PERCURSOS DE LEITURA EM JORNAIS DIGITAIS, Karla Cristina ...

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PERCURSOS DE LEITURA EM JORNAIS DIGITAIS Karla Cristina de Araujo Faria * RESUMO: Este trabalho pretende explorar, com a base teórica da semiótica discursiva, como se dão os percursos de leitura em jornais eletrônicos, através da chamada leitura hipertextual. Os objetivos são identificar enunciador e enunciatário inscritos no discurso e analisar a estratégia enunciativa que, organizando as diferentes linguagens na superfície de manifestação do hipertexto, permite a interação entre os sujeitos aí instalados. Enquanto o texto propõe ao leitor um percurso fixo, linear (numa reportagem) ou espacial (numa fotografia), o hipertexto permite ao leitor/usuário construir sua própria ordem de leitura, criando diferentes contextos e destinos, constituindo a sua versão pessoal do que tem diante dos olhos. O usuário da internet possui uma variedade de fontes de notícia, oficiais ou não oficiais, de grandes conglomerados de comunicação ou de veículos independentes, e pode ir de um a outro livremente, através de links nos próprios sites ou através de ferramentas de busca. As possibilidades de seqüência de leitura são muitas, e conseqüentemente o grau de personalização da mensagem é muito superior ao proporcionado por mídias como a televisão ou a imprensa. Analisar um texto sincrético é mapear a rede de relações estabelecidas entre as linguagens, de modo a identificar a estratégia enunciativa que, considerando um enunciador e um enunciatário, tomados como ethos e pathos do discurso, cria o efeito de unidade de sentido. Palavras-chave: Internet; jornalismo digital; semiótica; hipertexto ABSTRACT: The intention of this paper is to explore, with the theoretical base of the discursive semiotic, how an on-line newspaper is read, throughout the hypertexts. The aims are to identify the enunciator and the enunciatee inserted into the discourse and analyze the enunciative strategy which allows the interaction of the subjects of the hypertext by organizing the different languages on its surface. * Doutoranda em Estudos Linguísticos da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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PERCURSOS DE LEITURA EM JORNAIS DIGITAIS

Karla Cristina de Araujo Faria∗

RESUMO: Este trabalho pretende explorar, com a base teórica da semiótica discursiva,

como se dão os percursos de leitura em jornais eletrônicos, através da chamada leitura

hipertextual. Os objetivos são identificar enunciador e enunciatário inscritos no discurso

e analisar a estratégia enunciativa que, organizando as diferentes linguagens na

superfície de manifestação do hipertexto, permite a interação entre os sujeitos aí

instalados. Enquanto o texto propõe ao leitor um percurso fixo, linear (numa

reportagem) ou espacial (numa fotografia), o hipertexto permite ao leitor/usuário

construir sua própria ordem de leitura, criando diferentes contextos e destinos,

constituindo a sua versão pessoal do que tem diante dos olhos. O usuário da internet

possui uma variedade de fontes de notícia, oficiais ou não oficiais, de grandes

conglomerados de comunicação ou de veículos independentes, e pode ir de um a outro

livremente, através de links nos próprios sites ou através de ferramentas de busca. As

possibilidades de seqüência de leitura são muitas, e conseqüentemente o grau de

personalização da mensagem é muito superior ao proporcionado por mídias como a

televisão ou a imprensa. Analisar um texto sincrético é mapear a rede de relações

estabelecidas entre as linguagens, de modo a identificar a estratégia enunciativa que,

considerando um enunciador e um enunciatário, tomados como ethos e pathos do

discurso, cria o efeito de unidade de sentido.

Palavras-chave: Internet; jornalismo digital; semiótica; hipertexto

ABSTRACT: The intention of this paper is to explore, with the theoretical base of the

discursive semiotic, how an on-line newspaper is read, throughout the hypertexts. The

aims are to identify the enunciator and the enunciatee inserted into the discourse and

analyze the enunciative strategy which allows the interaction of the subjects of the

hypertext by organizing the different languages on its surface.

∗ Doutoranda em Estudos Linguísticos da Universidade Federal Fluminense (UFF).

While the text proposes the reader a fixed pathway , linear (in a news story) or spatial (on a photograph), the hypertext allows the reader/user to build his own reading pathway, creating different contexts and destinies, constituting a personal view of what is being seen. The internet user has a variety of official or non-official news sources in communication conglomerates or independent mediums of communication and can navigate from one to another through the links on the sites or the search engines. There are a lot of possibilities for the sequence of reading and consequently the degree of personalization is much higher than the one provided by other media as television or press. Analyzing a syncretic text is to map the net of relationships established among the languages in order to identify the enunciative strategy which, considering an enunciator and an enunciatee as the ethos and pathos of the discourse, creates the effect of the meaning unit.

Key-words: Internet; digital journalism; semiotic; hypertext

Vivemos uma época marcada pela circulação intensa e imediata de informações,

dentre estas as notícias jornalísticas. Na grande rede, as informações são transmitidas

com rapidez e facilidade. Desta forma, a Internet passou a ser fonte de referência de

divulgação, inclusive de notícias, através de jornais on-line que são sites muito

procurados diariamente pelos internautas e atualizados quase que minuto a minuto,

trazendo as últimas novidades instantaneamente, superando, neste aspecto, o jornal

impresso. A internet funciona como uma extensão da TV, dos jornais e revistas que, em

sua maioria possuem uma versão eletrônica ou site oficial.

Entender tanto as fontes de notícias digitais, como os jornais impressos com seus

diferentes percursos de leituras, como objetos passíveis de análise é considerá-los como

textos. A semiótica discursiva define o texto como “uma unidade de manifestação que

constitui um todo organizado de sentido”, ampliando o conceito de texto, que

compreende não só o verbal, mas também outras linguagens. Esta definição traz um

desafio para a semiótica, pois quanto mais complexos são os textos, mais instrumentos a

teoria terá que desenvolver para analisá-los. O texto jornal revela-se complexo, pois

tanto o impresso quanto o on-line apresentam uma gama de linguagens que se

relacionam de diferentes maneiras. Sua leitura rompe com a linearidade, dando ao leitor

a possibilidade de escolhas, ainda que limitadas pelo autor do hipertexto.

Para analisar os jornais é necessário, então, identificar qual é a estratégia

enunciativa usada no hipertexto que, como ocorre com jornais e revistas impressas,

mobiliza diferentes linguagens numa unidade sincrética de manifestação. Objetos

sincréticos “são aqueles em que o plano da expressão se caracteriza por uma pluralidade

de substâncias mobilizadas por uma única enunciação cuja competência de textualizar

supõe o domínio de várias linguagens para a formalização de uma outra que as organize

num todo de significação” (TEIXEIRA, 2004).

A análise dos textos sincréticos precisa partir do exame da estratégia enunciativa

que, organizando as diferentes linguagens na superfície de manifestação do hipertexto,

permite a interação entre os sujeitos aí instalados, logo se faz necessário também

identificar enunciador e enunciatário inscritos no discurso. Segundo Fiorin

o enunciador e o enunciatário são o autor e o leitor. Cabe, porém, uma advertência: não são o autor e o leitor reais, de carne e osso, mas o autor e o leitor implícitos, ou seja, uma imagem do autor ou do leitor construída pelo texto (FIORIN, 2008, p. 153).

A imagem de enunciador corresponde ao éthos discursivo e pressupõe um páthos,

ou seja, uma imagem de enunciatário também instaurada no interior do discurso. O

páthos do discurso é constituído de uma complexa relação de papéis temáticos: “o

páthos não é a disposição real do auditório, mas a de uma imagem que o enunciador tem

do enunciatário” (FIORIN, 2004). A internet projeta um enunciatário ou páthos que,

tendo mais liberdade no seu percurso de leitura, face à diversidade e variedade de

pontos de vista ou de versões do mesmo fato, é também tematicamente mais aberto,

muitas vezes, difuso. Enquanto o texto verbal impresso propõe ao leitor um percurso

fixo, linear (em uma reportagem) ou espacial (em uma fotografia), o hipertexto permite

ao leitor/usuário construir sua própria ordem de leitura, criando diferentes contextos e

destinos, constituindo a sua versão pessoal do que tem diante dos olhos. O texto verbal

impresso é uma estrutura linear, hierarquizada, ao passo que o hipertexto é uma

estrutura de rede, na qual os elementos textuais são nós ligados por relações não lineares

e pouco hierarquizadas. Vale ressaltar que o jornal já na sua versão impressa se constitui

como um hipertexto, pois permite ao leitor percursos de leitura não lineares dados pela

sua estrutura de cadernos e pelas indicações postas na primeira página. Entretanto, o

jornal on-line expande a noção de hipertextualidade visto que se aloca no espaço virtual

que é muito mais amplo, permitindo inclusive uma ressignificação da espacialidade. Um

jornalista ou editor, no jornal impresso, trabalha no espaço limitado da página concreta,

de papel. Já no jornal on-line a extensão da notícia, a quantidade de recursos como

fotos, vídeos, gravuras, áudio se expandem na multiplicidade de links, construindo,

muitas vezes, um efeito de infinitude.

Pensando em enunciatários que se põem diante de uma 1ª página de jornal como

naqueles que se põem diante da tela do computador, observando a capa do jornal on-

line, podemos identificar semelhanças e diferenças nos percursos de leitura que seguem.

Apreender tais percursos seria uma tarefa impossível, entretanto, é possível perceber

que tais percursos já se inscrevem na maneira como são construídos tais textos

Observando a 1ª página de O Globo no suporte papel e na internet, verificamos

que no plano da expressão de ambos o sincretismo de linguagens se dá na disposição do

texto, posto sobre a página, em colunas verticais e horizontais, constituindo faixas que

cercam as imagens. Para guiar o enunciatário, ainda no plano da expressão, há uma

diversificação do tamanho e formatos de fontes. Tudo isso faz com que tanto no

impresso quanto no on-line se veja reconhecida a estrutura diagramática do texto jornal.

No caso do on-line, percebe-se que o plano da expressão do jornal impresso foi

adaptado para o uso no suporte da tela e com isso cria-se identificação do leitor também

com o on-line. A estrutura se mantém, pois ali é o lugar da notícia, não é um site de

poesia, nem de jogos, nem de música. Porém, o plano da expressão do jornal on-line

apresenta-se mais complexo, com movimento, recursos de áudio e vídeo, links que

remetem ao próprio jornal e também para fora de seu espaço. A partir das escolhas do

enunciador projetado no enunciado, constrói-se o éthos do jornal on-line, caracterizado

como aquele que noticia a novidade, o que acabou de acontecer. E a este éthos

corresponde um páthos atraído pela novidade, aquele que gosta das “notícias de última

hora”, pois fica com a página do jornal aberta o tempo todo, pode ler o jornal a qualquer

hora, pois ele não se desatualiza. É comum vê-lo zombar do leitor do jornal impresso,

pois aquelas notícias já estão no passado e desatualizadas. É um páthos curioso

“antenado”, apressado, que tem o gosto pela novidade, gosta de afirmar que está em dia

com as últimas notícias, mesmo que não goste de ler jornais, pois basta dar uma olhada

nas capas dos jornais on-line. Além do mais a notícia pode vir até ele, através do celular

ou e-mail. Este páthos é multitarefa, realiza várias atividades ao mesmo tempo, em casa

no escritório ou até mesmo no restaurante, através da tela do notebook, almoça e ao

mesmo tempo troca mensagens nos sites de relacionamento e também passa os olhos

nas capas dos jornais on-line. Julga-se bem atualizado, como se desse conta de tudo o

que ocorre no mundo. Estas características revelam bem o homem contemporâneo,

sujeito que prefere ter um panorama de todos os assuntos, saber de tudo um pouco, mas

não se aprofunda em nada.

O enunciatário do jornal on-line é capturado também pela adoção de estratégias de

interação e participação possíveis neste meio. A interatividade é o grande avanço do

jornal on-line em relação ao impresso. Neste, o leitor é mais passivo, lê e até pode

opinar, mas, para isso, terá que enviar carta ou e-mail para a redação e aguardar a

publicação em edições posteriores. O enunciador também não tem como avaliar

imediatamente a repercussão de determinada notícia a não ser com as pesquisas

realizadas com os leitores. Já no jornal on-line, a interatividade é utilizada para prender

a atenção do enunciatário e cria um simulacro de que o enunciatário constrói o

enunciado em conjunto com o enunciador. A edição on-line de O Globo, de 17de agosto

de 2009 , às 14:42 apresentava 15 chamadas de notícias com o link “comente” onde o

enunciatário poderia dar sua opinião sobre o tema em questão. O páthos gosta de

comentar e é passionalizado por um querer-saber-poder opinar. Além dessa estratégia,

há na versão on-line de O Globo uma seção denominada “Eu-Repórter”. As notícias e

fotos publicadas nesta seção foram produzidas pelos leitores. Ainda que haja uma

seleção do jornal para a publicação, o slogan da seção deixa claro: “Aqui você faz a

notícia”, “Aqui os leitores são repórteres”. Nas chamadas nesta seção sempre é utilizada

as palavras “leitor”,”leitora” ou “internauta” para deixar bem demarcado quem “narra” a

história. Observemos a chamada retirada de O Globo on-line , em 17 de agosto de 2009,

às 14:43, “Chafariz ou foco de livro e depósito de dengue?” As fotos e os textos

publicados são de autoria do próprio leitor, que é citado na matéria. Este recurso não é

utilizado somente pelo O Globo, há outros jornais que também utilizam esta estratégia,

como o Estadão e Extra. tradicionalmente, no veículo jornal projeta-se a 3ª pessoa para

criar os efeitos de sentido de objetividade e neutralidade, do veículo que informa o fato,

sem opinar para que o leitor reflita, julgue e elabore a sua opinião. Ainda que esta

imparcialidade já seja questionada e, por vezes, negada pelos jornalistas, estes efeitos

ainda são utilizados nos jornais para dar maior credibilidade ao veículo. Ao analisar o

jornal on-line, verificamos justamente a oscilação entre a parcialidade e a

imparcialidade, na medida em que ora se projeta a 3ª pessoa para informar, utilizando os

mecanismos de objetividade como ancoragem, ora se utiliza a 1ª pessoa para comentar

sobre a informação, apresentando a subjetividade. Na edição eletrônica de O Globo, de

19/10/2009, a manchete “Polícia do Rio avalia que terror do tráfico partiu de

penitenciária federal” usa-se a 3ª pessoa, o tempo do presente e a ancoragem espacial

para criar o efeito de objetividade, mas as chamadas apresentam um efeito de

subjetividade, principalmente marcadas no uso da 2ª pessoa nos verbos que presume a

1ª, como no verbo “comente”, e nas chamadas, “veja os gols do Fla”, “Leia o que os

críticos de O Globo acharam das estreias da semana”. Há também a simulação de

interlocução, quando o enunciador elabora perguntas para o enunciatário, como “Qual

filme mais fez você chorar”, “Quer participar das Olimpíadas? Confira os jogos do bom

humor”i.

Além da instauração da 2ª pessoa nas chamadas, o enunciatário é convidado a

opinar sobre certas chamadas, intensificando o grau de interatividade do leitor que é

uma marca específica do jornal on-line. Vejamos os exemplos também de O Globo de

19/10/2009, às 9h 51 minii:

Fig.1

Manchete/ Chamada Coment

ários

Polícia do Rio avalia que terror do tráfico partiu de

penitenciária federal

270

Buton é campeão de F-1 192

Casal de adolescente desaparece em SP 0

Xerife: “Caso do menino do balão foi farsa” 25

“Triste língua portuguesa” (texto enviado por leitor) 155

Desta forma, verifica-se que o páthos do jornal virtual ora é informado, ora

informa e ora opina, ampliando sua participação, apresentando o caráter multitarefa já

mencionado anteriormente. As demais estratégias enunciativas são as projeções de

tempo e espaço. Quanto ao tempo, no jornal impresso há um limite temporal para a

entrega da edição para que as máquinas possam imprimir as folhas que o constituem e

suas notícias são a respeito de fatos ocorridos no dia anterior, que já foram relatadas na

TV e no rádio, sendo consideradas por muitos como “ultrapassadas”. Lembremos

também que o jornal precisa de tempo para ser distribuído para os assinantes. Há na

versão on-line uma expansão da temporalidade. Nunca uma notícia se dá antes ou

depois do término do jornal e sim ao mesmo tempo, já que a edição deste não termina

nunca. No on-line cria-se, portanto, o efeito de simultaneidade com o mundo, de

atualidade, como se o passar do tempo da internet fosse o mesmo passar do tempo do

mundo e a duração desse jornal é ininterrupta, como o é a internet. Ao observar a seção

“plantão” dos jornais digitais, percebemos um éthos que está o tempo todo antenado,

buscando informações. Interessante notar a configuração do plano da expressão das

chamadas das notícias da seção “plantão” nos veículos Folha de S. Paulo e Extra.

Dentro do banner da seção a chamada é construída numa sucessão de letras, como se o

enunciador estivesse digitando a chamada naquele momento e este movimento das

letras cria o efeito de simultaneidade, pois o enunciatário depreende a informação ao

mesmo tempo que o enunciador a digita.

Há também a seção “Tempo Real”, no jornal O Globoiii , que narra quase que de

minuto a minuto partidas de futebol, transformando as jogadas visuais em relato verbal,

criando também este efeito de simultaneidade:

Fig.2

Em uma breve análise desta seção, pode-se perceber que o objetivo é narrar para o

enunciatário as jogadas e os principais lances da partida de futebol, sendo a tela sempre

atualizada. Dentro desta página há um banner superior com propaganda, uma linha fina

com os jogos que estão em andamento, deslizando ora da direita para a esquerda, ora da

direita para a esquerda. Abaixo o banner principal com os escudos e nomes dos times,

reproduzindo um placar. No canto superior à direita, a logomarca de empresas como

propaganda e à esquerda o título do link: Tempo Real. Abaixo do “placar” há três abas:

lance a lance (aba principal), escalação e comente. Depois que o jogo termina, entra

outra aba, a fotogaleria.

Fig.3

Na figura acima está representada a aba escalação que funciona como uma ficha

técnica do jogo, com ícones que traduzem as principais informações da partida, como

uma bola de futebol ao lado do nome dos jogadores que fizeram gols, setas verdes

(jogadores que foram substituídos e tiveram seus nomes quase apagados), setas

vermelhas (jogadores que substituíram outros), cartões amarelos. Há também a linha do

tempo, à esquerda, que demonstra em quais momentos tais ações foram realizadas.

Fig.4

Na figura acima, está aberta a aba comente. Já nos debruçamos sobre esta

estratégia de manipulação do enunciador para captar o enunciatário, que gosta de

participar, dar sua opinião e interagir. Não basta se informar sobre o jogo, “ver” a

partida lance a lance, o internauta pode comentar e comentar os comentários dos

demais. Cria-se, além do efeito de participação, o efeito de interlocução, como se

estivessem todos juntos fisicamente e pudessem trocar as informações sobre a partida,

mesmo que mediados pela máquina. Como este phátos é curioso e antenado, não basta

saber do seu time, na coluna à direita, há o placar dos jogos em andamentos e dos outros

que já ocorreram na rodada. Nesta mesma aba, é só clicar em classificação e ver como

está a classificação do campeonato naquele momento. E se o enunciatário clicar no

placar de outro jogo, abrirá o “tempo real” daquela partida.

Fig.5 Fig.6

Na fotogaleria a reprodução das melhores jogadas, do momento do gol, como se

fosse possível reviver o momento da jogada, neste caso o mais esperado de qualquer

partida: a bola na rede do adversário. E por falar em gol, reparemos que o enunciador,

cria o efeito da vibração do gol, pelo ícone da bola estufada na rede e as letras em

maiúscula, com o prolongamento das letras, assim como faz o narrador de futebol:

Fig. 7

Paremos um momento para avaliar o efeito de sentido criado por este sintagma.

Na verdade, a jogada não é transmitida no momento em que ela acontece, às vezes as

páginas demoram mais de 2 minutos para serem carregadas, ou seja, atualizadas, mas

para o enunciatário diante da tela, a jogada só terá ocorrido “realmente” quando o lance

for “narrado”, neste caso, exibido na tela.

Quanto ao uso do tempo verbal utilizado nas chamadas no jornal, é quase sempre

o Presente do Indicativo, para corroborar o efeito de simultaneidade. No jornal

impresso, também é utilizado este tempo verbal, ainda que o fato se refira a uma ação

do passado, por exemplo: “Desemprego sobe 21% de dezembro a janeiro” (Folha de S.

Paulo, 21/02/09). O desemprego subiu, já que a ação se refere a dezembro e janeiro.

Ocorre, então, uma embreagem enunciativa, o verbo se refere a um acontecimento

passado, mas está no presente, como uma forma de estender a ação e fazê-la atual. Esse

recurso cria o efeito de aproximação com o leitor. Na versão on-line esta estratégia

também é utilizada e este efeito parece ser mais eficaz porque os protocolos de leitura

são diferentes. O leitor do jornal impresso sabe que lê a notícia da véspera. O leitor da

internet “acompanha” ao mesmo tempo os acontecimentos do mundo.

Nesta breve análise dos sites de jornais on-line, concluímos que os percursos de

leitura do veículo jornal em suportes diferentes, no papel ou na tela, revelam leitores

com perfis também diferentes, mas que se assemelham na busca intensa de informação e

atualização. Se o leitor do jornal impresso privilegia a reflexão sobre as notícias da

véspera, o leitor internauta já não precisa esperar pelo dia seguinte para saber o que está

acontecendo no mundo e as notícias chegam aos lugares mais distantes a partir da tela

do computador.

Analisar, então, o texto sincrético é mapear essa rede de relações estabelecidas

entre as linguagens que compõem o todo de sentido — o texto — apreendido como

unidade pelo leitor que esteja diante da página impressa ou da tela do computador. Tal

preocupação é nuclear no âmbito desse projeto, que pretende pensar nas relações de

sentido nos jornais digital.

Recebido em outubro de 2009

Aprovado em novembro de 2009

NOTAS

i As chamadas foram retiradas do jornal O Globo, versão digital, em 23/02/2009, 17/08/2009 e 19/10/2009, disponíveis em www.oglobo.com.br ii Optamos pelo recurso do print screen para salvar a tela em forma de imagem para a análise neste trabalho. iii Seção “Tempo Real”, de O Globo digital, disponível em www.oglobo.com Acessada em 29/08/2009. REFERÊNCIAS

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