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Agosto de 2016 . ANO XVI Nº 150 Em Pesqueira, Xukurus do Ororubá fazem ritual sagrado e refletem sobre luta do povo pela terra e manutenção das tradições. Pernambuco indígena Pernambuco indígena Estado possui a quarta maior população autodeclarada de índios do País. Apesar das conquistas garantidas pela Constituição de 1988, segmento permanece mobilizado em busca de reconhecimento e efetivação de direitos. Págs. 4 e 5 FOTO: RINALDO MARQUES

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Agosto de 2016 . ANO XVI – Nº 150

Em Pesqueira,

Xukurus do Ororubá

fazem ritual sagrado e

refletem sobre luta do

povo pela terra

e manutenção

das tradições.

Pernambuco indígenaPernambuco indígenaEstado possui a quarta maior

população autodeclarada de

índios do País. Apesar das

conquistas garantidas pela

Constituição de 1988,

segmento permanece

mobilizado em busca de

reconhecimento e efetivação

de direitos. Págs. 4 e 5

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EXPEDIENTE: MESA DIRETORA: Presidente, Deputado Guilherme Uchoa; 1º Vice-Presidente, Deputado Augusto César; 2º Vice-Presidente, Deputado Pastor Cleiton Collins; 1º Secretário, Deputado Diogo Moraes; 2º Secretário, Deputado Vinícius

Labanca; 3º Secretário, Deputado Romário Dias; 4º Secretário, Deputado Eriberto Medeiros. Superintendente de Comunicação Social: Margot Dourado. Chefe do Departamento de Imprensa: Helena Alencar. Editoras: Cláudia Lucena e Gabriela

Bezerra. Revisão: Cláudia Lucena, Gabriela Bezerra e Margot Dourado. Repórteres: André Zahar, Edson Alves Júnior, Gabriela Bezerra, Isabelle Costa Lima, Ivanna de Castro, Luciano Galvão Filho e Malu Coutinho (estagiária). Gerente de

Fotografia: Roberto Soares. Edição de Fotografia: Breno Laprovitera. Fotógrafos: Henrique Genecy (estagiário), Jarbas Araújo, João Bita e Rinaldo Marques. Tratamento de Imagem: Giovanni Costa. Design: Brenda Barros e Danilo Freire.

Diagramação e Editoração Eletrônica: Anderson Galvão. Motorista: Ricardo Vicente. Endereço: Palácio Joaquim Nabuco, Rua da Aurora, nº 631 – Recife-PE. Fone: 3183-2368. PABX: 3183.2211. E-mail: [email protected]

O Jornal Tribuna Parlamentar é uma publicação de responsabilidade da Superintendência de Comunicação Social da Assembleia Legislativa - Departamento de Imprensa.

02 Agosto de 2016

“A situação da saúde

no Brasil é caótica,

por isso vim

reivindicar e dar voz,

principalmente, aos

idosos. Estou aqui

fazendo meu papel

de cidadã, com o

desejo de

conscientizar os

políticos sobre a

verdadeira situação

em que os hospitais

se encontram, para

que isso possa

mudar.”

Edileide Barbosa Professora, durante audiência pública daComissão de Cidadania que apurou denúncias defraude na marcação deconsultas e outrosprocedimentos noshospitais públicosde Pernambuco,

em 12 de julho.

“Superlotação, filas

gigantes, falta de

medicamentos, tudo

isso faz parte da

rotina dos hospitais

públicos do Estado.

A situação é

absurda. Sou

frequentadora de

hospitais, pois já tive

hanseníase e meu

marido, câncer. Por

muitas vezes, dormi

na fila para

conseguir uma ficha

de atendimento.”

Neide MeloCostureira, emaudiência pública daComissão de Cidadaniaque apurou denúnciasde fraude na marcaçãode consultas e outrosprocedimentos noshospitais públicos de Pernambuco, em 12 de julho.

“Vim à Alepe, a

convite do

deputado Zé

Maurício, para falar

sobre minha

trajetória na

natação e mostrar a

tocha olímpica.

Infelizmente, não

foi possível

competir nos jogos

do Rio de Janeiro,

mas espero

participar das

Olimpíadas de

2020.”

Carolline GomesNadadora do Sport Clubdo Recife e participantedo revezamento da tochaolímpica. Entre outrostítulos, é campeãbrasileira de pentatlo evice-campeã brasileirauniversitária. No Plenário da Assembleia,em 1º de agosto.

Cooperação técnicaA Assembleia Legislativa de Pernambuco e o

Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE) assinaramconvênio de cooperação técnica para revisão de atosnormativos, como os relacionados ao processoeleitoral deste ano. A parceria foi firmada no dia 8de julho, na sede do Tribunal, e contará comatuação da Consultoria Legislativa da Alepe, quepromoveu um curso de Técnica Legislativa paracapacitação dos servidores do TRE. “A Assembleiatem uma estrutura muito boa, por isso firmamos oconvênio”, destacou o presidente do Tribunal,desembargador Antônio Carlos Alves da Silva. Naavaliação do presidente da Alepe, deputado

Guilherme Uchoa (PDT), “a troca de experiênciasentre a Assembleia e o TRE vai engrandecer as duasinstituições”.

Comunicação legislativaO diálogo sobre o papel da comunicação pública e

institucional foi retomado na segunda edição doSeminário Comunicação Legislativa e Cidadania.Realizado pela Superintendência de Comunicação daAlepe, o evento reuniu palestrantes de diversas áreaspara debater temas como o impacto da crise políticana comunicação legislativa, as tendências dojornalismo digital e os direitos humanos. O encontroocorreu nos dias 28 e 29 de julho, no auditório daProcuradoria Geral do Estado, com o apoio da MesaDiretora da Alepe e do Sindicato dos Servidores doPoder Legislativo (Sindilegis-PE).

O retorno das atividades legislativas na Alepe foimarcado pelo compromisso de manter o ritmo detrabalho durante o período eleitoral deste ano. “Mesmocom a participação dos parlamentares na campanha, osdebates e votações de projetos nas Reuniões Plenáriasseguirão a pleno vapor, assim como a atuação doscolegiados permanentes e temporários”, assegurou opresidente Guilherme Uchoa (PDT), em discurso no dia1º de agosto. Ele também destacou, entre as ações parao semestre, a votação do Orçamento do Estado e ainauguração do Edifício Miguel Arraes, ondefuncionará o novo Plenário da Casa Joaquim Nabuco.

Atividade parlamentar

Documentário

Xicão Xukuru

A Constituição Federal de 1988reconheceu o direito origináriodos índios às suas terras eassegurou o respeito à suaorganização social, costumes,línguas, crenças e tradições. ACarta também fixou em cinco anos o prazo para que todas as terrasindígenas no Brasil fossem demarcadas, o que não se concretizou. Atéhoje as demarcações ainda envolvem situações de tensão e conflitos.No mesmo ano da promulgação da Constituição, Francisco de AssisAraújo, o cacique Xicão, assumiu a liderança do povo Xukuru, emPesqueira, Agreste pernambucano. Líder do processo de retomada dasterras ocupadas por não índios, ele sofreu ameaças e foi assassinadoem 20 de maio de 1998. Três anos depois, foi publicado o decreto dehomologação do território indígena. A trajetória e os últimos dias deXicão são retratados em um documentário feito pela TV Viva, doCentro de Cultura Luiz Freire, dirigido por Nilton Pereira.

https://www.youtube.com/watch?v=jqV4RqjG9V0

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03Agosto de 2016

DIREITOS HUMANOS

Pensar sobre trabalho escravono Brasil não nos remete,necessariamente, a um pas-

sado distante. Apesar de a assina-tura da Lei Áurea ter ocorrido hámais de 120 anos e de muitos avan-ços na legislação trabalhista teremse tornado reais desde então, aindase encontra essa prática degradanteno País. Para afirmar isso, bastacompreender que o conceito con-temporâneo de escravidão inclui,além da existência de senzalas ouchibatas, a submissão de traba-lhadores a situações que ferem suacondição de ser humano.

“A escravidão moderna ocorrequando uma pessoa controla aoutra com a intenção de explorá-la. Nesse processo, é retirada dotrabalhador a sua condição de su-jeito de direito e ele passa a sertratado como um bem particular”,define Plácido Júnior, agente daComissão Pastoral da Terra em Per-nambuco (CPT-PE), entidade queatua em defesa dos trabalhadores.

Dados do Ministério do Traba-lho e Previdência Social (MTPS) re-velam que, no Brasil, 49.816 pes-soas foram libertadas de condiçõesanálogas à escravidão entre 1995 –ano em que o Governo Federal re-conheceu a questão – e 2015. Essaspessoas foram resgatadas peloPoder Público por serem submeti-das a pelo menos uma das quatrosituações estabelecidas pelo Código

Penal brasileiro para caracterizar aescravidão: trabalhos forçados,jornada exaustiva, servidão pordívida ou condições degradantes.

A procuradora do MinistérioPúblico do Trabalho em Pernam-buco (MPT-PE) Débora Tito rela-ciona esse processo à dinâmicaimposta pelo sistema capitalista.“O que sustenta a escravidão con-temporânea é a ganância e a indi-ferença. O empregador passa a nãose preocupar com as condições emque a outra pessoa está traba-lhando. O que ele quer é diminuiros custos para aumentar seu lu-cro”, acredita.

A pesquisa Perfil dos PrincipaisAtores Envolvidos no Trabalho EscravoRural no Brasil, divulgada em 2011pela Organização Internacional doTrabalho (OIT), descreve aquelesque fazem uso desse tipo de mãode obra no País. O levantamento –de caráter qualitativo – aponta queos exploradores são, em geral,brancos, donos de médias ou gran-des propriedades e têm escolaridadeelevada. Na outra ponta, dados doMTPS mostram que os indivíduosescravizados se encontram emcondições de extrema vulnerabili-dade social.

“Muitas vezes, resgatamos pes-soas tão fragilizadas, que não têmconsciência da sua condição deescravo. Esses indivíduos acreditamque não há outra forma de traba-lhar, senão aquela degradante, poisjá nasceram em uma realidade deexploração, e a vulnerabilidade foisendo transmitida de geração para

geração”, relata o auditor fiscal dotrabalho em Pernambuco EdilbertoMedeiros. PROCESSO CONSTRUÍDO

Doutora em História Social, aprofessora Beatriz Brusantin ex-plica que esse processo é resultadodo descaso histórico do Estado coma parcela mais carente da socie-dade. “Depois da abolição, os an-tigos donos de escravos puderamcontinuar explorando os traba-lhadores. As condições sociais eramtão precárias que, certamente,criou-se uma fila de libertos pre-cisando de abrigo, serviço e umprato de comida. Essa realidadedesigual, ainda existente, serve co-mo base para a continuidade dosistema escravista”, elucida.

Segundo a pesquisadora, cujosestudos focam a escravidão na Zonada Mata pernambucana, “a estru-tura fundiária vigente no Brasil eem Pernambuco – latifundiária ede monocultura – agrava a desi-gualdade social e, portanto, a pre-carização do trabalho”. Não à toa,o meio rural reúne o maior númerode casos de escravidão contempo-rânea, sendo a atividade canavieira– uma das mais relevantes para aeconomia do Estado – responsávelpor um quarto dos casos registra-dos no País (ver gráfico).

Para o representante da Comis-são Pastoral da Terra, o enfrenta-mento ao trabalho escravo mo-derno passa por ações sociais arti-culadas do Poder Público. “Nãobasta libertar as pessoas. É precisoextirpar raízes mais profundas:

miséria, ganância, impunidade econcentração da terra”, acreditaPlácido.

Presidente da Comissão de Agri-cultura da Assembleia, o deputadoMiguel Coelho (PSB) reconhece anecessidade de o Estado se debru-çar sobre o tema. “Precisamos dis-cutir a questão nas diferentes Co-missões da Casa para pensarmosem políticas sociais de combate e,principalmente, de prevenção aotrabalho escravo em Pernambuco eno País. Se as pessoas se submetema essas atividades em pleno século21, é porque falta a presença do Po-der Público na vida delas”, concluiu.OBSTÁCULOS

Marcel Gomes, secretário-exe-cutivo da ONG Repórter Brasil –entidade que atua no combate ao

trabalho escravo –, indica doispontos que atualmente se apresen-tam como “ameaças de retrocesso”na política de enfrentamento à es-cravidão contemporânea: a deses-truturação das equipes de fisca-lização e a tramitação de propostasde alteração das leis que tratam doproblema.

“A fiscalização está andando apassos muito lentos. Não há con-cursos para novos auditores do tra-balho, e o dinheiro de custeio dasequipes diminuiu.” Sobre o segun-do ponto, Gomes explica que estáem curso uma tentativa articuladade setores mais conservadores doCongresso Nacional para reduzir aatual definição de escravidão . “Ale-gam que o termo ‘condições degra-dantes’ é abstrato. O pedido não sejustifica, pois o processo adminis-trativo avalia situações que nãodeixam margem para dúvidas.”

A procuradora Débora Titoaponta um outro desafio: fazer comque a punição atinja todos os quese beneficiam da prática. “É ne-cessário atuar em toda a cadeiaprodutiva. Se as grandes marcas eindústrias que lucram com a ex-ploração também sofrerem pe-nalidades, elas vão parar de com-prar de produtores que utilizammão de obra escrava”, assegura.Para ela, seria preciso avançar naresponsabilização criminal dos em-pregadores, “ainda muito tímida elenta no País”.

Ivanna de Castro

Trabalho escravo não é coisa do passadoNas últimas duas décadas, quase 50 mil pessoas foram libertadas deserviços que ferem a dignidade humana no Brasil

Atividade canavieira é responsável por um quarto dos casos registrados no País

FERNANDO FERREIRA/ARQUIVO ALEPE

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04 Agosto de 2016

POVOS INDÍGENAS

Dia 2 de julho, 7h30. Após umacaminhada de cerca de 19quilômetros iniciada cinco

horas antes, partindo de Canabrava,em Pesqueira (Agreste), e percor-rendo outras sete aldeias, cerca de200 índios do povo Xukuru do Oro-rubá sobem a ladeira da Igreja deNossa Senhora das Montanhas, naAldeia da Vila de Cimbres, tambémno município. Alguns chegam pa-ramentados com adereços feitos depalha de coco catolé - barretinas nacabeça e saias - e colares de se-mentes. Empunham varas de cana-de-açúcar e instrumentos comomaracás e jupagos1. O som nopovoado, fundado no século 17,mistura os sinos da paróquia, asnotas sopradas no memby2 e aspalavras de ordem entoadas pelobacurau3 em homenagem à MãeTamain, associada a Nossa Senhoradas Montanhas e consideradaprotetora do povo Xukuru.

A celebração – que acontece umavez por ano e se estende ao longodo dia com missa, procissão e otoré4– mistura espiritualidade e cul-tura, mas possui também contornospolíticos. “Nessa caminhada, faze-mos um reencontro com nossos an-cestrais, que chamamos de encan-tados, e uma reflexão sobre a his-tória de vida e a luta do povo Xukurupela reconquista da terra, pordireitos e pela preservação do espaçosagrado”, explica o cacique MarcosXukuru, 37 anos. “Através dos rituaissagrados, conseguimos manter vivosnossos costumes, crenças e tradi-ções”, defende.

Hoje, os Xukurus se encontramnuma área de 27.555 hectares,homologada em 2001, abrangendoparte das cidades de Pesqueira ePoção, também no Agreste. Até oreconhecimento desse territórioindígena, porém, a disputa pelaposse da terra motivou conflitoscom fazendeiros e políticos locais.Os embates resultaram na morte,em 1995, do procurador Geraldo

Rolim, defensor da regularização,e, em maio de 1998, do caciqueFrancisco de Assis Araújo, o Xicão,pai de Marcos. Em uma outraemboscada em 2003, Marcos ficouferido e dois índios morreram.

De acordo com a SecretariaEspecial de Saúde Indígena (Sesai)do Ministério da Saúde, em 2013, apopulação de índios em Pernambucoera de 48.683 pessoas. Com baseem outra metodologia, o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) contabilizou 53.284 no Censo2010. Embora dez terras indígenasestejam com o processo de demar-cação concluído no Estado (ver grá-fico), episódios recentes de violênciademonstram que a tensão não estácompletamente superada.

Em 1º de abril deste ano, umincêndio destruiu uma casa sagradado povo Pankará, na Serra doArapuá, em Carnaubeira da Penha

(Sertão de Itaparica). Segundo li-deranças, o ataque, que resultou nadestruição de instrumentos, vestes,peças tradicionais e objetos de culto,teria sido provocado por ocupantesnão indígenas do território, queainda não foi demarcado. Maria dasDores dos Santos, a cacique DorinhaPankará, 52 anos, relata que em ou-tras ocasiões, para impedir os cultos,agressores colocaram som alto eatiraram pedras. “Sofremos muitasperseguições na prática dos nossosrituais. Há pessoas que querem nosintimidar, destruir nossa história enos impedir de dar continuidade ànossa luta por território”, diz Dori-nha, que é vereadora em Carnau-beira da Penha.

Também em abril, no dia 16,Ailson dos Santos, o Yssô Truká, 56anos, sofreu um ataque em Caruaru(Agreste), quando se preparava paravoltar para a aldeia localizada no

município de Orocó (Sertão do SãoFrancisco). Ele recebeu disparosfeitos pelo carona de uma moto-cicleta, sendo atingido por quatrotiros. Embora evite apontar umamotivação para o crime, cita “sériosproblemas por conta da indefiniçãosobre as terras indígenas”. Em Ca-brobó (Sertão do São Francisco),uma área de aproximadamente 1,6mil hectares está regularizada, en-quanto outra de 5.769 ainda estápendente de homologação. Em Oro-có, a aquisição de um imóvel paracriação de uma reserva indígenaTruká está sem acordo e é alvo deação judicial. A terra está inserida naregião conhecida como “Polígonoda Maconha”, e os índios denunciama utilização do local para o plantioda droga, o que agrava os conflitos.

“Estou com medo, impedido detransitar normalmente e, até agora,não houve suporte de segurança do

Estado para mim e outras pessoasdo povo Truká que passaram poresse processo doloroso de tentativade execução. Tenho minha família,a luta do meu povo, preciso me sen-tir seguro para desenvolver minhasações. Espero que os responsáveissejam punidos, para que outroscasos não aconteçam”, diz Yssô,que perdeu um irmão e um sobrinhoexecutados dentro da aldeia,segundo ele, por quatro policiaismilitares vinculados a posseiros.“As ameaças nos rondam de formaconstante”, acrescenta.

De acordo com a secretária-exe-cutiva de Direitos Humanos de Per-nambuco, Laura Gomes, o Progra-ma de Proteção aos Defensores dosDireitos Humanos do Estadoacompanha quatro líderes indígenas,representantes dos povos Xukuru,Truká, Pankará de Itacuruba e Pan-kararu Entre Serras. Eles estariamem estado de risco ou vulnerabili-dade. “O programa articula medidasde proteção e promove a atuação dodefensor dos direitos humanos e desuas pautas de militância, objeti-vando a permanência da pessoa pro-tegida no seu local de atividade.”

A reportagem do Tribuna Par-lamentar buscou a assessoria deimprensa da Polícia Federal paratratar das investigações sobre con-flitos em áreas indígenas, mas a de-manda não foi atendida até o fe-chamento desta edição. O Ministé-rio Público Federal aponta que, entreoutros procedimentos, apura o casode um homicídio na comunidadeindígena Atikum – supostamentepraticado por policiais militares –,agressões e ameaças contra índiosda Aldeia Pankararu e tambémnotícias de violência contra o povoKapinawá. REDUÇÃO DE CONFLITOS

Ivson José Ferreira, antropólogoda Administração Regional daFundação Nacional do Índio (Funai)no Recife, aponta que os conflitos emPernambuco diminuíram em com-paração com a década de 1990. En-tretanto, segundo ele, há uma ten-são permanente por causa dapresença de não índios nessas terras

Índios em Pernambuco obtêm reconhecimento legal, mas ainda enfrentam conflitos

Longa caminhada por dirAndré Zahar

Uma vez por ano, Xukurus do Ororubá caminham por aldeias de Pesqueira em direção à igreja da Vila de Cimbres

Glossário1. Instrumentos utilizados no toré, cujas batidas no chão marcam o ritmo dos passos e dos toantes. 2. Flauta usada pelos Xukurus. 3. Índio que vai à frente no toré tocando maracás e puxando os cantos. 4. Cultos religiosos quesincretizam elementos africanos, indígenas, espíritas e católicos.

RINALDO MARQUES

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05Agosto de 2016

e da pressão de empreendimentoseconômicos. “O mais importante éconcretizar a demarcação onde estápendente, com a desintrusão, paraque os índios possam ter plenodomínio do território”, diz o indi-genista. Ele critica, ainda, o esva-ziamento da Funai, que estaria comquadros insuficientes e teve atri-buições distribuídas por outrosórgãos, além da inexistência, emPernambuco, de um setor queacompanhe a mediação de conflitosentre índios e posseiros.EDUCAÇÃO

Assessor do Conselho IndigenistaMissionário (Cimi), o professor daUniversidade Federal de Pernambuco(UFPE) Saulo Ferreira Feitosa afirmaque a demora nos processos dedemarcação gera instabilidade ecolabora para os casos de violência.“A situação não é tão deflagrada co-mo em décadas passadas, mas seguedifícil, pela sensação de impunidadee pela criminalização das liderançasindígenas.”

Em termos de políticas públicas,Feitosa cita ainda problemas na áreade Educação Indígena. “A luta domovimento resultou na constituiçãode escolas por professores indígenas,mas não houve avanço na perspec-tiva de reconhecimento e regula-mentação da profissão desse tipo deprofessor, com concurso diferen-ciado. O trabalho é prestado por meiode contratos temporários renovadosa cada ano, gerando insegurança”,avalia.

A Secretaria Estadual de Edu-cação informa que Pernambuco tem142 escolas estaduais indígenas, com1.498 professores indígenas e 13.262alunos. Todos os funcionários, entremerendeiras, motoristas e outrosprofissionais, são das diversas etniasou terceirizados.

O deputado Waldemar Borges(PSB), líder do Governo na Assem-bleia Legislativa de Pernambuco,afirma que essas populações rece-bem, além de educação específica,assistência social com atenção parapleitos referentes a suas questões. “OGoverno direciona os indígenas aosserviços oferecidos pelo Estado, emparceria com todas as secretariasque têm trabalho destinado a essepúblico”, diz.

Lançado pelo IBGE no fim dejunho, um Caderno Temático combase no Censo de 2010 aponta que896,9 mil indígenas residiam noPaís. Desses, 517,4 mil (57,8%)viviam em terras oficialmente re-conhecidas. O estudo tambémidentificou 305 etnias e 274 línguas.O Nordeste tem uma população de232.739 índios, atrás apenas daRegião Norte (342.836). Entre osEstados brasileiros, Pernambucopossui o quarto maior número depessoas autodeclaradas indígenas.E, com 9.335 índios, o município dePesqueira tem a sétima maiorpopulação indígena do Brasil, emtermos absolutos.

Nacionalmente, esse númerocresceu 205% desde 1991, quandofoi feito o primeiro levantamento nomodelo atual. À época, os índiossomavam 294 mil. De acordo como antropólogo Alexandre Gomes,professor da licenciatura Intercul-tural Indígena da UFPE, o aumentopopulacional e de pessoas que pas-saram a se identificar como índiostem como marco a Constituição de1988, que estabeleceu o direito aoterritório originário e à organizaçãosocial própria.

“Grupos antes invisibilizados,que ocultavam a identidade comoestratégia de sobrevivência, passa-ram a se organizar para obter re-conhecimento. E, a partir do mo-mento em que conseguiram acessardireitos, suas condições de vidamelhoraram e as populações au-mentaram”, explica.

Nesse processo, os indígenastambém passaram a se articularpoliticamente. Apesar dessas mu-danças, a situação nas terras nãoestá completamente equalizada. Orelatório Violência contra os PovosIndígenas no Brasil, do ConselhoIndigenista Missionário (Cimi),registrou 138 homicídios nas áreas

indígenas em 2014, contra 97 noano anterior. Desses, quase umterço foram notificados no MatoGrosso do Sul (41), Estado que tam-

bém lidera o número de suicídiosde índios (48). Em Pernambuco,foram nove assassinatos. Entre ascausas citadas pelo Cimi para as

mortes, estão conflitos internos esituações decorrentes de confina-mento territorial e disputas fun-diárias.

Em maio, durante reunião doFórum Indígena da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU), em NovaYork, a relatora especial VictoriaTauli-Corpuz assinalou que “osriscos enfrentados pelos povosindígenas no Brasil estão maispresentes do que nunca”. Ela citoua paralisação das demarcações, oimpacto de grandes obras, homi-cídios, ameaças e intimidações. Odocumento resultante do encontrorecomendou ao Brasil o reconhe-cimento e respeito aos direitoshumanos dos índios e pediu aoGoverno interino a preservação dasatribuições da Funai.LEGISLATIVO

As controvérsias também re-percutem no Legislativo. Entre osprojetos em tramitação no Con-gresso Nacional que geram po-lêmica, estão a Proposta de Emendaà Constituição nº 215/2000, quetransfere do Executivo para o Con-gresso a competência para de-marcar as terras indígenas; e oProjeto de Lei nº 1.610/1996, quepretende regulamentar a mineraçãonessas áreas.

Os propositores da PEC 215alegam que o processo de de-marcação é "notadamente ar-bitrário" e concentrado na Funai.Autor do PL nº 1.610, o senadorRomero Jucá (PMDB-RR) cita quea atividade é permitida pelaConstituição e pelo Estatuto doÍndio. O antropólogo da FunaiIvson Ferreira considera que, naprática, as demarcações serãoparalisadas. Do grupo Pankararu,Elisa Urbano, 44 anos, avalia que“estão matando os índios a tiroe também no papel, nas leis quecriam e aprovam”.

e preconceitos

reitos Contexto nacional é de tensão

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Fabianna, Maria Clara e Heymilly.Mulheres que transformarama atuação na área de direitos

humanos em luta pela sobrevivência.Assim como tantas outras, sentem napele as dificuldades de quem quer sefirmar no mercado de trabalho. Astrês conhecem, como poucas, os obs-táculos para se chegar à tão sonhadavaga de emprego. Ironicamente, osimples fato de serem como são im-põe-se como a principal barreira paraa conquista de espaços. Por quê? Elassão transexuais. Uma parcela quesequer compõe as estatísticas deinstitutos responsáveis por aferir osíndices de empregabilidade. Apesarde não se esconderem, são invisíveisaos indicadores.

“Antes de qualquer coisa, a nossaluta é pela existência”, inicia FabiannaMello. Ela é a primeira transexual atrabalhar na Assembleia Legislativade Pernambuco. Desde junho, a es-tudante de Psicologia de 37 anos cir-cula pelos corredores da Alepe com amissão de atuar naquilo que conhecebem: o combate à negação de direitos.Contratada pelo deputado Edilson Silva(PSOL), atua na Comissão de Cida-dania, presidida pelo parlamentar.

Dona de argumentos fortes, quese misturam a gestos delicados e ele-gantes, Fabianna ilustra as dificulda-des das mulheres transexuais por meioda própria história. Desde o início datransição de gênero, com terapiahormonal, sofreu uma série de perdas.Foi nesse momento, aos 19 anos, quedecidiu falar aos pais sobre a tran-sexualidade. “Eles não aceitaram.”

Dali em diante, sofreu com a opres-são em casa, teve de deixar a facul-dade, conseguiu emprego como pro-fessora de Inglês, mas foi demitidapor causa das mudanças no corpo.Decidiu ir para São Paulo. Longe da fa-mília, o sustento veio pela prostitui-ção. “Para uma mulher trans, essanão é uma alternativa, na maioria dasvezes, é a única opção. Quem colocavocê em trabalhos marginalizados éa sociedade, que, a todo momento,fecha as portas”, sentencia.

A trajetória de Maria Clara de Sena,37, não foi muito diferente. Expulsade casa pela mãe aos 19 anos, ela relatao caminho até chegar a se prostituirna Paraíba. Durante anos, sofreu com

a hostilidade da família. Desde os 6anos, recorda, começou a ser agredidapelo pai por ter comportamentosfemininos. Depois da morte dele, amãe assumiu a função de puni-la. “Anossa negação começa na família. Semsuporte, caímos na marginalidade.”

De volta ao Recife, em 2009, co-nheceu o Grupo de Trabalhos em Pre-venção Posithivo (GTP+), organizaçãoque acolhe pessoas com HIV, Aids eprofissionais do sexo. “Fui atraída,principalmente, pelos R$ 30 que medavam por mês. Eu era dependentequímica, não tinha emprego, não eraaceita em casa, minha autoestima es-tava baixa. Mas, pouco tempo depois,já estava atuando no GTP+”, lembra.

Idealizadora do Projeto Fortalecerpara Superar Preconceitos, cujo foco éa proteção a transexuais e travestis nosistema prisional, Maria Clara ressaltaa importância de dar suporte a essepúblico. “Nunca fui presa, mas diver-sas amigas foram. O meu papel é em-poderar essas mulheres”, salienta ela,que hoje também trabalha como peritado Mecanismo de Prevenção e Combateà Tortura, órgão vinculado à SecretariaEstadual de Justiça e Direitos Humanos.A iniciativa obedece a protocolo daOrganização das Nações Unidas. Ela éa primeira travesti (como se define) aocupar essa função no mundo.

Vice-presidente da Nova Associa-ção de Travestis e Transexuais de Per-nambuco (Natrape), Heymilly May-nard, 22, reforça o discurso. “Escutomuitas meninas dizerem: ‘eu querotrabalhar, mas ninguém me aceita’”,denuncia, ressaltando que o PoderPúblico deveria sensibilizar os em-pregadores a contratar transexuais.“Não vou dizer que não existam ini-ciativas, mas elas conseguem resul-tados mais eficazes para lésbicas, gayse bissexuais. O ‘T’ é a parcela que maissofre. Dificilmente, uma empresa quer

vincular sua imagem à de uma tran-sexual.”

É da própria casa que Heymilly fa-la da vida e da militância em defesadas transexuais e travestis (a Natrapenão tem sede própria). Aos 4 anos,foi repreendida pela mãe por “fazerxixi sentada”. “Ouvi ela dizer umavez que preferiria ter um filho mar-ginal a um que ‘se vestisse de mulher’.Meu pai até hoje não fala comigo”,recorda, com voz embargada.

Poucas pessoas da família ainda aveem. “Uma vez por mês, mainhavem me visitar, escondida do meupai. Tento ser forte para não chorar.Penso que não sou a única a passar porisso.” Formada em Turismo, mas de-sempregada desde outubro passado,também se prostituiu. “Mesmo assim,não desisto de militar. Me inspironaquelas que, antes de mim, lutaramcontra o preconceito e conquistaramoportunidades.”

Ao todo, entidades do movimentoLGBT calculam que, no Brasil, cercade 90% das travestis e transexuaissão levadas à prostituição. Não existemnúmeros oficiais. O DepartamentoIntersindical de Estatística e EstudosSocioeconômicos (Dieese) realizamensalmente a Pesquisa de Emprego

e Desemprego (PED) na Região Me-tropolitana do Recife, mas a meto-dologia não faz recorte que alcanceesse segmento.PRECONCEITO MULTIPLICADO

Quem circula pelo entorno da Ale-pe costuma ver Bianca Close, 39, to-mando conta de carros. Moradora derua, é como flanelinha que ela e ocompanheiro se mantêm. O seu sonhoé conseguir um emprego. Entretanto,sofre com uma dificuldade aindamaior. Além de ser transexual, é dis-criminada por ser ex-presidiária.

O contato com a criminalidade,conta, deu-se quando entrou para aprostituição. “Aos 10 anos, comecei aganhar um trocado com vigias e vizi-nhos da rua. Profissionalmente, sóaconteceu aos 19”, relembra. O períodomais complicado foi quando traba-lhava na Avenida Mário Melo, tam-bém no Recife. “Fui espancada e ape-drejada. Conheci de tudo.” Mesmotendo cumprido a pena na prisão,Bianca ainda sofre punições. “Já deixeicurrículo em vários lugares e não con-sigo emprego. Se antes já era difícil,agora está pior.”

A perita Maria Clara constata essarealidade. “Vivemos em um sistemaque nos oprime. A família, que deveria

nos proteger, nos expulsa. Nas ruas,a polícia, que deveria zelar pela nossaintegridade, bate na gente, e o Estado,que deveria nos prestar assistência, namaioria das vezes, é omisso. Se nãotratarmos os diferentes de forma dife-rente, como esses grupos poderãoconquistar a igualdade?”, indaga ela,que, pelo trabalho desenvolvido, éuma das mulheres finalistas do PrêmioCláudia 2016, da Editora Abril, na cate-goria Políticas Públicas.AÇÕES DE INCLUSÃO

A resistência à inclusão de transe-xuais e travestis no mercado de tra-balho continua sendo uma das grandespreocupações do movimento LGBT eprovoca as entidades a manterem odiálogo com a gestão estadual. Semuma política pública continuada, afir-ma a presidente da Articulação e Mo-vimento para Travestis e Transexuaisde Pernambuco (Amotrans-PE),Chopelly Santos, os obstáculos per-manecerão.

Ela lembra que, até pouco tempo,o Centro Estadual de Combate à Ho-mofobia (CECH), subordinado à Se-cretaria Executiva de Direitos Hu-manos, prestava importante serviço àcomunidade. Em maio, as atividadesforam suspensas. “Lançaram editalpara contratar nova equipe, mas oGoverno não conversou com o movi-mento.” Chopelly pergunta: “Comoa parcela LGBT, que nem sempre temrenda, poderá concorrer às vagas, seestão cobrando taxa para inscrição?”

O órgão alega que “a paralisaçãodas atividades se deve à importânciade garantir a continuidade do servi-ço, passando as contratações, por meiode Organização Social, para vincula-ção direta com o Estado”. “O valor dainscrição viabilizará a seleção, que da-rá prioridade a profissionais com ex-periência comprovada em direitos hu-manos.” Continua na pág. 7

06 Agosto de 2016

Chances de emprego são quase nulas para transexuais, mas autoafirmação favorece acesso a oportunidades

Isabelle Costa Lima

Resistir para conquistar espaços

Fabianna Mello é exceção: conseguiu vaga em gabinete parlamentar Heymilly milita da própria casa em defesa de transexuais e travestis

Flanelinha, Bianca mora na rua Maria Clara é finalista de prêmio

CIDADANIA

GIOVANNI COSTA

FOTOS: GIOVANNI COSTA

GIOVANNI COSTA

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07Agosto de 2016

A Faculdade de Direito do Re-cife (FDR), construída em 1912, é,mais uma vez, cenário de uma his-tória de resistência. De família po-bre, negra e egressa de escola pú-blica, Robeyoncé Lima, 27 anos,entrou para os registros da instituiçãopor caminhar na contramão dopreconceito. Ela é a primeira tran-sexual a estudar na unidade vinculadaà Universidade Federal de Pernam-buco (UFPE) e a dar nome, por de-cisão dos colegas, a uma turma naFDR – a formatura ocorrerá nestemês. Também foi pioneira ao passarno exame da Ordem dos Advogadosdo Brasil (OAB), em Pernambuco.

Se, por um lado, o ineditismo dasconquistas de Robeyoncé realça asdificuldades da população transexualpara ter acesso e permanecer no am-biente escolar e acadêmico, por outro,mostra um possível caminho para amudança. “A família exerce papelfundamental. Posso não ter tido aco-lhimento emocional nas questões degênero, mas sempre tive apoio ma-terial da minha mãe e da minha avó.Não fosse esse suporte, talvez tivessevivido outra realidade”, observa ela,que também é formada em Geografiapela UFPE. Criada mais com a avó,enquanto a mãe trabalhava comodoméstica, a estudante conta que,na infância, por não se sentir aceitana escola, retraiu-se. “Minha diver-são era a leitura e isso, de algumaforma, me favoreceu.”

Para Robeyoncé, é urgente umapolítica pública que altere o cenáriode evasão escolar entre transexuaise travestis. “As unidades de ensinoprecisam estar preparadas para aco-lher esses meninos e meninas. Nãodá para imaginar o desejo de umacriança de permanecer num lugarque lhe seja hostil. É primordial dis-cutir a questão de gênero dentro dasala de aula, desde cedo”, argumenta.

Para a professora do Departa-mento de Psicologia da UFPE e coor-denadora da Diretoria LGBT da uni-versidade, Luciana Vieira, mais doque evasão, o que ocorre é umprocesso de expulsão escolar. “Nãohá respeito ao nome social (aquelepelo qual a pessoa prefere ser

chamada), o banheiro não pode serusado de acordo com a autoidentifi-cação de gênero, e os profissionaisnão são capacitados para cuidardesses alunos”, comenta. Lucianapondera que, sem formação ouqualificação, a entrada no mercadode trabalho se torna ainda mais difícil.

O argumento da pesquisadora seune ao de Robeyoncé quanto à ur-gência em se debater questõesrelativas à identidade de gênero nasunidades de ensino. Contudo, nem otema nem as discussões referentesà orientação sexual compõem asdiretrizes do Plano Estadual deEducação (Lei nº 15.533/2015), apro-vado na Assembleia e sancionadopelo governador Paulo Câmara.

Presidente da Comissão de Edu-cação da Alepe, a deputada TeresaLeitão (PT) observa que, como está,o plano não tem como vigorar. “Éimpossível educar sem debater essesassuntos. Se um menino ou meninatransexual forem desrespeitados porum colega, na sala de aula, o profes-sor deverá fechar os olhos?”, questio-na e acrescenta: “Não podemos teruma lei que confronte uma realidadee uma prática social. Além disso, asnormas precisam se submeter àConstituição Federal, que trata aeducação como direito de todos.”NOME SOCIAL

As instituições têm lidado de for-ma isolada sobre o uso do nome socialde pessoas transexuais e travestis,

pois não existe legislação regula-mentando o assunto. A UFPE, porexemplo, desde 2015 permite quealunos com mais de 18 anos possamsolicitar o uso do nome social. Já em2016, a presidente afastada, DilmaRousseff, apresentou o Decreto nº8.727/2016, determinando que tra-vestis e transexuais possam serchamados como querem nos órgãosda administração pública federal,também por requerimento.

As medidas beneficiaram Ro-beyoncé, como aluna da UFPE e es-tagiária da Justiça Federal, masapenas parcialmente. “Meu nomesó é respeitado dentro da universi-dade e do estágio. Fora, é um cons-trangimento”, lamenta ela, queentrou com petição na Justiça pararetificação do registro civil.

Para a estudante, esse ainda éum modelo frágil, por necessitar dedeferimento judicial. “A solução é aaprovação do projeto de lei JoãoNery.” Ela se refere à proposição nº5.002/2013, que recebeu o nome doprimeiro homem transexual bra-sileiro a passar por cirurgia deredesignação de sexo, na década de1970. Desarquivada pelos deputadosfederais Jean Wyllys (PSOL/RJ) e ErikaKokay (PT/DF), a matéria permite amudança do registro civil em cartório,para maiores de 18 anos, sem exi-gência de autorização pelo Judiciário.O texto está em tramitação na Câ-mara Federal.

“Certa vez, corri para o ba-nheiro feminino no trabalho. Estavapassando mal e deixei a porta dacabine aberta. De repente, escuteiduas mulheres falando: ‘Tem umhomem no banheiro. Chama a se-gurança!’”, relembra Társio Gomes,34 anos.

Homem transexual, ele passavapela transição, iniciada aos 32 anos,com tratamento hormonal, à épocado episódio. Ainda não havia faladocom a empresa para poder usar obanheiro masculino. “Constitucio-nalmente, não existe sexo parabanheiro. As placas de feminino oumasculino são resultado de umaprática cultural, foram convencio-nadas dessa forma”, explica oestudante de Fisioterapia e coorde-nador do Instituto Brasileiro deTransmasculinidade (Ibrat) em Per-nambuco. Ele teve permissão da em-presa para usar o espaço onde maisse sentia à vontade.

Heymilly Maynard, por sua vez,não teve a mesma sorte. Proibidade usar o banheiro feminino naempresa de call center em que tra-balhou, ela preferia prender a urinaa ter de ir ao sanitário masculino.“Por isso, tive infecção urináriagrave. Fui ao médico e ele me disse

que o motivo era o fato de eu estarsegurando demais.”

O uso de banheiros é um dospontos tratados no Projeto de Lei nº880/2016, do deputado AndréFerreira (PSC), vice-presidente daComissão de Cidadania da Alepe. Aproposição determina, entre outras

questões, que os sanitários de esta-belecimentos públicos e privadossejam utilizados pela população, deacordo com o sexo biológico —aquele com o qual a pessoa nasce. Amatéria veda a adoção de critérios deidentidade de gênero ou orientaçãosexual para acesso aos espaços.

Segundo Ferreira, a medida visa“evitar possíveis constrangimentos”.“Tenho relatos de várias pessoas di-zendo não se sentirem à vontadecom a presença de alguém do sexooposto no banheiro.” O parlamentaracrescenta que “outra preocupaçãoé com a higiene”. “O órgão genitalmasculino é diferente do feminino.Queremos dar uma maior segurançaàs pessoas, evitando a transmissãode doenças.”

Professor do Departamento deMedicina da UFPE e responsável portratar questões da população LGBTdentro do curso, João Luís da Silva dizque o projeto incentiva ainda mais

a segregação, em vez de dar segu-rança à população. “A sociedade estáestimulando a doença nessas pes-soas (transexuais e travestis), aomanter padrões tão rígidos. Os danosfísicos e psicológicos podem ser mui-tos, simplesmente pela necessidadede perpetuar a moral judaico-cristã,que aparta homens e mulheres, semlevar em conta que existem váriasformas de ser homem e de ser mu-lher”, pontua.

Presidente da Comissão de Cida-dania, o deputado Edilson Silva(PSOL) afirma que o projeto de leiserá alvo de audiência pública do co-legiado neste segundo semestre. Paraele, a medida é, no mínimo, “inade-quada”. “O único mérito é gerar o de-bate. A separação de banheiros entremasculino e feminino é ultrapassada.Em muitos países da Europa, esseslocais são unissex. A sociedade temque perceber que nos banheiros hálugar para muito mais gente.”

Combate ao preconceito começa na sala de aula

Transexuais defendem liberdade de uso de banheiros

Robeyoncé Lima é a primeira mulher transexual a ingressar na Faculdade de Direito. Ela se forma neste mês

Társio relata que passou por situação vexatória em sanitário do trabalho

GIOVANNI COSTA

HENRIQUE GENECY

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08 Agosto de 2016

Guilherme Van Der Ley, 18anos, foi diagnosticado comlinfoma de Hodgkin, tipo

de câncer que se origina nas célulasdo sistema linfático. Apesar do pro-blema, ele não se abateu. Como todojovem, gosta de ir a cinema, showse de praticar esportes. “Descobri queestava doente no começo do ano, aoprocurar um dermatologista por cau-sa de um nódulo no meu pescoço,que só fazia aumentar. Após a cirur-gia para retirá-lo, a médica realizouuma biópsia, que indicou o câncer”,revela o estudante.

Até ser entrevistado, Guilhermenão sabia que, desde junho, a Leinº 15.724/2016 entrou em vigor noEstado, com o objetivo de assegurara pessoas com câncer o benefícioda meia-entrada em salas de cine-ma, cineclubes, teatros, espetáculosmusicais e circenses ou em eventoseducativos, esportivos, de lazer eentretenimento. “É uma ótimainiciativa, pois permite que eu pos-sa me distrair por alguns momen-tos dessa rotina de hospitais e

remédios, de uma forma mais ba-rata”, comenta.

O acompanhante da pessoa coma doença também poderá usufruirda medida, caso seja comprovada anecessidade da presença dele noevento, como no caso de quem estáresponsável por crianças. O projetoque originou a lei é de autoria dodeputado Rogério Leão (PR). “Seicomo é difícil a rotina que uma pes-soa com câncer enfrenta, pois jáconvivi com familiares que passarampor isso. A lei é uma forma de fazercom que os pacientes tirem o foco doproblema e se divirtam”, considerao parlamentar.

Aprovada por unanimidade pelaAlepe, a matéria foi elogiada por en-tidades que tratam de pessoas coma doença, como o Grupo de Ajuda àCriança Carente com Câncer (GAC).O coordenador de RelacionamentoInstitucional do GAC, Renato Plimer,informou que a iniciativa é de grandeimportância para os pacientes. “Tudoo que é feito em prol desse públicoé válido. As famílias passam pormuitas dificuldades. Qualquer tipode ajuda só vem a somar”, observa.

O laudo médico com a Classifi-cação Internacional de Doenças

(CID) será necessário para provara condição de pessoa com câncere poderá ser mostrado diretamentena bilheteria como requisito paraaquisição do ingresso. Ele deveráser expedido até um ano antes desua apresentação por profissionalcadastrado no Sistema Único deSaúde (SUS). LIMITES

De acordo com a lei, a meia-entrada ficará limitada ao máximode 40% dos ingressos vendidos enão poderá haver restrições de ho-rários ou datas por parte dos orga-nizadores do evento. Informaçõessobre a iniciativa e os telefonesdos órgãos de fiscalização deverãoser afixados em área visível da bi-lheteria e portaria dos locais.

O valor do benefício não serácumulativo e também não se aplicaa serviços adicionais eventualmen-te oferecidos em camarotes e ca-deiras especiais.

A matéria ainda prevê que osestabelecimentos que não cumpri-rem as normas estarão sujeitos asanções como advertência, multa(de R$ 1 mil a R$ 100 mil), suspen-são temporária de atividade ou cas-sação da licença.

Malu Coutinho

Em 1913, Legislativodecretava criação da

Junta Comercial do Recife

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Superintendência de Preservação do Patrimônio Histórico do

Legislativo. Lei nº 1.205, de 11 de junho de 1913. Acervo do Arquivo

Geral Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.

O documento supracitado pode ser consultado no Arquivo Geral

da Alepe, custodiado pela Superintendência de Preservação do

Patrimônio Histórico do Legislativo.

Pessoas com câncer têm direito àmeia-entrada em eventos culturais

Projeto aprovado pela Alepe assegura benefícioem cinemas, shows, jogos de futebol, entre outros

Das feiras medievais ao livrecomércio, as atividades mercantispercorreram um longo trajeto,no qual se destacam o salto oca-sionado pelas navegações nosséculos XV e XVI e o desenvol-vimento do capitalismo indus-trial, chegando, finalmente, aoatual cenário de globalização.Nesse percurso, as transaçõescomerciais foram regidas por umconjunto de normas, que evo-luíram para uma complexa ciên-cia jurídica.

No Brasil, comemora-se o Diado Comerciante em 16 de julho,conforme instituído na Lei Federaln° 2.048/1953, pelo então presi-dente do Senado, João Café Filho.A data foi escolhida em home-nagem a José Maria da Silva Lis-boa, o Visconde de Cayru, político

e advogado baiano que se nota-bilizou por intervir junto a DomJoão VI pela abertura dos portos.

Já em Pernambuco, foi criadaem 1913, pelo Congresso Legisla-tivo, a Junta Comercial do Recife,por meio da Lei nº 1.205. Estabe-leceu-se que a entidade, com se-de na capital do Estado e jurisdi-ção em todo o seu território, teriacomo finalidade principal a regu-lamentação da atividade mercantil.Entre as incumbências, estavammatricular e nomear corretoresgerais, agentes de leilões e auxilia-res comerciais; conceder licençasde funcionamento de estabeleci-mentos comerciais; proceder àemissão de penas, multas e proces-sos administrativos, quando ne-cessário; e zelar pelo arquivo doslivros de comerciantes.

Acompanhante de criança com a doença também poderá usufruir do desconto, que virou lei em junho passado

HENRIQUE GENECY