Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

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Maria Ausenda Baptista da Costa PENSAMENTO SISTÉMICO E ENSINO DAS CIÊNCIAS Um Guia Metodológico para Professores e Mestrandos

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Nota da Autora: A minha tese de doutoramento defendida em 2001 e abordada na IIª parte deste livro faz prova que desde há bastantes anos me preocupo com a ausência da explicitação e desenvolvimento do conceito de pensamento sistémico nos programas do ensino secundário em Portugal. A coincidência desta minha preocupação com a de investigadores estrangeiros, concretizada através de investigações recentes (2009, 2010 e 2011) parece-me evidenciar a oportunidade e actualidade deste livro.

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Maria Ausenda Baptista da Costa

PENSAMENTO SISTÉMICO E ENSINO DAS CIÊNCIAS

Um Guia Metodológico para Professores e Mestrandos

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Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

Índice

Nota da autora ................................................................................................................ 2

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3

PARTE I .......................................................................................................................... 6

O PENSAMENTO SISTÉMICO .................................................................................. 6

1. Pensamento Sistémico: uma perspectiva unificadora.................................................... 6

2. Referentes teóricos para uma pedagogia motivadora do pensamento sistémico ......... 24

Da aprendizagem por transmissão verbal à aprendizagem por mudança conceptual . 24

Ensino e aprendizagem das ciências centrado na resolução de problemas ................. 63

Desenvolver a capacidade de argumentação dos estudantes: estratégia fundamental

para fomentar o pensamento sistémico dos estudantes ............................................... 77

PARTE II ...................................................................................................................... 88

ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA ................ 88

1. Introdução ................................................................................................................... 88

2. Experiências realizadas pela autora ............................................................................. 89

3. Experiências recentes realizadas por outros autores ................................................... 99

ANEXOS ..................................................................................................................... 120

BIBLIOGRAFIA BREVE ......................................................................................... 143

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 2

Nota da autora

As investigações recentes que irei analisar no último capítulo deste livro, reflectem a

preocupação dos investigadores de diversos países relativamente ao ensino e

aprendizagem do conceito de pensamento sistémico.

Verifica-se que mesmo nos países como a Suíça onde o tema está incluído nos

currículos, como uma competência a ser alcançada pelos estudantes, os investigadores

constatam que os livros escolares e os professores não dão ao conceito a atenção que lhe

é devida. Consequentemente, o ensino e aprendizagem do conceito não conduz ao

sucesso desejado e os estudantes saem das escolas sem terem instrumentos que lhes

permitam fazer uma interpretação holística das realidades.

Em Portugal a situação não é diferente.

A minha tese de doutoramento defendida em 2001 e abordada na IIª parte deste livro faz

prova que desde há bastantes anos me preocupo com a ausência da explicitação e

desenvolvimento do conceito de pensamento sistémico nos programas do ensino

secundário em Portugal. A coincidência desta minha preocupação com a de

investigadores estrangeiros, concretizada através de investigações recentes (2009, 2010

e 2011) parece-me evidenciar a oportunidade e actualidade deste livro.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 3

INTRODUÇÃO

Acompanhei cerca de 40 anos as várias reformas efectuadas no Ensino Secundário.

Verifiquei que, apesar do empenho de quem as procurou realizar, estas reformas

repetiram alguns erros básicos.

Do meu ponto de vista entre os erros que têm sido repetidos destaco os seguintes: não

terem em conta, de forma substantiva, a experiência dos professores; não terem um

conhecimento adequado da pessoa do aluno e não definirem directrizes para uma

abordagem sistémica dos conteúdos disciplinares.

Relativamente aos professores importa exigir-lhes uma preparação científica adequada

e conhecimentos didácticos profundos. No entanto estas exigências só terão resultados

eficazes se o professor não tiver de executar múltiplas tarefas administrativas que o

desviam constantemente do papel que compete à sua profissão e que é o de se

concentrar nas suas aulas. É também urgente que o ministério da educação disponha de

um conjunto de cursos de actualização, efectivamente adequados, regidos por equipas

competentes e por isso com autoridade moral para avaliar a actualização científica e

didáctica dos professores. É também necessário prestigiar a classe docente a fim de

consciencializar pais e sociedade, em geral, do papel fulcral que os bons professores

têm na formação harmoniosa dos seus filhos e como tal no desenvolvimento sustentado

do país.

Uma reforma educativa desejável requer para a sua execução a estabilidade do corpo

docente das escolas que considero indispensável a uma fecunda relação professor/aluno

sem a qual não haverá reformas educativas bem-sucedidas.

No que diz respeito aos alunos não basta, seleccionar conteúdos, recomendar estratégias

e definir objectivos gerais e específicos; bem como fundamentar opções em estudos

sobre a psicologia dos jovens. Estes estudos são efectivamente parâmetros importantes

para a implementação das reformas educativas mas a rentabilidade de todo este trabalho

exige também um conhecimento mais profundo dos alunos a que as reformas se

destinam. Na verdade os estudantes razão primeira da existência da escola são, na

generalidade, pouco conhecidos pelas equipas que organizam e regulam o sistema

educativo. Se bem que a diversidade intrínseca destes públicos-alvo tenha constituído

um facto óbvio em todas as gerações não restam dúvidas que ela se encontra

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 4

particularmente reforçada no século 21. Consequentemente, é urgente multiplicar as

investigações cujo objectivo seja averiguar as necessidades e aspirações dos jovens para

construir uma Escola que para eles faça sentido e que se transforme num lugar onde

regressam, ao longo da vida, para actualizarem, ampliarem e aprofundarem as suas

competências. Uma escola que seja também um lugar onde se cimentam afectos, se

partilham saberes, e se aprenda que conhecer é uma via essencial para aprender a Ser;

uma escola que tenha como uma das suas vertentes estruturantes um profícuo diálogo de

culturas.

O sistema educativo necessita uma revisão profunda que permita torná-lo num conjunto

em que os diversos níveis de ensino estejam perfeitamente articulados e interajam em

reciprocidade. Esta articulação deverá existir não só ao nível dos conteúdos mas

também das estratégias, dos objectivos, das instituições e dos actores dos vários níveis

do sistema.

E por fim o terceiro dos erros que enunciei e que é a razão primeira para me ter proposto

a exaustiva tarefa de escrever este livro:

A abordagem analítica veiculada pelos curricula do ensino secundário concretiza-se

numa aprendizagem de saberes fragmentados que impede o aluno de compreender o

global e dilui o essencial. Assim, o aluno aprende com frequência uma informação

descontextualizada que lhe que não permite relacionar os saberes e integrá-los na

totalidade do conhecimento. Desta forma será muito difícil que os estudantes

desenvolvam um pensamento sistémico. Dado que o pensamento sistémico é um dos

alicerces básicos para a compreensão das ciências em geral o seu défice arrastará,

certamente, consequências negativas para uma preparação científica sólida dos

estudantes.

Por outro lado a escola deve preparar os indivíduos para uma fundamentada perspectiva

sistémica das sociedades no sentido de lhes permitir o exercício de uma cidadania

responsável. Não é provável que sem uma visão sistémica das diferentes realidades cada

individuo exerça o papel que lhe deve estar reservado numa sociedade que desejamos

verdadeiramente democrática. Entretanto, no futuro alguns dos estudantes exercerão

cargos políticos em que a ausência de uma perspectiva sistémica na governação poderá

acarretar consequências muito negativas para as populações.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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Na primeira parte começo por definir o conceito de pensamento sistémico bem como as

capacidades que este conceito implica. Seguidamente é feita uma breve síntese da

evolução das metodologias de ensino/aprendizagem das ciências e são abordados com

detalhe os referentes teóricos que, na minha opinião, são indutores de uma pedagogia

motivadora de pensamento sistémico. São eles: uma aprendizagem das ciências por

mudança conceptual e um ensino aprendizagem baseado na resolução de problemas,

sempre que possível, propostos pelos alunos. Admite-se e justifica-se que a capacidade

de argumentação conjugada com a proposição e resolução de problemas, pelos

estudantes, é indutora de pensamento sistémico. Nesta obra a capacidade de

argumentação dos estudantes é considerada um requisito básico para uma pedagogia de

sucesso no ensino de qualquer disciplina do currículo escolar.

Na segunda parte depois de uma introdução sucinta é feita uma análise breve de uma

investigação feita pela autora, no âmbito da sua tese de doutoramento, que incidiu sobre

os conceitos de sistema e de sistema de regulação com alunos do 11ºano do Ensino

Secundário. Esta análise termina com a discussão das causas gerais e específicas das

dificuldades dos estudantes no estudo dos conceitos referidos.

No último capítulo da segunda parte são analisadas e discutidas algumas experiências

recentes levadas a cabo por diversos autores, em diferentes países. Estes autores

assumiram uma abordagem sistémica de alguns temas curriculares e analisaram, em

particular, os conceitos que esta abordagem implica.

Consequentemente, reafirmo que desenvolver o pensamento sistémico dos estudantes

deverá ser uma referência estruturante para o Ensino Secundário. É este ponto de vista

que me proponho desenvolver e defender neste livro.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 6

PARTE I

O PENSAMENTO SISTÉMICO

1. Pensamento Sistémico: uma perspectiva unificadora

Quando abordamos qualquer tema científico, há dois pontos de vista que se nos

deparam: o ponto de vista tradicional e o ponto de vista sistémico. Assim, ou os

consideramos em alternativa ou simultaneamente. A segunda opção parece-me a mais

correcta dado que as duas perspectivas não se excluem, antes pelo contrário, se

complementam permitindo um tratamento temático mais profundo, completo e eficaz. A

este propósito recordo Joel de Rosnay que, no seu livro O Macroscópio caracterizou as

duas abordagens da forma seguinte:

“Abordagem analítica: considera os elementos e a natureza das suas interacções; a

precisão dos detalhes sobre a percepção global; considera os fenómenos reversíveis

independentemente da sua duração; efectua a validação dos factos por via experimental

no quadro de uma teoria” Na prática, a abordagem analítica traduz-se por acções

programadas em pormenor, veiculando assim um ensino por disciplina.

“Abordagem sistémica: concentra-se nas interacções entre os elementos e nos efeitos

dessas interacções; apoia-se na percepção global; integra a duração e a irreversibilidade;

a validação dos factos realiza-se pela comparação do funcionamento do modelo com a

realidade; é eficaz quando as interacções são não lineares e fortes”. A abordagem

sistémica conduz, assim, a uma acção por objectivos e a um ensino pluridisciplinar.

Considerando como uma referência pedagógica estruturante a preparação dos estudantes

para o exercício de uma cidadania de qualidade, tão necessária a uma efectiva vivência

democrática, uma pedagogia analítica não serve este objectivo. Acontece que esta

pedagogia não está ainda afastada das nossas escolas, onde de uma maneira geral são

realçados, sobretudo a precisão dos detalhes e, quando possível, a validação dos factos

por meio de provas experimentais. Como resultado deste ensino excessivamente factual,

os estudantes não se apercebem, na generalidade dos casos, da interacção entre os

fenómenos e das consequências destas interacções. Desta forma quando entram na vida

prática as pessoas não estão à altura de discutir e argumentar problemas que as nossas

sociedades enfrentam de que são exemplos pertinentes, a utilização desregulada da

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 7

tecnologia com os consequentes problemas de saúde pública e a adopção de medidas

avulsas pelos governos dos países sem terem em conta a natureza sistémica do

funcionamento das sociedades. Esta iliteracia terá, a médio prazo, consequências

imprevisíveis se nas escolas não se mudar, radicalmente, a metodologia de ensino.

Para compreender o que se entende por abordagem sistémica há que reflectir primeiro

sobre um conceito nuclear: o conceito de sistema.

Se considerarmos os sistemas, em geral, cada sistema tem uma organização e possui

determinadas propriedades. Assim, na organização incluem-se os elementos, as relações

entre os elementos e a identidade. Nas propriedades, a integridade/emergência, o

equilíbrio dinâmico e os efeitos. Os elementos interagem uns com os outros e as suas

relações constituem a estrutura do sistema; por sua vez a estrutura determina a função.

O sistema tem um limite que o separa do ambiente. Diz-se por isso que tem uma

identidade. Cada sistema tem propriedades específicas que não são as propriedades dos

seus elementos. Designa-se esta característica por emergência. Se considerarmos só

parte dos elementos do sistema este perderá a sua integridade. Os sistemas evoluem ao

longo do tempo e nele podem surgir diferentes efeitos que poderão ser directos ou

indirectos, bem como efeitos secundários.

Entretanto, os estudantes vivem num mundo que é cada vez mais controlado por

sistemas complexos que são dinâmicos, auto-regulados e continuamente em adaptação.

Todavia a maior parte dos livros de ciências falha na ajuda aos estudantes para

desenvolver-lhe uma compreensão sistémica e integrada de fenómenos complexos; isto

é, os livros dão suporte a uma aprendizagem da ciência como um conjunto de factos a

serem aprendidos mais do que ideias abrangentes que possam ajudar os estudantes a

desenvolverem uma compreensão integrada que permita comportamentos adequados.

O reconhecimento da importância dos sistemas complexos, e da inadequação dos

métodos de ensino para ajudar os estudantes a compreendê-los, tem sido uma motivação

para a pesquisa que assim tem proliferado ao longo dos últimos doze anos. Nestas

investigações têm-se examinado sistemas complexos assim como a capacidade dos

estudantes para abordarem sistemas complexos naturais e tecnológicos. Estudos afins

têm sido desenvolvidos em várias disciplinas, incluindo: sistemas sociais (Booth

Sweeny, 2000; Booth Sweeny & Sterman, 2007, etc.); sistemas tecnológicos (ex: Frank,

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 8

2000); sistemas biológicos (ex: Verhoeff, Warlo, & Boersma, 2008) e sistemas naturais

Ben-Zvi Assaraf & Orion, 2005, Hmelo- Silver, Marath,& Liu, 2007;etc).

A compreensão do conceito de sistema resultará clara se, numa perspectiva pragmática,

atendermos às capacidades que um indivíduo deve adquirir para, efectivamente,

compreender e utilizar este conceito básico.

Para melhor enunciar e caracterizar aquelas capacidades recordo Ben-zvi-Asssarf e

Orion (2005) que, após uma revisão de literatura, definiram seis competências que

permitem compreender como é constituído e como funciona um sistema. Essas

competências são as seguintes:

Capacidade para identificar os componentes do sistema e como ele funciona.

Capacidade para identificar relações entre os componentes do sistema.

Capacidade para identificar relações dinâmicas dentro do sistema.

Capacidade para detectar e compreender as dimensões do sistema não

perceptíveis numa primeira abordagem.

Capacidade para compreender a natureza cíclica dos sistemas.

Capacidade para pensar o sistema na sua dimensão temporal.

Uma ideia mais ampla e rigorosa do conceito de sistema implica a compreensão do

funcionamento de um sistema de regulação (sistema que executa uma ou mais funções

de uma maneira pré-definida). Esta compreensão é fundamental para uma abordagem

integrada do mundo em que vivemos. Todavia para compreender o conceito de sistema

de regulação é necessário ter presente um conjunto de conceitos sem os quais esse

entendimento se torna impossível. Esses conceitos1 são os seguintes: sistema; sensor;

controlador; variável controlada; referência; perturbações; erro; tempo de resposta;

regulação. No entanto, pelo interesse de que o conceito de regulação se reveste ele vai

ser objecto de uma abordagem mais detalhada.

O conceito de regulação

O termo regulação figura a seguir ao termo regulador no último volume do dicionário

de Littré (1872), em referência a dispositivos reguladores de máquinas; com a mesma

1 Estes conceitos encontram-se definidos, para consulta, no fim da primeira parte deste livro (página

23).

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 9

significação que aparece no dicionário Tecnológico de Tolhausen (1877) (Enciclopédia

Universalis).

A adopção do termo em Biologia resultou da analogia utilizada por alguns autores entre

o Homem e a máquina. Assim, a título de exemplo, pode ler-se na obra de Lavoisier,

Première Mémoire sur la respiration des animaux (1789): “La machine animal est

principalement gouvernée par trois régulateurs principaux”. Esses reguladores, afirma

Lavoisier, são: “la respiration qui produit la chaleur animale, la transpiration qui

maintient la température au degré qu’a fixé la nature, la digestion qui restitue au sang

les pertes dues à la respiration et à la transpiration”. Lavoisier relacionou três funções

que, a priori, não pareciam estar relacionadas e pressupôs um efeito compensador no

sentido de manter um equilíbrio mais ou menos constante — o equilíbrio da temperatura

corporal — Apesar de se tratar de um fenómeno de energética química, constata-se que

o conceito de equilíbrio na vida animal foi importado da mecânica.

A formação do conceito de regulação é indissociável da formação do conceito de meio:

Augusto Comte na sua obra Cours de Philosophie positive (1838) designou por meio

“l´ensemble total des circonstances extérieures nécessaires à l´existence de chaque

organisme” propondo assim, segundo P.Schneeberger (1992), uma teoria biológica geral

do meio.

Se bem que Lamarck já tivesse introduzido o termo “meio” em Biologia, ele não o

pensava como algo com que os seres vivos podiam interagir activamente. Foi, porém,

Augusto Comte quem introduziu a ideia de acções recíprocas entre o organismo e o

meio. Todavia ele considerou negligenciável a acção do organismo sobre o meio

atribuindo uma acção preponderante à acção do meio sobre os organismos: “le milieu

constitue donc le principal régulateur de l´organisme” (A, Comte citado por P.

Scheenberger, 1992). Consequentemente, os organismos vivos eram considerados na

dependência de um meio exterior estabilizado e estabilizador e, como tal, sem nenhuma

autonomia.

A concepção de um meio exterior com acção preponderante na manutenção da vida dos

seres vivos constituiu, na história das ciências um obstáculo à construção de um

conceito de regulação pelo meio interior.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 10

Posteriormente Claude Bernard (1878) inventou o conceito de meio interno atribuindo-

lhe o papel de solidarizar as diferentes partes do organismo e de coordenar o seu

funcionamento.

Na sua obra Leçons sur les phénomènes communs (1878) C. Bernard afirmou:

“J’ái le premier insisté sur cette idée qu´il a pour l´animal réellement deux milieux: un

milieu extérieur dans lequel est placé l´organisme, et un milieux intérieur dans lequel

vivent les éléments des tissus" (C. Bernard citado por P. Schneeberger 1992).

Segundo G. Canguilhem a concepção de meio interno introduzida por C. Bernard foi

possível em virtude da prévia elaboração que fez do conceito de secreção interna

estabelecido através dos seus trabalhos sobre a produção de glicose pelo fígado e das

informações provenientes da teoria celular.

“En effet, la théorie cellulaire permettait de comprendre la relation entre le tout et la

partie, entre le composé et le simple, dans l´ordre des êtres organisés (…)” (G.

Canguilhem citado por P. Schneeberger, 1992).

Os trabalhos de C. Bernard sobre a glicose e a função glicogénica do fígado puseram em

evidência a existência de uma reserva energética para as células e a possibilidade de

distribuição de uma "secreção interna" a todas as células. Entretanto, C. Bernard situou

os mecanismos reguladores ao nível do sistema nervoso: “C´est le système nerveux qui

se montre toujours le régulateur des phénomènes de la vie de quelque nature qu`ils

soient”. (C. Bernard citado por P. Schneeberger, 1992).

C. Bernard só raramente utilizou os termos de regulador e regulação preferindo utilizar

os seus componentes metafóricos tais como: balanço, equilíbrio, compensação. No

entanto, pelo que acabo de expor, podemos concluir que ele foi o primeiro a elaborar

uma teoria geral das regulações.

Depois de ter posto em evidência o papel do meio interno na vida dos animais

superiores C. Bernard opôs ao modo de “vida oscilante”, directamente submetida às

variações do meio, o modo de “vida constante livre” na qual os elementos celulares do

organismo são protegidos contra as mudanças do meio exterior. Esta vida livre,

independente ou constante, apresenta, segundo C. Bernard, uma propriedade na qual ele

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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insiste e que designa por “a fixidez do meio interior” e que considera assegurada por

mecanismos compensadores.

A introdução do conceito de regulação em fisiologia acaba por se concretizar em 1882,

quando Léon Frederic publicou o trabalho “Sur la régulation de la température chez les

animaux à sang chaud”.

Entretanto, no campo da embriologia, Hans Driesch (1901) propõe o termo “ovo de

regulação” que ele opõe ao termo “ovo de mosaico” e mostra que um blastómero

isolado pode originar um embrião completo que difere do normal unicamente por ser

mais pequeno. Desta forma abriu-se ao conceito de regulação um novo campo de

aplicação.

Posteriormente os trabalhos de H. Speman e S.Horstadius completam o conceito de

regulação embriogenética de Hans Driesch e confirmam “reconnaissance par les

physiologistes de fonctions contrôlant d´autres fonctions et, par le maintien de certaines

constantes, permettant à l´organisme de se comporter comme un tout” (Canguilhem

citado por P. Scheenberger, 1992).

Se bem que C.Bernard tenha sido o primeiro a elaborar uma teoria geral das regulações,

foram necessários outros trabalhos de pesquisa para clarificarem os mecanismos

reguladores. Entre esses trabalhos foram decisivos a análise da adrenalina (1901) e a da

secretina (1902) que conduziram Bayliss e Starling a propor em 1905 o termo hormona.

Efectivamente a associação dos mecanismos nervosos com a noção de hormona

permitiu elucidar numerosos mecanismos reguladores.

A capacidade dos sistemas vivos manterem as suas variáveis essenciais dentro de

limites aceitáveis para a sua estrutura face a alterações inesperadas, intrigou, desde

muito cedo, os fisiologistas. C. Bernard noticiava na sua Introduction to Experimental

Medicine que “a constância do meio interno era essencial para uma vida livre”. Mas foi

necessário encontrar um conceito que tornasse possível ligar todos os mecanismos que

efectuam a regulação do corpo humano. Este conceito foi, efectivamente, proposto pelo

fisiologista americano Walter Cannon em 1932. W. Cannon impressionado pela

“liberdade do corpo” concretizada pela sua capacidade de garantir a eficiência do

controle do equilíbrio fisiológico, adoptou uma palavra de origem grega, “homeostasia,”

que significa permanecer o mesmo e construiu assim, uma concepção geral das

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 12

regulações que designou homeostasia. Cannon sublinhou que o nosso corpo é feito de

materiais extremamente instáveis, mas que nós temos a capacidade de os manter

estáveis em virtude de possuirmos mecanismos correctores que repõem o equilíbrio do

organismo sempre que este equilíbrio é perturbado.

Segundo François Jacob, a regulação tornou-se o facto biológico por excelência a partir

do momento em que os organismos vivos foram encarados como sistemas; daqui

decorre a enorme importância que dou no meu livro ao conceito de análise sistémica. A

teoria dos sistemas, proposta em 1940 pelo biólogo Ludwig von Bertallanfy, é baseada

na suposição de que há princípios universais de organização que são comuns a todos os

sistemas quer sejam físicos, químicos, biológicos, mentais ou sociais.

Cabe aqui referir o livro de J. de Rosnay (1975), intitulado O Macroscópio como uma

das obras fundamentais que permitiram uma divulgação considerável da Teoria dos

Sistemas.

Efectivamente, a avalanche de conceitos originados pelo desenvolvimento e aplicação

da teoria dos sistemas a vários domínios da ciência e da técnica mostrou a insuficiência

de uma descrição analítica dos problemas (segundo a qual se deve dividir, no maior

número possível de parcelas, cada uma das dificuldades a examinar) e fez surgir a

necessidade de um instrumento conceptual que constituísse um suporte para a

compreensão dos problemas complexos que, sucessivamente, foram surgindo. Neste

contexto emergiu, naturalmente, a necessidade de uma nova forma de ver, compreender

e actuar perante a complexidade dos fenómenos e que passou a designar-se por análise

sistémica.

Segundo D. Durand (1992) uma efectiva análise sistémica abrange os conceitos de

interacção, globalidade, organização e complexidade. Como afirmou J.Rosnay (1987)

na sua obra O Macroscópio: "A abordagem sistémica apoia-se numa aproximação

global dos problemas e concentra-se no jogo das interacções dos seus elementos".

Consequentemente, partilho a ideia de que os alunos só poderão compreender o

conceito de regulação no organismo humano se forem capazes de abordar este

organismo sob uma perspectiva sistémica.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 13

Neste livro considero que há regulação quando uma determinada grandeza do

organismo não segue perturbações externas ou varia de uma maneira regular

independente de grandes flutuações no ambiente circundante.

Considero também que a noção de mecanismo regulador implica várias ideias:

uma relação de interdependência ou de interacção criada entre vários parâmetros

estranhos uns aos outros, variáveis ou simplesmente instáveis de maneira regular

ou acidental;

uma função de detecção de um efeito;

uma função de detecção de um desvio em relação a um valor de referência ;

uma função de correcção do efeito.

A enorme importância do conceito de regulação tem feito com que se procurem na

teoria da informação e na cibernética os modelos explicativos mais expressivos dos

processos de regulação.

O termo cibernética deriva da palavra grega — Kibernetes — (piloto, guia); e foi

introduzido pelo matemático Wiener, em 1948, para significar a ciência da comunicação

e do controle no animal e na máquina; actualmente podemos acrescentar a este

significado a sua extensão à explicação de fenómenos sociais e dos seres humanos

individuais. A importância da cibernética em Biologia surgiu quando as aplicações dos

conceitos de informação, "feedback" e controle deixaram de se restringir às suas

aplicações específicas (engenharia por exemplo) e passaram a aplicar-se aos sistemas

em geral, incluindo os seres vivos.

Consequentemente, os seres vivos passaram a ser encarados como sistemas

cibernéticos, isto é, redes multidimensionais complexas de informação onde

mecanismos de causalidade circular permitem que aqueles sistemas se mantenham, se

adaptem e se auto-organizem. Ao contrário das ciências tradicionais que explicam os

fenómenos baseando-se numa relação linear (uma causa / um efeito), a cibernética

utiliza mecanismos de causalidade circular para explicar o funcionamento dos

organismos vivos; o exemplo mais comum deste mecanismo de causalidade é o

mecanismo de retroalimentação vulgarmente conhecido por "feedback". Nestes

mecanismos de causalidade circular o fluxo de informação que constitui o efeito vai

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 14

actuar sobre a causa que o determinou. Em linguagem sistémica isto significa que a

saída de um sistema volta à sua entrada, possivelmente envolvendo outros sistemas.

Tendo iniciado o seu percurso no campo da mecânica o conceito de “regulação” tornou-

se, no fim do século XIX um verdadeiro conceito da biologia e a partir do século 20

passou a ser considerado um conceito biológico por excelência presente em vários

domínios da biologia tais como: fisiologia, embriologia e mais recentemente na genética

molecular e na imunologia .

Outro conceito básico para uma abordagem sistémica é o de pensamento sistémico. Este

conceito, considerado uma capacidade de nível elevado, é um conceito unificador que

atravessa os mais diversos domínios. Assim, encontramo-lo na economia, na sociologia,

na tecnologia e na ciência em geral.

Desde meados dos anos 80 que têm sido realizadas várias intervenções no sentido de

clarificar o conceito de pensamento sistémico mas, na verdade, ainda não dispomos de

uma caracterização clara e rigorosa deste conceito. Entretanto, apesar das investigações

realizadas continuam também por definir os métodos rigorosos para avaliar a eficácia

das estratégias utilizadas para o ensino e aprendizagem do conceito. Assim, continua a

ser pertinente perguntar: como podemos avaliar a eficácia das intervenções sobre

pensamento sistémico em educação? Esta questão arrasta consigo a necessidade da

caracterização rigorosa do conceito bem como a análise das pesquisas que estão a ser

feitas em educação sobre este conceito.

Das investigações efectuadas no sentido de esclarecer as características do pensamento

sistémico encontramos, na literatura, os seguintes instrumentos de pesquisa:

Questionários;

Análise de desenhos;

Associação de palavras;

Mapas de conceitos - recentemente foram sugeridos como um instrumento

adequado para analisar o pensamento sistémico dos estudantes. Todavia é

necessário investigar como é que os mapas de conceitos podem ser,

efectivamente, utilizados para avaliar as capacidades dos estudantes em

pensamento sistémico;

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 15

Entrevistas;

Actividades de integração;

Grelhas de repertório - derivada da teoria dos construtos pessoais de Kelly, a

grelha de repertório (repertory grids) é uma técnica que permite revelar a

estrutura e o conteúdo dos construtos pessoais que as pessoas aplicam para

interpretar a sua experiência pessoal e interpessoal. Há um largo consenso na

convicção de que a técnica da grelha de repertório pode, efectivamente, retratar a

forma de pensar da pessoa.

Nos últimos anos vários investigadores em diversos países (Alemanha, Holanda, Israel e

Suíça) têm procurado, na sequência das suas investigações, consciencializar os autores

dos curricula para a necessidade da introdução do conceito de pensamento sistémico

nos programas escolares. Com este objectivo têm divulgado nas revistas da

especialidade as suas conclusões.

Assim a equipa de Ben-Zvi Asssaraf (Israel) chegou aos resultados que a seguir se

enunciam:

1) o desenvolvimento do pensamento sistémico entre os estudantes da junior high

school consistiu em vários estádios sequenciados organizados numa ordem

hierárquica;

2) apesar das capacidades iniciais de pensamento sistémico serem mínimas, a

maior parte dos estudantes conseguiu significativos progressos em pensamento

sistémico;

3) os principais factores encontrados que influenciam o progresso diferencial dos

estudantes foram as capacidades cognitivas iniciais em pensamento sistémico e

o seu nível de envolvimento na metodologia de inquérito na sala de aula e na

aprendizagem fora da sala de aula.

Com base nas suas conclusões a equipa de Ben-Zvi Assaraf (primeira década de 2000)

idealizou o modelo STH (Systems Thinking Herarchy). Neste modelo, os autores

sugerem que o pensamento sistémico pode ser classificado de acordo com oito

capacidades que são evidenciadas pelos estudantes numa ordem ascendente. As oito

capacidades segundo estes autores estão organizadas em três níveis sequenciados sendo

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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cada nível mais baixo a base para o desenvolvimento do nível imediato. A distribuição é

a seguinte:

Identificar os componentes e mecanismos do sistema (nível A).

Identificar as relações simples entre os componentes do sistema (nível B).

Identificar as relações dinâmicas dentro do sistema (nível B).

Organizar os componentes do sistema, os seus mecanismos, e as suas

interacções, numa estrutura de relações (nível B).

Identificar ciclos de matéria e energia dentro do sistema (nível B).

Reconhecer as dimensões escondidas do sistema (i.e. compreensão de

fenómenos através de padrões e inter-relações não reconhecíveis sem

dificuldade - nível C).

Fazer generalizações acerca do sistema (nível C).

Pensar o sistema na dimensão temporal (nível C).

Como podemos constatar, o modelo STH apresenta uma progressão desde a análise dos

componentes do sistema no nível mais básico à síntese e generalização no nível mais

elevado.

Uma competência a ser desenvolvida para uma pedagogia de sucesso, no ensino do

pensamento sistémico, é a capacidade dos estudantes para implementarem a construção

de modelos. Esta competência do ponto de vista da biologia pode ser definida como a

capacidade e a prontidão para ligar os diferentes níveis de organização biológica na

perspectiva segundo a qual os organismos naturais são conjuntos complexos e

compósitos, que se compõem de partes em interacção e que elas próprios podem ser

conjuntos menores (ex: as células num organismo - Mayer, 1997). Como afirmou

Gilbert, (1993) os modelos são instrumentos potencialmente válidos para desenvolver

um método científico de pensamento.

Uma investigação que me parece também pertinente referir é a de Roald P. Verhoeff,

Arend Waldo e Kerst Boersma (2007) com alunos pré-universitários. Nesta investigação

o uso de modelos é considerado uma competência chave para uma compreensão

coerente da célula. Esta pesquisa, a que aludirei na IIª parte do livro, mostrou que os

resultados da aprendizagem melhoraram, embora a competência em pensamento

sistémico ao nível metacognitivo exija ainda mais esforço.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 17

Verhoeff, Waarlo e Boersma (2008) mostraram que a modelação de sistemas habilita os

estudantes dos últimos anos do secundário para uma compreensão coerente dos

fenómenos biológicos.

Gentner e Gentner (1983) consideram que a competência sistémica deve conduzir à

construção de modelos mentais complexos. Estes modelos mentais podem ser vistos

como um mapa de memória das estruturas cognitivas em que o sistema está

representado.

Os pensadores sistémicos são capazes de mudar os próprios modelos mentais; controlar

as suas formas de pensar e enfrentar processos de resolução de problemas. O

pensamento sistémico é útil para analisar situações complexas dado que constitui uma

abordagem holística e, como tal, olha o comportamento do todo sem esquecer as

múltiplas conexões entre as partes.

Para os estudantes mais jovens, os mapas de conceitos constituem um método adequado

uma vez que são uma possibilidade para modelizar o sistema de uma forma mais fácil.

O corpo humano como um sistema e o ensino da biologia

O corpo humano olhado como um sistema assume três características fundamentais:

Hierarquia; Homeostase e Equilíbrio Dinâmico.

Hierarquia

No que respeita aos sistemas biológicos os estudantes deverão compreender os seus

níveis de organização, dado que estes sistemas são caracterizados por hierarquias sendo

impossível compreender um nível de organização sem compreender o nível que lhe é

imediatamente inferior. Assim, a compreensão dos biosistemas comporta não só a das

interacções entre as suas partes bem como as suas interacções com outros sistemas. Isto

inclui a capacidade para identificar as funções do sistema, as interacções moleculares, e

a compreensão das interacções entre os vários níveis de organização. Como referiu

Kresh (2006), os componentes dos sistemas vivos também funcionam ao mesmo tempo

como “subsistemas”, isto é, sistemas completos mas mais pequenos. Assim, num dado

momento, as entidades dentro da estrutura hierárquica da vida (desde o nível

microscópico tais como as células e as moléculas, a entidades mais amplas como os

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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órgãos, as famílias e tribos) existem como partes dependentes de um sistema mais

abrangente e, simultaneamente, como sistemas independentes.

Hmelo-Silver (2000) verificaram que os estudantes do six-grade encontraram

dificuldades na aprendizagem do sistema respiratório humano devido à sua

incapacidade para compreenderem que o sistema opera a dois níveis: nível

macroscópico e nível microscópico; estas relações entre os níveis macro e micro são

difíceis para os estudantes pois requerem capacidade em pensamento formal (high

school students).

Homeostase

A homeostase diz respeito à manutenção de um ambiente interno estável e a processos

reguladores (operando via feedback) que conduzem à estabilidade; estes significados

podem ser (para muitos estudantes) difíceis de serem assimilados. A compreensão da

homeostase é difícil porque alguns processos estão escondidos aos nossos olhos e/ou

envolvem percepção dinâmica (Westbrook e Marek 1992). Por exemplo a regulação da

temperatura corporal é uma das responsáveis por aquela estabilidade. Assim, os

estudantes sabem que quando está calor nós suamos (isto é eles estão despertos pela

razão próxima que conduz à mudança), mas o processo fisiológico responsável por este

resultado origina uma “caixa negra” e por esta razão são ignorados.

No estudo de Susan Westbrook e E.Marek (1992), intitulado: “A cross-age study of

student understanding of the concept of Homeostasis,” a amostra era constituída por

estudantes que, no currículo português, correspondem a alunos que frequentam o 7ºe

10º anos e o início do ensino pós-secundário. O estudo teve por objectivo seguir a

evolução da compreensão do conceito pelos estudantes. No início da investigação foi

utilizado um questionário, CES (concept evaluation statement), para avaliar a

compreensão que os estudantes tinham do conceito de homeostase.

Os professores dos alunos sobre os quais incidiu a investigação leccionaram o tema

através de lições expositivas.

Os investigadores deslocavam-se às escolas, antes e depois de ter sido leccionado o

tema, unicamente para recolherem dados. O ensino do conceito de homeostasia faz parte

integrante dos currículos dos três níveis abrangidos pela investigação.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 19

O conceito foi previamente definido como um conceito “formal”. Isto implica que o

estudante necessita das estruturas mentais necessárias para o assimilar e acomodar sem

o auxílio da experiência concreta. O estudante tem de ser capaz de efectuar operações

não directamente sobre objectos mas sim sobre proposições (operações formais). Por

outro lado, requer a capacidade de isolar variáveis e de pensar em termos de “conjunto

estruturado”, isto é, de se aperceber de todas as combinações possíveis e ver como um

processo global os aumentos, as diminuições e as compensações.

A compreensão do conceito aumentou nos vários níveis de ensino, mas esse aumento foi

limitado. Pelo menos 30% dos estudantes do ensino pós-secundário alcançaram uma

compreensão limitada do conceito e 3% dos estudantes do 7º ano mostraram uma

compreensão parcial. No ensino secundário, 12% dos alunos mostraram uma

compreensão parcial do conceito.

Embora a natureza das concepções alternativas tenha mudado, ao longo do estudo, a sua

frequência não diminuiu apreciavelmente.

O teste utilizado na investigação foi o seguinte:

Uma pessoa comparece para um teste de aptidão física:

1º — Depois da pessoa estar sentada 5 minutos, o médico regista: a frequência cardíaca,

a frequência respiratória e a temperatura corporal. Verifica-se então que o número de

movimentos respiratórios é de 18/minuto. O número de pulsações é de 60/minuto. A

temperatura corporal é de 36,5ºC.

2º — O médico pede à pessoa para correr 500 metros. Imediatamente a seguir a este

exercício a frequência cardíaca, a frequência respiratória e a temperatura corporal

registadas foram as seguintes:

frequência respiratória: 40 movimentos respiratórios / minuto;

frequência cardíaca: 115 pulsações / minuto;

temperatura corporal: 36,5ºC;

o médico verificou que a pessoa estava a suar.

3º — O médico pediu à pessoa para se sentar durante 15 minutos e verificou que ao fim

deste tempo a frequência cardíaca e a respiratória voltaram aos valores iniciais. Para

satisfazer a sede resultante do exercício a pessoa bebeu água a seguir ao teste.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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Pediu-se aos estudantes que, depois de lerem, atentamente, os resultados do teste e

reflectirem, fizessem uma listagem dos processos biológicos que mudam e que não

mudam como resultado do exercício e dessem uma explicação para os factos

verificados.

O critério utilizado, pelos autores, para considerarem uma resposta completa foi o

seguinte:

velocidade cardíaca aumentada;

velocidade respiratória aumentada;

aparecimento da perspiração;

causa da perspiração;

manutenção da temperatura do corpo;

sede.

As respostas dos estudantes foram agrupadas em cinco categorias, de acordo com a

compreensão do conceito de homeostasia: nenhuma compreensão; concepção

alternativa específica; compreensão parcial com concepção alternativa específica;

compreensão parcial; compreensão completa.

Nenhuma compreensão: a resposta consiste em “não sei”; “resposta em branco”;

“contem afirmações irrelevantes”.

Concepção alternativa específica: a resposta corresponde a uma concepção alternativa

do conceito.

Compreensão parcial com concepção alternativa específica: a resposta contem

informação incorrecta mas também contem uma concepção alternativa específica

relativamente a qualquer aspecto do conceito:

Compreensão parcial: a resposta não traduz uma compreensão completa mas não

apresenta nenhuma informação incorrecta.

Compreensão completa: a que corresponde à resposta padrão para cada conceito.

A discussão dos resultados do trabalho levou os autores às seguintes conclusões:

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 21

Os dados obtidos nesta pesquisa suportam as conclusões de estudos prévios de

que não obstante a educação formal certas noções erradas persistem.

Uma maior familiaridade com o conceito não conduziu a um aumento

proporcional da compreensão do conceito pelos estudantes.

Os resultados desta investigação suportam a suposição que os estudantes

“operacionais concretos” não aprendem conceitos formais.

Se a homeostase for ensinada nos primeiros anos do ensino secundário, não é de

esperar que os estudantes compreendam o conceito. Os estudantes acabam por

memorizar peças isoladas de informação que não compreendem o que os poderá

conduzir a desenvolverem concepções alternativas do conceito.

Os autores recomendam que o ensino do conceito de homeostase requer uma atmosfera

na aula de modo a que as concepções dos estudantes possam ser discutidas,

argumentadas e avaliadas.

Os autores terminam o relato da investigação salientando que um estudo longitudinal

teria permitido uma análise em profundidade das concepções alternativas sobre os

conceitos e mudança conceptual. Consideram que o estudo transversal foi instrutivo no

sentido de fornecer uma descrição dos pontos de vista dos estudantes sobre o conceito,

mas teve aplicações limitadas em termos de desenvolvimento e mudança conceptual.

Equilíbrio dinâmico

Hmelo-Silver e outros (2000) definem sistema dinâmico como um conjunto coerente

composto de componentes que interagem entre si dentro do sistema individualizado e

em interacção com outros sistemas. O mecanismo responsável por esta interacção é

baseado no transporte de matéria entre todos os níveis hierárquicos do corpo desde as

células a todo o corpo. Todavia, Whitner (1985) também sublinha a importância das

sinergias de um sistema, que emergem da sua natureza dinâmica.

De acordo com diversos autores, no ensino da biologia celular, são quatro os elementos

de competência em pensamento sistémico:

Distinguir entre os diferentes níveis de organização (i.e. célula, órgão e

organismo), e identificar os conceitos em cada nível específico de organização

biológica.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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Interligar os conceitos no nível de organização celular (coerência horizontal).

Relacionar os conceitos de biologia celular com conceitos num nível mais

elevado de organização (coerência vertical).

Pensar retroactivamente entre representações relativas a modelos abstractos das

células e modelos reais observados ao microscópio.

Do exposto poder-se-á inferir que as investigações a que aludi se revestem de uma

enorme importância para o ensino das ciências. Efectivamente, se as conclusões dos

investigadores forem tomadas em linha de conta penso que poderão constituir um

suporte substantivo para que a capacidade em pensamento sistémico dos estudantes se

constitua como um dos objectivos a alcançar no ensino secundário. No entanto, não

quero deixar de assinalar que a consecução plena deste objectivo, pela maturidade que

exige, só será viável quando os estudantes alcançarem a fase pré-universitária dos seus

estudos secundários.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 23

Sistema é um conjunto de elementos funcionalmente integrados de modo a ter um

comportamento previsível.

Sensor é uma entidade que detecta directa ou indirectamente o valor da variável

controlada.

Controlador é uma entidade integradora de sinais. A integração, num sistema de

regulação, visa a manutenção da variável controlada dentro dos valores de referência.

Variável controlada é a grandeza sobre a qual o sistema de regulação actua.

Referência o seu valor estima-se registando o valor da variável controlada e

calculando o seu valor médio.

Perturbações são acontecimentos que causam mudanças não desejadas na variável

controlada.

Erro define os limites estatísticos da variável controlada, dentro dos quais o sistema

funciona normalmente. Quando esses limites são ultrapassados, são accionadas as

estratégias reguladoras

Tempo de resposta é o tempo que o sistema de regulação leva a corrigir ou a

compensar uma fracção pré-definida de uma perturbação.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 24

2. Referentes teóricos para uma pedagogia motivadora do pensamento

sistémico

Da aprendizagem por transmissão verbal à aprendizagem por mudança conceptual

Ao longo dos anos a forma de encarar a ciência foi-se modificando e em consequência a

sua didáctica também evoluiu. Considero que o conhecimento dessa evolução é

fundamental para o desenvolvimento de metodologias de ensino motivadoras de

pensamento sistémico. Consequentemente, farei uma breve síntese dessa evolução.

Antes da década de cinquenta os conhecimentos didácticos relativos ao ensino das

ciências não constituíam matéria de investigação e como consequência não eram

reconhecidos como área disciplinar (etapa pré-disciplinar da evolução da didáctica das

ciências).

A didáctica das ciências, como área de conhecimento disciplinar, surgiu somente nos

anos cinquenta associada ao desenvolvimento da investigação e da experimentação que

ocorreu naquela época nos países anglo-saxónicos no campo do ensino das ciências

(Guiterrez 1987; Aliberas e outos 1989; Canal 1990 citados por Porlan). Os governos

destes países tomaram, na altura, uma série de medidas político-económicas e

educativas cujo objectivo era impulsionar o seu crescimento científico e tecnológico.

Nesta fase do seu desenvolvimento, a didáctica das ciências tinha subjacente uma

concepção positivista da ciência e uma perspectiva simplificada dos processos de

ensino-aprendizagem (etapa tecnológica da evolução da didáctica das ciências).

As medidas tomadas por aqueles países foram, na prática, acompanhadas por

investigadores, não só no campo das ciências experimentais como por psicólogos e

pedagogos de prestígio, e concretizaram-se pela apresentação de vários projectos

curriculares de que são exemplo, nos Estados Unidos, o Biological Sciences Curriculum

Study (BSCS) e, em Inglaterra, o programa da Nuffield Foundation contemporâneo do

BSCS. Estes programas salientavam a importância da manipulação de materiais e do

método de inquérito como incentivos à descoberta.

Este movimento de reforma curricular surgiu como reacção aos projectos curriculares

tradicionais, os quais foram reconhecidos como veiculando uma visão fragmentária da

ciência que se baseava numa metodologia de ensino norteada pelos princípios da

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 25

didáctica geral, centrada nas exposições do professor e suportada pelos manuais

escolares.

Embora os vários projectos curriculares surgidos nos anos 60 tivessem as suas

especificidades tinham em comum: a forma como encaravam o aluno e o professor; o

facto de proporem um novo conceito de aprendizagem e uma nova metodologia para o

ensino das ciências.

Assim o aluno era entendido como um produtor de ciência "o pequeno cientista"; o

professor era visto mais como um mediador do processo da ciência do que dos produtos

desta; a aprendizagem passa a ser compreendida como um processo de descoberta

através do qual o aluno descobre, de forma autista, os conceitos, a partir dos dados

apreendidos por uma observação neutra e objectiva e seguindo o pretenso percurso que

seguem os "bons cientistas" método científico (Santos, 1991).

No final dos anos setenta e início dos anos oitenta, factores sociais e políticos

determinam, em parte, uma crise da tendência científica e tecnológica da didáctica das

ciências. Efectivamente os problemas ambientais que surgiram, bem como a ameaça de

uma guerra nuclear, começaram a alertar os cidadãos para a aparente natureza benévola

do trabalho científico e o ideal de uma ciência objectiva, neutral e verdadeira

desvaneceu-se perante a evidência dos interesses sociais e económicos implicados.

(Porlan 1998).

A crise do positivismo científico-técnico manifestou-se não só no plano social como no

campo da reflexão filosófica e epistemológica acabando por se reflectir nas próprias

disciplinas científicas. Na didáctica destas disciplinas é de realçar o papel determinante

da nova epistemologia da ciência, com particular relevo para as ideias de Kuhn (1962),

Toulmin (1972) e Lakatos (1978). Em torno dos pontos de vista destes epistemólogos

organizaram-se debates acerca da natureza das teorias científicas, do seu carácter

relativo e evolutivo, e do papel que estas teorias desempenham ao condicionar e dirigir,

inevitavelmente, todo o processo de observação, interpretação e intervenção na

realidade. O resultado destas reflexões conduziu a uma nova concepção de ciência que

deixou de ser vista como um conjunto de verdades inquestionáveis; e, sim, um campo

de actividade que está sujeito a condicionamentos de vária ordem e que oferece em cada

momento a melhor explicação possível para os fenómenos e, como tal, os seus conceitos

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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são relativos e sujeitos a profundas mudanças. (Abimbola e Hodson, citados por Porlán,

1998).

Apesar dos aspectos negativos do movimento de aprendizagem por descoberta tais

como o seu indutivismo extremo, a falta de atenção aos conteúdos, a insistência de uma

actividade autónoma dos alunos, é inegável a sua contribuição dinamizadora para o

processo de inovação e investigação sistemática que hoje se observa no domínio da

didáctica das ciências.

A crítica ao ensino por descoberta veio acompanhada pela defesa da aprendizagem por

recepção significativa, modelo que foi proposto por Ausubel (1978) que considerava o

ensino/ aprendizagem das ciências como um processo de transmissão/recepção. Esta

proposta não pode ser considerada como um simples regresso à estratégia "tradicional",

uma vez que nos legou a ideia chave de aprendizagem significativa e chamou a atenção

para a importância que tem, para a aprendizagem, o que os alunos já sabem antes da

educação formal. Esta chamada de atenção constituiu a pedra de toque para uma profusa

investigação sobre as explicações idiossincráticas dos estudantes concepções

alternativas que constituiu, durante os anos oitenta, a linha de investigação prioritária

em Ciências da Educação.

Os graves problemas ambientais originados pelo desenvolvimento científico-

tecnológico ilimitado, assim como as críticas contundentes ao positivismo, levaram a

uma revisão metodológica da didáctica das ciências que se orientou para uma visão

mais fenomenológica do objecto de estudo, para metodologias mais abertas e

qualitativas e para uma concepção mais relativista do conhecimento científico (etapa

actual da didáctica das ciências, Porlan 1998).

As metodologias de investigação que eram seguidas pelos investigadores em didáctica

das ciências foram também alvo de críticas, nos anos oitenta, o que levou aqueles

investigadores a adoptarem métodos qualitativos e estudos de casos em contraposição

aos métodos estatísticos quantitativos até aí utilizados (Shulman 1981; Yinger e

Clark, 1982; Porlan, 1982).

Como já afirmei, as investigações sobre os conhecimentos prévios dos estudantes

constituiu, nos anos oitenta, a linha de investigação prioritária em Ciências de

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 27

Educação. O objectivo destes estudos era procurar fundamentos para transformar as

concepções alternativas dos estudantes em contextos científicos concretos.

O movimento das concepções alternativas teve como precursores Ausubel e Piaget:

Piaget, por ter estudado as representações que se formam espontaneamente nas crianças

como resultado das suas experiências pessoais e através das quais elas dão sentido a

estas experiências. Ausubel, porque considerou a "estrutura cognitiva" do sujeito do

conhecimento um instrumento decisivo para a integração de novas informações e de

novos conceitos (Santos 1992).

Os resultados das investigações sobre as concepções alternativas dos estudantes

permitiram fundamentar um novo referencial para a aprendizagem das ciências.

Efectivamente, os investigadores passaram a dispor de uma informação substantiva das

ideias dos alunos sobre alguns domínios do conhecimento científico: ficaram a saber

que os alunos constroem representações mentais relativas aos vários domínios do

conhecimento e que as representações relativas aos conteúdos escolares são da maior

importância para melhorar o ensino desses conteúdos e a prática pedagógica em geral.

Consequentemente, o aluno, para aprender, tem de construir/reconstruir os seus

"conhecimentos científicos". Surgiu, assim, de uma forma lógica, a necessidade de

adopção de uma matriz epistemológica construtivista para o ensino das ciências.

Depois da definição do novo referencial para o ensino-aprendizagem das ciências,

fundamentado nos inúmeros estudos sobre concepções alternativas dos estudantes,

foram surgindo várias propostas de ensino-aprendizagem de orientação construtivista,

apresentadas como modelos distintos mas tendo em comum a ideia de considerarem a

aprendizagem como um processo de mudança conceptual (Nusbaum e Novick 1982,

Posner e al. 1982, Osborne e Wittrock 1983 e 1985, Cosgrove e Osborne 1985, Driver e

Oldham 1986, Hewson e Hewson 1988, Hodson 1988, Giordan 1989, Pozo 1989,

Sequeira e Duarte 1991, Chi 1994, Vosniadou 1994, Caravita e Halldén 1994).

Construir/reconstruir não significa porém a substituição dos conhecimentos intuitivos

pelos conhecimentos científicos. A aprendizagem, de acordo com a matriz

epistemológica construtivista, dever-se-á processar de tal forma que, sem abandonarem

as ideias que trazem para as escolas e que para eles continuarão a fazer sentido em

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 28

situações do quotidiano, os alunos incorporem o conhecimento intuitivo no

conhecimento científico (Pozo, 1996).

Ao contrário de outros modelos sobre o ensino-aprendizagem das ciências, a perspectiva

de mudança conceptual foi a única que não se originou como resposta a um clima social

e político que exigiu uma reforma na educação em ciências. Este ponto de vista baseia-

se nos resultados de estudos de ciência cognitiva sobre a aprendizagem e o

conhecimento (Sequeira 1995).

A revolução cognitiva, que ocorreu na década de cinquenta, teve como finalidades o

regresso da "mente" às ciências humanas (eliminada pelos condutistas) e o

restabelecimento do "significado" como o conceito central da psicologia. Mas, na

prática, como afirmou Bruner (1990), o que aconteceu, efectivamente, foi que a ênfase

se deslocou do significado para a informação e da construção do significado para o

processamento da informação.

Embora o processamento da informação seja a metáfora dominante na psicologia

cognitiva, não esgotou as possibilidades da abordagem cognitiva. Segundo Pozo, pode

falar-se em duas tradições cognitivas:

Uma, a dominante, de natureza mecanicista e associacionista, representada pelo

processamento de informação; outra, a tradição estruturalista ou organicista que se

originou quando, entre outros autores, Piaget e Vigotski sustentaram na Europa, em

pleno apogeu do condutismo nos Estados Unidos, uma concepção do sujeito humano

anti associacionista.

Para os estruturalistas ou organicistas o processo fundamental da aprendizagem consiste

na reestruturação das teorias em que os conceitos se integram. As teorias da

reestruturação admitem não só que o sujeito do conhecimento interpreta a realidade a

partir dos conhecimentos anteriores, mas também que constrói esses mesmos

conhecimentos sob a forma de teorias. (Pozo, 1996).

As dificuldades de incorporação do conhecimento intuitivo no conhecimento científico,

por parte dos estudantes, têm sido objecto de reflexão para alguns investigadores. Gil e

Carrascosa (1985), em virtude do paralelismo entre as concepções alternativas dos

estudantes e as concepções pré-científicas atribuem, em parte, aquelas dificuldades à

mesma estratégia de aproximação dos problemas que eles designam por metodologia da

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

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superficialidade ou do senso comum; esta caracteriza-se pela ausência de dúvidas, de

propostas alternativas de solução e de procura de uma coerência global, e de utilização

de raciocínios que seguem uma sequência linear.

Outros obstáculos à aprendizagem parecem resultar da ideia que alguns professores e

alunos ainda sustentam sobre a natureza e origem do conhecimento científico.

Numa investigação realizada por Driver (1993) o conhecimento científico é visto por

estudantes entre os 9 e os 16 anos como emergindo de dados observáveis de uma forma

não problemática. A mesma investigadora identificou num pequeno número de

estudantes com 16 anos uma representação em que o conhecimento científico é

considerado mais conjectural do que absoluto e em que é admitida a possibilidade de

várias explicações para os fenómenos.

Os resultados dos estudos empíricos referidos mostram que a concepção veiculada pelos

epistemólogos contemporâneos, segundo a qual toda a observação não é objectiva nem

neutra, pelo que um dado de observação não é entendido como um "dado científico"

é ainda desconhecida por muitos estudantes Estas investigações evidenciaram

também que as questões sobre a epistemologia da ciência se mantêm ausentes da

formação dos professores.

Consequentemente, corre-se o risco dos currículos de ciências não poderem ser

assimilados de forma adequada pelos estudantes e pelos professores. “Suscitando

questões sobre a estrutura do conhecimento científico e como se desenvolve, podemos

estar mais seguros de que o currículo representa legitimamente o conhecimento

científico” (Cleminson 1990, citado por Duschl, 1995).

Outros obstáculos que se colocam à aprendizagem das ciências advêm do facto dos

estudantes evidenciarem claramente um défice de raciocínio formal. Vários estudos

empíricos evidenciaram que os alunos têm dificuldades em efectuar operações sobre

proposições (operações formais) - Susan Westbrook e E.Marek 1992.

A perspectiva de aprendizagem como mudança conceptual é informada pelos pontos de

vista cognitivistas, inicialmente representados por Werthmeir (1913), que consideram

que a aprendizagem deve ser orientada para a compreensão e criar condições no sujeito

para que ele possa estabelecer relações entre corpos de conhecimento. Trata-se de uma

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 30

perspectiva de aprendizagem cujo objectivo é munir o sujeito de uma compreensão do

objecto como um todo, e não como uma série de partes aparentemente relacionadas.

Os cognitivistas admitem que os conceitos não são listas de características, mas

consideram que são partes de teorias mais amplas. Consequentemente, segundo estes

psicólogos, para caracterizar um conceito há que ter em conta não só a sua referência,

mas também as relações deste conceito com os que, com ele, constituem uma estrutura

semântica.

O ensino para uma aprendizagem como mudança conceptual está centrado no aluno e

valoriza de uma forma particular as interacções entre este e o professor.

O professor não é mais o transmissor de uma ciência constituída por um conhecimento

verdadeiro e definitivo. Este professor não encara a sala de aula como um local de

transmissão do conhecimento científico, mas como um lugar de construção de

significados conducentes a um conhecimento que é, em cada fase da sua evolução, o

melhor de que a comunidade científica dispõe.

Decorre também desta perspectiva de ensino que o ambiente na sala de aula se reveste

de uma importância capital. Este ambiente deverá propiciar a livre expressão do

estudante, sem temor de uma avaliação que se tem mostrado inibidora de uma

aprendizagem verdadeiramente significativa.

O aluno tem de tomar consciência que as suas ideias e explicações sobre o tema

curricular em estudo são de importância crucial para a aprendizagem. O debate,

fundamentado em regras negociadas, tem de instalar-se na sala de aula e permitir aos

sujeitos uma discussão construtiva de ideias.

Se bem que referendadas por numerosas investigações, realizadas em diferentes

domínios científicos (Nusbaum e Novick 1982, Anderson e Smith 1983, Hewson e

Hewson 1984, Roth 1984, Osborne e Fryberg 1985, Ziestman e Hewson 1986, Sequeira

e Duarte 1991, Duschl e Gitomer 1991, J. Lemberg 1995 ...), a implementação das

estratégias de ensino para a mudança conceptual dos estudantes tem, no entanto,

deparado com alguns obstáculos. Entre eles destaca-se a resistência ao ensino de

algumas concepções alternativas, constatada por vários autores, mesmo quando este

ensino se orienta explicitamente para produzir mudança conceptual (Fredette e Lochead

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 31

1981, Engel e Driver 1986, Shuell 1987, White e Gunstone 1989, Duschl e Gitomer

1991, citados por G.Perez,1993).

A aprendizagem das ciências como mudança conceptual

A análise de literatura sobre mudança conceptual evidencia três vectores principais de

pesquisa:

a) Um primeiro vector tem procurado responder às questões relativas à natureza das

concepções alternativas dos estudantes e constitui a área de pesquisa mais

substancial.

b) Um segundo vector diz respeito à aprendizagem e como as concepções alternativas

sustentadas pelos estudantes afectam essa aprendizagem. Os investigadores nesta

área têm sugerido vários modelos de aprendizagem.

c) Um terceiro vector focaliza-se no desenvolvimento de estratégias de ensino que

promovam uma aprendizagem por mudança conceptual. (Asoko, e outros 1991). A

pesquisa nesta área tem procurado averiguar sobre a eficácia de estratégias de ensino

destinadas a levar à prática os vários modelos de aprendizagem propostos pelos

investigadores sobre mudança conceptual.

Neste livro situar-me-ei no terceiro vector de pesquisa reiterando a minha convicção de

que a resolução de problemas propostos pelos alunos, em grupo, constitui uma

estratégia de aprendizagem por mudança conceptual.

A minha primeira preocupação foi procurar, através da revisão de literatura, uma

maneira consensual de definir o processo de mudança conceptual.

A leitura de uma revisão, publicada durante a década de 80 e princípio da década de 90

revelou-me, porém, uma série de termos para designar o processo de mudança

conceptual, o que me levou a analisar, detalhadamente, o significado desses termos.

Desta revisão emergiram termos como assimilação e acomodação (Posner e colegas

1982; Strike e Posner, 1992, Smith, Blakesbee e Anderson, 1993); reestruturação fraca e

reestruturação forte (Carey, 1985); captura conceptual e troca conceptual (Hewson e

Page 33: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 32

Hewson, 1992); diferenciação e reconceptualização (Dystra, 1992); enriquecimento e

revisão (Vosniadou, 1994).

Posner e colegas consideram dois tipos fundamentais de mudança conceptual:

assimilação que corresponde às alterações nos períodos de "ciência normal", e em que a

estrutura conceptual do sujeito do conhecimento se mostra capaz de fundamentar a

explicação de novos fenómenos; acomodação que corresponde às alterações durante os

períodos de "ciência revolucionária" e em que a estrutura conceptual do sujeito tem de

ser reestruturada a fim de possibilitar a explicação daqueles fenómenos.

Apesar de, teoricamente, Posner ter considerado dois processos de mudança conceptual,

na prática restringia-os ao processo de acomodação, dado que ele tinha do processo de

mudança conceptual um ponto de vista radical.

Hewson (1981), um dos coactores do modelo de Posner, propôs uma modalidade

diferente, para o caso em que as novas ideias não sejam incompatíveis com o ponto de

vista prévio do aluno, e designou esta modalidade por captura conceptual. A

modalidade, que radica no processo de acomodação foi designada por troca conceptual.

Em trabalhos mais recentes e como resultado da complexidade do fenómeno, Hewson

(1992) considerou uma terceira modalidade que designou por intercâmbio, nesta terceira

modalidade a ideia prévia não muda mas também as novas concepções não se integram

nas anteriores, o que acontece, segundo Hewson, é que as novas ideias coexistem com

as anteriores e são utilizadas em alternância com elas.

Carey (1991) distingue entre si o processo de reestruturação forte e reestruturação fraca.

Reestruturação forte, para os casos em que a mudança conceptual implica uma

modificação ontológica (como exemplo cito um caso frequente que diz respeito ao facto

dos alunos considerarem inicialmente a baleia como um peixe). A reestruturação fraca,

consiste na aquisição de novos conhecimentos e na diferenciação e integração das

concepções prévias.

Chin (1992), considera que as entidades que existem no mundo pertencem a diferentes

categorias ontológicas e também considera que há mudança conceptual quando um

conceito é mudado de uma categoria ontológica para outra. Assim, se as duas

concepções são ontologicamente compatíveis a mudança será fácil; se pertencem a

categorias ontológicas distintas a mudança tornar-se-á difícil.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 33

Vosniadou (1994) interpreta a mudança conceptual como uma modificação progressiva

nos modelos mentais que o estudante possui. Esta modificação pode ser gerada por dois

processos: enriquecimento e revisão. No processo de enriquecimento é acrescentada

informação à estrutura conceptual do estudante, enquanto que na revisão há uma

modificação das crenças e pressupostos nos quais o aluno baseava a sua concepção

prévia.

Apesar da profusão de termos que encontrei na análise das várias propostas,

relativamente à forma como se processa a mudança conceptual, concordo com L. Tyson,

J. Venville, D. Treagust (1996), pois considero, como estes autores, que existem dois

tipos fundamentais de processos de mudança conceptual: "grandes mudanças" e

"pequenas mudanças"; isto corresponderá, respectivamente, à existência de mudanças

na estrutura conceptual que envolvem uma simples adição de conhecimento e não

implicam reestruturação e outro processo que envolverá uma mudança nas estruturas

conceptuais mais do que uma simples adição.

A ideia básica do ensino da ciência como mudança conceptual radica na epistemologia

construtivista que admite que toda a aprendizagem é um processo de construção pessoal

e que os estudantes, quando lhes é dada oportunidade, construirão uma concepção

cientificamente ortodoxa, se eles compreenderem que a concepção científica é superior.

Como afirmou Hewson: "quando a concepção científica é mais potente e útil para

predizer fenómenos".

A ideia que a mudança conceptual é uma mudança radical é partilhada por Posner e

Carey; isto não exclui que Posner desde o início tenha chamado a atenção para o facto

de não ser viável uma mudança brusca do ponto de vista dos estudantes, pelo que o

processo de mudança teria de assumir um carácter de gradualidade.

Posteriormente, outros autores chamaram a atenção para esta gradualidade do processo

de mudança conceptual dos quais posso citar Thagard e Toulmin.

Thagard admitiu que o processo de mudança conceptual não é um processo de tudo ou

nada, mas que é um processo gradual contínuo, num crescendo de complexidade e

chegou a admitir nove graus distintos na mudança.

Toulmin rejeita a ideia de ciência normal e ciência revolucionária admitida por Posner e

adopta uma perspectiva gradualista do processo de mudança conceptual. Considera a

Page 35: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 34

selecção crítica e a inovação os motores do desenvolvimento conceptual: de uma forma

natural surgem novas ideias (inovação) de entre as quais serão seleccionadas, em cada

momento, as que mostraram maior poder explicativo e preditivo (selecção crítica) no

contexto em que estão inseridas.

Admito, como Thagard e Toulmin, que o processo de mudança conceptual é, na

generalidade, um processo gradual e, consequentemente, o tipo mais comum de

mudança integrar-se-á na categoria pequenas mudanças, considerada por Tyson.

A análise dos dados obtidos na minha investigação (tese de doutoramento) mostrou-se

compatível, relativamente à forma como decorreu o processo de mudança conceptual,

com os pontos de vista de Hewson e Toulmin.

Depois de clarificar um significado genérico do processo de mudança conceptual,

surgiu, naturalmente, como segunda prioridade, definir de forma fundamentada as

condições que é necessário reunir para que o processo de mudança conceptual seja

viável. Estas condições dizem, obviamente, respeito aos intervenientes no acto

educativo: o professor e os estudantes, mas também ao ambiente na sala de aula e à

matéria curricular em estudo.

No contexto da minha investigação, assumiu uma importância primordial a ideia que os

estudantes fazem da forma como se gera o conhecimento científico e a importância que

dão às suas experiências anteriores. Relativamente ao professor, é a metodologia que

considera mais adequada à construção do conhecimento científico na sala de aula, a

função que atribui aos conhecimentos prévios do aluno, e a sua perspectiva sobre

mudança conceptual.

No meu trabalho, tomei como referência as directrizes sugeridas por Hewson (1994),

para um ensino conducente a uma aprendizagem por mudança conceptual. Essas

directrizes concretizam-se na observância de quatro parâmetros fundamentais: os

conhecimentos prévios dos estudantes, a metacognição, o "status" das concepções em

competição e o critério para a validação do conhecimento.

Analiso em seguida, e separadamente, cada um destes parâmetros.

a) A função dos conhecimentos prévios do estudante: Hewson (1994) sugere que "as

concepções dos estudantes devem ser uma parte explícita de qualquer estratégia de

Page 36: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 35

ensino por mudança conceptual". Quando se pretende que a aprendizagem se realize

por mudança conceptual, os usos potenciais dos conhecimentos prévios fazem da

sua explicitação um objectivo básico. Efectivamente, é com base nestes

conhecimentos que os estudantes interpretam as acções dos professores e dos

colegas; propõem problemas e as primeiras hipóteses para a sua provável solução e

explicam, predizem e descrevem os fenómenos que se lhes deparam. Ignorar estes

conhecimentos é, na generalidade, a prática comum nas turmas de ciências.

Considero que esta atitude dos professores leva os estudantes a não valorizarem as

suas experiências anteriores e, por conseguinte, a não verem uma fonte real de

informações, de importância fundamental para "fazerem suas" as matérias que

constituem os programas das disciplinas científicas.

b) A metacognição: em qualquer estratégia de ensino, para uma aprendizagem por

mudança conceptual, é imprescindível que os alunos "pensem no que pensam" sobre

o tema proposto pelo professor, isto é, que sejam metacognitivos. Este procedimento

cognitivo possibilitar-lhes-á averiguar a consistência das suas concepções, nas quais

obviamente acreditam, e verificar se essas concepções lhes permitem resolver

problemas novos e ainda a ampliar os seus conhecimentos. Os estudantes só podem

formular juízos de valor, acerca das concepções, se reflectirem sobre elas.

c) O "status" das concepções: os estudantes devem avaliar, em competição, a

inteligibilidade, plausibilidade e utilidade das suas concepções e das que se lhe

deparam.

d) Critérios de validação do conhecimento: torna-se evidente que a aprendizagem por

mudança conceptual não pode basear-se num processo de transmissão recepção

do conhecimento, onde este é apresentado como um "produto acabado pronto a

consumir".

Resulta como fundamental que o conhecimento seja considerado válido pelos

estudantes o que exige que se vejam, eles próprios como fontes de conhecimento. A este

propósito recordo a sugestão de R. Driver (1994) quando afirmou: "a aquisição das

ferramentas intelectuais da ciência é um pré-requisito para que os estudantes se vejam,

eles próprios, como fontes de conhecimento". Estes autores consideram que o ambiente

das turmas deve ser de molde a iniciar os estudantes nas "formas científicas de

conhecer". Em termos de recomendação para o futuro, Driver e colaboradores sugeriram

Page 37: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 36

que "a pesquisa se deve orientar no sentido de procurar definir os processos de

organização das turmas, no sentido de gradualmente os estudantes dominarem algumas

normas e práticas consideradas características das comunidades científicas".

Uma classe em que se pretende que os estudantes se reconheçam como fontes de

conhecimento válido terá que oferecer-lhes condições propícias à consecução deste

objectivo. Este facto constitui uma tarefa complexa no contexto educacional das nossas

escolas.

O professor, numa turma com as características a que venho aludindo, não deve utilizar

a sua autoridade como meio para validar qualquer concepção durante os debates em

classe, mas deve encontrar formas apropriadas para utilizar o seu nível de "especialista"

no conteúdo científico.

Em síntese, o professor que pretende que o ensino na sua aula seja conducente a uma

aprendizagem por mudança conceptual deve utilizar processos didácticos centrados nas

ideias dos alunos que, como assinalou Astolfi (1984), não devem ser só encaradas como

desvios em relação às ideias dos especialistas, mas também como expressões de carácter

adaptativo a um contexto situacional concreto.

Considero que o desenvolvimento, em grupo, de um tema curricular pode ser um dos

factores fundamentais para a criação, na turma, de condições necessárias a uma

aprendizagem por mudança conceptual na medida em que dinamiza e possibilita todo

um conjunto de interacções, retroacções e intercâmbios que são a matriz de um processo

de ensino/aprendizagem alicerçado na epistemologia construtivista, como é o caso da

aprendizagem por mudança conceptual.

Uma vez definido o conceito de mudança conceptual e as condições que devem ser

reunidas para que o processo de mudança conceptual seja viável procedi, no meu

trabalho, à escolha do modelo de mudança conceptual que se mostrou mais adequado. A

minha opção recaiu sobre o modelo de Posner, Hewson e Thorley (1982) por se

apresentar como um instrumento de trabalho com boas condições para ser levado à

prática em virtude de concretizar e definir as condições necessárias à ocorrência da

mudança conceptual. Este modelo baseia-se na filosofia da ciência e na teoria do

desenvolvimento cognitivo de Piaget. A teoria piagetiana considera como força

propulsora de desenvolvimento cognitivo o estado de desequilíbrio, que, no campo da

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 37

educação, é designado por conflito cognitivo. Como afirmaram Rowell & Dawson

(1990) "pensa-se que, ao produzir-se um conflito cognitivo na mente do estudante, está

iniciado um processo de aprendizagem".

Tendo como ponto de partida as descrições sob a forma como se desenvolvem as ideias

científicas, referidas nos trabalhos de Thomas Kuhn, Imre Lakatos e Stephen Toulmin,

Posner, Strike, e Gertzog (1982) descreveram as condições que consideram necessárias

para que o estudante efectue uma mudança conceptual. Estas condições são as

seguintes: insatisfação com as concepções existentes; inteligibilidade e plausibilidade da

nova concepção e o facto da nova concepção se mostrar promissora no sentido de

esclarecer problemas existentes e problemas futuros.

Em consonância com o enunciado no parágrafo anterior, os autores do modelo aderem à

teoria da recapitulação. Esta considera que existe um paralelismo directo entre a forma

como o estudante, considerado individualmente, elabora os conceitos e o

desenvolvimento destes ao longo da história da ciência. Desta forma adoptaram um dos

princípios básicos da epistemologia genética enunciados por Piaget: "existe um

paralelismo entre a ontogénese e a filogénese".

Examinarei, agora, sinteticamente, as ideias básicas de T.Kuhn (1957) e I. Lakatos

(1978), deixando para análise posterior os pontos de vista de S. Toulmin pela

importância de que se revestiam para a discussão dos resultados da minha investigação.

As noções de paradigma e de comunidade científica constituem o suporte das

concepções kuhnianas de ciência e de progresso científico.

Kuhn considera como paradigma "as realizações científicas universalmente

reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para

uma comunidade de praticantes de uma ciência", e considera que a comunidade

científica "partilha do mesmo paradigma, dos mesmos critérios cognitivos, dos mesmos

métodos de trabalho e que é o lugar de informação, formação e reconhecimento do valor

científico das descobertas e, portanto, do progresso científico".

Enquanto o paradigma dá resposta aos problemas teóricos e experimentais e os seus

pressupostos se tornam cada vez mais credíveis, a ciência encontra-se na fase que Kuhn

designou por "ciência normal"; quando surge um problema (anomalia) que a

comunidade científica reconhece que só uma outra explicação lhe pode dar

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 38

inteligibilidade é reconhecida a insuficiência do paradigma; torna-se então necessário

pôr em causa a ciência que se pratica. É uma fase que se caracteriza pela emergência de

conflitos de interpretação e de argumentação. Esta fase foi designada por Kuhn por

"ciência revolucionária" e o seu resultado traduz-se na substituição de uma teoria por

outra.

Para Lakatos as teorias são entes complexos e altamente estruturados (programas de

investigação) que considera constituídos por um núcleo central, formado pelos aspectos

essenciais da teoria e que é protegido por um anel protector de hipóteses auxiliares. O

programa de pesquisa progride ou degenera se pode ou não pode prever algum facto

inesperado. Se degenera, o programa de pesquisa é substituído por outro que se

fortalece à medida que aumenta o seu sucesso preditivo.

O modelo de mudança conceptual de Posner utiliza as ideias de Kuhn e Lakatos para

tentar explicar como os estudantes reveem e substituem as concepções alternativas na

sua ecologia conceptual. Os paradigmas de Kuhn e os programas de investigação de

Lakatos são vistos como analogias das concepções alternativas dos estudantes relativas

aos fenómenos científicos. Assim, quando, na opinião do estudante, uma concepção se

mostra inadequada para uma compreensão satisfatória de um fenómeno, o estudante ou

modifica a sua concepção incorporando nela a nova informação (captura conceptual) ou

substitui a concepção "antiga" por uma nova com um poder explicativo e preditivo

adequado (troca conceptual).

Como já referi, Posner e outros propõem quatro condições relevantes para que o

estudante realize mudança conceptual. Estas condições concretizam um conjunto de

instrumentos de avaliação do "status" da nova concepção que determinará, após o

confronto com o "status" da concepção existente a decisão do estudante optar ou não

pela nova concepção. Pela sua importância decisiva na aprendizagem, do ponto de vista

de Posner e outros, analisarei, em detalhe as condições enunciadas por aqueles autores.

1 Insatisfação com as condições existentes tanto os cientistas como os estudantes

não mudarão os seus conceitos sem que estes se mostrem incapazes de lhes permitir a

resolução de um número significativo de problemas.

2 A nova concepção deve ser inteligível para que uma concepção seja inteligível

deve cumprir os seguintes requisitos:

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 39

a) o indivíduo deve compreender os termos que a compõem, os símbolos utilizados e a

sintaxe do modo de expressão.

b) o estudante deve construir uma representação coerente com essa concepção dado

que as representações são estruturas subjacentes a todo o processo de construção do

saber.

Uma estratégia muito útil para relacionar a informação existente com a informação nova

é o uso de analogias, metáforas e modelos. Esta estratégia permite que a nova

informação seja incorporada num contexto familiar o que poderá facilitar uma

aprendizagem centrada na compreensão.

3 A nova concepção deve ser plausível para que a nova concepção seja

incorporada na estrutura conceptual do aluno não é condição suficiente que o estudante

a compreenda; é também necessário que ela não esteja em contradição com outro

conhecimento que o aluno pense ser verdadeiro, bem como com a sua experiência

quotidiana. Deve também poder ser enquadrada na concepção que ele tem do mundo.

Quando a nova concepção contradiz a ideia prévia do estudante a mudança conceptual é

bastante difícil e, para que esta dificuldade seja superada, o aluno terá de analisar e

reflectir sobre contra-exemplos até a considerar verosímil.

4 A nova concepção deve ser útil o aluno pode compreender a nova concepção e

considerá-la verosímil mas se não tiver provas da sua utilidade não é provável que a

mudança conceptual se concretize. Assim, a nova concepção deve não só resolver as

anomalias que levaram o aluno a procurá-la, como também deve sugerir-lhe novas

questões e permitir-lhe delinear procedimentos conducentes às respostas a essas novas

questões.

Inteligibilidade, plausibilidade e utilidade afectam o "status" da concepção no

pensamento do aluno. Sem suficiente "status", uma concepção não será incorporada na

estrutura conceptual do estudante. Como afirmou Hewson "concepções que competem

como explicações para fenómenos similares serão seleccionadas pelo estudante com

base no “status” relativo dessas concepções".

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 40

As concepções em competição podem ser construídas na interacção do estudante com os

colegas, ser introduzidas na classe pelo professor ou surgir no pensamento do estudante.

O que é fundamental para a mudança conceptual, segundo Posner e Hewson, é o

"status" que o estudante atribui às concepções em competição uma vez que a que a vai

ser incorporada na ecologia conceptual do estudante será aquela a que atribui um

"status" mais elevado. Esta incorporação, segundo Hewson, ocorrerá por captura ou

troca conceptual.

O ambiente intelectual próprio de cada indivíduo, ou seja a sua ecologia conceptual,

está em estreita conexão com as concepções que acabam por ser adoptadas pelo

estudante. A metáfora ecologia conceptual foi introduzida por Toulmin e adoptada por

Posner e outros. Segundo estes autores a ecologia conceptual tem os seguintes

componentes:

1 Anomalias são acontecimentos ou observações que não são consistentes perante

uma concepção que se admite ser verdadeira.

2 Analogias e metáforas são conceitos sustentados pelo estudante e que têm um

significado paralelo com uma nova concepção. São úteis porque a analogia ou a

metáfora pode ser compreendida pelo estudante, e esta compreensão pode ser

transferida para o novo conceito.

3 Exemplos ou imagens são exemplos de uma concepção que ajuda a enraizar a

concepção na experiência que o estudante tem do mundo.

4 Experiências passadas.

5 Compromissos epistemológicos referem-se à forma como o estudante justifica

porque considera verdadeira determinada concepção.

6 Crenças metafísicas é o ponto de vista do estudante relativamente a aspectos do

universo que não são observáveis.

7 Outros conhecimentos em competição.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 41

Como se verifica pela caracterização do modelo de Posner e outros (1982), estes autores

consideram a aprendizagem como uma actividade racional e, consequentemente, a

mudança conceptual como uma actividade racional. A este respeito é elucidativa a

forma como Posner e outros consideram o que significa aprender. Assim, afirmam que

"aprender é, fundamentalmente, vir a compreender e a aceitar ideias que são vistas

como racionais e inteligíveis".

Posteriormente, Posner e outros (1992) admitiram que o seu modelo de mudança

conceptual era exageradamente racional e reconheceram que outros aspectos da

aprendizagem na classe podem desviar a atenção dos estudantes de uma avaliação

puramente cognitiva dos conceitos científicos; passaram assim a admitir a influência

dos factores afectivos e sociais na aprendizagem por mudança conceptual.

Se bem que os investigadores em Ciências de Educação reconhecem que o modelo de

Posner é um bom instrumento de trabalho não o isentam, porém, de críticas que

considero pertinentes. Farei, seguidamente, uma análise dessas críticas porque admito

que, no seu conjunto, constituem um referencial notável para a interpretação dos dados

empíricos obtidos nas pesquisas sobre aprendizagem por mudança conceptual.

As críticas que os investigadores fazem ao modelo de Posner e colaboradores incidem

fundamentalmente no facto dos autores do modelo considerarem o processo de mudança

conceptual como um processo global; na analogia do "estudante como cientista", nas

condições para a mudança conceptual e no condicionalismo que a analogia, entre a

aprendizagem na escola e o desenvolvimento histórico das teorias científicas, tem

exercido sobre a concepção de mudança conceptual.

No que concerne à mudança conceptual como mudança global Laudin 1984, (citado por

Duschl, 1991), considera que Posner faz uma descrição incorrecta da forma como

ocorre o consenso e a discordância entre os cientistas, ao admitir que, quando uma

teoria muda, as mudanças nos compromissos epistemológicos são simultâneas com as

mudanças a nível ontológico, metodológico, e axiológico; foi este erro de covariância,

segundo Laudin, que levou Posner a considerar a mudança conceptual como um

processo global.

Como Laudin também Thagard crítica o ponto de vista holístico de mudança conceptual

admitido por Posner que é, segundo Duschl, refutada pela história da ciência que

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 42

evidencia, na generalidade, não mudanças globais, mas mais mudanças de carácter

"peça à peça" segundo as palavras de Duschl (1991).

Relativamente à metáfora do estudante como cientista, esta evidencia algumas

fragilidades de que é exemplo a fraca conexão que existe entre o trabalho dos cientistas

e o do estudante na classe de ciências. Efectivamente, como afirmam Caravita e Halldén

(1994) "a pesquisa é intencional, especializada, auto-regulada, criativa e envolve uma

comunidade que partilha objectivos, motivação, ferramentas profissionais, códigos de

comunicação e valores epistémicos".

Os estudantes na classe de ciências têm, na generalidade, como objectivo principal

optmizar os resultados pretendidos pelos autores dos currículos, pelo que os métodos

utilizados por eles diferem de forma substantiva dos utilizados pelos cientistas. Como

assinalou Karmilhoff-Smith (1988), citado por Caravita e Halldén: "a distinção

importante entre um objectivo e uma crença falhada no processo de inquérito do

estudante é que o resultado inesperado é interpretado como um obstáculo às intenções e

desejos mais do que uma anomalia que requer uma correcção na crença e

consequentemente no processo".

Nas relações entre os cientistas na comunidade científica, cada um é visto com um certo

respeito pelos outros e são eles próprios a decidir como e quando interagem com aquela

comunidade. Na sala de aula as decisões são, na generalidade, tomadas pelos

professores e os estudantes, salvo excepções, não acreditam mais nas ideias ou aptidões

dos outros do que nas suas próprias. Relativamente a este aspecto, a minha investigação

não se mostrou concordante.

Acredito, não só com base na minha investigação (tese de doutoramento) mas também

porque durante largos anos ter defendido, incentivado e levado à prática o trabalho dos

alunos em grupo, que é possível criar, na classe, um conjunto de objectivos partilhados

pelos estudantes: um respeito mútuo; uma negociação de normas de trabalho; em suma,

um ambiente onde a complementaridade de aptidões dos seus membros seja garante do

sucesso escolar.

A analogia entre a aprendizagem na escola e o desenvolvimento histórico das teorias

científicas, admitida por Posner e colaboradores, tem funcionado, segundo Caravita e

Halldén (1994) como factor condicionante dos objectivos e metodologias da

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 43

investigação empírica: "... Este condicionalismo originou uma concepção de mudança

conceptual que se consubstancia numa substituição de ideias velhas por novas, erradas

por correctas, incompletas por mais aprofundadas...".

Concordo com Caravita e Halldén quando consideram que o ponto de vista cognitivista

e individualista da maior parte das pesquisas sobre mudança conceptual configura uma

perspectiva redutora, que necessita ser ampliada por estudos empíricos incidindo sobre

outros factores, os quais vão influenciar aqueles processos. Entre esses factores,

destaco, como Caravita, Halldén (1994) e H.Spada, (1994) os factores contextuais.

Considero que o estudo exaustivo da influência nos processos de mudança conceptual

das interacções com os colegas e com o professor, bem como com as matérias

curriculares, permitiria ampliar de forma substantiva o quadro empírico de referência de

que dispomos e, consequentemente, compreender melhor aqueles processos.

Caravita e Halldén desenvolveram investigações sobre aprendizagem por mudança

conceptual em biologia demonstrando que o processo de mudança conceptual não está

localizado no conteúdo das estruturas conceptuais, nem é necessariamente conseguido

através do conflito cognitivo e substituição de ideias e práticas pré-existentes. De

acordo com estes autores, a mudança conceptual concretizar-se-á pela capacidade do

estudante fazer a distinção entre contextos de interpretação; deste ponto de vista, a

mudança conceptual envolve um conjunto de formas de pensamento relativas a um

determinado domínio conceptual que são suscitadas por contextos específicos de acção

e discurso.

Entre as várias investigações de Caravita e Halldén algumas delas incidiram sobre as

dificuldades dos estudantes compreenderem a teoria da evolução proposta por Darwin:

Um desses trabalhos foi realizado com 16 estudantes que foram entrevistados quando

frequentavam o 7º grau e posteriormente quando frequentavam o 9º grau. Neste estudo,

foram observadas poucas mudanças de ideias a nível teórico. Só um estudante no 7º

grau utilizou um tipo de explicação teleológica e um no 9º mudou para uma explicação

do tipo darwiniano. Assim, a maior parte dos estudantes continuou a interpretar a nova

informação no contexto da estrutura de referência que possuíam, isto é, do ponto de

vista Lamarckiano; todavia eles ampliaram a sua compreensão da evolução das

espécies, mas não conseguiram explicá-la na perspectiva darwiniana.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 44

Os resultados da investigação que acabo de descrever estão em concordância com os de

outra pesquisa realizada por Halldén & Wistedt, (1981) com estudantes do nível mais

elevado do ensino secundário e com estudantes universitários neste caso os estudantes

mantiveram o seu ponto de vista lamarckista ou tentaram explicar a evolução com

argumentos de funcionalidade ou de um ponto de vista ecológico.

Outro estudo realizado por Halldén (1988b) incidiu sobre estudantes do nível

secundário superior. Pediu-se aos estudantes que escrevessem um pequeno texto

explicando a evolução das espécies antes e depois do desenvolvimento do tema na

classe. Conclui-se que, apesar dos estudantes terem adquirido um vasto conhecimento

factual, não conseguiam aplicá-los à resolução de problemas que lhes foram propostos

ou organizá-los num conjunto coerente. Neste caso, segundo os autores, parecia

razoável concluir que não teria ocorrido mudança conceptual o que impedia os alunos

de estruturarem todos os factos numa explicação darwiniana do desenvolvimento das

espécies. Neste caso, e ainda segundo os autores da pesquisa, há crenças de senso

comum que são incompatíveis com a explicação biológica darwiniana correcta. Isto

implicaria que os estudantes abandonassem as suas explicações do senso comum.

Todavia, os autores destas pesquisas pensam que os resultados obtidos podem ser

atribuídos ao facto dos estudantes ignorarem diferentes tipos de explicação. Os

estudantes não sabiam fazer a distinção entre explicações causais, teleológicas e

intencionais. Porém, o que mais impressionou os autores foi o facto da maioria dos

estudantes que davam uma explicação darwiniana, depois do ensino do tema,

apresentarem, simultaneamente, outros tipos de explicação; verificando-se ainda que

algumas destas não estavam de acordo com a explicação darwiniana. Em face deste

procedimento os autores admitem que os estudantes adicionaram, simplesmente,

explicações às que já tinham adquirido.

As justificações que Caravita e Halldén propõem para os resultados que acabo de

enumerar é a de que estes problemas surgem quando nós introduzimos dados que

pretendemos que os alunos interpretem dentro de uma determinada estrutura teórica,

enquanto que o estudante os apreende dentro do seu ponto de vista pessoal do mundo.

A explicação dos resultados, segundo os autores, residiria no facto dos estudantes terem

formado um sistema explicativo, com força suficiente para assimilar os novos "factos"

apresentados na escola, mas interpretando-os de acordo com os seus pontos de vista do

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 45

mundo. Os alunos não sabiam distinguir entre os aspectos relevantes e os não relevantes

para o contexto empírico e por isso não foram capazes de mudar do contexto empírico

para o contexto teórico.

Caravita e Halldén consideram que a mudança conceptual é um processo lento que, em

certos casos, envolve um alargamento das concepções existentes e, algumas vezes, a

reorganização das estruturas conceptuais existentes. Admitem também que o abandono

de velhas crenças pode ser sensato em muitos casos, mas não, seguramente em todos. E

acrescentam que algumas concepções alternativas são úteis em quase todas as situações

da vida diária.

De acordo com o modelo de mudança conceptual preconizado por Caravita e Halldén,

um dos objectivos do ensino deverá ser o de motivar nos estudantes representações

mentais múltiplas devendo estes aprender a ver as limitações de cada representação e

aprender a utilizá-las com sucesso nos contextos apropriados ( H.Spada, 1994).

Como afirmou Driver 1994: "admitimos a possibilidade dos indivíduos possuírem

esquemas conceptuais plurais relativos aos vários domínios de conhecimento, e cada um

apropriado a contextos sociais específicos...".

A complexidade da aprendizagem por mudança conceptual é um facto consensualmente

admitido. Na verdade nem a perspectiva epistemológica que exemplifiquei com o

modelo de Posner e outros que enfatiza os aspectos cognitivos da aprendizagem nem

o modelo de Caravita e Halldén que salienta a enorme importância dos factores

contextuais na aprendizagem e que complementa o modelo de Posner se mostram

suficientes para esclarecer de forma satisfatória este intricado problema.

Em face desta insuficiência outros modelos têm surgido de que destaco o de Chi e

outros (1994) que encara o problema da aprendizagem por mudança conceptual numa

perspectiva ontológica e o de S. Vosniadou (1994) que interpreta a mudança conceptual

como uma modificação progressiva nos modelos mentais do estudante. Pela

complementaridade que estes modelos representam, relativamente ao referencial teórico

que venho construindo, bem como pelas explicações que estes autores propõem para a

génese das concepções alternativas dos estudantes, passo à sua análise.

T. Chi, J.Slotta e N.Leew (1994) desenvolveram pesquisas no campo da física e da

biologia e apresentaram uma estrutura teórica que propõe uma explicação para a

Page 47: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 46

mudança conceptual e para o aparecimento de concepções alternativas na aprendizagem

das ciências.

Chi e colegas admitem que as entidades no mundo pertencem a três categorias

ontológicas fundamentais que designaram por matéria (ex: hormonas), processos (ex:

regulação fisiológica) e estádios mentais (ex: necessidade). Cada uma destas categorias

ontológicas apresenta uma sucessão de subcategorias dispostas hierarquicamente a que

foi dada uma representação gráfica arborescente (exemplo de uma sucessão: matéria;

grupo natural; vida; plantas).

Estes autores consideram que ocorre mudança conceptual quando um conceito tem de

ser transferido para uma categoria ontológica distinta. Consequentemente, se duas

concepções são ontologicamente compatíveis (ex: ambas são processos), a mudança

conceptual é fácil. Se duas concepções são ontologicamente distintas (ex: uma processo

a outra matéria), a mudança conceptual é difícil.

Relativamente a uma situação de aprendizagem, Chi e colaboradores admitem que a

aprendizagem de um conceito, em que a categoria ontológica que o estudante lhe atribui

é a mesma que a que lhe é atribuída pela ciência, configura-se como um processo

relativamente fácil; no caso contrário, o estudante tem de reclassificar o conceito. Isto é,

mudar a sua categoria ontológica, e nesse caso, a aprendizagem será bastante difícil. A

última situação é passível de criar concepções alternativas extremamente difíceis de

superar, acarretando maiores dificuldades para a aprendizagem do conceito.

A segunda situação de aprendizagem que exemplifiquei no parágrafo anterior concretiza

o que estes autores designam por hipótese da incompatibilidade acerca da

aprendizagem. Esta hipótese assenta em três suposições básicas: uma suposição

epistemológica acerca da natureza das categorias ontológicas e que se traduz no facto

dos autores considerarem que as entidades no mundo pertencem a três categorias

ontológicas fundamentais (matéria, processos e estádios mentais); uma suposição

metafísica acerca da natureza de alguns conceitos científicos abstractos que designam

por constraint-based-interaction concepts. Nesta categoria de conceitos incluem

processos tais como mutação, comportamento reprodutivo e equilíbrio genético cuja

compreensão é crucial para a aprendizagem em Biologia, do macroconceito de

evolução; uma suposição psicológica que diz respeito à categoria ontológica que os

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 47

estudantes atribuem, inicialmente, a certos conceitos científicos e onde se incluem as

concepções alternativas.

No campo da Biologia, e relativamente à última suposição, registo uma situação fácil de

constatar que diz respeito ao sistema circulatório humano: nos livros escolares, para os

estudantes mais jovens, aquele sistema é apresentado como pertencendo quase

inteiramente à categoria de matéria (os tópicos abordados centram-se em conexões

físicas entre os vasos sanguíneos e o coração, a direcção e o caminho do sangue, etc);

nos livros destinados aos estudantes de medicina em que as análises são mais profundas

e tornam indispensável ter em consideração a pressão e o volume do sangue, verifica-se

com frequência, segundo estes autores, que os estudantes não relacionam estes dois

conceitos constraint-based interaction concepts. Assim, a concepção alternativa mais

frequente entre os alunos é a de que "a pressão não implica fluxo sanguíneo".

As pesquisas de Chi e colegas revelaram ainda que os estudantes interpretam fenómenos

biológicos básicos em termos de desejo e vontade dos animais (sub-categoria

ontológica: the emotional states) mais do que em termos fisiológicos. Por exemplo,

atribuem os processos evolutivos à intenção do animal evoluir. A consequência destas

formas de interpretação dos fenómenos biológicos traduz-se no facto dos estudantes

colocarem os conceitos em categorias ontológicas erradas, o que condicionará o tempo

necessário à mudança ou até mesmo a possibilidade dela ocorrer.

Quando desenvolvemos na prática lectiva certos temas curriculares é comum

comentarmos que esses temas são difíceis para os estudantes ou que não suscitam o seu

interesse justificando assim as dificuldades que os estudantes evidenciam relativamente

à aprendizagem desses temas. A hipótese da incompatibilidade de Chi permite-nos

antever outra explicação provável para estas situações que podem corresponder, numa

perspectiva ontológica, ao facto de existir uma incompatibilidade entre a categoria

ontológica atribuída ao conceito pelo estudante e a admitida pela comunidade científica.

Em conformidade com o que venho afirmando, o modelo de aprendizagem por mudança

conceptual de Chi e colegas permite portanto prever através da sua hipótese da

incompatibilidade uma aprendizagem fácil, quando a concepção naive que o estudante

traz para o contexto educacional se situa na mesma categoria ontológica que lhe é

atribuída pelos cientistas; e difícil no caso contrário.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 48

Na prática, segundo Chi e colegas, quando as concepções naive são incompatíveis com

as científicas aquelas concepções tendem a ser:

Difíceis de superar pelo ensino.

Evidenciadas pelo mesmo estudante de forma duradoira e em diferentes

contextos.

Persistentes através dos vários níveis de escolaridade.

Encontradas em diferentes estudantes na mesma ou noutras investigações.

Similares com as que foram sustentadas por cientistas do passado.

Quando existe compatibilidade as concepções naive tendem a comportar-se de forma

inversa às que enunciámos para o caso de incompatibilidade.

S. Vosniadou (1994) concorda no essencial com a teoria ontológica de Chi e colegas

mas observa, no entanto, que Chi não explica porque é difícil mudar um conceito de

uma categoria ontológica para outra e também porque há mudanças mais difíceis do que

outras. Por exemplo porque é mais difícil mudar o conceito de calor da categoria

matéria para a categoria processo do que mudar a baleia da categoria de peixe para a

categoria de mamífero?

Esta autora admite que na infância as crianças estabelecem o que designa por uma

estrutura naive do mundo físico que constitui a sua base ontológica e epistemológica

individual. Condicionadas por esta estrutura teórica que inter-acciona com a informação

apresentada pela cultura o indivíduo gera teorias específicas relativas aos vários

domínios do conhecimento.

S. Vosniadou enfatiza o papel desempenhado pelos modelos mentais individuais que

define como "um tipo especial de representação mental, uma representação análoga, que

os indivíduos geram durante o funcionamento cognitivo, e que têm a característica

especial de preservarem a estrutura que é suposto representarem".

Estes modelos mentais individuais constituem representações onde a nova informação é

incorporada no conhecimento base e condicionam também o processo de aquisição do

conhecimento de forma similar às crenças e às pré-suposições do indivíduo

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 49

simultaneamente estes modelos são fontes de informação importantes acerca das

estruturas de conhecimento do indivíduo (teorias específicas e teoria geral).

A mudança conceptual é interpretada por S. Vosniadou como uma modificação

progressiva nos modelos do indivíduo e pode dar-se por dois processos: enriquecimento

e revisão.

A mudança conceptual por enriquecimento processa-se pela adição de nova informação

à estrutura teórica existente por um mecanismo de acreção. A revisão é motivada pela

inconsistência da nova informação com as crenças ou com as pré-suposições do

indivíduo, ou ainda com a rede de relações entre os elementos de uma teoria individual.

Este tipo de mudança conceptual implica uma revisão na estrutura teórica geral ou numa

teoria específica; em princípio a primeira situação torna mais fácil a mudança

conceptual.

As pré-suposições da estrutura teórica geral representam um sistema explicativo

relativamente coerente, alicerçado na experiência quotidiana e, como tal, profundamente

enraizado, pelo que a revisão é um tipo de mudança conceptual mais difícil.

Entretanto as concepções alternativas são interpretadas como tentativas individuais para

assimilar a nova informação em estruturas conceptuais existentes as quais contêm

informação contraditória com o ponto de vista científico.

Em síntese: dadas as dificuldades da revisão S. Vosniadou encara a mudança conceptual

como um processo complexo e necessariamente gradual.

Alguns investigadores, perante a complexidade dos processos de mudança conceptual,

evidenciada pela persistência das concepções alternativas dos estudantes, adoptam uma

metodologia diferente das que tenho vindo a analisar. Estes autores, de que é exemplo P.

Alexander citada por B. Guzzetti (1998), admitem que a capacidade ou o desejo do

estudante modificar ou reestruturar um dado conceito científico pode ser melhor

compreendida se seguirmos o percurso do estudante em direcção à sua compreensão

daquele conceito.

P. Alexander desenvolve a tese que os estudantes em vários estádios de literacia, num

dado domínio, apresentam perfis diferentes no que concerne à matéria, às estratégias

que desenvolvem e ao seu interesse pelo domínio. Esta diversidade, segundo a autora,

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 50

contribui para originar diferenças qualitativas e quantitativas em termos de mudança

conceptual. De acordo com esta ideia a autora propôs um modelo desenvolvimentista

que designou por MDL Model of Domain Learning e que concebe o percurso dos

estudantes em três estádios: adaptação, competência e proficiência.

Relativamente ao primeiro estádio caracterizado por um fraco conhecimento do

domínio, pouca confiança nas estratégias de processamento de informação e um

interesse muito limitado no domínio, a mudança conceptual é vista como uma

construção do conhecimento. Esta situação exige que os professores desenvolvam

estratégias que levem os estudantes a tomar consciência do carácter fragmentário do seu

conhecimento e a reflectir sobre o carácter naive das suas explicações.

No segundo estádio, considera-se que os estudantes já possuem um conhecimento

relevante que constituirá um suporte para o desenvolvimento de estratégias

consequentes de processamento de informação. P. Alexander considera que neste estádio

a mudança conceptual dever-se-á traduzir num processo de aquisição de informação e

reestruturação da estrutura conceptual.

O terceiro estádio caracteriza-se pelo facto de o estudante ter um corpo de

conhecimento profundo e coerente combinado com um grande interesse pelo domínio.

P. Alexander comenta que pode parecer paradoxal falar de mudança conceptual nesta

situação, mas alerta para a possibilidade desta situação ocorrer na realidade.

Efectivamente, se no início os estudantes estavam profundamente convencidos da

"verdade" dos seus conhecimentos e, consequentemente, tinham uma grande

autoconfiança, a mudança conceptual terá necessariamente que consistir numa

substituição de paradigma.

Como já afirmei diversas vezes e de acordo com Driver, Asoko e Scott (1994) considero

que o conhecimento científico é socialmente construído e admito que a aprendizagem da

ciência envolve uma construção social e individual deste conhecimento. Este ponto de

vista mostra-se concordante com a perspectiva sociocultural de mudança conceptual

desenvolvida por G. Kelly e J. Green e que está subjacente à minha investigação. Estes

autores consideram que a mudança conceptual não é um processo meramente individual

ou psicológico mas um processo socialmente construído e culturalmente modelado

dentro de grupos específicos.

Page 52: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 51

Na perspectiva de G. Kelly e J. Green o grupo desempenha um papel fundamental pois

é ao seu nível que se processa não só o desenvolvimento conceptual como a mudança

conceptual; esta situação é óbvia na comunidade científica onde efectivamente se

processa a construção e o desenvolvimento do conhecimento científico.

A comunidade científica é um grupo com objectivos bem definidos e onde "as regras de

jogo" são claramente estabelecidas. Estas regras norteiam o trabalho do grupo e

condicionam também as suas expectativas. Este trabalho acaba por se concretizar num

conjunto de teorias explicativas que estão disponíveis para serem partilhadas mas

também para serem postas em causa quando se mostrarem inconsistentes com os factos

da vida real. A relação entre o conhecimento individual e o conhecimento da

comunidade é uma relação dinâmica que se expressa pelas influências recíprocas entre

estes dois repertórios conceptuais.

A perspectiva sociocultural de Kelly e Green torna, na minha opinião, indispensável a

realização de trabalhos em grupo nas aulas de ciências. Se bem que com objectivos

diferentes da comunidade científica, o grupo poderá oferecer condições para que os

estudantes possam "construir conhecimento científico" contextualizado que resultará da

interacção recíproca dos conhecimentos pessoais dos elementos do grupo, do

conhecimento da comunidade científica, que é mediado pelo professor, bem como da

interacção com os conhecimentos que se vão tornando "propriedade" do próprio grupo.

("cultura do grupo").

Os grupos, quando devidamente apoiados e com objectivos claramente definidos

realizarão, natural e paulatinamente, a mudança conceptual adequada a cada situação

didáctica concreta; mudança esta que resultará, obviamente, de uma construção social

que engloba necessariamente a mudança conceptual individual; como afirmam Kelly e

Green (1998): "o desenvolvimento conceptual é um processo que é realizado

individualmente e em grupo".

A análise da pesquisa sobre aprendizagem por mudança conceptual revela que os

investigadores lhe imprimiram uma orientação marcadamente cognitivista, com

destaque para a memória e o raciocínio, considerados como processos cognitivos

básicos e marginalizaram factores como a motivação e os interesses dos estudantes que

são hoje reconhecidos de importância fundamental no processo de mudança conceptual.

Page 53: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 52

Uma excepção a este procedimento é exemplificada pelos trabalhos de Pintrich, Marx,

& Boyle (1993).

Pintrich, Marx, & Boyle (1993) apresentam, num artigo que considero fundamental,

investigações onde sugerem como mediadores do processo de mudança conceptual: os

objectivos, os valores, a autoconfiança e o autocontrole dos estudantes. Analisaram,

também, o papel dos factores contextuais da classe como moderadores das relações

entre a motivação dos estudantes e a mudança conceptual. Debruçaram-se ainda sobre

as dificuldades de um modelo de mudança conceptual cold ou overly rational que se

focalize unicamente na cognição dos estudantes, sem considerarem as formas como as

crenças motivacionais dos estudantes acerca deles próprios como estudantes e os papeis

dos indivíduos numa comunidade de aprendizagem (a turma), podem facilitar ou

impedir a mudança conceptual.

Investigações que relacionam o interesse pessoal dos estudantes com o seu

envolvimento cognitivo foram realizadas por vários autores como, por exemplo,

Schiefele (1991, 1992) citado por Pintrinch, Marx e Boyle que mostraram que o

interesse dos estudantes do college na matéria do seu curso estava positivamente

relacionado com a procura de informação e com a utilização do pensamento crítico e,

negativamente, com a utilização de estratégias repetidas de processamento da

informação.

Pintrinch e colaboradores mostraram também que os estudantes do college, que

consideram a matéria do seu curso interessante, importante e útil, utilizam estratégias de

processamento mais profundo da informação e estratégias metacognitivas na sua

aprendizagem.

Considerei também de interesse para aminha investigação os estudos correlacionais

realizados por Pintrich e Groot (1990) que lhes permitiram concluir que, nos estudantes

universitários mais jovens, o uso de estratégias cognitivas e metacognitivas estava

positivamente correlacionado com a sua autoconfiança. Como é do conhecimento geral,

a utilização destas estratégias implica um processamento mais profundo da matéria do

curso o que aumenta a probabilidade da ocorrência de mudança conceptual.

Admito que os resultados dos trabalhos de Pintrich e Groot apoiam a opção que fiz de

suscitar o conflito cognitivo unicamente para analisar a reacção dos estudantes perante a

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 53

necessidade de aplicarem os conceitos estudados a uma situação problemática

(problema verificado no Bangladesh). Como Pintrich, Marx & Boyle admiti que a

suscitação do conflito cognitivo deve ser feita de tal forma que os estudantes não

percam confiança em si próprios e, como tal, a sua colocação exige uma escolha

criteriosa e um apoio sereno e discreto do professor, a fim de não desmotivar os

estudantes.

Há mais de quarenta anos que os sócio-psicólogos realizam pesquisas no sentido de

evidenciarem as condições que permitem às pessoas mudarem as suas crenças e

atitudes. Esta intensa investigação possibilitou-lhes a construção de modelos de grande

interesse para a educação em ciências, em particular no domínio da aprendizagem por

mudança conceptual.

Os sócio-psicólogos criticam, fundamentalmente, o facto da maior parte dos autores dos

modelos de aprendizagem por mudança conceptual, com excepção de Pintrich, Marx &

Boyle (1993) e Strike e Posner (1992), enfatizarem os aspectos cognitivos da

aprendizagem e marginalizarem a motivação e os interesses dos estudantes. Os sócio-

psicólogos vêem a mudança de crenças como mais do que um processo meramente

cognitivo e consideram a motivação um processo afectivo envolvido nessa mudança.

A visão que os sócio-psicólogos têm de crenças contrasta com a dos pesquisadores

sobre mudança conceptual, uma vez que consideram que as crenças incluem não só

aspectos cognitivos como afectivos. Com efeito os sócio-psicólogos consideram

crenças, atitudes, motivação, esforço e emoção como aspectos da cognição.

Entre os vários modelos de mudança de crença e de atitude que foram desenvolvidos

encontra-se o ELM elaboration likelihood model de Petty e Cacciopo (1986).

O ELM sugere que mudanças relativamente permanentes nas crenças podem ser

conseguidas através de um processamento profundo de informação e uma avaliação

atenta das questões e argumentos envolvidos numa mensagem. Admite, por outro lado,

que um processamento artificial da informação conduz a mudanças temporárias de

pontos de vista.

O ELM como afirmam G Sinatra e J. Dole, citados por B.Guzzeti (1998), apresenta

duas vantagens:

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 54

a) considera os factores afectivos importantes no processo de mudança conceptual

b) admite a multi-dimensionalidade dos factores afectivos incluindo neles: o interesse,

a motivação, a necessidade de conhecer, a de ser premiado pelo resultado, etc. Este

ponto de vista multidimensional dos factores afectivos ajuda a explicar diferentes

reacções e comportamentos à luz da informação em conflito.

"A grande limitação do ELM, segundo Eagly & Chaiken, citados por Guzetti 1988,

reside no facto de não explicar como os indivíduos realizam mudanças cumulativas nas

suas crenças, limitação comum à maior parte dos modelos psico-sociais".

Na medida em que se baseia num trabalho realizado pelos alunos, em grupo, a

perspectiva sobre mudança conceptual que adoptei na minha investigação está em

consonância, por um lado, com a perspectiva sociocultual preconizada por Kelly e

Green que considera que a mudança conceptual é um processo socialmente construído,

por outro lado, a minha pesquisa está também informada pela perspectiva psico-social

proposta por G. Sinatra e J. Dole pelo facto de ter desenvolvido o meu trabalho numa

área científica (regulação dos cíclos sexuais no homem e na mulher) para a qual os

estudantes de 15 e 16 anos se encontram, naturalmente, motivados e interessados. Foi,

portanto, minha preocupação não me cingir, unicamente, a uma perspectiva

epistemológica, à qual a adopção do modelo de Posner e colaboradores naturalmente me

ligou, e valorizar também a influência dos factores afectivos evidenciada pelos trabalhos

de Pintrich, Marx e Boyle.

Depois de analisados e discutidos os processos de mudança conceptual, definidas as

condições necessárias à viabilidade da mudança conceptual na sala de aula, analisado e

discutido de forma crítica o modelo de ensino adoptado, procedi a uma análise geral das

estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança conceptual. Esta análise teve

como objectivo fundamentar a escolha da estratégia que decidi adoptar.

Estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança conceptual

Os primeiros autores de estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança

conceptual viam nos pontos de vista dos estudantes, relativos a um determinado

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 55

domínio do conhecimento, um impedimento à aprendizagem e, desta forma,

consideravam que a aprendizagem consistiria em eliminar os conhecimentos prévios dos

estudantes e em substituí-los pelos pontos de vista da comunidade científica.

Pesquisas posteriores, levaram os investigadores a considerar que os estudantes

constroem novos conhecimentos com base na revisão dos seus conhecimentos prévios; e

mostraram também que estes têm um importante papel no reconhecimento dos dados

anómalos e na proposta de problemas pelos estudantes.

A análise de literatura leva-nos a considerar dois tipos fundamentais de estratégias:

1 As que se baseiam no conflito cognitivo e na resolução dos pontos de vista em

conflito.

2 As que partem das ideias do estudante e as alargam a outros domínios do

conhecimento recorrendo, por exemplo, a analogias ou metáforas.

A premissa subjacente a todas as estratégias de ensino mencionadas é a de uma

aprendizagem encarada não como uma acreção de nova informação mas como um

processo de desenvolvimento conceptual; esta atitude implica que as estratégias de

ensino/aprendizagem que nela se fundamentam tenham como objectivo propor

caminhos através dos quais as explicações dos estudantes se vão progressivamente

aproximando das que são adoptadas pela comunidade científica; como consequência o

ensino para uma aprendizagem por mudança conceptual induzirá nos estudantes uma

visão mais científica do mundo. Esta perspectiva de aprendizagem radica na

epistemologia construtivista cuja ideia básica é a de que toda a aprendizagem é um

processo de construção pessoal e que os estudantes, quando lhes é dada oportunidade,

construirão uma concepção cientificamente ortodoxa, se compreenderem que a

concepção científica é superior.

A concretização das estratégias de ensino para uma aprendizagem por mudança

conceptual exige, à partida, que o professor faça uma tripla reflexão (Driver, Asoko,

Scott, 1991); esta reflexão implica decisões a três níveis dizendo respeito,

respectivamente, ao ambiente da sala de aula, à sequência de acções através das quais se

vai desenvolver a estratégia e à escolha de tarefas específicas de aprendizagem.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 56

O ambiente na sala de aula constitui um suporte básico para uma aprendizagem por

mudança conceptual, na medida em que é indispensável dar oportunidades aos alunos

para discutirem e analisarem argumentos e pontos de vista alternativos.

É também fundamental que o professor elabore, antecipadamente e de forma flexível,

um plano de actividades e escolha criteriosamente as tarefas especificas de

aprendizagem que considerar desejável que os alunos realizem.

1 Estratégias de ensino baseadas no conflito cognitivo e na sua resolução

Estas estratégias podem ser vistas como derivadas do ponto de vista piagetiano que

considera fundamental a acção do estudante na reorganização do seu conhecimento e,

desta forma, enfatiza a importância da acomodação na aprendizagem.

O conflito cognitivo pode ser suscitado através de acontecimentos discrepantes

(Nussbaum e Novick, citados por Driver, 1991) ou através de um confronto entre ideias

(Stavy e Berkovitz, citados por Driver 1991); em qualquer dos casos o conflito é criado

pela colocação do aluno em situações onde as suas ideias sobre um determinado tema

são tornadas explícitas e contestadas directamente.

O momento em que o conflito ocorre varia nas diferentes estratégias:

o conflito é introduzido num estado precoce de uma sequência de aprendizagem

(Nussbaum e Novick 1982);

é introduzida uma alternativa e o conflito só é salientado mais tarde ( Rowel e

Dawson).

a) Acontecimentos discrepantes Dos autores que perfilham este ponto de vista

destaco Nussbaum e Novick (1982) que sugerem uma sequência de ensino baseada

na noção piagetiana de acomodação. Através desta sequência são detectadas as

concepções alternativas dos estudantes e estes são estimulados a tomarem

consciência da sua estrutura cognitiva; em seguida é criado um conflito cognitivo

pela confrontação do estudante com um acontecimento discrepante; finalmente os

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 57

alunos são encorajados a criarem um novo modelo conceptual compatível com o

ponto de vista aceite pela ciência. Nussbaum e Novick consideram que as estratégias

que utilizam acontecimentos discrepantes são estimulantes e motivadoras mas de

sucesso reduzido, no que respeita a promoverem mudança conceptual e admitem

que a mudança conceptual mais consequente é um processo evolutivo, mas não

revolucionário.

b) Conflito entre ideias Entre as metodologias preconizadas nesta perspectiva

destacamos as de Stavy e Berkolovitz (1980); Cosmogrove e Osborne (1985)

Champagne, Gunstone e Kopler (1985) Rowell e Dawson (1985) e Sequeira e

Duarte (1991):

Stavy e Berkolovitz (1980) desenvolveram uma estratégia em que o conflito é

produzido entre duas estruturas cognitivas ligadas com a mesma realidade: eles

exploraram o conflito entre dois sistemas de representação que as crianças utilizam para

descrever temperatura o sistema qualitativo-intuitivo e o sistema numérico-intuitivo.

Estes autores concluíram que a criação do conflito fez aumentar a compreensão que os

estudantes tinham do conceito de temperatura.

Cosmogrove e Osborne (1985) fizeram uma proposta de ensino para aprendizagem

generativa Generative Learning Model of Teaching desenvolvida em quatro fases: numa

fase preliminar o professor necessita de compreender o seu próprio ponto de vista, o do

estudante e o do cientista; na segunda fase, os estudantes empenham-se na clarificação

dos seus pontos de vista sobre o conceito contextualizando-o, de preferência, na vida

real; na terceira fase, os estudantes discutem os seus pontos de vista e o professor

introduz o ponto de vista científico, sempre que se mostre necessário; na última fase os

alunos aplicam as novas ideias em vários contextos.

Champagne, Gunstone e Kopler (1985) desenvolveram uma estratégia baseada no

diálogo que designaram Ideational Confrontation destinada especificamente a alterar os

conhecimentos declarativos dos estudantes dentro de um domínio específico do

conhecimento. Estes autores sugerem que a discussão implica necessariamente que os

estudantes considerem os pontos de vista uns dos outros e, se essa discussão permitir

relacionar a situação em estudo com situações da vida real, os autores, consideram essa

discussão como significativamente motivadora de mudança conceptual.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 58

Rowell e Dawson (1985) propuseram uma estratégia em que advogam, explicitamente,

que as ideias que os estudantes debatem devem ter origens diferentes, por exemplo: nas

dos colegas, nas do professor e no texto científico. Estes autores propõem a introdução

da concepção científica antes de ser resolvido o problema resultante da confrontação

entre as ideias prévias e as novas concepções.

No modelo de ensino proposto por Sequeira e Duarte (1991) o conflito cognitivo ocorre

na fase de discussão e resulta da confrontação de diferentes resultados obtidos pelos

alunos, individualmente ou em grupo, e/ ou da insatisfação dos estudantes com o poder

explicativo das suas ideias, quando são colocados perante um determinado fenómeno ou

situação problemática. Segundo os autores deste modelo são os próprios alunos,

defensores de determinadas ideias, que devem propor e realizar (quando isso é possível)

experiências que permitam testá-las. A aplicação deste modelo foi concretizada pelos

seus autores através de um estudo piloto efectuado com 100 alunos portugueses do 5º

ano de escolaridade e procurou levar à prática uma estratégia de ensino orientada para a

mudança conceptual dos alunos que teve em conta as suas concepções alternativas. Os

resultados deste estudo mostraram, efectivamente, que a estratégia de ensino

preconizada pelo modelo conduz a uma aprendizagem mais eficaz dos conceitos

científicos relativos às "propriedades e ao modelo corpuscular do ar" do que a obtida

com a estratégia tradicional (1991).

Na minha investigação suscitei o conflito cognitivo só depois dos alunos, em grupo,

terem proposto problemas e elaborado hipóteses para a solução destes problemas. Estas

hipóteses eram fundamentadas na análise e discussão da regulação dos ciclos sexuais no

homem e na mulher que os alunos tinham realizado em grupo. Suscitei o conflito

cognitivo apresentando uma situação anómala verificada no Bangladesh onde ao uso de

9% de contraceptivos pela população feminina corresponde uma taxa de natalidade que

seria esperada, se esse uso correspondesse a uma percentagem de 43% por aquela

população.

Introduzi o conflito da forma mencionada porque tomei em consideração a

recomendação de alguns autores, entre eles Stavy, (1991) que expressou a opinião de

que as estratégias de conflito cognitivo podem causar uma perda de autoconfiança dos

estudantes.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 59

A escolha de uma anomalia fortemente contrastante com o que seria normal acontecer,

foi intencional. Este procedimento decorreu da análise que fiz do trabalho de Chinn e

Brewer (1993), onde estes investigadores discutiram exaustivamente o papel dos dados

anómalos na aquisição do conhecimento científico e as reacções dos estudantes a estes

dados, e verificaram existir uma similitude entre o procedimento dos estudantes e o dos

cientistas.

Efectivamente, as reacções que os estudantes podem evidenciar na presença de dados

anómalas é similar à dos cientistas uma vez que vai desde: ignorarem ou rejeitarem os

dados, declararem que não têm relação com o que estão a tratar, até à decisão de que

mais tarde se irão debruçar sobre esses dados. Numa reacção mais moderada

consideram que os dados estão de acordo com as suas explicações e só raramente

admitem que têm que alterar a sua teoria explicativa, e mais raramente ainda, aceitam os

dados e mudam a sua "teoria". Perante estas atitudes prováveis dos estudantes pensei

que, para não perturbar o processo de mudança conceptual que vinha seguindo não seria

adequada a apresentação de dados que, indiscutivelmente, não se mostrassem anómalos.

Por outro lado, as responsabilidades assumidas pelos grupos perante a classe

constituíam para mim uma garantia de que os estudantes não podiam ignorar estes

dados nem remetê-los para segundo plano.

A solução do conflito cognitivo pelos alunos permitiu-me analisar as suas reacções

perante a necessidade de aplicarem os conceitos estudados a novas situações

problemáticas o que constitui um dos objectivos do meu trabalho.

As estratégias baseadas no conflito cognitivo têm sido alvo de críticas por diversos

autores, entre os quais destaco Smith, (1995) que consideram que estas estratégias

desvalorizam o papel dos conhecimentos prévios dos estudantes, uma vez que, depois

de elicitados, são substituídos pelas explicações científicas veiculadas pelo professor;

entre estas cito a estratégia desenvolvida por Champagne, Gunstone e Kopler (1983),

em que, numa fase preliminar, as concepções alternativas dos estudantes são elicitadas

com base em observações simples da vida diária que o estudante explica com as suas

concepções; estas, porém, não são vistas como uma fonte para a construção de novos

conhecimentos; o novo conhecimento acaba por ser apresentado pelo professor, cujas

explicações alternativas estão investidas, do ponto de vista dos estudantes, de um valor

científico irrefutável.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 60

Marin (1999) considera que o conflito pode não ser compartilhado pelo professor e pelo

aluno, isto é, o que o professor considera como conflito pode não ser para o estudante.

Rowel & Dawson (1990) assinalam que os estudantes por vezes encaram os exemplos

contra-intuitivos que podem ser utilizados para suscitar o conflito como meras

anomalias explicáveis por hipóteses ad hoc.

Na literatura encontrei ainda, afirmações como a de Claxton (1983): "em muitos casos o

conflito cognitivo pode não ser suficiente, nem necessário, nem sequer útil".

Na discussão que fiz do meu trabalho procurei demonstrar que a utilização do conflito

cognitivo na sala de aula pode, na minha opinião, mostrar-se altamente motivador para

os estudantes.

2 Estratégias de ensino baseadas no desenvolvimento de ideias dos estudantes

consistentes com o ponto de vista científico.

Em contraste com as estratégias que promovem conflito conceptual e requerem que os

estudantes o resolvam depois, este grupo de estratégias de ensino parte das ideias que os

estudantes possuem acerca dos tópicos em estudo. Subsequentemente, o ensino e a

aprendizagem envolvem o estudante no desenvolvimento e ampliação destas ideias em

direcção ao ponto de vista da ciência.

Uma destas estratégias foi desenvolvida por Clement e colaboradores (1987) que

recorreram a analogias para delinearem uma estratégia de ensino no campo da

mecânica, cujo objectivo é o de "aumentar o campo de aplicação das intuições úteis e

diminuir o campo de aplicação das intuições prejudiciais". O conhecimento científico é

apresentado aos alunos e estes utilizam os seus conhecimentos prévios, unicamente,

para interpretar uma situação ou uma série de situações análogas à concepção científica.

A estratégia de Clement e colaboradores desenvolve-se em quatro tempos: num

primeiro tempo os autores recorrem a uma questão destinada a explicitar as concepções

alternativas dos estudantes relativas ao tópico em estudo; em seguida o professor sugere

um caso que do seu ponto de vista é análogo e que solicita as intuições dos estudantes

este caso é designado como exemplo âncora (anchoring example) ou simplesmente

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 61

âncora e é definido como uma crença sustentada pelo estudante que é grosseiramente

compatível com a teoria científica; depois o professor pede ao estudante para explicitar

uma comparação entre a âncora e os casos em estudo numa tentativa de estabelecer uma

relação analógica; finalmente se o estudante não aceita a analogia o professor estabelece

uma série de analogias, conceptualmente intermédias entre o assunto alvo e a âncora.

Na minha investigação os conhecimentos prévios dos estudantes foram utilizados para

os alunos proporem, em grupo, problemas relativos à regulação dos ciclos sexuais no

homem e na mulher.

Uma estratégia interessante foi desenvolvida por Niedderer (1987) que trabalhou com

estudantes com idades compreendidas entre os 16 e 19 anos. O objectivo do autor da

estratégia não era substituir as teorias dos estudantes pelas teorias científicas mas levar

os estudantes a tomar consciência da existência do pensamento quotidiano e do

pensamento científico e a apreenderem os conhecimentos científicos através da

aprendizagem das diferenças entre aqueles dois tipos de pensamento.

A estratégia de Niedderer compreende seis etapas: na primeira o professor apresenta um

problema a propósito do qual os estudantes propõem hipóteses, realizam experiências e

efectuam discussões. Sempre que oportuno são feitas comparações com situações

similares assinaladas pela história das ciência.

Penso que comparativamente com as estratégias que acabei de analisar, a estratégia que

desenvolvi naquele trabalho e que se baseou em problemas propostos, pelos alunos, em

grupo, reunia à partida os requisitos essenciais para se afirmar como uma estratégia de

mudança conceptual. A discussão e análise dos resultados deu a esta suposição um

apoio substantivo.

A análise dos dados empíricos revelou-me uma mudança evolutiva e gradual dos

conceitos, que é compatível com o modelo cognitivo de desenvolvimento e mudança

conceptual que Gilbert e Watts designaram por modelo de mudança suave. Para Gilbert

e Watts, citados por R. Porlan (1993), a concepção evolutiva e ecológica de Toulmin

(1972) é a melhor exemplificação de um modelo de mudança suave. Efectivamente, a

interpretação dos resultados decorrentes da aplicação da estratégia de

ensino/aprendizagem de resolução de problemas propostos pelos estudantes mostrou-se,

consonante com os pontos de vista toulminianos.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 62

Com o objectivo de fundamentar a consonância que admiti ter encontrado entre a

interpretação dos meus resultados e a concepção evolutiva e ecológica de Toulmin vou,

de forma sucinta, caracterizar os aspectos fundamentais do pensamento toulminiano.

Começo por citar Porlan (1993) quando afirma:

"No debate epistemológico moderno, a necessidade de definir um critério de

racionalidade imparcial para avaliar a validade do conhecimento científico deparou com

duas posições extremas: a dos racionalistas que situavam esse critério na razão e a dos

empiristas e positivistas que o focalizavam nos fenómenos da natureza. Aconteceu,

porém, que a constatação histórica e psico-sociológica de uma enorme diversidade de

conceitos e formas de pensamento provocou a emergência de um potente pensamento

relativista".

Consequentemente, a ideia da existência de critérios universais para a validação do

conhecimento mostrou-se desajustada perante esta diversidade/relatividade conceptual

Esta constatação levou Toulmin a propor que os critérios formais e abstractos

considerados como paradigmas da racionalidade fossem substituídos por outros que se

mostrassem compatíveis com a multiplicidade conceptual.

Perante o antagonismo imparcialidade/diversidade do conhecimento Toulmin propôs o

macroconceito: ecologia conceptual que lhe permitiu segundo Porlan (1993)

"reconhecer que o conhecimento não é um conjunto de proposições estáticas mas um

conjunto de ideias de qualquer tipo, populações conceptuais, em desenvolvimento

histórico tanto no plano colectivo como individual".

Toulmin considerou que em cada momento existe um certo número de pessoas mais

criativas e perspicazes que apresentam ideias (variantes conceptuais) que competem

intelectualmente com as que são aceites. Destas variantes conceptuais umas serão

rejeitadas ou ignoradas e outras serão escolhidas (selecção crítica) para serem

incorporadas no património intelectual da comunidade. Esta incorporação corresponde,

na generalidade, à capacidade das variantes seleccionadas para resolverem problemas

teóricos ou práticos que surgem naturalmente Toulmin considera, portanto, que a

selecção crítica e a produção de inovações constituem o motor do desenvolvimento e da

evolução conceptual. Da conjugação dos dois factores de desenvolvimento conceptual

referidos resultará, na generalidade, a transformação lenta das populações conceptuais e

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 63

ocasionalmente a transformação rápida dessas populações; porém Toulmin considera

que esta transformação quer seja lenta ou rápida é sempre parcial e está submetida à

selecção crítica da comunidade intelectual. A argumentação de Toulmin implica

portanto, que a mudança conceptual seja encarada como um processo interactivo a nível

de grupo e não meramente uma construção individual.

Considero que os resultados da minha pesquisa se mostraram concordantes com os

pontos de vista de Toulmin na medida em que os motores do desenvolvimento

conceptual, segundo este autor, que são a selecção crítica e a inovação, tiveram

necessariamente que emergir nas condições em que os estudantes trabalharam. Na

realidade, os compromissos assumidos pelos grupos de criarem situações problemáticas

e propostas fundamentadas de soluções relativas ao tema "regulação dos ciclos sexuais

no homem e na mulher", a forma como se desenvolveu o trabalho na sala de aula

(discussões em grupo e em classe), o acesso a uma bibliografia inovadora no sentido em

que incidia sobre factos novos para os estudantes, constituíram, na minha opinião,

condições conducentes à emergência de variantes conceptuais sobre as quais foi

inevitável incidir uma selecção crítica no sentido de cada grupo apurar as propostas que

considerou adequadas. Efectivamente, a discussão dos resultados específicos levaram-

me a concluir que a mudança conceptual dos alunos foi gradual e parcial.

Ensino e aprendizagem das ciências centrado na resolução de problemas

O ensino da biologia tem, tradicionalmente, consistido numa transmissão de

conhecimentos. Durante muitos anos a biologia e as ciências em geral foram

apresentadas aos estudantes como uma colecção de factos, princípios, leis, regras e

interacções lógicas. Infelizmente, esta metodologia de ensino não se encontra ainda

totalmente afastada das nossas escolas, pelo que há que percorrer um longo caminho.

A rápida evolução que a biologia experimentou nos nossos dias transformou-a numa

ciência extremamente dinâmica carecendo, ostensivamente, de uma mudança radical na

sua metodologia de ensino e aprendizagem.

Os conteúdos dos novos programas, passaram a incluir temas de grande actualidade,

como, por exemplo, a engenharia genética e a sexualidade. Estes e outros temas

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 64

criaram, nos nossos jovens, naturais e legítimas expectativas relativamente às lições de

biologia.

Como resultado dos novos conteúdos programáticos, as aulas de biologia podem tornar-

-se num local privilegiado onde ocorrem perguntas e problemas tanto de interesse

científico como social. "O ensino da biologia requer o uso de estratégias que facilitem a

compreensão e capacitem os alunos para a resolução de problemas". (Siguenza e

Sáez,1990).

A importância que tem para a aprendizagem o facto dos estudantes fazerem perguntas,

bem como o debate a que elas naturalmente dão origem, tem sido objecto de estudo de

alguns investigadores. (Watts e Alsop,1995,citados por J.Osborne,1997).

Para Watts e Aslop (1995) as questões levantadas pelos estudantes têm uma importância

tripla. Assim, podem:

indicar áreas de compreensão e incompreensão relativas a conteúdos específicos;

revelar o envolvimento afectivo do estudante com aqueles conteúdos;

iniciar os estudantes num processo básico da construção do conhecimento

científico, dado que este se constrói pela procura contínua de respostas a

perguntas.

Como afirmou Bachelard (1938): "Todo o conhecimento é a resposta a uma questão".

A resolução de problemas, no âmbito da biologia, tem-se restringido à genética. Estes

problemas, atendendo a uma definição mais rigorosa de problema, por vezes, não o são

verdadeiramente, na medida em que apenas exigem a recordação de algumas noções

(por exemplo: genótipo e fenótipo) e a utilização de um simples algoritmo.

"Desenvolver a capacidade para reproduzir um padrão e fazê-lo apropriadamente pode

ser, com efeito, aprendizagem mas a execução e resolução do trabalho não é resolução

de problemas" (Smith,1988 citado por Siguenza e Saez,1990).

A resolução de problemas implica, primeiramente, definir com clareza o problema e, em

seguida, traçar uma estratégia conducente à solução do mesmo. Esta situação de

aprendizagem requer que o estudante realize uma série de actividades que implicam pôr

em jogo os seus conhecimentos prévios bem como uma compreensão adequada do

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 65

campo do conhecimento a que o problema pertence. Entre essas actividades destaco a

necessidade de:

seleccionar e organizar informação;

analisar e comparar várias combinações e possibilidades;

raciocinar até ao limite das capacidades, o que faz da resolução de problemas

uma estratégia de ensino-aprendizagem dirigida para a compreensão, dado que a

compreensão é um dos objectivos básicos da aprendizagem das ciências.

Considero ser do maior interesse que outros temas biológicos, além da hereditariedade,

sejam leccionados através de estratégias de ensino/aprendizagem focalizadas na

resolução de problemas, como, por exemplo, os temas curriculares relativos à

sexualidade e engenharia genética. Estes temas proporcionam também oportunidades

para os estudantes encontrarem uma relação estreita entre o que é aprendido na aula e o

que é necessário fora dela. Esta relação é um dos aspectos enfatizados no que, em

ciências de educação, se designa por "aprendizagem contextualizada".

(J.Anderson,H.Simon,1996).

Os problemas abordados nas salas de aula são geralmente problemas cuja solução é

conhecida pelo professor (problemas artificiais) e que têm uma só solução (problemas

fechados). "A utilização deste tipo de problemas visa, geralmente, dois objectivos:

a compreensão de um determinado tema curricular através da utilização deste na

resolução do problema;

a preparação para a resolução de problemas reais". (Siguenza, e Saez,1990).

Estudos de raiz psicológica sobre ensino/aprendizagem evidenciaram o papel

fundamental da resolução de problemas na aprendizagem, e em particular na construção

do conhecimento. Estes estudos levaram também à conclusão que a aprendizagem

humana, desde a criança à idade adulta, se processa através de uma contínua resolução

de problemas. (Lopes e Costa,1996).

Muitos têm sido os investigadores que se têm debruçado sobre o ensino-aprendizagem

focalizado na resolução de problemas. No campo da física são, relativamente,

numerosos os estudos sobre este tema e entre outros investigadores destacam-se:

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 66

(Watts e Gilbert,1989; Lock,1990,1991;Watts,1991; Stinner,1990; Stewart e

Hafner,1991; Gil Perez,1988,1990,1992, citados por Lopes e Costa 1996).

No campo da biologia, é mais reduzido o número de investigações.

Entre os modelos de resolução de problemas apresentados nestas investigações, cito o

que foi desenvolvido pelo Departamento de Educação do estado de Nova York aplicável

a crianças dos 7 aos 11 anos em que são consideradas duas fases fundamentais na

resolução dos problemas Definição do Problema e Processo de Resolução. A partir

deste modelo, Murphy e Gott, 1984 construíram um modelo cíclico aplicável a alunos

entre os 13 e os 15 anos

O modelo que, em parte, foi seguido na minha tese de doutoramento foi o que Peterson

e Junck (1988) propuseram para que os alunos de biologia da última fase do ensino

secundário realizem actividades no laboratório. A proposta do modelo surgiu da

insatisfação dos autores com o ensino tradicional.

Estes autores consideram que, seguindo uma metodologia de trabalho similar à que os

cientistas utilizam, os estudantes aprendem não só conhecimentos declarativos como

conhecimentos processuais.

O modelo de Peterson e Junck tem como linhas mestras:

um ponto de vista construtivista da aprendizagem;

o desenvolvimento, na sala de aula, de raciocínios similares aos que os cientistas

desenvolvem quando realizam as suas investigações.

Estes autores designaram o seu modelo por 3Ps. Esta designação significa problem

posing (propor problemas); problem probing (investigar problemas) e Peer persuasion

(poder persuasivo dos colegas).

Estes autores admitem que uma das actividades do estudante é propor problemas. Para

realizarem esta actividade, os estudantes necessitam de utilizar os seus conhecimentos

prévios como meio que lhes possibilite reconhecerem no contexto de um determinado

tema curricular, o que podem considerar como um problema. Os dados anómalos nesta

fase podem desempenhar um papel relevante e, por si, mesmo, podem ser motivo para

os alunos proporem problemas.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 67

Na segunda fase, os alunos desenvolvem várias actividades, tais como: selecção e

organização de informação; actividades laboratoriais; formulação de hipóteses

explicativas para o problema em estudo, etc.

A discussão com os colegas é uma fase crucial deste modelo de ensino/aprendizagem.

Esta discussão processa-se ora em pequenos grupos, ora com todos os grupos presentes.

Nesta área da pesquisa, os investigadores estão convencidos que uma das formas dos

estudantes aprenderem ciência é desenvolverem uma “actividade semelhante” à dos

cientistas; estão também convictos que a aprendizagem está alicerçada na resolução de

problemas. (Stewart e Hafner,1991; Jonhson e Stwart,1990; Finkel, 1993 citados por

J.Lenberger,1995).

Gil Perez (1993) apresentou um "modelo de ensino/aprendizagem por investigação" no

qual os problemas e a sua resolução ocupam um lugar central. Este modelo assenta na

metáfora da equipa de investigação em que a liderança é desempenhada pelo professor;

como numa equipa de investigação, há um perito (o professor) e os seus colaboradores

(os alunos).

Gil Perez critica o reducionismo conceptual de que, segundo a sua opinião, enfermam

os modelos de ensino/aprendizagem por mudança conceptual e advoga a necessidade,

não só de uma mudança conceptual, mas também de uma mudança metodológica.

No mesmo sentido, Duschl e Gitomer (1991 citados por G.Perez) afirmam: "se temos de

produzir uma reestruturação radical dos conceitos, o que constitui o equivalente pessoal

da ideia kuhniana de revolução científica, parece que deveríamos ensinar também os

conhecimentos processuais implicados".

G.Perez considera que levar os alunos a explicitar as suas ideias, para que tomem

consciência de que elas estão em conflito com as ideias científicas, é um processo

artificial que não corresponde ao que se passa quando se constrói conhecimento

científico. Efectivamente, as ideias iniciais dos investigadores podem ser questionadas e

experimentar mudanças, contudo estas mudanças não são um fim em si mesmo, mas um

processo ao serviço da resolução de problemas de interesse para os investigadores.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 68

"O tratamento científico dos problemas implica tomar as ideias que temos mesmo a

que nos parecem mais seguras e óbvias como simples hipóteses de trabalho".

(G.Perez,1993).

De acordo com uma perspectiva construtivista da aprendizagem como afirmaram, Gil

1982, Martinez e Torregosa 1983; Driver e Oldham 1986; Burbules e Linn 1991,

Wheatley 1991; a estratégia de ensino que se mostra mais coerente é o estudo de

situações problema que os alunos considerem verdadeiramente interessantes.

O verdadeiro interesse do estudante pelo problema que se propõe realizar é de

importância crucial, pois não faltam evidências de "falsos interesses". Por vezes estes

interesses não são mais do que um "tudo vale" para obter uma boa classificação. E aqui,

mais uma vez, insisto na importância do ambiente na sala de aula. Só uma relação

franca e aberta entre os professores e alunos pode constituir suporte natural para que as

opções dos estudantes correspondam sempre aos seus verdadeiros interesses. Este

desiderato só poderá ser conseguido com uma revisão profunda do processo de

avaliação dos alunos.

A estratégia de ensino para uma aprendizagem como investigação, proposta por

G.Perez, 1993, como já afirmámos centra-se na resolução de problemas e comporta

quatro fases: (G. Perez,1993)

1. Propor situações problemáticas que gerem interesse.

2. Propor aos estudantes o estudo qualitativo das situações problemáticas apresentadas.

3. Orientar o tratamento científico dos problemas propostos.

4. Propor a utilização dos novos conhecimentos noutras situações.

Na opinião de Gil Perez esta estratégia não exige, como pode parecer à primeira vista,

uma contínua actividade laboratorial, o que não seria exequível e desejável. Segundo

este autor, o reducionismo experimental é também uma perspectiva artificial.

Efectivamente, a construção do conhecimento científico pelos investigadores tem

subjacente muita leitura e audição de exposições de pessoas qualificadas na área de

conhecimento, onde a investigação se enquadra.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 69

O trabalho em grupo no contexto da sala de aula tem sido, de acordo com estudos

realizados, uma estratégia de ensino/aprendizagem subtilizada. "....O significado do

trabalho de grupo era mais mítico do que real..." (Sands,1981 citado por

J.Osborne,1997).

Considero que o trabalho dos alunos, em grupo, é um dos factores fundamentais para a

criação das condições necessárias a uma aprendizagem holística na medida em que

dinamiza e possibilita todo um conjunto de interacções, retroacções intercâmbios que

são a matriz de um processo de ensino/aprendizagem alicerçado na epistemologia

construtivista.

Referências ao carácter cooperativo da aprendizagem são também feitas por outros

autores:

"A construção do conhecimento científico é uma construção social que envolve

frequentemente um trabalho de equipa" (Cheung e Taylor, 1991; G.Perez,1993; Watts,

1991 citados por Lopes e Costa, 1996).

Dado que o encontro com informação contraditória está no coração da aquisição do

conhecimento científico, as investigações sobre estratégias de ensino/aprendizagem

focalizadas na resolução de problemas são indissociáveis das realizadas sobre o papel

dos dados anómalos na construção daquele conhecimento. Efectivamente, em muitos

casos, os problemas surgem porque as explicações dos estudantes não respondem

satisfatoriamente a situações que não lhe são familiares.

As reacções que os estudantes podem evidenciar na presença de dados anómalos é

similar à dos cientistas, uma vez que vai desde o facto de ignorarem ou rejeitarem os

dados; declararem que não têm relação com o que estão a tratar, até à decisão de que

mais tarde se irão debruçar sobre esses dados. Numa reacção mais moderada, os

estudantes consideram que os dados estão de acordo com as suas explicações e só

raramente admitem que têm que alterar a sua teoria explicativa e, mais raramente ainda,

aceitam os dados e mudam a sua teoria. (Chin e Brewer 1993).

Quanto à dificuldade que os estudantes têm em modificar as suas ideias, quando

confrontados com dados anómalos, Chin e Brewer verificaram que se os estudantes

considerarem que o conhecimento científico é de natureza factual e não uma construção

terão mais dificuldade em modificar as suas explicações.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 70

Aqueles autores, verificaram também, que a forma como os estudantes trabalham os

dados anómalos é função do interesse que têm na tarefa que estão a executar, assim

como, se estão ou não na expectativa de justificar o seu raciocínio; e analisam mais

profundamente a informação anómala se tiverem a responsabilidade de se justificarem.

O encontro dos estudantes com informação que contradiga as suas explicações intuitivas

poderá constituir motivo de discussão com os colegas, e, desta forma, dinamizar o

trabalho dos estudantes em pequenos grupos. Simultaneamente, poderão surgir

condições que propiciem o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes. O

desenvolvimento deste tipo de pensamento constitui uma das responsabilidades do

professor de ciências. "Durante o processo de aprendizagem dos conteúdos o papel do

educador dever-se-á distinguir não só pelo controle da construção de conhecimento

específicos, mas também, pela responsabilidade de desenvolver simultaneamente a

atitude crítica de quem aprende" (Laburu e outros, 1996).

O que deve ser considerado como um problema na sala de aula tem sido objecto de

discussão entre os vários autores que se têm dedicado a este domínio de pesquisa em

Ciências da Educação.

No campo da biologia é, geralmente, admitido que, quando os alunos determinam as

proporções genotípicas e fenótipicas previstas pelas leis de Mendel para um

determinado cruzamento, estão a resolver um problema. Não concordo que situações

como esta e outras similares constituam na realidade um problema, uma vez que para a

sua solução os alunos necessitam, unicamente, de recorrer a conceitos que tenham

memorizado e de utilizar um simples algoritmo, o que significa que, para resolverem o

problema, necessitam unicamente de cumprir um conjunto pré-determinado e bem

definido de regras.

G. Perez e outros autores consideram como problema uma situação que apresenta

dificuldades para as quais não se visualizam soluções evidentes, esta forma de definir

problema é obviamente subjectiva pois como afirmou Garrett (1986) "cada indivíduo,

dependendo do seu conhecimento pessoal, personalidade, e das estratégias ou recursos

de que disponha, verá uma dada situação como um problema ou como um puzzle"; na

sala de aula esta subjectividade pode resultar extremamente ambígua e geradora de

desentendimentos. Perante estas dificuldades concordo com Siguenza quando afirma

"ser mais apropriado, no contexto educativo, considerar que o problema, como

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 71

estratégia de ensino, se deve definir em si mesmo pelas etapas que a sua solução

comporta, e não pelas dificuldades que apresenta para a pessoa que o enfrenta".

Voltando aos "problemas" de genética e tendo presente que o objectivo da resolução de

problemas no ensino das ciências é facilitar a compreensão, resulta que os referidos

"problemas" não se adequam a este objectivo; efectivamente, apresentam-se como

situações em que não é requerido que o estudante faça uma planificação no sentido de

obter, seleccionar, e organizar os dados, bem como a sua análise e interpretação; etapas

estas que o aluno teria necessariamente de considerar para obter uma resposta correcta,

se realmente estivesse a resolver um problema.

Na área da investigação do ensino/aprendizagem centrado na resolução de problemas é

de interesse identificarmos o tipo de problema que estamos a tentar desenvolver na sala

de aula.

De uma forma sintética e de acordo com a classificação de Frazer (1982) citado por

Sigüenza, os problemas podem ser de dois tipos: reais e artificiais. Os problemas

artificiais são aqueles em que a pessoa que o apresenta, o professor ou o autor do livro,

conhece a solução. Os problemas reais são aqueles para os quais não se conhece a

solução que pode até não existir.

Em função da natureza da solução os problemas artificiais podem ser: fechados e

abertos. Os primeiros têm uma única solução e os segundos um número variável de

soluções.

Os problemas propostos pelos alunos, na minha investigação têm várias soluções pelo

que são problemas abertos.

Recordo alguns dos problemas propostos pelos alunos para justificar a classificação que

deles fiz no parágrafo anterior:

Como é que o organismo humano é capaz de controlar a fertilidade e a

esterilidade?

Admitindo a possibilidade de contracepção hormonal, qual a sua actuação e

repercussão no organismo?

Como é feita a regulação hormonal da fertilidade?

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 72

Qual a diferença a nível hormonal entre uma mulher fértil e uma mulher estéril?

As explicações que os alunos apresentaram estão correctas à luz dos conhecimentos

científicos actuais. No entanto, como resultado da metodologia que adoptei nas aulas

eles não ignoram que são explicações prováveis e provisórias.

A reconhecida carência de raciocínio formal nos jovens e a necessidade imperiosa do

seu domínio tem dinamizado a utilização de estratégias de desenvolvimento de

operações formais, de que a aprendizagem como investigação é um exemplo.

Efectivamente, a capacidade de análise e comparação de várias combinações e

possibilidades é uma operação formal que está no cerne das actividades conducentes à

resolução de problemas.

A concretização das actividades de resolução de problemas, no ensino, exige como

afirmam A. Carre e M. Goffard (1993) uma competência dupla: "é necessário conhecer

bem a disciplina para tratar o problema mas é também necessário, além disso, ter um

profundo conhecimento didáctico". Este conhecimento didáctico capacita o professor

para antever as reacções possíveis dos estudantes face a uma dada situação e preparar os

argumentos ou as novas questões ou até mesmo novas situações de estudo a propor.

Segundo os mesmos autores, o conhecimento didáctico do professor permitir-lhe-á

também antever as dificuldades dos estudantes para as quais deverá procurar as causas

profundas e encontrar as directrizes que ajudarão os estudantes a ultrapassar essas

dificuldades. Consequentemente, o conhecimento das concepções alternativas dos

alunos, dos modos de raciocínio espontâneo e das teorias actuais da aprendizagem ser-

lhes-á indispensável.

J. Stuart e R. Hafner (1990) consideram que a essência da aprendizagem radica no

processo de resolução de problemas e que, enquanto decorre a actividade investigativa

inerente a este processo, os conhecimentos dos estudantes vão mudando, isto é, ocorre

mudança conceptual. Consequentemente, a fundamentação teórica e empírica destes

investigadores reveste-se da maior importância para os investigadores sobre

aprendizagem como mudança conceptual,

Os trabalhos empíricos que vou referir, bem como a minha investigação, tiveram como

referenciais teóricos a epistemologia construtivista e estão informados por uma

concepção de pesquisa científica que privilegia a produção e desenvolvimento do

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 73

conhecimento científico ("contexto da descoberta"). Como afirmou Latour (1987),

citado por Stewart e Hanfner: science-in-the-making rather than ready-made-science.

Algumas das mais interessantes pesquisas sobre resolução de problemas têm sido feitas

no domínio da física, onde os investigadores têm explorado as diferenças no

desempenho entre principiantes e peritos e a forma como está organizado o seu

conhecimento. Chi (1981), Larkin (1980), e Simon e Simon (1978), citados por J. Stuart

e J. Kirk (1990), têm posto em evidência que o melhor desempenho dos peritos na

resolução de problemas é devida mais às diferenças de como o seu conhecimento está

organizado do que ao seu maior grau de informação.

Os trabalhos empíricos de Larkin (1980) e Chi e colegas (1982), descritos por R.Garrett

1986 também se centraram nas diferenças do desempenho entre peritos e principiantes e

os seus resultados corroboram as conclusões apontadas por Stuart e Kirk .Assim, Larkin

verificou que a análise qualitativa geral que precede o tratamento de uma situação

problemática era uma fase esquecida pelos principiantes.

Chi e outros solicitaram a alguns principiantes e peritos que separassem problemas,

utilizando o critério que eles considerassem mais apropriado. Como resultado, os

principiantes utilizaram características de "estrutura superficial" (objectos, diagramas,

conceitos) enquanto que, em contraste, os peritos empregaram aspectos de "estrutura

profunda" (as leis envolvidas na situação que estavam a analisar).

Pela combinação dos resultados de Larkin e outros. com os de Chi e outros,

Champagne; Gunstone e Kopler (1982) puderam inferir as diferenças principais entre as

estratégias utilizadas pelos peritos e os principiantes, quando colocados perante uma

situação problemática:

a) Os peritos empregam um esquema de análise mais amplo e integrado quando

comparado com o esquema naife utilizado pelos principiantes;

b) Os peritos utilizam um período extra de análise qualitativa antes de partirem para

uma análise mais detalhada do problema, esta fase não era considerada pelos

principiantes.

Os estudos que acabo de referir tornaram evidente que os peritos têm um amplo e bem

organizado repertório conceptual que aplicam em situações problemáticas; ao passo que

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 74

os principiantes revelam conhecimentos pouco profundos e que não estão estruturados

de forma apropriada.

J. Stuart e J. Kirk (1990) apresentaram, de uma forma mais completa e sistematizada, as

diferenças no desempenho entre peritos e principiantes, perante situações problemáticas.

Assim, os peritos:

1. Utilizam estratégias que são mais dependentes do seu domínio de conhecimento,

mais abertas a investigações futuras e mais geradoras de conhecimento.

2. Inicialmente dedicam tempo a uma análise qualitativa, incluindo tempo para

desenvolver representações do problema tanto a níveis empíricos como teóricos.

3. Aplicam princípios dependentes do domínio como parte de uma metodologia

bem definida e funcionalmente integrada.

4. Estruturam hierarquicamente o seu conhecimento.

Relativamente aos principiantes:

1. Empregam princípios sequencialmente de uma forma não planificada;

2. Usam heurísticos que são aplicáveis a um largo espectro de problemas.

J. Stuart e J. Kirk (1990) desenvolveram uma investigação sobre resolução de

problemas em genética clássica; estes investigadores utilizaram problemas cujas

soluções não podiam ser obtidas pelo uso de algoritmos, situação que não se verifica

nos livros utilizados pelos estudantes das escolas secundárias mas que permitiam que

os alunos se apercebecem que a ciência é uma actividade intelectual. Os resultados desta

pesquisa são concordantes com os de Smith e Good (1984) e Smith (1986), citados por

Stuart e Kirk, pois revelaram também que os estudantes, bem sucedidos na resolução de

problemas, começam a sua resolução investindo tempo a reescrever qualitativamente os

problemas, avaliam com frequência o seu trabalho, não são dependentes das proporções

esperadas e consideram hipóteses alternativas.

Os resultados das pesquisas de Stuart e Kirk, bem como os de Smith e Good mostram-

se consonantes com as pesquisas sobre resolução de problemas realizadas no campo da

física, o que leva os seus autores a estarem confiantes de que é possível desenvolver

uma estrutura de referência que permita melhorar o ensino da genética em todos os

Page 76: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 75

níveis educacionais. Os autores admitem ainda que a pesquisa focalizada sobre o

conteúdo de domínios específicos, quando combinada com modelos de aprendizagem e

ensino de que é exemplo o modelo de mudança conceptual de Hewson (1981), têm

grande potencial para melhorar o ensino das ciências.

Os resultados da aplicação por J. Lambert (1995) do modelo dos 3P problem posing,

problem probing e pear persuasion proposto para aulas de biologia no laboratório, num

curso de genética, fortalecem a ideia de Stewart e Hafner sobre a relação entre o

processo de resolução de problemas e a mudança conceptual. Efectivamente, J. Lambert

conduziu um curso de genética projectado para permitir aos estudantes proporem

problemas baseados em dados que eles reconheciam como anómalos. Seguidamente, os

alunos apresentaram e discutiram soluções prováveis para esses problemas. J.Lambert

constatou mudanças explícitas no status das concepções que os estudantes sustentavam

relativamente a vários conceitos genéticos importantes. Verificou ainda que as soluções

propostas foram construídas através do processo de mudança conceptual que Hewson

designou por captura conceptual.

Os trabalhos de Lambert e por outro lado o de Stuart e Hafner, apresentam-se como uma

referência substantiva. Efectivamente o trabalho de Lambert foi o único que encontrei

(2000) sobre aprendizagem por mudança conceptual em biologia; foram também as

únicas investigações que conheço no domínio desta disciplina onde os seus autores

aplicaram a "estratégia de ensino-aprendizagem por resolução de problemas". De notar

que as duas investigações incidem sobre conceitos de genética que é tradicionalmente, a

única área da biologia onde, na generalidade, se supõe que os alunos têm de resolver

problemas. O trabalho de Lambert testa o modelo de Peterson e Junck (modelo dos 3P)

que foi delineado para as aulas de biologia em laboratório.

A ideia central do modelo de G. Perez segundo o seu autor "é o tratamento de situações

problemáticas abertas de interesse para o estudante, através das quais os alunos podem

participar na construção dos conhecimentos". Este modelo assenta na metáfora da

equipa de investigação em que a liderança é desempenhada pelo professor. Como numa

equipa de investigação, há um perito (o professor) e os seus colaboradores (os alunos).

Como é óbvio o modelo destina-se aos estudantes que frequentam as classes terminais

do ensino secundário uma vez que uma actividade exploratória pré-científica é mais

consentânea com os níveis etários e académico dos estudantes mais jovens.

Page 77: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 76

Como afirmou Driver "... o desafio está em como conseguir tal processo de aculturação

com sucesso no circulo da vida normal da classe..". O trabalho científico é,

efectivamente, um trabalho em equipa onde as interacções entre as equipas e de todos

com o professor (neste contexto "o porta voz de muitos investigadores") constituem

suportes fundamentais para tornar efectiva uma orientação construtivista da

aprendizagem.

Como G. Perez, penso que o "experimentalismo" é, sem dúvida, essencial à

investigação mas que constitui apenas uma das componentes dessa actividade Os

investigadores têm necessidade de ler muito e de comunicar a fim de documentarem e

esclarecerem os seus pontos de vista. G. Perez alerta-nos para o facto deste

reducionismo experimentalista não corresponder à realidade do trabalho dos

investigadores. Consequentemente, considerei, na minha tese de doutoramento, como

um dos pontos-chave do trabalho dos alunos a análise e discussão da bibliografia

necessária à fundamentação científica das soluções dos problemas por eles propostos.

Efectivamente, a actividade investigativa tem outras componentes tais como leitura

exaustiva e audição de pessoas qualificadas na área onde a investigação se enquadra

sem as quais não é possível enfrentar a multiplicidade de questões que se lhe deparam.

G. Perez considera o seu modelo exequível, tanto em aulas no laboratório como na sala

de aula, ideia que partilho com ele por se mostrar consentânea com a realidade das

nossas escolas.

Page 78: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 77

Desenvolver a capacidade de argumentação dos estudantes: estratégia fundamental

para fomentar o pensamento sistémico dos estudantes

A capacidade de resolução de problemas pelos estudantes é indissociável das suas

competências argumentativas pelo que aprender ciência é também aprender a

argumentar de forma substantiva.

Assim, ensinar os alunos a argumentar, cientificamente, é hoje uma tarefa urgente. São

diversos os motivos que me levam a fazer esta afirmação, motivos que, seguidamente,

passo a enunciar:

A teoria cognitiva actual, admite como uma das suas ideias centrais, que a

aprendizagem é um processo de construção do conhecimento. Acontece que a

actividade científica no que se refere à produção de conhecimento é também um

processo construtivo que implica a formulação de teorias explicativas para os

diversos fenómenos. Estas teorias são provisórias e abertas, ao desafio e à

refutação dos cientistas. Assim, o conhecimento científico não resulta de uma

mera acumulação de factos imutáveis pelo que a ciência progride através de

discussão, conflito e argumentação e não através de concordância geral e

imediata. Em síntese, o discurso da ciência é eminentemente argumentativo.

Desta forma o desenvolvimento das competências próprias da argumentação

constitui-se como um objectivo relevante do ensino e aprendizagem das

ciências.

A importância das questões sócio-científicas na agenda política contemporânea

evidencia que há uma necessidade urgente de melhorar e aprofundar a

compreensão dos jovens sobre a natureza do argumento científico. Perante esta

situação emerge a necessidade das escolas treinarem os estudantes no uso de

uma racionalidade crítica e argumentativa que os capacite para virem a

desenvolver um papel activo e construtivo no desenvolvimento da própria

sociedade. Torna-se assim necessário formar cidadãos responsáveis, com

capacidade crítica, que possam avaliar a informação recebida, que estejam

conscientes do impacto dos seus procedimentos e do dos outros e que sejam

capazes de argumentar com fundamento na hora de tomarem decisões.

Page 79: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 78

O trabalho de Kuhn(1991) revelou que para uma maioria esmagadora de

pessoas, o uso de argumentação válida não surge naturalmente mas é adquirido

unicamente através da prática. Mais recentemente (Hogan & Maglienti, 2001;

Zohar & Nemet, 2002) chegaram a conclusões similares. A análise destas e de

outras investigações aponta para a necessidade da argumentação se tornar um

objecto de estudo e desta forma um conteúdo a ensinar e a aprender nas nossas

escolas.

Estudos prévios sobre argumento

Nas últimas décadas numerosos estudos incidiram sobre a análise do discurso

argumentativo em contextos educativos (ex: Driver, Newton, & Osborne, 2000;

Duschul, Ellenbogen & Erduran, 1999; Erduran, 2006; Kelly & Takao, 2002; Jimenez

Aleixandre, Rodriguez, & Duschl, 2000). Estes estudos evidenciaram a importância do

discurso na aquisição do conhecimento científico (Boulter & Gilbert, 1995; Pontecorvo,

1987; Schwarz, Neuman, Gil, & Ilya, 2003) e no desenvolvimento de hábitos de “pensar

ciência” (ex: Kuhn, 1970) ., 1996). Os trabalhos de Deanna Khun (1992) revelaram que

o desenvolvimento das destrezas argumentativas não ocorre igualmente em todos os

ambientes de aprendizagem (1992) assumindo particular interesse os contextos que

tenham relevância para a vida dos estudantes. Os trabalhos de Deanna Kuhn revelaram

também que o uso de argumentos válidos não é uma capacidade inata mas que só se

adquire pela prática.

Zohar e Nemet (1998, Nov, 1998) integraram o ensino explícito da argumentação no

tema “dilemas em genética humana” e verificaram que a performance dos estudantes

melhorou tanto no conhecimento científico como na capacidade de argumentação.

Nussbaum, M. e G. Sinatra (2003). Verificaram que estudantes que foram solicitados

para argumentar sobre uma explicação alternativa de um problema de física (a

explicação científica) mostravam melhor fundamentação da sua explicação que os

participantes de um grupo control que foram solicitados a resolver o problema sem

argumentação.

Apesar destes esforços, o discurso argumentativo autêntico é pouco praticado nas aulas

de ciências (Driver, Newton, & Osborne 2000). Em vez disso, a ciência é apresentada

Page 80: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 79

como uma colecção de factos que os estudantes lêem e memorizam. Na melhor das

hipóteses, os estudantes realizam experiências nas quais seguem directrizes para

confirmar a compreensão do que aprenderam (Rudolph & Stewart 1998). Mais

especificamente, na maior parte das classes, é dominante um ponto de vista positivista

da ciência, sendo esta olhada como uma matéria em que há respostas certas que

emergem de dados incontroversos. (Driver e outros 2000). Efectivamente, ao longo do

tempo, as teorias científicas mudam, e é através da argumentação científica que o

conhecimento é testado com o objectivo de encontrar as explicações mais viáveis

(Driver e outros. 2000). Consequentemente, o ensino da ciência não deverá consistir na

transmissão de um conjunto de factos conhecidos e definitivos. Ensinar assim não é só

irrealista como também é uma forma autoritária de ensinar ciência.

Treinar os estudante nas práticas argumentativas é permitir-lhes ver que a ciência é um

processo em trânsito no qual as ciências são questionadas, e muitas vezes mudadas ou

revistas (Deihl 2000). Argumentar cientificamente, envolve “propor, sustentar, criticar,

avaliar e refinar ideias, algumas das quais podem conflituar ou competir, acerca de um

assunto científico”. (Shin & McGee 2003). Com esta metodologia o objectivo a atingir é

que os estudantes se tornem capazes não só de constatar factos e emitir hipóteses, mas

também de através de evidencia justificarem e defenderem as suas ideias quando

confrontadas com as dos seus pares.

Resulta das investigações citadas que a argumentação é uma forma de discurso que

necessita ser apropriada pelos estudantes e explicitamente ensinada através de ensino

adequado, trabalho estruturado e construção de modelos.

Definição de Termos

Passo a analisar, segundo diversos autores, o significado de alguns termos que considero

conterem conceitos chave no desenvolvimento das capacidades argumentativas de

qualquer individuo.

Segundo Sibel Erduran (2006) o termo argumento refere-se à essência das teorias,

dados, justificações e backings que contribuem para o conteúdo do argumento;

argumentação refere-se ao processo de associar aqueles componentes; desempenha um

papel central na construção de explicações, modelos e teorias.

Page 81: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 80

De acordo com van Eemeren e al (1987) a argumentação é uma actividade social,

intelectual verbal e não verbal utilizada para justificar ou refutar uma opinião,

consistindo de um conjunto específico de declarações dirigido para obter a aprovação de

um ponto de vista particular por um ou mais interlocutores.

Para Jiménez Aleixandre, M P. (2003) argumentação é a capacidade de relacionar dados

e conclusões, e avaliar enunciados teóricos à luz dos dados empíricos ou provenientes

de outras fontes.

Para Jiménez Aleixandre (2004) pensamento crítico é a capacidade de desenvolver uma

opinião independente, de reflectir sobre a realidade e de participar nela.

Para Krummheuer (1995) o argumento é o esclarecimento intencional de um raciocínio

durante ou após a sua elaboração.

Crenças ou concepções implícitas são aqueles pontos de vista que não tendo sido

elaborados conscientemente, funcionam como pressupostos óbvios sem os quais não

fariam sentido os nossos procedimentos.

Metacognição capacidade para pensar sobre o seu próprio pensamento e sobre o

pensamento dos outros.

Representações são sínteses mentais de informações com uma sobrecarga afectiva

variável e que a pessoa constrói mais ou menos conscientemente em função da

dialéctica bipolar sujeito/objecto. Constituem as estruturas subjacentes a todo o

processo de construção do saber.

Segundo Driver, R (2000) os argumentos podem ser retóricos, dialógicos, racionais e

persuasivos os primeiros são razões para convencer o auditório; utilizam-se muitas

vezes no ensino; os segundos examinam distintas alternativas; são os de maior interesse

para a análise do discurso. Com os racionais procura-se uma solução racional para um

problema determinado e com os persuasivos pretende-se chegar a um consenso.

Segundo Duschl e Ellenbogen (1999), a argumentação é geralmente reconhecida sob

três formas: analítica, dialéctica e retórica, sendo que as duas primeiras são baseadas na

apresentação de evidências, enquanto a última se baseia na utilização de técnicas

discursivas para a persuasão de uma plateia a partir dos conhecimentos apresentados

pela mesma.

Page 82: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 81

Argumentação e ensino das ciências

O ensino/aprendizagem da ciência não é unicamente um processo de construção

individual, uma vez que o conhecimento científico não é alguma coisa que o estudante

possa descobrir por ele próprio, dado que a aprendizagem da ciência implica processos

individuais e sociais:

a) Processos individuais na medida em que é necessário que sejam proporcionadas

aos alunos situações a partir das quais as matérias programáticas tenham para eles

uma significação que se interliga e dá sentido às suas vidas reais. Neste processo, as

estruturas conceptuais dos estudantes ir-se-ão transformando, por reestruturações

sucessivas, em estruturas cada vez mais adaptativas e, consequentemente, mais

elaboradas.

b) Processos sociais no plano social, a aprendizagem das ciências implica que os

estudantes sejam introduzidos numa nova forma de discurso através da qual terão

acesso aos conceitos, aos símbolos e às convenções da comunidade científica.

Consequentemente, a aprendizagem da ciência na aula implicará a entrada numa

nova cultura. Desta forma, como afirmou R.Driver (1994), “a aprendizagem da

ciência numa perspectiva construtivista social implica o ser introduzido num mundo

simbólico”

A aprendizagem da ciência como processo social e individual será necessariamente um

processo dialógico, o que pressupõe várias pessoas em conversação alunos, professor

e especialistas nas matérias e onde o binómio professor-aluno desempenhará um

papel relevante. O envolvimento do estudante neste processo dialógico implica que ele

“externalise o seu pensamento” e de uma forma natural e gradual o seu pensamento se

movimente de um plano intrapsicológico e de uma argumentação retórica para um plano

interpsicológico e uma argumentação dialógica mais consentânea com a metodologia

conducente à construção do conhecimento científico. É esta função epistémica da

argumentação que é urgente fomentar e desenvolver nas aulas de ciências. Para isso há

que conquistar os estudantes para a prática das estratégias argumentativas.

Defendo que a motivação para argumentar corresponda, efectivamente, a uma

necessidade sentida pelos alunos. Penso que propostas de tarefas de aprendizagem

Page 83: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 82

relevantes para a vida dos estudantes; acesso a peças de evidência contraditórias e

feedback para reflexão sobre as estruturas dos argumentos são metodologias a

considerar.

Relativamente aos contextos em que se deve desenvolver a argumentação um situa-se

no campo da aplicação das ideias científicas e levanta considerações sociais, morais e

éticas, designam-se por argumentos de natureza sócio-científica; os outros restringem-se

ao campo do inquérito científico. Driver (1994) considerou que os dois devem ser

abordados no ensino-aprendizagem das ciências.

Tamnem (1998) analisou o tipo de argumentação agressiva que é frequente nos talk-

shows e na esfera política; nesta situação os representantes dos dois pontos de vista

opostos têm como objectivo prioritário ganhar pontos ao adversário. É óbvio que esta

forma de argumentação pouco contribui para a educação.

Existem diversas investigações sobre aprendizagem das ciências que se ocupam de um

tipo de argumentação que aqueles autores designam por argumentação colaborativa.

Este tipo de argumentação desempenha um papel fundamental na ciência dado que,

como afirmei anteriormente, esta avança não pela acumulação de factos, mas por debate

e argumentação (Kuhn, 1970; Bell, 2004). Mesmo quando dois cientistas não estão de

acordo, eles ainda partilham os valores comuns da ciência e ambos estão interessados

nos mesmos objectivos. A argumentação na ciência não é oposição e agressividade; é

uma forma de discussão colaborativa em que as duas partes estão a trabalhar em

conjunto para resolver um problema em que ambos os lados esperam estar de acordo no

fim da argumentação.

Ensino/aprendizagem da argumentação

O desenvolvimento profissional dos professores de ciências no que concerne à prática

da argumentação nas aulas de ciências tem vindo a ser apoiado por um extenso

programa de investigação. Neste programa têm-se procurado identificar estratégias

pedagógicas necessárias para desenvolver capacidades argumentativas; testar estas

estratégias e determinar em que medida a sua implementação melhora a prática

pedagógica dos professores com a argumentação e também até que ponto as lições que

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 83

seguem estas estratégias pedagógicas conduzem a uma melhoria da qualidade dos

argumentos dos estudantes. (Shirley Simon, Sibel Erduran, Jonathan Osborne. 2006).

Apesar de ser evidente a importância do engagement dos estudantes na argumentação é

muito difícil consegui-lo. Um dos maiores problemas é a falta de recursos, capacidades

e preparação dos professores. Isto, provavelmente, contribui para a falta de

oportunidades dos estudantes travarem uma discussão sobre as matérias curriculares e

posteriormente as enormes dificuldades dos estudantes participarem numa

argumentação científica de qualidade. Todavia, porque a capacidade de argumentação

não surge naturalmente nas pessoas (Kuhn (1991), os estudantes necessitam de

mergulhar em contextos que lhes permitam praticar as capacidades argumentativas.

Outro problema que surge quando se pretende implementar a argumentação nas aulas de

ciências é determinar o tamanho do grupo que proporcione uma boa discussão

(Alexopoulou & Driver 1996). É óbvio que o grupo deve ser suficientemente grande

para que surja, naturalmente, uma diversidade de opiniões mas bastante pequeno para

que todos os elementos do grupo participem. Nenhum número foi estabelecido para

suporte das melhores discussões mas os pesquisadores sugerem grupos de 3 a 6

estudantes (McClelland 1983; Slavin 1995).

Outro aspecto que necessita ser considerado no ensino das práticas argumentativas é o

dos conhecimentos prévios dos estudantes. Uma carência de conhecimento prévio de

uma matéria curricular condiciona a capacidade dos estudantes para explicarem e

justificarem, com fundamentação, as suas hipóteses (Kolowski 1996). Efectivamente, os

estudantes sentem-se mais capazes de argumentar quando têm um certo grau de

conhecimento da matéria que está a ser tratada. Todavia, a aprendizagem simultânea do

conteúdo programático e das capacidades argumentativas pode revelar-se demasiado

complexa.

Considero que o objectivo fundamental do ensino da argumentação é que os estudantes

adquiram competências para defender e justificar as suas ideias e opiniões, e que se

tornem capazes de compreender, diferenciar e confrontar as ideias e opiniões próprias

com as dos outros.

Page 85: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 84

Baseados na observação de classes e na revisão de literatura sobre argumentação (Bell

& Linn; Driver e outros 2000; Duschl & Gitomer 1997; Herrenkohl e outros 1999;

Kuhn 1991, 1993; Simon e outros 2002) foram desenvolvidas um conjunto de regras

para ajudar os professores a engajarem os estudantes em argumentação científica. Estas

regras encorajam os professores a primeiro ouvir e observar as discussões dos

estudantes sobre três dimensões.

se os estudantes estão a participar em argumentação científica de qualidade

(utilizando dados e teorias aceites para justificarem as hipóteses, citando casos

em que as hipóteses não são ou não podem ser verdadeiras);

quanto tempo os estudantes se mantêm enquadrados na discussão;

se cada estudante no seu grupo está a ouvir e a contribuir para a discussão.

Os professores devem encorajar os grupos ou estudantes com dificuldades sugerindo-

lhes que utilizem dados para justificarem as suas hipóteses; sugerindo-lhes questões em

aberto acerca das suas hipóteses e justificações para que eles discutam e reflictam sobre

as suas ideias. Todavia os professores devem fugir, neste contexto, de formularem

questões como: “O que é que eu vou dar aos estudantes para desenvolverem uma

compreensão apropriada?”; “Como posso ajudar os estudantes a construir uma

compreensão apropriada?”; (Driver e outros 1994; Duschl & Gitomer 1997) para que

os professores não insiram conteúdo na conversação mas em vez disso ajudem os

estudantes a construir compreensão através da prática da argumentação.

Em síntese, considero que o objectivo fundamental do ensino da argumentação é que os

estudantes adquiram competências para defender e justificar as suas ideias e opiniões, e

que se tornem capazes de compreender, diferenciar e confrontar as ideias e opiniões

próprias com as dos outros.

Análise e avaliação de textos argumentativos

Do que venho afirmando decorre a necessidade de nas classes de ciências serem

discutidas as razões, justificações e critérios necessários para a elaboração de textos

argumentativos escritos e orais; considero ser esta aprendizagem a única forma dos

estudantes aprenderem a produzir argumentação científica fundamentada. Esta

aprendizagem implica aprenderem a utilizar determinadas capacidades cognitivas

linguísticas como descrever, definir, explicar, justificar, argumentar e demonstrar; ao

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 85

tempo que necessitam de saber utilizar capacidades cognitivas básicas da aprendizagem

como analisar, comparar, deduzir, inferir e valorar.

Nos últimos anos vários autores elaboraram segundo os seus pontos de vista, modelos

sobre os elementos constitutivos de uma argumentação, bem como as relações que

devem estabelecer-se entre eles para que a argumentação seja válida; definiram também

os passos para a análise de uma argumentação substantiva.

Um instrumento de análise muito utilizado para analisar a argumentação científica

produzida por alunos no ensino das ciências é o modelo de Toulmin (1958). Este

modelo é muito importante na análise de argumentações científicas, pois estabelece

relações entre vários elementos e as argumentações propriamente ditas, realça as

limitações de uma dada teoria, e dá significado ao papel das evidências para a

construção de explicações causais. Ele serve como um parâmetro para entendermos qual

o papel da argumentação na construção do conhecimento científico.

Os argumentos considerados por Toulmin foram, por ele, designados como argumentos

substantivos, isto é, argumentos que requerem um conhecimento substantivo.

De acordo com Toulmin, os passos da análise de uma argumentação substantiva são os

seguintes:

Identificação dos elementos constitutivos.

Identificação dos argumentos substantivos cuja conclusão explicita ou implícita

é uma resposta ao problema proposto

Análise da qualidade dos argumentos (os justificados são os de maior

qualidade). Uma análise posterior pode estabelecer diferentes tipos de

justificações e condições para as mesmas.

No entanto, se bem que as categorias de Toulmin estejam estabelecidas para descrever a

qualidade da argumentação, a sua utilização é limitada no que concerne à compreensão

da ciência dado que uma ligação directa entre performance argumentativa e

compreensão científica não é suportada pelos dados. Por outro, lado este modelo analisa

os argumentos de uma forma genérica e descontextualizada.

Entretanto importa assinalar o condicionamento que representa o facto do texto

argumentativo ser avaliado pelo professor. Efectivamente, a/o estudante procurará,

Page 87: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 86

preferencialmente, elaborá-lo de acordo com o que o professor espera dele ou dela. Esta

situação introduzirá provavelmente uma certa distorção do que é a realidade dos alunos.

Conclusão

A revisão de literatura que fiz sobre a importância das capacidades de argumentação dos

estudantes conduz-me às seguintes conclusões:

Numerosos estudos evidenciaram a importância do discurso na aquisição do

conhecimento científico.

O uso de argumentos válidos não é uma capacidade inata e só se adquire pela

prática.

O desenvolvimento das destrezas argumentativas não ocorre em todos os

ambientes de aprendizagem, assumindo particular interesse os contextos que

tenham relevância para a vida dos estudantes.

O ensino explícito da argumentação melhora a performance dos estudantes,

tanto quanto ao conhecimento científico como à sua capacidade de

argumentação.

Das inferências enunciadas parece-me poder concluir que o desenvolvimento da

capacidade de argumentação dos estudantes deverá constituir um objectivo pedagógico

fundamental, e em consequência as formas de elaboração de argumentos substantivos

um conteúdo a ensinar e a aprender nas nossas escolas.

Como conclusão geral considero, tendo em conta a minha longa experiência, que as

estratégias de ensino e aprendizagem que acabo de analisar, são fundamentais para o

ensino e aprendizagem das ciências. No entanto, esta mesma experiência ensinou-me

também que seja qual for a metodologia adoptada o professor não poderá deixar de ter

presente as seguintes evidências:

Além de um conhecimento substantivo das diversas metodologias de ensino e

aprendizagem, o professor, deve ter presente que cada turma é um caso e por

razões óbvias os alunos têm histórias académicas e pessoais diferentes.

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PARTE I O PENSAMENTO SISTÉMICO

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 87

Que é fundamental articular os interesses do aluno com as matérias

programáticas. Assim, as metodologias deverão ser as que solicitem os

interesses dos estudantes e ao mesmo tempo lhe garantam sucesso escolar e uma

efectiva preparação para a vida.

Como é óbvio só um professor devidamente apoiado, pelas instâncias competentes,

poderá corresponder às evidências enunciadas.

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 88

PARTE II

ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

1. Introdução

Começo com o resumo de uma das investigações que realizei antes da elaboração da

minha tese de doutoramento. Esta pesquisa, incidiu sobre conceitos básicos para a

compreensão do conceito de sistema de regulação fisiológica.

Em continuação, de forma sucinta, abordo a minha tese de doutoramento que intitulei

Aprendizagem por mudança conceptual em Biologia: um estudo sobre o conceito de

sistema de regulação com alunos do 11º ano do Ensino Secundário. Esta abordagem

concretiza-se através de um breve resumo da tese e da discussão das causas gerais e

específicas das dificuldades dos estudantes no estudo dos conceitos. Os instrumentos de

pesquisa, um questionário e uma grelha de análise das respostas dos alunos, constituem

os anexos I e II do livro.

Nos referidos anexos encontra-se descrita a forma como foram construídos o

questionário e a grelha bem como, os objectivos que presidiram à sua construção.

Page 90: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 89

2. Experiências realizadas pela autora

Comecei por realizar um estudo piloto que constituiu não só um meio para testar o

questionário que utilizei, posteriormente, como instrumento de pesquisa mas também

dado os conceitos investigados (sistema, regulação, homeostasia, retroalimentação

negativa e retroalimentação positiva) uma referência para a investigação posterior.

Este estudo decorreu no ano lectivo anterior à aplicação da reforma curricular

implementada a partir do ano lectivo de 1994/1995. Assim, no currículo do Ensino

Secundário figuravam ainda no 10º ano a disciplina de Ecologia e no programa do 11º

ano a disciplina de Noções Básicas de Saúde. Na área Vocacional de Quimiotecnia a

disciplina de Biologia era uma disciplina opcional nos 10º e 11º anos.

Realizado no ano lectivo 1993/1994, no âmbito de uma licença sabática, foi intitulado:

"O conteúdo programático e a evolução das concepções alternativas dos alunos: um

estudo preliminar".

Um dos objectivos foi detectar e estudar a evolução das concepções alternativas dos

alunos, relativamente aos conceitos: retro-alimentação negativa, retroalimentação

positiva, regulação, sistema e homeostasia.

A amostra foi constituída por 80 alunos em que se incluíram três turmas da Área

Vocacional Saúde e uma turma da Área Vocacional Quimiotecnia.

A pergunta de investigação em torno da qual o estudo decorreu foi a seguinte — Até que

ponto o conteúdo programático "Hormonas e sistema endócrino: regulação da

glicemia", contribui ou não para a evolução das concepções alternativas dos alunos?

O instrumento de pesquisa, questionário, foi aplicado antes e depois do professor

leccionar o tema. O professor leccionava há quatro anos a disciplina de Noções Básicas

de Saúde. O ano lectivo 1993/1994, foi o último em que esta disciplina figurou no

currículo do Ensino Secundário.

Os resultados, a que não foram aplicados testes de variância em virtude de se tratar de

um estudo preliminar, apontam para as seguintes conclusões:

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 90

1. Os estudantes possuem uma compreensão parcial dos conceitos e não conseguem

aplicá-los em contextos variados. Este facto torna-se particularmente preocupante no

ensino da Biologia, uma vez que a regulação é o fenómeno biológico por excelência.

2. A constatação de resultados idênticos nas respostas ao questionário antes e depois

do tema ser leccionado aos alunos de Noções Básicas de Saúde, parece mostrar que

o conteúdo programático "Hormonas e sistema endócrino: regulação da glicémia"

não contribuiu para a evolução das concepções alternativas dos alunos, previamente

detectadas.

3. Os resultados obtidos pelos alunos de Quimiotecnia, comparados com os de Saúde,

parecem evidenciar que uma maior familiaridade com os conceitos pode não

conduzir a uma modificação da compreensão dos mesmos.

Efectivamente, os alunos de Quimiotecnia tinham a disciplina de Biologia que, ao

contrário do programa da disciplina de Noções Básicas de Saúde, não tinha como tema

unificador o conceito de regulação. Além disso os alunos da Área Vocacional Saúde

tinham no 10º ano a disciplina de Ecologia onde eram ensinados os conceitos de

sistema, retroalimentação e regulação.

Entrevistado o professor afirmou que no início do ano os conceitos não eram

correctamente reconhecidos pelos alunos, apesar da análise destes conceitos (sistema,

retroalimentação positiva, retroalimentação negativa e regulação) já ter sido feita,

explicitamente, na disciplina de Ecologia (10º ano).

Ao longo do ano, parecendo-lhe que os alunos captavam com facilidade os conceitos, o

professor encontrou sempre significativa discrepância entre o que ele pensava que os

alunos sabiam e a forma como estes, perante novas situações, tentavam resolver os

problemas propostos.

Depois de analisar a opinião dos alunos sobre o programa, pedida por escrito e de forma

anónima, o professor concluiu que os alunos têm dificuldade em compreender os

conceitos e lamentaram não alcançar as classificações que, pensam, deveriam

corresponder ao seu esforço "A gente estuda e depois não conseguimos os resultados

que queremos". Afirmam, no entanto, que são conceitos que os fazem pensar e

reconhecem este facto como positivo.

Page 92: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 91

O professor considerou, provável, que as dificuldades encontradas pelos alunos poderão

ser atribuídas aos seguintes factos:

Os conceitos terem um grau elevado de dificuldade.

Nos manuais de Biologia serem os conceitos abordados num escasso número de

capítulos, não sendo por isso, posta em evidência a natureza axial dos mesmos

para a compreensão de qualquer tema biológico.

Adoptarem os professores da disciplina de Biologia, geralmente, uma postura

semelhante à dos autores dos manuais.

Page 93: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 92

Investigação desenvolvida, pela autora, no âmbito da sua tese de doutoramento

O projecto teve a duração de seis anos e distribui-se no tempo do seguinte modo:

FASE I Recolha e análise de literatura.

FASE II Elaboração, validação e reformulação dos instrumentos de pesquisa.

FASE III Planificação da experiência a levar a efeito na sala de aula

FASE IV Desenvolvimento da experiência e recolha de dados.

FASE V Tratamento dos dados.

FASE VI Dedução e caracterização da forma como se operou a mudança

conceptual.

FASE VII Redacção da dissertação.

Os Instrumentos de pesquisa:

Questionário e Grelha para análise das respostas dos alunos (anexos I e II

respectivamente)

Page 94: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 93

Breve resumo do estudo

O estudo procurou averiguar se a realização de uma investigação em grupo pelos

alunos, conducente à solução de problemas por eles propostos, contribui para uma

aprendizagem por mudança conceptual do conceito de sistema de regulação.

O estudo prévio da amostra sobre que incidiu a investigação consistiu na aplicação do

teste de K-S que evidenciou uma significância superior a 0,05 o que significou que as

classificações dos alunos se distribuíam de forma semelhante, uma análise estatística de

um Inquérito corroborou o resultado do teste de K-S; a caracterização quanto à sua

homogeneidade foi feita pelo cálculo da média, desvio padrão e coeficiente de variação.

Os alunos realizaram a investigação através do desenvolvimento curricular do tema

programático Ciclo biológico do Homem: regulação hormonal, que fazia parte da

disciplina de Ciências da Terra e da Vida do 11ºano do Ensino Secundário. O tratamento

do tema enquadrou-se no modelo de ensino por mudança conceptual de Posner, Hewson

e Thorley (1982,1992).

Inicialmente, foram detectadas as concepções alternativas dos estudantes (turma

experimental e turma de controle), relativas aos sub-conceitos cuja compreensão é

indispensável à construção do conceito de sistema de regulação e, no fim do estudo,

procedeu-se, nas duas turmas, à verificação dos níveis de formulação atingidos

comparativamente com os níveis de formulação definidos previamente, em

conformidade com o paradigma científico e nível académico dos alunos.

Foram utilizados como instrumentos de pesquisa um questionário, uma grelha para a

classificação das respostas dos alunos e as actividades por eles desenvolvidas para o

estudo do tema programático.

A análise dos dados empíricos permitiu-me concluir que a aprendizagem se realizou por

mudança conceptual e que esta se operou com graus diferentes para os vários conceitos.

Os resultados contradizem assim o ponto de vista Khuniano, segundo o qual a

construção dos conceitos científicos se opera através de modificações revolucionárias e

configuram um modelo gradualista de mudança conceptual consentânea com uma

epistemologia continuísta.

Page 95: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 94

A forma como a aprendizagem decorreu mostrou-se particularmente concordante com a

concepção evolutiva e ecológica do processo de mudança conceptual defendida por

Toulmin. Efectivamente, as discussões em grupo e em classe, aliadas às consultas

bibliográficas, colocaram os alunos perante variantes conceptuais que competiram com

as respectivas ideias prévias, o que levou os grupos a exercerem uma selecção crítica

através da qual iam escolhendo as ideias que consideravam mais adequadas para a

resolução dos problemas e que, paulatinamente, iam sendo incorporadas no património

intelectual dos alunos. Desta forma, a mudança conceptual resultou de uma construção

individual, mas muito também de um processo interactivo a nível de grupo/grupos.

Um dos objectivos deste estudo foi o de propiciar as condições para os alunos

construírem a fundamentação científica da sua educação sexual, o que permitiu, dado o

interesse natural dos alunos por este assunto, que a mudança conceptual realizada

corresponda não só a um processo meramente cognitivo mas também a um processo

afectivo.

Na turma de controle, onde foi seguida a estratégia tradicional de ensino/aprendizagem,

os alunos aprenderam com sucesso a matéria exigida pelo programa oficial, mas não

adquiriram os conhecimentos que lhes permitissem tratar o tema de um ponto de vista

sistémico e não ficaram com a menor ideia do conceito de sistema de regulação conceito

axial para a compreensão do funcionamento do organismo humano. Nesta turma

constatou-se mudança conceptual apenas para três subconceitos, mas em percentagens

significativamente inferiores às que se verificaram na turma experimental.

Page 96: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 95

Conclusões sobre as causas das dificuldades dos estudantes na

compreensão dos conceitos de sistema e de sistema de regulação

Dificuldades dos estudantes relativas à compreensão do conceito de sistema

Do meu ponto de vista, estas dificuldades dos alunos devem-se fundamentalmente a três

causas que ocorrem, na generalidade, nas nossas escolas: tratamento dos temas

programáticos de um ponto de vista analítico; apresentação dos sistemas biológicos

como pertencendo quase unicamente à categoria de matéria e ao fenómeno que Viennot

(1988) designou por redução funcional.

a) Tratamento dos temas programáticos de um ponto de vista analítico: é comum, no

ensino da Biologia, os professores tratarem os temas curriculares numa perspectiva

analítica; nesta metodologia são realçadas, fundamentalmente, a precisão dos

detalhes e, quando possível, a validação dos factos por meio de provas

experimentais. Como resultado deste ensino excessivamente factual, os estudantes

não se apercebem, na generalidade dos casos, da interacção entre os fenómenos e das

consequências destas interacções.

b) A apresentação dos sistemas biológicos como pertencendo quase exclusivamente à

categoria de matéria: este procedimento conduz à marginalização dos aspectos que

permitem também incorporar os sistemas na categoria de processo. De realçar, mais

uma vez, que esta metodologia de ensino pode ser geradora de concepções

alternativas.

A perspectiva em que me situei — análise sistémica — integra simultaneamente uma

metodologia analítica e sintética. Não basta, para compreender como funciona o

organismo humano, saber a localização precisa de todos os orgãos e células no corpo,

uma vez que este ponto de vista reducionista esquece que o aspecto mais importante é o

organismo como um todo.

As interacções entre os orgãos e os vários sistemas do organismo humano não são

porém relações simples de causa e efeito mas complexas redes de interdependências de

Page 97: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 96

que resulta a manutenção da saúde do organismo. É da necessidade de conceptualizar

esta multiplicidade de interacções que resulta, na minha opinião, outra fonte de

dificuldades para os estudantes alcançarem uma compreensão significativa do conceito

de sistema, fenómeno que Viennot designou por redução funcional.

c) Redução funcional: em determinadas situações os alunos têm dificuldade de se

aperceber de todas as variáveis presentes, e como consequência, não consideram

todas as combinações possíveis entre essas variáveis. Este tipo de raciocínio, que é

uma das características do pensamento intuitivo, conduz a uma compreensão parcial

da situação. Desta forma, é ignorado o conceito de globalidade que, é um dos

conceitos fundamentais para uma efectiva compreensão da forma como funcionam

os sistemas biológicos.

Dificuldades dos estudantes relativas à compreensão do conceito de sistema de

regulação

Entre estes obstáculos, e de acordo com os resultados da minha investigação,

salientamos os seguintes: o desconhecimento do papel que o meio interno desempenha

no funcionamento do organismo humano; a forma como os estudantes estabelecem a

relação entre causa e efeito; a ideia generalizada de que no organismo existe um "centro

de comando"; a dificuldade de pensarem em termos globais e a confusão resultante da

polissemia dos termos técnicos, convencionados pela comunidade científica, a partir dos

quais os estudantes têm de construir o conceito de sistema de regulação.

a) O conceito de meio — a primeira ideia que os estudantes evidenciaram quanto à

relação do meio exterior com o organismo humano é a de que o seu funcionamento

é rigorosamente dependente daquele. Os estudantes não reconheciam a existência de

um meio interno como agente de ligação e coordenação entre as diversas partes do

organismo. Esta dificuldade encontra-se patente quando, relativamente aos conceitos

de erro e de variável controlada, consideravam a intervenção directa de factores

externos. Obviamente esta postura dos alunos constituirá também obstáculo à

Page 98: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 97

construção dos conceitos de perturbação e referência, uma vez que estes são

indissociáveis dos conceitos de variável controlada e do de erro. Em estreita ligação

com os conceitos que acabo de referir está o conceito de regulação, cuja construção

também será dificultada perante o desconhecimento de um meio interno que protege

os elementos celulares contra as mudanças do meio exterior.

b) A forma como os estudantes estabelecem a relação cau-sa/efeito — Os alunos têm

tendência a recorrer a um esquema causal muito simples segundo o qual a relação

entre a causa e o efeito é linear e num só sentido. Esta forma de compreender a

causalidade representa um sério obstáculo à construção dos conceitos de

retroalimentação positiva e retroalimentação negativa que implicam a ocorrência de

uma relação recíproca, segundo a qual o efeito vai actuar sobre a causa que o

determinou. Consequentemente, uma vez que os mecanismos de retroalimentação

são básicos para que os sistemas vivos mantenham as suas variáveis dentro dos

limites aceitáveis para o seu bom funcionamento, a construção do conceito de

regulação está estreitamente dependente da compreensão significativa destes

conceitos.

c) A ideia que no organismo humano existe um centro de comando que

simultaneamente detecta ou fiscaliza os detectores e dirige os efectores — esta

forma de pensar foi claramente patenteada nos padrões de resposta relativos aos

conceitos de sensor e controlador, padrões esses que evidenciaram na sua orientação

que os estudantes situavam os mecanismos reguladores ao nível do sistema nervoso.

Este procedimento mostrou que os alunos não associavam, ainda, os mecanismos

nervosos com as hormonas, o que não lhes permitia compreender as estratégias

reguladoras.

d) A dificuldade de pensar em termos globais — esta dificuldade é uma consequência

do fenómeno da redução funcional.

e) O vocabulário que é utilizado na construção do conceito de sistema de regulação.

Esta dificuldade deve-se, por um lado, à polissemia dos termos utilizados e, por

outro, ao facto dessses termos terem diversos significados consoante o contexto em

que são utilizados.

Page 99: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 98

Aos obstáculos específicos que acabo de referir juntam-se, obviamente, as causas gerais

das dificuldades manifestadas pelos alunos na construção do conceito de sistema

designadamente as que resultam de uma perspectiva marcadamente analítica dos

estudantes sobre os temas programáticos e, as que dizem respeito à categoria ontológica

que é atribuída, inicialmente, pelos alunos aos conceitos científicos envolvidos na

construção do conceito de sistema de regulação.

Page 100: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 99

3. Experiências recentes realizadas por outros autores

São muitos os trabalhos de investigação, sobre pensamento sistémico, que têm surgido em

diversos países nos últimos anos. Todas estas pesquisas, se bem que com objectivos

diferentes, sustentam que subjacente ao pensamento sistémico está o pré-requisito básico da

identificação de variáveis e das suas inter-relações; sustentam também que o pensamento

sistémico é uma capacidade intelectual de nível elevado.

Nas páginas seguintes irei analisar, sucintamente, dez investigações recentes em que autores

de diversos países estudaram as competências em pensamento sistémico de estudantes dos

vários níveis do ensino secundário. A esses estudos foram dados os seguintes títulos:

Development of System Thinking Skills in the Context of Earth System Education Orit Ben-

Zvi Assaraf, Nir Orion (2005)

System Thinking Skills at the Elementary School Level Orit Ben-Zvi Assaraf, Nir Orion

(2009)

Characterizing three levels of systems thinking amongst 10th grade students while studying

human biology Ben-Zvi Assaraf, O. Tripo,J. & Yarden, A. (2009)

Four Case Studies,Six Years Later: Developing System Thinking Skills in Junior High

School and Sustaining Them over Time Orit Ben-Zvi Assaraf, Nir Orion (2010)

High School Students’ Understanding of the Human Body System Orit Ben-Zvi Assaraf, Jeff

Dodick & Jaklin Tripto(2011)

The characterization of systems thinking skills in the context of earth systems among high

school earth science students- Tamar Basis (2010)

Identifying Variables and Constructing Relations: Effects of Multiple Images and Testes

Stimuli Billie Eilam, Yael Poyas (2008)

System Thinking as a metacognitive tool for students, teachers and curriculum developers

Kerst Th. Boersma & Arend Jan Waarlo (2009)

System competence- Are elementary students able to deal with a biological system? Cornelia

Sommer, Markus Lucken (2010)

Promoting systems thinking through biology lessons Werner Reiss, Christoph Mischo

(2010)

Page 101: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 100

Começo por referir os trabalhos de Ben-Zvi Asaraf e Nir Orion (primeira década de 2000)

do Weizmann Institute de Israel.Estes estudos incidiram sobre estudantes dos diversos graus

de ensino e o seu objectivo foi o de veicular uma nova perspectiva sobre o ensino das

Ciências da Terra e da Vida. A ideia central é por um lado levar os estudantes à compreensão

de que vivemos num mundo cíclico que é constituído por uma série de subsistemas que

interagem entre si através de trocas de matéria e de energia e por outro lado à sua

consciencialização de que os seres humanos fazem parte da natureza e desta forma devem

actuar em harmonia com as leis cíclicas naturais. Nesta nova perspectiva o ensino das

ciências da terra e da vida constitui-se como um veículo por excelência da educação

ambiental dos alunos preparando-os para viverem uma cidadania responsável. Esta

abordagem holística das ciências da terra fomenta nos estudantes uma forma inteligente de

pensar que é essencial para o desenvolvimento do seu pensamento sistémico. Os autores

concluíram que, no contexto das Ciências da Terra e da Vida o desenvolvimento do

pensamento sistémico se processa em vários estádios, organizados numa estrutura

hierárquica piramidal. Para a consecução dos objectivos referidos, os autores conjugaram

várias metodologias de ensino tais como, pesquisa laboratorial, actividades fora da escola e

programas de computador.

Development of System Thinking Skills in the Context of Earth System Education Orit Ben-

Zvi Assaraf e Nir Orion (2005)

O objectivo desta pesquisa foi avaliar o desenvolvimento das capacidades em pensamento

sistémico, no contexto do sistema terra, de estudantes da júnior high school (8º grau).

A recolha de dados foi baseada num conjunto de instrumentos de pesquisa: questionários,

análises de desenhos dos estudantes, associação de palavras, mapas de conceitos, entrevistas,

grelhas de repertório e entrevistas.

Dada a complexidade das características do pensamento sistémico, um dos principais

desafios deste estudo foi o de avaliar as limitações e as qualidades de cada instrumento de

pesquisa com o objectivo de definir as capacidades específicas do pensamento sistémico que

cada um deles podia identificar. Por outro lado, uma vez que a maior parte dos instrumentos

de pesquisa foram elaborados especialmente para este estudo, um esforço acrescido foi

investido para estabelecer a sua validade. Para conseguir este desiderato foi feito um ano

Page 102: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 101

antes do estudo principal um estudo piloto que incidiu sobre 20 alunos do 8º grau de uma

das duas escolas seleccionadas para a investigação. Neste estudo piloto cada um dos

instrumentos de pesquisa foi redefinido e reavaliado no sentido de aferir, com rigor, a

capacidade específica de pensamento sistémico que, efectivamente esse instrumento podia

identificar.

No estudo principal a amostra incluiu cerca de 50 estudantes de duas classes diferentes da

escola urbana de Israel (escola onde foi efectuado o estudo piloto) com alunos que

estudavam um programa baseado no sistema terra e focalizado sobre o ciclo da água.

As perguntas a que o estudo procurou responder foram as seguintes:

1. Os estudantes da júnior high school são capazes de abordar sistemas complexos?

2. O que é que influencia a capacidade dos estudantes para desenvolverem compreensão de

sistema?

3. Que tipo de relações existem entre os componentes cognitivos do pensamento sistémico?

A pesquisa combinou métodos qualitativos e quantitativos, com o objectivo de recolher

dados relativos à compreensão dos estudantes, antes, durante, e depois do processo de

aprendizagem.

Os resultados da pesquisa indicaram que o desenvolvimento do pensamento sistémico, no

contexto do sistema terra, se processou em vários estádios sequenciais organizados numa

estrutura hierárquica; o que significa que as capacidades cognitivas desenvolvidas em cada

estádio serviram de base ao desenvolvimento das seguintes. Este estudo mostrou também

que apesar das capacidades reduzidas de pensamento sistémico dos estudantes a maior parte

deles fez progressos significativos e a terça parte alcançou o nível de pensamento sistémico

mais elevado no contexto do ciclo hidrológico. Os dois principais factores responsáveis pelo

progresso diferencial dos estudantes, segundo os autores, situam-se nas capacidades

cognitivas individuais dos estudantes e no nível de envolvimento dos estudantes nas

actividades de integração do conhecimento durante a sua aprendizagem que foi baseada em

inquérito. Esta aprendizagem foi levada a cabo dentro e fora da sala de aula.

Com base nas conclusões deste estudo os investigadores sugerem que as recomendações que

a seguir se referem podem contribuir para impulsionar as capacidades dos estudantes

conducentes ao desenvolvimento do pensamento sistémico:

Page 103: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 102

Introdução dos primeiros “degraus” da aprendizagem do pensamento sistémico na

escola básica; desenvolver, por exemplo, capacidades para identificar os

componentes de um sistema e as relações entre esses componentes. Efectivamente,

se os estudantes entram na júnior high school com as capacidades dos níveis mais

baixos da pirâmide do pensamento sistémico, maior número de estudantes pode ser

capaz de alcançar níveis mais elevados de pensamento sistémico durante a júnior

high school).

Focalização sobre a aprendizagem baseada em inquérito.

Utilização de ambiente de aprendizagem fora da sala de aula para a construção do

modelo concreto de um sistema natural.

Utilização de actividades de integração ao longo de todas as fases do processo de

aprendizagem.

System Thinking Skills at the Elementary School Level Orit Bem-Zvi Assaraf, Nir Orion

(2009)

Os autores abordaram o desenvolvimento das capacidades de pensamento sistémico em

estudantes da escolaridade básica.

O estudo procurou averiguar se ou não, e em que profundidade, os estudantes do ensino

básico conseguem abordar sistemas complexos.

O estudo incidiu sobre 40 estudantes do 4º grau de duas classes de uma escola situada numa

pequena cidade de Israel (20 alunos de cada classe). Os estudantes, através de uma

metodologia de inquérito, estudaram um tema curricular que aborda o ciclo da água. O

programa de pesquisa incluiu simulações e experiências em laboratório, interacções directas

com componentes e processos do ciclo da água num ambiente de aprendizagem fora da sala

de aula; e actividades de integração de conhecimentos.

Para examinar o desenvolvimento do pensamento sistémico dos estudantes e determinar os

factores que influenciam a aprendizagem foram utilizados oito instrumentos de pesquisa:

desenhos dos estudantes; associação de palavras; grelhas de repertório; entrevistas; leitura e

interpretação de textos; observações no sentido de avaliar o envolvimento dos estudantes nas

actividades preconizadas pela estratégia de ensino; CTQ (questionary thinking cyclic) para

identificar a compreensão dos estudantes da natureza cíclica da hidrosfera e Hidden

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 103

Dimension Inventory para explorar a percepção dos estudantes das dimensões escondidas do

sistema hidrosfera.

Estes instrumentos de pesquisa foram simplificados para os adaptar à idade dos alunos.

Foram utilizados métodos qualitativos e quantitativos. Os métodos qualitativos para explorar

performaces de aprendizagem no seu contexto natural e para compreender melhor as

capacidades cognitivas individuais dos estudantes. Os métodos quantitativos para testar

correlação e causalidade entre variáveis.

Os autores concluíram que apesar das mínimas capacidades iniciais em pensamento

sistémico a maior parte deles fez progressos significativos relativamente à sua capacidade

para analisar o sistema hidrológico da terra nos seus componentes e processos. Como

resultado, eles reconheceram inter-relações entre os componentes deste sistema. Alguns

estudantes atingiram capacidades mais elevadas em pensamento sistémico tais como a

identificação de inter-relações entre vários sistemas da terra e identificaram partes não

explícitas do sistema hidrológico. O contacto directo com fenómenos reais e processos em

cenários de pequena escala capacitou estes estudantes para concretizarem um ciclo local da

água, que pode mais tarde ser expandido em ciclos globais abstractos em larga escala A

combinação de aprendizagem baseada em inquérito fora da escola com actividades baseadas

em inquérito em laboratório e a obrigação de integrar conhecimentos contribuíram para que

os jovens estudantes desenvolvessem capacidades básicas de pensamento sistémico. Isto

sugere que embora o pensamento sistémico seja considerado uma competência de grau

elevado, ele pode ser desenvolvido em certa medida na escola elementar. Com um currículo

adequado a longo prazo, estas capacidades podem funcionar como base para o

desenvolvimento de estádios mais elevados de pensamento sistémico nos níveis médio e

superior da escolaridade.

Characterizing three levels of systems thinking amongst 10th grade students while studying

human biology Ben-Zvi Assaraf, O. Tripo,J & Yarden, A(2009)

O objectivo deste estudo foi o de avaliar o grau de compreensão dos estudantes,

relativamente ao corpo humano quando perspectivado como um sistema. O estudo envolveu

120 estudantes do 10º nível que frequentavam três escolas diferentes (high-schools). Estes

estudantes já tinham completado a primeira fase de estudo dos sistemas do corpo humano.

Os resultados sugeriram que os estudantes têm dificuldade em progredir para além de uma

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 104

compreensão básica dos componentes e processos daqueles sistemas, e falham,

expressivamente, no reconhecimento das suas inter-relações. Acresce o facto das inter-

relações que eles expressam permanecerem fortemente no nível macroscópico e raramente

reconhecerem relações com elementos microscópicos. Mais tarde esta dificuldade é

particularmente penalizadora dado que as relações entre micro e macro são fundamentais

para a compreensão de conceitos fundamentais. A título de exemplo evoco a importância da

compreensão substantiva do conceito de homeostase. Neste estudo verificou-se também que,

dos três patterns que caracterizam o organismo humano como um sistema (hierarquia,

homeostase e equilíbrio dinâmico), os estudantes reconheciam quase exclusivamente a

hierarquia. Este facto indica que a compreensão dos estudantes do corpo humano como um

sistema é limitada. Os autores sustentam que estas limitações podem ser devidas, em parte, a

uma aprendizagem que não prepara os estudantes para o desenvolvimento das capacidades

que permitem a compreensão e utilização do conceito de pensamento sistémico.

Os instrumentos de pesquisa enfatizados nesta investigação foram: grelhas de repertório e

associação de palavras.

Four Case Studies, Six Years Later: Developing System Thinking Skills in Junior High

School and Sustaining Them Over Time Orit Ben-Zvi Assaraf e Nir Orion (2010)

Este estudo foi o primeiro (segundo os autores) que tentou estudar, a nível individual, o

desenvolvimento das capacidades em pensamento sistémico. Os investigadores examinaram

o processo pelo qual o conceito de pensamento sistémico se desenvolve no contexto de um

programa sobre o ciclo da água. O plano de investigação incidiu sobre 4 alunos (duas

raparigas e dois rapazes) que pertenciam à junior high school.

O estudo consistiu em quatro fases e foram aplicados dois testes; o primeiro (pré-teste) antes

da concretização do processo de aprendizagem foi destinado a averiguar as capacidades

iniciais, dos estudantes, em pensamento sistémico; e outro no fim do processo (pós-teste).

Durante este ano todos os estudantes que constituíram a amostra estudaram o mesmo

currículo na mesma escola e com os mesmos professores e não foi ensinada qualquer outra

matéria curricular cuja aprendizagem fosse baseada na compreensão do conceito de

pensamento sistémico. A quarta fase foi desenvolvida, seis anos mais tarde depois dos

estudantes terem completado a junior high school mas antes de entrarem na universidade. O

objectivo desta quarta fase era o de avaliar a manutenção, ao longo do tempo, das

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 105

competências dos estudantes em pensamento sistémico. Assim, foi rigorosamente

assegurado que os alunos seleccionados não desenvolveriam qualquer aprendizagem

baseada em sistemas durante aquele período de tempo.

Os autores verificaram que os quatro estudantes seleccionados desenvolveram estratégias de

aprendizagem diferentes na construção do seu modelo mental de sistema. Por exemplo, a

estudante Eli utilizou uma estratégia de aprendizagem metacognitiva, em que combinou

métodos de estudo indutivos e dedutivos e alcançou os níveis mais elevados de pensamento

sistémico no modelo STH de Ben-Zvi Assaraf . Entretanto, Tal, a outra rapariga da amostra,

que construiu o seu modelo utilizando um método de estudo indutivo atingiu só

parcialmente as capacidades que caracterizam os níveis mais elevados daquele modelo. Por

seu lado Ofer um dos rapazes da amostra que utilizava uma estratégia de aprendizagem

esmagadoramente dedutiva alcançou níveis elevados do modelo STH. Por fim Jerry que

utilizava um método de estudo dedutivo mas que ao contrário de Ofer é limitado no

encadeamento dos processos do ciclo da água não alcançou níveis elevados do modelo STH.

O presente estudo indica portanto que o que caracteriza a aprendizagem dos estudantes

durante o seu processo de aprendizagem formal permanece inalterado seis anos depois; isto

é a forma como os estudantes vão manipulando e consumindo nova informação não se

modificou ao fim de seis anos.

A conclusão principal, desta investigação, é que os estudantes desenvolvem os seus modelos

mentais de sistema e recordam a matéria aprendida baseados em padrões de aprendizagem

que tendem a permanecer imutáveis ao longo do tempo. Consequentemente, no sentido de

facilitar uma eficiente e durável construção dos modelos de sistema pelos estudantes, as

experiências de aprendizagem devem aproveitar o presente estudo, e especialmente o padrão

de aprendizagem metacognitiva, que assume especial significado para a compreensão dos

sistemas.

High School Students’ Understanding of the Human Body System Orit Ben-Zvi Assaraf, Jeff

Dodick & Jaklin Tripto(2011)

Este estudo incidiu sobre 120 estudantes do tenth-grade (16/17anos) que frequentavam oito

escolas de Israel. O objectivo foi o de avaliar o grau de compreensão dos estudantes do

corpo humano quando perspectivado como um sistema.

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 106

Estes estudantes já tinham frequentado a primeira fase do seu currículo de biologia: onde

tinham estudado o corpo humano, com especial destaque para o conceito de homeostase.

Numa primeira fase do estudo foi determinada a competência dos estudantes para

compreenderem o corpo humano como um sistema mais do que como um conjunto de partes

compartimentalizadas. O pensamento sistémico dos estudantes foi analisado com base no

modelo STH que, como já afirmei na primeira parte do livro, considera as competências em

pensamento sistémico organizadas em três níveis dispostos numa espécie de “pirâmide”

segundo um grau crescente de complexidade. Estas capacidades são: 1.Análise dos

componentes do sistema ou seja a capacidade para identificar os constituintes e os processos

existentes no sistema; 2.Capacidade para identificar relações dentro do sistema; 3.

Implementação: capacidade para generalizar e identificar padrões no sistema, e ainda para

identificar as suas dimensões escondidas.

As perguntas para pesquisa foram as seguintes:

Que competências, relativas ao sistema corpo humano, têm os estudantes para identificarem:

1) os componentes e os processos que existem no sistema corpo humano?

2) as relações dinâmicas dento do sistema?

3) os padrões do sistema, as suas relações escondidas bem como a sua evolução temporal?

Os instrumentos de pesquisa utilizados foram: Associação de Palavras; Grelha de Repertório

e Mapas de conceitos.

Através de Associação de Palavras 84,64% dos estudantes identificou estruturas (núcleo

celular, nervos, ossos etc.) em detrimento de processos. Os processos que mencionaram

eram numa elevada percentagem (80,87%) relativos ao nível de organismo.

Na aplicação da Grelha de Repertório: verificaram-se os seguintes resultados pela análise

dos construtos dos estudantes: para identificação de componentes e processos do sistema –

64,8%; identificação de inter-acções16% e criação de uma rede de interacções - 13,7%.

A análise dos mapas de conceitos suporta a ideia de que os estudantes concentram,

fortemente, a sua atenção nos conceitos relativos aos componentes do macro/nível do

sistema como por exemplo : pulmões, coração e uma fraca atenção nos conceitos relativos

ao micro/nível como por exemplo célula e alvéolo

Os resultados da aplicação da grelha de repertório mostram que ao nível da “interacção

simples (que se refere ao efeito de um factor sobre outro) 65,7% dos estudantes têm uma

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 107

ideia correcta; para o construto “dinamismo” que se refere à capacidade para identificar

interacções dinâmicas no sistema foi só mencionado por 21,7% dos estudantes.

Relativamente à interacção entre causa/efeito somente 12,6% dos estudantes lhe fizeram

referência.

Os resultados da aplicação da Grelha de Reportório mostraram que o construto hierarquia foi

mencionado por 90,7% dos estudantes. Em contraste o construto homeostase foi só

mencionado por 8,7% dos estudantes. A dimensão temporal do sistema foi raramente

mencionada (0,7% dos estudantes).

A análise dos mapas de conceitos dos estudantes está em consonância com a análise da

Grelha de Reportório. Efectivamente, os estudantes só assinalaram o conceito de hierarquia

Os estudantes demonstraram em elevado grau a sua incapacidade para conseguirem

desenvolver pensamento sistémico para além do primeiro nível do modelo STH de Bem-

Zvi-Assaraf (identificação dos componentes do sistema). Efectivamente, uma esmagadora

maioria das suas respostas correspondem ao primeiro nível do modelo STH; além disso

demonstraram uma forte opção pelas estruturas em detrimento dos processos assim como

pelos elementos macroscópicos relativamente aos elementos microscópicos.

The characterization of systems thinking skills in the context of earth systems among high

school earth science students - Tamar Basis sob a orientação de Nir Orion

O presente estudo abordou a caracterização do pensamento sistémico no contexto do sistema

terra, entre os estudantes mais velhos da high school. A base teórica deste estudo foi o

modelo hierárquico desenvolvido por Ben-Zvi Assaraf e Nir Orion

A pesquisa combinou métodos qualitativos e quantitativos e a recolha de dados incluiu

questionários pré/pós ensino de capacidades de pensamento sistémico e artefactos feitos

pelos estudantes.

Os pontos de vista dos professores funcionaram como uma segunda fonte de dados.

A população abrangeu 74 estudantes da high school de uma única e prestigiada escola; a

amostra foi dividida em três grupos durante os anos académicos “05-“07.

Os resultados revelaram que a maior parte dos estudantes começou com fracas capacidades

de pensamento sistémico indiciando que, antes do presente estudo, foi dada fraca ênfase ao

ensino destas capacidades. A seguir ao ensino de um programa curricular de Ciências da

Page 109: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 108

Terra, estas capacidades desenvolveram-se, significativamente, em muitos mas não em todos

os estudantes. Os autores pensam que este bom resultado se ficou devendo aos seguintes

factores:

à capacidade cognitiva inicial dos estudantes;

ao facto do currículo incluir experiências de aprendizagem fora da escola;

às actividades de integração de conhecimentos;

à mediação e orientação dos professores e também ao suporte emocional que estes

deram aos estudantes;

ao nível de envolvimento dos estudantes;

á compreensão dos estudantes do processo de aprendizagem.

Os autores concluíram também que os estudantes desenvolveram capacidades de

pensamento sistémico, somente, quando os factores acima enunciados actuaram em sinergia.

Este estudo apoia o modelo hierárquico de Ben-Zvi- Assaraf e Nir Orion para as

capacidades de pensamento sistémico e foi, particularmente, bem sucedido por aumentar as

capacidades destes estudantes de Ciências da Terra para identificarem “dimensões

escondidas do sistema”.

Identifying Variables and Constructing Relations: Effects of Multiple Images and Testes

Stimuli - Billie Eilam e Yael Poyas (2008) da universidade de Haifa.

Os autores postularam a seguinte pergunta de investigação:

A aprendizagem com multimédia, suportada por uma dada informação textual e visual,

melhora a capacidade dos estudantes para identificarem variáveis e inferirem relações entre

elas?

O trabalho de Billie Eilam e Yael Poyas baseou-se nos princípios de aprendizagem com

multimédia e examinou o efeito da aprendizagem com multimédia com dois display um MR

de texto e imagem (representação múltipla) e outro SR só com texto (representação

simples).

O estudo incidiu sobre 150 estudantes universitários (118raparigase 32 rapazes) de idades

compreendidas entre os 18 e os 30 anos que estavam matriculados em dois cursos na

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 109

Faculdade de Educação. O estudo testou a capacidade dos estudantes: para identificarem

componentes do sistema (ex:variáveis); detectarem relações conhecidas e desconhecidas

entre as variáveis e construírem novas relações entre elas com base num display de

representação múltipla (MR) ou, num display de representação simples (SR). O objectivo

era investigar se a aprendizagem com MR (grupo experimental) aumenta a capacidade para

detectar melhor relações do que a aprendizagem só com SR (grupo de controlo).

A previsão dos autores foi de que o grupo de estudantes MR quando comparados com os do

grupo SR atingiria um nível mais elevado:

Na performance global;

No número de fontes de informação utilizadas.

E em três aspectos das relações que viessem a estabelecer:

Exactidão;

Nível de descrição;

Inovação;

Número de variáveis usadas na detecção de relações.

Os resultados mostraram-se de acordo com o que era esperado pelos investigadores.

Efectivamente, o grupo MR deduziu melhor relações entre variáveis que o grupo de controlo

e alcançou uma maior performance em todos os aspectos referidos nas previsões. Os autores

afirmam de acordo com Mayer que este sucesso pode resultar dos princípios de

aprendizagem com multimédia e neste estudo, mais especificamente, do efeito de factores

tais como de uma maior evidência das variáveis apresentadas num formato pictórico assim

como das características inerentes ao tipo de representação.

Efectivamente, os dois factores referidos aumentam a capacidade dos estudantes para

detectarem os componentes do sistema e as suas inter-relações.

Estes resultados, afirmam os autores, também podem ter na sua origem no facto de terem

sido utilizados um maior número de fichas bem como um maior número de variáveis para

serem detectadas e relacionadas.

Os autores estão convictos de que a incapacidade para identificar os componentes sistémicos

e as suas inter-relações impedirá os indivíduos de compreenderem o que acontece no

sistema; consideram também que a compreensão restrita de, unicamente, relações

Page 111: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 110

específicas pode impedir a compreensão do funcionamento do sistema assim como a

dedução de padrões de funcionamento e a detecção de novas relações do sistema.

Chamam também a atenção para a importância da dedução de relações entre variáveis e

assinalam o facto de um sistema ser uma colecção de elementos que formam uma entidade

funcional em contínua interacção.

Apontam também para o facto do pensamento sistémico ser uma capacidade de nível

elevado que incorpora o reconhecimento de padrões de comportamento do sistema ou a

previsão de comportamentos em condições particulares. Consideram ainda que subjacente

ao pensamento sistémico está o pré-requisito básico da identificação de variáveis e das suas

inter-relações.

Recordam ainda que a necessidade de desenvolver pensamento sistémico emergiu nos mais

diversos domínios. Citam a este propósito os trabalhos de: Beach, 1998; Eilam, 2008; Eilam

e Poyas, 2006; Hmelo, Holton, & Kolodner, 2000; Kali, Orion, & Elon, 2003; Senge, 1990.

Todos estes trabalhos evidenciaram que o reconhecimento e a compreensão das relações

entre variáveis são operações cognitivas essenciais para alcançar uma compreensão

sistémica adequada.

System Thinking as a metacognitive tool for students, teachers and curriculum developers

Kerst Th. Boersma & Arend Jan Waarlo (2009) da universidade de Utrecht

Esta investigação reveste-se de especial interesse pela relação que estabelece entre

pensamento sistémico e metacognição.

Os autores começam por sublinhar que na teoria dos sistemas os conjuntos naturais, como

por exemplo os organismos vivos, são complexos e compósitos e formados por muitas partes

que interagem entre si; por sua vez cada uma destas partes podem elas próprias ser conjuntos

menores como acontece com as células.

Estes investigadores assinalam que há mais de dez anos o pensamento sistémico, como uma

competência a desenvolver foi incluído, na Suiça, nos últimos anos do ensino secundário.

Todavia, os autores de livros escolares, limitam-no ao conceito de homeostase.

Consequentemente, somente, poucos professores de biologia incluem pensamento sistémico

na prática de ensino.

Page 112: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 111

Os autores, desta investigação, focam o seu programa de pesquisa no enorme potencial do

pensamento sistémico. A sua suposição básica é que o pensamento sistémico pode ser

considerado como um instrumento metacognitivo (Schaefer, 1989) que capacita os

estudantes, os professores e os autores dos curricula para estruturarem conhecimentos

biológicos disponíveis e gerarem novos conhecimentos biológicos. Para testarem esta

suposição, no campo da biologia, basearam-se em dois estudos desenvolvidos no âmbito de

duas teses de doutoramento sobre os quais reflectiram.

Nos dois estudos ambas as estratégias foram desenvolvidas por meio de developmental

research que se concretizou em duas fases: uma primeira designada exploratória e uma

segunda fase chamada pesquisa cíclica. Assim, na fase exploratória foi construída uma

estratégia preliminar de ensino e aprendizagem LT que foi testada na fase de pesquisa

cíclica. No decurso da implementação destas estratégias preliminares foi apresentado aos

estudantes um conjunto de problemas e uma sequência de actividades de aprendizagem. Para

cada estratégia LT foram construídos materiais apropriados. Os dados recolhidos

(observações, protocolos e fichas de trabalho) foram posteriormente analisados permitindo

uma reavaliação e correcção das estratégias. Numa consulta interactiva com um número

limitado de professores experientes em Biologia, foram operacionalizadas, com esta

estratégias, soluções práticas e criativas para alguns problemas.

A pergunta central da investigação foi a seguinte: o que faz com que você se pareça com os

seus pais, sem ser igual a eles?

No primeiro estudo que incidiu sobre alunos dos últimos anos do ensino secundário o tema

curricular escolhido pertence à área da genética. O objectivo deste estudo foi que os

estudantes adquirissem uma compreensão coerente e significativa dos fenómenos da

hereditariedade e da natureza complexa dos genes. A estratégia incluiu três níveis de

organização biológica: nível organismo, nível celular e nível molecular e os estudantes, de

acordo com os ciclos de problemas que lhes foram propostos, sentiram a necessidade de

subir ou descer na hierarquia dos níveis de organização. Assim, uma compreensão adequada

requer backward-and-forward thinking entre o niveis molecular, celular e organismo assim

como uma interligação entre estruturas e processos entre os vários níveis de organização. Na

fase final de cada ciclo de problemas que foram propostos o estudante não só tinham de

voltar à última questão, mas também à questão prévia num nível mais alto de organização.

Esta forma de operacionalizar a aprendizagem é também conhecida por yo-yo learning

(análoga ao brinquedo yo-yo). Esta estratégia conduziu aos resultados de aprendizagem

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 112

esperados e evitou muitas das dificuldades, dos estudantes reportadas na literatura; ao

mesmo tempo dotou os estudantes com uma estrutura promissora para a integração de outros

tópicos de biologia pertencentes a vários níveis de organização biológica; revelou-se

também como uma atractiva ferramenta metacognitiva para professores e autores dos

curricula.

O segundo estudo mostrou que é possível motivar os estudantes para o pensamento

sistémico integrando-o e explicando-o numa estratégia; esta estratégia incidiu sobre um tema

de biologia celular. O objectivo da estratégia de ensino e aprendizagem era a compreensão

da célula como unidade estrutural e funcional do organismo, e o exercício da capacidade de

pensamento sistémico como um instrumento metacognitivo.

Assim, na estratégia LT o pensamento sistémico foi definido através dos conceitos “sistema

aberto” e “nível de organização biológica” e introduzido como uma ferramenta cognitiva

para os estudantes. Em consequência os estudantes atingiram uma compreensão coerente da

célula como uma unidade estrutural e funcional do organismo. No entanto, a competência

para utilizarem pensamento sistémico como instrumento metacognitivo foi só parcialmente

atingida.

Entretanto a comparação entre a célula como unidade funcional do organismo pluricelular e

um organismo unicelular motivou os estudantes para construírem um primeiro modelo de

sistema.

Os dois estudos configuram estratégias de ensino e aprendizagem em que os alunos são

incentivados a interrogarem-se e a reflectirem o que os levou necessariamente a serem

metacognitivos.

System competence- Are elementary students able to deal with a biological system? Cornelia

Sommer e Markus Lucken (2010) do Leibniz Istitute for Science and mathematics

Education

O objectivo do estudo foi o de avaliar a competência sistémica dos estudantes da escola

elementar.

A amostra era constituída por 345 estudantes (159 raparigas e 186 rapazes) de escolas

elementares do terceiro e quarto grau que frequentavam 22 escolas. As escolas estão

localizadas em regiões rurais e urbanas do Norte da Alemanha. As idades dos estudantes

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 113

oscilavam entre os 8 e 12 anos. Na Alemanha todas as crianças frequentam as mesmas

escolas elementares, por isso as crianças são oriundas de vários níveis socioeconómicos.

Os materiais didácticos, concebidos por Carolina Sommer em 2006, consistiram numa

unidade de ensino acerca do sistema cegonha branca e de um jogo de computador que dava

suporte a esta unidade. As temáticas abordadas incidiram nas relações bióticas e abióticas da

cegonha branca, nos seus diferentes ambientes, nos riscos da cegonha branca e no seu

comportamento migratório em comparação com outras aves migratórias. O jogo de

computador expandia a informação da unidade de ensino através de uma história interactiva.

A unidade de ensino foi concebida para 10 lições. Para uniformizar o ensino foram

distribuídos materiais e informações para os professores e alunos que foram objecto do

estudo.

Partindo da teoria dos sistemas, foi desenvolvido um plano em que foram enunciadas as

capacidades que o estudante deve possuir para construir um modelo de um sistema e

também para abordar as propriedades desse sistema. Mais concretamente, procurou-se

averiguar se os estudantes eram capazes de criar um modelo de um sistema biológico

(sistema cegonha) e reconhecer as propriedades específicas deste sistema.

Considerando, que um plano para avaliar a competência sistémica é composto de duas

partes: uma primeira parte onde estão incluídas as capacidades relacionadas com a

organização do sistema (modelação) e uma segunda relativa às propriedades do sistema

(integridade/emergência, dinamismo e efeitos), a investigação procurou responder às

seguintes questões:

1. Os estudantes da escola elementar são capazes de construir um modelo de um dado

sistema depois de identificarem os elementos e as relações importantes no sistema?

(modelação)

2. Os estudantes da escola elementar são capazes de reconhecer características específicas

do sistema?

2.1. Identificarem os elementos e os atributos do sistema? (integridade)

2.2. Identificarem relações dinâmicas e predizerem as consequências da mudança?

(dinamismo)

2.3. Avaliarem os efeitos num sistema e identificarem e descreverem as reacções?

(efeitos).

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 114

Os instrumentos de pesquisa: foram desenvolvidos testes em conformidade com o plano

para a avaliação da competência sistémica. Foram também avaliados: os interesses dos

estudantes, alguns dados demográficos e os conhecimentos prévios dos estudantes no que

concerne ao sistema cegonha branca.

Pré-teste (T1)

Consistiu num pequeno teste de escolha múltipla destinado a avaliar os conhecimentos

biológicos prévios dos estudantes acerca de aves em geral e da cegonha branca em especial.

Por outro lado para avaliar as capacidades dos estudantes na organização dos sistemas foram

utilizados mapas de conceitos. De salientar que nas pesquisas sobre cognição os mapas de

conceitos são discutidos como instrumentos para visualizar as estruturas cognitivas ( Iuli &

Helden, 2004; Franco & Colvinvaux, 2000).

Primeiro pós-teste (T2)

Com o objectivo de avaliar, novamente, a capacidade dos estudantes na organização dos

sistemas: os estudantes foram solicitados para desenharem um mapa de conceitos relativo ao

sistema cegonha branca.

Segundo pós-teste (T3)

Foi aplicado em primeiro lugar, para avaliar a capacidades dos estudantes para abordarem as

propriedades do sistema. Para a consecução deste objectivo foram formuladas várias

perguntas para todos os componentes das propriedades do sistema (integridade, dinamismo e

efeitos).

Terceiro pós-teste (T4)

Este teste com o mesmo conteúdo do teste (T2) foi aplicado após três/ quatro semanas.

Como já foi afirmado este estudo examinou a competência sistémica dos estudantes da

escola elementar através das suas respostas a duas questões de pesquisa. A primeira questão

era relativa à capacidade dos estudantes mais jovens para construírem modelos de um dado

sistema e a segunda procurou investigar as capacidades destes estudantes para identificarem

características sistémicas específicas.

Os resultados do estudo sobre a capacidade dos estudantes para construírem modelos de um

sistema mostraram que o conhecimento de que os estudantes dispõem sobre o sistema tem

grande influência sobre a sua capacidade para construir um modelo do sistema.

Efectivamente, verificou-se que as lições sobre o sistema cegonha branca influenciaram

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 115

significativamente esta capacidade. É de salientar o nível elevado de sucesso que os

estudantes da escola elementar tiveram nesta parte da competência sistémica. Os resultados

desta investigação estão em concordância com a conclusão de outros estudos (Ossimitz,

2000; Westra, 2008) em que se afirma que construir ou utilizar modelos é crucial,

respectivamente, para o desenvolvimento do pensamento sistémico ou da competência

sistémica.

As conclusões do estudo relativamente à capacidade dos estudantes para reconhecerem as

características específicas de um sistema incidiram, como já foi referido, sobre três

parâmetros fundamentais: a integridade/emergência, a dinâmica e os efeitos. Quando são

descritas as consequências da perda de partes importantes do sistema como por exemplo a

perda do ninho, os estudantes compreendem o conceito de integridade. O conceito de

emergência é mais difícil para os estudantes dado que mostram dificuldade em compreender

que um sistema quando decomposto em partes isoladas nunca mais pode actuar como um

sistema completo.

Em síntese esta investigação mostrou que houve mudanças qualitativas e quantitativas na

competência sistémica dos estudantes durante o processo de aprendizagem. Estas mudanças

foram influenciadas pelos conhecimentos que os estudantes adquiriram durante as lições. No

entanto, verificou-se que o conhecimento biológico é necessário para a competência

sistémica, mas não assegura o desenvolvimento de uma competência sistémica de nível

elevado. Por outras palavras, o conhecimento acerca do conteúdo biológico é básico mas não

é suficiente. A competência sistémica requer conhecimento de conteúdo assim como as

capacidades para abordar os sistemas. Esta conclusão dever-se-á reflectir sobre o ensino a

ser dado nas escolas. Efectivamente, sem o conhecimento acerca do que acontece num

sistema não é possível ser bem sucedido na compreensão de relações complexas ou no

estabelecimento de ligações entre acontecimentos singulares.

Todavia, também é importante apetrechar os estudantes com mais conhecimento abstracto e

metodológico acerca dos sistemas e da forma como eles funcionam.

Promoting systems through biology lessons Werner Reiss e Christoph Mischo da

Universidade de Frieburg (2010)

Para estes autores o pensamento sistémico é visto como a capacidade para identificar,

descrever e modelizar como sistemas, aspectos complexos da realidade. Consideram

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 116

também que outro aspecto importante do pensamento sistémico é a capacidade para

identificar elementos importantes do sistema e as diversas interdependências entre estes

elementos. Admitem ainda que outros aspectos chave são a capacidade para reconhecer a

dinâmica temporal, construir um modelo interno da realidade e fazer predições com base

neste modelo.

O objectivo deste estudo foi o de analisar várias metodologias de ensino no contexto de

lições de ciências naturais e especialmente de biologia. Mais concretamente procurou-se

investigar a eficácia de diferentes métodos de ensino para promover o desenvolvimento do

pensamento sistémico no campo da Educação para um Desenvolvimento Sustentável.

Neste trabalho procurou-se averiguar qual dos três métodos de ensino que a seguir se

enunciam é mais eficaz para fomentar o desenvolvimento das capacidades de pensamento

sistémico de estudantes do nível básico do ensino secundário: simulação em computador;

lições específicas ou a combinação de ambos.

Os métodos, efectivamente, utilizados foram os seguintes: lições específicas destinadas a

desenvolver o pensamento sistémico, uma simulação em computador sobre o tópico

ecossistema floresta, e uma combinação de ambos (lições especiais e simulação em

computador). O grupo investigado foi comparado com um grupo controlo em que a

metodologia de ensino foi a tradicional.

A amostra constou de 424 estudantes de 15 turmas do sexto grau de seis escolas alemães de

Frieburg. Foi utilizado um questionário inicial para avaliar as capacidades de pensamento

sistémico dos estudantes. Este questionário foi distribuído e também projectado tendo as

suas questões sido discutidas em classe.

A avaliação foi diferenciada entre compreensão conceptual (medida como score final) e

justificação reflexiva (medida como score de justificação) de pensamento sistémico.

As variáveis controladas foram as seguintes: pensamento lógico, níveis de escolaridade,

memória a curto prazo e motivação. Baseados num pré-test e num pos-test elaborado para o

grupo controle verificou-se que somente aqueles estudantes que, conjuntamente, receberam

lições especiais e trabalharam simulação em computadores mostraram um aumento

significativo na sua performance final de sucesso. A performance de justificação aumentou

na situação de simulação em computador assim como na combinação de simulação em

computador com lição específica.

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 117

Relativamente à principal questão de pesquisa (que método de ensino é mais eficaz:

simulação em computador, lições específicas ou a combinação de ambos) este estudo

demonstrou que o pensamento sistémico pode ser mais eficazmente fomentado na escola por

uma combinação de lições específicas e exploração de uma simulação em computador.

Verificou-se também que a utilização exclusiva de simulação em computador conduz

somente a um pequeno aumento na performance final em pensamento sistémico. Esta

conclusão coincide com a conclusão de Schrettenbrunner(1989), que observou que a

exploração independente de simulação em computador conduz a um aumento de

competência no uso de simulação, mas falha em garantir um conhecimento aumentado de

sistemas complexos. Este autor recomendou a combinação de jogos de simulação em

computador, com o uso de lições específicas ou a indigitação de tutores.

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 118

Da análise das diversas pesquisas sobre pensamento sistémico permito-me concluir que o

défice de abordagem sistémica nas escolas dos países citados (Alemanha, Suíça e Israel) é

um denominador comum. Efectivamente, os investigadores são unânimes em reconhecer

dificuldades de vária ordem à sua implementação; entre essas dificuldades destaco o facto de

não existir suficiente investigação sobre o conceito de pensamento sistémico bem como

sobre as estratégias de ensino e aprendizagem que permitam a sua abordagem.

Relativamente, às estratégias experienciadas conducentes ao desenvolvimento do

pensamento sistémico é opinião dos investigadores que os resultados obtidos necessitam de

uma avaliação profunda para que seja possível uma definição clara das metodologias mais

adequadas. É também evidente a necessidade de alargar a pesquisa a um conjunto mais

amplo de temas e de disciplinas curriculares.

Uma série de estudos tem demonstrado que é particularmente desafiador para os estudantes

compreenderem relações dentro dos sistemas Ben-Zvi Assaraf & Orion, 2005; Gallegos e

outros 1994, Penner, 2000). Muitas vezes os estudantes focam-se em simples relações

lineares e nos componentes visíveis de um ecossistema (Hmelo-Sil, Marathe, & Liu, 2007;

Hogan,2000). Nas entrevistas clínicas, quando os noviços são solicitados para identificarem

características de um sistema (aquário por ex), eles têm tendência para enfatizar

componentes visíveis tais como peixe e rochas, e raramente mencionam componentes

invisíveis, tais como oxigénio, azoto e bactéria (Hmelo-Silver, Marathe & Liu 2007).

No entanto, das pesquisas efectuadas já é possível recolher algumas orientações que os

professores devem, ter presentes quando procuram que os estudantes compreendam a

dinâmica dos sistemas complexos. Efectivamente, os resultados são concordantes

relativamente a algumas causas das dificuldades dos estudantes para realizarem uma

abordagem sistémica. Assim, são bastantes generalizadas as dificuldades dos estudantes para

distinguirem entre macro/nível e micro/nível bem como compreenderem que mesmo

pequenas mudanças no micro/nível poderem provocar mudanças profundas no macro/nível e

consequentemente na dinâmica dos sistemas. É também evidente que, os estudantes, na

generalidade, não reconhecem as propriedades emergentes no macro/nível, e os seus

prováveis efeitos no micro/nível pelo que será necessário ajudá-los a perceber que o

macro/nível e o micro/nível não mostram necessariamente as mesmas propriedades mas que

estão relacionados através do fenómeno da emergência. É também recorrente, como já

afirmei, que os estudantes quando abordam os sistemas complexos falharem na detecção de

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 119

relações dentro do sistema e reduzirem as relações causais complexas a simples relações

lineares.

As pesquisas empíricas têm demonstrado que os experts representam os sistemas complexos

em termos de estruturas interligadas, mecanismos internos e funções, enquanto que a

compreensão dos noviços é, caracterizada pela identificação de estruturas isoladas

demonstrando uma compreensão mínima das funções, e esquecendo largamente os

mecanismos dentro do sistema. (por ex: Hmelo-Silver, Marathe, & Liu, 2007).

Hmelo-Silver, Marathe, & Liu, 2005) realizaram uma interessante investigação que

intitularam: Function before form: An alternative approach to learning about complex

systems. Neste estudo os investigadores utilizaram duas versões de sistemas hipermedia

baseadas na representação conceptual Structure-Behavior-Function (SBF) que abre caminho

na compreensão de muitos sistemas complexos. Uma das versões era centrada na função e a

outra na estrutura. Os autores formularam a hipótese que o ensino focado sobre as funções e

os mecanismos internos do sistema deveria facilitar a compreensão dos estudantes na

abordagem dos sistemas complexos num grau mais elevado do que o focado nas estruturas.

Mais especificamente os autores esperavam que os estudantes na situação F deveriam

mencionar mais funções e mecanismos internos dos sistemas que os estudantes na situação

S. Tinham ainda a expectativa que os estudantes na situação F deveriam dar mais atenção a

fenómenos não evidentes no sistema que os estudantes na situação S. Efectivamente, a

análise dos dados comprovou a hipótese formulada pelos autores.

Da análise dos trabalhos recentes, que abordei neste capítulo, merecem-me particular

destaque os resultados apoiados por métodos de multimédia e os que elegem a metacognição

como um instrumento de primeira ordem para uma abordagem sistémica de sucesso.

Efectivamente, do meu ponto de vista, as estratégias de ensino e aprendizagem que levam

os alunos a pensarem sobre o que pensam relativamente a um determinado tema torna os

estudantes metacognitivos e consequentemente confere-lhes uma maior probabilidade de

sucesso escolar; a corroborar este meu ponto de vista recordo a investigação de Bem-Zvi

Assaraf (2010) onde a aluna Eli que concretizou esta capacidade metacognitiva obteve um

resultado notável.

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 120

ANEXOS

ANEXO I

QUESTIONÁRIO

Escola _____________________________________________________

Nome ______________________________________________________

Ano ______________ Turma ________________ Idade _____________

Nota importante: As questões que lhe vão ser postas não são para avaliação; justifique

todas as suas opções (assinale com um X cada opção).

Considere a turma a que pertence na sua escola. Imagine que a turma completa tem 30

alunos e que quatro dos seus colegas só frequentam a disciplina de Fisíco-Quimicas:

1 — a sua turma pode ser considerada um sistema porque:

— é um conjunto de elementos interligados ;

— é um conjunto de elementos não interligados ;

— é um conjunto de elementos funcionalmente interligados;

— é um conjunto de elementos não funcionalmente interligados.

2 — Se nada de imprevisto acontecer, a sua turma comportar-se-á como um sistema:

— controlado;

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 121

— não controlado;

— aberto e controlado;

— fechado e controlado .

3 — Considere uma aula de Físico-Químicas: nenhum aluno faltou, o professor

compareceu; ninguém chegou atrasado e a aula iniciou-se às 14h 30m.

a) A entrada do "sistema turma" (input) esteve compreendida:

— entre 25 e 30;

— foi superior a 30;

— foi inferior a 30;

— foi igual a 30.

b) Às 15h 10m um aluno foi chamado à secretaria e um empregado entrou na sala

para ler uma comunicação à turma:

A entrada no "sistema turma" (input) às 15h 10m:

— esteve compreendida entre 28 e 30;

— esteve compreendida entre 1 e 3;

— foi igual a 1;

— esteve compreendida entre 1 e 4.

4 — Às 15h 15m outro aluno foi chamado ao director de turma. Às 15h 20m os dois

alunos já tinham regressado.

Podemos dizer que entre as 15h 10m e as 15h 20m o "sistema turma" esteve:

— em evolução;

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 122

— em estado estacionário;

— nenhuma das opções anteriores.

5 — Concentre agora a sua atenção nos seguintes sistemas:

a) sistema " ocupante - automóvel" em movimento.

O sensor ou sensores deste sistema:

— é o ocupante que viaja ao lado do condutor;

— são os ocupantes que viajam no lado de trás;

— é o ocupante condutor;

— são todos os ocupantes.

b) sistema "ocupante"

Os sensores deste sistema são:

— os centros nervosos;

— os orgãos dos sentidos;

— algumas das proteínas existentes nas membranas celulares;

— nenhuma das opções anteriores.

6 — Na aula de matemática o Pedro estava "cheio de fome". Efectivamente, o bar

estava muito concorrido e o Pedro não consegui comer nada. Verificou com surpresa

que esquecera um chocolate na pasta. Discretamente, comeu o chocolate, passado pouco

tempo, estava bem disposto para trabalhar.

Analise o diagrama da figura 1 e escolha a opção, que na sua opinião traduz o fenómeno

que ocorreu no organismo do Pedro.

Page 124: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 123

(-)

Centro da fome Centro da saciedade

(+)

Ingestão de Alimentos

Fig. 1

— Um ciclo de retroalimentação positiva entre o centro da fome e o centro da

saciedade.

— Um ciclo de retroalimentação negativa entre o centro da fome e o centro da

saciedade.

— Uma relação cíclica entre o centro da fome e o centro da sacie-dade.

— Nenhuma das opções anteriores.

7 — Marta verificou com desagrado que o seu peso tinha aumentado significativamente

e que o mesmo estava a acontecer com o seu apetite.

a) Considere o binómio ingestão-saciedade (figura 2) e escolha uma das opções:

— o efeito está a estimular a causa;

— o efeito está a anular a causa;

— o efeito não está a actuar sobre a causa;

— nenhuma das opções anteriores.

b) A relação ingestão-saciedade poderá neste caso, ser representada por um dos

esquemas da figura 2. Qual?

Page 125: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 124

Ingestão Saciedade

Ingestão Saciedade

Ingestão Saciedade

(+)

Ingestão Saciedade

(-)

Fig. 2

8 — Considere agora uma aula da disciplina de Biologia e em seguida cada aluno

individualmente. Como resultado de uma solicitação do professor os alunos mediram a

sua temperatura corporal várias vezes ao dia (em momentos certos) ao longo de vários

dias.

A figura 3 representa os valores registados pelo aluno X.

Horas

Dias

7h 30 15h 18h

1º dia 36,3º C 36,4º C 36,5º C

2º dia 36,2º C 36,3º C 36,6º C

3º dia 36,5º C 36,6º C 36,5º C

Fig. 3

Page 126: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 125

a) Podemos dizer que estas medições revelaram a existência de uma variável

controlada que é:

— a quantidade de calor corporal

— a temperatura corporal;

— a taxa de metabolismo;

— a produção de energia.

b) Sabendo que a referência da temperatura corporal no homem é de 36,5 a análise

do quadro permite concluir que a regulação da temperatura corporal se faz:

— com erro,

— sem erro.

c) Na regulação da temperatura corporal, os sensores estão colocados para:

— detectarem o valor da variável controlada;

— detectarem os efeitos das perturbações sobre o valor da variável controlada;

— detectarem as perturbações e os efeitos das perturbações sobre o valor da

variável controlada?

— nenhuma das anteriores

Page 127: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 126

9 — Analise, atentamente, a seguinte situação e responda:

Estávamos em Dezembro. Depois de ter jogado ténis durante uma hora, o João sentiu

imenso calor e veio para o pátio da escola com a roupa com que tinha jogado.

Passados alguns minutos começou com arrepios. Desta situação podemos concluir que o

sistema termo-regulador do organismo funcionou:

— com atraso

— sem atraso

10 — O Homem tem a capacidade de viver nos mais diversos ambientes devido

— ao seu tipo de reprodução;

— à sua constituição pluricelular;

— ao facto do ambiente interno do seu corpo ser regulado;

— nenhuma das opções anteriores

11 — Na figura 4 estão representados os resultados de uma análise bioquímica de

sangue do indivíduo A.

Substâncias detectadas V. encontrados Valores normais

Glicose 80 70-110 mg/ml

Colesterol total 400 140-250 mg/ml

Colesterol 100 H: 35-55 M:45-55 mg/ml

Triglicéridos 52 30-170 mg/ml

Fig. 4

Page 128: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 127

a) O teor de triglicéridos será normal se for:

— inferior a 30;

— superior a 170;

— compreendido entre 30 e 170;

— nenhuma das opções anteriores.

b) No indivíduo A e para as substâncias do organismo analisadas, as estratégias

reguladoras para a homeostasia actuaram com eficácia em:

— todos os casos;

— dois casos;

— três casos;

— nenhum dos casos.

c) Na tentativa de diagnosticar a causa de uma doença no indivíduo B, fez-se uma

análise bioquímica do sangue deste indivíduo. Analise a figura 5 (referente ao

indivíduo B) e compare com a análise do indivíduo A.

Glicose no sangue Em jejum 1h após o almoço 2h após o almoço

Média normal 79 200 83

Indivíduo B 80 195 90

Fig. 5

Page 129: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 128

Esta análise não permitiu identificar a causa da doença porque:

— não ficámos a saber se o indivíduo B regulou a sua glicemia;

— o indivíduo B regulou a sua glicemia;

— o indivíduo B tem uma glicemia que difere da do indivíduo A;

— a glicemia dos dois indivíduos não difere significativamente.

1. A construção do questionário: formato e objectivos

O questionário é de escolha múltipla, consta de 19 perguntas e são pedidas as

justificações das respostas às questões que, para a aprendizagem do conceito de sistema

de regulação, considero fundamentais. Estas questões dizem respeito aos seguintes

conceitos: sistema; sensor; controlador; variável controlada; erro; tempo de resposta;

retroalimentação negativa; retroalimentação positiva; homeostase e regulação.

As justificações foram solicitadas porque penso, como Pinchas Tamir (1989), que estas

têm, entre outras, as seguintes vantagens:

permitem identificar as concepções alternativas dos alunos e as ligações não

detectadas numa primeira observação;

permitem melhorar a compreensão das concepções alternativas dos estudantes

que escolhem as opções correctas.

Relativamente ao conceito de sistema, foram elaboradas 5 perguntas cujo conteúdo e

objectivos passo a enumerar:

As perguntas 1, 2, 3 e 4 são baseadas numa situação do quotidiano escolar.

A pergunta 1 destina-se a averiguar se o aluno encara os sis-temas como um

conjunto de elementos integrados.

A pergunta 2 tem como objectivo verificar se os alunos compreendem que um

sistema aberto está em permanente relação com o seu ambiente.

Page 130: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 129

A pergunta 3 serve para verificar se o aluno compreende que num sistema aberto

há entradas e saídas.

A pergunta 4 destina-se a avaliar se os alunos compreendem que um sistema

aberto está em permanente relação com o seu ambiente

As perguntas 5a, 5b1 são relativas ao conceito de sensor e destinam-se a

investigar se o aluno compreende:

5a que uma função dos sensores é detectarem variáveis externas.

5b1 que ele próprio é também um sistema e que entre os seus possíveis sensores

estão os orgãos dos sentidos.

5b2 que os centros nervosos desempenham uma função integradora: controladores.

A pergunta 6 destina-se a verificar se o aluno identifica um ciclo de retroalimentação

negativa, numa situação em que uma mudança na variável controlada leva a uma

resposta que tende a deslocar a variável controlada numa direcção oposta à da mudança

original.

7 Estas perguntas incidem sobre o conceito de retroalimentação positiva e permitem

concluir se o aluno compreende:

a que numa cadeia de retroacção positiva o efeito se soma à perturbação;

b uma representação gráfica, possível, de uma situação de retroalimentação positiva.

8a Permite verificar se o aluno identifica uma variável controlada com base na

leitura de uma tabela.

8b Possibilita concluir, tomando por base a leitura de uma tabela, que a regulação se

faz com erro.

8c Destina-se a analisar se o aluno compreende que os sensores detectam directa ou

indirectamente o valor da variável controlada (pergunta complementar de 5b1)

9 Destina-se a analisar se o estudante compreende que a reacção do "sistema

organismo humano" não é instantânea e, consequentemente, é capaz de inferir a noção

de tempo de resposta.

Page 131: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 130

10 Se o aluno compreende que os mecanismos reguladores permitem a manutenção

da estabilidade do organismo de uma forma compatível com a vida conceito de

homeostase.

11a, 11b e 11c desenvolvem-se à volta de uma análise bioquímica do sangue e têm

como objectivo o esclarecimento de uma situação clínica, permitindo verificar se o

estudante compreende que:

11a -as estratégias reguladoras implicam um termo de comparação;

11b -as estratégias reguladoras implicam um mecanismo corrector.

11c compreende uma situação em que uma mudança na variável controlada leva a

uma resposta que tende a deslocar a variável controlada numa direcção oposta à

mudança original, e, em consequência, é capaz de concluir que regulação e

retroalimentação negativa são fenómenos relacionados. Compreende também que a

regulação não visa a fixação de uma variável.

Foram formulados os seguintes objectivos:

a) Detectar, antes de leccionado o tema programático "Regulação dos ciclos

sexuais", quais as concepções científicas (com origem diferente da educação

formal) dos alunos e as suas concepções alternativas sobre o conceito de sistema

de regulação e os subconceitos por ele englobados, (de salientar que estes

conceitos, devido a não fazerem parte dos programas, nunca tinham sido

ensinados).

b) Analisar, depois de leccionado o tema, a evolução das concepções alternativas

dos alunos e das suas concepções científicas relativamente ao conceito de

sistema de regulação e aos subconceitos, por ele, abrangidos.

2. Fases de elaboração e de aplicação

a) Elaboração de um protocolo;

Page 132: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 131

b) Preparação do rascunho do questionário;

c) Discussão com um investigador na área da fisiologia animal (Centro

Gulbenckian de Ciência Oeiras), a fim de aferir o valor científico das

questões;

d) Discussão com professores de Biologia, do Ensino Secundário, tendo em vista

verificar a adequação pedagógica das questões;

e) Resposta ao rascunho do questionário por alunos da escola secundária Filipa de

Lencastre em Lisboa que frequentavam a mesma disciplina e que tinham a

mesma idade dos alunos e a quem seria aplicado o questionário depois de

concluído.

Após estas fases, o questionário foi dado e foi utilizado pela primeira vez, no estudo

piloto (página 89).

Page 133: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 132

ANEXO II

GRELHA DE ANÁLISE PARA AS RESPOSTAS DOS ALUNOS

Esta grelha, constituída por 18 items que seguidamente descrevo, foi elaborada para

avaliar os conteúdos das respostas dos alunos, das duas turmas, ao questionário assim

como dos documentos elaborados pelos estudantes ao longo da experiência. Na sua

elaboração tomei como referência os conceitos fundamentais que os alunos necessitam

construir, para alcançarem uma efectiva compreensão do conceito de sistema de

regulação.

1- o aluno faz um uso legítimo das palavras chave? (sensor; controlador; variável

controlada; erro; tempo de resposta; retroalimentação e regulação);

2- o aluno compreende que um sistema é um conjunto de elementos que interagem

entre si?

3- o aluno compreende que um sensor é uma entidade que detecta o valor de uma

grandeza variável?

4- o aluno compreende que um sensor é o primeiro elemento de uma cadeia de

regulação, que determina que o elemento seguinte funcione em função dos

valores da variável controlada?

5- o aluno compreende que um controlador é uma entidade integradora de sinais?

6- o aluno compreende que os sistemas de regulação não respondem

instantaneamente tendo, por isso, de haver um tempo de resposta ?

7- o aluno compreende que o erro se evidencia pelas variações da variável

controlada?

8- o aluno compreende que o erro define os limites da variável controlada, dentro

dos quais um sistema funciona normalmente?

9- o aluno compreende que, no sistema, a informação circula de tal modo que uma

modificação na variável controlada conduz a uma acção de rectificação daquela

modificação?

10- o aluno compreende que a regulação actua de modo a que uma variável varie

muito pouco, ou varie de uma maneira regular?

11- o aluno compreende que o conceito de retroacção implica os conceitos de

receptor, termo de comparação e corrector?

Page 134: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 133

12- o aluno compreende que, num ciclo de retroacção negativa, uma mudança na

variável controlada leva a uma resposta que tende a deslocar a variável

controlada na direcção oposta à mudança original?

13- o aluno compreende que, num ciclo de retroacção positiva, uma mudança na

variável controlada leva a uma resposta que tende a deslocar a variável

controlada, na mesma direcção da mudança original?

14- o aluno compreende que a regulação dos cíclos sexuais é controlada pela acção

conjugada de uma série de hormonas?

15- o aluno compreende que a concentração hormonal na circulação é a variável

controlada no controle hormonal da reprodução humana?

16- o aluno compreende que o cérebro é o principal controlador das hormonas

intervenientes na reprodução humana?

17- o aluno é capaz de compreender, através dos conceitos englobados pelo conceito

de sistema de regulação e das suas interdependências, os mecanismos

implicados no controle hormonal da função reprodutora humana?

18- o aluno compreende o funcionamento de um sistema de regulação?

Concretizando, o aluno compreende que:

para o sistema organismo humano manter a sua integridade face aos desafios

externos a que está sujeito, a cada instante, os seus componentes funcionais se

comportam de modo a que determinadas grandezas (variáveis controladas como

por exemplo a temperatura corporal) se mantenham relativamente invariantes ou

variem de maneira pré-definida;

a estratégia de funcionamento da quase totalidade dos sistemas biológicos é a

seguinte: o sensor estão colocados de forma a registar continuamente a variável

controlada num ou mais pontos do sistema regulado. Se o valor da variável regulada

se afasta do valor desejado (referência), o controlador (por exemplo o hipótalamo na

regulação da reprodução humana) vai actuar no sistema regulado de modo a corrigir

o valor da variável controlada;

existem afastamentos em relação ao valor da referência que são tolerados pelo sistema

(erro). Consequentemente, o sistema de regulação flutua continuamente dado que

Page 135: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 134

não actua enquanto os limites definidos pelo erro do sistema não forem

ultrapassados;

como as correcções da variável controlada não são instantâneas o sistema

responde com um certo atraso (tempo de resposta).

ACTIVIDADES LECTIVAS DURANTE A EXPERIÊNCIA

Os alunos trabalharam em grupo e participaram em debates. As actividades decorreram

de acordo com um plano que a professora propôs e discutiu com os alunos. Como

consequência destes debates resultaram dois planos um na turma A (turma

experimental) e outro na turma B (turma de controle) (Anexos 4 e 6). O objectivo

que se pretendeu alcançar com estes planos foi o de ajudar os alunos a não se

dispersarem, uma vez que no final de cada conjunto de actividades cada grupo elaborou

um documento síntese. A discussão dos documentos elaborados pelos alunos permitiu

manter ao longo da experiência um "feedback" que considerei fundamental para uma

efectiva construção dos conceitos pelos alunos.

Page 136: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 135

ANEXO III

Análise e discussão da forma como se operou a evolução conceptual na turma A

(experimental) e na turma B (controle)

TABELA 1

Frequências das categorias de resposta às perguntas do questionário, antes e

depois da aplicação das estratégias de

ensino-aprendizagem — turmas A e B.

Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26

Concepções cientificamente

Aceites

TA

Antes

TA

Depois

TB

Antes

TB

Depois

Sistema (1) 4,00% 45,80% 0,00% 23,00%

Sensor (5 b1) 0,00% 29,10% 0,00% 0,00%

Sensor (8) 0,00% 20,80% 0,00% 0,00%

Controlador (5 b2) 0,00% 29,10% 0,00% 3,80%

Retroalimentação negativa (6) 0,00% 8,30% 0,00% 0,00%

Retroalimentação positiva (7 a) 0,00% 29,10% 0,00% 11,50%

Retroalimentação positiva (7 b) 0,00% 45,80% 0,00% 7,60%

Variável controlada (8 a) 0,00% 12,50% 0,00% 0,00%

Erro (8 b) 0,00% 41,60% 0,00% 0,00%

Tempo de resposta (9) 0,00% 20,00% 0,00% 0,00%

Homeostase (10) 0,00% 4,10% 0,00% 0,00%

Page 137: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 136

Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26

Concepções cientificamente

Aceites

TA

Antes

TA

Depois

TB

Antes

TB

Depois

Regulação (11 a) 0,00% 4,10% 0,00% 0,00%

Regulação (11 b) 0,00% 41,60% 0,00% 7,60%

Regulação (11 c) 0,00% 16,50% 0,00% 0,00%

Respostas incompletas

Sistema (1) 44,00% 25,00% 33,30% 30,70%

Sensor (5 b1) 36,00% 25,00% 16,00% 34,60%

Sensor (8 c) 16,00% 33,30% 37,50% 19,20

Controlador (5 b2) 32,00% 37,50% 12,50% 38,40%

Retroalimentação negativa (6) 12,00% 83,30% 4,10% 50,00%

Retroalimentação positiva (7 a) 20,00% 29,10% 12,50% 23,00%

Retroalimentação positiva (7 b) 8,00% 16,60% 12,50% 30,70%

Variável controlada (8 a) 8,00% 41,60% 12,50% 19,20%

Erro (8 b) 28,00% 41,60% 16,60% 26,90%

Tempo de resposta (9) 8,00% 50,00% 8,30% 15,30%

Homeostase (10) 28,00% 87,50% 45,80% 15,30%

Regulação (11 a) 100,00% 95,80% 91,60% 96,10%

Regulação (11 b) 80,00% 58,30% 91,60% 88,40%

Regulação (11 c) 12,00% 16,50% 37,50% 11,50%

Page 138: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 137

Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26

Concepções cientificamente

Aceites

TA

Antes

TA

Depois

TB

Antes

TB

Depois

Concepções alternativas

Sistema (1) 4,00% 4,10% 20,80% 11,50%

120Sensor (5 b1) 28,00% 37,50% 8,30% 19,20%

Sensor (8 c) 40,00% 29,10% 41,60% 19,20%

Controlador (5 b2) 25,00% 20,80% 16,60% 26,90%

Retroalimentação negativa (6) 40,00% 4,10% 45,80% 23,00%

Retroalimentação positiva (7 a) 44,00% 20,80% 29,10% 26,90%

Retroalimentação positiva (7 b) 32,00% 16,60% 29,10% 3,80%

Variável controlada (8 a) 20,00% 37,50% 4,10% 11,50%

Erro (8 b) 24,00% 8,30% 0,00% 30,70%

Tempo de resposta (9) 28,00% 16,60% 16,60% 38,40%

Homeostase (10) 28,00% 0,00% 29,10% 0,00%

Regulação (11 a) 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Regulação (11 b)o 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%

Regulação (11 c) 48,00% 29,10% 45,80% 15,30%

Outras

Sistema (1) 48,00% 25,00% 45,80% 34,60%

Sensor (5 b1) 36,00% 8,30% 75,00% 46,10%

Sensor (8 c) 44,00% 16,60% 20,80% 61,50%

Page 139: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 138

Frequências n= 25 n= 24 n= 24 n= 26

Concepções cientificamente

Aceites

TA

Antes

TA

Depois

TB

Antes

TB

Depois

Controlador (5 b2) 44,00% 12,50% 70,80% 30,70%

Retroalimentação negativa (6) 48,00% 4,10% 50,00% 26,90%

Retroalimentação positiva (7 a) 36,00% 20,80% 58,30% 38,40%

Retroalimentação positiva (7 b) 60,00% 20,80% 58,30% 57,60%

Variável controlada (8 a) 72,00% 8,30% 83,30% 69,20%

Erro (8 b) 48,00% 8,30% 83,30% 42,30%

Tempo de resposta (9) 64,00% 12,50% 75,00% 46,10%

Homeostase (10) 44,00% 8,20% 25,00% 84,60%

Regulação (11 a) 0,00% 0,00% 8,30% 3,80%

Regulação (11 b)o 20,00% 0,00% 8,30% 3,80%

Regulação (11 c) 40,00% 37,50% 16,60% 73,00%

n= nº de alunos

TA Turma A (Experimental)

TB Turma B (controle)

1, 5 b1, 5 b2, 6, 7 a, 7 b, 8 a, 8 b, 8 c, 9, 10, 11

a, 11 b, 11 c

Perguntas do questionário

C – Concepções cientificamente aceites

I – Respostas incompletas

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 139

A – Concepções alternativas

O – Outras respostas (não sei, resposta em

branco, resposta errada, não justifica)

Categorias de respostas

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 140

ANEXO IV

INVESTIGAÇÃO EM GRUPO

Plano de actividades discutido e aprovado na turma A

Tema : Regulação dos ciclos sexuais no homem e na mulher

1ª fase - Detectar problemas - Entrega do documento 1;

2ª fase - Delinear planos de pesquisa - Entrega do documento 2;

3ª fase - Debate em classe;

4º fase - Desenvolver os planos de pesquisa - Entrega do documento 3;

5ª fase - Debate em classe;

6ª fase- Elaborar um documento síntese da investigação efectuada – Entrega do

documento 4.

Nota importante : o tema será tratado de um ponto de vista sistémico

Page 142: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 141

ANEXO V

Situação problemática, ocorrida no Bangladesh, apresentada nas turmas A e B

Tomando por base a investigação efectuada nas aulas anteriores, elabore duas hipóteses

explicativas para o problema que a seguir se enuncia:

Apesar de apenas 9% da população feminina do Bangladesh (país situado na Ásia) usar

contraceptivos, a taxa de natalidade é relativamente baixa. Entretanto, estudos

realizados permitiram concluir, que aquela taxa de natalidade corresponderia à

utilização de contraceptivos por 43% da população.

Nota importante: mencione os conceitos em que baseia as suas hipóteses.

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PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 142

ANEXO VI

Situação problemática, relativa ao conceito de regulação, apresentada nas turmas

A e B

Uma pessoa que ingere diariamente 150 mg de potássio por dia tem no seu sangue

4mg/dl. Suponha que essa pessoa duplica a ingestão diária de potássio indefinidamente.

No novo estado de equilíbrio qual será a quantidade mais provável de potássio no

sangue de pessoa:

- 8mg/dl;

- 4,4mg/dl;

- 4mg/dl

Justifique a sua opção.

Page 144: Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências

PARTE II ABORDAGEM SISTÉMICA ENQUANTO PRÁTICA PEDAGÓGICA

Pensamento Sistémico e Ensino das Ciências 143

BIBLIOGRAFIA BREVE

Bachelard G. A Epistemologia. Edições 70 - O saber da filosofia

Bachelard, G. (1986). O novo espiríto científico. Edições 70 - O saber da filosofia.

Bachelard, G. (1989). La formation de l’esprit scientific (4ªed) Libraire philosophique J.

Vrin Paris

Barth, B. (1996). Pratiquer la metacognition avec les élèves pour apprendre à réfléchir.

Cahiers Pedagogiquues, 344/345, 51-56

Ben-Zvi Assaraf, O. Tripo,J. & Yarden, A. (2009). Characterizing three levels of

systems thinking amongst 10th grade students while studying human biology

Billie Eilam, Yael Poyas (2008). Identifying Variables and Constructing Relations:

Effects of Multiple Images and Testes Stimuli

Bruner, J. (1998). O processo da educação. Nova Biblioteca 70. Edições 70

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