Pereira Marcelo

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  Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp.242-257, Jul/Dez 2009  ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org  242 JUVENTUDE, EXPERIÊNCIA E CONHECIMENTO EM WALTER BENJAMIN: para um novo saber da educação Marcelo de Andrade Pereira Universidade Federal de Santa Maria Santa Maria, Brasil Resumo O presente artigo discorre sobre o problema da experiência em Walter Benjamin em sua relação com a juventude e o conhecimento. Nesse sentido, analisa a primeira fase da obra do autor em questão em textos como  Erfahrung  (Experiência) e Über das Programm der Kommenden  Philosophie (Programa para uma Filosofia Futura). Pretende, assim, demonstrar de que maneira se cristalizaram, na filosofia de Walter Benjamin, os conceitos de experiência, conhecimento e  juventude a partir dos textos por este estudo focados    o que implica situar a discussão nos domínios da epistemologia, da antropologia e da história. Busca, ainda, discriminar na conceitualização da experiência e do conhecimento por Walter Benjamin o que esta retém do  pensamento de Immanuel Kant. Intenta, ainda, problematizar esses mesmos conceitos em face ao campo da educação. Palavras-chave: conhecimento, juventude, experiência, educação. Abstract The following article discusses the concept of experience, youth and knowledge in Walter Benjamin´s philosophy. It analyzes Benjamin´s essays  Experience (Erfahrung) and Programme for a future philosophy (Über das Programm der Kommenden Philosophie), among others essays of Walter Benjamin. Nevertheless, it intends, first, to demonstrate how those concepts    experience, youth, knowledge    were created in Benjamins philosophy, considering the influence of Immanuel Kant´s philosophy; and, second, how to put these concepts in relation with the field of education. The article it argues about the relationship between epistemology, anthropology and history, to present a new concept of metaphysic in Benjamin´s theory. Actually, this notion will be the real center of the discussion about the concept of knowledge and experience in Benjamin´s  philosophy as well the education. Keywords:  knowledge, youth, experience, education.

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  • Currculo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp.242-257, Jul/Dez 2009

    ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 242

    JUVENTUDE, EXPERINCIA E CONHECIMENTO EM WALTER BENJAMIN:

    para um novo saber da educao

    Marcelo de Andrade Pereira

    Universidade Federal de Santa Maria Santa Maria, Brasil

    Resumo

    O presente artigo discorre sobre o problema da experincia em Walter Benjamin em sua relao

    com a juventude e o conhecimento. Nesse sentido, analisa a primeira fase da obra do autor em

    questo em textos como Erfahrung (Experincia) e ber das Programm der Kommenden

    Philosophie (Programa para uma Filosofia Futura). Pretende, assim, demonstrar de que maneira se

    cristalizaram, na filosofia de Walter Benjamin, os conceitos de experincia, conhecimento e

    juventude a partir dos textos por este estudo focados o que implica situar a discusso nos domnios da epistemologia, da antropologia e da histria. Busca, ainda, discriminar na

    conceitualizao da experincia e do conhecimento por Walter Benjamin o que esta retm do

    pensamento de Immanuel Kant. Intenta, ainda, problematizar esses mesmos conceitos em face ao

    campo da educao.

    Palavras-chave: conhecimento, juventude, experincia, educao.

    Abstract The following article discusses the concept of experience, youth and knowledge in Walter

    Benjamins philosophy. It analyzes Benjamins essays Experience (Erfahrung) and Programme for

    a future philosophy (ber das Programm der Kommenden Philosophie), among others essays of

    Walter Benjamin. Nevertheless, it intends, first, to demonstrate how those concepts experience, youth, knowledge were created in Benjamins philosophy, considering the influence of Immanuel Kants philosophy; and, second, how to put these concepts in relation with the field of

    education. The article it argues about the relationship between epistemology, anthropology and

    history, to present a new concept of metaphysic in Benjamins theory. Actually, this notion will be

    the real center of the discussion about the concept of knowledge and experience in Benjamins

    philosophy as well the education.

    Keywords: knowledge, youth, experience, education.

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

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    Juventude e Experincia

    Um primeiro artigo de Benjamin sobre a experincia surge em 1913, s vsperas da

    primeira guerra mundial. O tom irnico com que o mesmo desenvolve o seu texto

    denominado Erfahrung , pois, sintomtico. Escrito a partir da associao do filsofo ao

    Jugendbewegung1, esse ensaio sobre a experincia expressa, na verdade, todo o sentimento

    de angstia e decepo do jovem pensador a respeito de um modo de vida adulta, de uma

    mentalidade, que haveria por desconsiderar basicamente o substrato tico e espiritual da

    prpria vida humana. Este tipo de conduta, que se orienta to somente pelo progresso

    tcnico e material, , de acordo com Benjamin, o responsvel por todo um desenvolvimento

    da histria que em civilizado no haveria de resultar. No de se estranhar que o fenmeno

    histrico que circunscreve o pensamento de Benjamin seja justamente a guerra tanto a primeira, no que concerne aos escritos do perodo de 1913 a 1918 quanto a segunda, cujo advento fez com que o mesmo escrevesse as famosas Teses sobre o Conceito de Histria

    2.

    Deve-se ressaltar, por isso mesmo, que a iminncia da barbrie entrevista no surgimento destas guerras no s provocou a discusso acerca dos tipos de experincia, como tambm, da histria. A experincia , com efeito, o pano de fundo de toda a teoria

    benjaminiana, no somente sobre a histria, como sendo o aspecto mais estudado de seu

    pensamento, mas tambm da linguagem e da arte.

    Nesse artigo de juventude, Erfahrung, a experincia tomada, contudo, apenas sob o

    ponto de vista individual (MURICY, 1999). Ela se refere basicamente modificao do

    carter da experincia vivida na juventude em relao ao da vida adulta, diferena

    identificada a partir das atitudes que de ambas derivariam. Essa acepo de experincia no

    compreende ainda a dimenso coletiva que caracterizar o conceito nos ensaios mais

    maduros do autor. Nele, a experincia no tomada ainda como categoria. Vale sublinhar,

    portanto, que no dela que Benjamin infere, por seu declnio ou extino, a noo de

    modernidade tal como aparecer, por exemplo, em seus ensaios sobre Leskov e Baudelaire.

    Isso no desqualifica, todavia, o escrito. As intuies juvenis de Benjamin inscritas sob o marco do movimento da juventude serviram fundamentalmente para determinar, por um lado, e naquele momento, uma linha de ao prtica, e por outro mais tarde , de investigao. Para este primeiro momento, Benjamin reserva crtica o papel de agente da

    transformao; ou seja, a crtica torna-se ao.

    Atento aos acontecimentos e sensvel a toda sorte de tendncias e vanguardas de sua

    poca como, por exemplo, a crescente modernizao das cidades, a industrializao, as vanguardas artsticas e o advento da primeira grande guerra , Benjamin coloca seu ensaio como um gesto de repdio ordem estabelecida

    3. A rigor, o perodo que antecede a

    primeira guerra mundial e no qual est compreendido este primeiro texto de Benjamin sobre a experincia caracteriza-se, basicamente, pelo domnio da social-democracia na Alemanha. Isso, no entanto, no resulta de todo em algo positivo. Benjamin assinala, em

    seu clebre ensaio para um novo conceito de histria, que a prtica da social-democracia

    foi, em grande parte, a responsvel pela incorporao da idia do progresso tcnico como o

    sinal de aprimoramento do indivduo humano na Alemanha anterior Repblica de

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

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    Weimar4. Esse progresso, no entanto, no conhece, de acordo com o filsofo, limite algum,

    ele no coopera, como poderia parecer, para o aprimoramento do indivduo humano, mas

    para sua destruio. Vejamos.

    A teoria e, mais ainda, a prtica da social-democracia foram (sic) determinadas

    por um conceito dogmtico de progresso sem qualquer vnculo com a realidade.

    Segundo os social-democratas, o progresso era, em primeiro lugar, um progresso

    da humanidade em si, e no as suas capacidades e conhecimentos. Em segundo

    lugar, era um processo sem limites, idia correspondente da perfectibilidade

    infinita do gnero humano. Em terceiro lugar, era um processo essencialmente

    automtico, percorrendo, irresistvel uma trajetria em flecha ou em espiral.

    Cada um desses atributos controvertido e poderia ser criticado. Mas para ser

    rigorosa, a critica precisa ir alm deles e concentrar-se no que lhes comum. A

    idia de um progresso da humanidade na histria inseparvel da idia de sua

    marcha no interior de um tempo vazio e homogneo. A critica da idia do

    progresso tem como pressuposto a crtica da idia dessa marcha (Benjamin,

    1994a, p.229).

    Essa marcha diz respeito, na verdade, a uma desorganizao na ordem do tempo e da tradio. A crtica, com efeito, participa no pensamento do jovem Benjamin como um

    modo de experincia histrica, entendida como atividade do esprito. De acordo com Ktia Muricy, o exerccio dessa experincia, como uma forma de sensibilizao face s manifestaes do esprito, deve ser capaz de discernir em qualquer fenmeno a sua prpria atividade, tendo como preo a abdicao da interveno ativa no curso da histria (1999, p.43).

    Essa era basicamente a idia que sustentava o Movimento da Juventude, o Berliner

    Freie Studentschaft, da qual Benjamin fez parte. Por intermdio desse movimento,

    fortemente influenciado pelas idias de Gustav Wyneken, Benjamin tentou indicar o

    alcance e os limites polticos da juventude (MURICY, 1999). Como seu mais notvel

    representante, o precoce pensador infere que a ao crtica, desempenhada por uma

    juventude esclarecida e espiritualizada, pode sim desencadear um processo de

    transformao radical da sociedade. Tal ambio encontra, evidentemente, obstculos

    altura dos conflitos que ela provoca, no caso dos jovens a contraposio queles que os

    antecederiam, os adultos. Com efeito, esse distanciamento entre jovens e adultos encontra

    na experincia seu termo de discrdia.

    Como mencionado anteriormente, Benjamin atribui juventude um esprito capaz de

    transformar a sociedade, porque vvido, pulsante, crtico, um esprito no conformado pelo

    desenvolvimento contnuo da histria leia-se, do progresso. O mundo que os adultos reservam aos mais jovens , de acordo com o jovem filsofo, um mundo em franca

    decadncia e estagnao, fruto de uma experincia que no produziu e no produz

    significado algum. A experincia dos adultos seria, para Benjamin, auto-centrada demais,

    no vinculada a qualquer valor que pudesse ser considerado como efetivo, que se

    relacionasse s matrias do esprito; em outras palavras, faltaria aos adultos sensibilidade

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    para a poesia [e] as artes, essas entendidas como medium de reflexo, e, tambm, como via de acesso ao Absoluto (MURICY, 1999).

    Aqui est a chave: como os adultos nunca elevam os olhos para o grandioso e

    para plenitude de sentido, sua experincia se converte em evangelho de filisteu,

    se fazendo porta-vozes da trivialidade da vida. Os adultos no concebem algo

    para alm da experincia, que existam valores no experimentveis ao que ns [os jovens] nos entregamos (Benjamin, 1993, p.94).

    De maneira sinuosa Benjamin apresenta noes que s tardiamente se tornaro

    conceitos. Trazendo consigo toda a carga romntica que caracterizou sobremaneira o

    movimento da juventude e sua incondicional revalorizao da natureza, Benjamin confere

    experincia dos jovens um estatuto superior e diferenciado. O entusiasmo que caracteriza a

    juventude o mesmo que move a revoluo e que se esfora por manter o contedo de suas

    experincias sempre presentes.

    De orientao claramente gnosiolgica dada a forte influncia do Romantismo Alemo o movimento da juventude se contrapunha idia de evoluo, que regeria, conforme o filsofo em questo, a vida adulta vida essa que no acontece, que no tem propsito, que rotineira, desprovida de crtica, pobre intelectualmente e carente de

    entusiasmo5. Para Benjamin (1993), os adultos so indivduos sem esperana nem

    esprito. Por conseguinte, o que deveria resultar num modo de vida mais refinado apresenta-se como um grande equvoco, manifesta-se como brutalidade e intolerncia, fruto

    de uma viso de mundo irrefletida. A vida adulta torna os indivduos menos suscetveis

    transformao, submissos, resignados; ela enrijece o pensamento fazendo com que os

    indivduos desconheam, ignorem ou no experimentem outras possibilidades. Estas

    outras possibilidades se referem, justamente, aos contedos da metafsica. A vida adulta , segundo Benjamin (1993), banalizada e torna-se no raro em vida de

    filisteu termo reincidente no texto benjaminiano , indivduo que se v movido apenas por interesses materiais. Como bem pontua Ktia Muricy (1999), o termo filisteu designa,

    para alm dessa caracterizao, um indivduo de mentalidade estreita, de pouca f e demasiadamente vido por novas experincias. Essas novas experincias so, contudo, inexpressivas, impenetrveis e sempre iguais. o mesmo tipo de experincia que Benjamin

    alude nas Teses sobre o Conceito de Histria, experincia de um tempo homogneo e vazio, irrefrevel, fantasmagoria infernal de um eterno retorno: a experincia da modernidade (MURICY, 1999).

    Os adultos, para Benjamin, gabam-se de sua experincia; no entanto, a experincia adulta por ele considerada vazia, ela se restringe a uma mera vivncia individual

    (Erlebnis), sucesso interminvel do mesmo. A vacuidade inerente a esse tipo de

    experincia se deve ao fato de uma ao se limitar a si prpria; ao que no faz outra coisa

    seno repetir a histria e reificar a ordem. Como se pode verificar, Benjamin distingue j

    nesse ensaio a experincia (Erfahrung) da vivncia (Erlebnis), distino essa que ser um

    dos tpicos fundamentais de seu estudo sobre Leskov, Proust e Baudelaire. Aqui,

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

    246

    entretanto, ela ainda no apresentada de modo preciso e categrico.

    Para Benjamin, vivncia dos adultos nada se agrega, nada resulta dela, nenhuma

    modificao de valor ou qualidade: experincia que simplesmente no retm consigo o

    esprito de seu tempo. Ela tende, na verdade, ao apagamento da experincia que a precedeu.

    contra a assimilao dos adultos Filosofia do Progresso leia-se, a modernidade que Benjamin se impe. Ele se rebela por isso mesmo contra as suas origens burguesas, o que

    corresponde justamente rejeio da complacncia e da superficialidade do projeto paterno de assimilao (ALTER, 1992, p.54). De acordo com Benjamin, nada detesta mais o filisteu que os sonhos de sua juventude (...). O que retm destes sonhos no seno a voz do esprito que tambm chama a ele, como a todos os homens. (...) Por isso o

    combate (1993, p.96). E reter o esprito significa manter o entusiasmo com os olhos abertos. O

    posicionamento crtico da juventude na verdade uma forma de ao recordatria,

    retroativa, que busca recuperar por intermdio da memria as potencialidades do passado.

    Esta noo salvadora de memria que se encontra implcita nos primeiros ensaios de

    Benjamin toma forma no ensaio sobre Proust e encontra seu termo e aplicao nas Teses

    sobre o conceito de Histria. Neste momento, conveniente apenas mencionar a

    importncia e a relao da memria na questo sobre a experincia, isto , entend-la como

    aspecto fundamental da experincia que Benjamin hora pretende resgatar. O texto Erfahrung constitui justamente este primeiro momento no qual o filsofo

    enseja, por intermdio de uma ao crtica, se contrapor ao conformismo e indiferena

    que caracterizaria a idade adulta em relao aos descaminhos da histria, a toda sorte de catstrofes que um tipo de conduta dessa permitiu se realizar dada, basicamente, por uma falta de compreenso de mundo mais ampla e espiritualizada.

    A juventude pretende mudar a histria, dar a ela um novo rumo em consonncia com os ideais romnticos preconizados pelo movimento a partir do qual Benjamin elaborou seus

    primeiros ensaios , ou seja, restaurar uma ordem originria na qual se coadunavam a magia e a tcnica, a arte e a poltica, os ritos e a vida social, gesto de conjuno do homem

    com a natureza, com a sua prpria histria.

    Pode-se afirmar, portanto, que a autntica relevncia dos escritos da juventude

    benjaminiana se deve tentativa de recuperao dessas valncias, o que coloca a discusso

    num outro nvel, o do esttico propriamente dito6. Vale ressaltar, contudo, que o esttico

    no apenas uma dimenso da experincia em Walter Benjamin, mas tambm o modelo de

    sua apresentao filosfica e da filosofia de maneira geral ou melhor, tal como ela deveria ser segundo o mesmo (OSBORNE, 1997, p.73). Com efeito, ser sob a forma do ensaio

    esotrico que Benjamin ir construir sua teoria do conhecimento, aquela mesma que se

    encontra exposta no prefcio ao livro sobre o drama barroco alemo.

    Entrementes, a verdadeira experincia cobra, de acordo com Benjamin (1993),

    responsabilidade o que no acontece entre os indivduos adultos. A batalha de Benjamin a favor da responsabilidade, encenada primeiramente no palco acadmico, consiste, pois, na

    busca de reintegrao de uma instncia metafsica que pudesse dar conta das

    transformaes produzidas numa sociedade beira da destruio. Robert Alter (1992), em

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

    247

    seu estudo sobre a tradio em Walter Benjamin, refora justamente essa idia. Para ele,

    Benjamin viu o novo sculo como uma era na qual tinha sido eliminado o amparo oferecido pelas velhas estruturas de crena, dos valores e da comunidade (ALTER, 1992, p.43). Alter observa com agudez que a imploso deste patrimnio identificada por

    Benjamin a partir do processo de industrializao e de urbanizao do sculo XIX. Com

    efeito, Benjamin no acreditava que pudesse ser possvel atravessar a selva da existncia sem um compasso metafsico que a ajudasse em seu caminho (ALTER, 1992, p.43).

    A formulao filosfica de um conceito mais pleno e at mesmo total de experincia

    passa, por essa razo, por Kant. Benjamin encontra em Kant os pressupostos para a

    formulao de um conceito de experincia total, como multiplicidade unitria e contnua de conhecimento (BENJAMIN, 1971, p.111). Essa noo de experincia alude, pois, diretamente de verdade, que, sob o plano da filosofia benjaminiana, seria entendida como

    a pura no intencionalidade do ser; essa, por sua vez, preexistiria como exposto no Prefcio ao Drama Barroco Alemo a toda atividade constitutiva do intelecto.

    Para Benjamin, a verdade revelada, ela pertence, por isso mesmo, ao mbito da

    religio. Isso explica porque o filsofo alemo no se mostra nem um pouco reticente

    quando relaciona a filosofia religio. exatamente este lao com o religioso que permite

    a ele propor um projeto filosfico que seja passvel de ser utilizado e compreendido como

    doutrina. Peter Osborne afirma, com razo, que essa relao, que sustenta

    fundamentalmente o aspecto mstico de Benjamin (messinico-judaico), corresponde, na

    verdade, a uma resposta do jovem pensador a todas as filosofias do pr e do ps-guerra que

    padeciam, segundo o mesmo, de um empobrecimento das idias de experincia e verdade (1997, p.73). O misticismo judaico opera, nesse sentido, como o nobre portador e representante do intelecto meio pelo qual o filsofo alemo pode produzir uma promessa de redeno (OSBORNE, 1997, p.73). Tal esoterismo exatamente o indcio da

    verdade, que ser mais tarde transcrito na estrutura teolgica de seu pensamento, todo ele,

    nos termos do materialismo histrico7.

    Experincia e Conhecimento

    Pode-se dizer que exatamente um compasso metafsico o que Benjamin intenta construir em seu Programa para uma Filosofia Futura, ensaio de 1917. Os componentes

    desse compasso derivariam obviamente do conceito de experincia kantiano. Para

    Benjamin, s o sistema de Kant poderia fornecer os elementos para tornar a filosofia uma

    doutrina, porque s ele poderia ser capaz de abarcar a totalidade do conhecimento, a

    plenitude do ser e do saber, ou seja, o conhecimento metafsico. O esforo de compreenso

    do filsofo de Knigsberg se constitui como a primeira tentativa de Benjamin em

    determinar e elaborar um projeto filosfico que fosse capaz de recuperar o verdadeiro

    sentido da experincia, de uma noo que pudesse se sobrepor quela outra da sociabilidade

    burguesa, distanciada da tradio, noo contra a qual o filsofo se coloca desde os ensaios

    de juventude at os mais maduros.

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

    248

    A busca de Benjamin por um novo conceito de experincia, tendo como base o sistema

    kantiano, resume-se na verdade tentativa de definir e distinguir um tempo e um espao

    qualitativamente distinto desse que se apresentaria ao indivduo moderno, do sujeito

    destitudo de experincia, pobre tal como assinala em seu ensaio de 1933, Experincia e Pobreza; em suma, um indivduo alheio ao espao-tempo (do) sagrado, ritual,

    multidimensional, diverso, no homogneo e nem vazio8. O sagrado, por sua vez,

    manifesta-se sempre como uma realidade de uma ordem totalmente diferente ao das

    realidades naturais. De acordo com Mircea Eliade (1967), na experincia religiosa o tempo e o espao so redimensionados, adquirem uma outra configurao; eles aduzem

    sempre ao eficaz e ao perene. O sagrado est, por isso mesmo, saturado de ser: ele pura

    potncia (ELIADE, 1967).

    A metafsica seria, ento, o contraponto benjaminiano noo melflua de experincia

    prpria dos assimilados uma experincia oca de sentido que no considera os contedos da religio e sequer da tradio. Benjamin (1971) define a metafsica como uma espcie de

    conhecimento que se refere, atravs de seu conceito radical ou seja, do prprio conhecimento , totalidade concreta da experincia que tambm se chama existncia.

    Vale ressaltar, inclusive, que a lacnica frase com que Benjamin finaliza seu ensaio

    Sobre o Programa de uma Filosofia Futura, de 1917, a experincia a multiplicidade unitria e contnua do conhecimento, exprime em poucas palavras todos os aspectos levantados por ele na proposta de elaborao de um programa de investigao da

    experincia e do conhecimento, realizada neste texto, a partir do tratamento dado por Kant

    aos mesmos conceitos em seu sistema filosfico (1971, p.111). Benjamin, a despeito do que

    se pensa, no explora exaustivamente o conceito de experincia em Kant e sequer o de

    conhecimento, apenas aponta, ligeiramente, alguns tpicos do sistema kantiano que

    necessitariam serem atualizados. A meta de Benjamin preservar e concluir o esprito do

    prprio sistema kantiano no estabelecimento de uma nova filosofia (no reduzida a uma

    mera teoria do conhecimento), baseada fundamentalmente na possibilidade de realizao de

    uma experincia pura, total e contnua. Para Benjamin, esta filosofia do futuro deve ser

    necessariamente tomada por Doutrina, e o nico sistema capaz de se constituir como tal

    seria, de acordo com ele, o de Kant.

    O plano de investigao de Benjamin para a fundamentao de uma filosofia futura

    segue, portanto, algumas diretrizes; entre as vrias mencionadas em seu artigo, duas de

    fundamental importncia: a) recuperar o legado kantiano, seu sistema, extraindo e

    atualizando (por descarte, assimilao e modificao) as noes que poderiam fundamentar

    um conceito mais amplo, profundo e significativo de conhecimento em vista de revalidar uma experincia metafsica latente na filosofia de Kant; b) assegurar a autonomia prpria

    do conhecimento, no estabelecimento de um campo de total neutralidade, fazendo com que

    o mesmo no se restringisse apenas a uma relao entre sujeito e objeto e nem sequer a uma

    outra espcie de relao que se desse somente entre entes metafsicos (BENJAMIN, 1971).

    Vale ressaltar, todavia, que, por metafsico Benjamin no entende a cincia da natureza, tal

    como a terminologia crtica a cunhou, e sim em seu sentido etimolgico, como referindo a

    toda sorte de experincias que extrapolariam o natural, o racional, ou seja, experincias

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

    249

    supra-racionais, supra-naturais que se relacionariam, por seu turno, dimenso teolgica (MURICY, 1999, p.73).

    O esforo realizado por Benjamin, ao abordar Kant, no foi o de demonstrar a falncia

    de um projeto filosfico, mas sim o de expor os limites de um sistema que haveria de sofrer

    algumas modificaes guisa de contemplar a totalidade concreta do conceito de

    experincia, que, de acordo com Benjamin, se daria apenas por intermdio da religio,

    conhecimento que se apresentaria filosofia como teoria. A hiptese de Benjamin de que o

    pensamento religioso, via teologia, permitiria restaurar o elo existente entre arte, filosofia e

    poltica, denotaria na verdade, toda a insatisfao do jovem filsofo com relao ao

    conceito de conhecimento de Kant e, portanto, o de experincia dele derivado dado que este seria reduzido a fundamento do prprio conhecimento. Isto se deveria, sobretudo, ao

    fato de os princpios do conceito de conhecimento em Kant terem sido extrados das

    cincias, especialmente, as fsico-matemticas (BENJAMIN, 1971).

    O equvoco kantiano, que consistiu em deixar aberto o conceito de conhecimento, deu

    margem, de acordo com Benjamin (1971), a uma interpretao tendenciosa por parte dos

    neokantianos, em especial, de Hermann Cohen e Heinrich Rickert. Esses, segundo o

    filsofo do sculo XX, teriam reduzido ainda mais a abrangncia da definio de Kant do

    conhecimento, ao acentuarem consideravelmente o lado mecnico e vazio do conceito em

    questo. Disso resultou a compreenso da idia de experincia em Kant como sendo

    idntica a das cincias muito embora essa se distingue consideravelmente em Kant, no se assemelhando de maneira alguma noo redutora de sua eventual matriz, a cincia (MURICY, 1999).

    O sistema kantiano tem para Benjamin, a despeito de algumas ambigidades, um

    alcance sistemtico decisivo, alcance que se sustenta na unidade criada a partir das categorias do prprio sistema, em modos de abordagem universais consistentes,

    adequadamente justificados. O critrio da unidade sistemtica e at mesmo o da verdade

    seriam, para Benjamin, a certeza, o produto resultante de uma justificao pura e

    aprofundada do conhecimento. O sistema valeria ento porque seria irredutvel a si mesmo,

    uno. Haveria, no entanto, de considerar simultaneamente o tempo presente e o futuro, o

    agora e o eterno. Exatamente aqui o rechao benjaminiano a noo kantiana de

    conhecimento. Para Benjamin (1971), uma filosofia que pretenda ser tomada como

    doutrina, deve ser, necessariamente consciente de seu tempo e da eternidade; ela deve refletir acerca de experincias temporais que possuam validade atemporal. Sua

    universalidade se deve, com efeito, a esta certeza, ou seja, de que o conhecimento seja

    duradouro.

    Porque o interesse filosfico universal da filosofia radica simultaneamente na validez atemporal do conhecimento e na certeza de uma experincia temporal,

    sobre a qual aquele se dirige, considerando-a como seu objeto mais imediato,

    ainda que no o nico (Benjamin, 1971, p.100).

    O modo com que Kant dirige o seu pensamento, sistematizando-o, faz com que seja

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

    250

    possvel ascender, por intermdio da justificao do conhecimento e da busca pela certeza,

    a uma espcie nova e superior de experincia futura (BENJAMIN, 1971, p.102). Todavia, Kant no conseguiu ele prprio deduzir este tipo de experincia segundo a qual Benjamin

    referiu ser pura, profunda e superior, ainda que o seu sistema o tivesse permitido.

    Benjamin aponta, inclusive, um tipo de experincia de classe inferior em Kant demonstrada sob a noo de viso de mundo. A experincia kantiana , de acordo com o

    filsofo Benjamin, uma experincia singular temporalmente limitada, demasiadamente objetiva (Benjamin, 1971, p.101). Ou seja, Kant estaria, de acordo com Benjamin, preso

    viso de mundo do Iluminismo. Ao depreender seu sistema de uma concepo de mundo

    iluminista Kant teve de reduzir a experincia a um ponto zero, a um mnimo grau de

    significao. Isso significa dizer que a experincia resultaria to somente da relao da

    conscincia pura com a emprica. Em midos, experincia restrita, conhecimento estreito.

    Ktia Muricy, em seu livro Alegorias da Dialtica sugere, no entanto, que Benjamin

    sempre se manteve fiel a Kant. Ao pontuar a deficincia de alguns conceitos de Kant

    Benjamin teria procurado to somente redimensionar e afirmar o sistema kantiano. A noo

    de doutrina com a qual Benjamin buscava restaurar de Kant, diz respeito, por isso mesmo,

    idia de um ensinamento a ser transmitido, cujo contedo deve ser necessariamente

    metafsico (MURICY, 1998, p.64-65).

    Talvez por fora de no ter conseguido superar a dicotomia entre sujeito e objeto, ou

    talvez porque no tenha ocorrido seno hipoteticamente a superao da relao entre

    experincia e conhecimento com a conscincia humana emprica Kant teve de abrir mo de

    um conceito de conhecimento mais amplo, e, portanto, tambm o de experincia. Olgria

    Matos afirma, com preciso, que para Benjamin a estrutura da experincia se encontra na do conhecimento e s se desenvolve a partir dele (1999, p.132).

    Benjamin assinala ainda que nem a experincia e nem o conhecimento [deveriam] se referir a conscincia emprica (1971, p.106). Ao afirmar que no conceito kantiano de conhecimento, o papel principal [seria] desempenhado pela representao sublimada de um eu

    individual, corporal e espiritual que [receberia] atravs dos sentidos as sensaes e que a partir

    delas [elaboraria] suas representaes Benjamin tornou visvel o carter mitolgico do conceito de representao em Kant (1971, p.104). Ao derivar uma representao (ingnua)

    de um mero eu receptor de fenmenos empricos e, sobretudo, ao distinguir nmeno e

    fenmeno, Kant acabou por tornar a experincia infecunda sob o ponto de vista religioso.

    Para Benjamin (1971), isso se deve ao modo com que as categorias do entendimento foram

    por Kant ordenadas, quando da considerao da experincia como algo meramente

    mecnico. Na teoria do conhecimento kantiano, o conhecimento excludo do mbito da

    experincia profunda, ou seja, religiosa.

    A fim de sanar esta falha que afeta a amplitude do conceito e impossibilita o acesso ao

    absoluto religioso, Benjamin (1971) alude necessidade de criao de um novo conceito de

    conhecimento em Kant que implica tambm a modificao dos conceitos de experincia e liberdade. Esta , fundamentalmente, a tarefa de seu Programa. A autntica experincia,

    afirma Benjamin, repousa em Kant na conscincia cognoscitiva pura terica

    (transcendental), s ela permite criar sobre a base do sistema kantiano um conceito de

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

    251

    conhecimento que corresponda ao conceito de uma experincia tal que dela esse

    conhecimento seja doutrina (BENJAMIN, 1971, p.111). Benjamin reconhece na conscincia pura transcendental de Kant seu carter asctico e purificador. No entanto, isto no basta.

    necessrio purificar a prpria obra kantiana se [se quer] que o aniquilamento dos elementos metafsicos na teoria do conhecimento reenvie, ao mesmo tempo, a uma

    experincia de contedo metafsico mais profundo (MATOS, 1999, p.136). Isto quer dizer que o novo conceito de conhecimento deve sim se reportar a conscincia pura

    transcendental, assim como integrar todos os elementos histrico-filosficos (a tradio) de

    uma experincia.

    Para se alcanar um conceito mais profundo de experincia imprescindvel,

    como dito anteriormente, contar junto ao conceito de unidade, com o conceito de

    continuidade, e nas idias h de ser possvel demonstrar o fundamento da

    unidade e da continuidade no s de uma experincia, no s cotidiana ou

    cientifica, como tambm metafsica. Deve demonstrar-se a convergncia da

    idia no conceito supremo de conhecimento (Benjamin, 1971, p.110).

    Para Benjamin, somente na linguagem conhecimento e experincia podem convergir.

    exatamente na busca da essncia lingstica do conceito de experincia que Benjamin

    tentar elaborar um conceito de experincia capaz de abarcar filosofia e religio. Refere,

    por exemplo, que todo conhecimento filosfico tem sua nica expresso na linguagem e no em frmulas e nmeros (BENJAMIN, 1971, p.111). A linguagem um todo aberto.

    Kant, de acordo com Benjamin (1971), no empreendeu uma reflexo acerca da

    natureza lingstica, ignorando, portanto, na sua sistematizao outros campos de

    conhecimento, qualitativamente distintos. Olgria Matos observa a esse respeito que para

    Benjamin o fato de Kant ignorar a experincia religiosa, lingstica e at mesmo a esttica

    no propriamente o sinal da falncia de um projeto/sistema filosfico, o kantiano, mas

    de quanto esse projeto (...) se ancorava na pobreza da experincia que a poca favorecia (1999, p.132). Benjamin sinaliza, com efeito, que a filosofia se perfaz e se funda na linguagem fato, acontecimento decisivo para a considerao de uma experincia no restrita objetividade que teria lhe sido dada a partir da ciso sujeito-objeto da filosofia

    moderna, mas, sobretudo, aberta s vicissitudes do mundo e do conceito, vvida e

    expressiva. Ktia Muricy afirma, por isso mesmo, que ser exatamente por intermdio da

    reflexo sobre a essncia da linguagem, a indagao sobre sua natureza que poder proporcionar a construo de um conceito de conhecimento e um correlato conceito de experincia que permitir integrar, no sistema edificado por Kant, domnios que haviam sido excludos pela insuficincia bsica da viso de mundo do esclarecimento (1999, p.76).

    O sistema kantiano mantm a unidade prpria de uma doutrina na continuidade da

    histria, nesse sentido, torna possvel o conhecimento metafsico conquistado atravs de

    sua fundamentao lgica. Para tanto, segundo Benjamin, necessrio que as categorias do

    sistema kantiano sejam revalidadas, a fim de ampliar os conceitos de conhecimento e

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

    252

    experincia nele contidos, pois s assim poderia ser legitimada a experincia religiosa, por

    intermdio de uma conscincia que est para alm da emprica, ou seja, a terico puro

    transcendental (BENJAMIN, 1971).

    Juventude, experincia e conhecimento: propostas para um novo saber da educao

    Pode parecer andino e at mesmo anacrnico (andino porque anacrnico) o fato de

    que ainda se argumente a favor da metafsica (de sua possibilidade), se por ventura

    considerarmos a crtica da razo por ela mesma a partir de Kant. Benjamin, contudo, isso

    prope, numa poca em que j se tinha conhecimento, seno da precariedade do

    pensamento metafsico, de sua impossibilidade. Vale enfatizar, contudo, que Benjamin

    conhecia muito bem Kant, bem o bastante a ponto de inferir uma noo de metafsica que

    no haveria de se restringir procura de uma essncia, de uma origem nica e imutvel do

    ser humano, mas de um certo posicionamento, de um certo modo de se colocar no mundo

    com o mundo, com os objetos, com as idias e as incertezas que constituiriam o mesmo.

    Benjamin busca, lato sensu, salvaguardar a possibilidade de um ser humano de se dar a

    experincias realmente significativas, a experincias que extrapolariam a capacidade de

    entendimento humano, que estariam para alm daquilo que se poderia captar e dizer acerca

    do que acontece. E isso ele encontra na arte. Benjamin quer re-significar o que acontece,

    potencializar os fenmenos, a histria, dar aos fenmenos uma no-histria, uma histria

    por vir, presente-los com a atemporalidade, essa como sendo a capacidade contnua de

    atualizao dos mesmos, de sua revalidao. Metafsica, assim, no seria a

    sobrevalorizao presente na pergunta do modo de se estar no mundo, mas a compreenso

    da impossibilidade de tudo compreender, agarrar, prender, segurar isso que o conceito, com efeito, significa; metafsica deve ser compreendida, ento, em Benjamin e a partir dele,

    como sendo a abrangncia da experincia, da superao dos limites do conhecimento

    adestrvel pela razo. H, por certo, sempre algo que escapa razo.

    A experincia, como se observou no curso deste texto, no pode se reduzir apenas a

    uma representao sublimada de um eu individual, tal como infere Kant a respeito da mesma, sendo assim, deve ser compreendida do mesmo modo como Benjamin a intui,

    experincia construda coletivamente e, por conseguinte, compartilhada; s desse modo

    haver ela de recuperar o vio de um conhecimento que outrora desaguava e se confundia

    com a sabedoria. Nessa afirmao est contida a distino entre o conhecimento e a

    sabedoria.

    O conhecimento tal como o entendemos deriva de uma especulao fechada e

    positivamente determinada entre um significado e um significante, estabelecimento de

    nexos que identificam e conferem um sentido, por vezes arbitrrio, das experincias vividas

    pelos seres humanos, mas que, no entanto, no as considera em permanente devir, ou seja,

    historicamente (SEVERINO, 1994, p.36). A sabedoria, em contrapartida, linguagem pura,

    inexprimvel e impossvel de ser datada, ela imemorial. A sabedoria re-significa o vivido,

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

    253

    o dado, o dito, ela redimensiona o conhecimento, ela hiperdimensiona o conhecimento. Ela

    partilha de um sentido (direo, significado, sensao); a sabedoria cria uma disposio

    favorvel aos objetos, ao outro, ela desperta para o novo, para o improvvel, para o

    inaudito. Se o conhecimento cala, resolve, finaliza, a sabedoria faz falar, mobiliza,

    problematiza.

    Ademais, se, como vimos, a humanidade vive hoje a pobreza de sua experincia apresentada de forma notvel na diagnose de Benjamin vive tambm sombra da pobreza de seu conhecimento, de suas reflexes, presa a categorias e terminologias obsoletas,

    insuficientes e por demais desprovidas de sentido. A razo que se estabelece nessas

    categorias j no d conta do que h muito tempo tentava escamotear: razo que provm

    do mito e com ele se confunde. Essa a razo que prescinde do pensamento, que o aliena a

    figuras e instituies que nem sempre fazem valer o estatuto que lhes devm; razo caolha,

    conhecimento manco.

    O pensamento, todavia, remete a uma outra esfera, como tambm deveria o

    conhecimento remeter, ou seja, esfera histrico-filosfica. Isso implica, por sua vez,

    compreender o pensamento da seguinte maneira: como um modo de olhar, de se pr diante.

    O sujeito ser, portanto, aquele que posicionado pelo pensar, que surge intermitentemente

    nos trilhos do pensar, que no o domina, mas que aprende com ele, que produz

    conhecimento a partir dele. Da mesma forma que na experincia, o pensar o resultado da

    capacidade de situar algo e de perder esse posicionamento fixo no prprio ato de

    posicionar, ele ao que incide necessariamente sobre o real, movimento em que se

    introduzido pela linguagem.

    Benjamin, como demonstramos, aponta justamente para essa concepo de pensamento

    como ao. Essa noo deriva basicamente da relao entre as esferas da experincia

    humana que haveria, segundo ele, de constituir o pensamento: a filosofia, a poltica, a

    teologia e a esttica (OSBORNE, 1997, p.81). Na obra de arte Benjamin v condensados

    esses domnios. E por intermdio dela, da obra de arte, que ele prev a possibilidade de

    acesso ao metafsico, ao mistrio, quilo mesmo que envolve as coisas com um no-se-sabe-o-qu. Esse no-se-sabe-o-qu , por sua vez, exatamente aquilo que constitui a profundidade da experincia, aquilo que a torna efetiva e significativa para Benjamin.

    Benjamin no est, por certo, preocupado em saber se possvel conhecer a coisa em si

    ou no. Por coisa em si entende-se a essncia da coisa, sua substncia, o nmen. A coisa-

    em-si, que Kant (1983) insinuaria ser inexistente ou inacessvel para a razo estaria, pois,

    justamente ali onde os sentidos haveriam de menos trair os indivduos, porquanto tudo que

    existe est num permanente devir, em transformao, e exatamente por isso que o

    conceito insuficiente para apreend-lo, capt-lo. Como fruto da razo, o conceito quer

    sempre guiar o seu objeto e no estar com ele, isto , deixar que o objeto se mostre da

    maneira que lhe seria mais adequada. No se trata, obviamente, de uma empreitada contra a

    lgica, contra o conceito, mas a favor de um pensamento que d margem s ressonncias,

    ao frmito originrio, ao recalcado, ao reprimido, ao esquecido. Trazer tona o esquecido

    sinal de atualizao do incessante fluxo do devir, visto que aumenta o espectro daquilo que

    pode ser visualizado, sem por isso ser catalogado, passado e trespassado por proposies.

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

    254

    Benjamin, insuflado por Kant, v no esttico a possibilidade de alargamento das

    capacidades humanas, ele supe que o esttico possa estabelecer de fato uma relao viva e

    verdadeira com o mundo. Nesse sentido, a admirao que se poderia manter pela lgica,

    pela coerncia conceitual presente no discurso filosfico adviria da percepo de sua

    degradao, de seu apodrecimento, de sua efemeridade, de sua limitao, no exato instante

    em que o indivduo se defrontaria com o perigo da no-univocidade, do no-idntico, do

    estranho, do sinistro, do numinoso, do mistrio. De acordo com Marta DAngelo (2006, p.23) o reconhecimento de que a filosofia institucional era excessivamente formalista e vazia de verdade leva Benjamin a valorizar a linguagem do artista, ou seja, a arte permeada pela esttica. Sendo assim, a pretenso de captar no conceito a concretude da

    idia seria, segundo Benjamin, equvoca, uma vez que o conceito superaria e mesmo negaria a materialidade dos sentidos, dos sentimentos que o atravessam. O conceito (de ordem filosfica, cuja pretenso a captao da verdade na idia) torna o indivduo imune

    ao mundo. A razo expulsa do mundo os sinais de intermitncia da morte presentes nas

    coisas. A esttica, em contrapartida, manifesta esses sinais no aventar do possvel, do

    hipottico, do infinito.

    Doravante, essas consideraes permitem dar um outro direcionamento a uma sorte de

    perguntas que poderiam advir, colateralmente, de nossa investigao, tais como: de que

    maneira a educao poderia fazer escapar ao mito da razo, sua repetio, mudez que

    ele engendra, que embala e caracteriza as sociedades modernas e contemporneas? Como a

    educao poderia recuperar a dimenso aurtica, misteriosa da experincia se o carter

    coletivo da mesma no consiste mais na partilha de uma sensao que haveria de indicar outrora um sentido, um saber, que comportaria um saber mas na partilha da informao? Que respostas, ou melhor, que perguntas o campo da educao formula para dar conta

    daquilo que o mesmo refere como o declnio da cultura tradicional e livresca? Em que

    medida o campo da educao estaria comprometido com a formao de indivduos

    realmente autnomos indivduos que no s disporiam de um conhecimento tcnico e cientifico pr-estabelecido, mas de uma espcie de saber que propiciaria a construo do

    conhecimento e no a sua apropriao, de forma prpria e intermitente? Que espao ocupa

    a arte, a religio, a filosofia neste microcosmo de que se constitui uma sala de aula? Qual a

    relevncia das mesmas para a formao de um sujeito especificamente contemporneo?

    As intuies de Benjamin presentes nos ensaios analisados Erfahrung e ber das

    Programm der Kommenden Philosophie precedem, ou melhor, fomentam essas questes.

    So especulaes que tm a qualidade de saber, porque, ainda que tenham sido escritas h

    quase um sculo atrs, mantm-se atuais, dizendo e muito respeito poca em que

    vivemos. Sofremos, por certo, da mesma espcie de empobrecimento da experincia que

    Benjamin aludiu. Esse incide, conseqentemente, sobre o conhecimento que dela adviria. O

    problema, assim, no estaria apenas no que se conhece, mas o que se conhece e como se

    conhece. O empobrecimento da experincia na verdade o engessamento da prpria

    capacidade de pensar.

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

    255

    Saber e Conhecimento

    necessrio, portanto, pensar o pensamento, voltar o olho sobre o olho que olha. Isso

    implica, no que concerne ao campo de atuao da educao repensar a prpria idia de

    formao. Ou seja, preciso entender a formao no como instruo, como sendo a mera

    transmisso de um conhecimento j disponvel, mas como o modo de produo de sujeitos

    produtores de conhecimento, original, no arbitrrio e nem arbitrado.

    A educao no s processo, mas produto de um determinado grupo social, situado

    geogrfica e historicamente; ela resulta de um conjunto de representaes simblicas e

    lingsticas compartilhadas socialmente. Ela deve intentar, portanto, ao estabelecimento de

    uma conscincia aguda sobre a histria e sobre o papel de cada indivduo na mesma. Ela

    deve despertar para a possibilidade da mudana, da revoluo. Educar , por certo, intervir,

    e tal interveno se inicia justamente na esfera da cognio, do pensamento propriamente

    dito, de um pensar que no se restringe uma determinao nominal e funcional do mundo,

    das coisas que busca to s engessar, uniformizar e sacralizar o conhecimento, mas no pendor verdade, expresso na tentativa de captao do fluxo das coisas, de conexo das

    idias realidade emprica. Isso explica, com efeito, porque Benjamin se interessou

    sobremaneira pela atividade dos artistas e das crianas (DANGELO, 2006, p.28). No obstante, educao cabe, ainda, a tarefa de re-conhecer ou fazer ser reconhecida

    a sabedoria que a histria produziu, saber que se plasma, como sabido, nos artefatos

    culturais de uma sociedade em particular. Benjamin (1994b) sinalizou a obra de arte como

    sendo esse arcabouo de saber, isso porque, para ele, na produo cultural de uma poca e

    de um grupo determinado que se podem encontrar expressas as tenses histricas presentes

    no mesmo9. Na obra de arte est gravada, para o filsofo em questo, a prpria

    possibilidade de redeno da histria; ela , em outras palavras, a tentativa de recuperao

    pela memria (rememorao) da origem da experincia da tradio, aquilo mesmo que

    constitui a sua aura. A obra mantm atualizado um saber passado. Isso ela exemplifica.

    Assim sendo, no seria por intermdio de uma espcie de reformulao do que se

    entende por educao a tarefa do que poderamos considerar um pensamento artista para

    uma docncia artista? Seria possvel para um novo saber da educao criar um espao para

    a produo de conhecimento e no apenas um espao de sua transmisso, de um

    conhecimento capaz de catapultar o indivduo para um futuro que leve consigo o seu

    passado de um passado que contm a inconformidade para com a injustia, a violncia, a misria e opresso? Essas condies especificamente polticas da educao que devem

    reger no apenas as atividades que lhe devm, mas de todo o tecido social no qual se

    desenvolver sua ao pedaggica (SEVERINO, 1994, p.40).

    Para Benjamin, como bem nos lembra Martha DAngelo (2006, p.34) a educao verdadeira a que envolve reciprocidade, mesmo, ou talvez sobretudo, quando se trata de

    idades e culturas diferentes; tal reciprocidade opera, tambm, de modo histrico, temporal. Para Benjamin, como pudemos observar, o passado deixa de ser algo morto, sem vida, quando o historiador conecta passado e presente e reabilita os acontecimentos soterrados

    pela histria oficial. Para isso, preciso construir uma nova memria. Trata-se, portanto,

  • MARCELO DE ANDRADE PEREIRA

    256

    de um processo de jovializao do pensamento passado, de recuperao de seu vio, de sua

    esperana.

    Ademais, jovializar o pensamento implica recuperar o nimo do conhecimento da

    experincia e da experincia do conhecimento, para pensar o mais alargadamente possvel.

    Jovializar o pensamento significa ter capacidade de inventar, de propor novas

    possibilidades de sentir, de afetar e ser afetado; possibilidade mesma de criar e comunicar

    novos sentidos, novos significados, novas direes. Jovializar o pensamento refere, ao fim e

    ao cabo, ter capacidade de fazer polmica por conta prpria mpeto de um jovem que no hesita em destruir preconceitos e que no raro manda tudo ...

    Que se mantenha, entretanto, a cabea sob as nuvens e os ps sobre a terra!

    Notas

    1 Encabeado por Gustav Wyneken, o Jugendbewegung foi um movimento reformista educacional, da segunda dcada do

    sculo XX na Alemanha, que pretendia, conforme Ktia Muricy, a transformao radical da sociedade e da cultura pela ao de uma juventude esclarecida. (1999, p.37). Isso corresponde, num certo sentido, a uma espcie de renascimento da cultura alem, orientado pelo desenvolvimento do esprito. Esta idia revela a influncia do romantismo e do

    idealismo alemo sobre este movimento que via na histria o autoconhecimento da natureza como progresso do esprito. (Muricy, 1999, p.39). As idias de Wyneken, assim como as de Benjamin, foram publicadas na revista Der Anfang [O comeo], editada por Georg Barbizon e Siegfried Bernfeld. (Scholem, 1989).

    2 Benjamin se situa cronologicamente entre as duas guerras mundiais. Isso explica o tom catastrfico com que hora o

    filsofo alemo encara a histria. De modo geral, o estado que o rege a melancolia, a acedia do corao, fruto da

    percepo da morte e da destruio de todas as coisas, inclusive as idias. A guerra define o sentimento por intermdio

    do qual Benjamin l a histria, o luto. Ela no , no entanto, seu tema salvo alguns textos que tratam diretamente da questo.

    3 Como assinala Gershom Scholem, Benjamin rejeitava o ambiente de onde provinha, o da burguesia assimilada judaico-

    alem; pretendia com isso, manter uma atitude positiva com relao metafsica. De acordo com Scholem, isso era um

    imperativo na busca da meta intelectual do jovem Benjamin que era o de renovar a cultura alem, isto , o esprito

    alemo, atravs da jovialidade, o que parecia garantir, pelo menos naquele momento, um recomeo criativo. (Scholem, 1989).

    4 De acordo com ngela Mendes de Almeida, aps a queda de Bismarck primeiro-ministro do rei da Prssia em 1890, a Alemanha conheceu um novo e poderoso surto industrial que terminou por concluir a transformao total do perfil econmico e social do pas, que desde 1850 crescia vertiginosamente. (1999, p.08). Durante a segunda metade do sculo XIX a Alemanha passou por um rpido processo de industrializao, que causou, entre muitas coisas, um

    crescimento populacional e o aumento do peso da indstria, os quais acarretariam, por sua vez, a formao de uma classe operria numericamente compacta e concentrada em indstrias ento modernas, nos ramos da siderurgia, qumica

    e eletrnica. Parafraseando a autora, sob a liderana do Partido Social Democrata, a classe operria alem adquiriu sua fora durante as ltimas dcadas do sculo XIX at 1914, fora essa que no resultou apenas de conquistas econmicas

    e sociais, mas tambm polticas. (de Almeida, 1999, p.09). 5 Por gnosiolgico entenda-se a totalidade do conhecimento. Ademais, vale ressaltar que o Jugendbewegung, como

    tributria de toda uma filosofia romntica, haveria de buscar justamente uma unidade da cultura com a natureza. O

    sentido do gnosiolgico aqui remete, por sua vez, a essa noo. 6 Poder-se-ia dizer que o prprio problema da experincia remete ao da percepo. Vale mencionar que em um ensaio

    intitulado A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Tcnica Benjamin deixa bastante clara esta relao,

    demonstrando que a degradao da experincia (Erfahrung) entrevista no desaparecimento da aura na obra de arte

    incorre numa crise da percepo. (Benjamin, 1994b). 7 Como afirma Osborne, o materialismo histrico o nome de uma doutrina da qual o comunismo a tradio, sem dela

    denotar, contudo, nenhuma interpretao particular, imutvel ou conclusiva. (1997, p.83).

  • Juventude, Experincia e Conhecimento em Walter Benjamin

    257

    8 Conforme Giorgio Agamben, a concepo do tempo como algo homogneo e vazio adjetivos recorrentes no texto benjaminiano deriva basicamente da compreenso da histria como um processo estruturado de antes e depois, tempo retilneo e uniforme, sem finalidade ou sentido algum. Na era moderna a percepo do tempo como algo mecnico

    condicionada pela experincia do trabalho. (Agamben, 2005). 9 Na obra de arte se encontraria prescrita, de acordo com Benjamin (1994b), a experincia em seu estado puro, sua

    quintessncia: a sabedoria como sendo o conhecimento do tempo fora do tempo cristalizado em imagens artisticamente

    produzidas.

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    Correspondncia

    Marcelo de Andrade Pereira: Professor do Centro de Educao, da UFSM; Membro do GETEPE/UFRGS;

    Coordenador do FLOEMA - Ncleo de estudos em esttica e educao da UFSM.

    E-mail: [email protected]

    Texto publicado em Currculo sem Fronteiras com autorizao do autor.