Pensamento narrativo e linguagem...

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Originalmente publicado em: Correia, A.M. & Coquet, E. (2009, coord.). Diálogos com a Arte. Braga: Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho. Pensamento narrativo e linguagem narrativa 1 Maria de Lurdes Magalhães Centralidade da narrativa na vida humana Roland Barthes, na conhecida Introduction à l’Analyse Structurale des Récits, assinala a centralidade, ubiquidade, variedades e diversidade de suportes e linguagens que a narrativa assume na vida dos seres humanos: Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há [...] uma variedade prodigiosa de géneros, distribuídos entre substâncias diferentes, como se toda a matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse as suas narrativas: a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada [...], pela imagem [...], pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história [...], na pintura, no vitral, no cinema, nas bandas desenhadas, na notícia, na conversação. [...] A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em parte alguma povo algum sem narrativa. (1966, p. 1) Comentando estas declarações de Barthes, Polkinghorne (1988, p. 14 e seguintes) salienta a atribuição de funções básicas à actividade narrativa. Por um lado, a nível pessoal, proporciona a cada ser humano a organização dos acontecimentos da sua vida num todo, a que pode chamar a sua própria história, o que lhe possibilita construir o que é e o que pretende. Permite ainda explicar, entender e prever comportamentos, seus e dos seus semelhantes, assim como configurar decisões, graças à possibilidade de criação de cenários possíveis. Por outro lado, a nível cultural, as narrativas funcionam como meios para conferir coesão a crenças e também como veículo de valores. As histórias que as culturas oferecem integram valores culturais, por meio de modelos a seguir ou a evitar. Este processo é particularmente claro nas histórias que cada cultura destina às suas gerações mais novas, no sentido de lhes transmitir valores, avisos e outras informações tidas como relevantes. Um dos aspectos interessantes evidenciado no estudo das narrativas é o facto de que a mente não «regista» o mundo, pelo contrário, cria-o de acordo com a sua composição | 1 | 1 Conferência proferida no Ciclo de Conferências Diálogos com a Arte, que decorreu no ano lectivo de 2006/2007 na Escola Superior de Educação de Viana do Castelo. ABZ da Leitura | Orientações Teóricas | 1 | | 1 |

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Originalmente publicado em: Correia, A.M. & Coquet, E. (2009, coord.). Diálogos com a Arte. Braga: Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho.

Pensamento narrativo e linguagem narrativa1

Maria de Lurdes Magalhães

Centralidade da narrativa na vida humana

Roland Barthes, na conhecida Introduction à l’Analyse Structurale des Récits, assinala a centralidade, ubiquidade, variedades e diversidade de suportes e linguagens que a narrativa assume na vida dos seres humanos:

Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há [...] uma variedade prodigiosa de géneros, distribuídos entre substâncias diferentes, como se toda a matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse as suas narrativas: a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada [...], pela imagem [...], pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história [...], na pintura, no vitral, no cinema, nas bandas desenhadas, na notícia, na conversação. [...] A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em parte alguma povo algum sem narrativa. (1966, p. 1)

Comentando estas declarações de Barthes, Polkinghorne (1988, p. 14 e seguintes) salienta a atribuição de funções básicas à actividade narrativa. Por um lado, a nível pessoal, proporciona a cada ser humano a organização dos acontecimentos da sua vida num todo, a que pode chamar a sua própria história, o que lhe possibilita construir o que é e o que pretende. Permite ainda explicar, entender e prever comportamentos, seus e dos seus semelhantes, assim como configurar decisões, graças à possibilidade de criação de cenários possíveis. Por outro lado, a nível cultural, as narrativas funcionam como meios para conferir coesão a crenças e também como veículo de valores. As histórias que as culturas oferecem integram valores culturais, por meio de modelos a seguir ou a evitar. Este processo é particularmente claro nas histórias que cada cultura destina às suas gerações mais novas, no sentido de lhes transmitir valores, avisos e outras informações tidas como relevantes.

Um dos aspectos interessantes evidenciado no estudo das narrativas é o facto de que a mente não «regista» o mundo, pelo contrário, cria-o de acordo com a sua composição

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1 Conferência proferida no Ciclo de Conferências Diálogos com a Arte, que decorreu no ano lectivo de 2006/2007 na Escola Superior de Educação de Viana do Castelo.

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pessoal de expectativas individuais e culturais. Neste sentido, D. Olson (1990) considera as narrativas como «ferramentas» da linguagem e do pensamento, proporcionando um formato para conferir organização a eventos da experiência, tornando-os assim memorizáveis e partilháveis. Em seu entender, são o meio mais vulgar, talvez mesmo universal, de atribuir organização a séries de acontecimentos.

Esta hipótese é sustentada pela centralidade da narrativa no pensamento, memória e comportamento inteligente do ser humano (Polkinghorne, 1988).

Assim, considerar uma série de acontecimentos como formando uma narrativa implica a actividade de criar e inventar, actividade característica da arte, em geral.

Tem particular valor para a investigação, a defesa que Bruner faz da abordagem das narrativas, como formas simbólicas com a função de dar sentido à experiência. «Assim, a intuição de Bruner é que é possível que a elucidação crítica da forma artística e, particularmente, da forma literária, nos possa fornecer ferramentas conceptuais mais esclarecedoras para compreender o papel [...] da narrativa na experiência e cultura individuais.» (Polkinghorne, 1988, p. 191).

A narrativa como forma de representação e de constituição do real

Em Actual Minds, Possible Worlds, J. Bruner (1986) considera a narrativa como uma forma de representação e de constituição da realidade. Em seu entender (1986), a linguagem e pensamento narrativos, assim como a linguagem e pensamento paradigmáticos ou lógico-científicos, constituem um dos dois modos fundamentais e irredutíveis de ordenar a realidade e preenchem um papel fulcral no esforço que o indivíduo desenvolve para conferir sentido ao mundo.

Este investigador propõe a distinção entre dois modos de funcionamento cognitivo que facultam formas distintas de ordenação da experiência, de construção da realidade. São o pensamento narrativo e o pensamento lógico-dedutivo que Bruner também designa como paradigmático.

Embora complementares, estas formas de organização cognitiva não se reduzem uma à outra.

O pensamento paradigmático diz especialmente respeito, embora não exclusivamente, à realidade física, funciona com noções de verdade ou erro, com atitudes de observação, análise e prova. O seu domínio consiste não só em observáveis, mas também nos mundos possíveis construídos e testados contra os observáveis. A sua função, de acordo com Bruner (op. cit.), é elaborar teorias, explicar fenómenos em termos de leis gerais, enfatizando processos do tipo abstracção, verificação, argumento e conclusão.

Além disso, a linguagem em que se verte esta forma de pensar é, em seu entender, do âmbito da lógica e da matemática, regulada pela denotação e a não contradição.

O pensamento narrativo diz sobretudo respeito à realidade psíquica, opera com questões da experiência humana ou verosimilmente humana, com crenças e com dúvidas, com intenções, desejos e emoções. A linguagem em que se conforma esta forma de pensar é a do drama e a da história.

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Emergência e desenvolvimento da capacidade narrativa

Há um certo consenso relativamente ao facto de a capacidade narrativa se manifestar bem cedo, no decurso do desenvolvimento dos indivíduos, na maioria das culturas. A emergência e desenvolvimento da capacidade e competência narrativas nas crianças têm sido objecto de elevado número de estudos teóricos e experimentais.

Contar supõe, da parte do falante, competência narrativa, que Irene Fonseca (1994) define como a capacidade «de construir enunciados libertos da situação concreta de produção» (p. 99). Entre esses enunciados, encontram-se as histórias.

Katherine Nelson (1980) aponta três áreas como fontes de competência narrativa na criança: as representações de estruturas de acontecimentos familiares, o suporte da família e educadores e a experiência com histórias lidas e contadas.

As estruturas de acontecimentos familiares desenvolvem-se muito cedo na criança, tentando espontaneamente construir representações de acontecimentos e de regras para os relacionar entre si, de que resultam representações cognitivo-semânticas modeladas em termos de guiões. Pensa-se que a organização narrativa matricial dos contos se enraíza nas representações pré-linguísticas de acções e de sequências de acções.

Naturalmente, outros factores relacionados com a interacção social vão contribuir para o desenvolvimento da competência narrativa, como as interacções comunicativas quotidianas. Quando a criança anuncia acontecimentos novos, é solicitada, pelos mais velhos e pelos pares, a acrescentar informações sobre os seus antecedentes e consequências, por meio de perguntas («Porquê?», «E depois?»...). É natural que, à medida que estas experiências se vão acumulando, ela interiorize este género de reacção. Assim, começará a fornecer antecipadamente informação requerida por perguntas possíveis, incluindo progressivamente, nas narrativas, os elementos necessários à sua plena compreensão.

Finalmente, o terceiro aspecto que interage positivamente com os anteriores é o facto de a maioria das crianças escutar quotidianamente histórias contadas e lidas por adultos na escola e, frequentemente, em casa. Dispõe assim de grande número de exemplos literários que lhe permitem inferir marcadores linguísticos adequados e seu funcionamento no texto narrativo, assim como interiorizar a estrutura canónica desses textos (Fayol, 1991, p. 242).

De acordo com o que tem vindo a ser exposto, parece existir um certo consenso quanto ao facto de compreensão e produção de histórias requererem a posse de representações de acontecimentos familiares.

Estas representações são de natureza temporal.Qual a origem desta forma de organização e representação do conhecimento?

Como se desenvolve?

A representação de acontecimentos

Há algum consenso relativamente ao facto de a exposição frequente do ser humano a acontecimentos e mudanças suscitar a formação de estruturas mentais que os representam, pois é característico da mente humana atribuir ordem e estrutura ao caos percepcionado, buscando regularidades, registando-as na memória e criando, deste modo, expectativas de as voltar a encontrar.

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Na maioria dos casos, perante uma situação problemática, o ser humano sabe como proceder, pois possui conhecimentos prévios sobre o modo de agir em determinadas circunstâncias. Há sequências de acontecimentos – guiões – que são quotidianamente convocados e que praticamente não apresentam variações, como «ir ao supermercado», «vestir-se», «preparar uma refeição». Fayol (1985, p. 69) considera os guiões como uma espécie de «pronto-a-pensar» guardados em memória e facilmente actualizáveis. Além disso, nem sempre são explicitados.

A consistência de resultados de diversos estudos, sobre a produção de histórias por crianças, implica que se considere os guiões, isto é, as representações de sequências de acções familiares, como fonte das histórias, e de competência narrativa, em geral, nas crianças mais novas, como afirma Nelson (1986).

Dados da investigação têm indicado a existência de conhecimento de sequências de acontecimentos familiares, do tipo guião, em crianças muito jovens, até com idades inferiores a um ano (Mandler, 1979, 1983; Nelson, 1986; Shank & Abelson, 1987). Por exemplo, Shank & Abelson (idem, pp. 253-254) descrevem a reacção emotiva de uma criança de quatro meses, quando a ordem temporal de uma série de acontecimentos que fazia parte da sua rotina quotidiana foi alterada. Os investigadores comentam que a ritualização e as rotinas são fenómenos bem conhecidos por quem lida com crianças e revelam-se importantíssimos no sentido de lhes facilitar a elaboração de conhecimento do mundo. Sugerem que o processo de aquisição de um guião se inicia com a suposição da criança de que tudo o que sucede voltará a ocorrer da mesma forma, na próxima ocasião. O valor desta forma de estruturação do conhecimento consiste em facultar expectativas que tornam o mundo da criança ordenado e predizível.

Dados da pesquisa indicam que as crianças recorrem às histórias e outras formas narrativas, como se de uma ferramenta se tratasse, para conferir sentido ao mundo (Bruner & Lucariello, 1989).

Conferir sentido ao mundo é uma tarefa da maior importância para os mais jovens, permitindo-lhes satisfazer carências e desejos de ordem física, emocional e social. Para a criança, trata-se de obter respostas para saber o que se passa e o que sucederá em seguida. Tal tem a ver com o bem-estar e com a sobrevivência em ambientes adversos. Recorde-se que esta preocupação terá presidido à emergência das primeiras formas de literatura, na história da humanidade, e que estas terão sido predominantemente de natureza narrativa (Sosa, 1978).

Narrar é um acto primário da mente humana, uma forma básica de organização da experiência, como sustenta Hardy (1978). A este respeito, J. Bruner salienta, em muitas das suas obras, que o uso de narrativas, nas diferentes linguagens e suportes, constitui, para os adultos, uma das mais eficazes formas de ensinar e, para os mais novos, um dos mais agradáveis e produtivos meios de aprender.

Literatura, narrativa & arte

A boa literatura para crianças e jovens constitui um objecto artístico que incorpora de formas altamente criativas e interactivas as linguagens em que a humanidade se expressa. É nesse diálogo que a constitui (e que propõe ao leitor) que se gera o espaço estético da obra.

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Mas se, por um lado, a literatura é naturalmente objecto da cultura, por outro, constitui desde sempre um dos meios mais favoráveis à sua transmissão e previvência e esta é uma das múltiplas funções atribuídas à literatura, particularmente, à literatura para as gerações mais novas.

Neste campo literário específico, encontramos a literatura (nas muitas narrativas e outros géneros em que se traduz) como possibilidade de experiência estética em si e simultaneamente como janela aberta para o rico e variado mundo da arte de todos os tempos e lugares.

As biografias, por exemplo, constituem um recurso bem feliz mas pouco explorado. Na generalidade, as biografias narram a vida ou parte da vida de um ser humano. Valorizam frequentemente o seu trabalho e esforço, assim como qualidades éticas. Embora, nestas obras, o narrador apresente factos básicos da vida do biografado, também selecciona, interpreta e organiza esses dados de forma a criar um trabalho estético. Na literatura de recepção infantil e juvenil, as biografias têm vindo a adquirir aspectos peculiares, relacionados com características do seu público implícito. A este respeito, Culinan & Galda (1994) referem que, nas biografias da literatura para a infância e juventude da actualidade, é frequente focar-se a infância e/ou a juventude do biografado, salientando o que este possui de comum com qualquer criança ou jovem e o facto de ser o seu empenho, esforço e trabalho que o levam a produzir algo de belo, de bom para a humanidade.

O facto de se privilegiar a infância ou a juventude, na vida do biografado, é um recurso feliz. Proporciona condições óptimas para a projecção do leitor pretendido no protagonista com quem partilha não só a idade mas também as vivências que lhes são comuns: a família e suas peculiaridades, a escola, os amigos, os difíceis dilemas do crescimento, a luta pela construção da identidade…

É o caso de O Grande Pintor: Baseado na vida de Júlio Resende, obra escrita por Conceição de Sousa Gomes e ilustrada por Chico (2006), de que se apresentam alguns excertos:

O Grande Pintor: Baseado na vida de Júlio Resende – interior, p. 8/C. Sousa Gomes & Chico

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Era uma vez um jovem rapaz, dos seus dez anos de idade, de nome Júlio. O pequeno Júlio estava convencido de que não queria ser outra coisa na vida senão pintor. Não pensava em mais nada dia e noite. Sonhava com tintas, cores, enormes telas com desenhos cheios de magia, luz e movimento. […] Dizia-se, na altura, que ser pintor não era profissão e, por vezes, isso deixava-o um pouco entristecido, mas não lhe reduzia o entusiasmo para perseguir o seu sonho. (p. 6, 10)

É também o que sucede no caso de Pablo Picasso, em Picasso (Tony Hart & Susan Hellard, 1994):

- Chegou a altura de ires para a escola – disse a mãe quando Pablo tinha cinco anos. - Não quero ir – disse ele a chorar – […] As professoras são muito severas.Dom José levou Pablo, que esperneava e gritava, à escola. […]- Porque é que não posso ficar em casa a desenhar? – resmungava ele dia após dia. […]Na sua nova escola, continuava a encher os livros de pombos, pombas brancas, gatos e borrões de tinta que se transformavam em pessoas. […] Fazia o seu próprio jornal para mandar aos amigos. […] Quando Pablo ainda só tinha treze anos, decidiu expor alguns dos seus trabalhos. [Pediu ao dono de uma loja de guarda-chuvas que lhe deixasse pôr na montra algumas das suas pinturas]. (s. p.)

Picasso – interior/Tony Hart & Susan Hellard

Um Rapaz Chamado Giotto (Paolo Guarnieri & Bimba Landmann, 1988) narra a vida de um pastorinho chamado Giotto que nasceu há mais de 700 anos, na zona de Florença, em Itália. Tinha um desejo secreto e, no pasto, em vez de vigiar o rebanho,

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passava o tempo a desenhar ovelhas, árvores, pássaros, com um pedaço de giz, nas pedras escuras, e com um pauzinho, na areia…

Um Rapaz Chamado Giotto – interior/Paolo Guarnieri & Bimba Landmann

Na arte da escrita, Manuela Júdice e Pedro Proença (2006) celebram, para os mais novos, um dos mais famosos poetas da língua portuguesa em O Meu Primeiro Fernando Pessoa:

Ia começar o ano de 1888 quando, a 13 de Junho, nasceu em Lisboa um menino a quem deram o nome de Fernando António porque tinha nascido no dia de Santo António. […] [Com o nascimento de seus irmãos], passou a ter companheiros para as suas partidas e brincadeiras em casa. Porém continuou […] a escrever histórias que inventava para se distrair com os irmãos mais novos. Mascaravam-se e faziam teatros para os pais e amigos.

O Meu Primeiro Fernando Pessoa – interior/Manuela Júdice & Pedro Proença

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Poemas para Lili

III No comboio descendenteVinha tudo à gargalhada,Uns por verem rir os outrosE os outros sem ser por nada. (s.p.)

Flora Azevedo é autora de Em Plena Primavera (1996). Nesta interessante obra, uma mãe conta a seu filho Rudolfo a história de um outro Rudolfo, Rudolfo Nureyev que, ainda na sua bem difícil infância, sonhou ser bailarino e como esse desejo nasceu e se concretizou. Nesta narrativa afloram memórias de sonhos de infância das personagens adultas, dos sonhos que estes alimentam para os seus filhos e dos que estes sonham para si próprios.

Em Plena Primavera – interior/Flora Azevedo (ilustrador não mencionado)

Um Sonho à Procura de uma Bailarina, uma belíssima narrativa de Anabela Mimoso & João Caetano, a seu próprio modo retoma contornos da obra já citada de Flora Azevedo:

– Mãe, quando eu for grande quero ser bailarina!Todos os dias mo lembravas.Que despertava em ti tanta beleza?O esvoaçar da borboleta, o pairar de alguma gaivota, o suave deslizarde um veleiro no rio ou o doce balouçar das folhas das árvores?Eu também sonhava que serias bailarina. E fiz esta história para ti.Para que nunca te esqueças de sonhar.AGARRA O SONHO (s.p.)

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Um Sonho à Procura de uma Bailarina – capa/Anabela Mimoso & João Caetano

José Viale Moutinho & José Emídio (2005) presenteiam-nos com A História de William: A possível infância de Shakespeare.

Para além de um número elevado de sonetos, William Shakespeare, aquele rapazinho que se tornaria num dos homens mais misteriosos e talentosos do mundo, escreveria 36 peças de teatro! (s.p.), informa, em paratexto, esta nota editorial, um verdadeiro convite a uma leitura que se enreda nas teias intermináveis, excitantes e imprevistas de outras leituras.

A História de William: A possível infância de Shakespeare – interior, p. 29/José Viale Moutinho & José Emídio

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Em Mozart e a Flauta Mágica (com CD), Montse Sanuy & Violeta Monreal (2006) apresentam uma biografia do célebre compositor, com incidência na sua infância e juventude. A biografia é completada com muita informação sobre o biografado, sua arte e sua época. A respeito de A Flauta Mágica, os autores escrevem: não só é um conto fantástico como também uma bela ópera. Se tiveres oportunidade de assistir à sua representação, vê-lo-ás por ti próprio. Esta foi a última ópera que Mozart escreveu. Estreou no dia 30 de Setembro de 1791, pouco antes da sua morte (s.p.).

Mozart e a Flauta Mágica – interior/Montse Sanuy & Violeta Monreal

Já Papiniano Carlos & Elsa Navarro (2001) apresentam um outro artista da área musical, Beethoven, em Luisinho e as Andorinhas: Este menino que se chamou Beethoven. Escrita em verso, esta biografia/poema conclui assim pela mão de Papiniano Carlos:

Um dia,haveis de conhecermelhorquem foi Luisinho,este menino, quem foi o homemque se chamou Luís Van Beethoven.Então sabereis que,com a sua música, ele ajudou também a construiro que somos hoje,o que seremos amanhã, o rosto radioso da Primaveraque sem descansodentro e fora de nósdia após dia construímos. (s.p.)

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Luisinho e as Andorinhas: Este menino que se chamou Beethoven – interior, p. 20/Papiniano Carlos & Elsa Navarro

A mensagem do poeta Papiniano Carlos poderá sintetizar o potencial que reside em cada criança, em cada adulto, de construir o bem, a beleza… e um mundo melhor. Para tal, como nos deixam entender as diferentes biografias abordadas, o importante é querer e nunca desistir.

«O sonho é teu. Agarra-o!»Mimoso & Caetano, 2002 (s.p.)

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