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PERFIL LABORAL DOS PESCADORES ARTESANAIS NO BRASIL: INSUMOS PARA O PROGRAMA SEGURO DEFESO 1 André Gambier Campos 2 José Valente Chaves 3 1 INTRODUÇÃO Quem são os pescadores artesanais que se encontram no cerne de diversas políticas públicas surgidas ao longo dos anos 1990 e 2000 no Brasil? Com alguma frequência, essas políticas parecem ter pouca clareza sobre esses pescadores, pois elas desconhecem seu número atual, sua distribuição pelo território, os atributos de seu trabalho, as características de sua organização e assim por diante. Como resultado dessa pouca clareza, tais políticas enfrentam problemas sérios – como, por exemplo, o programa Seguro Defeso (SD), que é marcado por várias dúvidas sobre o número de pescadores artesanais que podem ser por ele beneficiados (Campos e Chaves, 2014; Brasil, 2013; 2014). Assim, a pergunta é: quem são os pescadores artesanais? Este artigo procura trazer algumas respostas, que estão longe de ser exaustivas e exclusivas, mas ao menos permitem que as políticas públicas acima mencionadas contem com um delineamento “empírico” de seu objeto de ação: os pescadores artesanais brasileiros. 2 METODOLOGIA Neste artigo, realiza-se apenas uma análise descritiva das variáveis que delineiam um perfil laboral dos pescadores artesanais no Brasil. Dessa maneira, esse perfil será construído com medidas de posição típicas da estatística descritiva, como médias e proporções de variáveis. 4 1. Este artigo é uma versão de um artigo mais amplo e detalhado, encontrado em Campos e Chaves (2015). 2.Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. E-mail : <[email protected]>. 3. Técnico de desenvolvimento e administração na Disoc do Ipea. E-mail: <[email protected]>. 4. Ainda que sejam importantes para complementar o perfil laboral dos pescadores artesanais, medidas de dispersão também típicas da estatística descritiva (como variâncias, desvios-padrão e coeficientes de variação) não são analisadas neste artigo. Por conta disto, o leitor deve guardar algum cuidado com as estatísticas de posição (médias e proporções) aqui apresentadas, pois elas consistem apenas em estimativas pontuais dos atributos dos pescadores (ainda que, provavelmente, as melhores estimativas pontuais disponíveis).

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PERFIL LABORAL DOS PESCADORES ARTESANAIS NO BRASIL: INSUMOS PARA

O PROGRAMA SEGURO DEFESO1

André Gambier Campos2

José Valente Chaves3

1 INTRODUÇÃOQuem são os pescadores artesanais que se encontram no cerne de diversas políticas públicas surgidas ao longo dos anos 1990 e 2000 no Brasil?

Com alguma frequência, essas políticas parecem ter pouca clareza sobre esses pescadores, pois elas desconhecem seu número atual, sua distribuição pelo território, os atributos de seu trabalho, as características de sua organização e assim por diante.

Como resultado dessa pouca clareza, tais políticas enfrentam problemas sérios – como, por exemplo, o programa Seguro Defeso (SD), que é marcado por várias dúvidas sobre o número de pescadores artesanais que podem ser por ele beneficiados (Campos e Chaves, 2014; Brasil, 2013; 2014).

Assim, a pergunta é: quem são os pescadores artesanais? Este artigo procura trazer algumas respostas, que estão longe de ser exaustivas e exclusivas, mas ao menos permitem que as políticas públicas acima mencionadas contem com um delineamento “empírico” de seu objeto de ação: os pescadores artesanais brasileiros.

2 METODOLOGIANeste artigo, realiza-se apenas uma análise descritiva das variáveis que delineiam um perfil laboral dos pescadores artesanais no Brasil. Dessa maneira, esse perfil será construído com medidas de posição típicas da estatística descritiva, como médias e proporções de variáveis.4

1. Este artigo é uma versão de um artigo mais amplo e detalhado, encontrado em Campos e Chaves (2015).

2. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. E-mail: <[email protected]>.

3. Técnico de desenvolvimento e administração na Disoc do Ipea. E-mail: <[email protected]>.

4. Ainda que sejam importantes para complementar o perfil laboral dos pescadores artesanais, medidas de dispersão também típicas da estatística descritiva (como variâncias, desvios-padrão e coeficientes de variação) não são analisadas neste artigo. Por conta disto, o leitor deve guardar algum cuidado com as estatísticas de posição (médias e proporções) aqui apresentadas, pois elas consistem apenas em estimativas pontuais dos atributos dos pescadores (ainda que, provavelmente, as melhores estimativas pontuais disponíveis).

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POLÍTICA EM FOCO

As informações básicas deste artigo são oriundas da Pnad/IBGE, referente aos anos de 2003 e, principalmente, 2013. Tais informações estão disponíveis no formato de microdados, são oficiais e utilizadas por diversas instituições, bem como abrem possibilidades interessantes para a análise que se pretende desenvolver.

Mencione-se que as informações deste artigo são apresentadas de forma separada para diferentes tipos de pescadores. Por um lado, há os pescadores envolvidos com a atividade industrial (voltada para a geração de excedente direcionado ao mercado e, consequentemente, para a acumulação capitalista), que são os pescadores assalariados (empregados), com ou sem registro (carteira de trabalho), que podem ser observados no diagrama 1.

Por outro lado, há os pescadores envolvidos com a atividade artesanal (direcionada à sobrevivência de suas famílias – e não à geração de excedente para o mercado), que se subdividem em duas categorias de pescadores: i) os profissionais; e ii) os de subsistência. Os profissionais são aqueles que pescam para a subsistência de suas famílias, mas conseguem gerar excedentes que são comercializados no mercado (gerando rendimentos monetários). São os pescadores conta-própria, ajudados frequentemente por membros da família não remunerados. Por sua vez, os de subsistência são aqueles que pescam para a manutenção de suas famílias e que não conseguem gerar excedentes para o mercado (consumindo toda a sua pesca e não gerando rendimentos monetários). São os chamados pescadores dedicados à produção para o próprio consumo, que podem ser vistos no diagrama 1.

As informações deste artigo são apresentadas de forma separada para os dois tipos de pescadores artesanais (profissionais e de subsistência), até para permitir a comparação das várias diferenças existentes entre eles. Diferenças que surgem, inclusive, do fato dos primeiros terem (ao menos parte de) sua produção pesqueira monetizada no mercado, enquanto os segundos não conseguem realizar coisa semelhante (por consumirem toda sua produção pesqueira na sobrevivência de suas famílias).

DIAGRAMA 1

Tipos de pescadores (industriais e artesanais – profissionais e de subsistência)Pescadores

Artesanais

Subsistência

Produção para opróprio consumo

Profissionais

Conta-própriaNão remunerados

Industriais

Empregados com carteiraEmpregados sem carteira

Elaboração dos autores.

3 INFORMAÇÕES GERAISMencione-se inicialmente que, em 2013, os pescadores artesanais (conta-própria, não remunerados e voltados à produção para o próprio consumo) correspondem à ampla maioria dos pescadores brasileiros (90,3% ou 440.266 trabalhadores). Já os pescadores industriais (assalariados com ou sem carteira de trabalho) equivalem à minoria (9,7% ou 47.884 trabalhadores).5 Em outros termos, no conjunto dos

5. Há ainda 5.013 empregadores envolvidos com a pesca industrial, que não são aqui analisados.

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POLÍTICA EM FOCO

trabalhadores envolvidos com a atividade pesqueira no país, destacam-se aqueles da atividade artesanal (gráfico 1).

Por sua vez, em 2013, em meio aos pescadores artesanais, os profissionais (conta-própria e não remunerados) correspondem à larga maioria (70,2% ou 309.251 trabalhadores). Os de subsistência (voltados à produção para o próprio consumo) equivalem à minoria (29,8% ou 131.015 trabalhadores). Em outras palavras, no total de pescadores artesanais, têm destaque aqueles que pescam para a subsistência de suas famílias, mas que também conseguem gerar excedentes comercializáveis no mercado (gráfico 2).

No lapso entre 2003 e 2013, os pescadores artesanais aumentaram em número no país, destacando-se os de subsistência (89.023, em termos absolutos, ou 212,0%, em termos relativos). Os pescadores profissionais apresentaram uma dinâmica um pouco menos expressiva – se não em termos absolutos (88.636), ao menos em termos relativos (40,2%). Ou seja, os trabalhadores dedicados à pesca artesanal cresceram em número nos últimos dez anos, principalmente aqueles envolvidos com a pesca de subsistência (gráfico 3).

GRÁFICO 1

Distribuição dos tipos de pescadores em 2013 (Em no e %)

3.618(0,7%)

44.266(9,0%)

289.769(58,8%)

5.013(1,0%)

131.015(26,6%)

19.482(4,0%)

Empregadocom carteira

Empregadosem carteira

Conta-própria Empregador Trabalhador produçãopara o próprio consumo

Não remunerado

Pescadores industriais Pescadores artesanais

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

GRÁFICO 2

Distribuição dos tipos de pescadores artesanais em 2013 (Em no e %)

309.251(70,2%)

131.015(29,8%)

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

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POLÍTICA EM FOCO

GRÁFICO 3

Variação dos tipos de pescadores artesanais entre 2003 e 2013 (Em no e %)

88.636(40,2%)

89.023(212,0%)

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2003; 2013). Elaboração dos autores.

Por fim, reitere-se que este artigo preocupa-se essencialmente com os pescadores artesanais no Brasil – e não com os beneficiários das políticas públicas que têm nestes últimos seu objeto, como o programa SD. Seja como for, é importante notar que, apesar de toda essa dinâmica dos pescadores artesanais entre os anos de 2003 e 2013, ela sequer aproximou-se da dinâmica observada em meio aos beneficiários do SD – que foi muito mais acelerada e acentuada, como pode ser visto em Campos e Chaves (2014), e Brasil (2013; 2014).

4 INFORMAÇÕES LABORAISQuanto à jornada semanal despendida no trabalho principal (ou único), percebe-se que há diferenças claras entre os pescadores profissionais e os de subsistência. Enquanto os primeiros despendem, em média, 34,4 horas por semana em sua atividade pesqueira, os segundos despendem quase metade: apenas 19,8 horas (gráfico 4).6

Quanto à previdência social, nota-se que a ampla maioria declara não contribuir para qualquer instituto previdenciário em 2013, ainda que com discrepâncias entre os pescadores profissionais e os de subsistência: 27,5% dos primeiros afirmam contribuir contra apenas 9,4% dos segundos (gráfico 5).7

Ainda neste ponto, é curioso que a ampla maioria desses pescadores declare não contribuir para a previdência, dado que o acesso a políticas como o SD depende, em certa medida, do recolhimento de contribuição previdenciária (na modalidade de segurado especial, como fração do valor da produção comercializada).

Quanto ao no de anos no trabalho em 2013, os pescadores profissionais declaram exercer sua atividade pesqueira há 16,4 anos em média, ao passo que os de subsistência declaram exercer tal atividade há 14,7 anos (gráfico 6).

6. Considerando o período entre 2003 e 2013, constata-se que a jornada de trabalho encolheu junto aos pescadores profissionais (apesar deles ainda contarem com maior número de horas despendidas no trabalho em 2013), ao passo que essa jornada manteve-se praticamente estável junto aos pescadores de subsistência.

7. Levando em conta o lapso entre 2003 e 2013, verifica-se que a contribuição para a previdência avançou (apesar de ainda manter-se bastante reduzida em 2013). Acrescente-se que essa contribuição avançou mais em meio aos pescadores profissionais do que em meio aos de subsistência.

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GRÁFICO 4

Número de horas trabalhadas por semana pelos pescadores artesanais em 2013 (Em no horas)

34,4

19,8

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

GRÁFICO 5

Distribuição dos pescadores artesanais – contribuição para previdência em 2013 (Em %)

Profissional

27,5

72,5

9,4

90,6

Subsistência

Sim Não

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

GRÁFICO 6

Número de anos no trabalho em 2013 (Em no anos)

14,7

16,4

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

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GRÁFICO 7

Distribuição dos pescadores artesanais por associação a sindicato em 2013 (Em %)

Profissional

36,1

63,9

28,2

71,8

Subsistência

Sim Não

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

Esses números são elevados, se considerada a entrada de trabalhadores na atividade pesqueira na década recente, como visto mais acima (especialmente no que se refere aos pescadores de subsistência). De toda forma, é possível que o no de anos no trabalho tenha uma distribuição bastante heterogênea, principalmente junto aos pescadores de subsistência (com uma parte deles com pouca experiência e outra parte, com muita).

Quanto à associação a sindicato de trabalhadores, as diferenças entre os pescadores profissionais e os de subsistência não são acentuadas (ou, ao menos, não tanto quanto se poderia esperar). Enquanto 36,1% dos primeiros declaram-se vinculados a sindicato, 28,2% dos segundos também o fazem em 2013 (gráfico 7).8

Note-se que, em princípio, não se trata aqui de colônias (os mecanismos mais antigos de organização/mobilização coletiva dos pescadores artesanais no Brasil), mas sim de sindicatos (mecanismos com uma história bem mais recente e, por vezes, bastante conflituosa com a história das colônias).9,10

5 INFORMAÇÕES DE RENDIMENTOSQuanto aos rendimentos não relacionados ao trabalho (como transferências estatais – previdenciárias e assistenciais etc.), nota-se que eles são bastante relevantes junto aos pescadores de subsistência, ainda que não tanto em meio aos profissionais. Entre os primeiros, 20,2% recebem aposentadorias, bem como 26,3% recebem outras transferências estatais (em meio às quais se destaca o programa Bolsa Família). Por sua vez, entre os segundos, 15,8% recebem outras transferências estatais (com destaque para esse mesmo programa). Em outras palavras, em 2013, os rendimentos

8. Considerando o período entre 2003 e 2013, constata-se que a filiação a sindicatos ampliou-se de maneira semelhante junto aos pescadores profissionais e aos de subsistência.

9. A este respeito, ver Hellebrandt (2012); IDT (2011; 2013); Lourenço, Henkel e Maneschy (2006); Maia (2009); Mendonça e Pereira (2012); Moreira, Scherer e Soares (2010).

10. Apenas a título de hipótese, pode ser que esse percentual, razoavelmente elevado, de pescadores artesanais (e principalmente de subsistência) associados a sindicatos guarde relação com algum papel (de intermediação/facilitação, por exemplo) que estes últimos venham exercendo no acesso ao programa SD – em que pese a decisão judicial do Supremo Tribunal Federal em 2008, de negar a necessidade de vinculação entre o trabalhador e a colônia/o sindicato para acessar o benefício desse programa – a este respeito, ver Brasil (2008).

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não relacionados ao trabalho até têm algum peso para os pescadores profissionais, mas esse peso parece bem mais acentuado para os de subsistência (gráfico 8).11

Quanto aos rendimentos relacionados ao trabalho, no que se refere aos pescadores profissionais, eles são percebidos basicamente em pecúnia (ou dinheiro). No trabalho único (ou principal), 92,0% desses pescadores recebem normalmente em dinheiro, ao passo que somente 1,7% recebem normalmente em produtos ou mercadorias (tabela 2).

Quanto a todos os tipos de rendimentos, relacionados ou não ao trabalho, há distintos aspectos a destacar em 2013. Em primeiro lugar, o rendimento do trabalho principal dos pescadores profissionais (trabalho que consiste na pesca) equivale a apenas 71,2% do valor do salário-mínimo nacional,12 o que já indica a relevância de programas como o SD para esse grupo (cujos benefícios consistem em uma parcela mensal de valor igual ao salário-mínimo nacional) (gráfico 9).13

Em segundo lugar, reforçando o que foi visto na análise acima, o rendimento não oriundo do trabalho tem peso muito mais acentuado para os pescadores de subsistência do que para os profissionais. Enquanto os primeiros auferem R$ 303,72 por mês (principalmente) com transferências previdenciárias e assistenciais, os segundos auferem apenas R$ 98,26 (menos de um terço do valor) (gráfico 9).

Em terceiro lugar, em 2013, o rendimento domiciliar per capita dos pescadores de subsistência não chega a ½ salário-mínimo nacional (corresponde a 46,6% deste),14 ao passo que o dos profissionais ultrapassa apenas um pouco esse patamar (equivale a 59,3%).15 Ou seja, ambos os grupos constituem uma população que, grosso modo, encontra-se na base dos rendimentos domiciliares no país (gráfico 9).

Em quarto lugar, no lapso entre 2003 e 2013, percebe-se que todos os tipos de rendimentos dos pescadores artesanais, relacionados ou não ao trabalho, aumentaram substancialmente de valor (considerando o valor real, atualizado pelo IPCA-Geral/IBGE). No caso dos pescadores profissionais, o rendimento do trabalho principal aumentou 63,5%. O não oriundo do trabalho, 157,0%. E o domiciliar total, 82,8%. Já no caso dos pescadores de subsistência, o rendimento não oriundo do trabalho aumentou 123,7%. E o domiciliar total, 58,3% (gráfico 10 e tabela 3).

11. Levando em conta o lapso entre 2003 e 2013, verifica-se que o peso das transferências previdenciárias (aposentadorias), bem como o peso de outras transferências estatais (destacando-se o programa Bolsa Família) aumentou especialmente em meio aos pescadores de subsistência. Apesar disso, o peso dessas outras transferências também aumentou em meio aos pescadores profissionais (tabela 1).

12. Rendimento de R$ 561,29 em moeda de agosto de 2015 (atualização pelo IPCA-Geral/IBGE), contra valor de R$ 788,00 do salário-mínimo no mesmo mês.

13. Neste artigo não se realiza qualquer imputação da produção dos pescadores de subsistência como rendimento de seu trabalho, o que deve ser levado em conta na análise das informações dos rendimentos relacionados (ou não) ao trabalho desse grupo.

14. Apenas recordando, neste artigo, não se realiza qualquer imputação da produção dos pescadores de subsistência como rendimento de seu trabalho.

15. No caso dos pescadores de subsistência, trata-se de rendimento domiciliar per capita de R$ 367,16 em moeda de agosto de 2015 (atualização pelo IPCA-Geral/IBGE), contra valor de R$ 788,00 do salário-mínimo no mesmo mês. Já no caso dos pescadores profissionais, trata-se de rendimento domiciliar per capita de R$ 467,02 em moeda de agosto de 2015 (atualização pelo IPCA-Geral/IBGE).

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POLÍTICA EM FOCO

Ou seja, os pescadores artesanais tiveram ganhos substanciais de rendimentos na década entre 2003 e 2013, seja por conta do trabalho, seja por conta de transferências previdenciárias e assistenciais. Se considerado o rendimento total dos domicílios dos pescadores, constata-se que esses ganhos foram particularmente acentuados em meio aos profissionais, tanto em termos absolutos (em R$), quanto em termos relativos (em %).16

GRÁFICO 8

Distribuição dos pescadores artesanais por percepção de rendimentos não oriundos do trabalho em 2013 (Em %)

2,5

20,2

1,22,6 1,4 0,2 0,8 0,5

15,8

26,3

0,0 0,0

Aposentadoria Doação Programas sociaisPensão Abono Aluguel

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores.

TABELA 1

Se os pescadores artesanais percebiam rendimentos não oriundos do trabalho em 2003 e 2013 (Em %)

Profissional 2003 20132013-2003

Subsistência 2003 20132013-2003

Aposentadoria 4,0 2,5 -1,5 Aposentadoria 13,3 20,2 6,9Pensão 1,3 1,2 -0,1 Pensão 2,4 2,6 0,2Abono de permanência 0,0 0,0 0,0 Abono de permanência 0,0 0,0 0,0Aluguel 0,4 1,4 1,0 Aluguel 0,0 0,2 0,2Doação de não morador 1,2 0,8 -0,4 Doação de não morador 2,0 0,5 -1,5Programas sociais 5,3 15,8 10,5 Programas sociais 9,9 26,3 16,4

Fonte: Pnad/IBGE (2003; 2013). Elaboração dos autores.

TABELA 2

Tipo do rendimento recebido pelos pescadores artesanais no trabalho único ou principal em 2003 e 2013 (Em %)

Profissional 2003 2013 2013-2003Recebia normalmente rendimento em dinheiro 90,0 92,0 2,0Recebia normalmente rendimento em produtos ou mercadorias 0,0 1,7 1,7

Fonte: Pnad/IBGE (2003 ; 2013). Elaboração dos autores. Obs.: Estas informações não são captadas para os pescadores de subsistência.

16. Para explicar esse aumento de rendimento domiciliar total dos pescadores artesanais, pode-se aventar as seguintes hipóteses (entre diversas outras): i) a possibilidade de um maior no de membros dos domicílios ter se engajado em algum trabalho remunerado, dada a melhora verificada no mercado de trabalho no país entre 2003 e 2013; ii) a possibilidade de os preços da produção pesqueira terem avançado em termos reais, dada a melhora verificada na renda disponível para o consumo nos domicílios do país no mesmo período. Para algumas evidências empíricas a respeito dessas hipóteses, ver Campos (2015).

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POLÍTICA EM FOCO

GRÁFICO 9

Média dos rendimentos oriundos do trabalho e não oriundos do trabalho dos pescadores artesanais em 2013(Em R$ 2015)

367,16467,02

1.314,69

1.672,58

303,72

684,56

303,72

0,000,000,0098,26

586,30

25,01

561,26

Trabalhoprincipal

Todas asfontes

Trabalhosecundário

Todos ostrabalhos

Outras fontes(não trabalho)

Rendimentodomiciliar

Rendimentodomiciliarper capita

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2013). Elaboração dos autores. Obs.: Atualização para agosto de 2015 pelo IPCA-Geral/IBGE.

GRÁFICO 10

Variação da média dos rendimentos oriundos do trabalho e não oriundos do trabalho dos pescadores artesanais entre 2003 e 2013(Em R$ %)

0,00,00,0

484,23(58,3%)

167,95(123,7%)

167,95(123,7%)

220,64(60,3%)

2,74(12,3%)

217,90(63,5%)

757,42(82,8%)

280,66(69,5%)

60,02(157,0%)

- -

Trabalhoprincipal

Todas asfontes

Rendimentodomiciliar

Rendimentodomiciliarper capita

Trabalhosecundário

Todos ostrabalhos

Outras fontes(não trabalho)

Profissional Subsistência

Fonte: Pnad/IBGE (2003; 2013). Elaboração dos autores. Obs.: Atualização para agosto de 2015 pelo IPCA-Geral/IBGE.

TABELA 3

Média dos rendimentos dos pescadores artesanais, oriundos do trabalho e não oriundos do trabalho, em 2003 e 2013 (Em R$)

Profissional 2003 2013 2013-2003 Subsistência 2003 2013 2013-2003Rendimento domiciliar per capita

- 467,02 -Rendimento domiciliar per capita

- 367,16 -

Rendimento domiciliar 915,17 1.672,58 757,42 Rendimento domiciliar 830,46 1.314,69 484,23Todas as fontes 403,91 684,56 280,66 Todas as fontes 135,77 303,72 167,95Outras fontes (não trabalho)

38,24 98,26 60,02Outras fontes (não trabalho)

135,77 303,72 167,95

Todos os trabalhos 365,67 586,30 220,64 Todos os trabalhos 0,00 0,00 0,0Trabalho secundário 22,28 25,01 2,74 Trabalho secundário 0,00 0,00 0,0Trabalho principal 343,39 561,29 217,90 Trabalho principal 0,00 0,00 0,0

Fonte: Pnad/IBGE (2003; 2013). Elaboração dos autores. Obs.: Atualização para agosto de 2015 pelo IPCA-Geral/IBGE.

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POLÍTICA EM FOCO

6 CONSIDERAÇÕES FINAISA respeito dos pescadores artesanais, pode-se afirmar que, em 2013, eles correspondem à ampla maioria dos pescadores brasileiros (90,3%). Ademais, em meio aos artesanais, os pescadores profissionais (conta-própria e não remunerados) equivalem à maior parcela (70,2%), ao passo que os de subsistência (envolvidos com a produção para o próprio consumo) equivalem à menor (29,8%).

No intervalo entre os anos de 2003 e 2013, os pescadores artesanais aumentaram significativamente em número. Mas, nessa dinâmica, destacaram-se os de subsistência, que cresceram 212,0% em termos relativos. Ainda que os pescadores profissionais também tenham presenciado dinâmica semelhante, eles aumentaram em “apenas” 40,2% nesse mesmo período.

No que se refere às informações laborais, em 2013, a ampla maioria dos pescadores artesanais (tanto profissionais quanto de subsistência) declara possuir apenas um trabalho (o de pesca). Quanto à jornada laboral nesse trabalho único/principal, há diferenças claras entre os pescadores profissionais e os de subsistência: os primeiros despendem em média 34,4 horas por semana e, os segundos, somente 19,8 horas. Quanto à previdência, a ampla maioria declara não contribuir, ainda que com discrepâncias entre os pescadores profissionais e os de subsistência: 27,5% dos primeiros afirmam contribuir, contra apenas 9,4% dos segundos.

Quanto aos rendimentos, relacionados ou não ao trabalho, há distintos aspectos a destacar em 2013. Em primeiro lugar, os rendimentos não oriundos do trabalho (como as transferências estatais) têm peso muito mais acentuado para os pescadores de subsistência do que para os profissionais. Em segundo lugar, os rendimentos do trabalho principal dos pescadores profissionais (trabalho que consiste na pesca) equivalem a apenas 71,2% do valor do salário-mínimo nacional. Em terceiro lugar, em 2013, os rendimentos domiciliares per capita dos pescadores de subsistência não chegam a meio salário-mínimo nacional (correspondem a 46,6% deste), ao passo que os dos profissionais ultrapassam apenas um pouco esse patamar (equivalem a 59,3%). Em quarto lugar, no lapso entre 2003 e 2013, percebe-se que todos os tipos de rendimentos dos pescadores artesanais, relacionados ou não ao trabalho, aumentaram de valor (considerando o valor real). No caso dos pescadores profissionais, os rendimentos do trabalho principal aumentaram 63,5%. Aqueles não oriundos do trabalho, 157,0%. E, os domiciliares totais, 82,8%. Já no caso dos pescadores de subsistência, os rendimentos não oriundos do trabalho aumentaram 123,7%. E, os domiciliares totais, 58,3%. Ou seja, os pescadores artesanais tiveram ganhos substanciais de rendimentos na década entre 2003 e 2013, seja por conta do trabalho, seja por conta de transferências previdenciárias e assistenciais. Se considerados os rendimentos totais dos domicílios dos pescadores, constata-se que esses ganhos foram particularmente acentuados em meio aos profissionais, tanto em termos absolutos, quanto em termos relativos.

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POLÍTICA EM FOCO

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