Percepção Visual

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disponível em www.scielo.br/prc 21 Construção e Evidências Psicométricas de uma Escala de Avaliação da Percepção Visual Construction and Psychometric Evidences of a Visual Perception Scale Suellen Marinho Andrade *,a , Maria Manuela Caldeira de Brito da Silva Dias b , Eliane Araújo de Oliveira a , Francisco Locks Neto c , Renata Maria Toscano Barreto Lyra Nogueira d & Natanael Antônio dos Santos a a Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil, b Instituto Piaget, Gaia, Portugal, c Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil & d Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil Resumo Este estudo teve como objetivo construir e conhecer os parâmetros psicométricos de um instrumento para análise da percepção visual de adultos. Para a construção da escala participaram 295 adultos saudáveis, sem déficits cognitivos ou perceptivo-visuais. Nesta etapa foi formulada uma escala tetrafatorial constituída por 20 itens que avaliam quatro dimensões referentes à percepção visual: constância da forma, figura- fundo, posição e relação espacial. Para obter evidências de validade foi utilizada uma amostra de 183 voluntários com boa saúde física e mental e acuidade visual normal ou corrigida. Os dados obtidos relatam a existência de concordância interjuízes, adequação semântica e significância no teste-reteste do instrumento. Os coeficientes de fidedignidade variaram de 0,84 a 0,93. Os quatro fatores esperados foram encontrados, cada um contendo 5 itens, e juntos explicaram 57,52% da variância do constructo. O instrumento apresentou parâmetros psicométricos adequados, o que pode justificar sua utilidade em pesquisas básicas e na prática clínica. Palavras-chave: Percepção visual, avaliação psicológica, adultos. Abstract The main objective of this study was to develop and examine the psychometric parameters of an instru- ment used to evaluate adults’ visual perception. The basic assumption was that visual perception includes constancy of form, figure-ground, position and spatial relation. A 4-factor solution was expected. Respon- dents were 183 healthy adults without cognitive or visual perception impairment. In the instrument it was possible to establish the existence of inter-judges agreement, semantic adequacy and test-retest signifi- cance. The reliability coefficients ranged from 0.84 to 0.93. The four expected factors were found, each one containing 5 items. This solution accounted for 57.52% of the construct variance indicating that the instrument has good psychometric parameters, which suggests its applicability in scientific research and clinical practice. Keywords: Visual perception, psychological evaluation, adults. O homem, como um organismo visualmente sensitivo, tem grande parte de suas atividades sob o controle direto da visão, o que lhe possibilita uma interação dinâmica com o ambiente. Nessa interação, a busca por informa- ções que lhe permitem o controle adequado de suas ações reflete o seu envolvimento com o meio e indica a rele- vância de concatenar a percepção-ação no desenvolvi- mento de sua identidade. Quanto mais essa relação se aprimora, comportamentos mais compatíveis com suas metas podem ser observados (Oliveira & Rodrigues, 2005). A redução da capacidade visual implica no detrimento da qualidade de vida decorrente de restrições ocupacio- nais, econômicas, sociais e psicológicas. Para a sociedade, representa encargo oneroso e perda de força de trabalho. Deve-se ressaltar, portanto, a necessidade de implementar programas de detecção de distúrbios perceptivo-visuais na prática clínica, uma vez que os custos dessas ações são incomparavelmente menores do que aqueles representa- dos pelo atendimento a portadores de distúrbios oculares e cognitivos (Granzoto, Ostermann, Brum, Pereira & Granzoto, 2003). Luria (1987) descreve a percepção visual como um processo ativo de procura de informação. A estrutura percebida é analisada, havendo uma síntese dos seus * Endereço para correspondência: Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, Laboratório de Per- cepção, Neurociências e Comportamento, Campus I, Cidade Universitária, João Pessoa, PB, Brasil 58051- 900. Tel.: (83) 3216 7006; Fax: (83) 3216 7337. E-mail: [email protected]

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    Construo e Evidncias Psicomtricas de uma Escalade Avaliao da Percepo Visual

    Construction and Psychometric Evidences of a Visual Perception Scale

    Suellen Marinho Andrade*,a, Maria Manuela Caldeira de Brito da Silva Diasb,Eliane Arajo de Oliveiraa, Francisco Locks Netoc,

    Renata Maria Toscano Barreto Lyra Nogueirad & Natanael Antnio dos SantosaaUniversidade Federal da Paraba, Joo Pessoa, Brasil, bInstituto Piaget, Gaia, Portugal,

    cUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil & dUniversidade de So Paulo, So Paulo, Brasil

    ResumoEste estudo teve como objetivo construir e conhecer os parmetros psicomtricos de um instrumento paraanlise da percepo visual de adultos. Para a construo da escala participaram 295 adultos saudveis,sem dficits cognitivos ou perceptivo-visuais. Nesta etapa foi formulada uma escala tetrafatorial constitudapor 20 itens que avaliam quatro dimenses referentes percepo visual: constncia da forma, figura-fundo, posio e relao espacial. Para obter evidncias de validade foi utilizada uma amostra de 183voluntrios com boa sade fsica e mental e acuidade visual normal ou corrigida. Os dados obtidos relatama existncia de concordncia interjuzes, adequao semntica e significncia no teste-reteste do instrumento.Os coeficientes de fidedignidade variaram de 0,84 a 0,93. Os quatro fatores esperados foram encontrados,cada um contendo 5 itens, e juntos explicaram 57,52% da varincia do constructo. O instrumento apresentouparmetros psicomtricos adequados, o que pode justificar sua utilidade em pesquisas bsicas e na prticaclnica.Palavras-chave: Percepo visual, avaliao psicolgica, adultos.

    AbstractThe main objective of this study was to develop and examine the psychometric parameters of an instru-ment used to evaluate adults visual perception. The basic assumption was that visual perception includesconstancy of form, figure-ground, position and spatial relation. A 4-factor solution was expected. Respon-dents were 183 healthy adults without cognitive or visual perception impairment. In the instrument it waspossible to establish the existence of inter-judges agreement, semantic adequacy and test-retest signifi-cance. The reliability coefficients ranged from 0.84 to 0.93. The four expected factors were found, eachone containing 5 items. This solution accounted for 57.52% of the construct variance indicating that theinstrument has good psychometric parameters, which suggests its applicability in scientific research andclinical practice.Keywords: Visual perception, psychological evaluation, adults.

    O homem, como um organismo visualmente sensitivo,tem grande parte de suas atividades sob o controle diretoda viso, o que lhe possibilita uma interao dinmicacom o ambiente. Nessa interao, a busca por informa-es que lhe permitem o controle adequado de suas aesreflete o seu envolvimento com o meio e indica a rele-vncia de concatenar a percepo-ao no desenvolvi-mento de sua identidade. Quanto mais essa relao seaprimora, comportamentos mais compatveis com suas

    metas podem ser observados (Oliveira & Rodrigues,2005).

    A reduo da capacidade visual implica no detrimentoda qualidade de vida decorrente de restries ocupacio-nais, econmicas, sociais e psicolgicas. Para a sociedade,representa encargo oneroso e perda de fora de trabalho.Deve-se ressaltar, portanto, a necessidade de implementarprogramas de deteco de distrbios perceptivo-visuais naprtica clnica, uma vez que os custos dessas aes soincomparavelmente menores do que aqueles representa-dos pelo atendimento a portadores de distrbios ocularese cognitivos (Granzoto, Ostermann, Brum, Pereira &Granzoto, 2003).

    Luria (1987) descreve a percepo visual como umprocesso ativo de procura de informao. A estruturapercebida analisada, havendo uma sntese dos seus

    * Endereo para correspondncia: Centro de CinciasHumanas Letras e Artes, Departamento de Psicologia,Universidade Federal da Paraba, Laboratrio de Per-cepo, Neurocincias e Comportamento, Campus I,Cidade Universitria, Joo Pessoa, PB, Brasil 58051-900. Tel.: (83) 3216 7006; Fax: (83) 3216 7337. E-mail:[email protected]

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    componentes com o auxlio da linguagem. SegundoForgus (1971), o desenvolvimento da percepo visual um pr-requisito para a adequada conduta do indivduocom o seu ambiente.

    Em referncia a este desenvolvimento, Frostig e Muller(1986) constataram que, em condies favorveis, ele caracterizado por um complexo de habilidades e funesdiferentes e relativamente independentes umas das ou-tras. Estes pesquisadores desenvolveram mecanismospara analisar mais consistentemente a percepo, con-siderando o desenvolvimento de cinco reas perceptivas:percepo viso-motora, figura-fundo, posio no espao,relaes espaciais e constncia da forma.

    Seguindo essa proposta de reas perceptivas, vriasescalas analisam o desenvolvimento da percepo vi-sual, principalmente em crianas. Na dcada de 60,Marianne Frostig (1964) elaborou o DTVP (Develop-mental Test of Visual Perception), o qual foi aplicadoem mais de 6 milhes de crianas de 4 a 6 anos nosEstados Unidos. Este instrumento analisa cinco catego-rias da percepo visual: coordenao visuo-motora, fi-gura-fundo, constncia da forma, posio e relao es-pacial (Deliberato, 2000).

    Posteriormente, Hammill, Pearson e Voress (1993)revisaram o DTVP e construram uma nova verso doinstrumento, o DTVP-2, o qual foi aplicado em 1.972crianas americanas de 6 a 10 anos. Alm de apresentaralgumas alteraes do instrumento original desenvol-vido por Frostig (1964), o DTVP 2 substitui o parmetrocoordenao visuo-motora pela categoria culo-motora.Este grupo assim nominado por estar mais de acordocom as modalidades abarcadas na tarefa do que com otipo de percepo visual envolvida. Este instrumentoapresenta adequada confiabilidade e evidncias de vali-dade testada por vrios estudos (Kaiser, Albaret &Doudin, 2009; Moryosef-Ittah & Hinojosa, 2006).

    Tanto o DTVP quanto o DTVP-2 foram desenvolvidosna lngua inglesa o que, em certa medida, exige maioradequao para amostras cuja lngua materna seja outra,como o caso da populao brasileira. Contudo, h uminstrumento relacionado avaliao da percepo visualque, embora tenha sido elaborado na Europa, foiconstrudo em lngua portuguesa. O Programa de Treina-mento da Percepo Visual (PTVP), desenvolvido porDias e Chaves (2000a), um instrumento com recursosde imagem destinado a crianas com idades entre 6 e 9anos com deficincia de aprendizagem e distrbios dapercepo visual. Este programa foi aplicado em vriosestudos envolvendo escolares e apresentou resultadosconsistentes com a estimulao de padres perceptivo-visuais minorados e associados com dficits de apren-dizagem. As crianas submetidas ao programa, quandocomparadas ao grupo controle, apresentaram evoluo emvrias dimenses, tais como melhora na coordenaoculo-manual, capacidade de cpia e percepo de obje-tos com variadas formas, identificao de figura-fundo,

    orientao de posio e relaes espaciais bem como davelocidade visual motora e da capacidade de fechamentovisual (Dias, 2009; Dias & Chaves 2000b, 2001).

    Para avaliao da percepo visual de adultos, desta-cam-se testes como o DTVP-A (Developmental Test ofVisual Perception Adolescent and Adult), desenvolvidopor Reynolds, Pearson e Voress (2002), que se baseia nosprincpios do DTVP clssico, elaborado por Frostig(1964). O DTVP-A composto por uma bateria de 6 sub-testes para medir habilidades perceptivas visuais e mo-toras de adolescentes e adultos. Outro teste usualmentereferenciado na literatura o CTMT (ComprehensiveTrail Making Test), desenvolvido em 1938 por Partingtone com evidncias psicomtricas para populao ame-ricana (Gray, 2006). Este um instrumento utilizado paraavaliao neuropsicolgica, envolvendo parmetros demensurao relacionados velocidade visual motora, aten-o e processamento cognitivo (Gray, 2006).

    No Brasil, Noronha e Primi (2005) publicaram umestudo cujo objetivo foi identificar os instrumentos psico-lgicos mais conhecidos e utilizados por psiclogos brasi-leiros. A pesquisa envolveu 304 participantes das regiesNorte, Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste e apontou que,relacionado percepo visual, os testes mais popularesno pas foram: DTVP-2, Teste Cubos de Kohs, Teste deFiguras Complexas de Rey e Teste Guestltico Visuomotorde Bender.

    O DTVP-2, desenvolvido por Hammill et al. (1993), voltado para anlise da percepo visual de crianas. J oTeste Cubos de Kohs, que teve suas propriedadespsicomtricas testadas em uma amostra de 30 crianaspor Toni (2010), avalia a inteligncia espacial e sua rela-o com vrias habilidades visuo-espaciais.

    O Teste de Figuras Complexas de Rey foi idealizadopor Andr Rey em 1942. As evidncias de validade paraeste teste foram obtidas por M. Oliveira, Rigoni, Andrettae Moraes (2004) em uma amostra de 515 participantes de5 a 15 anos de idade. Este instrumento empregado parainvestigar a memria visual, a habilidade visuo-espaciale algumas funes de planejamento e execuo de aes.O Teste Guestltico Visuomotor de Bender para crianasfoi originalmente construdo por Lauretta Bender, em1938, com o propsito de fornecer uma avaliao psico-lgica segundo os princpios da teoria gestltica (Santos& Jorge, 2007).

    Vrios sistemas alternativos de correo tm sido de-senvolvidos no Brasil com intuito de buscar evidnciasde validade e preciso do teste de Bender (Bartholomeu,Rueda, & Sisto, 2005; Pinelli & Pasquali, 1990). Den-tre eles, encontra-se o estudo de Posada (2002) quedesenvolveu um sistema de classificao das respos-tas fundamentado nos princpios piagetianos de cons-truo e representao espacial. Os resultados obtidoscom aplicao de seu sistema indicaram bons parmetrospsicomtricos e vantagens em relao ao mtodo deKoppitz. Tambm nesse sentido, Sisto, Noronha e San-

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    Andrade, S. M., Dias, M. M. C. B. S., Oliveira, E. A., Locks Neto, F., Nogueira, R. M. T. B. L. & Santos, N. A. (2012). Construo eEvidncias Psicomtricas de uma Escala de Avaliao da Percepo Visual.

    tos (2006) desenvolveram o teste Gestltico Visomotorde Bender Sistema de Pontuao Gradual (B-SPG),tendo como embasamento os pressupostos tericos doBender. Os dados obtidos demonstraram a sensibilida-de do B-SPG para a captao do carter maturacionaldo desenvolvimento psicomotor, indicando que com oaumento da idade, as distores da cpia progressiva-mente diminuem.

    Segundo Silva e Nunes (2007), Bender analisou, ain-da, a produo do Teste Guestltico Visuomotor em pa-cientes adultos, com algum tipo de afasia ou apraxia,sendo constatados erros de movimento e percepo doestmulo. Entretanto, muitas pesquisas, realizadas inter-nacionalmente e no Brasil, usam impresses clnicasgerais quando avaliam protocolos do Bender, no ten-do, contudo, uma correo padronizada do teste. Con-forme sugerem os autores, a elevada subjetividade nainterpretao dos resultados frente ao teste colabora parareduzir a confiana no mesmo.

    Contudo, contrapondo-se a estes resultados, pode sercitado o estudo de Bandeira e Hutz (1994), por exemplo,que investigaram o grau de predio do rendimento es-colar por meio da aplicao dos testes Desenho da FiguraHumana (DFH), Bender e Raven. Os dados obtidos apon-taram para correlaes significativas entre os trs testes eo rendimento, embora apenas o Bender e os itens evolu-tivos do DFH tenham contribudo para explicar a varin-cia do rendimento escolar. Do mesmo modo, vale desta-car o estudo desenvolvido por Sisto, Bueno e Rueda(2003) que analisaram traos de personalidade em crian-as sem histrico clnico, em relao escala de matu-rao neurolgica. Segundo os autores, a aplicao doteste de Bender permitiu constatar que os elementos es-truturais gestlticos parecem guardar relaes com sinto-mas psicopatolgicos.

    A maioria das pesquisas desenvolvidas no Brasil, rela-cionadas percepo visual de adultos, aplica instru-mentos como o VOSP (Visual Object Space Perception),o VFD (Visual Form Discrimination Test) e o JOL(Judgment of Line Orientation; Caixeta & Nitrini, 2001;C. Oliveira, Rodrigues, & Fonseca, 2009; Quental, Brucki,& Bueno, 2009; Teixeira, 2008) que no apresentamnormatizao e anlise de validade ou confiabilidade paranossa populao.

    Em 2005, Toselo realizou um estudo de normatizaodo Teste VOT (Hooper Visual Organization Test) para apopulao brasileira. O VOT um instrumento utilizadopara medir a habilidade de adolescentes e adultos emorganizar estmulos visuais e, desta forma, explorar aexistncia de qualquer dificuldade na discriminao vi-sual. No entanto, esta pesquisa envolveu apenas adultosjovens de 18 anos, o que limita sua aplicabilidade paraindivduos mais velhos (Toselo, 2005).

    As dimenses dos objetos, a noo de profundidade, asrelaes figura-fundo so aspectos que interagem entresi e se complementam para proporcionar o equilbrio

    necessrio na identificao de um objeto. De modo que,havendo dficit ou alterao em algum destes atributos,os demais tambm iro se mostrar alterados. Ou seja,alteraes visuais na percepo de objeto ou na coorde-nao visuo-motora acarretaro distrbios de ateno,estabilidade e adaptao ao meio (Goldstein, 2005).

    Apesar da importncia de se estudar a percepo vi-sual de indivduos adultos, a maioria dos instrumentoselaborados voltada para avaliao de crianas. Almdisso, os estudos realizados no Brasil utilizam instru-mentos cujas propriedades psicomtricas so desco-nhecidas, tendo sido, muitas vezes, desenvolvidos emestudos internacionais, o que dificulta seu emprego parapopulao brasileira. Baseado nestes preceitos, este tra-balho teve como objetivo construir e conhecer os par-metros psicomtricos de uma medida de avaliao dapercepo visual para adultos, a Escala de Avaliao daPercepo Visual (EAPV).

    A Escala de Avaliao da Percepo Visual (EAPV)foi baseada no instrumento desenvolvido por Dias eChaves (2000a), intitulado Programa de Treinamento daPercepo Visual (PTPV). O PTPV foi escolhido dentreos vrios instrumentos referenciados na literatura, por(a) tratar-se de um teste originalmente elaborado na ln-gua portuguesa, o que facilita o processo de adaptaocultural e semntica; (b) corresponder a um programabaseado em estudos j realizados sobre a implementaode programas envolvendo esta temtica em vrios pa-ses (Dias, 2007) e (c) ser fundamentado nos princpiospostulados por Frostig (1964) e Luria (1987), envolven-do aspectos de avaliao da percepo visual, comoconstncia da forma, fechamento visual, percepo fi-gura-fundo e orientao espacial.

    Estes predicados so os princpios norteadores da Teo-ria da Gestalt, uma das principais teorias da percepoda forma. Seus alicerces esto na lei da pregnncia daforma, isto , todas as formas tendem a ser percebidasem seu carter mais simples. Segundo a Gestalt, o im-portante perceber a forma por ela mesma, v-la comotodo estruturado, resultantes de relaes entre as par-tes do todo (Gomes, 2000). Outros testes tambm in-cluem os parmetros referidos anteriormente como ocaso do DTVP clssico e suas modalidades (DTVP-2 eDTVP-A), amplamente empregados em avaliaes clni-cas e pesquisas cientficas envolvendo anlise da percep-o visual (Gray, 2006; Ito et al., 2008; Ziviani, Copley,Ownsworth, Campbell, & Cummins, 2008).

    O embasamento lgico subjacente escolha das cate-gorias componentes da EAPV tambm fundamentadonos estudos de diversos investigadores dessa temtica(Chalfant & Scheffelin, 1969; Deliberato & Gonalves,2003; Gabbard, 1992), que consideram vrias categoriasda percepo visual inseridas na Teoria da Gestalt e emconsonncia ao defendido por Frostig (1964). Esta con-sistncia terica foi a base da deciso dos autores paradesignar os subtestes da EAPV.

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    Dessa forma, o presente trabalho compreende doisestudos, orientados pelos seguintes objetivos: (a) Cons-truo da Escala de Avaliao da Percepo Visual(EAPV), (b) Anlise das Propriedades Psicomtricas daEAPV.

    Estudo 1 - Construo da Escalade Avaliao da Percepo Visual

    Mtodo

    Amostra. A amostra foi do tipo no probabilstica, com-posta por 295 acompanhantes de usurios de serviosde sade, com idades entre 35 e 65 anos (M= 46,21 eDP= 3,40), declarando-se pertencer classe scio-eco-nmica mdia (53,4%) ou mdia baixa (46,6%). Os par-ticipantes apresentaram grau de escolaridade variandoentre o ensino fundamental (54,2%), mdio (41,8%) esuperior (5,8%).

    Instrumento. A EAPV foi baseada no instrumentodesenvolvido por Dias e Chaves (2000a), intitulado Pro-grama de Treinamento da Percepo Visual (PTPV), apli-cado em crianas com dificuldade de aprendizagem.

    O instrumento original possui 64 itens que avaliam oitocategorias da percepo visual: coordenao culo ma-nual, cpia, relaes espaciais, posio no espao, figu-ra-fundo, velocidade visual motora, lacunas visuais econstncia da forma. Foi desenvolvido, originalmente,para o treino dessas competncias da percepo visualem crianas com deficincia de aprendizagem.

    Para a operacionalizao do construto, foram seguidoscritrios estabelecidos por Pasquali (2001), como simpli-cidade, clareza, relevncia, preciso, variedade, tipicidade,modalidade, credibilidade, amplitude e equilbrio. Dessaforma, foi elaborada uma verso preliminar da escala, com40 itens, a partir do instrumento original, PTPV, sendosuas respostas pontuadas como correto (1), errado (0) oufaltante (0).

    Procedimentos. Aps o contato e consentimento dosparticipantes, foi efetuada a aplicao do instrumento. Estaatividade contou com a colaborao de trs examinado-res previamente instrudos para intervirem o mnimopossvel. Os questionrios foram aplicados individual-mente, em ambiente arejado, bem iluminado e livre derudos. A aplicao do instrumento foi realizada em umtempo mdio de 25 a 35 minutos. Todos os voluntriosassinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecidono qual eram informados sobre o protocolo da pesquisa eo objeto do trabalho.

    Resultados

    Seleo dos Itens. A partir da anlise fatorial com ex-trao de fatores pelo critrio de Kaiser (1958), que pro-pe considerar apenas os autovalores superiores a um,foram obtidos alguns fatores saturados em cinco itens.

    Conforme sugerem estudos da literatura (Ford, MacCallum,& Tait, 1986; Rego, 2000), foram retirados estes fatores,assim como aqueles itens cujas saturaes foram supe-riores a 0,40 em mais de um fator e aqueles cuja diferen-a entre as duas saturaes mais elevadas era inferior a0,20. Este procedimento permitiu a formao de uma es-cala tetrafatorial constituda por 20 itens que avaliamquatro dimenses referentes percepo visual. Nos 4subtestes, cada um dos itens foi pontuado como correto(1), errado (0) ou faltante (0). Assim, em cada subteste oescore mnimo zero e o mximo corresponde ao totalde itens do subteste. Desse modo, a verso final da EAPV,cuja pontuao total varia de 0 a 20 pontos, foi constitu-da pelas seguintes categorias:

    Constncia da forma (itens 1, 5, 9, 13 e 17): envolve oreconhecimento de caractersticas dominantes de certasfiguras ou formas, quando aparecem em diferentes som-breados, texturas, tamanhos e posies. Para cada res-posta correta, atribudo 1 ponto, assim sua pontuaovaria de 0 a 5 pontos. A Figura 1 mostra um dos itensdeste teste.

    Figura-fundo (itens 2, 6, 10, 14 e 18): envolve o reco-nhecimento de figuras inseridas em um fundo sensorialcomum. atribudo 1 ponto para cada acerto. Sua pontu-ao varia de 0-5 pontos. A Figura 2 mostra um exemplode item deste teste.

    Posio no espao (itens 3, 7, 11, 15 e 19): envolve adiscriminao das reverses e rotaes de figuras. Paracada resposta correta, atribudo 1 ponto, desse modosua pontuao varia de 0 a 5 pontos;

    Relaes espaciais (itens 4, 8, 12, 16 e 20): envolve aanlise de formas e padres em relao a um corpo e espa-

    Figura 1. Exemplo de Item que Compe o Teste Constnciada Forma.

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    Andrade, S. M., Dias, M. M. C. B. S., Oliveira, E. A., Locks Neto, F., Nogueira, R. M. T. B. L. & Santos, N. A. (2012). Construo eEvidncias Psicomtricas de uma Escala de Avaliao da Percepo Visual.

    o. atribudo 1 ponto para cada acerto, podendo suapontuao variar de 0-5 pontos.

    Anlise de JuzesPara a conduo da anlise de juzes, foi elaborado um

    formulrio contendo a definio operacional doconstructo, os itens propostos e as instrues para suaanlise, baseado no protocolo desenvolvido por Cerqueirae Nascimento (2008). A avaliao dos itens incluiu osseguintes quesitos: (a) adequao do contedo, (b) iden-tificao do lcus do controle, (c) a pertinncia, (d) a re-levncia, e (e) a adequao da formulao. O formulriotambm incluiu espao para que os juzes apresentassemsugestes.

    Para a anlise de juzes, foi estruturada uma equipeformada por profissionais de sade com conhecimentoda lngua portuguesa e larga experincia na aplicaode escalas de percepo e atendimento a pacientes comdistrbios cognitivos e visuais. Estes profissionais re-ceberam o formulrio de avaliao dos itens propostose os dados foram analisados considerando cada um dosquesitos avaliados e as sugestes de reformulao doscomponentes. O critrio para a manuteno do item naescala foi a obteno de pelo menos 80% de concordn-cia entre os juzes em cada um dos quesitos (Pasquali,2001). Houve consenso quanto adequao da escala parapopulao brasileira, sendo todos os itens mantidos.

    Anlise SemnticaAps a anlise dos juzes, procedeu-se anlise semn-

    tica conforme protocolo desenvolvido por Paschoal eTamayo (2008). O objetivo desta etapa foi verificar a

    compreenso dos itens por membros da populao-alvo.O instrumento foi aplicado em seis voluntrios divididosem dois grupos de trs indivduos. Todos os participanteseram acompanhantes de usurios de servios pblicos desade, apresentavam boa sade fsica e acuidade visualnormal ou corrigida. Os voluntrios possuam nvel s-cio-econmico mdio e grau de escolaridade variandoentre ensino fundamental (N=2), mdio (N=3) e superior(N=1). A escala foi aplicada individualmente e aps o tr-mino foi solicitado aos voluntrios que apontassem suasdificuldades em relao s instrues e aos termos pre-sentes nos itens. As instrues foram compreendidas portodos os participantes tais como apresentadas e forammantidas. Nenhum item foi modificado.

    Estudo 2- Anlise das PropriedadesPsicomtricas da EAPV

    Mtodo

    Participantes. A amostra foi constituda por 287 vo-luntrios, acompanhantes de usurios de servios de sa-de da rede pblica, convidados a participar da pesquisaenquanto aguardavam o atendimento de seus familiaresem Postos Municipais de Sade. A seleo da amostra foino probabilstica, do tipo intencional.

    Foi aplicado o Mini Exame de Estado Mental (MEEM)para assegurar a incluso de indivduos saudveis no estu-do. O MEEM composto por cinco dimenses (concen-trao, linguagem/prxis, orientao, memria e ateno),amplamente utilizado para deteco e acompanhamentoda evoluo de alteraes cognitivas (Valle, Castro-Costa,Firmo, Uchoa, & Lima-Costa, 2009). Os voluntrios tam-bm foram avaliados atravs da Cumullative IlnessResearch Scale (CIRS), que investiga a presena de 14conjuntos de doenas (cardaca; vascular; hematolgica;respiratria; oftalmolgica; gastrointestinal alta e gas-trointestinal baixa; heptica e pancretica; renal; geni-turinria, musculoesqueltica e tegumentar; neurolgi-ca; endcrina e metablica; mamria; e psiquitrica). ACIRS considera as situaes de ausncia, leve, moderada,severa ou extremamente severa para cada conjunto, compontuaes que variam de 0-4 (Navega & Oishi, 2007). Aacuidade visual foi medida com a cartela de optotiposE de Rasquin.

    A perda amostral (36,23%) foi maior do que a previstadevido ao nmero de participantes pertencentes a um oumais critrios de excluso desta pesquisa: (a) acuidadevisual prejudicada ou no-corrigida, (b) distrbios cogni-tivos, (c) doenas associadas, (d) disfunes limitantespara a realizao das provas, (e) distrbios psiquitricos,(f) doenas oculares e (g) uso de medicamentos que mo-dulam a atividade do sistema nervoso central.

    Desse modo, este trabalho analisou 183 indivduossaudveis sendo 106 mulheres e 77 homens, com faixaetria entre 35-65 anos (M= 47,98 e DP= 7,47) e nvel

    Figura 2. Exemplo de Item que Compe o Teste Figura-Fundo.

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    scio-econmico mdio (69,9%) e mdio-baixo (30,1%).O grau de escolaridade dos participantes distribuiu-seentre o ensino fundamental (54,1%), mdio (43,7%) esuperior (2,2%) [Tabela 1].

    Tabela 1Dados Scio-demogrficos dos Participantes

    Categorias Mulheres F (%) Homens F (%)

    Faixa Etria35-45 anos 41 (38,67%) 32 (41,55%)46-55 anos 43 (40,56%) 25 (32,46%)56-65 anos 22 (20,75%) 20 (25,97%)

    EscolaridadePrimeiro Grau 66 (36,06%) 33 (42,85%)Segundo Grau 38 (20,76%) 42 (54,54%)Terceiro Grau 2 (1,09%) 2 (2,59%)

    Total 106 (57,92%) 77 (42,07%)

    Procedimentos de Coleta de DadosO presente estudo uma pesquisa descritiva, com cor-

    te transversal, realizada em Unidades de Sade e Centrosde Tratamento Municipais, no perodo de outubro a de-zembro de 2009. Para sua execuo, o estudo seguiu asrecomendaes do Conselho Nacional de Sade (Reso-luo 196/96 e suas complementares) e foi submetido avaliao e aprovao do Comit de tica em Pesquisada Instituio. Os participantes assinaram um Termo deConsentimento Livre e Esclarecido autorizando a reali-zao e a publicao do estudo.

    Aps as avaliaes iniciais, realizadas com o MEEM ea CIRS, os participantes foram convidados a preencherum questionrio com perguntas relativas a dados scio-demogrficos. Em seguida, foi realizada a avaliao dapercepo visual utilizando a EAPV.

    Os dados foram coletados individualmente, em localsilencioso, bem iluminado, arejado e livre de interrup-es exteriores. As instrues e as questes da escala eramlidas pelo examinador. Os voluntrios foram orientadossobre o preenchimento do instrumento e estimulados ainformar ao examinador sobre eventuais dvidas. Ao fi-nal da aplicao foi fornecido endereo e telefone atra-vs dos quais os participantes poderiam obter informa-es sobre os resultados do estudo. A coleta de dadosteve durao mdia de 15 a 25 minutos.

    Estudo PsicomtricoOs dados obtidos foram submetidos anlise estatsti-

    ca, utilizando o pacote estatstico SPSS (Statistical Pa-ckage for the Social Sciences), verso 16.0 para Windows.Para o estudo psicomtrico foi realizada avaliao daconfiabilidade e validade fatorial do instrumento.

    A avaliao da confiabilidade foi medida atravs doAlfa de Cronbach para comprovao da consistncia

    interna e de aplicao do teste-reteste para anlise daestabilidade temporal da escala. O valor mnimo de 0,70foi recomendado por Rowland, Arkkelin e Crisler (1991)para considerar que os itens avaliam consistentemente omesmo constructo. Valores de alfa altos, no entanto, sonecessrios, mas no suficientes, uma vez que uma es-timativa otimista da confiabilidade (Streiner & Norman,1995). A fidedignidade por meio do teste-reteste foi rea-lizada com 171 indivduos (94,44% do total de partici-pantes), sendo o intervalo de tempo entre as duas apli-caes no superior a 14 dias. O Coeficiente de Corre-lao Intra-Classe (ICC) foi utilizado para verificar aconcordncia teste-reteste de escores da escala.

    Para o tratamento dos dados, as respostas faltantes fo-ram repontuadas como zero. Na investigao de evidn-cias de validade, foram realizadas anlises fatoriais explo-ratrias com o objetivo de avaliar o grau de representa-tividade dos constructos. Inicialmente, foi verificada afatorabilidade da matriz gerada. Foram calculados osvalores do teste de esfericidade de Bartlett (AIC) e doKaiser-Meyer-Olkin (KMO). E para a rotao e extra-o dos fatores foi utilizado o mtodo PAF (PrincipalAxis Factoring) com rotao oblqua. O pressuposto ini-cial foi de que o instrumento seria formado por quatrofatores. A fim de assegurar que cada item representava oconstructo subjacente ao fator, foi estipulada uma cargafatorial mnima de 0,40 para aceitar o item.

    Resultados

    Na anlise da consistncia interna, o coeficiente Alfade Cronbach variou de 0,84 a 0,93 nas 4 sub-escalas, apon-tando que o instrumento apresenta adequada consistn-cia interna (Tabela 2).

    Quanto reprodutibilidade, no houve diferena esta-tisticamente significativa nas mdias dos escores, quan-do foram considerados o momento 1 (teste) e o momento2 (reteste). Os coeficientes de correlao entre os esco-res dos momentos 1 e 2 foram significativos, variando de0,88 (p

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    Andrade, S. M., Dias, M. M. C. B. S., Oliveira, E. A., Locks Neto, F., Nogueira, R. M. T. B. L. & Santos, N. A. (2012). Construo eEvidncias Psicomtricas de uma Escala de Avaliao da Percepo Visual.

    Tabela 2Matriz Fatorial dos Testes e Preciso dos Fatores

    Item Fator 1 Fator 2 Fator 3 Fator 4

    1. Assinale as formas que tm o mesmo formato do retngulo acima 0,898 5. Indique que figuras so iguais destacada 0,864 9. Marque as figuras que tm formato idntico 0,77713. Aponte quais as formas so iguais quela destacada acima 0,76317. Mostre qual destes animais corresponde quele indicado acima 0,648 2. Indique, na figura, que animais esto representados 0,819 6. Aponte, na figura, os chapus representados em sobreposio 0,78110. Assinale, na figura, as ovelhas representadas em sobreposio 0,75914. Marque na figura as formas que voc v no retngulo de cima 0,68618. Indique, na figura, os postes representados em sobreposio 0,632 3. Aponte qual a seta est na mesma posio daquela situada

    no primeiro quadro 0,786 7. Marque qual a figura est na mesma posio dos smbolos esquerda 0,74511. Assinale, em cada fileira, os desenhos que esto na mesma posio 0,68915. Indique quais os quadrados apresentam figuras na mesma posio 0,57119. Mostre qual a figura est na mesma posio dos retngulos esquerda 0,512 4. Marque, nos retngulos com pontos, traos na mesma posio

    dos do retngulo inicial 0,651 8. Una os pontos como demarcado no primeiro quadro 0,62412. Ligue os pontos formando trs figuras iguais primeira 0,56716. Faa, em cada quadro, traos formando uma figura igual primeira 0,48520. Junte os pontos para que fiquem igual ao primeiro desenho 0,409

    Eigenvalue 7,258 3,431 2,441 1,769% da Varincia 25,783 14,658 9,623 7,471Total de itens 5 5 5 5Alfa de Cronbach 0,933 0,892 0,867 0,840

    entre os itens, equivalncia operacional e validade decontedo, realizadas por meio de avaliao de juzes,apresentaram consonncia com os dados obtidos no pre-sente trabalho. Segundo Dias (2007), os resultados de-monstraram que os itens do PTPV so fceis de seremcompreendidos; esto redigidos com clareza; avaliamaspectos importantes e tm potencial para discriminarcomponentes alterados da percepo visual. Conquantoeste instrumento tenha sido aplicado previamente emuma amostra de 353 alunos de escolas do Conselho deBraga, em Portugal, nenhuma informao foi encontradasobre sua validade de construto e consistncia interna.

    A Escala de Avaliao da Percepo Visual apresentouparmetros psicomtricos satisfatrios, boa consistnciainterna, concordncia interjuzes, adequao semntica,significncia no teste-reteste e evidncias de validade deconstructo. Em sntese, os clculos permitiram confirmara adequao da validade fatorial e consistncia internada medida. Os resultados sugerem a coerncia do mode-lo tetrafatorial proposto.

    Teixeira (2008), em um trabalho envolvendo anliseda percepo de formas e espao em 35 participantes comdistrbios neurolgicos, verificou que todos os pacien-tes quando comparados ao grupo controle apresentaram

    O instrumento ficou composto por quatro fatores. Oprimeiro, constncia da forma, com cinco itens e Alfa deCronbach de 0,93, explica 25,78% da varincia; o segun-do fator, figura-fundo, com cinco itens e Alfa de Cronbachde 0,89, explica 14,65% da varincia; o terceiro fator,posio no espao, com cinco itens e Alfa de Cronbachde 0,86, explica 9,62% da varincia; por fim, o fator rela-o espacial, com cinco itens e Alfa de Cronbach de 0,84,explica 7,47% da varincia. Juntos, os quatro fatores ex-plicam 57,52% da varincia do constructo.

    Discusso e Consideraes Finais

    De acordo com Pasquali (2001), os testes psicolgicosso considerados instrumentos de medida e, por isso, de-vem apresentar algumas caractersticas para seremconfiveis. As caractersticas consideradas mais impor-tantes dizem respeito validade e preciso do instru-mento.

    O Programa de Treino da Percepo Visual (PTPV),no qual foi baseada a EAPV, foi originalmente elaboradopara aplicao em crianas, na faixa etria dos 6 a 9 anos,com dificuldades de aprendizagem. As aferies empre-gadas no estudo original relacionadas equivalncia

  • Psicologia: Reflexo e Crtica, 25(1), 21-29.

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    dificuldade na discriminao da forma de objetos. Estesresultados so semelhantes aos encontrados por Parmen-tes, Weinstock-Guttman, Gang, Munschauer e Benedict(2007), em pacientes com Esclerose Mltipla, e por Habe-recht et al. (2001), em indivduos com Sndrome deTurner, o que evidencia a importncia de analisar a dimen-so constncia da forma, podendo ser este um marcadorclnico do quadro evolutivo de pacientes com deficin-cias na identificao de objetos.

    Em um estudo semelhante ao da presente pesquisa,Gomes e Borges (2009) avaliaram as propriedades psico-mtricas do Conjunto de Testes de Habilidade Visuo-Espacial, em adultos jovens, e verificaram a associaode aspectos visuo-motores intimamente ligados a par-metros como memria e fechamento visual, sendo esteltimo um aspecto importante na avaliao e caracteriza-o do perfil perceptivo-visual do indivduo.

    Em relao discriminao figura-fundo, posio erelao espacial, os estudos de Ribeiro (2006) demons-tram que a organizao espacial, envolvendo parmetroscomo posio e relaes espaciais do objeto, encontra-serelacionada a outros aspectos da percepo, a exemploda discriminao figura-fundo. Em seu trabalho, o autorsugere a existncia de possveis alteraes na percepovisual de luminosidade a partir de variaes fsicas dosestmulos, com base na organizao espacial de figura-fundo criada pela associao dos efeitos ilusrios de con-traste e contornos subjetivos.

    O presente trabalho apresenta algumas limitaes, comoa forma de seleo da amostra. Sugere-se, portanto, o fo-mento de pesquisas na rea utilizando amostragem pro-babilstica. Aponta-se tambm a necessidade de futurasinvestigaes para orientar construes de verses daEAPV voltadas para reas da percepo como lateralidadee esquema corporal, presentes em estudos multifatoriais,que se relacionam com o desempenho do indivduo na dis-criminao dos objetos e que podem interferir na anlisedos parmetros perceptivos visuais ou motores (Freitas,2008). Alm disso, apesar dos resultados favorveis daanlise fatorial, esta uma tcnica de natureza exploratria,sendo, deste modo, necessrios novos empreendimentosenvolvendo amostras clnicas e o emprego de outras tcni-cas de anlises estatsticas, como a anlise fatorial confir-matria, atravs dos modelos de equao estrutural (Hair,Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009).

    A partir dos dados obtidos, verifica-se que este estudoapresenta contribuies substantivas. A EAPV pode serconsiderada um instrumento eficaz na avaliao das di-menses componentes da percepo visual, em diversasreas de aplicao do campo das cincias psicolgicas,psicomtricas, neurolgicas e cognitivas. Alm disso, de-monstrou ser um teste de simples aplicao e levantamen-to, facilitando a aplicabilidade na prtica clnica. Diantedos custos para realizar outros tipos de exames que ava-liam tais funes, a Escala de Avaliao da PercepoVisual mostra-se eficaz, fidedigna e de rpida aplicao.

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    Recebido: 29/04/20101 reviso: 04/11/2010

    Aceite final: 11/11/2010