Pequeno Organon Para o Teatro

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Pequeno Organon: Para o Teatro Bertolt Brecht « Pequeno Organon » Para o Teatro 1 PRÓLOGO  Analisaremos, a seguir, qual será o teor de uma estética que se fundamenta em determinado tipo de representaço teatral que tem sido praticada, no decorrer das !ltimas décadas" #m proposiç$es, conclus$es te%ricas e indicaç$es técnicas ocasionalmente pu&licadas, em forma de notas de pé de página 's peças do autor, os pro&lemas estéticos tem sido s% aflorados ao acaso e no sem uma relati(a falta de interesse" )elas, (emos uma determinada espéci e de teatr o estendend o ou contraindo su a fun ço so ci al, compl ementando ou selecionando seus meios art*sticos, esta&elecendo ou mantendo sua estética + quando a questo surge + pelo fato de reeitar ou con(erter a seu pr%prio uso as con(enç$es (igentes + de nature-a moral ou de gosto art*stico + de acordo com suas necessidades táticas" #ste teatro ustifica(a suas tend.ncias de tirar conclus$es sociais, em apontando essas conclus$es sociais em o&ras geralmente consagradas e utili-ando/se do argumento de serem ess as as tend.ncias ent o aceitas" 0ust ent a(a que o es( a-i amen to dos (al ores culturais, na produço contempor1nea, era sintoma de decad.ncia2 acusa(a os am&ientes de di(erso noturna de se terem degenerado em mais um ramo do comércio &urgu.s de entorpecentes" A falsa representaço de nossa (ida social no palco, incluindo as do chamado naturalismo, le(ou/o a e3igir reproduç$es cientificamente e3atas2 o ins*pido teor de 4iguaria4, de apetitosos paliati(os para os olhos ou para a alma, fe- com que este teatro e3igisse a l%gica da ta&uada de multiplicar" O culto ' &ele-a, foi reeitado com desdém2 culto ento alimentado com uma a(erso ao conhecimento e despre-o ao !til" O fato de, na época, nada de &elo estar sendo feito, condu-iu a esta ren!ncia" A luta era por um teatro apropriado a uma época cient*fica e como era demasiado penoso para os planeadores desse tip o de tea tro tomar empr est ado ou fur tar do dep %sito de concei tos estéti cos (ig entes o suf ici ent e armamento para manter os estetas da imprensa ' dist1ncia, preferiram simplesmente ameaçar2 4e3trair do instrumento de pra-er elementos didáticos, e con(erter certos esta&elecimentos de di(erso em %rgos de comunicaço das massas4 5)otas so&re a %pera Mahagonny 6, ou sea, emigrar do reino do meramente apra-*(el"  A #sté tica, este legado de uma classe ento depra(ada e parasitária, encontra(a/se em estado to lamen tá(el que um teatro que escolhesse li(rar/se do thaëter logo lucra(a , tanto em reputa ço como em li&erdade de o (sic). #, no entanto, o que se pratica(a ento como teatro de uma era cient*fica no era ci.ncia, mas ainda teatro, e as ino(aç$es acumuladas, surgidas numa época em que era imposs*(el demonstraç$es práticas 5no per*odo do na-ismo e durante a guerra6, fa- com que se torne necessária a análise deste tipo de teatro ' lu- de preceitos estéticos, ou determinar pontos de uma estética que se adapte a esta espécie de teatro" 0eria demasiado dif*cil, por e3emplo, tentar e3plicar a teoria do distanciamento, fora de uma %tica estética" 7oe em dia, poder/se /ia delinear uma estética das ci.nci as e3atas" Galileu falou da eleg1n cia de certas f%rmulas e do esp*rito das e3peri.ncias8 #instein sugere que o sentido da &ele-a tem papel importante em desco& ertas cient*fic as2 enquanto que o f*sico at9mico Ro&ert Oppenheimer lou(a a atitu de cient* fica, afirmando que ela possui 4uma &ele-a pr% pria e se re(ela perfeitamente adequada ' posiço do homem na :erra4" ;amos portanto causar alarme geral, anulando nosso prop%sito de emigrar do reino do apra-*(el, e, por mais que pese ainda a um maior n!mero de pessoas, manifestar nossa deciso de fincar pé nesse arraial da di(erso" :ratemos o teatro como um recinto de di(erso, como é apropriado a uma discusso estética, e tentemos desco&rir qual a forma de di(erso que melhor nos compra-" < Teat ro consiste em2 apresentaço de imagens (i(as de aco nte ciment os pas sad os, rel ata dos ou in(en tados, entre seres humanos, com o o&eti(o de di(er tir " #mpregaremos sempre o termo com esse sentido, trate/se de teatro antigo ou moderno" = Para ampliar esta defini ço, podemos adicionar acontecimentos entre homens e deuses , mas como nos int ere ssa apen as det erminar seu sentid o restrito, tal acr ésc imo é per fei tamente sec undário" # mesmo que aceitássemos esta e3tenso de sentido, ter*amos ainda de afirmar que a funço mais geral do teatro é a de di(ertir" #is a mais no&re das funç$es que se nos depara para o teatro" > )o princ*pio, o o& eti(o do teatro, como das demais artes, era entreter pessoas" # é esse empenho precisamente que lhe confere uma dignidade particular" ?omo caracter*stica, &asta/lhe o pra-er2 o teatro no necessita de outro passapor te" )o de(emo s, de maneira nenhuma, conferir/lhe um status maior2 estar*amos 1  @L#)#0 ORGA)O) CR DA0 :7#A:#R <EF" :raduço de lá(io Horeira da ?osta" A maior o&ra te%rica de Brecht foi escrita na 0u*ça e inspirada formalmente pelo Novum Organum de rancis Bacon que pro(a(elmente o atra*a por ser uma resposta direta ao Organum de Arist%teles" Pu&licado inicialmente na re(ista Sinn und Form, <EFE, foi reimpresso no Versuche 12  e nos Schriten !um Theater. <

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

assim, tornando/o um mercado a&astecedor de moral2 ao contrário, o teatro tem de se preca(er nesse caso, parano degradar/se, o que certamente ocorreria se no transformasse o elemento moral apra-*(el, suscet*(el decausar pra-er aos sentidos + princ*pio, admitamos, do qual a moral sairá ganhando" )em sequer de(e/se e3igir que o teatro sir(a como instruço, ou utilidade maior do que uma emoço de pra-er, f*sico ou espiritual" O teatrotem de permanecer algo de a&solutamente supérfluo, o que significa, que n%s (i(emos para o supérfluo" )adanecessita menos ustificaç$es que a di(erso"

FPortanto, o que os antigos, seguindo Arist%teles, queriam com a tragédia era nada mais superior ouinferior do que di(ertir" Pode/se di-er que o teatro, deri(ou do ritual religioso, o que é di-er que o teatro surgiu por ter se desprendido do ritual2 no adotou os antigos mistérios que acompanha(am os cultos, mas sim, pura esimplesmente, o pra-er do e3erc*cio dos rituais" # a catarsis de que Arist%teles fala + a purificaço pelo medo epela piedade, ou a purificaço do medo e da piedade + é uma purificaço composta simplesmente de uma mentirarecreati(a, e que tem por o&eti(o o pra-er" #3igir ou aceitar mais do teatro, significa que estamos menospre-andoseu o&eti(o"

I# mesmo quando alguém fala em graus inferiores e superiores de pra-er, a arte permanece impass*(el a

esta distinço2 ela menciona e3pandir/se com li&erdade, tanto num n*(el inferior como num n*(el superior desdeque com isso di(irta o p!&lico"

J:oda(ia, e3istem pra-eres fracos 5simples6 e pra-eres fortes 5comple3os6, que o teatro pode criar" Os

!ltimos, que so os tratados em grandes dramas, desen(ol(em até um cl*ma3, como a coa&itaço é para doisamantes2 so mais di(ersificados, mais ricos em comunicaço, mais contradit%rios e de resultados maisproduti(os"

K# as di(ers$es de diferentes per*odos t.m sido naturalmente condicionadas aos sistemas das pessoas

(i(endo em sociedade em sua época" O demos grego, so& dom*nio de tiranos, te(e de ser apro(eitado de mododiferente para a c9rte feudal de Lu*s ;" O teatro tem sido requisitado para interpretar diferentes papéis na (idasocial do homem2 no somente representaç$es de (idas diferentes, mas tam&ém de maneiras diferentes"

De acordo com a nature-a de di(erso poss*(el e necessária em cada forma de con(*(io humano, deu/seaos personagens proporç$es (árias e situaç$es ti(eram de ser constru*das segundo perspecti(as di(ersas" 7áque narrar uma hist%ria de modos diferentes para que os gregos possam se di(ertir com a ine(ita&ilidade das leisdi(inas, quando a ignor1ncia no impedia a puniço8 para que esses franceses se deliciem com o graciososentimento de autodisciplina que os c%digos palacianos e3igiam dos senhores do mundo, ou os ingleses da eraelisa&etana, com seu culto do no(o indi(*duo, li&erto totalmente de ini&iç$es"

E# temos sempre de nos lem&rar que o pra-er dado pela representaço, nessas suas diferentes facetas,

quase nunca dependeu do degrau de semelhança entre a imagem e seu o&eto" A incorreço, e mesmo uma fortein(erossimilhança pouco ou nada modifica(am, desde que esta incorreço apresentasse uma certa consist.ncia eesta in(erossimilhança conser(asse um grau m*nimo de semelhança" O importante era a iluso de que o

transcorrer da hist%ria se desenrolasse compulsi(amente, e isto era criado por toda uma série de recursos teatraise poéticos" Hesmo hoe n%s passamos por cima destas discrep1ncias sempre que nos é permitido e3trair algo daspurificaç$es espirituais de 0%focles, dos atos de sacrif*cios de Racine, ou dos sanguinários instintos de0haMespeare, apossando/nos das esplendidas e grandiosas emoç$es das principais personagens dessas peças"

<NPois das (árias espécies de representaç$es de acontecimentos significati(os entre pessoas, que o teatro

nos apresenta desde os tempos antigos, e que tem causado di(erso, a despeito de suas incorreç$es eimpro&a&ilidades, há um n!mero surpreendente que ainda nos di(erte"

<<#sta&elecendo a e3tenso até onde podemos ficar satisfeitos pelas representaç$es de to di(ersos

per*odos + o que teria sido quase imposs*(el para os filhos dessas eras grandiosas + no de(er*amos, ao mesmo

tempo, suspeitar que falhamos na tentati(a de desco&erta das di(ers$es especiais, os pra-eres espec*ficos denosso tempo

=

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

<= A nossa capacidade de captar o teatro de(e ter se tornado mais fraca ainda que a desses antigos" Has

nosso modo de (i(er em sociedade se assemelha ainda muito ' deles" Logo, esta capacidade de percepçode(eria ter surgido de nossa parte" ?hegamos 's o&ras antigas por um processo relati(amente no(o + a empatia +processo atra(és do qual essas o&ras no do grande contri&uiço de si" Portanto, grande parte de nosso pra-er (em de fontes di(ersas das que to fortemente se a&riram para aqueles que (i(eram antes de n%s" )ossacompensaço é a &ele-a da linguagem dessas o&ras, a eleg1ncia de suas estruturas, as passagens que

estimulam nossa imaginaço pessoal2 resumindo, os ornamentos incidentais destes (elhos tra&alhos" 0oprecisamente recursos teatrais e poéticos que dissimulam a sensaço do desacerto que as peças nos pro(ocam")ossos teatros no mais possuem a capacidade ou o deseo de narrar essas hist%rias, mesmo as do grande0haMespeare + que no so assim to antigas + com e3atido, isto é, fa-endo contatos de acontecimentos(eross*meis" # conforme di- Arist%teles + e aqui n%s estamos de acordo + a narrati(a é a alma do drama"ncomoda/nos cada (e- mais o primiti(ismo, o descuido com que nos defrontamos nas reproduç$es do con(*(iohumano, tanto nas o&ras antigas como nas contempor1neas, quando estas so constru*das nos moldes antigos":oda nossa maneira de apreciaço tende ' desatuali-aço"

<> desacertadamente que nos (em os acontecimentos ocorridos entre os homens nessas representaç$es,

o que restringe nosso pra-er em teatro" A ra-o2 n%s e nossos antepassados temos posiç$es di(ersas em relaçoao que é representado"

<F Ao indagarmos que espécie de di(erso, de impacto imediato, que pra-er amplo e constante nosso teatro

nos poderia proporcionar com suas representaç$es da (ida humana, no podemos ignorar que somos filhos deuma era cient*fica" )ossa (ida como seres humanos em sociedade + isto é, nossa (ida + é determinada pelaci.ncia, dentro de no(as dimens$es"

<I7á algumas centenas de anos, muitas pessoas, tra&alhando em pa*ses diferentes, mas em

correspond.ncia uns com os outros, reali-aram e3peri.ncias, atra(és das quais pretendiam arrancar da nature-aseus segredos" Hem&ros de classes industriais ur&anas, eles transmitiram suas desco&ertas a terceiros que ase3ploraram no terreno da prática, sem (isarem seno lucros pessoais" nd!strias que utili-a(am processos quaseinalterados durante milhares de anos, desen(ol(eram/se ento assom&rosamente em (árias localidades2 essas

localidades eram ligadas umas 's outras pela concorr.ncia e englo&a(am em si, (indas de toda a parte, grandesmassas humanas, que, adotando no(os esquemas de organi-aço, iniciaram uma produço em escalagigantesca" Bre(emente, a humanidade estaria mostrando poderes cua amplitude até ento nunca fora sequer sonhada"

<J#ra como se a humanidade s% agora se dispusesse, num esforço coordenado e consciente, a tornar 

ha&itá(el o planeta no qual (i(ia" ;ários elementos componentes da terra, como o car(o, a água, o petr%leo,tornaram/se tesouros" O (apor ser(ia para mo(er (e*culos2 muitas pequenas fa*scas e a (i&raço das co3as dasrs re(ela(am uma força da nature-a que produ-ia lu- e transporta(a o som para outros continentes, etc" #mtodas as direç$es o homem olha(a so&re si mesmo com uma no(a (iso, para (er como ele podia adaptar parasuas con(eni.ncias os o&etos naturais" De década para década, seu meio am&iente f*sico se transforma(a cada(e- mais, depois, de ano para ano, e mais tarde, quase que de dia para dia" #u pr%prio estou, neste momento,

escre(endo numa máquina que no era conhecida na época em que nasci" ;iao em no(os (e*culos, com umarapide- que meu a(o no poderia imaginar8 nada ha(ia naquele tempo que se mo(esse to r'pidamente" #, alémdisso, ele(o/me no ar, o que seria imposs*(el para meu pai" Qá podia con(ersar com meu pai, eu num continente eele noutro, mas foi s% com meu filho que primeiro (i os filmes so&re as e3plos$es em 7iro3ima,

<K As no(as ci.ncias podem ter possi&ilitado estas grandes alteraç$es + e so&retudo uma possi&ilidade de

modificaço de nosso am&iente + mas ainda assim no pode ser dito que estamos im&u*dos de seu esp*rito e queeste nos condicione" A ra-o por que a no(a forma de pensar e sentir no penetrou ainda as grandes massashumanas é que as ci.ncias de(em sua supremacia a uma classe + a &urguesia + a qual por sua (e- foi le(ada aesta posiço pelas ci.ncias, classe esta que estacionou o sucesso das ci.ncias na e3ploraço e dom*nio danature-a, operando em outros setores ainda no muito claros2 os das relaç$es dos homens entre si, na aço dee3plorar e su&ugar a nature-a" #sta tarefa, da qual dependem todas as outras, foi reali-ada sem que os no(os

métodos de pensamento que a possi&ilitaram, esclarecessem as relaç$es m!tuas e3istentes entre aqueles que areali-aram" A no(a (iso da nature-a no foi aplicada na sociedade"

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< As relaç$es entre os homens, com efeito, tornaram/se mais impenetrá(eis do que outrora" A enorme tarefa

em que esto empenhados parece cada (e- mais di(idi/los em dois grupos8 o aumento de produço causa oaumento de miséria8 somente uma minoria lucra com a e3ploraço da nature-a, e, precisamente por estarem ae3plorar homens" O que poderia ser progresso de todos, torna/se (antagem de alguns, e uma parte crescente daproduço é aplicada na criaço de meios destruidores destinados a poderosas guerras" Durante estas guerras, asmes de todas as naç$es, com seus filhos apertados contra si, horrori-adas, (ociferam contra os céus, de(ido aos

in(entos mortais das ci.ncias"<E As mesmas atitudes que os homens de outrora mostraram em face 's impre(is*(eis catástrofes da

nature-a, eles tem agora perante suas pr%prias reali-aç$es" A classe &urguesa, &eneficiária e3clusi(a da ci.ncia, 'qual de(e sua prosperidade, depois de transformá/la em dom*nio, sa&e muito &em que seu dom*nio terminaria sea perspecti(a cient*fica incidisse so&re suas pr%prias reali-aç$es" # a no(a ci.ncia, fundada há cerca de cem anose que lida com a nature-a da sociedade humana, nasceu da luta entre dominados e domina dores" Desde ento,um certo esp*rito cient*fico tem se desen(ol(ido, no fundo, entre as no(as classes de tra&alhadores, para quem aproduço em grande escala é (ital8 e este esp*rito mostra que as grandes catástrofes tem sido reali-adas pelosdominadores"

=N

?i.ncia e arte se encontram neste ponto2 am&as e3istem para tornar mais simples a (ida do homem, aprimeira preocupada com sua su&sist.ncia, a segunda com sua di(erso" #m tempos futuros, a arte e3trairádi(erso da no(a produti(idade, produti(idade esta que tanto pode melhorar nossa e3ist.ncia, como, uma (e- li(rede o&stáculos, pode tornar/se, em si mesma, o maior de todos os pra-eres"

=<0e quisermos, pois" #ntregar/nos ' grande pai3o de produ-ir, como sero nossas representaç$es da (ida

social do homem ual a atitude produti(a, face ' nature-a e ' sociedade, que n%s, crianças de uma eracient*fica, tomaremos pra-erosamente em nosso teatro

==:rata/se de uma atitude cr*tica" Perante um rio, ela consiste em seu apro(eitamento8 perante uma ár(ore

frut*fera, em en3ertá/la8 perante o mo(imento, a construço de (e*culos e aeroplanos8 perante a sociedade, em

fa-er re(oluço" )ossas representaç$es da (ida social destinam/se a esses técnicos flu(iais, aos pomicultores,aos construtores de (e*culos e aos re(olucionários, a quem con(idamos a comparecer aos nossos teatros e aquem pedimos que no esqueçam, enquanto lá esti(erem, suas respecti(as ocupaç$es 5alegres ocupaç$es6, parapodermos, desta forma, entregar o mundo a suas mentes e coraç$es e para que o modifiquem a seu critério"

=>O teatro s% pode adotar esta atitude li(re, se entregar 's correntes mais fortes de sua sociedade e se

associar a todos os que, necessariamente, esto mais impacientes para efetuar grandes modificaç$es nessedom*nio" O mero deseo, se nada mais, de desen(ol(er nossa arte em diapaso com a época em que ela seinsere, nos le(a desde á a deslocar nosso teatro, o teatro pr%prio de uma era cient*fica, para os, su&!r&ios dacidade, onde ficará inteiramente ' disposiço das (astas massas que produ-em em larga escala e que (i(em emdificuldades, afim de que possam se di(ertir pro(eitosamente com a comple3idade de seus pr%prios pro&lemas" poss*(el que achem dif*cil pagar por nossa arte, é poss*(el que no compreendam, de in*cio, nossa no(a forma de

di(erso e ca&erá a n%s, so& muitos aspectos, apreender e desco&rir o que mais necessitam e de que modo onecessitam8 mas podemos estar certos de seu interesse" Porque estes homens que parecem to distantes daci.ncia, assim se encontram, com efeito, por estarem mantidos a dist1ncia8 antes de se apropriarem da ci.ncia,tero de desen(ol(er e por em prática uma no(a ci.ncia da sociedade" 0o esses (erdadeiros filhos de uma eracient*fica que so-inhos impulsionaro o teatro, se é que o teatro quer se desen(ol(er" Sm teatro que torne aproduti(idade fonte principal de di(erso, terá de torná/la tam&ém seu tema8 e é com um cuidado mui especial queo de(erá fa-er, pois por toda a parte o homem é impedido pelo homem de se produ-ir a si pr%prio, isto é, deangariar seu pr%prio sustento, de di(ertir e de ser di(ertido" O teatro tem de se comprometer com a realidade, poiss% assim lhe será poss*(el e l*cito reali-ar representaç$es efica-es da realidade"

=Fsto torna mais simples para o teatro se apro3imar, tanto quanto poss*(el, de pro&lemáticas da educaço e

da comunicaço de massas" Pois, em&ora o teatro no de(a ser incomodado com uma série de matérias de

conhecimento que no lhe confiram um caráter recreati(o, ele ainda é li(re para se recrear com ensino ein(estigaço" ?onstr%i suas representaç$es sociais de forma (álida e capa- de influenciar a sociedade, com umagrande di(erso" #3p$e aos construtores da sociedade as (i(encias desta mesma sociedade, tanto as de ontem

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com as de hoe8 mas de tal maneira que a audi.ncia pode apreciar os sentimentos, os conhecimentos e impulsosque so e3tra*dos, entre n%s, por aqueles que so mais emoti(os, os mais cultos, os mais ati(os, dosacontecimentos do dia/a/dia e dos séculos" #les de(em ser recreados com o conhecimento que ad(ém dassoluç$es dos pro&lemas, com a ira que é a e3presso prática de simpatia pelos oprimidos, com o respeito de(idoa todos que consideram a humanidade8 em suma, com qualquer coisa que di(irta o homem que está produ-indoalguma coisa"

=Isto significa tam&ém que o teatro pode le(ar seus espectadores a fruir a ética particular de sua época, aética dimana da produti(idade" O teatro con(ertendo a cr*tica + ou sea, o grande método de produti(idade + empra-er, nenhum de(er se lhe apresentará no campo da moral, mas sim m!ltiplas possi&ilidades" Hesmo tudo quesea anti/social pode gerar pra-er para a sociedade, uma (e- representa com grande-a e como algo (ital" Assimseguidamente nos pro(am poderes considerá(eis de compreenso e in!meras capacidades intelectuais,empregadas porém, admitidamente" ?om prop%sitos destruidores" Ora, mesmo uma imensa catástrofe pode ser apreciada em toda sua maestade pela sociedade, esta sa&e a possi&ilidade de dominá/la, passando, neste caso,utili-á/la em nosso fa(or"

=JPara um empreendimento desta ordem, dificilmente podemos aceitar o teatro tal como está" #ntremos

numa descasas de espetáculos e o&ser(emos o efeito que o teatro e3erce so&re os espectadores" Sm olhar em

(olta, (emos figuras im%(eis numa condiço peculiar2 parecem reter os m!sculos, em forte tenso, quando noesto rela3ados por intenso esgotamento" uase no se comunicam entre si8 é como se todos dormissemprofundamente, sendo, simultaneamente (*timas de pesadelos, por estarem, como di- o po(o, deitados de costa";erdade, seus olhos esto a&ertos, mas olham m do que (.em, escutam, mais do que ou(em" Olham para o palcocomo que fascinados, numa e3presso que (em desde a dade Hédia, os dias das feiticeiras e padres" ;er e ouso atos que causam 's (e-es pra-er, mas estas pessoas parecem distantes de qualquer ati(idade, so anteso&etos passi(os de algo que está sendo feito" #ste estado de enle(o em que parecem entregues a sensaç$esindefinidas, mas profundas, cresce em profundidade em proporço ' qualidade do tra&alho dos atores" Da*preferirmos, pois no concordamos com tal estado de enle(o, que os atores fossem to ruins quanto poss*(el"

=KO mundo que é ali retratado, mundo do qual so e3tra*das partes para produ-ir estes estados de alma e

emoç$es, surgindo de elementos totalmente po&res e escassos + um pouco de painel, um tanto de m*mica, uma

porço de te3to que nos é imposs*(el dei3ar de admirar o pessoal de teatro" sto porque eles conseguem, comuma refle3o to fraca so&re o mundo real, emocionar os espectadores com muito mais intensidade que o pr%priomundo"

=De qualquer maneira, de(e/se desculpar esta gente de teatro, pois os pra-eres que eles (endem por 

dinheiro e fama no seria poss*(el com representaç$es mais e3atas do mundo2 tam&ém imposs*(el seria suasrepresentaç$es ine3atas serem apresentadas com um tom menos mágico" A capacidade deles de representar homens manifesta/se em (ários momentos2 so especialmente os patifes e figuras menores que re(elam seusconhecimentos da humanidade e distinguem um do outro2 as personagens principais, porém, de(em conser(ar sempre uma caracter*stica mais geral, para que os espectadores possam se identificar mais facilmente com elas"#, além disso, os traços caracter*sticos de(em sempre estar num campo restrito, dentro do qual qualquer pessoapode di-er, de imediato2 4 assim mesmoT4 O espectador desea go-ar de sensaç$es &em determinadas, como

uma criança, por e3emplo, monta num ca(alinho de carrossel2 a sensaço de orgulho por ter um ca(alo e poder ca(algar, o pra-er de passar por outras crianças, a a(entura de estar a ser seguida ou de estar ela pr%pria a seguir outros, etc" Le(ando a criança a e3perimentar tais sensaç$es, o fato de um (e*culo de madeira apenas representar um ca(alo, conta pouco, e no chega a importuná/la o fato da ca(algada se limitar a um pequeno c*rculo" OfreqUenta de teatro, por sua (e-, está interessado em poder su&stituir um mundo contradit%rio por um mundoharmonioso, um mundo que ele conhece mal por um mundo no qual ele possa sonhar"

=E Ao tentarmos reali-ar nossos prop%sitos, foi com, tipo de teatro que deparamos" # tem sido, portanto,

perfeitamente poss*(el transformar nossos amigos otimistas filhos da era cient*fica + numa massa intimidada,crédula hipnoti-ada"

>N

(erdade que, há cerca de meio século, eles t.m conseguido (er representaç$es da (ida sociais maisfiéis, assim como figuras indi(iduais em re(olta contra determinados males sociais, ou mesmo contra a estruturaglo&al da sociedade" #les sentiam interesse pelo teatro suficientemente forte para aceitarem temporariamente

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

uma e3cepcional reduço de linguagem, de te3to, de mensagem, pois a aragem do esp*rito cient*fico fe- com quese des(anecessem os ha&ituais moti(os de encanto a que tinham se ha&ituado" Has, tal sacrif*cio no (aleu muitoa pena" O aperfeiçoamento das representaç$es impedia determinado tipo de pra-er, no oferece outro em troca" Ocampo das relaç$es humanas torno/se claro, mas no e(idente" )ossas sensaç$es, pri(adas da antiga 5mágica6forma, permaneceram, em realidade, inalterá(eis"

><

?omo sempre e em qualquer lugar, teatros eram recintos de recreio de uma classe que restringia oesp*rito cient*fico ao campo da nature-a, sem ousar transferi/lo para o das re laç$es humanas" A percentagemm*nima de p!&lico, que eram os operários, aos quais se auntaram, acess%ria mas precariamente, algunsintelectuais renegados, era ainda necessário o (elho tipo de di(erso, como um al*(io para o seu estipulado dia/a/dia"

>=:oda(ia, sigamos em frenteT A&ai3o todos os o&stáculosT Sma (e- no campo de &atalha, lutemosT )o

(imos á como a crença pode mo(er montanhas )o é suficiente que tenhamos desco&erto que alguma coisaestá sendo ocultada de n%s #m frente a um pro&lema e outro pendem cortinas" preciso le(antá/lasT

>>O :eatro, tal como conhecemos atualmente, apresenta a estrutura da sociedade 5representada no palco6,

como incapa- de ser modificada pela sociedade 5representada na sala6" dipo, que pecou contra princ*pios

sustentados pela sociedade de seu época, é e3ecutado2 os deuses (elam por ele, e estes no so suscet*(eis decr*tica" As grandes personagens solitárias de 0haMespeare, que tra-em no peito a estréia de seus destinos, socarregadas irresisti(elmente para o a&ismo, (s e mortais, liquidam/se a si pr%prias8 a (ida, e no a morte, torna/se o&scena, enquanto desa&am + e catástrofes no so suscet*(eis de cr*tica" 0acrif*cios humanos por todos osladosT Bar&áricas di(ers$esT )%s sa&emos que os &ár&aros tem uma arte" açamos n%s uma outra"

>FPor quanto tempo ainda nossos esp*ritos, nossos 4meros4 corpos dei3ados ao a&rigo da escurido, tero

de penetrar em todos aqueles fantásticos personagens que esto no palco, a fim de acompanhar os crescendos ecl*ma3es que a (ida 4normal4 nos nega ue espécie de li&ertaço é esta, se no final de todas as peças + um fimfeli- apenas dentro das con(enç$es da época 5austadas pro(idencias, restauraço da ordem"""6 +e3perimentamos o on*rico ato do e3ecutor, que corta aqueles crescendos, por serem e3cessos )%s rasteamosem "di#o$ pois ainda e3istem ta&us e ignor1ncia, no é desculpa frente a lei" #m Ote%o& pois ci!me ainda nos

incomoda e tudo depende da posse" #m 'a%%enstein& pois precisamos ser li(res para as lutas da competiço eo&ser(ar regras, seno essas lutas findaro" #sses (elhos há&itos demon*acos so tam&ém culti(ados em peçascomo hosts 5Os antasmas6 e The 'eavers 5Os :ecel$es6, em&ora a*, a estrutura da sociedade + ainda emforma de mi%i%eu apresenta/se de maneira mais a&erta" As sensaç$es, as idéia os impulsos so/nos impingidospor coaço, atra(és dos personagens principais, e assim no aprendemos nada mais s% a sociedade do que aencenaço pode nos dar"

>I)ecessitamos de um teatro que no nos proporcione somente as sensaç$es, as idéias e os impulsos que

so permitidos dentro do respecti(o conte3to hist%rico das relaç$es2 humanas 5em que as aç$es se reali-am6, mastam&ém que empregue e suscite pensamentos e sentimentos que audem a transformaço desse mesmoconte3to"

>J#ste conte3to tem de ser definido em termos de relati(idade hist%rica" sto significa que precisamos nosdes(encilhar do há&ito de tomar estruturas sociais diferentes de épocas passadas, des(estindo/as de qualquer elemento que as façam diferentes, de maneira a fa-./las apro3imarem/se mais ou menos da nossa, a qual, por sua (e-, adquire um caráter de algo desde sempre e3istente e, portanto, eterno" :oda(ia, precisamos dei3ar certasdi(ersidades das diferentes épocas, no esquecendo amais sua efemeridade, de forma que nossa época possaser tam&ém entendida como ef.mera" 5)aturalmente, para tal, no pode/se utili-ar tonalidades coloridas oufolcl%ricas, empregadas pelos nossos teatros para enfati-ar a analogia no comportamento humano nas diferentesépocas" ndicaremos adiante os recursos teatrais a serem empregados"6

>K0e os personagens em cena forem mo(imentados por impulsos de caráter social, que (ariam de acordo

com as épocas, se assim considerarmos, estaremos dificultando uma aclimataço emocional do espectador" )o

poderá simplesmente sentir2 esta é a maneira que eu agiria2 mas, dirá, quando muito2 se eu ti(esse (i(ido so&reessas circunst1ncias""" # se encenarmos peças de nossa pr%pria época tal como se fossem peças hist%ricas, époss*(el que pareçam ao espectador igualmente singulares as circunst1ncias em que ele pr%prio age + e é aqui

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

que a atitude cr*tica começa"

> As 4condiç$es hist%ricas4 no de(em, e(identemente, ser imaginadas 5nem tampouco constru*das6, como

poderes misteriosos 5como pano de fundo62 pelo contrário, elas so criadas e mantidas pelos homens 5e sero,quando for o caso, modificadas por eles6" a aço se desenrolando em nossa frente que nos permite (er essascondiç$es hist%ricas como elas so"

>E0e uma personagem responde em conson1ncia hist%rica com sua época, e responderia diferentemente

em outras épocas, isso no significa simplesmente que ela é um prot%tipo De acordo com suas circunst1ncias esua classe social, sem d!(idas, uma pessoa (ai se e3primir diferentemente2 se e está (i(endo num outro per*odo,ou em sua u(entude, ou no ocaso da (ida, ela iria infali(elmente e3primir/se de forma di(ersa, em&ora aindadeterminada pelos mesmos fatores id.ntica a qualquer pessoa que se encontre na mesma situaço e na mesmaépoca" )o de(emos, pois, perguntar se no ha(erá ainda outras diferenças poss*(eis de reaço Onde encontrar o homem, pr%prio e inconfund*(el, aquele que no a&solutamente semelhante ao seu semelhante claro quesua imagem teatral de(e tra-./lo ' lu- e que esta particular contradiço é recriada na imagem" A imagem que dádefiniço hist%rica de(erá reter algo de um es&oço, que indicará traços e mo(imentos em torno da figura emquesto" Ou, imagine/se um homem discursando num (ale e que, de (e- e quando, muda de opinio ou di- frasesque se contradi-er de modo que o eco, acompanhando/o, p$e as frases e confronto"

FN#ssas imagens, por certo, e3igem uma forma de interpretaço que mantenha a mente do espectador li(re

e m%(el" #ste tem de fa-er sempre e sempre o que poder/se/ia chamar de austamentos hipotéticos ' nossaconstruço, mudando mentalmente as forças motri-es de nossa sociedade ou su&stituindo/as por outras" Atra(ésde tal processo, um comportamento adequado ao momento adquire o aspecto de algo Vanormal4, permitindo queas forças atuantes na circunst1ncia da percam sua naturalidade e tornem/se suscet*(eis de serem manipuladas"

F<O mesmo acontece quando um técnico em o&ras flu(iais, ao (er um rio, (., ao mesmo tempo, seu leito

primiti(o e, possi&ilidade de outros leitos fict*cios, se outro fosse o (olume de água e a inclinaço do planalto"#nquanto ele (., em pensamento um outro rio, o socialista ou(e, em pensamento, uma no(a espécie de diálogoentre os tra&alhadores rurais e a &eira do rio" 0emelhantemente, no teatro, o espectador de(e encontrar en(oltos

em es&oços e ecos, os acontecimentos que se desenrolariam entre os referidos tra&alhadores rurais"

F= A forma de interpretaço que foi e3perimentada no :eatro 0chiff&auerdamm de Berlim, entre a Primeira e

a 0egunda Guerras Hundiais, cuo o&eti(o era representar essas imagens referidas, &aseou/se nesta técnica decriaço 5separada6, conhecida como eeito de distanciamento" Sma representaço que cria o distanciamento,permite/nos reconhecer seu o&eto, ao mesmo tempo que fa- com que ele nos pareça alheio" O teatro clássico e oteatro medie(al distancia(am suas personagens por meio de máscaras representando homens e animais, o teatroasiático ainda hoe utili-a efeito de distanciamento de nature-a musical e pantom*mica" O distanciamento torna(a,sem d!(ida, imposs*(el a empatia, e no entanto, a técnica permitia mais + mais ainda que a empatia poderiapermitir + em recursos sugesti(os de nature-a hipn%tica" Os o&eti(os sociais destes antigos efeitos eraminteiramente diferentes dos nossos"

F>Os (elhos efeitos de distanciamento su&traem completamente o o&eto reprodu-ido pela participaço doespectador, tornando/o inalterá(el" Os no(os efeitos nada possuem de &i-arro + s% uma (iso no/cient*fica podeclassificar de &i-arro o que é desconhecido" Os no(os efeitos de distanciamento possuem apenas como o&eti(o odespoamento de fen9menos socialmente condicionados, de um li&elo de familiaridade que os resguarda, hoe emdia, de qualquer inter(enço"

FFPois parece imposs*(el alterar o que de há muito tem sido inalterá(el" ?hegamos sempre a pontos

demasiadamente %&(ios para nos incomodarmos tentar compreende/los" ualquer e3peri.ncia dos homens entreeles mesmos, é sempre encarada como a e3peri.ncia humana, um dado humano preesta&elecido" A criança,(i(endo no mundo dos (elhos, aprende o que se passa nesse mundo" ?onhece o rumo das coisas antes deaprender a caminhar" # se hou(er alguém suficientemente ousado para desear algo que estea para além disso,

trata/se de caso de e3ceço" Hesmo que reconheça que os mos que lhe so traçados pela Pro(id.ncia, so narealidade, pro(idenciados pela sociedade + essa imensa coleço de seres semelhantes a ele + ainda assim asociedade lhe parecerá um todo maior que a soma de suas partes, um todo no suscet*(el de ser modificado" #

K

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

ele está acostumado com coisas que no podem ser modificadas2 e quem desconfia de algo com o que estáacostumado Para transformá/lo de uma aceitaço geral e passi(a para um estado correspondente de curiosidadee d!(ida é necessário que ele desen(ol(a um olhar estranhe-a id.ntico 'quele com que o grande Galileucontemplou um lustre oscilante" #le ficou surpreso com o mo(imento de p.ndulo, como se no o esperasse, nopodendo compreender como aquilo esta(a ocorrendo2 foi desta forma que apro3imou/se de sua idéia a lei queregia aquele fen9meno" O teatro, com suas reproduç$es do con(*(io humano, t.m de suscitar no p!&lico uma(iso semelhante, to dif*cil quanto fecunda" :em de surpreender seu p!&lico, e chegar a isso por uma técnica que

torne o que lhe é familiar estranho"FI#sta técnica permite ao teatro empregar, nas suas produç$es, o método da no(a ci.ncia social, o

materialismo dialético" :al método, para conferir mo&ilidade ao dom*nio social, trata as condiç$es sociais comoacontecimentos em processo, acompanhando/as nas suas contradiç$es" Assim, as coisas e3istem somente namedida em que se transformam, em outras pala(ras, na medida em que esteam em disparidade consigo pr%prias"O mesmo sucede em relaço aos sentimentos, atitudes e opini$es dos homens, atra(és dos quais se e3primem,respecti(amente, as di(ersas espécies de con(*(io social"

FJ)ossa pr%pria era, que (ai transformando a nature-a em tantas e to (ariadas formas, tem o pra-er em

compreender as coisas de modo que nelas possamos inter(ir" 7á muita coisa no homem, di-emos, muito se

poderá fa-er dele" )o estado em que se encontra é que no pode ficar, nem de(e ser encarado como ele é agora,mas tam&ém como poderá ser um dia" )o se trata de partir dele, mas t./lo como o&eti(o" O que significa queno de(o simplesmente ocupar o seu lugar, mas p9r/me perante ele, representando todos n%s" esse o moti(opor que o teatro tem de distanciar tudo o que apresenta"

FKPara poder reali-ar o efeito de distanciamento, o ator de(e por de lado tudo o que ha(ia aprendido antes,

relati(o a comunicaço com a audi.ncia, identificando/se com o personagem que interpreta(a" ?om o o&eti(o deno por a audi.ncia em transe, era necessário que ele pr%prio no esti(esse em transe" 0eus m!sculos de(eriampermanecer rela3ados, o gesto de (oltar a ca&eça, por e3emplo, os m!sculos do pescoço contra*do, atraemmagicamente os olhos dos espectadores, fa-endo com que eles mo(am suas ca&eças" Ocorre que todaespeculaço e emoço pro(enientes de um gesto desta ordem, atri&uem/se a certa magia a que se recorre" Adicço do ator no de(e pecar por um tom de ladainha de p!lpito e por uma cadencia que em&ale o espectador de

forma a fa-./lo perder o sentido do que está sendo dito" O ator, mesmo quando representando um personagempossesso, no de(e agir como tal8 pois, desta forma, como poderia o espectador perce&er de que está possu*do opossesso

F#m momento algum de(e o ator transformar/se completamente na sua personagem" 0eno, teria como

(eredicto2 V#le no interpreta(a o papel de Lear, era o pr%prio rei Lear em pessoa4 + o que é uma negaço de suaqualidade ator" De(e apenas mostrar sua personagem, ou melhor, de(e fa-er algo mais do que (i(./la8 o quenecessariamente, no significa que, ao representar um apai3onado, de(e se mostrar frio" 0omente os sentimentospessoais do ator é que no 5(em ser, em princ*pio, os mesmos que os da respecti(a personagem, a fim de que ossentimentos do p!&lico no se tornem tam&ém, em princ*pio, os da personagem" )este ponto, a audi.ncia de(ego-ar de completa li&erdade"

FE Assim, o ator aparece no palco com dupla personagem, Laughton e Galileu, por e3emplo2 o sueitoLaughton no desaparece em Galileu, o&eto que está mostrando" #ste princ*pio, que deu a esta forma dedesempenho o nome de *#ico, no significa, enfim, outra coisa seno que o acontecimento real, tang*(el, nomais será (elado aos olhos do p!&lico2 cena está, com efeito, Laughton nos re(elando como imagina Galileu" Admirando Galileu, o p!&lico no esquecia naturalmente Laughton, mesmo que este tentasse uma metamorfosecompleta8 contudo, perderia assim as sensaç$es e as opini$es do ator, completamente a&sor(idas pelopersonagem" )este caso, o ator, apossar/se/ia das opini$es e sentimentos da personagem, de tal forma que delesresultaria, em (erdade, um dado !nico homog.neo, o qual seria imediatamente imposto a n%s" Para impedir estea&uso, o ator tem de transformar o simples ato de mostrar, num ato art*stico" Sm e3emplo que pode ilustrar2utili-ando uma forma de representaço au3iliar, pode/se completar com alguns gestos um dos aspectos da atitudedupla que referimos atrás a do sueito mostrando o personagem 5o&eto6 para lhe conferirmos certa e(id.ncia2fumando, o ator teria de largar de (e- em quando o charuto, demonstrando assim uma outra forma de

comportamento da personalidade simulada" 0e dermos o de(ido desconto ao elemento precipitaço, e nopensarmos que tudo que for lentido é sin9nimo de negligencia, eis/nos frente a um ator que nos permitea&andonar aos nossos pr%prios pensamentos, &em como ele, a seus pensamentos"

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

IN necessário ainda mais uma alteraço na reproduço dessas imagens atra(és do ator, alteraço que

(enha dar ao processo um caráter mais factual" Assim como o ator no mais de(e iludir o p!&lico mostrando quese trata de uma personagem fict*cia no palco e no dele, ator, no de(e tam&ém simular que o que estáacontecendo no palco no foi ensaiado, e que está acontecendo pela primeira e !nica (e-" A distinço de 0chiller no mais é (álida2 de que o autor épico precisa lidar com seu material como se fosse um acontecimento

completamente do passado, e de que o m*mico e3ecuta sua m*mica dentro de uma atualidade presente" De(e ser claro atra(és de sua interpretaço que 4mesmo no princ*pio ou no meio ele á sai&a o fim4 e que ele necessita4conser(ar assim, no decorrer da peça, calma e independ.ncia4" )arra a hist%ria de seu personagem atra(és deuma representaço (i(a, mostrando sa&er mais do que o pr%prio personagem, e apresentando o 4agora4 e o 4aqui4no como ficço, como é poss*(el com as regras da representaço, mas sim tornando/os distintos do 4ontem4 e do4algum lugar4, de tal forma que a associaço de acontecimentos aparecerá com mais e(id.ncia"

I<sto di- respeito particularmente na apresentaço de mo(imentos de grande escala, ou em casos em que

o meio am&iente sofra profundas modificaç$es, como por e3emplo, em guerras e re(oluç$es" O espectador podeassim ter toda a situaço glo&al e todo o decorrer dos acontecimentos ' sua frente" Pode, por e3emplo, escutar uma mulher falar e imaginá/la falando diferentemente, depois de uma semana, ou outra mulher falandodiferentemente naquele momento, mas em lugar diferente" sso seria poss*(el se a atri- representasse como se

essa mulher ti(esse (i(ido integralmente sua época, e agora, fora de sua mem%ria e de acontecimentosposteriores, esti(esse a e3primir o que, entre suas e3peri.ncias apresenta (alidade nesse momento8 e o que éimportante nesse momento é o que se torna importante" Para fa-er um indi(*duo parecer no/familiar desta forma,sendo 4este particular indi(*duo4 e 4este particular indi(*duo nesse momento particular4, s% é poss*(el se no e3istir ilus$es que o ator sea igual ao personagem, nem que a representaço sea igual ao acontecimento"

I=)este ponto, (amos achar que temos de renunciar a mai2 uma iluso2 a de que qualquer pessoa se

comportaria como o personagem apresentado" 4#u faço isso4 tornou/se 4eu fi- isso4, e agora a sugesto de que4ele fe- isso4 tornou/se a de 4ele fe- isso, quando poderia ter feito algo mais4" uma e3cessi(a simplificaçofa-ermos com que as aç$es austem/se aos personagens e que os personagens austem/se 's aç$es ascontradiç$es das aç$es e caráter de homens (erdadeiro2 no podem ser assim re(eladas" As leis da din1micasocial no podem ser demonstradas atra(és de 4e3emplos perfeitos4, pois a 4imperfeiço4 5contradiço6 é uma

parte essencial do mo(imento e de tudo que é mo(ido" apenas necessário + mas a&solutamente necessário +que se (erifique condiç$es de e3peri.ncia, isto é, que uma e3peri.ncia contrária sea conce&*(el, (e- que outra"#m poucas pala(ras, esta é uma maneira de tratar a sociedade de forma que todas as suas aç$es seamrepresentadas a t*tulo de e3peri.ncia"

I>Hesmo se empatia, ou auto/identificaço com o personagem, possa ser utili-ada durante os ensaios 5mas

de(e ser e(itada nas representaç$es6, de(erá ser empregada somente como um método de o&ser(aço entremuitos" A empatia é !til durante os ensaios + mas no foi ela que le(ou, pelo emprego indiscriminado que dela fe-o teatro contempor1neo, a um delineamento sutil da personalidade A forma mais rudimentar de empatia ocorrequando o ator pergunta2 ?omo seria eu se isto ou aquilo me acontecesse ue efeito faria se eu dissesse isso oufi-esse aquilo + no lugar de perguntar2 #m que circunst1ncias eu á ou(i uma pessoa di-er isso, para, destaforma, tirando daqui um elemento, dali outro, conce&er uma no(a personagem com a qual a hist%ria poderia

tam&ém ter/se desenrolado" A coer.ncia do personagem é na (erdade re(elada pela maneira com que suasqualidades indi(iduais entram em conflito, umas com as outras"

IFO&ser(aço é elemento essencial da representaço" O ator o&ser(a seu pr%3imo, com todos seus

m!sculos e ner(os, num ato de imitaço que é, ao mesmo tempo, um processo de pensamento" A simplesimitaço re(elará apenas o que foi o&ser(ado2 isto no é suficiente, pois o o&eto o&ser(ado original possui fracopoder de afirmaço" Para atingir o personagem, e no a caricatura, o ator de(e olhar para as pessoas como seelas lhe esti(essem a mostrar o que fa-em, como se elas recomendassem que reflitam so&re o que esto fa-endo"

II0em opini$es e o&eti(os, nada se pode representar" 0em conhecimento, nada se pode mostrar2 como

alguém poderá discernir o que é que (ale a pena sa&er A menos que o ator se satisfaça em parecer um papagaio

ou macaco, ele tem adquirir conhecimento so&re con(*(io humano, patrim9nio de sua época, atra(és de suaparticipaço na luta de classes" Huitos podero achar isso uma degradaço, os que colocam a arte nos p*ncarosda lua 5depois das contas acertadas, é claro68 mas as mais altas decis$es da humanidade so reali-adas numa

E

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

luta tra(ada na terra, e no nas nu(ens2 mundo e3tramental e no nas ca&eças das pessoas" )inguém pode ser colocado acima das classes que lutam, pois ninguém pode ser colocado em plano superior ao homem" Asociedade no pode ter um sistema de comunicaço comum, enquanto esti(er di(idida em classes antag9nicas"Pois a arte, sendo 4apol*tica4, no quer di-er outra coisa seno estar a da ao grupo dominante"

IJ A escolha de uma perspecti(a é elemento importante na arte do ator, e de(e ser escolhida fora do teatro"

:al como a transformaço da nature-a, a transformaço da sociedade é um ato de li&ertaço8 e trata/se da alegriadesta li&ertaço que um teatro de uma era cient*fica de(e transmitir"

IKProssigamos e3aminando, por e3emplo, como o ator de(e ler seu papel, em funço desta perspecti(a"

importante que ele no o 4capte4 com demasiada rapide-" Has mesmo que descu&ra, ' primeira (ista, o tom maisnatural para seu te, a maneira mais c9moda de o di-er, ainda assim ele no poderá ulgar que o que tem a di-er,de(erá di-./lo naturalmente8 de(erá, sim, hesitar e recorrer a suas pr%prias opini$es, e ento considerar outrostipos de afirmaç$es poss*(eis8 em poucas pala(ras, tomar atitude de um homem que simplesmente di(aga" sto épara pre(eni/lo de definir demasiadamente cedo, + isto é, antes de registrar a totalidade de suas afirmaç$es e, emespecial, as das outras personagens, + o seu personagem, ao qual muito ha(eria a ser acrescentado, mais tarde,por certo8 tam&ém para incluir na estruturaço de seu personagem a alternati(a 4)o + #ntretanto4, indispensá(else pretende que o p!&lico, que representa a sociedade, note o decurso dos acontecimentos, de uma (iso que

coloque esses acontecimento suscet*(eis de serem influenciados" ?ada ator, ao in(és de se concentrar no quecom ele se harmoni-a, o que chama de 4nature-a humana4, de(e so&retudo recorrer ao que (ai além disso, + doque lhe ser(e, do que lhe é harm9nico" A par de seu papel, terá de decorar suas primeiras reaç$es, reser(as,cr*ticas e perple3idades, de forma que elas no seam destru*das, 4engolidas4 na (erso finai da peça, maspermaneçam intatas e percept*(eis" Pois tanto os personagens como os elementos c.nicos de(em apenasdespertar a atenço do p!&lico, e no chocá/lo"

IO processo de aprendi-agem de(e ser coordenado, de forma que o ator aprenda conforme os demais

atores esto aprendendo, e desen(ol(a seu personagem conugadamente com o dos demais atores" que am*nima unidade social no é um homem, mas dois homens" )a (ida real tam&ém n%s desen(ol(emos uns aosoutros"

IE0o&re isso podemos aprender algo do há&ito deplorá(el do nosso pr%prio teatro de dei3ar o ator principal,a 4estrela4, so&ressair/se fa-endo com que todos os demais atores tra&alhem para ele2 ele fa- seu personagemterr*(el ou inteligente, forçando seus companheiros de elenco a construir suas personagens terrificadas ouatentas" Para que todos possam, go-ar desta (antagem, e para &eneficiar o te3to, os atores de(eriam trocar entresi os papéis durante os ensaios, de forma que todas as personagens fossem possi&ilitadas de rece&er, umas dasoutras, tudo aquilo que necessitam reciprocamente" ?on(ém, além disso, que os atores (eam seus personagensrepresentados por outros, que as (eam em outras figuraç$es" 0e o papel é desempenhado por alguém do se3ooposto, o se3o do personagem se re(elará mais incisi(amente8 se representado por um c9mico, quer de formatrágica ou c9mica, ganhará no(os aspectos" Ao ela&orar conuntamente com o seu os demais personagens, ou,pelo menos su&stituir seus interpretes, o ator condensa a incisi(a perspecti(a social com a qual ele tem deapresentar seu personagem" Desta forma o senhor será somente o senhor na medida em que o criado lhe permitir,e assim por diante"

JNSm conunto de operaç$es utili-adas para desen(ol(er o personagem é le(ado adiante quando introdu-ido

entre os demais personagens da peça8 e o ator terá de decorar todas as conunturas que o te3to lhe ti(er suscitado" Has ele conhece melhor seu personagem atra(és do tratamento que deu aos demais personagens dapeça"

J< A atitude que os personagens assumem em relaço uns aos outros é o que chamamos esfera do estus.

 Atitude f*sica, tom de (o- e e3presso facial so determinadas por um estus social2 os personagens inuriam/se,cumprimentam/se, esclarecem/se uns aos outros, etc" As atitudes tomadas de pessoa para pessoa pertencemmesmo 's que, na apar.ncia, so de ordem pri(ada, tal como a e3teriori-aço da dor f*sica, na doença, ou na féreligiosa" #stas e3press$es do estus so geralmente altamente complicadas e contradit%rias, de modo que no é

poss*(el transmiti/las em uma !nica pala(ra8 ao mesmo tempo, o ator, ao reali-ar uma representaço ne/cessariamente reforçada, terá de fa-./lo com cuidado, de modo a nada perder, reforçando, pelo contrário, todo ocomple3o e3pressi(o"

<N

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

J=O ator assenhora/se de seu personagem preocupando/se com uma atitude cr*tica nas suas m!ltiplas

e3teriori-aç$es, mantendo a mesma atitude frente 's e3teriori-aç$es dos demais personagens que com elecontracenam"

J>

Para (er que tipos de estus uma peça pode ter, percorramos as cenas iniciais de uma peça moderna, deminha autoria, a%i%eu a%i%ei. Sma (e- que queremos tam&ém (erificar como as diferentes formas dee3teriori-aç$es se esclarecem reciprocamente, partamos do princ*pio que no se trata de um primeiro contato coma peça" #la se inicia com as aç$es matinais de um homem de quarenta e seis anos, que as interrompe a certaaltura para procurar alguns li(ros e para dar ao o(em Andrea 0arti uma aula so&re sistema solar" Para interpretar esta cena, é necessário que se sai&a que a peça termina com a ceia de um homem de setenta e oito anos, logoap%s ter dito adeus para sempre para o mesmo disc*pulo" O (elho está terri(elmente modificado, muito mais doque se poderia supor, por esta passagem de tempo" De(ora a comida, com o pensamento alheio ao que no seacomer8 desem&araçou/se de sua misso didática ignominiosamente, como se de um fardo se tratasse8 e é amesma pessoa que outrora toma(a seu leite distraidamente, á(ido por ensinar seu o(em alunoT Has estaria, defato, distra*do ao &e&er seu leite O pra-er que sente em &e&er e la(ar/se no se identificará com o que sentecom seus no(os pensamentos )o nos esqueçamos2 ele pensa pelo pra-er de pensar" isto &om ou ruim0ugiro que sea encarado como um fato positi(o, uma (e- que ao longo da peça nada se encontrará que a re(ele

des(antaosa para a sociedade, e so&retudo porque o pr%prio ator é + assim o espero + um digno filho desta eracient*fica" Has, cuidado2 muitas coisas iro acontecer nesta relaço" O fato do homem que sa!da, no in*cio, a no(aera, ser o&rigado, no final a negá/la e ser repelido por ela, com desdém + se &em que e3propriando/o de sua o&ra + é um s% e rele(ante ponto" uanto ' liço, terá de ser decidido se ela &rota de um coraço repleto, que nopode tra(ar a l*ngua, e que diria a mesma coisa a quem quer que fosse, mesmo a uma criança, ou se é a criançaque primeiro o le(a a re(elar/lhe seu conhecimento, por conhec./lo e por mostrar interesse" Has ainda podetratar/se de duas pessoas que no conseguem deter/se, uma de fa-er perguntas, a outra de responder2 umaafinidade deste tipo seria interessante, pois a certa altura, seria gra(emente a&alada" Por certo, a demonstraçoda rotaço da :erra seria dada em tempo rápido, numa aula gratuita8 ento aparece um no(o aluno, desconhecidoe a&astado, pagando o tempo do sá&io a peso de ouro" Hesmo no mostrando maiores interesses pelos seusensinamentos, Galileu no pode dei3ar de atend./lo8 encontra/se sem recursos" Desta forma, o (emos di(ididoentre o aluno rico e o aluno inteligente, a escolher contra sua (ontade" Pouca coisa consegue ensinar a seu no(odisc*pulo, e passa ento a aprender dele2 fica sa&endo da e3ist.ncia de um telesc%pio, desco&erto na 7olanda"

:ira, desta forma, partido da pertur&aço de seu tra&alho matinal" O Reitor da Sni(ersidade aparece" A petiço deGalileu pedindo aumento de ordenado foi indeferida, a Sni(ersidade reluta a pagar por teorias f*sicas o mesmoque paga por :eologia e espera Galileu + que afinal de contas, ganha um 5&ai3o6 ordenado para suasin(estigaç$es + que produ-a algo de utilidade para o dia/a/dia" Pela maneira com que Galileu oferece seu tratado,nota/se que está ha&ituado a recusas e repreens$es" O Reitor lem&ra/o que a Rep!&lica concede li&erdade dein(estigaço, ainda que remunerando mal8 Galileu responde que pouca coisa pode se fa-er com esta li&erdade,desde que no lhe so&ra tempo dispon*(el, que uma &oa remuneraço lhe pro(eria" ?on(ém que no se atri&ua 'impaci.ncia de Galileu um caráter muito perempt%rio, a fim de sua po&re-a no ser relega da a segundo plano"Homentos depois, o encontramos tendo idéias que necessitam de e3plicaç$es8 o profeta da no(a era cient*ficapondera so&re a possi&ilidade de &urlar a Rep!&lica, apresentando o telesc%pio como in(enço sua" :udo que (.nessa no(a in(enço + ha(erá surpresa ao se constatar isso + so alguns escudos a mais em seu &olso8 analisa/asomente para se apoderar dela" #ntretanto, á na segunda cena, há de se notar que, ao (ender ' signoria de;ene-a aquela in(enço, com mentiras que o a(iltam, a ponto de quase esquecer o dinheiro, (eio a desco&rir que

o instrumento, fora de uma import1ncia militar, seria (alioso tam&ém no campo da astronomia" A mercadoria comque chantageou + chamou/lhe assim, finalmente + parece/lhe agora e3celente para as in(estigaç$es que ti(era deinterromper para fa&ricá/la" 0e durante a cerim9nia, enquanto rece&e complacentemente honras que no lhe sode(idas, aponta a um sá&io conhecido as mara(ilhosas desco&ertas que tem em (ista e é de se reparar que fa-isso teatralmente desco&re/se nele uma e3citaço muito maior do que a pro(ocada pela perspecti(a de lucromonetário" ;ista a esta lu-, tal(e- sua charlatanice pouco signifique, mas mostra como o homem escolhe ocaminho mais fácil e como pode utili-ar sua ra-o de forma inferior ou no&re" Has, um teste mais significati(o oaguarda2 no é (erdade que uma capitulaço tra- outra capitulaço

JFDi(idindo o material acima num estus ap%s o outro, o ator apodera/se do personagem, apoderando/se

antes da hist%ria" 0% depois de caminhar por todos os epis%dios é que pode, como de um salto, austar/se e fi3ar seu personagem o completo com todas as caracter*sticas indi(iduais" Depois de sua representaço dei3á/lo

surpreso com as contradiç$es contidas nas atitudes di(ersas da personagem + e consciente que o p!&lico terátam&ém de se surpreender com elas + o ator encontra na hist%ria, encarada como um todo, possi&ilidade deassociar esses aspectos contradit%rios" )a medida que a peça é um acontecimento restrito, dela resulta um

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8/19/2019 Pequeno Organon Para o Teatro

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

JE:odos os passos ' frente, toda e qualquer emancipaço da nature-a, no dom*nio da produço, que le(em

a uma transformaço da sociedade, todas as tentati(as orientadas numa no(a direço, que tem sido le(adas aefeito pela humanidade para melhorar o seu destino, do/nos um sentimento de triunfo e confiança,proporcionando/nos esperança de transformaç$es de todas as coisas + quer a literatura nos descre(a essatentati(as como &em sucedidas ou malogradas" o que e3prime Galileu quando di-2 4 meu ponto de (ista que a:erra é no&re e mara(ilhosa, tendo em (ista as muitas e (ariadas modificaç$es e geraç$es que incessantemente

nela se sucedem"4KN A e3posiço da hist%ria e sua comunicaço por meios austados de distanciamento constituem a tarefa

principal do teatro" )em tudo depende do ator, ainda que nada pode ser feito se no o le(armos em conta" Ahist%ria é interpretada, produ-ida e apresentada pelo teatro como um todo, constitu*do de atores, cen%grafos,encarregados das máscaras e do guarda/roupa, m!sicos e core%grafos" :odos eles conugam suas artes parauma operaço comum, sem, e(identemente, renunciar ' sua autonomia"

K<Dá/se .nfase ao estus geral da representaço + o que, sempre su&linha o que está sendo mostrado +

por meio de apelos musicais dirigidos ao p!&lico atra(és de canç$es" Os atores amais de(em passar naturalmente da fala para o canto, mas antes destacá/lo nitidamente do restante, atra(és de recursos c.nicos

adequados, como mudança de iluminaço ou emprego de t*tulos" Por sua (e-, a m!sica de(e resistir ' 4sin/toni-aço4 que lhe é geralmente e3igida, tornando/se um ap.ndice su&ser(iente" A m!sica no de(e4acompanhar4, a no ser como comentário" )o de(e simplesmente 4e3primir/se a si mesma4, desgastando asemoç$es com as quais coe3iste durante os acontecimentos" #isler, por e3emplo, cuidou de um modo e3emplar aassociaço dos acontecimentos, compondo, na cena de carna(al de a%i%eu, uma m!sica triunfante eameaçadora, para o desfile de máscaras das corporaç$es, m!sica que re(ela como o po(o deu 's teoriasastron9micas do sá&io um no(o teor re(olucionário" Da mesma forma, em 5ircu%o de i! 5aucasiano, o cantador,utili-ando um me frio e indiferente de cantar, audando a descriço do sal(amento da criança pela criada,apresentada no palco so& forma de pantomima, re(ela todo o horror de uma época em que o instinto dematernidade pode transformar/se em fraque-a suicida" A m!sica pode, assim, re(estir/se de di(ersas formas, semperder sua independ.ncia" Pode tam&ém dar sua pr%pria reaço em relaço ao tema tratado" Ao mesmo tempo,sua !nica preocupaço pode ser a de emprestar (ariaç$es ' di(erso"

K=:al como o m!sico readquire sua li&erdade, no mais criando atmosferas que facilitem ao p!&licoa&andonar/se irresisti(elmente aos acontecimentos em cena, o cen%grafo passa tam&ém a dispor de grandeli&erdade se no mais ti(er de conseguir a iluso de um quarto ou de uma paisagem, ao montar a cena" Bastam/lhe alus$es2 estas alus$es de(em, contudo dar testemunho hist%rico ou social, muito mais incisi(o que o am&ientereal" )o :eatro Qudeu, em Hoscou, conseguiu/se o efeito de distanciamento, na montagem do +ei 6eaconstruindo/se um cenário que sugeria um ta&ernáculo medie(al" )eher colocou Galileu na frente de proetos demapas, documentos e o&ras de artes renascentistas" )o :eatro Piscator em Berlim, na montagem de 4aitang 7r8acht, 7eartfield utili-ou &andeirolas re(ers*(eis que indica(am as modificaç$es da situaço pol*ticadesconhecidas, 's (e-es, das pessoas em cena"

K>Para a coreografia tam&ém e3istem o&rigaç$es de caráter realista" um erro relati(amente recente a

afirmaço de que a coreografia nada tem a (er com a representaço dos 4homens tal como so na realidade4" 0ea arte reflete a (ida, ela o fa- com espelhos especiais" A arte no dei3a de ser realista por alterar as proporç$es,mas sim quando as altera de tal modo que o p!&lico, ao tentar usar as reproduç$es na prática, em relaço a idéiase impulsos, naufraga na (ida real" # preciso certamente que a estili-aço no suprima a naturalidade do elementonatural, mas que o intensifique" ualquer que sea o caso, um teatro que depende todo do estus no podeprescindir da coreografia" Ho(imentos elegantes e graciosas disposiç$es coreográficas á pro(ocamdistanciamento e a in(enço pantom*mica au3ilia grandemente a hist%ria"

KF;amos con(idar todas as artes irms do teatro, no a fim de criar uma 4o&ra de arte total4

(esamt3unst8er3), na qual todas se doam e desaparecem, mas sim a promo(erem, em suas formas di(ersas, untas com a arte dramática, uma misso comum" # este inter/relacionamento consiste no distanciamento m!tuo"

KI# aqui (amos lem&rar mais uma (e- que esta misso comum é di(ertir os filhos da era cient*fica, com

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8/19/2019 Pequeno Organon Para o Teatro

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Pequeno Organon: Para o TeatroBertolt Brecht

sentimento e humor" sto é algo que n%s, alemes, temos de di-er a n%s mesmos seguidamente, pois tudo entren%s res(ala facilmente para o plano do imaterial e do a&strato + e começamos a fala em ;iso de Hundo('e%tanschauung)  ustamente quando o mundo em questo á se encontra desintegrado" Hesmo o Haterialismodialético é pouco mais que uma idéia para n%s" Pra-er se3ual torna/se, entre n%s, o&rigaço matrimonial8 o pra-er art*stico está a ser(iço da cultura8 e por aprender no compreendemos desco&rir apra-i(elmente mas simprendermos nosso nari- ao o&eto do conhecimento" )ossas ati(idades nada t.m do pra-er da e3ploraço e parae3plicar nossos atos no in(ocamos o pra-er que ti(emos em ultrapassá/los, mas sim quanto suor nos custou"

KJHais uma coisa2 a entrega ao p!&lico do que se preparou nos ensaios" fundamental que a

representaço sea su&acente ao estus de entregar algo á conclu*do" O que aparece agora frente aoespectador é tudo o que no foi reeitado e que foi su&metido a m!ltiplas repetiç$es2 de(em ser apresentadas comcompleta lucide- para que possam ser rece&idas com igual lucide-"

KKsto significa que nossas representaç$es so secundárias em relaço ao que está sendo representado + a

(ida do homem na sociedade + e o pra-er do aperfeiçoamento da representaço de(e con(erter/se num pra-er maior que se sente quando as leis da (ida em sociedade so tratadas como imperfeitas e pro(is%rias" Destaforma, o teatro le(a o espectador para uma atitude positi(a que (ai além do final do espetáculo" #speremos que oseu teatro permita que ele se di(irta, como se de di(erso se tratasse o terr*(el e infindá(el tra&alho que ele reali-a

para se sustentar e o pa(or de sua incessante transformaço" #speremos que ele aqui produ-a sua pr%pria (idada maneira mais simples, pois a maneira mais simples de e3ist.ncia é a que a arte nos oferece"

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