Pensar e fazer música refletindo sobre o mundo...

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Pensar e fazer música refletindo sobre o mundo: composição musical na EJA Rafael Dias de Oliveira [email protected] Círculo de cultura. Fonte: www.ebah.com.br/content/ABAAAfQLAAA/que-metodo-paulo-freire?part=3.

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Pensar e fazer música refletindo sobre o mundo: composição musical na EJA

Rafael Dias de [email protected]

Círculo de cultura.Fonte: www.ebah.com.br/content/ABAAAfQLAAA/que-metodo-paulo-freire?part=3.

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Resumo: Neste artigo apresento duas propostas de atividades de composição musical elaboradas para aulas de música na modalidade do ensino básico Educação de Jovens e Adultos (EJA). As atividades estão fundamentadas na proposta Paulo Freire para a alfabetização de adultos (Freire, 2001; Brandão, 2006) e em concepções que sustentam a relevância da composição nas práticas em educação musical (Swanwick, 2002; 2003; 2014). Na elaboração das atividades foram levadas em consideração as diretrizes curriculares para a EJA no Brasil que destacam a importância de práticas pedagógicas que busquem a criticidade e, também, seu capítulo sobre artes e música em que valoriza ações musicais que envolvem a composição. As atividades de composição aqui propostas buscam proporcionar aos estudantes uma experiência de aprendizado musical com momentos e espaços em que a música se torna o motivo para pensar e discutir criticamente situações fundamentais, fazendo pensar a si e ao seu mundo.

Palavras-chave: educação musical, composição, EJA.

Think and make music reflecting on the world: musical com-position in Youth and Adult Education.

Abstract: In this article, I present two proposals for musical composition activities designed for music lessons in the mode of basic education Youth and Adult Education. The activities are based on Paulo Freire proposed for adult literacy (Freire, 2001; Brandão, 2006) and concepts that support the relevance of the composition in practice in music education (Swanwick, 2002; 2003; 2014). The preparation of activities It took into account the curriculum guidelines for adult education in Brazil to highlight the importance of teaching practices that seek to criticality and also his chapter on arts and music that values musical actions involving the composition. The composition of activities proposed here aim to provide students a musical learning experience with moments and spaces in which music becomes the reason to think critically and discuss critical situations, making think of you and your world.

Keywords: Musical education, Composition, Youth and Adult Education

OLIVEIRA, Rafael Dias de. Pensar e fazer música refletindo sobre o mundo: composição musical na EJA. Música na Educação Básica. Londrina, v. 7, nº 7/8, 2016.

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Sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade do ensino básico brasileiro, voltada para as pessoas que não cursaram o ensino regular na idade prevista pelo sistema educacional. É dever do Estado, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, garantir a essas pessoas o acesso ao ensino básico em cursos estruturados para esse fim. Está confi-gurada e regulamentada pela Lei de Diretri-zes e Bases da Educação Brasileira – LDB – Lei 9394/1996, quando passou a ser compreendi-da e incorporada como uma modalidade do ensino básico brasileiro.

Essa incorporação foi considerada por Sar-tori (2011) como uma evolução, pois enfra-quece a concepção da EJA como uma suplên-cia e a consolida uma modalidade do ensino regular destinada aos que, por algum motivo, não frequentaram a escola na idade conside-rada natural da relação idade-série, indicando a necessidade de um ensino que considere as características dos estudantes, seus interesses e suas condições de vida e de trabalho.

Questões importantes sobre a EJA foram regulamentadas depois da LDB em resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da sua Câmara de Educação Básica (CEB). Duas delas apresentam questões essenciais para a compreensão da EJA enquanto moda-lidade do ensino básico brasileiro. O Parecer CNE/CEB no. 11/2000 mostra a necessidade de olhar para as mudanças na EJA não só no ordenamento jurídico, mas na própria concep-ção de educação de jovens e adultos como uma educação ao longo da vida, em que o sujeito pode continuar aprendendo sempre. Já a Resolução CNE/CEB n.º 01/2000 instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, construindo a estrutura e os componentes curriculares.

Para pesquisarVocê pode acessar esses documentos na íntegra no portal do MEC:

http://portal.mec.gov.br/

Sugestão para leituraO texto A história da educação de jovens e adultos no Brasil, da autora Rosa Cris-tina Porcaro, mostra o caminho percor-rido pela EJA no Brasil desde primeiras iniciativas até os dias atuais. O texto pode ser localizado na internet a partir da busca com as palavras-chave: histó-ria, EJA, Rosa Cristina Porcaro.

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Sobre a música nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA

A proposta curricular para o ensino de música dá destaque ao que chama de cria-ção musical como um momento de pesqui-sa sonora em que ocorre a mistura entre os elementos que os estudantes trazem de suas experiências musicais com os sons que estão descobrindo na escola. Segundo o documen-to, o processo de criação proporciona, assim, momentos de autoconhecimento e um con-vite para rever suas atitudes e valores (musicais ou não) diante do outro e de si mesmo.

Uma das ações destacadas nas diretrizes curriculares para proporcionar aos alunos esse

O primeiro segmento abrange os anos iniciais com foco na alfabetização e pós-alfabetização de jovens e adultos, cujo conteúdo correspon-de aos primeiros anos do ensino fundamental. Tem sua proposta curricular apresentada em caderno único.

O segundo segmento abrange as séries finais (6º. ao 9º. ano) e tem sua proposta apresenta-da em três volumes: o primeiro volume (Brasil, 2002a) apresenta temas para serem analisa-dos e discutidos com fundamentos comuns às diversas áreas para a reflexão curricular.

O segundo volume (Brasil, 2002b) contém as propostas curriculares das disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, História e Geo-grafia. O terceiro volume trata das disciplinas de Matemática, Ciências Naturais, Arte e Educação Física. A música está presente no terceiro volu-me, compondo a disciplina de arte, juntamente com artes visuais, teatro e dança.

momento de criação são as atividades de composição musical. Segundo o documento, quando tem a possibilidade de compor mu-sicalmente ritmos e melodias, desenvolver ar-ranjos musicais e executá-los com frequência, o aluno constata que a arte musical está ao seu alcance e que ele pode desenvolvê-la. A composição tem o potencial de engajar o alu-no criticamente com o material musical que está sendo trabalhado. Ele experimenta bus-cando compreender os sons disponíveis e faz suas escolhas por meio de uma análise crítica baseada em suas experiências musicais.

As Diretrizes Curriculares para a EJA no Bra-sil dividem essa modalidade em ensino funda-mental e médio. O ensino médio é orientado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), que é a proposta cur-ricular voltada para o ensino regular. Já o en-sino fundamental é estruturado em primeiro e segundo segmento e possui cadernos que apresentam uma proposta curricular constru-ída especificamente para a EJA.

Fonte: www.mec.portal.gov.br

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Sobre a proposta de atividades de composição musical para a EJA

Sugestão para leituraPara saber mais sobre a proposta Paulo Freire para alfabetização de adultos:

Conscientização: teoria e prática da libertação (Paulo Freire).

Nesse livro, além de escrever sobre sua concepção de conscientização, Paulo Freire faz uma síntese da proposta e relata aconteci-mentos ocorridos em grupos de alfabetização com ela.

Essa proposta de atividades para aulas de música na EJA busca olhar para os potenciais da composição enquanto ação pedagógica em educação musical por meio de concepções educativas de Paulo Freire. Sua obra é referência nos estudos e materiais sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, compondo, inclusive, o embasamento teórico das Diretrizes Curriculares para essa modalidade.

A concepção de Paulo Freire (1987) de educação problematizadora volta-se para uma educação crítica em que a aprendizagem real ocorre quando os estudantes são transfor-mados no e pelo processo de educação, mu-dando sua percepção sobre a realidade. Enxer-ga o estudante como sujeito, o espaço como dialógico e a prática como problematizadora.

As atividades de composição aqui propos-tas buscam proporcionar aos estudantes uma experiência de aprendizado musical com mo-mentos e espaços em que a música se torna o motivo para pensar e discutir criticamente situações fundamentais, fazendo pensar a si e ao seu mundo.

Assim, o planejamento das atividades levou em consideração a proposta Paulo Freire para alfabetização de adultos (Freire, 2001; Brandão, 2006) e a concepção de Swanwick (2002; 2003; 2014) acerca da relevância da composição como ação pedagógica em educação musical.

A proposta Paulo Freire para alfabetização de adultos não separa a aprendizagem da lei-tura e da escrita do processo de conscientiza-ção. O estudante é desafiado a refletir sobre seu papel na sociedade enquanto aprende a escrever a palavra sociedade; o agricultor é le-vado a compreender o mecanismo de produ-ção agrícola em que está submetido enquan-to aprende a escrever a palavra agricultura.

Método Paulo Freire Ilustração:André KoehneFonte: pt.wikipedia.org.

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O que é Método Paulo Freire(Carlos Rodrigues Brandão)

Nesse livro Brandão explica como Paulo Frei-re pensou as ações da proposta, relatando experiências que viveu em sua utilização nos anos 1960. Apresenta elementos interessantes como um roteiro para debate elaborado para a palavra geradora salário, elaborado em 1961 para ser usado em Angicos e Mossoró (RN). Se-gundo Brandão, esse plano foi retirado de um manual para monitores “mimeografado a álco-ol e quase apagado”.

Na educação musical a composição é re-conhecida como atividade importante para um aprendizado musical significativo em que o ensino não está centrado no professor. Com-preendo aqui a composição como atividades que proporcionem aos alunos a tomada de decisões durante a manipulação de mate-riais musicais, com a intenção de articular e comunicar pensamentos musicais. Isso inclui arranjos, improvisações, melodias, ritmos, mu-sicalização de textos e filmes, entre outras ati-vidades em que os alunos fazem suas próprias escolhas musicais.

“A composição tem lugar quando há alguma liberdade de escolher a ordenação da música, com ou sem notação ou outras formas de instrução detalhadas para execução. Outros podem preferir, às vezes, usar os termos improvisação, invenção ou música criativa. Todos eles entram nessa abrangente definição de composição, o ato de montar música” (Swanwick , 2014, p. 86).

A estrutura das atividades

Com base na Proposta Paulo Freire para alfabetização de adultos foi elaborada a estru-tura para as atividades de composição dividida em dois momentos: diálogos sobre música e trabalhar a música.

1º. Momento: Diálogos sobre música

Esse primeiro momento é destinado a um debate sobre o tema, fio condutor da ativi-dade. São apresentadas sugestões de ques-tões norteadoras para o debate, como Paulo Freire fez em sua proposta de alfabetização e que chamou de plano da palavra (Freire, 2001; Brandão 2006). Sugere ideias para discussão, finalidades e encaminhamentos da conversa sobre as palavras geradoras.

O objetivo desse momento é gerar uma tempestade de ideias para serem usadas como elementos disparadores na composi-ção musical. As atividades contemplam su-gestões de ferramentas para o registro dessas ideias visando a ajudar na sistematização dos pensamentos sobre questões musicais (estilo, caráter, andamento, forma) e questões que en-volvem o tema tratado na atividade. Esse mo-mento busca a descodificação (Freire, 2001) do tema gerador em suas partes constituintes e a reflexão sobre essas questões.

A ideia de diálogos sobre música é fundamentada no que em sua proposta Paulo Freire chama de diálogos sobre cultura. Antes de começar o estudo das palavras, Freire propôs um momento inicial em que o educador mediaria um debate educativo em torno do conceito antropológico de cultura. Nesse diálogo é destacada a diferença entre natureza e cultura com o objetivo de construir a ideia de homens e mulheres enquanto produtores de cultura e como sujeitos no processo de aquisição de conhecimentos.

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Na proposta Paulo Freire para alfabetiza-ção conscientizadora, a descodificação busca relacionar a palavra com a realidade do aluno decompondo o código (palavra ou tema ge-rador) em seus elementos constituintes. Freire propôs que cada palavra geradora escolhida fosse apresentada ao grupo (codificada) atra-vés de uma imagem (desenho, pintura, foto). A descodificação busca sugerir naturalmente um debate a respeito do que é visto. Dessa forma, estudantes e professores podem refle-tir juntos, de modo crítico sobre o objeto em questão. Nas atividades de composição, a ideia é que os temas para debate sejam apresenta-dos aos estudantes por meio de vídeos, ima-gens ou áudios.

Para pesquisarNos anexos de sua Dissertação de Mestrado, Feitosa (1999) disponibiliza as dez pinturas que representam as situações existenciais se-lecionadas por Paulo Freire para serem utiliza-das nos primeiros círculos de cultura no nor-deste em 1961. Tais situações foram pintadas pelo artista Francisco Brennand e representa-vam cenas da vida dos alfabetizandos e, por ser um recorte da realidade, representam um cenário natural para os debates que partem de um contexto existencial.

A pintura que dá início ao debate, a primeira situação existencial codificada é a seguinte:

* FEITOSA, Sônia Couto Souza. Método Paulo Freire: princípios e práticas de uma concepção popular de educação. Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade de São Paulo, 1999.

Primeira situação existencial

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Sugestão para leitura

Nos apêndices do livro Educação como Práti-ca da Liberdade, Freire apresenta comentários sobre as situações existenciais e as imagens refeitas por outro pintor, já que as originais lhes foram confiscadas antes de ir para o exílio. Nesses comentários, Freire coloca os objetivos a alcançar em cada debate, a importância da discussão para o trabalho como um todo e su-gere perguntas a serem lançadas para o grupo.

2º. Momento: Trabalhar a música

Esse segundo momento das atividades se aproxima do que na proposta de alfabetiza-ção de Paulo Freire é chamado de trabalhar a palavra (FREIRE, 2001; BRANDÃO, 2006). Freire propõe que se proporcione ao estudante a visualização das famílias silábicas da palavra em estudo. Vendo a maneira como as famílias estão sintetizadas “o homem descobre o me-canismo de formação das palavras em uma língua silábica como o português, que repou-sa sobre combinações fonéticas” (FREIRE, 2001, p.52). Os estudantes são incentivados a escre-ver as palavras que conseguirem criar com a combinação dos fonemas.

Nesse momento de trabalhar a música os estudantes começam a combinar as ideias presentes nos registros do momento anterior com novas que surgem durante o processo, juntamente com as dos colegas, compondo as músicas a partir da combinação dos materiais musicais disponibilizados pelos integrantes do grupo de composição.

As atividadesA seguir apresento duas atividades de

composição pensadas para aulas de mú-sica com turmas do segundo segmento do ensino fundamental da EJA. A primei-ra envolve os estudantes na definição dos temas para as composições, e a segunda é uma proposta de condução para composi-ção com tema já definido.

ATIVIDADE 1O objetivo dessa atividade é realizar com-

posições com base em questões que surgirem de um debate mediado pelo professor sobre temas extraídos de músicas apreciadas em grupo. A ideia é refletir criticamente sobre os elementos musicais e não musicais que emer-gem nesse debate e, a partir de uma reflexão e registro dessas questões, compor as músicas.

Diálogos sobre músicaO primeiro momento gira em torno da

apreciação musical, uma escuta ativa, na qual o professor medeia um debate com o intuito de extrair o tema de uma música e refletir so-bre ele. Quando o grupo entrar em acordo so-bre o tema da música, o professor conduz sua descodificação debatendo em torno desse tema gerador conversando sobre as maneiras como aparece na música e possíveis relações com elementos musicais.

Na proposta Paulo Freire de alfabetização, as palavras ou temas geradores são escolhi-dos pelo professor com base na realidade dos estudantes ou diretamente por eles. No caso dessa atividade, as músicas a serem descodifi-cadas podem partir diretamente dos estudan-tes, mas o professor também pode escolhê--las sem comprometer o papel do estudante como sujeito ativo no processo, porquanto, posteriormente, o que vão abordar sobre essa temática será de sua escolha.

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Apresento a seguir a sugestão de cinco músicas para apreciar, extrair o tema e descodificá-lo e questões norteadoras para o debate com os estudantes.

Música Questões norteadoras

Brasil (Cazuza)

Em quais trechos faz crítica à política? E à sociedade? Que críti-cas são essas? Qual a visão do Brasil? Qual a mensagem princi-pal que a música passa?

Salão de beleza (Zeca Baleiro)

Que crítica a música faz? A que beleza o autor se refere? Que mensagem sobre beleza a música passa?

O mundo é um moinho (Cartola)

Após ouvir, incentivar os estudantes a dar sua impressão sobre o que diz a letra. Depois, confrontar essas visões com uma das his-tórias sobre a composição dessa música, que Cartola teria com-posto para sua enteada que estava querendo sair de casa para se prostituir. Essa diferença de visões pode gerar um bom debate.

Inverno (Vivaldi)

Contar para os estudantes que o compositor fez uma obra para cada estação do ano. Qual das estações será que ele quis repre-sentar nessa música? Ouvir a opinião dos estudantes. Concor-dam? Se não, qual das estações ele acha que a música melhor representa? Por quê?

Pra que chorar (Vinicius de Moraes e

Baden Powell)

Ouvir a opinião dos alunos sobre a mensagem dessa música. De-pois, ouvir o depoimento de Vinicius de Moraes contando que fez a letra da música durante uma noite que estava internado numa clínica e ouviu durante a noite toda um velhinho choran-do baixinho e morreu pela manhã. Dialogar sobre as visões.

Fonte: Oliveira (2016, p. 105).

Reprodução do guache do famoso artista plástico pernambucano Fracisco Brennand, criado espe-cialmente para decodificação da leitura da palavra e do mundo, praticada nos anos 60, no Brasil, como parte do “Método Paulo Freire de Alfabetização.”

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Trabalhar a músicaPara iniciar o segundo momento os estu-

dantes se organizam em grupos e recebem algumas fichas de descodificação. Utilizando como exemplo as músicas usadas no debate, os estudantes vão definir um tema gerador, descobrir os vários aspectos que o constituem e debater sobre eles. O professor pode preen-cher junto com todo o grupo uma ficha para exercitar esse trabalho. A seguir, como exem-plo, uma ficha de descodificação sobre a mú-sica Salão de beleza.

Ficha de descodificação

Fonte: Oliveira (2016, p. 107).

Os grupos devem ser orientados a esco-lher um tema para estar no centro da ficha. Se desejarem, podem, em vez de escolher direta-mente um tema, escolher uma música e dela extrair o tema. Então, vão repetir esse exercício, debatendo sobre o tema, buscando as ques-tões a ele relacionadas e usar essas ideias para iniciar uma composição. Os estudantes vão tomar suas decisões com base nos elementos discutidos na descodificação. Como transfor-mar em música essas questões?

Sugestões para ampliar a atividade

• No link ocenosamba.com.br/2013/ 02/a-lenda-da-cancao-o-mundo-e--um-moinho-de-cartola/ há um artigo sobre as diferentes histórias a respeito da música O mundo é um moinho. Uma boa ideia poderia ser levar esse mate-rial para os estudantes e em diferentes grupos compor uma música para cada história, tendo como ponto de partida a canção original. Que elementos musi-cais podem diferenciar as versões?

• Ouvir as outras peças de Vivaldi com os estudantes. Dividir a turma em qua-tro grupos e cada grupo faz sua versão para uma estação do ano. Aqui se pode explorar as atividades com paisagem sonora. Um debate sobre como cada grupo fez para representar as caracte-rísticas das estações do ano é um bom fechamento para a atividade.

ATIVIDADE 2Essa segunda atividade apresenta uma

proposta de composição musical com base em tema gerador já definido. O professor pode adaptar as ações e estratégias pedagógicas aqui sugeridas para seu contexto de trabalho.

Diálogos sobre músicaO tema proposto para essa atividade é

“consumo musical e mídia”. O objetivo dessa discussão é debater sobre o papel da mídia de massa e dos meios de comunicação no con-sumo musical, buscando uma postura mais crítica em relação aos mecanismos da indús-tria cultural. Para disparar o debate, proponho a exibição de um vídeo.

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“Indústria Cultural e Cultura de Massa”.

Apresento a seguir uma sugestão de questões norteadoras para o debate:

Foco da conversa Questões norteadoras

A música como mercadoria e o ouvinte como consumidor

Você consome música? Como você consome? O que faz de você um consumidor musical? Onde você ouviu pela primeira vez o tipo de música que mais gosta?

Papel da mídia de massa de divulgar padrões musicais co-mercialmente estabelecidos

Quais são os estilos musicais mais presentes na mí-dia no momento? Quais não estão mais em moda? Porque certos estilos musicais não aparecem nos programas de maior audiência? Não dá audiência porque o povo não quer ou não dá audiência por-que o povo não está acostumado?

Unificação no padrão de consumo musical

Por exemplo: se a mídia divulgasse a música erudita dessa forma, será que com o tempo haveria um maior número de pessoas a ouvi-la?

Por exemplo: se a mídia divul-gasse a música erudita dessa forma, será que com o tempo haveria um maior número de pessoas a ouvi-la?

Por exemplo: se a mídia divulgasse a música erudi-ta dessa forma, será que com o tempo haveria um maior número de pessoas a ouvi-la?

Onde encontrar as tendências musicais que não estão na mídia?

Em quais locais podemos encontrar as músicas que não estão na mídia de massa?

Trata-se de um vídeo amador disponível no youtube (www.youtube.com) com o ti-tulo “Indústria Cultural e Cultura de Massa”. Através de animação apresenta a transfor-mação da obra de arte em mercadoria e suas consequências.

Fonte: Oliveira (2016, p. 100).

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Trabalhar a músicaApós a descodificação do tema, o profes-

sor entrega para cada estudante uma ficha de composição que tem o objetivo de contribuir para o registro das ideias que surgirem ao lon-go do processo. A ficha propõe que os estu-dantes organizem suas ideias a partir de duas questões iniciais: a abordagem do tema pro-posto e os encaminhamentos musicais.

Ficha de composição

Para apoiar o surgimento de ideias e de-finições sobre as questões musicais, sugiro exibir vídeos mostrando diferentes tipos de composição: erudita, regional, étnica, publici-tária, amadora, música contemporânea, suces-

sos da música popular. Com base nos vídeos, debater questões como: com quais tipos de composição mais me identifico? Quais des-sas orientações musicais minha composição pode seguir?

Fonte: Oliveira (2016, p. 102).

Fonte: Oliveira (2016, p. 100).

Definições musicaisEscreva aqui suas ideias de como será sua composição

• Como você quer que seja sua música? Alegre ou tris-te? Rápida ou lenta? Canção ou instrumental? Terá estrofes e refrão?

• Com quais músicas você quer que ela se pareça?

Definições sobre o temaEscreva aqui suas ideias de como abordar o tema consumo musical e a mídia:• Como a mídia de massa pode influenciar no consumo

musical das pessoas?

• Analisando a imagem, que temas podem ser abordados?

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Como elemento disparador de ideias sobre o tema “composição musical e consumo” sugi-ro analisar coletivamente a seguinte charge:

Apresentação e crítica

Ao final de cada atividade o professor pode destinar um espaço à performance e à crítica musical. O professor determina um pequeno tempo para que cada grupo ensaie a música para apresentar para toda a turma. Os grupos apresentam as composições e abre-se um es-paço para a crítica musical.

As atividades de composição têm poten-cial para trabalhar a crítica musical. A partir do momento que o aluno sai da posição passiva, quando recebe o produto da composição sempre pronto e vivencia a composição como um processo (Swanwick, 2002, p.9), passa à posição de criador e, baseado na sua experiên-cia, se sente apto para criticar e discutir sobre as composições dos colegas de sala.

Nesse momento o professor incentiva os alunos a falar sobre as composições dos cole-gas, do que gostaram e do não gostaram e por que gostaram e não gostaram. Agora que já passaram pela experiência de compor, são ca-pazes de pensar a música dos colegas a partir de mais pontos de vista. Vídeos das apresen-tações podem ser usados para enriquecer a discussão.

Considerações

Enquanto ação pedagógica, a composi-ção pode incentivar o estudante a manifestar de forma própria suas ideias, revelando como pensa musicalmente. Para Swanwick (2002; 2003; 2014), a composição favorece a constru-ção de significados a partir de relações que es-tabelece com as culturas musicais envolvidas no processo (colegas, escola, professor, por exemplo). A possibilidade de fazer escolhas presentes na composição enquanto ação pe-dagógica permite ao estudante tomar deci-sões que influenciam a definição dos rumos do seu processo de aprendizagem.

Consumo musical

Fonte: www.horadopovo.com.br

Encerrados os debates, os estudantes po-dem conversar e escrever ideias na ficha de composição. É importante alertá-los: o objeti-vo não é retratar exatamente a charge numa música; esta serve como disparador de ideias e o produto resultante do processo de com-por pode, inclusive, não ter mais relação com a imagem e apresentar total independência desta para seu entendimento e sentido. De-pois, reunidos em grupos, os estudantes socia-lizam suas fichas de composição e partem das ideias ali registradas para compor uma música.

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Nesse sentido, a composição se mostra uma ação pedagógica em sintonia com as di-retrizes curriculares nacionais para a EJA (BRA-SIL, 2002; 2002a), pois incentiva os estudantes a pensar e movimentar suas ideias musicais, promovendo debates que envolvem os co-nhecimentos, as habilidades, as concepções e gostos musicais de cada um. Pode proporcio-nar aos estudantes uma experiência em que eles podem ser sujeito da própria aprendiza-gem, ter suas experiências musicais valoriza-das e incentivar o pensamento crítico sobre música.

Durante a realização de atividades como essas que foram aqui propostas, penso que seria possível para o professor observar algu-mas questões. Por exemplo: como o diálogo musical e o diálogo durante os debates foram estabelecidos? Como os estudantes mobiliza-ram seus saberes e habilidades musicais para transformar suas ideias em música? O que pre-cisaram aprender para poder fazer as músicas? Como e com quem aprenderam?

A modalidade de ensino EJA representa um contexto cheio de particularidades em relação ao ensino fundamental regular. Por exemplo: características como a diversidade etária e cultural fazem emergir questões inter-geracionais e culturais que precisam ser leva-das em consideração em suas concepções e propostas pedagógicas. Por isso, propostas pe-dagógicas voltadas para as salas de aula da EJA são cada vez mais bem-vindas à composição do material didático para educação musical disponível aos professores.

Bibliografia

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 2006.

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FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. São Paulo: Centauro, 2001.

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85Pensar e fazer música refletindo sobre o mundo: composição musical na EJA