Periurbanos

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1 PERIURBANOS Contribuições para a política de desenvolvimento urbano no Brasil

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CARTILHA sobre contribuições para a política de desenvolvimento urbano no Brasil.

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PERIURBANOSContribuições para a política de desenvolvimento urbano no Brasil

Realização Realização

Apoio

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A criação do Ministério das Cidades ainda no primeiro mandato do presidente Lula significou um grande avanço no tratamento da problemática urbana brasileira. A partir dali, o urbano passou a ser tratado de forma abrangente pelo governo federal que, dentre outras iniciativas, buscou articular as ações dos diferentes órgãos, definiu políticas específicas para o setor no plano nacional, constituiu o Conselho Nacional das Cidades, garantiu a aprovação do Estatuto da Cidade e estabeleceu linhas de financiamento, a fim de garantir infraestrutura e mobilidade urbana. Também merecem destaque as ações voltadas ao planejamento urbano a partir da elaboração dos Planos Diretores Participativos. Apesar dessas conquistas, há um longo caminho a ser percorrido para superar os enormes problemas existentes em relação a este tema.

A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) é a principal diretriz que orienta a ação da União no que diz respeito à questão urbana. Em que pesem os avanços nela expressos, ainda persistem lacunas que penalizam sobremaneira regiões como a Amazônia e o Nordeste. Entre os diversos motivos que embasam tal afirmação destacamos dois: a) as regiões metropolitanas e os grandes aglomerados urbanos continuam sendo os principais focos da ação governamental; b) o PNDU ainda não abarca suficientemente a diversidade urbana regional e, por conta disso, as ações decorrentes muitas vezes não são adequadas para enfrentar os problemas urbanos específicos da Amazônia e do Nordeste.

Em relação à Amazônia, cerca de 70% da população vive nas áreas urbanas, sendo que a maior parte desse total reside em pequenas e médias cidades e não nas regiões metropolitanas. Contudo, não há políticas específicas para as cidades de pequeno e médio portes. As consequências dessa situação são variadas: a) dificuldades desses municípios de acessar financiamentos, cujos critérios são estabelecidos a partir de realidades completamente distintas das existentes na Amazônia; b) a relação entre o urbano e o rural não é tratada de modo satisfatório; c) a ausência de políticas adequadas à realidade regional, como na questão da mobilidade - dentre outras situações -, já que o transporte fluvial não merece a atenção necessária.

Embora as áreas de transição rural-urbana não tenham sido historicamente o foco central do planejamento urbano, expressam hoje forte convergência de interesses, processos e conflitos socioeconômicos, étnicos, territoriais e ambientais. Portanto, não é possível promover a ocupação e o uso sustentável e socialmente justo de todo o território municipal, como define o Estatuto da Cidade (Lei. 10.257/01), se não há descritores técnicos e instrumentos urbanísticos capazes de garantir efetivas possibilidades de planejamento nas áreas de transição rural-urbana. A Fase Amazônia, através do Observatório de Políticas Públicas Conhecimento e Movimento Social na Amazônia (Comova) - uma parceria sua com a Universidade

INTRODUÇÃO

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Federal do Pará (UFPA) -, tem desenvolvido atividades de pesquisa e produção de conhecimento sobre o urbano na Amazônia, bem como investido na capacitação e articulação de movimentos sociais, entre os quais o Fórum da Amazônia Oriental (Faor) e o Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc). Essas iniciativas resultaram numa maior compreensão sobre a questão urbana nessa região, na construção da Plataforma Socioambiental Urbana da Amazônia, na realização dos Encontros das Cidades da Amazônia e na inclusão de diretrizes aprovadas pela 3ª Conferência Nacional das Cidades.

Diante dos avanços obtidos com essas iniciativas, os programas da Fase Amazônia e Fase Nordeste, em parceria com a Oxfam e com o apoio da União Européia, estão envidando esforços para que a problemática urbana das pequenas e médias cidades passe a ser objeto da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Para isso, realizaremos uma campanha no âmbito do projeto Desenvolvimento integrado na política urbana nacional: um direito dos municípios periurbanos da Amazônia Oriental e do Nordeste brasileiro, cujo objetivo é sensibilizar segmentos da sociedade brasileira sobre a necessidade de estabelecer políticas, programas, projetos e linhas de financiamento que atendam à diversidade urbana brasileira, com especial atenção às realidades das pequenas e médias cidades.

Alcançar esse objetivo é de fundamental importância não somente para os movimentos sociais e população em geral, mas também para os governos estaduais e municipais da Amazônia e do Nordeste, que poderão contar com um conjunto variado de instrumentos para enfrentar os problemas urbanos existentes nessas regiões e que nos

permitem dialogar com as realidades das demais regiões brasileiras.

Nesse sentido, o primeiro passo a ser realizado é o lançamento dessa campanha a nível nacional. Os programas da Fase Amazônia e Nordeste estão se articulando junto a diferentes segmentos da sociedade brasileira, como os Fóruns Nacional e Nordeste de Reforma Urbana, governos do campo democrático e popular e outros, para se somarem à essa iniciativa.

REGIÕES DESCONSIDERADAS NO PLANEJAMENTOO planejamento da gestão e do desenvolvimento urbano é um desafio maior ainda para os pequenos e médios municípios situados em áreas de transição rural-urbana na Amazônia Oriental e no Nordeste brasileiro. O contexto atual de urbanização acelerada destas áreas exige mudanças profundas na forma como a problemática periurbana foi tratada até o presente momento por sucessivos governos. Nas duas regiões, a fragilidade institucional dos pequenos e médios municípios e a inadequação de políticas de desenvolvimento urbano às suas realidades trazem graves consequências às suas populações.

O município de Belterra, na região oeste do estado do Pará, uma área de transição rural-urbana na região do Baixo Amazonas, é emblemático. Localizada em uma das áreas onde os conflitos políticos, sociais e ambientais têm proliferado com grande velocidade, Belterra possibilita um melhor entendimento da problemática periurbana. A população do município vivencia o recrudescimento de conflitos em relação ao uso e controle dos recursos naturais envolvendo indígenas, mulheres, trabalhadores rurais, ribeirinhos, empresas e latifundiários, entre outros. Estes problemas

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de ordem estrutural e política do município ganharam destaque nas discussões do Plano Diretor Participativo (PDP), em 2006, quando foram criados os primeiros canais de diálogo entre o governo e a população local e também um Sistema de Planejamento e Gestão Democrática.

Neste município, busca-se potencializar os arranjos sociais e institucionais voltados para a democratização e eficiência do Sistema Municipal de Planejamento e Gestão, assim como para a internalização e implementação dos novos instrumentos de gestão e controle social. Além de incentivar a cooperação entre governo e sociedade civil no âmbito local, esta iniciativa visa construir e apresentar soluções para os principais problemas que enfrentam os municípios periurbanos na Amazônia Oriental e na região Nordeste do Brasil, com destaque para: o isolamento socioterritorial e político e a fragilidade institucional das administrações locais. O potencial efeito multiplicador desta ação poderá contribuir para a consolidação destes sistemas em outros municípios com características similares.

Esta publicação tem como objetivo, portanto, contribuir para o debate e as ações relativas ao planejamento urbano, rural e perirubano brasileiro, a partir de uma perspectiva que contemple a diversidade e, ao mesmo tempo, a singularidade dos pequenos e médios municípios da Amazônia e do Nordeste. Além disso, é fundamental que esta proposta de planejamento e gestão tenha como referência maior a promoção do desenvolvimento equilibrado e socialmente justo de todo o território nacional.

1- As áreas de transição rural-urbana são áreas em que o uso do solo urbano e rural se misturam. Apesar dessas características serem também encontradas em regiões metropolitanas, são predominantes em municípios de porte pequeno e médio na Amazônia Oriental.

A realidade das médias e pequenas cidades da Amazônia e do Nordeste não são consideradas no planejamento urbano brasileiro

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Este texto compartilha reflexões sobre a necessidade de repensar as formas de abordagem da questão urbana no Brasil, com foco nos processos espaciais em áreas de transição urbano-rurais. Observa-se que o marco regulatório nacional reafirma os princípios redistributivistas da reforma urbana, dando ênfase à questão social, fundiária e à gestão democrática, mas o pensamento urbanístico e sua prática continuam reproduzindo as formas tradicionais de olhar a cidade para apontar os caminhos do seu desenvolvimento. A falta de uma prática de planejamento territorial integrado em escala nacional tem dificultado a prática do planejamento territorial em escala municipal, condição essencial para o enfrentamento do desafio urbano no País.

Constatam-se atualmente importantes mudanças nos padrões da expansão urbana, podendo-se destacar algumas: i) a intensificação das relações intrametropolitanas; ii) a descentralização do crescimento urbano para áreas não metropolitanas; iii) uma nova conjuntura da questão social, ao incorporar ao debate a questão ambiental; e iv) a redefinição do papel econômico do Estado, valorizando ainda mais as relações de mercado. Tais mudanças impactam fortemente sobre a dinâmica e a organização dos espaços municipais, que ficam cada vez mais

complexas e não podem ser compreendidas se não consideramos integradamente os processos espaciais em diferentes escalas, nos aspectos socioeconômicos, físico-territoriais e nas complementaridades e articulações das relações urbano-rurais. Particularmente nas áreas de transição urbano-rural, emergem situações que requerem a sistematização de novas formas de abordagem para sua compreensão: i) existem poucos descritores organizados para apoiar estudos; ii) poucos indicadores sistematizados; iii) parâmetros, instrumentos de planejamento e gestão insuficientes para promover a regulação do solo e da ação dos agentes transformadores do espaço. Há, inclusive, pouca clareza quanto às competências federativas para a regulação do solo ou a promoção de políticas públicas. Assim, importantes conflitos não são percebidos e, quando são, poucas vezes recebem um tratamento adequado.

Tradicionalmente, as experiências de planejamento e gestão territorial urbanos estiveram principalmente focadas nos processos de produção do espaço das cidades compactas, que foram o lócus de grandes conflitos e tensões sociais, paliativamente mediados por ações do Estado. Consequentemente, o conjunto de referências conceituais e técnicas,

PERIURBANO: uma complexidade que não se vê

Lívia Miranda*

*Lívia Miranda é educadora da Fase/Nordeste e pesquisadora do Observatório Pernambuco de Políticas Públicas e Práticas Sócio-Ambientais

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de suporte ao planejamento territorial, assim como os instrumentos urbanísticos institucionalizados, foram desenvolvidos tendo por base essas referências. Por isso, não conseguem dar respostas satisfatórias aos casos em que o espaço produzido é menos concentrado e onde mesclam usos do solo rurais e urbanos, como as áreas periurbanas. ESPAçOS PLuRIfuNCIONAIS De outro lado, as políticas territoriais promovidas para as zonas rurais, apesar de reconhecerem uma maior intensidade no fluxo das relações urbano-rurais, estiveram estruturadas para dar respostas

aos problemas do rural tradicional, da reforma agrária e da situação de forte vulnerabilidade dos pobres produzidos pelos sistemas agropecuários. Apesar de identificar o forte impacto das relações urbanas no rural, esses diagnósticos não se traduziram em políticas integradas para a gestão do território, principalmente nas áreas de transição urbano-rurais, aqui entendidas como: “Espaços plurifuncionais, em que coexistem características e usos do solo tanto urbanos como rurais – presença dispersa e fragmentada de usos e ausência de estrutura urbana coerente que proporcione unidade espacial -, submetidos a profundas transformações econômicas, sociais e físicas,

O transporte fluvial não recebe a atenção necessária: ausência de políticas adequadas à realidade regional

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com uma dinâmica estreitamente vinculada à presença próxima de um núcleo urbano” (Miranda, 2008, p.28).

Na medida em que a urbanização se expande e assume uma forma cada vez mais espraiada, e em alguns casos descontínua, as áreas de transição urbano-rural tornam-se objeto de interesses diversos e de conflitos cada vez maiores. Essas áreas concentram um grande estoque de terras, mananciais, matas, a produção rural e o transbordamento dos conflitos urbanos expressos, principalmente, na produção da moradia. Nessa perspectiva, as áreas de transição urbano-rural, além de serem áreas de reserva da expansão urbana, tornam-se, mais que antes, objeto de disputas e, portanto, ganham importância enquanto objeto do Planejamento.

No rural, novos processos também referendam a necessidade de um planejamento integrado do território rural-urbano. Silva (2002, p.1) caracteriza o novo rural brasileiro a partir de quatro processos: i) o agrobusiness, evidenciado por uma agropecuária moderna, baseada em commodities e intimamente ligada às agroindústrias; ii) atividades de subsistência, particularmente a agricultura familiar e a criação de pequenos animais, que visam primordialmente manter relativa superpopulação no meio rural e um exército de trabalhadores necessários à produção do agronegócio; iii) um conjunto de atividades não agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviço; e iv) um conjunto de novas atividades agropecuárias1, localizadas em nichos específicos de mercado, o qual fomenta novas cadeias produtivas, partindo

do rural mas chegando a uma intervenção nas cidades.

Ao assumir o desafio da construção de uma nova Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, o governo brasileiro reconheceu a necessidade de evidenciar a diversidade das relações existentes entre cidades e territórios, de modo a articular as políticas de desenvolvimento urbano e de desenvolvimento regional. No entanto, a materialização dessas políticas não tem incorporado as interfaces necessárias para promover um desenvolvimento mais equilibrado e socialmente justo de todo o território nacional. As especificidades regionais ainda são pouco diferenciadas no desenho da política nacional, fato que tem dificultado a implementação de políticas e instrumentos urbanísticos regulamentados a partir do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).

Iremos discutir mais detalhadamente o contexto apresentado a partir de três questões: a) a necessidade de entender as definições conceituais do espaço periurbano, considerando-se a diversidade dos urbanos brasileiros; b) o arcabouço institucional e regulador disponível e a sua potencial aplicabilidade nos territórios rural-urbanos; c) que questões fortalecem a agenda da reforma urbana ao se considerarem as especificidades das áreas de transição urbano-rural.

1- Graziano (2002, p. ix) explica que usou o termo novas atividades agropecuárias porque essas ocorrências não são novidade no meio rural. Existiam antes de forma rudimentar e desestruturada, mas vêm ganhando escala e estruturando-se em cadeias produtivas.

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Uma das primeiras sistematizações das áreas de transição urbanas é atribuída a Smith, em 1930, que as definiu como “áreas construídas próximas aos limites administrativos da cidade” (PRYOR 1971, p.59). Dentre as abordagens clássicas sobre as áreas de transição urbano-rural, destacam-se os trabalhos de Wehrwein (1942), Lively (1953), Golledger (1960), Pahal (1962), Pryor (1971) e Kayser (1990). Eles privilegiaram questões como: a delimitação das franjas urbanas, os deslocamentos pendulares, a esterilização das terras agricultáveis, a transformação do solo rural em solo urbano e as estratégias de proprietários de terras e dos promotores imobiliários.

Na literatura especializada, encontram-se outras denominações que se referem aos espaços existentes na interface do rural com o urbano, dentre as quais se podem destacar: franja rurbana, franja rural-urbana, franja periurbana, periferia rurbana. Para os casos em que a urbanização não constitui uma faixa homogênea nas dimensões físico-naturais e/ou sociais, Corrêa (1986, 70) ressalta que seria possível falar em uma periferia suburbana, subúrbio ou periferia rural-urbana quando esses espaços são impactados por um dinâmico processo de urbanização. Parece consensual para esses autores que entender as dinâmicas que se articulam nos espaços rural-urbanos exige a compreensão das diferentes formas que a expansão urbana assume no território e de como essas vêm impactando sobre as relações e o espaço rural.

O desafio da interface rural-urbano

Asencio (2005: sp) conceitua os espaços periurbanos enquanto: “(...) zonas rurais onde a influência urbana é mais forte por sua proximidade física com a cidade, em sua extensão física e funcional que as invade e integra através de processos únicos cujos efeitos são de natureza diversa: econômica, demográfica, social e territorial, de forma que o aspecto mais importante desses espaços periurbanos é a mescla de usos do solo, o qual repercute em um incremento da complexidade dos fluxos de pessoas, bens, serviços e informação promovido pela presença de uma rede de comunicação bem desenvolvida.”

Ao analisar as características dos espaços periurbanos para o caso espanhol, o autor considera que as dinâmicas das relações socioespaciais e a complexidade dos fluxos que ali se manifestam determinam diferentes funções para essas áreas de fronteira: i) podem ser condutores, zonas de passagem, que canalizam os movimentos do rural para o urbano e do urbano para o rural; portanto, podem ser entrepostos de distribuição; ii) podem ser filtros que regulam as relações entre o rural e o urbano; portanto, são zonas de preservação de ativos ambientais e produtivos; iii) são zonas recreativas e de lazer frente ao aumento das demandas de solo para esses usos; iv) são receptoras dos excedentes populacionais, tanto urbanos quanto agrícolas; v) são espaços dinâmicos da especulação imobiliária, pelas vantagens locacionais e pela disponibilidade de solo no entorno urbano; vi) são zonas isoladas e autônomas de usos residenciais

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(condomínios); vii) podem ser zonas adequadas à implantação de grandes equipamentos industriais e comerciais; viii) correspondem a zonas de influência de uma área urbana policêntrica, cercada por uma zona produtiva; ix) são zonas onde a expansão urbana está fortemente limitada por obstáculos naturais, com zonas onde existem problemas de esterilização do solo.

No entanto, vale considerar a advertência de Juilliard (1961, p.3) ao comparar a realidade baiana com a europeia. O autor ressalva que, apesar de, em linhas gerais, as franjas europeias conservarem correlações com os casos brasileiros, é preciso considerar que, na Europa, a agricultura intensiva periurbana convive menos conflituosamente com o processo de urbanização. No Brasil,

principalmente no litoral, onde a área rural se implantou no período colonial, existe a “passagem direta de uma agricultura especulativa para a especulação da terra”. Tal passagem é mais sentida em áreas próximas aos limites urbanos ou na vizinhança dos eixos rodoviários.

ENCONTROS E DESENCONTROS Dependendo das funções que as áreas periurbanas desempenham, Asensio (2005: sp) propõe uma classificação em três tipos: a) urbano – periurbano, caracterizado por encontros dinâmicos e bidirecionais, com intercâmbios de informação e energias, com maior pressão do urbano; b) periurbano-rural – para as áreas que apresentam menor dinamismo, portanto menores pressões e conflitos de uso e ocupação do solo; c) urbano-rural - quando não se distingue uma franja periurbana, identifica-se claramente a passagem do solo urbano para o rural. Podem-se entender, a partir dessa classificação, as manifestações territoriais das relações urbano-rurais em suas interfaces. Tal associação pode favorecer a estruturação de políticas de desenvolvimento territorial de maneira mais integrada.

Santos (1993), Silva (2002) e Veiga (2006), dentre outros autores, identificam três momentos de inflexão no processo de configuração espacial da rede urbana e de seu impacto sobre os espaços rurais no Brasil: - O primeiro se estende até os anos de 1950, quando o rural e o urbano eram dois pólos em oposição, claramente delimitados e caracterizados pela dicotomia e contraposição; - No segundo, a intensificação da

“Na medida em que a urbanização se expande e assume uma forma cada vez mais espraiada, e em alguns casos descontínua, as áreas de transição urbano-rural tornam-se objeto de interesses diversos e de conflitos cada vez maiores.”

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industrialização, migração e urbanização configurou processos mais complexos de organização espacial que avançam em direção às zonas rurais, o que caracterizou o domínio do urbano e a dependência do rural. As permanências e a fragmentação definiram duas realidades distintas: o rural moderno e o rural tradicional; - O terceiro, e mais recente momento, caracteriza-se pela configuração de novas inserções da economia para além das atividades agrárias e da urbanização geográfica. O consumo do espaço depende de relações mais fluidas, por vezes globalizadas, e se generaliza sem permitir claras delimitações. Territórios mais ou menos conectados a esses processos podem incluir tanto a área urbana quanto os espaços rurais. Por isso, a velha oposição cidade-campo deixa de ter sentido dos pontos de vista social e econômico.

Em relação à globalização, Veiga (2006: 2) identifica dois aspectos que comandam tanto as transformações das áreas rurais quanto a das áreas urbanas e, consequentemente, os territórios de intersecção: i) a dimensão econômica — que envolve as cadeias produtivas, o comércio e os fluxos financeiros — , em que o espaço produzido é cada vez mais periférico e/ou marginal. Ao lado das novas hierarquias regionais, há vastos territórios que se tornam cada vez mais excluídos das grandes dinâmicas que alimentam o crescimento da economia global; ii) a dimensão ambiental — que envolve tanto as bases das amenidades naturais quanto as várias fontes de energia e a biodiversidade — age essencialmente para torná-las cada vez mais valiosas para a qualidade de vida ou o bem-estar. São

esses dois aspectos que, como também ressalta Topalov (1997: 23) e reafirmam Cardoso e Ribeiro (1996: 53), caracterizam “o nascimento de um novo paradigma sobre a cidade e o habitat”.

Parece claro, à primeira vista, que não teria sentido pensar em delimitações para as áreas de transição urbano-rural, uma vez que a urbanização penetra nos tradicionais espaços rurais, e as relações econômicas também condicionam os espaços periféricos. De fato, a diversidade de processos complexos e não orquestrados que caracterizam as áreas de transição urbano-rural dificulta uma leitura clara dos limites entre o urbano e o rural. As manifestações na escala local estão condicionadas por permanências, descontinuidades e contraposições, que muitas vezes são invisibilizadas pelas análises tradicionais e pelo tratamento que é dado ao território a partir dessas análises. No entanto, para poder intervir ou condicionar os efeitos dos processos espaciais, faz-se necessário definir os perímetros onde serão aplicados os instrumentos legais que viabilizarão a implantação de políticas territoriais, principalmente de acesso à terra. Por essa razão, mais uma vez, reafirma-se a necessidade de se desenvolverem metodologias mais adequadas à intervenção no território urbano-rural.

As áreas de transição urbano-rural são invisíveis para o planejamento e a legislação urbanos

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No Brasil, o sistema de cidades é bastante complexo. A organização da rede urbana é marcada por duas fortes heranças: i) a concentração no litoral, resultante de uma estrutura econômica de cultura primário-exportadora; e ii) a interiorização gradativa da rede urbana, acompanhando o processo de integração do mercado nacional, que fez de São Paulo o novo pólo irradiador do desenvolvimento a partir da industrialização. Tais heranças condicionaram no território zonas extremamente concentradas, áreas mais dispersas e até isoladas. Nesse contexto, o caráter das zonas de transição é definido pela complexidade das redes, dos fluxos e conexões no território.

No urbano das aglomerações metropolitanas, as zonas periurbanas foram fortemente impactadas pelas políticas de desenvolvimento urbano implementadas, embora em poucos casos tivessem sido incorporadas às estratégias de planejamento. A dinâmica nessas áreas foi estruturadora de um modelo centro-periférico, marcado por um contínuo deslocamento da mancha urbana para as áreas rurais e os espaços naturais e pela acumulação de fortes desigualdades socioespaciais. O perfil das franjas é desenhado principalmente pelos impactos gerados pela urbanização extensiva e descontrolada. Usando a classificação proposta por Asensio nesse contexto, predominariam os espaços Urbanos-Periurbanos.

Invisíveis para o planejamento e a legislação,

as áreas de transição urbano-rural brasileiras são objeto de investimentos pontuais para viabilizarem os espaço de reserva da expansão urbana e a localização das grandes infraestruturas de serviços, ou são áreas reguladas para garantir a preservação dos mananciais e recursos naturais. Em comum, acumulam a residência de uma população excluída das condições básicas de urbanidade e assentamentos informais. A concentração fundiária nessas áreas também traz dificuldades consideráveis, uma vez que as grandes propriedades nas bordas da urbanização conferem ao proprietário fundiário muitos poderes no jogo da produção do espaço. Em relação a esse último aspecto, uma possibilidade de integração entre rural, urbano e rural-urbano ancora-se na discussão articulada sobre a função social da propriedade.

Bitoun (2009, sp) destaca algumas características das relações cidade-campo no contexto das aglomerações metropolitanas e dos centros regionais a partir de três matrizes: a) Abordagem Política – as relações políticas são construídas na perspectiva das questões urbanas; o rural é externo ou integrado nas normas via questão ambiental; os agentes se articulam em torno da Reforma Urbana, da questão habitacional e, crescentemente, da questão ambiental; existe pouca articulação entre os movimentos da cidade e os movimentos do campo; b) Abordagem Cultural - existência de um território de transição urbano–rural pouco apropriado pelos agentes rurais e urbanos,

A precária urbanização brasileira

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o que leva à sua destruição (hiperperiferias, usos ambientalmente problemáticos, segundas residências, trabalhadores rurais na margem ou subordinados); c) Abordagem Econômica - grandes mercados consumidores de produtos do campo, mas comercialização oligopolizada; mercado nacional (Centrais de Abastecimentos - Ceasa/Grande distribuição); espaço para soluções “alternativas” via valorização da produção “local”.

uLTRAPASSANDO OS LIMITES O urbano não metropolitano apresenta características muito diversas e, ao mesmo tempo, concentradas regionalmente. No Sul e Sudeste do País, os municípios acumularam maiores riquezas e alcançaram bons níveis de serviços e de equipamentos urbanos. Em outras partes do território, a urbanização é precária ou inexistente, poucas riquezas foram acumuladas e a economia estagnada não é motora das potencialidades locais. Existem ainda as ilhas urbanas, principalmente na região Norte, onde a escassez de redes e fluxos eleva o status e a importância das aglomerações independentemente do seu tamanho populacional. Neste contexto, os espaços de transição urbano-rural apresentam menor dinamismo e, portanto, menor pressão do urbano sobre o rural, configurando um Periurbano-Rural, ou mesmo a passagem direta do urbano para o rural nos casos em que os territórios urbano e rural apresentam limites claros.

No caso dos centros urbanos em espaços rurais, observa-se que o rural produtivo está muito presente na própria dinâmica das cidades e nas diferenças entre os

tipos (cidades do agronegócio, em regiões de agricultura familiar, de plantation, do semiárido, da floresta), além da questão ambiental; a agenda da Reforma Urbana pode ter sido “importada”, mas há articulação de agentes em conselhos e possibilidades de articulação com os movimentos do campo. Mais importante que reconhecer um território de transição urbano–rural, às vezes existente, às vezes ausente, é refletir acerca da apropriação das relações cidade-campo, avaliando o peso das verticalidades e horizontalidades segundo os tipos citados anteriormente.

No caso das pequenas cidades, existe predominância das questões agrárias, e o que chamamos de “urbano” carece dos serviços elementares para a promoção humana e econômica. Destacam-se pequenos mercados consumidores de produtos do campo e, em alguns casos, forte participação da produção local.

Este quadro configura o tamanho do desafio a enfrentar. Como ressalta Rolnik (2005, p.275), “(...) a construção de cidades mais equilibradas, eficientes e justas requer a implementação de políticas urbanas que, além de mobilizar recursos financeiros, introduzem mecanismos permanentes de acesso à terra legal e formal por parte dos mais pobres, redesenhando a natureza e instrumentos até agora em vigor no campo do planejamento e gestão do solo urbano em nossas cidades.”

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A concepção de planejamento no âmbito do ideário da reforma urbana parte do diagnóstico centrado nas desigualdades e nos direitos sociais, bem como da necessidade de reconhecimento dos conflitos urbanos como expressão política das condições gerais da estrutura socioeconômica. Essa concepção propõe um novo modelo de pensar a cidade a partir de três premissas: i) a instituição da gestão democrática, ao reconhecer o direito dos cidadãos à participação política na condução dos destinos da cidade; ii) o fortalecimento da regulação pública do solo urbano e da inversão de prioridades, de modo que os investimentos públicos privilegiem as demandas da população de baixa renda e seus territórios com precárias condições de habitabilidade; iii) a garantia da função social da propriedade e da cidade, com a proposição do uso socialmente justo e equilibrado do espaço urbano, o reconhecimento do direito de acesso aos bens e serviços urbanos e a necessidade de uma justa distribuição dos custos e benefícios da urbanização.

Diferentemente da concepção tradicional, que trabalhou historicamente o planejamento e a gestão em separado, a base para a efetividade das propostas e instrumentos preconizados pela reforma urbana é a instituição da gestão democrática da cidade como requisito fundamental. Essa visão parte do pressuposto de que a cidade é produzida por

uma multiplicidade de agentes que devem ter sua ação coordenada a partir de um pacto coletivo que corresponda ao interesse público da cidade.

O pacto entre todos os agentes modeladores do espaço seria materializado, em uma primeira etapa, com a elaboração do Plano Diretor. O Plano Diretor é o instrumento básico da política municipal de desenvolvimento urbano previsto na Constituição Federal (artigo 182, §1o), o qual pode ser definido como um conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos agentes que constroem e utilizam o espaço urbano. O processo de elaboração do Plano Diretor é uma oportunidade para o debate dos cidadãos em torno da definição de opções negociadas para uma estratégia de intervenção nos territórios da cidade. O Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001), além de trazer novos elementos para reverter os processos desiguais de desenvolvimento das cidades, reacendeu o debate e a prática do Planejamento no Brasil em bases que procuram consolidar as principais bandeiras da Reforma Urbana. No seu artigo 40, o Estatuto estabelece que a abrangência da ação dos Planos Diretores deve estender-se à totalidade do município. Uma breve análise dos Planos Diretores mais recentemente elaborados tem revelado que o cumprimento dessas recomendações está distante de acontecer.

O Planejamento Urbano comoinstrumento de justiça social

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O NãO CuMPRIMENTO DA LEI Apesar do novo marco regulatório que vem sendo construído, a partir do Estatuto da Cidade, ainda existem fortes constrangimentos legais que dificultam o planejamento e a gestão das áreas de transição urbano-rural. A ampliação do papel dos municípios nos campos do planejamento e da gestão urbana é um deles. A partir da Constituição de 1988, a maioria das competências sobre o desenvolvimento urbano foram definidas como comuns à União, estados e municípios. Se, por um lado, aumentou a participação dos municípios na gestão e financiamento dessas políticas, por outro, acirrou a concorrência

por investimentos, contribuiu para inviabilizar projetos regionais e restringiu as possibilidades de cooperação.

Como ressalta Rolnik (2005, p. 227), “(...) a distribuição do financiamento público penalizou claramente os municípios médios e grandes, ao mesmo tempo em que potencializou a dependência política dos menores que, embora representassem 25% da população, constituem a maioria (70%) dos municípios e, portanto, têm peso significativo no desenho da máquina político eleitoral do País.”

Com base no artigo 182 da Constituição, o município é o principal responsável

Os investimentos públicos devem privilegiar as demandas das populações de baixa renda e a precária habitabilidade

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pela execução da política urbana. Cabe ao município promover os objetivos da política urbana estabelecidos nesse artigo: i) garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o cumprimento da função social da propriedade; e ii) garantir condições dignas de vida urbana e bem-estar aos seus habitantes. Definir os critérios para a cidade e a propriedade urbana atenderem à sua função social é competência, portanto, municipal, nos termos do citado artigo.

É importante registrar que o reconhecimento da competência municipal para a gestão integrada do território municipal é objeto de controvérsias. Alguns posicionamentos

avaliam que a interferência municipal em relação ao território rural seja inadequada ao considerarem que, tanto do ponto de vista fiscal-tributário quanto em relação à regulação das atividades, o ente federativo responsável deve continuar a ser a União. Não há dúvida de que a competência para a questão agrária é da União (pelo artigo 22, I, da Constituição Federal), mas é o município o ente com a melhor condição para planejar o desenvolvimento local sustentável, a partir da compreensão das interfaces das questões urbana, agrária e regional. Nesse aspecto, vale ressaltar a fragilidade das estruturas fiscal-tributárias e de controle do uso e ocupação do solo para as áreas rurais sob a gestão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

As atribuições constitucionais, inclusive as de competência comum, como proteger o meio ambiente, fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar, cuidar da saúde e da assistência social, não estão restritas à área urbana. Portanto, o município não pode deixar de contemplar a totalidade do seu território e de sua população para efeito de planejamento e gestão territorial, bem como de implementação de políticas públicas. O sistema de planejamento municipal deverá, então, ser constituído por órgãos administrativos que abranjam também a área rural e sejam capazes de articular interfaces com as questões regionais. A construção de uma agenda mais clara de cooperação entre os entes federados, que leve em consideração a heterogeneidade de nossos municípios, é fundamental para o enfrentamento do desafio para um desenvolvimento urbano mais equilibrado.

“A construção de uma agenda mais clara de cooperação entre os entes federados, que leve em consideração a heterogeneidade de nossos municípios, é fundamental para o enfrentamento do desafio para um desenvolvimento urbano mais equilibrado.”

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A garantia de pleno cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade (urbana e rural), de modo que sejam enfrentadas as desigualdades socioterritoriais quanto à função social da cidade e da propriedade urbana está intimamente imbricada com a política fundiária. A conquista de instrumentos de acesso à terra e o reconhecimento do direito dos ocupantes pobres em áreas informais são elementos fundamentais para enfrentar as desigualdades socioterritoriais que caracterizam o nosso modelo de urbanização. Nesse aspecto, a exigência do Planejamento Territorial Integrado, abrangendo as zonas urbanas e rurais, é fundamental, principalmente se levamos em conta as formas de expansão urbana

e as transformações dos imóveis com o desenvolvimento de atividades não agrícolas. Parte significativa dessas transformações refere-se aos parcelamentos clandestinos ou irregulares em processos de urbanização predatória, com efeitos significativos em áreas de interesse ambiental.

O Estatuto da Cidade, ao indicar que os Planos Diretores devem tratar do conjunto do território municipal, deverá permitir estabelecer procedimentos de planejamento e intervenção que abranjam tanto o rural como o urbano. Essa abordagem só é possível se os processos espaciais forem observados para além das malhas legais e oficiais. As possibilidades de existência de associações municipais estão abertas

Integrar os territórios é essencial

Reconhecimento do direito à moradia digna e um modelo de urbanização justo: demandas da sociedade civil organizada

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com a aprovação da Lei 11.107/2005, que estabelece como estados e municípios podem consorciar-se para a realização de objetivos de interesse comum. Esse instrumento deve ser utilizado para além dos territórios estratégicos de oportunidades exigidas pelo desenvolvimento globalizado. Pode ser empregado também em função das possibilidades produtivas, em novos recortes espaciais, construídos em função das possibilidades de integração dos processos regionais, locais e setoriais. O enfrentamento dos desafios por parte do planejamento municipal, seja no âmbito interurbano, seja no intra-urbano, deve considerar, ainda, outras questões mais estruturais: i) o entendimento do funcionamento, mecanismos e processos que regem o mercado de terras e imobiliário, especialmente para o segmento mais pobre da população; ii) a produção de sistemas de informação mais adequados aos novos recortes espaciais rural-urbano e ajustados às tendências, fenômenos e processos atuais de transformação tecnológica da reestruturação

produtiva do novo rural, dentre outros; iii) a formulação, revisão e aperfeiçoamento dos instrumentos de regulação urbana, assim como a adequação das normas administrativas, urbanísticas e procedimentos legais e administrativos às condições da produção social do espaço rural-urbano; iv) o aperfeiçoamento dos instrumentos de política pública existentes visando à integração e à eficácia dos instrumentos de planejamento e gestão; v) a inclusão da questão urbano-rural na pauta dos atores sociais e demais agentes do desenvolvimento urbano e o fortalecimento das questões da agenda metropolitana e das esferas públicas que tratam do tema, visando promover um maior controle social das ações públicas, bem como a eficiência administrativa; vi) o fortalecimento de iniciativas fomentadoras de geração de renda e de segurança alimentar das famílias em situação de vulnerabilidade social residentes nessas áreas. Rolnik (2005, p.283) também ressalta que os recentes esforços nacionais de integração, concentrando os vários setores do desenvolvimento urbano no mesmo ministério, ainda não permitiram a construção de políticas integradas por meio de ações e programas multi-setoriais. Além disso, a cultura e o conceito de agenda compartilhada entre União, estados e municípios precisam ser aperfeiçoados para potencializar os esforços de cooperação federativos.

“A conquista de instrumentos de acesso à terra e o reconhecimento do direito dos ocupantes pobres em áreas informais são elementos fundamentais para enfrentar as desigualdades socioterritoriais que caracterizam o nosso modelo de urbanização.”

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Planejar integradamente os territórios urbanos e rurais significa considerar os processos espaciais para além da cidade compacta. É preciso superar uma visão consolidada de que as áreas de transição urbano-rural são planejadas com uma lógica de reserva da expansão urbana. Os processos de Planejamento e Gestão Urbanos, em destaque os novos Planos Diretores, poderão ser mais efetivos se estenderem, criativamente, às áreas de transição urbano-rural os instrumentos urbanísticos recém-conquistados com o Estatuto da Cidade. Eles poderão ampliar a capacidade de regulação dos usos do solo e controlar a especulação fundiária e imobiliária - tanto nos perímetros urbanos quanto no entorno rural, frequentemente esvaziado das suas atividades agrícolas - se conseguirem implementar efetivas instâncias de planejamento e gestão democrática desses processos.

As dificuldades na caracterização do território rural-urbano devem-se principalmente à sua dispersão, diversidade de processos, continuidades e descontinuidades e à sua baixa densidade. Dessa forma, não é possível delimitá-lo de maneira integral. Os recortes territoriais estatísticos oficiais, as legislações vinculadas a esses recortes (como, por exemplo, a Lei do Perímetro Urbano) e as competências governamentais sobre o território são alguns dos elementos que devem ser revistos para que se possam restabelecer as relações de cooperação local.

Gestão tem que ser democráticaA regulação do parcelamento do imóvel rural para fins urbanos ou dos imóveis rurais em áreas urbanas é outro aspecto que deve ser repensado. Essa é uma responsabilidade do Incra e está alicerçada em uma Instrução (nº 17-b, de 22/12/80), com conteúdos insuficientes para controlar esse tipo de ocupação. Se a regulação das formas de uso, ocupação e parcelamento do solo no território municipal é, inegavelmente, de interesse local, como é reconhecido constitucionalmente, é necessário que os municípios entrem em articulação com o Incra para exercer essa função.

Contudo, considerando o deficit histórico dos municípios em relação ao controle do uso e ocupação do solo, não parece haver perspectivas promissoras nesse sentido. Normalmente, quando há interesse do município em relação a alguma área rural para a realização de novos parcelamentos urbanos, o perímetro urbano é expandido, com a consequente demarcação de zonas de expansão urbana. Em muitas ocasiões, essa não se configura a melhor medida, já que pode implicar, por exemplo, no comprometimento da produção rural, ou das áreas de preservação de mananciais e da cobertura vegetal presentes nas zonas rurais.

DESENvOLvIMENTO DESEquILIbRADO E INSENSívEL Em relação aos novos instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade para as áreas de transição urbano-rural, é provável que haja dificuldades na aplicação de parte dos instrumentos,

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principalmente os de indução ao desenvolvimento (inibição da retenção especulativa), se for considerado que a maior parte das áreas não tem uma adequada cobertura de infraestrutura e serviços urbanos. Caso existam áreas com infraestrutura, é possível utilizar esses instrumentos de forma articulada e criativa, a fim de induzir o uso e ocupação de modo equilibrado em função da disponibilidade de infraestrutura e das condições ambientais. Talvez a questão mais importante prevista no Estatuto da Cidade seja a Gestão Democrática. Os instrumentos de política urbana só terão efetividade se representarem um projeto de cidade definido democraticamente. A efetividade dos instrumentos depende da gestão do território, e a questão do equilíbrio do desenvolvimento nessas áreas não oferece interesse e não está pautada pelos atores mais sensíveis a essa questão. É preciso revisitar os marcos legais para evitar as sobreposições de leis ambientais e urbanas e competências de gestão pública do território. Os instrumentos e normas de proteção para as áreas de interesse ambiental, principalmente para os sistemas de mananciais, foram implementados a partir dos anos de 1980, quando se levou em conta que as áreas periurbanas concentravam os mais significativos recursos naturais importantes para o equilíbrio ambiental e para os sistemas de infraestrutura urbana das cidades. Mais uma vez, ressalte-se nesse ponto a importância de rever e fortalecer o pacto federativo no que concerne às competências concorrentes quanto ao planejamento e à gestão do território.

“A dificuldade para a emergência dos processos e dos conflitos socioespaciais e para a constituição de espaços específicos para a discussão sobre o desenvolvimento das áreas de transição urbano-rural está relacionada com as possibilidades de organização da sociedade civil”.

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A dificuldade para a emergência dos processos e dos conflitos socioespaciais e para a constituição de espaços específicos para a discussão sobre o desenvolvimento das áreas de transição urbano-rural está relacionada com as possibilidades de organização da sociedade civil. Nas áreas de transição urbano-rural, os interesses estão menos organizados e as condições não são favoráveis em termos de identidade para a formação de grupos e corporações que defendam publicamente seus interesses relativos ao uso e à apropriação dos espaços nessas áreas. Em termos de uma discussão mais ampla, a possibilidade de debate sobre essas áreas, de forma integrada com os outros territórios das cidades, é pequena.

Os canais e as instâncias de gestão democrática das cidades, como os conselhos e as conferências, são espaços para a negociação e a construção de projetos coletivos, como também para a explicitação de interesses e conflitos. Se os setores pró-reforma urbana tiveram muitas conquistas no sentido da construção de políticas públicas comprometidas com o enfrentamento do quadro de desigualdades socioespaciais, não há dúvida de que as disputas em torno dos projetos de cidade continuam e farão parte desse modelo de gestão democrática preconizado pelo Estatuto da Cidade. O conservadorismo de agentes e grupos que historicamente exerceram o poder político e econômico nos municípios é um fator que deverá tornar-se um obstáculo a um planejamento participativo e progressista, comprometido com objetivos de justiça social e equidade.

No entanto, o que se observa é que as

referências, teorias, conceitos, instrumentos e mecanismos, etc., que condicionam as visões sobre os modelos de desenvolvimento e de planejamento dos territórios urbanos e rurais, em suas diversas vertentes, pouco dialogaram – o que reflete a histórica dicotomia entre o rural e o urbano (o campo e a cidade). Assim, essas áreas continuam a ser pensadas como áreas destinadas à expansão urbana, áreas rurais ou áreas de proteção ambiental – pois deixa-se de reconhecer a complexidade das interações entre os processos urbanos e rurais em ambientes e territórios com características específicas. À exceção dos institutos de regulação de proteção ambiental definidos em âmbitos federal e estadual, as possibilidades de desarticulação entre os municípios em relação a normas, regras e instrumentos normativos são muito grandes.

“Os instrumentos de política urbana só

terão efetividade se representarem um projeto

de cidade definido democraticamente.”

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Um processo territorial contemporâneo e desafiador

Rosirene Martins Lima*

* Rosirene Martins Lima é geógrafa, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora adjunta da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

Nos últimos anos, a urbanização acelerada tem resultado em significativa expansão das cidades sobre os espaços tidos como rurais, implicando em transformações na organização socioespacial e econômica e, consequentemente, nos modos de vida. Os espaços abarcados pelo crescimento das cidades adquirem uma feição própria, que pode ser caracterizada por dois aspectos relevantes: estão situados na interface entre a cidade e o campo e abrigam uma diversidade de atividades econômicas, chamada de “pluriatividades” por alguns autores.

A falta de consenso dos autores a respeito da natureza desses espaços faz com que várias denominações sejam utilizadas em uma tentativa de explicá-los. Além de periurbano, outras noções são utilizadas, tais como: franja urbana e rurbano. A noção de cidades camponesas, cidades rurais ou ainda cidades do campo representa, neste contexto, o léxico de noções utilizadas para explicar as cidades periurbanas, bastante comuns no Brasil, principalmente, na região amazônica.

A variedade de denominações utilizadas em uma tentativa de melhor caracterizar esses espaços de interface, sejam eles contíguo às cidades ou de cidades menores, representa um esforço conceitual na medida em que para os autores trata-se de espaços diferentes entre si. Em outras palavras, o espaço periurbano é variado e complexo, pois

apresenta uma diversidade de situações, que nem sempre são iguais em todos os lugares.

Embora sejam distintas as nomeações utilizadas nas análises, observam-se coincidências importantes em alguns aspectos. O primeiro está relacionado ao seu caráter morfologicamente misto dos espaços periurbanos, que se origina da convivência de situações intermediárias entre o rural e o urbano, resultantes da mudança das áreas rurais tradicionais, que aos poucos vão sendo incorporadas ou mesmo desaparecendo, cedendo lugar a novos usos urbanos: residenciais, industriais, equipamentos e serviços, dentre outros.

O segundo aspecto diz respeito à especificidade da ocupação desses espaços. Eles se destacam pela baixa ocupação, mantendo importantes espaços intersticiais, incluindo áreas de cultivo, de criação de pequenos e grandes animais, configurando um tipo de uso mais extensivo que o propriamente urbano.

O terceiro aspecto está relacionado à vinculação funcional desses espaços com a cidade mais próxima, uma vez que os novos usos estão associados às necessidades e demandas urbanas. A especificidade e a individualidade de cada espaço periurbano ou cidade periurbana tem uma forte relação com a sua localização.

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A realidade amazônica é diversa e ao mesmo tempo singular: desafio para o planejamento e a gestão urbana

A maior parte dos autores acredita que o desenvolvimento e consolidação do espaço periurbano resulta da expansão do fenômeno urbano e das novas formas urbanas.

Segundo Urruela, os espaços periurbanos ou cidades periurbanas vêm se constituindo em um dos principais focos de análise territorial. Tal interesse se baseia no fato de que essas áreas, de contato, de interface, se apresentam como panorama, onde se desenvolvem conflitos pelos novos usos do espaço. Essa “nova” forma de organização territorial implica na necessidade de se repensar os instrumentos teóricos e metodológicos para a análise da dinâmica dos processos em cursos, que se apresentam múltipos e complexos.

O termo periurbanização, conforme Hogan (2008) utiliza, especialmente no cenário internacional, no sentido de explicitar as mudanças estruturais que ocorriam nos arranjos produtivos e locacionais no espaço urbano de algumas regiões do mundo. As análises focalizavam os processos relativos à expansão urbana em contexto de países em desenvolvimento. O termo periurbanização se referia ao processo de dilatação da malha urbana em direção ao seu entorno. O mesmo autor chama atenção para a distinção desse processo em relação à periferização, que era utilizado para explicar a localização das camadas pobres da população em áreas distantes do centro equipado da cidade.

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bIbLIOGRAfIA

HOGAN, Daniel; OJIMA, Ricardo. Crescimento Urbano e Peri-Urbanização: Redistribuição Espacial da População em Novas Fronteiras da Mudança Ambiental. IV Encontro Nacional da Anppas. 4, 5 e 6 de junho de 2008. Brasília – DF- Brasil. LIMA, Rosirene Martins. O Rural no Urbano: Uma análise do processo de Produção de Imperatriz-MA. Imperatriz-MA: Ética, 2007. SANTOS, Milton. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se calcula. Campinas, SP: Autores Associados, 2002. E.u URRUELA, E. Gonzáles. La evolucion de los estúdios sobre áreas periurbanas. Anais de La Geografia de la Universidad Complutense, n. 7. Ed. Univer. Complutense, 1987.

No Brasil, alguns autores têm buscado compreender e explicar esse fenômeno da periurbanização a partir da configuração das cidades, que eles denominam de cidade do campo (Santos, 2001) e cidades rurais (Veiga, 2002; Siilva, 1999). A cidade do campo, de acordo com Milton Santos, abriga atividades de fabricação e serviços e está ligada à região na qual está inserida. A população urbana é formada em parte, por trabalhadores agrícolas. Tais cidades abrigam atividades e profissões tradicionais e novas. Nesse sentido, são espaços híbridos e, como tais, demandam necessidades e organização específicas.

Os espaços periurbanos são aqueles que têm experimentado as mais drásticas mudanças no que se refere às suas características formais e, por isso mesmo, estariam sujeitos a forças sociais, econômicas e políticas muito mais incertas. Por essa razão, são áreas particularmente vulneráveis e devem ser analisadas com cautela, principalmente no que se refere à definição de políticas públicas adequadas a este conjunto de transformações (Hogan, 2008). As políticas públicas, geralmente, esbarram na indefinição dos limites administrativos e das atividades que ultrapassam os elementos formais.

As cidades periurbanas apresentam uma configuração nova, com traços originais em relação às grandes tipologias existentes até então: a rural e a urbana. Enquanto espaços de transição, híbridos, se constituem em palco de complexos processos decorrentes de uma diversidade de atividades e interesses de vários agentes modeladores do espaço. Pode-se afirmar que os espaços periurbanos ou as cidades perirurbanas se constituem em um laboratório de novos processos territoriais contemporâneos, que se desenrolam e requerem, portanto, reflexão e políticas de acordo com suas características.

“A maior parte dos autores acredita que o desenvolvimento e consolidação do espaço periurbano resulta da expansão do fenômeno urbano e das novas formas urbanas.”

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Falar em Direito à Cidade na Amazônia do ponto de vista jurídico, nos leva a indagar sobre a compatibilidade ou não dos princípios e regras do direito urbanístico com a diversificada realidade amazônica, uma vez que a proposta deste texto é discutir sobre o alcance e os limites da aplicação dos instrumentos da política de desenvolvimento urbano em territórios periurbanos na Amazônia. Defende-se aqui a idéia de que os municípios amazônicos otimizem o exercício de suas competências suplementares face às diretrizes da política urbana e as normas gerais de direito urbanístico traçadas, pela Lei n° 10.257/01 (Estatuto da Cidade), no sentido de viabilizar a aplicação dessas normas adequando-as à sua realidade.

Sem dúvida, parte-se aqui do pressuposto de que existe um conflito entre o fato (contexto amazônico) e as normas de direito urbanístico que reduzem a eficácia do direito à cidade sustentável. A que se deve isso? A ineficácia possui uma matriz ideológica que decorre da hegemonia de uma visão de cidade que adota como modelo as cidades do centro-sul do País, ignorando que a Amazônia possui uma realidade urbana com quase 70% de sua população vivendo nas pequenas e médias cidades. Nesta região, há uma grande demanda por políticas de desenvolvimento urbano (saneamento, habitação e transportes, por exemplo) - sobretudo se nos detivermos nos territórios

periurbanos, que podem ser caracterizados como áreas que apresentam uma tensão entre o rural e o urbano, onde se entrelaçam, fazendo com que a tradicional cisão entre o urbano e rural seja repensada.

Nesse sentido, o Estatuto da Cidade reconhece dentre as suas diretrizes gerais, precisamente no seu artigo 2°, VII, a “integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do município e do território sob sua área de influência”. Temos também a expressa determinação do artigo 40, § 2° de que “O Plano Diretor deverá englobar o território do município como um todo”. Em relação a esta integração entre o urbano e o rural, recaem sobre os territórios periurbanos problemas jurídicos sobre a possibilidade dos municípios disciplinarem áreas rurais, questões relativas à regularização fundiária e a questão ambiental. Nesse sentido, existem legislações que reconhecem a relevância dos Planos Diretores e das leis de ordenamento territorial, tais como o Código Florestal. No que tange à aprovação da área de reserva legal para fins de supressão da sua reserva legal, deverá o processo de aprovação constar dentre outros instrumentos do Plano Diretor (Art. 16, § 4° da Lei 4771/65). Temos também a recente aprovação das Leis 11.952/09 e 11.957/09 que tratam, respectivamente, sobre a regularização

Direito à cidade sustentável

Maurício Leal Dias*

*Maurício Leal Dias é advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e professor universitário - http://juscidade.blogspot.com

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fundiária em áreas da União e sobre o programa “Minha Casa Minha Vida”, como também dispõem sobre novos conceitos, como os de área urbana consolidada.

IMPORTÂNCIA DO PLANO DIRETORA Lei 11.952/09 reconhece a competência municipal para ordenar o seu território (artigo 30, VIII da Constituição Federal), sendo que a regularização fundiária em áreas urbanas será efetivada pelos municípios interessados através de doação ou de concessão de direito real de uso. Um dos requisitos para essa doação ou concessão é que o município tenha uma lei de ordenamento territorial urbano que abranja

a área a ser regularizada, e que tenha os seguintes elementos: a) delimitação de zonas especiais de interesse social em quantidade compatível com a demanda de habitação de interesse social do município; b) diretrizes e parâmetros urbanísticos de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano; c) diretrizes para infraestrutura e equipamentos urbanos e comunitários; e d) diretrizes para proteção do meio ambiente e do patrimônio cultural. Estes elementos deverão ser definidos pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica.

Nesse sentido, destaca-se o papel do Plano Diretor municipal como instrumento de planejamento e conformador da propriedade

Os territórios periurbanos apresentam uma grande demanda por políticas de desenvolvimento urbano: saneamento, habitação e transportes, entre outras

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urbana à sua função socioambiental, devendo este estar compatibilizado com outros instrumentos de planejamento, principalmente o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) que, nos termos do artigo 36 da Lei 11.952/09, deverá ser aprovado pelos estados em até três anos - a contar da entrada em vigor da Lei, sob pena dos estados ficarem proibidos de celebrar convênios com a União.

É indiscutível que esta norma afirma a imprescindibilidade e integração dos instrumentos de planejamento territorial, sobretudo quando prevê a obrigatoriedade da Lei de Ordenamento Territorial para as áreas urbanas consolidadas. No entanto, este conceito de áreas urbanas consolidadas não é encontrado na Lei 11.952/09, e sim na Lei 11.977/09. Segundo esta Lei, as áreas urbanas consolidadas podem ser entendidas como a parcela da área urbana com densidade demográfica superior a cinqüenta habitantes por hectare e malha viária implantada, e que tenha, no mínimo, dois dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos (definição da Lei 11.957/09).

Mas será que este conceito é aplicável no contexto amazônico? Avaliamos que áreas urbanas consolidadas também podem ser consideradas como territórios periurbanos, pois não podem ser identificadas nem como urbanas e nem como rurais. Esse impasse foi enfrentado por alguns Planos Diretores Participativos, tal como o do município de

Belterra, na região oeste do Pará. Verifica-se, portanto, que existe um esforço das novas legislações urbanísticas em se fundamentar nos princípios e diretrizes da Lei 10.257/01 no que tange à integração rural-urbano. Entretanto, consideramos que para enfrentar as lacunas e a inefetividade das políticas urbanas para os territórios periurbanos, a União deve “legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

Tal medida pode ser pensada no sentido de refletirmos sobre as formas pelas quais a política urbana vem sendo implementada. É necessário repensar a sua efetividade face às diversidades regionais; problematizar a questão dos territórios periurbanos; integrar os instrumentos de planejamento, tais como o Zoneamento Ecológico e Econômico, os planos de ordenamento territorial, uso, parcelamento e ocupação do solo; e, sobretudo, promover a cooperação no sentido de que os municípios possam exercer a sua competência para disciplinar o solo. Também é necessário suplementar a legislação Federal e Estadual para atender as suas especificidades. Nesse sentido, é fundamental que seja feito um esforço de cooperação federativa, tal como preconiza o artigo 3, II, do Estatuto da Cidade, de modo que possa haver um equilíbrio no desenvolvimento urbano e as cidades amazônicas possam também ser contempladas com as políticas urbanas, tornando-as mais justas, democráticas, humanas e sustentáveis.

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O tratamento uniforme dado pela legislação federal que regula a temática urbana aos mais de 5.500 municípios brasileiros desconsidera as particularidades regionais do País, bem como as condições diferenciadas de execução de políticas públicas entre pequenos, médios e grandes municípios. Ao considerarmos as realidades de municípios paraenses, em que condicionantes históricas, econômicas, culturais, sociais, fundiárias, ambientais, agrárias e urbanísticas se sobrepõem, os debates sobre o parcelamento do solo urbano e regularização fundiária se tornam problemáticos em razão da legislação que regula essas questões ser segmentada e, muitas vezes, contraditória. Além disso, existem questões relevantes que não são levadas em consideração no debate nacional e que acrescentam dificuldades a esses processos.

A primeira dificuldade que encontramos ao aplicar a legislação federal urbanística no Pará é definir a diferença entre os conceitos jurídicos de área urbana e área patrimonial. Essa distinção nos permite verificar que o ente municipal tem diferentes poderes e atribuições sobre o território municipal, sendo que somente nas zonas urbanas ou

a ela equiparadas pode exercer seu poder de polícia. No Pará, nem toda área urbana pertence ao município, mas sim ao estado e à União - que não se submetem ao poder municipal. Atualmente, metade do território paraense não pode ser convertido em áreas urbanas por ser afetado por Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs). A outra metade, passível de destinação, tem a União como a principal detentora de terras, que compreendem 60% do território disponível, sendo impossível qualquer atuação direta mesmo do estado.

Assim, considerando essa particularidade, decorrente do quase exaustivo roll de bens que detém a União na Constituição, mesmo que o estado queira criar um município e destinar áreas ao novo ente federado, denominadas de áreas patrimoniais, para que possa executar sua política de ordenamento do solo urbano, isso não será possível. Consequentemente, o município criado não pode cumprir seu principal papel, o de prover infraestrutura e de ordenar as funções sociais da cidade. Visando solucionar esse impasse, foi editada a Medida Provisória 458/2009, convertida na Lei n. 11.952/2009, que disciplina a possibilidade de repasse de

Particularidades urbanas e periurbanas na Amazônia Oriental

Luly Rodrigues da Cunha Fischer*

* Luly Rodrigues da Cunha Fischer é advogada, chefe de gabinete da presidência do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), doutoranda em Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA) e conselheira do Conselho Estadual de Cidades do Pará (ConCidades-PA)

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terras públicas da União aos municípios de áreas urbanas, de expansão urbana ou de expansão específica. A despeito dos avanços da legislação, a implementação dessa Lei impõe aos municípios novos desafios, pois passam a ser responsáveis por todos os ônus da regularização fundiária.

Afora a questão da dominialidade, a subdivisão entre rural e urbano - tradicionalmente tratada pelo Direito em oposição - não alcança a realidade de grande parte dos pequenos e médios municípios paraenses, que têm por característica a realização de atividades produtivas de pequeno porte dentro de lotes urbanos. Esta subdivisão também não traz a figura do uso

coletivo da terra para atividades produtivas dentro do perímetro urbano.

DIvERSIDADE AMAZÔNICA NãO É RECONHECIDAEm verdade, a situação da convivência em um mesmo espaço de atividades econômicas agrárias e urbanas não é sequer tratada diretamente pela legislação federal, que elabora instrumentos urbanísticos voltados para grandes cidades. Assim, aparentemente, o modo de vida de comunidades extrativistas, indígenas e quilombolas fica relegado ao rural, não sendo objeto de preocupações urbanísticas. No entanto, o que se vê nos textos dos poucos Planos Diretores elaborados de forma participativa

Atividades produtivas de pequeno porte dentro de lotes urbanos não são alcançadas pela subdivisão rural e urbano

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no estado do Pará é que essas comunidades demandam o reconhecimento diferenciado de sua territorialidade também em áreas urbanas, inclusive no que se refere ao direito a produzir e à sua manutenção cultural.

Sobre esta questão, ainda que de maneira indireta, a Lei 11952/2009 permite aos municípios paraenses adereçar a situação da regularização fundiária de lotes individuais em áreas urbanas e de expansão urbana de até 1.000 m2. Desse modo, atende à maior parte dos lotes utilizados para fins de subsistência, resolvendo assim o problema da regularização fundiária individual, mas não da coletiva, que poderia ser abordado no projeto de Lei n. 3057/2000, incorporando a temática coletiva a partir de uma concepção socioambiental, ao tratar do plano de expansão de áreas urbanas.

Um terceiro aspecto que merece destaque sobre a questão urbana da Amazônia e da complementaridade entre rural e urbano é a inadequação da legislação ambiental vigente e a existência de cidades na Amazônia. Ainda que frequentemente a imagem da Amazônia Legal veiculada na mídia seja a de natureza rural intocada, a população da região concentra-se em sua maioria nas

capitais e em pequenas e médias cidades, sendo necessária a adequação de padrões ambientais para essa realidade.

No Pará, há áreas urbanas centenárias em ilhas fluviais, costeiras e flúvio-marítimas, em terrenos de marinha, em áreas de várzea, em margens de rios largos e mesmo inseridas em Unidades de Conservação, sendo necessário que a legislação federal reconheça a existência dessas áreas e dê tratamento diferenciado a essa realidade, retirando-as da ilegalidade. É urgente que seja reconhecido, não apenas aos municípios, a possibilidade de adotar critérios diferenciados para a largura das Áreas de Preservação Permanentes (APPs) urbanas, e também o uso direto de baixo impacto dessas áreas, garantindo o respeito à dignidade humana e a manutenção econômica e sociocultural da população que nela reside. O projeto de Lei no 3057/2000 é uma boa oportunidade para que seja resolvida a questão, superando assim a falsa dicotomia entre natureza e urbano.

Em resumo, são muitos os desafios para a elaboração de uma nova lei de parcelamento do solo urbano que atenda às necessidades da região. O mesmo ocorre em relação à realização de programas de regularização fundiária urbana no estado do Pará com base na legislação vigente. É urgente que a norma geral federal deixe margem para o reconhecimento da diversidade da região Norte, através da criação e/ou modificação de dispositivos que trabalhem a complementariedade entre urbano e rural ou que, ao menos, criem instrumentos que contemplem a realidade amazônica com sua diversidade para que a população possa usufruir dos avanços operados pela Constituição de 1988.

“É urgente que a norma geral federal deixe margem para o reconhecimento da diversidade da região Norte, através da criação e/ou modificação de dispositivos que trabalhem a complementariedade entre urbano e rural.”

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A atuação de grupos de profissionais e moradores urbanos, em apoio à Reforma Urbana, no decorrer da segunda metade do século XX, concentrou-se em regiões com maior adensamento populacional, caracterizando uma luta por direitos de acesso à cidade, à terra e aos serviços urbanos. Durante a primeira metade do século XX, as intervenções de renovação urbanas ocorridas em cidades como Belém, Rio de Janeiro e São Paulo foram inspiradas em experiências do hemisfério Norte, sempre concentradas nas áreas centrais, eleitas pela elite local como vitrine de sua cultura e de seu estágio civilizatório. Neste ínterim, as áreas de moradia dos trabalhadores eram “resolvidas ou viabilizadas” de forma improvisada e precária.

Para muitos, a condição de moradia na periferia da cidade já seria uma vantagem em relação à vida rural, devido à possibilidade de inserção na dinâmica econômica urbana, ainda que sem o usufruto de acesso a facilidades (serviços, padrões de consumo e amenidades), sempre concentradas nas áreas centrais. Mas, à medida em que as cidades cresceram de tamanho, o combate à gestão especulativa da

terra tornou-se mais necessário, assim como a luta pelo investimento de recursos públicos na provisão de infraestrutura em área de moradia das classes trabalhadoras.

Observa-se, porém, que as condições de urbanização da Amazônia foram bastante diferenciadas em relação a outras regiões brasileiras devido ao isolamento dos núcleos urbanos, da forte intervenção estatal no processo de ocupação da região e na premência por soluções para conflitos no campo decorrentes da falta de regularização fundiária. O País acostumou-se a enxergar a Amazônia como área disponível para reforma agrária, e suas cidades e núcleos urbanos (vilas, agrovilas, aldeias, etc.) organizaram-se de modo dependente do campo, invertendo a relação que historicamente situa a cidade como um lugar de maior concentração de renda, de poder político, de saber, de diversidade, etc.

A escala do município apresenta-se na região como um desafio político-administrativo, face à elevada concentração de competências sobre a gestão de terras e do meio ambiente nas mãos do governo federal. Enquanto o desenvolvimento dos Planos Diretores

Integração de políticas para o Planejamento Urbano eficiente

Ana Cláudia Cardoso*

* Ana Cláudia Cardoso é arquiteta e urbanista, doutora em arquitetura pela Oxford Brookes University, Grã-Bretanha, e professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

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Participativos referia-se praticamente a áreas urbanas nos municípios que inspiraram toda a campanha brasileira pela Reforma Urbana, na Amazônia, a escala municipal abrange inúmeros processos, contém a população urbana, populações ribeirinhas que habitam várzeas, populações quilombolas, populações indígenas, projetos de assentamento rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou Unidades de Conservação protegidas pelos governo estadual ou federal. Esse mosaico de tipologias é agravado pela restrita disponibilidade de informações, visto que não existem séries históricas confiáveis sobre a demografia ou dinâmica econômica dos pequenos municípios da região.

O recente avanço tecnológico que vivenciamos, no que se refere às técnicas de restituição de imagens de satélites - em escalas compatíveis com o registro de

informações referentes ao uso e ocupação do solo urbano e ao uso dos sistemas de informação geo-referenciados - que nos permitem mapear informações alfa-numéricas segundo unidades espaciais estabelecidas (setores censitários, bairros, perímetro urbano) e produzir mapas temáticos, tendo em vista análises de processos como os de expansão urbana, mostra-se como grande contribuição para a superação da defasagem de informação característica na região.

CARACTERíSTICAS SINGuLARES Em paralelo, temos aspectos da organização social diferenciados que ainda requerem muito esforço institucional para garantir a igualdade entre cidadãos, visto que o isolamento, a forte estratificação socioeconômica da população e a perpetuação de elites por associação do

Populações ribeirinhas, habitantes de várzeas, quilombolas e indígenas não são consideradas pelo planejamento urbano atual

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poder econômico com o poder político contribuem para o controle da informação e aceitação acrítica pela população dos arranjos políticos e institucionais que viabilizam a manutenção do status quo.

Neste contexto, processos como a grilagem de terras e o uso da violência para garantir seu domínio – ou práticas que contaminam ou desestruturam um ecossistema e inviabilizam a permanência de população nativa no lugar, expropriando-a e obrigando-a a migrar para centros urbanos – atualmente articulam as agendas rural e urbana, demonstrando fortes relações de interdependência entre problemas rurais e urbanos, que dependem de ações e políticas públicas comuns – como, por exemplo: regularização fundiária; cadastro imobiliário rural e urbano; planejamento de proteção de recursos naturais, em especial da água; política de provisão de infraestrutura, em particular de habitação de saneamento; política de investimento em logística (estradas, portos, fontes de energia, aeroportos, etc), face à necessidade de consolidação da rede urbana regional e de hierarquização de núcleos urbanos.

O sistema político brasileiro presidencialista de coalizão coloca o gestor do executivo dependente da negociação de base de apoio no legislativo e nos partidos políticos, com forte impacto sobre os primeiros escalões da administração do executivo, cujos cargos podem eventualmente ser negociados com partidos da base de apoio, dificultando sobremaneira ações de coordenação de políticas entre secretarias de um mesmo ministério e entre ministérios. Ora, na Amazônia a integração de políticas é

estratégica para a rápida superação das defasagens institucionais observadas e para a aceleração de processos sociais em direção à incorporação do controle social, através de práticas em que a população saiba por quem e de que forma é representada, em conselhos e entidades afins, e que o representante ou conselheiro seja efetivamente pautado pelo grupo que representa, a exemplo do que ocorre na cultura indígena.

POLITICAGEM, AO INvÉS DE POLíTICA No Brasil, a criação do Ministério das Cidades e a aprovação do Estatuto da Cidade significam um avanço no sentido do cumprimento de todos os compromissos assumidos internacionalmente no que se refere aos assentamentos humanos. No entanto, é indiscutível que o Ministério tenha sido alvo de negociação entre partidos no seu primeiro e segundo escalões. Em função disso, surgiram descompassos na intensidade de atuação das quatro secretarias (Habitação, Saneamento, Mobilidade Urbana, Projetos Urbanos), inviabilizando a associação dos aspectos de provisão com os de planejamento.

As campanhas pela elaboração dos Planos Diretores Participativos e pela democratização do acesso à terra urbana, pela regularização fundiária de terras urbanas e desenvolvimento institucional, capitaneadas pela Secretaria de Projetos Urbanos, foram progressivamente suplantadas pela formulação dos sistemas de habitação de interesse social e de saneamento, que por sua vez foram absorvidos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Todas são iniciativas necessárias para a melhoria das condições de

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vida nas cidades brasileiras, mas elas entram em cena desarticuladas entre si.

A substituição das equipes abre espaço para as mudanças de foco, relacionadas aos ajustes decorrentes da definição de prioridades políticas. A visibilidade de ações concretas e a possibilidade de mudança de indicadores em curto espaço de tempo, associadas à disponibilidade de recursos geradas pela morosidade com que o Congresso Nacional aprovou o orçamento do governo federal, fortaleceram o PAC como uma alternativa política interessante, que também demandou integração entre diversos setores da administração pública federal (ministérios da Fazenda, Cidades, Meio Ambiente, Casa Civil, Caixa Federal), mudando cada vez mais o foco em relação à agenda pela Reforma Urbana implantada na primeira gestão do presidente Lula. A crise econômica de 2008 remodelou ainda mais a configuração original da política voltada para as áreas urbanas, com a adaptação das estratégias em estudo para o Plano Nacional de Habitação para a formulação e lançamento do programa “Minha Casa Minha Vida”, considerado um carro chefe das estratégicas oficiais de dinamização da economia.

Em que pesem os acertos das iniciativas mencionadas, é inquestionável que o ritmo do tempo político não permite que sejam contempladas as diferenças entre as regiões do País. E naquelas regiões onde o processo de planejamento e gestão estão mais “atrasados” os recursos chegam antes que haja diagnóstico, reflexão, pactuação e formulação de projetos, ou de estratégias de execução e monitoramento de impactos

“É inquestionável que o ritmo do tempo político não permite que sejam contempladas as diferenças entre as regiões do País.”

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positivos e negativos para as ações a serem executadas. Nesta “ciranda”, perdemos todos pela nossa incapacidade de apreender a realidade inteira como ela é. Por não termos acúmulo de discussões sobre quais seriam nossas prioridades, ou sobre que ordem de ações teria maior efeito sobre o sistema como um todo.

INTEGRAR AçÕES É ESTRATÉGICO Ainda estamos engatinhando no que se refere ao planejamento e à formulação de políticas públicas associadas à qualidade de vida e distribuição das pessoas no território, pois a prática de planejamento municipal ainda está muito restrita ao planejamento orçamentário, e as políticas públicas avançam nos municípios na medida em

que há mecanismos de cobrança impostos pelos governos federal e estadual para tanto. Em função disso, a articulação nacional pela integração e coordenação de ações é estratégica para os municípios da Amazônia e de quaisquer outras regiões periféricas. Iniciativas independentes têm se estabelecido pelo governo federal, mas com grandes dificuldades de promover a integração necessária entre ministérios, e destes com os estados e municípios. Vide ação programada para a regularização fundiária apoiada pela Lei federal no. 11.952/2009, que dispõe sobre regularização fundiária e permitirá a cessão pelo governo federal para o domínio dos municípios de suas áreas urbanas. No entanto, esse passo ainda não está devidamente articulado com uma política de

A complexa e rica diversidade urbana brasileira não consegue ser considerada pelos poderes públicos

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desenvolvimento urbano para esses municípios que contenha processos especulativos e de expansão urbana vinculados à destruição ambiental ou maior custo de provisão de infraestrutura, por discrepância com critérios técnicos mínimos de urbanização.

Cabe mais uma vez à sociedade a missão de se organizar para apresentar suas prioridades e reivindicar que os estudos federais que consideram o planejamento do território seja esmiuçado e alcance os pequenos municípios, de modo que seja estruturada uma hierarquia de cidades que permita a racionalização de investimentos de modo compatível às necessidades da região, e não somente a partir dos critérios estabelecidos para o País.

É desejável que tenhamos sim acesso a investimentos em habitação e saneamento; que tenhamos, enfim, redução nos déficits habitacionais de estados e municípios amazônicos. Mas que isso não signifique esquecer a dimensão intangível do planejamento baseado em diagnóstico sério dos problemas e potencialidades locais, na pactuação entre atores para viabilizar o avanço no combate a problemas sociais e ambientais em perspectiva de longo prazo. No entanto, sem a pressão da sociedade, a desarticulação e o amadorismo prevalecerão em função do tempo político, que certamente é muito menor do que o tempo que nossas gerações gostariam de poder vislumbrar para si e para nossos descendentes.

É fundamental que o planejamento urbano objetive a promoção de um desenvolvimento justo em todo o território nacional

Periurbanos é uma publicação da Fase Amazônia.

Os artigos assinados têm a intenção de contribuir para o debate sobre o Planejamento Urbano,

especialmente na Amazônia e no Nordeste. Eles não representam, necessariamente, a posição

da Fase.

Revisão: Guilherme CarvalhoProjeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende

Edição: Patrícia BonilhaFotos: Fase Amazônia

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