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PENSÃO ALIMENTÍCIA DESTINADA AOS FILHOS DESCORTINANDO A FIGURA DO ADMINISTRADOR DA VERBA ALIMENTAR OBRIGAÇÕES E SANÇÕES. Por Fernando Salzer e Silva Advogado e Procurador do Estado de Minas Gerais O direito de família, nestes últimos anos, passou por grandes transformações de natureza social, legal, doutrinária e jurisprudencial, especialmente no que toca aos deveres e obrigações derivados do vínculo jurídico de filiação. Entre os fatores condutores de tais mudanças podemos citar, verbi gratia, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a existência de uma geração de pais mais participativos e conscientes de seu papel na vida dos filhos, o reconhecimento pelo Judiciário da união civil homoafetiva, da multiparentalidade e, no campo legal, a guarda compartilhada passando de exceção à regra em nosso ordenamento. Tais avanços e transformações nas relações decorrentes do vínculo jurídico de filiação, seja esta biológica ou socioafetiva, também geraram reflexos na obrigação alimentar entre ascendentes e descentes. Ocorre que, inexplicavelmente, doutrina e jurisprudência continuam analisando as consequências e reflexos decorrentes de tal encargo alimentar apenas levando em consideração as figuras dos alimentantes, quem presta, e do alimentando, a quem se destinam, dando pouco ou nenhuma importância ao terceiro sujeito integrante de tal relação jurídica, quem seja, o administrador da verba alimentar. Antes de adentrar na questão do papel desempenhado, das obrigações e atribuições do administrador na relação obrigacional alimentar, direcionada ao sustento dos filhos menores, necessário se faz uma detida análise das outras figuras participantes de tal relação. A primeira figura é o alimentando, o filho menor, criança ou adolescente, cabendo a ele o papel principal na relação obrigacional alimentar, isto é, o de ser o destinatário dos alimentos, devendo seus interesses e direitos, com absoluta prioridade 1 2 , prevalecerem sobre quaisquer outros. A obrigação alimentar é direito personalíssimo e irrenunciável, sendo os alimentos intransmissíveis e insuscetíveis de cessão 3 , destinando- se a suprir, unicamente, as necessidades vitais do filho menor 4 , sendo certo a morte do alimentando implica na extinção da obrigação alimentar, tal qual de eventuais créditos devidos a este e ainda não satisfeitos 5 . Sendo o alimentando o destinatário exclusivo dos alimentos, o detentor do direito que deve prevalecer com absoluta prioridade, a verba alimentar tem que, obrigatoriamente, ser direcionada à assistência, criação, sustento e educação deste, bem como o arbitramento de tal verba deve ser efetuado através da utilização do “quadrinômio: necessidade do alimentando, proporcionalidade, razoabilidade e possibilidade dos alimentantes, sempre tendo em mente que o montante mensal nunca poderá ser superior às reais necessidades dos filhos, sob pena de servir de fomento ao ócio, desestimular os estudos e a formação profissional e gerar o enriquecimento sem causa dos alimentandos” 6 . A verba alimenta deverá ser suficiente para prover, da forma mais completa possível, tão somente as necessidades dos filhos, assegurando a estes os

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PENSÃO ALIMENTÍCIA DESTINADA AOS FILHOS – DESCORTINANDO A

FIGURA DO ADMINISTRADOR DA VERBA ALIMENTAR – OBRIGAÇÕES E

SANÇÕES.

Por Fernando Salzer e Silva – Advogado e Procurador do Estado de Minas Gerais

O direito de família, nestes últimos anos, passou por grandes transformações

de natureza social, legal, doutrinária e jurisprudencial, especialmente no que toca aos

deveres e obrigações derivados do vínculo jurídico de filiação. Entre os fatores condutores

de tais mudanças podemos citar, verbi gratia, a inserção da mulher no mercado de

trabalho, a existência de uma geração de pais mais participativos e conscientes de seu

papel na vida dos filhos, o reconhecimento pelo Judiciário da união civil homoafetiva, da

multiparentalidade e, no campo legal, a guarda compartilhada passando de exceção à

regra em nosso ordenamento.

Tais avanços e transformações nas relações decorrentes do vínculo jurídico

de filiação, seja esta biológica ou socioafetiva, também geraram reflexos na obrigação

alimentar entre ascendentes e descentes. Ocorre que, inexplicavelmente, doutrina e

jurisprudência continuam analisando as consequências e reflexos decorrentes de tal

encargo alimentar apenas levando em consideração as figuras dos alimentantes, quem

presta, e do alimentando, a quem se destinam, dando pouco ou nenhuma importância ao

terceiro sujeito integrante de tal relação jurídica, quem seja, o administrador da verba

alimentar.

Antes de adentrar na questão do papel desempenhado, das obrigações e

atribuições do administrador na relação obrigacional alimentar, direcionada ao sustento

dos filhos menores, necessário se faz uma detida análise das outras figuras participantes

de tal relação.

A primeira figura é o alimentando, o filho menor, criança ou adolescente,

cabendo a ele o papel principal na relação obrigacional alimentar, isto é, o de ser o

destinatário dos alimentos, devendo seus interesses e direitos, com absoluta prioridade1 2,

prevalecerem sobre quaisquer outros. A obrigação alimentar é direito personalíssimo e

irrenunciável, sendo os alimentos intransmissíveis e insuscetíveis de cessão3, destinando-

se a suprir, unicamente, as necessidades vitais do filho menor4, sendo certo a morte do

alimentando implica na extinção da obrigação alimentar, tal qual de eventuais créditos

devidos a este e ainda não satisfeitos5.

Sendo o alimentando o destinatário exclusivo dos alimentos, o detentor do

direito que deve prevalecer com absoluta prioridade, a verba alimentar tem que,

obrigatoriamente, ser direcionada à assistência, criação, sustento e educação deste, bem

como o arbitramento de tal verba deve ser efetuado através da utilização do

“quadrinômio: necessidade do alimentando, proporcionalidade, razoabilidade e

possibilidade dos alimentantes, sempre tendo em mente que o montante mensal nunca

poderá ser superior às reais necessidades dos filhos, sob pena de servir de fomento ao

ócio, desestimular os estudos e a formação profissional e gerar o enriquecimento sem

causa dos alimentandos”6.

A verba alimenta deverá ser suficiente para prover, da forma mais

completa possível, tão somente as necessidades dos filhos, assegurando a estes os

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recursos e meios que propiciem sua subsistência, saúde, educação, segurança, vestuário

e lazer, da forma mais compatível possível com a condição social experimentada por suas

famílias, permitindo seu sadio e pleno desenvolvimento físico, psíquico e mental.

Apesar de ser fato público e notório que os alimentos são destinados a fazer

frente, unicamente, às necessidades do alimentando, é sempre oportuno salientar que se

a verba alimentar não pode fomentar o ócio, desestimular o trabalho e gerar o

enriquecimento ilícito do filho menor, muito menos poderá gerar tais resultados em

relação a terceiros, principalmente nos ascendentes da criança ou adolescente, pois a estes

cabe o dever de sustento dos filhos e não o direito de serem sustentados pelos menores.

Por outro lado, cabe deixar consignado que, além de não poder servir de

fomento ao ócio, desestimular os estudos, a formação profissional e gerar o

enriquecimento sem causa do alimentando e de qualquer outra pessoa, envolvida ou não

na relação obrigacional alimentar, os alimentos arbitrados também não podem servir de

forma alguma, por qualquer ângulo de análise, como verdadeiro instrumento

discriminatório que revele preferência pela hegemonia da origem, posição social,

costumes ou cultura de algum dos genitores envolvidos. Os meios sociais em que vivem

e estão inseridos todos os genitores, suas culturas, origens, situações financeiras,

costumes, religiões, etc., têm que ser valorizados e respeitados de forma igualitária, não

podendo ser dada preferência ao bairro nobre em detrimento da comunidade, de ser

prestigiada a família abastada à custa do desmerecimento da família humilde, etc.

Assim, ao aferir o quantum que se mostre suficiente para o atender as

necessidades dos menores, de forma compatível com a condição social experimentada

pelos seus genitores, os juízes têm que ter sempre em mente que a condição social,

cultural e financeira de ambos os pais tem que ser sopesada, não podendo prevalecer tão

somente a do ascendente que se revele, no caso concreto, o mais abastado, sob pena de

afronta direta ao dispositivo constitucional que veda o preconceito por origem, raça e

qualquer outra forma de discriminação, incluídas aí a condição social, cultural e

financeira7. A mensagem que o Poder Judiciário tem que passar ao alimentando, através

da verba alimentar fixada, é que o que tem valor não tem, necessariamente, um preço!

Que devem ser valorizadas e respeitadas as origens, os costumes, as crenças e culturas8

de todos os ascendentes. Passar a noção que a grandeza das pessoas não se mede pelo

patrimônio, bens e riquezas, mas sim pelo caráter, honestidade, dignidade, trabalho,

convivência, afeto, presença e convivência familiar, etc.

O padrão de vida que o magistrado deve ter como alvo no momentos do

arbitramento da verba alimentar não é aquele que possibilite ao alimentando, muito menos

a qualquer outra pessoa, o desfrute de badalações, ostentações, futilidades, frivolidades,

sofisticações e consumismo exacerbado, mas sim o que propicie, de forma prioritária,

sempre dando ênfase à importância do trabalho, do estudo e da educação financeira, as

melhores condições de aprendizagem, de forma a garantir o pleno desenvolvimento das

aptidões mentais do menor, proporcionando a este moradia digna, alimentação nutritiva,

boas condições de vestuário, saúde e higiene, a realização de atividades sociais,

intelectuais, esportivas e de lazer, todas estas compatíveis com sua faixa etária e

desenvolvimento mental.

Ressalta-se que o arbitramento da verba alimentar destinada ao menor, nos

moldes acima aduzidos, deve ser, rigorosa e compulsoriamente, acompanhado9, apurado

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e fiscalizado pelo representante do Ministério Público, sendo dever do promotor zelar

pela observância e respeito aos direitos e garantias legais assegurados à criança ou

adolescente10,ainda que os genitores estejam no pleno exercício de seu poder familiar11.

O membro do Parquet tem o dever de comparecer a todas as audiências e demais atos

processuais em que sua presença se faça conveniente12, sendo vedada a homologação de

qualquer acordo judicial antes de sua oitiva13 , bem como da apresentação de sua

manifestação, onde deverão constar, de forma fundamentada14, os argumentos fáticos e

jurídicos que revelam que o pacto a ser chancelado pelo Judiciário realmente preserva os

direitos e garantias dos menores e ao mesmo tempo não contribui para fomentar o ócio,

desestimular os estudos, a formação profissional e gerar o enriquecimento sem causa dos

infantes. Cabe deixar consignado que caso o pronunciamento apresentado pelo Ministério

Público se amoldar a alguma das hipóteses previstas nos incisos do §1º, do artigo 489, do

Código de Processo Civil, deverá, por analogia15, tal manifestação ser considerada nula,

inexistente, devido à ausência de fundamentação válida, impedindo, deste modo, que o

juiz homologue o acordo entabulado. Nesta situação, é dever do magistrado, de ofício,

determinar o retorno dos autos ao Ministério Público, a fim de que tal vício seja sanado.

A segunda figura que compõe a relação obrigacional alimentar oriunda do

vínculo jurídico de filiação são os alimentantes, as pessoas que vão prover, da forma mais

completa possível, o sustento e as demais necessidades do alimentando.

Em regra, a obrigação alimentar em benefício dos filhos menores recai

sobre todos16 os genitores17, pais e mães18, se revelando tal incumbência verdadeiro dever

familiar, incondicional, previsto constitucionalmente, sendo que todos os pais, simultânea

e conjuntamente, deverão contribuir, em pecúnia ou na forma de hospedagem e sustento,

na proporção de seus recursos19, a fim de prover, sempre que possível, as necessidades

do filho, assegurando a este os recursos e meios que assegurem sua subsistência, saúde,

educação, vestuário, lazer, etc., permitindo seu sadio e pleno desenvolvimento físico,

psíquico e mental.

Desta forma, fica claro que pais e mães têm a obrigação de contribuir, de

forma conjunta e concomitante, para prover o sustento e as necessidades do filho comum

e, ao mesmo tempo, o direito de que o montante dos alimentos fixados observe e respeite

a proporcionalidade existentes entre os recursos e bens de todos os ascendentes

envolvidos, de modo que a distribuição de tal obrigação se dê da forma mais equânime e

justa possível entre pais e mães.

Aos alimentantes, além do direito à justa e proporcional divisão do encargo

alimentar, também é franqueado o de pleitear a redução e adequação dos alimentos toda

vez que o montante destes se mostrar superior as necessidades20 do alimentando21, bem

como quando for aferida quebra na proporcionalidade de contribuição que perenemente

deve existir entre os genitores encarregados.

É certo que, em casos específicos, tal proporção na divisão do encargo

alimentar poderá levar em conta outros fatores, como, por exemplo, o tempo que os filhos

convivem com cada genitor, especialmente quando pai ou mãe, voluntariamente e sem

justa causa, abdica do seu direito de convivência com o filho, negando-lhe atenção e afeto.

Nesta última hipótese, nada mais justo que a maior parte ou até mesmo a integralidade da

obrigação alimentar recai sobre o genitor ausente, fazendo com que este assuma uma

parte, ainda que mínima, da sua responsabilidade parental. Outra circunstância que

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justifica a quebra da proporção na divisão do encargo alimentar é quando o filho padece

de alguma moléstia grave, física ou mental, que requeira o acompanhamento integral por

parte de um dos genitores, tendo este que renunciar a sua carreira profissional e, algumas

vezes, até mesmo à grande parte de sua vida pessoal.

Importante frisar que, tal como a mera separação dos pais não isenta o

cônjuge, com o qual o filho não reside, da responsabilidade em relação aos atos praticados

pelo menor, do mesmo modo não exime o genitor que detém a guarda unilateral do dever

de sustento para com o filho, pois em ambos os casos permanece intacto o dever

simultâneo e concomitante de criação, sustento e orientação, uma vez que o poder familiar

continua a ser exercido conjuntamente22, por pais e mães, salvo decisão judicial23 24em

sentido contrário.

Eventualmente, além dos genitores, pais e mães, se comprovado que estes

não possuem os meios suficientes para prover as necessidades básicas dos filhos, a

obrigação alimentar pode ser estendida aos avós25, de forma complementar e subsidiária,

assumindo estes também a qualidade de alimentantes, devendo todos, pais, mães e avós,

paternos e maternos, contribuir na proporção de seus respectivos recursos26 para o

sustento e atendimentos às demais necessidades do menor.

A missão outorgada aos alimentantes, de prover as necessidades do menor,

proporcionando a este os meios que assegurem sua subsistência, saúde, educação,

segurança, vestuário e lazer, bem como o seu sadio e pleno desenvolvimento físico,

psíquico e mental, é tão séria e importante, que o descumprimento de tal obrigação pode

acarretar àqueles, cumulativamente, as seguintes sanções: prisão, em regime fechado,

pelo prazo de um a três meses27; ter a dívida encaminhada a protesto extrajudicial28;

penhora de seus bens29, inclusive de valores existentes nas contas vinculadas do FGTS e

PIS30; desconto de valores em sua folha de pagamento31, até o limite de cinquenta por

cento de seus ganhos líquidos32; ter suspensos seu cartão de crédito, carteira nacional de

habilitação e apreensão de passaporte33; inscrição de seu nome nos cadastros de proteção

ao crédito34 e, eventualmente, apurados os indícios pelo Ministério Público35, ser

denunciado pela prática do crime de abandono material36, cuja pena é de detenção de um

a quatro anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no país.

O rigor nas sanções dirigidas aos alimentantes pelo descumprimento da

obrigação de prestar a pensão alimentícia tem sua razão de ser no resultado que tal

inadimplemento gera, qual seja, o filho não terá suas necessidades vitais satisfeitas,

podendo este, dependendo da gravidade do caso, até mesmo passar por carências

extremas que acarretarão em desnutrição, privação das condições mínimas de existência

digna, etc.

A obrigação dos alimentantes é de tal relevância que mesmo o desemprego

temporário ou permanente, quando este não for resultante de incapacidade laborativa37 ou

moléstia grave, não exime38 genitor do seu encargo de prestar os alimentos no montante,

modo e forma determinados judicialmente, tampouco o isenta das sanções decorrentes do

inadimplemento do encargo.

Feitos os necessários apontamentos a respeito das já conhecidas figuras do

alimentando e dos alimentantes, cabe agora começar a descortinar a pessoa do

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administrador da verba alimentar, personagem ao qual doutrina e jurisprudência dão

pouco ou nenhuma importância. O Código Civil prevê que, enquanto no exercício do poder familiar, pai e

mãe são usufrutuários e têm a administração dos bens dos menores sob sua autoridade39,

salvo em relação aos bens legalmente excluídos40.

O pleno exercício do poder familiar compete a ambos os pais, em

igualdade de condições41, qualquer que seja a sua situação conjugal42. O pai ou a mãe,

divorciado ou solteiro, que contrair novo casamento ou estabelecer união estável não

perde, quanto ao filho do relacionamento anterior, os direitos relativos ao exercício do

poder familiar43. A suspensão ou perda do poder familiar em relação aos filhos menores

só ocorrerá pela morte do rebento ou por decreto judicial44.

Destarte, como o poder familiar compete a ambos os pais em igualdade de

condições, em regra, pais e mães serão os usufrutuários e administradores dos bens dos

menores sob sua autoridade.

Ocorre que, entre os direitos decorrentes do exercício do poder familiar

encontra-se o de exercer a guarda dos filhos45, que, por consequência lógica, está ligado

ao direito de usufruir e administrar os bens destes.

No regime da guarda unilateral, em caso de excepcional limitação ao pleno

exercício do poder familiar, um dos pais é privado dos mencionados direitos de guarda,

usufruto e administração, sendo estes substituídos pelo direito à convivência46 com os

filhos e pelo direito e obrigação47 de supervisionar e fiscalizar os interesses da prole em

todos os assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e

psicológica, bem como a educação e manutenção dos rebentos.

Já no regime da guarda compartilhada, como a responsabilidade e o

exercício dos direitos e deveres do pai e da mãe concernentes ao poder familiar dos filhos

comuns é exercido em igualdade de condições48, em geral, sem nenhuma limitação,

cristalino fica que o usufruto e a administração dos bens dos menores são obrigações

carreadas a todos os genitores, indistintamente. Ressalve-se que o Judiciário poderá

estabelecer de forma diversa tais atribuições49, carreando-as exclusivamente a um dos

pais, principalmente quando constatada a existência de motivos graves que justifiquem

tal medida50, como, por exemplo, um dos genitores ser reconhecidamente pródigo. Nesta

situação atípica, a referida limitação ao exercício do poder familiar deverá constar

expressamente na decisão judicial e deverá ser precedida da indispensável fundamentação

válida51, sob pena de nulidade52.

Assim, temos o seguinte quadro, qualquer que seja o regime de guarda

implantado, usualmente, todos os genitores, pais e mães, têm a obrigação de prestar

alimentos aos filhos, a incumbência do dever de sustento e educação destes, possuindo

todos, simultaneamente, a qualidade de alimentantes. Na guarda unilateral, o dever de

guarda dos rebentos, usufruto e administração dos bens destes, cabe ao genitor guardião,

ao passo que ao genitor que não detém a guarda é outorgado o direito de conviver com os

filhos e a obrigação e o direito de supervisionar e fiscalizar os interesses destes em todos

os assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica,

bem como a educação e manutenção dos menores. Já na guarda compartilhada,

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comumente, o direito de convivência e os deveres de guarda, usufruto e administração

dos bens, bem como a obrigação de supervisionar e fiscalizar os interesses dos filhos, são

incumbências conferidas de forma conjunta e simultânea a todos os pais, indistintamente.

Demonstrado a quem, em cada situação, cabe o usufruto e a administração

dos bens dos filhos menores, incluído aí os alimentos percebidos para sobrevivência e

atendimentos da demais necessidades destes, necessário se faz investigar como se dá o

exercício de tal usufruto e administração no que diz respeito especificamente à verba

alimentar dispensada in pecúnia.

Quanto ao usufruto dos bens dos menores, o mesmo não se aplica à verba

alimentar prestada em dinheiro, uma vez que esta tem que ser destinada, exclusivamente,

para fazer frente às despesas que assegurem aos filhos sua subsistência, saúde, educação,

vestuário, etc., permitindo seu sadio e pleno desenvolvimento físico, psíquico e mental,

não podendo, desta feita, tal verba ser usufruída, em proveito próprio, por outra pessoa,

quem quer que seja. Ainda que, hipoteticamente, o usufruto fosse aplicável aos valores

recebidos à título de verba alimentar destinada aos filhos, estaríamos diante de usufruto

impróprio, quase usufruto, onde o usufrutuário tem a obrigação de ao final devolver coisa

do mesmo gênero, qualidade e quantidade, com seu preço/valor devidamente atualizado,

ou seja, qualquer montante utilizado em benefício de outrem que não o menor teria que

ser devolvido a este, o legítimo proprietário, acrescido de, no mínimo, correção

monetária.

No que tange a administração dos bens das crianças e adolescentes,

incluindo aí o numerário destinado a estes à título de pensão alimentícia, doutrina e

jurisprudência, alicerçadas no princípio constitucional da prevalência do melhor interesse

do menor, bem como tendo no horizonte a certeza de que o poder familiar deve ser

exercido no proveito, interesse e proteção dos infantes53, são unânimes ao apontar que tal

administração deve visar, precipuamente o interesse dos menores, devendo o

administrator exercer sua função com a máxima transparência, lisura54, eficiência e

responsabilidade, visando, sempre e exclusivamente, o bem estar presente e futuro dos

filhos, não sendo franqueado ao gestor a prática de atos que extrapolem a simples gerência

e conservação do patrimônio do representado55, sendo também vedado56 a este dispor,

como lhe aprouver, em interesse próprio ou de outrem, de valores e de quaisquer outros

bens pertencentes aos menores.

Apesar de não haver dúvidas de que a administração tem que ser

direcionada, unicamente, à consecução, realização e atendimento dos interesses e

necessidades dos filhos, o Código Civil é omisso no que diz respeito às regras, cautelas,

vedações e cuidados que o administrador deve observar em sua gestão. Porém, tal lacuna

normativa é simples de ser contornada, uma vez que o genitor administrador dos

alimentos, tal como o tutor e o curador, é gestor de bem alheio, pois a verba alimentar

integra o patrimônio pessoal dos filhos menores. Assim, através da aplicação da

analogia57, facilmente são reveladas as regras, cautelas, vedações e cuidados que o

administrador deverá observar no desempenho de seu múnus.

Utilizando a analogia, lembrando que ao juiz é vedado se eximir de decidir

alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico58 e que, ao aplicar o direito este

deverá atender aos fins sociais e às exigências do bem comum59, velando pela dignidade

da criança e do adolescente60 e buscando prevenir e coibir qualquer forma de exploração

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e abuso contra estes61, chega-se à dedução que o administrador deverá observar no

desempenho de sua missão, no mínimo, as seguintes regras: realizar seu trabalho com

zelo e boa-fé62, sempre em proveito dos menores; receber63 a pensão alimentícia e demais

quantias devidas à criança ou adolescente e providenciar a realização das despesas

necessárias para prover a subsistência e educação destes64; não poderá adquirir para si ou

se apropriar de quaisquer espécies bens pertencentes ao menor65, bem como dispor de tais

bens a título gratuito66; não poderá conservar em seu poder dinheiro pertencente ao

menor, além do estritamente necessário para fazer frente às despesas ordinárias com o

sustento e educação deste67; os valores pertencentes ao menor depositados em

estabelecimentos bancários só poderão ser retirados, sacados ou transferidos para atender,

puramente, as despesas com sustento (subsistência, saúde, segurança, vestuário, lazer,

etc.) e educação dos filhos.

A observância das regras acima expostas, bem como a necessidade da

administração ser exercida com a máxima transparência, lisura, eficiência e

responsabilidade, é indispensável para garantir de forma eficiente, em consonância com

o mandamento constitucional, o resguardo dos interesses e direitos dos menores, uma vez

que a má administração da verba alimentar pode acarretar sérios danos à crianças e ao

adolescentes, prejuízos estes que podem ser ordem de financeira, física ou psíquica.

Entre as obrigações do genitor administrador está inserida a de

conservação e melhoramento68 dos bens dos menores, devendo aquele usar toda a sua

diligência e cautela na otimização da aplicação da verba alimentar, visando atender da

melhor e mais completa forma possível todas as necessidades de sustento e educação dos

filhos. O administrador que no desempenho de seu múnus atua com imperícia,

negligência ou imprudência, pode dar causa a diminuição do patrimônio do menor,

acarretando prejuízos financeiros que podem gerar, como consequência, o

desatendimento, parcial ou total, de alguma necessidade da criança ou adolescente.

O mero prejuízo financeiro causado pela imperícia, negligência ou

imprudência do administrador é a consequência mais branda que a má gestão da verba

alimentar pode causar ao alimentando. Os danos mais graves ocorrem quando o genitor

administrador deixa de lado os seus deveres de zelo e boa-fé, passando a gerir o

patrimônio dos filhos em proveito próprio, relegando os interesses dos menores à segundo

plano, transmudando-se na figura do genitor malversador.

Quando o genitor malversador passa a se apropriar, ainda que de pequena

parcela, dos valores recebidos pelo menor a título de pensão alimentícia para uso em

proveito próprio, além de praticar a apropriação indébita de tal numerário, está também,

indiscutivelmente, descumprindo com sua responsabilidade parental, pois, como visto,

aos pais, simultaneamente, independente do regime de guarda em vigor, cabe o dever de

sustentar os filhos e não o direito de serem sustentados por estes.

Pai ou mãe que se apropria para si dos alimentos destinados aos filhos

pratica ato semelhante ao do genitor que não cumpre sua obrigação de pagar alimentos,

uma vez que as consequências geradas por tais atos são as mesmas, quais sejam, os filhos

não terão suas necessidades vitais satisfeitas, podendo até mesmo passar por carências

extremas que poderão acarretar desnutrição, privação das condições mínimas de

existência digna, etc.

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Como visto anteriormente, o descumprimento da obrigação alimentar

acarreta rigorosas sanções aos alimentantes, devendo da mesma forma ser penalizado o

genitor que se apropria dos alimentos destinados à subsistência dos filhos, sendo que, tal

qual se dá em relação aos alimentantes, o ato de apropriação não pode ser justificado,

nem as correspondentes sanções afastadas, pela alegação de desemprego temporário ou

permanente, quando este não for resultante de incapacidade laborativa ou de moléstia

grave.

O pai ou mãe que se apropria indevidamente, para benefício próprio ou de

outrem, dos valores destinados ao sustento e educação do filho comete também o ilícito

conhecido como abuso financeiro e econômico, violência patrimonial69, que consiste na

exploração imprópria ou ilegal e no uso não consentido de recursos financeiros e

patrimoniais, que acarreta o não atendimento das necessidades básicas das crianças e

adolescentes, primordiais para o desenvolvimento saudável destes.

Importante salientar que a vulnerabilidade das crianças e adolescentes se

equipara ou é até mesmo superior do que a de alguns idosos, pessoas com mais de sessenta

anos, sendo que na Lei nº 10.741/2003, Estatuto do Idoso, o mencionado abuso financeiro

foi tipificado com crime, tendo as seguintes discrição e sanção.

“Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou

qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de

sua finalidade:

Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.”

Além disso, alguns genitores malversadores, com o decorrer do tempo,

passam a se apropriar de parcela cada vez maior do valor destinado ao sustento e educação

dos filhos, em casos extremos até mesmo da integralidade. Abdicam de sua própria

carreira profissional para viver às custas dos infantes, o que, invariavelmente, causa o

desenvolvimento de uma simbiose psicológica patológica entre o filho e tal genitor, o que

pode acarretar sérios danos ao desenvolvimento psicológico do menor, danos estes que

podem ser irreversíveis, causando grandes impactos e prejuízos na vida adulta destes, pois

crianças e adolescentes expostos a tal situação tendem a se tornar adultos inseguros,

tímidos, complexados, com baixa autoestima e, em alguns casos, com tendência ao

suicídio.

O que desencadeia tal simbiose é a inversão de papéis, o genitor

malversador começa a se apropriar dos recursos do filho, renunciando paulatinamente do

seu dever de cuidado para com a criança ou adolescente, passando a buscar de forma

primordial o atendimento de suas próprias necessidades em detrimento da dos menores.

Em contrapartida, o filho passa a se sentir responsável pelo constante bem-estar do genitor

malversador, a tomar conta deste, desqualificando suas próprias necessidades em

benefício das daquele. Tal patologia, não raras vezes, tem como consequência o

distanciamento do filho em relação ao outro genitor, não administrador, uma vez que o

menor passa a enxergar que tal relacionamento pode representar, de alguma forma, uma

espécie de traição ao genitor malversador, a quem, instalada a simbiose, a criança passa

a se sentir obrigada a proteger, cuidar e a zelar pelo seu total bem-estar.

Por outro lado, quanto mais o genitor malversador se apropria e se vê

dependente do dinheiro do filho, mais busca ocultar tal ilícito praticado. Tenta de todas

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as formas, no intuito de ocultar sua conduta, afastar o outro genitor da vida do filho, cria

toda espécie de desculpas, omite informações, procura, desesperadamente, ter em suas

mãos todo o poder possível sobre a criança, objetivando privar ao máximo o outro genitor

de exercer qualquer parcela, por menor que seja, do poder familiar. O malversador só

estimula a criança ao contato com o outro genitor quando há chance de obter vantagem

financeira em seu próprio benefício, covardemente embute na criança que toda e

quaisquer despesas, mesmo as mais singelas e cotidianas, têm que ser suportada pelo

outro genitor, desconsiderando e, às vezes, até omitindo que genitor não administrador já

contribui com o sustento do filho, através da regular prestação dos alimentos arbitrados

judicialmente. A toda oportunidade o malversador reforça ao filho que a única função que

cabe ao outro genitor na vida do menor é a de provedor, mero pagador de contas,

diuturnamente ressaltando que tal função nunca é cumprida a contendo, de forma

suficiente.

No intuito de maximizar os recursos à sua disposição, o genitor

malversador efetua toda e qualquer economia possível em assuntos relacionados às

necessidades do filho, mesmo as mais mesquinhas. Desestimula o menor a realizar

atividades extracurriculares (esportes, língua estrangeira, etc), a frequentar determinados

lugares, etc. O malversador tem como característica e hábito, a toda oportunidade,

procurar deixar transparecer a qualquer pessoa, até mesmo através das redes sociais, a

imagem de que ele e o filho são eternos necessitados, abandonados, coitadinhos,

desprovidos de quaisquer meios e recursos, sempre objetivando encontrar “padrinhos”

para fazer frente a qualquer despesa possível, buscando de forma incessante e insaciável

potencializar o volume de recursos disponíveis para serem utilizados em seu próprio

benefício próprio, a seu bel prazer.

Os objetivos buscados pelo genitor malversador, com o adiantar do tempo,

fazem este se tornar uma pessoa tóxica, mentirosa, de língua venenosa, sempre pronto

para denegrir, desqualificar e acusar o outro genitor, principalmente em questões

financeiras, sendo comum queixas como, por exemplo, o valor dos alimentos não dá para

nada, a pensão é uma miséria, eu e meu filho passamos por privações, etc. O malversador,

buscando ocultar seus ilícitos através do disfarce de genitor exemplar, procura atrair a

pena e a caridade das outras pessoas, fazendo o papel teatral da pessoa abandonada,

desvalorizada e incompreendida. A qualquer chance o malversador exalta falsos atributos,

se auto intitulando um genitor batalhador, abnegado, protetor, zeloso, guerreiro,

sacrificado, devotado ao filho, que abdicou de sua própria vida pessoal e profissional, se

anulando totalmente, com o único objetivo de se dedicar com exclusividade, integralidade

e afinco aos cuidados para com o filho.

Neste ponto, indispensável se faz ressaltar que tal campanha de

desqualificação da conduta do outro genitor70, bem como a tentativa de dificultar o

exercício da autoridade parental do não administrador71, se caracterizam, por expressa

disposição legal, como atos de alienação parental.

Destarte, demonstrado de forma cabal e irrefutável todos os malefícios que

a malversação dos alimentos pode trazer ao desenvolvimento físico e psíquico dos

menores, bem como os demais prejuízos que as condutas do mal administrador podem

acarretar, necessário se mostra que o Judiciário abra os olhos em relação a tal grave

questão, lembrando sempre do mandamento constitucional que determina a apreciação de

qualquer lesão ou ameaça a direito72, balizando o juiz sua conduta no princípio da

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intervenção precoce73, intervindo logo que a situação de perigo seja conhecida, devendo,

em tais casos, afastar qualquer formalismo processual, dando a maior efetividade possível

ao princípio da instrumentalidade das formas74.

O mesmo apelo feito ao Judiciário também necessita ser direcionado ao

Ministério Público, devendo o promotor, de pronto, sempre adotar, de ofício ou por

solicitação dos interessados, nos limites de sua atribuição, todas as providências cabíveis

em face de tais irregularidades, ilegalidades e/ou abuso de que tenha conhecimento75,

principalmente quando os autores de tais atos ilícitos forem os ascendentes das vítimas,

sob pena de, por sua inércia, ser acusado e denunciado pelo crime de prevaricação76. Aqui

se faz oportuno recordar que compete ao Ministério Público, por lei77, promover a

prestação de contas de quaisquer administradores de bens de crianças, inclusive quando

tal administração é encargo atribuído aos pais.

Ao Judiciário e ao Ministério Público não cabe outra alternativa senão

reconhecer o interesse e a legitimidade do genitor não administrador, na condição de

legítimo representante legal do filho78 79 80, ainda que não detenha a guarda da criança ou

adolescente, para pleitear que tais lesões ou ameaças aos direitos do menor sejam

devidamente apreciadas, censuradas, cessadas e sancionadas pelo Poder Judiciário

Justiça. De igual forma, dúvidas não restam a respeito da legitimidade81 do genitor

malversador para figurar no pólo passivo destas eventuais demandas, uma vez que este é

quem terá que suportar os efeitos e reflexos da decisão judicial a ser proferida.

Tal como foi feito em relação aos alimentantes inadimplentes, cabe agora

relacionar as sanções, cíveis e criminais as quais o genitor malversador está sujeito,

podendo estas ser aplicadas, quando necessário, de forma concomitante e simultânea,

sendo elas as seguintes: encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico82,

advertência83, perda da guarda84, suspensão ou até mesmo perda do poder familiar85 86,

destituição do encargo de administrador dos alimentos87, restituir ao patrimônio do

menor, devidamente corrigidos, os valores desviados, apropriados de forma indevida88,

multa de três a vinte salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência89 e,

eventualmente, apurados os indícios pelo Ministério Público, ser denunciado pela prática

dos crime de abandono material90, abando intelectual91 e apropriação indébita92.

Desta forma, ante a gravidade das consequências as quais os menores estão

sujeitos pela malversação da verba alimentar destinada ao sustento destes, fica

evidenciada e justificada a necessidade de que tal administração sempre se dê da forma

mais transparente e aberta possível, devendo a regular e periódica prestação de contas por

parte do administrador, mesmo a extrajudicial, ser tida como regra, independente do

regime de guarda em vigor, uma vez que a todos os genitores é atribuída a obrigação e o

direito de pedir prestação de contas, com a finalidade de permitir a supervisão e

fiscalização do atendimento aos interesses dos filhos, em todos os assuntos ou situações

que direta ou indiretamente afetem a educação, sustento, manutenção e saúde física e

psicológica destes. É dever e obrigação do Judiciário, Ministério Público e demais

autoridades competentes sempre investigar e desvendar o que o administrador da verba

alimentar tenciona esconder quando se recusa a prestar contas pormenorizadas de sua

gestão, de como e de que forma ele aplica, utiliza e conserva os valores sob sua

responsabilidade, numerário este que integra o patrimônio exclusivo dos menores. Afinal,

como diz o ditado, “quem não deve, não teme”!

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1 Constituição. Art. 227, caput. 2 Lei 8.069/1990. Art. 4º. 3 Código Civil. Art. 1.707. 4 “O direito aos alimentos é personalíssimo, pois tem como objetivo suprir as necessidades vitais de quem

não consegue prove-las com seus próprios meios.” (TJMG. Apelação Cível 1.0069.000234-5/001) 5 “Os alimentos constituem direito personalíssimo e destinam-se à subsistência do beneficiário, estando

diretamente ligados às características pessoais do credor e do devedor, sem cunho patrimonial. Assim, a

morte do alimentado implica a extinção da obrigação alimentar e de eventuais créditos ainda não

satisfeitos. (TJSC. Apelação Cível 2014.092772-3) 6 SILVA, Fernando Salzer. Guarda compartilhada – A divisão dos direitos e deveres decorrentes da

obrigação alimentar destinada aos filhos. Migalhas. Disponível em

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI254141,11049-

Guarda+compartilhada+A+divisao+dos+direitos+e+deveres+decorrentes+da. 7 Constituição. Art. 3º, IV. 8 Lei 8.069/1990. Art. 22, Parágrafo único. 9 Lei 8.069/1990. Art. 201, III. 10 Lei 8.069/1990, Art. 201, VIII. 11 STJ. REsp 1265821/BA. 12 Lei 8.625/1993. Art. 43, V 13 Código de Processo Civil. Art. 698. 14 Lei 8.625/1993. Art. 43, III. 15 Decreto-Lei nº 4.657/1942. Art. 4º. 16 Código Civil. Art. 1.566, IV. 17 Lei 8.069/1990. Art. 22, caput. 18 Constituição. Art. 229. 19 Código Civil. Art. 1.703. 20 Código Civil. Art. 1.694, §1º. 21 Código Civil. Art. 1.699. 22 Código Civil. Art. 1.632. 23 Lei 8.069/1990. Art. 24. 24 Código Civil. Art. 1.638, caput. 25 Código Civil. Art. 1.696. 26 Código Civil. Art. 1.698. 27 Código de Processo Civil. Art. 528, §§ 3º e 4º. 28 Código de Processo Civil. Art. 528, §1º. 29 Código de Processo Civil. Art. 528, §8º. 30 STJ. AgRg no REsp 1427836/SP. 31 Código de Processo Civil. Art. 529, caput. 32 Código de Processo Civil. Art. 529, §3º. 33 Código de Processo Civil. Art. 139, IV. 34 STJ. REsp 1469102/SP. 35 Código de Processo civil. Art. 532. 36 Código Penal. Art. 224, caput e Parágrafo único. 37 TJMG. Apelação Cível nº 1.0027.09.203269-0/001. 38 STJ. RHC 29777/MG. 39 Código Civil. Art. 1.690, caput e incisos I e II. 40 Código Civil. Art. 1.693, incisos I a IV. 41 Lei 8.069/1990. Art. 21. 42 Código Civil. Art. 1.634. 43 Código Civil. Art. 1.636. 44 Código Civil. Art. 1635, V. 45 Código Civil. Art. 1.634, II. 46 Código Civil. Art. 1.589. 47 Código Civil. Art. 1.583, §5º. 48 Código Civil. Art. 1.583, §1º. 49 Código Civil. Art. 1.584, §3º. 50 Código Civil. Art. 1.586. 51 Código de Processo Civil. Art. 489, §1º, incisos I a IV. 52 Constituição Federal. Art. 93, IX.

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53 STJ. Resp 439545. 54 TJMG. Apelação Cível 1.0110.13.001969-5/001. 55 STJ. AgRg no Ag 1.065.953/SP. 56 STJ. REsp 1.110.775/RJ. 57 Decreto 4.657/1942. Art. 4º. 58 Código de Processo Civil. Art. 140. 59 Código de Processo Civil. Art. 8º. 60 Lei 8.069/1990. Art. 18. 61 Lei 8.069/1990. Art. 5º. 62 Código Civil. Art. 1.741. 63 Código Civil. Art. 1.747, II. 64 Código Civil. Art. 1.747, III. 65 Código civil. Art. 1.749, I. 66 Código Civil. Art. 1.749, II. 67 Código Civil. Art. 1.753, caput. 68 Código civil. Art. 1.747, III. 69

http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/479525/RESPOSTA_PEDID

O_SIC_178_Definio_e_Categorizao_das_VIOLAES_2016.pdf) 70 Lei 12.318/2010. Art. 2º, I. 71 Lei 12.318/2010. Art. 2º, II 72 Constituição. Art. 5º, XXXV. 73 Lei 8.069/1990. Art. 100, Parágrafo único, VI. 74 STJ. REsp 1037429/SP. 75 Lei nº 8.625/1993. Art. 43, VIII 76 Código Penal. Art. 319. 77 Lei 8.069/1990. Art. 201, IV. 78 Código de Processo civil. Art. 71. 79 Código Civil. Art. 1.634, VII e art. 1.690, 80 Lei 8.069/1990. Art. 21. 81 TJMG. Apelações Cíveis 1.0261.13.001554-6/001, 1.0344.12.004216-5/001 e 1.0710.10.001569-6/001. 82 Lei. 8.069/1990. Art. 129, III. 83 Lei 8.069/1990. Art. 129, VII. 84 Lei 8.069. Art. 129, VIII. 85 Lei 8.069. Art. 129, X. 86 Código civil. Art. 1.638, IV. 87 Código Civil. Art. 1.584, §4º e art. 1.586. 88 Código Civil. Art. 186, art. 187 e art. 927. 89 Lei 8.069/1990. Art. 249. 90 Código Penal. Art. 224, caput e Parágrafo único. 91 Código Penal. Art. 246. 92 Código Penal. Art. 168.