Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte:...

7
19-12-2019 Pequim vai à casa do “bom aluno” celebrar a grande China Portugal deixou de administrar Macau há 20 anos. A festa será patriótica, para Hong Kong ler nas entrelinhas Victor Ferreira A festa dos 20 anos da transi- ção da soberania de Macau para mãos chinesas será uma celebração patriótica. O Presidente Xi Jinping leva prendas, sob a forma de investimentos, para celebrar em casa do “bom aluno” que, ao contrário da vizinha Hong Kong, não tem dado dores de cabeça ao Partido Comunis- ta da China (PCC). Serão prémios de bom comportamento para uma eco- nomia que caiu na “doença holande- sa”. Mas também são antídotos contra os perigos de desintegração, que con- tinuam a preocupar Pequim, como se prova pelo discurso que Xi fez em Setembro, quando numa reunião do PCC disse que “Hong Kong, Macau e Taiwan” são “um grande risco e um grande desa o para o partido”. Carmen Mendes, professora de Relações Internacionais em Coimbra e autora de diversa obra sobre Macau e a China, considera “normal” que Pequim coloque Macau ao nível de Taiwan ou Hong Kong, onde as ten- sões são muito mais vincadas. “O partido encurralou-se na sua própria retórica em torno da ideia do ‘Um país, dois sistemas’. Esta foi criada para convencer Taiwan de que era possível regressar à China, com Macau e Hong Kong a servirem de prova. O problema é que isso não está a acontecer.” Mesmo Macau, que não tem um historial de protestos e confrontos nas ruas, e que olha para Pequim como um lho que agradece tudo o que o pai tem feito, vive com tensões diversas sob a derme. “Macau era uma experiência social única”, avalia Xi Jinping em Macau para celebrar a transição O Presidente Xi Jinping chegou ontem a Macau, onde amanhã (quando for madrugada em Portugal) assiste à cerimónia que celebra os 20 anos da transição do território da administração portuguesa para a China. Segundo a Lusa, espera-se que nestes três dias de visita o Presidente chinês apresente as orientações políticas para os próximos cinco anos. Por razões de segurança, nos dias da visita há restrições no metro e a ligação marítima a Hong Kong passa a ser a cada meia hora, em vez dos habituais 15 minutos. JOÃO RELVAS/LUSA

Transcript of Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte:...

Page 1: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

19-12-2019

Pequim vai à casa do “bom aluno” celebrar a grande ChinaPortugal deixou de administrar Macau há 20 anos. A festa será patriótica, para Hong Kong ler nas entrelinhas

Victor Ferreira

A festa dos 20 anos da transi-

ção da soberania de Macau

para mãos chinesas será

uma celebração patriótica.

O Presidente Xi Jinping leva

prendas, sob a forma de

investimentos, para celebrar em casa

do “bom aluno” que, ao contrário da

vizinha Hong Kong, não tem dado

dores de cabeça ao Partido Comunis-

ta da China (PCC). Serão prémios de

bom comportamento para uma eco-

nomia que caiu na “doença holande-

sa”. Mas também são antídotos contra

os perigos de desintegração, que con-

tinuam a preocupar Pequim, como se

prova pelo discurso que Xi fez em

Setembro, quando numa reunião do

PCC disse que “Hong Kong, Macau e

Taiwan” são “um grande risco e um

grande desa o para o partido”.

Carmen Mendes, professora de

Relações Internacionais em Coimbra

e autora de diversa obra sobre Macau

e a China, considera “normal” que

Pequim coloque Macau ao nível de

Taiwan ou Hong Kong, onde as ten-

sões são muito mais vincadas. “O

partido encurralou-se na sua própria

retórica em torno da ideia do ‘Um

país, dois sistemas’. Esta foi criada

para convencer Taiwan de que era

possível regressar à China, com

Macau e Hong Kong a servirem de

prova. O problema é que isso não está

a acontecer.”

Mesmo Macau, que não tem um

historial de protestos e confrontos

nas ruas, e que olha para Pequim

como um lho que agradece tudo o

que o pai tem feito, vive com tensões

diversas sob a derme. “Macau era

uma experiência social única”, avalia

Xi Jinping em Macau para celebrar a transição

O Presidente Xi Jinping chegou ontem a Macau, onde amanhã (quando for madrugada em Portugal)

assiste à cerimónia que celebra os 20 anos da transição do território da administração portuguesa para a China. Segundo a Lusa, espera-se que nestes três dias de visita o Presidente chinês apresente as orientações políticas para os próximos cinco anos. Por razões de segurança, nos dias da visita há restrições no metro e a ligação marítima a Hong Kong passa a ser a cada meia hora, em vez dos habituais 15 minutos.

JOÃO RELVAS/LUSA

Page 2: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

Corte: 2 de 719-12-2019

Quanto barulho farão os 160

mil foguetes que serão dis-

parados na próxima noite

entre Macau e Zhuhai? Cer-

tamente mais do que o ruído

nos discursos a propósito

dos 20 anos da entrega da gestão de

Macau à China. Na diplomacia, nin-

guém quer ser apanhado com o pé

em ramo verde. E talvez por isso o

que se diz ca muito distante da rea-

lidade.

Em Portugal, o Presidente Marce-

lo Rebelo de Sousa escreveu uma

carta a Xi Jinping, nas vésperas do

início da festa, dizendo que “Macau

continuará a ser mais um importan-

te contributo para o alcance da par-

ceria existente entre a República

Portuguesa e a República Popular

da China”. Dias antes, o embaixador

chinês em Portugal, Cai Run, foi ao

Porto exaltar, durante um seminá-

rio, essa relação, destacando o

papel do Fórum de Cooperação

Económico-Comercial entre a China

e os Países de Língua Portuguesa.

No entanto, poucos dos interve-

nientes actuais ou do passado ousam

tocar com o dedo na ferida: os

ganhos para Portugal são reduzidos.

Ou, no mínimo, frágeis. Já nem vale

a pena tocar nas trocas comerciais

entre Portugal e Macau, praticamen-

te inexistentes nas tabelas do comér-

cio internacional. Exemplo mais

notório é o acesso ao fundo de mil

milhões que foi constituído ao abrigo

daquele fórum de cooperação. Quan-

do se vai a ver quem bene ciou do

dinheiro, chega-se a uma lista de

empresas chinesas. “Muitas vezes, as

regras nem sequer são entendidas

pelas empresas portuguesas”, obser-

va Carmen Mendes, especialista nas

relações Macau-China-Portugal, que

defende a necessidade de “mais

transparência”.

O último governador português

em Macau, Rocha Vieira, sustenta,

ainda assim, que a China “tem uma

parceria estratégica com Portugal”

como tem com poucos países, e fal-

Será Macau a janela do namoro com Portugal?

ta a Portugal olhar para “o investi-

mento chinês no longo prazo”. “O

Estado chinês tem muitos objecti-

vos, tem objectivos de aprender

com os outros, de conseguir áreas

fundamentais que lhe interessam

para o seu desenvolvimento e para

a sua presença no mundo em expan-

são, como seja o caso da energia, ou

dos seguros, ou da saúde, onde

estão, ou da própria banca”, a rma,

anotando, no entanto, que “o inte-

resse da China nos países de língua

portuguesa, nomeadamente em

África (...) deveria ter sido mais

acompanhado por Portugal”.

Nova Rota da Seda Carlos Monjardino, presidente da

Fundação Oriente — e que também

passou pela administração portu-

guesa em Macau — dá como exem-

plo a área da saúde. “Os chineses

compraram empresas desse sector

em Portugal porque precisam desse

know how. E continuarão a comprar

em todas as áreas em que precisam

de conhecimento e Portugal deveria

estar atento a essas oportunida-

des.”

Portugal comprometeu-se com o

plano chinês Nova Rota da Seda

quando em Abril recebeu Xi Jinping

e apadrinhou uma série de memo-

randos que prevêem a cooperação.

O embaixador Cai Run garante que

o namoro é para continuar e que a

China “está disposta a trabalhar jun-

tamente com a parte portuguesa,

para promover o desenvolvimento

sustentável desta parceria”.

Mas o que talvez Portugal precise

é de potenciar a colaboração multi-

lateral ou trilateral, recomenda o

antigo secretário de Estado Brun

Maçães, autor de um livro sobre o

megaprojecto Nova Rota da Seda. “A

China estabeleceu relações directas

e bilaterais com mais de 100 países.

O que Portugal deve fazer é seguir o

modelo de outros, como a Suíça, que

se tornam parceiros da China em

projectos de desenvolvimento eco-

nómico para países terceiros.”

Victor Ferreira

0

200

400

600

800

201819991970 201819991996

667,4429,6

248,6

Habitantes Mediana global de rendimentomensal

Macau Hong Kong

ShenzhenCantão

Mar do Sul da China

CHINA

Macau em números

Fonte: Governo da RAEM0

2

4

6

201819991992

Taxa de desemprego (%)

6,3%

1,8%

1,8%

1920$

589,68$

590,4$

o advogado Jorge Menezes. “Era um

Estado de direito, sem democracia.

Com a herança do direito português,

teria separação de poderes, leis gerais

e abstractas. Mas o que tem aconteci-

do é uma erosão dos direitos funda-

mentais da liberdade de expressão.

Podemos manifestar-nos a favor da

China; se for contra, proíbem-nos.”

Menezes é um conhecido advogado

na região. Teve de lidar com as má as

do jogo, que o ameaçaram a ele e à

família. Defendeu Sulu Sou, um depu-

tado pró-democracia com menos de

30 anos, cuja imunidade foi suspensa

pelo parlamento macaense, e que foi

julgado e condenado por causa de

uma manifestação que se opunha ao

nanciamento de uma universidade

de que fazia parte o chefe do Gover-

no. Sulu Sou acabou por ser conde-

nado ao pagamento de uma multa. E

depois regressou ao parlamento.

desa”. Na linguagem dos economistas,

a doença holandesa (dutch disease)

traduz o crescimento excessivo de um

sector, o dos recursos naturais, por

exemplo, à custa de outros, como a

indústria. O petróleo de Macau cha-

ma-se jogo e jorra com tal vigor que

não há incentivo para mudar o statu

quo. “Mata tudo o resto.”

Será preciso con rmar na sexta-

feira se Pequim pensou de facto em

trocar a roleta de Macau. Segundo a

Reuters, Xi Jinping deve anunciar a

criação de uma bolsa de valores. Não

será para concorrer com as vizinhas

praças de Hong Kong ou Shenzhen.

A de Macau será, segundo diz o antigo

secretário de Estado dos Assuntos

Europeus, Bruno Maçães, que actual-

mente trabalha na China, uma plata-

forma nanceira para o mundo lusó-

fono, como Angola e Brasil.

Outras “prendas” a Macau deverão

incluir concessões na ilha vizinha de

Hengqin, em Zhuhai. Milhares de

operários têm trabalhado dia e noite

para permitir a abertura de um novo

porto neste dia 20 de Dezembro,

quando passam 20 anos sobre o

regresso de Macau à administração

chinesa. O novo porto reduzirá as

fricções na circulação entre a China

continental e Macau, que assumirá a

gestão desta infra-estrutura. O direc-

tor do comité administrativo local,

Yang Chuan, diz que se trata de “pro-

mover o desenvolvimento diversi

cado das indústrias de Macau”.

A leitura política aponta noutro

sentido: é mais uma porta de integra-

ção de Macau na China. Algo que

será ainda mais acelerado com o

mega-projecto da Grande Baía, que

transformará nove municípios e duas

regiões, incluindo Macau e Hong

Kong, numa conurbação com servi-

ços, indústria, tecnologia, nanças

e 70 milhões de habitantes.

A integração está, porém, em mar-

cha e a dúvida reside apenas no grau

de resistência dos valores que Portu-

gal deixou por lá. Um deles é o direito.

Mesmo que a China respeite os acor-

dos e não toque nessa especi cidade

até 2049, há anos que não há um juiz

português nos juízos criminais. Quem

vê o direito penal como uma forma

de controlo social, sabe o que signi

ca esta mudança feita longe dos rada-

res dos media: a singularidade de

Macau tende a esbater-se, e a grande

China faz a Macau o que o delta do rio

das Pérolas faz às águas — mistura-as

até que não se distingam. [email protected]

DANIEL ROCHAHá outros nomes apontados como

exemplos de tentativas de silencia-

mento de vozes incómodas. Paulo

Cardinal era um conselheiro de topo

da Assembleia Legislativa que desali-

nhava das vontades de Pequim. Aca-

bou por ser dispensado em 2018.

Quem o dispensou, Ho Iat Seng, toma

hoje posse como novo líder do gover-

no da Região Administrativa Especial

de Macau. Também Paulo Taipa era

um dos 400 juristas que trabalham

em Macau. “Foi dispensado por ser

uma voz dissonante”, diz Menezes.

“Macau é o bom aluno de um mau

professor, que é Pequim, e que tem

uma má cartilha.”

Especialistas ouvidos pelo PÚBLI-

CO e pela imprensa internacional que

nos últimos dias pôs os olhos em

Macau dizem que falta uma sociedade

civil mais forte. E uma economia mais

diversi cada. A população local pas-

sou de 429 mil em 1999 para 667 mil

em 2018. As receitas monstruosas dos

casinos, que se multiplicaram como

cogumelos depois de 2002, mudaram

a vida da cidade. Macau tem o segun-

do maior PIB per capita em paridade

de poder de compra, diz o FMI. Fica

atrás do Qatar, à frente do Luxembur-

go. Há 20 anos, quase não se distin-

guia de Hong Kong neste indicador.

Hoje, é praticamente o dobro.

O Governo arrecada anualmente

150 mil milhões de patacas. E 80%, ou

seja, 120 mil milhões de patacas, vêm

do jogo, a rma Eilo Yu, professor de

Economia e Política na Universidade

de Macau. Como as despesas do

governo são 90 mil milhões de pata-

cas por ano, isto signi ca que o gover-

no recebe dos casinos mais do que

aquilo que consegue gastar.

“Basta legalizarem o jogo noutra

região, e este monopólio acaba-se”,

sublinha o empresário António Trin-

dade. E qualquer espirro na econo-

mia chinesa sente-se de imediato nos

casinos. Porque a maioria dos 35

milhões de visitantes são da China

continental e vão a Macau jogar.

Até o combate à corrupção mexe

com o negócio. Porque as salas VIP,

reservadas aos grandes apostadores,

eram perfeitas para lavar dinheiro. E

quando Xi Jinping entrou em cena

com a promessa de afastar os corrup-

tos, as receitas caíram.

Esta riqueza proveniente do jogo

“é o maior problema”, aponta Trin-

dade, líder da CESL Ásia. Macau “pre-

cisa de diversi car a economia, por-

que caiu na chamada doença holan-

Page 3: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

19-12-2019

“Macau pode ser a nova Hong Kong”

Eilo Yu Professor da Universidade de Macau acredita que faltam respostas para os jovens do território antigamente gerido por Portugal. E que se nada for feito, pode tudo acabar na rua

EntrevistaVictor Ferreira, em Macau

Os protestos em Hong Kong

poderiam repetir-se em

Macau? Nove em cada dez

pessoas a quem zemos a

pergunta dizem que não. A

excepção é Eilo Yu,

professor associado da

Universidade de Macau, que tem

estudado a política em Macau e

Hong Kong desde que saiu desta

antiga colónia britânica em 2002 e

foi trabalhar para a península

chinesa que Portugal administrou

durante quase cinco séculos.

Tem artigos de análise,

económica e política, publicados

em revistas internacionais, nos

quais destaca as razões por que é

menos conturbada a relação

Macau-Pequim, em comparação

com o que se passa na vizinha Hong

Kong. Muitos dos que recusam a

ideia de que Macau jamais será

palco de protestos violentos contra

o regime chinês usam argumentos

como “sociedade civil mais fraca” e

“interesses económicos”. São

razões que Eilo Yu também

identi ca. Porém, acaba por chegar

à conclusão contrária. “Se olharmos

CORTESIA DA PLATAFORMA MACAU

para realidade sem a pressão do

imediatismo, veremos que no longo

prazo há uma tendência que sugere

que a Hong Kong de hoje pode ser a

Macau de amanhã.”

Tem estudado a administração

pública e a prestação de contas

em Macau. Qual é a situação 20

anos depois da transferência de

soberania do território para a

China?

Antigamente, a prestação de contas

era uma tarefa quase

administrativa, nas esferas

executiva, legislativa e judicial,

segundo uma prática do Direito

aliás herdada de Portugal.

E responsabilização política?

Essa é muito fraca. O povo pode

pedir contas aos políticos eleitos,

mas não pode avaliar pelo voto

universal. No princípio, as pessoas

aceitavam que a veri cação do

poder fosse apenas feita pelo braço

legislativo/administrativo, mas seria

expectável que, mais cedo ou mais

tarde, o povo viesse pedir mais e

alargar o conceito de

responsabilização. E que acabasse

por recorrer à rua para exercer

pressão social.

Tem havido pressão social?

Todos os anos há pessoas a sair à

rua no 1.º de Maio. Mas o exemplo

mais signi cativo foi o de 2014.

Coincidindo com o Movimento dos

Girassóis, em Taiwan, e a Revolução

do Guarda-Chuva, em Hong Kong,

tivemos em Macau protestos contra

uma proposta de lei que garantiria

reformas douradas aos dirigentes

políticos, com pensões milionárias.

Houve muitas pessoas que caram

zangadas. Foram 20 mil pessoas

para a rua.

É muito? É pouco?

Pode-vos parecer um número

baixo, mas temos de ver que Macau

só agora tem 650 mil habitantes.

Hong Kong tem seis milhões.

Portanto, à escala, os 20 mil de

Macau corresponderiam a 200 mil

em Hong Kong. O problema é que se

entende que ter de sair para a rua

para exigir responsabilidades não é

bom para a estabilidade. Não é a

melhor prática…

Qual seria então?

Melhor seria reformar as leis para

regular a prestação de contas.

O princípio “um país, dois

sistemas” cuja validade Pequim

diz estar a funcionar bem em

Macau, pressupõe um “alto grau

de autonomia”. Ela existe

efectivamente?

Macau e Hong Kong podem ter um

regime sociopolítico e económico

diferente da China continental, mas

o “alto grau de autonomia” não

signi ca independência. O Governo

central é a fonte de autoridade do

executivo, do legislativo e do

judicial. O líder do governo é uma

escolha de Pequim, tal como os

juízes do mais alto tribunal de

Macau, bem como do

procurador-geral. Este conceito de

autonomia não alarga a capacidade

de intervenção, pelo contrário

limita-a à participação em questões

locais. Neste quadro, o governo

central conseguiu estabelecer uma

forte aliança pró-Pequim em Macau,

em que o legislativo [o Senado] e o

judicial cooperam mais com o

executivo em vez de o scalizarem.

Isso deve-se a alguns factores como

uma oposição política e sociedade

civil relativamente fraca e às

políticas que Pequim dirige a Macau

e que são percebidas localmente

como sendo favoráveis.

Será possível ver em Macau

movimentos de pressão como se

tem visto em Hong Kong?

[Gargalhada] Isso é muito

interessante. Eu defendo que a

Hong Kong de hoje pode ser a

Macau de amanhã.

O que quer dizer com isso?

Esta mesma frase — “a Hong

O Governo central conseguiu estabelecer uma forte aliança pró-Pequim em Macau, em que o legislativo [o Senado] e o judicial cooperam mais com o executivo em vez de o fiscalizarem

c

Page 4: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

19-12-2019

-20

0

20

40

20182001

1,4% 9,2%

Variação do PIB

TYRONE SIU/REUTERSKong de hoje pode ser a Macau de

amanhã — foi usada em Hong Kong

na Revolução do Guarda-Chuva, em

2014, para alertar os locais para as

consequências da apatia política.

Queriam dizer que, sem verdadeira

autonomia, a ilha acabaria como

Macau, sem poder de mobilização e

escrutínio sobre o governo. Isto

pressupõe que Macau não é tão

democrática quanto Hong Kong,

controla mais as liberdades civis.

Em certo sentido, Macau seria então

um autoritarismo suave, uma

versão leve do autoritarismo chinês.

Assemelha-se ao regime de

Singapura. Porém, eu tenho um

contra-argumento: o governo não

vai conseguir gerir todos os con itos

sociais e, por isso, a dada altura a

sociedade irá ter de se mobilizar.

Essa é a situação que vejo surgir em

Macau. Antes da transição, Macau

sofreu uma crise económica, uma

recessão. Agora temos uma

economia robusta. A população

deveria estar feliz, mas desde 2005

que há, aqui e ali, manifestações no

1.º de Maio em que os trabalhadores

a rmam que não estavam a

bene ciar desse desenvolvimento

económico.

O que é que aconteceu depois da

saída dos portugueses?

As forças pró-Pequim substituíram

os portugueses na administração. A

participação social na selecção do

colégio eleitoral é coordenada, se

não mesmo manipulada, pelas

forças pró-Pequim. A in ltração do

continente no governo de Macau

deve-se em boa parte à

incompetência da administração

local. O envolvimento da elite do

continente no governo regional

permite uma gestão mais saudável

mas põe em causa esse alto grau de

autonomia que era um dos pilares

do “Um país, dois sistemas”.

Acontece que o povo de Macau não

se opõe a esse fenómeno. Talvez

tenha uma maior tolerância, ou

aceite melhor, do que a congénere

Hong Kong.

Mas trata-se de cooperação ou de

intervenção de Pequim?

A maior parte dos legisladores

macaenses evitam criar problemas

ao executivo. Na primeira década

pós-portugueses, três quartos da

legislação assentavam em decretos

do chefe. Nas duas primeiras

legislaturas (1999 a 2005), dois

deputados pró-democracia

[Antonio Ng Kuok-cheong e

Au-Kam-san] zeram 60% das

perguntas à administração. Depois

temos uma justiça que parece

independente mas que tende a ter

decisões favoráveis aos governos.

Quando tínhamos a má a na rua,

Pequim mandou o Exército de

Libertação Popular (ELP). As

pessoas acreditam que foi o ELP a

devolver a paz às ruas. Quando

sofremos com o tufão Hato, o ELP

voltou. As pessoas diziam que

precisam de Pequim para

recuperar. Ainda se lembravam do

que sofreram nos anos nais da

administração portuguesa, a crise

económica em que os deixaram.

Entretanto, o salário cresceu

muito, mas o custo de vida

cresceu ainda mais. O salário

médio triplicou e o preço das

casas aumentou umas 20 vezes.

Estão a lidar com isto?

O preço da habitação era bastante

baixo. Os portugueses deixaram

Macau numa recessão económica,

ninguém queria comprar. Depois, a

economia explodiu. Houve pessoas

que caram muito ricas e o

imobiliário passou a ser uma opção

natural de investimento. Ao mesmo

tempo há alguma especulação, com

fundos provenientes da China

continental, tal como acontece de

resto em Hong Kong. Nos últimos

dois anos, tirando as naturais

utuações, o preço mantém-se

estável. É claro que o governo não

quererá que os preços baixem

porque isso criaria um problema

económico, mas também não quer

que os preços continuem a subir,

pelo que tem tentado intervir para

manter os preços alinhados no nível

actual, esperando que mais cedo ou

mais tarde os salários possam

evoluir no mesmo sentido.

Quais são os desafios para a

próxima década?

Para começar, os jovens. Como

podemos ajudá-los? Como dizia,

Macau pode ser a nova Hong Kong e

o que se passa lá é que os jovens não

têm esperança no futuro. Podemos

achar que eles estão a lutar por

valores sociais e políticos, mas a luta

deles é acima de tudo por um

futuro. No caso de Macau, há uma

camada de população que nos

últimos 20 anos fez o seu percurso e

agora está pronta a reformar-se. A

dúvida é o que irá acontecer às

novas gerações de Macau? Elas não

estão a ter grandes oportunidades

de ascensão social. Por outro lado,

os jovens de antigamente sentiram

toda a vida que não tinham poder

político, que não podiam mudar

nada.

Quando o elevador social não

funciona e uma sociedade não

corresponde ao que as novas

gerações esperam, gera-se

ressentimento, descontentamento e

isso dará origem a novos

movimentos. Muita gente dirá que

isto não existe em Macau, mas é

preciso olhar a realidade sem a

pressão do imediatismo. Penso que

a tendência está lá. Antes de 2010, a

maior parte da mobilização

provinha dos trabalhadores. Nesse

ano, apareceram uns 300 jovens, a

pedir mudanças. Não era um apelo

apenas focado no interesse pessoal.

É claro que estavam preocupados

com o preço da habitação, mas ao

mesmo tempo já estavam a falar das

liberdades civis, da censura nos

media e outros temas. Mais cedo ou

mais tarde, teríamos um grupo de

pessoas a tornar-se activo na

política de Macau. Em Agosto de

2019, tentou-se uma manifestação

de apoio a Hong Kong no largo do

Senado. Eram jovens. Para muitas

pessoas, os protestos de Hong Kong

são maus, prejudicam a economia.

Tal como em 2014, os media locais

zeram pouca cobertura de Hong

Kong, podemos ver que a sociedade

é bastante conservadora, mas é

assim que surge este grupo de

jovens que vêm para a rua.

Portanto há sinais de mudança?

Sim, em qualidade e não em

quantidade. Parece lógico que se

não for feito nada para lidar com

isto, Macau pode ser a nova Hong

Kong.

Portugal ainda conta para

alguma coisa?

Ainda tem signi cado para Macau,

ajuda a re ectir sobre como

podemos manter um país com dois

sistemas, porque este sistema de

Macau tem de estar aberto ao

mundo, em especial ao dos países

de língua portuguesa.

Tem sido uma relação saudável?

Poderia haver mais cooperação.

[email protected]

O governo não vai conseguir gerir todos os conflitos sociais e, por isso, a dada altura a sociedade irá ter de se mobilizar. Essa é a situação que vejo surgir em Macau

“O que se passa em Hong Kong é que os jovens não têm esperança no futuro”, diz Eilo Yu

Page 5: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

19-12-2019

Macau “é cada vez mais difícil para os empresários portugueses”

Duas décadas começam a diluir a importância dos portugueses para o território. E os receios de viver num sítio onde o poder político e económico se confundem convidam ao silêncio

Macau mudou muito: de

minúsculo resquício do

colonialismo português

no Oriente, economia

pequena, quase depen-

dente do investimento

público, para o bulício chinês da

capital mundial do jogo. No pequeno

território construiu-se horizontal e

verticalmente, fez-se do mar terra e

prosperou-se — os milhões de turistas

(35,8 milhões em 2018), atraídos

pelos brilhos dos casinos, geram su

ciente riqueza para garantir, segundo

as previsões do FMI, que o PIB per

capita supere o do Qatar em 2020,

tornando-se no maior do mundo.

Mas será que ao ritmo acelerado

das mudanças em Macau, as espe-

ci cidades deixadas por 450 anos

de história no território aguentarão

os 50 anos previstos para a transi-

ção na Declaração Conjunta Sino-

Portuguesa de 1999? Ou cará ape-

nas o folclore do complemento

turístico, entre a gastronomia e o

património mundial do centro his-

tórico, para o forasteiro que chega

para jogar no casino?

“Havia características próprias de

Macau que já deixaram de existir”,

a rma ao PÚBLICO um empresário

português que há muitos anos reside

no território que hoje é, com Hong

Kong, uma Região Administrativa

Especial da China, criada em função

do princípio “um país, dois siste-

mas”. “É só normalizar, normalizar,

regras, regras, regras. A este ritmo

deixará de existir” o que fazia de

António Rodrigues texto Daniel Rocha fotografia

Estarão as marcas portuguesas destinadas a ser apenas o folclore de atracção para o turista dos casinos?

Macau “um lugar único”, desabafa,

pedindo para não ser identi cado

por ainda ter projectos que gostaria

de ver concretizados no território.

Como explica o macaense José

Sales Marques, economista, presi-

dente do Instituto de Estudos Euro-

peus de Macau e um dos directores

da Fundação Escola Portuguesa de

Macau, o território “mudou profun-

damente nos últimos 20 anos, o PIB

cresceu cerca de nove vezes e houve

um aumento do rendimento per

capita e das condições de vida da

população”, no entanto, “do ponto

de vista político, e até para a própria

China”, existe uma “necessidade de

preservar e até desenvolver mais os

laços culturais entre Macau e o mun-

do” e isso passa pelo “reforço da

identidade muito própria de Macau

e da sua multiculturalidade”.

No entanto, o futuro projecta-se

à base de previsões e desejos, mas

“as coisas são feitas por seres huma-

nos”, lembra o economista, e amiú-

de o caminho sai recto do papel e na

execução acaba por avançar por

linhas tortas. “Somos poucos, a

população de Macau é relativamen-

te pequena, 670 mil habitantes, e a

que fala português é ainda menor”,

a rma.

“Temos de ser realistas, a diminui-

ção das comunidades macaense e

portuguesa é um factor natural do

processo de evolução da própria

cidade”, reconhece ao PÚBLICO o

deputado macaense José Pereira Cou-

tinho. “O facto de a comunidade por-

tuguesa estar cá por pouco tempo,

na medida em que chega através de

processos de contratos de curta ou

média duração, mantendo a sua vida

em Portugal, faz com que não haja

casamentos mistos entre portugueses

e chineses e isso também resulta na

diminuição da comunidade.”

Preteridos nos negócios Há quem também sinta que os por-

tugueses começam a ser preteridos

nos negócios, que os chineses che-

gam mesmo a aproveitar as ideias

boas dos outros e a mover cordeli-

nhos para car com os novos nichos

de mercado. Um desses pequenos

empresários cou sem a oportuni-

dade de negócio assim: “Chegaram

a dizer-me para arranjar um sócio

chinês com apelido”, como não

quis, restou-lhe queixar-se às auto-

ridades. Não conseguiu reabrir a

sua empresa, restou-lhe o pequeno

consolo de o chinês ter sido impe-

dido de aproveitar aquilo que ele

criara.

“É cada vez mais difícil para os

empresários portugueses, a não ser

que tenham parceiros chineses. É

preciso ter muitos contactos, se for

só português, não consegue lá che-

gar”, explica o economista Albano

Martins. “Em Macau, as empresas

portuguesas podem concorrer com

as chinesas, mas, depois, sem os

contactos chineses, cam sem capa-

cidade de subcontratar”, acrescen-

ta. Não se trata de “má vontade

contra a comunidade portuguesa,

mas há cada vez mais comunidade

chinesa metida no negócio e a

comunidade portuguesa não tem

capacidade para aguentar”.

António Trindade, presidente e

director executivo da CESL Asia,

uma das maiores empresas de

Macau, é peremptório. “Legalmen-

que vá para um mercado estrangei-

ro.” Porque, a rma o CEO, “natural-

mente, quem é da terra tenta defen-

der o seu território e concorrer com

outras armas em relação a alguém que

vem de fora com mais experiência”.

“Há sinais de favoritismo e vonta-

de de ter oportunidades de negócio”,

a rma o advogado Jorge Menezes.

“Não é bem uma perseguição, não

há sequer uma discriminação por ser

português, acho que é uma dimen-

são da corrupção um bocadinho

endémica que existe em Macau.”

“O mercado da administração

pública desapareceu para as empre-

sas portuguesas”, adianta Trindade,

“e não se pode dizer que por isso ter

acontecido é que a administração

tem problemas graves na execução

dos investimentos e tudo aquilo que

a gente vai ouvindo”, acrescenta o

presidente da CESL Asia.

“É cada vez mais difícil fazer

negócios em Macau”, corrobora o

deputado Pereira Coutinho, tudo

por causa “dos monopólios arti

ciais, ilegais, que favorecem esta

pequena minoria que explora os

principais negócios” na RAEM.

O designer Miguel Falé já teve

uma empresa em Macau, a Zorg 3D,

que fazia uma coisa para a qual pou-

te, não é preciso ter um sócio local”,

porém, “tal como uma empresa chi-

nesa que se instala em Portugal vai

passar uns anos até entrar na Câma-

ra de Lisboa, o mesmo se passa aqui

para uma empresa local”, daí que

um sócio chinês ajude.

“As pessoas queixam-se, mas não

se queixam só os portugueses em

Macau, queixa-se qualquer empresa

Temos de ser realistas, a diminuição das comunidades macaense e portuguesa é um factor natural de evolução da cidade José Pereira Coutinho Deputado macaense

Page 6: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

19-12-2019

0

10

20

30

201820081,5

2,0

2,5

3,0

20182008

Entrada de visitantesMilhões de pessoas122.435

31.79335,8 3,29

1,66

22,9

Entradas pelo aeroportoMilhões de pessoas

PortugalOCDE

MacauHong KongChina

20181990

PIB per capita (ppc)Dólares americanos

cos têm aptidões em Macau (“somos

quatro ou cinco”): visualização em

3D para projectos de arquitectura,

media e publicidade. Segue no mes-

mo ramo, mas fechou a empresa e

foi trabalhar para um casino. O seu

caso, no entanto, nada teve a ver

com discriminação.

“A circunstância que me levou a

ter de fechar a empresa foi uma

situação concorrencial”, garante.

“Não senti, em momento algum,

aquela coisa de que tanto se fala de

que eles querem correr connosco”,

conta Miguel Falé. As alterações do

mercado ditaram a sorte da empre-

sa e não qualquer razão política.

O arquitecto Mário Duque partilha

a perspectiva enquanto conta como

nos últimos anos o universo da

arquitectura em Macau mudou com-

pletamente. Do território que nos

anos 1980 assistiu à experimentação

arquitectónica, onde uma geração

de pro ssionais criava uma arquitec-

tura “ecléctica” com “muita experi-

mentação”, passou-se para uma

arquitectura “mais standard”, onde

a “tendência é imitar” e “já não há

nenhuma experimentação”.

Não “foram questões culturais” as

que levaram ao desaparecimento da

maioria dos ateliers de arquitectura:

ção Interna, Isabel Oneto, é agora

adjunto da secretária de Estado do

Turismo, Rita Marques, que tem a

tutela do jogo em Portugal. Cardinal

ainda aguarda uma oportunidade

na terra onde vive há 26 anos, mas

é provável que tenha de desistir em

breve.

“Não acho que seja nada contra os

portugueses”, diz Jorge Menezes. “Os

negócios em Macau passam por mui-

tas ligações, por muitos interesses,

há muito menos transparência na

vida económica, na vida política e na

administração”, explica o advogado

que sentiu na pele o ostracismo.

O facto de ter sido advogado do

deputado pró-democracia Sulu Sou

fechou-lhe muitas portas: “Deixei

de ter clientes de Macau. Passei a ter

mais clientes de fora. Não é uma

grande tragédia, apenas uma dimi-

nuição de receita. É uma coisa com

que já contava”, acrescenta o advo-

gado. Ele sabe que, em Macau, “a

lealdade não é à terra é às pessoas

que mandam na terra”.

“É um traço característico de

Macau que é importante referir, o

poder económico e o poder político

são praticamente um e um só”,

sublinha Menezes, “os empresários

são os deputados, os deputados são

empresários e, como não é um sis-

tema democrático, eles nomeiam-se

uns aos outros”.

Com os poderes político e econó-

mico concentrados nas mesmas

mãos, “a dependência em relação

ao poder político é enormíssima”,

porque a actividade empresarial

implica licenças, autorizações; as

pessoas cam, segundo o advogado,

“muito mais sujeitas, muito mais

subalternizadas ao poder público”.

“Vivem num terror contido para não

darem um passo fora da linha.”

“Tem-se a trela curta com toda a

gente em Macau. Isso é uma tradi-

ção que já vem do governo portu-

guês de Macau — infelizmente,

fomos governados por Rocha Vieira,

que tinha tiques autoritários e deu

um péssimo exemplo”, recorda Jor-

ge Menezes.

Olhando a situação a partir dessa

perspectiva, é mais fácil entender o

deputado José Pereira Coutinho,

quando diz que “em Macau, desde

que as pessoas tenham um emprego

estável, su ciente para aguentar a

economia, o processo de legitimi-

dade democrática não é tão impor-

tante”.

E assim o pragmatismo transfor-

ma-se em loso a de vida num ter-

ritório com 30 km quadrados a 11 mil

quilómetros de distância de Portu-

gal. “Quando tive uma oferta de tra-

balho num casino, resolvi apanhar

esse comboio — desabafa Miguel Falé

—, mais tarde ou mais cedo acaba-

mos todos a trabalhar nos casinos,

se tivermos algum juízo.”

[email protected]

“Tínhamos a tradição europeia das

pro ssões liberais, agora o mercado

ajustou-se num certo anonimato”

do modelo anglo-saxónico, explica.

“Os técnicos continuam a intervir

de forma individual, mas com o

novo formato empresarial, dilui-se

um bocado a sua presença.”

Receios e silêncios O empresário que cou sem o seu

negócio tem muitos anos de Macau

e acredita que, como ele, há outros

exemplos de empresas obrigadas a

fechar ou preteridas, só que as pes-

soas preferem remeter-se ao silên-

cio com medo de represálias. É um

território pequeno e o exemplo

recente de Paulo Cardinal e de Pau-

lo Taipa, juristas da Assembleia

Legislativa de Macau cujo contrato

não foi renovado em 2018, só con-

rmou todos os receios.

Apesar de Cardinal ser um dos

maiores constitucionalistas da

RAEM e Taipa um dos melhores

especialistas em legislação do jogo,

nenhum deles conseguiu encontrar

trabalho em Macau depois de mui-

tos anos nos serviços jurídicos do

parlamento local: Taipa voltou para

Portugal e depois de adjunto da

secretária de Estado da Administra-

É um traço característico de Macau que é importante referir, o poder económicoe o poder político são praticamente um e um só Jorge Menezes Advogado

Page 7: Pequim vai bom aluno celebrar a grande China · Mar do Sul da China CHINA Macau em números Fonte: Governo da RAEM 2 4 6 1992 1999 2018 Taxa de desemprego (%) 6,3% 1,8% 1,8% 1920$

19-12-2019

52468a16-6218-4d88-baf9-efc702714606

PUBLICIDADE

VASC

O G

ARG

ALO

Edição Lisboa • Ano XXX • n.º 10.832 • 1,30€ • Quinta-feira, 19 de Dezembro de 2019 • Director: Manuel Carvalho Adjuntos: Amílcar Correia, Ana Sá Lopes, David Pontes, Tiago Luz Pedro Directora de Arte: Sónia Matos

Novos apoios para lhos no IRS atingem 135 mil famíliasExcedente “histórico” assenta em 590 milhões que nunca serão descativados • PSD alerta para mais cativações e que os 800 milhões da Saúde “até podem ir para outra área” Economia, 28/29, e Política, 14/15

ISNN-0872-1548

PUBLICIDADE

20 anos da transição Empresários portugueses com “trela curta” em Macau Destaque, 2 a 9

Acusação do caso volta a derraparComo o Governo de Passos negou todas as alternativas à resolução Economia, 24 a 2720

dias quemarcaram a década

Ministério Público acusou oito portugueses de crimes de recrutamento, apoio e

nanciamento a organização terrorista, o Daesh p18

Fraude no Reino Unido financiou jihadistas portugueses

HOJE Blueberry O Cavaleiro Perdido 4.º Vol.

Por +7,90€