sua aco ou seja, as elites no se furtam a um controlo democrtico. A discusso e

    validao das proposies de ambas as teorias estimulou a investigao emprica sobre

    as elites, nomeadamente sobre as suas caractersticas sociais e processos de

    recrutamento.

    Na literatura especializada h hoje um vasto consenso no sentido de considerar a

    estrutura e aco das elites20

    como uma varivel importante, quando no mesmo

    decisiva, na explicao da dinmica das sociedades e sistemas polticos modernos. Uma

    assuno que se baseia no seu papel activo na concepo e construo das instituies,

    na formao de coligaes de poder, na produo de smbolos e valores centrais, em

    suma, na tomada de decises vitais. Os estudos sobre modernizao sublinharam o

    papel das elites modernizadoras e das lideranas carismticas nos processos de

    mudana social e poltica [vd., por exemplo, Lasswell e Lerner (1965), Eisenstadt21

    (1990) e Diamond et al., dir. (1995)], e a literatura recente sobre mudanas de regime e

    as transies para a democracia tem destacado, com maior ou menor nfase, a

    preeminncia das estratgias, orientaes e pactos das elites polticas [vd. Higley e

    Gunther (1992), Dogan e Higley, dir. (1998), Collier (1999) e Higley e Burton (2006)].

    No significa isso, porm, que as elites sejam os nicos protagonistas influentes e,

    muito menos, que tenham uma espcie de papel demirgico nas transformaes

    19

    Na proposio incisiva de Geraint Parry (2005: 107), a powerful man is not necessarily wealthy, a

    wealthy man not necessarily powerful. 20

    Sobre a estrutura das elites, e o seu impacto na configurao e dinmica dos regimes polticos, vd. a

    classificao tripartida proposta por J. Higley e M. Burton (1989 e 2006): elites ideologicamente

    unificadas; elites consensualmente unidas; elites desunidas. 21

    Vd. tambm a introduo de S.N. Eisenstadt colectnea de textos de Max Weber, On

    Charisma and Institution Building (1968).

  • 37

    histricas. A mobilizao de massas, os movimentos sociais, a opinio pblica so

    igualmente importantes, no raro condicionando as aces e o poder decisrio das elites,

    ou forando a sua destituio ou substituio. Uma viso integrada, polidrica, do

    desenvolvimento histrico pressupe o estudo contextualizado dos vrios actores sociais

    e polticos e das suas relaes mtuas.

    Para desfazer alguns equvocos persistentes, que os alunos amide reproduzem,

    conveniente esclarecer o significado conceptual do termo elite na cincia (ou

    sociologia) poltica contempornea. Genericamente, as elites so assim definidas por

    ocuparem as posies de topo (formais ou informais) nas vrias hierarquias funcionais

    da sociedade. O termo elite , pois, despojado de uma conotao normativa, no

    identificando um escol ou uma minoria superior ou virtuosa: as elites podem ser

    medocres, incompetentes, corruptas ou imorais22

    . Em que medida o acesso s posies

    de mando e influncia aberto ou fechado, a circulao da elite permevel ou no

    aos canais democrticos, o que deve ser investigado e tem um efeito revelador23

    das

    caractersticas da estrutura social e das relaes de poder numa dada sociedade [vd.

    Seligman (1964), Putnam (1976), Eldersveld (1993) e Etzioni-Halevy (1993)].

    O estudo dos padres de recrutamento das elites polticas quem so, quais as

    suas credenciais, como so seleccionadas e por quem constitui, de facto, um tema

    privilegiado nas pesquisas empricas das ltimas dcadas. Se as perspectivas mais

    sociolgicas focam preferencialmente as caractersticas sociodemogrficas (classe

    social, educao, profisso, idade, gnero, etc.) e os itinerrios de carreira poltica,

    procurando perceber em que medida podem influenciar as atitudes e comportamentos

    das elites, o neo-institucionalismo tem vincado a importncia dos contextos

    institucionais nas lgicas de recrutamento i.e., as normas jurdico-constitucionais, o

    sistema eleitoral e o sistema de partidos modelam uma determinada estrutura de

    oportunidades (e constrangimentos) que afecta o mercado do recrutamento poltico,

    tanto do lado da oferta (motivaes e recursos dos candidatos) como do lado da procura

    22

    Ao examinar o recrutamento da elite poltico-partidria americana em finais do sculo XIX, j James

    Bryce (1896) procurou compreender Why the best men do not go into politics. 23

    Como escreveu L.G. Seligman (1964: 612), the elite recruitment pattern both reflects and affects the

    society. As a dependent variable it expresses the value system of the society and its degree of consistency

    and contradictions, the degree and the type of representativeness of the system, the basis of social

    stratification and its articulation with the political system, and the structure and change in political

    roles. E acrescenta: As a factor which affects change, or as an independent variable, elite recruitment

    patterns determine avenues for political participation and status, influence the kind of policies that will be

    enacted, accelerate or retard changes, affect the distribution of status and prestige, and influence the

    stability of the system.

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    (critrios de quem selecciona) [vd., em particular, Norris, dir. (1997: 1-14)]. Assim, por

    exemplo, as regras legais e/ou o sistema eleitoral (magnitude dos crculos, tipo de lista)

    podem favorecer ou inibir as candidaturas a deputados de independentes e de

    mulheres.

    A descrio e anlise das principais continuidades, descontinuidades e mudanas

    no perfil das elites polticas contemporneas, em especial na Europa24

    , so feitas nas

    aulas a partir de uma seleco dos estudos comparados recentes mais relevantes sobre o

    recrutamento parlamentar [Norris, dir. (1997), Cotta e Best, dir. (2000 e 2007)] e

    ministerial [ Blondel e Thibault, dir. (1991), Almeida, Pinto e Bermeo, dir. (2003;

    2012) e Dowding e Dumont, dir. (2008)].

    As transformaes ocorridas nos padres de recrutamento no se processaram de

    modo linear, homogneo e sincrnico, mas na longa durao sobressaem duas

    tendncias comuns principais [Cotta e Best, dir. (2000 e 2007), Borchert e Zeiss, dir.

    (2003), e Alcntara Sez (2012)]. Por um lado, a democratizao, com a abertura e

    diversificao dos canais de seleco, de que so notrios testemunhos quer o declnio

    das origens aristocrticas e plutocrticas, e a actual preeminncia das classes mdias,

    quer a incorporao, ainda que tardia e lenta, das mulheres quebrando-se assim uma

    aparente lei de ferro da androgenia, como ironiza Putnam (1976: 33). Por outro lado,

    a profissionalizao, profetizada por Max Weber, com a ascenso dos polticos a

    tempo inteiro, com longas carreiras partidrias, para quem a poltica uma vocao

    permanente e uma actividade remunerada. Duas tendncias com lgicas distintas,

    potencialmente conflituais: enquanto a primeira socialmente inclusiva, a segunda tem

    um efeito segregador, demarcando uma linha divisria entre os insiders e os outsiders.

    Num sentido contrastante, ainda que com um menor grau de generalizao, e observvel

    sobretudo na formao das elites ministeriais, o protagonismo crescente