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VITÓRIA, SÁBADO, 27 DE AGOSTO DE 2011 www.agazeta.com.br Pensar O canto da liberdade Entrelinhas JORNALISTA RELATA SUA TEMPORADA EM UMA FAMOSA LIVRARIA DE PARIS. Página 3 Livro J Ô DRUMOND BRINCA COM AS PALAVRAS NOS CONTOS E CRÔNICAS DE TEARTE”. Página 4 Cinema MELANCOLIA” EXIBE A VISÃO DE LARS VON TRIER SOBRE AS RELAÇÕES HUMANAS. Página 8 História O PAPEL DA LEGIÃO NEGRA NA REVOLUÇÃO PAULISTA DE 1932. Páginas 10 e 11 COMO A MPB INSPIROU A SOCIEDADE A ENCONTRAR SUA FORÇA POLÍTICA. Páginas 6 e 7 Chico Buarque nos anos 70: um dos compositores mais censurados pela ditadura militar

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Suplemento de cultura de A Gazeta

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VITÓRIA, SÁBADO, 27 DE AGOSTO DE 2011www.agazeta.com.brPensar

O canto da liberdade

EntrelinhasJORNALISTARELATA SUATEMPORADA EMUMA FAMOSALIVRARIA DEPARIS.Página 3

LivroJÔ DRUMOND

BRINCA COM ASPALAVRAS NOSCONTOS ECRÔNICASDE “TEARTE”.Página 4

Cinema“MELANCOLIA”EXIBE AVISÃO DELARS VON

TRIER SOBREAS RELAÇÕESHUMANAS.Página 8

HistóriaO PAPEL DALEGIÃO NEGRA

NA REVOLUÇÃOPAULISTADE 1932.Páginas 10 e 11

COMO A MPB INSPIROU A SOCIEDADE A

ENCONTRAR SUA FORÇA POLÍTICA. Páginas 6 e 7

Chico Buarque nos anos 70: um

dos compositores mais

censurados pela ditadura militar

Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 22:19:36

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,27 DE AGOSTODE 2011

marque na agenda prateleiraquempensa

Mária Lacerda Santos NeveséredatorapublicitáriaeescrevenoblogTodososlivrosdomundo.http://todolivro.blogspot.com

AnaximandroAmoriméescritoremembrodaAcademiaEspírito-SantensedeLetras.www.anaximandroamorim.com.br

OswaldoOlearié jornalista, radialistaeeditordoportalwww.donoleari.com

AndréFilipePereiraReiddosSantoséprofessordocursodegraduaçãoedomestradodaFDV. [email protected]

AndréiaLimaé jornalistaealunaespecial doMestradoemLetras (Ufes)[email protected]

JoãoMoraesé jornalista,mú[email protected]

TavaresDiasé jornalistaeescritor,mestreemEstudosLiteráriospelaUfes. [email protected]

RonaldZ.Carvalhoé jornalista,profissionaldemarketingepoeta.www.ronaldcarvalho.blogspot.com

OswaldoFaustinoé jornalistadesde1976,escritoreestudiosoderelaçõesé[email protected]

A Importância de serPrudente eOutras PeçasOscar WildeEsta compilação dascomédias de costumes“Uma mulher semimportância”, “Um marido

ideal” e “A importância de ser prudente”destaca a produção de Oscar Wilde parao teatro e as inovações que o autortrouxe para a dramaturgia moderna.

424 páginas. Companhia das Letras. R$ 28,50

Hitch-22Christopher HitchensUm dos intelectuais maisinfluentes da atualidaderelaciona suas memóriascom acontecimentos quemarcaram o século XX,testemunhados por um

autor polêmico que é ateu praticante,defensor da Guerra do Iraque e crítico ferozdo trabalho de Madre Teresa de Calcutá.

560 páginas. Nova Fronteira. R$ 69,90

PersuasãoJane AustenConcluído um ano antes damorte de Jane Austen(1775-1817) e publicadopostumamente, seu últimoromance, que contém forteselementos autobiográficos,

aborda o risco de se dar conselhos – e de sesegui-los. Os dilemas afetivos de Anne Elliotsão narrados com graça, leveza e ironia.

256 págs. L&PM. Trad. Celina Portocarrero. R$ 15

BrooklynColm TóibínO premiado romance doautor irlandês narra odestino de uma jovem quedeixa a Irlanda no início dosanos 1950 em busca deuma vida melhor nos EUA,

mas é obrigada a voltar à cidade natal.

304 páginas. Companhia das Letras. R$ 49,50

CampusMBA em gestão da culturaA UVV recebe inscrições para pós-graduação na área, comaulas aos sábados, a partir de setembro. O curso terá 18 meses,com carga horária de 360 horas. Informações: www.uvv.br.

Cultura popularObra folclórica em troca de alimentosO escritor Luiz Guilherme Santos Neves lança a segunda ediçãodo “Breviário do Folclore Capixaba”, na próxima terça-feira, às18h30, na Fafi. Os livros serão trocados por donativos em favordo Serviço de Engajamento Comunitário (Secri).

28de agostoMestres nasbancasA GAZETA traz amanhão segundo volume daColeção Gênios da Arte,dedicado ao pintorespanhol Salvador Dalí.A série traz obrasluxuosas sobre 12grandes artistas dediferentes épocas. Como selo promocional queé publicado no jornal,mais R$ 17,99, o leitorterá direito a umexemplar da coleção.

3de setembroSaga familiar na Bienal do RioA escritora capixaba Chirlei Wandekokenlança nesta data o romance “O Vento dePiedade” (editora Canápe), na BienalInternacional do Rio de Janeiro, e no dia30 de setembro, na livraria Saraiva doShopping Vitória. O livro é uma sagafamiliar que tem início em 1956.

José Roberto Santos NeveséeditordoCadernoPensar, novoespaçoparaadiscussãoe reflexãocultural quecirculasemanalmente, aossábados.

[email protected]É PRECISO SEGUIR A CANÇÃO

É possível fazer um artigo sobre a MPB sem citar umúnico compositor ou letra de música? André FilipePereira Reid dos Santos, professor de graduação e demestrado em Direitos e Garantias Fundamentais, provaque sim. Um dos palestrantes do seminário Anistia eJustiça de Transição, realizado pela OAB-ES nesta se-mana, no auditório da Rede Gazeta, André apresenta naspáginas 6 e 7 as razões históricas que levaram o campocultural brasileiro a ser também um espaço de con-testação política contra regimes ditatoriais. “Mas só issonão basta, é preciso seguir a canção e tomar as ruas,

ocupar esse espaço que deveria ser destinado também àpolítica”, observa o especialista. Ainda no campo dahistória, o jornalista Oswaldo Faustino relata um epi-sódio pouco conhecido da Revolução Constitucionalistade 1932: a participação dos negros na revolta paulistaque visava depor Getúlio Vargas e promulgar uma novaConstituição. A edição desta semana traz ainda asimpressões de Andréia Lima sobre “Melancolia”, novofilme do cineasta dinamarquês Lars von Trier, além deresenhas de livros, crônicas, poesias, memória. Boaleitura, bom sábado, bom Pensar!

Pensar na webVídeodeBillyBlanco, trailerdosfilmesdeLarsvonTrier,poesiasdeFlorbelaEspanca,músicascensuradaspeladitaduramilitaretrechosde livroscomentadosnestaedição,nowww.agazeta.com.br

PensarEditor: José Roberto Santos Neves;EditordeArte:Paulo Nascimento;Textos:Colaboradores;Diagramação:Dirceu Gilberto Sarcinelli;Fotos:Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações:Editoria de Arte;Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

RenataBomfimémestreedoutorandaemLetraspelaUfes.AutoradoblogLetraeFel.www.letraefel.blogspot.com

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queixava de que “eles nem ao menosvão lê-los”.Sobrevivendo às excentricidades de

George e seus hóspedes, a estadia nalivraria torna-se para Mercer uma ex-periência altamente enriquecedora. Aofim de algunsmeses, tendo alugado seupróprio apartamento, ele encontra umjeito de retribuir a hospitalidade doamigo usando para isso seu talento nojornalismo investigativo.“Um livro por dia” sugere ser, à

primeira vista, uma obra sobre o amoraos livros. Também pode parecer – e é –a história da Shakespeare & Company ede seu fundador, o inquieto GeorgeWhitman. Mas no fim, acaba se re-velando um livro sobre encontros e oque eles podem provocar na vida deuma pessoa.PS: Museu vivo de livros, a livraria

de George mantém-se, firme e forte,agora sob o comando de sua filhaSylvia BeachWhitman, num charmosoquarteirão da Rive Gauche, às mar-gens do Rio Sena. Com sorte, é possívelflagrar George, quase centenário, des-cendo ao primeiro andar para bus-car o jornal do dia.

entrelinhaspor MÁRIA LACERDA SANTOS NEVES

UTOPIA SOCIALISTAEM FORMA DE LIVRARIA

UM LIVRO POR DIA - Minhatemporada parisiense naShakespeare and CompanyJeremy Mercer. Casa daPalavra. Trad.: AlexandreMartins. 329 páginas.Quanto: R$ 42, em média

Em “Um livropor dia”,

jornalistacanadense

relata os mesesque viveu entreos milhares de

volumes dalendária livraria

Shakespeareand Company,

em Paris,fundada pelo

excêntricoGeorge Whitman

(ao lado)

uem de nós, aficionadospor livros, nunca se ima-ginou, ainda que de for-ma utópica, morandoem uma livraria, repou-sando em meio a diá-logos imaginários com

Machados, Saramagos e Tolstois?Fantasias à parte, foi exatamente o

que o jornalista canadense JeremyMer-cer fez quando, após uma insólita per-seguição em seu país, acabou indoparar, de mala e cuia e quase semdinheiro nas portas da livraria Sha-kespeare & Company, em Paris. A aven-tura é relatada em “Um livro por dia –Minha temporada parisiense na Sha-kespeare & Company”, publicado pelaeditora Casa da Palavra.Era janeiro de 2000, na virada do

milênio quando o acaso colocouMercerfrente a frente com o excêntrico GeorgeWhitman, na época quase octogenário,proprietário daquela que este mesmodefinia como “uma utopia socialista emforma de livraria”.Vale esclarecer que a Shakespeare &

Company de George teve sua origeminspirada na livraria homônima fun-dada por Sylvia Beach, famosa na pri-meira metade do século XX por ser umponto de encontro dos jovens escritoresda “geração perdida”. Sylvia fechou asportas em1941, sob pressão do nazismoe uma década depois, num prédio doséculo XVIII, George inaugurou sua lo-ja.Ainda hoje a pitoresca livraria tem

por tradição acolher “almas perdidas eescritores necessitados”, segundo a fi-losofia de seu fundador. Em troca deum lugar para dormir, os hóspedes sóprecisam ajudar nas tarefas diárias ecumprir uma inusitada missão: escre-ver ali uma obra e – sabe-se lá como –ler um livro por dia.Com habilidade jornalística, Mercer

descreve os quatro meses que viveuentre os milhares de volumes da li-vraria, que recebe turistas do mundointeiro, a maioria atraída por lendascomo a de que George seria filho dopoeta Walt Whitman e de que Sha-kespeare em pessoa teria morado ali.Não é lenda, porém, o fato de que pelolocal já passaram dezenas de milharesde escritores e artistas, incluindo no-mes famosos como Henry Miller, AnaïsNin, Jack Kerouac e Allen Ginsberg.Em sua temporada na Shakespeare&

Company, Mercer torna-se amigo deKurt, um jovem norte-americano quetenta transformar em romance o ro-teiro de seu primeiro filme; vive mo-mentos impagáveis com o enigmático

poeta inglês Simon, ex-alcoólatra eusuário de haxixe; e acaba se apai-xonando por Elina, uma linda artistaplástica romena nada convencional.Mas a figura mais intrigante é o pró-prio George, um sonhador com ideiascomunistas e um estilo de vida muito

peculiar. Comandando de forma caó-tica a contabilidade da livraria, guar-dava dinheiro nas estantes e até mes-mo embaixo dos colchões. Não poracaso, o local era alvo de ladrões quesurrupiavam os livros à menor dis-tração do proprietário, que apenas se

Q

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“TeARte”, o oitavo livro de Jô Drumond, é marcado pela dualidade, a começar pelo títuloque faz uma brincadeira entre as palavras tear + arte, fruto das reminiscências da autora

livrospor ANAXIMANDRO AMORIM

BRIQUITANDOCOMAS PALAVRAS

GILDO LOYOLA/28/04/2010

TEARTEJô Drumond. Ed. Scortecci.110 págs. Quanto: R$ 25, àvenda na rede de livrariasLogos ou pelo sitewww.scortecci.com.br

TRECHO“Herdei de minha mãe o gostopor tessituras. Diante dela,junto ao tear, meus olhosinfantis observavam horas a fioum infinidade de meadaspolicromáticas. Túnicaentretinha-se, silenciosa emeticulosamente, entretecendoformas e matizes. Distraída,entre a trama e a urdidura,criava abstrações geométricasao sabor das horas.Interpunham-se tempo eantitempo; esvaía-se a noçãotemporal.Tal e qual Tunica, por herançabenigna, mergulho em tessiturase perco-me no desvão do tempo.Não mais diante do tear, masdiante do visor do computador.Fios e cores cedem lugar a

sintagmas e lexemas. Letra porletra, palavra por palavra, frasepor frase, prossigoprazerosamente a urdiduraverbal.Minha mãe já se tornou etérea,há algumas décadas. Noentanto, suas tessituras, aindaem cores vivas, decoram nossoslares. Fugaz passageira domundo, qual névoa fátua,dissipar-me-ei também no vácuouniversal. Nossas tramastextuais, sejam elas imagéticasou verbais, são pingos deeternidade. (...) essa será minhatênue vingança contra ainexorabilidade do tempo.”

Trecho da crônica “TeARte”, de JôDrumond

“Nos 29 contos e crônicas do livro, Jô Drumond trabalha com memória e quotidiano e inclui citações do mineiro Guimarães Rosa, uma de suas paixões literárias

TeARte” é o 8º livroda escritora JosinaNunes Drumond,ou Jô Drumond,doutora e mestreem Literatura,

membro da Academia Espírito-San-tense de Letras e professora e tra-dutora juramentada de francês. Lan-çado originalmente em 2010 e per-meado com 29 textos curtos, dentrecontos e crônicas, “TeARte” é um livromarcado pela dualidade, a começarpelo título, uma brincadeira entre aspalavras tear + arte, como explica aprópria Jô, que, propositalmente, es-tampou na capa do livro um bordadode sua mãe, provando que a arte detecer, de fato, passa de mãe para filha,aquela, com linha e agulha e esta, comimaginação e palavras.“TeARte”, basicamente, trabalha

com memória e quotidiano. Prati-camente metade do livro é recheadadas reminiscências da autora. Na-tural de Minas Gerais, numa loca-lidade chamada Charneca, no sertãomineiro, Jô retrata o universo dos“causos” do interior. Coisas da épocaem que as pessoas moravam “na ro-ça” e tinham tempo de sentar emvolta de uma fogueira para prosear eaté se dar o luxo de temer fantasmas,mulas sem cabeças, entidades quenão fazem medo a criança alguma dehoje em dia! Destaque para os es-critos “Dona Tunica”, em que a autorahomenageia a mãe, “Xibiu, o con-

tador de causos”, “Rosilho, o cavaloladino” e o engraçadíssimo “Lazim eCata-pagode”.O quotidiano é, por seu turno e em

sua maioria, retirado de fatos de jor-nais e revistas, numa linha mais ur-

bana. Aí, a escritora demonstra, dentreoutras qualidades, privilegiada ima-ginação, ao conseguir construir, a par-tir de documentos autênticos, textosficcionais recheados com mais dua-lidade, seja com “A triste sina de Per-

pétua”, “O alpinista escalafobético”,“Janela indiscreta” ou “Severina Re-tirante”, texto um pouco mais longo,meio Clarice Lispector, meio folhe-tinesco, que abre possibilidades atépara ser romanceado.A linguagem em “TeARte” é um show

à parte. Jô Drumond é uma daquelasfelizes escritoras que conseguem tran-sitar entre o erudito e o popular comtotal maestria. O cuidado com a com-preensão, aliás, pontua o texto. Asepígrafes em francês vêm com a res-pectiva tradução. Nos textos, os termossão explicados, como em “Briquitandocom as palavras”, crônica memorialistaem que ela relata a dualidade (maisuma vez!) entre a linguagem do sertãode Minas, de seu pai, com a da cidade,da autora.Por falar em “briquitar com as

palavras”, “TeARte” é pontuado, emsua maioria, por citações do mineiroGuimarães Rosa. Além de conter-râneo de Jô, Rosa é uma das paixõesliterárias da autora. Foi ele quemmelhor descortinou a fala dos sertõesmineiros, com termos como “briqui-tar” (pelejar), “estorvar” (incomo-dar), “chaleirar” (bajular), dentreoutros. A identificação foi tamanhaque a autora, além de se tornar umadas autoridades na obra Roseana, nosbrindou com seu “TeARte”. A vocêleitor, resta, agora, o ofício de tam-bém “briquitar” com as palavras edeixar-se enredar na teia lexicalde Jô Drumond.

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nha”, acarinhando. Surgia aí “A Bancado Distinto”. O do uísque 25 anosjamais cumprimentou Dolores Duranoumandou blilhetim agradecendo. Do-lores também faz parte do privilegiadociclo de inovadores da música bra-sileira. Pré-velha bossa nova.“Teresa da Praia”, parceria com Tom

Jobim, com quem faria outras e a“Sinfonia do Rio de Janeiro”, juntouduas vozes mudernas, Dick Farney eLúcio Alves, pondo fim também à pre-tensa rivalidade entre os dois, alimen-tada por colunas de mexericos. Ima-ginou-se candidato numa letra sarcás-tica, “retratando” políticos. Diria aos 86anos que o véio estava desgastado:“Tem muito ladrão”.Billy nunca envelheceu. Aos 66 anos,

abandonou a arquitetura, ficou só namúsica. Compunha todos os dias. Foimoderno, atual, crítico, cínico,bem-humorado, preservacionista – “Oboto Falou”, que gravou com todos osnetos, – inigualável nos seus 61 anos damais fina música popular, que nuncateve influência do jazz. Sua obra pas-saria incólume com ou sem a velhabossa nova. É um legado e nos redimeum tiquim do festival de besteiras queassola o país, como diria StanislawPonte Preta escrevendo e BillyBlanco compondo e cantando.

falando de músicapor OSWALDO OLEARI

BILLY BLANCONUNCA ENVELHECEU

A LETRAA BANCA DO DISTINTONão fala com pobre, não dá mão apretoNão carrega embrulhoPra que tanta pose, doutorPra que esse orgulho

A bruxa que é cega esbarra nagenteE a vida estancaO enfarte lhe pega, doutorE acaba essa banca

A vaidade é assim, põe o bobo noaltoE retira a escadaMas fica por perto esperandosentadaMais cedo ou mais tarde ele acabano chãoMais alto o coqueiro, maior é otombo do coco afinalTodo mundo é igual quando a vidaterminaCom terra em cima e na horizontal

WILTON JUNIOR/AE

O compositor, que morreu no último dia 8 de julho: cronista ferino da Zona Sul

Depois de falar deJoão Gilberto, malsabia que voltarialogo a outro oiten-tão – digo, oitentae setão – ídolo, en-

riquecedor, um que foi de antes, de dedurante e de depois da velha bossanova” – disse este repórter em suaúltima crônica para o Caderno 2, emjulho último.Quemnão conhecesse abiografia doDr.

William Blanco Abrunhosa Trindade ja-mais diria não se tratar de umcarioca, safonas malandrices e perfeito nas manhascariocas. Conhecido por Billy Blanco, já noprimeiro dos anos 1950 emplacava doisprimeiros 78 rpm: “Pra Variar”, com Anjosdo Inferno, em 1951, e “Outono”, comDolores Duran, então sua namorada. Billycompunha um elenco primoroso com Do-rival Caymmi, cuja “Marina” foi gravadaem 1946, Johnny Alf, Radamés Gnatalli,Garoto,OsCariocas, entreoutrosdaviradada música popular para uma nova era.Sem rótulo.Billy Blanco terá sido omais carioca dos

cronistas musicais do Rio de Janeiro, ape-sar de paraense, equiparando-se a SergioPorto/Stanislaw Ponte Preta como o maisgenuíno cronista carioca. Dizia que oouvira no rádio desde menino, em Belém,mas não se via um seguidor de Noel Rosa,outro cronista musical.Billy foi o cronista ferino da cena da

Zona Sul. Com “A Banca do Distinto”,“Mocinho Bonito”, gravado por DórisMonteiro em 1956, “Camelô”, “Estatutode Gafieira”, Billy fustigou as altas rodas,os bacanas, os que viviam de aparência.Dóris Monteiro, uma graça de voz, sur-gidano contextodeoutras vozesdeoutraera, como Lucio Alves, Dick Farney, en-cantou com “Mocinho Bonito”, nadamais do que um registro do bonitão quenasceu no Estácio, mas vivia em Co-pacabana com “vintão por semana”, queBilly foi atualizando diante da inflaçãogalopante – sempre atual.Em “A Banca do Distinto”, gravada

em 1954 por Isaura Garcia, revelava oartista na linha de frente contra ospreconceitos. A letra foi um protestocontra um fiel frequentador da boateno Beco das Garrafas, onde cantavaDoloresDuran, uma, comperdão damápalavra, afrodescendente. O fino ci-dadão, que bebia uísque 25 anos, deterno, gravata, sentava numa mesapróxima ao palco. Chamava o garçom:- Diga à negrinha pra cantar “Nunca”

(de Lupicínio Rodrigues). Chamava odono da boate e dizia: “Mande a ne-grinha cantar...” Não era um “negui-

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ESPECIALISTA APONTA AS RAZÕES QUE LEVARAM A ÁREACULTURAL A OCUPAR O ESPAÇO DA CONTESTAÇÃO POLÍTICA

ensaiopor ANDRÉ FILIPE PEREIRA REID DOS SANTOS

MÚSICA DEPROTESTOBRASILEIRA

Das poesias dos Inconfidentes ao hip-hop de São Paulo, passando pelos contos de Lima Barreto, pelo samba ou o Cinema Novo, a cultura brasileira apropriou-se desde muito cedo da arena política

DIVULGAÇÃO

No alto, Geraldo Vandré, autor de “Caminhando”, tambémconhecida como “Pra não dizer que não falei das Flores”, que setornou um dos maiores hinos de protesto contra a ditaduramilitar; para alguns críticos, repercussão da música lançada em1968 foi um dos estopins para a decretação do AI-5. Nodestaque, Gilberto Gil, autor de “Geleia geral”, parceria comTorquato Neto censurada pelo regime (abaixo). À esquerda, vetoda censura à canção “Bolsa de amores”, de Chico Buarque

Ao escrever um artigo sobremúsica brasileira possocriar em você a expectativade conhecer mais sobre es-tética musical; ou identi-ficar erros e acertos das

letras e poesias dos principais artistasnacionais; oude lerumtextohistórico, ounostálgico, sobre músicos brasileiros. Na-da disso estará presente nesse artigo. Oobjetivo central aqui é refletir sobre a tãofalada apatia política da sociedade bra-sileira, estabelecendo o campo artísti-co-cultural, particularmente, o da mú-sica, como um espaço eleito pelos artistaspara realização de atividade política nu-ma sociedade em que: 1) o espaço ade-quado para isso, o espaço público, foiconstituído como um espaço para poucose 2) o estado (com letra minúsculamesmo) foi, historicamente, o principalinibidor das atividades políticas. Pre-tendo demonstrar que são históricos eculturais os motivos que levaram o cam-po artístico-cultural brasileiro a ser tam-bém um espaço de contestação política.Quando os músicos brasileiros re-

solveram contestar o autoritarismo deestado dos governos militares, usando eabusandodas dubiedades nas letras, nãoestavam inovando tanto: as manifes-

tações culturais e artísticas brasileiras jáeram conhecidas por sua capacidadecrítica em relação à própria realidadepolítica e social do Brasil. Das poesiasdos Inconfidentes ao hip-hop de SãoPaulo, passando pelos contos de LimaBarreto, pela temática social das pin-turas de Portinari, pelo samba ou oCinema Novo, a cultura brasileira apro-priou-se desde muito cedo da arenapolítica. E essa é uma característica atébastante democrática do campo culturalbrasileiro: de movimentos artístico-cul-turais elitizados, como os dos jovens declasse média alta carioca da bossa nova,a movimentos populares como o funk, adenúncia social e a contestação políticaestiveram sempre em pauta nas pro-duções culturais brasileiras.Mas por queserá que o campo cultural brasileiroincorporou o espaço da política?A sociedade brasileira é tida como

uma sociedade politicamente apática,que não participa do processo histórico,que vê a banda passar. Essa ideia fazparte do imaginário social dos bra-sileiros, fazendo com que você se per-gunte os motivos pelos quais nós bra-sileiros suportamos o que deveria serinsuportável: desigualdades sociais,corrupções, criminalidades...

Na virada do século XIX para oséculo XX, o senador Aristides Lobopublicou um artigo em que dizia queos brasileiros assistiram bestializadosà proclamação da República. O que osenador publicara não estava em dis-cordância com o pensamento da épo-ca, e que se mantém vivo ainda hoje,sobre a indolência política dos bra-sileiros. Desde o século XIX a so-ciedade brasileira era analisada comouma sociedade com um baixo nível desolidariedade social, o que provocavao chamado “atraso brasileiro”. A dis-cussão dos intelectuais visando su-perar o “atraso brasileiro” e constituiruma sociedade moderna encontroudiferentes explicações para o pretensoinsolidarismo social, e que provocavaapatia política. Entre as principaiscausas destacavam-se o problema dolongo período de escravidão, o de-terminismo geográfico e climático oua genética e a mistura de raças. Porfatores diferentes, para essas expli-cações a sociedade brasileira estavafadada ao “atraso”.No entanto, apesar da disseminação

de análises que questionavam a ca-pacidade de mobilização política dosbrasileiros, a história demonstrava a

existência de movimentos contestató-rios, entre os quais os movimentosinsurrecionais do período monárquico(Conjuração Baiana, Sabinada, Balaia-da etc.) e movimentos contestatóriosdo período republicano, que vão demovimentos messiânicos (Canudos eContestado) a movimentos de lutas pordireitos (Anarco-Sindicalismo, LigasCamponesas, Novo Sindicalismo etc.).Se há evidências históricas da exis-tência de movimentos políticos de con-testação da ordem, não se pode dizerque o brasileiro seja tão politicamenteapático assim. Embora, de fato, osbrasileiros, ainda hoje, resistam à ocu-pação dos espaços públicos para con-testação política. Então, o que produziuesse retraimento do brasileiro em re-lação à arena política? Emais: se houveuma restrição da arena política comoespaço de contestação, pra onde sedirigiu tal força contestatória? Que es-paço ela ocupou?

RepressãoUmacoisa emcomumnosmovimentos

de contestação política no Brasil é oseu fim: quase todos foramdizimadosou reprimidos com extrema violência>

por parte do estado. Por parte de umestado que precisava semostrar forte

para a manutenção da ordem e, con-sequentemente, para a superação do“atraso”, o que está em consonância como lema estampado na bandeira do Brasil.Quem observa as fotos da morte deLampião e seus cangaceiros, ou de An-tonio Conselheiro, ou sabe dos relatos damorte de Tiradentes, percebe a presençadesse estado forte que pune com rigorpara dar exemplo de que movimentoscontestatórios não são tolerados. E aquichego onde pretendia, afirmar que ocampo artístico-cultural foi utilizado co-mo área de escape para o exercício deuma atividade política contestatória quenão podia se realizar no espaço público.Como “para bom entendedor meia pa-lavra basta”, a sociedade brasileira apren-deu muito cedo que a arena política foiconstituída como um espaço artificial noBrasil, que nunca foi para o exercício dadiscordância, da democracia, mas apenascomo espaço de ratificação das decisõespolíticas dos grupos dominantes. Querdizer, nossa apatia política se realizaespecificamente na ocupação do espaçopúblico, o que não quer dizer que não seconteste a ordem estabelecida por outrasvias, dentre os quais a música.

Luta por direitosQuero marcar a ideia de que a música

brasileira foi um dos espaços do campoartístico-cultural ocupadosparaoexercícioda política. O que os compositores bra-sileiros fizeram de modo velado e in-teligente durante os diferentes governosmilitares para contestar a ordem esta-belecida não era nenhuma novidade; jáfazia parte da tradição política brasileiraadotaraproduçãocultural comocampodeação política, pra tentar fugir dos rigoresdo estado sancionador. O meu argumentoé que a excessiva presença do estado navida da sociedade brasileira inibe a açãopolítica no espaço público, deslocandohistoricamente essa ação para o campoartístico-cultural. Isso significa, na prática,um estado politicamente disciplinador/as-sistencialista e uma sociedade politica-mente indisciplinada/carente. E esses doisaspectos se retroalimentam num ciclo vi-cioso, mantendo viva a apatia política.A música de protesto pode inspirar a

sociedade a encontrar sua força políticade luta por direitos e auxiliar na cons-cientização sobre a própria realidadesocial. Mas só isso não basta, é precisoseguir a canção e tomar as ruas, ocuparesse espaço que deveria ser destinadotambém à política. Mas se essa ocu-pação incomodar você, meu argumentopode estar certo: temos uma dificul-dade (histórico-cultural) enorme de va-lorizar os movimentos contestatórios eisso mantém viva a apatia política edificulta a consolidação da nossa de-mocracia. Mas a contestação sempreestará por aí, pra quem quiser ouvir.

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Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_6.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 22:38:24

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,27 DE AGOSTODE 2011

cinemapor ANDRÉIA LIMA

A CÂMERA FABULOSA E NIILISTADE LARS VON TRIER, EM 3 ATOSCom fotografia exuberante e diálogos repletos de simbolismo, o drama psicológico“Melancolia” exibe a visão do diretor dinamarquês sobre a vida e as relações humanas

Filmes marcantes do diretor

DIVULGAÇÃO

A trama gira em torno da expectativa da passagem do planeta Melancholia pela Terra, mas é o drama pessoal de Justine (Kirsten Dunst, à esq.) que revela a ironia do filme

Europa (1991)“Europa” é terceiro longa de Lars Von Trier, depoisde desenvolver “O elemento do crime” (1984) e“Epidemia” (1987). Os três filmes são marcadospor técnicas diferenciadas na composição daimagem. Em “Europa”, a tonalidade preto/brancodomina a cena para contar a história de umjovem que sai da América e vai para a Alemanhano pós-guerra. A destruição, o desemprego e ainflação atormentam o país enquanto doenças sepropagam.

Dançando noescuro (2000)A cantora Björké aprotagonistadeste longaque foi ograndevencedor doFestival deCannes de2000. Elainterpreta umamãe solteiratcheca que vaimorar nosEstados Unidospara tratar deuma doençaque seu filho

um dia poderá herdar dela: a deficiênciavisual. Ela precisa guardar dinheiropara pagar a cirurgia do menino, mastrágicos acontecimentos mudamo rumo da história.

“ Dogville (2003)Em um tablado, com ocenário riscado a giz nochão, poucos elementoscenográficos e umailuminação artificial,“Dogville” dialoga com oManifesto Dogma 95,

criado por Von Trier e Thomas Vinterberg, noqual a criação de um filme deve seguir regrasdeterminantes: não utilização de cenário, somnatural e câmera na mão. O longa se passa nosanos 1930 e conta a história de umadesconhecida, interpretada por Nicole Kidman,que aparece em Dogville fugida de gângsters.

Maderlay (2005)É a continuação de “Dogville”. Após abandonar acidade, a jovem desconhecida, agora interpretadapela atriz Bryce Dallas Howard, e seu pai vãoparar às portas da Fazenda de Maderlay, no Suldos Estados Unidos. Lá eles se deparam comuma estrutura escravagista complexa queenvolve empregados negros e patrões.

Anticristo (2009)O filme causou furor e mal estar no Festival deCannes de 2009 e premiou a atriz CharlotteGainsbourg. A trama psicológica envolve umcasal que entra num estado de depressãoprofunda após a perda do filho único. O fato fazcom que eles se mudem para uma casa nomeio de uma floresta e vários acontecimentospassam a atormentá-los. A simbologia, aviolência e as cenas de sexo marcam o filme,para alguns, de forma chocante, para outros, deforma sublime.

Se pudesse acontecer(o fim domundo) emum instante, a ideiame atrai. Então, se to-do o sofrimento e an-siedade desapareces-

sememumflash, provavelmente apertariao botão eu mesmo, se ninguém tivessedor”. A declaraçãododiretor dinamarquêsLars Von Trier anuncia a visão niilista queacompanha o cineasta e extrapola em seuúltimo longa: “Melancolia” (2011), emcartaz no Cine Jardins. O filme é divididoem três atos ornamentados por imagensespetaculares, cenografia meticulosa, diá-logos desconcertantes e repletos de sim-bologia. A trama é sobre a expectativa dapassagem do planeta Melancholia pelaTerra, mas é o drama pessoal de Justine(Kirsten Dunst), alter ego do diretor, querevela a ironia e a acidez da película.

PrelúdioAqui se forma o ato que delineia o

início do filme. Ao som da ópera “Tris-tão e Isolda”, de RichardWagner, serãodez minutos de uma câmera super-lenta com imagens fabulosas que re-ferenciam – ora de forma direta ora deforma lúdica – inúmeras obras de arte,tais como “Caçadores na neve”, dePieter Brueguel, e “Ophelia”, de JohnEverett Millais. As metáforas seguemem pinturas “vivas” como as imagensdo relógio de sol, os três corpos ce-lestes, a mãe que carrega o filho, oumesmo, o cavalo que cai em derrocada(a simbologia do cavalo negro é o mal,coincidência?). A fotografia é assinadapelo chileno radicado na Dinamarca,Manuel Alberto Claro, e a direção dearte é de Simone Grau.

Parte 1: JustineÉ o casamento de Justine (Kirsten

Dunst) eMichael (Alexander Skarsgard)namansão de sua irmã Claire (CharlotteGainsbourg) e seu cunhado John (KieferSutherland). Uma festa deslumbrante,

mas que aos poucos manifesta um teorconstrangedor revelado em close-upsinvasivos em uma câmera que chicoteiae dá cortes bruscos. É a regra “câmera namão”, exaltada por Lars Von Trier. Nestaparte da película a simbologia surge em

momentos como o surto de Justine, quetroca os livros compinturas abstratas porlivros compinturas representativas, ima-gens reveladas no prelúdio; ou mesmoem momentos como a observação deJustine sobre o sumiço da estrela ver-melha de Antares.

Parte 2: ClaireNeste terceiro e último ato, o pro-

tagonismo de Justine divide a cena comClaire. As imagens se reconfiguram deformamais sóbria: é o auge da depressãode Justine, o que faz com que Claireassuma o papel de “mãe” em face dafragilidade com que Justine se apresenta.As cenas se passam na mansão de Claire,Johnede seu filho, Leo (CameronSpurr).Àmedidaque se aproximaapassagemdoplaneta Melancholia pela Terra, Justinemostra uma postura fria e amarga, comtiradas do tipo “A Terra é má e ninguémsentirá sua falta”; já Claire revela umpavor inimaginável para a personalidadeque vinha traçando. A troca de papéispossibilita um novo olhar sobre as per-sonagens, introduzindo assim a noção definitude das coisas ou mesmo a falta desentido delas.“Melancolia” passeia por temas fi-

losóficos, teológicos, psicológicos, etransborda simbologia. Um filme que sefor esmiuçado, desnuda uma relaçãoíntima do diretor com elementos ar-tísticos, mas também profanos, ma-cabros e numerológicos. A contar asdiversas alusões aos números 9 e 3, taiscomo a citação à Nona Sinfonia deBeethoven ou os três personagens queficam ao final da trama. Um deleite aosque buscam enigmas, mas tambémuma fruição única da sétima arte.

Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_8.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 21:07:40

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poesias

A SOMBRADO PAIRONALD Z. CARVALHOEla chega, carinhosamente,Silenciosamente,e me leva ao meu pai.

Seus cabelos encaracoladosde finos fios brancos,que eu sei mal pintadosde um feio vermelho pálidoperdem-se no tempo da memória.

Cabelos que voam ao ventoenquanto a voz,suave quando ela assim o deseja,fala sempre com ternurado meu pai.

Seu perfume docemisturado ao cheiro do corpo,a cara enrugada,feia quase,me fazem chorar.

Face triste e clara,Que nas noites escuras,Cheias de sons antigos,me lembram meu pai.

As mãos, cansadas, trêmulas,unhas pintadas,carregadas de carinhos e lembranças,mãos que se movimentamnum distante tempo quase esquecido.

Mãos cansadas que tomam minhas mãose as colocam sobre as mãos de meu pai.

São muitas noites assim,recordadas,muitos dias da infância perdida.Mãos quentese suaves da minha mãe.Suavemente colocadas, com doçura,sobre as mãos ásperas e friasde meu pai.

crônicas

CHACALpor JOÃO MORAES

Ganhei do amigo e parceiro em tantascanções, Jorge Petrúcio, a biografia doRicardo Chacal, punhalada pelo pró-prio. Uma autobiografia que atendepelo nome: “Uma História àMargem”.Lendo, me reencontro, nas lembrançasembaçadas, de algumas vezes que es-tive com o bom Chacal. A primeira vez– e não me venham com essa de quenunca se esquece: a minha primeiravez, de tão ruim, merece um esque-cimento absoluto de alvenaria – que vie estive com ele foi durante a ColunaVoadora em 1986. A Coluna Voadorafoi uma das aventuras mais circensesda produção cultural brasileira recen-te. Noventa artistas em três ônibus, portrês dias, subindo do Rio de Janeiro aSão Luís do Maranhão, fazendo váriasapresentações pelo caminho; Vitória,Itabuna, Petrolina, Teresina e ummon-te de lugarejos atacados pela horda deartistas sedentos por esburrar. Viajeicom o espetáculo, escrito e encenadojunto comBussunda, “OAnão, o Limão

e a Nina”. Uma mistura heterodoxa demúsicas autorais, Sérgio Sampaio, per-formances coreográficas e humor.Chegando em São Luís, fomos alo-

jados num casarão sem banheiro paraa necessidade 2. Apenas um chuveiroque ficava nos fundos do térreo ondetodos tomavam banho sob os olharesda eterna fila do banheiro. Com agente viajou o mestre Darcy da Ser-rinha e seu grupo de jongo. Eles seorganizavam para tomar banho às cin-co da madruga, na doce ilusão de que,a essa hora, ninguém estaria na fila,mas esqueceram que a madrugada éum corpo denso que gravitaciona osartistas boêmios. O resultado dessabramura foi que as senhorinhas dojongo da Serrinha, todas com mais de70, acabaram aderindo ao nudismocivilizado do casarão de São Luís.Muita gente boa por lá; e entre essa

gente, Chacal, cuja poesia me foraapresentada também por Petrúcio al-guns anos antes. O primeiro livro dele

que li foi justamente o primeiro: “Mui-to prazer, Ricardo”. Nessa aventuravoadora conheci o bardo em pessoa e,devidamente amnésicos, conversa-mos sobre música e poesia, além dearriscar uns acordes aqui e ali. Dezanos depois, como diretor de cultura,o levei a Cachoeiro para lançar arevista “O Carioca” e os livros “A letraElétrica” e a reedição de “Muito pra-zer, Ricardo”. Era um projeto que eutocava chamado Poesia Viva na Ca-pital Secreta. Acabamos promovendoum CEP Cachoeiro (Centro de Ex-perimentação Poética). A primeirareunião desse CEP foi no antigo CDM(não me peçam a significação dessasingela abreviatura que dava nome aoDoka’s Bar), lá na Praça Vermelha.Na noite seguinte, levamos Chacal a

Vargem Alegre para conhecer o Ca-xambu de dona Canutinha e sua fa-mília. Dançamos e cantamos, comodizia Sérgio Sampaio, até o sol re-clamar. Chacal é um germinador deprocessos e projetos criativos que vin-garam vários e bons caminhos nosmovimentos culturais brasileiros dosúltimos 40 anos. Seu livro clareia asmargens. Sem fotofobia, iluminando avitória dos guetos.

POR ONDE A PÁ LAVRATAVARES DIAS

No balé das palavras vivas, bailam sen-tidos transitórios, fugazes. O congo, queé nomedepaís (com inicialmaiúscula), énacionalidade, é língua e é chá, entreoutras coisas, e tornou-se também, pelaforça do dono da língua, manifestaçãofolclórica brasileira, capixabíssima.Macumba, sem deixar de ser ins-

trumento musical percussivo africano,hoje denomina o próprio ritual, o mes-mo que pemba, catimbó e curimba,conforme quer o dono da língua.Broto já foi elogio pra moça jovem e

bonita. Depois o broto virou gata, pit-chula, e no funk às vezes tem cachorra.E as cachorras, nos canis ricos, têm

hábitos sexuais puritanos, que quemcria o melhor amigo do homem precisapreservar a raça, garantir preço bom.Mas amigo vende amigo? Que amigo

cachorro. E tem gente que diz que temmais de 5 mil amigos no Facebook. Mas“Cachorro só é o melhor amigo do

homem porque não conhece dinheiro”,vi num para-choque.Hoje, mulher raspa a virilha. Se

fôssemos procurar nas lonjuras, nãopoderia, porque virilha era coisa só dehomem, a área da virilidade.Pra não escorregar na escada, é bom

se segurar nos corrimões. Calma, cor-rimãos tambémpodemajudar vocêanãocair de susto. O dono da língua querassim. Não diga, irritado comigo, quedono da língua é a mãe, porque o donoda língua é você, falante, e portanto amãe (língua) é sua também, tá ligado?Olha o respeito com a nossa velhinhasempre novinha em flor.Sinistro, maluco, mó legal. Aposto que

você é dos que calçam bota e também dosque botam calça. E que o seu “pois não”querdizer simeo seu “pois sim”querdizernão. E, se não concordar com tantasconotações, me diga: é verdade que existeburro empacado e paca emburrada? E

aposto também que você já embarcounum carro ou num trem, mas duvido quejá tenha encarrado ou entrenhado numbarco.A gente é dono da língua, que é uma

só, com seus dialetos, o culto e outros,alguns quase (já) ocultos, e também oidioleto, que é o jeito de cada um exer-citar o dialeto de seu grupo. Letra demúsica da pequena lavra deste escre-vinhador brinca sem medo da prosaicarima em “ar”: “Minha língua, minhaíngua/à míngua eu não vou ficar/ Se alição tá na palavra/é porque a pá podelavrar/Palavra sem pá sem lavra/se en-crava no vacilar/Na plena antena dapena/ desempeno omeupenar/(...) Tris-te é quando em plena cena/se apequenao pelejar/Luz da palavra mais plena/desempena o meu penar”.Então, de fato, do tato ao banho de

gato, no ato e no entreato, brincadeirade língua comporta farta intenção.

EU RIO ECHOROPor baixo do meu braçopassa uma vida.Dói e cansa.Tem dia que eu choro,tem dia que eu rio.Ou ambos.

No meu ombro esquerdotem um mão pousada.Para sempre.Também dói.Cansa, na verdade...

Na minha barriga tem uma dor,calma e insistente.Esqueci seu nome.

Amanhã vou sofrer um pouco,hoje não,só sinto sono...

Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 20:51:36

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história

OS VOLUNTÁRIOS NEGROS E AREVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA

Algumas “obras definitivas”já foramescritas a respeitoda revolta paulista que vi-sava depor o ditador Ge-túlio Vargas – que assumiu“provisoriamente” o po-

der em 1930 –, exigia eleições imediatase a promulgação de uma nova Cons-tituição. Nenhuma, porém, até hoje re-velou a participação organizada dosbatalhões formados exclusivamente porvoluntários negros. Por que será?Quase 80 anos, após da deflagração

da Revolução Constitucionalista de1932, a maioria de nós não tem amenornoção do que foi o maior conflito ar-mado ocorrido, no século XX, em ter-ritório nacional. Uma guerra civil quedurou de julho a outubro daquele ano.Vale a pena recordar e refletir sobre essacontenda. Pois, como afirmava, no gi-nasial, o velho professor de História, Sr.Hermógenes, com seus óculos de lentesfundo de garrafa e seu vasto bigode,vibrando ao nos contar o que não estavaregistrado nos livros oficiais, “é combaseno passado que se pode entender opresente e projetar o futuro”. Foi assimque ele me convenceu a, anos depois,vasculhar arquivos empoeirados, ler ar-tigos e mais artigos, alguns livros, e aouvir atentamente personagens idosos,seus filhos ou netos, a anotar, gravar,pedir documentos emprestados, enfim,tudo o que pudesse me ajudar a com-preender os fatos ocorridos. E isso, mui-tas vezes, apenas para produzir umamatéria de conteúdo histórico, uma vezque eu sou jornalista e não historiador.Quando se mergulha na história, ge-

ralmente se depara com um emara-nhado de tramas, personagens, ardis,tão fascinantes que não se quer maisabandoná-los. Foi exatamente o queocorreu comigo, ao receber um pedidodo ator Milton Gonçalves, conhecidís-simopor sua atuação emnovelas globaise filmes, e que poucos sabem ser tam-bém um bom diretor. Ele me solicitouuma pesquisa, em São Paulo, sobre aLegião Negra Paulista. Pretendia dirigirum filme ao estilo do norte-americano“Glory” (Tempo de Glória), de EdwardZwick, de 1989, baseado em livro deLincoln Kirstein e Peter Burchard, queconta a história de batalhões negros naGuerra de Secessão, nos EUA.Além dos dados apurados na pes-

quisa, Milton me pediu também um

argumento, com personagens mesmoque fictícios para dar emoção, humor eoutros conteúdos necessários para ro-teirizar o filme. As páginas foram seavolumando e resultaram no romancehistórico “A Legião Negra – A luta dosafro-brasileiros na Revolução Constitu-cionalista de 1932”, que acabo de pu-blicar, pela Selo Negro Edições do Grupoeditorial Summus. Assim, pude conhecermelhor o processo que resultou naquelarevolução na qual, apesar da derrota,São Paulo se considera vitorioso, umavez que no ano seguinte foi convocada aAssembleia Constituinte e, em 1934,Getúlio deixouo cargopara aconteceremas eleições diretas exigidas pela oli-garquia paulista. Mais que isto, pudecompreender como foi a participaçãodos batalhões voluntários constituídosexclusivamente por afro-brasileiros.A força militar revolucionária era cons-

tituída apenas pelos homens da 2ªRegião –hoje o 2º Exército –, algumas unidades doMatoGrosso, e pequenas guarnições oriun-das de Minas Gerais, do Pará e do Paraná.Estes totalizavam cerca de 10 mil com-batentes. A eles se somaram 12 mil sol-dados e oficiais da Força Pública (hoje aPolícia Militar). Para enfrentar algo emtorno de 120 mil militares federais, muitosuperior não só em número, mas tambémem termos bélicos e estrategicamente. Porisso entrou em campo uma tonitruantecampanha de arregimentação de volun-tários, que chegaram ao número apro-ximado de 20 mil, levando a força re-volucionária a um total de 42 mil com-batentes. Sem contar as mulheres que sealistaram para o apoio à revolução, naprodução de fardamento, alguns equipa-mentos bélicos, na produção de alimentospara os farnéis e no serviço médico e deenfermagem. A elas também coube a par-ticipação na campanha “Ouro para o Bemde São Paulo”, para garantir o finan-ciamento da revolução, e nas caravanas deangariar donativos e arregimentação devoluntários.

São Paulo chama!Os combatentes voluntários eram or-

ganizados em suas próprias comunidadese grupos sociais ou profissionais. Assimsurgiram os batalhões dos estudantes,dos bacharéis, dos italianos, dos espa-nhóis, o dos irmãos maristas, financiadopor um bispo, o dos esportistas, que tinha

como referência o jogador de futebolArthur Friedenreich, e por aí afora. Damesma forma, o advogado santista Joa-quim Guaraná Santana, juntamente como orador Vicente Ferreira, fez um acordocom o general Góes Monteiro, coman-dante da 2ªRegiãoMilitar, para atrair umgrande número de voluntários negros afavor da causa constitucionalista. Muitospodem ter se encantado pelo discursopolítico, mas uma grande quantidade foiatraídamesmopelopequeno soldoqueosajudaria no sustento familiar, conside-rando-se que amaioria vivia de biscates –atividades informais malremuneradas –.Desde a Abolição da Escravatura, osempregos tanto na lavoura quanto nasindústrias que começavam a se instalarforam destinados aos imigrantes euro-peus e asiáticos. Na maioria das famíliasdas comunidades negras, as provedoraseram as mulheres, trabalhando comoempregadas domésticas, babás, cozinhei-ras e lavadeiras.

Pela ausência de oficiais negros na 2ªRegiãoMilitar epelaproibiçãodogovernopaulista de que negros (e mendigos)integrassem a Força Pública, o comandomilitar da Legião ficou a cargo do capitãoGastão Goulart, que era branco. Parafuncionar como uma espécie de inter-locutor entre o comando e os milhares devoluntários arregimentados em todo oEstado, Goulart nomeou ajudante de or-dens onegroArlindoRibeiro, doCorpodeBombeiros. Vale lembrar que o braçodireito do general Euclides Figueiredo,comandante do Exercito RevolucionárioPaulista, era o coronel gaúcho Palimérciode Rezende, que também era negro.O comando civil da Legião Negra ficou

a cargo de Guarará Santana, fundador doPartido Radical Nacionalista, razão pelaqual foi expulsodaFrenteNegraBrasileira,a mais expressiva entidade nacional derepresentação dos afrodescendentes, fun-dada em São Paulo, um ano antes darevolução – portanto, completando nesteanos os 80anosde sua fundação – eque semanteve neutra no conflito. Essa entidadechegou a se tornar um partido político,fechado em 1937, com os demais, porordem de Getúlio Vargas.Os treinamentos intensos de curtíssima

duração, graças à urgência de se enviarhomens às frentes de combates, eramrealizados na Chácara do Carvalho, an-tiga propriedade do Conselheiro AntônioPrado, neto do Barão de Iguape, entre osCampos Elíseos e a Barra Funda, bairroscentrais da capital paulista. Os batalhõesda Legião Negra foram enviados tantopara a frente norte, no Vale do Paraíba,rumo àdivisa comaCapital Federal, o Riode Janeiro, quando à frente sul, na divisacom o Paraná, e outras nas divisas com oMato Grosso e com Minas Gerais.

Bucha de canhão?Os jornais paulistas noticiaram far-

tamente, durante os meses de conflitos,tanto a formação, quanto as ações edeslocamento da Legião Negra. Volta emeia se publicava ou noticiava pelo rádioo apoio dado pelos combatentes negros aalgum outro batalhão. É também im-portante saber que havia combatentesnegros também em outros batalhões re-gionais. Se a Legião Negra contou comcerca de 3.500 homens nas frentes decombate, segundo a “Folha da Noite” de21 de setembro de 1932, os combatentes

Romance histórico de jornalista descreve a luta dos batalhões formados exclusivamentepor afro-brasileiros na revolta paulista que visava depor Getúlio Vargas em 1932

“Uma ciênciahistórica, que nãoserve à história dopovo de que trata,está negando-se asi mesma. Trata-sede uma presunçãocientificista e nãode uma ciênciahistóricaverdadeira”.—Abdias do NascimentoEscritor, ativista e líder negro

Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_10.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 20:52:43

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REVISTA O CRUZEIRO

“de cor”, distribuídos pelos demaisbatalhões, somados aos legionários,

chegavam a 10 mil. Se isso for verdade,quase um quarto dos revolucionáriosconstitucionalistas seriam negros.Muitos afirmam que os negros foram

usados como “bucha de canhão” noscombates e que para eles era destinado oque de pior houvesse em equipamentos,fardamento e provisões. Jornais da época,como a “Gazeta”, a “Folha da Manhã” e a“Folha da Noite”, porém, não se cansaramde publicar elogios ao vigor em combate,coragem e entrega ao sacrifício dos le-gionários. O objetivo principal desses veí-culos de comunicação seria sensibilizar eestimular a arregimentação de novos vo-luntários. Caso contrário, que outra ne-cessidade teriam para especificar que setratava de um combatente ou uma guar-nição que integrava a Legião Negra? En-fim, as informações se multiplicam namídiadaépoca, oque torna injustificável aausência demenção sobre a Legião Negraem obras já publicadas sobre o conflito.O historiador Petrônio José Domingues

dedica aos “Pérolas Negras”, como eramchamados pelos jornais os combatentesvoluntários negros que faziam parte dessalegião,asdezpáginasdo3ºcapítulodeseulivro “ANovaAbolição” (SeloNegro/Sum-mus, 2008). Ao lançar meu romance “ALegião Negra”, em julho último, constatei

uma surpresa geral – seja entre jornalistasseja entre estudiosos – diante da “re-velação” de que existiram tais batalhõesvoluntários formados por afro-brasileiros.Com um texto que procura ser leve e

agradável, o romance não conta só ahistória da Legião Negra e a da própriaRevolução Constitucionalista, como de-senha um quadro da presença negra emSão Paulo, tanto na capital quanto nointerior, no início do século XX, duranteos primeiros 50 anos do pós-abolição.Personalidades reais, comoGuaranáSan-tana, Vicente Ferreira, Raul Joviano doAmaral, e a emblemática Maria Soldado– uma cozinheira negra que se alistoupara ir combater nas linhas de frente –,interagem com personagens fictícios quevão tecendoahistória e contextualizandoos fatos políticos que levaram ao conflitoe dramas pessoais e comunitários vividospelos protagonistas.Vale encerrar esse artigo com as pa-

lavras memoráveis de um dos maiorespensadores negros brasileiros contem-porâneos, recém-falecido, Abdias doNascimento, que em seu livro “Qui-lombismo” (Vozes, 1980) afirma: “Umaciência histórica, quenão serve àhistóriado povo de que trata, está negando-se asi mesma. Trata-se de uma presunçãocientificista e não de uma ciênciahistórica verdadeira”.

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A LEGIÃO NEGRAOswaldo Faustino.Romance histórico. SeloNegro Edições. 224 páginas.Quanto: R$ 50,90

por OSWALDO FAUSTINO

Membros da Legião Negra à época da Revolução Constitucionalista, nafotografia publicada em 1932 na revista “O Cruzeiro”. O texto ao centrodiz (mantivemos a grafia da época e os erros de sintaxe): “Logo que sedeu a ecclosão do movimento militar contra o Governo Provisorio, emS. Paulo, organisou-se um corpo combatente que procurou reunir entreseus voluntarios, somente homens de côr. Esse batalhão que tomou onome de ‘Legião Negra’, esteve nas trincheiras desde os primeiros dias,conservando-se até o fim, em suas posições de combate. Nasphotographias — Em cima, posse do Commandante Civil da LegiãoNegra. — Ao centro, o Estado-Maior da Legião, e em baixo, um pelotãodesse corpo original, durante os primeiros dias de instrucção militar”.O autor Oswaldo Faustino e a Selo Negro Edições agradecem ao Museu Afro Brasil e aEmanuel Araujo pela cessão da imagem.

Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_11.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 21:25:02

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,27 DE AGOSTODE 2011

artigopor RENATA BOMFIM

FLORBELA ESPANCA: MAIS QUEPOETISA DA DOR E DA SAUDADEA trajetória da autora portuguesa foi marcada pelo desejo de emancipação, pela vivênciaintensa das emoções, da sensualidade e do erotismo, como mostra estudiosa de sua obra

Florbela Espanca (1894-1930) é considerada a vozfeminina mais importanteda lírica portuguesa do sé-culo XX e está sendo re-descoberta por leitores e

pesquisadores na contemporaneida-de. Florbela nasceu em Vila Viçosa,região do Alentejo, terra de mulherespoetas, de Mariana Alcoforado comsuas cartas de amor, e de mulherescélebres que fundaram conventos co-mo Margarida Cheirinha ou Mariadas Chagas.A trajetória de vida de Florbela

Espanca foi marcada pelo desejo deemancipação, pela vivência intensadas emoções, da sensualidade e doerotismo, que iam na contramão doideário feminino de sua época. A ex-temporaneidade de Florbela fez comque a igreja portuguesa a classificassecomo uma pessoa “moralmente per-niciosa” e um “péssimo exemplo”, oque fez com que a leitura de seus livrospassasse a ser, também, “moralmente”desaconselhável.

SonetosFlorbela Espanca publicou dois li-

vros de sonetos em vida, o “Livro deMágoas” (1919) e o “Livro de SórorSaudade” (1923). Ambos receberamum frio acolhimento por parte dacrítica. Após o suicídio da poeta,ritualisticamente realizado no dia emque completava 36 anos de idade,seus livros póstumos, “Charneca emFlor” (1930) e “Reliquiae” (1931), seesgotaram, demandando novas edi-ções que vieram acrescidas de cartase prefácios acalorados. É certo que amorte consagrou a tragédia florbe-liana, assim como consagrou as deInês de Castro, de Julieta, de Isolda,de Sylvia Plath, de Grace Kely, deDiana Spenser, e de tantas outrasmulheres que repentinamente desa-pareceram deixando uma aura demistério no ar.Pode-se observar que Florbela Es-

panca carregou o estigma de ser mu-lher numa sociedade patriarcal e fa-locêntrica, mesmo assim, através desua poesia, imaginou um mundo emdiálogo com outras subjetividades eformas, trabalhando poeticamente

variados aspectos do universo femi-nino. Ela cantou o amor, a dor, adesilusão por buscar e não encontraro amado, a tristeza e o destino quearrasta os seres independente de suavontade. A sede de infinito da poeta ea sua ousadia em dialogar com di-ferentes formas, constituíram-senum contrapoder e numa hybrisfeminina, ou seja, o desejo de con-quistar lugares cada vez mais altos,de adentrar espaços masculinos, co-mo a tradição poética.

EncantamentoFlorbela Espanca possui uma obra

prenhe de encantamento e que temdespertado cada dia mais o interessede leitores e pesquisadores. O euflorbeliano tem a capacidade de semetamorfosear e jogar com as for-mas do mundo, o que confere à suapoesia uma sedução própria da al-teridade. A obra de Florbela Espancaé um convite à experimentação dasemoções, é desejo, é risco, somosconfrontados com uma poética quedesafia os lugares instituídos e adistribuição desses lugares, e essedesafio se dá através da errância doeu poético que busca por conhecer asi mesmo: “Sei lá! Sei lá! Sei lábem!/Quem sou? Um fogo-fátuo,uma miragem.../ Sou um reflexo...Um canto de paisagem/ Ou apenascenário!/ Um vaivém” (ESPANCA,1996), e traz em si o germe doencontro com o outro:”Procurei-Ono seio de toda gente./ Procurei-Oem horas silenciosas!/ [...] E nuncaO encontrei!... Prince Charmant”(ESPANCA, 1996).A poeta que escolheu para si o

mundo da multiplicidade e da re-sistência ao do emparedamento doser, e que escolheu a morte, lugarcomum por excelência, é bem maisque apenas a “poetisa da dor e dasaudade”; é uma persona dramatisque ainda não teve todas as máscarasreveladas. Os seus contos, por exem-plo, apenas há pouco tempo come-çaram a ser estudados e novos do-cumentos e cartas têm vindo a pú-blico, revelando outras facetas dessamulher instigante. Florbela Es-panca está sendo redescoberta.

UM POEMAEUEu sou a que no mundo andaperdida,Eu sou a que na vida não temnorte,Sou a irmã do Sonho, e desta sorteSou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa tênue eesvaecida,E que o destino amargo, triste eforte,Impele brutalmente para a morte!Alma de luto sempreincompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguémvê…Sou a que chamam triste sem oser…Sou a que chora sem saberporquê…

Sou talvez a visão que Alguémsonhou,Alguém que veio ao mundo prame verE que nunca na vida meencontrou!Soneto de Florbela Espancapublicado no “Livro de Mágoas”

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Escritora seguia valores que iam na contramão do ideário feminino de sua época

Documento:AGazeta_27_08_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:25 de Aug de 2011 20:54:34