Pelo Espírito de: CAMILO CÂNDIDO BOTELHObvespirita.com/Memorias de um Suicida (psicografia Yvonne...

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4 YVONNE A. PEREIRA Pelo Espírito de: CAMILO CÂNDIDO BOTELHO Memórias de um Suicida

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    YVONNE A. PEREIRA

    PeloEspritode: CAMILO CNDIDO BOTELHO

    Memrias de um Suicida

  • 2 YvonneA.Pereira

    MEMRIASDEUMSUICIDA

    YvonnedoAmaralPereira

    PeloEspritode:CamiloCndidoBotelho

    1954 EditoraFEBFEDERAOESPRITABRASILEIRAwww.febnet.org.br

    Digitalizadapor:L.Neilmoris2008 Brasil

    www.luzespirita.org

  • 3 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    Memrias de um Suicida YVONNEA.PEREIRA

    PeloEsprito:CAMILOCNDIDOBOTELHO

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    NDICEIntroduo pg 5Prefciodasegundaedio pg 9

    PRIMEIRAPARTE OsRprobosIOValedosSuicidaspg 11II Osrprobospg 21III NoHospital"MariadeNazar"pg 35IVJernimode ArajoSilveiraefamlia pg 53VOreconhecimento pg 72VIAComunhocomoAlto pg 85VIINossosamigos osdiscpulosdeAllanKardec pg 104

    SEGUNDAPARTE OsDepartamentosIATorredeVigiapg 117II Osarquivosda alma pg 136III OManicmio pg 152IVOutravezJernimoefamlia pg 169VPreldiosdereencarnao pg 192VI"Acadaumsegundosuasobras" pg 210VIIOsprimeirosensaiospg 230VIII Novosrumospg 244

    TERCEIRAPARTE A CidadeUniversitriaIAMansodaEsperanapg 258II "Vindeamim" pg 271III "Homem,conheceteatimesmo"pg 280IVO"homemvelho"pg 298VAcausademinhacegueiranosculoXIXpg 309VIOelementofeminino pg 321VIIltimostraospg 336

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    Introduo

    Devo estas pginas caridade de eminente habitante domundo espiritual, ao qualmesintoligadaporumsentimentodegratidoquepressintoseestenderalmdavidapresente.Nofora a amorosa solicitude desse idumiraldo representante da Doutrina dos Espritos queprometeu,naspginasfulgurantesdosvolumesquedeixounaTerrasobrefilosofiaesprita,acudiraoapelode todocoraosinceroquerecorresseaoseuauxliocomointuitodeprogredir,umavezpassadoeleparaoplanoinvisvelecasoacondescendnciadosCustantolhopermitisseeseperderiamapontamentosque,desdeoanode1926,isto,desdeosdiasdaminhajuventudeeosalboresdamediunidade,quejuntosfloresceramemminhavida,penosamenteeuvinhaobtendodeEspritos de suicidas que voluntariamente acorriam s reunies do antigo "Centro Esprita deLavras", nacidadedomesmo nome,noextremosuldoEstadodeMinasGerais,ede cujadiretoriafiz parte durante algum tempo.Refirome aLonDenis, o grande apstolo doEspiritismo, toadmiradopelosadeptosdamagnafilosofia,eaquemtenhoosmelhoresmotivosparaatribuirasintuiesadvindas paraacompilaoeredaodapresenteobra.

    Durantecercadevinteanostiveafelicidadedesentiraatenodetonobreentidadedomundo espiritual piedosamente voltada paramim, inspirandome um dia, aconselhandome emoutro, enxugandome as lgrimas nos momentos decisivos em que renncias dolorosas seimpuseramcomoresgatesindispensveisaolevantamentodeminhaconscincia,engolfadaaindanooprbrio dasconseqnciasdeumsuicdioemexistnciapregressa.

    E durante vinte anos convivi, por assim dizer, com esse Irmo venervel cujas liespovoaramminha alma de consolaes e esperanas, cujos conselhos procurei sempre pr emprtica, e quehoje comonunca, quando a existncia j declina para o seu ocaso, falamemaisternamenteainda,nosegredodorecintohumlimoondeestaslinhassoescritas!

    Dentre os numerosos Espritos de suicidas com quemmantive intercmbio atravs dasfaculdades medinicas de que disponho, um se destacou pela assiduidade e simpatia com quesempre me honrou, e, principalmente, pelo nome glorioso que deixou na literatura em lnguaportuguesa,poistratavasederomancistafecundoetalentoso,senhordeculturatovastaqueathojedemim mesmaindagoarazoporquemedistinguiria comtanta afeiose,obscura,trazendo

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    bagagem intelectual reduzidssima, somentepossuaparaofereceraoseuperegrinosaber,comoinstrumentao,ocoraorespeitosoeafirmezanaaceitaodaDoutrina,porquanto,poraqueletempo,nemmesmocultura doutrinriaeficienteeu possua!

    ChamarlheemosnestaspginasCamiloCndidoBotelho,contrariando,todavia,seusprprios desejos de sermencionado com a verdadeira identidade. Esse nobreEsprito, a quempoderosascorrentesafetivasespirituaismeligavam, freqentementese tornavavisvel, satisfeitopor se sentirbemqueridoeaceito.Atoanode1926,porm,smuitosuperficialmenteouvirafalaremseu nome.Nolheconheciasequerabagagemliterria,copiosaeerudita.

    Noobstante,veioeleadescobrirmeemumamesadesessoexperimental,realizadanafazenda do Coronel Cristiano Jos de Souza, antigo presidente do "CentroEsprita de Lavras",dandome ento a sua primeira mensagem. Da em diante, ora em sesses normalmenteorganizadas,oraemreuniesntimas,levadasaefeitoemdomicliosparticulares,ounosilnciodo meu aposento, altas horas da noite, davame apontamentos, noticirio peridico, escrito ouverbal, ensaios literrios, verdadeira reportagem relativa a casos de suicdio e suas tristesconseqnciasnoAlmTmulo,napocaverdadeiramenteatordoadoresparamin.Porm,muitomais freqentemente, arrebatavamme, ele e outros amigos e protetores espirituais, do crcerecorpreo,afimde,poressaformacmodaeeficiente,ampliarditadoseexperincias.

    Ento,meuEspritoalavaaoconvviodomundoinvisveleasmensagensjnoeramescritas,masnarradas,mostradas,exibidasminha faculdademedinicaparaque,aodespertar,maiorfacilidadeeuencontrasseparacompreenderaqueleque,pormercinestimveldoCu,mepudesse auxiliar a descrevlas, pois eu no era escritora para o fazer pormimmesma! Estaspginas, portanto, rigorosamente, no foram psicografadas, pois eu via e ouvia nitidamente ascenasaquidescritas,observavaaspersonagens,oslocais,comclarezaecertezaabsolutas,comoseosvisitasseeatudoestivessepresenteenocomoseapenasobtivessenotciasatravsdesimplesnarrativas. Se descreviam umapersonagem ou alguma paisagem, a configurao do exposto sedefiniaimediatamente,proporoqueapalavra fulgurantedeCamilo,ouaondavibratriadoseupensamento,ascriavam.

    Foimesmoporessaformaessencialmentepotica,maravilhosa,queobtivealongasriedeensaiosliterriosfornecidospeloshabitantesdoInvisveleatagoramantidosnosegredodasgesuetas,enopsicograficamente.

    Da psicografia os Espritos queme assistiam apenas se utilizavam para os servios dereceiturio e pequenas mensagens instrutivas referentes ao ambiente em que trabalhvamos. EpossomesmodizerquefoigraasaesseestranhoconvviocomosEspritosquemeadvieramasnicas horas de felicidade e alegria que desfrutei neste mundo, como a resistncia para ostestemunhosquefuichamadaaapresentarfrentedaGrandeLei!

    Noentanto,asreferidasmensagenseosapontamentosfeitosaodespertar,erambastantevagos,noapresentandonemafeioromnticanemasconclusesdoutrinriasque,depois,paraelescriouoseucompilador,porlhesdesejaraplicarmeiosuavedeexporverdadesamargas,masnecessriasnomomentoquevivemos.PerguntarseporqueoprprioCamilonoofez...Poisteria,certamente,capacidadeparatanto.

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    Respondereique,atomomentoemqueestaslinhasvosendotraadas,ignorootantocomoqualqueroutrapessoa!Jamaisperquiri,alis,dosEspritosarazodetalacontecimento.Deoutrolado,durantecercadequatroanosvimenaimpossibilidadedemanterintercmbionormalcomosEspritos,pormotivosindependentesdeminhavontade.Equandoasbarreirasexistentesforamarredadasdomeucaminho,oautordasmensagenssacudiuaosmeusreiteradosapelosafimdeparticiparsuaprximavoltaexistnciaplanetria.Encontreimeentoemsituaodifcilpara redigir o trabalho, dando feio doutrinria e educativa s revelaes concedidas ao meuEsprito durante o sonomagntico, as quais eu sabia desejarem as nobres entidades assistentesfossem transmitidascoletividade,poiseunoeraescritora,nomesobrandocapacidadepara,pormimmesma, tentaraexperincia.Relegueios,portanto,aoesquecimentodeumagavetadesecretria e orei, suplicando auxilio e inspirao. Orei, porm, durante oito anos, diariamente,sentindonocoraooardordeumachamavivadeintuiosegredandomeaguardasseo futuro,nodestruindoosantigosmanuscritos.Atque,hcercadeumano,recebi instruesa fimdeprosseguir,poissermeiaconcedidaanecessriaassistncia!

    Prosseguindo,porm,direiquetenhoasmaisfortesrazesparaafirmarqueapalavradosEspritos cenavivaecriadora,real,perfeita!Emsendo tambmumavibraodopensamentocapazdemanter,pelaaoda vontade,oquedesejar!Durantecercadetrintaanostenhopenetradodealgummodoosmistriosdomundo invisvel,enofoioutracoisaoquelpercebi.de notar,todavia, que, ao despertar, a lembrana somente me acompanhava quando os assistentes meautorizavama recordar! Namaioria das vezes em queme foram facultados estes vos, apenaspermaneceua impressodoacontecido,a ntimacertezadeque conviverapor instantescomosEspritos,masnoalembrana.

    Osmais insignificantes detalhes podero sernotados quando umEsprito iluminado ouapenasesclarecido "falar",como,porexemplo umacamadade psobre ummvelumesvoaardebrisaagitandoumcortinadoumvu,umlaodefitagracioso,mesmocomobrilhodaseda,novesturiofemininooestrelejardaschamasnalareiraeatoperfume,poistudoissotiveocasiode observar na palavra mgica de Camilo, de Victor Hugo, de Charles e at do apstolo doEspiritismonoBrasilBezerradeMenezes,aquemdesdeobero fuihabituadaavenerar,pormeus pais. Certa vez em que Camilo descrevia uma tarde de inverno rigoroso em Portugal,juntamentecomuminterioraquecidoporlareirabemacesa,sentiinvadirmetalsensaodefrioque tiritei, buscando as chamas para aquecerme, enquanto, satisfeito coma experincia, ele sepunha a rir... Alis, o fenmeno no ser certamente novo. No foi por outra forma que JooEvangelista obteve os ditados para o seuApocalipse e que os profetas da Judia receberam asrevelaescomqueinstruamopovo.

    NoApocalipse,versculos10e11eseguintes,doprimeirocaptulo,oeminenteservodoSenhor positiva o fenmeno a que aludimos, em pequenas palavras: "Eu fui arrebatado emEsprito,umdiadedomingo,eouvipordetrsdemimumagrandevozcomode trombeta,quedizia: O que vs, escreveo em um livro e enviao s sete igrejas..." etc., etc. e todo oimportante volume foi narrado ao apstolo assim, atravs de cenas reais, palpitantes, vivas, emvisesdetalhadaseprecisas!OEspiritismo temamplamente tratadode todosesses interessantes

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    casosparaquenosetornecausadeadmiraooquevimosexpondoenoprimeirocapitulodamagistralobradeAllanKardec "AGnese"existeestetpico,certamentemuitoconhecidodosestudantesdaDoutrinadosEspritos: "As instrues (dosEspritos)podemser transmitidaspordiversosmeios:pelasimplesinspirao,pelaaudiodapalavra,pelavisibilidadedosEspritosinstrutores,nasviseseaparies,queremsonhoqueremestadodeviglia,doquehmuitosexemplosnoEvangelho,naBbliaenoslivrossagradosde todosospovos."

    Longedemimaveleidadedemecolocaremplanoequivalenteaodaquelemissionrioacima citado, isto , Joo Evangelista. Pelas dificuldades com que lutei a fim de compor estevolume,patenteadasficaramaomeuraciocnioasbagagensdeinferioridadesquemedeprimemoEsprito. O discpulo amado, porm, que, em sendo um missionrio escolhido, era tambmmodesto pescador, teve sem dvida o seu assistente espiritual para poder descrever as belaspginasaureoladasdecinciaeensinamentosoutros,devalorincontestvel,osquaisromperiamossculosglorificandoaVerdade!bemprovvelqueoprprioMestrefosseaqueleassistente.../

    Nopossoajuizarquantoaosmritosdestaobra.Proibime, durante muito tempo, levla ao conhecimento alheio, reconhecendome

    incapazdeanalisla.Nomesintosequeralturaderejeitla,comonoousotambmaceitla.Vs o fareis por mim. De uma coisa, porm, estou bem certa: que estas pginas foramelaboradas,doprincpioaofim,comomximorespeito DoutrinadosEspritosesob ainvocaosincerado nomesacrossantodoAltssimo.

    YvonnedoAmaralPereira

    RiodeJaneiro,18demaiode1954.

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    Prefcio da segunda edio

    Reviso criteriosa impunhase nesta obra que h alguns anos me fora confiada. paraexame e compilao, em virtude das tarefas espiritualmente a mim subordinadas, como daascendnciaadquiridasobreoinstrumentomedinicoaomeudispor.

    Filo, todavia, algo extemporaneamente, j que me no fora possvel fazlo na dataoportuna, por motivos afetos mais aos prejuzos das sociedades terrenas contra que o mesmoinstrumentosedebatia,doqueminhavontadedeoperrioatentonocumprimentododever.Earevisose impunha,tantomaisquanto,ao transmitiraobra,me foranecessrioavolumarde talsorteasvibraesaindarudesdocrebromedinico,operandonele possibilidadespsquicasparaacaptao das vises indispensveis ao feito, que, ativadas ao grau mximo que quele seriapossvel comportar, to excitadas se tornaramque seriamquais catadupas rebeldes nem sempreobedecendocomfacilidadepressoque lhes fazia,procurandoevitarexcessosdevocabulrio,acmulosde figurasrepresentativas,osquais somenteagora foramsuprimidos.Nadasealterou,todavia, na feio doutrinria da obra, como no seu particular carter revelatrio.Entregoa aoleitor,pelasegundavez,talcomofoirecebidadosMaioresquemeincubaramdaespinhosatarefadeapresentlaaoshomens.Ese,procurando esclareceropblico,porlhefacilitaroentendimentodefatosespirituais,nemsempreconserveiafeituraliterriadosoriginaisquetinhasobosolhos,no entanto, no lhes alterei nem os informes preciosos nem as concluses, que respeitei comolaborsagradodeorigem alheia.

    Quemeditessobreestaspginas,leitor,aindaque durosetorneparaoteuorgulhopessoaloaceitlas!Eseaslgrimasalgumavezrociaremtuasplpebras,passagemdeumlancemaisdramtico,norecalcitrescontraoimpulsogenerosodeexaltarteucoraoemprecepiedosa,poraquelesqueseestorcemnastrgicasconvulsesdainconseqnciadeinfraessleisde Deus!

    LonDenis

    BeloHorizonte,4deabrilde1957.

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    PRIMEIRAPARTE

    OS RPROBOS

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    I O Vale dos Suicidas

    Precisamentenomsdejaneirodoanodagraade1891,foraeusurpreendidocommeuaprisionamentoemregiodoMundo Invisvelcujodesoladorpanoramaeracompostoporvalesprofundos, a que as sombras presidiam: gargantas sinuosas e cavernas sinistras,no interior dasquaisuivavam,quaismaltasdedemniosenfurecidos,Espritosque foramhomens,dementadospela intensidade e estranheza, verdadeiramente inconcebveis, dos sofrimentos que osmartirizavam.

    Nessaparagemaflitivaavistatorturadadogrilhetanodistinguiriasequerodocevultodeumarvoredo quetestemunhassesuashorasdedesesperaotampoucopaisagensconfortativas,que pudessem distralo da contemplao cansativa dessas gargantas onde no penetrava outraformadevidaquenoatraduzidapelo supremohorror!

    O solo, coberto de matrias enegrecidas e ftidas, lembrando a fuligem, era imundo,pastoso, escorregadio, repugnante! O ar pesadssimo, asfixiante, gelado, enoitado por bulcesameaadorescomoseeternastempestadesrugissememtornoe,aorespiraremno,osEspritosaliergastuladossufocavamse comosematriaspulverizadas,nocivasmaisdoqueacinzaeacal,lhes invadissem as vias respiratrias, martirizandoos com suplcio inconcebvel ao crebrohumanohabituadosgloriosasclaridadesdoSolddivacelestequediariamenteabenoaaTerra e s correntes vivificadoras dos ventos sadios que tonificam a organizao fsica dos seushabitantes.

    Nohaviaentoali,comonohaverjamais,nem paz,nemconsolo,nemesperana:tudoem seu mbito marcado pela desgraa era misria, assombro, desespero e horror. Dirseia acavernattricadoIncompreensvel,indescritvelarigoratmesmoporumEspritoquesofresseapenalidadedehabitla.

    O vale dos leprosos, lugar repulsivo da antiga Jerusalm de tantas emocionantestradies,equenoorbeterrqueoevocaoltimograudaabjeoedosofrimentohumano,seriaconsoladorestgiode repousocomparadoao localque tentodescrever.Pelomenos,aliexistiriasolidariedadeentreosrenegados!Osdesexodiferentechegavammesmoaseamar!Adotavamse

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    em boas amizades, irmanandose no seio da dor para suavizla! Criavam a sua sociedade,divertiamse,prestavamsefavores,dormiamesonhavamqueeramfelizes!

    Masnopresdiodequevosdesejodarcontasnadadissoerapossvel,porqueaslgrimasquesechoravamalieramardentesdemaisparasepermitiremoutrasatenesquenofossemasderivadasdasuaprpriaintensidade!

    No vale dos leprosos havia a magnitude compensadora do Sol para retemperar oscoraes!Existiaoarfrescodasmadrugadascomseusorvalhosregeneradores!Poderiaoprecitoali detido contemplar uma faixa do cu azul... Seguir, com o olhar enternecido, bandos deandorinhas ou de pombos que passassem em revoada!... Ele sonharia, quem sabe? Lenido deamarguras, ao potico clarear do plenilnio, enamorandose das cintilaes suaves das estrelasque,lnoInatingvel,acenariamparaasuadesdita,sugerindolheconsolaesnoinsulamentoaqueoforavamasfrreasleisdapoca!...E,depois,aPrimaverafecundavoltava,rejuvenesciaasplantasparaembalsamarcomseusperfumescariciososascorrentesdearqueasbrisasdiariamentetonificavamcomoutrostantosblsamosgenerososquetraziamnoseioamorvel...Etudoissoeracomo ddivascelestiaisparareconcililocomDeus,fornecendolhetrguasnadesgraa.

    Masnacavernaondepadeciomartrioquemesurpreendeualmdotmulo,nadadissohavia!

    Aqui,eraadorquenadaconsola,adesgraaquenenhumfavorameniza,atragdiaqueidiaalgumatranqilizadoravemorvalhardeesperana!Nohcu,nohluz,nohsol,nohperfume,nohtrguas!

    Oquehochoroconvulsoeinconsolveldoscondenadosquenuncaseharmonizam!Oassombroso "ranger de dentes" da advertncia prudente e sbia do sbioMestre deNazar!Ablasfmiaacintosadorproboaseacusaracadanovorebatedamenteflageladapelasrecordaespenosas!Aloucurainalterveldeconscinciascontundidaspelovergastarinfamedosremorsos.Oqueharaivaenvenenadadaquelequejnopodechorar,porqueficouexaustosoboexcessodaslgrimas!Oquehodesaponto,asurpresaaterradoradaquelequesesentevivoadespeitodesehaverarrojadonamorte!arevolta,apraga,oinsulto,oululardecoraesqueopercutirmonstruoso da expiao transformou em feras! O que h a conscincia conflagrada, a almaofendidapelaimprudnciadasaescometidas,amenterevolucionada,asfaculdadesespirituaisenvolvidasnastrevasoriundasdesimesma!

    Oqueho"rangerdedentesnastrevasexteriores"deumpresdiocriadopelocrime,votadoaomartrioeconsagradoemenda!oinferno,namaishediondaedramticaexposio,porque,almdomais,existemcenasrepulsivasdeanimalidade,prticasabjetasdosmaissrdidosinstintos,asquaiseumepejariaderevelaraosmeusirmos,oshomens!

    Quemalitemporariamenteestaciona,comoeuestacionei,sograndesvultosdocrime!aescriadomundoespiritualfalangesdesuicidasqueperiodicamenteparaseuscanaisafluemlevadaspeloturbilho dasdesgraasemqueseenredaram,asedespojaremdasforasvitaisqueseencontram, geralmente intactas, revestindolhes os envoltrios fsicoespirituais, por seqnciassacrlegasdosuicdio,eprovindas,preferentemente,dePortugal,daEspanha,doBrasilecolniasportuguesas da frica, infelizes carentes do auxlio confortativo da prece aqueles, levianos e

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    inconseqentes, que, fartos da vida que no quiseram compreender, se aventuraram aoDesconhecido,emprocuradoOlvido,pelosdespenhadeirosdaMorte!

    OAlmtmuloachase longe de ser a abstraoque naTerra se supe, ou as regiesparadisacas fceis de conquistar com algumas poucas frmulas inexpressivas. Ele , antes,simplesmenteaVidaReal,eoque encontramosaopenetrarsuasregiesVida!Vidaintensaasedesdobraremmodalidadesinfinitasdeexpresso,sabiamentedivididaemcontinentesefalangescomoaTerraoemnaeseraasdispondodeorganizaessociaiseeducativasmodelares,aservirem de padro para o progresso daHumanidade. no Invisvel,mais do que emmundosplanetrios, que as criaturas humanas colhem inspirao para os progressos que lentamenteaplicamnoorbe.

    Noseicomodecorreroos trabalhoscorrecionaisparasuicidasnosdemaisncleosoucolnias espirituais destinadas aos mesmos fins e que se desdobraro sob cus portugueses,espanhiseseusderivados.Seiapenasquefizpartedesinistrafalangedetida,porefeitonaturale lgico,nessaparagemhorrendacuja lembranaaindahojeme repugnasensibilidade.bempossvel que haja quem ponha a discusses mordazes a veracidade do que vai descrito nestaspginas. Diro que a fantasia mrbida de um inconsciente exausto de assimilar Dante terproduzido por conta prpriaa exposioaqui ventilada... esquecendose de que, ao contrrio, ovateflorentinoqueconheceriaoqueopresentesculo sentedificuldadesemaceitar...

    Noosconvidareiacrer.Noassuntoqueseimponhacrena,simplesmente,masaoraciocnio,aoexame, investigao. Se sabemraciocinare podem investigar que o faam, echegaroaconcluseslgicasqueoscolocaro napistadeverdadesassazinteressantesparatodaaespciehumana!Oqueosconvido,oqueardentementedesejoeparaquetenhotodoointeresseem pugnar, que se eximam de conhecer essa realidade atravs dos canais trevosos a quemeexpus,dandomeaosuicdiopordesobrigarmedaadvertnciadequeamortenadamaisdoqueaverdadeira formadeexistir!...

    Deoutromodo,quepretenderiaoleitorexistissenascamadasinvisveisquecontornamosmundosouplanetas,senoamatrizdetudoquantonelessereflete?!...

    Emnenhumaparteseencontrariaaabstrao,ouo nada,poisquesemelhantesvocbulosso inexpressivosnoUniversocriadoeregidoporumaIntelignciaOnipotente!Negaroquesedesconhece,porsenoencontraralturadecompreenderoquesenega,insniaincompatvelcomosdiasatuais.Osculoconvidaohomeminvestigaoeaolivreexame,porqueaCincianassuasmltiplasmanifestaesvemprovandoainexatidodoimpossveldentrodoseucadavezmaisdilatadoraiodeao.Easprovasdarealidadedoscontinentes superterrenosencontramsenos arcanos das cincias psquicas transcendentais, s quais o homem h ligadomuito relativaimportnciaathoje.

    Oqueconhece ohomem,alis,doprprioplanetaonde temrenascidodesdemilnios,paracriteriosamenterejeitaroqueofuturohdepopularizarsobosauspciosdoPsiquismo?...Oseu pas, a sua capital, a sua aldeia, a sua palhoa ou, quando mais avantajado de ambies,algumasnaesvizinhascujoscostumesse nivelamaosquelhesousuais?...

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    Portodaaparte,emtornodele,existemmundosreais,exarandovidaabundanteeintensa:eseeleoignoraserporquesecompraznacegueira,perdendotempocomfutilidadesepaixesquelhesabemaocarter.

    No perquiriu jamais as profundidades ocenicas no poder mesmo fazlo, porenquanto. No obstante, debaixo das guas verdes e marulhentas existe no mais um mundoperfeitamenteorganizado,masumuniversoqueassombrariapelagrandiosidadeeidealperfeio!Noprprioarquerespira,nosoloondepisaencontrariaohomemoutrosncleosorganizadosdevida, obedecendo ao impulso inteligente e sbio de leis magnnimas fundamentadas noPensamentoDivino,queosacionapara oprogresso,naconquistadomaisperfeito!Bastariaque semunisse de aparelhamentos precisos, para averiguar a veracidade dessas coletividadesdesconhecidasque,por sereminvisveisumas,eoutrasapenassuspeitadas,nemporissodeixamdeserconcretas,harmoniosas,verdadeiras!

    Assimsendo,habilitese, tambm,desenvolvendoosdonspsquicosqueherdoudasuadivinaorigem...Impulsionepensamento,vontade,ao,corao,atravsdasviasalcandoradasdaEspiritualidadesuperior...eatingirasesferasastraisquecircundamaTerra!

    Eraeu,pois,presidiriodessacovaominosado horror!Nohabitava,porm,alisozinho.Acompanhavameumacoletividade,falange extensade

    delinqentes, comoeu.Entoaindamesentiacego.Pelomenos,sugestionavamedequeoera,e,comotal,me

    conservava,noobstanteminha cegueira s se definir, emverdade, pela inferioridademoral doEsprito distanciado da Luz. A mim cego no passaria, contudo, despercebido o que seapresentassemau,feio,sinistro,imoral,obsceno,poisconservavammeusolhosvisobastanteparatodaessaescriacontemplar agravandosedestarteaminhadesdita.

    Dotadodegrandesensibilidade,paramaiormaltinhaaagoracomosuperexcitada,oquemelevavaaexperimentartambmossofrimentosdosoutrosmrtiresmeuscmpares,fenmenoesseocasionadopelascorrentesmentaisquesedespejavamsobretodaafalangeeoriundasdelaprpria,queassimrealizavaimpressionanteafinidadedeclasse,oqueomesmoqueasseverarquesoframostambmassugestesdossofrimentosunsdosoutros,almdasinsdiasaquenossubmetiamosnossosprpriossofrimentos.1

    1 Apsamorte, antes queoEsprito se oriente, gravitando para o verdadeiro "lar espiritual"que lhecabe, ser semprenecessriooestgionuma"antecmara",numaregiocujadensidadeeaflitivasconfiguraeslocais corresponderoaosestadosvibratriosementaisdorecmdesencarnado.Asedeteratquesejanaturalmente"desanimalizado",isto,quesedesfaados fluidose forasvitaisdeque soimpregnadostodososcorposmateriais.Pora severqueaestada sertemporrianesseumbral doAlm,conquantogeralmentepenosa.Tais sejamo carter,as aes praticadas,o gnero devida, o gnero de morte que teve a entidade desencarnada tais sero o tempo e a penria no local descrito. Existemaquelesqueaapenassedemoramalgumashoras.Outroslevaromeses,anosconsecutivos,voltandoreencarnaosematingiremaEspiritualidade.Emse tratando de suicidaso casoassume propores especiais,por dolorosase complexas.Estes a se demoraro, geralmente, o tempo que ainda lhes restava para concluso do compromisso da existncia queprematuramente cortaram. Trazendo carregamentos avantajados de foras vitais animalizadas, alm das bagagens daspaixes criminosas e uma desorganizao mental, nervosa e vibratria completas, fcil entrever qual ser a situaodessesinfelizesparaquemums blsamoexiste: aprecedasalmascaritativas!

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    svezes,conflitosbrutaisseverificavampelosbecoslamacentosondeseenfileiravamascavernasquenosserviamdedomiclio.Invariavelmenteirritados,pormotivosinsignificantesnosatirvamosunscontraosoutrosemlutascorporaisviolentas,nasquais,talcomosucede nasbaixascamadas sociais terrenas, levaria sempre a melhor aquele que maior destreza e truculnciaapresentasse. Freqentemente fui ali insultado, ridiculizado nosmeus sentimentosmais caros edelicadoscomchistesesarcasmosqueme revoltavamatomagoapedrejadoeespancadoatque, excitado por fobia idntica, eu me atirava a represlias selvagens, ombreando com osagressoresecomelesrefocilandonalamadamesmacevaespiritual!

    A fome,a sede,o frioenregelador,a fadiga,ainsniaexigncias fsicasmartirizantes,fceisdeoleitorentreveranaturezacomoqueaguadaemtodososseusdesejoseapetites,qualse ainda trouxssemos o envoltrio carnal a promiscuidade, muito vexatria, de Espritos queforamhomensedosqueanimaramcorposfemininostempestadesconstantes,inundaesmesmo,a lama, o ftido, as sombras perenes, a desesperana de nos vermos livres de tantos martriossobrepostos,osupremodesconfortofsicoemoral eisopanoramaporassimdizer"material"queemolduravaosnossosainda maispungentespadecimentosmorais!

    Nem mesmo sonhar com o Belo, darse a devaneios balsamizantes ou a recordaesbeneficentes era concedido quele que porventura possusse capacidade para o fazer. Naqueleambientesuperlotadodemalesopensamentojaziaencarcerado nasfrguasqueocontornavam,spodendoemitirvibraesqueseafinassemao tonodaprpriaperfdialocal...E,envolvidasemtoenlouquecedores fogos, no havia ningum que pudesse atingir um instante de serenidade ereflexoparaselembrardeDeusebradarporSuapaternalmisericrdia!

    No se podia orar porque a orao um bem, um blsamo, uma trgua, umaesperana!Eaosdesgraadosquepara l seatiravamnas torrentesdosuicdio impossvel seriaatingirtoaltasmercs!

    No sabamos quando era dia ou quando voltava a noite, porque sombras perenesrodeavamashorasquevivamos.Perdramosanoodotempo.Apenasesmagadorasensaodedistnciae longevidadedoquerepresentasseopassado ficaraparaaoitarnossas interrogaes,afigurandosenosqueestvamoshsculosjungidosatorspidocalvrio!Dalinoespervamossair, conquanto fosse tal desejo uma das causticantes obsesses que nos alucinavam... pois odesnimogeradordadesesperanaquenosarmaraogestodesuicidasafirmavanosquetalestadodecoisasseriaeterno!

    A contagem do tempo, para aqueles que mergulhavam nesse abismo, estacionara nomomentoexatoemquefizeraparasempretombaraprpriaarmaduradecarne!

    Daparacsexistiam assombro,confuso,enganosasindues,suposiesinsidiosas!Igualmenteignorvamosemquelocalnosencontrvamos,quesignificaoterianossaespantosasituao. Tentvamos, aflitos, furtarmonos a ela, sem percebermos que era cabedal de nossaprpriamente conflagrada, denossas vibraes entrechocadas pormilmalefcios indescritveis!

    Se, por muito longo, esse estgio exorbite das medidas normais ao caso a reencarnao imediata ser ateraputicaindicada,emboraacerbaedolorosa,oque serprefervelamuitosanosemtodesgraada situao,assimsecompletando,ento,otempoquefaltavaaotrminodaexistnciacortada.

  • 16 YvonneA.Pereira

    Procurvamos ento fugir do local maldito para voltarmos aos nossos lares e o fazamosdesabaladamente,eminsanascorreriasde loucos furiosos!Aasverosmalditos, semconsolo, sempaz,semdescansoempartealguma...aopassoquecorrentesirresistveis,comomspoderosos,atraamnosdevoltaaotugriosombrio,arrastandonosdeenvoltaaumatroturbilhodenuvenssufocadoraseestonteantes!

    Deoutrasvezes,tateandonassombras,lamos,porentregargantas,vielasebecos,semlograrmosindciodesada...Cavernas,semprecavernastodasnumeradasoulongosespaospantanososquais lagos lodososcirculadosdemuralhasabruptas,quenosafiguravamlevantadasem pedra e ferro, como se framos sepultados vivos nas profundas tenebrosidades de algumvulco! Era um labirinto onde nos perdamos sem podermos jamais alcanar o fim! Por vezesacontecia no sabermos retornar ao ponto de partida, isto , s cavernas que nos serviam dedomiclio,oque foravaapermannciaaorelentoatquedeparssemosalgumcovildesabitadopara outra vez nos abrigarmos. Nossa mais vulgar impresso era de que nos encontrvamosencarcerados no subsolo, empresdio cavado no seio daTerra, quem sabia senas entranhas deuma cordilheira, da qual fizesse parte tambm algum vulco extinto, como pareciam atestaraquelesimensurveispoosdelamacomparedesescalavradaslembrandomineraispesados?!...

    Aterrados, entrvamos ento a bramir em coro, furiosamente, quais maltas de chacaisdanados, para que nos retirassem dali, restituindonos liberdade! As mais violentasmanifestaes de terror seguiamse ento e tudo quanto o leitor imaginar possa, dentro daconfusodecenaspatticasinventadaspelafobiadoHorror, ficarmuitoaqumdaexpressorealpornsvividanessashorascriadaspelosnossosprpriospensamentosdistanciadosdaLuzedoAmordeDeus!

    Como se fantsticos espelhos perseguissem obsessoramente nossas faculdades, l sereproduziaaviso macabra: o corpoasedecomporsoboataquedosvibriesesfaimadosafainadetestveldapodridoaseguirocursonaturaldadestruioorgnica,levandoemroldonossascarnes,nossasvsceras,nossosangue pervertidopeloftido,nossocorpoenfim,quesesumiaparasempre no banquete asqueroso demilhes de vermes vorazes, nosso corpo, que era carcomidolentamente, sob nossas vistas estupefatas!... que morria, era bem verdade, enquanto ns, seusdonos, nosso Ego sensvel, pensante, inteligente, que dele se utilizara apenas como de umvesturio transitrio, continuava vivo, sensvel, pensante, inteligente, desapontado e pvido,desafiandoapossibilidadedetambmmorrer!Ettricamagiaqueultrapassavatodoopoderquetivssemosderefletirecompreender!castigoirremovvel,punindoorenegadoqueousouinsultaraNaturezadestruindoprematuramenteoqueselaeracompetenteparadecidirerealizar:Vivos,ns,emesprito,diantedocorpoputrefato,sentamosacorrupoatingirnos!...Doamemnossaconfiguraoastralaspicadasmonstruosasdosvermes!Enfurecianosatademncia,amartirizanterepercussoquelevavanossoperisprito,aindaanimalizadoeprovidodeabundantesforasvitais,arefletiroquesepassavacomseuantigoenvoltriolimoso,taloecodeumrumorareproduzirsedequebradaem quebradadamontanha,aolongodetodoovale...

    Nossacovardia,ento,amesmaquenosbrutalizarainduzindonosaosuicdio,foravanosaretroceder.

  • 17 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    Retrocedamos.Masosuicdio umateiaenvolventeemqueavtima osuicidassedebateparacada

    vezmaisconfundirse, tolherse,embaraarse.Sobrepunhaseaconfuso.Agora,apersistnciadaautosugestomalfica recordavaas lendassupersticiosas,ouvidasnainfnciaecalcadasporlongo tempo nas camadas da subconscincia corporificavase em vises extravagantes, a queemprestava realidade integral. Julgvamonos nada menos do que frente do tribunal dosinfernos!...Sim!

    Vivamosnaplenitudedaregiodassombras!...EEspritosdenfimaclassedoInvisvel obsessores que pululam por todas as camadas inferiores, tanto da Terra como do Alm osmesmosquehaviamalimentadoemnossasmentesassugestesparaosuicdio,divertindosecomnossas angstias, prevaleciamse da situao anormal para a qual resvalramos, a fim deconvencernosdequeeram juzesquenosdeveriam julgarecastigar,apresentandosesnossasfaculdades conturbadas pelo sofrimento como seres fantsticos, fantasmas impressionantes etrgicos. Inventavam cenas satnicas, com que nos supliciavam. Submetiamnos a vexamesindescritveis!

    Obrigavamnos a torpezas e deboches, violentandonos a compactuar de suas infamesobscenidades! Donzelas que se haviam suicidado, desculpandose com motivos de amor,esquecidas de queo vero amor paciente, virtuoso e obediente aDeus olvidando,no egosmopassional de que deram provas, o amor sacrossanto de uma me que ficara inconsolveldesrespeitando as cs venerveis de um pai os quais jamais esqueceriam o golpe em seuscoraesvibradospelafilhaingrataquepreferiuamorteacontinuarnotabernculodolarpaterno,eramagorainsultadasnoseucoraoenoseupudorporessasentidadesanimalizadasevis,queasfaziamcrerseremobrigadasaseescravizaremporseremelesosdonosdoimpriodetrevasqueescolheram em detrimento do lar que abandonaram! Em verdade, porm, tais entidades nopassavam de Espritos que tambm foram homens, mas que viveram no crime: sensuais,alcolatras, devassos, intrigantes, hipcritas, perjuros, traidores, sedutores, assassinos perversos,caluniadores,stirosenfim,essafalangemalficaqueinfelicitaasociedadeterrena,quemuitasvezes tem funeraispompososeexquiassolenes,masquenaexistnciaespiritual se resumenacorjarepugnantequemencionamos...atquereencarnaesexpiatrias,miserveiserastejantes,venhamimpulsionlaanovastentativasdeprogresso.

    Atodeplorveisseqnciassucediamseoutrasnomenosdramticaserescaldantes:atosincorretospornspraticadosdurante aencarnao,nossoserros,nossasquedaspecaminosas,nossos crimes mesmo, corporificavamse frente de nossas conscincias como outras visesacusadoras, intransigentes na condenao perene a que nos submetiam. As vtimas do nossoegosmoreapareciamagora,emreminiscnciasvergonhosasecontumazes,indoevindoaonossoladoematropelospertinazes,infundindoemnossajtocombalidaorganizaoespiritualomaisangustiosodesequilbrionervosoforjado peloremorso!

    Sobrepondose, no entanto, a to lamentvel acervo de iniqidades, acima de tantavergonhaetorudeshumilhaesexistia,vigilanteecompassiva,apaternalmisericrdiadoDeusAltssimo,doPaijustoebomque "noqueramortedopecador,masqueelevivaese arrependa".

  • 18 YvonneA.Pereira

    Nas peripcias que o suicida entra a curtir depois do desbarato que prematuramente olevou ao tmulo, o Vale Sinistro apenas representa um estgio temporrio, sendo ele para lencaminhado pormovimento de impulsonatural, como qual seafina, at que se desfaam aspesadascadeiasqueoatrelamaocorpofsicoterreno,destrudoantesdaocasioprevistapelaleinatural.

    Ser preciso que se desagreguem dele as poderosas camadas de fluidos vitais que lherevestiam a organizao fsica, adaptadas por afinidades especiais da Grande Me Natureza organizaoastral,ouseja,aoperisprito,asquaisneleseaglomeramemreservassuficientesparaocompromissodaexistnciacompletaquesearrefeam,enfim,asmesmasafinidades,laborquenaindividualidadedeumsuicidaseracompanhadodasmaisaflitivasdificuldades,demorosidadeimpressionante,para, sento,obterpossibilidadevibratriaque lhe facultealvioeprogresso2.Deoutromodo,talsejaafeiodo seucarter,taisosdemritosegrauderesponsabilidades gerais tal ser o agravo da situao, tala intensidadedos padecimentos a experimentar, pois,nestescasos,no seroapenasasconseqnciasdecepcionantesdosuicdio quelheafligiroaalma,mastambmoreversodosatospecaminososanteriormentecometidos.

    Periodicamente,singularcaravanavisitavaesseantrodesombras.Eracomoa inspeodealgumaassociaocaridosa,assistnciaprotetorade instituio

    humanitria,cujosabnegadosfinsnosepoderiamprem dvida.Vinhaprocuradaquelesdentrenscujos fluidosvitais,arrefecidospeladesintegrao

    completa damatria, permitissem locomoo paraas camadas do Invisvel intermedirio, ou detransio.

    Supnhamos tratarse, a caravana, de um grupo de homens. Mas na realidade eramEspritos que estendiam a fraternidade ao extremo de se materializarem o suficiente para setornaremplenamentepercebidosnossaprecriavisoenosinfundiremconfiananosocorro quenosdavam.

    Trajadosdebranco,apresentavamsecaminhando pelasruaslamacentasdoVale,deumaum,emcolunarigorosamentedisciplinada,enquanto,olhandoosatentamente,distinguiramos,alturadopeitodetodos,pequenacruzazulceleste,oquepareciaserumemblema, umdistintivo.

    Senhoras faziam parte dessa caravana. Precedia, porm, a coluna, pequeno peloto delanceiros, qual batedor de caminhos, ao passo que vrios outros milicianos da mesma armarodeavamos visitadores, como tecendo um cordo de isolamento, oque esclarecia serem estesmuitobemguardadoscontraquaisquerhostilidadesque pudessemsurgirdoexterior.Comadestraooficialcomandanteerguiaalvinitenteflmula,naqualselia,emcaracterestambmazulceleste,estaextraordinria legenda,quetinhaodomdeinfundirinsopitvelesingulartemor:

    2 As impresses e sensaes penosas, oriundas do corpo carnal, que acompanham o Esprito ainda materializado,chamaremos repercusses magnticas, em virtude do magnetismo animal, existente em todos os seres vivos, e suasafinidadescomoperisprito.Tratasedefenmenoidnticoaoquefazaumhomemqueteveobraoouapernaamputadossentircoceirasnapalmadamoquejnoexistecomele,ounasoladop,igualmenteinexistente,Conhecemosemcertohospitalumpobreoperrioqueteveambasaspernasamputadassentilastovivamenteconsigo,assimcomoosps,que,esquecidodequejnoospossua,procuroulevantarse,levando,porm,estrondosaquedaeferindose.Taisfenmenossofceisdeobservar.

  • 19 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    LEGIODOSSERVOSDEMARIA

    Os lanceiros, ostentando escudo e lana, tinham tez bronzeada e trajavamse comsobriedade,lembrandoguerreirosegpciosdaantiguidade.E,chefiandoaexpedio,destacavasevaro respeitvel, o qual trazia avental branco e insgnias demdico a par da cruz j referida.Cobrialheacabea,porm,emvezdogorrocaracterstico,umturbantehindu,cujasdobraseramatadasfrentepelatradicionalesmeralda,smbolodosesculpios.

    Entravamaqui e ali, pelo interior das cavernas habitadas, examinando seus ocupantes.Curvavamse, cheios de piedade, junto das sarjetas, levantando aqui e acol algum desgraadotombadosoboexcessodesofrimentoretiravamosqueapresentassemcondiesdepoderemsersocorridos e colocavamnos em macas conduzidas por vares que se diriam serviais ouaprendizes.

    Voz grave e dominante, de algum invisvel que falasse pairando no ar, guiavaos nocaridoso af, esclarecendo detalhes ou desfazendo confuses momentaneamente suscitadas. Amesmavozfaziaachamadadosprisioneirosaseremsocorridos,proferindoseusnomesprprios,o que fazia que se apresentassem, sem a necessidade de serem procurados, aqueles que seencontrassememmelhorescondies,facilitandodestarteoserviodoscaravaneiros.Hojepossodizer que todas essas vozes amigas e protetoras eram transmitidas atravs de ondas delicadas esensveis do ter, com o sublime concurso de aparelhamentos magnticos mantidos para finshumanitrios em determinados pontos do Invisvel, isto , justamente na localidade que nosreceberia ao sairmos do Vale. Mas, ento, ignorvamos o pormenor e muito confusos nossentamos.

    Asmacas, transportadascuidadosamente,eramguardadaspelo cordode isolamento jreferidoeabrigadasnointeriordegrandesveculosfeiodecomboios,queacompanhavamaexpedio.Essescomboios,noentanto,apresentavamsingularidadeinteressante,dignaderelato.Em vez de apresentarem os vages comuns s estradas de ferro, como os que conhecamos,lembravam, antes, meio de transporte primitivo, pois se compunham de pequenas dilignciasatadas uma s outras e rodeadas de persianas muito espessas, o que impediria ao passageiroverificaroslocaisporondedeveriatransitar.

    Brancos, leves, como burilados em matrias especficas habilmente laqueadas, erampuxados por formosas parelhas de cavalos tambm brancos, nobres animais cuja extraordinriabeleza e elegncia incomumdespertariamnossa ateno se estivssemos em condies de algonotarparaalmdasdesgraasquenosmantinhamabsorvidosdentrodenossombitopessoal.Dirseiam,porm,exemplaresdamaisaltaraanormanda,vigorosose inteligentes,asbelascrinasondulantes e graciosas enfeitandolhes os altivos pescoos quais mantos de seda, nveos efinalmentefranjados.Noscarrosdistinguiasetambmomesmoemblemaazulcelesteealegendarespeitvel.

    Geralmente,osinfelizesassimsocorridosencontravamsedesfalecidos,exnimes,comoatingidosdesingularestadocomatoso.Outros,noentanto,alucinadosoudoloridos, infundiriamcompaixopeloestadodesupremo desalentoemqueseconservavam.

  • 20 YvonneA.Pereira

    Depoisderigorosabusca,aestranhacolunamarchavaemretiradaatolocalemquesepostava o comboio, igualmente defendido por lanceiros hindus. Silenciosamente cortava pelosbecosevielas,afastavase,afastavase...desaparecendodenossasvistasenquanto mergulhvamosoutraveznapesadasolidoquenoscercava...Emvoclamavamporsocorroosquesesentiampreteridos, incapacitados de compreenderem que, se assim sucedia, era porque nem todos seencontravam em condies vibratrias para emigrarem para regies menos hostis. Em vosuplicavamjustiaecompaixo ouseamotinavam,revoltados,exigindoqueosdeixassem tambmseguir comos demais.No respondiamos caravaneiros comumgesto sequer e se algummaisdesgraado ou audacioso tentasse assaltar as viaturas a fimde atingilas e nelas ingressar, dez,vintelanas faziamnorecuar,interceptandolheapassagem.

    Ento,umcorohediondodeuivosechorosinistros,depragasegargalhadassatnicas,oranger de dentes comumao rprobo que estertoranas trevas dasmales por si prprio forjados,repercutiamlongaedolorosamentepelasruaslamacentas,parecendoqueloucuracoletivaatacaraosmserosdetentos,elevandosuasraivas aoincompreensvelnolinguajarhumano!

    Eassimficavam... Quantotempo?...Oh!Deus piedoso!Quantotempo?...At que suas inimaginveis condies de suicidas, de mortosvivos, lhes permitissem

    tambmatransfernciaparalocalidademenostrgica...

  • 21 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    II Os rprobos

    Emgeralaquelesquesearrojamaosuicdio,parasempreesperamlivrarsededissaboresjulgadosinsuportveis,desofrimentoseproblemasconsideradosinsolveispelatibiezdavontadedeseducada,queseacovardaempresena,muitasvezes,davergonhadodescrdito oudadesonra,dos remorsos deprimentes postos a enxovalharem a conscincia, conseqncias de aespraticadasreveliadasleisdoBemedaJustia.

    Tambm eu assim pensei, muito apesar da aurola de idealista que minha vaidadeacreditavaglorificandomeafronte.

    Enganeime, porm e lutas infinitamente mais vivas e mais rspidas esperavamme adentrodotmuloafim demechicotearemaalmade descrenteerevel,commerecidajustia.

    As primeiras horas que se seguiram ao gesto brutal de que usei, para comigomesmo,passaramse semqueverdadeiramente eu pudesse daracordo demim.MeuEsprito, rudementeviolentado, como que desmaiara, sofrendo ignbil colapso. Os sentidos, as faculdades quetraduzemo"eu"racional,paralisaramsecomoseindescritvelcataclismohouvessedesbaratadoomundo,prevalecendo,porm,acimadosdestroos,a sensao fortedoaniquilamentoquesobremeuseracabaradecair.Foracomoseaqueleestampidomaldito,queathojeecoasinistramenteem minhas vibraes mentais , sempre que, descerrando os vus da memria, como nesteinstante,revivoopassadoexecrveltivessedispersadoumaaumaasmolculasqueemmeuserconstitussema Vida!

    A linguagem humana ainda no precisou inventar vocbulos bastante justos ecompreensveisparadefinirasimpressesabsolutamenteinconcebveis,quepassamacontaminaro "eu" de um suicida logo s primeiras horas que se seguem ao desastre, as quais sobem e seavolumam, envolvemse em complexos e se radicam e cristalizam num crescendo que traduzestado vibratrio e mental que o homem no pode compreender, porque est fora da suapossibilidade de criatura que, merc de Deus, se conservou aqum dessa anormalidade. Paraentendlaemedircomprecisoa intensidadedessadramticasurpresa, s outroEspritocujasfaculdadesse houvessemqueimadonasefervescnciasdamesmador!

    Nessasprimeirashoras,quepor simesmasconstituiriamaconfiguraodoabismo emque se precipitou, se no representassem apenas o preldio da diablica sinfonia que serconstrangidoainterpretarpelasdisposieslgicasdasleisnaturaisqueviolou,osuicida,semi

  • 22 YvonneA.Pereira

    inconsciente,adormentado,desacordadosemque,paramaiorsuplcio,selheobscureadetodoapercepodossentidos,sentesedolorosamentecontundido,nulo,dispersadoemseusmilhesdefilamentospsquicosviolentamenteatingidospelomalvadoacontecimento.Paradoxosturbilhonamemvoltadele,afligindolhe atenuidadedaspercepescommartirizantesgirndolasde sensaesconfusas.Perdesenovcuo...Ignorase...

    No obstante aterrase, acovardase, sente a profundidade apavorante do erro contra oqualcolidiu,deprimesenaaniquiladoracertezadequeultrapassouos limitesdasaesque lheeram permitidas praticar, desnorteiase entrevendo que avanou demasiadamente, para alm dademarcaotraadapelaRazo!otraumatismopsquico,ochoquenefastoqueodilaceroucomsuastenazesinevitveis,eoqual,paraserminorado,deleexigirumroteirodeurzeselgrimas,decniosde rijos testemunhosatquesereconduzasviasnaturaisdoprogresso, interrompidaspeloatoarbitrrioecontraproducente.

    Poucoapouco, sentiressuscitandodassombrasconfusasemquemergulheimeupobreEsprito,apsaquedadocorpo fsico,oatributomximoqueaPaternidadeDivinaimpssobreaqueles que, no decorrer dos milnios, devero refletir Sua imagem e semelhana aConscincia!A Memria! Odivinodomdepensar!

    Sentimeenregelar de frio.Tiritava! Impresso incmoda,deque vestesdegelosemeapegavamaocorpo,provocoumeinavalivelmalestar.Faltavame,aodemais,oarparaolivremecanismodospulmes,oque melevouacrerque,umavezqueeumedesejarafurtarvida,eraamortequeseaproximavacomseucortejo desintomasdilacerantes.

    Odoresftidosenauseabundos,todavia,revoltavammebrutalmenteoolfato.Doraguda,violenta, enlouquecedora, arremeteuse instantaneamente sobre meu corpo por inteiro,localizandoseparticularmentenocrebroe iniciandosenoaparelhoauditivo.Presadeconvulsesindescritveisdedorfsica,leveiadestraaoouvidodireito:osanguecorriadoorifciocausadopeloprojtildaarmadefogodequemeserviraparaosuicdio emanchoumeasmos,asvestes,ocorpo...Eunadaenxergava,porm.Convmrecordarquemeusuicdioderivousedarevoltapormeencontrarcego,expiao queconsidereisuperiorsminhasforas.Injustapunio danaturezaaosmeusolhosnecessitadosde ver,paraqueme fossedado obter,pelo trabalho,a subsistnciahonradaeativa.

    Sentiame,pois,aindacegoe,paracmulodomeuestadodedesorientao,encontravame ferido.To somente ferido e nomorto! Porquea vida continuava emmimcomo antes dosuicdio!

    Passeiareuniridias,maugradomeu.Reviminhavidaemretrospecto,atinfncia,esemmesmoomitirodramadoltimoato,programaoextrasobminhainteiraresponsabilidade.Sentindome vivo, averigei, conseqentemente, que o ferimento que em mim mesmo fizera,tentandomatarme,forainsuficiente,aumentandoassimosjtograndessofrimentosquedesdelongotempomevinhamperseguindoaexistncia.

    Supusmepresoaumleitodehospitalouemminhaprpriacasa.Masaimpossibilidadede reconhecero local,poisnadaviaos incmodosquemeafligiam,a solidoqueme rodeava,

  • 23 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    entraramameangustiarprofundamente,enquantolgubrespressentimentosmeavisavamdequeacontecimentosirremediveissehaviamconfirmado.

    Bradei por meus familiares, por amigos que eu conhecia afeioados bastante parameacompanharem emmomentos crticos. Omais surpreendente silncio continuou enervandome.Indagueimalhumoradoporenfermeiros,pormdicosquepossivelmentemeatenderiam,dadoquemenoencontrasseemminharesidnciae simretidoemalgumhospitalpor serviais,criados,fossequemfosse,quemeobsequiarpudessem,abrindoasjanelasdoaposentoondemesupunharecolhido, a fim de que correntes de ar purificado me reconfortassem os pulmes que mefavorecessemcoberturasquentes,acendessemalareiraparaamenizaragelidezquemeentorpeciaosmembros, providenciando blsamo s dores queme supliciavam o organismo, e alimento, egua,porqueeu tinhafomeetinhasede!

    Com espanto, em vez das respostas amistosas por que tanto suspirava, e que minhaaudio distinguiu, passadas algumas horas, foi um vozerio ensurdecedor, que, indeciso elongnquoaprincpio,comoadestacarse deumpesadelo,definiusegradativamente atpositivarseempormenoresconcludentes.Eraumcorosinistro,demuitasvozesconfundidasematropelos,desnorteadas, comoacontecerianumaassembliadeloucos.

    No entanto, estas vozes no falavam entre si, no conversavam. Blasfemavam,queixavamse de mltiplas desventuras, lamentavamse, reclamavam, uivavam, gritavamenfurecidas, gemiam, estertoravam, choravam desoladoramente, derramando pranto hediondo,pelotono dedesesperaocomqueseparticularizavasuplicavam, raivosas,socorroecompaixo!

    Aterrado senti que estranhos empuxes, como arrepios irresistveis, transmitiammeinfluenciaes abominveis, provindas desse todo que se revelava atravs da audio,estabelecendocorrentesimilarentremeuser superexcitadoeaquelescujovozerioeudistinguia.Esse coro, iscrono, rigorosamente observado e medido em seus intervalos, infundiume tograndeterrorque,reunindotodasasforasdequepoderiaomeuEspritodisporemtomolestasituao,movimenteimenointuitodeafastarmedeondemeencontravaparalocalemquenomaisoouvisse.

    Tateando nas trevas tentei caminhar.Mas dirseia que razes vigorosas plantavammenaquelelugarmido egeladoemquemedeparava.Nopodiadespegarme!

    Sim!Eramcadeiaspesadasquemeescravizavam,razescheiasdeseiva,quemeatinhamgrilhetado naquele extraordinrio leito por mim desconhecido, impossibilitandome o desejadoafastamento. Alis, como fugir se estava ferido, desfazendome em hemorragias internas,manchadasasvestesdesangue,ecego,positivamentecego?!Comoapresentarmeapblicoemtorepugnanteestado?...

    A covardia a mesma hidra que me atrara para o abismo em que agora meconvulsionavaalongouaindamaisseustentculosinsaciveisecolheumeirremediavelmente!Esquecimedequeerahomem,aindaumasegundavez!Equecumprialutarparatentarvitria,fosseaquepreofossedesofrimento!Reduzimeporissomisriadovencido!E,considerandoinsolvela situao,entregueimes lgrimasechoreiangustiosamente, ignorandooque tentarparameu socorro.Mas, enquantomedesfazia emprantos, o coro de loucos, sempre omesmo,

  • 24 YvonneA.Pereira

    trgico,funreo,regularcomoopndulo deumrelgio,acompanhavamecomsingularsimilitude,atraindomecomose imanadodeirresistveisafinidades...

    Insistinodesejodemefurtarterrvelaudio.Apsesforosdesesperados,levanteime.Meucorpoenregelado,osmsculosretesados

    porentorpecimentogeral,dificultavammesobremodoointento.Todavia,levanteime.Aofazlo,porm,cheiropenetrantedesangueevscerasputrefatosreacendeuemtorno,repugnandomeatasnuseas.Partiado localexatoemque euestiveradormindo.Nocompreendiacomopoderiacheirartodesagradavelmenteoleitoondemeachava.Paramimseriaomesmoquemeacolhiatodasasnoites!E,no entanto,quedeodoresftidosmesurpreendiamagora!

    Atribuiofatoaoferimentoquefizeranaintenodematarme,afimdeexplicarmedealgummodoaestranhaaflio,aosanguequecorria,manchandomeasvestes.Realmente!Eumeencontravaempastadodepeonha,comoumlodoasquerosoquedessorassedemeuprpriocorpo,empapando incomodativamente a indumentria que usava, pois, com surpresa, surpreendimetrajandocerimoniosamente,noobstanteretidonumleitodedor.Mas,aomesmotempoemqueassimmeapresentavasatisfaes,confundiamenainterrogaodecomopoderiaassimser,vistono ser cabvel que um simples ferimento,mesmo a quantidade de sangue espargido, pudessetresandar a tanta podrido, sem que meus amigos e enfermeiros deixassem de providenciar adevidahigienizao.

    Inquieto, tateei na escurido com o intuito de encontrar a porta de sada que me erahabitual,jquetodosmeabandonavamemhoratocritica.Tropecei,porm,emdadomomento,nummontodedestroose,instintivamente,curveimeparaocho,aexaminaroqueassimmeinterceptava os passos. Ento, repentinamente, a loucura irremedivel apoderouse de minhasfaculdades eentrei a gritar e uivar qual demnio enfurecido, respondendonamesmadramticatonalidade macabra sinfonia cujo coro de vozes no cessava de perseguirminha audio, emintermitnciasdeangustianteexpectativa.

    O monto de escombros era nada menos do que a terra de uma cova recentementefechada!

    Noseicomo,estandocego,pudeentrever,emmeio assombrasquemerodeavam,oqueexistiaemtorno!

    Eu me encontrava num cemitrio! Os tmulos, com suas tristes cruzes em mrmorebranco ou madeira negra, ladeando imagens sugestivas de anjos pensativos, alinhavamse naimobilidademajestosadodramaemque figuravam.

    Aconfusocresceu:Porquemeencontrariaali?Comoviera,poisnenhumalembranameacorria?...Eoquevierafazersozinho,ferido,

    dolorido,extenuado?...Eraverdadeque"tentara"osuicdio,mas...Sussurro macabro, qual sugesto irremovvel da Conscincia esclarecendo a memria

    aturdida pelo ineditismo presenciado, percutiu estrondosamente pelos recncavos alarmados domeuser:

    "Noquisesteosuicdio?...Poisaotens..."

  • 25 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    Mas,comoassim?...Comopoderiaser...seeunomorrera?!...Acasonomesentiaalivivo?...Porqueentosozinho,imersonasolidottricadamorada dosmortos?!...

    Osfatosirremediveis,porm,impemseaoshomenscomoaosEspritoscommajestosanaturalidade.

    No conclura ainda minhas ingnuas e dramticas interrogaes, e vejome, a mimprprio! Como frente de um espelho, morto, estirado num atade, em franco estado dedecomposio, morto dentro de uma sepultura, justamente aquela sobre a qual acabava detropear!

    Fugiespavorido,desejosodeocultarmedemimmesmo,obsidiadopelomaistenebrosohorror,enquantogargalhadasestrondosas,deindivduosqueeunologravaenxergar,explodiamatrs de mim e o coro nefasto perseguia meus ouvidos torturados, para onde quer que merefugiasse. Como louco que realmente me tornara, eu corria, corria, enquanto aos meus olhoscegos se desenhava a hediondez satnica do meu prprio cadver apodrecendo no tmulo,empastadodelamagordurosa,cobertodeasquerosaslesmasque,vorazes,lutavamporsaciaremsuas pstulas a fome inextinguvel que traziam, transformandoo nomais repugnante e infernalmonturoquemeforadadoconhecer!

    Quisfurtarmepresenademimmesmo,procurandoincidirnoatoquemedesgraara,isto reproduzia cena pattica domeu suicdiomentalmente, comose por uma segunda vezbuscassemorrera fimdedesaparecernaregiodoque,naminha ignornciados fatosdealmmorte,eusupunhaoeternoesquecimento!Masnadahaviacapazdeaplacaramalvadaviso!Elaera,antes,verdadeira!Imagemperfeitadarealidadequesobreomeufsicoespiritualserefletia,eporissomeacompanhavaparaondequerqueeufosse,perseguiaminhasretinassemluz,invadiaminhasfaculdadesanmicasimersasemchoqueseseimpunhaminhacegueiradeEspritocadoempecado,supliciandomesem remisso!

    Na fuga precipitada que empreendi, ia entrando em todas as portas que encontravaabertas,afimdeocultarmeemalgumaparte.Masdequalquerdomiclioaquemeabrigasse,nainsensatezdaloucuraquemeenredava,eraenxotadoapedradassempoderdistinguirquem,comtantodesrespeito,assimmetratava.Vagavapelasruastateandoaqui,tropeandoalm,namesmacidade onde meu nome era endeusado como o de um gnio sempre aflito e perseguido. Arespeitodosacontecimentosquecomminhapessoaserelacionavam,ouvicomentriosdestiladosem crticas mordazes e irreverentes, ou repassados de pesar sincero pelo meu trespasse, quelamentavam.

    Torneia minha casa. Surpreendente desordem estabelecerase em meus aposentos,atingindoobjetosdemeuusopessoal,meus livros,manuscritoseapontamentos,osquais jnoeram por mim encontrados no local costumeiro, o que muito me enfureceu. Dirseia que sedispersaratudo!Encontreimeestranhoemminhaprpriacasa!Procureiamigos,parentesaquemmeafeioara.

    Aindiferenaquelhessurpreendiemtornodaminha desgraachocoume dolorosamente,agravandomeuestadodeexcitao.Dirigimeentoaconsultriosmdicos.Tenteifixarmeemhospitais,poisquesofria,sentiafebreeloucura,supremomalestartorturavameuser,reduzindo

  • 26 YvonneA.Pereira

    me a desolador estado de humilhao e amargura.Mas, a toda parte quemedirigia, sentiameinsocorrido,negavammeatenes,despreocupadoseindiferentestodosanteminhasituao.Emvoobjurgatriasazedassaamdemeuslbiosacompanhadasdaapresentao,pormimprpriofeita,domeuestadoedasqualidadespessoaisquemeuincorrigvelorgulhoreputavairresistveis:pareciamalheiossminhasinsistentesalgaravias,ningummeconcedendosequero favordeumolhar!

    Aflito,insofrido,alucinado,absorvidomeuserpelasondasdeagoirantesamarguras,empartealgumaencontravapossibilidadedeestabilizarmeafimdelograrconfortoealvio!Faltavame alguma coisa irremedivel, sentiame incompleto! Eu perdera algo que me deixava assim,entonteado,eessa"coisa"queeuperdera,partedemimmesmo,atraameparaolocalemqueseencontrava,comasirresistveisforasdeumm,chamavameimperiosa,irremediavelmente!Eera tal a atrao que sobre mim exercia, tal o vcuo que em mim produzira esse irreparvelacontecimento,toprofundaaafinidade,verdadeiramentevital,queaessa"coisa"meuniaque,nosendopossvel,deformaalguma,fixarmeemnenhumlocalparaquemevoltasse,torneiaositiotenebrosodeondeviera: ocemitrio!

    Essa"coisa",cujafaltaassimmeenlouquecia,eraomeuprpriocorpoomeucadver!apodrecendo naescuridodeumtmulo!3

    Debruceime, soluante e inconsolvel, sobre a sepultura queme guardava osmserosdespojoscorporais,eestorcimeemapavorantesconvulsesdedorederaiva,rebolcandomeemcrisesde furordiablico,compreendendoquemesuicidara,queestavasepultado,masque,noobstante, continuava vivo e sofrendo, mais, muitomais do que sofria antes, superlativamente,monstruosamentemaisdoqueantesdogestocovardeeimpensado!

    Cercadedoismesesvagueidesnorteadoetonto,ematribuladoestadodeincompreenso.Ligadoaofardocarnalqueapodrecia,viviamemmimtodasasimperiosasnecessidadesdofsicohumano, amargura que, aliada aos demais incmodos, me levava a constantes desesperaes.Revoltas,blasfmias,crisesdefuroracometiammecomoseoprprioinfernosoprassesobremimsuas nefastasinspiraes,assimcoroandoasvibraesmalficasquemecirculavamdetrevas.Viafantasmas perambulando pelas ruas do campo santo, no obstanteminha cegueira, chorosos eaflitos,e,porvezes,terroresinconcebveissacudiammeosistemavibratrioatalpontoqueme

    3Certavez,hcercadevinteanos,umdosmeusdedicadoseducadoresespirituaisCharleslevoumeaumcemitriopblicodoRiodeJaneiro,afimdevisitarmosumsuicidaquerondavaosprpriosdespojosemputrefao.Escusadoseresclarecerquetalvisitafoirealizadaemcorpoastral.Operispritodoreferidosuicida,hediondoqualdemnio,infundiume pavor e repugnncia. Apresentavase completamente desfigurado e irreconhecvel, coberto de cicatrizes, tantascicatrizesquantoshaviamsidoospedaosaqueficarareduzidoseuenvoltriocarnal,poisodesgraadojogarasesobasrodas deum tremde ferro, ficando despedaado.No h descriopossvel parao estado de sofrimento desseEsprito!Estava enlouquecido, atordoado, por vezes furioso, sem se poder acalmar para raciocinar, insensvel a toda e qualquervibraoqueno fossea sua imensadesgraa!Tentamos falarlhe:no nos ouvia!ECharles, tristemente, comacentoindefinvel de ternura, falou: "Aqui, sa prece ter virtude capaz de se impor!Ser onico blsamoque poderemosdestilaremseufavor,santobastantepara,apscertoperododetempo,poderalivilo...Eessascicatrizes?perguntei,impressionada."SdesaparecerotornouCharlesdepoisdaexpiaodoerro,dareparaoemexistnciasamargas,querequerero lgrimasininterruptas,oquenolevarmenosdeumsculo,talvezmuitomais...QueDeus seamerceiedele,porque,atl..."Durantemuitosanosoreiporesseinfelizirmoemminhasprecesdirias.(Notadamdium)

  • 27 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    reduziam a singular estado de desmaio, como se, sem foras para continuar vibrando, minhaspotnciasanmicasdesfalecessem!

    Desesperadoemfacedoextraordinrioproblema,entregavamecadavezmaisaodesejodedesaparecer,defugirdemimmesmoafimdenomaisinterrogarmesemlograrlucidezpararesponder, incapaz de raciocinar que, em verdade, o corpo fsicomaterial, modelado do limoputrescvel da Terra, fora realmente aniquilado pelo suicdio e que o que agora eu sentiaconfundirsecomele,porquesolidamenteaeleunidoporleisnaturaisdeafinidadequeosuicdioabsolutamente no destri, era o fsicoespiritual, indestrutvel e imortal, organizao viva,semimaterial, fadada a elevados destinos, a porvir glorioso no seio do progresso infindvel,relicrioondesearquivam,qualocofrequeencerrassevalores,nossossentimentoseatos,nossasrealizaes e pensamentos, envoltrio que da centelha sublime que rege o homem, isto , aAlma, eternaeimortalcomoAquelequede SiMesmoacriou!

    Certavezemqueiaevinha,tateandopelasruas,irreconhecvelaamigoseadmiradores,pobre cego humilhadono almtmulo graas desonra de um suicdiomendigo na sociedadeespiritual,famintonamisria deLuzemquemedebatiaangustiadofantasmavagabundo,semlar,semabrigonomundoimenso,nomundoinfinitodosEspritosexpostoaperigosdeplorveis,quetambm os h entre desencarnados perseguido por entidades perversas, bandoleiros daerraticidade,quegostamdesurpreender,comciladasodiosas,criaturasnascondiesamargurosasemquemevia,paraescravizlasecomelasengrossarasfileirasobsessorasquedesbaratamassociedades terrenas e arrunam os homens levandoos s tentaes mais torpes, atravs deinfluenciaes letaisaodobrardeumaesquinadepareicomcertamultido,cercadeduzentasindividualidades de ambos os sexos. Era noite. Pelo menos eu assim o supunha, pois, comosempre,astrevasenvolviamme,eeu,tudooquevenhonarrando,percebiamaisoumenosbemdentro da escurido, como se enxergassemais pela percepo dos sentidos do quemesmopelaviso. Alis, eu me considerava cego, mas no me explicando at ento como, destitudo doinestimvelsentido,possua,noobstante,capacidadeparatantastorpezasenxergar,aopassoquenoapossuasequerparareconheceraluz doSoleoazuldofirmamento!

    Essamultido, entretanto, era amesma que vinha concertando o coro sinistro quemeaterrava, tendoa eu reconhecido porque,nomomento em quenos encontramos, entrou a uivardesesperadamente,atirandoaoscusblasfmiasdiantedasquaisasminhasseriammerosgracejos!

    Tentei recuar, fugir, ocultarme dela, apavorado porme tornar dela conhecido. Porm,porquemarchasseemsentidocontrrioao queeuseguia,depressameenvolveu,misturandomeaoseutodoparaabsorvermecompletamenteemsuasondas!

    Fuilevadoderoldo,empurrado,arrastadomaugradomeuetaleraaaglomeraoquemeperditotalmenteemsuasdobras.Apenasmeinteiravadeumfato,porqueissomesmoouviarosnaremaoredor,eeraqueestvamostodosguardadosporsoldados,osquaisnosconduziam.Amultidoacabavadeseraprisionada!Acadamomentojuntavase,aelaoutroeoutrovagabundo,comoaconteceracomigo,equedomesmomodonomaispoderiamsair.Dirseiaqueesquadrocompletodemilicianosmontadosconduzianospriso.Ouviamseaspatadasdoscavalossobreolajedodasruaselanas afiadasluziamnaescurido,impondotemor.

  • 28 YvonneA.Pereira

    Protesteicontraaviolnciadequemereconheciaalvo.Emaltasvozesbradeiquenoeracriminosoedeimeaconhecer,enumerandomeusttulosequalidades.

    Masoscavaleiros,se meouviam,nosedignavamresponder.Silenciosos,mudos,eretos,marchavamem suasmontadas fechandonos em crculo intransponvel! frente o comandante,abrindo caminho dentro das trevas, empunhava um basto no alto do qual flutuava pequenaflmula, onde adivinhvamos uma inscrio. Porm eram to acentuadas as sombras que nopoderamoslla,aindaqueodesesperoquenosvergastavapermitissepausaparamanifestarmostaldesejo.

    Acaminhadafoilonga.Friocortanteenregelavanos.Misturei minhas lgrimas e meus brados de dor e desespero ao coro horripilante e

    participei da atroz sinfonia de blasfmias e lamentaes. Pressentamos que bem segurosestvamos, que jamais poderamos escapar! Tocados vagarosamente, sem que um nicomonosslabo logrssemos arrancar aos nossos condutores, comeamos, finalmente, a caminharpenosamente por um vale profundo, onde nos vimos obrigados a enfileirarnos de dois a dois,enquantofaziamidnticamanobraosnossosvigilantes.

    Cavernas surgiramde um lado e outro das ruas quese diriam antes estreitas gargantasentremontanhasabruptasesombrias,etodasnumeradas.Tratavase,certamente,deumaestranha"povoao", uma "cidade" em que as habitaes seriam cavernas, dada a misria de seushabitantes, os quais no possuiriam cabedais suficientes para tornlas agradveis e facilmentehabitveis. O que era certo, porm, que tudo ali estava por fazer e que seria bem aquela ahabitao exata da Desgraa! No se distinguiria terreno, seno pedras, lamaais ou pntanos,sombras,aguaceiros...Sobosardoresdafebreexcitantedaminhadesgraa,chegueiapensarque,setalregionofosseumpequenorecncavodaLua,existiriamporl,certamente,locaismuitosemelhantes...

    Internavamnoscadavezmaisnaqueleabismo...Seguamos, seguamos...E, finalmente,no centro degrande praa encharcada qual um

    pntano,oscavaleirosfizeramalto.Comelesestacouamultido.Emmeiodosilncioquerepentinamenteseestabeleceu,viusequeasoldadescavoltava

    sobreosprpriospassosafimderetirarse.Com efeito! Um a um vimos que se afastavam todos nas curvas tortuosas das vielas

    lamacentas,abandonandonosali.Confusoseatemorizadosseguimosaoseuencalo,ansiosospornosafastarmostambm.

    Masfoiemvo!As ruelas, as cavernas e os pntanos se sucediam, baralhandose num labirinto emque

    nos perdamos, pois, para onde nos dirigssemos, depararamos sempre o mesmo cenrio e amesmatopografia.Inconcebvelterrorapossousedaestranhamalta.Porminhavez,nopoderiasequerpensarourefletir,procurandosoluoparaomomento.Sentiamecomoqueenvolvidonostentculosde horrvelpesadelo,e,quantomaioresesforostentavapararacionalmenteexplicarmeo que se passava, menos compreendia os acontecimentos e mais apoucado me confessava noassombroesmagador!

  • 29 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    Meuscompanheiroseramhediondos,comohediondostambmsemostravamosdemaisdesgraados que nesse vale maldito encontrramos, os quais nos receberam entre lgrimas eestertoresidnticosaosnossos.

    Feios, deixando ver fisionomias alarmadas pelo horror esqulidos, desfigurados pelaintensidadedossofrimentosdesalinhados,inconcebivelmentetrgicos,seriamirreconhecveisporaqueles mesmos que os amassem, aos quais repugnariam! Pusme a bradar desesperadamente,acometido de odiosa fobia do Pavor. O homem normal, sem que haja cado nas garras dademncia,no sercapazdeavaliaroqueentreiapadecerdesdeque mecapaciteidequeoquevianoeraumsonho,umpesadelomotivadopeladeplorvelloucuradaembriaguez!No!Eunoeraumalcolatraparaassimmesurpreendernasgarrasdetoperversodelrio!Noeratampoucoosonho,opesadelo,acriaremminhamente,prostitudapeladevassidodoscostumes,oqueaosmeusolhosalarmadosporinfernalsurpresaseapresentavacomoamaispungente realidadequeosinfernospudesseminventararealidademaldita,assombrosa,feroz!criadaporumafalangederprobos do suicdio aprisionada nomeio ambiente cabvel ao seu crtico emelindroso estado,comocautelaecaridadeparacomognerohumano,quenosuportaria,semgrandesconfusesedesgraas,aintromissode taisinfelizesemsuavida cotidiana!4

    Sim!Imaginaiumaassemblianumerosadecriaturasdisformeshomensemulherescaracterizadapelaalucinaodecadauma,correspondenteacasosntimos,trajando,todos,vestescomoque empastadas do lodo das sepulturas, com feies alteradas e doloridas estampandoosestigmasdesofrimentoscruciantes!Imaginaiumalocalidade,umapovoaoenvolvidaemdensosvusdepenumbra,glidaeasfixiante,ondeseaglomerassemhabitantesdealmtmuloabatidospelosuicdio,ostentando,cadaum,oferreteinfamedognerodemorteescolhidonointentodeludibriar a Lei Divina que lhes concedera a vida corporal terrena como precioso ensejo deprogresso,inavalivelinstrumentoparaaremissodefaltasgravosasdopretrito!

    Poiseraassimamultidodecriaturasquemeusolhosassombradosdeparavamnastrevasquelheseramfavorveisaoterrvelgnerodepercepo,esquecido,nainsniadoorgulhoqueamim era prprio, que tambm eu pertencia a to repugnante todo, que era igualmente um feioalucinado,umpastosoferreteado!

    Euviaporaqui,porali,estestraduzindo,dequando emquando,emcacoetesnervosos,asnsias do enforcamento, esforandose, com gestos instintivos, altamente emocionantes, porlivrarem opescoo,intumescidoeviolado,dosfarraposdecordasoudepanosqueserefletiam nasrepercusses perispirituais, em vista das desarmoniosas vibraes mentais que permaneciamtorturandoos!

    Aqueles, indo e vindocomo loucos, em correrias espantosas, bradando por socorro emgritosestentricos, julgandose,demomentoamomento,envolvidos emchamas,apavorandosecom o fogo que lhes devorava o corpo fsico e que, desde ento, ardia sem trguas nas

    4Efetivamente,noalmtmulo,asvibraesmentaislongamenteviciadasdoalcolatra,dosensual,dococainmano,etc.,etc.,podero criar emantervises eambientesnefastos, pervertidos.Se, alm domais, trazem os desequilbrios deumsuicdio,asituaopoderatingirproporesInconcebveis.

  • 30 YvonneA.Pereira

    sensibilidades semimateriais do perisprito! Estes ltimos, porm, eu notava serem, geralmente,mulheres.

    Eisqueapareciamoutrosainda:opeitoouoouvido,ouagargantabanhadosemsangue,oh! Sangue inaltervel, permanente, que nada conseguia verdadeiramente fazer desaparecer dassutilezasdofsicoespiritualsenoareencarnaoexpiatriaereparadora!Taisinfelizes,almdasmltiplas modalidades de penrias por que se viam atacados, deixavamse estar preocupadossempre,atentaremestancaraquelesanguejorrante,oracomasmos,oracomasvestesououtraqualquercoisaquesupunhamaoalcance,semnoentantojamaisoconseguirem,poistratavasedeumdeplorvelestadomental,queos incomodavae impressionavaataodesespero!Apresenadestes desgraados impressionava at loucura, dada a inconcebvel dramaticidade dos gestosiscronos,inalterveis,aque,maugradoprprio,seviamforados!Eaindaestoutrossufocandose na brbara asfixia do afogamento, bracejando em nsias furiosas procura de algo que ospudessesocorrer,talcomosucederahoraextremaequesuasmentesregistraram,ingerindoguaemgorgolejosininterruptos,exaustivos,prolongandoindefinidamentecenasdeagoniaselvagem,asquaisolhoshumanosseriamincapazesdepresenciarsemsetingiremdedemncia!

    Pormhaviamaisainda!...Eoleitorperdoeminhamemriaestasminudnciastalvezdesinteressantes para o seu bomgosto literrio,mas teis,certamente, como advertnciaao seupossvelcarterimpetuoso,chamadoaviverasinconveninciasdeumsculoemqueo"morbus"terrveldosuicdiosetornoumalendmico.

    No pretendemos, alis, apresentar obra literria para deleitar gosto e temperamentoartsticos.Cumprimosumdeversagrado,tosomente,procurandofalaraosquesofrem,dizendoaverdadesobreoabismoque,commalvadassedues,hperdidomuitaalmadescrenteemmeiodosdesgostoscomunsvidadecadaum!

    Entretanto, bem prximo ao local em que me encurralara procurando refugiarme darcuasinistra,destacavase,porfealdadeimpressionante,meiadziadedesgraadosquehaviamprocuradoo"olvidoeterno",atirandosesobasrodasdeumtremdeferro.Trazendo osperispritosdesfigurados,dirseiamaarmadurademonstruosaaberrao,asvestesemfarraposesvoaantes,cobertos de cicatrizes sanguinolentas, retalhadas, confusas, num emaranhado de golpes e sobregolpes, tal se fotografada fora, naquela placa sensvel e sutil, isto , o perisprito, a deplorvelcondio a que o suicdio lhes reduzira o envoltrio carnal esse templo, meuDeus, que oDivinoMestrerecomendacomoveculopreciosoe eficienteparanosauxiliarnacaminhadaembuscadasgloriosasconquistasespirituais!Enlouquecidosporsofrimentossuperlativos,possudosdasupremaaflioqueatingirpossaaalmaoriginadadacentelhadivina,representandoaosolhospvidos do observador o que o Invisvel inferiormantmdemais trgico,mais emocionante ehorrvel, esses desgraados uivavam em lamentaes to dramticas e impressionantes queimediatamente contagiavam com suas influenciaes dolorosas quem quer que se encontrasseindefenso em seu caminho, o qual entraria a coparticipar da loucura inconsolvel de que seacompanhavam...poisoterrvelgnerodesuicdio,dosmaisdeplorveisquetemosaregistraremnossaspginas,abalaralhestoviolentaeprofundamenteaorganizaonervosaesensibilidadesgerais do corpo astral, congneres daquela que traumatizara a todas, entorpecendo, graas

  • 31 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    brutalidade usada,atmesmoos valores da inteligncia, que, por issomesmo, jazia incapaz deorientarse,dispersaeconfusaem meiodocaosqueseformaraaoredordesi!

    Amenteedificaeproduz.Opensamentojbastantesvezesdeclararamcriador,e,portanto, fabrica, corporifica, retm imagens por si mesmo engendradas, realiza, segura o quepassoue,compoderosasgarras,conservaopresenteatquandodesejar!

    Cada um de ns, no Vale Sinistro, vibrando violentamente e retendo com as forasmentaisomomentoatrozemquenossuicidamos,crivamososcenrioserespectivascenasquevivramosemnossosderradeirosmomentosdehomensterrestres.Taiscenas,refletidasaoredorde cada um, levavam a confuso localidade, espalhavam tragdia e inferno por toda a parte,seviciandodeafliessuperlativasosdesgraadosprisioneiros.Assimeraquesedeparavam,aquie ali, forcas erguidas, baloiando o corpo do prprio suicida, que evocava a hora em que seprecipitaranamortevoluntria.

    Veculosvariados,assimcomocomboiosfumegantese rpidos,colhiametrituravam,sobsuasrodas,mserostresloucadosquebuscarammataroprpriocorpoporessemeioexecrvel,osquais,agora,comamente"impregnada"domomentosinistro,retratavamsemcessaroepisdio,pondo viso dos companheiros afins suas hediondas recordaes.5 Rios caudalosos emesmotrechos alongados de oceano surgiam repentinamente nomeio daquelas vielas sombrias: erameiadziaderprobosquepassavaenlouquecida,deixandomostracenasdeafogamento,porarrastarem na mente conflagrada a trgica lembrana de quando se atiraram s suas guas!...Homens e mulheres transitavam desesperados: uns ensangentados, outros estorcendose nosuplcio das dores pelo envenenamento, e, o que era pior, deixando mostra o reflexo dasentranhascarnaiscorrodaspelo txicoingerido,enquantooutrosmais,incendiados,a gritaremporsocorroemcorreriasinsensatas,traziam pnicoaindamaiorentreoscompanheirosdedesgraa,osquais receavamqueimarse ao seu contacto, todos possudos de loucura coletiva!E coroando aprofundeza e intensidade desses inimaginveis martrios as penas morais: os remorsos, assaudadesdosseresamados,dosquaissenotinhamnotcias,osmesmosdissaboresquehaviamdadocausaaodesesperoequepersistiamemafligir!...Easpenas fsicomateriais:a fome, ofrio, a sede, exigncias fisiolgicas emgeral, torturantes, irritantes, desesperadoras!A fadiga, ainsniadepressora,afraqueza,odelquio!Necessidadesimperiosas,desconfortodetodaespcie,insolveis, a desafiarem possibilidades de suavizao oh! A viso insidiosa e inelutvel docadver apodrecendo, seus ftidos asquerosos, a repercusso, namente excitada, dos vermes aconsumiremolodocarnal,fazendoqueodesgraadomrtir sesupusesseigualmenteatacadodepodrido!

    Coisa singular! Essa escria trazia, pendente de si, fragmentos de cordo luminoso,fosforescente, o qual, despedaado, como arrebentado violentamente, desprendiase em estilhasqual um cabo compacto de fios eltricos arrebentados, a desprenderem fluidos que deveriam

    5 Emvrias sesses prticas aque tivemosocasio deassistir em organizaes espritasdoEstado deMinasGerais, osvidentes eram concordes em afirmar que no percebiam apenas o Esprito atribulado do suicida a comunicarse, mastambm a cena do prprio suicdio, desvendandose s suas faculdades medinicas o momento supremo da trgicaocorrncia.(Notadamdium)

  • 32 YvonneA.Pereira

    permanecerorganizadosparadeterminadofim.Ora,essepormenor,aparentementeinsignificante,tinha, ao contrrio, importncia capital, pois era justamente nele que se estabelecia adesorganizaodoestadodesuicida.Hojesabemosqueessecordofludicomagntico,queligaaalmaaoenvoltriocarnalelhecomunicaavida,somentedeverestaremcondiesapropriadasparadestesepararseporocasiodamortenatural,o queentosefarnaturalmente,semchoques,sem violncia. Com o suicdio, porm, uma vez partido e no desligado, rudemente arrancado,despedaadoquandoaindaemtodaasuapujanafludicaemagntica,produzirgrandepartedosdesequilbrios, seno todos que vimos anotando, uma vez que, na constituio vital para aexistncia que deveria ser,muitas vezes, longa, a reserva de forasmagnticas no se haviamextinguido ainda,oquelevaosuicidaasentirseum"mortovivo"namaisexpressivasignificaodotermo.Mas,naocasioemquepelaprimeiravezonotramos,desconhecamosofatonatural,afigurandosenosummotivoamais paraconfuseseterrores.

    To deplorvel estado de coisas, para a compreenso do qual o homem no possuivocabulrionemimagensadequadas,prolongaseatqueasreservasdeforasvitaisemagnticasse esgotem, o que varia segundoo grau de vitalidade de cadaum.Oprprio carter individualinflui na prolongao do melindroso estado, quando o padecente for mais ou menos afeito satraesdossentidosmateriais,grosseiroseinferiores.poisumcomplexoque seestabelece,quesotempo,comextensacaudadesofrimentos,conseguircorrigir.

    Umdia,profundoalquebramentosucedeuemmeuseraprolongadaexcitao.Fraquezainslita conservoume aquietado, como desfalecido. Eu e muitos outros cmpares de minhafalange estvamos extenuados, incapazes de resistirmos por mais tempo a to desesperadorasituao.Urgnciaderepousofazianosdesmaiarfreqentemente,obrigandonosaorecolhimentoemnossasdesconfortveiscavernas.

    Nosetinhampassado,porm,sequervinteequatrohorasdesdequeonovoestadonossurpreendera, quandomais uma vez fomos alarmados pelo significativo rumor daquelemesmo"comboio"quejemoutrasocasieshaviaaparecidoemnossoVale.

    Eu compartilhava o mesmo antro residencial de quatro outros indivduos, como euportugueses,e,nodecorrerdolongomartrioemcomum,tornramonosinseparveis,foradesofrermos juntos nomesmo tugrio dedor.Dentre todos, porm, um sobremaneirame irritava,predispondomediscusso,comousar,apesardasituaoprecria,omonculoinseparvel,ofraque bem talhado e respectiva bengala de casto de ouro, conjuntoque, para omeu conceitoneurastnicoeimpertinente,otornavapedanteeantiptico,numlocalondeseviviatorturadocomodores ftidos e podrido e em que nossa indumentria dirseia empastada de estranhassubstnciasgordurosas,reflexosmentaisdapodridoelaboradaemtornodoenvoltriocarnal.Eu,porm,esqueciamedequecontinuavaausaro"pincenez"comseufiodetoral,asobrecasacados dias cerimoniosos, os bigodes fartos penteados... Confesso que, ento, apesar da longaconvivncia,lhesnoconheciaosnomes,NoValeSinistroadesgraaardentedemaisparaquesepreocupeocalcetacomaidentidadealheia...

    Oconhecidorumoraproximavasecadavezmais...

  • 33 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    Samos de um salto para a rua... Vielas e praas encheramse de rprobos como daspassadasvezes,ao mesmotempo emqueosmesmosangustiososbradosdesocorroecoavampelasquebradas sombrias, no intuito de despertarem a ateno dos que vinham para a costumeiravistoria...

    Atque,dentrodaatmosferadensaepenumbrosa,surgiramoscarrosbrancos,rompendoastrevascompoderososholofotes.

    Estacionouotremcaravaneironapraalamacenta.Desceu um peloto de lanceiros. Em seguida, damas e cavalheiros, que pareciam

    enfermeiros, e mais o chefe da expedio, o qual, como anteriormente esclarecemos, separticularizavaporusarturbanteetnicahindus.

    Silenciosos e discretos iniciaram o reconhecimento daqueles que seriam socorridos. Amesmavoz austera que se diria, comodas vezes anteriores, vibrar no ar, fez, pacientemente, achamadadosquedeveriamserrecolhidos,osquais,ouvindoosprpriosnomes,seapresentavamporsimesmos.

    Outros,porm,pornoseapresentarematempo,impunhamaossocorristasanecessidadedeprocurlos.

    Mas a estranha voz indicava o lugar exato em que estariam os mseros, dizendosimplesmente:

    Abrigonmerotal...Ruanmerotal...Ou,conformeacircunstncia:Dementado... Inconsciente...Noseencontranoabrigo...Vagandoem talrua...No

    atenderpelo nome...Reconhecvelporestaouaquelaparticularidade...Dirseia que algum, de muito longe, assestava poderosos telescpios at nossas

    desgraadasmoradas, para assim informar detalhadamente domomento decorrentea expediolaboriosa...

    OsobreirosdaFraternidadeconsultavamummapa,iamrapidamenteaolocalindicadoetraziamosmencionados,algunscarregadosemseusbraosgenerosos,outrosempadiolas...

    Desbitoressoounaatmosferadramticadaquele infernoondetantopadeci,repercutindoestrondosamente pelos mais profundos recncavos do meu ser, o meu nome, chamado para alibertao!Emseguida,ouviramseosdosquatrocompanheirosquecomigoseachavampresentesnapraa.Foientoquelhesconheciosnomeseelesomeu.

    Disseavozlongnqua,comoservindosededesconhecidoepoderosoaltofalante:Abrigonmero36daruanmero48Ateno!...Abrigonmero36Ingressarno

    comboiodesocorroAteno!...CamiloCndidoBotelhoBelarminodeQueirozeSouzaJernimodeArajo Silveira Jood'Azevedo MrioSobral Ingressaremnocomboio...6

    Foientrelgrimasdeemooindefinvelquegalgueiospequenosdegrausdaplataformaqueumenfermeiroindicava,atenciosoepaciente,enquantoospoliciaisfechavamcercoemtornodemimedemeusquatrocompanheiros,evitandoqueosdesgraadosqueaindaficavamsubissem

    6 Perdoarme o leitor o no transcreverna integraosnomes destas personagens, tal como foram reveladospeloautordestaspginas.(Notadamdium)

  • 34 YvonneA.Pereira

    conoscoounosarrastassemnoseuturbilho,criandoaconfusoeretardandoporissomesmooregressodaexpedio.

    Entrei.Eramcarrosamplos,cmodos,confortveis,cujaspoltronasindividuaiscomoqueestofadascomarminhobrancoapresentavamoespaldarvoltadoparaosrespiradores,quedirseiam os culos dasmodernas aeronaves terrenas. Ao centro quatro poltronas em feitio idntico,ondese acomodaramenfermeiros,tudoindicandoquealipermaneciamafimdeguardarnos.

    Nas portas de entrada liase a legenda entrevista antes, na flmula empunhada pelocomandantedopelotode guardas:

    LegiodosServosdeMaria

    Dentroempoucoatarefadosabnegadoslegionrio estavacumprida.Ouviusenointerioro tilintar abafado de uma campainha, seguido demovimento rpido desuspenso de pontes deacessoeembarquedosobreiros.Pelomenosfoiessaasriedeimagensmentaisque concebi...

    Oestranhocomboiooscilousemquenenhumasensaodegaleioeomaislevebalanoimpressionassem nossa sensibilidade. No contivemos as lgrimas, porm, em ouvindo oensurdecedorcorodeblasfmias, agrita desesperadaeselvagemdosdesgraadosqueficavam, pornosuficientementedesmaterializadosaindapara atingiremcamadasinvisveismenoscompactas.

    Eramsenhorasquenosacompanhavam,pornsvelandoduranteaviagem.Falaramnoscomdoura,convidandonosaorepouso,afirmandonossolidariedade.

    Acomodaramnos cuidadosamente nas almofadas das poltronas, quais desveladas,bondosasirmsdeCaridade...

    Afastavaseoveculo...Apoucoepoucoacerrao decinzasseiadissipandoaosnossosolhos torturados, durante tantos anos, pela mais cruciante das cegueiras: a da conscinciaculpada!

    Apressavaseamarcha...Onevoeirodesombrasficavaparatrscomopesadelomalditoqueseextinguisseaodespertardeumsonopenoso...Agoraasestradaseramamplaseretas,aseperderemdevista...

    Aatmosferafaziase brancacomoneve...Ventosfertilizantessopravam,alegrandooar...DeusMisericordioso!...HavamosdeixadooVale Sinistro!...Lficaraele,perdidonastrevasdoabominvel!...Lficara,incrustadonosabismosinvisveiscriadospelopecadodoshomens,afustigara

    almadaquelequese esqueceudoseuDeuseCriador!Comovidoepvido,pude,ento,elevaropensamentoFonte ImortaldoBemEterno,

    parahumildemente agradeceragrandemercquerecebia!

  • 35 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    III No Hospital "Maria de Nazar"

    Depois de algum tempo de marcha, durante o qual tnhamos a impresso de estarvencendo grandes distncias, vimos que foram descerradas as persianas, facultandonospossibilidadededistinguir,nohorizonteaindaafastado,severoconjuntodemuralhasfortificadas,enquanto pesada fortaleza se elevava impondo respeitabilidade e temor na solido de que secercava.

    Era umaregio triste e desolada, envolvida emneblinas como se toda a paisagem forarecobertapelo sudriodecontinuadasnevadas,conquantooferecendo possibilidadesdeviso.Nosedistinguia,inicialmente,vegetaonemsinaisdehabitantespelosarredoresdafortalezaimensa.Apenas longas plancies brancas, colinas salpicando.a vastido, assemelhandose a montculosacumulados pela neve. E ao fundo, plantadas no centro dessa nostalgia desoladora, muralhasameaadoras,a fortalezagrandiosa,padrodasvelhas fortificaesmedievais,tendopordetalheprimordialmeia dzia de torres cujas linhas grandemente sugestivas despertariam a ateno dequemporalitransitasse.

    Fundainquietaopercutiurijamenteemnossassensibilidades,aviventandoreceiosalgoacomodadosdurante otrajeto.

    Quenosesperariaparaalmdetosombriasfronteiras?...Poiseraevidentequeparaalinosconduziam...

    Vista, distncia, a edificao apavorava, sugerindo rigores e disciplinas austeras...Assaltounostalimpressodepoder,grandezaemajestadequenossentimosnfimos,acovardadossnoavistla.

    Aproximandose cada vez mais, o comboio finalmente estacou fronteiro a um grandeporto,queseriaaentradaprincipal.

    Paraalmdacornija,caprichosamentetrabalhada,eurdidaemletrasartsticasegradas,liaseemidiomaportugusestainscriojnossaconhecida,aqual,comoporencanto,serenounossa agitao logo que a descobrimos Legio dos Servos de Maria seguindose estaindicaoque,emocionante,compeliunosanovasapreenses:

  • 36 YvonneA.Pereira

    ColniaCor recional

    Semrespostasindagaesconfusasdopensamento aindalerdoeatordoadopelaslongasdilaceraes quemevinhamperseguindohaviamuito, desobrigueimedeaveriguaes e deixeiqueosfatosseguissemlivrecurso,percebendoquemeuscompanheirosfaziamomesmo.

    No faltava fortaleza nemmesmo a defesa exterior de um fosso. Uma ponte desceusobreeleeocomboiovenceuoempecilhofazendonosingressardefinitivamentenessaColnia,no isentados, porm, de srias preocupaes quanto ao futuro que nos aguardava.Deentrada,notamos pelas imediaes numerosos militares, qual se ali se aquartelasse um regimento.Entretanto,estesmuitoseassemelhavamaosantigossoldadosegpciosehindus,oquemuitonosadmirou.Sobreoprticodatorreprincipalliaseestaoutrainscrio,parecendonostudomuitointeressante,comoumsonhoquenoscumulassedeincertezas:

    Tor redeVigia

    Emquelocalidadeestaramos?...VoltaramosaPortugal?...Viajaramosatravsdealgumpasdesconhecido,enquantoaneveseespalhavadominandoapaisagem?...

    Passamossemestacionarporessagrandepraamilitar,certodequese tratariadeumafortificaoguerreiraidnticasdaTerra,conquantorevestidadeindefinvelnobreza,inexistentenas congneres que conhecramos atravs da Europa, pois no poderamos, ento, avaliar averdadeirafinalidadedasuaexistncianaquelasregiesdesoladasdoInvisvelinferior,cercadasdeperigosbemmaissriosdoqueosquepoderamospresumir.

    Com surpresa verificamos que entrvamos em cidade movimentadissima, conquantorecobertaporextensosvusdeneve,oucerraopesada.Nofazia,porm,frio intenso,oquenossurpreendeu, e o Sol,mostrandose amedo entre a cerrao, deixava ocasio no s para nosaquecermos,mastambmparadistinguirmosoque houvesseemderredor.

    Edifcios soberbos impunhamseapreciao,apresentando o formoso estilo portugusclssico, que tanto nos falava alma. Indivduos atarefados, neles entravam e deles saiam emafanosamovimentao,todosuniformizadoscomlongosaventaisbrancos,ostentandoaopeitoacruzazulcelesteladeadapelasiniciais:L.S.M.

    Dirseiam edifcios, ministrios pblicos ou departamentos. Casas residenciaisalinhavamse,graciosaseevocativasnasuaestilizaonobree superior,traandoruasartsticasque se estendiam laqueadas de branco, como que asfaltadas de neve. A frente de um daquelesedifciosparouocomboioefomosconvidadosadescer.

    Sobreoprticodefiniasesuafinalidadeemletrasvisveis:

    Depar tamentodeVigilncia(SeodeReconhecimentoe Matrcula)

    Tratavase da sede do Departamento onde seramos reconhecidos e matriculados peladireo,comointernosdaColnia.Daquelemomentoemdianteestaramossobatuteladiretade

  • 37 MEMRIASDEUMSUICIDA (peloEsprito CamiloCndidoBotelho)

    umadasmaisimportantesagremiaespertencentesLegiochefiadapelograndeEspritoMariade Nazar, ser anglico e sublime que na Terra mereceu a misso honrosa de seguir, comsolicitudesmaternais,Aquelequefoioredentordoshomens!

    Conduzidos a um ptio extenso e nobre, que lembraria antigos claustros de Portugal,fomosemseguida transportadosempequenosgruposdedez individualidades,paradeterminadogabinete onde vrios funcionrios colaboravam nos trabalhos de registro. Ali deixaramos aidentidadeterrena, bemassimasrazesquenosinduziramaosuicdio,ognerodomesmocomoolocal em que jazeram os despojos. Caso o recmchegado no estivesse em condies deresponder,ochefedaexpediosupririarapidamenteainsuficincia,poismantinhasepresentecerimnia, dando contas ao diretor do Departamento da importante misso que acabava dedesempenhar.Torduotrabalho,emtornodetoda umafalange,levaraquandomuitodoisquartosde hora, porquanto os processos usados no eram idnticos aos conhecidos nas repartiesterrenas.Asrespostasdospacientesseriamantesgravadasemdiscossingulares,espciedelbunsanimadosdecenasemovimentos,graasaoconcursodeaparelhamentosmagnticosespeciais.

    Tais lbuns reproduziriam at mesmo o som de nossa voz, como nossa imagem e oprolongamento do noticirio sobre ns mesmos, desde que posto em contacto com admirvelmaquinismo apropriado ao feito, exatamente como discos e filmes naTerra reproduzem a vozhumanaetodasasdemaisvariedadesdesonseimagensnelesexistentesequedevamserretidoseconservados.Nossa identidade, portanto, era antes fotografada: as imagens emitidas por nossospensamentos,noatodasrespostassperguntasformuladas,seriamcaptadasporprocessosquenaocasioescapavamnossacompreenso.

    Durantemuito tempo perdemos de vista asmulheres que conosco haviam chegado aoDepartamentodeVigilncia.OsregulamentosdaColniaimpunhamanecessidadedeseparlasdeseuscompanheirosdedesventura.

    Assim sendo, logo chegada e imediatamente depois damatrcula, foram confiadas sdamas funcionrias daVigilncia a fim de serem encaminhadas aosDepartamentos Femininos.Desde,portanto,quenosmatriculavam,ramosseparadosdoelementofeminino.

    Dentro em pouco, entregues a novos servidores, cujas operosidades se desenrolavamaqumdosmurosdainstituio,fomoscompelidosaoingressoemnovosmeiosdetransporte,quetudoindicavaseremparausodospermetrosinternos,porquantonoscumpriacontinuaramarcha,iniciadadesdeoVale.

    Nossas viaturas agora eram leves e graciosas, quais trens ligeiros e confortveis,puxados pelasmesmas admirveis parelhas de cavalos normandos, e com capacidade para dezpassageiroscadaum.Aocabodeumahoradecorridamoderada,duranteaqualdeixvamosparatrs o bairro daVigilncia, penetrando, por assimdizer, ocampo, porque avanando emregiodespovoada, conquanto as estradas se apresentassem caprichosamente projetadas, orladas dearbustos nveos quais flores dos Alpes, avistamos grandes marcos, como arcos de triunfo,assinalando o ingresso em novo Departamento, nova provncia dessa Colnia CorrecionallocalizadanasfronteirasinvisveisdaTerracomaEspiritualidadepropriamentedita.

  • 38 YvonneA.Pereira

    Comefeito.Lestavaaindicaonecessriaentestandoaarcadaprincipal,norteandoorecmchegadoporauxililonoesclarecimentodepossveisdvidas:

    Depar tamentoHospitalar

    A um e outro lado destacavamse outras em que setas indicavam o incio de novostrajetos,enquantonovasinscriessatisfaziamacuriosidadeounecessidade doviajante: