PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da...

59
Ana Rosa Cloclet da Silva Fernando Nicolazzi Mateus Pereira organizadores CONTRIBUIÇÕES À HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA LUSO-BRASILEIRA HUCITEC EDITORA FAPEMIG São Paulo, 2013

description

Este estudo é uma reflexão sobre quatro notas de rodapé.José Honório Rodrigues, em História da História do Brasil(1979), nas notas de um a quatro do “Prefácio”, elencouquatro textos inaugurais da história da história brasileira, por serem,em sua visão, as primeiras análises críticas da produção historiográficabrasileira: “Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro” (1878), de João Capistrano de Abreu,Os historiadores do Brasil no século XIX (1927), de Alcides Bezerra,“Os estudos históricos no Brasil” (1951), de Astrogildo Rodriguesde Mello, e “O pensamento histórico no Brasil nos últimoscinquenta anos” (1951), de Sérgio Buarque de Holanda.

Transcript of PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da...

Page 1: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

Ana Rosa Cloclet da SilvaFernando Nicolazzi

Mateus Pereiraorganizadores

CONTRIBUIÇÕESÀ HISTÓRIA

DA HISTORIOGRAFIALUSO-BRASILEIRA

HUCITEC EDITORAFAPEMIG

São Paulo, 2013

Page 2: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

8

© 2012, da organização, deAna Rosa Cloclet da Silva

Fernando NicolazziMateus Pereira.

© desta edição daHucitec Editora

Rua Águas Virtuosas, 32302532-000 São Paulo, SP.

Telefone (55 11 5093-0856)www.huciteceditora.com.br

[email protected]

Depósito Legal efetuado.

Coordenação editorialMARIANA NADA

Assessoria editorialMARIANGELA GIANNELLA

Circulaçã[email protected] / [email protected]

Tel.: (11)3892-7772 – Fax: (11)3892-7776

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIPElaboração de Carmen Campos Arias Paulenas CRB-8a/3068

Contribuições à história da historiografia luso-brasileira / or-ganizado por Ana Rosa Cloclet, Fernando Nicolazzi, MateusPereira. São Paulo: Hucitec/Belo Horizonte: Fapemig, 2013.463p. (Estudos históricos, 85)

ISBN: 987-85-64806-50-5

1. História – Século XIV 2. História – Século 18 3. História– Século XIX 4. História – Século XX 5. Historiografia –Portugal – Brasil 6. Naturalismo – História e Crítica 7.Modernismo – História e Crítica I. Silva, Ana Rosa Cloclet da,org. II. Nicolazzi, Fernando, org. III. Pereira, Mateus, org. IV.Série.

Page 3: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

17

MUTAÇÕES DO CONCEITO MODERNO DEHISTÓRIA? UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃODA CATEGORIA “HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA”

A PARTIR DE QUATRO NOTAS DE RODAPÉ(1878-1951)

PEDRO AFONSO CRISTOVÃO DOS SANTOS

MATEUS HENRIQUE DE FARIA PEREIRA*

* Agradecemos aos membros do Núcleo de Estudos de História da His-toriografia e Modernidade (Nehm) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)pela interlocução e convivência. De algum modo, este texto pretende contribuir paraos nossos debates. Apoio: Fapemig, Fapesp e CNPq. Todas as traduções de obrasoriginais em francês e inglês são de nossa responsabilidade. Agradecemos a leitura eas sugestões de Rebeca Gontijo, Fábio Faversani, Valdei Lopes de Araujo e SérgioRicardo da Mata.

Se a Historiografia é a arte de escrever a História ou es-tudo sobre as obras históricas, se é o conjunto das obrasde História, uma história da historiografia brasileira deveser o estudo dos livros que já se escreveram sobre a Histó-ria do Brasil. Trata-se, portanto, de exame de obras ela-boradas, não de documentos. [. . .] o problema prelimi-nar que a elaboração do roteiro de uma historiografiaapresenta é o de delimitar o campo (Francisco Iglésias,1972).

Esboça-se aqui, segundo defendo, um projeto para a his-toriografia como campo de investigação, que articulapolítica, cultura histórica e uma história das formas delembrar-se (Manoel Luiz Salgado Guimarães, 2007).

Este estudo é uma reflexão sobre quatro notas de rodapé.José Honório Rodrigues, em História da História do Brasil(1979), nas notas de um a quatro do “Prefácio”, elencou

quatro textos inaugurais da história da história brasileira, por serem,em sua visão, as primeiras análises críticas da produção historio-gráfica brasileira: “Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen,

Page 4: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

18

Visconde de Porto Seguro” (1878), de João Capistrano de Abreu,Os historiadores do Brasil no século XIX (1927), de Alcides Bezer-ra, “Os estudos históricos no Brasil” (1951), de Astrogildo Rodri-gues de Mello, e “O pensamento histórico no Brasil nos últimoscinquenta anos” (1951), de Sérgio Buarque de Holanda.1 Preten-demos partir da sugestão de Rodrigues e estudar esses quatro tex-tos, por considerarmos não apenas sua validade bibliográfica (comotextos “pioneiros”, na expressão do autor), mas sua relevância emfunção do momento em que estão inseridos: o intervalo de poucomais de setenta anos que presencia tanto o surgimento dos cursosde história nas universidades, como a produção de uma históriaconsiderada “moderna”, no Brasil, que teve em Capistrano deAbreu um de seus expoentes.

Estes quatro textos não serão vistos como fundadores de uma“história da historiografia brasileira”, ou como os primeiros a de-finirem essa categoria, pois a natureza específica de cada um e sualimitada repercussão não o autoriza. Seu valor está, acreditamos,nos indícios que fornecem a respeito de um pensar a história dahistoriografia brasileira neste momento, do final do século XIX,primeira metade do século XX. Como esses autores, os dois últimosjá historiadores “profissionais”, no contexto das universidades,definiram o que fazia ou não parte da historiografia brasileira?Como nomearam esse “campo”? Utilizaram a categoria “historio-grafia”? Como pensaram a história enquanto ciência? Estabelece-ram “precursores”, autores que poderiam servir de exemplo às ge-rações futuras? Procuraram fundar uma memória da escrita dahistória no Brasil (ou demonstraram a já existência dessa memó-ria)? Definiram uma agenda para a historiografia contemporâneaa eles? Os quatro textos que tomamos aqui como objeto não se-rão, portanto, vistos como canônicos, textos que estiveram à mesade todos os historiadores da historiografia brasileira nas décadasseguintes. São, entretanto, indiciários de questões talvez impercep-tíveis a seus autores, mas que dizem respeito a uma tarefa funda-

1 José Honório Rodrigues. História da História do Brasil. Primeira parte:Historiografia colonial. 2.a ed. São Paulo: Nacional, 1979, pp. XV-XVI (a primeiraedição é também de 1979).

Page 5: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

19

mental naquele período, ainda que por vezes implícita: definir oque constitui a escrita da história no Brasil, e como compreendê--la, justificá-la e legitimá-la, historizando-a.

Vale dizer, inicialmente, que José Honório Rodrigues valeu--se de um critério em que a historiografia, entendida como histó-ria da escrita da história e não apenas como escrita da história,aparecesse “autonomamente”, para justificar a seleção destes tex-tos.2 Isso porque o que Rodrigues entende por “historiografia bra-sileira” já havia sido contemplada nas Histórias da Literatura Bra-sileira, desde o século XIX, como é o caso, por exemplo, das obrasde Sílvio Romero (1888) e José Veríssimo (1916), nas quais a “his-tória” aparecia dentro das divisões da literatura.3 Com efeito, JoséHonório procurou afastar das histórias da literatura o estudo dahistoriografia, pois naquelas, segundo ele, imperaria um critérioformal e estilístico, em contraposição a uma abordagem centradanas especificidades da disciplina histórica. Para o autor, “o estudoda historiografia representa, assim, a libertação da disciplina da

2 Bem como de um critério que considerasse apenas textos produzidos porautores brasileiros sobre a história da história brasileira, deixando de lado artigoscomo os de M. Émile Coornaert, “Aperçu de la production historique récente auBrésil”, e Henri Hauser, “Notes et réflexions sur le travail historique au Brésil”,presentes na análise dos balanços da historiografia brasileira anteriores a 1969 rea-lizada em Fábio Franzini & Rebeca Gontijo. “Memória e história da historiografiano Brasil: a invenção de uma moderna tradição, anos 1940-1960”. In: Rachel Soihet,Maria Regina Celestino de Almeida, Cecília Azevedo & Rebeca Gontijo (orgs.).Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civili-zação Brasileira, 2009, pp. 141-60.

3 Sílvio Romero inclui “História”, e “Historiadores”, dentro da categoria“Prosa”, enquanto Veríssimo inclui análises de historiadores dentro das divisões daliteratura em geral (Pereira da Silva e Varnhagen, por exemplo, aparecem no capítu-lo X, “Os próceres do romantismo”). Utilizamos as seguintes edições dessas obras:Sílvio Romero. História da literatura brasileira. 6.a ed., org. e pref. por NelsonRomero; 1.a ed.: 1888. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. José Veríssimo. Históriada literatura brasileira, de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Intro-dução de Heron de Alencar. 4.a ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1963.Primeira ed.: 1916. Também podem ser considerados como estudos pioneiros dehistória da história não considerados por José Honório Rodrigues o texto “A AcademiaBrasílica dos Esquecidos. Estudo histórico e literário”, de Joaquim Caetano FernandesPinheiro, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t.XXXI, pp. 5-32, de 1868, e t. XXXII, pp. 53-70, de 1869 e a apreciação contida emO que se deve ler para conhecer o Brasil, de Nelson Werneck Sodré (primeira edição:Rio de Janeiro: Leitura, 1945), em que há a seção “Estudos históricos”.

Page 6: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

20

história literária”. Rodrigues ainda afirma que a história da histórianunca havia tido um tratamento independente no mundo de línguaportuguesa, pois “era na história da literatura, único ramo de histo-riografia intelectual exercido no Brasil e em Portugal, que se bus-cava, e se encontrava a análise e crítica da evolução do pensamen-to e da forma do escrito histórico”.4

O surgimento de abordagens independentes da historiografiaem escritos do fim do século XIX, conforme identifica José Honó-rio, liga-se, assim, à afirmação da história como disciplina. Nessesentido, é sugestivo o apontamento de Valdei Lopes de Araujo,quando afirma que a história da historiografia “está entre as in-venções mais recentes do discurso histórico”. Para o autor, “a his-tória da historiografia [enquanto disciplina, pois como cogniçãojá existia] parece nascer junto com a consolidação da história comoum discurso autônomo no final do século XIX”.5 Para Horst WalterBlanke, a partir do final do século XVIII, início do XIX, a históriada historiografia passa a ser “caracterizada como uma competênciateórica. Historik e história da historiografia passam a constituirdois diferentes aspectos ou polos de uma reflexão metateórica”.6

4 Rodrigues, op. cit., p. XV.5 Valdei Lopes de Araujo. “Sobre o lugar da história da historiografia como

disciplina autônoma”. Locus (Juiz de Fora), vol. 12, n.o 1, pp. 79-94, 2006, p. 79.Para Araujo, uma história da historiografia entendida como cognição coincide coma modernização do discurso histórico. A isso, o autor denomina de emergência deuma “consciência historiográfica”, que não coincide com a disciplinarização, embo-ra seja uma das condições para ela. Ver, também, Valdei Lopes de Araujo. “Cairu e aemergência de uma consciência historiográfica no Brasil (1808-1830)”. In: LuciaMaria Bastos Pereira das Neves et alii. Estudos de historiografia brasileira. Rio deJaneiro: FGV, 2011. Um importante panorama sobre a história da historiografiapode ser visto em Rogério Forastieri da Silva. História da historiografia: capítulospara uma história das histórias da historiografia. Bauru: Edusc, 2001.

6 Horst Walter Blanke. “Para uma nova história da historiografia”. In: JurandirMalerba. A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contex-to, 2006, p. 28. Conforme nos chamou a atenção Rebeca Gontijo, Horst WalterBlanke localiza no Iluminismo o início da história da historiografia. O próprio Blanke,entretanto, aponta que “A história da historiografia é uma atividade nova” (p. 27).Fernando Nicolazzi, em debate realizado em dezembro de 2010 na UniversidadeFederal de Ouro Preto, procurou mostrar que pelo menos desde o humanismo há umareflexão sobre a produção histórica e sustenta que a afirmação de um campo autôno-mo para a história da historiografia responde mais a lógicas políticas, institucionaise pedagógicas do que a distinções e especificidades epistemológicas e metodológicas.Agradecemos a F. Nicolazzi a consulta ao manuscrito desse debate.

Page 7: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

21

Pretendemos mostrar como, na passagem do século XIX para oXX, no Brasil, alguns autores brasileiros começaram a conceituara historiografia não mais como um capítulo da história da literatura(embora pudessem vê-la como uma parte da produção científicageral, tal qual se encontra em Alcides Bezerra).

Em nosso caso particular, trata-se de examinar em conjuntotentativas de pensar uma história da escrita da história no/do Brasil.O presente texto concorre para essa investigação analisando inicia-tivas, nestes textos citados nas quatro notas de José Honório Rodri-gues, de delimitar um “corpus documental” que constituiria essa“história da historiografia brasileira” — bem como a forma pelaqual cada autor optou por denominar essa unidade. Procuraremos,assim, o(s) campo(s) que cada autor abriu com sua conceituação,assim como os campos que tenham sido, na mesma operação, fecha-dos. Nesse sentido, veremos que “historiografia brasileira”, nessestermos, só aparecerá em Sérgio Buarque de Holanda e, principal-mente, Astrogildo Rodrigues de Mello, ambos já professores uni-versitários de história. Veremos que a palavra e/ou categoria dehistoriografia não é sequer utilizada por Capistrano de Abreu eAlcides Bezerra. A definição da categoria (do nosso ponto de vista,intimamente ligada ao conceito de história) que deveria indicar aunidade das obras produzidas em história do Brasil ao longo dotempo, como também procuraremos demonstrar, envolve a delimi-tação de fronteiras e interfaces, tendo a análise sociológica comoobjeto de confronto (positiva ou negativamente), mais do que ahistória da literatura, como supunha José Honório Rodrigues.

Pretendemos, assim, compreender dimensões do processo loca-lizado em fins do século XIX e na primeira metade do século XXque possibilitou pouco a pouco concentrar em uma nova “catego-ria” — Historiografia Brasileira — a identidade do fazer histórico,bem como a reflexão sobre este saber. Esta categoria condensariaas tentativas de abordagem da história da história a partir da metadedo século XX. A título de exemplo, Francisco Iglésias, na epígrafedeste texto, procura definir “historiografia brasileira”, no Encon-tro Internacional de Estudos Brasileiros. I Seminário de EstudosBrasileiros, realizado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) daUniversidade de São Paulo, em 1971, que teve seus Anais publicados

Page 8: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

22

em 1972.7 Veremos que nossos autores, consciente ou inconscien-temente, depararam-se com questões semelhantes.

I

Quase ao final do “Necrológio de Francisco Adolfo de Var-nhagen”, publicado em duas partes no Jornal do Commercio, Ca-pistrano de Abreu8 procura dar a dimensão da importância daobra historiográfica do Visconde de Porto Seguro, posicionando-oem relação a outros autores, e construindo, sumariamente, umahistória da historiografia brasileira:

7 Iglésias ainda salienta que “Na verdade, historiografia é uma obra de Histó-ria, um escrito de natureza histórica. Impõe-se a palavra historiografia, uma vez quea palavra História é muito ambígua, por ser tanto referência ao acontecimento comosua reconstituição em livro”. Iglésias debate, aqui, com Alice Piffer Canabrava,responsável por abrir os trabalhos da seção de História do Encontro com um Roteirosucinto do desenvolvimento da historiografia brasileira, em que optou por incluirtextos como a Carta de Caminha, além de crônicas, relações, entre outros, que for-mam, segundo Iglésias, “o imenso material de que se serve o historiador, mas não éhistoriografia”. Porém, Iglésias acaba por concordar com a opção de Canabrava, jáque “Em sentido severo, pois, o largo período de trezentos anos daria poucos títulos”(Anais do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário de EstudosBrasileiros. São Paulo: IEB, 1972, pp. 22-5). Para resolver esta “ambiguidade” Arós-tegui, deixando de lado a história das disciplinas e dos conceitos, propõe que a dis-ciplina histórica seja renomeada de “ciência historiográfica” que se relacionaria semse confundir com a história da historiografia, teoria da história e teoria da historio-grafia. Ver Julio Aróstegui. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc,2006. Ver, também, dentre outros, Fernando A. Novais. “Problemática da historiografiabrasileira”. In: José Jobson Arruda & Luís Adão da Fonseca (orgs.). Brasil-Portugal:história, agenda para o milênio. Bauru-São Paulo: Edusc-Fapesp; Portugal: ICCTI, 2001,pp. 571-82, e Valdei Lopes de Araujo & Fernando Nicolazzi. “A história da histo-riografia e a atualidade do historicismo: perspectivas sobre a formação de um cam-po”. In: Valdei Lopes de Araujo [et al.] (orgs.). A dinâmica do historicismo: revisitandoa historiografia moderna. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008, pp. 7-14; Astor Antô-nio Diehl. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru: Edusc,2002; José Carlos Reis. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010.

8 A bibliografia e as fontes biográficas para João Capistrano de Abreu (1853--1927) são extensas. Apenas para localizá-lo no momento em que teve o “Necroló-gio” publicado: Capistrano chegara ao Rio de Janeiro há três anos, vindo do Ceará,seu estado natal. Foi brevemente empregado da Livraria Garnier, e escrevia artigospara a imprensa, com destaque para outro necrológio, o de José de Alencar, escrito epublicado em 1877. Foi ainda professor em colégio particular (o Colégio Aquino,onde lecionava português e francês). No ano seguinte ao de publicação do “Necro-lógio de Varnhagen”, Capistrano passaria em concurso para a Seção de Manuscritosda Biblioteca Nacional.

Page 9: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

23

[. . .] a obra de Varnhagen se impõe ao nosso respeito e exigea nossa gratidão, e mostra um grande progresso na maneirade conceber a historia pátria. Já não é a concepção de Gân-davo e Gabriel Soares, em que o Brasil é considerado simplesapêndice de Portugal, [. . .]. Não é a concepção dos cronistaseclesiásticos, que veem simplesmente uma província, [. . .].Não é a de Rocha Pitta, atormentado pelo prurido de fazerestilo, imitar Tito Lívio e achar no solo americano cenas querelembrem as que passaram na Europa. Não é a de Southey,atormentado ao contrário pela impaciência de fugir às socie-dades do Velho Mundo, visitar países pouco conhecidos, sa-ciar a sede de aspectos originais e perspectivas pitorescas, [. . .]Não. Varnhagen atende somente ao Brasil, e no correr de suaobra procurou sempre e muitas vezes conseguiu colocar-sesob o verdadeiro ponto de vista nacional.9

Nesse sucinto apanhado, Capistrano vai dos autores de his-tórias do Brasil do século XVI (Gândavo e Gabriel Soares — queescreveu, na realidade, roteiro e memorial) até Robert Southey, noinício do século XIX. O que entende, por conseguinte, por “estu-dos históricos”, termo que ele utiliza no “Necrológio”,10 tem a vercom a escrita de uma variedade de obras de viés “historiográfico”,isto é, contendo relatos históricos, tendo o Brasil como objeto;

9 Publicado originalmente no Jornal do Commercio, de 16 e 20 de dezembro de1878, e reproduzido em Apenso à Historia Geral ao Brasil, de Varnhagen, t. I, pp.502-8, 4.a ed., 1927; João Capistrano de Abreu. Ensaios e estudos: crítica e história,1.a série. Rio de Janeiro: Briguiet, 1931; João Capistrano de Abreu. Ensaios e estudos:crítica e história, 1.a série. 2.a ed. Rio de Janeiro-Brasília: Civilização Brasileira-INL,1975. Utilizamos a edição de 1931. A citação é das páginas 138-9. Todas as citaçõesem português tiveram a grafia atualizada. Em “Odisseias do conceito moderno dehistória”, analisamos, com outros objetivos, os textos “Necrológio de Varnhagen” e“O pensamento histórico no Brasil nos últimos cinquenta anos” (1951), nessa dire-ção, por uma questão de economia de espaço e do argumento, seremos mais breve naanálise destes dois textos. Ver Mateus H. F. Pereira & Pedro A. C. dos Santos.“Odisseias do conceito moderno de história: Necrológio de Francisco Adolfo deVarnhagen, de Capistrano de Abreu, e o pensamento histórico no Brasil nos últimoscinquenta anos, de Sérgio Buarque de Holanda, revisitados”. Revista do Instituto deEstudos Brasileiros, vol. 50, 2010, pp. 27-78.

10 “Sinais de renascimento nos estudos históricos já se podem perceber” (“Ne-crológio”, op. cit., p. 140).

Page 10: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

24

esse último, uma realidade espacial dada desde o Descobrimento.Varnhagen seria o primeiro a escrever uma história do Brasil quetivesse como razão de ser ela mesma, isto é, sem dever sua exis-tência a Portugal, ou à ordem religiosa do autor, ou a motivoscomo os de Rocha Pita e Southey. Mais do que isso, porém, Var-nhagen ergueu uma obra incontornável para o estudioso da histó-ria do Brasil; suas qualidades mereceriam figurar como atributospara esse estudioso, bem como seus defeitos devem permanecercomo alertas.

Entre suas qualidades, segundo Capistrano, Varnhagen podiagabar-se “de que um só fato não existia que não tivesse pessoal-mente examinado, ao passo que os fatos materiais por ele descober-tos, ou retificados, igualavam, se não excediam, aos que todos osseus predecessores tinham aduzido”.11 Capistrano caracteriza Var-nhagen como trabalhador possante, explorador incansável, trazendoà luz documentos importantes extraídos dos arquivos europeus,sendo fundamental seu trabalho de exposição factual. Entretanto,“Varnhagen não primava pelo espírito compreensivo e simpático,que, imbuindo o historiador dos sentimentos e situações que atra-vessa — o torna contemporâneo e confidente dos homens e aconte-cimentos. A falta de espírito plástico e simpático — eis o maiordefeito do visconde de Porto-Seguro”.12 Mais do que grande pes-quisador de arquivos, foi Varnhagen um precursor de novos temas.Porque ele, segundo Capistrano, “não se limitou a dar o rol dosreis, governadores, capitães-mores e generais; a lista das batalhas,a crônica das questiúnculas e intrigas que referviam no períodocolonial”.13

Portanto, Varnhagen superou uma forma de escrita da histó-ria que toca a superfície dos eventos e fixa-se nos grandes indiví-duos, para atingir aspectos mais abrangentes da vida social, indoalém da crônica. Vemos que, pelos temas destacados por Capistra-no, Varnhagen foi por ele definido como precursor para a própriahistória que o autor cearense viria a escrever. O estudo do território

11 Abreu. “Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen”, op. cit., p. 130.12 Ibidem, p. 138.13 Ibidem, pp. 136-7.

Page 11: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

25

e da população, marcas da produção capistraniana, destacadas tam-bém no texto de Sérgio Buarque de Holanda, que iremos abordar,é aqui remetido ao visconde de Porto Seguro.14

Contudo, Porto Seguro não tinha a “objetividade necessária”,e, mais do que isso, faltavam-lhe o atributo da compreensão e odomínio da sociologia contemporânea (ou seja, a sociologia oito-centista, de Comte e Spencer). A primeira lhe permitiria um relatomais “simpático” do processo histórico; não mais favorável, massim menos anacrônico. Por sua vez, a sociologia do século XIX, o“século de Comte e Herbert Spencer”,15 permitiria a Varnhagen oefetivo salto para além da superfície da história: o salto para seusegredo íntimo. “Inspirado pela teoria da evolução, [que o historia-dor que a possuir] mostre a unidade que ata os três séculos quevivemos. Guiado pela lei do consensus, mostre-nos o rationale denossa civilização, aponte-nos a interdependência orgânica dos fenô-menos, e esclareça uns pelos outros”;16 pede Capistrano ao fim do“Necrológio”, ao indicar como deve proceder o historiador queassumir o lugar de Varnhagen na tarefa de escrever uma históriageral do Brasil.

Capistrano lamentava que Varnhagen desconhecesse o corpode “doutrinas criadoras”, as quais, nos últimos anos, denomina-vam-se “sociologia”. “Sem esse facho luminoso, ele não podia vero modo por que se elabora a vida social. Sem ele as relações queligam os momentos sucessivos da vida de um povo não podiamdesenhar-se em seu espírito de modo a esclarecer as diferentes fei-ções e fatores reciprocamente”.17 Para Capistrano, seria necessária,assim, uma teoria, no caso a sociológica, para interpretar o passadoem sua singularidade, manifestada por meio dos fatos, ou, talvez,revelar a sua “evolução” orgânica e necessária. Conforme veremos,

14 Para a questão do território em Capistrano, e mesmo sua relação, nesseponto, com Varnhagen, cf. Daniel Mesquita Pereira. Descobrimentos de Capistrano.A história do Brasil a “grandes traços e largas malhas”. Doutorado em HistóriaSocial da Cultura. Rio de Janeiro: Departamento de História da Pontifícia Universi-dade Católica do Rio de Janeiro, 2002.

15 Ibidem, p. 140. Interessante é que Capistrano denomina o autor dessa novahistória de “nobre pensador”, ao final do “Necrológio” (pp. 140-1).

16 Ibidem, p. 140.17 Ibidem, p. 139.

Page 12: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

26

a “sociologia”, direta ou indiretamente, também é invocada pelosdemais autores que analisamos como um instrumento e como umadisciplina capaz de dar à história um caráter mais reflexivo. Pro-cura-se dar continuidade ao processo de superação da história comogênero literário,18 abraçando uma pretensão científica de conheci-mento do passado. Capistrano, que nesse momento de sua trajetó-ria intelectual ainda refletia largamente nos termos do positivismocomtiano e do spencerianismo, chega mesmo a falar nas ações efatos da história “como consequências e demonstração de duas outrês leis basilares”.19

Capistrano propõe uma agenda para os autores de estudoshistóricos de seu tempo, que mescla elementos da crítica literária(nacionalismo e empatia, por exemplo), com a defesa do uso dasociologia de seu tempo — que implica uma noção de cientificidademarcada pela elaboração de leis e/ou generalizações de amplo al-cance. Do ponto de vista de nosso problema central, interessa notarque sua avaliação de Varnhagen o posicionou em relação aos au-tores de obras com algum viés historiográfico desde o século XVI,além de colocar a dívida que os historiadores contemporâneos te-riam com o visconde de Porto Seguro. Capistrano, na realidade,projeta também o lugar de Varnhagen no futuro.20 Seu “Necroló-gio”, assim, nos mostra Varnhagen em relação ao passado, o pre-sente e o futuro dos “estudos históricos” no Brasil. Essa últimacategoria abarca, portanto, uma unidade que vem desde Gândavoe Gabriel Soares, e permite a quem analisa seu corpus enxergar asdemandas particulares de cada autor, em cada momento, obser-vando simultaneamente as tarefas e responsabilidades do momen-to presente a esse observador.

18 Embora, como nos chamou a atenção Valdei Lopes de Araujo, o juízo deVarnhagen por Capistrano ainda deva muito aos preceitos literários, em particulardo romantismo, em questões como o “ponto de vista nacional” e a falta de empatia(vista negativamente) de Varnhagen.

19 Ibidem, p. 140.20 Como o responsável pela reunião dos elementos que servirão à elevação do

edifício de uma história do Brasil científica, informada pela sociologia.

Page 13: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

27

II

O texto de Alcides Bezerra21 que agora analisamos é umaconferência, proferida no Centro de Cultura Brasileira,22 no dia 5de agosto de 1926. Seu trabalho ali seria tratar dos “historiadoresdo Brasil” no século XIX em quinze minutos. Bezerra optou porexcluir os historiadores vivos (de modo que Capistrano de Abreunão estará contemplado, entre outros), mas incluir os historiado-res estrangeiros que tivessem escrito sobre o Brasil. Isto pois consi-dera a ciência brasileira, bem como a história, “subordinadas àciência e à história da Europa. Nós brasileiros não podemos fazerciência brasileira, mas colaborar na constituição da ciência da civi-lização a que pertencemos”.23 De partida, temos a história vincu-lada à ciência (europeia), não à literatura.

21 João Alcides Bezerra Cavalcanti (1891-1938), natural de João Pessoa, naParaíba, bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1911. Foi procuradorda República, promotor público adjunto da Capital, promotor público de Catolé doRocha, inspetor geral do Ensino, secretário da Imprensa Oficial, deputado estadualna legislatura 1920-1923, e diretor do Arquivo Nacional de 1922 até 1938, quandofaleceu. Presidiu a Academia Carioca de Letras e a Sociedade dos Amigos de AlbertoTorres; era membro dos Institutos Históricos de São Paulo, Pará, Paraíba e Ceará; daSociedade Brasileira de Geografia, da Sociedade Brasileira de Filosofia e da Socieda-de Capistrano de Abreu. Entre suas obras publicadas, estão: Ensaios de crítica efilosofia, Paraíba, 1919; A Confederação do Equador. Rio de Janeiro: Arquivo Nacio-nal, 1925; Ensaio biográfico de Marcílio Dias. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional,1928; A evolução científica do direito. Rio de Janeiro: Ed. Biblos, 1933; A filosofia nafase colonial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1935; Sílvio Romero, o pensador eo sociólogo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1935; Achegas da história da filoso-fia. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1936; Biografia histórica do I Reinado àMaioridade. Rio de Janeiro, 1936; O visconde Cairu — vida e obra. Rio de Janeiro:Arquivo Nacional, 1937. Informações em <http://www.ihgp.net/memorial2.htm>;acesso em 7-2-2010.

22 Agremiação fundada no Rio de Janeiro pelo escritor Adelino Magalhães,orientada por um programa nacionalista. Sobre Magalhães, cf. Stela de CastroBichuette. “Sebastianópolis, ou o Rio de Janeiro em vários tons”. História em refle-xão. Revista Eletrônica de História, vol. 2, n.o 4, UFGD, Dourados, jul.-dez. 2008;acesso em 27-9-2010.

23 Alcides Bezerra. Os historiadores do Brasil no século XIX. Rio de Janeiro:Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, 1927. Separata do Relatório anual da Dire-toria do Arquivo Nacional referente a 1926, apresentado ao Ministério da Justiça eNegócios Interiores, p. 3. Como consta na nota biográfica acima, Bezerra era odiretor do Arquivo Nacional quando dessa publicação. Manuel Bomfim, por exem-

Page 14: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

28

Percebendo a história como, de forma correlata à ciência emgeral, um campo construído coletivamente por uma civilização, enão restrita a um critério nacional, Alcides Bezerra procede à divisãode seu texto entre as “contribuições” das diversas nacionalidades àescrita da história do Brasil. Ao repassar as “contribuições”, Bezer-ra fará quase uma bibliografia comentada, exaltando os autoresque, em seu juízo, contribuíram valorosamente para a escrita dahistória do Brasil, separando-os dos cronistas, dos historiadoresque apenas se valiam dos trabalhos de outros e dos que produziramobras marcadas por inexatidões e falta de profundidade teórica.Definindo os critérios para uma historiografia de valor, Bezerraafirma atributos de uma disciplina, mais que de um gênero literáriodentro da prosa, como pensavam Sílvio Romero e José Veríssimo.

Esses critérios, entretanto, em Alcides Bezerra, são de difícildeterminação. Em vários momentos, o autor utiliza juízos de ter-ceiros para descrever os historiadores que analisa, em procedimen-to que pode denotar o reforço de uma tradição, de uma memóriajá constituída a respeito dos autores analisados. O primeiro histo-riador a ser destacado por Bezerra, o inglês Robert Southey, porexemplo, é descrito nas palavras de Manuel de Araújo Porto Ale-gre, do IHGB, e de historiadores da literatura, no caso, EdmundoGosse (Littérature anglaise) e Brandes (Die Hauptströmungen desLitteratur des 19. Iahrhunderts). Mas Southey recebe de Bezerraum juízo que talvez ajude, se não a compreender plenamente, aomenos a nomear o que o autor procura: “Quem primeiro se ocupouda história do Brasil com espírito científico foi o ilustre poeta in-glês Robert Southey”.24 É interessante observar que Capistranofaz a defesa de um “espírito plástico e simpático”, alimentadopelo facho luminoso da sociologia; ao passo que Bezerra defendelogo no início de sua reflexão o “espírito científico”.

No que consistiria esse espírito científico, não se esclarece naparte referente ao próprio Southey. Na seção “Contribuição ingle-

plo, escrevendo também nos anos 1920, também pensa a História do Brasil comoparte da história da civilização; cf. Rebeca Gontijo. “Manoel Bonfim, «pensador dahistória» na Primeira República”. Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 23,n.o 45, pp. 129-54, 2003.

24 Ibidem, p. 4, grifo nosso.

Page 15: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

29

sa”, é possível entrever em que ele não consiste. A falta de valor deum autor como James Henderson (A history of the Brazil. Lon-dres, 1821), o expressa: “é mero compilador de Ayres de Casal”.25

Bezerra mostra, ao longo do texto, intolerância semelhante comoutros autores cujo trabalho não passaria da compilação de tercei-ros; trabalho que, desse modo, não traria nenhuma contribuição àciência e à pesquisa documental, não trazendo nada de novo nocampo dos fatos, nem acrescentando a um esquema interpretativoque ordenasse e desse sentido à massa factual da história do Brasil.

A respeito do segundo historiador britânico a ter deixado,no século XIX, uma contribuição importante, em sua visão, paraa história brasileira, Bezerra tem mais a dizer. Segundo o autor, otrabalho de John Armitage era “bem informado”, por testemunhoe fontes. Armitage foi objetivo e sincero, mas também um retratis-ta de talento, elaborando elegantes e precisos perfis. Une-se a obje-tividade da ciência à arte, nesse caso.

É notável o pouco espaço concedido à “Contribuição fran-cesa” no texto de Bezerra, estendendo-se brevemente em autorescomo Ferdinand Denis e Saint-Hilaire. A contribuição portuguesatambém não o detém muito, com destaque para os elogios a Oli-veira Martins.26

Na seção seguinte, entretanto, é que parece estar a mais altacontribuição europeia à historiografia do Brasil no século XIX, a

25 Ibidem, p. 5. A questão da compilação de outros autores, e mesmo doplágio, tem no caso brasileiro uma polêmica importante, envolvendo o Compêndioda História do Brasil (1843) de José Inácio de Abreu e Lima, e o parecer negativo quelhe foi dado, para o IHGB, por Francisco Adolfo de Varnhagen. Um dos principaismotivos de Varnhagen para não recomendar a obra de Abreu e Lima foi este terusado uma história do Brasil do francês Beauchamp, que seria plagiário de RobertSouthey. O parecer de Varnhagen está em “Primeiro juízo submetido ao InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro pelo seu sócio Francisco Adolfo de Varnhagen,acerca do «Compêndio da História do Brasil» pelo Sr. José Ignacio de Abreu e Lima”.Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. VI, 1844. Sobre oCompêndio, cf. Selma Rinaldi de Mattos. Para formar os brasileiros: o Compêndioda história do Brasil de Abreu e Lima e a expansão para dentro do Império do Brasil.Doutoramento. São Paulo, FFLCH/USP, 2007. Bruno Franco Medeiros discute aquestão do plágio no século XIX, a partir do caso de Beauchamp; Bruno FrancoMedeiros. “Alphonse de Beauchamp e a história do Brasil: escrita da história, quere-las historiográficas e leituras do passado no oitocentos”. Almanack Braziliense. SãoPaulo, n.o 11, pp. 131-8, maio 2010.

26 Ibidem, p. 8.

Page 16: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

30

contribuição alemã. A atenção dada à produção desse país, supe-rando, em importância, as demais, já deve ser indicativa de umamudança no panorama da cultura brasileira, mudança essa inicia-da pela própria geração de 1870, com Tobias Barreto, e que afetouCapistrano de Abreu especialmente. Capistrano, nos anos seguin-tes ao “Necrológio” que analisamos, afastou-se de autores comoSpencer e Comte, que cita naquele texto, para se aproximar daprodução alemã, em especial da escola histórica de economia polí-tica, de expoentes como Karl Bücher e Gustav Schmoller.27 Alémdisso, a primazia dada à historiografia alemã talvez ateste a ten-dência de associá-la ao início de uma historiografia verdadeiramentecientífica, pautada por procedimentos metodológicos rigorosos.28

Alcides Bezerra aponta, como contribuições de alto valor, as deKarl von Martius e de Heinrich Handelmann. São autores que nãosão, entretanto, comumente associados à escola rankiana. Martiusé citado por Como se deve escrever a história do Brasil (1843),memória vencedora de concurso do IHGB. Nela, “revelando grandeconhecimento do nosso passado, lançou a divisão das regiões na-turais geográficas, que acondicionaram os horizontes históricosbrasileiros”.29 E, segundo Bezerra, “Coube a Handelmann realizaro plano de Martius”, do que resultou a “melhor história do Brasilque se conhece”.30

Heinrich Handelmann parece ter sido relativamente pou-co conhecido dos autores brasileiros de fins do século XIX, co-meços do XX (mesmo de Capistrano, embora lesse muito em

27 Sobre Capistrano e o historismo alemão, cf. Arno Wehling. “Capistrano deAbreu: a fase cientificista”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,n.o 311, pp. 43-91, 1976, e os textos introdutórios de José Honório Rodrigues àcorrespondência do autor; João Capistrano de Abreu. Correspondência de Capistranode Abreu, vol. I. 2.a ed. Edição organizada e prefaciada por José Honório Rodrigues.Rio de Janeiro-Brasília: Civilização Brasileira-INL, 1977.

28 Isto é, a visão que acabou se tornando consensual, e da qual parte AnthonyGrafton (para desconstruí-la), em sua história das notas de rodapé: “Todo garoto naescola sabe — ao menos todo aluno de ensino médio na Alemanha um dia soube —o que é história científica e quem a inventou. História científica baseia-se em fontesprimárias, ao invés de fontes secundárias: Leopold von Ranke [. . .] foi seu primeiropraticante de destaque” (Anthony Grafton. The footnote: a curious history. Cam-bridge, Mass.: Harvard University Press, 1998, p. 34).

29 Bezerra, op. cit., pp. 8-9.30 Ibidem, p. 9.

Page 17: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

31

alemão).31 Bezerra, sem citar a procedência, transcreve juízo deOliveira Lima, quando afirma que valeria mais traduzir Handel-mann que reeditar Varnhagen, pois “com uma tradução da obrade Handelmann, corrigida, num ou noutro pormenor, e comenta-da com discrição e competência, começará o Brasil a ter o quetodos dizem faltar-lhe, sem que ninguém se cometa ao empreendi-mento de traçar a sua verdadeira história”.32

Findada a análise da “Contribuição alemã”, entramos em“Os historiadores brasileiros”. Aqui, continuará Bezerra a apon-tar a falta de espírito científico nos compiladores, começando suaanálise pelo que denomina “cronistas”, autores como José da Sil-va Lisboa (visconde de Cairu), Baltasar Lisboa, José Feliciano Fer-nandes Pinheiro (visconde de São Leopoldo), Inácio Acioli de Cer-queira e Silva, entre outros. A principal crítica aos cronistas (emboraalguns, como Cairu, fossem de grande inteligência, segundo Bezer-ra) é à falta de “arquitetura” em suas obras, à má disposição dosmateriais pesquisados (a única exceção seria a História da provín-cia de São Pedro, na realidade, Anais da província de São Pedro,do visconde de S. Leopoldo). Os “cronistas” brasileiros, se nãoforam meros compiladores de outros historiadores, copiaram muitodas fontes, transcrevendo documentos profusamente em suas obras,no que prestaram até bom serviço (ao facilitar o acesso a fontes eestabelecer alguns fatos), mas não fizeram história. Por isso, “dei-xemos em paz os cronistas, que morreram talvez na ilusão de quetinham feito história. Venhamos aos historiadores”.33

31 A primeira tradução para o português da Geschichte von Brasilien, cujaprimeira edição em alemão data de 1860, é de 1918, por Raphael Mayrink (doMinistério das Relações Exteriores), começando a sair em janeiro desse ano na Revis-ta Americana. A publicação não teve sequência, porém. O juízo de Oliveira Lima, deque Alcides Bezerra não informa a procedência, vem de artigo que o historiadorpernambucano publicou na Revista Americana, n.o 9, de 1917, que funcionaria comointrodução à publicação da obra, na revista. Desde 1914, entretanto, o IHGB tinhaplanos de traduzir e publicar a obra, o que vem a ocorrer em 1931, no tomo 108(volume 162) da Revista do Instituto, posterior ao artigo de Alcides Bezerra, portanto.A tradução coube a Lúcia Furquim Lahmeyer, a revisão a Bertoldo Klinger e aanotação a Basílio de Magalhães (informações na “Introdução” de Odilon Nogueirade Mattos à edição da Itatiaia-Edusp: Heinrich Hendelmann. História do Brasil. 4.aed. Belo Horizonte-São Paulo: Itatiaia-Ed. da Universidade de São Paulo, 1982, p. 13).

32 Bezerra, op. cit., p. 9.33 Ibidem, p. 10.

Page 18: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

32

Segundo Arno Wehling, desde meados do século XVIII, nomundo luso-brasileiro, existia uma diferenciação entre o cronistae o historiador; o primeiro “como redator de «memórias» quedeveriam servir ao trabalho mais nobre da elaboração de «histó-rias»”.34 O autor mostra como Varnhagen, seu objeto particularde estudo, procurou conscientemente afastar-se da crônica. Con-forme apontam João Paulo Garrido Pimenta e Valdei Lopes deAraujo, “Já na primeira edição do Dicionário de Moraes e Silva(1789) [. . .] o historiador começa a ser claramente diferenciadodo cronista”.35 Essa distinção pode ter se tornado parte dos fun-damentos da autonomização da história, e do conteúdo das pri-meiras “formulações” próximas ao que viria a significar historio-grafia, nas quais os cronistas não estão excluídos, mas não sãoconsiderados historiadores propriamente ditos, realizando essa es-pécie de trabalho prévio. Pouco a pouco este trabalho passa a serelaborado pelo próprio historiador, na medida em que a pesquisadocumental e a crítica das fontes passam a ser fundamentais paraa definição do que é um trabalho histórico.

Vale dizer que, na primeira edição do dicionário de MoraesSilva, não há um verbete “Historiographia”, embora haja “Histo-riographo”, significando “Chronista, Chronographo”.36 “Histo-riographia” somente aparecerá na oitava edição, de 1891. Lê-se:“Historiographia [. . .] A arte de escrever a historia”.37 Capistranode Abreu utiliza o termo, pouco antes, em edição da História do

34 Arno Wehling. Estado, história, memória: Varnhagen e a construção daidentidade nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 141.

35 Verbete “História”. In: João Feres Júnior (org.). Léxico da história dosconceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009, pp. 119-20.

36 Antonio de Moraes Silva. Diccionario da lingua portugueza composto pelopadre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silvanatural do Rio de Janeiro (volume 1 A-K). Lisboa: Na Officina de Simão ThaddeoFerreira, 1789, p. 682. Já no dicionário de Rafael Bluteau (1713), o qual tomará porbase Moraes Silva, não havia “historiographia”, mas havia “historiógrapho”: “Cro-nista ou Cronógrapho. Aquelle, que escreve as historias de huma província, de humReino, &tc. [. . .]” (Raphael Bluteau. Vocabulario portuguez, e latino, áulico,anatomico, architectonico, bellico, botanico. . . autorizado com exemplos dos me-lhores escritores portuguezes e latinos e offerecido a El-Rei de Portugal D. João V.Hildesheim: Georg Olms Verlag, 2002. Nova York [edição fac-similar], p. 41).

37 Rio, Lisboa: Editora — Empreza Litteraria Fluminense de A. A. da SilvaLobo, 8.a edição, 1891, p. 133.

Page 19: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

33

Brasil de frei Vicente do Salvador, saída em separata dos Anais daBiblioteca Nacional (1888-1889). Capistrano afirma, na introdu-ção, que a data de 20 de dezembro de 1627, quando frei Vicenteassina sua História, é “tão importante em nossa historiographia”38

— embora seja caso talvez único, em seus escritos. Pouco antes, emedição da mesma obra de 1887, Capistrano havia escrito que omesmo dia era “um dos maiores de nossa litteratura colonial”.39

No dicionário de Morais Silva, “historiographia” parece ter per-manecido como “A arte de escrever historia” até o século XX; nadécima edição, de 1945, aparece como “Arte, trabalho do historió-grafo”, introduzindo a variedade de ser também um ofício, alémde uma arte.40 Destarte, o estabelecimento de “historiografia” comosinônimo de “estudos históricos”, de “produção de obras de his-tória”, como surgirá no texto de Astrogildo Rodrigues de Mello,de 1951, vindo a se tornar dominante, com esse sentido, nas déca-das seguintes, é fenômeno, em língua portuguesa, essencialmentedo período compreendido entre os textos que aqui analisamos. O“Necrológio de Varnhagen”, de Capistrano, é publicado em 1878,ano da sétima edição do dicionário de Morais Silva, a última semo termo “historiographia”.41

Se “historiógrapho” era termo que constava desde a primeiraedição do dicionário, a partir da sexta edição, pelo menos,42 isto é,desde meados do século XIX, a obra passa a conter, dentro desseverbete, uma explicação da diferença entre “historiógrapho” e“historiador”, termos que são dados como sinônimos. A explicação

38 Frei Vicente do Salvador. História do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Leuzinger& Filhos, 1889, p. IV.

39 Frei Vicente do Salvador. História do Brasil. Rio de Janeiro: ImprensaNacional, 1887, p. I.

40 Lisboa: Editorial Confluência, 10.a ed., 1949, vol. V, p. 760. Há uma ediçãoentre a de 1891, a primeira em que aparece historiografia, e esta, a 10.a — edição quenão localizamos.

41 Rebeca Gontijo nos sugeriu, em comentário, a relação da disseminação dotermo historiografia com o aumento, nos anos 1930 e 40, da publicação em livrode estudos históricos, em coleções como a Brasiliana e a Documentos Brasileiros. Estatalvez seja uma interessante via para pesquisa, pela qual não pudemos envere-dar aqui.

42 Falta-nos a consulta da quinta edição, de 1844, mas consultamos a quarta,de 1831, onde não aparece o trecho a que nos referimos a seguir.

Page 20: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

34

visa principalmente apontar que o “historiógrapho” (“Chronista,Chronógrapho”) é, em geral, um autor de obras encomendadas,que por vezes acabam por ser apologéticas. Além disso, seu traba-lho é diferente do trabalho do “historiador” (“Escriptor de histo-ria”): ajunta fatos, documentos e matérias, mas não os dá ordem,não os examina, não os julga, como faz o “historiador”, que é,geralmente, mais imparcial.43 O “historiógrapho” é, portanto, maispróximo do “chronista” que do “historiador”.

Alcides Bezerra, diferenciando entre cronistas e historiadores,ao analisar a História geral de Varnhagen, este um historiador pro-priamente dito, destaca o uso da “mais rica documentação”. EmPorto Seguro, a filosofia romântica (expressão do próprio Bezer-ra)44 aparece escoimada de muitos de seus vícios: “a familiaridadecom as fontes documentais dão certo cunho de objetividade à ex-posição que fez dos acontecimentos”. Embora afirme “Posto quenão seja um estilista, Varnhagen escreve bem”, Bezerra concordacom Sílvio Romero na “falta de talento de narrar e pintar os carac-teres, arte em que foi mestre João Francisco Lisboa”.45 Lisboa, porsua vez, revelou, como historiador, “a par de grande erudição, be-lezas de forma lapidar [. . .] Entre os outros historiadores do seutempo, distinguiu-se João Lisboa pelo estilo elegante e sóbrio”.46

43 “Ambos estes litteratos escrevem a historia, mas de differente modo, e comdiversas circumstancias. O 1.o [“historiógrapho”] é um litterato pensionado do Esta-do, ou de um principe para escrever a sua historia, e corresponde quase sempre ao quese chamava [verbo no passado, não se usaria mais cronista] chronista. O 2.o [“histo-riador”] é um litterato que compõe uma historia sem ser pensionado, e quasi semprenão contemporànea. O historiógrapho é um simples analysta, que refere aconteci-mentos, reune materias: o historiador escolhe-os, põe os em ordem, examina osfactos, julga os homens e as cousas: costuma este ser menos adulador e mais imparcialque o historiógrapho” (Diccionario da lingua portugueza, composto por Antonio deMoraes Silva, natural do Rio de Janeiro. Sexta edição melhorada, e muito accres-centada pelo desembargador Agostinho de Mendonça Falcão, socio da AcademiaReal das Sciencias de Lisboa. Tomo II F-Z. Lisboa: Typographia de Antonio José daRocha, 1858 , p. 144).

44 Vale recordar que José Veríssimo considerou Varnhagen um dos “Próceres doRomantismo”.

45 Bezerra, op. cit., p. 11. Os juízos de Alcides Bezerra, em muitos momentos,como aqui, são bastante convergentes com os que encontramos em Sílvio Romero eJosé Veríssimo, o que pode relativizar a questão da separação da análise da histo-riografia das histórias da literatura, ao menos num primeiro momento.

46 Ibidem, pp. 11-2.

Page 21: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

35

Joaquim Caetano da Silva, por sua vez, foi um “modelo de erudi-to e pesquisador científico”,47 em especial nos trabalhos voltadosà resolução de questões territoriais do Império brasileiro. JoaquimNorberto de Sousa Silva fez “história conscienciosamente, consul-tando as fontes documentais”.48 Joaquim Felício dos Santos, au-tor das Memórias do Distrito Diamantino, foi “um monografistaerudito, que escreveu com elegância”.49 O barão do Rio Branco,nas questões de limites com a Guiana Francesa, apresentou um“modelo de erudição histórico-geográfica e de cerrada argumenta-ção jurídica, vazadas na mais concisa e elegante forma”.50

Alcides Bezerra não traça uma linha de ruptura marcada en-tre a geração de Varnhagen, Lisboa, Caetano, Felício, Norberto, ea de Rio Branco, Romero, Nabuco, Euclides. Bezerra define umcritério para o que é ser um historiador, válido para todo o con-junto de autores que analisa, e que consistiria, essencialmente, em:consultar as fontes, extensa e pacientemente; ser objetivo (não deixarque preconceitos, e mesmo teorias ou filosofias, se sobreponhamaos fatos — o que não significa que as últimas não possam fazerparte do repertório do historiador, como aparecerá em Euclides eRomero, e já havia observado em Southey, a respeito da filosofiaromântica); precisar dados, datas e fatos. O corte na análise deBezerra da produção histórica oitocentista é, efetivamente, na pri-meira metade do XIX, entre cronistas e historiadores. O estilo, naescrita, também é importante, embora não pareça haver um únicopossível; mas aqui a arte se une, com efeito, à objetividade naconstituição de um historiador, na forma de apresentar os resul-tados da pesquisa. A preocupação estilística mostra que a separa-ção entre história e literatura não é tão severa.51 Em Bezerra, como

47 Ibidem, p. 12.48 Ibidem, p. 13.49 Ibidem, p. 14.50 Ibidem.51 Cremos que a questão do estilo em Alcides Bezerra, nessa conferência, como

no “Necrológio de Varnhagen”, não escapa da “aporia” referente a esse tema, epresente, já, no século XIX, no IHGB, conforme aponta Temístocles Cezar. Comen-tando a crítica de que Varnhagen não era bom escritor, o autor assinala: “Essacrítica, acredito, decorre antes de uma importante aporia da cultura histórica doséculo XIX e início do século XX, cuja origem talvez remonte ao princípio aristotélico

Page 22: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

36

em Capistrano anteriormente, os historiadores são vistos sob crité-rios comuns aos da crítica literária oitocentista; de maneira quesuas análises da historiografia poderiam estar descoladas de umahistória da literatura, mas não completamente dos critérios de quese valiam aquelas histórias.52

Quando Bezerra trata de Euclides da Cunha, a atenção recai,novamente, na convergência de estilo, cuidado factual e filosofia adar forma à exposição. Os sertões revela um “estilo vibrante e novo,que marca para o estudo da transformação da língua portuguesaem língua brasileira”.53 Na análise de Felisbelo Freire, revemos ostraços importantes de um historiador, na visão de Alcides Bezerra.Como comentário geral sobre Freire, o autor assevera que “As suasobras históricas têm os defeitos comuns das obras dos autodidatas,mas é inegável que revelam acurado esforço e exame das fontesarquivais”. Determinar o que quer dizer com “autodidata” é difícil,dada a inexistência de cursos que formassem historiadores no Bra-sil, naquele momento (ou seja, todos eram autodidatas). Mas in-teressa salientar como o autor já vê a história como um saber espe-cífico. Alcides Bezerra compartilha, acreditamos, a definição daespecificidade do ofício do historiador em voga no período em queescreve (que se mantém, ou mesmo é consagrada, posteriormente,durante o Estado Novo), que atribui ao trabalho com as fontesparte significativa da essencialidade do fazer do historiador.54 Assim,

da superioridade da poesia em relação à história, do que propriamente de umaorientação teórica de como ela devia ser escrita. Assim, do mesmo modo que oInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), frequentado por literatos emprofusão, é um palco onde se manifestam as indefinições entre a moderna narrativa,científica, neutra e objetiva, e a narrativa literária, sujeita sempre às injunções dasubjetividade do autor, também nas obras de Oliveira Lima e Tristão de Araripe, oumesmo de Capistrano de Abreu, ou ainda de José Veríssimo, que por tentem sair deleainda respiram no mesmo regime de historicidade de Varnhagen, a questão não estádefinida e o bom e velho estilo ainda é um atributo importante” (Temístocles Cezar.“Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência”. Topoi, Rio deJaneiro, vol. 8, n.o 15, jul.-dez. 2007, pp. 159-207, pp. 162-3).

52 Para os critérios dessa crítica literária, cf. Luiz Costa Lima. “A críticaliterária na cultura brasileira no século XIX”. In: —. Dispersa demanda: ensaiossobre literatura e teoria. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981, pp. 30-55.

53 Ibidem, p. 17.54 Como afirma Angela de Castro Gomes: “O que distinguiria fundamental-

mente o trabalho historiográfico daquele realizado por outros intelectuais seria essa

Page 23: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

37

num conjunto de procedimentos, de métodos, encontra-se o tra-balho do historiador, para além de sua definição como autor deobras históricas (abrangendo-se aí também edições de documen-tos históricos e compêndios escolares, entre outras), ou como pro-fessor de história.55

Em Sílvio Romero, chamado de historiador, novamente apare-cem pesquisa documental e método aliados: “Historiador, consul-tou as fontes e fez pesquisas pessoais, lembrou nomes esquecidos,aplicou à história o método etnográfico e sociológico, computan-do, a exemplo de Taine, as influências do meio, da raça e das cor-rentes espirituais estrangeiras”.56 Evolucionismo spenceriano, de-pois Edmundo Demolins e Henrique de Tourville são as teoriasque Alcides Bezerra identifica em Romero, em sociologia. Tais apor-tes teóricos parecem diferentes, para o autor, de uma filosofia dahistória que pudesse prejudicar a objetividade do trabalho do his-toriador. Teorias ou métodos que se aplicam à história tirariam,assim, seu valor, da capacidade de ordenar e explicar os fatos, semalterá-los.

No século que analisa, Alcides Bezerra considera que podemosver que a “ciência histórica” passou da infância à maturidade, eisso se comprova por seu uso eficiente nas questões diplomáticas,

relação de pesquisa, da crítica e da interpretação de fontes, que exigia a identifica-ção, a classificação e o uso dos documentos” (História e historiadores. Rio de Janeiro:Ed. FGV, 1999, p. 99). Também Manoel Luiz Salgado Guimarães, discutindo o casofrancês, aponta a concepção da história como saber específico, servindo para dife-renciar historiadores propriamente ditos de amadores ou diletantes (“Entre ama-dorismo e profissionalismo: as tensões da prática histórica no século XIX”. Topoi,Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 184-200).

55 Gomes. História e historiadores, cit., cap. 3, “Os historiadores e seu métier”,e Gontijo. “Manoel Bomfim, «pensador da história» na Primeira República”, cit., p.134. Angela de Castro Gomes sugere ainda que “No Brasil [. . .] as décadas iniciaisdo século XX parecem ter sido cruciais para o desenvolvimento” das fronteirasdisciplinares (p. 75). Nesse sentido, a conferência de Alcides Bezerra pode ser lidacomo uma tentativa de definir o que é a história, enquanto disciplina específica, aomesmo tempo que levanta já uma tradição dessa prática no Brasil, visto que, ao terseu escopo restringido ao século XIX, Bezerra acaba por cobrir, basicamente, ahistoriografia do Brasil, país independente. Uma referência teórica para a formaçãodas disciplinas é Jean Boutier, Jean-ClaudePasseron & Jacques Revel (eds.). Qu’est-ce qu’une discipline? Paris: Ehess, 2006.

56 Ibidem, p. 18.

Page 24: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

38

que ao mesmo tempo justificam sua prática.57 Nesta direção, oautor professa uma autonomia relativa desta nova ciência, poispara ele a história é uma “ciência que é a base da diplomacia e dapolítica”.58 Bezerra também propõe uma hierarquia entre os auto-res brasileiros que analisou, dividindo-os em dois grupos: “Var-nhagen, Rio Branco, Joaquim Nabuco, Euclydes da Cunha e Syl-vio Romero ocupam o primeiro plano. No segundo destacam-seJoão Lisboa, Pereira da Silva, Joaquim Caetano da Silva, NorbertoSilva, Felisbelo Freire e Joaquim Felício dos Santos”.59 Se retomar-mos os critérios revelados por Alcides Bezerra ao longo do textopara caracterizar o que, no início, a propósito de Southey, cha-mara de “espírito científico”, lembraremos de pesquisa documen-tal, método (ou teoria) para expor e dar sentido aos fatos, e estilo.Vendo os dois grupos acima, podemos talvez estranhar que JoãoFrancisco Lisboa, Joaquim Caetano da Silva e Joaquim Felício dosSantos estejam excluídos do primeiro time. Cremos que pesa tam-bém para Alcides Bezerra a dimensão do objeto do historiador;exclui, assim, do primeiro plano, autores de estudos monográfi-cos, ou muito específicos (como Joaquim Caetano), valendo comocritério, por conseguinte, a dedicação a amplos períodos ou temas,ou a estudos de grande compreensão (como seriam Os sertões).

Alcides Bezerra foi o primeiro entre os autores que tomamosaqui que se deparou com um novo problema, no que tange a pre-

57 Sua conclusão: “E quanto aos benefícios das ciências históricas, — elasdentro de um século, saíram, no Brasil, das faixas da infância à plena maturidade, —basta dizer que as vitórias diplomáticas do Brasil, as quais tanto concorreram para afixação dos limites do país, evitando guerras, e criando o sistema generalizado daarbitragem, foram, em grande parte, vitórias da erudição, dos conhecimentos pro-fundos da geografia e da história da América do Sul”, ibidem. Alcides Bezerraprofessa, nessa passagem, em nossa interpretação, a história pragmática (na expres-são de Arno Wehling, op. cit., p. 127) do século XIX a história que serve de base àresolução de questões políticas e sociais. A perda de efetividade da noção de históriamestra da vida (que se mantém, de várias formas, no XIX, entretanto) é acompanhadade um uso constante dos governos da história na resolução de problemas como asquestões de limites, que, por envolverem interpretação de tratados diplomáticos edocumentos antigos, teve não pouca importância no desenvolvimento da crítica eerudição históricas oitocentistas, como se observa nos juízos a respeito de autores quese envolveram nesses trabalhos, por exemplo, Joaquim Caetano da Silva.

58 Bezerra, op. cit., p. 18.59 Ibidem.

Page 25: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

39

cisar que textos fazem parte de uma “historiografia brasileira”. SeCapistrano de Abreu teve de lidar (conscientemente ou não) com ainclusão de crônicas, tratados, relações, etc., da época colonial,optando por sua aceitação no corpus da “historiografia brasilei-ra”, Bezerra teve de decidir se obras “sociológicas” (embora nãouse esse termo), como Os sertões, de Euclides da Cunha, cabem ounão naquele corpus. Optou por sua inclusão, em posição que tam-bém adotariam Astrogildo Rodrigues de Mello e Sérgio Buarquede Holanda (confrontados com a tarefa de classificar GilbertoFreyre, por exemplo, além do próprio Euclides). Ao que parece,cabe considerar, nessa opção, a crescente interface entre o tipo dedescrição e análise que encontramos nessas obras, e o tipo quepassa a fazer parte da formação de um determinado cânone histo-riográfico, em função do desenvolvimento dos “estudos históri-cos”, mas também em razão da necessidade do estabelecimento defronteiras disciplinares.60

III

Alcides Bezerra, ao considerar a história uma ciência, tomacaminho oposto ao de Pedro Lessa, que respondeu negativamenteà questão título de seu É a historia uma sciencia? (1900), original-mente uma introdução à História da civilização na Inglaterra, deBuckle.61 Para Lessa, a história poderia apenas fornecer os mate-riais para a sociologia, esta sim uma ciência.62 A sociologia, que

60 Pensamos aqui, principalmente, nos Capítulos de história colonial, deCapistrano de Abreu, de 1907, que inclui descrições e análises da sociedade colonialque devem muito à aproximação da história com as demais ciências sociais, produ-zindo um texto historiográfico que incorpora, ao relato cronológico/diacrônico doseventos, interpretações sincrônicas de seu sentido, e caracterizações sociológicas.

61 Pedro Lessa. É uma historia uma sciencia? São Paulo: Typ. da Casa Eclecti-ca, 1900.

62 Vale dizer que a aceitação da cientificidade da sociologia, no momento emque escrevem Lessa e Bezerra, também não parece ter sido imediata e/ou inconteste.Fernando de Azevedo, um dos primeiros professores de Sociologia da Universidade deSão Paulo, em panorama que fez da disciplina no Brasil e América Latina, afirma queno “largo período que se estende pela 2.a metade do século XIX, ainda se discutia alegitimidade da sociologia como ciência autônoma” (Fernando de Azevedo. “Asociologia na América Latina e, particularmente, no Brasil”. Revista de História,vol. 1, ano 1, n.o 3, jul.-set. 1950, reimpressão de 1974, pp. 343-4). Azevedo relata

Page 26: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

40

para Alcides Bezerra trouxe contribuições importantes à história,em Lessa ocupa a posição central (o autor o reafirmará em seudiscurso de recepção no IHGB, em 1907).63 Para Bezerra, a ques-tão que define o estatuto científico não é a formulação de leis paraa história (como era para Capistrano, em 1878), ou de generaliza-ções de amplo alcance. A produção de conhecimento seguro, ca-paz até mesmo de prevalecer em decisões políticas e diplomáticas,parece garantir a Bezerra o que entende por cientificidade; daí serJoaquim Caetano da Silva um “modelo de erudito e pesquisadorscientifico”.64 Segundo Angela de Castro Gomes, a Primeira Repú-blica é o momento em que o debate sobre o caráter científico dahistória cresce, ao mesmo tempo que ela é considerada um dos ín-dices de “civilização e progresso” de uma nação “moderna”.65 Ser“historiador, naquela conjuntura, implicava não apenas ter co-nhecimento das disciplinas consideradas «tradicionais» nesse diálo-go, como a literatura e as chamadas ciências auxiliares da história— a numismática, a heráldica e outras —, como igualmente, realizarinvestimentos nas novas disciplinas do campo das ciências sociais,em particular com uma sociologia de corte positivista”.66 Em suma,“a definição do que era uma «moderna» história exigia um diálogocom o que se entendia por ciência e em especial por ciência social”.67

que na conferência inaugural do curso de sociologia da Universidade de BuenosAires, em 1905, o professor ministrante dele, Ernesto Quesada, “refutou a tese doreitor Miguel Cané que negava a essa disciplina caráter científico” (p. 343). Anteci-pando um pouco a sequência de nosso texto, não podemos deixar de observar queesse artigo de Fernando de Azevedo guarda semelhança, enquanto uma história desua disciplina, com o artigo de Astrogildo Rodrigues de Mello que analisaremosposteriormente, e que saiu na mesma Revista de História, no ano seguinte.

63 Pedro Lessa. Discursos e conferencias. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal doCommercio, de Rodrigues & C., 1916, pp. 35-9.

64 Bezerra, op. cit., p. 12.65 Angela de Castro Gomes. A República, a história e o IHGB. Belo Horizonte:

Argvmentvm, Fino Traço Editora, 2009, p. 25. E “defendendo-se seu valor específicopara a «formação da nacionalidade brasileira», os historiadores estariam traçandoseu «lugar» nesse campo intelectual que busca sua maior autonomização” (p. 14).

66 Ibidem, p. 10.67 Idem, p. 9. Vale apontar que Angela de Castro Gomes, além de Lessa,

recupera também a resposta de Oliveira Viana a essas questões, para quem a históriaera uma ciência, embora com suas especificidades. Quanto à relação com as ciênciassociais, Viana assinalaria a condição destas como “ciências auxiliares” da história;“as mais essenciais”, contudo, naquele momento (apud Gomes, op. cit., p. 76).

Page 27: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

41

Lessa, por outro lado, utiliza “historiographia”, no sentidode escrita da história, em alguns de seus escritos. Em É a historiauma sciencia?, por exemplo, afirma que “Mommsem é um mestreda historiografia [atualizamos a grafia]. [. . .] com a perfeita dis-crição e com a segurança do homem de ciência Fustel de Coulan-ges [seu grande modelo de historiador], mais do que nenhum ou-tro, poderia ensinar a escrever a história”.68 Em conferência sobreVarnhagen, pronunciada no IHGB em 17 de janeiro de 1916, Les-sa defendeu ter sido o visconde de Porto Seguro “o operoso ini-ciador da historiografia brasileira”, por ter tomado “o árduo em-preendimento de ser o primeiro a escrever a história do seu país”.69

Embora aqui não estejamos considerando a disseminação dotermo historiografia em outros idiomas,70 é valioso, para entender

Vale dizer que o IHGB, praticamente desde sua fundação, também tinha projetos deescrever uma história dita “científica”. Comentando discursos de Januário da CunhaBarbosa (1839) e Raimundo José da Cunha Matos (1863), Temístocles Cezar apontaque “é preciso inscrevê-los em uma rede mais ampla e complexa que engloba a buscada cientificidade (ainda que o vocábulo não esteja presente em Barbosa) como formade se atingir a história e, ao mesmo tempo, fazer uso político do saber histórico”(“Lições sobre a escrita da história: as primeiras escolhas do IHGB. A historiografiabrasileira entre os antigos e os modernos”. In: Márcia de Almeida Gonçalves; RebecaGontijo; Lucia Maria Paschoal Guimarães & Lucia Maria Bastos Pereira das Neves.Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2011, pp. 93-124. Acitação é da página 118). Sobre a concepção de história em três textos que podem serconsiderados “de fundação” do IHGB (Januário da Cunha Barbosa, Raimundo Joséda Cunha Matos e Rodrigo de Sousa da Silva Pontes), cf. ainda Manoel Luiz Salga-do Guimarães. “A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista no Brasil”.In: José Murilo de Carvalho. Nação e cidadania no império: novos horizontes. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2007. A noção de cientificidade da história no séculoXIX também é discutida em Temístocles Cezar. “Narrativa, cor local e ciência.Notas para um debate sobre o conhecimento histórico no século XIX”. In: HistóriaUnisinos, vol. 8, n.o 10, jul.-dez. 2004.

68 Lessa. É a historia uma sciencia?cit., p. 107, grifo nosso.69 Lessa. Discursos e conferencias, cit., pp. 186-7, grifo nosso. Entre outros

exemplos do uso de “historiografia” nessa conferência, há o juízo de Lessa sobreErnst Bernheim: “um mestre da historiografia contemporânea” (p. 189).

70 Apenas a título de sugestão, utilizando a ferramenta Google Ngram Viewer,que tabula a ocorrência de palavras a partir de um banco de dados composto porlivros (aproximadamente 5,2 milhões) digitalizados pelo Google, a palavra “histo-riography”, no período entre 1700 e 2000, tem ocorrência próxima de zero até porvolta de 1850, com pico por volta de 1890, mas com seu número de ocorrênciasassumindo forma efetivamente ascendente apenas por volta dos anos 1950, após umprimeiro crescimento nos anos 1930 (<http://ngrams.googlelabs.com/>; acesso em 4--3-2011). “Historiographie”, do francês, apresenta curva semelhante. A curva de

Page 28: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

42

o próprio contexto brasileiro, nas primeiras décadas do século XX(no momento em que Alcides Bezerra elabora seu Os historiadoresdo Brasil no século XIX), observar uma resenha publicada na Re-vista do IHGB, tomo 97, vol. 151, 1925, atribuída a Max Fleiuss,da obra Historia de la historiografía argentina (1925), de RómuloD. Carbia.71 Nela, Max Fleiuss (secretário perpétuo do Instituto)parece utilizar “historiographia” também como escrita da histó-ria. O autor argentino, pela descrição que dá Fleiuss, delimitou ahistoriografia de seu país à produção local, e pós-independência.72

Procurou identificar as concepções históricas dominantes, ou, comoafirmou Fleiuss, tratou “de esboçar um ensaio sobre a classificaçãoideológica das escolas básicas da Historiografia” argentina;73 naresenha, Fleiuss escreve “Historiografia” na maioria das vezes commaiúscula.74 Os autores de que tratou Carbia são denominados,na resenha, “historiógrafos”, seguindo, talvez, o próprio Carbia,de acordo com citação de Fleiuss.75 Segundo depreendemos da re-senha, uma história da “historiografia” é uma história dos “histo-

“historiografía”, do espanhol, tem algumas variações significativas: picos (não mui-to elevados) entre 1720 e 1750, e entre 1820 e 1830, para iniciar crescimento maiorde ocorrência nos livros por volta da década de 1890, vindo a efetivamente dispararem ocorrências também por volta de 1940. Em todos os casos, as curvas de ocorrên-cia tornar-se-ão fortemente ascendentes a partir de 1980. A exceção é se utilizarmosa palavra alemã Geschichtsschreibung. Ela apresenta uma curva de crescimento con-tínua desde 1830, porém com crescimento acentuado desde 1930. Em relação à lín-gua alemã, Sérgio da Matta nos esclarece que Historiographiegeschichte se relacionaà disciplina “história da historiografia”, ao passo que Geschichtsschreibung é oobjeto. Nessa direção, apesar da “impossibilidade” da comparação não deixa de serinteressante observar que Historiographiegeschichte apresenta uma curva bem pró-xima da palavra “historiografia” nas outras línguas pesquisadas. Deixamos emaberto uma questão: até que ponto a “popularização” do vocábulo historiografia,sobretudo após os anos 1980, poderia ser interpretada como uma resposta semânticaao giro linguístico? (A ferramenta do Google não disponibiliza, no momento, buscasem português e em italiano.)

71 Segundo Fleiuss, Carbia era, então, titular da cátedra de Introdução aosEstudos Históricos Argentinos e Americanos da Universidade Nacional de La Plata,Seção da Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação. Sua obra corresponderiaao tomo II da Biblioteca Humanidades, coleção editada por aquela faculdade.

72 Ibidem, p. 325.73 Ibidem.74 Talvez seguindo Carbia, que o faz em citação transcrita por Fleiuss na p.

322. Fleiuss usa sem maiúscula, porém, duas vezes, na mesma p. 322.75 Exemplos nas pp. 325 e 326; transcrição de Carbia, p. 326.

Page 29: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

43

riógrafos”, dos escritores de obras de história, e das concepçõesque as embasaram.

Um ponto relevante para as questões que viemos analisandoé a exposição de Fleiuss da crítica que faz Carbia aos historiadoresargentinos influenciados pela sociologia. Sua censura recai essen-cialmente sobre a edificação de interpretações do passado argenti-no sem base documental, ou com um aproveitamento pouco críti-co dos documentos, terminando por serem abstrações livres, quasecaprichosas, porém persuasivas e atraentes a quem lê. Fleiuss trans-creve as seguintes palavras de Carbia, resumindo seu argumento:

Já era tempo de reagir contra tal processo de Historiografiasuperficial e efêmera, que, escudando-se em aquilo que a mui-tos aprouve chamar — interpretação sociológica, se permitiutoda a casta de leviandades à mercê de aplausos, tal — nemmais nem menos — como certas mulherinhas do palco, quese obstinam em compensar com a provocante escassez dasvestes a falta visível de beleza e de arte. Este livro, acentua[Carbia], concretiza essa forma de reagir pelo caminho deuma meticulosa revisão de valores.76

Segundo Fleiuss, a concepção de história de Carbia, derivadaprincipalmente de Benedetto Croce,77 compreende que história é“a revivescência intelectual do passado no espírito do historiador”,ou, “ressurreição”, conforme Michelet;78 o que pressupõe, na vi-são do autor argentino, rigor no uso dos documentos, para essetrabalho de reconstituição histórica. Dentre os autores que anali-samos, veremos que Sérgio Buarque de Holanda (1951) mostrarápreocupação algo semelhante com “interpretações sociológicas”(na expressão de Carbia) que deturpariam os fatos históricos, mor-mente para afirmar alguma agenda política. Sua crítica virá escoradana experiência das décadas que antecedem a escrita de seu artigo,notadamente na experiência do Estado Novo, e as tentativas de

76 Apud Fleuiss. Revista do IHGB, cit., p. 322.77 Fleiuss cita, de Croce, como bases para Carbia, a Logica come scienza del

concetto puro, 3.a edição, e Teoria e storia della storiografia, 1917 (p. 323).78 Ibidem.

Page 30: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

44

justificação histórico-sociológicas do regime autoritário (SérgioBuarque separa, contudo, essas interpretações históricas de outras,também com viés sociológico, mas que trouxeram contribuiçõespositivas ao conhecimento da história e sociedade brasileiras). ParaMax Fleiuss, a sociologia não seria vista in toto como uma influên-cia negativa. Nessa mesma edição da Revista do IHGB, há umaresenha bastante positiva de Fleiuss da obra Pequenos estudos depsicologia social, de Oliveira Viana.

Voltando à questão da história da historiografia, a resenhada obra argentina fornece elementos para pensar o surgimento dehistórias da historiografia latino-americana, nas primeiras déca-das do século XX. Para Max Fleiuss, a obra de Carbia “marcauma gênese. De fato, antes do fecundo esforço de D. Carbia nãoexistia, bem pode dizer-se, a história da historiografia platina, comoainda, em nossos, dias, infelizmente, acontece com a brasiliense”.79

Segundo Fleiuss, sobre a historiografia hispano-americana só havia,até então, a obra Beiträge zur Charakteristik der älteren Geschichts-schreiber über Spanish-Amerika (Leipzig, 1911), de Friederick Weber,mas que seria “uma simples resenha incompleta dos mais antigoshistoriógrafos da America Espanhola”, não sendo “fruto de uminvestigador bem informado”.80 Ao final da resenha, Fleiuss voltaos olhos para o caso brasileiro:

Chegando-se à última página da Historia de La Historiogra-phia [sic, no título do parecer está “Historiografía”] Argen-tina, formula-se ao espírito do leitor brasileiro a seguinte inter-rogativa: porque em nosso meio não se favorece uma tentativaidêntica, sob o patrocínio oficial, quando nem nos falta aboa vontade, nem os materiais necessários, nem os nomesdentre os mais provectos: Ramiz Galvão, Oliveira Lima, Afon-so Celso, Capistrano de Abreu, Manuel Cícero, Afonsod’Escragnolle Taunay, Basílio de Magalhães, Rodolfo Gar-cia, João Ribeiro, Clóvis Bevilácqua, Oliveira Viana, cuja pro-funda erudição e estudos sobre a matéria os indigitam como

79 Teoria e storia della storiografia, cit., p. 322.80 Ibidem, p. 323; haveria estudo alemão complementar a essa obra, traduzido

para o espanhol, de Georg Friederici.

Page 31: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

45

os mais recomendáveis para levar a bom termo essa benemé-rita e patriótica realização, a exemplo salutar de D. RómuloCarbia, e com as melhores seguranças de êxito.São estes os nossos mais ardentes votos e sincero parecer so-bre tão ilustre produção que, anelamos, virá repercutir, comodeve, sobre o nosso meio intelectual e social, com a fixaçãodefinitiva dos elementos fragmentários e esparsos da nossacrítica historiográfica, há longos anos à espera de um siste-matizador vigoroso, como D. Carbia, que valha para a His-toriografia da nossa pátria o mesmo que Varnhagen foi paraa sua história científica.81

A história da historiografia brasileira estaria à espera de seuVarnhagen, do autor de sua história geral. Fleiuss fazia votos poruma iniciativa oficial, por uma história sob as bênçãos do IHGB,e enumerou quem poderia escrevê-la. Alcides Bezerra não está emsua lista, mas aventurou-se à tarefa que quase equivale, em teoria,ao plano do autor argentino (guardadas as diferenças de dimensãoentre os escritos), pois a historiografia do Brasil no século XIX é,essencialmente, a historiografia do país independente, o mesmoescopo que definiu Carbia, segundo Fleiuss. Talvez tão importantequanto o texto que Bezerra produziu seja a demanda por ele, ointeresse por uma conferência com esse tema, em 1926.

IV

O problema de definir historiografia brasileira, para SérgioBuarque de Holanda,82 de certo modo é mais simples que para osdemais autores que analisamos neste texto. Em razão do propósitodo artigo, componente de um panorama da cultura brasileira na

81 Ibidem, pp. 332-3.82 A exemplo de Capistrano, há considerável bibliografia sobre Sérgio Buarque

de Holanda. No momento em que “O pensamento histórico” é publicado, Sérgioocupava o cargo de diretor do Museu Paulista (desde 1946), em que sucedera Taunay,e de professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (desde 1948), lecionan-do História Social e História Econômica do Brasil, cátedra que fora de RobertoSimonsen. Acabara, ou estava por terminar, o trabalho de seleção e estabelecimentode textos que resultou na Antologia dos poetas brasileiros da fase colonial (publicadaem 1952). Fora também diretor da Divisão de Publicações do Instituto Nacional do

Page 32: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

46

primeira metade do século XX que procurava fazer o jornal Correioda Manhã, Sérgio Buarque já tem excluída de antemão a época co-lonial e o século XIX, e já prossegue a partir de um momento emque os estudos históricos têm uma certa feição. Caber-lhe-ia, então,definir se entram ou não os autores estrangeiros no escopo de sua“historiografia brasileira”. Sérgio Buarque dedica-lhes espaço, em-bora timidamente: faz menção ao argentino Ramón Cárcano, autorde obra sobre a Guerra do Paraguai (incluído, portanto, por obrareferente a fato também da história brasileira), como é o caso dePelham Horton Box (também autor de obra sobre a questão cis-platina); Jaime Cortesão, pela edição da carta de Caminha, e JohnStetson Jr., por edição da História de Gandavo. Além disso, há men-ção (importante), no final, aos professores estrangeiros que vieramlecionar nas primeiras Faculdades de Filosofia, como Fernand Brau-del. As citações são, porém, bastante pontuais, à exceção da men-ção final aos professores estrangeiros; no geral, podemos afirmarque o artigo de Sérgio Buarque de Holanda analisa a produção deautores brasileiros sobre o Brasil. Essa produção aparece como quedotada de autonomia, com linhas de força e tendências próprias.83

Livro, de 1939 a 1945, quando conviveu com outros importantes intelectuais funcio-nários do Instituto, como Mário de Andrade e José Honório Rodrigues. Já havia pu-blicado, entre outras obras, Monções (1945). Pouco depois de publicado o artigo queanalisamos, Sérgio Buarque embarcou para a Itália, onde lecionou na cátedra deHistória do Brasil da Universidade de Roma (1953-1955). Dois anos após retornar(1957), assumiria a cátedra de História da Civilização Brasileira na Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, publicando sua tese, Visãodo paraíso, em 1958.

83 As noções de “autonomia” e “campo”, que utilizamos mais de uma vezaqui, remetem, evidentemente, à obra de Pierre Bourdieu, em particular, enquantoreferências nossas nesse artigo, Razões práticas. Sobre a teoria da ação. São Paulo:Papirus, 1996 e Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campocientífico. São Paulo: Ed. Unesp, 2004. Vale assinalar, enquanto apontamento parauma história da historiografia, o que afirma Roger Chartier, a respeito do conceito de“campo”: “os campos culturais — por exemplo, o campo literário ou o campofilosófico — caracterizam-se pela incorporação, em cada momento histórico destescampos, de sua própria história, a partir dos diversos tipos de relação que os criado-res, os produtores estéticos ou intelectuais, num dado momento do tempo, têm com opassado do campo, disciplina ou prática. [. . .] E é um recurso fundamental estarelação com o passado negado ou incorporado para definir a imposição de umalegitimidade cultural” (“Roger Chartier. Pierre Bourdieu e a história. Roger Chartierdebate com José Sérgio Leite Lopes”. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 4, 2002, pp.141-2).

Page 33: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

47

Podemos equivaler “pensamento histórico” a “estudos his-tóricos” e “historiografia”? O conjunto do artigo define comoobjeto, de fato, a ampla categoria dos estudos históricos: toda aprodução nas diferentes áreas da história, ou que se valem da his-tória, ou que repercutem sobre esta. Os parágrafos iniciais expõemo que seria buscar um “pensamento histórico”: a teoria que infor-ma a prática do historiador, que não se confunde com a erudição,a pesquisa factual, nem com a imaginação livre, a elaboração deinterpretações em nível elevado de abstração. Tomando o primei-ro historiador analisado por Sérgio Buarque, por ser o ponto deconfluência dos estudos históricos no Brasil na primeira metadedo século XX, Capistrano de Abreu, vemos que o “pensamentohistórico” deve ser buscado nas referências teóricas do autor:

[. . .] ele [Capistrano] sabia, no entanto, que esses documen-tos só falam verdadeiramente aos que ousam formular-lhesperguntas precisas e bem pensadas. Sabia, em outras pala-vras, palavras de um grande mestre moderno — Marc Bloch—, que toda pesquisa histórica supõe, desde os passos ini-ciais, que o inquérito tenha uma direção definida. No princí-pio está o espírito. Nunca, em ciência alguma, a observaçãosimplesmente passiva conduziu a resultados fecundos. Qualo espírito, porém, qual o pensamento informador dessa obra,que deveria marcar o ponto de partida para um novo rumonos estudos históricos entre nós? Sabemos que em sua moci-dade o autor não fora infenso ao positivismo comtiano e quemais tarde aderira com mais firmeza e fervor às doutrinas deSpencer. Mas dos princípios positivistas e evolucionistas sóguardaria obstinadamente o senso da medida, da precisão,do rigor nos raciocínios, que retém a imaginação dentro delimites plausíveis, além de uma sensibilidade aguçada à im-portância de ação dos fatores cósmicos — da terra, do meio edo clima — sobre as instituições humanas.84

84 Publicado originalmente no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, em 15 dejulho de 1951. Reproduzimos aqui o texto contido em João Kennedy Eugênio &Pedro Meira Monteiro. Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas-Rio de

Page 34: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

48

Desse modo, encontraríamos o “pensamento histórico”, oumesmo um “espírito teórico”, nas referências teóricas, cotejadas,porém, com a obra do autor, com sua prática, de maneira que nãose cai sobre uma análise baseada nas “influências”. O mesmo pro-cedimento observa-se no artigo quando da apreciação de autorescomo Oliveira Viana e Gilberto Freyre.

Se trabalhos de história, monográficos ou gerais, ou ediçõescríticas de documentos, facilmente se encaixam no objeto do arti-go (pois compõe o que se define por “história” desde as geraçõesanteriores), como a obra dos autores que citamos acima, Viana eFreyre, se enquadra aqui? Parece haver uma variedade de interfa-ces com a produção historiográfica stricto sensu (como dirá SérgioBuarque no artigo) que justifica tal inclusão. Os estudos sociológi-cos85 fazem parte do pensamento histórico porque “abriram sendaspara um tipo de pesquisa que nossos historiadores mal tinham pra-ticado”. Oliveira Viana, em particular, “dedicou-se [também, emsua produção] a ensaios de história social e psicológica inspiradospor fatos e personalidades do Império”. Gilberto Freyre trabalhou“com base em amplo material histórico”; utilizou-se de um “conhe-cimento extenso do passado rural”, que conjugado aos aportesteóricos que incorporou (como os métodos de Franz Boas), “abriu--lhe perspectivas ideais para abordar nossa formação histórica”.86

Em geral, tais interpretações da história brasileira, ou dasociedade brasileira a partir de sua história, poderiam contribuir“para dar novo rumo aos estudos históricos”, mesmo que fossem

Janeiro: Ed. Unicamp-Eduerj, 2008, pp. 601-15. A citação acima é da página 602.Ver, também, Pereira & Santos, op. cit. Vale assinalar que as palavras de Marc Blochque relembra Sérgio Buarque, das quais já teria um conhecimento intuitivo Capistranode Abreu, são do capítulo “A observação histórica”, de Apologia da História. MarcBloch. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2001, p. 79.

85 Sérgio Buarque refere-se a Populações meridionais do Brasil, de OliveiraViana, como “estudo sociológico” (p. 610). Antes definira esse conjunto de estudoscomo “ensaios de investigação e interpretação social [grifo nosso] que passaram aospoucos a empolgar numerosos espíritos. Trabalhos parciais de Couto de Magalhães,Batista Caetano, Macedo Soares, Rebouças, Sílvio Romero, José Veríssimo, TeodoroSampaio, Orville Derby, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues, Manuel Bonfim [sic],Alberto Torres, entre outros, abriram sendas para um tipo de pesquisa que nossoshistoriadores mal tinham praticado” (p. 609).

86 Ibidem, p. 610.

Page 35: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

49

“às vezes interessada[s] e mesmo deformadora[s] dos fatos”. Estu-dos de “formação” que derivaram à tendência do “passado utili-zável”, para justificar posições políticas, como os de inspiraçãointegralista, porém, “mal interessam, em sua generalidade, à pes-quisa historiográfica”.87 Historiografia, aqui, aparece associada àpesquisa, e em contraposição a práticas que dobram os fatos his-tóricos para caber em teorias políticas.88

É em relação aos “estudos interpretativos” de Afonso Arinosde Melo Franco, Conceito de civilização brasileira (1936), Fer-nando de Azevedo, A cultura brasileira (1943), e Nélson WerneckSodré, Formação da sociedade brasileira (1944), que Sérgio Buar-que traça a linha da “literatura historiográfica [. . .] stricto sen-su”. Mas também fornece elementos para a análise da interaçãoentre essas diferentes produções:

Por menos que esses trabalhos devam inscrever-se na literatu-ra historiográfica, tomada a palavra stricto sensu, é forçosoadmitir-se que participam de uma tendência que se refletevivamente em outras obras da mesma época, onde a interpre-tação pessoal, endereçada a um alvo determinado, cede pas-so ao puro esforço de elucidação. Na obra já numerosa do sr.Pedro Calmon, onde se incluem trabalhos sobre a expansãobaiana e a Casa da Torre, figura, ao lado da grande Históriado Brasil, também uma História social do Brasil, que em seuterceiro volume já abrange a fase republicana. Esse interessepelo social — e no caso também pelo econômico — encon-tra-se ainda nos estudos históricos do sr. Afonso Arinos de

87 Ibidem, p. 611.88 É importante notar a preeminência dada por Sérgio Buarque a Capistrano,

e esse apontamento ao que seria uma historiografia stricto sensu, em relação aomodelo de texto que pratica Sérgio Buarque aqui. Segundo Angela de Castro Gomes,este texto de 1951 seria um “balanço”, em que “ele (Sérgio) fala de um outro lugare em outra posição: a de quem é alguém que pode dizer algo verdadeiro sobre ahistória de sua disciplina, de um outro lugar de reconhecimento. Professor universitá-rio de história em São Paulo, ex-crítico literário aplaudido, ao resenhar os cinquentaanos de história e de historiadores que cobrem toda a primeira metade do século, eleestá como que zerando o campo intelectual dessa disciplina. [. . .]. A prática de balan-ços estava mais para um ritual de consagração dele mesmo por ele mesmo, como osintelectuais, artífices destacados de suas próprias imagens, costumam fazer muito

Page 36: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

50

Melo Franco, principalmente os que abordam nossa civiliza-ção material, a evolução da economia brasileira e a Históriado Banco do Brasil, interrompida com o primeiro volume.89

A produção de obras voltadas para questões antes descura-das, como o social e o econômico, seria tributária daqueles estu-dos interpretativos. Desse modo, estes últimos incluem-se no “pen-samento histórico”, porque estão a inspirar e embasar estudoshistóricos, mesmo que não façam parte, stricto sensu, deles. Con-tribuem para uma ampliação do objeto dos historiadores, um mo-vimento, que, na realidade, ocorria dentro da própria historiogra-fia, desde as últimas décadas do século XIX, dentro do qual seinsere, no Brasil, Capistrano de Abreu.90

A única vez que o termo historiografia aparece (além de “li-teratura historiográfica”, que vimos acima) é no sentido de pesquisahistórica universitária. Segundo o autor, “em São Paulo a Sr.a A. P.Canabrava, apoiando-se em recursos da historiografia moderna,

bem e, de preferência, sem fazer muito alarde. A segunda metade do século XX teriaum novo pai fundador na genealogia da tradição da história no e do Brasil: SérgioBuarque de Holanda” (Angela de Castro Gomes. A República, a história e o IHGB,cit., p. 161). Rebeca Gontijo, analisando também “O pensamento histórico”, afirmaque “O artigo de Sérgio Buarque pode ser lido como uma versão consagrada dahistória da história no Brasil, com foco na primeira metade do século XX. Faz partede um conjunto de interpretações elaboradas de modo mais sistemático a partir dosanos trinta, que, de modo geral, estabeleceram os marcos dessa história, identifican-do seus principais autores e contribuições” (Rebeca Gontijo. O velho vaqueano:Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Doutorado. Niterói: UniversidadeFederal Fluminense, 2006, p. 270). A referência de Gontijo para classificar o texto deSérgio Buarque como “balanço” é Horst Walter Blanke, op. cit., que define “balançogeral” como “visões panorâmicas do estado das pesquisas com intenção de graduarhistoriadores ou classificá-los em campos específicos, de tal forma que só em um sentidoestrito podem ser considerados [os balanços] história da historiografia” (p. 30).

89 Ibidem, pp. 612-3.90 Georg G. Iggers chama a atenção para este movimento, apontando a escola

histórica de economia política da Alemanha como um de seus expoentes, da qualCapistrano foi leitor, indo buscar ali conceitos que aplicaria à história brasileira(Georg G. Iggers. Historiography in the twentieth century: from scientific objectivityto the postmodern challenge. Middletown, Con: Wesleyan University Press, 2005, p.5). Mais do que uma ampliação de objeto, entretanto, a “sociologia” contribuiutambém para modificações de método, estimulando os historiadores, por exemplo, aafastarem-se dos documentos oficiais, ou a lê-los com o olhar voltado para outrosaspectos da história.

Page 37: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

51

tem abordado várias questões relacionadas ao comércio colonial,especialmente ao comércio de contrabando com o Prata, e à lavouraaçucareira no norte do Brasil e nas Antilhas.”91 Por outro lado, apresença do complemento “moderna” denota que “historiografia”não se resume à produção contemporânea, tendo existido antes,sob uma forma que seria “antiga”, ou “não moderna”. Subenten-de-se que, se o escopo temporal da análise fosse mais amplo, Sér-gio Buarque identificaria “historiografia” em momentos anterio-res; está implícita uma periodização, em diferentes momentos, daexistência da historiografia, e, consequentemente, uma história dahistoriografia.92 De qualquer modo, conforme veremos no próximoitem, Astrogildo Rodrigues de Mello é o único dos nossos quatroautores centrais que utiliza largamente “historiografia brasileira”.

V

O artigo de Astrogildo Rodrigues de Mello93 propõe um pa-norama crítico abrangente sobre “Os estudos históricos no Bra-sil”. Exclui autores estrangeiros, mas inclui, na definição de Brasil,

91 “O pensamento histórico”, cit., p. 614, grifo nosso.92 Sobre Sérgio Buarque cabe também apontar sua relação com a história da

literatura. Se “O pensamento histórico” foi incluído por José Honório Rodriguesentre os primeiros textos a tratarem de historiografia autonomamente, fora dashistórias da literatura, importa notar que Sérgio Buarque procurou, em suas obras decrítica literária e história da literatura, trazer este último campo para o domínio dahistória, buscando “historicizar” a produção literária. Cf. Thiago Lima Nicodemo.Urdidura do vivido: Visão do paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nosanos 1950. São Paulo: Edusp, 2008.

93 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (1936) pela Faculdade de Direitoda Universidade de São Paulo, Astrogildo Rodrigues de Mello licenciou-se em Geo-grafia e História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP no mesmoano, 1936 (Limongi mostra como não era incomum, nos primeiros anos da FFCL, amigração de estudantes de outros cursos para lá; Fernando Limongi. “Mentores eclientelas da Universidade de São Paulo”. In: Sergio Miceli (org.). História dasciências sociais no Brasil, vol. I. São Paulo: Ed. Sumaré, 2001, pp. 135-221. Cf.também a entrevista de Eduardo d’Oliveira França, em Estudos Avançados, vol. 8,n.o 22, 1994, pp. 151-60). Astrogildo fez parte da primeira turma de licenciados docurso de Geografia e História (fundado em 1934), sendo da geração de EurípidesSimões de Paula. Ao lado de Eurípides, Alice P. Canabrava, Odilon Nogueira deMatos e Eduardo d’Oliveira França, entre outros, esteve entre os alunos de FernandBraudel, no período de 1935-37 em que o professor francês lecionou em São Paulo.Astrogildo doutorou-se em 1942, em Ciências (História), pela Faculdade de Filoso-fia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, com a tese: A política colonial de

Page 38: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

52

a época colonial. O artigo divide-se em duas partes: um apanhado“a largos traços” da historiografia da Colônia até o seu tempo, euma análise das “tendências da história no momento presente”.94

“Estudos históricos”,95 “história” e “historiografia” aparecem comotermos intercambiáveis.

O autor pretende pensar a escrita da história do (e no) Brasildentro do processo histórico do desenvolvimento da cultura brasileira:

Assim o sentido dessa história cresce em amplitude à medidaque nos aproximamos dos dias atuais, em que o campo dainvestigação histórica se vai alargando gradativamente, atra-vés de ciências subsidiárias, indispensáveis à melhor compre-ensão do “facies” histórico.O problema historiográfico brasileiro oferece, na verdade, as-pectos bem característicos, cuja interpretação encontra suasraízes em momentos bem definidos da civilização brasileira.96

Espanha através das “encomiendas”. Antes, na mesma faculdade, já havia sidocomissionado para reger o curso de História da Civilização Ibérica da cadeira deHistória da Civilização, de 1939 a 1941 (Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. I. São Paulo: Seção de Publicações da FFCL/USP, 1953, p. 34). De 1941 a1946, ocupou interinamente a Cadeira de História da Civilização Americana (Anuá-rio da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. II. São Paulo: Seção de Publicações daFFCL/USP, 1953, p. 447). Em 1946, tornou-se catedrático da cadeira, passando emconcurso de títulos e provas, apresentando a tese: Os “serviços pessoais” nas fainasagrícolas em Nova Espanha. Da comissão examinadora do concurso, fez parte Sér-gio Buarque de Holanda. Astrogildo concorreu com Odilon Araujo Grellet e Alice P.Canabrava, tendo sido todos aprovados: Astrogildo para a cátedra, os demais paralivre-docência (Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. I, p. 386).Astrogildo foi também diretor da Faculdade de Filosofia, de 1947 a 1950. Aposen-tou-se em 1967. Cf. nota biográfica ao final do artigo de Astrogildo. “Os primórdiosda Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo”. Revistade História, n.o 52, 104, out.-dez. 1975, p. 722. Cf. também Diogo da Silva Roiz. “Ainstitucionalização do ensino universitário de Geografia e História na Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1956”. Agora,Santa Cruz do Sul, vol. 13, n.o 1, pp. 65-104, jan.-jun. 2007.

94 Astrogildo Rodrigues de Mello. “Os estudos históricos no Brasil”. Revistade História, n.o 6, 1951, p. 385.

95 Também Sérgio Buarque de Holanda utiliza “estudos históricos” em seuartigo, bem como, alguns anos antes, Nélson Werneck Sodré, em O que se deve lerpara conhecer o Brasil (Rio de Janeiro: Companhia Editora Leitura, 1945, primeiraedição), para se referir à (história da) historiografia brasileira.

96 “Os estudos históricos no Brasil”, cit., p. 381, grifo nosso.

Page 39: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

53

Por isso, argumenta o autor, a pobreza da “historiografiabrasileira” no período da Colônia, quando o campo cultural era“acanhado”,97 resultado de ser o Brasil sufocado por sua Metró-pole, vivendo sem universidades, imprensa, etc. Daí que “De freiVicente do Salvador (século XVI [sic, frei Vicente escreveu nas pri-meiras décadas do século XVII; sua História do Brasil é de 1627])a Varnhagen (século XIX) a contribuição histórica é escassa”.98

Na mesma linha, os debates políticos no Segundo Reinado, e, es-pecialmente, na transição para a República, trariam a proeminên-cia dos estudos de história política (embora não sua exclusivida-de), pois mais próxima das preocupações dos autores de então.99

Efetivamente, embora Mello parta de amplas balizas, consi-dera que podemos falar de fato em historiografia brasileira apenasapós a Independência, em particular no Segundo Reinado, pois sóentão começaríamos a ter uma cultura brasileira, como resultadodas lentas mudanças iniciadas com a vinda da Corte em 1808.Desprovido de tradição cultural, a cultura brasileira ainda sofre-ria, no Império, de “passividade” em relação à cultura europeia e,posteriormente, à norte-americana, recebendo de ambas suas dire-trizes.100 Nessas condições surge, no decorrer do século XIX, um“movimento renovador da história”, que tem em Varnhagen seuprincipal expoente, “apontado por muitos, e com justiça, como opai da historiografia brasileira [grifo nosso]”.

Firma-se, nessa ocasião, o culto pela documentação, a exem-plo do magistral autor da História geral do Brasil, que seapoia em documentário inédito [. . .]. Num sentido amplopode-se afirmar que os meados do século XIX marcam a faseembrionária da historiografia brasileira, em que as tentativasbibliográficas se esboçam ao par da evolução dos métodos depesquisa histórica, que já se inspiram no estudo das fontes,bem como numa incipiente crítica, falha, por vezes, mas ins-piradora de futuras observações.101

97 Ibidem. 98 Ibidem, p. 382. 99 Ibidem, pp. 384-5.100 Ibidem. 101 Ibidem (grifo nosso).

Page 40: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

54

A crítica documental (o “estudo das fontes”) aparece paraMello, portanto, como um incipiente critério próprio da historio-grafia, a diferenciá-la como produção intelectual. O final do Se-gundo Império presencia um novo momento importante da histo-riografia, com outro historiador a ser-lhe fundamental. Em ummomento em que crescem, e melhoram em qualidade, os estudosde história política, novos campos também são buscados:

Já não bastam as fontes para a interpretação dos fatos histó-ricos: acentua-se já o interesse pelo meio físico, e pelos fato-res sociais para a explicação dos fenômenos históricos nacio-nais. Avulta nessa época a figura ímpar da história modernabrasileira, o grande Capistrano de Abreu. Sua larga culturahistórica permitiu-lhe concentrar sua atenção em problemasantes descurados pelos antecessores. O magistral autor deCaminhos antigos e povoamento do Brasil ampliou os estu-dos sobre o bandeirismo, focalizou o problema da expansãogeográfica, estudou a importância das grandes vias de comu-nicação em relação ao fenômeno da formação territorial dopaís, esboçando um novo método que teria, como teve, exce-lentes e devotados continuadores.102

Se Varnhagen capitaneou a fase “embrionária” da historio-grafia brasileira, Capistrano já aparece à frente da “história [comosinônimo de historiografia] moderna brasileira”. A importânciado meio e o estudo da sociedade se destacam nessa renovação, apartir do problema posto por Capistrano para o entendimento dahistória do Brasil, qual seja, a ocupação do território. Para o au-tor, Capistrano foi importante ainda por ter esboçado um novométodo; embora método, aqui, pareça dizer respeito mais a pro-blemática que a conjunto de procedimentos. Vale dizer que Astro-gildo Rodrigues de Mello complementa sua análise, ao longo detodo o artigo, com notas de rodapé repletas de indicações biblio-gráficas das obras que menciona. Astrogildo é o único, entre osquatro autores centrais de nossa análise, a escrever em periódico

102 “Os estudos históricos no Brasil”, cit., p. 383.

Page 41: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

55

acadêmico, o que talvez explique a abundância, extensão e rigorde suas notas, quase um testemunho do quanto este aparato pas-sou a fazer parte da identidade dos trabalhos historiográficos.103

Além disso, Astrogildo é o autor que utiliza mais amplamente acategoria de historiografia brasileira, como já pontuamos.

Astrogildo assinala a importância da sociologia para os estu-dos históricos. Mello destaca que o livro Os sertões, de Euclides daCunha, “traçou uma nova rota para os estudos sociológicos, fixan-do em cores vivas a personalidade do sertanejo, [e que] intensifi-cam-se hoje as produções sociológicas que encontram em GilbertoFreyre a sua mais alta expressão”.104 A “produção sociológica”conta ainda com os trabalhos de J. F. de Almeida Prado, AfrânioPeixoto, Belisário Pena, Alberto Torres, José Veríssimo, MonteiroLobato, Roquete-Pinto, Sílvio Romero e Oliveira Viana.105 Segun-do Mello, naquele momento, após, principalmente, Casa-grande esenzala, projetava-se “uma corrente de historiadores patrícios, cujaorientação está voltada para o problema social, principalmenteem fácies regional”; como se, a partir dos estudos de feição socio-lógica, que têm em Os sertões um marco inicial, os historiadoresbrasileiros tenham passado a ocupar-se do social (deixando de lado,pode-se conjeturar, a atenção quase exclusiva aos aspectos políti-co-administrativos — antes Mello identificara em Capistrano umamudança de foco nos estudos históricos em direção aos aspectosgeográficos). Mello não diferencia explicitamente, como fez Sér-gio Buarque de Holanda, estes estudos sociológicos do que seria ahistoriografia stricto sensu. A sociologia talvez seja uma das “ciên-cias subsidiárias, indispensáveis à melhor compreensão do «facies»histórico”, através das quais “o campo da investigação histórica sevai alargando gradativamente” nos “dias atuais”, segundo diz Mellona citação acima transcrita. Se for assim, postula-se, aqui, a cen-tralidade da história dentro das ciências sociais.

103 Remetemos, sobre a nota de rodapé, a Grafton, op. cit.104 Ibidem, p. 389, grifos nossos.105 Oliveira Viana também é entendido em outros momentos do texto como

historiador e/ou como um autor de estudo histórico-sociológico. Ibidem, p. 389. Cf.a lista de autores que Sérgio Buarque elenca como autores de estudos sociológicos, nanota 85 acima.

Page 42: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

56

Mello indica uma mudança fundamental na cultura brasilei-ra, em relação a seus momentos anteriores: o fim da “passividade”diante das teorias estrangeiras, e o início de uma produção cultu-ral original. Também é parte de um novo cenário o aumento donúmero de instituições que permitem o fomento da cultura, emparticular dos estudos históricos.106 Entre estas, destacam-se asuniversidades, que já trazem consigo um novo espírito: “A predo-minância dum espírito «universitário» de cultura histórica vemnorteando um progressivo incremento das pesquisas históricas cal-cadas em preciosos subsídios dos arquivos, que vêm aumentandoextraordinariamente o acervo documental de épocas notáveis denossa história”.107 A “historiografia brasileira”, como categoria,porém, aplica-se desde a época da Colônia, como aparece nos pa-rágrafos iniciais do artigo, que reproduzimos acima, muito embo-ra Mello defenda que só venha a existir de fato “historiografiabrasileira” quando pudermos falar em uma cultura brasileira, istoé, no século XIX. A produção recente (ao artigo, de 1951) parecevir coroar a afirmação de uma cultura nacional original, não maisreceptora passiva de influxos estrangeiros. Astrogildo não mencio-na, entretanto, como fez Sérgio Buarque de Holanda, a importân-cia dos professores estrangeiros que vieram para as Faculdades deFilosofia brasileiras, com os quais teve contato como estudante ecomo professor na Universidade de São Paulo. A defesa da exis-tência de uma cultura brasileira original talvez o tenha levado aexcluir os professores e obras estrangeiras.

***

Vimos, portanto, que o autor que utiliza a categoria historio-grafia brasileira de forma mais central em seu artigo é Astrogildo

106 “Aos tradicionais centros de cultura que foram no passado o Museu Na-cional, a Biblioteca Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Mu-seu Paulista, o Arquivo Nacional, o Museu Goeldi incorporam-se hoje as Faculdadesde Filosofia, Ciências e Letras do país, o Museu de Arte, o Departamento Municipalde Cultura de São Paulo, a Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade deSão Paulo, centros de primeira grandeza na projeção dos estudos históricos” (ibi-dem, p. 386).

107 Ibidem.

Page 43: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

57

Rodrigues de Mello. Capistrano emprega “estudos históricos”, quetambém aparece em Sérgio Buarque, e é o título do próprio artigode Astrogildo. Alcides Bezerra, por sua vez, usa a expressão “ciên-cia histórica”; embora seja o autor cuja análise esteja talvez maispróxima das histórias da literatura, nos juízos que expõe sobre osautores, insiste mais de uma vez no tratamento da história comociência.108 Vemos, por um lado, que todos os textos de algum modopraticam, no limite, o que hoje chamamos de resenha e/ou análisedo “estado da arte”.

Por outro lado, os quatro autores aqui analisados não se li-mitam a produzir um rol de autores e obras. Avaliam e hierarqui-zam a produção que discutem. Disso sobressai, em cada um doscasos, como que um ideal do que seria “historiografia brasileira”propriamente dita, uma reunião de atributos indispensáveis, e de-feitos a serem evitados. “Historiografia brasileira” ganha esse sen-tido, desse modo, por meio da interpretação de textos produzidossobre esse objeto chamado Brasil.

Seguindo a sugestão de José Honório Rodrigues, é possívelcaptar demandas distintas, mas relacionadas, a respeito da escritada história do Brasil nos quatro textos que Rodrigues identificoucomo pioneiros. De modo que os quatro estão inseridos em umcontexto de transformações por que passou a historiografia brasi-leira e a própria categoria de historiografia, do momento do finaldo Império (anos 1870), até o início da “rotinização” da produçãouniversitária (anos 1950).109 São textos que procuram atuar sobreo futuro da historiografia: procuram indicar um programa de pes-quisa e normas do que deveria ser feito a seguir. O período entre

108 Sérgio Buarque encara a história como uma ciência, equivalente às demais,na citação que transcrevemos acima: “No princípio está o espírito. Nunca, em ciên-cia alguma, a observação simplesmente passiva conduziu a resultados fecundos” (“Opensamento histórico”, cit., p. 602).

109 Usamos o termo “rotinização” no sentido em que é usada por AntonioCandido, em “A Revolução de 1930 e a Cultura”, que ali a remete, originalmente, aMax Weber (Antonio Candido. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro SobreAzul, 2006, p. 220). “Rotinização” é a aceitação, como “normais”, de práticasoutrora restritas a pequenos grupos e vistas até com desconfiança pela sociedade.Aqui, pensamos na “rotinização” da produção universitária como a disseminação denovas formas de conhecimento, como dissertações, teses, além de práticas tais quaisas defesas de teses.

Page 44: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

58

1878 e 1951, em que se espalham os artigos que analisamos, situa--se entre duas institucionalizações da escrita da história, entre a his-tória pensada e produzida pelo IHGB e pela Universidade, para to-marmos as que parecem ser as instituições mais marcantes de cadamomento.110 A questão da institucionalização da história comodisciplina no ensino superior é contemporânea à difusão do termo“historiografia” para indicar sua produção — expressão que fica,assim, disponível também para a historicização dessa produção.

Certamente, os quatro textos em questão podem ser considera-dos hoje estudos sobre a historiografia brasileira. São escritos queprocuram, a seus modos, contextualizar e avaliar a produção his-toriográfica, sendo ao mesmo tempo discursos autolegitimadoresdos “estudos históricos”, da disciplina universitária e, sobretudo,dos próprios autores. Textos que propõem ações, também, de de-marcação territorial interna e externa da disciplina de História.Definindo, assim, o que é o desejável e o indesejável na escrita dahistória brasileira do presente e do futuro. A originalidade quelhes atribui José Honório Rodrigues está, como já pontuamos, emtratar a “historiografia brasileira” com autonomia — em geral,relativa. O fato de perceberem o saber histórico como autônomo,portador de singularidades, faz com que interpretem e leiam a pro-dução sobre o passado nacional com os olhos da disciplina histó-rica, pensando em termos de método, teoria e produção de um co-nhecimento sobre o passado pautado por critérios de objetividade,de modo que não se poderia deturpá-lo, por preconceitos filosófi-cos ou políticos.

A definição do “conteúdo” da categoria varia conforme osautores e as especificidades do contexto de produção de cada texto.Para Capistrano de Abreu (1878), os “estudos históricos” remontamaos primeiros autores de obras com algum conteúdo historiográfico,desde a Colônia, incluindo autores estrangeiros. Para Alcides Be-zerra (1926, publicado em 1927), a periodização está dada a priori:apenas o século XIX. Para Bezerra, porém, é impossível falar de

110 Embora, em ambos os momentos, a produção historiográfica não tenhasido nunca exclusividade dessas duas instituições. Ver, dentre outros, Pereira & San-tos, op. cit.

Page 45: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

59

história do Brasil, ou ciência brasileira, autonomamente, descoladada existência da história, e/ou da ciência, da civilização da qual oBrasil faz parte, a civilização europeia. Por isso, inclui os autoresestrangeiros que tenham escrito histórias do Brasil. Sérgio Buarquede Holanda (1951), à maneira de Alcides Bezerra restringido pre-viamente pelas demandas do texto, limita-se à primeira metade doséculo XX, excluindo, na prática, os autores estrangeiros (emboraSérgio dê grande destaque, no final do texto, aos professores estran-geiros que vieram lecionar nas universidades brasileiras),111 já enxer-gando certa autonomia no campo dos estudos históricos no Brasil— autonomia que, cabe dizer, não surge apenas com as universida-des. Astrogildo Rodrigues de Mello (1951) considera, como Capis-trano, historiografia brasileira como todas as obras com algumviés historiográfico, mas que tenham sido escritas no Brasil, conside-rando a Colônia já como Brasil (também como faz Capistrano).112

Koselleck destaca que a história dos conceitos “deve registraras diferentes designações para os fatos (idênticos?), de forma que

111 Sérgio Buarque foi também assistente do prof. Henri Hauser na entãoUniversidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em 1936, um dos professoresestrangeiros que cita ao final do artigo. Sobre o papel de Henri Hauser ver Marietade Moraes Ferreira. “A trajetória de Henri Hauser”. In: Lucia Maria Bastos Pereiradas Neves et alli, op. cit., pp. 237-60.

112 Pensamos acima em como os quatro autores definiram historiografia bra-sileira buscando responder aos problemas que a definição desse conceito engendra,segundo Fernando A. Novais: “de fato, nem sempre os estudos de História de nossahistória têm levado em conta certos pressupostos indispensáveis à demarcação docorpus. Assim, quando consideramos “historiografia brasileira” no seu conjunto, doiscritérios são possíveis para elencar as obras: se tomamos como ângulo o sujeito dosdiscursos (isto é, os historiadores brasileiros, autores das obras), listamos todas asobras de historiadores brasileiros, mesmo que se refiram à Idade Média europeia, ouao Egito dos faraós; se, por outro lado, o referencial é o objeto de estudo (isto é, oBrasil), as obras de historiadores brasileiros sobre outros assuntos ficam necessaria-mente fora, entrando, em compensação, no elenco os estudos de estrangeiros sobre onosso país. A densa produção dos historiadores “brasilianistas”, por exemplo, integrao elenco no segundo caso, mas fica ausente no primeiro. Quando falamos “historio-grafia brasileira” stricto sensu queremos dizer o corpus das obras de historiadoresbrasileiros sobre o Brasil [. . .]. Isto porque estamos dando por resolvido um outroproblema preliminar, que entretanto é extremamente dificultoso: saber se os cronistasdos tempos coloniais entram, ou não, no corpus de nossa historiografia. O Brasilcomo tal não existia então, e nesse sentido seus cronistas antigos são a expressãodessa formação”. Fernando A. Novais. Aproximações: estudos de história e histo-riografia. São Paulo: Cosac & Naify, 2005, pp. 314-5.

Page 46: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

60

lhe seja possível explicar o processo de cunhagem dessas designa-ções em conceitos”.113 O intercâmbio recorrente entre os termos“estudos históricos”, “historiografia” e “história” (e até “teoria”),para designar, grosso modo, escrita da história, permanece talvezainda hoje. Podemos sugerir que, no desenrolar dos estudos sobrehistória da historiografia, houve um abandono progressivo da ex-pressão “estudos históricos”, em favor de “história” ou “historio-grafia”.114 Para além do que talvez seja uma exigência irreal decoerência, atentamos para as “imprecisões”, que não obstante for-mam a história de um campo em processo de autonomização ecrescente institucionalização, em que a identificação de uma his-tória própria, de antecedentes, precursores e afins, confere legiti-midade àquele processo.

Nessa linha, esperamos ter demonstrado que as “análises eteorias” “sociológicas” foram importantes, para os quatro auto-res a que nos dedicamos, na definição do fazer história. Capistra-no de Abreu reivindicou a apropriação da sociologia pelos histo-riadores. Alcides Bezerra louvou os estudos de Euclides da Cunhae Sílvio Romero, incluindo-os na rubrica “historiadores”. SérgioBuarque de Holanda e Astrogildo Rodrigues de Mello avaliaram,de forma geral, positivamente a repercussão dos estudos sociológi-cos de Gilberto Freyre e Oliveira Viana, entre outros, dentro deuma linhagem que remontaram a Euclides, sobre os “estudos his-tóricos”. Temos, por nossas próprias limitações, poucos elementosempíricos para considerar a questão das relações entre história e

113 Reinhart Koselleck. “História dos conceitos e história social”. Futuro pas-sado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto;PUC–Rio, 2006, p. 111.

114 O que não elimina a alternância entre as expressões tal qual, por exemplo,no trabalho de José Roberto do Amaral Lapa. O livro intitula-se Historiografiabrasileira contemporânea, tem como subtítulo “A história em questão”, e, na intro-dução da primeira edição, o autor afirma: “Procuramos traduzir nossas preocupa-ções sobre o atual estágio — íamos dizer crise — pelo qual passam os estudos histó-ricos no Brasil, e, portanto, a sua Historiografia”. José Roberto do Amaral Lapa.Historiografia brasileira contemporânea (a história em questão). Petrópolis: Vozes,1981 (2.a ed.; a primeira é de 1976), p. 7, grifo nosso. Carlos Fico & Ronaldo Politoretomariam, nos anos 1990, em suas bases, o critério de Amaral Lapa, embora comalgumas críticas: Carlos Fico & Ronaldo Polito. A História no Brasil (1980-1989).Elementos para uma avaliação historiográfica, vol. I. Ouro Preto: Ufop, 1992, críti-cas, pp. 19-20.

Page 47: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

61

sociologia, no final do século XIX, começo do século XX, caben-do-nos aqui apenas pontuar algumas posições, como a de PedroLessa, em favor da centralidade da sociologia em relação à história(aquela sendo uma ciência de fato), defendida por ele tambémdentro do IHGB. No contexto de Sérgio Buarque de Holanda eAstrogildo Rodrigues de Mello (ao qual, de forma alguma, podeser reduzida a questão), a sociologia passaria a ocupar, em seu pro-cesso de legitimação (e em meio a suas próprias disputas endóge-nas), espaços talvez tradicionalmente destinados aos historiadores,a partir dos anos 1930, com a instituição das cadeiras de sociolo-gia nas universidades. Luiz Carlos Jackson mostra o aumento donúmero de artigos de sociólogos na Revista do Arquivo Municipale na Revista do Museu Paulista; na primeira a partir dos anos 1940,na segunda a partir da década seguinte.115 Confrontar esse proble-ma adequadamente envolve contemplar essas disputas institucio-nais, aspecto que deixamos de lado aqui.116 Nosso foco fica, assim,principalmente no vislumbre essencialmente teórico que os quatroautores, separados quase que por gerações (de Capistrano a Alcides,e deste a Sérgio e Astrogildo), tiveram da relação entre a história eas emergentes ciências sociais de seu tempo. Podemos assinalar que

115 Segundo Jackson, a Revista do Arquivo Municipal passa a ter “presençamarcante” de Herbert Baldus, orientador de Florestan Fernandes na Escola Livre deSociologia e Política (onde Sérgio Buarque também foi professor), em uma longasérie de artigos publicados a partir de 1944. “Em 1946, no conhecido número especialsobre Mário de Andrade, Florestan Fernandes publicaria pela primeira vez no perió-dico, ao lado de Roger Bastide, Antonio Candido, Paulo Duarte e Sérgio Milliet. Onúmero marca, entre outras coisas, o começo da colaboração frequente do autor,viabilizada possivelmente pela intervenção de Baldus” (Luiz Carlos Jackson. “Asociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965)”. Tempo Social, vol. 16,n.o 1 [jun. 2004], p. 265). Herbert Baldus passou ainda a editar, a partir de 1947, anova série da Revista do Museu Paulista (onde Sérgio Buarque era diretor). Nela,sairiam publicadas também teses de doutoramento completas da área de sociologia,como as de Gilda de Mello e Souza e Florestan Fernandes. (Vale dizer que o artigo deLuiz Carlos Jackson não trata das relações entre história e sociologia, tendo comofoco as disputas por hegemonia entre os diferentes projetos acadêmicos internos apenasà sociologia.) A própria Revista de História, em que saiu o artigo de Astrogildo Rodriguesde Mello, abrigava textos de outras ciências humanas, como vimos pelo artigo desociologia de Fernando de Azevedo, ao qual outros exemplos poderiam se somar.

116 Nesse sentido, Sérgio Buarque, ao afirmar a existência de uma historiografiastricto sensu, estaria defendendo as fronteiras específicas da história, ante as demaisciências humanas?

Page 48: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

62

a sociologia passa a ser o objeto de diálogo da historiografia, apartir das últimas décadas do século XIX (1870 talvez possa serdado como marco); nenhum dos autores com que nos ocupamospreocupa-se muito em justificar por que suas análises já se encon-tram fora do âmbito das histórias da literatura.117 Este diálogo,aliado a uma postura reflexiva ante a escrita e o próprio conceitode história, são os dois principais elementos que destacamos comofundamentais para criarem as condições de possibilidades para aemergência da categoria “historiografia brasileira”.

Nossa pesquisa nos leva a intuir (talvez, para futuras investi-gações) que o desenvolvimento de uma tradição especializada, frutode uma série de trabalhos de “historiografia”, aliado às ambiguida-des semânticas da categoria de historiografia, possibilitam que ocampo de experiência da historicidade da produção histórica di-funda (ou pelo menos, torne mais disponível), a partir das décadasde 1950/1960, a expressão história da historiografia. É necessáriolembrar as considerações de Koselleck, quando afirma a “tensãoprodutiva” entre história dos conceitos e história social, isto é, quenem sempre haverá coincidência precisa entre um fato, ou umaprática social, e um conceito para designá-lo(a).118 No nosso caso,isso equivale a dizer que os estudos sobre a pesquisa histórica e aescrita da história não ficaram à espera da categoria “historiogra-

117 A remissão às ciências sociais como elementos de uma “nova” história,estabelecendo assim a diferença em relação a uma historiografia “tradicional” (asaspas são nossas, e denotam propositadamente uma classificação rudimentar), queseria identificada à historiografia dos institutos históricos, talvez mereça ressalvas.Considerando os textos de história da historiografia também enquanto tentativas deestabelecer um cânone da historiografia brasileira, devemos observar que essa his-toriografia “tradicional” não está obrigatoriamente excluída do cânone, e este nãose ergue, necessariamente, em oposição a ela. Ao menos parece ser o caso de SãoPaulo, em função, principalmente, da figura de Afonso d’Escragnolle Taunay (1876--1958). Taunay foi professor de Sérgio Buarque de Holanda e seu antecessor noMuseu Paulista. Sua contribuição à historiografia é muito valorizada em “O pensa-mento histórico”, e em “Os estudos históricos”, de Astrogildo Rodrigues de Mello(com menos intensidade), como também será por Eurípides Simões de Paula, em“Algumas considerações sobre a contribuição da Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas da Universidade de São Paulo para a Historiografia Brasileira”.In: Revista de História da USP, n.o 18 (88), out.-dez. 1971, p. 431. Taunay é um dos“mestres nacionais”, segundo Eurípides, fundamentais nos começos do curso deGeografia e História da Universidade de São Paulo.

118 Koselleck. “História dos conceitos e história social”, cit., p. 114.

Page 49: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

63

fia” ou da expressão “história da historiografia” para serem reali-zados. No mesmo sentido, cabe apontar os desenvolvimentos nessaárea nas últimas quatro décadas no Brasil, que não necessariamen-te podem ser rastreados até a obra de José Honório Rodrigues, emuito menos até os quatro textos aqui analisados, que estão longede ser de amplo conhecimento dentro da comunidade dos historia-dores. A importância crescente da história da historiografia tambémtem a ver, evidentemente, com estratégias e batalhas institucionaisentre os historiadores, que praticamente ignoramos em nossa aná-lise. Outro ponto ausente aqui é o desenvolvimento da prática edas reflexões sobre história da historiografia em outros centros,fora do Brasil, e suas relações com as reflexões ocorridas aqui (algoque quase sugere Alcides Bezerra, ao vincular a produção científicanacional à ciência europeia, e que vimos de relance na análise daresenha de Max Fleiuss). Mas cremos que, limitando nossas con-clusões, seja válido sondar a disseminação da terminologia “histo-riografia” no espaço de tempo que contemplamos (1878-1951), esuas consequências no processo de institucionalização da Histórianas universidades, contribuindo com um aparato teórico e com oprocesso de construção de memória e legitimação da História,mediante o estabelecimento de linhagens de precursores. Estudar ahistória da historiografia descolada da história da literatura, bus-cando para isso um conceito adequado (pois nomear o objeto deacordo com a nomenclatura das histórias da literatura, em rubri-cas como “Historiadores”, ou “História”, deveria parecer insufi-ciente); pensar a importância das demais ciências sociais para ahistória, principalmente nos caminhos a serem seguidos pela his-toriografia; estabelecer um “ideal” de historiador; e apresentar, soba forma de linhas de força, uma incipiente tentativa de estabeleceruma memória e tradição da historiografia brasileira,119 são traçosdestes textos, e, por conseguinte, do momento que analisamos.

119 A respeito da constituição dessa memória, além do texto de Gontijo &Franzini já citado, cabe lembrar (como nos fez Rebeca Gontijo) a importância domomento do Estado Novo na construção de um panteão da historiografia brasileira;momento esse que atravessaram Sérgio Buarque de Holanda e Astrogildo Rodriguesde Mello. Sobre o Estado Novo e a história da historiografia brasileira, cf. Angela deCastro Gomes. História e historiadores, cit.

Page 50: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

64

Assim, o que pretendemos demonstrar com nosso estudo éque, tendo em vista os limites de nossa investigação, no Brasil, acategoria historiografia — e mesmo, história da historiografia —tem seu uso disseminado pelos autores que já trabalham no meiouniversitário (como é o caso de Sérgio Buarque de Holanda e As-trogildo Rodrigues de Mello), mesmo que permaneça, fortemente,a terminologia “estudos históricos”. Vale lembrar que José Honó-rio Rodrigues (quase um quinto autor analisado aqui), emboratrabalhando fora do meio universitário, também usa “historio-grafia” por essa época, na primeira edição de seu Teoria da Histó-ria do Brasil, de 1949 — escrito após período nos Estados Unidos,onde frequentou a Universidade de Columbia.

A emergência de uma categoria, associada ao conceito de his-tória, e a criação de uma tradição associada a ele abre uma dimen-são do real antes negligenciada, mas também altera, ou mesmooblitera, outras dimensões. A leitura que passou a ser feita dosautores de histórias anteriores ao século XIX talvez seja um exem-plo. Estudos recentes notaram a visão por vezes anacrônica de his-toriadores oitocentistas, e/ou do início do século XX, como Var-nhagen e Capistrano de Abreu, a autores como Rocha Pita e FreiVicente do Salvador, julgando-os segundo os padrões da historio-grafia oitocentista.120 As noções de história — e de historiografia— que os autores utilizaram nesses casos, prejudicaram a aprecia-ção da historicidade daquelas obras.

Nesse texto, pudemos observar tentativas de definir e avaliarconjuntos de obras históricas sobre o Brasil. A forma como osquatro autores centrais de nossa análise lograram constituir seuobjeto indica mais que controvérsias bibliográficas, sobre que obrascabem ou não nesse tipo de panorama, ou disputas referentes aopassado, mas tensões contemporâneas a cada autor. Em particular,chamem-se “estudos históricos”, “ciência histórica”, ou “histo-riografia”, está em jogo o que cada autor reivindica como o “fa-

120 Cf. Eduardo Sinkevisque. Retórica e política: a prosa histórica dos séculosXVII e XVIII. Introdução a um debate sobre gênero. Mestrado. São Paulo: Univer-sidade de São Paulo, 2000 e Luiz Cristiano O. de Andrade. A narrativa da vontadede Deus: a História do Brasil de frei Vicente de Salvador (c. 1630). Mestrado. Rio deJaneiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.

Page 51: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

65

zer História” de fato (ou stricto sensu, como afirma Sérgio Buar-que de Holanda). O conceito de História, em cada um, é semprecentral. Um saber específico, articulado sobre procedimentos emétodos conhecidos, que se busca legitimar por meio de sua re-tomada histórica, por meio da apreciação de autores que a repre-sentam exemplarmente, podendo ser verdadeiros caminhos a se-guir, ou dos quais se afastar. O lugar de quem escreve tambémestá, porventura, implícito nesses históricos. Mais que individual-mente, apontam-se caminhos coletivos para a escrita da históriano Brasil, que, nos dois últimos autores, convergem para a his-tó-ria nas universidades. A disciplina universitária também pre-cisará de seus meios de legitimação e autocrítica, e entre eles figu-rará a história da historiografia. Esse termo, “historiografia”, ape-nas incluído no dicionário Moraes e Silva de língua portuguesa,como vimos, em 1891, passará a disseminar-se nas primeiras déca-das do século XX, indicando a escrita da história (e diferenciando-a do processo histórico, da história vivida), e tornando-se prefe-rencial para designar o objeto dos estudos sobre essa escrita, a“história da história” — embora sua disseminação esteja distantede ser imediata, ou plena. A constituição do campo de estudos“história da historiografia”, e seus usos, em particular no meiouniversitário, certamente demandam pesquisa mais abrangente quea feita aqui.

De nossa parte, cabe talvez localizar, na primeira metade doséculo XX, a demanda, em diversos espaços, por textos que reali-zassem histórias da escrita da história no/do Brasil, no mesmo pro-cesso de delimitação de fronteiras da disciplina de História, e cons-tituição de uma memória de sua produção no Brasil.

O processo aqui descrito é produto do aprofundamento doconceito moderno de história, à medida que a história passa a serproduzida nas universidades? Ou na verdade é parte do processomaior, que alguns localizam no pós-Segunda Guerra Mundial, deesvaziamento do conceito moderno de história? São perguntas paraoutras investigações. O que podemos dizer é que a constituição dacategoria “historiografia brasileira” deve ser entendida em funçãode uma crítica a uma concepção realista do conceito de história;da autolegitimação e do processo de autonomização da disciplina

Page 52: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

66

histórica produzida pelo IHGB;121 da construção de uma memóriadisciplinar; bem como da necessidade de distinguir a história pro-duzida pelas universidades de outras representações sobre o passa-do. É provável que a ampla aceitação da categoria talvez possa serexplicada também pelo fato de que apesar de todas as ambiguida-des, historiografia guarda uma abertura maior dos objetos de pes-quisa do “campo” — mas, não apenas, que talvez a ideia de umahistória da historiografia restrinja. Talvez seja por essas razões queManoel Luiz Salgado Guimarães ainda prefira historiografia, comovemos na segunda epígrafe de nosso texto.122

Para retomar a pergunta presente no título gostaríamos detrazer o caso da Alemanha, onde desde o final do século XVIII, apalavra Geschichte (História) absorveu desde o final do séculoXVIII a significação da palavra Historie (Histórias ou mesmo His-tória).123 Ao que parece, no Brasil, na primeira metade do séculoXX, pelo menos na linguagem dos historiadores profissionais euniversitários, a palavra historiografia acaba por absorver diversassignificações do conceito de história, deixando de lado as dimen-sões políticas e sociais do conceito moderno de história. Ainda quehistoriografia se refira ao coletivo singular história, ela acaba porganhar autonomia própria. A categoria tem a vantagem de não seconfundir, como o conceito de história, com a história em si, oprocesso vivido. Trata-se, assim, provavelmente de uma sofistica-ção (ou de tentativa de solução das ambiguidades) do próprio con-ceito de história e também da radicalização da pretensão científica

121 Como bem aponta Lucia Maria Paschoal Guimarães: “apesar da criaçãodos cursos de história, em 1934 e 1935, o IHGB continuaria a ser o lócus privilegiadoda produção historiográfica, ao lado dos institutos históricos regionais. O desloca-mento para o âmbito universitário só se concretizou por volta da década de 1960”.Lucia Maria Paschoal Guimarães. “Sobre a história da historiografia brasileira comocampo de estudos e reflexões”. Márcia de Almeida Gonçalves, Rebeca Gontijo,Lucia Maria Paschoal Guimarães & Lucia Maria Bastos Pereira das Neves. Estudosde historiografia brasileira. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2011, pp. 19-35, p. 29.

122 Manoel Luiz Salgado Guimarães. “O presente do passado: as artes de Clioem tempos de memória”. In: Martha Abreu, Raquel Soihet & Rebeca Gontijo (orgs.).Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 25-41 (a citação é da página 39).

123 Ver Reinhart Koselleck. “Le concept d’histoire”. L’expérience de l’histoire.Paris: Seuil/Gallimard, 1997, p. 15-101. Ver, em especial, pp. 23-8.

Page 53: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

67

deste conceito. A categoria “historiografia” abre, portanto, umnovo espaço de experiência, a saber: da história “científica” pro-fissional e universitária. Trata-se, provavelmente, de uma busca deruptura com as escritas da história anteriores. O caso de SérgioBuarque de Holanda é curioso, pois se tratará de uma tentativa deruptura consigo mesmo.124 A categoria historiografia talvez tenhase transformado, pelos indícios evocados neste texto, no princípioregulador das expectativas da escrita da história universitária. Aoque parece, a ambígua, mas reflexiva, categoria historiografia setornou, desde então, uma espécie de categoria transcendental quevisa a condição de possibilidade da única escrita da história possí-vel: a história escrita por profissionais formados pela universidade.As representações do passado construídas fora desta lógica de po-der podem até ser história, mas seriam historiografia? É certo, detodo modo, que a categoria historiografia também não será capazde resolver o enigma da história ou, simplesmente, do passado.

Referências

FONTES PRIMÁRIAS

ABREU, João Capistrano de. Ensaios e estudos: crítica e história, 1.a

série. Rio de Janeiro: Livraria Briguiet, 1931; ABREU, João Ca-pistrano de. Ensaios e estudos: crítica e história, 1.a série, 2.a

edição. Rio de Janeiro-Brasília: Civilização Brasileira-INL, 1975.BEZERRA, Alcides. Os historiadores do Brasil no século XIX. Rio de

Janeiro: Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, 1927. Separatado Relatório anual da Diretoria do Arquivo Nacional referente a1926, apresentado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. “O pensamento histórico no Brasil nosúltimos cinquenta anos”. Correio da Manhã, 15-6-1951, pp. 1-3.

EUGÊNIO, João Kennedy & MONTEIRO, Pedro Meira. Sérgio Buar-que de Holanda: perspectivas. Campinas-Rio de Janeiro: Ed.Unicamp-Eduerj, 2008, pp. 601-15.

MELLO, Astrogildo Rodrigues de. “Os estudos históricos no Brasil”.Revista de História, n.o 6, pp. 381-90.

124 A este respeito ver o artigo de João Kennedy Eugênio. “Um horizonte deautenticidade. Sérgio Buarque de Holanda: monarquista, modernista, romântico(1920-1935)”. In: Eugênio & Monteiro (orgs.), op. cit., pp. 425-59.

Page 54: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

68

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu,vol. I. 2.a ed. organizada e prefaciada por José Honório Rodri-gues. Rio de Janeiro-Brasília: Civilização Brasileira-INL, 1977.

Anais do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Semináriode Estudos Brasileiros. São Paulo: IEB, 1972.

ANDRADE, Luiz Cristiano O. de. A narrativa da vontade de Deus: aHistória do Brasil de frei Vicente de Salvador (c. 1630). Mestra-do. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.

Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. I. São Paulo: Se-ção de Publicações da FFCL/USP, 1953.

—. Vol. II. São Paulo: Seção de Publicações da FFCL/USP, 1953.ARAUJO, Valdei Lopes de. “Sobre o lugar da história da historiogra-

fia como disciplina autônoma”. Locus (Juiz de Fora), vol. 12, n.o

1, pp. 79-94, 2006.ARAUJO, Valdei Lopes de & NICOLAZZI, Fernando. “A história da

historiografia e a atualidade do historicismo: perspectivas sobrea formação de um campo”. In: ARAUJO, Valdei Lopes de. [etal.] (orgs.). A dinâmica do historicismo: revisitando a historio-grafia moderna. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008.

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc,2006.

AZEVEDO, Fernando de. “A sociologia na América Latina e, particu-larmente, no Brasil”. Revista de História, vol. 1, ano 1, n.o 3,jul.-set. 1950, reimpressão de 1974, pp. 339-61.

BICHUETTE, Stela de Castro. “Sebastianópolis, ou o Rio de Janeiroem vários tons”. História em Reflexão. Revista Eletrônica deHistória, vol. 2, n.o 4, Dourados: UFGD, jul.-dez. 2008; acessoem 27-9-2010.

BLANKE, Horst Walter. “Para uma nova história da historiografia”.In: MALERBA, Jurandir. A história escrita: teoria e história dahistoriografia. São Paulo: Contexto, 2006, pp. 27-64.

BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Riode Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez, e latino, áulico, anatomi-co, architectonico, bellico, botanico. . . autorizado com exemplosdos melhores escritores portuguezes e latinos e offerecido a El-Reide Portugal D. João V. Hildesheim: Georg Olms Verlag, 2002, NovaYork (edição fac-similar).

Page 55: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

69

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. São Pau-lo: Papirus, 1996.

—. Os usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campocientífico. São Paulo: Ed. Unesp, 2004.

BOUTIER, Jean; PASSERON, Jean-Claude & REVEL, Jacques (eds.).Qu’est-ce qu’une discipline? Paris: Ehess, 2006.

CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: OuroSobre Azul, 2006.

CEZAR, Temístocles. “Narrativa, cor local e ciência. Notas para umdebate sobre o conhecimento histórico no século XIX”. In: Histó-ria Unisinos, vol. 8, n.o 10, jul.-dez. 2004.

—. “Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência”.Topoi, vol. 8, n.o 15, jul.-dez. 2007, pp. 159-207.

—. “Lições sobre a escrita da história: as primeiras escolhas do IHGB. Ahistoriografia brasileira entre os antigos e os modernos”. In: GON-ÇALVES, Márcia de Almeida; GONTIJO, Rebeca; GUIMARÃES,Lucia Maria Paschoal & NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das.Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2011.

CHARTIER, Roger. “Pierre Bourdieu e a história. Roger Chartier de-bate com José Sérgio Leite Lopes”. Topoi, Rio de Janeiro, vol. 4,2002.

DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade erepresentação. Bauru: Edusc, 2002.

DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova Histó-ria. Bauru: Edusc, 2003.

FICO, Carlos & POLITO, Ronaldo. A História no Brasil (1980-1989).Elementos para uma avaliação historiográfica. Vol. I. Ouro Pre-to: Ufop, 1992.

FRANÇA, Eduardo d’Oliveira. Entrevista em Estudos Avançados, 8(22), 1994, pp. 151-60.

FRANZINI, Fábio & GONTIJO, Rebeca. “Memória e história da his-toriografia no Brasil: a invenção de uma moderna tradição, anos1940-1960”. In: SOIHET, Rachel; ALMEIDA, Maria ReginaCelestino de; AZEVEDO, Cecília & GONTIJO, Rebeca (orgs.).Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

GOMES. Angela de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro: Ed.Fundação Getúlio Vargas, 1999.

—. A República, a história e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm,Fino Traço Ed., 2009.

Page 56: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

70

GONTIJO, Rebeca. “Manoel Bomfim, «pensador da história» na Pri-meira República”. Revista Brasileira de História. São Paulo, vol.23, n.o 45, pp. 129-54, 2003.

—. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao his-toriador. Doutorado. Niterói: Universidade Federal Fluminense,2006.

GRAFTON, Anthony. The footnote: a curious history. Cambridge,Mass.: Harvard University Press, 1998.

GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. “Sobre a história da historio-grafia brasileira como campo de estudos e reflexões”. In: GON-ÇALVES, Márcia de Almeida; GONTIJO, Rebeca; GUIMARÃES,Lucia Maria Paschoal; NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das.Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: FGV Ed.,2011, pp. 19-35.

GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. “Entre amadorismo e profissio-nalismo: as tensões da prática histórica no século XIX”. Topoi,Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 184-200.

—. “A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista no Bra-sil”. In: CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania noimpério: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-ra, 2007.

—. “O presente do passado: as artes de Clio em tempos de memória”.In: ABREU, Martha; SOIHET, Raquel & GONTIJO, Rebeca (orgs.).Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino dehistória. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 25-41.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of presence. What meaningcannot convey. Stanford: Stanford University Press, 2004.

HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil. 4.a ed. Belo Horizon-te-São Paulo: Itatiaia-Ed. da Universidade de São Paulo, 1982.

IGGERS, Georg G. Historiography in the twentieth century: from scien-tific objectivity to the postmodern challenge. Middletown, Con:Wesleyan University Press, 2005.

JACKSON, Luiz Carlos. “A sociologia paulista nas revistas especializa-das (1940-1965)”. Tempo Social, vol. 16, n.o 1 (jun. 2004), pp.263-83.

JÚNIOR, João Feres (org.). Léxico da história dos conceitos políticosdo Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009.

KOSELLECK, Reinhard. “História dos conceitos e história social”.Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.Rio de Janeiro: Contraponto-PUC/Rio, 2006.

Page 57: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

71

—. “Le concept d’histoire”. L’expérience de l’histoire. Paris: Seuil/Galli-mard, 1997.

LAPA, José Roberto do Amaral. Historiografia brasileira contemporâ-nea (a história em questão). Petrópolis: Vozes, 1981 (2.a ed.; pri-meira de 1976).

LESSA, Pedro. É uma historia uma sciencia? São Paulo: Typ. da CasaEclectica, 1900.

—. Discursos e conferencias. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Com-mercio, de Rodrigues & C., 1916.

LIMONGI, Fernando. “Mentores e clientelas da Universidade de SãoPaulo”. In: MICELI, Sergio (org.). História das ciências sociaisno Brasil. Vol. I. São Paulo: Ed. Sumaré, 2001, pp. 135-221.

MATTOS, Selma Rinaldi de. Para formar os brasileiros: o Compêndioda história do Brasil de Abreu e Lima e a expansão para dentrodo Império do Brasil. Doutoramento. São Paulo: FFLCH/USP,2007.

MEDEIROS, Bruno Franco. “Alphonse de Beauchamp e a história doBrasil: escrita da história, querelas historiográficas e leituras dopassado no Oitocentos”. Almanack Braziliense. São Paulo, n.o

11, pp. 131-8, mai. 2010.MELLO, Astrogildo Rodrigues de. “Os primórdios da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo”, Re-vista de História, n.o 52, 104, out.-dez. 1975, pp. 717-22.

NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do paraíso e aobra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo:Edusp, 2008.

NICOLAZZI, Fernando F. Um estilo de história: a viagem, a memó-ria, o ensaio. Sobre Casa-grande & senzala e a representação dopassado. Doutorado. Porto Alegre: Universidade Federal do RioGrande do Sul, 2008.

NOVAIS, Fernando A. “Problemática da historiografia brasileira”. In:ARRUDA, José Jobson & FONSECA, Luís Adão da (org.). Bra-sil-Portugal: história, agenda para o milênio. Bauru-São Paulo--Portugal: Edusc-Fapesp-ICCTI, 2001.

—. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Co-sac & Naify, 2005.

PAULA, Eurípedes Simões de. “Algumas considerações sobre a contri-buição da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas daUniversidade de São Paulo para a historiografia brasileira”. In:Revista de História da USP, n.o 18 (88), out.-dez. 1971.

Page 58: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

72

PEREIRA, Daniel Mesquita. Descobrimentos de Capistrano. A históriado Brasil a “grandes traços e largas malhas”. Doutorado em His-tória Social da Cultura. Rio de Janeiro: Departamento de Históriada Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2002.

PEREIRA, Mateus H. F. & SANTOS, Pedro A. C. dos. “Odisseias doconceito moderno de história: necrológio de Francisco Adolfo deVarnhagen, de Capistrano de Abreu, e o Pensamento histórico noBrasil nos últimos cinquenta anos, de Sérgio Buarque de Holan-da, revisitados”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, vol.50, 2010, pp. 27-78.

PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. “A academia Brazílica dosEsquecidos. Estudo histórico e literário”, publicado na Revista doInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. XXXI, pp. 5-32, de1868, e t. XXXII, pp. 53-70, de 1869.

REIS, José Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010.Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 97, vol. 151,

1925.RODRIGUES, José Honório. História da História do Brasil. Primeira

parte: Historiografia Colonial. 2.a São Paulo: Nacional, 1979.ROIZ, Diogo da Silva. “A institucionalização do ensino universitário

de Geografia e História na Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1956”. Agora,Santa Cruz do Sul, vol. 13, n.o 1, pp. 65-104, jan.-jun. 2007.

ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 6.a ed. Organiza-da e prefaciada por Nelson Romero. Rio de Janeiro: José Olym-pio, 1960. 1.a ed. 1888.

SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. Rio de Janeiro: Im-prensa Nacional, 1887.

—. História do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Leuzinger & Filhos, 1889.SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza composto

pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado porAntonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro (volume 1 A--K). Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789.

Diccionario da Lingua Portugueza, composto por Antonio de MoraesSilva, natural do Rio de Janeiro. Sexta edição melhorada, e mui-to accrescentada pelo desembargador Agostinho de MendonçaFalcão, socio da Academia Real das Sciencias de Lisboa. TomoII F-Z. Lisboa: Typographia de Antonio José da Rocha, 1858.

—. Rio, Lisboa: Editora – Empreza Litteraria Fluminense de A. A. daSilva Lobo, 8.a edição, 1891.

Page 59: PEREIRA, Mateus. H. F. Mutações Do Conceito Moderno de Historia Um Estudo Sobre a Constituicao Da Categoria Historiografia Brasileira

73

—. Lisboa: Editorial Confluência, 10.a ed., 1949.SILVA, Rogério Forastieri da. História da historiografia: capítulos para

uma história das histórias da historiografia. Bauru: Edusc, 2001.SINKEVISQUE, Eduardo. Retórica e política: a prosa histórica dos

séculos XVII e XVIII. Introdução a um debate sobre gênero.Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2000.

SODRÉ, Nelson Werneck. O que se deve ler para conhecer o Brasil.Rio de Janeiro: Companhia Editora Leitura, 1945.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. “Primeiro juízo submetido aoInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro pelo seu sócio Francis-co Adolfo de Varnhagen, acerca do «Compêndio da História doBrasil» pelo Sr. José Ignacio de Abreu e Lima”. Revista Trimen-sal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 6, 1844.

VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira de Bento Teixeira(1601) a Machado de Assis (1908). 4.a ed. Introdução de Heronde Alencar. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963. 1.a

ed. 1916.WEHLING, Arno. “Capistrano de Abreu: a fase cientificista”. Revista

do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n.o 311, pp. 43-91,1976.

—. Estado, história, memória: Varnhagen e a construção da identida-de nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.