PEREZ, Reginaldo. - A Teologia Do Mercado

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A teologia do mercado Reginaldo T. Perez Reconheçase que, do s ob jetos cont emporâneos em de st aque, um dos mais fascinantes é o mercado. De imediato, identifiqueseo como aquele espaço impessoal em que se procedem as trocas, sejam estas transaçes econ!micas ou sociais. " mercado en#ol#endo a #ida social, e n$o somente aspectos econ!micos, foi preocupaç$o de um dos mais importantes pensadores sociais deste século %riedrich &a' e(. )ua tese é instigante* a l+gica que preside o mundo social é a mesma que orienta os mercados, a racionalidade indi#idual. sta caracteriza seres singulares, autointeressados e ego-stas. ssa natureza humana/ aponta 0s bases da sociedade atual e da sociabilidade poss-#el* a competiç$o segr ega bene f-cio s cole ti#os e prece de, tornando desnecess1rio, qual quer padr $o de solidarieda de. 2 f+rmula ha'e(iana é sofistica da e atraente e foi esta que ele#ou o autor 0 condiç$o de Pr3mio 4obel de conomia em 5678* a competiç$o, inerente tanto 0 #ida econ! mic a quanto ao mundo social, pro du z suj eit os cogniti#os peculiare s. stes s$o constituti#amente inst1#eis, e sua tensa relaç$o com o mundo é o elemento produtor de diferença. 9nsatisfeito, o indi#-duo busca sempre mais. Temos a- a modernidade e sua necessidade de #er seus habitantes crescerem sempre, de prefer3ncia, materialmente. 4esse quadro, reconheçase a prodigalidade da sociedade de mercado :capitalista; em #incular positi#amente aquisiç$o material e satisfaç$o emocional. " mercado se autorepresenta como o mais realista dos objetos. 4ele, qualquer interfer3ncia de terceiros implica em preju-zo, pois sua dinâmica seria autoregul1#el. 2ssim, sua natureza rej eit a int erf er 3nc ias, e#i tan dos e, com isso, a pol-tica. Propondo se a administrar conflitos, a pol-tica interferiria nas relaçes econ!micosociais e traria custos antes que benef-cios. 2demais, cercearia a liberdade de aç$o dos agentes. 2 idéia de liberdade é irm$g3mea da sociedade de mercado< e ambas, juntamente 0s noçes de indi#-duo singular e propriedade, constituem o n=cleo do uni#erso capitalista. nt$o o argumento economicista liberal* o melhor dos stados :campo por e>cel3ncia da pol-tica; é o menor poss-#el. " mais importante te+logo do mercado/ brasileiro foi também nosso primeiro econ omis ta ug3nio ?udin. %oi este quem mais brilhantemente aqui associou liberali smo econ!mico e conser#adoris mo pol-tic o sob o arg umento, bem entendido, da defesa dos ganhos sociais com a implantaç$o de um modelo baseado na racionalidade pura. @ de ?udin a definiç$o minimalista de democracia* nela, os consumidores e>erceriam o verdadeiro regi me democr1tico quan do esco lhes sem, li#remente de interfer3ncias e informados pelos preços, os produtos mais adequados aos seus desejos e necessidades. Aimitando cidad$os a consumidores, o erudito economista despolitiza a democracia. Embora francamente hegemônica, a defesa atual do mercado não é consensual. Há quem duvide do papel “civilizador e dinamizador do mercado. !ão raramente, essa posi"ão remete a #arl $olan%i, em A Grande T ransformação. A s origens de nossa época &Ed. 'ampus, ()*+, +- p. !esta obra, o autor h/ngaro rompe e inverte a historiografia liberal. 0u se1a, ao invés de acatar a espontaneidade das for"as do mercado como fator de desenvolvimento, $olan%i nomeia a coordena"ão estatal como origem daquele. 2ais claramente, para o autor, o mer cado é uma const ru" ão. 0u, segundo seus pr3 pri os termos, “o laissezfaire  não era o método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida. 4 conseq56ncia das formula"7es de $olan%i recai sobre a Economia enquanto ci6ncia, que tem no mercado o n/cleo de seu ob1eto8 quando essa ci6ncia 1ulga estar “descrevendo o mundo, na verdade ela o estaria  prescrevendo. Enfim, se essas observa"7es não servirem para nada além de diletantismo, que sirvam p ara mostr ar o quant o é pecul iar do pon to de vist a te3rico , é claro a pol6mica atual ent re o gov erno dest e esta do e seus opo sito res em rel a"ão 9 “qu estão montad ora s. 0  primeiro, de claro veio intervencionista, não dese1a participar de empreendimentos que 1ulga devam ser privados: os segundos, bem mais pr3;imos &em tese a uma perspectiva liberal,

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A teologia do mercado

Reginaldo T. Perez

Reconheçase que, dos objetos contemporâneos em destaque, um dos mais

fascinantes é o mercado. De imediato, identifiqueseo como aquele espaço impessoal emque se procedem as trocas, sejam estas transaçes econ!micas ou sociais. " mercadoen#ol#endo a #ida social, e n$o somente aspectos econ!micos, foi preocupaç$o de um dosmais importantes pensadores sociais deste século %riedrich &a'e(. )ua tese é instigante* al+gica que preside o mundo social é a mesma que orienta os mercados, a racionalidadeindi#idual. sta caracteriza seres singulares, autointeressados e ego-stas. ssa naturezahumana/ aponta 0s bases da sociedade atual e da sociabilidade poss-#el* a competiç$osegrega benef-cios coleti#os e precede, tornando desnecess1rio, qualquer padr$o desolidariedade. 2 f+rmula ha'e(iana é sofisticada e atraente e foi esta que ele#ou o autor 0condiç$o de Pr3mio 4obel de conomia em 5678* a competiç$o, inerente tanto 0 #idaecon!mica quanto ao mundo social, produz sujeitos cogniti#os peculiares. stes s$oconstituti#amente inst1#eis, e sua tensa relaç$o com o mundo é o elemento produtor de

diferença. 9nsatisfeito, o indi#-duo busca sempre mais. Temos a- a modernidade e suanecessidade de #er seus habitantes crescerem sempre, de prefer3ncia, materialmente.4esse quadro, reconheçase a prodigalidade da sociedade de mercado :capitalista; em#incular positi#amente aquisiç$o material e satisfaç$o emocional.

" mercado se autorepresenta como o mais realista dos objetos. 4ele, qualquer interfer3ncia de terceiros implica em preju-zo, pois sua dinâmica seria autoregul1#el. 2ssim,sua natureza rejeita interfer3ncias, e#itandose, com isso, a pol-tica. Propondose aadministrar conflitos, a pol-tica interferiria nas relaçes econ!micosociais e traria custosantes que benef-cios. 2demais, cercearia a liberdade de aç$o dos agentes. 2 idéia deliberdade é irm$g3mea da sociedade de mercado< e ambas, juntamente 0s noçes deindi#-duo singular e propriedade, constituem o n=cleo do uni#erso capitalista. nt$o oargumento economicista liberal* o melhor dos stados :campo por e>cel3ncia da pol-tica; éo menor poss-#el. " mais importante te+logo do mercado/ brasileiro foi também nossoprimeiro economista ug3nio ?udin. %oi este quem mais brilhantemente aqui associouliberalismo econ!mico e conser#adorismo pol-tico sob o argumento, bem entendido, dadefesa dos ganhos sociais com a implantaç$o de um modelo baseado na racionalidadepura. @ de ?udin a definiç$o minimalista de democracia* nela, os consumidores e>erceriamo verdadeiro  regime democr1tico quando escolhessem, li#remente de interfer3ncias einformados pelos preços, os produtos mais adequados aos seus desejos e necessidades.Aimitando cidad$os a consumidores, o erudito economista despolitiza a democracia.

Embora francamente hegemônica, a defesa atual do mercado não é consensual. Há

quem duvide do papel “civilizador e dinamizador do mercado. !ão raramente, essa posi"ão

remete a #arl $olan%i, em A Grande Transformação. As origens de nossa época &Ed. 'ampus,

()*+, +- p. !esta obra, o autor h/ngaro rompe e inverte a historiografia liberal. 0u se1a, aoinvés de acatar a espontaneidade das for"as do mercado como fator de desenvolvimento,

$olan%i nomeia a coordena"ão estatal como origem daquele. 2ais claramente, para o autor, o

mercado é uma constru"ão. 0u, segundo seus pr3prios termos, “o laissezfaire  não era o

método para atingir alguma coisa, era a coisa a ser atingida. 4 conseq56ncia das formula"7es

de $olan%i recai sobre a Economia enquanto ci6ncia, que tem no mercado o n/cleo de seu

ob1eto8 quando essa ci6ncia 1ulga estar “descrevendo o mundo, na verdade ela o estaria

 prescrevendo. Enfim, se essas observa"7es não servirem para nada além de diletantismo, que

sirvam para mostrar o quanto é peculiar do ponto de vista te3rico, é claro a pol6mica atual

entre o governo deste estado e seus opositores em rela"ão 9 “questão montadoras. 0

 primeiro, de claro veio intervencionista, não dese1a participar de empreendimentos que 1ulga

devam ser privados: os segundos, bem mais pr3;imos &em tese a uma perspectiva liberal,

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defendem a participa"ão p/blica no empresamento. $elo visto, a defini"ão dos limites do

mercado se p/blico ou privado continuará nos mobilizando.