Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil - OIT

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Perl dos Principais ATORES ENVOLVIDOS no Trabalho Escravo Rural no Brasil

Organizao Internacional do Trabalho OIT

Braslia, 2011 Brasil

Copyright Organizao Internacional do Trabalho 2011 Primeira edio: 2011 As publicaes da Organizao Internacional do Trabalho gozam de proteo de direitos de propriedade intelectual propriedade intelectual em virtude do Protocolo 2 da Conveno Universal sobre Direitos Autorais. No entanto, pequenos trechos dessas publicaes podem ser reproduzidos sem autorizao, desde que a fonte seja mencionada. Para obter direitos de reproduo ou de traduo, solicitaes para esses fins devem ser apresentadas ao Departamento de Publicaes da OIT (Direitos e permisses), International Labour Office, CH-1211 Geneva 22, Sua, ou por correio eletrnico: [email protected]. Solicitaes dessa natureza sero bem-vindas. As bibliotecas, instituies e outros usurios registrados em uma organizao de direitos de reproduo podem fazer cpias, de acordo com as licenas emitidas para este fim. A instituio de direitos de reproduo do seu pas pode ser encontrada no site www.ifrro.org

Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil / Organizao Internacional do Trabalho. - Brasilia: OIT, 2011 1 v. ISBN: 9789228254938;9789228254945 (web pdf) Organizao Internacional do Trabalho; Escritrio no Brasil trabalho forado / trabalhador rural / trabalhador migrante / zona rural / Brasil 13.01.2 Dados de catalogao da OIT

As denominaes empregadas e a forma na qual dados so apresentados nas publicaes da OIT, segundo a praxe adotada pelas Naes Unidas, no implicam nenhum julgamento por parte da Organizao Internacional do Trabalho sobre a condio jurdica de nenhum pas, zona ou territrio citado ou de suas autoridades e tampouco sobre a delimitao de suas fronteiras. A responsabilidade pelas opinies expressadas nos artigos, estudos e outras colaboraes assinados cabe exclusivamente aos seus autores e sua publicao no significa que a OIT as endosse. Referncias a empresas ou a processos ou produtos comerciais no implicam aprovao por parte da Organizao Internacional do Trabalho e o fato de no serem mencionadas empresas ou processos ou produtos comerciais no implica nenhuma desaprovao. As publicaes e produtos eletrnicos da OIT podem ser obtidos nas principais livrarias ou no Escritrio da OIT no Brasil: Setor de Embaixadas Norte, Lote 35, Braslia - DF, 70800-400, tel.: (61) 2106-4600, ou no International Labour Office, CH-1211. Geneva 22, Sua. Catlogos ou listas de novas publicaes esto disponveis gratuitamente nos endereos acima ou por e-mail: [email protected] Impresso no Brasil

prlogoFundada em 1919, a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) tem como objetivo a busca da justia social como condio para a paz universal e permanente. Ao longo de mais de 90 anos, a OIT tem elaborado, a partir de um processo de discusso tripartite protagonizado pelos governos, organizaes de empregadores e de trabalhadores de seus Estados-Membros, as normas internacionais do trabalho. Essas normas internacionais (convenes e recomendaes) se referem aos mais diferentes aspectos das condies e relaes de trabalho, e todas elas tm como objetivo contribuir promoo do trabalho decente no mundo. Duas dessas convenes versam sobre uma das mais graves violaes dos direitos humanos e dos direitos fundamentais no trabalho: o trabalho forado. A primeira delas, adotada em 1930, e ratificada pelo Brasil em 1957, a Conveno n 29 sobre o Trabalho Forado ou Obrigatrio, que define o trabalho forado como todo trabalho ou servio exigido de uma pessoa sob a ameaa de sano e para o qual ela no tiver se oferecido espontaneamente. A segunda delas, adotada em 1957 e ratificada pelo pas em 1965, a Conveno n 105 sobre a Abolio do Trabalho Forado. A Conveno n. 105

estabelece que o trabalho forado no poder jamais ser utilizado ou justificado para fins de desenvolvimento econmico ou como instrumento de educao poltica, discriminao, disciplinamento atravs do trabalho ou punio por participar de greve. O trabalho forado constitui a mais clara anttese do trabalho decente. Em 1995, o Brasil reconheceu oficialmente uma realidade que vinha sendo denunciada desde a dcada de 1970 do sculo passado por organismos de defesa dos direitos humanos: a existncia de formas contemporneas de escravido no pas. Esse ato constituiu um marco e um passo importantssimo no esforo para enfrentar e erradicar esse crime. Desde ento, o pas vem desenvolvendo uma srie de estratgias e instrumentos para combater essa prtica, que avilta a dignidade da pessoa humana. A escravido contempornea expresso de uma situao de grande vulnerabilidade e misria que ainda afeta importantes contingentes de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil. A falta de alternativas de trabalho decente para um contingente de pessoas que no possui qualquer qualificao profissional e a relativa fragilidade das redes de proteo social obrigam os trabalhadores, em muitas situaes, tanto no campo quanto na cidade, a aceitarem condies precrias e degradantes de trabalho, na qual sua dignidade e liberdade so violentadas. Apesar da complexidade do problema, o Brasil considerado hoje uma referncia na implementao de mecanismos de combate escravido contempornea. A eficcia dessas aes deve-se, sobretudo, capacidade de articulao entre o governo brasileiro, a sociedade civil, o setor privado e os organismos internacionais. Contudo, ainda h um longo caminho a ser percorrido para que o trabalho escravo seja definitivamente erradicado no Brasil. Em um pas historicamente marcado por grandes desigualdades sociais, o reconhecimento e a compreenso das atuais formas de explorao dos trabalhadores em situaes limites como as que

caracterizam o trabalho em condies anlogas escravido, so os primeiros passos para o enfrentamento consistente desse crime. Entre 1995 e os dias atuais, mais de 40.000 trabalhadores e trabalhadoras foram resgatados dessa situao. Em muitos casos, at esse momento, essas vtimas eram invisveis para o Estado, uma vez que no possuam nem o registro de nascimento. O estudo que ora apresentamos busca trazer tona o perfil dos atores envolvidos na escravido contempornea (trabalhadores resgatados, aliciadores os gatos e proprietrios rurais). Est baseado em entrevistas qualitativas realizadas a esses atores e tem como objetivo desenvolver a base de conhecimentos e reflexo sobre o tema e subsidiar a elaborao de polticas que possibilitem avanar em forma consistente e definitiva rumo verdadeira abolio do trabalho escravo no Brasil. O estudo foi realizado no mbito dos Projeto de Combate ao Trabalho Escravo e.Combate ao Trfico de Pessoas implementados pelo Escritrio da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, que contou com o apoio dos governos da Noruega e dos Estados Unidos da Amrica. A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores e pesquisadoras que colaboram com o Grupo de Estudo e Pesquisa Trabalho Escravo Contemporneo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GPTEC/UFRJ): Maria Antonieta da Costa Vieira (coordenao geral), Regina-ngela Landim Bruno, Alair Molina e Adonia Antunes Prado. Tambm colaboraram com o trabalho os/as assistentes de pesquisa Caroline Bordalo, Cludia Alvarenga Prestes, Jos Evaristo Neto e Maria Nasar Ferreira Pinto. A superviso tcnica foi realizada por Gelba Cavalcante de Cerqueira e Ricardo Rezende Figueira, por parte do GPTEC/UFRJ e Andrea Bolzon e Luiz Machado, coordenadores do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT respectivamente entre 2007 e 2009 e de 2010 at a presente data. las W. Abramo Diretora Escritrio da OIT no Brasil

AgrAdecimentosOs pesquisadores agradecem as valiosas contribuies dos integrantes dos Grupos Especiais de Fiscalizao Mveis (GEFM), que tiveram um papel fundamental na realizao da pesquisa.

sUmriointroduo captulo 1: Conceituando a escravido contempornea 1.1 Definio de trabalho forado da OIT 1.2. Artigo 149 do Cdigo Penal brasileiro 1.3. Definio de trabalho escravo para os trabalhadores pesquisados 1.4. Definio de trabalho escravo para os gatos pesquisados 1.5. Definio de trabalho escravo para os empregadores pesquisados 1.6. Quadro: Saiba mais A dvida que escraviza captulo 2: Situao de trabalho escravo nas fazendas pesquisadas 2.1. Caractersticas das fazendas onde foram entrevistados os trabalhadores e os gatos 2.2. Aliciamento dos trabalhadores 41 41 43 13 25 25 26 27 33 35 37

2.3. Trabalho temporrio 2.4. Condies de trabalho nas fazendas pesquisadas 2.5. Responsabilidade pelos problemas ocorridos nas fazendas captulo 3: Perfil dos trabalhadores 3.1. Caracterizao socioeconmica 3.2. Fluxos migratrios 3.3. Relaes familiares 3.4. Trajetria profissional 3.5. Formas de participao social 3.6. Formas de sociabilidade e imagem social 3.7. Aspiraes e projetos de vida 3.8. Expectativas em relao do trabalho 3.9. Solues para a situao dos trabalhadores Sntese captulo 4: Perfil dos gatos 4.1. Novas formas de arregimentao, controle e organizao do trabalho 4.2. Caracterizao socioeconmica 4.3. Fluxos migratrios 4.4. Relaes familiares 4.5. Trajetria profissional 4.6. Formas de participao social 4.7. Formas de sociabilidade 4.8. Aspiraes e projetos de vida Sntese

47 48 52 55 56 62 70 78 86 88 96 100 103 104 107 107 110 111 112 113 115 115 118 120

captulo 5: Perfil dos empregadores 5.1. Caracterizao socioeconmica 5.2. Fluxos migratrios 5.3. Relaes familiares 5.4. Trajetria profissional 5.5. Formas de participao social 5.6. Caractersticas dos empreendimentos 5.7. Formas de gesto da mo de obra 5.8. Representaes dos empregadores sobre o trabalhador rural 5.9. Imagem social dos empregadores 5.10. Aspiraes e projetos de vida Sntese captulo 6: A erradicao da escravido contempornea no Brasil 6.1. Polticas de combate ao trabalho escravo 6.2. Trabalhadores, gatos e empregadores: diferentes vises sobre os instrumentos de combate ao trabalho escravo Consideraes finais: os atores em dilogo Ficha catalogrfica Referncias bibliogrficas

121 121 122 124 125 130 131 138 144 146 148 149

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156 165 171 173

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introdUo1. panorama Histrico da escravido contempornea no Brasil Aps a abolio legal da escravido no Brasil em 1888, as prticas coercitivas de controle da fora de trabalho continuaram a compor a histria do campo brasileiro, sob diferentes modalidades e em diferentes regies o colonato1 nas fazendas de caf do Sudeste no sculo XIX e o sistema de aviamento2 na produo da borracha na regio amaznica nas primeiras dcadas do sculo XX. Nessas1 Quando, em meados do sculo XIX, o plantio do caf se expandia e as dificuldades relacionadas com o fim do trfico negreiro cresciam, fazendeiros, principalmente de So Paulo, lanaram mo de uma poltica de migrao de europeus e asiticos apoiada pelo Estado e puseram em prtica o modelo das chamadas colnias de parceria ou colonato. fcil compreender que esse sistema degeneraria rapidamente em uma forma de servido por dvidas. O Estado brasileiro financiava a operao, o imigrante hipotecava o seu futuro e o de sua famlia e o fazendeiro ficava com todas as vantagens (FURTADO, 1982; p. 126-127; ESTERCI, 1999; p. 104). 2 Na explorao da borracha, os seringalistas adotaram a prtica de recrutar trabalhadores, sobretudo, dos estados do Nordeste. O sistema de aviamento foi o embrio de um grande mecanismo de endividamento e submisso dos trabalhadores aos seus patres. O migrante nordestino comeava sempre a trabalhar endividado, pois era obrigado a reembolsar os gastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalao. As grandes distncias e a precariedade de sua situao financeira reduziam-no a um regime de servido por dvidas (FURTADO, 1982; p. 134).

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diferentes situaes, foram utilizados de forma recorrente mecanismos de endividamento artificial que atavam os trabalhadores propriedade, acompanhados por vezes por mtodos violentos. (ESTERCI E VIEIRA, 2003). Esta no apenas a realidade de um passado distante. A escravido ainda est presente em nossos dias, mas modificada por algumas caractersticas particulares. A partir de meados da dcada de 1960, grandes fazendas agropecurias foram beneficiadas por incentivos fiscais fornecidos pelo governo militar brasileiro e comearam a instalar-se na Amaznia. Neste perodo, a poltica governamental tinha como finalidade estratgica a ocupao do territrio nacional. O slogan nacionalista adotado no perodo era: integrar para no entregar (BRETON, 2002). A ocupao se fez desestruturando organizaes sociais e produtivas j existentes, expulsando as populaes tradicionais camponesas e indgenas. A grande propriedade foi priorizada em detrimento da pequena produo (IANNI, 1978; CASALDLIGA, 1970; REZENDE, 1986). Esse processo propiciou um fluxo migratrio para a regio. A rpida expanso da fronteira agrcola na Amaznia criou para os trabalhadores rurais uma situao extremamente adversa. Estabeleceu-se uma lgica de explorao do trabalho baseada no arbtrio do fazendeiro ou de seus representantes. Estima-se que, entre 1970 e 1993, houve mais de 85 mil trabalhadores escravizados no Brasil (FIGUEIRA, 1999; p. 170). A escravido contempornea no pas, especialmente na regio de fronteira agrcola amaznica, revela uma situao de grande vulnerabilidade e misria dos trabalhadores rurais. A falta de alternativas para um contingente que no possui qualquer qualificao, a no ser a prpria fora manual de trabalho e a ausncia de

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empregos regulares, tanto no campo como na cidade, obrigam os trabalhadores a aceitarem condies precrias de trabalho. Alguns fazendeiros utilizam os chamados gatos, recrutadores de mo de obra, que percorrem diversas regies procura de trabalhadores rurais temporrios. Os gatos aliciam trabalhadores disponveis e os levam para regies remotas. Na primeira abordagem, eles se mostram agradveis, portadores de boas oportunidades de trabalho. Oferecem servios em fazendas, com garantia de salrio, alojamento e comida, alm de adiantamentos para a famlia e garantia de transporte gratuito at o local de trabalho. Ao chegarem ao local do servio, os trabalhadores so surpreendidos com situaes completamente diferentes das prometidas. Em geral, neste momento, recebem a informao de que j esto devendo. O adiantamento, o transporte e as despesas com alimentao na viagem j foram anotados em um caderno de dvidas. Em casos extremos, at mesmo o custo dos instrumentos de trabalho (foices, faces, moto serras, entre outros) anotado no caderno de dvidas do gato, bem como as botas, luvas, chapus e roupas. Finalmente, despesas com os alojamentos e com a precria alimentao sero anotadas, todas elas acima do preo de mercado. Em geral, as fazendas encontram-se distantes do comrcio mais prximo, sendo impossvel ao trabalhador no se submeter ao sistema de dvidas. Caso deseje ir embora, ser impedido sob a alegao de que est endividado. Aqueles que reclamam ou tentam fugir so vtimas de surras e podem perder a vida (SAKAMOTO, 2007; p. 22). Em alguns casos, guardas armados esto presentes nas fazendas para coagir os trabalhadores que criticam as condies de trabalho. Assim, para prend-los ao trabalho, os gatos criam mecanismos de endividamento artificial e formas de con-

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trole e represso, geralmente envolvendo violncia fsica e confinamento. O reconhecimento e a compreenso das atuais formas de explorao dos trabalhadores rurais so os primeiros passos para a erradicao do trabalho em condies anlogas de escravo no Brasil. Dessa forma, o presente estudo busca conhecer a dinmica dos principais atores envolvidos na escravido contempornea no pas, suas caractersticas, valores e expectativas, a fim de avanar no fortalecimento e reorientao de polticas pblicas que tm como meta o enfrentamento do trabalho anlogo ao de escravo.

2. objetivos da pesquisa O objetivo deste estudo traar o perfil dos principais atores envolvidos com a escravido contempornea rural no Brasil (trabalhadores, gatos e empregadores), com a finalidade de subsidiar polticas pblicas de combate ao trabalho anlogo ao de escravo, que incluem aes de represso e preveno da escravido no pas. Os resultados da pesquisa podem orientar a elaborao de campanhas educativas e fornecer informaes importantes para o controle do trfico de trabalhadores submetidos escravido contempornea. Alm disso, o estudo contribuir para repensar as estratgias de reinsero dos trabalhadores resgatados em seus locais de origem, tais como a oferta de trabalho e renda, mecanismos de acesso terra e apoio agricultura familiar.

3. metodologia da pesquisa16

A elaborao do perfil dos diferentes atores envolvidos com a escravido contempornea no Brasil norteou-se por uma perspectiva

relacional entre eles. Apesar das diferenas, trabalhadores, gatos e empregadores fazem parte de um mesmo processo social. Esto ao mesmo tempo separados e unidos por um lao tenso e desigual de interdependncia que expressa relaes de poder. A perspectiva relacional permite revelar como certos traos, caractersticas, prticas e concepes podem ser consideradas como parte de uma lgica mais geral, ou podem ser vistos como traos especficos e singulares de um determinado grupo (MERLLI, 1996:16). O estudo no pretendeu ter representao estatstica, uma vez que est baseado principalmente em uma metodologia qualitativa. A pesquisa foi conduzida mediante a aplicao de entrevistas a trabalhadores, gatos e empregadores3, com o intuito de captar as prticas, concepes, valores e expectativas dos diferentes atores, tendo como foco principal o trabalho. Alm disso, realizou-se uma reviso bibliogrfica: textos acadmicos relativos ao tema e documentos disponibilizados pela OIT, pelas entidades parceiras do projeto de cooperao tcnica e por fontes diversas foram consultados.

4. pesquisa 4.1 Lcus da pesquisa de campo dos trabalhadores e gatos Para entrevistar os trabalhadores e os gatos4, a estratgia utilizada pela pesquisa foi o acompanhamento das operaes dos Grupos Especiais de Fiscalizao Mveis (GEFM) nas fazendas identifica3 Para as entrevistas dos trabalhadores e gatos foram elaborados dois formulrios com questes abertas e fechadas, que continham um conjunto de questes comuns, a fim de que se pudesse estabelecer comparao entre os grupos. Para as entrevistas com os empregadores, foi elaborado um roteiro que serviu de base para a realizao de entrevistas abertas semidirigidas. 4 A pesquisa realizada com os empregadores ser explicada na pgina 12 no presente estudo.

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das pela prtica do trabalho em condies anlogas de escravo5. Os Grupos Mveis, compostos por equipes de Auditores Fiscais do Trabalho, Procuradores do Trabalho, Policiais Federais e Policiais Rodovirios Federais, apuram as denncias de escravido contempornea realizando vistorias nas fazendas. Procurou-se realizar as entrevistas nas regies de maior incidncia de trabalho anlogo ao de escravo no Brasil. Informaes do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) de 1995 a 2008 destacam os estados do Par e Mato Grosso como campees em resgates de trabalhadores. Dados dos ltimos anos indicam um crescimento significativo de trabalhadores libertados nos estados da Bahia, Tocantins e Maranho. Dessa forma, planejou-se realizar entrevistas nesses estados. Apesar de no ter sido contemplado na pesquisa, observou-se, no perodo 2008 a 2010, um aumento significativo de trabalhadores libertados na regio Sul do pas, principalmente nos estados de Paran e Santa Catarina, a partir do o aumento das aes fiscais do GEFM e dos Grupo Rurais das Superintendncias Regionais de Trabalho e Emprego (SRTEs). Em 2010, os trabalhadores libertados na regio Sul corresponderam a cerca de 15% do total dos trabalhadores libertados no Brasil, enquanto em 2007 haviam correspondido a menos de 4% desse total. As entrevistas com trabalhadores e gatos ocorreram em 10 fazendas localizadas nos estados do Par, Mato Grosso, Bahia e Gois, entre outubro de 2006 e julho de 2007. No total, foram entrevistados 121 trabalhadores e 7 gatos (ver tabelas 1 e 2). Convm observar que no foram entrevistados trabalhadores resgatados no Maranho e em Tocantins, pois os perodos das aes de fiscalizao no coinci5 A excepcionalidade da situao de fiscalizao e resgate certamente introduz um vis na pesquisa. Considerou-se, porm, que ele largamente compensado pela oportunidade de entrevistar trabalhadores no momento em que esto vivenciando a situao de trabalho escravo, tendo como referncia uma situao concreta a ser discutida e avaliada por eles. Alm disto, o acesso posterior aos trabalhadores e gatos extremamente difcil.

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tabela 1: Local de resgate dos trabalhadores entrevistados nmero de trabalhadores 15 16 10 8 20 6 21 23 2 121 % 28,6 42,8 28,6 100,0 microrregio mesorregio

municpio

PA

Sudeste Paraense

Paragominas So Felix do Xingu Parauapebas

Abel Figueiredo Ulianpolis So Felix do Xingu gua Azul do Norte Unio do Sul Nova Ubirat Barreiras Itabera Inhumas6

MT BA GO

Norte MatoGrossense Extremo Oeste Baiano Centro Goiano

Sinop Alto Teles Pires Barreiras Anpolis

totalFonte: Pesquisa de Campo.

tabela 2: Local de resgate dos trabalhadores e gatos entrevistados7 UF PA MT BA GO totalFonte: Pesquisa de Campo.

trabalhadores Freqncia 49 26 21 25 121 % 40,5 21,5 17,3 20,7 100,0 2 3 2 7

gatos Freqncia

6 Havia um nmero maior de resgatados na fazenda de Inhumas (GO), no entanto, em funo da disponibilidade de tempo e de acesso dos pesquisadores foram entrevistados apenas 2 trabalhadores. 7 Vale ressaltar que em Mato Grosso foi entrevistado um gato em uma fazenda onde j no havia mais trabalhadores e em Gois 2 gatos trabalhavam em uma mesma fazenda.

Fazendas 1 1 1 1 2 1 1 1 1 10

UF

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diram com a disponibilidade dos pesquisadores. Por isso, foram realizadas entrevistas em Gois, que apresentou, em 2007, um crescimento significativo no nmero de operaes de resgate de trabalhadores. A realizao das entrevistas com trabalhadores e gatos enfrentou vrias dificuldades de ordem operacional. As aes dos Grupos Mveis (GEFM) so realizadas principalmente aps denncias da Comisso Pastoral da Terra, de entidades da sociedade civil, de projetos de fiscalizao da Secretaria de Inspeo do Trabalho e de denncias annimas, quando ento, aps anlise por membros dos GEFM ou dos Grupos Rurais das Superintendncias Regionais, enviada uma equipe para realizar as fiscalizaes. Dessa forma, era necessrio esperar que houvesse uma operao nos estados onde se determinou que as entrevistas fossem feitas, para ento enviar a equipe de pesquisadores, o que dificultava a execuo do trabalho de campo dentro do cronograma previsto. Alm disto, h locais que, quando fiscalizados, o Grupo Mvel (GEFM) no encontra mais os trabalhadores na fazenda denunciada, como chegou a ocorrer durante a pesquisa, ou ento denncias que, quando fiscalizadas, no so consideradas pelo Grupo Mvel (GEFM) como situaes anlogas escravido, inobstante a precariedade das condies de trabalho observadas. Convm registrar que todos os trabalhadores entrevistados na pesquisa foram resgatados pelo Grupo Mvel (GEFM), ou seja, as situaes nas quais eles se encontravam foram enquadradas, conforme o artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro8, como de trabalho anlogo ao de escravo. Alm das entrevistas, os pesquisadores tambm acompanharam a rotina de trabalho dos Grupos Mveis (GEFM). Esse acompa-

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8 O artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro ser destacado no captulo 1.

nhamento permitiu levantar informaes importantes sobre as caractersticas dos diferentes atores envolvidos na escravido contempornea no Brasil e as alteraes que tm ocorrido no perodo recente. A pesquisa de campo propiciou uma rica experincia aos pesquisadores, evidenciando as mltiplas dimenses presentes na realidade do trabalho em condies anlogas de escravo.

4.2 Banco de dados do MTE baseado no CAGED Para o perfil dos trabalhadores, alm do material coletado em campo, foram utilizadas informaes sobre os trabalhadores resgatados contidas no banco de dados do MTE baseado no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)9 de novembro de 2002 a maro de 2007. Neste perodo, o banco de dados dispe de informaes a respeito de idade, sexo, naturalidade e procedncia de 9762 trabalhadores resgatados 10. O banco de dados foi utilizado como parmetro de referncia para a anlise dos dados da pesquisa de campo. As 121 entrevistas realizadas na pesquisa e os dados baseados no CAGED permitiram quantificar algumas informaes para o perfil. Ainda que o estudo realizado contenha indicaes importantes sobre as caractersticas dos trabalhadores submetidos a condies anlogas de escravos, necessrio deixar claro que a pesquisa no trabalhou com uma amostra estatisticamente representativa, o que impede a generalizao para o conjunto dos trabalhadores, dos achados dessa pesquisa.9 Uma importante iniciativa governamental no combate ao trabalho escravo tem sido o pagamento de Seguro Desemprego aos trabalhadores resgatados, o que assegurado pela Lei n. 10.608/2002 que regula o Programa de Seguro Desemprego no pas (COSTA, 2008). O banco de dados dos trabalhadores resgatados baseado no CAGED foi fornecido pelo Ministrio do Trabalho e Emprego. 10 O banco de dados do MTE com base no CAGED apresenta informaes sobre outras variveis, como cor/raa. No entanto, nem todas as informaes puderam ser utilizadas em funo do preenchimento incompleto e no padronizado.

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4.3 Lcus de pesquisa dos empregadores Os empregadores no foram entrevistados no momento do resgate, entre outros motivos porque nem sempre estavam presentes na fazenda durante a fiscalizao. Para a seleo dos empregadores, tomou-se como referncia o Cadastro de Empregadores Flagrados na Explorao de Trabalho em Condies Anlogas a de Escravo (Lista Suja)11. Na escolha, procurou-se contemplar os diversos tipos de atividades econmicas, diferentes formas de gesto/administrao do empreendimento e tamanhos da propriedade. Os proprietrios foram contatados por telefone para agendamento de entrevistas em seus locais de residncia. Foram muitas as dificuldades enfrentadas para conseguir entrevistar os empregadores. A primeira foi o acesso a eles: obter os telefones e convenc-los a dar entrevista. A grande maioria deles no queria falar. Recusam e relutam em serem identificados, reconhecidos e lembrados como infratores. De 66 proprietrios contatados, conseguiu-se entrevistar apenas 12. Entre os empregadores que aceitaram dar entrevista, vrios concordaram apenas aps um longo processo de convencimento. Esse processo permitiu suscitar e conquistar a confiana do entrevistado condio primeira para obteno de um material suficientemente rico e passvel de ser interpretado segundo os objetivos e os pressupostos de uma pesquisa (BEAUD, 1996; p. 244). Mesmo as recusas e os argumentos utilizados trouxeram elementos importantes para a compreenso do perfil dos empregadores.11 A chamada Lista Suja refere-se a um cadastro, institudo pela Portaria n.540/2004 do MTE, que rene o nome de empregadores (pessoas fsicas e jurdicas) flagrados na explorao de trabalhadores em condies anlogas escravido. A Lista Suja ser explicada com mais detalhes no captulo 6 do presente estudo. Ela est disponibilizada ao pblico pelo site do MTE: .

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As fazendas dos empregadores entrevistados localizavam-se predominantemente nos estados do Par e Mato Grosso, havendo ainda propriedades na Bahia, Tocantins e Maranho. A pesquisa abrangeu, portanto, os estados com maior incidncia de resgate de trabalhadores submetidos escravido contempornea (ver tabela 3).tabela 3. local das propriedades dos empregadores pesquisados UF municpio So Flix do Xingu (2) Ulianpolis Tom-Au Rio Maria Marab Lucas do Rio Verde Diamantino So Flix do Araguaia Luiz Eduardo Magalhes Anans Aailndia

Freqncia

%

PA

6

50,0

MT BA TO MA totalFonte: Pesquisa de Campo.

3 1 1 1 12

25,0 8,3 8,3 8,3 100,0

4.4 Estrutura do trabalho O presente estudo est estruturado em seis captulos. O primeiro apresenta as diferentes definies de escravido contempornea utilizadas no Brasil, alm de destacar as percepes dos trabalhadores, gatos e empregadores sobre o trabalho anlogo ao de escravo no pas. O captulo 2 apresenta a situao de escravido contempornea observada pelos pesquisadores que acompanharam o Grupo M23

vel (GEFM). Neste captulo, busca-se demonstrar as caractersticas da escravido (aliciamento, condies de trabalho, privao da liberdade) observadas durante a pesquisa de campo. O captulo 3 traz um perfil dos trabalhadores submetidos escravido contempornea entrevistados na pesquisa. Neste captulo so destacadas no apenas as caractersticas socioeconmicas dos trabalhadores, mas tambm os fluxos migratrios, suas relaes familiares, a trajetria profissional, suas formas de sociabilidade e suas aspiraes e projetos de vida. O captulo 4 apresenta um perfil dos gatos envolvidos com a escravido rural no Brasil. So analisadas as novas formas de arregimentao, controle e organizao do trabalho anlogo ao de escravo observadas na pesquisa de campo. Alm disso, so destacadas a caracterizao socioeconmica dos empreiteiros entrevistados, seus fluxos migratrios, suas relaes familiares, suas caractersticas profissionais, suas formas de sociabilidade e suas expectativas e aspiraes. No Captulo 5, apresentado um perfil dos empregadores que foram flagrados utilizando mo de obra em condies anlogas de escravo em suas fazendas. Os mesmos aspectos presentes nos perfis dos trabalhadores e gatos so destacados para os empregadores. Buscou-se tambm apresentar algumas caractersticas de seus empreendimentos e suas formas de gesto da fora de trabalho. Finalmente, o captulo 6 analisa as polticas de enfrentamento escravido no Brasil. Alm disso, so apresentadas as vises dos trabalhadores, gatos e empregadores sobre os instrumentos de combate escravido contempornea no pas.

Cap. 1

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conceitUAndo A escrAVido contemporneAA seguir sero apresentados o conceito de trabalho forado da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) e o artigo 149 do Cdigo Penal brasileiro. Alm disso, analisar-se-o as percepes dos trabalhadores, gatos e empregadores sobre o trabalho escravo no Brasil.

1.1 Definio de Trabalho Forado da OIT A Conveno n. 29 (de 1930)1 da Organizao Internacional do Trabalho (OIT) -sobre o trabalho forado ou obrigatrio -, ratificada pelo Brasil em 1957, define trabalho forado como todo trabalho ou servio exigido de uma pessoa sob a ameaa de sano e para o qual ela no tiver se oferecido espontaneamente. Alm disso, a Conveno n. 105 (de 1957)2 - sobre a Abolio do Trabalho Forado - estabelece que o trabalho forado jamais pode ser utilizado para fins de desenvolvimento econmico ou como1 Conveno n 29 sobre o Trabalho Forado ou Obrigatrio. 2 Conveno n 105 sobre a Abolio do Trabalho Forado

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instrumento de educao poltica, de discriminao, disciplinamento atravs do trabalho ou como punio por participar de greve. Ambas as convenes foram ratificadas pelo Brasil, respectivamente em 1957 e em 1965. De acordo com essas convenes, o trabalho forado no pode simplesmente ser equiparado a baixos salrios ou a ms condies de trabalho, mas inclui tambm uma situao de cerceamento da liberdade dos trabalhadores. Portanto, toda a forma de trabalho forado trabalho degradante, mas a recproca nem sempre verdadeira. O que diferencia um conceito do outro a questo da restrio da liberdade. No caso brasileiro, a restrio da liberdade dos trabalhadores decorre dos seguintes fatores: apreenso de documentos, presena de guardas armados com comportamentos ameaadores, isolamento geogrfico que impede a fuga e dvidas ilegalmente impostas. Por esses motivos, os trabalhadores ficam impossibilitados de exercer seus direitos de ir e vir, de sair de um emprego e ir para outro (MARTINS, 1999; p. 162).

1.2 Artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro Artigo 149 do Cdigo Penal Brasileiro, reformulado em 2003 pela Lei 10.803/2003, utiliza a expresso reduo a condio anloga de escravo para definir o crime no pas.Artigo 149. Reduzir algum a condio anloga de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condies degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto.

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Pena recluso, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, alm da pena correspondente violncia. 1 Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de ret-lo no local de trabalho; II - mantm vigilncia ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de ret-lo no local de trabalho. 2 A pena aumentada de metade, se o crime cometido: I - contra criana ou adolescente; II - por meio de preconceito de raa, cor, etnia, religio ou origem.

A definio de trabalho anlogo ao de escravo contida no Cdigo Penal Brasileiro, portanto, no requer a combinao desses fatores para caracterizar o crime: a presena de apenas um dos fatores j suficiente para punir o responsvel pela prtica desse delito (COSTA, 2010). importante notar tambm que o tipo penal amplo, abrangendo no s situaes de falta de liberdade em sentido estrito, como tambm o trabalho em jornada exaustiva e em condies degradantes (VIANA, 2007, p. 44).

1.3 Definio de Trabalho Escravo para os trabalhadores pesquisados A pesquisa buscou identificar o que os trabalhadores entendem por trabalho escravo, ou seja, quais os elementos que, para eles, caracterizam essa condio. Os seguintes aspectos foram desta-

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cados no seu discurso: a ausncia de remunerao ou pagamento insuficiente (citada em 38,8% dos casos); os maus tratos e a humilhao dos trabalhadores e a jornada exaustiva (citados em 36,3% dos casos); as condies precrias de trabalho (citada em 28,9% dos casos), a privao da liberdade (24,7% dos casos) e a ausncia de carteira assinada (4,1% dos casos) (ver grfico 1).

Grfico 1. O que trabalho escravo para os trabalhadores*

0 Aus ncia de carteira as s inada Privao da liberdade Condies degradates de trabalho Maus tratos e humilhao Jornada exaus tiva Aus ncia de remunerao ou pagamento ins uficiente 4.10% 24.70% 28.90% 36.30% 36.30% 38.80% 0.00 5.00 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 % % 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%

Fonte: Pesquisa de campo. *A resposta a esta questo podia ser mltipla. Os percentuais apresentados referem-se proporo de respondentes que mencionaram aquele aspecto na sua definio de Trabalho Escravo

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Alm disso, o estudo procurou conhecer quais seriam, para esses trabalhadores, os limites das situaes de explorao nas relaes de trabalho considerados suportveis. Perguntou-se aos trabalhadores que motivos justificam o rompimento do contrato de trabalho. Os relatos sobre esses limites, bem como os problemas que enfrentam com os gatos, foram utilizados para caracterizar o trabalho escravo sob a tica dos trabalhadores.

1.3.1. Ausncia de remunerao, pagamento insuficiente ou quebra de contrato No receber remunerao ou ganhar pouco foi o elemento mais freqente (38,8%) apontado pelos trabalhadores para caracterizar o trabalho escravo. Segundo relatos dos entrevistados, o trabalho escravo :A pessoa que vai trabalhar na fazenda a vida inteira trabalhando sem ganhar quase nada. A gente trabalhar muito e ganhar pouco. Quando a gente trabalha sem tirar lucro e botou fora, trabalhou e o dono do servio no quer pagar. Na hora do acerto de conta, ele [o gato] desonesto, no paga certo.

A quebra da palavra dada, ou seja, o no cumprimento do combinado pelo gato tambm apareceu como sinnimo de escravido:O trabalhador no tem segurana. Combinam uma coisa, prometem e no cumprem. Na cidade da gente eles falam uma coisa e depois outra. Nunca do jeito que eles falam.

1.3.2. Maus tratos e humilhao Segundo um dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de campo, a escravido no s ficar preso numa fazenda. Os maus tratos, os xingamentos e agressividade dos gatos e empregadores tambm foram considerados atributos da escravido por 36,3% dos trabalhadores.

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Os maus tratos desqualificam e submetem moralmente o trabalhador vontade do outro e, nesse sentido, privam-no de sua autonomia, mesmo quando no o prendem fisicamente. A categoria humilhao foi recorrente nos depoimentos dos trabalhadores. Um deles considerou a humilhao como o equivalente do castigo na escravido colonial: de primeiro [a escravido] era quando trabalhava apanhando. Hoje quando trabalha humilhado. Outros relatos retrataram esse aspecto da escravido contempornea:Acho que [o trabalho escravo] sofrimento que a pessoa passa no servio, humilhado e agredido. Quando as pessoas to sendo maltratadas e humilhadas pelos donos de fazenda e gatos. Receber grito direto, ser tratado que nem cachorro. Se o peo senta um instante chega gritando, maltratando, arrogante. Tratar das pessoas como quem trata de um bicho.

Quando perguntados sobre os motivos que justificam o rompimento de um contrato de trabalho, a razo mais forte apresentada pelos trabalhadores foi o tratamento desrespeitoso por parte do gato ou empregador, com atitudes que desqualificam e discriminam; nas palavras de um trabalhador, quando a gente no se sente como humano. Ou seja, este tipo de tratamento se configura para o trabalhador como injustia, como um ataque sua dignidade humana. 1.3.3. Jornada exaustiva A jornada de trabalho exaustiva (seja ela extensa ou intensa) foi destacada para definir a escravido por 36,3% dos trabalhadores pesquisados. Para eles, o trabalho escravo :

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Aquele [servio] que voc pega de madrugada, pra de noite. No d tempo de folga, nem para beber gua. Explorar o trabalhador. O trabalhador fazer o que ele no pode, o mximo que o corpo pede.

1.3.4. Condies de trabalho As condies degradantes de trabalho, isto , o alojamento, a alimentao, a gua e os equipamentos de proteo e segurana, foram elementos utilizados para caracterizar o trabalho escravo por 28,9% dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de campo. Geralmente, as condies precrias de trabalho apareceram associadas a outros fatores, como a ausncia de remunerao, a jornada exaustiva de trabalho, os maus tratos e humilhao. Os trabalhadores pesquisados afirmaram que a escravido :Trabalhar s pra comer, no receber dinheiro, comer uma comida ruim, tipo escravizado mesmo, como o que estamos vivendo aqui: trabalhar muito e ganhar pouco, ser humilhado. Quando tiver alimentao muito fraca ou estragada ou ser xingado e agredido pelo gato. Quando sofre humilhao e a alimentao no boa.

1.3.5. Privao da liberdade A restrio da liberdade foi mencionada por 24,7% dos trabalhadores para definir o trabalho escravo no Brasil (ver grfico 2).31

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Grfico 2. Privao da liberdade como caracterstica da escravido*16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% Caractersticas geogrficas do localFonte: Pesquisa de campo. *Respostas mltiplas.

14% 12,30%

4,10%

Violncia fsica e ostensiva

Reteno por dvida

Nesse aspecto, 14% dos entrevistados na pesquisa de campo se referiram s caractersticas geogrficas das fazendas que impossibilitam a sada do local de trabalho:A empreita s acertada nas terras do homem [fazenda]. Ele [o gato] diz: tanto. Se no aceitar, tem de ir embora. Ir embora como? Estar trabalhando no lugar, no poder falar, no poder sair, no poder se comunicar com a famlia. Querer sair e no ser liberado.

A violncia ostensiva, isto , a presena de guardas armados com comportamentos ameaadores e a violncia fsica foram citadas por 12,3% dos trabalhadores. Segundo os entrevistados, o trabalho escravo ocorre quando:Voc t trabalhando e uma pessoa t com uma arma. Voc quer parar pra descansar e ele fica avexando pra trabalhar. A eu acho que .

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A pessoa trabalha sem condies e obriga a pessoa a ficar na fazenda. Ter vigia armado. Ser ameaado. Se quer sair, o cara dizer que vai matar.

A reteno por dvida foi apontada por 4,1% dos entrevistados como elemento que configura a escravido. Apesar do pequeno percentual de trabalhadores que se referiram espontaneamente dvida como um fator que define o trabalho escravo no Brasil, deve-se notar que a dvida ainda possui um papel significativo para a reteno dos trabalhadores nas propriedades conforme demonstra o quadro saiba mais nas pginas 25 e 26. a pessoa que trabalha e nunca tem um saldo bom. s devendo. o peo [que] no consegue ir embora porque est devendo. Eles [os gatos] mentem demais. O que pedir [de mercadoria] vai, mas dobrado o preo. [...] Eu no gosto de trabalhar pra gato, porque ele vai me enrolar. O gato vende fumo, bota, tudo e a desconta. A mixaria que a gente ganha e ainda descontado.

1.3.6. Ausncia de carteira assinada Apenas 4,1% dos trabalhadores se referiram ausncia de carteira assinada como sinnimo de escravido. No entanto, vale observar que, ao serem perguntados sobre as medidas para a erradicao do trabalho escravo no Brasil, alguns se referiram importncia do registro em carteira (ver pginas 121, 122 e 123).

1.4 Definio de Trabalho Escravo para os gatos pesquisados O entendimento dos gatos sobre o trabalho escravo no se diferenciou do encontrado para os trabalhadores. Para os empreitei33

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ros, os aspectos utilizados para definir a escravido foram: a existncia de trabalho no pago, os maus tratos e a humilhao por parte do empregador, a jornada exaustiva de trabalho e a ausncia de carteira assinada, como se observa nos depoimentos abaixo:Onde a pessoa trabalha e no recebe. Trabalhando maltratado, no t recebendo, no t se alimentando. Quando diz: voc tem que fazer isto e pega s 6 da manh, trabalha at s 8 da noite e no pagam o que vale. Trabalho sem registro, sem carteira assinada. Trabalho com maus tratos, trabalhar humilhado.

Perguntados sobre quais motivos justificariam o abandono do servio pelos trabalhadores, os gatos destacaram o pagamento insuficiente, os maus tratos, as condies precrias de trabalho, especialmente a alimentao, indicando a existncia de elementos comuns percepo dos trabalhadores em relao aos limites da explorao do trabalho. Esses relatos tambm foram utilizados para caracterizar o trabalho escravo sob a tica dos gatos (ver quadro saiba mais nas pginas 25 e 26).Quando ele no est ganhando nada. Se trabalhou um tempo e no deu pr tirar o valor da diria, tem direito de ir embora. Quando ele maltratado. Quando no alimenta ele bem e falta com respeito, ele deve abandonar [o servio]. No meu modo de pensar, no deveria [abandonar o trabalho]. S se passar fome. Quem que vai trabalhar com fome?

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1.5 Definio de Trabalho Escravo para os empregadores pesquisados O aspecto mais citado pelos empregadores para definir a escravido contempornea foi a privao da liberdade dos trabalhadores:[Trabalho escravo ] endividamento com comida. Sem poder sair do local de trabalho. Quando se obriga algum a fazer um trabalho, por no ter como sair, por receber em comida apenas. [Escravido] no ter permisso de ir e vir.

A ausncia de pagamento, as condies precrias de trabalho e a jornada exaustiva tambm foram critrios citados pelos empregadores para definir a escravido contempornea, como demonstram os depoimentos abaixo:[Trabalho escravo ] no ter salrio, no ter registro, no ter condies bsicas de vida. [Trabalho escravo ] no pagar salrio, no respeitar a jornada de trabalho.

Convm observar, entretanto, que muitos empregadores entrevistados na pesquisa criticaram a ao da fiscalizao do MTE3, afirmando que existem muitos exageros sobre o trabalho escravo no pas.Existe [trabalho escravo], mas no na proporo que falam. Na prtica nunca vi essas situaes que dizem ser trabalho escravo. importante delimitar o que se enquadra ou no como trabalho3 A opinio dos empregadores sobre a legislao trabalhista e sobre os mecanismos de combate ao trabalho escravo no Brasil ser descrita com detalhes no captulo 6.

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escravo, pois hoje se cria uma situao em que o funcionrio andou de nibus que est quebrado, ele j um trabalhador escravo. Tinha que rever tudo isso antes de sujar o nome da gente. Tudo trabalho escravo! Tem que ouvir todos os lados antes de dizer que trabalho escravo.

Alm disso, com exceo de um empregador, todos negaram a presena de trabalhadores escravos em suas fazendas. O proprietrio que reconheceu sua parcela de culpa afirmou que: fomos negligentes. Ele se posicionou favorvel ao combate ao trabalho escravo e defendeu uma melhor definio das leis. E fez questo de ressaltar que:[O trabalho escravo] um problema srio. Acho que uma realidade. Mas no um privilgio da agricultura. Voc tem trabalho escravo, quando a sem preconceito uma criana de 9 anos no Nordeste, deixa de ir escola e fica fazendo comida. Tambm trabalho escravo quando uma pessoa um costureiro coreano ou boliviano fica confinado, n? E por conta da ameaa da denncia da ilegalidade, trabalha e tal.

Entre os doze empregadores entrevistados, apenas dois negaram veementemente a existncia da escravido contempornea no Brasil.No existe trabalho escravo no Brasil. tudo inveno. Na cidade tem gente trabalhando que nem no campo, no ? Sem carteira assinada. E porque que eu tenho que pagar? No existe [trabalho escravo]. [...] O que se v so coisas naturais. Deveria se acabar com a pecha de trabalho escravo. Virei uma indstria de trabalho escravo [...] No existem pessoas que so aliciadas pra trabalhar ali que no vai poder sair. Ele sai a hora que quiser.

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Quadro Saiba mais: A dvida que escraviza* A privao da liberdade por dvidas um mecanismo tradicionalmente utilizado no Brasil para manter os trabalhadores cativos. Endividado, o trabalhador muitas vezes recusa sua libertao, pois se considera subjetivamente devedor e, portanto, incapaz de violar o princpio moral em que apia sua relao de trabalho (MARTINS, 1999; p. 162). Dessa forma, os pesquisadores buscaram verificar se os trabalhadores entrevistados consideram a dvida como um elemento que justifica sua reteno na propriedade. 52% dos trabalhadores afirmaram que no podem sair se estiverem devendo e 18,1% condicionaram a sada a algumas situaes. Apenas 29,9% consideraram que o trabalhador pode sair do emprego em caso de dvidas. a) no podem sair da fazenda se estiverem devendo Os trabalhadores que afirmaram que no podem sair do local de trabalho se estiverem devendo (52%) utilizaram principalmente argumentos relacionados obrigatoriedade moral de pagar a dvida. Segundo eles: O direito acertar a cantina. Tem que pagar porque honestidade acima de tudo. Uma das coisas mais feias que acho no cumprir quando deve. Tem que trabalhar pra poder pagar. Se sair no tem como pagar. O trabalhador que honesto tem que sair limpo de qualquer lugar. es caso saiam das fazendas endividados: Se sai devendo, depois eles tem coragem de matar at por um real.

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Porque sai sujo aqui de dentro. Quando volta para fichar, no ficha mais. b) podem sair da fazenda se estiverem devendo Entre os trabalhadores que afirmaram que podem sair do local de trabalho se estiverem devendo (29,9%), um grupo utilizou como argumento a ilegalidade da situao e outro justificou o abandono do emprego afirmando que o trabalhador endividado no consegue sair dessa situao: No existe lei para ter cantina na fazenda. Tem o direito de sair porque ningum pode trabalhar de graa. At mquina no trabalha de graa porque tem que ter o investimento nela. Se no tem dinheiro, como vai fazer pra pagar? Alguns entrevistados tambm sugeriram que o trabalhador deve sair da fazenda para no aumentar ainda mais a dvida e posteriormente deve voltar para pag-la, ou seja, eles reconhecem a dvida da cantina como legtima e vem a necessidade de quit-la. Se est massacrado deve sair mesmo. Que depois volte e pague a dvida.

*Essa expresso foi retirada do ttulo de um artigo da autora Neide Esterci (1999; p. 101)

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c) podem sair da fazenda se estiverem devendo em certas circunstncias 18,1% dos trabalhadores entrevistados consideraram que o dever moral de ficar na propriedade para pagar a dvida relativizado diante de certas circunstncias, como em caso de doenas, de quebra do contrato de trabalho e, especialmente, de maus tratos e da humilhao: Se ele t devendo tem que pagar, mas se ele for humilhado tem o direito de sair. Dependendo, se o gato tiver querendo prender e explorar a sim, mas se ele estiver s devendo tem que trabalhar para pagar [a dvida] primeiro. Se t doente, pode sair. Se combinou de um jeito falou de outro, eu vazo! Dessa forma, possvel concluir que a dvida um mecanismo eficaz para prender o trabalhador fazenda, tendo em vista que os valores morais como honra e honestidade so fortes orientadores da conduta para grande parte dos trabalhadores. Alm disso, o medo de possveis sanes tambm impede que alguns trabalhadores deixem o local de trabalho se estiverem endividados. O estudo procurou verificar tambm se os gatos consideram a dvida como um elemento que justifica a reteno dos trabalhadores nas fazendas. Alguns gatos condicionaram a sada dos trabalhadores a situaes especficas, como em casos de maus tratos ou fome. Outros utilizaram argumentos de ordem pragmtica, ou seja, eles acham melhor que o trabalhador saia para evitar problemas.

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Primeiro de tudo, ele fez um compromisso. Mas se o patro estiver maltratando ele tem direito para evitar confuso. Se ele est passando fome, no t tendo assistncia, tem direito de ir embora.Tem [direito de sair]! [...] Se ele quiser sair melhor; seno vai criar dificuldade, acaba no trabalhando.

Cap. 2

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sitUAo de trABAlHo escrAVo nAs FAZendAs pesQUisAdAsNeste captulo ser apresentada a situao de trabalho escravo encontrada pelos pesquisadores que acompanharam as aes do Grupo Mvel (GEFM). Primeiramente, sero destacadas as caractersticas das fazendas onde foram entrevistados os trabalhadores e os gatos, incluindo a localizao, o tamanho da propriedade e as atividades produtivas. Analisar-se- tambm a maneira como os trabalhadores foram aliciados para as fazendas. Alm disso, sero apresentados os depoimentos dos trabalhadores sobre as condies de trabalho nas fazendas pesquisadas e as opinies dos empregados e dos gatos sobre os responsveis pela situao encontrada nas propriedades visitadas pelos pesquisadores.

2.1 Caractersticas das fazendas onde foram entrevistados os trabalhadores e os gatos Como j foi dito anteriormente, as entrevistas com os trabalhadores e gatos ocorreram em dez fazendas localizadas nos estados do Par, Mato Grosso, Bahia e Gois (ver tabela 1 na pgina 10). Es-

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sas dez propriedades se diferenciam quanto ao tamanho e tipo de gesto. Duas delas so grandes empresas: uma produz cana-de-acar no Par; e a outra produz caf, algodo e soja na Bahia. As demais fazendas pertencem a proprietrios individuais, a maior parte deles absentestas, ou seja, que no frequentam suas propriedades, ficando a gesto desta por conta de um administrador. Em metade das fazendas pesquisadas, a atividade econmica era a pecuria e nas demais a agricultura. As atividades agropecurias estavam localizadas no Par e Mato Grosso e abrangeram 43,8% dos trabalhadores entrevistados (ver tabela 4). As fazendas com atividades agrcolas se diferenciavam: uma delas, na Bahia, regio que passa por intenso crescimento na produo de gros com culturas altamente mecanizadas, produzia caf, algodo e soja. Outra, localizada no Par, era produtora cana de acar/lcool. Alm disso, havia ainda uma fazenda em Mato Grosso, produtora de arroz, e duas em Gois, uma produtora de tomate e outra de cana1tabela 4. nmero de propriedades e trabalhadores por tipo de atividade econmica Atividade econmica da Fazenda Pecuria Caf, Algodo, Soja Agricultura Cana de acar Tomate Arroz totalFonte: Pesquisa de Campo.

propriedades trabalhadores 5 1 2 1 1 10 53 21 18 23 6 121

% 43,8 17,4 14,8 19,0 5,0 100,0

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1 Nesta ltima fazenda de Gois foram entrevistados apenas dois trabalhadores.

2.2 Aliciamento dos trabalhadores O recrutamento dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de campo operou principalmente por meio da rede de relaes pessoais. A maioria dos trabalhadores soube do servio por amigos ou conhecidos (40,8%) ou pelo gato (27,5%). Os demais procuraram escritrios que funcionavam como agncias de empregos ou dirigiram-se diretamente a fazenda (31,7%). Os depoimentos dos gatos confirmaram as informaes divulgadas pelos trabalhadores, uma vez que, segundo eles, a arregimentao dos trabalhadores foi realizada principalmente pela rede de contatos pessoais e por indicaes de pessoas conhecidas.

2.2.1. Local de aliciamento Grande parte dos trabalhadores entrevistados (62,6%) soube do trabalho na prpria residncia ou na vizinhana. Outros foram informados em hotis e penses (12,2%) ou em locais pblicos (8,7%), como rodovirias, estaes de trem e ruas das cidades por onde circulavam a procura de emprego (ver tabela 5). 7,8% dos trabalhadores souberam do servio em escritrios de contabilidade.tabela 5. local de aliciamento (%)* residncia ou Vizinhana 62,6 Hotis ou penses 12,2 locais pblicos 8,7 escritrio de contabilidade 7,8 outras situaes 8,7

Fonte: Pesquisa de Campo. *Excludos 6 trabalhadores sem informaes.

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2.2.2 Responsveis pela contratao dos trabalhadores ou aliciador Em mais da metade dos casos (52%), os trabalhadores foram contratados pelos gatos. A pesquisa de campo revelou outras modalidades de contratao: 24,8% dos trabalhadores foram contratados diretamente pela unidade produtiva (gerente, fazendeiro ou empresa); 14,9% foram contratados por escritrios de contabilidade a servio da empresa; e 8,3% foram contratados por outros agentes (ver grfico 3). Os servios dos escritrios de contabilidade foram utilizados pelos fazendeiros como tentativas de terceirizao da mo de obra a fim de evitar problemas com a intermediao da fora de trabalho2.

Fonte: Pesquisa de Campo.

2.2.3 Tipos de contratao dos trabalhadores e dos gatos Em seis fazendas pesquisadas os trabalhadores no foram registrados e em trs os trabalhadores possuam carteira assinada3. Duas2 No captulo 4, sero apresentadas as novas formas de arregimentao, controle e organizao do trabalho encontradas na pesquisa de campo. 3 No h informaes sobre o tipo de contratao dos trabalhadores para 1 das 10 fazendas pesquisadas.

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das trs fazendas onde havia registro dos empregados eram grandes empresas. Nas situaes em que os gatos estavam presentes, a contratao dos trabalhadores foi apenas verbal, com exceo de um caso em que as carteiras dos trabalhadores foram registradas. Os responsveis pela contratao dos gatos foram os proprietrios das fazendas em 4 casos e os gerentes em 3 casos. Apenas dois gatos firmaram contrato por escrito com os donos das fazendas; os demais fizeram apenas acordo verbal. Somente um possua firma registrada.

2.2.4 Relao anterior com o aliciador e companhia para o trabalho Grande parte dos entrevistados (71%) no havia trabalhado anteriormente com o contratante e nem mesmo o conheciam (57%). Entre os que j tinham contato, a maioria no tinha um relacionamento prximo. Apenas 5,8% dos trabalhadores disseram ter com ele relaes de amizade e 1,7% afirmaram ter relaes de parentesco. Os 35,5% restantes afirmaram que o contratante era apenas conhecido (ver tabela 6).tabela 6. relao anterior com o aliciador desconhecido conhecido Amigo parenteFonte: Pesquisa de Campo.

57% 35,5% 5,8% 1,7%

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Por outro lado, a maior parte dos entrevistados (69,4%) estava acompanhada por outros trabalhadores conhecidos e/ou parentes na fazenda onde foi resgatado. Apenas 28,1% declararam ter ido sozinhos para a fazenda (ver tabela 7). A ausncia de amigos ou familiares os torna mais vulnerveis diante de situaes de violncia e constrangimento que podem ocorrer nas fazendas. A presena de conhecidos e parentes pode atuar como um mecanismo protetor e de ajuda mtua.tabela 7. companhia para o trabalho com amigos ou conhecidos sozinho com parentes outrosFonte: Pesquisa de Campo.

50,4% 28,1% 19% 2,5%

2.2.5 Tipo de transporte Como a maioria das fazendas encontradas na pesquisa de campo ficava em locais distantes e de difcil acesso, mais da metade dos trabalhadores (54%) foram transportados em caminhes ou caminhonetes da cidade mais prxima at o local de trabalho. Para um grupo menor (13%) foi utilizado o nibus da fazenda. Antes de chegarem cidade prxima, os trabalhadores utilizaram vrios meios de transporte no percurso: nibus de linha, trem e nibus clandestino para o transporte interestadual dos trabalhadores. Neste ltimo caso, o gato eximiu-se da responsabilidade pelo transporte, atribuindo-a aos trabalhadores. Convm observar que, dos sete gatos entrevistados na pesquisa de campo, quatro assumiram ser responsveis pelo transporte dos trabalhadores para a fazenda.

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2.3 Trabalho temporrio As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores entrevistados tinham carter temporrio. Dados da pesquisa de campo indicam que a maioria dos trabalhadores com residncia fixa (88,4%) estava fora de casa h at 6 meses, sendo que grande parte (69,5%) estava longe h apenas 3 meses ou menos. Apenas 4,2% dos trabalhadores saram de casa por um perodo de um a dois anos (ver grfico 4).

Fonte: Pesquisa de campo. *Excludos 21 trabalhadores sem residncia fixa e 5 sem informao.

Situao diferente ocorre entre os trabalhadores sem residncia fixa (11,60%), que geralmente estavam h anos fora da residncia familiar. O estudo encontrou trabalhadores que no voltavam para a casa da famlia h mais de 10 anos. Os empreiteiros tambm estavam trabalhando na fazenda h pouco tempo: seis gatos estavam no local de trabalho h at 3 meses; e um estava trabalhando de 3 a 6 meses.

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2.4. Condies de trabalho nas fazendas pesquisadas 2.4.1. Alojamento As condies de trabalho nas fazendas pesquisadas eram extremamente degradantes. Os alojamentos dos trabalhadores, especialmente no Par e Mato Grosso, eram barracos improvisados no cho de terra, com cobertura de lona preta ou de palha, conforme denuncia um dos trabalhadores entrevistados: o barraquinho de lona, no um ambiente prprio pra ficar. Devido s pssimas condies dos alojamentos, os trabalhadores rurais ficavam expostos ao sol e chuva. Os alojamentos apresentavam tambm problemas de ventilao e superlotao. Um trabalhador ressaltou a importncia na construo de um alojamento bem organizado, gua encanada natural, quintal bem cercado, com galinhas e porcos separados.

2.4.2 gua e Alimentao Nas fazendas pesquisadas no havia gua potvel com qualidade para os trabalhadores. A gua, procedente de crregos prximos, era utilizada indiscriminadamente para beber, cozinhar, tomar banho e lavar equipamentos utilizados no servio, alm de ser dividida com animais. Em geral, a alimentao fornecida era de baixa qualidade, produzida em precrias condies de higiene. A carne raramente era oferecida pelos patres. Em alguns casos, para obteno de carne, os trabalhadores eram obrigados a caar animais silvestres. Os relatos a seguir denunciam s precrias condies da alimentao e da gua nas fazendas:gua ruim danada. Tem dia que no tem mistura [carne]. Tinha muita coisa irregular [na fazenda] o rango [comida], o banheiro. Principal o rango.

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2.4.3 Saneamento Na maioria das fazendas no havia instalaes sanitrias. Nas propriedades que possuam banheiros, estes estavam em pssimas condies de funcionamento e higiene. Banheiro velho, sujo, sem zelo, relatou um dos trabalhadores.

2.4.4 Equipamentos de segurana e sade dos trabalhadores A maioria dos trabalhadores no utilizava equipamentos de proteo individual. Em alguns casos, foi identificado o uso de produtos txicos (venenos) proibidos pela legislao brasileira. Verificou-se tambm ausncia de assistncia sade. Em uma das fazendas, um trabalhador faleceu por falta de atendimento mdico aps sofrer um acidente de trabalho. Os trabalhadores que estavam presentes no local afirmaram que o principal problema que enfrentaram ali foi:O acidente que aconteceu e no foi dada assistncia. A morte do rapaz que morreu na derrubada.

2.4.5 Jornada exaustiva Verificou-se que os trabalhadores foram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho, sem descanso semanal e com horas extras no pagas. Um dos trabalhadores entrevistados retratou a jornada exaustiva: [Aqui temos] que acordar muito cedo [...] e trabalhar muito. Segundo Ubiratan Cazetta (2007; p. 108), a jornada exaustiva a que submete o trabalhador a um esforo excessivo, sujeitando-

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-o ao limite de sua capacidade e que implica em negar-lhe suas condies mais bsicas, como o direito de trabalhar em jornada razovel e que proteja sua sade, garanta-lhe descanso e permita o convvio social (BRITO FILHO, 2006).

2.4.6 Maus tratos e humilhao As histrias de humilhao e sofrimento dos trabalhadores foram recorrentes nos relatos coletados. As ameaas (violncia moral) mantinham os trabalhadores em um estado constante de medo. Segundo os seus relatos, o grande problema na fazenda era:Os fiscais [da fazenda] humilhavam a gente demais. O fiscal chegou a falar pra mim: vocs nunca obedeceram pai e me, vocs vo me obedecer. A ignorncia do gato. Chegava bravo porque a gente no estava trabalhando, mas ele no tinha levado a comida. A humilhao, o dono da fazenda humilha as pessoas. Os fiscais [da fazenda] e os encarregados tratam a gente mal, como se fosse um burro, um animal. Como algo que no pertence a gente mesmo.

2.4.7 Problemas com pagamento Muitos trabalhadores no foram informados devidamente sobre o valor que seria pago pelo servio. Em outros casos, as tarefas a serem realizadas foram acrescidas em relao ao combinado, mantendo-se o mesmo valor da remunerao. Segundo relatos dos entrevistados:50

[Estvamos] ganhando s 6 reais [por dia]. No compensava. Foram falar com o gato, mas no resolveu. O preo do trabalho era 7 ou 13 reais por dia, isso no normal.

Alm disso, foi recorrente nos depoimentos dos entrevistados a quebra do contrato de trabalho. [O gato] no deu o que prometeu pra gente, afirmou um dos trabalhadores.

2.4.8 Privao da liberdade O estudo tambm revelou a existncia de mecanismos de cerceamento da liberdade dos trabalhadores nas fazendas pesquisadas. Em algumas situaes, os trabalhadores ficaram presos nas fazendas pelas dvidas contradas. Mercadorias de uso pessoal eram vendidas pelos gatos ou administradores das fazendas por preos exorbitantes. Segundo um dos trabalhadores da pesquisa de campo: [o trabalhador] tinha que pagar botina, cala. Em outros casos, os trabalhadores estavam isolados geograficamente e, portanto, no podiam sair da fazenda. Os relatos a seguir demonstraram as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores:Tinha trabalhador que queria ir pra famlia depois de 5 meses l. Pediu pra levar de moto e ele [o gato] no quis. Se a fiscalizao [GEFM] no tivesse ido l, ia ficar por isto mesmo. No tinha assistncia. Meu cunhado precisava ligar para a esposa grvida e ele no tinha como sair para telefonar.

Em outras situaes, observou-se que ameaas verbais eram feitas pelos gatos para impedir que os trabalhadores denunciassem a

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Perfil dos Principais Atores Envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil

situao no local de trabalho. Alm disso, foram encontradas durante as fiscalizaes, em algumas propriedades, armas de fogo de gatos e administradores sem a devida licena. Segundo os trabalhadores, os principais problemas enfrentados na fazenda eram:As ameaas que o gato fazia. Dizia que se algum denunciasse no comia mais feijo. Ameaas de morte. Dizia que se houvesse denncia mandava matar. Alguns de ns que falasse [o gato disse que] ia passar a espingarda.

2.5 Responsabilidade pelos problemas ocorridos nas fazendas 2.5.1 Opinio dos trabalhadores A responsabilidade pelo ocorrido na fazenda no foi vista de maneira uniforme pelos trabalhadores. Quase metade (48,3%) responsabilizou o proprietrio pelo ocorrido4, 27,5% apontaram o gato e 15,8% declararam no saber de quem a responsabilidade (ver tabela 8). Vale ressaltar que muitas vezes sequer o trabalhador sabe o nome real da fazenda, do dono da fazenda e/ou o encontra.tabela 8. responsvel pelo ocorrido na fazenda* Proprietrio Gato Gerente/fiscal da fazenda No sabem totalFonte: Pesquisa de campo. *Excludo 1 trabalhador sem informao.

48,3% 27,5% 8,4% 15,8% 100,0%

52

4 A presena do Grupo Mvel pode ter influenciado as respostas dos entrevistados.

Entre os trabalhadores que responsabilizaram o proprietrio, o argumento foi principalmente de ordem legal, ou seja, atribuem ao fazendeiro ou empresa a responsabilidade pelo que ocorre em seu empreendimento, cabendo a eles registrar os trabalhadores e tomar as providncias necessrias para resolver os problemas. Segundo relatos dos trabalhadores, o responsvel pelos problemas na fazenda era:O fazendeiro, que o dono do servio. O dono, ele tem que legalizar e assinar carteira. O responsvel foi o proprietrio da fazenda. Se ele andasse em dia com a justia no teria que se preocupar com que aconteceu hoje.

Os entrevistados que responsabilizaram os intermedirios utilizaram principalmente argumentos de ordem moral, enfatizando atitudes desonestas e comportamentos inadequados dos gatos. Apenas um atribuiu responsabilidade legal ao gato por no registrar a carteira dos trabalhadores.O gato ameaava, humilhava. O gato. O fazendeiro d o dinheiro e ele enrola um pouco. O gato. Ele ia para o escritrio pra pegar um cheque, depois inventava de levar o pessoal para o bar dele e descontava tudo, sobrando uma mixaria pro cara. O gato, pega as pessoas e no registra.

importante notar a existncia de duas ordens de argumentos nas respostas dos trabalhadores: a ordem moral, que tende a responsabilizar o gato; e a outra legal, que tende a responsabilizar o

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proprietrio. Nesta ltima esboa-se uma percepo baseada nos direitos trabalhistas que devem ser respeitados e cumpridos pelo empregador.

2.5.2 Opinio dos gatos Nenhum dos gatos entrevistados na pesquisa de campo considerou que havia trabalho escravo nas fazendas fiscalizadas pelo Grupo Mvel (GEFM). Apenas um disse: s se for pela assinao de carteira que no tinha. Perguntados sobre os problemas existentes nas fazendas onde estavam trabalhando, os gatos responderam de forma evasiva, afirmando que a presena da fiscalizao se deve s denncias feitas por trabalhadores. Segundo relatos dos empreiteiros, os problemas da fazenda eram:Na minha cabea, o que eu tenho pra dizer s os barracos [alojamento em barraco de lona]. No tenho nem idia. Deve ter tido alguma denncia. Parece que teve uma denncia annima por causa de trabalho escravo.

Os gatos consideraram que as condies de trabalho nas fazendas eram razoveis, ainda que tenham apontado como aspectos negativos as condies dos alojamentos e a gua para beber e tomar banho, o que coincide com a avaliao dos trabalhadores.

Cap. 3

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perFil dos trABAlHAdores

A chegada do Grupo Especial de Fiscalizao Mvel (GEFM) na fazenda surpreendia os trabalhadores. Para alguns, que j tinham alguma experincia de fiscalizao, a expectativa era de finalmente terem seus direitos reconhecidos. Outros reagiam assustados, principalmente diante dos Policiais Federais, demonstrando medo do que poderia acontecer. Aos poucos os trabalhadores iam se descontraindo e se revelando. Invariavelmente sua aparncia nas diferentes fazendas era semelhante: roupas e calados rotos, mos calejadas, pele queimada do sol, dentes no cuidados, alguns aparentando idade bem superior que tinham em decorrncia do trabalho duro e extenuante no campo. A expectativa de todos era trabalhar duramente na diria e obter a remunerao necessria para garantir a sobrevivncia prpria e o sustento da famlia. Conforme conversvamos, os trabalhadores iam revelando suas opinies a respeito do que viviam ali, do trabalho que realizavam e das relaes sociais estabelecidas. Demonstravam sua indignao em relao s injustias cometidas na fazenda, mas tambm revelavam suas aspiraes e projetos de vida.

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Como j foi dito anteriormente, o presente estudo apresenta informaes de 121 trabalhadores resgatados de situaes anlogas escravido, entrevistados durante pesquisa de campo que acompanhou operaes do Grupo Mvel (GEFM), entre outubro de 2006 e julho de 2007. Alm disso, o banco de dados do MTE, baseado no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), que contm informaes sobre idade, sexo, naturalidade e procedncia de 9.762 trabalhadores resgatados (de novembro de 2002 a maro de 2007) foi utilizado como parmetro de referncia para a anlise dos dados da pesquisa de campo. Ainda que o estudo contenha indicaes importantes sobre as caractersticas dos trabalhadores submetidos escravido contempornea, necessrio ressaltar que a pesquisa no trabalhou com uma amostra estatisticamente representativa, o que impede a generalizao, para o conjunto dos trabalhadores, dos resultados encontrados.

3.1 Caracterizao socioeconmica 3.1.1 Sexo/idade Durante a pesquisa de campo, verificou-se que os trabalhadores escravos resgatados pelas equipes de fiscalizao eram predominantemente homens adultos,1 com idade mdia de 31,4 anos. A idade mdia dos trabalhadores resgatados presentes no banco de dados do MTE de 32,5 anos, portanto, bastante prxima da encontrada na pesquisa. No mesmo Cadastro, o trabalhador mais jovem tinha 14 anos e o mais idoso 78 anos.1 Na pesquisa de campo, foi encontrada apenas uma mulher, que corresponde a 0,8% dos entrevistados, o que impede uma caracterizao por sexo. Ela era encarregada de preparar as refeies para o marido e alguns outros trabalhadores e no era remunerada por esta funo. Pode-se, entretanto, afirmar que as mulheres so minoria entre os trabalhadores resgatados. Segundo o banco de dados do MTE baseado no CAGED, apenas 4,7% dos resgatados eram do sexo feminino.

56

As informaes da pesquisa de campo demonstraram que pequena a proporo de adolescentes resgatados com menos de 18 anos (1,7%). No entanto, trata-se de uma populao jovem, o que se explica em razo do tipo de trabalho desenvolvido, que requer uso significativo de fora fsica. Segundo dados da pesquisa de campo, a maioria dos trabalhadores (52,9%) tinha menos de 30 anos. A proporo vai diminuindo medida que se avana nas faixas etrias. No entanto, cabe observar que trabalhadores com 50 anos ou mais que correspondiam a 7,4% do total ainda necessitam recorrer a este tipo de trabalho (ver grfico 5). Este dado surpreende, tendo em vista se tratar de trabalho exaustivo e pesado.Grfico 5. Idade7,40% 1,70% 51,20% Menos de 18 anos De 18 a 29 anos De 30 a 49 anos 50 ou mais anos

39,70%

Fonte: Pesquisa de Campo.

3.1.2 Cor/raa A maioria dos trabalhadores da pesquisa de campo (81%) era constituda de no brancos, dos quais 18,2% se autodenominaram pretos, 62% pardos e 0,8% indgena. A proporo de trabalhadores escravos no brancos encontrada na pesquisa foi significativamente maior do que a encontrada no conjunto da populao brasileira (50,3%) e mesmo nas Regies Norte (76,1%) e Nordeste (70,8%) (ver tabela 9). Com efeito, os trabalhadores negros (pre-

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tos e pardos), equivalem a 80% dos trabalhadores entrevistados na pesquisa, indicando que esse grupo est mais vulnervel a situaes de trabalho escravo do que os brancos. Chama a ateno a proporo de pretos entre os trabalhadores pesquisados (18,2%), um percentual 2,5 vezes superior ao encontrado na populao brasileira (6,9%), prxima apenas do ndice encontrado na Bahia (15,7%), estado com a mais alta proporo de pretos no Brasil2. Apenas um dos entrevistados se autodenominou indgena. Cabe lembrar, no entanto, que houve casos, especialmente em 2007, de fiscalizaes realizadas no Mato Grosso que resgataram grupos significativos de trabalhadores indgenas.

tabela 9. distribuio comparativa por cor/raa cor ou raa (%) Branca Brasil regio norte regio nordeste estado da Bahia pesquisa de campo 49,7 23,9 29,2 20,3 19,0 parda 42,6 69,2 62,5 63,4 62,0 preta 6,9 6,2 7,8 15,7 18,2 indgena 0,8 0,7 0,5 0,6 0,8

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios 2006 e pesquisa de campo.

Segundo declaraes dos entrevistados na pesquisa de campo, a proporo de no brancos entre os trabalhadores (81%) foi superior quela existente entre os seus pais (62,2%), o que se explica pela incidncia de casamentos inter-raciais. Quase a metade582 Seria necessrio realizar novos estudos para verificar se essa mesma proporo se verifica nos dados relativos ao conjunto dos trabalhadores libertados.

(47,7%) das unies dos pais foi entre brancos e no brancos. Em 13% dos casos ambos eram brancos e em 39,3% ambos eram no brancos.

3.1.3 Posse de documentos pessoais Entre os trabalhadores abordados na pesquisa de campo, apenas um no tinha nenhum tipo de documento. Grande parte possua a maioria deles: certido de nascimento (91,7%), carteira de trabalho (87,6%), carteira de identidade (87,5%), CPF (83,5%) e ttulo de eleitor (83,5%). A carteira de reservista o documento menos encontrado: apenas 45% a possuem (ver grfico 6). Entre os analfabetos, 32% no possuem ttulo de eleitor e CPF. Importante destacar que os dados revelados na pesquisa de campo no podem ser generalizados para o conjunto dos trabalhadores.

Grfico 6. Posse de documentos pessoais100,00% 90,00% 80,00% 70,00% 60,00% 50,00% 40,00% 30,00% 20,00% 10,00% 0,00% Certido de Nascimento Carteira de Carteira de trabalho identidade (RG) CPF Ttulo de Eleitor Carteira de Reservista 45,90% 91,70% 87,60% 87,50% 83,50% 83,50%

Fonte: Pesquisa de Campo.

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3.1.4 Renda dos trabalhadores e renda familiar Os rendimentos dos trabalhadores e a renda familiar no podem ser vistos rigorosamente como renda mensal regular, uma vez que se trata de trabalhadores temporrios, que no esto empregados durante o ano inteiro3. Neste sentido, os dados apresentados devem ser vistos apenas como indicao de rendimento. A renda mdia declarada pelos trabalhadores foi de 1,3 salrios mnimos. 40,5% disseram obter at um salrio mnimo e 44,8% entre 1 e 2 salrios mnimos. Apenas 6,9% declararam ter renda mensal superior a 3 salrios mnimos (ver grfico 7).

Grfico 7. Renda Mensal do Trabalhador7,80% 6,90% At 1 SM** 40,50% 44,80% De 1 a 2 SM De 2 a 3 SM Mais de 3 SM

Fonte: Pesquisa de Campo. *Excludos os trabalhadores sem informaes **Salrio Mnimo (SM).

As diferenas regionais foram grandes. O rendimento dos trabalhadores da Regio Nordeste era bem mais baixo do que os que moravam nas Regies Norte e Centro-Oeste (ver tabela 10).

60

3 Os trabalhadores tinham dificuldade de responder de forma precisa s perguntas relativas sua renda. Alguns informavam sobre o que haviam ganho no momento, outros procuravam fazer uma mdia. Para auferir com mais rigor os rendimentos familiares seria necessrio realizar um estudo especfico.

tabela 10. rendimento mensal dos trabalhadores (%) regio rendimento norte e centro-oeste 21,5 53 25,5 100 nordeste 55,5 38,4 6,1 100

At 1 SM De 1 a 2 SM Mais de 2 SM totalFonte: Pesquisa de Campo. *Excludos os trabalhadores sem informaes.

Considerando-se os trabalhadores que vivem com suas famlias4, 25,9% recebem at um salrio mnimo, 34,8% recebem de um a dois mnimos, 19,65 de 2 a 3 mnimos e 19,65% mais de 3 salrios mnimos (ver tabela 11). Em mdia, duas pessoas trabalham na famlia, ainda que, em 40,2% dos casos, o entrevistado seja o nico responsvel pela renda. Em alguns casos a a renda familiar composta tambm por outros rendimentos, j que 27% dos entrevistados possuam aposentados na famlia.tabela 11. renda mensal familiar (%) rendimento At 1 SM De 1 a 2 SM De 2 a 3 SM Mais de 3 SM totalFonte: Pesquisa de Campo.

Famlias 25,9 34,8 19,65 19,65 100

4 72,7% dos respondentes vivem com a famlia. 25,6% vivem ss e 1,7% com outras pessoas que no parentes (ver pg. 53).

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Perfil dos Principais Atores Envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil

Em mais de metade (54,2%) das famlias, a renda per capita era de at salrio mnimo. H diferenas regionais significativas. Enquanto nas Regies Norte e Centro-Oeste 29,2% das famlias encontravam-se nesta situao, na Regio Nordeste esse percentual subia para 64,4% (ver tabela 12).tabela 12. Famlias com renda per capita de at salrio mnimo (%) regio Nordeste Norte e Centro-Oeste Conjunto das famliasFonte: Pesquisa de Campo. Excludos os trabalhadores que viviam ss.

renda per capita familiar de at sm (%) 64,4% 29,2% 54,2%

As mulheres tinham papel ativo na administrao do dinheiro da famlia. Em 44,2% delas, as esposas e mes participavam da administrao financeira, sendo que em 36% o faziam sem a participao dos homens. Este fato ocorreu mesmo em situaes onde o trabalhador era considerado o chefe da famlia. Entre os trabalhadores que viviam ss, 27,6% declararam ter renda de at 1 salrio mnimo e 55,2% entre um e dois salrios.

3.2 Fluxos migratrios Para a elaborao de uma poltica de preveno do trabalho escravo no Brasil, fundamental identificar a localizao geogrfica dos trabalhadores: tanto a de destino onde trabalham e foram resgatados, como a de origem onde vivem. Isto permite estabelecer reas estratgicas para a implantao de mecanismos de

62

controle e represso do aliciamento e trfico de trabalhadores, programas educativos que os informem e os alertem sobre a escravido contempornea e programas de gerao de emprego e renda nos locais onde vivem.

3.2.1 Naturalidade Grande parte dos trabalhadores entrevistados nasceu na Regio Nordeste (77,6%). A Regio Centro-Oeste apareceu em segundo lugar, com uma proporo bem menor (8,3%). Um contingente menos significativo era natural das Regies Norte (5,0%), Sul (5,0%) e Sudeste (4,1%) (ver grfico 8).Grfico 8. Naturalidade dos trabalhadores por Regio4,1%

5% 5% 8,30%

77,60%

Fonte: Pesquisa de Campo.

A elevada contribuio da Regio Nordeste estava ancorada na concentrao de maranhenses: 41,2% dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de campo nasceram no estado do Maranho. Isoladamente, o Maranho contribuiu com praticamente o mesmo contingente fornecido pelos naturais dos estados da Bahia (18,2%), Paraba (8,2%) Tocantins (5,0%), Piau (5,0%) e Mato Grosso (5,0%) juntos (ver grfico 9).

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Perfil dos Principais Atores Envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil

Grfico 9. Naturalidade dos trabalhadores por estado45,00% 40,00% 35,00% 30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% 41,20%

18,20% 12,40% 8,20% 5% 5% 5% 5%

MA

BA

PB

PI

TO

MT

PR

Outros estados

Fonte: Pesquisa de Campo.

Da mesma forma, a maioria dos trabalhadores resgatados, segundo o banco de dados do MTE, nasceu na Regio Nordeste (61,8%). A proporo de trabalhadores nascidos na Regio Centro-Oeste (7,8%) tambm se assemelha aos dados da pesquisa de campo (ver grfico 9). No entanto, segundo as informaes do banco de dados, 20,%% dos trabalhadores resgatados natural da Regio Norte, proporo bastante superior encontrada na pesquisa (5%). Percebe-se tambm algumas diferenas em relao s demais regies. Segundo o banco de dados, o percentual de trabalhadores nascidos na Regio Sudeste de 7,0% e na Regio Sul de 2,9%. O banco de dados dos trabalhadores resgatados elaborado pelo MTE sobre a naturalidade por estado indica a mesma tendncia revelada pela pesquisa de campo: o Maranho detm a liderana, com 34,3% dos cadastrados. Porm, a proporo de naturais de outros estados como Par (10,8%) e Tocantins (9,1%) bem mais alta do que o demonstrado pela pesquisa5.

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5 Convm ressaltar que no foram registrados na pesquisa de campo trabalhadores nascidos no estado do Par.

3.2.2 Local de procedncia/local de residncia Na pesquisa de campo, observou-se que os locais de procedncia dos trabalhadores, isto , os locais de residncia antes de serem aliciados para o trabalho nas fazendas, eram as Regies Nordeste (57%), Centro-Oeste (23,1%) e Norte (19,9%). No foram encontrados trabalhadores que procediam das Regies Sul e Sudeste (ver grfico 10).Grfico 10. Local de procedncia/domiclio por Regio19,90% Nordeste 57% 23,10% Centro-Oeste Norte

Fonte: Pesquisa de Campo.

O local de procedncia dos trabalhadores est concentrado na regio amaznica. Grande parte dos entrevistados na pesquisa vivia no Maranho (25,6%), Mato Grosso (20,7%) e Par (19%) antes de serem aliciados. Um segundo grupo era constitudo por trabalhadores procedentes dos estados da Bahia (16,5%), Paraba (9,1%), Piau (3,3%), Rio Grande do Norte (2,5%), Gois (2,5%) e Tocantins (0,8%) (ver grfico 11).

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Perfil dos Principais Atores Envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil

Grfico 11. Local de procedncia/domiclio30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% MA MT PA BA PB PI RN GO TO 9,10% 3,30% 2,50% 2,50% 25,60% 20,70% 19% 16,50%

0,80%

Fonte: Pesquisa de Campo.

Apesar de serem trabalhadores rurais, grande parte (71,9%) dos entrevistados na pesquisa de campo residia em rea urbana6. No entanto, esta proporo se diferencia bastante quando se compara os estados de domiclio. A moradia na cidade era muito frequente no Mato Grosso (92,9%) e no Par (83,4%). A situao diferente na Bahia e em outros estados nordestinos, onde 50% dos trabalhadores residiam na cidade e 50% em rea urbana. O Maranho encontra-se em uma situao intermediria, 71% viviam em centros urbanos (ver tabela 13).tabela 13. proporo de trabalhadores que viviam em rea urbana mato grosso 92,9%Fonte: Pesquisa de Campo.

par 83,4%

maranho 71%

outros estados nordestinos 50%

Nos centros urbanos, os trabalhadores costumavam morar em casas na periferia das cidades (76%). H, no entanto, um grupo que666 Cabe observar que 84% dos que vivem hoje na cidade tm origem rural. No entanto, no se trata de uma mudana recente: 90% destes esto h 5 ou mais anos na cidade e 44% h 10 anos ou mais.

habitava hotis/penses (8%) ou quartos alugados (12%), composto por pessoas que vivem sem a famlia, a maioria sem residncia fixa. De forma geral, a distribuio dos trabalhadores por local de procedncia encontrada na pesquisa de campo est representada no banco de dados dos resgatados elaborado pelo MTE com base no CAGED. Como na pesquisa, predominam no Cadastro os trabalhadores que procediam da Regio Nordeste (42,3%). No entanto, comparada distribuio da pesquisa, o banco de dados apresenta uma proporo inferior de trabalhadores procedentes da Regio Centro-Oeste (12,3%) e superior na Regio Norte (39,1%). Com relao aos estados, observa-se que tanto no banco de dados do MTE como na pesquisa de campo predominam os trabalhadores que procediam do Par e Maranho. Entretanto, os percentuais de procedentes dos estados da Bahia (7,2%), Mato Grosso (6,9%) e Paraba (0,9%) do banco de dados so menores do que os apresentados na pesquisa. Vale notar ainda que proporo de trabalhadores do banco de dados com local de residncia em Tocantins bem superior (12%) ao encontrado pela pesquisa de campo.

3.2.2.1 Migrao (naturalidade/local de procedncia) A migrao constitutiva da histria de parte significativa dos trabalhadores resgatados: 61% dos entrevistados deixaram seu local de nascimento para viver em outro lugar. Destes, 21,4% migraram para outros municpios do mesmo estado, 7,4% para outros estados da mesma Regio e 32,2% para outras Regies. Apenas 39% permaneceram vivendo no municpio em que nasceram (ver tabela 14).

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Perfil dos Principais Atores Envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil

tabela 14. mobilidade espacial dos trabalhadores naturalidade local de domiclio (%) migraram 61%Fonte: Pesquisa de Campo.

permaneceram 39%

As informaes do banco de dados do MTE revelam a mesma tendncia: 70% migraram para viver em outro lugar. Destes, 34,4% mudaram-se para outros municpios do mesmo estado e 35,6% migraram para outros estados. Somente 30% permaneceram no mesmo municpio de nascimento.

3.2.3 Local de resgate Conforme j foi dito anteriormente, a pesquisa de campo foi realizada em estados com grande incidncia de trabalhadores resgatados do regime de escravido: Par, Mato Grosso, Gois e Bahia (ver tabela 1 na pgina 10).

3.2.3.1 Migrao (local de procedncia/local de resgate) Ao comparar o local de resgate com o local de procedncia dos entrevistados, percebe-se que os trabalhadores estavam divididos em dois grupos. O primeiro, composto por 50% do total, era formado pelos que procediam do mesmo estado em que foram resgatados e que se deslocaram, no mximo, para outros municpios do mesmo estado. O segundo, relativo outra metade dos trabalhadores, correspondia ao grupo formado pelos que estavam trabalhando fora do estado de procedncia (ver tabela 15).

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tabela 15. migrao local de procedncia/local de resgate

trabalhadores que procediam do mesmo estado em que foram resgatados

trabalhadores que procediam de estados diferentes do local de resgate

50%Fonte: Pesquisa de Campo.

50%

A proporo entre os dois grupos variou bastante em funo do estado pesquisado. Foram encontradas trs situaes na pesquisa de campo. Na primeira situao observa-se que a quase a totalidade dos trabalhadores resgatados pelo Grupo Mvel (GEFM) nos estados do Mato Grosso e Bahia (mais de 95%) procedia do prprio estado. No Mato Grosso, os trabalhadores procediam do mesmo municpio da fazenda ou de municpios vizinhos e na Bahia de outros municpios do estado7. Na segunda situao observa-se que os trabalhadores resgatados em Gois eram amplamente mo de obra migrante: 88% deles procediam de outros estados, principalmente da Paraba e do Maranho. Na terceira situao estavam os trabalhadores resgatados no Par, em uma situao intermediria: aproximadamente metade (47%) dos resgatados procedia do estado, em municpios prximos fazenda. Os demais procediam de outros estados, primeiramente do Maranho e, em segundo lugar, do Piau (ver grfico 12).

7 Esto includos os sem residncia fixa. Nos diferentes estados em que eles foram encontrados - Par, Mato Grosso e Bahia todos estavam residindo temporariamente em rea prxima fazenda onde foram resgatados.

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Perfil dos Principais Atores Envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil

Grfico 12. Migrao Local de procedncia/local de resgate

Fonte: Pesquisa de campo.

Estes dados no podem ser generalizados para o conjunto dos trabalhadores, mas indicam a existncia de dinmicas diversas no deslocamento dos trabalhadores escravos. A presena macia de trabalhadores migrantes procedentes de estados distantes para realizao do trabalho escravo, to freqente em outras dcadas, parece estar sendo alterada. Neste sentido seria importante aprofundar o conhecimento sobre os fluxos e dinmicas do deslocamento dos trabalhadores escravos, essencial para a formulao de polticas de represso, preveno e reinsero.

3.3 Relaes familiares70

O estabelecimento de polticas pblicas eficazes para combate e preveno do trabalho escravo no Brasil requer o conhecimento

no apenas do trabalhador, mas tambm de suas relaes familiares, seus vnculos e sua posio no grupo familiar.

3.3.1 Nmero de filhos A maioria dos trabalhadores entrevistados na pesquisa de campo (62%) tinham filhos. Quando se considera o total dos entrevistados, o nmero mdio de filhos era 1,5. Excluindo-se os que no tm filhos, a mdia sobe para 2,5. O nmero mdio de filhos na famlia de origem era 7.

3.3.2 Situao Conjugal A situao conjugal dos trabalhadores da pesquisa de campo forneceu elementos importantes a respeito de seus vnculos familiares e grupos de referncia8. Pouco mais de um tero (36,4%) dos trabalhadores declararam estar separados. Os demais se dividiam entre os que declararam ter esposa/companheira atualmente (34,7%) e os solteiros/que nunca tiveram companheira (28,9%) (ver tabela 16).tabela 16. situao conjugal Separado/sem companheira atualmente Casado/com companheira atualmente Solteiro/nunca teve companheiraFonte: Pesquisa de Campo.

36,4% 34,7% 28,9%

8 Para conhecer a situao conjugal dos trabalhadores, optou-se por no utilizar as categorias lega