Pereira Vi-Jejoko e -jepota: controle e desejo entre os Guarani Mbyacente Cretton PARA LER

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    -Jejokoe -jepota: controle e desejo entre os Guarani Mbya

    Vicente Cretton PereiraDoutorando em antropologia

    PPGA - UFF

    Resumo

    Este trabalho uma tentativa de colocar o desejo como uma uest!o central da etnogra"ia

    guarani mb#a$ articulando$ para isso$ conte%tos em ue ele aparece como crucial para a

    manuten&!o da sa'de e do ponto de vista humano$ bem como conte%tos em ue justamente

    por desejar (demais) ue o sujeito perde sua perspectiva humana* Para tanto privilegiarei a

    apresenta&!o de cinco mitos escolhidos nos cl+ssicos trabalhos de ,*Cadogan e C*imuendaju

    relacionando-os com situa&.es observadas durante o trabalho de campo com os Guarani /b#a

    ue ora habitavam a 0egi!o 1ce2nica de iter3i 4056$ e ue se mudaram recentemente para

    /aric+ 4056* 7entarei mostrar ue h+ uma l3gica do (conter-se) 4-jejoko6 atuando tanto na

    etiueta mb#a$ ordinariamente$ como em posturas %am2nicas capa8es de ligar cada indiv9duo

    com as divindades* Contrariamente$ a mani"esta&!o incontida de desejo por algo ou o desejo

    por coisas ue n!o s!o (adeuadamente) desej+veis para os /b#a$ pode$ no limite$ alterar a

    pessoa a ponto de$ junto com sua perspectiva humana$ ela perder tambm seu corpo humano$

    trans"ormando-se em animal 4-jepota6* :aber o ue e como uerer 4-pota$ -xe$ regua6 seria$portanto$ "undamental tanto na tica como no %amanismo guarani mb#a*

    Palavras-chave; Guarani /b#a< etnologia sul americana< %amanismo e desejo

    1.Introduo*1 presente trabalho parte da minha tese de doutoramento$ ainda em "ase de

    elabora&!o$ e um dos resultados de um contato com os Guarani /b#a iniciado em =>>? e

    ue persiste at os dias de hoje 4embora bem menos "reuente do ue nos per9odos de trabalho

    de campo e"etivo6* o re"erido ano ocorreu uma mudan&a de um grupo /b#a @ uma "am9lia

    (e%tensa)$ melhor di8endo @ de Parat# para iter3i$ ocasi!o a partir da ual pude me

    apro%imar deles de "orma "reuente$ j+ ue era morador de iter3i desde sempre* A (aldeia

    das sementes) 4Tekoa mboy ty6$ como viria a ser chamada$ era "ormada por praticamente uma

    parentela$ ou seja$ um casal cabe&a @ Pedro e ,idia - com seus "ilhos @ 7up!$ racema$ 5Ba$

    enico$ /inju$ 5a%uBai e ere%ui 4com seus respectivos cnjuges6 - e netos e bisnetos$

    per"a8endo um total de mais ou menos > pessoas*

    A idia ue me levou a escrever este artigo$ como se ver+$ surgiu durante um estado(doente) 4-mbaeaxy6 de um dos "ilhos de ,idia$ bem como durante o processo de cura$ o ual

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    para ser levado a cabo totalmente$ e%igiu cuidados sobre o doente 4e dele sobre si mesmo6

    durante cerca de trHs meses* 5unto com o processo$ a e%plica&!o dada pelo irm!o mais velho

    do convalescente sobre os motivos do outro estar passando por auilo 4o ue poderia ser

    tradu8ido como os motivos pelos uais os /b#a passam por @mbaeaxy$ de "orma geral6

    levaram-me a ler alguns mitos do cl+ssico A#vu 0ap#ta$ de ,on Cadogan sob a 3tica da

    trans"orma&!o da pessoa$ do perspectivismo e da tica$ tendo o desejo como "oco* Assim$

    apresentarei$ num primeiro momento$ uma breve an+lise dos mitos$ para em seguida passar I

    etnogra"ia do re"erido processo* a parte "inal busco relacionar as e%periHncias e

    conceituali8a&.es dos /b#a com no&.es acerca da tica segundo Espino8a e Deleu8e

    4comentando o primeiro6*

    2.Desejo e transformao da pessoa

    Gostaria de introdu8ir$ portanto$ cinco mitos 4uatro deles retirados do cl+ssicoAyvu

    Rapytade ,eon Cadogan 4JKLK6 e um do Lendas de criao*** de Curt imuendaju$ JK?M6 me

    privando de escrevH-los na 9ntegra$ de modo ue "iuem em destaue as partes ue interessam

    ao racioc9nio ue pretendo e%pr* 1s mitos s!o$ portanto; J @ arai 5eupie e o dil'vio 4cap*V$

    p*LM6< = @ ochire ojepotavae 4cap* NV$ p*JLL6< O @ apit! ChiBu 4cap*NV$ p* JO6 e por

    'ltimo o mito dos gHmeos no cap*V$ p*K mas tambm em imuendaju e segundo me

    contaram mais de uma ve8 os pr3prios /b#a com uem convivi durante o campo* o mito J$arai 5eupie casa-se com sua tia paterna$ um casamento dravidianamente (legal)$ tido porm

    pelos /b#a como (incestuoso) ou ojeavy Nhanderu Tenonde kurype 4(errou para com os

    nossos primeiros pais)6 como est+ no te%to original* Acontece o dil'vio e arai$ junto com

    sua esposa es"or&a-se em re8a-canto$ dan&a$ e por "inal consegue atingir sua morada

    (incorrupt9vel) 4mar e!6$ e tornar-se um handeru /irim 4(peueno deus)6* 1 (sogro) n!o

    aparece$ e o desejo por se%o$ se e%igiu um (teste) de arai 4pois ele "icou na terra em ve8 de

    divini8ar-se antes do dil'vio$ como ocorreu com outros ue onhemboe pori vaekue @(aueles ue praticavamQse e%cercitavamQ re8avam bem)6 n!o o impediu de alcan&ar o

    ijaguyje$ i*e*$ a sua morada celeste sem passar pela prova da morte*1 mito = bem maior ue o primeiro e possui muito mais pormenores* Um primeiro

    detalhe est+ no t9tulo$ "ochire ojepota vaekue guu o#eeapo e! vy$ e sua tradu&!o por

    Cadogan ($% &ue se prend' de uma marrana( por )aber desobedecido a su padre)$ j+ ue

    @jepota$ atualmente pelo menos$ signi"ica trans"ormar-se em animal$ ou alterar-se no sentido

    (sub-humano)* /as compreende-se porue da tradu&!o (se prend') 4se enamorou$ se

    apai%onou$ etc6 posto ue @pota o verbo uerer$ desejar e je o re"le%ivo 4(se)6*

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    ,iteralmente$ portanto$ -jepota signi"icaria (uerer-se)$ i*e*$ ceder ao desejo$ no caso em

    uest!o$ entregando-se a um devir-animal$ a uma "ascina&!o por algum bicho$ (dono) 4ija6$ ou

    algo semelhante 4(maus devires)$ en"im$ como di8 ,ima$ =>JJ$ p*OO6$ ue se apresentam$

    logicamente$ sob a "orma de uma bela pessoa* 1 ue nos conta o mito ue um rapa8

    (desobedeceu) 4-nheeapo e!$ (n!o "a8er o ue "oi dito para "a8er) - de novo uma

    transgress!o d+ in9cio I passagem ou I caminhadaQteste do personagem principal6 ao pai e "oi

    atr+s do rastro do koxi$ porco-do-mato* Ao encontrar o bando ele obrigado a casar-se$ sob

    amea&a de morte$ porm n!o compartilha alimentos com a esposa* R levado I morada 4amba6

    do (dono) dos koxi$ arai 0u Ete 4ue uma divindade do pante!o mb#a$ um (pai de almas)

    @ nhee ru ete@ por assim di8er6 e alimentado por ele com "arinha de amendoim* /esmo

    assim$ ele (n!o se alegra) 4ndovyai6 e uer voltar para casa* Ap3s longa peripcia chega e sua

    m!e$ ao vH-lo$ morre enuanto ele pr3prio se trans"orma em "oxiu4uma ave6 ao lembrar-seJ

    do amba4(altar)$ (morada)6 de arai 0u Ete* este mito o desejo ue n!o contido no in9cio

    e ue d+ propuls!o ao movimento da hist3ria n!o o desejo por se%o$ como no anterior$ mas

    por carne de ca&a 4de koxi6$ pois para comer ue o her3i vai atr+s do rastro do animal$ porm

    acaba tendo ue casar-se com um*o mito O temos um sogro supervisionando o genro apit! ChiBu$ a"im de ue este

    alcance a imortalidade 4mar e!6* um primeiro momento$ ChiBu est+ (uase) 4suas m!os j+

    est!o cheias de orvalho6 mas logo ele (se senta) na casa de re8a 4 opyi6 com a esposa$entenda-se$ "a8 se%o com ela$ e a9 suas m!os secam e ele volta a estar longe do mar e!* 1

    sogro o e%pulsa da opyie o "a8 passar$ junto com a esposa$ por uma srie de prova&.es

    4-mbopya ra6; morto$ revive$ a esposa morta$ revive tambm$ no "ilho encarna-se a alma

    de um animal$ 7up! ur# 4(os 7up!)6 ajudam na cura$ ele preso por brancos*** Ao "inal de

    tudo$ ChiBu (posto a entrar) 4-gueroike6 na "loresta pelos 7up! ur# e a9 alcan&a ijaguyje$

    numa completa trans"igura&!o de seu corpo; "lores$ brilho de chamas e orvalho$ "iguras da

    trans"orma&!o em in"inito*Por 'ltimo cito o mito dos (gHmeos) no ual a "igura do (sogro canibal) 4Viveiros de

    Castro$ =>JJ$ p*JM6 aparece com maior clare8a como 4Cadogan$ JKLK6 Charia ou Anh!#

    4imuendaju$ JK?M6; ele come o irm!o menor 45a%#$ ou ,ua6$ briga com o irm!o maior

    4uara# ou :ol6$ espanca o "ilho de uara#$ tem rela&.es se%uais com a "ilha de uara#

    contra a vontade dela$ etc* a verdade$ somente na vers!o ApapoB'va 4em imuendaju6 ue

    uara# e 5a%# se casam com as "ilhas de Anh!#$ o ual$ em determinado momento$ os irm!os

    11 ue pode ser lido como$ novamente$ -nheeapo e!$ (desobedecer) j+ ue durante sua estadia com os porcos$

    sua esposa lhe "ala para$ caso consiga voltar para casa n!o se lembrar da morada de arai 0u Ete uandotrovejasse$ o ue e%atamente o ue ele "a8 momentos antes de se trans"ormar em animal*

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    chamam de tuty 4tio materno @ doadores de mulheres dravidianamente (legais)6=* Entre

    uara# e 5a%# h+ uma assimetria "undamental$ j+ assinalada em diversas etnogra"ias$ desde

    ,vi-:trauss 4JKKO6$ a ual$ sugiro$ opera uma divis!o nos modos de desejar* 1 con"lito

    vivido pelos demais protagonistas m9ticos$ ou seja$ entre cumprir des9gnios e ordens ou seguir

    o pr3prio desejo$ dividido entre uara# e 5a%# de modo ue o primeiro encarna sempre as

    boas escolhas$ o controle sobre os desejos e o segundo$ ao contr+rio$ causa toda sorte de

    in"ort'nio aos irm!os justamente$ por desejar demais* :e uara# consegue ressucitar a m!e$

    atravs de seus ossos$ 5a%#$ por uerer mamar a "a8 morrer novamente$ a ual est+ "raca

    4devido I recente ressurrei&!o6 e n!o consegue ainda @mokambu4("a8er mamar)6* :e uara#

    marca com irm!o$ no dia seguinte$ 5a%# n!o comparece na hora marcada porue esteve

    (bulindo)$ 4-povyvy6 durante a noite com sua tia paterna* E assim por diante*

    :endo preda&!o$ passagem$ como di8 Viveiros de Castro 4=>JJ$ p*JM6$ e o ue pareceestar sendo ressaltado em todos os mitos apresentados justamente a passagem de um estado

    a outro da pessoa$ num caminhar ue envolve sempre a preda&!o do a"im* Entre os /b#a$

    sugiro$ preda&!o passagem entre transgresso e trans*ormao$ processo mediado pela

    alteridade pr-cosmol3gica ou a a"inidade potencial 4dem6 posicionada de di"erentes "ormas

    nos mitos; desde o sogro generoso at o sogro canibal$ propriamente dito* A transgresso

    pode ser entendida nos termos de um desejo ue$ por alguma ra8!o se e%acerba "a8endo a

    pessoa jogar comQdesa"iar a (moral) e as (regras internas) 4Sagner$ =>J>$ p*J6 dasociedade 4um casamento incestuoso$ a desobediHncia ao pai$ se%o durante es"or&os

    (espirituais)$ etc6* A trans*ormao"inal$ seja em animal 4ojepota6 ou em (peueno deus)

    4nhanderu mirim6$ constitui-se na altera&!o - destino$ portanto$ da pessoa mb#a @ do Eu$

    passando de mesmo 4consangT9neo$ parente$ /b#a6 a 1utro - inimigo 4animal$ esp9rito$ etc6

    ou a"im atua% 4(peuenos deuses)6* Vejamos agora como esta passagem se desenrola

    distintamente 4usarei o mito dos gHmeos como mito de re"erHncia aui6 em cada um dos

    mitos;Em = o desejo por carne de koxi$ desejo de comer 4ue poderia ser (contido) pela

    (obediHncia) @#eeapo- ao pai$ o ue n!o ocorre6 em 'ltima an+lise$ resulta na trans"orma&!o

    2 Vale lembrar$ a t9tulo de nota$ ue /acedo 4=>>K$ p*K>$ a partir de :usniB$ JK?O;?L6 comenta ue anomenclatura mb#a para tios e tias pode indicar um poss9vel dravidianato no passado pois ue os irm!os do meupai 4xeru6 eu chamo dexeruvy$ e as irm!s da minha m!e 4xexy6 eu chamo dexexyy* A di"eren&a est+ marcadamais claramente nas irm!s do meu pai 4xejaixe@ com uem arai 5eupie se casou no mito J6 e nos irm!os daminha m!e 4xetuty@ o (sogro canibal) da hist3ria dos gHmeos segundo os ApapoB'va6* A"ora os aspectosterminol3gicos$ nada mais nos remete ao modelo dravidiano; primos s!o$ para os /b#a$ irm!os$ parentes

    pr3%imos demais para ue o casamento seja poss9vel* A busca por cnjuges$ ali+s$ em uma (dist!ncia) ideal4eurich$ =>JJ$ cap*J6 para casar uma das principais causas da mobilidade de jovens entre aldeias*

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    do her3i em animal 4bem como na morte de sua m!e6* De "orma an+loga$ o canibalismo

    ostensivo de Anh!# 4no mito dos gHmeos segundo os ApapoBuva6 resulta em sua morte*

    Em J e O o desejo por se%o resulta em 4ou ainda ue (incorreto) n!o impede a6 divina&!o de

    arai 5eupie e apit! ChiBu* Da mesma "orma o desejo se%ual de 5a%# 4,ua @ irm!o menor6por sua tia paterna 4no mito dos gHmeos segundo os /b#a$ em Cadogan$ JKLK6 resulta em 4ou

    n!o impede a6 divini8a&!o*

    Assim$ o desejo de comer 4carne de animal ou de gente6$ condu8$ como o tupixua

    4tradu8ido pela autora como (esp9rito da carene crua)6 de ue "ala *Clastres 4JKM?6$ ao

    ijaguyje amboae 4Cadogan$ JKLK$ p*LM6$ "a8endo a pessoa alcan&ar (completudes

    dessemelhantes)O4,ima$ =>JJ$ p*O=6$ e$ no limite$ a morte 4caso de Anh!#$ em imuendaju6*

    Contudo$ o desejo por se%o$ ainda ue tido pelos /b#a 4com uem convivi6 como umobst+culo uase ue (intranspon9vel) nos dias de hoje para a obten&!o do ijaguyje$ aparece

    nos mitos como um (causador de evento) ue p.e em jogo as engrenagens necess+rias para a

    divini8a&!o$ ensejando a passagem para a condi&!o mar e! 4(imortal)$ (incorrupt9vel)6 da

    pessoa* Assim$ o ue a an+lise destes mitos parece nos mostrar ue h+ uma assimetria entre

    (desejo de comer) e (desejo por se%o)$ onde o primeiro tornaria o sujeito mais suscet9vel Is

    trans"orma&.es (dessemelhantes) ou (inadeuadas) do ue o segundo* :e colocamos os dois

    desejos em termos de (captura de comida) e (captura de cnjuges)$ entendendo o casamentocomo (preda&!o se%ual consentida) 4Viveiros de Castro$ =>JJ$ p*JML6$ percebemos a

    positividade da preda&!o como princ9pio 4dem$ p*JM?6 de 4des6organi8a&!o da pessoa e da

    sociedade /b#a; se por um lado (uerer ser) predador de carne de porco-do-mato 4pois o

    consumo e"etivo de carne n!o acontece$ mas em ve8 dele$ o casamento com o animal6 resulta

    em @jepota$ por outro a (preda&!o se%ual)$ ainda ue (inadeuada) 4apit! ChiBu6 e

    incestuosa 4arai 5eupie6$ resulta em ijaguyje* /as passemos$ por assim di8er$ do mito I

    pr+%is*.Mbaeaxy: doena por !no saber "i"er# e doena por feitio

    Em =>J= um "ilho de ,idia de =L anos$ apro%imadamente$ certa noite se apro%imou da

    m!e reclamando de dor na garganta bem como de di"iculdade para respirar e para "alar* A

    kunh karai4(paj mulher)6 logo acendeu opetyngua4(cachimbo)6 e come&ou a @moatax+

    4(ben8er)$ (re8ar)$ lit*; (en"uma&ar)6 o corpo do "ilho$ principalmente no pesco&o$ +rea

    3 1u seja$ trans"orma&.es indesejadas 4ijaguyje$ (per"ei&!o)$ ou (estado de imortalidade)< amboae$ (outro)6$ nosentido sub-humano$ -jepota$ portanto*

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    supostamente mais dolorida ou mais atingida pelo mal* Ao terminar ainda deu alguns

    comprimidos de Dipirona para ele tomar antes de dormir e nos pediu 4a mim e a /inju$ outro

    "ilho dela6 para levarmos um pouco de pipi4guin6 na casa dele* o dia seguinte pela manh!

    ele estava (pior) 4ndaevei ve$ como disseram6$ ent!o$ de manh! cedo "oram (re8+-lo) na sua

    casa* uando acabou o @moatax+$ est+vamos eu e 5Ba 4irm!o mais velho do convalescente6

    conversando ao p da cama do doente e ele come&ou a me e%plicar o porue do irm!o estar

    passando por auilo*5Ba disse ue ele mesmo j+ havia passado pelo mesmo processo e "icou tal e ual o

    irm!o estava at a m!e tirar do seu corpo o mbaeipea4algo ue se (abre)$ se tira$ separa do

    corpo da pessoa @ uma pedrinha$ peda&o de pau$ agulha$ espinho$ etc -$ o "eiti&o$ propriamente

    dito6* At ent!o andava distra9do$ demorava a responder o ue lhe perguntavam$ escutava

    coisas ue vinham de longe$ de onde ele n!o podia ver* Disse ue tal acontece uandondereiko kuaai4(vocH n!o sabe viver)6$ e a9Nhanderu teste ojapo( havy primeira coisa ma

    kunh,,, Nderejejoko kuaai ramo j- era 4(handeru @ deus - "a8 teste e a primeira coisa

    mulher*** se vocH n!o souber se segurar$ j+ era)6* 1 primeiro sintoma o @moangeko$ um

    incmodo durante a noite$ com di"iculdade para dormir e com sonhos ruins* Depois sente-se

    di"iculdade para engolir a comida$ a garganta 4jyryvi6 se "echa* Contudo$ mesmo errando 4ou

    (n!o sabendo viver)6 a pessoa deve (pedir para handeru) 4-porandu Nhanderu pe6 e assim

    melhora*1 teste posto por handeru sempre resultaria em (viver mais) 4-iko ve6$ seja

    melhorando e voltando a ter (sa'de) 4-exa+6$ seja trans"ormando-se em animal 4-jepota6* a

    "ase "inal de seu processo 5Ba viu umas "otos ue haviam tra8ido da aldeia de 5aragu+ de um

    rapa8 ue estava jui ramo4(como perereca)6 com dedos compridos e escamosos$ orelhas

    compridas$ dentes de piranha$ etc* Ele disse ue por isso te+ke jaiko kuaa 4(tem ue saber

    viver)6$ poruejanhane nhee ma ikya vaer e!( x' nhanderete ma ikya kyai( rejavy ra.

    ramo Nhanderu ndoexaxei( inhee oeja4(j+ nossa alma n!o se sujar+$ somente nosso corpo

    tem peuenas sujeiras$ e se vocH erra muito handeru n!o uer ver$ a alma dei%a Wvai

    emboraX)6* Concluindo$ 5Ba comentou ue handeru omo+4coloca6 ordem$ ual seja$ de ue

    preciso (saber viver) 4-iko kuaa6$ caso contr+rio a pessoa morre ou vive como ojepota vae

    4Antes do ue uma condi&!o moral$ a (castidade) representa$ sugiro$ o mesmo /ar ue cantado nos hinoscomo o obst+culo a ser vencido para se alcan&ar a terra divina @ yvy ju mirim-$ e sobre o ual Pierre Clastres4JKM?$ p*J=J6 comentou; (4***6 povo de loucos orgulhosos ue se estimava o su"iciente para desejar colocar-se na"ileira dos divinos$ os 9ndios guaranis vagabundeavam ainda outrora$ I procura de sua verdadeira terra natal$ ueeles supunham ue sabiam situada l+ longe$ do lado do sol nascente 4***6* E muitas ve8es chegados l+$ nas praias$nas "ronteiras da terra m+$ uase a vista da meta$ o mesmo ardil dos deuses$ a mesma dor$ o mesmo "racasso>J$ p*JJL6* E$ em ue pese a tica do @jejoko$ os

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    desejos v!o sendo satis"eitos na medida das possibilidades$ mas tambm das recomenda&.es

    %am2nicas$ a"inal se h+ uma preocupa&!o em satis"a8er os desejos tambm h+ a preocupa&!o

    em n!o sucumbir ao @jepotae ao @mbaeaxy* 7udo se passa como se o comedimento$ etiueta

    comum e generali8ada entre os /b#a$ temperasse o desejo$ impedindo sua e%press!o mais

    ostensiva* uerer algo ostensivamente $ para di8er o m9nimo$ coisa dos outros$ e n!o dos

    /b#a$ da9 a trans"orma&!o em animal ser re"erida como @jepota* 1 termo tradu8ido por

    /acedo 4=>J=$ mimeo6 como (ser desejado por)$ assumindo$ porm ue a tradu&!o de seus

    interlocutores era outra; (se encantar em)*Embora concorde ue a trans"orma&!o em animal envolva estes dois aspectos$ a saber$

    desejar e ser desejado$ sugiro ue @jepotaueira di8er e%atamente (se uerer em)$ j+ ue

    auele ue (se uer) 4ojepota vae6$ (se uer) sempre (em) alguma coisa; ojepota jui re4(se

    uerQtrans"orma emr!)6$ ojepota rae xivi re4(se uisQtrans"ormou emon&a)6$ etc* 1 (uerer)parece aui ter a mesma dimens!o de (trans"ormar)$ e a pessoa vai se tornando 1utro$ na

    mesma medida em ue seu desejo por este 1utro vai construindo um corpo composto pelo

    humano e pelo animal* Contrastando com o 0itsixuki4desejo alimentar6 dos Sauja$ no ual

    a insatis"a&!o de um desejo o "ator ue desencadeia o processo de adoecimento e perda da

    alma 4Zarcelos eto$ =>>M6$ o (rapto da alma) 4e$ por isso$ a trans"orma&!o corporal6$ para os

    /b#a$ ocorre devido + satis"a&!o de um desejo ostensivo ou e%cessivo* Encontros 9ntimos

    com o animal (desejado) 4como parceiro se%ual$ por e%emplo6 s!o simult2neos I h+bitosantisociais no ambiente "amiliar da aldeia; conversar pouco$ n!o comer junto com os demais$

    n!o participar das atividades comuns$ etc* 1 ojepota vae 4(auele ue est+ se

    uerendoQtrans"ormando)6 $ neste sentido o an+logo guarani mb#a da perverse chi%d

    4(crian&a perversa)6 de Go[ 4JK?K6$ ou seja$ auele ue pela satis"a&!o descomunal de um

    desejo$ se p.e de "ora da sociedade* Esta$ por ser produtora econsumidora de seu alimento

    4despre8ando todo um sistema de reciprocidades ue tem o desejo m'tuo entre homens e

    mulheres como causa6$ auele por saciar-se na companhia de outros$ o ue no n9vel de umcaniba%ismo onto%'gico 4Viveiros de Castro$ =>JJ6 pode ser entendido tambm como (ser

    comido)$ i*e*$ ser subjetivado pelo 1utro* Eis a ra8!o pela ual v+rios mitos mb#a sublinham a

    n!o-comensalidade entre o protagonista e os seres n!o-humanos ue ele encontra nos

    percal&os de sua jornada*

    ).*oncluso

    +$ portanto uma dialtica entre desejar e saber controlar os desejos$ a ual poderia ser

    entendida nos termos de umatica$ tal como Espino8a a "ormula; (uma tipologia dos modos

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    de e%istHncia imanentes) 4Deleu8e$ =>>=$ p*=K6 ou uma (ordem de composi&!o das rela&.es)

    4dem$ p*J=>6* Comentando a "iloso"ia de Espino8a$ Deleu8e e%plica ue a ticaespinosista

    nada tem a ver com uma moral$ pois n!o h+ uma oposi&!o pr-de"inida entre Zem e /al$ de

    modo ue ("enmenos ue agrupamos sob a categoria do /al 4***6 s!o deste tipo; mau

    encontro$ indigest!o$ envenenamento$ into%ica&!o$ decomposi&!o de rela&!o) 4p*=?6* Por

    outro lado o bom encontro tem lugar uando (um corpo comp.e diretamente a sua rela&!o

    com o nosso e com 4***6 uma parte de sua potHncia aumenta a nossa) 4dem6* Assim$ uma

    uest!o "undamental tanto no pensamento de Espino8a$ como no dos /b#a parece concernir I

    nature8a dos encontros e a pergunta (o ue pode um corpoY) pode muito bem tomar a "orma

    de (o ue podem os encontrosY)$ a"inal$ a potHncia de ser a"etado n!o se separa do a"eto em

    si* Voltemos brevemente ao mito =$ apresentado na segunda se&!o deste trabalho$ no ual a

    caminhada do protagonista resulta e"etivamente em um @jepota; ele se trans"orma em p+ssaro*A desobediHncia 4clara6 e o desejo de comer carne 4impl9cita6 ocasionam um encontro

    com a presa 4talve8 j+ trans"igurada em predador$ visto o desenrolar da hist3ria6 @ o koxi$

    porco-do-mato -$ mau encontro$ note-se$ pois ue decomp.e o protagonista; ir atr+s do rastro

    do koxie depois casar-se com uma porca "a8em dele algo di"erente do ue um /b#a @ ele $

    para di8er o m9nimo$ um /b#a em devir-porco* Para pensar como Deleu8e 4e Espino8a6$ as

    rela&.es essenciais ue o compunham enuanto /b#a$ "oram des"eitas$ em alguma medida$

    pelo encontro com os porcos e seu corpo "oi a"etado de tal "orma ue nem seus es"or&os den!o-comensalidade conseguem evitar sua trans"orma&!o "inal em animal* 1 desejo ostensivo

    $ para "alarmos como Espino8a$ uma (a"ec&!o m+)$ ou seja$ contr+ria I nature8a de um corpo

    4:pino8a$ JKMK$ p*=K?6 @ de um corpo mb#a$ pelo menos* Por outro lado$ o mito O$ nos tra8 a

    hist3ria de uma 4re6composi&!o de rela&.es ue elevam um corpo humano ao n9vel divino*

    apit! ChiBu tem um (mau encontro) com a esposa$ o ue "a8 os dois passarem por diversas

    provas @ todas (encontros) ue n!o cessam de in"ormar aos protagonistas sobre a

    possibilidade de sua recomposi&!o* Peuena srie de mortes e ressurrei&.es 4de ChiBu$ daesposa$ do "ilho$ etc6 ue levam o protagonista ao (bom encontro) "inal com Tup kury$ e I

    passagem a um corpo mar e! 4\incorrupt9vel)6* A di"eren&a entre um bom e um mau

    encontro reside$ portanto$ justamente na ualidade do 1utro com uem um /b#a ir+ compr$

    i*e*$ trata-se sempre de saber &uem o sujeito &uando eu sou o outro de%e$ ou melhor$ de saber

    por uem se vai ser subjetivado* A posi&!o de outro das divindades ideal para os /b#a$ de

    modo ue uando a posi&!o de sujeito da rela&!o passa dos deuses a um animal$ h+ uma

    decomposi&!o de rela&.es essenciais para a vida @ um processo de doen&a pode se instalar*

    Compr$ ou recompor$ com os deuses$ eis a "orma do bom encontro para os /b#a* Assim$

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    segurar os pr3prios desejos$ ou seja$ -jejoko$ a "orma pela ual os /b#a tentam evitar os

    (maus encontros)$ enuanto ue um ojepota vae4(ue se trans"orma em animal)6 algum

    ue "oi 4ou est+ sendo6 levado por eles*+iblio,rafia:

    ZA0CE,1: E71$ Arist3teles* Sitsi%uBi; desejo alimentar$ doen&a e morte entre os Saujada Ama8nia meridional* 1ourna% de La societ d2s americanistes* Vol* KO-J$ =>>M*

    CAD1GA$ ,on* Ayvu Rapyta; te%tos m9sticoa guaran9es* Adaptado por /R,A$Zartolomeu* C3rdoba; Universidade Cat3lica de C3rdoba$ =>>L*

    C,A:70E:$ l]ne*A terra sem ma%* :!o Paulo; Zrasiliense$ JKM?*

    C,A:70E:$ Pierre*A sociedade contra o estado; pesuisas de antropologia pol9tica* 0io de5aneiro; Franciso Alves$ JKK>*

    DE,EUE$ Gilles*$spinosa; "oloso"ia pr+tica* :!o Paulo$ Escuta$ =>>=*

    G1S$ Peter* 7he perverse child; desire in a native Ama8onian sibsistance econom#* 3an$e[ series* 0o#al Anthropological nstitute o" Great Zritain and reland* Vol* =$ n^ $ Dec*JK?K* Pp* LM @ L?=*

    EU0C$ Guilherme* 4utras a%egrias; parentesco e "estas mb#a* Universidade Federal do0io de 5aneiro @ /useu nacional* Programa de P3s Gradua&!o em Antropologia :ocial* 0iode 5aneiro$ =>JJ*

    ,/A$ 7ania :tol8e* Por uma cartogra"ia do poder e da di"eren&a nas cosmopol9ticasamer9ndias* nRevista de Antropo%ogia de 5o 6au%o$ U:P$ =>JJ* V L$ n^ =*

    /ACED1$ Valria /endon&a de* Nexos da di*erena; cultura e a"ec&!o em uma aldeiaguarani na :erra do /ar* Universidade Federal de :!o Paulo* Faculdade de Filoso"ia$ ,etras eCiHncias umanas$ Programa de P3s Gradua&!o em Antropologia* :!o Paulo$ =>>K*

    _________* 7etores por e vai na cosmopo%.tica guarani* o prelo* :!o Paulo$ =>J=*

    _________* 1epotaentre os guarani; trama de uereres e corpos* /imeo* :!o Paulo$ =>J=*

    /UEDA5U$ Curt UnBel* /itos de criao e destruio do mundo como *undamento dare%igio dos Apapocuva guarani* Editora UC7EC @ Universidade Federal de :!o Paulo$:!o Paulo$ JK?M*

    P::1,A71$ Eli8abeth*A durao da pessoa8 mobilidade e parentesco e %amanismo mb#a4guarani6* 0io de 5aneiro; u7$ =>>M*

    :A7AA$ Denise Zernu88i de* 9orpos de 6assagem; ensaios sobre a subjetividadecontempor2nea* :!o Paulo$ Esta&!o ,iberdade$ =>>J*

    :P1A$ Zenedictus de* Rtica* n 4s 6ensadores* :!o Paulo$ Abril Cultural$ JKMK*

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    VVE01: DE CA:701$ Eduardo*A inconst:ncia da a%ma se%vagem ; e outros ensaios deantropologia* :!o Paulo; Cosac ` ai"#$ =>JJ*

    SAGE0$ 0o#*A inveno da cu%tura* :!o Paulo* Cosac-ai"#$ =>J>*

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