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FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ

Personagens da Boa Nova

2017

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Personagens da Boa Nova

Conteúdo:

PERSONAGENS DA BOA NOVA..................................................................................................1

1) A ESPOSA DE ZACARIAS .............................................................................................................3

2) A MÃE DE JESUS .......................................................................................................................6

3) A MULHER EQUIVOCADA ......................................................................................................... 10

4) A SUPLICANTE CANAANITA ....................................................................................................... 13

5) BERENICE, SERÁPIA OU VERÔNICA.............................................................................................. 16

6) DA ÁFRICA, UM CIRENEU ......................................................................................................... 19

7) DIMAS ................................................................................................................................ 23

8) JEZIEL – ESTÊVÃO ................................................................................................................... 27

9) JOANA DE CUSA ..................................................................................................................... 31

10) LEVI .................................................................................................................................. 34

11) MARIA, DE BETÂNIA ............................................................................................................. 37

12) MARIA, DE MAGDALA ........................................................................................................... 40

13) MUITOS FRUTOS .................................................................................................................. 43

14) O AMIGO DE JESUS* .............................................................................................................. 46

15) O AMIGO DE SEMPRE ............................................................................................................ 49

16) O APÓSTOLO DA SAMARIA ..................................................................................................... 52

17) O APÓSTOLO DESCRENTE ....................................................................................................... 55

18) O COLETOR DE IMPOSTOS ...................................................................................................... 59

19) O CONDENADO ................................................................................................................... 62

20) O DISCÍPULO DE PEDRO......................................................................................................... 66

21) O DISCÍPULO ILUDIDO .......................................................................................................... 69

22) O ENTREVISTADOR NOTURNO ................................................................................................. 72

23) O ESCRAVO FIEL ................................................................................................................... 75

24) O FILHO DE ALFEU ................................................................................................................ 78

25) O FILHO DO OFICIAL ROMANO ................................................................................................ 81

26) O IRMÃO DO EVANGELISTA .................................................................................................... 84

27) O MOÇO DO MANTO MARROM ............................................................................................... 86

28) O NOTÁVEL RABAN ............................................................................................................... 89

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29) O OBSEDADO GADARENO ...................................................................................................... 92

30) O PAI DO PRECURSOR ............................................................................................................ 95

31) O PODER E A FÉ .................................................................................................................... 97

32) O PRECURSOR .................................................................................................................... 100

33) O PREGADOR DE LUGDUNUM ............................................................................................... 103

34) O QUARTO BIÓGRAFO DE JESUS ............................................................................................. 106

35) O REPÓRTER DA ESPERANÇA .................................................................................................. 109

36) O SEGUNDO EVANGELISTA ................................................................................................... 112

37) O VASO ESCOLHIDO ........................................................................................................... 115

38) OS AMIGOS DO JOVEM DE TARSO .......................................................................................... 118

39) OS MÁRTIRES DE LYON ........................................................................................................ 121

40) PEDRA E PASTOR ................................................................................................................. 124

41) TRIGO DE DEUS ................................................................................................................. 127

42) UM ADOLESCENTE NO SERVIÇO DA BOA NOVA ........................................................................ 131

43) UM AMIGO FIEL ................................................................................................................. 134

44) UM ARAUTO NA SAMARIA .................................................................................................... 137

45) UM ROMANO A SERVIÇO DE JESUS ......................................................................................... 140

46) UM VASO ÚTIL AO MESTRE .................................................................................................. 143

47) UMA ÁGUIA DE ASAS PARTIDAS ............................................................................................. 147

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1) A esposa de Zacarias

Segundo a Vulgata, seu nome seria Elisabeth, do hebraico Eliseba, a adoradora de

Deus, ou obra de Yaweh, ou ainda, Deus é plenitude. Dos Evangelistas, somente Lucas a

ela se refere, assinalando ser descendente de Arão.

Esposa do sacerdote Zacarias, com ele vivia, provavelmente, na aldeia serrana,

conhecida, nos dias recentes, como São João da Montanha, situada em Ain-Karim, cerca

de sete quilômetros a oeste de Jerusalém.

Como toda mulher em Israel, deve se ter casado entre os doze e doze anos e meio.

Embora na prática às mulheres não fosse ensinada a Lei e as tradições, no relato de Lucas

(1:43) se reconhece que Isabel conhecia os textos sagrados.

Ainda que, em Israel, a mulher ocupasse lugar de subalternidade - pois os textos

previam que ela devia se ocupar dos filhos e da casa, chegando a especificar a quantidade

mínima de lã ou linho que deveria fiar ou tecer por semana, e onde devia, inclusive, aceitar

que seu marido dividisse sua afeição com outras mulheres, fossem esposas ou concubinas

- não se pode descartar a existência do amor conjugal.

Dessa forma, ao se ler a respeito de Isabel e Zacarias, conclui-se que o casal vivia a

monogamia, mesmo porque, a poligamia era rara, em Israel, em primeiro lugar por razões

econômicas. Embora as leis rígidas quanto à mulher, não é raro se encontrar o amor

transfigurando todas as leis, bastando se leia no Antigo Testamento tantos casos de homens

que amaram intensamente suas mulheres, a elas se entregando em totalidade.

É de supor, pois, que o casal Isabel e Zacarias, citados por Lucas como justos diante

de Deus, caminhando irrepreensivelmente em todos os mandamentos e preceitos do

Senhor, vivesse a aura do respeito, dedicação e mútuo amor.

Difícil é se imaginar qual seria a idade de ambos, tidos como avançados em anos,

ao tempo em que Isabel, assinalada como estéril, veio a conceber, visto que a idade era

contada de forma diversa da atual, tanto quanto considerando-se que o homem se

consorciava aos dezoito, a mulher antes dos treze anos.

Isabel, dias após a visita do mensageiro espiritual Gabriel ao seu marido Zacarias,

no Templo, concebeu. Relata ainda o Evangelista que, durante cinco meses, ela permaneceu

escondida, crendo que sua gravidez era uma graça que recebera do Senhor, que assim a

reabilitava perante os homens, em face da importância dada à geração de filhos.

Isabel é citada como prima de Maria, a mãe de Jesus, embora haja ocasiões em que

simplesmente a ela se refiram como parenta de Maria. Essa, tão logo recebe a notícia de

que será mãe do Filho de Deus, e que sua prima igualmente concebera, encontrando-se no

sexto mês de gravidez, vai visitá-la.

A viagem deve ter durado de quatro a cinco dias e o Evangelista omite detalhes como

Maria se deslocou até lá. O que a movia, com certeza, não era verificar se verdadeiramente

estava grávida sua prima, senão o intuito de auxiliá-la, naqueles meses.

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Igualmente, o desejo de felicitar a prima pela grande mercê que Deus lhe acabara de fazer.

À porta do jardim, Isabel é a primeira a avistar Maria e lhe corre ao encontro, de

braços abertos. Prostra-se reverente aos pés de Maria e a saúda com as palavras: Bendita

és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. E donde me provém isto a mim,

que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?

E explica que, tão logo a voz de Maria cumprimentando-a, à distância, chegou aos

seus ouvidos, o menino exultou de alegria em seu ventre. Dois detalhes importantes: Isabel

estava plenamente ciente da visão do marido, e aqui se permite ser a médium de

manifestação espiritual.

Conforme os Evangelhos, ela ficou cheia de um Espírito Santo e os estudiosos

afirmam que o próprio Elias, que estava a se reencarnar naquele ventre, é que por ela falou.

Ele sabia de tudo o que estava ocorrendo e tinha visão espiritual ampla, mesmo

porque Isabel não poderia, de outra forma, estar ciente da gravidez de Maria, que não

tinha nem um mês e, portanto, não aparecia externamente.

Esta explicação da consciência do Espírito ainda no seio materno é dada por

estudiosos como Orígenes, considerado um dos Pais da Igreja, e mais Tertuliano, Irineu,

Ambrósio e o teólogo Suarez.

Conclui Isabel, por si mesma, abençoando Maria porque nela se cumpriram as

promessas antigas de Yaweh e também por que ela deu crédito ao anjo que lhe participara

a notícia.

Tendo dado à luz um menino, o fato causou grande alegria e alvoroço entre a

parentela e a vizinhança.

No oitavo dia, o menino foi circuncisado. O rito da circuncisão podia ser

desempenhado por qualquer israelita e na residência dos pais. Em todas as localidades

havia o Mohel, a pessoa habilitada para essa delicada operação no recém-nascido.

Pelo que se depreende do Evangelho de Lucas, o fato se deu em casa, porque Isabel

estava presente, e conforme a Lei, a mulher não podia sair à rua antes de transcorridos

quarenta dias do parto, se tivesse dado à luz um varão. O prazo era contado em dobro, caso

o nascituro fosse do sexo feminino.

No ato da circuncisão, Isabel interfere, pois se pretende dar o nome do pai ao

menino. Causa estranheza a anotação de Lucas, pois não era costume, entre o povo de

Israel, evitando criar confusão entre pai e filho, com nome idêntico. Talvez porque Zacarias

fosse idoso, imaginaram que não poderia haver tal confusão. Ele morreria, possivelmente,

em breve.

Mas a mãe não é bem ouvida pelos que ali estavam. Primeiro, porque a mulher não

poderia sugerir nome para o filho. Segundo, porque o nome que ela sugere, João, não

existia na família.

Enfim, é o pai, Zacarias que, consultado, escreve em uma tabuinha, o nome João,

atendendo ao mensageiro que o visitara, no altar do Templo, há pouco mais de nove meses.

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Após a circuncisão do filho, não mais se ouve menção nominal a Isabel. Talvez

estivesse inclusa entre aquelas citadas por Lucas (8, 1 ss) que seguiam Jesus: ... Maria,

chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; Joana, mulher de Cusa, procurador de

Herodes; Suzana e muitas outras que o serviam com suas fazendas.

Talvez tenha desencarnado algum tempo depois, antes mesmo do filho se tornar o

Precursor do Cordeiro de Deus.

De toda forma, uma coisa é certa: como todas as grandes almas, ela serviu na

humildade e, cumprida a sua tarefa de dar à luz o menino que aplainaria as veredas do

Senhor, sai de cena. Palpável é a certeza, contudo, de que, como José, Maria, Zacarias, era

uma grande alma, plenamente cônscia de sua missão, que cumpriu de forma integral.

Em 15.2.2016.

01.BÍBLIA, N.T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de

Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966. cap. 1, vers. 5-25, 39-45, 57-65.

02.PASTORINO, Carlos Torres. Nascimento de João. In:___. Sabedoria do

Evangelho.

Rio de Janeiro: Sabedoria, 1964. v. 1.

03.______. Visita a Isabel. Op. cit.

04.______. Zacarias e Isabel. Op. cit.

05.ROHDEN, Huberto. A aurora da redenção. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São

Paulo: União Cultural. v. I, pt. 1, cap. 2.

06.______. O anjo do deserto. Op. cit. cap. 4.

07.ROPS, Daniel. Família, “Meus ossos e minha carne”. In:___. A vida quotidiana

na Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Livros do Brasil. pt. 2, cap. 2, item 6.

08.SALGADO, Plínio. Zacarias e Isabel. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz

do Oeste, 1978. pt. 1, cap. 4.

09.SAULNIER, Christiane; ROLLAND, Bernard. A sociedade judaica. In:___. A

Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983. item A mulher.

10.VAN DEN BORN, A . Isabel. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

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2) A mãe de Jesus

Ela crescera, tendo o Espírito alimentado pelas profecias de Israel.

Desde a meninice, quando acompanhava a mãe à fonte, para apanhar o líquido

precioso, ouvia os comentários. Entre as mulheres, sempre que se falava a respeito,

perguntavam-se umas às outras, qual seria o momento e quem seria a felizarda, a mãe do

aguardado Messias.

Nas noites povoadas de sonhos, era visitada por mensageiros que lhe falavam de

quefazeres que ela guardava na intimidade d’alma.

Então, naquela madrugada, quase manhã do princípio da primavera, em Nazaré,

uma voz a chamou: Miriam. Seu nome egípcio-hebraico significa querida de Deus.

Ela despertou. Que estranha claridade era aquela em seu quarto? Não provinha da

porta. Não era o Sol, ainda envolto, àquela hora, no manto da noite quieta. De quem era

aquela silhueta? Que homem era aquele que ousava adentrar seu quarto?

Sou Gabriel, identifica-se, um dos mensageiros de Yaveh. Venho confirmar-te o que

teu coração aguarda, de há muito. Teu seio abrigará a glória de Israel. Conceberás e darás

à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do

Altíssimo e o seu reino não terá fim.

Maria escuta. As palavras lhe chegam, repassadas de ternura e pela sua mente,

transitam os dizeres proféticos.

Sente-se tão pequena para tão grande mister. Ser a mãe do Senhor. Ela balbucia: Eis

aqui a escrava do Senhor. Cumpra-se em mim segundo a tua palavra.

O mensageiro se vai e ela aguarda. O Evangelista Lucas lhe registraria, anos mais

tarde, o cântico de glória, denominado Magnificat: A minha alma glorifica o Senhor! E o

meu espírito exulta [de alegria] Em Deus, meu Salvador!

Porque, volvendo o olhar à baixeza da Terra, Para

a minha baixeza e humildade atentou. E eis, pois,

que, desde agora, e por todos os tempos, Todas as

gerações me chamarão Bem-aventurada! Porque

me fez grandes coisas o Poderoso E santo é o seu

nome!

E a sua misericórdia [se estende]

De geração em geração, Sobre os

que o temem.

Com seu braço valoroso

Destruiu os soberbos

No pensamento de seus corações.

Depôs dos tronos os poderosos

E elevou os humildes. Encheu

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de bens os famintos E despediu

vazios os ricos.

Cumpriu a palavra que deu a Abraão,

Recordando-se da promessa

Da sua misericórdia! (Lucas, I, 46 a 55)

Ela gerou um corpo para o Ser mais perfeito que a Terra já recebeu. Seus seios se

ofereceram úberes para alimentar-Lhe os meses primeiros. Banhou-O, agasalhou-O,

segurou-O fortemente contra o peito mais de uma vez. E mais de uma vez, deverá ter

pensado:

Filho meu, ouve meu coração batendo junto ao Teu. Dia chegará em que não Te

poderei furtar à sanha dos homens. Por ora, amado meu, deixa-me guardar-Te e

protegerTe.

Ela Lhe acompanhou o crescimento. Viu-O iniciar o Seu período de aprendizado

com o pai, que Lhe ensinou os versículos iniciais da Torá, conforme as prescrições judaicas,

embora guardasse a certeza de que o menino já sabia tudo aquilo.

Na sinagoga, viu-O destacar-Se entre os outros meninos, e assombrar os Doutores.

O seu Jesus, seu filho, seu Senhor. Angustiou-se mais de uma vez, enquanto O contemplava

a dormir. Que seria feito dEle?

No célebre episódio em Jerusalém, seu coração se inquietara a cogitar se não seria

aquele o momento do início das grandes dores.

A viuvez lhe chegou e ela viu o primogênito assumir os negócios da carpintaria.

Suas mãos, considerava, tinham habilidade especial e a madeira se Lhe submetia de uma

forma toda particular.

Aquele era um filho diferente. Um olhar bastava para que se entendessem. Tão

diferente dos demais, que não tinham para com ela a mesma ternura...

Chegou o dia em que Ele se foi e ela começou a ter dEle as notícias. A escolha dos

primeiros discípulos, o batismo pelo primo João, no Jordão.

Mantinha contato constante, providenciando quem Lhe fizesse chegar a túnica

tecida no lar, sem nenhum costura, sempre alva. Em cada fio, um pouco do seu amor e da

sua saudade.

Quando Ele veio visitá-la e a acompanhou a Caná, às bodas da sua parenta, ela sabia

que Ele a obedeceria, providenciando o líquido para que os convivas pudessem deliciar-

se, saindo da embriaguez em que haviam mergulhado.

Acompanhou-Lhe a trajetória de glórias humanas, e as injustas alusões ao Seu

messianato, aos Seus dizeres.

Em Nazaré, quando quase O mataram, tomou-se de temores. Contudo, ela sabia que

Ele viera para atender os negócios do Pai. Por vezes, visitava a carpintaria, e parecia vê-lO,

ainda uma vez, nos quadros da saudade.

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Tanto quanto pôde, acompanhou o seu Jesus e recebeu-lhe o carinho. Ele era tão

grande, e, entretanto, atendia-lhe o coração materno, os pedidos. Quantas vezes ela

intercedera por um ou outro?

Quando os dias de sombra chegaram, ela acompanhou, junto a outras mulheres, as

trágicas horas. Ao ver o corpo chagado do filho, o sangue coagulado nas feridas abertas, a

túnica tão alva, que ela tecera com tanto desvelo, toda manchada, sentiu as lágrimas

inundarem-lhe os olhos.

Porém, era necessário ser forte. Seu filho lecionara as lições mais belas que jamais

os ouvidos humanos haviam escutado. Ele cantara as belezas do Reino dos Céus, no alaúde

do lago de Genesaré, e prometera as bem-aventuranças aos que abraçassem os inovadores

ensinos.

Ao pé da cruz, junto ao Apóstolo João, ouviu a expressão do carinho filial se

externar, outra vez: Mulher, eis aí teu filho. E a confia ao jovem Apóstolo.

Ela estaria presente, quando das Suas aparições, após a morte. Vê-lO-ia mais de

uma vez. E compreenderia: aquele corpo era diferente.

Não era o que fora gerado em seu ventre. Embora se deixasse tocar, para dar-Se a

conhecer, era de substância muito diversa aquele corpo. Ela o sabia.

Viu-O desaparecer perante os olhos assombrados dos quinhentos discípulos, na

Galileia, na Sua despedida.

E, amparada por João, seguiu a Éfeso, mais tarde. Ali, numa casinha de onde podia

ouvir o mar, balbuciando cantigas, viveu o Amor que Ele ensinara. Tornou-se a mãe dos

desvalidos e logo sua casa se enchia de estranhos viandantes, necessitados e enfermos que

desejavam receber os cuidados de suas mãos e ouvir as delícias das recordações Daquele

que era o Caminho, a Verdade e a Vida.

Numa tarde serena, ela atendeu um homem. Serviu-lhe o alimento e seu coração

extravasou saudade. Quanta a tinha do filho amado!

Então, o viajor se deu a conhecer:

Minha mãe, sou eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a

Rainha dos Anjos. 2

João Evangelista, chamado às pressas, ainda lhe pôde assistir o derradeiro suspiro e

o Espírito liberto adentrou a Espiritualidade.

Ainda e sempre amorosa, seu primeiro pensamento foi visitar os cristãos que

estavam em Roma, sofrendo o martírio e foi animá-los a cantar, enquanto conduzidos ao

suplício, na arena circense.

Mais tarde, notícias nos chegariam de que a suave mãe de Jesus, Maria, foi por Ele

incumbida de assistir aos foragidos da vida, os infelizes suicidas; detalhes do Hospital Maria

de Nazaré nas zonas espirituais; do seu desvelo maternal para com tais criaturas.

Maria, Espírito excelso, exemplo de mulher, esposa e mãe.

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1.PEREIRA, Yvonne A. No hospital "Maria de Nazaré". In:___. Memórias de um

suicida. 5. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1975. pt. I, cap. III.

2.XAVIER, Francisco Cândido. Maria. In:___. Boa nova. Pelo Espírito Irmão X. 8. ed.

Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 30. Em

18.2.2016

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3) A mulher equivocada

Seu nome não é citado nos Evangelhos, nem as tradições apostólicas o registraram

de alguma forma que alcançasse os nossos dias.

O Evangelista João é o único a narrar seu encontro com Jesus, no capítulo 8 do seu

Evangelho, nos versículos 2 a 11, portanto, deve ter sido testemunha ocular.

As folhas do outono juncavam o chão. Terminadas estavam as festividades dos

Tabernáculos, ou Festa das Tendas, considerada pelo povo de Israel a mais espetacular de

todas as festas.

Para celebrá-la, cada família devia construir, nos arredores de Jerusalém uma

cabana de folhagens, na qual residia uma semana. As cabanas deviam relembrar aos filhos

de Israel que Yaweh os fizera morar nelas, quando saíram do Egito, peregrinando pelo

deserto. Dos rituais fazia parte, toda manhã, uma procissão dos sacerdotes que desciam o

monte Moriá até a fonte de Siloé, acompanhados pelo povo, levando palmas, ao som do

shofar (longo chifre de carneiro que serve de trombeta).

Colhida a água em vaso de ouro, tornava a multidão a subir a colina do templo,

onde os sacerdotes derramavam o líquido, misturado com vinho, no altar dos holocaustos.

Jesus viera a Jerusalém para participar da festa e permanecera, concluídas as

festividades, pregando. Naquele dia, Ele estava próximo à porta Nicanor, do lado leste do

Templo, chegando pelo caminho do Monte das Oliveiras, acompanhado dos discípulos.1

Então, um grupo de fariseus, em meio a um grande alvoroço, lhe trouxe uma jovem

mulher, aparentemente apanhada em flagrante adultério.

Diga-se que, entre o povo de Israel, a definição de adultério não era a mesma para

o homem e a mulher. O homem somente era acusado de adultério se tivesse relações com

uma mulher casada ou noiva, porque, entendia-se, agredia outro homem. A mulher,

adulterando, agredia o matrimônio.

Suspeita de adultério, era submetida à prova da água amarga. Devia beber uma

monstruosa bebida à base de pó apanhado no Templo. Se vomitasse ou ficasse doente, era

considerada culpada. Surpreendida em flagrante, a pena era a morte, que igualmente era

aplicada à mulher que fosse violada dentro dos muros da cidade, pois supunha a Lei que,

dentro da cidade, se ela tivesse gritado por socorro, teria sido ouvida e socorrida.

Os fariseus submetem a adúltera ao julgamento de Jesus. Em verdade, embora

tivessem olhos de lince para todas as faltas do próximo, a questão daquela hora visava

muito mais aproveitar o incidente para armar uma cilada ao profeta de Nazaré do que

zelar pela pureza do matrimônio.

Eles a jogam ao chão e ela ali fica, sem coragem sequer de erguer os olhos. Sabe que

delinquira e conhece a penalidade. Sabe, igualmente, que ninguém dela se apiedará.

Ninguém, senão Ele.

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Enquanto a indagação dos fariseus aguarda uma resposta do Rabi sobre a pecadora,

Ele se inclina e traça na areia do pavimento caracteres misteriosos.

Que escreveria Ele? O nome do cúmplice que se evadira? O nome do marido que,

ferido no orgulho, permitia fosse sua esposa tão vilmente tratada?

Narram intérpretes do texto evangélico que Ele grafava a marca moral do erro de

cada um. Curiosos, os que ali esperavam a sentença de morte, para se extasiarem no

espetáculo de sangue e impiedade, podiam ler: ladrão, adúltero, caluniador... Em síntese,

as suas próprias mazelas morais.

Cresce a expectativa. Jesus Se ergue, percorre o olhar perscrutador pela turbamulta

dos acusados, que O sentem atingir-lhes a intimidade,e diz tranquilamente: Aquele dentre

vós que estiver sem erro, atire-lhe a primeira pedra.

Em silêncio, os circunstantes se afastaram, um a um, a começar pelos mais velhos.

Sim, os mais velhos trazem maior soma de empeços e problemas, remorsos e azedumes...1

No meio da indecisão geral, Jesus tornou a traçar na areia sinais enigmáticos. Quando o

silêncio se fez, Ele se levantou. Ali estava a mulher à espera do seu castigo. Se todos os

demais haviam partido, ela devia esperar dEle a sentença e a execução. Mas a Misericórdia

ergueu a miséria moral e lhe disse:

Mulher, onde estão aqueles que te acusavam? Ninguém te condenou?

Ninguém, Senhor. – Ousou responder a meia-voz.

Então, em vez do sibilar mortífero das pedras, ela ouviu as palavras do perdão e da

vida:

Nem eu tampouco te condeno: vai e não tornes a pecar!

As anotações evangélicas se resumem ao episódio. Contudo, o Espírito Amélia

Rodrigues nos conta que, naquela noite, a equivocada procurou o Mestre, na residência

que O acolhia.

Fala da fraqueza que a dominara, nos dias moços, sentindo-se sozinha. O esposo,

poucos dias após o matrimônio, retomara as noitadas alegres e despreocupadas junto a

amigos. Ela se sentira carente e cedera ao cerco do sedutor, que a brindava com atenção e

pequenos mimos.

Nada que a desculpasse, reconhecia. E agora, consumada a tragédia, para onde iria?

O esposo não a receberia, após o espetáculo público. Também não poderia contar com a

proteção paterna, porque fora levada à execração pública, não simplesmente recebendo

uma carta de repúdio, o que poderia servir até como indenização ao seu pai, pois o marido

que assim procedesse deveria devolver uma parte do dote da noiva ao sogro.

Não havia lugar para ela em Jerusalém. Que seria dela, só e desprotegida?

O Mestre lhe acena com horizontes de renovação, discorrendo sobre a memória do

povo que é duradoura para com as faltas alheias. Ela sente, nas entrelinhas, que deverá

buscar outras localidades, lugares onde não a conheçam, nem o drama que acabou de

viver. Na despedida, Jesus a conforta:

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Há sempre um lugar no rebanho do amor para as ovelhas que retornam e desejam

avançar.

Onde quer que vás, eu estarei contigo e a luz da verdade, no archote do bem

brilhará à frente, clareando o teu caminho.

Dez anos passados e ei-la, em Tiro, em casa humilde, onde recebe peregrinos

cansados e enfermos sem ninguém. Um pouso de amor ela erguera ali.

Não esquecera jamais daquele entardecer e da entrevista noturna. Tornara-se uma

divulgadora da Boa Nova. De seus lábios brotavam espontâneas as referências ao Doce

Rabi, alentando as almas, enquanto limpava as chagas dos corpos doentes.

Foi em um cair de tarde que lhe trouxeram um homem quase morto. Ela lhe lavou

e pensou as chagas. Deu-lhe caldo reconfortante e tão logo o percebeu aliviado das dores,

lhe ofereceu a mensagem de encorajamento, em nome de Jesus.

Emocionado, confessa ele que conhecera o Galileu, um dia, um infausto dia, em

Jerusalém. Odiara-O, então, porque Ele salvara a mulher que adulterara, a sua esposa, mas

não tivera para com ele, o ofendido, nenhuma palavra.

O tempo lhe faria meditar em como se equivocara em seu julgamento. Confessa

que, desde algum tempo, vinha buscando a companheira, procurando-a em muitos

lugares, sem êxito. Até que a doença lhe visitara o corpo, consumindo-lhe as energias.

Embargada pelas emoções em desenfreio, naquele momento, a mulher recordouse

da praça e do diálogo, à noite, com o Mestre, um decênio antes. Reconheceu o companheiro

do passado e sem dizer-lhe nada, segurou-lhe a mão suavemente e o consolou: “Deus é

amor, e Jesus, por isso mesmo, nunca está longe daqueles que O querem e buscam. Agora,

durma em paz, enquanto eu velo, porquanto, nós ambos já O encontramos...2

Em 15.2.2016.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. Atire a primeira pedra. In:___. Luz do mundo. Pelo

espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1971. cap. 13.

02.______. Encontro de reparação. In:___. Pelos caminhos de Jesus. Pelo espírito

Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1988. cap. 15.

03.______. A consciência de culpa. In:___. Trigo de Deus. Pelo espírito Amélia

Rodrigues. Salvador: LEAL, 1993. cap. 13.

04.ROHDEN, Huberto. A adúltera. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: UNIÀO

CULTURAL. v. 2, cap. 92.

05.ROPS, Daniel. Família, “Meus ossos e minha carne”. In:___. A vida cotidiana na

Palestina no tempo de Jesus. Livros do Brasil. pt. 2, cap. 2, item VII.

06. SAULNIER, Christiane e ROLLAND, Bernard. As instituições religiosas. In:___. A

Palestina no tempo de Jesus. 2. ed. São Paulo: PAULINAS, 1983. item As festas.

07.VAN DEN BORN, A . Adultério. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

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4) A suplicante canaanita

Era a terra dos povos cananeus. Para os israelitas, era gente muito afastada de Deus.

Muitos deuses ali eram adorados, multiplicando-se os templos aos deuses do

Olimpo e às divindades de todos os povos: o velho Baal, da Mesopotâmia; Áton e Amon, do

Nilo; Júpiter, do Helesponto. Cibele, Astarteia, Tanit e Europa se fundiam. Os mistérios de

Elêusis, vindos de Creta, se misturavam aos de Ísis.

Foi para ali que se dirigiu Jesus, naquele momento em que se avizinhava a terceira

Páscoa de Sua vida pública. A atmosfera estava carregada de nuvens pesadas. Na Judeia, os

inimigos se encontravam à espreita de Jesus para matá-lO. Na Galileia, os fariseus se

mostravam escandalizados com as Suas palavras, que lhes desmascaravam a hipocrisia

perante o povo.

Prudente, porque ainda não chegara a hora do sacrifício, o Mestre chama os

discípulos e ruma a noroeste, seguindo o curso do Jordão, no sentido das suas nascentes.

Era uma jornada de quatro a cinco dias. As terras de Tiro e Sídon eram famosas em

todo o Império Romano, como centros de manufatura de lã, púrpura, tapizes raros e artigos

de luxo de toda sorte.

Jesus e os doze adentram Tiro e passam junto aos templos do paganismo, que se

erguem no meio dos bosques e no fundo de alamedas de cedro. Colunas de mármore se

destacam da verdura. Soldados e camponeses trazem suas oferendas. Mulheres portam nas

mãos guirlandas de narcisos e rosas.

Os Apóstolos olham tudo com espanto. Entreolham-se e cogitam, entre si, o que

Jesus estará pensando de tudo aquilo.

Mas a fisionomia dEle está serena, impenetrável. Seus olhos límpidos atravessam os

grupos de viandantes.

O sol vai se escondendo no mar à medida que eles adentram a cidade e, naquela

noite, se abrigam em casa de um amigo do Senhor. Tapetes são estendidos no ladrilho para

que eles possam dormir.

Os sons abafados dos rumores da noite chegam-lhes aos ouvidos, durante todo o

tempo. Instrumentos de corda, vozes de mulheres entoando canções, tilintar de taças,

algazarra de festas orgíacas.

A viagem deveria prosseguir pelas montanhas, até Sídon. Por que, indagam-se os

dozes, Jesus os trouxera àquelas paragens, cujo ar contaminava os israelitas puros?

Quando a manhã desperta, eles se põem a caminho, na direção do rio Leontes. As

narrativas dos biógrafos de Jesus, Marcos e Mateus, informam que, mal haviam transposto

as portas da cidade, uma mulher reconheceu o Mestre de Nazaré e gritou:

Senhor! Filho de David! Tem misericórdia de mim! Minha filha está tomada por um

demônio.

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Alguns dos que compõem a caravana se voltam. Ela O denomina Filho de David,

designação usual que os judeus davam ao Messias prometido, pois que, segundo os

profetas, nasceria do ramo davídico.

Seria uma descendente de Israel ou uma estrangeira? Que importava? Aquela era

uma terra de gentios, de deuses estranhos e costumes bárbaros, no entender daqueles

homens.

Não lhe dão atenção. E Jesus parece não ouvir o apelo. Prossegue Sua caminhada,

sem voltar-Se.

A mulher não desiste. Eleva mais a voz e corre atrás do grupo que se afasta, a passos

largos:

Senhor! Cura minha filha! Tem misericórdia de mim!

O Amor não amado prossegue silencioso. Os gritos parecem perturbar os discípulos,

embora não lhes toquem os corações.

Senhor, é uma siro-fenícia. Manda-a embora porque vem gritando atrás de nós.

Era estranha a atitude do Mestre, parecendo ignorar a aflição materna. Na Sua

aparente indiferença, esperava que o coração dos companheiros fosse tocado. Esperava que

eles intercedessem pela sofredora. Inútil.

Mestre! Mestre! – Prossegue ela gritando. A sua insistência desafia o silêncio.

Os Apóstolos tornam a pedir a Jesus que a despeça, que a mande embora. Ela os

incomoda, perturba, mas eles não desejam tomar atitude alguma. Aguardam que o líder o

faça.

Ele Se detém e Sua voz soa enérgica, embora doce e piedosa:

Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.

Seria ela uma das ovelhas? Ou desejaria ainda uma vez demover os corações dos discípulos

à piedade? Agora que Ele se deteve, ela se arroja aos Seus pés, beija-lhe a orla da túnica e

insiste, num grande pranto:

Senhor! Socorre-me.

Mentalmente, ela recua no tempo. A desventura de há muito lhe tomara a felicidade,

o esposo, os amigos. Sua filha era o único tesouro, fortuna pela qual ela lutaria o quanto se

fizesse necessário.

Não é justo, diz Jesus, pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.

A mensagem é mais dirigida àqueles que O seguem de perto. Cães eram

denominados os que não participavam do povo israelita. A imagem é amenizada pelo

diminutivo, na frase do Nazareno.

O pão simbolizava o favor que a cananeia vinha implorando com tanta insistência.

Ela não se dá por vencida. Irá até aos confins da Terra para conseguir o que intenta.

Sua filha precisa das graças Daquele homem. E responde com uma lógica admirável, com

uma surpreendente agudeza de espírito:

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Decerto, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da

mesa dos filhos.

Ele desejara lecionar aos discípulos o poder da humildade. Exultante com a

firmeza da mulher, com sua persistência, não lhe pergunta acerca da raça, nem da

crença. Não lhe censura o alarido. Antes, Se expressa com amor:

Mulher! Grande é a tua fé. Seja isso feito para contigo, como tu desejas.

A mulher, confiante, se vai, para encontrar refeita, em pleno gozo de saúde, a filha amada.

E, enquanto o grupo prossegue sua viagem, na direção de Sídon, o sol brilhando

sobre o mar, as sementes da esperança que o Rabi depositara naquele coração se haveriam

de transformar em lâmpada radiosa que a clarearia intimamente a vida inteira.

Os tempos empós, vezes multiplicadas, viriam narrar a história da mulher corajosa,

de resposta engenhosa, plena de amor, que não teme se humilhar, rogar, suplicar, contanto

que sua filha possa viver em felicidade, livre das tormentas do Espírito infeliz que a tomara.

É um exemplo de fé, de humilde e de desvelado amor materno.

Em 15.2.2016.

01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. 6. ed. São Paulo: PAULINAS, 1953.

cap. 15, vers. 21 a 28.

02.______. Marcos. Op. cit. cap. 7, vers. 28 a 30.

03.FRANCO, Divaldo Pereira. A apelante canaanita. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

04.ROHDEN, Huberto. A mulher cananeia. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo:

União Cultural. v. I, pt. 2, cap. 71.

05.SALGADO, Plínio. A mulher cananeia. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. cap. 45.

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5) Berenice, Serápia ou Verônica

Ela viera das terras distantes de Cesaréia de Filipe, na Decápole. Era considerada

impura, pois há doze anos um fluxo sanguíneo não a deixava. Recorrera a todos os métodos

possíveis, na ânsia da cura.

Estivera com os sacerdotes, deixara-se exorcizar, submetera-se aos preceitos da Lei,

que não a aliviaram em coisa alguma. Buscara médicos locais e de outras localidades,

submetendo-se ainda uma vez a experiências que somente a maltrataram.

Provavelmente, obrigaram-na a sentar-se na bifurcação de uma rua, com um copo

na mão, enquanto lhe faziam grande alarido e depois gritavam, de repente, às suas costas.

Ou quiçá fizeram-na ingerir um grão de cevada encontrado no excremento de um macho

branco. Tudo inútil. Seu mal era considerado um sinal de desventura, um castigo divino.

Mesmo entre os seus, ela se sentia constrangida. Os olhares lhe falavam do quanto

a sua presença era incômoda. Detestavam-na, essa era a verdade.

Os recursos financeiros foram minguando e, após ter gasto tudo que possuía, ela

resolvera buscar a próspera Cafarnaum, na esperança de encontrar um remédio ainda não

experimentado, um médico ainda não consultado.

Ela chegou à cidade no momento em que o Profeta de Nazaré acabava de regressar

de Gadara e saltara nas alvejantes praias de Cafarnaum. O povo se aglutinara ao Seu redor.

Na noite anterior, uma formidável tormenta sacudira as águas de Genesaré. Todos

acorriam para ver o Rabi que sobrevivera à tempestade, com Seus discípulos.

Todos desejavam ouvir as peripécias daquela noite de borrasca da boca dos

Apóstolos, ainda atônitos por tudo que acontecera. Jesus falara aos ventos e dera ordens à

tempestade.

Pelos caminhos, ela ouvira falar dAquele homem, pela boca dos que tinham sido

abençoados por Suas mãos e haviam recuperado a saúde.

Um cavalheiro distinto se aproxima. É o chefe da sinagoga local. Chama-se Jairo e roga a

presença de Jesus em sua casa, para curar sua filha. A multidão, sempre ávida de novidades,

acompanha Jesus, Jairo e os Apóstolos.

O povo se comprime. Todos almejam chegar mais perto. A figura de Jesus se destaca

com Sua túnica tecida sem costura, Seu manto quadrangular de borlas em fios de linho. As

pessoas falam, rogam, comentam. Ele mantém a serenidade. Seus passos são firmes e

seguem o pai amargurado pela enfermidade da filha.

A mulher tenta aproximar-se dEle. O coração parece lhe saltar do peito. Quanto

almejou aquele momento! Contudo, agora, a voz parecia lhe morrer na garganta. O que

dizer-Lhe? Como falar da sua desdita, expondo-se, em meio a tanta gente?

Ela já fora tão humilhada. As marcas da problemática orgânica lhe denunciavam a

enfermidade. Estava descarnada, anêmica.

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Ela acreditava nEle. Parecia sentir que uma força extraordinária se desprendia dEle.

Todo Ele era grandeza. Almejava gritar, pedir socorro, tocá-lO. Isto: tocá-lO seria suficiente

para que se curasse.

Então, numa rua estreita, enquanto a multidão se adensava cada vez mais, ela

aproximou-se por trás, alongou o braço esquálido e lhe tocou as vestes com a ponta dos

dedos.

Maravilha! O sangue estancou. A dor se foi. Uma sensação estranha a dominou.

Sentiu-se renovada. Foram alguns segundos de êxtase. Logo, a voz dEle se destacou na

multidão:

Quem me tocou?

Os discípulos lhe dizem que é impossível saber, pois todos O apertam, comprimem.

Como saber quem O tocou?

Alguém me tocou, insiste Ele, porque senti que saiu de mim uma virtude.

Seu segredo fora descoberto. Ela se atira aos pés dEle e confessa:

Fui eu, Senhor. Guardava a certeza que, em tocando-Te as vestes, recuperaria a

saúde. Jesus a envolve em Seu olhar e a sossega: Filha, vai em paz. A fé te salvou. Fica livre

do teu mal!

Lágrimas de júbilo a tomam. Os mais próximos lhe indagam, curiosos, desejando

saber o que aconteceu. Ele se vai, enquanto ela permanece ali, imóvel.

Passados alguns dias, ela voltou ao seu lar, do outro lado do mar. Os que a haviam

conhecido anteriormente, querem os detalhes da cura e ela não se cansa de repetir seu

encontro singular.

No entanto, se recuperara a saúde do corpo, perdera a paz do Espírito. Tudo em sua

intimidade lhe dizia que ela deveria retornar para ouvi-lO, plenificar-se de Luz. Ele era o

Enviado.

Despediu-se dos amigos, dos parentes e retornou. Seguiu-O por toda parte, nas

cidadezinhas próximas, na orla do mar, alimentando o Espírito com as palavras dEle, que

eram fonte de Vida.

Então, Ele foi preso. Às horas de angústia da incerteza do destino dEle, se seguiu a

cruel subida até a Colina da Caveira. Sob o peso do madeiro que carrega, enfraquecido por

não ter Se alimentado desde a noite anterior e pelas longas horas de flagelação, Ele cai. Ela

não se contém. Burla a vigilância dos soldados e corre-lhe ao encontro. Com uma toalha

branca que trazia, envolve-lhe a face ensanguentada e dorida.

Quando a retira, nela estava estampado o rosto dEle, tingido pelo sangue.

Ele a olha demoradamente, naquele átimo de minuto. Os lábios entreabertos nada

dizem. Ela ouve, porém, no imo, Sua voz, como antes: Vai em paz! Lembrar-me-ei de ti...

Antigas tradições cristãs dizem que essa mulher se chamava Serápia e que, a partir

desse episódio, ficou conhecida como Verônica, que quer dizer: verdadeira imagem.

Um dos Evangelhos apócrifos, Atos de Pilatos, informa que seu nome seria Berenice.

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Serápia, Verônica ou Berenice – que importa? O que ressalta é o exemplo de

gratidão que se permite externar. Ela acompanha o Mestre, na Sua caminhada dolorosa,

rompe o cordão de isolamento, afrontando a soldadesca, tudo para limpar o rosto Daquele

que um dia a envolvera em Seu olhar amoroso, desejando Paz.

Ele lhe retribui o gesto, deixando impresso Seu semblante na toalha alvinitente.

Verônica é uma das mulheres, dentre tantas, que, reconhecida pela atenção do

Mestre, O acompanha a todo lugar, bebendo da Sua sabedoria e formando como que uma

coroa humana de profunda gratidão ao Seu redor.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. A mulher hemorroíssa. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. A hemorroíssa. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo:

União Cultural. v. I, pt. 2.

03.ROPS, Daniel. Quando o canto do pássaro se cala. In:___. A vida quotidiana na

Palestina ao tempo de Jesus. Livros do Brasil. cap. 12, item IV.

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6) Da África, um cireneu

Os Evangelistas, ao relatarem os fatos da prisão à morte de Jesus, omitem

pormenores macabros. Percebe-se que estão claramente interessados em salientar o

essencial na trágica ocorrência: a serenidade do Mestre; um pensamento de conforto para

as lágrimas das mulheres de Jerusalém; uma lembrança para Sua mãe e o discípulo ao pé

da cruz; o perdão aos responsáveis pela Sua morte; uma frase de conforto aos desditosos

ao Seu lado.

Do vale de Tiropeion, onde foi condenado, Jesus percorreu, subindo, com o patíbulo

aos ombros, meio quilômetro em linha reta, até chegar à saliência da rocha conhecida

como Crânio, por causa de sua forma lisa e arredondada. (Calvarium em latim, Gólgota

em aramaico).

Possivelmente por terem dado ênfase ao que mais impressionou no Celeste Amigo,

desde o momento da prisão, o julgamento arbitrário e a execução da sentença infamante,

é que igualmente foram lacônicos quanto a um personagem daqueles momentos.

Mateus (27:32), Marcos (15:21) e Lucas (23:26) dedicam um versículo ao episódio,

limitando-se a escrever que encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e

obrigaram-no a levar a cruz de Jesus; e obrigaram um certo homem, que ia passar, Simão

de Cirene, que vinha do campo, pai de Alexandre e de Rufo, a tomar a cruz de Jesus;

agarraram um certo Simão Cireneu, que voltava do campo, e puseram a cruz sobre ele,

para que a levasse após de Jesus.

Cirene era uma colônia agrícola da Grécia, de acesso quase impossível pela

presença rival de Cartago. Situada na costa Líbia, foi construída no ano 631 a.C e teve

grande vitalidade. Desde o ano 75 a.C. passou a ser província romana e ali moravam

muitos judeus.

Homem do campo e do trabalho rude, não gostava de ajuntamentos e confusões.

Embora não odiasse os romanos, por instinto e sistema não queria jamais ter nada a ver

com a autoridade, nem com a justiça, nem com o exército.

Pouco se sabe a respeito dele. Os Evangelhos não nos permitem elucubrações mais

profundas a respeito de sua personalidade.

Homem de Cirene, Cireneu, ou Simão, como o denominam Marcos e Lucas, foi

requisitado por um oficial romano a carregar a cruz do prisioneiro que, enfraquecido,

sucumbia no caminho, àquele peso. Como representante da autoridade, o Procurador

Pôncio Pilatos, o militar tinha aquela prerrogativa.

Tudo que lhe envolve a vida permanece na obscuridade, o que com certeza inspirou

a um italiano escrever a respeito do que teria ocorrido ao Homem de Cirene, após o contato

com o Mestre de Nazaré.

Permitimo-nos, aqui, ao sabor do que o próprio escritor denominou de lenda,

apresentar uma versão tocada da gratidão Daquele que é nosso Modelo e Guia.

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Simão vinha do campo e pretendia entrar em Jerusalém, rumo à sua casa, naquele

dia. Viu o cortejo, tendo à frente soldados romanos a pé e a cavalo, conduzindo condenados

ao suplício.

Um deles caiu de mau jeito, já incapaz de carregar a cruz. Simão, porque não

pudesse passar através da multidão, parou de encontro ao vão de uma porta. Foi então que

o centurião o descobriu e percebendo que ele era forte, chamou-o com a mão e com a voz.

A uma ordem assim dada não havia como se esquivar. Resmungando intimamente,

o Cireneu acomodou sobre o ombro o instrumento de suplício e se encaminhou para a

frente, ansioso por se libertar daquela carga e da raiva.

O condenado apresentava um rosto abatido, empapado de suor e riscado de filetes

de sangue.

A cruz pesava sobre os ombros fortes de Simão. Enquanto caminhava, evitando

olhar o prisioneiro, pois não suportava sangue, começou a pensar na sua vida.

Em seu pequeno campo, a água era escassa, os ratos tinham causado dano à cevada.

Seu filho mais velho, Alexandre, estava muito mal e ele ainda deveria providenciar o

necessário para a Páscoa.

Viera de sua nativa Cirene há poucos anos. Não conhecia quase ninguém na Cidade

Santa. Desconhecia os acontecimentos daquele dia. Não sabia quem era o prisioneiro.

Mal chegou ao Calvário, desceu a cruz e dando-se conta que ninguém mais

atentava para ele, esgueirou-se por entre os ajuntamentos de pessoas e demandou a casa.

A caminho, já imaginava o que lhe diria a mulher, sempre pronta a repreender e a

se inflamar. Preparou-se para o temporal e ao chegar, antes que ela pudesse abrir a boca,

pôs-lhe docemente uma das mãos no ombro, uma daquelas mãos que tinham mantido e

agarrado o lenho destinado ao Galileu.

Mikal olhou o marido calma e falou de forma pacífica, o que o deixou surpreso.

Depois, Simão foi para o quarto do filho Alexandre, que parecia dormir, dominado pela

febre. Quando o rapaz, ainda meio adormecido, porque respirasse mal, fez menção de se

levantar, o pai o envolveu com os dois braços e o aconchegou ao peito, buscando melhor

acomodá-lo no leito.

Seus filhos eram seus maiores amores. Alexandre pareceu sentir-se melhor ao

contato da espádua do pai. Simão a sentia mortificada pelo peso da cruz, mas não teve

coragem de afastar o filho daquele aconchego.

Horas depois, a febre se fora e a casa respirava alegria. O que estava acontecendo é

o que a esposa desejava saber. O marido estava diferente.

Naquele final de tarde, um devedor de muito tempo veio à casa e, com desculpas

pela demora, agradecendo pelo favor e a paciência, pagou integralmente a dívida.

Dias mais tarde, um rapaz jovem e uma mulher foram procurar Simão. Ele fora

reconhecido e indicado como quem auxiliara Jesus a carregar a cruz. A mulher chamava-

se Maria e vinha agradecer, beijando as mãos misericordiosas do benfeitor de seu filho.

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Simão ficou sabendo, então, quem havia auxiliado e começou a pensar nas tantas

bênçãos que recebera desde então.

Não passou muito tempo para que discípulos ou inimigos do Nazareno o

procurassem, desejando ouvir detalhes.

E porque não apreciasse a curiosidade ou porque, cavando um novo poço,

encontrara uma ânfora com moedas e joias e desejava gozar em paz o tesouro, decidiu

abandonar Jerusalém.

Vendeu o campo, a casa, e com a mulher e os filhos partiu para a capital do Império.

Graças ao seu labor, o tesouro se multiplicou. Em sua família, ocorreu uma

profunda revolução espiritual. Mikal e os filhos foram conquistados pela palavra de um

certo Paulo de Tarso e se tornaram cristãos.

A casa de Simão se tornou ponto de Encontro dos novos adeptos e não tardou que a

história de seu encontro com Jesus viesse à tona. Por mais se esquivasse, de início, logo

estava sentindo prazer em relatar pormenores que, diga-se, não eram muitos.

Mas, afirmava-se agradecido pelas bênçãos que passara a gozar e que ele reportava

exclusivamente à bondade do Mestre da Cruz.

Angariou notabilidade na comunidade cristã, embora não se considerasse verdadeiramente

cristão.

Na primeira perseguição, ele foi preso. Todas as provas eram contra ele. Ele chegara

a carregar a cruz para o seu Mestre.

E, numa noite, ele foi pendurado a uma cruz. Teve seu corpo untado de betume e

ardeu como um archote para iluminar os jardins do Imperador.

A província romana de Cirene deu alguns filhos ilustres ao mundo como Jason, que

escreveu importante descrição sobre a rebelião dos macabeus, e Lúcio, pregador na

comunidade cristã de Antioquia.

Mas, nenhum deles conseguiu o galardão que aquele anônimo trabalhador

alcançou, ao cooperar com Jesus Cristo, sem sequer conhecê-lO, naqueles momentos de

testemunho e de definição muito graves.4

01.GAROFALO, S. et al. Morrer em uma cruz. In:___. Vida de Cristo. São Paulo:

PAULINAS, 1982. cap. 16.

02.PAPINI, Giovanni. O cireneu. In:___. As testemunhas da paixão – sete lendas do

Evangelho. São Paulo: SARAIVA, 1950. cap. 4.

03.ROHDEN, Huberto. Caminho do Calvário. In:___. Jesus Nazareno. 6.ed. São

Paulo: União Cultural. v. 2, cap. 187.

04.TEIXEIRA, J. Raul. Jesus e o cireneu. In:___. Vida e mensagem. Pelo Espírito

Francisco de Paula Vítor. Niterói: FRÁTER, 1993. cap. 9.

05.VAN DEN BORN, A . José. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

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Petrópolis: Vozes, 1985, verbetes Cirene.

06.______. Simão. Op. cit.

07.ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. Rio de Janeiro: Britannica, 1986. v. 10,

verbete Grécia – 1.50 e 3.7.6.

Em 15.2.2016.

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7) Dimas

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - abril/2005

Seu nome era Dimas. Sentenciado, aguardava a execução, na prisão. Graças ao

sumário e vergonhoso julgamento de Jesus de Nazaré, a execução foi adiantada, eis que

tudo deveria acontecer antes da Páscoa judaica.

Arrancado da prisão, junto a Gestas, companheiro de loucuras e de cela, inicia a

grande marcha. Grande, não pela extensão, pois que do Pretório de Pilatos à colina do

Calvário vai menos de um quilômetro. Grande, pelo seu significado.

Dimas contempla maravilhado a Jesus. Ele dormiu à noite, na prisão. Também foi

alimentado e não tem sede.

O homem de Nazaré, contudo, está fraco. Perdeu muito sangue e no Seu rosto ainda

escorrem gotas vermelhas, saindo das feridas provocadas pela coroa de espinhos.

É habitual, entre os criminosos autênticos que, em registrando prisioneiros

inocentes entre eles, dêem mostras de delicadeza, de compaixão e de estima, algo

semelhante a um sentimento de respeito e proteção para com quem é vítima da injustiça

dos homens.

Este sentimento é que deve ter tomado conta de Dimas. Aquele homem, ele já ouvira

falar Dele, era alguém que somente semeara Amor em Seu caminho. Como O podiam tratar

daquela forma?

O Justo carrega a sua cruz. O arrependido também. O primeiro caminha curvado

ao peso do madeiro, cambaleando, parando, a respiração opressa e o pulso acelerado.

Dimas se indaga o porquê de tanto ódio do populacho que acompanha o triste cortejo.

Constata que os soldados de Roma não estão ali para impedir a fuga dos três

sentenciados. Encontram-se ali para defender Aquele que segue à frente da multidão que

O apupa, grita e gargalha. O centurião dá ordem aos legionários para rodearem a Jesus, a

fim de que os mais exaltados não O agridam.

Os dois salteadores vão andando, mais atrás. Apesar dos insultos e impropérios que

Gestas vai dirigindo aos que deles se aproximam, o povo não o apupa. Tudo é dirigido para

Aquele que é considerado o maior celerado: Jesus.

A marcha ascende pelo bairro de Acra. As pessoas olham das janelas, pelas esquinas,

pelos terraços. A ladeira começa a ser vencida, depois vem a descida.

O lugar do suplício está próximo: uma elevação de terreno calcário, onde uma

vegetação mesquinha mal consegue disfarçar a nudez das rochas.

Dimas sente o sangue gelar nas veias à perspectiva da morte próxima.

Apavora-se, igualmente, ao pensar que o Justo também vai morrer.

Ofertam-lhe, como a todos os supliciados, uma taça de narcótico amargoso, a fim

de diminuir a sensação da dor. A droga era o sumo das folhas de hissope.

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Enquanto alguns soldados iniciam a crucificação de Jesus, outros realizam a dos

malfeitores. Dimas se debate e convulsiona, em desespero e dor, clamando contra a

injustiça. Sua frio e o coração está em disparada.

O primeiro prego lhe penetra fundo o pulso. Ele luta desesperadamente por se

libertar. Sente vertigens e tudo gira à sua volta.

Como o tronco vertical da cruz já estava em pé, por meio de cordas, foi suspensa a

barra horizontal com o corpo, e os pés foram nela cravados.O anestésico romano aliviava,

mas não extirpava a dor. Dimas se move sem parar e quanto mais se movimenta, mais os

pregos roçam as raízes nervosas dos pulsos e dos pés.

Ele daria qualquer coisa para sair dali. Se tivesse outra chance, voltaria ao passado

e refaria a vida. Seria o mais bem comportado de todos os homens, desde que o liberassem

daqueles cravos enterrados em suas carnes.

Um letreiro, acima de sua cruz, indicava o motivo pelo qual sofria o suplício. A

crucifixão era um suplício que chegava a durar 3 dias. As cruzes eram dispostas em local

que pudessem ser vistas por todos, pois o objetivo de Roma era deixar bem claro que aquele

seria o destino de todo aquele que ousasse erguer o braço contra a Águia poderosa.

Dimas está à direita da cruz de Jesus. Os soldados repartem entre si as vestes dos

três homens. Era costume que o sentenciado fosse levado ao local da execução com suas

próprias vestes e totalmente despidos, ao serem crucificados. As horas que se seguem são

de zombaria e insulto. Toda a pequenez e a ignorância humanas se voltam contra a Luz

que morria, sem um queixume.

Alguns lhe exigem que desça da cruz e salve a Si mesmo. Outros lhe indagam, entre

gargalhadas, onde estão os Seus milagres, onde se encontra todo o Seu poder.

Gestas se contorce e cheio de ódio, alia-se aos que O insultam, exclamando:

"Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós que estamos para morrer contigo!"

Dimas vira as costas mutiladas de Jesus, quando O despiram. Vira o corpo coberto

de hematomas. Viu um homem fraco e debilitado. Mas viu muito mais: Aquele não era um

homem comum. Era um rei, cujo reino ultrapassava a compreensão humana.

Jesus não emitia uma única queixa, nem revidava nenhum dos insultos. Ao

contrário, suplicara: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...".

Aquele Homem era um Rei que venceria a morte. Ele estava caminhando para o

Seu reino, invisível, mas real.

Assim, logo responde Dimas a Gestas:

"Tu te encontras às portas da morte e mesmo assim, não te arrependes dos teus

erros? Ambos sabemos que merecemos a cruz, porque somos criminosos. Mas este nenhum

mal fez."

O criminoso parece ser tomado por um clarão de esperança. Volta-se para o Cristo

e pede: "Senhor! Lembra-te de mim, quando entrares no teu reino!"

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Ele sentia a vida se lhe esvair do corpo, mas deseja viver. Viver em outra paisagem.

Uma paisagem de flores, onde Jesus é o jardineiro. Deseja ser uma das flores a serem

tratadas por quem era capaz de perdoar os que O supliciavam. Deseja adquirir aquela

serenidade e paz que manifesta o Homem que se encontra na cruz do meio.

A resposta de Jesus foi instantânea. Não foi preciso que Dimas lhe confessasse as

mazelas. O Mestre da Vida o acolhe:

"Dimas, na verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso!"

Ao longo dos séculos, as pessoas se têm indagado que Paraíso seria esse.

Naturalmente, não o Paraíso das delícias, pois que Dimas tinha um passado a expiar.

Desejava se reformular, é isso que o seu pedido exprimia. E Jesus lhe diz que o conseguirá.

Não fora Ele mesmo que acenara com a bem-aventurança aos aflitos, porque

seriam consolados?

Jesus lhe afirmava que, após a morte, o espírito prosseguiria perseguindo a

felicidade, numa nova rota, segundo a Lei de Justiça e Amor de nosso Pai.

Os condenados agonizam devagar. O peso do corpo distende os tecidos, ampliando

os rasgões da carne. O corpo estremece em arrepios. Os dedos se agitam, o tórax se projeta

para a frente, salientando os arcos das costelas.

Dimas vê Jesus dobrar a cabeça, enterrar o queixo no peito e dizer: "Tudo está

consumado!"

Era a hora nona, ou seja, três horas da tarde. Seis horas na cruz e Ele se fora.

O suplício de Dimas prossegue.

Segundo as leis judaicas, e que o governo romano respeitava, os corpos dos

sentenciados não deveriam ficar suspensos no patíbulo durante a grande solenidade pascal,

que começava ao pôr do sol da sexta-feira.

Por isso, uma embaixada foi ao Pretório rogar a Pilatos que mandasse retirar os

corpos dos crucificados. Para os atender, o Procurador da Judéia ordenou que os soldados

fossem ao Gólgota, com malhos pesados e quebrassem as pernas aos prisioneiros,

apressando-lhes a morte.

Assim foi feito aos dois criminosos, Gestas e Dimas. Este, adentrou à Espiritualidade

com disposição de retificar os seus erros e, conforme a promessa que Lhe fizera o Cristo,

descobriu o Paraíso do desejo do Bem, da ensancha de lutar para ser melhor, até alcançar

a Perfeição.

Bibliografia:

01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida.

Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966. cap. 27, vers. 38.

02.______. Lucas. Op. cit. cap. 23, vers. 32, 39-43.

03.______. João. Op. cit. cap. 19, vers. 18, 31-34.

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04.CURY, Augusto. A 3ª hora: cuidando de um criminoso e vivendo o maior dos

sonhos. In:___.O mestre do amor. São Paulo: Academia de Inteligência, 2002. cap. 8.

05.ROHDEN, Huberto. A crucifixão. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União

Cultural. v. II, pt. 3, cap. 188.

06.______. A sepultura de Jesus. Op. cit. pt. 3, cap. 190.

07.SALGADO, Plínio. A grande marcha. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. pt. 5, cap. LXXIII.

08.______. Consumatum est! Op. cit. pt. 5, cap. LXXV.

09. XAVIER, Francisco Cândido. O bom ladrão. In:___. Boa nova. Pelo espírito Irmão X. 8.

ed. Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 28.

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8) Jeziel – Estêvão

Em Atos dos Apóstolos, a primeira referência que é feita a Estêvão se encontra no

cap. 6, v. 5 e seguintes, ao relatar a escolha dos diáconos (aqueles que servem) para a Igreja

de Jerusalém (Casa do Caminho), figurando o seu nome em primeiro lugar, na lista dos

sete escolhidos.

Emmanuel, no entanto, ao enfocar a saga de Paulo de Tarso, inicia a sua maravilhosa

narrativa, com a história da família de Jochedeb ben Jared, no ano 34, que se constituía do

pai, Jochedeb, a filha Abigail, de dezoito anos, e Jeziel, no vigor dos seus vinte e cinco anos

de idade.

Naquele ano, o representante de César em Corinto, Licínio Minúcio, lhes tomou a

propriedade e destroçou a família. O pai morreu açoitado diante dos dois filhos. Abigail foi

socorrida pelas generosas mãos do casal Zacarias ben Anan e sua esposa, que havia

acabado de sofrer a morte do filho, e foi viver, em uma granja, na estrada de Jope. Jeziel,

após sofrer bárbara tortura por espancamento, foi recolhido à prisão e encaminhado,

transcorridos mais ou menos trinta dias, para o serviço das galeras romanas.

Sua formação moral resistiu heroicamente à dureza das novas condições. Não se

deixou vencer pelo desespero nem pelo ódio, impondo voluntariamente sua autoridade

moral, não apenas aos companheiros de infortúnio, mas até mesmo ao feitor.1

O ilustre romano Sérgio Paulo, que se encontrava a bordo, em missão política,

adoeceu gravemente. Abriu-se seu corpo em chagas, de tal forma que nem seus amigos

desejaram tratá-lo. A incumbência foi dada ao jovem escravo Jeziel.

À conta de suas preces e cuidados, a autoridade romana se restabeleceu, enquanto

o escravo manifestou a mesma enfermidade.

Grato pelo cuidado de Jeziel, Sérgio Paulo conseguiu opor-se ao comandante do

barco que desejava jogá-lo ao mar, para evitar a contaminação, e o deixou em terra, na

costa da Palestina, munido de uma bolsa de dinheiro.

Depois de ter dado a bolsa a um homem que o encontrou, o jovem israelita mereceu

dele a misericórdia de ser conduzido à casa de um tal Efraim, que o levou à Casa do

Caminho, em Jerusalém.

Recebido pelo generoso coração de Pedro, foi tratado e curou-se. Logo mais,

abraçaria a nova fé e, por sugestão do próprio Pedro, adotaria o nome grego, tanto para

resguardar-se de ser identificado, criando dificuldades ao romano que lhe concedera a

oportunidade de uma nova vida, quanto para demarcar a nova fase de sua vida em Cristo:

Estêvão.

Rapidamente, Estêvão se integrou na vida da comunidade cristã, passando a servir

à causa com todas as suas forças. Breve, tornou-se uma das figuras de destaque na Casa do

Caminho, pelas suas faculdades curadoras e inspirada pregação.

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O seu primeiro encontro com o futuro Apóstolo dos Gentios se deu na própria Casa

do Caminho, quando Saulo ali esteve, levado por Sadoc que o desejava liderando uma

campanha contra aqueles homens, cujo prestígio crescia em Jerusalém.

Saulo ameaçou Estêvão com a autoridade do Sinédrio, mas o pregador não se

atemorizou. Para ele, não havia autoridade maior que a de Deus.

Convidado ao debate, no Sinédrio, escusou-se, dizendo que esse era contrário aos

ensinos de Jesus. Denunciado formalmente, então, por amigo de Saulo, compareceu

perante o tribunal, sozinho.

O interrogatório foi presidido pelo próprio Saulo que, vencido pela serenidade e

paz que descobriu em Estevão e sua convicção inabalável em Jesus, permitiu-se dominar

pela cólera e o esbofeteou, repetidas vezes.

A sentença final foi a morte por apedrejamento, após quase dois meses, período em

que Estêvão foi mantido em regime carcerário.

No dia marcado para o apedrejamento, foi conduzido às proximidades do altar dos

holocaustos, no Templo. Apresentava equimoses nas mãos e nos pés. O passo tardio

demonstrava cansaço. A barba estava crescida e maltratada.

Após a leitura das acusações, antes de pronunciar a sentença, Saulo perguntou-lhe

se estaria disposto a abjurar, conservando a vida.

A resposta desassombrada do moço de Corinto foi de que nada no mundo o faria

renunciar à tutela de Jesus. Morrer por Ele significava uma glória.

O tumulto foi geral. Fariseus exaltados o arrastaram, puxaram-no pela gola, e não

fosse a intervenção enérgica de força armada, ele seria estraçalhado pela multidão furiosa.

Com o auxílio de um legionário romano, recompôs as vestes sujas e rotas, acima

dos rins, para não ficar inteiramente nu. Algemado a um tronco, com os pulsos sangrando,

pela grosseria dos soldados, sob o sol abrasador das primeiras horas da tarde, começou o

apedrejamento.

Os executores da sentença eram os representantes das sinagogas das cidades que

convergiam ao Templo. Despiram seus mantos brilhantes e enfeitados, entregando-os a

Saulo. Eles se esmeraram em poupar a cabeça do condenado, a fim de que o espetáculo

durasse mais tempo.

Estêvão pensa em Jesus e ora. O peito se cobre de ferimentos e o sangue flui,

abundante. Ele recita o Salmo XXIII de Davi: O Senhor é meu pastor. Nada me faltará..

Sentindo a presença de seus amigos espirituais, exclama, o que os Atos, no cap. 7,

vers. 56, registraram: Eis que vejo os céus abertos e o Cristo ressuscitado na grandeza de

Deus!

Recorda da irmã Abigail. Por onde andaria? Que teria sido feito dela? Nunca mais

a encontrara.

Abigail, noiva de Saulo, e por ele convidada para assistir à execução, chegava

naquele instante. Demorara-se em vir porque não desejava presenciar o espetáculo vil.

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Instara mesmo junto a Saulo se não poderia ser outra a sentença ao jovem pregador, a

respeito do qual o noivo lhe falara.

Surpresa, reconhece o irmão e ele, ante a visão do Cristo que olhava

melancolicamente para Saulo, a reconhece igualmente. Já não tem certeza se ela em

Espírito ali se apresenta ou se é produto de alguma alucinação, pelas dores que o acometem.

A pedido de Saulo, que não entende como se tornara o verdugo do irmão de sua

noiva, ele é retirado do poste e conduzido ao gabinete dos sacerdotes.

Tanto quanto pôde, Jeziel resumiu para Abigail sua história e lançou em sua alma

as primeiras sementes da Boa Nova.

A irmã lhe apresenta o noivo, Saulo, a quem o moribundo contempla sem ódio e

acentua:

Cristo os abençoe... Não tenho no teu noivo um inimigo, tenho um irmão... Saulo

deve ser bom e generoso. Defendeu Moisés até o fim... Quando conhecer a Jesus, servi-lo-

á com o mesmo fervor... Sê para ele a companheira amorosa e fiel.3

A cena é comovedora. Abigail deixara o irmão preso ao poste de martírio em Corinto

e torna a encontrá-lo, em idêntica condição, em Jerusalém.

Ora, a pedido dele, conforme o fizera, um dia, na sala de torturas. Ele desencarna

em seu regaço.

Mais tarde, quando o Apóstolo dos Gentios rogou socorro a Jesus, pois sentia que a

tarefa estava se tornando maior do que a pudessem suportar as suas forças, a doce voz do

Mestre lhe diria: ...o valor da tarefa não está na presença pessoal do missionário, mas no

conteúdo espiritual do seu verbo, da sua exemplificação e da sua vida.5

Paulo não poderia estar presente em todas as novas comunidades, mas poderia

escrever. Para tanto, Estêvão ficaria agora mais junto dele, transmitindo os pensamentos de

Jesus. Seria o intermediário entre o Cristo e o Apóstolo.

Seria ainda Estêvão que, ao lado de Jesus e de Abigail (desencarnada pouco depois

do irmão, acometida de febre) viria receber Paulo, liberto dos laços da carne, consumada

a sua decapitação.

Estêvão abraça o antigo perseguidor, agora Servidor de Jesus, com efusão.

E assim unidos, ditosos, os fiéis trabalhadores do Evangelho da redenção seguiram

as pegadas do Cristo, em demanda às esferas da Verdade e da Luz..4

01.MIRANDA, Hermínio C. O homem e a obra. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de

Janeiro]: FEB, 1979. v. 1, cap. 2.

02.PEREIRA, Yvonne A. Estêvão. In:___. Cânticos do coração. Rio de Janeiro: CELD,

1994. cap. 1.

03.XAVIER, Francisco Cândido. In:___. Paulo e Estêvão. Pelo espírito Emmanuel. 1.

ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 1, cap. 1 a 10.

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04.______. Ao encontro do Mestre. Op. cit. pt. 2, cap. 10.

05.______. As epístolas. Op. cit. pt. 2, cap. 7.

Em 15.2.2016.

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9) Joana de Cusa

O Evangelista Lucas a ela se refere em duas oportunidades, em seus apontamentos.

A primeira, no capítulo 8:1-3: ...e andavam com ele os doze, e algumas mulheres que

tinham sido livradas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena,

da qual tinham saído sete demônios; Joana, mulher de Cusa, procurador de Herodes, e

Susana...

A segunda, no capítulo 24, onde a identifica como uma das mulheres que, vindo da

Galileia com Jesus, tendo observado que o Seu corpo, ao ser descido da cruz, fora

simplesmente envolvido num lençol e depositado no sepulcro aberto na rocha, cedido por

José de Arimateia, preparou aromas e bálsamos e, no primeiro dia da semana, foi ao

sepulcro.

Ao chegar, em companhia de outras mulheres, entre as quais, Madalena e Maria,

mãe de Tiago, descobriu a pedra do sepulcro revolvida.

Adentrando o local, foram surpreendidas por dois homens com vestes

resplandecentes, que lhes informaram que Jesus não mais estava ali, pois que ressurgira.

Ressuscitara.

Retornaram a Jerusalém, entre o assombro e a ansiedade, para transmitir as novas

aos Apóstolos e discípulos.

O Espírito Humberto de Campos5 a ela se refere como uma mulher de muitas posses,

que tinha a seu serviço inúmeras criadas, que a serviam com zelo. Desfrutava, ao tempo

de Jesus, de privilegiado nível social, em Cafarnaum.

Casada com alto funcionário de Herodes, Joana era das mulheres mais altamente

colocadas naquela sociedade.

Atraída pelo verbo eloquente de Jesus, passou a ouvir as pregações do lago.

Denotando nobreza de caráter, vestia-se de forma simples, a fim de não atrair a atenção

do povo para si.

Desejava beber da água viva de que Ele falava. Trazia no coração uma infinidade

de dissabores.

Possuidora de verdadeira fé, amargurava-se pela posição do esposo. Intendente de

Herodes, em contato constante com os representantes do Império, a fim de gozar do

prestígio social, ele ora comparecia ao Templo de Jerusalém, ora sacrificava aos deuses

romanos.

Joana tentara expor ao marido a sua nova crença, em vão. Trazendo a alma

torturada, certa vez procurou o Mestre para lhe falar das suas lutas e desgostos.

Jesus a ouviu longamente e depois ponderou: Joana, só há um Deus, que é o Nosso

Pai, e só existe uma fé para as nossas relações com o Seu amor. Todos os templos da Terra

são de pedra; eu venho, em nome de Deus, abrir o templo da fé viva no coração dos homens.

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Por fim, Jesus lhe recomenda que volte ao lar e ame o seu companheiro, despedindo-

a com um Vai, filha!... Sê fiel! Uma inflexão de tal carinho, que ela jamais haveria de

esquecer.

Retornou ao lar e transformou todas as suas dores num hino de triunfo silencioso

em cada dia.

Procurou esquecer as características inferiores do marido, enaltecendo o que ele

possuía de bom.

Dois filhos vieram lhe enriquecer os dias, e os anos passaram. Perseguições políticas

e reveses se abateram, finalmente, sobre o ex-intendente Cusa.

Perdendo seu prestígio e envolvendo-se em dívidas insolváveis, amargurou-se e

enfermou gravemente.

Numa noite de sombras, ele voltou ao plano espiritual. Joana, que tudo suportara

até então, viu-se a braços com as dificuldades mais acerbas. Ela, que possuíra a seu

comando tantas servas, necessitou procurar trabalho para se manter e aos filhos, embora

as observações acres de amigas. Fiel a Jesus, recordava que Ele também havia trabalhado,

modelando a madeira, na modesta carpintaria. Ele, o Divino Mestre.

Dessa forma, se dedicou aos filhos de outras mães e a afazeres domésticos em casa

alheia, provendo às suas e às necessidades dos rebentos de sua carne. Anos mais tarde, a

bordo de uma galera romana, ela demandaria à capital do Império.

Nos anos 54 a 68, o Império Romano foi governado por Lúcio Domizio Enobardo,

que a História imortalizou com o nome de Nero. Dentre tantas loucuras, como esbanjar

sem limite o dinheiro público e organizar orgias extravagantes, desencadeou grandes

perseguições aos cristãos.

Segundo crônicas do historiador latino Tácito, fiéis do Cristo, amarrados, cobertos

de alcatrão, eram usados como tochas humanas para as insônias de Nero, nos passeios

noturnos nos jardins da sua residência privada, a Domus Áurea (Casa Dourada), no Monte

Aventino.

Ao comando da sua maldade, tendo acusado os cristãos de terem ateado fogo em

Roma, foram executados de duzentos a trezentos mil.

No dia 27 de agosto de 68, nas proximidades das águas termais de Caracala, no

Monte Aventino, Joana, junto a outros quinhentos cristãos, foi levada ao poste do martírio.

De cabelos nevados, ela ouve as queixas de um homem novo, amarrado ao poste

próximo. É seu filho que exclama, entre lágrimas: Repudia a Jesus, minha mãe!... Não vês

que nos perdemos?! Abjura!...por mim, que sou teu filho!..5

As lágrimas acodem aos olhos daquela mulher. Pela sua mente, passam rapidamente

as cenas de sua juventude, os primeiros anos do casamento, os dissabores, as alegrias da

maternidade, as lutas, a viuvez, as necessidades mais duras.

Lembra Maria, mãe de Jesus, que assistira, por horas, o suplício do seu amado filho.

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Por fim, acode-lhe à memória, a tarde memorável do particular encontro com o Mestre e

Suas palavras de despedida: Vai filha! Sê fiel!5

E pede ao filho que se cale, conclamando-o à fidelidade a Deus. As labaredas lhe

lambem o corpo e ela abafa, no peito, os gemidos. A massa de povo grita, desvairada.

Um dos verdugos se aproxima e lhe pergunta, irônico: O teu Cristo soube apenas

ensinar-te a morrer?5

A resposta, corajosa, se deu num murmúrio: Não apenas a morrer, mas também a

vos amar!

E sentindo uma mão suave a lhe tocar os ombros, escutou a voz inconfundível do

Divino Pastor: Joana, tem bom ânimo! Eu aqui estou!5

Triunfante, ela transpôs o pórtico da morte para adentrar na verdadeira vida.

01.BÍBLIA, N.T. Lucas. Português. Bíblia Sagrada. 6. ed. São Paulo: PAULINAS, 1953.

cap. 8, vers. 1 a 3 e cap. 24, vers. 1 a 10.

02.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin

Claret, 1995. cap. 9.

03.SAID, Cezar Braga e FRANCO, Divaldo Pereira. In:___. Joanna e Jesus, uma

história de amor. Curitiba: FEP, 2015. pt. 1.

04.SCHUBERT, Suely Caldas. Joanna além do tempo. In:___. O semeador de estrelas.

Salvador: LEAL, 1990. cap. 2.

05.XAVIER, Francisco Cândido. Joana de Cusa. In:___. Boa nova. Pelo Espírito

Humberto de Campos 8. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1963. cap. 15.

06.______. A mulher ante o Cristo. In:___. Religião dos Espíritos. Pelo Espírito

Emmanuel. 4. ed. Rio[de Janeiro]: FEB, 1960.

Em 15.2.2016.

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10) Levi

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita - julho/2003

Àquela época as rendas do Império Romano eram arrecadadas por um sistema de

taxação direta sobre pessoas (capitatio humana), o que devia equivaler ao atual Imposto

Pessoa Física, ISS e sobre propriedades (capitatio terrena), correspondendo aos atuais IPTU

e Imposto Rural. Havia ainda a taxação indireta (postorium) sobre a exploração do subsolo,

salinas, imposto de consumo e tarifas alfandegárias, o que também encontramos similares

na atualidade (ICMS e outros).

"...A arrecadação das rendas do Estado efetivava-se em todo o Império por

arrematadores que, em hasta pública, ofereciam maior lance, firmando-se, em seguida, no

fórum, junto ao censor, o contrato respectivo." (4)

Muitos judeus, com seu especial temperamento para negócios, comércio e finanças,

se entregavam a esse mister, pelo que eram olhados, pelos fariseus, saduceus, zelotes e toda

a população, com desprezo.

Não importava o cargo que ocupassem. Fossem altos funcionários das alfândegas,

contadores, modestos amanuenses ou simples escreventes, todos eram simplesmente

chamados de "publicanos" e olhados de soslaio. Odiados.

Se enriqueciam no trabalho, se respeitavam a Torá, se freqüentavam a Sinagoga, se

pagavam o dízimo exigido, nada disso importava. Eram detestados e, no Templo de

Jerusalém, quase sempre se postavam em lugar mais afastado, até mesmo para evitar

escandalizar a parentela, a vizinhança e os conterrâneos.

A alma dos publicanos era uma alma dolorosa, solitária. Entre esses, havia um tal

de Levi, filho de Alfeu, que desempenhava na alfândega de Cafarnaum, as funções de

escrevente. Com maestria manejava o kalam, caniço talhado para escrever, anotando, em

colunas, o nome das mercadorias, a percentagem tributária, a moeda para o pagamento.

Nas horas de seu descanso, ele se entregava a amargas meditações. Ansiava pela

vinda do Messias. Não seria afinal Ele, o Messias, Aquele que deveria vir para fazer sorrir

a felicidade entre as montanhas de Israel?

Ele se sentia como "um leproso", um ser à margem da sociedade.

Certa manhã de sábado, em que estava no seu local de trabalho, levantou os olhos

e os viu. Não conseguia se recordar porque é que fora ali, naquele dia e naquela hora,

pois não era o seu habitual, nesse dia e nesse horário.

Era um grupo de pescadores, entre os quais, ele reconheceu João e Tiago, dos quais,

mais de uma vez, cobrara impostos. À frente deles, caminhava um estranho de cabelos cor

de mel, barba à moda nazarena e uma túnica de alvura brilhante. Destacava-se pela

majestade do porte. Parecia um homem letrado, culto.

Sente Levi inusitadas emoções. Tem ímpetos de seguir com o grupo, de acompanhá-

los. No turbilhão de pensamentos que o dominou, ele se deixou ficar ali, parado, atônito.

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Compareceu à sinagoga, naquela tarde e O viu. Ele leu os textos e os interpretou.

Na acústica da alma, Levi parecia reconhecer aquela voz. Novamente, a emoção lhe tomou

de assalto os sentimentos. Aquele homem falava de coisas tão velhas e já sabidas, ao mesmo

tempo de coisas novas e surpreendentes. Não era tudo o que sempre aguardara para sua

própria vida?

Quando o Rabi saiu da sinagoga e se dirigiu à casa da sogra de Pedro, Levi

acompanhou-O, de longe.

Ouviu os comentários das curas da sogra de Pedro, do endemoninhado, mas não

ousou se aproximar. Desejava, mas temia. Ele era um renegado, uma infeliz ovelha de

Israel. Contudo, almejava aproximar-se e dizer: "Senhor, eu não sou digno..." A voz

lhe morria na garganta.

Nas noites seguintes, o sono lhe foi atormentador. Bastava fechar os olhos, para ver

aquele olhar que se cruzara com o seu, na manhã daquele sábado, à porta da alfândega.

Se abria os olhos, podia ver, na escuridão do quarto, aquele olhar...

Vencido pelo cansaço, adormecia por algum tempo, para despertar, álgido de suor,

com a lembrança de que estava acompanhando o Mestre, por uma longa estrada de sol.

Embaixo do braço, o rolo de papiro de assentamentos da alfândega. Entretanto, nele não

havia anotações sobre dracmas, sestércios, peças de ouro, mas somente escritos, alguns

versículos, algo que ele não conseguia distinguir.

Finalmente, enquanto trabalhava, às primeiras horas do dia, na repartição

aduaneira, tudo aconteceu. Sua tarefa era mecânica. Seu espírito pairava distante.

Então, ergueu os olhos e focalizou o retângulo da porta. Um estremecimento

percorreu todo seu corpo. Esfregou os olhos. Estaria sendo vítima de uma alucinação pelas

tantas horas não dormidas?

"Emoldurada pelos batentes, destacando-se no fundo azul do lago e do céu, erguese

diante dele, irradiante de bondade, a figura do Mestre." (4) - Levi, filho de Alfeu, segue-

me!

Ele se levantou. Não havia dúvidas em seu coração. Seguiu-O.

Há felicidade no ar. Tudo parece cantar alegrias. Ele convida o Rabi para um

banquete em seu lar. Preparou a mesa, dispondo peixes assados e fritos, maçãs, romãs,

azeite e mel de qualidades preciosas, vindas de Méron, Corazim, Hébron.

Sobre a toalha de linho branco, abundância de baixelas, taças e pratos. À porta de

entrada, dispôs serviçais com vasilhames de água pura para as abluções devidas.

O povo se aglomera na praia, em expectativa. É um grande acontecimento em

Cafarnaum.

Quando vê a barca de Simão se aproximando da praia, e a figura de Jesus com sua

túnica brilhante, os cabelos emoldurando-lhe a face, Levi tem vontade de gritar.

Seu peito quase estoura de felicidade. Ele avança, curva-se e com seus braços, as

lágrimas represadas, abraça o Divino Amigo.

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- Alegra-te, Mateus, fala-lhe o Pastor, hoje a felicidade adentra pelo teu lar.

O banquete foi festivo, ao som de pífanos, flautas, pandeiros e delicados sinos.

Ardem as piras fumegantes, em volta da mesa farta, no cair da tarde.

Os fariseus que passam e observam o banquete na varanda da rica casa,

murmuram. Jesus serve-se do momento, para a lição dos sãos que não necessitam de

médico, mas sim os doentes.

"Jesus faz a refeição do entardecer com os convidados do seu convocado,

publicanos como ele, da mesma alfândega, que se interessam pelo reino que Ele traz.

Esclarece uns e orienta outros, explica-lhes qual a estratégia a desenvolver, para que se

implante o reino especial, e toda uma conversação afetuosa se estabeleceu." (1)

Mateus Levi ou Levi Mateus mudou de atividade, encontrando a sua real vocação :

"...anotar almas para o banquete do reino de Deus." (1)

A Mateus é atribuído o primeiro Evangelho, escrito originariamente em aramaico,

embora a versão que se conheça seja a da tradução grega, que se acredita, tenha sido feita

pelo próprio autor. Dos seus apontamentos primeiros, se serviram os cristãos primitivos

para a disseminação das alvíssaras da Boa Nova, dentre eles, Simão Pedro, Barnabé, Paulo,

o convertido de Damasco.

Na Casa do Caminho, em Jerusalém, Estevão, o primeiro mártir do Cristianismo,

através deles conhece os ditos e os feitos do Mestre de Nazaré.

Segundo a tradição, Mateus Levi teria sido martirizado na Etiópia.

Seu nome deriva do grego Maththaios ou Matthaios, proveniente do aramaico

Mattai, forma abreviada do hebraico Mattanyah, que significa "dom de Yavé".

Bibliografia:

1.FRANCO, Divaldo Pereira. O ministério de Mateus Levi. In:___. Até o fim dos

tempos. Pelo espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 2000.

2.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin

Claret, 1995. cap. 9.

3.ROHDEN, Huberto. Jesus Nazareno. Vocação e banquete de Levi. In:___. Jesus

nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v.1, cap. 39.

4.SALGADO, Plínio. Levi, filho de Alfeu. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. pt. 2, cap. XIX.

5.ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. Rio de Janeiro: Britannica, 1986. v. 3,

verbete Apóstolo - 9.9

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11) Maria, de Betânia

Ao tempo do Cristo, os perfumes eram muito usados pelos homens e pelas mulheres

de Israel. Serviam-se deles os judeus, tanto para atenuar os inconvenientes da sudação, no

país quente em que viviam, quanto por apurado bom gosto.

Lê-se no Velho Testamento que a rainha de Sabá trouxe camelos carregados de

perfumes ao rei Salomão; que Ester, antes de se apresentar ao rei Assuero tinha se

perfumado durante um ano. A noiva descrita no Cântico dos Cânticos derramava óleo de

odores fortes.

Por isso mesmo, as mulheres de Israel encontravam, nos textos sagrados, um grande

encorajamento para utilizarem perfumes.

Em Jerusalém, as mulheres podiam dispender em perfumes um décimo de seu dote,

preparando-se, com certeza, de forma muito especial para o seu amado na sua noite de

núpcias.

Algumas chegavam mesmo a portar, sob os pés, minúsculos vaporizadores de pele.

Ao desejarem, bastava-lhes pressionar o dedo grande para que uma onda de perfumes as

abraçasse, encantando o seu pretendente.

Alguns perfumes eram extremamente caros e raros. Tal o nardo, de odor

penetrante, esse mesmo que Maria, de Betânia, derramou sobre a cabeça de Jesus e inundou

a sala inteira, durante o banquete, em casa de Simão, o antigo leproso.

Maria era irmã de Lázaro e Marta. Viviam em Betânia, lugarejo na encosta oriental

do Monte das Oliveiras, no caminho de Jerusalém para Jericó.

Cercada por imensos campos de cevada, pequenos bosques de olivedos e figueiras

que sombreiam a estrada de Jericó serpenteante junto às muralhas, Betânia ficava a uma

hora de Jerusalém.

Tudo ali era bucolismo: tapetes de flores miúdas caíam sobre a relva verdejante e a

coroa do Monte das Oliveiras ao longe tingia com o verde-cinza das árvores a paisagem

deslumbrante.1

Os irmãos de Betânia haviam feito de Jesus membro da família e recebê-lO em casa

representava o engastar de uma estrela nas paredes domésticas.1

Seu lar era rodeado de rosas perfumadas e construído de paredes cobertas de

plantas trepadeiras. Ao redor, cedros e pessegueiros em flor. A casinha era cúbica, de

alpendre com colunas abraçadas por hera verde-escura.1 Um lugar de aconchego e paz.

Muitas vezes Jesus foi hospedar-Se naquela casa. Em uma das oportunidades,

encontramos Maria sentada aos pés de Jesus, desejando beber avidamente de tudo o que

saía daqueles lábios.

Marta, a mulher prática, desejava oferecer a Jesus e Seus acompanhantes o melhor,

e corre de um a outro lado, tentando preparar o repasto, arrumar os leitos, dispor a mesa.

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Afável, aproxima-se e observa ao Mestre que sua irmã O está importunando, sem

se preocupar em tudo preparar para a refeição de logo mais.

A palavra é semente de vida, diz Jesus. E completa: Maria escolheu a melhor parte,

que não lhe será tirada. ( Lc, 10:42 )

Então, narra a parábola do Rei que visitou a casa de um homem casado. Quando o

monarca chegou, ele se quedou a escutá-lo, enquanto a esposa perdeu-se nas tarefas do

lar. O Rei ficou pouco tempo e partiu. Somente aquele que o escutou se inteirou do

programa do seu reinado, o que era mais importante...1

Durante o célebre banquete oferecido por Simão, uma semana antes da morte de

Jesus, Maria ousaria provocar um escândalo. Era uma mulher que amava profundamente

aquele Mestre que vinha semear luzes nas mentes e acalentar corações sofridos.

O banquete, ela sente, era uma festa de despedida. Ela sabia que, desde a

ressurreição de Lázaro, os adversários de Jesus tinham apertado o cerco em torno dEle. Ela

pressentia que Ele estava se despedindo. Eram os últimos dias do Amigo entre eles.

Por isso, foi buscar em casa um vaso de alabastro finíssimo, cheio de bálsamo de

nardo genuíno. Talvez fosse o perfume que guardava, em seu dote, para o esposo, na noite

das núpcias. Pesava quase uma libra, ou seja, trezentos e cinquenta gramas. Diz-se que

Judas teria comentado a respeito do desperdício, avaliando o produto pela fortuna de

trezentos dinheiros, o que teria alimentado três mil pobres, segundo o cálculo de Filipe,

outro Apóstolo de Jesus.

Um murmúrio percorre a sala. Os discípulos, instigados por Judas, comentam,

conforme as anotações do Evangelista Mateus. (Mt., 26:8-9)

Os demais se escandalizam, possivelmente por imediatamente fazerem a associação

ao processo de sedução utilizado pelas mulheres, em que o perfume era o ingrediente

primordial. Estaria ela, em público, declarando o seu amor Àquele homem!? Ele era um

rabi!

Eis porque Jesus, entendendo-lhe a intenção e o grande amor que ela expressava,

disse: Por que molestais esta mulher? Ela fez-me verdadeiramente uma boa obra. Porque

vós tendes sempre convosco os pobres; mas a mim nem sempre me tendes. Por isso,

derramando ela este bálsamo sobre o meu corpo, fê-lo como para me sepultar. Em verdade

vos digo que em toda a parte onde for pregado este Evangelho por todo o mundo,

publicarse-á também para sua memória o que ela fez. (Mt., 26:10-13)

Maria, em seu coração, parece ter previsto também que não seria possível dar ao

corpo de Jesus, após a Sua morte, as honras que Lhe seriam devidas, conforme o costume

de Israel. E tudo oferece ao Amigo Sublime antes, não se importando com os falatórios, nem

com sua própria reputação.

Ela ama e o expressa, enquanto o Amigo está entre eles. Sublime lição. Ato de Beleza

e de Poesia.

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1.FRANCO, Divaldo Pereira. A família de Betânia. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

2.ROHDEN, Huberto. O banquete em Betânia. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São

Paulo: União Cultural. v. II, pt. 2.

3.ROPS, Daniel. Usos e costumes – toucador e ócios. In:___. A vida quotidiana na

Palestina ao tempo de Jesus. Livros do Brasil. cap. 11, item II.

4.SALGADO, Plínio. O perfume do nardo. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. pt. 4, cap. LXII.

5.TEIXEIRA, J. Raul. Saber escolher. In:___. Quem é o Cristo? Pelo Espírito Francisco

de Paula Vítor. Niterói: Fráter, 1997. cap. 11.

6.VAN DEN BORN, A . Betânia. In:___. Dicionário enciclopédico da bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

Em 15.2.2016.

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12) Maria, de Magdala

Ninguém lhe conhecia a origem. Ela aparecera em Magdala, numa ocasião em que

a cidade transbordava de estrangeiros, vindos das festas de Jerusalém e de caravanas

carregadas de especiarias do Egito.

A cidade, também denominada de Migdol Nunaya, no Talmude, era uma aldeia de

pescadores, na beira ocidental do lago de Genesaré. Os palácios se erguem, ao longo da

praia, entre os leques das palmeiras e a sombra dos jardins.

Nas ruas calçadas, trafegam mercadores, soldados de escudo e lança, publicanos, o

povo. Pelas mãos circulam dracmas, sestércios, denários e papiros cambiais aos sons do

hebraico, aramaico, grego e latim.

Ela chegara e adquirira fama: Maria. Logo se lhe acrescentara à denominação, o

nome da cidade: de Magdala. Era uma mulher de grandes olhos nostálgicos e de longos

cabelos caídos sobre as espáduas, como onda escura de ouro.

Seu palácio era procurado pelos príncipes das sinagogas; por ricos negociantes; por

opulentos senhores de terras e de escravos; funcionários de alta categoria da administração

herodiana, que lhe depositavam no regaço moedas de ouro, joias, dracmas de prata,

perfumes raros, presentes exóticos.

Ela se dava ao luxo de escolher quem lhe aprouvesse e se tornou detentora dos

segredos dos fariseus, aqueles que baixavam a cabeça na rua, com ares pudicos, mas que

a buscavam, embuçados em mantos negros, a horas mortas.

Maria, de Magdala ou Madalena, contudo, não era feliz. Surda tristeza a minava,

entregando-se, por vezes, dias seguidos, à profunda amargura. Espíritos infelizes a

tomavam, em noites variadas, deixando-a alheada, olhos perdidos no mistério de

insondáveis distâncias.

Nessas horas, as servas despediam, do átrio, todos os que a buscassem. Alguns

homens, sentindo-se preteridos, dobravam as ofertas pelas horas de prazer que anteviam.

Tudo em vão.

Numa noite de perfumes primaveris, instada por uma serva de confiança, dedicada

e fiel, permitiu um diálogo1 sobre o Rabi que andava pelas estradas da Galileia e da Judeia.

Sentiu a esperança renascer, ante a informação de que aquele Rabi convivia com os

pecadores, os excluídos. Ele viera para encontrar o que estava perdido.

Numa noite que balouçava luzes miúdas no firmamento escuro1, servindo-se de

uma embarcação, atravessou o lago e foi ter com Ele, em Cafarnaum.

Quando Ele veio a Magdala, ela tomou de um vaso de alabastro que continha o

perfume do lótus. Custara-lhe o preço de um campo. Era seu presente ao Amigo.

Sabendo-O em casa de Simão, para lá se dirigiu.

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Como bom fariseu, Simão experimentava um gozo particular em ostentar virtudes

e recepcionar amigos, apresentando, em seu palácio, personalidades que, por qualquer

motivo, se tornaram famosas.

Durante meses, após um banquete, os comentários persistiam na cidade, acerca dos

personagens que sua casa acolhera.

Com Jesus não fora diferente. Ele e dois de Seus discípulos haviam merecido a

distinção de um banquete na rica vivenda de Simão.

Quase ao seu final, ouviram-se gritos e altercações. Depois, rompendo a segurança,

Madalena irrompe na sala.

Tudo se deu tão rápido! Ela se arroja aos pés do Rabi que permanece impassível, na

posição em que Se encontrava.

Surdos cochichos perpassam pelo ambiente. Simão se enche de cólera, ante o

epílogo desastroso do seu jantar. Teme mandar expulsá-la, porque sabe da sua coragem e

ousadia. Ela o conhece, bem como a tantos outros que ali se apresentam como homens de

honra.

Jesus serve-Se do momento para lecionar o Amor, exaltando o gesto daquela mulher

que, ajoelhada aos Seus pés, rega-Os com suas lágrimas, enxuga-Os com seus cabelos e Os

unge com o excelso perfume que impregna todo o ambiente, concluindo: Por isso te digo

que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem

pouco é perdoado, pouco ama.(Lucas, 7:47).

Ergue-se a voz de Jesus com infinita majestade: Mulher, a tua fé te salvou; vai-te em

paz. (Lucas, 7:48).

Na manhã seguinte Magdala soube, pasmada, a notícia da conversão da pecadora.

Distribuíra tudo quanto possuía e, com o estritamente necessário, iniciara nova vida.1

As vozes da desonra e do despeito sussurravam que ela voltaria às noites de prazer,

que enlouquecera, que sempre fora louca.

Ela se juntou aos que seguiam o Mestre. Discreta, mais de uma vez recebeu a

bofetada da desconfiança. Sabia que não confiavam em sua renovação, nem se davam conta

de quantas tentações ela estava procurando sublimar.

Chegados os dias da denúncia de Judas, da prisão de Jesus, do julgamento arbitrário,

ei-la, caminhando para o Gólgota, acompanhando-O.

Permaneceu ao pé da cruz, junto a Maria e ao discípulo João. Quando a cabeça D’Ele

pendeu, desejou cingir-lhe outra vez os pés e osculá-los com ternura, mas se sentiu

imobilizada.1

No domingo, indo ao túmulo com Joana de Cusa, Maria, a mãe de Marcos, e outras

mulheres, encontrou a pedra do sepulcro removida, dobrados os lençóis que lhe haviam

envolvido o corpo.

Ela temeu que os judeus houvessem roubado o Seu corpo. Enquanto as demais

retornaram a Jerusalém a informar o ocorrido, ela permaneceu no jardim, a chorar.

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A saudade feita de dor lhe estrangulava o peito, quando ouviu a voz d’Ele,

chamando-a pelo nome. O Mestre estava ali, vivo, radioso como a madrugada

recémnascida.

Foi anunciar o fato aos discípulos, que não creram. Por que haveria Jesus de

aparecer a ela, logo para ela? Somente Maria, a mãe dEle a abraçou e lhe pediu detalhes.

Os dias que se seguiram foram de saudades e recordações. As notícias lhe chegavam

doces: o encontro com os jornaleiros dos caminhos de Emaús; a pesca incomparável; a

jornada a Betânia.

Após quarenta dias, junto aos quinhentos discípulos, ela O viu ascender lentamente,

as mãos voltadas para eles, como num gesto de afago, as vestes luminosas, desaparecendo

ante seus olhos.

Desejou então seguir com os novos disseminadores da Boa Nova. Temeram que sua

presença pudesse ser perniciosa, semeando desconfiança, naqueles dias incipientes das

luzes do Reino.

Ela experimentou soledade e abandono e, para arrefecer a imensa saudade do Rabi,

passou a andar pelas longas praias que tanto O recordavam.

Numa dessas tardes, encontrou leprosos que vinham de muito longe buscar o

socorro da cura.

Ela os abraçou, dizendo-lhes que Jesus já partira. Deteve-se por horas a falar,

saudosa, do que aprendera com quem era o Caminho, a Verdade e a Vida.

Depois, seguiu com eles ao vale dos imundos. Sentindo que a seiva da vida diminuía

em suas veias, desejou rever a doce Mãe de Jesus, aquela que tanto a afagara em suas

amarguras, e foi a Éfeso, morrendo às portas da cidade, sendo brandamente recolhida nos

braços do Amor não Amado.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. A rediviva de Magdala. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. Madalena. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União

Cultural. v. 1, cap. 53.

03.SALGADO, Plínio. O abismo e a estrela.. In:___. Vida de Jesus. 21. ed., São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. pt. 3, cap. XLI.

04.VAN DEN BORN, A . Magdala. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

05.XAVIER, Francisco Cândido. A mulher e a ressurreição. In:___. Boa nova. Pelo

Espírito Humberto de Campos. 8. ed. Rio de Janeiro:FEB, 1963. cap. 22.

06.______. Maria de Magdala. Op. cit. cap. 20.

Em 15.2.2016.

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13) Muitos frutos

O título é a tradução do nome de Policarpo (poli = muitos; carpo = fruto), que foi

discípulo de João Evangelista e viveu entre os anos 69 e 155, em Esmirna, atual Turquia.

De caráter reto, de alto saber e fiel ao Cristo, era respeitado por todos no Oriente.

Não se sabe muito a respeito da sua vida, sendo os relatos mais detalhados os que se

referem ao seu martírio, em nome de Jesus.

Quando Inácio de Antioquia, a caminho de Roma, prisioneiro, passou por Esmirna,

Policarpo foi vê-lo e beijou as correntes que o prendiam. Inácio, por sua vez, lhe

recomendou que velasse pela longínqua comunidade de Antioquia e escrevesse, em seu

nome, às comunidades da Ásia.

Pouco depois, Policarpo escreveu uma Carta aos Filipenses, documento que se

conserva até os dias atuais e que costumava-se ler publicamente, nas igrejas nascentes,

sendo admirada pela excelência dos conselhos e a claridade de estilo.

Certa vez, Policarpo deslocou-se a Roma porque desejava aclarar alguns pontos

referentes a ritualísticas e comemorações, em que divergia das orientações do Papa Aniceto.

Depois de muito conversarem, como nenhum ao outro pudesse convencer de seus pontos

de vista, combinaram, como verdadeiros cristãos, que cada qual conservaria as suas

próprias convicções e permaneceriam unidos no mesmo Ideal e Amor ao Cristo.

Cerca de quarenta anos após o martírio de Inácio de Antioquia, pelo ano 155, uma

onda de perseguições varreu subitamente Esmirna. Da época, existe uma carta atribuída a

Piônio, dirigida da Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélio, outra cidade da Ásia Menor,

que ficou conhecida como O martírio de Policarpo.

É o mais antigo relato conhecido de um martírio cristão e também o primeiro a usar

o título de mártir para designar um cristão morto pela fé. Segundo Ernest Renan: Este belo

trecho constitui o mais antigo exemplo conhecido das Atas de martírio.

Descreve, em cores vivas, as perseguições a uma dúzia de cristãos, focando

especialmente o caso de Policarpo.

Esse, três dias antes de ser preso, estando refugiado em uma pequena propriedade,

conforme lhe aconselharam amigos, teve um sonho em que viu seu travesseiro queimado

pelo fogo. Despertando, disse aos companheiros: Devo ser queimado vivo!

Delatado por um escravo, que não suportou a tortura a que foi submetido, Policarpo

teve a casa em que se encontrava totalmente cercada. Levantou-se da cama onde repousava

e desceu para conversar com os que tinham vindo prendê-lo.

Alguns se sentiram envergonhados ao lhe descobrirem a veneranda e anciã figura.

Policarpo pediu aos que o abrigavam que dessem de comer e beber aos soldados e lhes

pediu tempo para orar.

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Chegada a hora de partir, fizeram-no montar num jumento e levaram-no para a

cidade. Era um sábado. O chefe de polícia, de nome Herodes, e seu pai, Nicetas, foram até

ele e insistiram para que oferecesse sacrifícios a César.

Não conseguindo seu intento, empurraram-no com tal violência que ele machucou

a perna. Sem reclamar de coisa alguma, entrou andando no estádio e foi levado até o

Procônsul Estácio Quadrato.

Pensa na tua idade, disse-lhe o Procônsul. Muda teu modo de pensar. Que mal há

em oferecer sacrifícios e fazer tudo o mais para salvar-se? Renega o Cristo e estarás livre!

A resposta de Policarpo foi serena, mas objetiva: Há oitenta e seis anos sirvo a Cristo

e nenhum mal tenho recebido dEle. Como poderei rejeitar Aquele a quem prestei culto e

reconheço o meu Salvador?

O único leão da cidade estava saciado por espetáculos anteriores e, então, decidiuse

que Policarpo sofreria o suplício do fogo, conforme ele mesmo previra.

A multidão enfurecida gritava: Eis o pai dos cristãos, o destruidor de nossos deuses. Ele

ensina a não sacrificar.

E começou a recolher lenha e buscar feixes tirados das oficinas e das termas.

Quando a pira ficou pronta, quiseram pregá-lo ao poste. Ele recusou, afirmando: Aquele

que me permite sofrer o fogo tornar-me-á capaz de me conservar imóvel na pira.

Ele mesmo se despiu , desamarrou o cinto e tirou as sandálias. Amarraram-lhe as

mãos atrás das costas e ele agradeceu a Deus por tê-lo julgado digno daquele dia e daquela

hora.

Quando as pilhas de lenha foram acesas, o fogo fez uma espécie de muralha à sua

volta, envolvendo como parede o corpo do mártir. Ele estava no meio, como ouro ou prata

brilhando na fornalha.

Então, o carrasco subiu à pira e o apunhalou. Era o dia 23 de fevereiro, no sétimo

dia antes das calendas de março, dia do grande sábado, na oitava hora.5

Quando os cristãos foram reivindicar o corpo, as autoridades mandaram reduzi-lo

a cinzas, com temor que passassem a adorá-lo.

Mais tarde, no entanto, os discípulos conseguiram retirar do fogo alguns dos ossos,

para colocá-los em lugar conveniente.

01.READER’S DIGEST. Defendendo a fé. In:___. Depois de Jesus. O triunfo do

Cristianismo. Rio de Janeiro, 1999, cap. 4, item O martírio de Policarpo.

02.www.santododia.com.br/biograf10/polic.htm

03.http://pt.wikipedia.org/wiki/Policarpo¬_de_Esmirna

04.www.corazones.org

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14) O amigo de Jesus*

Policarpo, homônimo de personagem que foi mártir cristão no ano de 155, também

ofereceu a vida ao Divino Mestre na arena romana durante uma das cruéis perseguições

desencadeadas pelo imperador Diocleciano, por ocasião do fim da sua governança, no

começo do século quarto da nossa Era.

A sua implacável perseguição aos cristãos, que considerava como um grande perigo

para o Império e para a sua autoridade, ceifou milhares de vidas mediante terríveis

suplícios que lhes foram infligidos em todas as regiões por onde se espraiavam as suas

províncias, sendo praticamente todo o mundo conhecido...

Ante a rudeza das calamitosas refregas, não foram poucos aqueles que abjuraram a

fé, rendendo culto ao imperador e aos deuses, provocando dilaceradoras angústias nas

falanges dos servidores do Cristo.

Aprisionado no norte da África, onde se celebrizara pelo verbo inflamado e pelas

ações dignificantes de caridade e de amor, Policarpo foi enviado em ferros a Roma com a

família – mulher e dois filhinhos – bem como outros discípulos do Rabi, sendo atirados às

feras, num dos turbulentos festivais de loucura.

Altivo e de ascendência nobre, em razão de ser romano de nascimento, foi-lhe

proporcionado ensejo de renunciar à fé, retornando ao culto dos ancestrais, providência

que pouparia a sua e a existência da família. Embora de alma dilacerada pelos sofrimentos

que lhes seriam impostos, optou pela fidelidade à consciência, sendo martirizado com os

seus.

Conta-se que, antes de ser atirado à arena, em face da sua inteireza moral, por

ordem superior foi supliciado pela soldadesca, enquanto a mulher e os filhinhos eram

submetidos a humilhações inomináveis. Igualmente portadora de alta espiritualidade,

Flamínia, a companheira digna, ao invés de atemorizar-se, mais confiou nos desígnios

divinos, revestindo-se de coragem e de fé inquebrantáveis, que surpreendiam aqueles

insensíveis algozes da sua firmeza moral.

No dia em que deveriam servir de repasto aos leões, leopardos e tigres esfaimados,

Policarpo foi jogado no meio dos companheiros atemorizados, lanhado e esgotado nas

forças pelos flagícios sofridos, e mesmo assim, tentou recompor-se, para transmitir ânimo

àqueles que, não obstante o amor e a confiança no Mestre, choravam apavorados temendo

o próximo terrível testemunho que os aguardava.

O subterrâneo infecto por dejetos e cadáveres não removidos tornara-se lôbrego e

nauseante. Aqueles que ali se encontravam haviam perdido praticamente o discernimento

e, hebetados uns pelo medo, agitados outros pelo desespero, estremunhados diversos,

vendo-se abandonados, subitamente sentiram a mudança da atmosfera, quando ventos

inesperados que sopravam no ardente mês carrearam o doce perfume dos loendros dos

arredores abertos aos cálidos beijos do Sol.

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De imediato, uma psicosfera de paz invadiu o recinto sombrio e fez-se um

significativo silêncio, enquanto o rugir dos animais misturava-se à algazarra desmedida da

multidão agitada pelos corredores, assomando às arquibancadas e galerias, aplaudindo o

espetáculo burlesco que sempre precedia às matanças desordenadas.

Foi, nesse momento, que o apóstolo, recuperando as energias e inspirado pelos

Emissários do Senhor, convidou o magote assustado à reflexão e à prece, elucidando: -

“Morrer, por Jesus, é a honra que agora nos é concedida. Enquanto Ele, que não tinha

qualquer culpa, doou a Sua vida, para que a tivéssemos em abundância, convida-nos a que

ofereçamos a nossa, a fim de que outros, que virão depois, igualmente possuam-na. Morrer

por amor é glória para aquele que se imola

Enquanto o mundo nos surpreende com as suas ilusões, sombras e traições dos

nossos sentidos, a morte é vida perene em luz e felicidade. Não nos separaremos nunca!

Avancemos juntos, portanto, pois que o Mártir do Gólgota nos aguarda em júbilo. O nossa

sangue irá fertilizar o solo dos corações, a fim de que se expanda a nossa fé, modificando

a

Terra e elevando-a ao estágio de mundo de reabilitação.”

Ele fez uma ligeira pausa, dominado pela emoção que contagiava os ouvintes

atentos, inebriando mentes e corações de esperanças na Imortalidade, e, de imediato, dando

seguimento: - “É fácil morrer, especialmente quando se soube viver transformando urze

em flores e calhaus em estrelas. Cantemos, dominados pela infinita alegria de doar o que

possuímos de mais valioso, que é a vida física. Jesus, que nos ama, aguarda por nós!”

A emoção era geral. Uma aragem de paz tomou-os a todos. A esposa acercou-selhe

com um filhinho no regaço e o outro segurando-lhe as vestes, e tocou-o. Abraçando-a

com lágrimas, ele agradeceu-lhe a coragem, prometendo que prosseguiriam amando-se

depois da sombra da noite...

Os portões foram abertos estrepitosamente. Soldados furiosos com lanças e chibatas

empurraram os prisioneiros para o centro da arena. A gritaria infrene tomou conta da

massa alucinada, que subitamente silenciou, quando eles se adentraram cantando um hino

de exaltação a Jesus.

Em seguida, os animais selvagens foram atirados na sua direção e, a pouco e pouco,

as patadas violentas e as dilacerações pelos dentes afiados, foram despedaçando os corpos,

que tremiam exangues na areia, colorindo-a do rubro fluido orgânico. Policarpo, a mulher

e os filhinhos, formando um todo em vigoroso abraço de sustentação moral, foram

alcançados e despedaçados... Após as primeiras dores uma anestesia total tomou-lhes a

consciência e pareceram adormecer, enquanto o espetáculo dantesco prosseguia...

Embora remanescesse débil claridade do Sol poente no áspero verão de agosto, a

noite avançava, deixando aparecer as primeiras estrelas faiscantes como olhos que

observassem as inconcebíveis calamidades humanas.

E quando a noite fez-se total, após o público insano ter abandonado o Circo, as feras

serem recolhidas, os corpos começaram a ser atirados sobre as carroças conduzidas por

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escravos embriagados, vestidos de faunos e portando comportamentos obscenos, de modo

a prepararem o espaço para o dia seguinte e suas novas degradações, do Infinito

incomparável e diáfana luz desceu na direção da arena, servindo de passarela para uma

coorte de seres angélicos que, entoando sublimes canções, aproximou-se do lugar do

holocausto.

À frente, estava Jesus, nimbado de sideral luminosidade, que recolheu Policarpo e

família, enquanto os demais martirizados eram retirados dos últimos despojos pelos Seus

embaixadores em clima de alegria e gratidão a Deus.

Despertando, e deslumbrando-se com o Mestre que o envolvia em claridades

iridescentes, Policarpo abraçou-o, enquanto Ele confirmou: - “Amigo querido, já

transpuseste a porta estreita. Agora vem com os teus para o meu reino que te espera desde

há muito!”

Policarpo, depois daquela doação a Jesus, retornou à Terra diversas vezes, sempre

quando o pensamento do Mestre sofria adulterações, sendo a sua última jornada na

condição de seareiro do Espiritismo, nele restaurando a mensagem cristã que havia sido

aviltada através dos tempos.

Da Espiritualidade, este valoroso Amigo de Jesus, leciona:

Quem ama Jesus não conhece barreiras impeditivas, ignora desafios perturbadores

e está sempre a postos para servi-lO.

Não hesitemos em amar, nem nos escusemos de servir. Escutai o coração e oferecei-vos aos novos holocaustos pela fé sublime que se

sustenta nas bases da razão e do sentimento de amor.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. O amigo de Jesus. In:___. Entre os dois mundos. Pelo

Espírito Manoel Philomeno de Miranda. Salvador: LEAL, 2004. cap. 2

*Transcrição autorizada pela gentileza do médium Divaldo Pereira Franco. Em

18.2.2016

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15) O amigo de sempre

Lázaro é a forma grega da abreviação hebraica lãzãr – Eleazar - Deus ajuda, e João

o cita em seu Evangelho, nos capítulos 11 e 12.

É apresentado como irmão de Marta e Maria, residentes todos em Betânia, distante

cerca de uma hora de Jerusalém.

Era uma aldeia singela, cercada por imensos campos de cevada, pequenos bosques

de olivedos e figueiras1, no caminho de Jerusalém para Jericó.

A aldeia era um contraste à aspereza da Judeia, pelo verdor de que se revestia. Os

declives eram cheios de folhagens, as casas brancas mostravam seus alpendres floridos e

flores miúdas enfeitavam o tapete de relva verdejante.

Lázaro, como suas irmãs, amava Jesus e o dizia abertamente. Jesus era como um

membro da família e recebido sempre com alegria. Quando o Mestre se encontra nas

proximidades, é ali, na casinha risonha e franca, que é recebido à porta pelo amigo, com

efusivo abraço e o ósculo no rosto.

Em Betânia teve Jesus uma segunda família, no ninho de afeições que lhe oferecem

os amigos. O amigo dedicado, Lázaro, lá estava. Era o único lugar onde o Galileu podia

gozar algumas horas de sossego, de intimidade familiar. Era como se estivesse em casa.

Lázaro é, pois, o grande e devotado amigo de Jesus.

Foi em Betânia, enquanto o Rabi narrava os últimos acontecimentos e explanava

sobre o futuro, enquanto a noite avançava, que se deu o célebre episódio em que Jesus

enfatiza a escolha da melhor parte, conforme narra Lucas no seu Evangelho, cap. 10:38-

42.

Quando Lázaro adoeceu, no mês de shebat (fevereiro), Jesus se encontrava

pregando na Pereia e as irmãs lhe mandaram um mensageiro.

Foram dois dias de marcha e o recado foi breve: Senhor, eis que está enfermo aquele

que amas.

O Profeta de Nazaré o sossega, despedindo-o com a certeza de que aquela

enfermidade não levaria à morte, antes era para a glória de Deus.

Passados dois dias, Jesus empreende a jornada de retorno a Betânia, portanto, ao

chegar ao seu destino, Lázaro estava com quatro dias de sepultura, pois morrera no mesmo

dia em que o mensageiro de Marta e Maria transmitira a Jesus o recado.

Por ser uma família distinta e estimada, havia muitas visitas na chácara de Betânia,

quando a notícia da presença de Jesus O precede. Marta vai ao Seu encontro e, na

encruzilhada, à beira da povoação, avistando-O, fala-lhe:

Senhor, se estiveras aqui não teria morrido meu irmão. Parece uma queixa e um

velado pedido, que se reveste de leve esperança.

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Não longe dali ficava o sepulcro de Lázaro, num rochedo da encosta. O acesso se

dava por estreita escada rústica e uma escura galeria subterrânea, com um bloco de pedra,

em forma de mó, tapando a boca do sepulcro.

Jesus pede a Marta que chame sua irmã e, acompanhado ainda por todos os judeus

que estavam na casa àquela hora e seguiram Maria, o Mestre Se dirige ao local onde o

corpo do amigo estava encerrado.

Narra o Evangelista que Jesus chorou. Embora os judeus tenham comentado que

aquela era a demonstração do quanto o Rabi amava Lázaro, as Suas lágrimas sentidas e

sinceras se deviam à constatação da ignorância de que os homens ainda eram portadores

e, conseqüentemente, pelas dores que os avassalariam por largo tempo empós.

Ao comando de Jesus, Marta manda abrir o túmulo. Um hálito pestífero se espalha

pela vizinhança. Envolto em largas faixas embalsamadas de essências raras, o rosto coberto

com um sudário, lá está o cadáver.

Ora o Mestre ao Pai e depois brada com voz vibrante: Lázaro, vem para fora!

Alguma coisa branca se move no fundo escuro da catacumba. Aproxima-se. Os

contornos parecem mais nítidos. Caminha lentamente. Enrolado da cabeça aos pés nas

faixas do embalsamamento, Lázaro responde a Jesus: Eis-me aqui, Senhor!

Quando a noite se fez, Lázaro é novamente o bom hospedeiro, andando, sorrindo,

comendo do pão que todos comiam. Era o motivo de todas as alegrias.

Ao mesmo tempo, um motivo de terror.

Para aquela gente, ele se tornou um enigma. Quais seriam suas recordações

daqueles quatro dias em que estivera no Vale da Morte? Mas ninguém ousava lhe

perguntar as aventuras da misteriosa viagem.

Pelo desconhecimento da letargia, nas semanas que se seguiram, quase que não se

falava de outra coisa em Jerusalém e arredores. Jesus nem tocara no cadáver. Apenas

ordenara e Lázaro agora estava no meio deles, em perfeita saúde. Muitos o procuravam e

ele se tornou alvo de curiosidade geral.

Depois de verem Lázaro, os curiosos iam ter com Jesus, contemplando com um

misto de admiração e medo aquele Homem de Nazaré, que dava ordens à própria morte, e

a morte Lhe obedecia.

Quando, uma semana antes de Sua morte na cruz, Jesus retorna a Betânia, narram

João, Marcos e Mateus que a localidade fervilhava de peregrinos, por causa das celebrações

da Páscoa judaica.

Jesus foi convidado a jantar em casa de um tal Simão, chamado leproso. Talvez um

daqueles que Ele curara em algum momento da Sua jornada de luz pela Terra.

Lázaro foi convidado, naturalmente, para tomar lugar à mesa do festim.

Personagem tão distinto não poderia faltar. Entretanto, desde que o Amigo Celeste o

trouxera de retorno à vida física, despertando-o do sono letárgico, Lázaro não é mais o

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mesmo. Tudo ao seu redor: a paisagem risonha, a casa confortável, a delícia da vida, tudo

se tornou uma coisa sem importância.

Lázaro entendera a mensagem de Jesus. Os homens o temem porque percebem que

o sangue palpita nas suas veias, seu corpo é quente, seus olhos brilham, seus lábios sorriem.

Ele retornou do outro lado, e dentro dele a vida cantava como esplende na paisagem

colorida e na asa dos pássaros.2

Em Lázaro há uma intensa alegria pois reconhece a verdade nas palavras de Jesus:

Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim viverá, ainda que tenha morrido; e quem

em vida crê em mim não morrerá eternamente.

Séculos depois, quando o Espírito de Verdade prepara a vinda do Consolador,

Lázaro integra a equipe.

São de sua autoria as páginas, A afabilidade e a doçura, Obediência e resignação, A

lei de amor, O dever, que se encontram em O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo

IX, itens 6 e 8; capítulo XI, item 8 e no de número XVII, item 7, ditadas todas no período

de 1861 a 1863, em Paris.

Bem se revela Lázaro como aquele que muito amou a Jesus, elegendo-O à condição

de amigo e seguindo-O, na qualidade de Guia e Modelo, quando afirma: O amor resume a

doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência...

A lei de amor substitui a personalidade pela fusão dos seres; extingue as misérias

sociais... Quando Jesus pronunciou a divina palavra – amor, os povos sobressaltaram-se e

os mártires, ébrios de esperança, desceram ao circo. (O Evangelho segundo o Espiritismo,

cap. XI, item 8)

01.FRANCO, Divaldo Pereira. A família de Betânia. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.

02.SALGADO, Plínio. O viajante do país desconhecido. In:___. Vida de Jesus. 21. ed.

São Paulo: VOZ DO OESTE, 1978. pt. 4, cap. LVIII.

03.______. “Surge et ambula!”. Op. cit. pt. 4, cap. LVII.

04.TEIXEIRA, J. Raul. Saber escolher. In:___. Quem é o Cristo. Pelo espírito Camilo.

Niterói: Fráter, 1997. cap. 11.

05.VAN DEN BORN, A . Betânia. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985. Em

18.2.2016

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16) O Apóstolo da Samaria

A obra mediúnica de Francisco Cândido Xavier, o romance que narra a vida do

Senador romano Públio Lêntulus, Há dois mil anos, nos contempla com informações

preciosas acerca de algumas personalidades que tiveram acesso direto ao Mestre de

Nazaré.

Dentre esses, destaca-se um ancião de nome Simeão, natural da Samaria.

Beneficiado pelas bênçãos das mãos consoladoras de Jesus, quando Ele por lá transitara,

era tio da serva de confiança da esposa do orgulhoso Senador, Ana.

Coração pleno de gratidão, foi até Cafarnaum para ver o Messias. Desejava ouvi-

lO, banhando-se da Sua luz.

Sua expressão fisionômica expressava firmeza e doçura, inspirando respeito e, no

crepúsculo de um dia claro e quente, às margens do Tiberíades, ele pôde ouvir o Sermão

das Bem-aventuranças. Igualmente foi agraciado, como a multidão que ouvia atenta, com

pão e peixe multiplicados pelas mãos generosas do Caminho, Verdade e Vida.

Desejoso de receber um roteiro para a entrada no Reino dos Céus, tão anunciado,

Simeão aproximou-se de Jesus para lhe indagar do procedimento mais adequado para

alcançar o seu objetivo.

Inflamado de amor, expressa a sua vontade de ser um dos escolhidos para ser

imolado em nome da Verdade, para ouvir a ternura de Jesus lhe segredar que não tivesse

pressa. Em momento oportuno, Simeão haveria de testemunhar de forma sacrificial o seu

devotamento.

Na oportunidade em que Jesus vai a Jerusalém para a derradeira Páscoa, apesar da

sua idade avançada, o velho patriarca realiza a grande caminhada. Romeiro

desassombrado, junto a outros corações permanece estacionado nas cercanias do Monte

das Oliveiras.

Quando se consuma a prisão do Amigo, Simeão contempla o martírio que lhe é

infligido e, ao perceber inevitável a crucificação, dirige-se à esposa do Senador romano

para suplicar o seu patrocínio. Quem sabe, ela poderá intervir junto ao Procurador Pôncio

Pilatos?

Tudo se torna vão e nada mais lhe resta se não acompanhar, pelos íngremes

caminhos, até à colina do Gólgota, a Luz do Mundo, permanecendo ali durante as horas

da Sua agonia e morte.

Cerca de quarenta dias após o infamante episódio, Simeão recebeu em sua casa a

sobrinha Ana, acompanhada de sua senhora Lívia e a filha Flávia. Vinham em busca de

abrigo e segurança, fugindo à orquestração da maldade.

O ancião erguera, em sua propriedade, uma grande cruz, pesada e tosca e colocara

uma mesa ampla, em torno da qual reuniam-se criaturas que vinham lhe ouvir a palavra

amiga e confortadora, todas as tardes.

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Viúvo, com os filhos casados, residentes em aldeias distantes, ele vivia só. Sempre

inspirado, comentava as passagens da Boa Nova que ouvira pessoalmente, desde que ainda

não haviam surgidos as anotações iniciais para serem compulsadas.

Do seu olhar profundo e das cãs veneráveis emanavam as doces irradiações da

maravilhosa simplicidade do antigo povo hebreu, e a sua palavra, ungida de fé, sabia tocar

os corações nas cordas mais sensíveis, quando narrava as ações prodigiosas do Messias de

Nazaré.1

Ele tivera o cuidado de escrever tudo que sabia do Mestre de Nazaré, a fim de

melhor recordar, naquelas reuniões humildes. Seis dias decorridos da presença das

visitantes em sua casa, o ancião passou a ser tomado de preocupação, sabedor que elas ali

haviam comparecido em busca de proteção.

Singulares impressões lhe enchiam o Espírito. Parecia-lhe mesmo que o Mundo

Invisível lhe dirigia apelos carinhosos, indefiníveis.

Assim, despertou pela manhã e começou a tomar providências. Algo lhe dizia que

precisava proteger aquelas mulheres. Após o almoço, encaminhou-as a uma galeria, à

distância de poucos metros de sua residência.

O subterrâneo era conhecido somente por ele e pelos filhos ausentes. Aconselhouas

que ali permanecessem até à noitinha. Alimento e água haviam sido trazidos e o ambiente

recebia o ar puro e fresco do vale.

Como poderiam ouvir os rumores da cercania, teriam condições de saber quando e

se deveriam deixar o esconderijo.

Em verdade, logo mais, o ancião recebia os soldados, tendo à frente um homem

decidido a encontrar o que considerava suas presas. Simeão foi instado a dizer onde elas se

encontravam. Furtando-se a tal, e mantendo-se firme em sua posição, granjeou para si a

cólera do infeliz lictor.

Amarraram-lhe as mãos, invadiram-lhe a casa e o quintal, encontrando seus

pergaminhos e objetos de suas recordações. Tudo foi trazido à sua presença e destruído,

entre sarcasmos e ironias.

Como a coragem do Apóstolo não arrefecia, os soldados o amarraram pelo tronco e

pelas pernas na base do pesado madeiro e despiram-lhe o dorso para os tormentos do

açoite. Quando assim se encontrava, ele viu chegarem aqueles que habitualmente o

buscavam para as lições e preces da tarde.

Todos, indagados pela soldadesca, afirmaram não conhecê-lo, o que lhe fez doer

profundamente o coração. Recompôs-se, contudo, recordando que o Mestre fora também

abandonado na hora extrema. O flagício começou, sem que o ancião deixasse escapar o

mais ligeiro gemido.

Da terceira vez que brandiu as tiras de couro, o soldado parou e informou ao líder

da escolta que algo o estava perturbando. Uma luz, dizia, no alto do madeiro, lhe paralisava

os esforços.

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Cheio de ódio, o chefe tomou dos açoites e ele mesmo realizou o suplício. Simeão se

contorce em sofrimentos angustiosos. Sente estalarem os ossos envelhecidos, que se

quebram. Banhado de suor e sangue, murmura preces, apelos a Jesus para que os

tormentos não se prolonguem indefinidamente.

Então, a fronte pende, prenunciando o fim da resistência orgânica. Como, ainda

assim, permanece firme em não informar onde se encontravam as suas protegidas,

enterram-lhe a lâmina de uma espada no peito.

Ele experimenta a sensação de um instrumento lhe abrindo o peito. Ao mesmo

tempo, duas mãos de neve lhe alisam os cabelos embranquecidos pelos setenta anos vividos.

Ouve cânticos esparsos, percebe aves de luz voejando numa paisagem paradisíaca.

Recorda-se da Terra Prometida, do Reino do Senhor. Terá aportado ali?

Rememora a Terra, suas últimas preocupações e dores, e uma sensação de cansaço

o domina.

Uma voz, que ele reconheceria entre milhares de outras, lhe fala brandamente:

Simeão, chegado é o tempo do repouso!... Descansa agora das mágoas e das dores,

porque chegaste ao meu Reino, onde desfrutarás eternamente da misericórdia infinita do

Nosso Pai!...

Um bálsamo suave adormentou o seu Espírito exausto e amargurado. O velho servo

de Jesus fechou, então, os olhos, placidamente, acariciado por uma entidade angélica que

pousou de leve, as mãos translúcidas sobre o seu coração desfalecido.3

O Apóstolo da Samaria tivera seu sacrifício aceito pelo Mestre de Nazaré.

01. XAVIER, Francisco Cândido. As pregações do Tiberíades. In:___. Há dois mil anos.

Pelo Espírito Emmanuel. 13. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1977. pt. 1, cap. 7.

02.______. No grande dia do Calvário. Op. cit. pt. 1, cap. 8.

03.______. O Apóstolo da Samaria. Op. cit. pt 1, cap. 10.

04.______. O rapto. Op. cit. pt. 1, cap. 6. Em

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17) O Apóstolo descrente

Entre os doze Apóstolos selecionados por Jesus, consta Tomé. O nome vem do

aramaico toma, que significa gêmeo que, em grego, é Dídimo. É como o nomina o

Evangelista João, o que nos leva a crer que devia ser seu apelido.

A ele são atribuídos alguns escritos apócrifos, como os Atos de Tomé, escritos em

siríaco e conservados em tradução grega; o Apocalipse de Tomé, escrito em grego,

conservado apenas em latim e ainda O Evangelho de Tomé, cujo texto cóptico foi

descoberto em 1945, no Egito. Desse, escritores eclesiásticos gregos afirmam que fazia

parte de uma coleção de obras a respeito de Jesus, cuja descoberta se reporta aos anos 140-

150.

Tomé era descendente de um antigo pescador de Dalmanuta, território de Magedan,

cidade para onde foi Jesus, após a segunda multiplicação dos pães, conforme relatos dos

cronistas do Evangelho, Marcos e Mateus.

Traços de sua personalidade no-lo apresentam como alguém rápido para pensar e

para desacreditar. Andava segundo a lógica. Parecia desconfiar de tudo e de todos.

Alguns autores o apontam como portador de um certo pessimismo, que o levava a

separar-se da convivência dos demais companheiros, por vezes.

De todos, era o que mais demonstrava interesse em que Jesus dilatasse a Sua zona

de influência junto aos homens importantes e mais ricos. Sob seu ponto de vista, era

necessário atender a algumas das exigências dos fariseus bem aquinhoados de autoridade

e de riqueza. Disso dependia a vitória ampla e fácil do Evangelho, pensava. Por que, pois,

Jesus não mostrava o Seu poder perante eles, para convencê-los?

Alguns meses antes da prisão, julgamento e morte de Jesus, quando se encontrava

o grupo de Apóstolos e Jesus, na Pereia, ele deu mostras de grande heroísmo, influenciando

positivamente os demais, o que nos diz que, entre os doze, gozava de certa autoridade.

Quando chegam a Jesus as notícias de que Lázaro, o amigo da cidade de Betânia, se

encontra enfermo, Jesus prossegue a pregar por mais dois dias, após o que informa que

voltará para a Judeia.

As palavras caem sobre os Apóstolos como um raio. No conceito deles, era um ato

temerário apresentar-Se Jesus na Judeia, onde os fariseus estavam à espreita para prendê-

lO.

Recordam eles ao Mestre dos perigos de há bem pouco, do desejo dos judeus de O

apedrejarem.

Contudo, o Galileu começa a caminhar resolutamente, rumo a Jerusalém. Os

discípulos se entreolham, hesitantes e apreensivos. Mas, foram seguindo o Mestre, com o

coração acabrunhado.

Subitamente, num impulso, ouve-se a voz de Tomé:

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Vamos também nós e morramos com Ele. O brado de intrepidez sugestionou os

demais, que seguiram a Jesus, com novo ânimo.

Ao ensejo da prisão do Mestre, debandou Tomé, espavorido. Depois de algum

tempo, contudo, sentiu o coração cheio de remorsos.

Segundo apontamentos de Humberto de Campos, Espírito, ele se teria disfarçado e

acompanhado o cortejo até o Gólgota. O coração batia descompassado e ele procurou

romper a massa popular, aproximando-se um pouco mais de Jesus.

O Carpinteiro andava a passos vacilantes, seguido de perto pelos soldados. Tomé

pôde observar a serenidade do Mestre, apesar do martírio daquela hora, e vendo Suas mãos

como duas rosas vermelhas, gotejando sangue, Sua fronte aureolada de espinhos, os pés

ensanguentados, chorou discretamente.

O olhar de Jesus o descobriu entre tantas criaturas reunidas no Calvário. Tomé O

sentiu sobre si e esperou que os lábios do Modelo e Guia se abrissem em reprovação sincera

ao seu condenável e covarde procedimento.

Mas, de forma imperceptível, a voz dEle se lhe fez ouvir, alertando de que no

Evangelho do Reino, o sinal do céu tem de ser o completo sacrifício de nós mesmos!11

Ainda assim, o discípulo continuou em sua atitude de dúvidas. Para ele, o Cristo era

a mais alta figura da Humanidade, em se falando do amor. No entanto, no que se referia

ao raciocínio, mantinha certas restrições.

Após a ressurreição, quando o Mestre aparece aos discípulos reunidos, assustados e

temerosos, Tomé não se encontrava entre eles. Possivelmente, se ocultara, ainda temeroso

das represálias dos inimigos da Luz.

Quando se reencontra com os amigos, é recebido com exclamações jubilosas e a

informação de que Jesus ressuscitara e estivera com eles.

Havia alegria em todos os olhares. Tomé sorriu céptico e desdenhoso. Sem dar

maior importância à sensacional notícia, respondeu:

Se eu não lhe vir as marcas dos cravos e não lhe introduzir a mão no seu lado, onde

está a ferida aberta pela lança, digo-vos francamente que de maneira nenhuma o crerei.

Oito dias depois, estando ainda os onze reunidos, na mesma casa do pai de Marcos,

com as portas fechadas, Jesus Se apresenta:

A paz seja convosco!

E, voltando-se para Tomé, demonstrando ter ciência total do que ia na alma do

Apóstolo ainda descrente, diz:

Vem, Tomé! Põe aqui o teu dedo e vê as marcas dos cravos. Chega a tua mão e mete-

a do meu lado.

O Apóstolo executa automaticamente as ordens que recebe. Tocado pela humildade

do Mestre, ajoelhou-se e chorou. Suas lágrimas eram, agora, de ventura. Na batalha entre

cérebro e coração, o sentimento que lhe extravasava do peito era fé.

Jesus o ergue e fala:

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Porque me viste, Tomé, creste. Bem-aventurados os que não viram e creram.

Partiram depois os onze para a Galileia, segundo determinações de Jesus e

entregaram-se à pesca.

No lago de Genesaré, Simão Pedro, Natanael, João, Tiago e Tomé tripulam um barco,

aproximando-se da terra. Não trazem nenhum peixe. Noite infrutífera.

Da praia, um homem lhes pergunta se algo têm para comer, e à negativa azeda de

Pedro, lhes diz que lancem a rede para a banda direita do barco.

Foram cento e cinquenta e três os peixes retirados do mar da Galileia. João

reconhece que Aquele é Jesus. Quando chegam à praia, o Mestre preparara um monte de

brasas e lhes serve peixe assado e pão.

Tomé, como os demais, sente amor e temor, confiança e respeito. Um respeito

diferente. Jesus ressurgira da morte. Ele está ali, mas num corpo diferente, um corpo de

surpreendentes propriedades, que Lhe permite entrar nas casas de portas fechadas e

desaparecer de forma instantânea.

Após o repasto, Jesus caminha ao longo da praia, convidando Pedro a segui-lO. Mais

atrás, segue João. A alguns passos marcham Tomé, Natanael e Tiago.

Jesus caminha, enquanto sua túnica, batida pelo vento, brilha, como uma bandeira

branca. Tomé se esforça por acompanhá-lO. Jesus lhe dá a impressão de não tocar o solo.

Parece flutuar. Todo Seu corpo e as vestes adquirem a leveza de uma nuvem e a claridade

de uma luz suave. Desaparece na tarde...

Numa outra tarde de azul profundo, junto às cinco centenas de corações amigos,

Tomé ouviu as derradeiras exortações de Jesus, conclamando-os à missão de fazerem

discípulos da Boa Nova a todas as gentes.

Sua alma agora se enchia de coragem e ilimitada confiança. Eu estarei convosco

todos os dias...

E Tomé saiu a pregar, tendo estendido seu apostolado à Índia, onde é reconhecido

como fundador da Igreja dos Cristãos Sírios Malabares, ou Igreja dos Cristãos de São Tomé.

Consta que no ano 53 da era cristã, teria sido martirizado pelo rei de Milapura, na

cidade indiana de Madras, a flechadas, que lhe provocaram intensa hemorragia,

dissolvendo-se sua vida pouco a pouco. A dor e o sangue não lhe destruíram os sonhos. Ele

sonhava com a Eternidade.

01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de

Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966. cap. 10, vers. 2-4.

02.______. Marcos. Op. cit. cap. 3, vers. 13-19.

03.______. Lucas. Op. cit. cap. 6, vers. 13-16.

04.______. João. Op. cit. cap. 11, vers. 16; cap. 20, vers. 24-29 e cap. 21,vers. 2.

05. CURY, Augusto. A personalidade dos discípulos. In:___.O Mestre inesquecível.

São Paulo: Academia de Inteligência, 2003. cap. 3.

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06.ROHDEN, Huberto. Aparição na praia de Genesaré. In:___. Jesus Nazareno. 6.

ed. São Paulo: União Cultural. v. II, pt. 3, cap. 200.

07.______. Jesus e Tomé. Op. cit. v. II, pt. 3, cap. 199.

08. SALGADO, Plínio. A ascensão. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do

Oeste, 1978. pt. 5, cap. LXXXIII.

09.______. “Eu sou a ressurreição e a vida”. Op. cit. pt. 5, cap. LXXX

10.VAN DEN BORN, A . Tomé. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

11. XAVIER, Francisco Cândido. O testemunho de Tomé. In:___. Boa nova. Pelo

Espírito Irmão X. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 16.

12. ______. Os discípulos. Op. cit. cap. 5.

Em 18.2.2016

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18) O coletor de impostos

Jericó era um oásis, situada nos confins da Judeia e Pereia. Era tradicionalmente

conhecida como a cidade mais antiga da Terra, datando entre os milênios X e VII a.C. O

clima suave e tépido era propício a que vicejassem as palmeiras. Era considerada um

paraíso de delícias, com seus roseirais, extensas alamedas e fartos pomares.

Várias fontes, devidamente canalizadas, levavam vida e opulência a todas as artérias

da cidade. Sendo o mais importante centro comercial de Israel, ao tempo de Jesus, tinha

Jericó uma alfândega muito movimentada. Como um grande empório do país, possuía

inúmeras casas de câmbio, casas de vendas por atacado aos varejistas da região e depósitos

de mercadorias.

Ali morava um judeu, de nome Zaqueu, que arrematara em hasta pública a

arrecadação dos tributos, tendo assinado um contrato com a autoridade romana pelo

período de 5 anos.

Além de conduzir os interesses da aduana, ele dirigia suas transações particulares,

aumentando sua fortuna com sucessivos lucros.

Desprezado pelos fariseus, por transigir com os romanos e invejado pelos saduceus,

provocava a cólera dos zelotes, por considerarem ofensa aos brios de Israel pactuar com os

agentes de César.

É certo que os que mais impiedosa campanha lhe moviam eram os perdedores, os

que haviam disputado a função de coletor de impostos e não a conseguiram.

Zaqueu e sua mulher viviam isolados da vida social de Jericó. Quando a grande casa

de família se iluminava para as festas domésticas, a prataria desfilava, o perfume do nardo

se misturava ao cheiro suave das flores e das frutas, enquanto uma orquestra enchia de

sons claros as salas.

Mas os convidados eram sempre e unicamente os funcionários da alfândega, os

parentes de Zaqueu e um ou outro mercador. Nenhum homem importante da cidade, nem

mesmo um escriba, frequentava-lhe a casa.

Enquanto acariciava os filhinhos, mais de uma vez Zaqueu sentiu apertar-se-lhe o

coração, imaginando o dia em que eles descobririam os motivos pelos quais lhes era

proibido brincar com os filhos dos fariseus.

Zaqueu era extremamente rico, mas tinha uma consciência de inferioridade, face

ao tratamento que recebia do seu povo. Até mesmo mendigos, a não ser que fossem

estrangeiros, rejeitavam a sua oferta de moedas.

Sua consciência lhe dizia que nunca prejudicara ninguém, pois que procurava ser

justo.

Então, às vésperas da Páscoa, quando milhares de peregrinos passavam por Jericó,

em direção a Jerusalém, numerosas pessoas trouxeram as notícias de que o Rabi da Galileia,

a quem chamavam Jesus de Nazaré, chegaria à cidade.

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Zaqueu já ouvira falar dEle e uma secreta simpatia o invadira. Aquele era o homem

que dizia que todos deveriam se amar como irmãos, que comia à mesa dos publicanos e se

misturava com o povo.

Ao cair da tarde, quando as casas comerciais fecharam suas portas, Zaqueu se

dirigiu ao lar. Altos gritos, contudo, o fizeram dirigir-se à porta setentrional da cidade.

Bartimeu, o conhecido cego, gritava a plenos pulmões que Jesus de Nazaré o curara.

A multidão se precipitou para a estrada. Também Zaqueu.

De pequena estatura, gordo, com o ventre arredondado, as maçãs do rosto muito

largas, pernas curtas, por mais se pusesse na ponta dos pés, não conseguia ver coisa

alguma.

A um homem que passava com um jumento, ofereceu moedas para lhe comprar o

animal. Foi olhado com desdém.

A outro, muito alto e encorpado, perguntou se poderia erguê-lo e disse que o

pagaria bem. O israelita lhe respondeu que jamais serviria de alimária a um publicano.

E Zaqueu, no meio da multidão, foi sendo empurrado, pisado.

Depois de algum tempo, conseguiu sair para a beira da estrada. Foi daí que viu um

sicômoro, uma espécie de figueira. As raízes saltavam grossas e rugosas à flor da terra. Ele

subiu e um largo sorriso lhe iluminou o rosto. Podia, afinal, ver Jesus.

Ébrio de felicidade, juntou-se aos gritos da multidão, que O aclamava.

Quando o Mestre passou pela árvore, olhou para cima e ao ver aquele homem

agarrado aos galhos, como se fosse um fruto, lhe disse:

Zaqueu! Desce depressa, porque hoje me convém pernoitar em tua casa.

O homem desceu presto da figueira, correu para casa, dizendo para si mesmo:

Não sou digno! Não sou digno! Mentalmente, revê os negócios. Terá lesado alguém? Terá recebido a mais? Talvez

tenha comprado terras a preço irrisório e as vendido com lucro excessivo. Sente-se

atormentar.

A mulher começa a preparar, com os servos, as iguarias. Perfuma a casa. Chama os

filhos. Prepara o leito com panos finos, importados de Sídon. Nada é suficientemente bom

para receber o Rabi.

O que fazer para ser digno? - Pensa o cobrador de impostos.

Recorda que, à conta desse gesto, poderá recrudescer o ódio dos fariseus contra

Jesus.

Sai à rua. Jesus caminha devagar, com a multidão à Sua volta, como se fosse um

murmúrio de maré.

Emocionado pela visita do Amigo, Zaqueu violenta a própria timidez. Como num

discurso nervoso, fala alto o suficiente para ser ouvido, não somente pelo Amigo, mas

inclusive pela massa popular:

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Senhor, eis que dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho

defraudado alguém, o restituo quadruplicado! Entra na minha casa!

Restituir quadruplicado era penalidade da Lei Romana e, em alguns casos, também

do Código de Israel, aos que utilizassem de injustiça para com os demais. Nesse momento,

Zaqueu se faz acusador e juiz de si próprio.

Jesus sorriu, um riso leve e bom como um sopro de amor.

Hoje - disse suave - veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão.

Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.

Depois adentrou o lar do publicano, servindo-Se da noite para ensinar, narrando a

inconfundível parábola das dez minas.

Narram tradições evangélicas que, anos mais tarde, Simão Pedro convidou o antigo

publicano a dirigir florescente comunidade cristã, nas terras de Cesareia.

E Zaqueu, rico de amor e humildade, foi servir a Jesus, servindo aos homens.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. Inesquecível diálogo. In:___. Pelos caminhos de Jesus.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1987. cap. 18.

02.______. Zaqueu, o rico de humildade. In:___. As primícias do Reino. Pelo

Espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.

03.ROHDEN, Huberto. Zaqueu. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União

Cultural. v. II, nº 135.

04.SALGADO, Plínio. O rico humilde. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz

do Oeste, 1978. pt. 4, cap. LX.

05.TEIXEIRA, J. Raul. Jesus e Zaqueu. In:___. Vida e mensagem. Pelo Espírito

Francisco de Paula Vitor. Niterói: FRÁTER, 1993. cap. 21 Em

18.2.2016

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19) O condenado

Seu nome era Dimas. Sentenciado, aguardava a execução, na prisão. Graças ao

sumário e vergonhoso julgamento de Jesus de Nazaré, a execução foi adiantada, porque

tudo deveria acontecer antes da Páscoa judaica.

Arrancado da prisão, junto a Gestas, companheiro de loucuras e de cela, inicia a

grande marcha. Grande, não pela extensão, pois que do Pretório de Pilatos à colina do

Calvário vai menos de um quilômetro. Grande, pelo seu significado.

Dimas, maravilhado, contempla Jesus. Ele dormiu à noite, na prisão. Também foi

alimentado e não tem sede.

O Homem de Nazaré, contudo, está fraco. Perdeu muito sangue e no Seu rosto ainda

escorrem gotas vermelhas, saindo das feridas provocadas pela coroa de espinhos.

É habitual, entre os criminosos autênticos que, em registrando prisioneiros

inocentes entre eles, deem mostras de delicadeza, de compaixão e de estima, algo

semelhante a um sentimento de respeito e proteção para com quem é vítima da injustiça

dos homens.

Esse sentimento é que deve ter tomado conta de Dimas. Aquele homem, ele já ouvira

falar dEle, era alguém que somente semeara amor em Seu caminho. Como podiam tratá-

lo daquela forma?

O Justo carrega a Sua cruz. O arrependido também. O primeiro caminha curvado

ao peso do madeiro, cambaleando, parando, a respiração opressa e o pulso acelerado.

Dimas se indaga o porquê de tanto ódio do populacho que acompanha o triste cortejo.

Constata que os soldados de Roma não estão ali para impedir a fuga dos três

sentenciados. Encontram-se ali para defender Aquele que segue à frente da multidão que

O apupa, grita e gargalha.

O centurião dá ordem aos legionários para rodearem a Jesus, a fim de que os mais

exaltados não O agridam.

Os dois salteadores vão andando, mais atrás. Apesar dos insultos e impropérios que

Gestas vai dirigindo aos que deles se aproximam, o povo não o apupa. Tudo é dirigido para

Aquele que é considerado o maior celerado: Jesus.

A marcha ascende pelo bairro de Acra. As pessoas olham das janelas, pelas esquinas,

pelos terraços. A ladeira começa a ser vencida, depois vem a descida.

O lugar do suplício está próximo: uma elevação de terreno calcário, onde uma vegetação

mesquinha mal consegue disfarçar a nudez das rochas.

Dimas sente o sangue gelar nas veias à perspectiva da morte próxima. Apavora-se,

igualmente, ao pensar que o Justo também vai morrer.

Ofertam-lhe, como a todos os supliciados, uma taça de narcótico amargoso, a fim

de diminuir a sensação da dor. A droga era o sumo das folhas de híssope.

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Enquanto alguns soldados iniciam a crucificação de Jesus, outros realizam a dos

malfeitores. Dimas se debate e convulsiona, em desespero e dor, clamando contra a

injustiça. Sua frio e o coração está em disparada.

O primeiro prego lhe penetra fundo o pulso. Ele luta desesperadamente por se

libertar. Sente vertigens e tudo gira à sua volta.

Como o tronco vertical da cruz já estava em pé, por meio de cordas, foi suspensa a

barra horizontal com o corpo, e os pés foram nela cravados .

O anestésico romano aliviava, mas não extirpava a dor. Dimas se move sem parar

e quanto mais se movimenta, mais os pregos roçam as raízes nervosas dos punhos e dos

pés.

Ele daria qualquer coisa para sair dali. Se tivesse outra chance, voltaria ao passado

e refaria a vida. Seria o mais bem comportado de todos os homens, desde que o liberassem

daqueles cravos enterrados em suas carnes.

Um letreiro, acima de sua cruz, indicava o motivo pelo qual sofria o suplício.

A crucifixão era um suplício que chegava a durar três dias. As cruzes eram dispostas

em local que pudessem ser vistas por todos, pois o objetivo de Roma era deixar bem claro

que aquele seria o destino de quem ousasse erguer o braço contra a Águia poderosa.

Dimas está à direita da cruz de Jesus.

Os soldados repartem entre si as vestes dos três homens. Era costume que o

sentenciado fosse levado ao local da execução com suas próprias vestes e totalmente

despido, ao ser crucificado.

As horas que se seguem são de zombaria e insulto. Toda a pequenez e a ignorância

humanas se voltam contra a Luz que morria, sem um queixume.

Alguns lhe exigem que desça da cruz e salve a Si mesmo. Outros lhe indagam, entre

gargalhadas, onde estão os Seus milagres, onde se encontra todo o Seu poder.

Gestas se contorce e cheio de ódio, alia-se aos que insultam Jesus, exclamando:

Se Tu és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós que estamos para morrer Contigo!

Dimas vira as costas mutiladas de Jesus, quando O despiram. Vira o corpo coberto

de hematomas. Viu um homem fraco e debilitado. Mas viu muito mais: Aquele não era um

homem comum. Era um Rei, cujo Reino ultrapassava a compreensão humana.

Jesus não emitia uma única queixa, nem revidava nenhum dos insultos. Ao

contrário, suplicara: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem...

Aquele Homem era um Rei que venceria a morte. Ele estava caminhando para o Seu

reino, invisível, mas real.

Assim, logo responde Dimas a Gestas:

Tu te encontras às portas da morte e mesmo assim, não te arrependes dos teus erros?

Ambos sabemos que merecemos a cruz, porque somos criminosos. Mas Este nenhum mal

fez.

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O criminoso parece ser tomado por um clarão de esperança. Volta-se para o Cristo

e pede:

Senhor! Lembra-Te de mim, quando entrares no Teu reino!

Ele sentia a vida se lhe esvair do corpo, mas deseja viver. Viver em outra paisagem.

Uma paisagem de flores, onde Jesus é o jardineiro. Deseja ser uma das flores a serem

tratadas por quem era capaz de perdoar os que O supliciavam. Deseja adquirir aquela

serenidade e paz que manifesta o Homem que se encontra na cruz do meio.

A resposta de Jesus foi instantânea. Não foi preciso que Dimas lhe confessasse as

mazelas. O Mestre da Vida o acolhe:

Dimas, na verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no paraíso!

Ao longo dos séculos, as pessoas se têm indagado que paraíso seria esse.

Naturalmente, não o paraíso das delicias, pois que Dimas tinha um passado a expiar.

Desejava se reformular, fora esse o seu pedido. E Jesus lhe diz que o conseguirá.

Não fora Ele mesmo que acenara com a bem-aventurança aos aflitos, porque seriam

consolados?

Jesus lhe afirmava que, após a morte, o Espírito prosseguiria perseguindo a

felicidade, numa nova rota, segundo a Lei de Justiça e Amor de nosso Pai.

Os condenados agonizam devagar. O peso do corpo distende os tecidos, ampliando

os rasgões da carne. O corpo estremece em arrepios. Os dedos se agitam, o tórax se projeta

para a frente, salientando os arcos das costelas.

Dimas vê Jesus dobrar a cabeça, enterrar o queixo no peito e dizer: tudo está

consumado!

Era a hora nona, ou seja, três horas da tarde. Seis horas na cruz e Ele se fora.

O suplício de Dimas prossegue.

Segundo as leis judaicas, e que o governo romano respeitava, os corpos dos

sentenciados não deveriam ficar suspensos no patíbulo durante a grande solenidade pascal,

que começava ao pôr do sol da sexta-feira.

Por isso, uma embaixada foi ao Pretório rogar a Pilatos que mandasse retirar os

corpos dos crucificados. Para os atender, o Procurador da Judeia ordenou que os soldados

fossem ao Gólgota, com malhos pesados e quebrassem as pernas aos prisioneiros,

apressando-lhes a morte.

Assim foi feito aos dois criminosos, Gestas e Dimas. Este, adentrou na Espiritualidade

com disposição de retificar os seus erros e, conforme a promessa que lhe fizera o Cristo,

descobriu o paraíso do desejo do Bem, da ensancha de lutar para ser melhor, até alcançar

a perfeição.

01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de

Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966. cap. 27, vers. 38.

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02.______. Lucas. Op. cit. cap. 23, vers. 32, 39-43.

03.______. João. Op. cit. cap. 19, vers. 18, 31-34.

04.CURY, Augusto. A 3ª hora: cuidando de um criminoso e vivendo o maior dos

sonhos. In:___.O Mestre do amor. São Paulo: Academia de Inteligência, 2002. cap. 8.

05.ROHDEN, Huberto. A crucifixão. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União

Cultural. v. II, pt. 3, cap. 188.

06.______. A sepultura de Jesus. Op. cit. pt. 3, cap. 190.

07.SALGADO, Plínio. A grande marcha. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. pt. 5, cap. LXXIII.

08.______. Consumatum est! Op. cit. pt. 5, cap. LXXV.

09. XAVIER, Francisco Cândido. O bom ladrão. In:___. Boa nova. Pelo Espírito Irmão

X. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 28. Em 18.2.2016

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20) O discípulo de Pedro

Era originário de Chipre e foi considerado por Pedro como um dos Apóstolos,

embora não fizesse parte dos doze. Seu nome era José, mas na Casa do Caminho o

chamavam Barnabé, que significa filho da exortação.

Atos dos Apóstolos se refere a ele como o Justo e informa que ele vendeu um terreno

de sua propriedade e doou o dinheiro à Igreja nascente.

Daniel Rops o descreve como Um homem bom, cheio de espírito e de fé. E de uma

sabedoria também, como veio depois a mostrar. Cipriota de origem, falava, portanto, o

grego, desde que nascera, mas, pela raça, pertencia à tribo de Levi.(..)1

Devia ser oleiro, pois em suas andanças apostólicas, chegou a se empregar em uma

olaria, a fim de prover a expedição de recursos.

Antes de se transferir definitivamente para Jerusalém, Barnabé tivera oportunidade

de ouvir referências à grande coragem de Saulo, na Sinagoga de Damasco, logo após a sua

conversão.

Tais informações seriam repassadas ao grupo dos homens do Caminho quando

Saulo busca acolhida entre eles.

Por não conhecer Saulo pessoalmente, foi designado por Pedro para visitar o doutor

de Tarso, em nome da Casa do Caminho, a fim de sentir a sua sinceridade. Barnabé, diz

Emmanuel, (...) destaca-se por sua grande bondade. Sua expressão carinhosa e humilde,

seu espírito conciliador, contribuíam, na igreja, para a solução pacífica de todos os

assuntos.2

Com um sorriso generoso, ele procura Saulo, na pensão onde aquele se hospedara.

Abraça-o e lhe dirige palavras afetuosas. (...) Em poucas horas sentia-se tão identificado

com o novo amigo, quais se fossem conhecidos de longos anos.(...)2

Discreto, salda as dívidas de Saulo, junto ao hospedeiro. E o introduz na Casa do

Caminho, levando-o pela mão.

Mais tarde, quando o ex-levita de Chipre foi designado por Simão Pedro para dirigir

o núcleo nascente em Antioquia, a conselho desse, foi a Tarso buscar Saulo, para ser seu

auxiliar.

Os pregadores mais destacados, na Igreja de Antioquia eram Barnabé e Manahen.

Quando chegam as notícias das graves perseguições em Jerusalém, recolhidas as cotas de

auxílio, Barnabé se prontifica a ser o portador à Casa do Caminho.

Acompanhado de Saulo, segue a Jerusalém, onde se hospedam em casa de sua irmã,

Maria Marcos. Dali seguem, agora acrescida a caravana pelo sobrinho, João Marcos,

adolescente, para a formosa cidade do Orontes.

Instado por Saulo, Barnabé se entusiasma com a ideia de levar o Evangelho aos

gentios. Rejubila-se com as perspectivas e, como há muito tivesse necessidade de voltar a

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sua terra, para resolver uns problemas de família, propõe que se inicie o serviço apostólico

pelas aldeias e cidades de Chipre.

Retornando a Antioquia, Barnabé expõe o plano aos demais companheiros. (...) Seus

pareceres veementes eram mais que justos. Se perseverasse o marasmo nas igrejas, o

Cristianismo estava destinado a perecer.(...) 5

O discípulo de Simão Pedro recebeu a aquiescência dos demais e, no momento da

prece, (...) a voz do Espírito Santo se fez ouvir no ambiente de simplicidade pura,

inculcando fossem Barnabé e Saulo destacados para a evangelização dos gentios.5

Iniciada a viagem, pelas localidades onde passassem, era sempre Barnabé quem

realizava a oratória. A sua palavra era profundamente contemporizadora, com extremo

cuidado de não ofender os melindres judaicos, o que nem sempre agradava Saulo.

Quando chegaram a Nea-Pafos, ele estava exausto. Nunca tivera tantos labores. Mas

temia confiar a Saulo as responsabilidades do ensinamento.

Foi ali que, ao falar na Sinagoga, fez a apresentação do Evangelho com raro

brilhantismo, diga-se, como verdadeiro e ardente inspirado. Tal foi a repercussão que

passou a organizar reuniões em casas particulares, especialmente cedidas por

simpatizantes da Doutrina de Jesus.

Impondo as mãos, ele e Saulo curavam as pessoas, orando e oferecendo água pura.

Foi numa dessas assembleias que, acreditando que o auditório presente não

requisitava maior erudição, Barnabé resolveu pedir a Saulo que fizesse a pregação da Boa

Nova, verificando então como o ex-rabino se transformara.

Após a entrevista com o Procônsul Sérgio Paulo, sua cura e os fatos extraordinários

que observa, da parte do amigo, Barnabé deixa de ser o chefe da equipe. Torna-se nada

mais do que um companheiro de Saulo, um membro da sua comitiva.

Em momento oportuno, sugere a Saulo a mudança de nome, e esse, em homenagem

à conversão do Procônsul, toma o nome de Paulo.

Toda a grandeza de Barnabé toma vulto em seu posicionamento. Permite, de forma

natural, que Paulo se evidencie, com a certeza de que nas tarefas do Cristo, todos somos

servidores da mesma causa, dando aquilo que se pode, contidos apenas pelas limitações

pessoais.

É o grande amigo de Paulo. Quando esse adoece, como em Antioquia de Pisídia,

durante um mês trata-o da influência maligna da febre devoradora. De outras, lhe

pensaria as feridas por apedrejamento, como em Listra.

Provavelmente já se conheciam e se estimavam antes da existência em que juntos

viveram espalhando a mensagem de Jesus.

Em Listra, na Licaônia, com seu porte majestoso e viril, é confundido com o próprio

Júpiter, o pai supremo das divindades olímpicas, que ali era venerado em suntuoso templo.

Mais tarde, enquanto Paulo partiria para o Tauro, Barnabé e seu sobrinho João Marcos

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retornariam para Chipre, a fim de cuidar da organização que ali fora fundada, na primeira

viagem com Paulo.

Eram dois irmãos muito amados, que o Mestre chamava a diferentes destinos. Daí

em diante, a História perde Barnabé de vista.

(...) Não é uma figura que se destaque por brilho invulgar na história do

Cristianismo nascente, mas merece referência especial pela sua amizade e dedicação

pessoal a Paulo e a Pedro. 1

Também pela grandeza de espírito, que se ocultou no anonimato para atender as

tarefas preciosas junto aos desvalidos e necessitados da Boa Nova, permitindo que o

Apóstolo tarsense se engrandecesse na disseminação das luzes do Cristo, buscando a

gentilidade.

01.MIRANDA, Hermínio C. Os amigos. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de Janeiro]:

FEB, 1979. vol. I, cap. 4.

02.XAVIER, Francisco Cândido. Lutas e humilhações. In:___. Paulo e Estêvão. Pelo

Espírito Emmanuel. Ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 2, cap. 3.

03.______. Lutas pelo Evangelho. Op. cit. pt. 2, cap. 5.

04.______. Peregrinações e sacrifícios. Op. cit. pt. 2, cap. 6.

05.______. Primeiros labores apostólicos. Op. cit. pt. 2, cap. 4. Em 18.2.2016

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21) O discípulo iludido

Na dobra dos séculos, ele continua sendo apontado como alguém que destoou no

Colégio Apostólico, exemplo de mau amigo, traidor. Ainda na atualidade, o seu nome é

dado aos que traem uma causa, aos que erguem a mão contra quem os brindou com

amizade.

Dentre os doze Apóstolos, parece ter sido o único que não era galileu. Filho de

Simão, era da cidade de Cariote ou Kerioth, cidade do extremo sul da tribo de Judá, a uma

jornada além do Hebron.3

Em Cafarnaum, Judas, comumente denominado, Judas Iscariotes, o que equivale a

dizer, Judas, de Kerioth, sua localidade de nascimento, se consagrava ao pequeno comércio,

vendendo peixes e quinquilharias.

Entendia de contabilidade e se transformou no tesoureiro do grupo. Era quem

cuidava da bolsa das ofertas. Quem lhe analise a personalidade, o qualifica como culto,

eloquente e polido. Também alegre e um homem realizado.

Destacam-se nele, igualmente, qualidades como discrição e sensatez. Com certeza,

um homem prático. Sua cabeça era de um comerciante. Seu negócio era adquirir, revender

e contar os lucros.

Imediatista, considerava as pessoas e ocorrências através da óptica distorcida da

realidade, pelo valor relativo, amoedado, social, transitório, não real. (...)2

Foi exatamente sob essa tônica que ele expôs o Amigo Celeste. Judas tinha ambição,

fascinação pelas riquezas, preocupações com a vida material. Não conseguiu apreender o

sentido da missão do Grande Amigo.

Para ele, o Carpinteiro de Nazaré era o Messias, aguardado há séculos por Israel

sofrida e, à época, escrava da Águia romana dominadora. O poder de Jesus, Seus discursos,

Sua inteligência e Seus milagres o fascinavam.

No Evangelho de João (12:6), encontramos uma referência à sua desonestidade,

referindo o Evangelista que tendo a bolsa, roubava o que se lançava nela.

Segundo as lições espirituais, Jesus o teria advertido, ao início do apostolado: Judas,

a bolsa é pequenina; contudo, permita Deus que nunca sucumbas ao seu peso!6

Sua é a voz primeira que sussurra acerca do desperdício, em casa de Simão, o

leproso, durante o banquete em que Maria, de Betânia, oferece ao Amor não amado, o caro

perfume, ungindo-Lhe os cabelos. Servindo-Se do momento para o ensino, Jesus recorda

da pérola da amizade e da preciosidade da manifestação afetiva, alertando sobre a

precariedade das coisas temporais.

Acompanhando o Rabi, dia após dia, registrando-Lhe a grandeza, alimenta o filho

de Simão a ideia de que, dia chegará em que Ele assumirá o poder, liderando uma grande

revolução, esmagando Roma. Não conseguira entender que a maior revolução que o doce

Rabi propunha era contra o inimigo interior.

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Após a triunfal entrada do Amigo em Jerusalém, Judas imaginou que melhor

momento não haveria do que aquele para que Ele inaugurasse o Seu Reino.

No entanto, sequer sorrira Jesus, nem retribuíra com acenos ou um inflamado

discurso à extraordinária recepção, que o povo lhe oferecia. Aquela maré humana entrou

por um dos grandes portais da muralha do Templo e se derramou para o interior da extensa

área do átrio dos gentios, ao átrio do povo e dos sacerdotes.

Quem ouvisse os brados de Hosana ao Filho de Davi! Hosana! acorria para ver quem

seria a personagem que assim estaria sendo ovacionada. Quem seria alvo de tão

deslumbrante manifestação?

Os fariseus ficaram indignados e mais recrudesceu o ódio contra o Galileu. Os

sacerdotes devem ter tremido, temendo, mais que nunca, perder o cargo e seus privilégios.

Decretava-se, ali, a urgência da sentença de morte do Filho de Nazaré.

Contudo, enquanto Judas aguarda que Ele tome uma atitude, o Mestre Se retira da

cidade, ao anoitecer e Se dirige a Betânia, onde costumava passar a noite.

O discípulo se inquieta. Sob seu ponto de vista, Jesus não sabe aproveitar as

oportunidades, nem se preocupa em conquistar a atenção dos homens mais altamente

colocados na vida.

Gozando da amizade de políticos influentes em Jerusalém, Judas decide propor um

acordo para apressar o triunfo do Messias. Arquiteta entregá-lO aos homens do poder

temporal, em troca de sua nomeação oficial para dirigir a atividade dos companheiros.

Teria autoridade e privilégios políticos. Satisfaria às suas ambições, aparentemente justas,

com o fim de organizar a vitória cristã no seio de seu povo.

Depois de atingir o alto cargo com que contava, libertaria Jesus e lhe dirigiria os

dons espirituais, de modo a utilizá-los para a conversão de seus amigos e protetores

prestigiosos.7

Quando a alvorada se fez, o discípulo imprevidente se dirigiu ao Sinédrio. Aguardou

horas, mas muitas promessas lhe foram feitas. Guardou as trinta moedas, nem mesmo sabia

porquê. Afinal, logo mais, ele teria as rédeas do movimento renovador. Era uma quantia

pequena para o que idealizava. Nada além do preço de um escravo: trinta moedas de prata.

Com um beijo entrega o Amigo a quem amava, sem compreendê-lO. Aterrorizado,

viu seu Mestre ser conduzido à cruz, sem nenhum lamento, sem nenhuma queixa.

Dando-se conta do equívoco, busca Caifás, reclamando o cumprimento do acordo.

Somente recebe dele e dos demais membros do Sinédrio sorrisos de sarcasmo. Recorre às

suas relações de amizade e teve que reconhecer a fragilidade das promessas humanas.

De longe, Judas contemplou as cenas humilhantes e angustiosas do drama do

Gólgota. O remorso o abraça, dilacerando-lhe a consciência.

Um pensamento o toma. Sem amigos, traidor vil que entrega o Amigo querido, da

forma mais ignominiosa, ele somente pensa em desertar da vida. Naquele momento, não

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se recordou das exortações acerca da prece, da comunhão com o Pai, do perdão lecionado

tantas vezes pelo Nazareno.

Ele somente escuta a voz tenebrosa de seu tremendo remorso. Dirigindo-se à rampa

do vale de Hinom, compõe o laço em torno do pescoço e se deixa pender, vencido pela dor,

ingressando no mundo espiritual, atormentado e sofredor.

Conta-se que, tendo devolvido aos sacerdotes o dinheiro vil, entenderam eles que

aquele era preço de sangue e não seria lícito retorná-lo aos cofres do Templo. Assim,

adquiriram um campo para servir de cemitério a estrangeiros e peregrinos que morressem

em Jerusalém.O local ficou conhecido como campo de sangue e, segundo alguns, Judas

teria sido o primeiro a ser ali sepultado.

Na sequência dos anos, ele expiaria sua tenebrosa falta. Em entrevista que concede

ao Espírito Irmão X, narra a sua trajetória de redenção: Depois de minha morte trágica,

submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas

perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas

culminaram em uma fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e

usurpado. Vítima da felonia e da traição, deixei na Terra os derradeiros resquícios do meu

crime, na Europa do século XV.

Desde esse dia em que me entreguei por amor do Cristo a todos os tormentos e

infâmias que me aviltavam, com resignação e piedade pelos meus verdugos, fechei o ciclo

das minhas dolorosas reencarnações na Terra, sentindo na fronte o ósculo do perdão da

minha própria consciência...8

01.FRANCO, Divaldo Pereira. Isto é lá contigo. In:___. Há flores no caminho. Pelo

Espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1982. cap. 23.

02.______. Arrependimento tardio. In:___. Trigo de Deus. Pelo Espírito Amélia

Rodrigues. Salvador: LEAL, 1993. cap. 12.

03.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. 13. ed. São Paulo:

Martin Claret, 1995. cap. 9.

04.TEIXEIRA, J. Raul. Jesus e a traição. In:___. Vida e mensagem. Pelo Espírito

Francisco de Paula Vitor. Niterói: FRÁTER, 1993. cap. 15.

05.VINICIUS. Reabilitação de um culpado. In:___. Na escola do Mestre. 4. ed. São

Paulo: FEESP, 1981. cap. 4.

06.XAVIER, Francisco Cândido. Os discípulos. In:___. Boa nova. Pelo Espírito Irmão

X. 8. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1963. cap. 5.

07.______. A ilusão do discípulo. Op. cit. cap. 24.

08.______. Judas Iscariotes. In:___. Crônicas de além-túmulo. Pelo Espírito

Humberto de Campos. 8. ed. Rio[de Janeiro]: FEB, 1975. cap. 5. Em 18.2.2016

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22) O entrevistador noturno

Ele era um dos homens mais ricos da sua terra. Talvez a quinta fortuna dos seus

dias. Era um vencedor. Pertencia à seita dos fariseus, portanto, à elite judaica.

Ao tempo de Jesus, deveriam existir uns seis mil fariseus e ele era um dos principais

entre os judeus e considerado mestre em Israel.

Seu nome significa aquele que vence as pessoas: Nicodemos. Existem três registros

à sua pessoa, todos no quarto Evangelho.

O primeiro se encontra nos apontamentos de João 3,1-21 e narra o seu encontro

noturno com Jesus.

Os tempos eram difíceis e a Judeia respirava intranquilidade. Nicodemos pede uma

entrevista a Jesus e vai ao Seu encontro, altas horas da noite.

Esgueira-se pelas colunas, anda pelas ruas olhando para trás, com medo de estar

sendo seguido.

Enquanto, normalmente, os que andam à noite, pela cidade de Jerusalém, portem

archotes com resina para iluminar o caminho, ele teme ser identificado, reconhecido e

anda às escuras.

Desde que ouvira referências ao Homem de Nazaré começara se inquietar. Algo lhe

dizia que deveria ouvi-lO, conhecê-lO. No entanto, como poderia, sem se expor?

Jesus Se hospeda em casa de amigos, fora dos muros da cidade. Na varanda, na noite

de primavera, aguarda. Três pancadas se ouvem. João, que O acompanha, se ergue e recebe

o que chega.

Na véspera, ocorrera o episódio de Jesus exortar aos mercadores do Templo,

dizendo-lhes de que haviam transformado a Casa do Pai em uma casa de vendas.

O fato andava de boca em boca, naturalmente, por muitos acrescido de detalhes

nem ocorridos. De toda forma, a política na Judeia era complicada e os ouvidos da

espionagem se multiplicavam por todos os recantos de Jerusalém.

Por conhecer o que havia na alma do homem que lhe solicitara a secreta entrevista,

Jesus concordara em recebê-lo. Um encontro em casa de alguém que não levantaria

suspeitas. Uma ida altas horas da noite.

A Luz do Mundo fala ao intelecto e ao inquieto coração de Nicodemos. O nascer de

novo mais lhe suscita inquirições. Não que desconhecesse a lei judaica dos renascimentos,

deseja antes entender o verdadeiro processo.

O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te

maravilhes de ter eu dito: necessário é nascer de novo. O Espírito sopra onde quer e ouves

a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é tudo aquilo que é nascido

do Espírito.

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Jesus vai além das indagações do doutor da Lei e lhe confia algo acerca do futuro

próximo. Nicodemos não é um discípulo, nem parente. Mas é a ele que Jesus revela Seu

destino sobre a Terra, pela primeira vez.

Era o início do Seu ministério, Sua primeira viagem a Jerusalém: Ninguém subiu ao

céu a não ser o Filho do homem, ele, que desceu do céu. Do mesmo modo que Moisés elevou

a serpente no deserto, assim deve ser elevado também o Filho do Homem, para que todo o

homem que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.

Quando a madrugada se tingia de escarlate, o Mestre e o amigo se despediram.

O segundo momento em que Nicodemos é citado é em João 7, 37ss. Jesus fora assistir

às cerimônias litúrgicas, no meio do povo.

No último dia da festa dos Tabernáculos, Ele viu o sacerdote, por entre o som das

trombetas, colher água, em um vaso de ouro, na fonte de Siloé, tornar a subir a montanha

e derramá-la sobre o altar dos holocaustos.

Finda a cerimônia, o povo ainda no átrio do Templo, Jesus, do alto da escada

semicircular de quinze degraus, bradou:

Quem tiver sede venha a mim e beba! Quem crer em mim, brotar-lhe-ão do interior

torrentes de águas vivas.

A explanação que o Mestre deu a seguir impressionou o povo e inquietou os

sacerdotes. Emissários foram despachados para prendê-lO, mas ninguém ousou tocá-lO.

Retornaram de mãos vazias. O Sinédrio reunido discute. Não é somente a plebe

ignorante que aplaude Jesus. Muitos personagens ilustres O seguem.

Nicodemos recorda seu colóquio noturno com Ele e O defende com desassombro:

Acaso a nossa lei condena um homem sem primeiro o ouvir e inquirir o que fez?

Tal defesa lhe valeu a acusação de galileu, o que era sinônimo de discípulo do

Nazareno.

Sofismando, as vozes exaltadas afirmam que da Galileia não pode vir profeta algum.

O Nazareno é um impostor. Estavam tão enceguecidos pela paixão, que esqueciam que

eram filhos da Galileia os profetas Jonas e Nahum.

A assembleia discutiu muito e acabou por se dissolver, sem nada resolver, afirma o

historiador evangélico.

Quantas outras vezes terá Nicodemos defendido Jesus, sem que houvesse registros,

porque ele, pela sua humildade, não o revelou a ninguém?

Mas João não o esqueceria. Ser-lhe-ia eternamente grato por sua atitude corajosa,

ao se concretizar a morte de Jesus.

Ele o menciona como aquele que auxiliou José de Arimateia a conceder

sepultamento digno ao corpo do Mestre. Diligenciou a retirada do corpo da cruz e auxiliou

a embalsamar o corpo, rapidamente, face ao sábado judaico que logo se iniciaria.

Sua derradeira homenagem foi comprar cem libras de essências odoríferas e um

grande lençol de linho precioso para envolver o corpo.

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As anotações evangélicas não vão além. Esteve Nicodemos no Sinédrio, na tenebrosa

noite do julgamento do Senhor das estrelas? Se presente, terá sido sua voz a única a se

erguer em favor do acusado?

De toda forma, Nicodemos se mostrou amigo dAquele de quem recebeu não

somente esclarecimentos, mas confiança, na célebre entrevista noturna.

E justiça lhe seja feita, se num primeiro momento foi ouvi-lO às ocultas, teve a

ousadia de defendê-lO perante os demais membros do Sinédrio. E muita coragem para se

expor, providenciando-lhe a sepultura.

É de nos perguntarmos se não terá ele sofrido represálias do Sinédrio, perseguições,

demissão do seu cargo, como consequência do seu gesto.

Era sim, um amigo fiel do Mestre de Nazaré.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. Nicodemos, o amigo. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. A sepultura de Jesus. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo:

União Cultural. v. II, nº 190.

03.______. Ultimo dia da festa dos tabernáculos. Op. cit. v. II, nº 91.

04.SALGADO, Plínio. O amigo. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do

Oeste, 1978. cap. 21.

05.VAN DEN BORN, A . Nicodemos. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

Em 18.2.2016

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23) O escravo fiel

O ano de 233 caminhava para sua conclusão. A pequena igreja de São João, em

Lyon, mobilizava todos os recursos para amenizar os problemas do povo, assolado pela

peste que procedia do Oriente, fazendo muitas vítimas.

A ignorância da época não tardou a sugerir que a peste seria produto da ira celeste.

Vingança das divindades olímpicas por causa da praga cristã que se alastrava pelos lares.

Na quinta do romano Opílio Vetúrio, seu enteado Taciano se revela feroz

perseguidor dos cristãos. Em criança, tivera o pai assassinado e lhe haviam incutido na

memória que tinham sido nazarenos fanáticos os responsáveis.

Pretendendo se casar e residir naquela propriedade rural, resolve destruir o que

adjetiva como disparates.

Reúne todos os servos a fim de que prestem juramento aos deuses de Roma. Na

extensa herdade, instalada uma soberba estátua da deusa Cíbele e um altar, pede a cada

um que declare em voz alta fidelidade às crenças romanas.

Todos os escravos, um a um, reafirmam as frases exigidas. Até que o escravo mais

antigo da herdade se aproxima. É Rufo.

Seu perfil bronzeado se ergue, quando chega a sua vez, e com voz cristalina e

dominadora, afirma:

Juro respeitar os imperadores que nos governam, mas sou cristão e renego os deuses

de pedra, incapazes de corrigir a crueldade e o orgulho que nos oprimem no mundo.2

O burburinho se instala. Ele é recordado de sua condição de escravo e convidado a

abjurar, perante a sublime mãe dos deuses.

Nada o demove. Ele é escravo, sim, cumpridor leal de seus deveres, mas seu Espírito

é livre, afirma.

Por ordem do algoz, Rufo é convidado a despir a túnica e ajoelhar-se, com as mãos

para trás.

O chicote cortante lhe alcança a pele nua por três vezes. Os vergões sangram. Ele

permanece firme:

Sou cristão.

Dada sua persistência, o chicote o maltrata, sem piedade, inúmeras vezes e seu

corpo se transforma em feridas sangrentas.

Face ao mal-estar geral, ante o ato de selvageria, Taciano manda que recolham o

escravo ao cárcere.

Então, Caio Júlio Vero Maximino sobe ao trono romano, sedento de sangue e de

poder. Os cultivadores do Evangelho enchem os calabouços e os anfiteatros, ante a

perseguição cruel.

Em Lyon, a igreja é interditada, os religiosos expulsos.

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Os seguidores de Jesus, como os druidas do passado, se internam nas florestas,

transformando-as em catedrais de arvoredo, sob o firmamento de estrelas, para orar e

comentar as lições evangélicas.

O questor Quirino, intrigante e caluniador, aventa a ideia de que cada senhor, em

sua própria casa, realize o expurgo dos cristãos.

Começa trucidando seis dos seus cativos, em ruidosa festa. No palácio rural de

Opílio, decide-se dar a última oportunidade ao velho e teimoso Rufo.

Marca-se dia para o que chamam a recuperação de Rufo. Todos os escravos são

convidados para o ato e pensa-se em qual seria o mais adequado método de exterminá-lo,

caso permaneça fiel aos seus princípios.

O machado para a decapitação? Alguém mais cruel sugere que o servo seja

arrastado pela cauda de um potro selvagem. Seria um quadro festivo digno de ser visto.

A esposa de Rufo, Dioclecia e as duas filhinhas, Rufília e Diônia são trazidas.

Desejam abraçá-lo, após o período de separação, mas são impedidas.

A escolha lhe é colocada: ou ele jura fidelidade aos deuses ou a sua família será

vendida a terceiros.

O prisioneiro, de cabeça sempre ereta e altiva, baixa o rosto até o chão. Ajoelha-se,

pede compaixão. Invoca os tantos anos de fidelidade aos seus senhores. Ali nascera,

crescera e trabalhara.

Vetúrio permanece impassível. Nada o demove. Rufo reergue a fronte. Recupera a

serenidade.

Olha a esposa, estende os braços e a pequenina de quatro anos, Diônia se precipita

para ele:

Vem conosco, papai?

Há ternura no olhar de Rufo. Estanca as lágrimas. Todos percebem a inabalável

firmeza que o domina.

Eleva os olhos ao céu e a prece íntima brota.

Nada teme. Nem a ameaça de ver entregues a estrangeiros sua esposa e filhas, nem

a ameaça do flagício.

Senhor – responde a Opílio – os que vão morrer colocam-se à frente da verdade...

Não temo a morte, que para mim é libertação e vida.

E realiza um discurso, reafirmando a sua fé. A família será vendida? Ele sofre, sim,

mas recorda que todos os padecimentos são semelhantes às sombras ralas da madrugada

que se misturam à luz nascente de novo dia!...1

O chicote estala no rosto do escravo. Sob seus olhos, Vetúrio conclui o negócio com

o mercador, entregando a família do escravo.

Um potro bravio é trazido. O animal relincha, escouceia e, enquanto Rufo é atado

à cauda do animal, o comprador de cativos se aproxima do condenado, sussurando-lhe aos

ouvidos:

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Tua família encontrará um lar em nossa casa da Aquitânia. Morre em paz, eu

também sou cristão.1

Um sorriso se estampa no semblante do mártir, pela primeira vez, naquele dia de

tão dolorosos testemunhos.

O animal dispara, entrando em matagal próximo, levando a carga preciosa que vai

sendo dilacerada, pelo caminho.

Mais tarde, mulheres piedosas da igreja foram lhe recolher os despojos.

A sua morte, qual a de outros tantos servidores fiéis, mais alimentou a chama do

idealismo santificante.

Por muito tempo ainda, os cristãos se ofereceriam em holocausto, em nome da

Verdade, com a certeza de que tudo na Terra é transitório e Jesus reina, acima dos homens.

01.XAVIER, Francisco Cândido. No caminho redentor. In:___. Ave, Cristo! Pelo

Espírito Emmanuel. 3. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1966, pt. 1, cap. VI.

02.______. Reencontro. Op. cit. pt. 1, cap. V. Em

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24) O filho de Alfeu

Àquela época as rendas do Império Romano eram arrecadadas por um sistema de

taxação direta sobre pessoas (capitatio humana), o que devia equivaler ao atual Imposto

Pessoa Física, e sobre propriedades (capitatio terrena), correspondendo aos atuais Imposto

Predial e Territorial Urbano – IPTU e Imposto Territorial Rural - ITR. Havia ainda a taxação

indireta (postorium) sobre a exploração do subsolo, salinas, imposto de consumo e tarifas

alfandegárias, que também encontramos similares na atualidade (Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS e outros).

A arrecadação das rendas do Estado efetivava-se em todo o Império por

arrematadores que, em hasta pública, ofereciam maior lance, firmando-se, em seguida, no

fórum, junto ao censor, o contrato respectivo.4

Muitos judeus, com seu especial temperamento para negócios, comércio e finanças,

se entregavam a esse mister, pelo que eram olhados, pelos fariseus, saduceus, zelotes e toda

a população, com desprezo.

Não importava o cargo que ocupassem. Fossem altos funcionários das alfândegas,

contadores, modestos amanuenses ou simples escreventes, todos eram simplesmente

chamados de publicanos e olhados de soslaio. Odiados.

Se enriqueciam no trabalho, se respeitavam a Torá, se frequentavam a sinagoga, se

pagavam o dízimo exigido, nada disso importava. Eram detestados e, no Templo de

Jerusalém, quase sempre se postavam em lugar mais afastado, até mesmo para evitar

escandalizar a parentela, a vizinhança e os conterrâneos.

A alma dos publicanos era uma alma dolorida, solitária. Entre esses, havia um tal

de Levi, filho de Alfeu, que desempenhava, na alfândega de Cafarnaum, as funções de

escrevente. Com maestria manejava o kalam, caniço talhado para escrever, anotando, em

colunas, o nome das mercadorias, a percentagem tributária, a moeda para o pagamento.

Nas horas de seu descanso, ele se entregava a amargas meditações. Ansiava pela

vinda do Messias. Não seria afinal Ele, o Messias, Aquele que deveria vir para fazer sorrir

a felicidade entre as montanhas de Israel?

Ele se sentia como um leproso, um ser à margem da sociedade.

Certa manhã de sábado, em que estava no seu local de trabalho, levantou os olhos

e os viu. Não conseguia se recordar porque é que fora ali, naquele dia e naquela hora, pois

não era o seu habitual, nesse dia e nesse horário.

Era um grupo de pescadores, entre os quais ele reconheceu João e Tiago, dos quais,

mais de uma vez, cobrara impostos. À frente deles, caminhava um estranho de cabelos cor

de mel, barba à moda nazarena e uma túnica de alvura brilhante. Destacava-Se pela

majestade do porte. Parecia um homem letrado, culto.

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Sente Levi inusitadas emoções. Tem ímpetos de seguir com o grupo, de

acompanhálos. No turbilhão de pensamentos que o dominou, ele se deixou ficar ali,

parado, atônito.

Compareceu à sinagoga, naquela tarde e O viu. Ele leu os textos e os interpretou.

Na acústica da alma, Levi parecia reconhecer aquela voz. Novamente, a emoção lhe tomou

de assalto os sentimentos. Aquele homem falava de coisas tão velhas e já sabidas, ao mesmo

tempo, de coisas novas e surpreendentes. Não era tudo o que sempre aguardara para sua

própria vida?

Quando o Rabi saiu da sinagoga e se dirigiu à casa da sogra de Pedro, Levi

acompanhou-O, de longe.

Ouviu os comentários das curas da sogra de Pedro e do endemoninhado, mas não

ousou se aproximar. Desejava, mas temia. Ele era um renegado, uma infeliz ovelha de

Israel. Contudo, almejava aproximar-se e dizer: Senhor, eu não sou digno...

A voz lhe morria na garganta.

Nas noites seguintes, o sono lhe foi atormentador. Bastava fechar os olhos, para ver

Aquele olhar que cruzara com o seu, na manhã daquele sábado, à porta da alfândega. Se

abria os olhos, podia ver, na escuridão do quarto, Aquele olhar...

Vencido pelo cansaço, adormecia por algum tempo, para despertar, álgido de suor,

com a lembrança de que estava acompanhando o Mestre, por uma longa estrada de sol.

Embaixo do braço, o rolo de papiro de assentamentos da alfândega. Entretanto, nele não

havia anotações sobre dracmas, sestércios, peças de ouro, mas somente escritos, alguns

versículos, algo que ele não conseguia distinguir.

Finalmente, enquanto trabalhava, às primeiras horas do dia, na repartição

aduaneira, tudo aconteceu. Sua tarefa era mecânica. Seu Espírito pairava distante.

Então, ergueu os olhos e focalizou o retângulo da porta. Um estremecimento

percorreu todo seu corpo. Esfregou os olhos. Estaria sendo vítima de uma alucinação pelas

tantas horas não dormidas?

Emoldurada pelos batentes, destacando-se no fundo azul do lago e do céu, erguese

diante dele, irradiante de bondade, a figura do Mestre.4 Levi, filho de Alfeu, segue-me!

Ele se levantou. Não havia dúvidas em seu coração. Seguiu-O .

Há felicidade no ar. Tudo parece cantar alegrias. Ele convida o Rabi para um

banquete em seu lar. Preparou a mesa, dispondo peixes assados e fritos, maçãs, romãs,

azeite e mel de qualidades preciosas, vindas de Méron, Corazim, Hébron.

Sobre a toalha de linho branco, abundância de baixelas, taças e pratos. À porta de

entrada, dispôs serviçais com vasilhames de água pura para as abluções devidas.

O povo se aglomera na praia, em expectativa. É um grande acontecimento em

Cafarnaum.

Quando vê a barca de Simão se aproximando da praia, e a figura de Jesus com Sua

túnica brilhante, os cabelos emoldurando-Lhe a face, Levi tem vontade de gritar.

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Seu peito quase estoura de felicidade. Ele avança, curva-se e com seus braços, as

lágrimas represadas, abraça o Divino Amigo.

Alegra-te, Mateus, fala-lhe o Pastor, hoje a felicidade adentra pelo teu lar.

O banquete foi festivo, ao som de pífanos, flautas, pandeiros e delicados sinos.

Ardem as piras fumegantes, em volta da mesa farta, no cair da tarde.

Os fariseus que passam e observam o banquete na varanda da rica casa,

murmuram. Jesus serve-Se do momento, para a lição dos sãos que não necessitam de

médico, mas sim os doentes.

Jesus faz a refeição do entardecer com os convidados do seu convocado, publicanos

como ele, da mesma alfândega, que se interessam pelo reino que Ele traz. Esclarece uns e

orienta outros, explica-lhes qual a estratégia a desenvolver, para que se implante o reino

especial, e toda uma conversação afetuosa se estabeleceu.1

Mateus Levi ou Levi Mateus mudou de atividade, encontrando a sua real vocação :

...anotar almas para o banquete do reino de Deus.1

A Mateus é atribuído o primeiro Evangelho, escrito originariamente em aramaico,

embora a versão que se conheça seja a da tradução grega, que se acredita, tenha sido feita

pelo próprio autor. Dos seus apontamentos primeiros, se serviram os homens do Caminho,

os cristãos primitivos para a disseminação das alvíssaras da Boa Nova, dentre eles, Simão

Pedro, Barnabé, Paulo, o convertido de Damasco.

Na Casa do Caminho, em Jerusalém, Estêvão, o primeiro mártir do Cristianismo,

através deles conhece os ditos e os feitos do Mestre de Nazaré.

Segundo a tradição, Mateus Levi teria sido martirizado na Etiópia.

Seu nome deriva do grego Maththaios ou Matthaios, proveniente do aramaico

Mattai, forma abreviada do hebraico Mattanyah, que significa dom de Yaweh.

1.FRANCO, Divaldo Pereira. O ministério de Mateus Levi. In:___. Até o fim dos

tempos. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 2000.

2.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin

Claret, 1995. cap. 9.

3.ROHDEN, Huberto. Jesus Nazareno. Vocação e banquete de Levi. In:___. Jesus

Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v.1, cap. 39.

4.SALGADO, Plínio. Levi, filho de Alfeu. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. pt. 2, cap. XIX.

5.ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. Rio de Janeiro: Britannica, 1986. v. 3,

verbete Apóstolo – 9.9. Em 18.2.2016

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25) O filho do oficial romano

Quantos terão privado da presença de Jesus, ao tempo em que Ele andou pelos

caminhos terrenos?

O Evangelista João, ao se referir aos ditos e feitos do Mestre, sabiamente assinalou:

Muitas outras coisas há que fez Jesus, as quais, se se escrevessem uma por uma, creio que

nem no mundo todo poderiam caber os livros que seria preciso escrever.2

Pensamos que, igualmente, foram tantas as pessoas que tiveram contato com Jesus,

que se beneficiaram de Sua palavra, de Seus ensinos que, dificilmente, poderemos ter a

exata noção de quantas foram.

Assim, nas obras espíritas, encontramos preciosas pérolas que nos informam de um

ou outro personagem, cuja vida, após o encontro com Jesus, se transformou e cujos feitos

altruístas ficaram somente dEle conhecidos.

Um desses é Aurélio Quintus Pompeu, filho de um modesto oficial da legião romana

da Judeia e de uma jovem grega, que ele conhecera e com quem se casara, em Jerusalém.

O oficial romano cedo desencarnou, durante uma expedição em que combatia uma

dessas rebeliões, tão frequentes na Judeia e na Palestina.

Léa, a jovem mãe, ficou com o pequenino Aurélio nos braços, ao sabor de aflitiva

pobreza. Temerosa que Roma lhe tomasse o filho, não procurou as autoridades

competentes para rogar socorro e passou a trabalhar.

Dava lições de grego, tecia colchas e tapeçarias, vendia frutos do seu quintal e doces

que fabricava em sua modesta cozinha, enfim, tudo fazia para criar o filho, ensinando-lhe

os princípios da boa educação.

Quando João, o Batista, iniciou suas pregações em Betabara, no vau do Jordão, a

convite de vizinhos que com ela insistiram, Léa foi ouvi-lO. Embora estrangeira, ela adotara

a crença de Israel no Deus único.

Levou consigo o filho, de apenas sete anos. Era inverno. O pequeno Aurélio ouviu,

junto com sua mãe, as pregações de João, durante três dias.

Como o Batista falava que o Messias estava na Galileia, o trajeto seguinte foi naquela

direção.

Léa tornou-se cristã, despertando a atenção do filho para as pregações de Jesus. E o

menino, levado pela mãe, ouviu o Sermão da Montanha, ouviu Jesus nas sinagogas e nas

praças públicas. Assistiu, maravilhado, a inúmeras curas.

Finalmente um dia, a instâncias de sua mãe, foi abençoado pelo Mestre que sobre

ele pôs as Suas mãos.

Aurélio ainda participou da ovação, na célebre entrada de Jesus em Jerusalém.

Depois, foram as horas de tristeza da prisão e condenação dAquele que era a Esperança, a

Vida, o Caminho.

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Arrastado pela mãe, seguiu o infeliz cortejo, no meio do povo, até o Calvário. Foi a

primeira vez que ele contemplou o suplício da cruz.

O dia estava quente. O sol abrasador lhe queimou as costas nuas pois, nesse dia,

dada a pressa com que havia circulado a notícia da condenação do Mestre, a mãe até

esquecera de vesti-lo de forma conveniente.

A tristeza abateu-se naquele lar. Léa, traumatizada pelo horror que presenciara,

teve forte crise nervosa e recolheu-se ao leito. A febre parecia devorá-la.

Aurélio, então com seus dez anos, não sabia se chorava mais pelo amigo morto ou

pela mãe enferma. Em meio à tristeza, entretanto, era preciso moer os grãos para a farinha

e o pão, bater a massa, fritar os peixes, acender o fogo para cozer os nabos, as couves, servir

o caldo à doente, lavar os pratos.

No domingo, terceiro dia da morte de Jesus, tudo se modificou.Os vizinhos entraram

correndo pela casa, anunciando que o Mestre de Nazaré ressuscitara.

Ele aparecera a Maria de Magdala, Simão e João haviam encontrado o túmulo vazio.

A cidade toda estava agitada.

Léa levantou-se do leito e vestiu-se. Ainda trêmula de fraqueza e de emoção, partiu

com os amigos à procura de mais notícias sobre o empolgante acontecimento.

Aurélio a seguia, o coração pulsante de alegria, correndo e gritando, imitando o que

ouvia outros repetirem: Aleluia! Hosanas ao Filho de David que ressurgiu dos mortos!

Era importante sair às ruas e bradar do triunfo depois da morte na cruz, anunciar

a todos a grande novidade...

Os anos seguintes mostrariam que os paladinos do Cristo, que deveriam espalhar a

Boa Nova pelo mundo inteiro, haveriam de pagar com muitas dores, a sua ousadia.

Perseguições foram desencadeadas e eles passaram a ser banidos e mortos. Na

primeira perseguição, em Jerusalém, após a morte de Jesus, Léa foi morta a golpes de sabre,

enquanto ouvia oradores cristãos, na praça pública.

Aurélio era um adolescente de treze anos. Recolhido em casa de amigos, com os

quais mais se ilustrou nos princípios da nova Doutrina, cedo iniciou seu apostolado.

Desejava ser cidadão do Cristo, ter a honra de servi-lO. À semelhança de outros

tantos servidores anônimos, O serviu com denodo e dignidade.

Finalmente, acompanhando caravanas de cristãos que desejavam levar ao coração

do grande Império dos homens a notícia do Reino de Deus, foi a Roma.

Ali, com amor e abnegação, falou do que vira, de Lázaro arrancado das trevas da

morte, de Zaqueu conquistado para o Reino de Deus, do que presenciara, do que ouvira.

Um dia, com cerca de quarenta anos de idade, Aurélio foi preso. A condenação foi

a morte num poste do Circo de Nero, incinerado, iluminando a noite de loucuras humanas.

Sua morte, contudo, foi suave, apesar da atrocidade por parte dos que se

transformaram em carrascos de outros homens.

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Jesus apareceu aos condenados na hora suprema, estendeu-lhes a mão, como

costumava fazer em Suas prédicas nas praias da Galileia e deixou que ouvissem Sua voz,

reafirmando:

Eu sou a Ressurreição e a Vida! O que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá.

E todo o que vive, e crê em mim, não morrerá eternamente!1

1.PEREIRA, Yvonne A. Ressurreição e Vida! In:___. Ressurreição e vida. Pelo Espírito

Léon Tolstoi. 2. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1965. cap. VI.

2.BÍBLIA, N.T. João. Português. Bíblia Sagrada. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1953. cap.

21, vers. 25.

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26) O irmão do Evangelista

O nome Tiago significa o mesmo que Jacó que, segundo uns, quer dizer Deus

proteja; segundo outros, suplantador. No Novo Testamento figuram pelo menos quatro

Tiagos.

Um dos que se chamavam Tiago era denominado Tiago Maior, para diferenciar de

Tiago Menor.

Era filho de Zebedeu e Salomé, portanto, irmão de João, o Evangelista. Nasceu em

Betsaida da Galileia, e, tal como seu irmão, era pescador.

Há os que o descrevam como um jovem individualista e ambicioso. No entanto, ao

contato com Jesus, transformou sua ambição em poder aliviar a dor das pessoas e ajudálas

a encontrar a mais excelente fonte de amor, a Boa Nova.

Transformou-se num homem robusto, bem diferente do jovem frágil e inseguro dos

tempos em que largou os barcos de seu pai para seguir o Mestre de Nazaré.

Quando se menciona o seu nome, nos Evangelhos, está ligado aos nomes de João e

Pedro, quase sempre precedente ao de João, o que nos leva a concluir que ele era o irmão

mais velho. Em algumas anotações evangélicas, ocorre a inversão dos nomes, vindo João

primeiro (Atos 1:13), o que se deve, possivelmente, ao grande prestígio de João, como

discípulo amado de Jesus.

Fazendo parte dos três sempre chamados por Jesus, para acompanhá-lO, o vemos

presente na transfiguração (Mt. 17:1; Mc. 9:1 e Lc. 9:28), na cura da sogra de Pedro (Mc.

1:29), na cura da filha de Jairo (Mc. 5:37 e Lc. 8:51) e na agonia de Jesus, no Getsêmani (Mt.

26:37 e Mc. 14:33).

Alguns episódios envolvendo Tiago merecem relevância. Conforme Marcos (10:

3545) ele e João foram pedir a Jesus que lhes fosse permitido sentarem-se um à direita e o

outro à esquerda, quando Jesus estivesse em Sua glória, fato que gerou indignação entre os

Apóstolos. Mateus (20:20-28) se refere ao fato como tendo sido a mãe deles quem realizou

tal pedido a Jesus.

De toda forma, a resposta de Jesus lhes serviu de grande lição. Depois de lhes ter

falado do conteúdo amargo do cálice do testemunho que lhes competia sorver, e Ele lhes

diz que verdadeiramente o sorveriam, reuniu os doze e lhes disse que aquele que desejasse

ser o maior entre eles, fosse o servidor de todos. E, mostrando a Sua humildade, ressaltou

ainda que somente ao Pai competia conceder esse ou aquele privilégio.

Em outro momento, atravessava Jesus com Seus discípulos a terra de Samaria para

ir a Jerusalém. Era sua última viagem para a capital. Restavam-lhe ainda uns seis meses de

vida terrena. Desde esse outono até a próxima primavera, o campo da Sua atividade seria

Jerusalém e arredores.

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Narra Lucas (9:51-55) que Ele despachou mensageiros adiante de Si, que chegaram

a uma povoação dos samaritanos para lhe preparar pousada.

No entanto, como nada mais desagradasse aos samaritanos do que verem israelitas

se encaminharem para Jerusalém, à época das festividades religiosas, não desejaram

recebê-lO.

Então Tiago e seu irmão João perguntaram a Jesus:

Senhor, queres que mandemos cair fogo do céu para os devorar?

Era o espírito de impetuosidade que falava naquelas bocas ainda jovens. Jesus os

acalma, enfatizando que não viera para perder as almas, mas sim para as arrebanhar ao

Seu reinado de amor.

Foi nessa ocasião que ambos, Tiago e João, receberam do Mestre de Nazaré o apelido

significativo de filhos do trovão.

Após a crucificação de Jesus, há referências de Tiago na Galileia (Jo. 21:1-14), como

partícipe da pesca milagrosa, no lago do Tiberíades. Depois, em Jerusalém.

O fim de sua vida terrena tem episódios surpreendentes. Chegou a Jerusalém, com

a primitiva franqueza dos anúncios do novo Reino. Inadaptado ao convencionalismo

farisaico, levara muito longe o sentido de suas exortações profundas.4

Repetiram-se os acontecimentos que assinalaram a morte do primeiro mártir,

Estêvão. Os judeus se exasperaram.

Sua atitude, sincera e simples, foi levada à conta de rebeldia.

Denunciado, ele foi preso, levado ao banco dos réus, interrogado e condenado. Era

o governo de Herodes Agripa, sucessor de Herodes Ântipas. Amigo do Imperador Calígula,

foi favorecido por ele com o título de rei e de duas tretarquias do Norte da Palestina,

também a Galileia e a Pereia.

O denunciante, diante da atitude serena do mártir, arrependeu-se de tal forma que,

enquanto conduziam Tiago para a execução, se declarou também cristão, sendo condenado

a morrer com ele.

Durante o trajeto, pediu a Tiago que o perdoasse. Tiago voltou-se para ele e num

gesto sublime, o beijou, chamando-o de irmão e lhe desejando paz.

Tiago foi decapitado, tornando-se o primeiro Apóstolo de Jesus a morrer, na defesa

de Sua Causa. Segundo o historiador Daniel Rops, seria o ano 41 da era cristã.

01.CURY, Augusto. Uma carta de amor: o final da história dos seus discípulos. In:___.

O Mestre inesquecível. São Paulo: Academia de Inteligência, 2003. cap. 11.

02.PALHANO JR., L. Tiago. In:___. A carta de Tiago. Niterói: FRÁTER, 1992. cap. 1.

03.PEREIRA, Yvonne A. Tiago, irmão de João. In:___. Cânticos do coração. Rio de

Janeiro: CELD, 1994. v. 1, cap. 1.

04.XAVIER, Francisco Cândido. Primeiros labores apostólicos. In:___. Paulo e Estêvão.

Pelo Espírito Emmanuel. Ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 2, cap. 4. Em 18.2.2016

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27) O moço do manto marrom

Narra João, o quarto cronista da Boa Nova, no capítulo 21, versículo 25 do seu

Evangelho que: Muitas outras coisas, porém, há ainda que fez Jesus; as quais, se se

escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros que

delas se houvessem de escrever.

Marcos escreve, em seu capítulo 9:37 a 39, a respeito da atitude de João ordenando

a um homem que parasse de cuidar obsedados, em nome de Jesus, porque não pertencia

ao círculo do Nazareno.

É Léon Tolstoi que realiza o resgate da personagem, através da psicografia

abençoada de Yvonne Pereira, narrando-nos que, mesmo muito jovem, aquele personagem

era visto a seguir Jesus, onde quer que Ele se encontrasse.

Moreno, de olhos cinzentos e sonhadores, cabelos negros e abundantes que iam até

à altura do pescoço, barba pequena, negra como a cabeleira, sempre tratada e limpa, vestia

uma túnica de algodão azul escuro, alpercatas gregas e um manto marrom.

A tiracolo trazia, de um lado, um saco de couro de carneiro onde guardava, envoltos

em retalhos de linho muito alvo, dois roletes de madeira, espécie de carretéis, um deles

sempre suprido com papiros, utilizados para a escrita pelos intelectuais da época, conforme

o uso grego; estiletes, sais coloridos e uma espécie de flauta, um pífano. Do outro lado, em

outro saco trazia um alaúde.

Ele era visto sempre sozinho. Jamais falava, e difícil seria dizer de sua nacionalidade.

Poderia ser egípcio, não fosse a cor dos olhos. Talvez fosse mesmo grego, dadas as

particularidades dos apetrechos para a escrita.

Seguindo Jesus, o moço do manto marrom procurava se sentar, no chão, ou em um

banco improvisado com uma pedra, ou na soleira de uma porta e punha-se a escrever o

que ouvia.

À noite, na pensão modesta a que se recolhesse ou no celeiro de alguma casa

particular, ele desenrolava os papiros e, à luz de uma candeia de azeite, tudo relia. Estudava

mesmo, até alta madrugada, fazendo anotações, comentários em outros retalhos de papiros

ou peles de ovelhas, colecionando tudo caprichosamente. É como se, em sua mente, já se

estivesse delineando algo que surgiria bem mais tarde, o livro.

Muito erudito, escrevia em grego, aramaico ou latim, e por vezes, compunha versos,

acerca do que ouvira e vira, pois mais de uma vez presenciou as extraordinárias curas

realizadas pelo Meigo Rabi. Ele estava presente, quando o chefe da sinagoga de Cafarnaum

procurou Jesus, suplicando-lhe ir à sua casa, pois sua filha, menina de doze anos, estava

presa de febre violenta.

Assistiu, assim, à cura da mulher portadora de terríveis hemorragias. Jesus, então

empurrado daqui e dali, aproximou-se tanto do jovem, nessa oportunidade, que o Seu

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manto lhe roçou o rosto. Emocionado, o moço tomou da ponta do manto e ali depositou

um ósculo de veneração.

O Nazareno voltou-Se, fitou-o em silêncio e pousou, por um único instante, Sua

mão sobre a cabeça do moço, abençoando-o. Os dois olhares se cruzaram. Nenhuma

palavra foi pronunciada.

Logo mais, o alarido festivo anunciava que a filha de Jairo estava curada. Ali mesmo,

o jovem retirou o tubo de estiletes, os carretéis com os papiros, os sais coloridos e escreveu

sobre o que presenciara.

Alguns dias depois, estando em uma praça aguardando a vinda de Jesus, o moço

começou a observar a quase multidão que também ali esperava. Por onde andariam Jesus

e os Apóstolos?

Possivelmente em outra localidade, esparzindo bênçãos. Mas ali, os doentes

começaram a ficar impacientes. Havia gemidos de um lado, queixas de outro.

Finalmente, em torno do meio-dia, tomado de profunda compaixão, o moço se

levantou da sombra da videira, onde estava assentado, desde o alvorecer, e aproximou-se

de um daqueles endemoninhados em convulsão. Colocou sua mão sobre a cabeça do pobre

homem e exclamou:

Em nome de Jesus Nazareno, o Filho de Deus vivo, retira-te deste homem e vai em

paz!1

O doente ainda rolou pelo chão, gritou roucamente. Finalmente, surpreso,

parecendo acordar de um pesadelo, se ergueu, um tanto envergonhado, limpou a poeira

da túnica e se foi. Estava curado.

O restante daquele dia foi dedicado todo a curas de obsedados. Parecia ser a

especialidade daquele moço. Nos dias seguintes, ele continuou. Foi então que João, em

presenciando a sua tarefa, lhe proíbe de continuar, visto não pertencer ao grupo de Jesus,

não ser um dos Apóstolos.

Estranhamente, não demorou muito a que o mesmo João retornasse a ele,

desculpando-se humildemente e participando-lhe que continuasse no seu ministério. O

próprio Mestre, informou, o autorizava , mesmo não gozando ele da intimidade dos

verdadeiros discípulos, pois reconhecia nele um amigo digno de confiança...1

Vieram depois os dias tristes da prisão e morte do Divino Amigo. Sete dias se tinham

passado. O jovem acabara de escrever sobre as notícias da ressurreição tão falada. Cansado

de escrever, de ler e de chorar, adormeceu e sonhou.

Sonhou que Jesus o visitava em seu pobre albergue, radioso, e lhe pedia que tratasse

de curar também as almas, não somente os corpos, eis que essas são eternas.

Assim, o moço do manto marrom passou a atrair crianças e jovens para perto de si,

através da música. Tocava melodias doces em sua flauta e, quando se via rodeado, dizia

que se sentassem, porque ele tinha histórias muito lindas para contar. Histórias de um

Príncipe que descera dos Céus.

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E ele narrava o que vira e ouvira. Depois declamava ou cantava seus versos, que

falavam das verdades eternas, revelando-se emérito professor e educador.

Durante o dia trabalhava remendando mantos e túnicas, carregando água e cestos

de compras, levando camelos e cavalos de estrangeiros a beberem e para serem lavados.

Pela manhã e ao cair do crepúsculo, dava suas aulas.

Aos discípulos interessados presenteava uma cópia das suas anotações sobre o

Nazareno e Sua Boa Nova.

Quando reconhecia que seus ouvintes haviam assimilado as lições, partia para

outras terras. Na sua velhice, foi visto na cidade dos Césares, ainda de olhos sonhadores,

tocando velhas melodias em seu pífano, ou recitando e cantando lindos poemas ao som de

seu alaúde. Poemas que falavam de um Príncipe que abandonara temporariamente as

estrelas para ensinar aos homens a Lei de Amor.

Nunca ninguém lhe registrou o nome. Na juventude, chamavam-no Moço. Na

velhice, Avozinho.

Personagem grandiosa, trabalhador da Seara de Jesus, a ele se refere o Evangelho

com rapidez. No entanto, seu nome está escrito no Livro dos Céus, pelo desempenho da

grande tarefa: amar a Deus, ao próximo e ao Evangelho do Mestre de Nazaré.

01.PEREIRA, Yvonne A. O discípulo anônimo. In:___. Ressurreição e vida. 2. ed. Rio

[de Janeiro]: FEB, 1965. cap. V.

02.SALGADO, Plínio. A planície. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do

Oeste, 1978. pt. 4, cap. 49.

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28) O notável raban

Gamaliel pertencia à seita dos fariseus, que tinha nas mãos, à época primeira da

Boa Nova, praticamente todo o alto ensino religioso. Era dos homens mais notáveis da seita

farisaica.

Representava, como o grande Hilel, a tendência liberal. Não desprezava ninguém.

Afável e bom, não condenava os crentes que falavam grego, nem voltava ostensivamente a

cabeça, quando, nas ruas, cruzava com mulheres ditas pagãs.

Retribuía as saudações dos estrangeiros, o que, face ao formalismo e orgulho

farisaico, era tido como um sinal de insigne generosidade.

Sua ortodoxia era inatacável, tanto que lhe foi criado um termo para o fim expresso

de testemunhá-lo. Assim, enquanto os doutores da Lei, antes dele, eram chamados rab, isto

é, mestre, ou ainda rabi, meu mestre, a ele davam a denominação de raban, nosso mestre.

A Mixna, isto é, a tradição dos Antigos, por ocasião da sua morte, recolherá o férvido

elogio que lhe foi feito: Desde que Gamaliel desapareceu, já não existe a honra da Lei; a

pureza e a devoção morreram com ele. 3

Raban Gamaliel tinha uma alma profundamente religiosa e uma consciência

perfeitamente reta.

É ele que insiste com Isaac, pai de Saulo (o Apóstolo) para deixá-lo vir de uma vez

a Jerusalém, com o fim de, a breve tempo, substituí-lo no Sinédrio, pois que pretendia se

aposentar.

Quando das primeiras perseguições aos homens do Caminho, em Jerusalém,

atendendo ao convite de Simão Pedro visita a Casa do Caminho, para melhor conhecer as

suas atividades.

Ali, emociona-se ao encontrar antigo amigo de Cesaréia, por nome Samônio, a

quem conhecera no fausto e na opulência. O velho amigo está doente, abandonado pela

família, e enaltece o trabalho dos seguidores de Jesus, observações que penetram fundo o

coração do justo Gamaliel.

O sábio raban felicita os companheiros de Jesus pela obra que realizavam na cidade,

tecendo algumas considerações a respeito de cuidados que Pedro deveria tomar, com o

intuito de aparar os golpes da violência que, cedo ou tarde, haveriam de chegar.

Presenteado com os apontamentos de Mateus, Gamaliel se pôs a ler

imediatamente. Diria a Saulo, ao se desencadear a fúria do discípulo sobre os seguidores

de Jesus: Pressinto grandes transformações em toda parte. 4

Pede-lhe, em seguida, a libertação de Pedro, João e Filipe. Não alcançou êxito quanto

a Estêvão, a respeito do qual Saulo insistiu na pena de morte por apedrejamento.

Frise-se que a única voz que se levantou, no seio do Sinédrio, a favor daqueles

homens, foi a de Gamaliel, que Atos dos Apóstolos (5:38-39) assim registrou: Aconselhovos

a que não vos metais com estes homens, e que os deixeis; porque, se esta ideia ou esta obra

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vem dos homens, ela mesma se desfará; mas, se vem de Deus, não a podereis desfazer; assim

não correis o risco de fazer oposição ao próprio Deus.

Após o episódio de Damasco, Saulo tornará a procurar o raban, agora com outra

disposição. Gamaliel se retirara para um oásis de propriedade de seu irmão Ezequias, onde

lia e meditava interminavelmente sobre os textos de Mateus.

Abandonara as práticas religiosas do Judaísmo, e a família o tratava com

condescendência, considerando-o um pobre velho meio caduco, mas muito amado.

O diagnóstico médico afirmava que padecia de singular astenia orgânica, que lhe

consumia as últimas forças vitais.

Envolvido numa grande paz interior, Gamaliel, realmente alquebrado, recebeu o

antigo discípulo com alegria. Seria o último encontro de ambos, naquela encarnação. As

mãos trêmulas e secas, são beijadas pelo moço de Tarso.

Os cabelos pareciam mais brancos, a pele estava sulcada de rugas, na face de uma

palidez indefinível.

Com lágrimas de emoção nos olhos vivos e serenos, o velho mestre ouve a narrativa

de Saulo sobre os acontecimentos de Damasco. Aquela prova enchia-o de profundo

consolo. Não havia aceitado, em vão, aquele Cristo sábio e amoroso, incompreendido dos

homens. 5

Lúcido, Gamaliel orienta os passos iniciais de Saulo nos novos caminhos. Antes de

retornar a Jerusalém ou a Tarso, cabia-lhe consolidar seus propósitos na meditação e no

silêncio, enquanto as suas mãos trabalhassem no tear.

Intercedendo junto ao irmão, conseguiu que ele fosse aceito como um de seus

empregados, no deserto de Dan, junto aos refugiados Áquila e Prisca.

O velho mestre, que lhe transmitira a sabedoria milenar da velha lei, impulsionavao

agora na direção da nova lei.1

Tendo feito, de próprio punho, cópias do Evangelho de Mateus, completo, Gamaliel

confia os rolos a Saulo, pois reconhece que seu fim se aproxima e os escritos que lhe haviam

iluminado o espírito, deveriam servir a outros muitos.

Confiando-lhe, ademais, as anotações que lhe tinham sido presenteadas por Simão,

diz-lhe que, futuramente, poderiam lhe servir de credencial, junto a Pedro, em Jerusalém,

quando ali se apresentasse, podendo fazê-lo em seu nome.

Seria injusto dizer que não trabalhou pelo Cristo: serviu-o fielmente de maneira

decisiva junto ao espírito ardente de Paulo. 2

Se não o declarou publicamente, suas diligências no Sinédrio salvaram a

comunidade nascente. Orientou Paulo na moderação e, depois, aconselhou-o ao período

de retiro para amadurecimento das ideias. Foi quem o introduziu, de forma sutil, ao exame

da Boa Nova, após sua estrada de Damasco:

Vejo-te, no futuro, dedicado a Jesus, com o mesmo zelo ardente com que te conheci

consagrado a Moisés! Se o mestre te chamou ao serviço é porque confia na tua

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compreensão de servo fiel. Quando o esforço das mãos te haja granjeado a liberdade para

escolheres o novo caminho a seguir, Deus há de abençoar-te o coração, para difundires a

luz do Evangelho entre os homens, até ao último dia de vida aqui na Terra. 5

01.MIRANDA, Hermínio C. O homem e a obra. In:___. As marcas do Cristo. Rio[de

Janeiro]: FEB, 1984. v. 1, cap. 2, itens As simpatias de Gamaliel e Reencontro com Gamaliel.

02.______. Os amigos. Op. cit. cap. 4, item Gamaliel.

03.ROPS, Daniel. O inimigo de Cristo. In:___. São Paulo, conquistador de Cristo. 2.

ed. Porto: Livraria Tavares Martins, 1960. cap. 1, item Um menino judeu numa cidade

grega e O aluno do "Raban".

04.XAVIER, Francisco Cândido. As primeiras perseguições. In:___. Paulo e Estevão.

Pelo Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 1, cap. VII.

05.______. O tecelão. Op. cit. pt. 2, cap. II.

06.http://www3.sympatico.ca/pmorasse/page88.htm

07.http://apostolado.sites.uol.com.br/grao.htm Em

18.2.2016

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29) O obsedado gadareno

Os Evangelistas Marcos (5:1-20) e Mateus (8:28-34) denominam os habitantes de

gerasenos. Lucas (8:26-39) refere-se a um local chamado Gergesa, antiga cidade à beira

do lago de Genesaré.

O nome é talvez artificial, consideram alguns, e seria devido a Orígenes.

Amélia Rodrigues, Espírito, narra o fato referindo-se a Gergesa ou Gerasa, cidade

da Transjordânia, cujos domínios não vinham até o lado de Genesaré, distando dali cerca

de dois quilômetros, tendo sido fundada por Alexandre Magno, segundo uns, ou Antíoco

IV Epífanes.

De qualquer forma, dentre aqueles que estudam os Evangelhos, há os que

consideram Gergesa como a cidade que preferiu os suínos em detrimento de Jesus.

O fato é narrado após o asserenar da tempestade no lago. Jesus fez aproar a barca e

se encaminhou em direção de Gerasa, pertencente à Decápole, isto é, ao complexo de dez

cidades que estava sob o domínio romano.

Ele programara aquela visita, há algum tempo, acalentando a possibilidade de ali

levar a Boa Nova.

Era o mês de Kislev (dezembro/janeiro), portador de tempestades. Amanhecia, e a

noite se despedia, beijada pela madrugada, quando eles chegaram: Jesus e os doze.

Mal haviam galgado o barranco, Jesus à frente, quando uma figura medonha

veiolhes ao encontro.

Era um sítio ermo, onde se cavavam sepulturas e ele parecia ter surgido do meio

delas.

Estava nu e agitava em ambos os pulsos e nos pés pedaços de correntes de ferro

partidas, pendentes de aros de algemas.

Deveria ter sido preso e se libertado, graças às fúrias que o atormentavam.

Trazia a cabeleira desgrenhada, a barba maltratada e todo ele eram equimoses e

hematomas, que denunciavam o horror em que vivia.

Era o fantasma de um homem que parecera ter sido despertado pela Luz que viera

da Galileia.

De um salto, erguera-se de um túmulo vazio, dominado pelos Espíritos que o

maltratavam

Esse homem, bem jovem entregara-se aos prazeres de toda ordem, dilapidando o

patrimônio familiar.

De tal sorte cometera loucuras e desvarios que seus pais sucumbiram à vergonha e

horror. Por isso, detestavam-nos os parentes.

Abandonara o lar, a família, a parentela e quando as sombras o subjugaram, passou

a andar pela cidade, como um louco. Gritava, dizia injúrias, ria e gesticulava, tornando-se

ameaça para as gentes, que passaram a temê-lo.

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Julgado pela mente popular como filho ingrato, que fizera sucumbirem seus pais

pelos seus desvarios, também era motivo de vergonha aos parentes.

Tentaram manietá-lo. No entanto, os muitos Espíritos que dele abusavam,

concederam-lhe tal força que lhe permitiu romper as cordas, depois as correntes.

Por fim, ele foi expulso da cidade e passou a viver entre as cavernas esburacadas da

rocha, entre as criptas sepulcrais.

Morrera para os seus. Justo que vivesse entre as sombras das sepulturas. Vagara

anteriormente pelos bosques próximos, disputando restos de alimentos aos animais.

Desvairado, olhar alucinado, a face em constante esgar, emitindo sons roucos de

animal acuado, passava os dias em combate incessante com as fúrias que o possuíam.

Era um joguete na mão da impiedade, presa que se fizera das trevas. Jogavam-no

contra as rochas, agrediam-no e, na tentativa de safar-se, ele mesmo mais se machucava,

rolando entre as pedras e arranhando-se, buscando libertar-se do jugo feroz.

Avistando aquelas silhuetas que vinham da direção do mar, ele ergueu os braços

ameaçadores e correu como se desejasse expulsá-los dos domínios que considerava seus.

O som gutural que não se sabia definir fosse de um ser humano ou de um animal

ferido, acuado, fez tremessem os Apóstolos.

Mas a Luz, que programara aquele encontro, o recebe, indagando:

Quem és? – Como se já não O soubesse.

O Senhor dos Espíritos fala com Legião, os muitos que se serviam daquele homem.

Retira-te deste homem! – Ordena o Mestre.

Os Espíritos lhe sentem o poder e então suplicam: Para onde iremos?

Alimentando-se do prazer das sevícias que impunham àquele seu prisioneiro, se

perguntam o que farão, onde habitarão, eis que o endemoninhado lhes constituía lar e

pasto diário.

Enquanto se trava o diálogo da libertação, ouvem-se grunhidos e um resfolegar

rouquejante, misturados a vozes humanas. Logo, uma manada de porcos desenhou sua

silhueta escura, no fundo claro do céu e, correndo, desabaladamente, caiu do alto do

rochedo.

O atormentado sacudiu-se em estertores, rolou de pedra em pedra e se estatelou

semiconsciente.

Jesus e os Apóstolos oram. O homem que agasalhava Legião, como que despertando

de longo sono, recobra seus sentidos, olha, chora e agradece.

Lembra-se vagamente de dias distantes, família e aconchego. Não sabe bem o que

lhe aconteceu mas, pelo estado deplorável do corpo nu, o gosto de sangue na boca, aquilata

das agruras que passou.

Está livre! Calmo, pede ao Mestre que o deixe segui-lO.

Volta para tua casa. – Determina Aquele – e conta quão grandes coisas te fez Deus.

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Antes que o infeliz atingisse a cidade, os guardadores de porcos o fizeram. Com

cores fortes, narraram ter visto a calma do louco, falando a um homem poderoso, a quem

culpavam pelo prejuízo financeiro.

O que expulsava os demônios, diziam aos proprietários dos porcos, arruinaria a

todos.

E o povo, liderado pelos donos dos porcos, foi ao encontro do Mestre e dos Seus.

Com pedras nas mãos, O expulsaram.

Não te queremos ouvir! Volta para de onde vieste!

Jesus desceu a ladeira, retornou à barca e com os doze se foi.

O homem liberto, feliz, contava a todos o que lhe sucedera. Readquirira a razão, o

domínio de si.

Contudo, ninguém desejava ouvi-lo e lhe disseram que fosse ter com Aquele que

lhes havia trazido grande prejuízo, desde que para ele valia tanto.

Vai-te. Esquece-te de nós.

Uma pedra o atingiu e o sangue tingiu o chão.

Maldita sejas, Gerasa, que expulsas os filhos e desprezas os Enviados de Deus!

Ele ainda vagou pelas terras da Decápole, narrando o que lhe fizera o Galileu.

Depois, foi para o outro lado do mar e juntou-se à multidão para segui-lO e ouvi-lO pelos

vales, cidades, lagos e mares.

Reconhecido, passou a auxiliar aos sofredores, sofredor que também fora. Amado,

amou, trabalhando pela implantação do Reino de Deus.

Na sua curta estada naquelas plagas, o Poder do Amor transformou um

endemoninhado em propagador do Seu Reino.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. O obsidiado geraseno. In:___. As primícias do reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. Os possessos de Gerasa. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São

Paulo: União Cultural. v. I, pt. 2, cap. 60.

03.SALGADO, Plínio. Os gadarenos. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do

Oeste, 1978. pt. 2, cap. 52.

04.VAN DEN BORN, A . Gádara. In:___. Dicionário enciclopédico da bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

05.______. Gérasa. Op. cit.

06.______. Gerasenos. Op. cit.

07.______. Gérgesa. Op. cit. Em

18.2.2016

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30) O pai do precursor

O Evangelista Lucas narra que, durante o reinado de Herodes (nomeado pelo

Senado em 40 a.C., que tomou Jerusalém em 37 a.C. e morreu no ano 4 antes da era cristã),

houve um sacerdote chamado Zacarias, da família de Abias.

A família Abias era a oitava entre as vinte e quatro sacerdotais que funcionavam no

Templo de Jerusalém. A cada família cabia uma semana de ministério sacerdotal e, por

sorteio, o trabalho que diariamente deveria executar cada um dos sacerdotes.

Todos os dias, ao nascer e ao pôr do sol, se repetia a cerimônia em que o sacerdote

sorteado oferecia o sacrifício do incenso. Era tarefa de tal forma honrosa que era concedida

uma vez por semana, somente, a cada sacerdote.

Quando a coluna de fumaça subia, soavam as trombetas festivamente e o povo, do

lado de fora, nos átrios do Templo, se prostrava com o rosto em terra, em reverência.

Zacarias, cujo nome significa lembrança ou recordação de Yaweh, vivia nas

montanhas da Judeia. Tinha por esposa Isabel (em hebraico Elisheba, a adoradora de Deus

ou obra de Yaweh) que o Evangelista informa ser descendente de Aarão.

Naturalmente, trata-se de uma alegoria, pois que se na atualidade, com todos os

registros, raramente se conhecem os ascendentes além da terceira geração (pais, avós,

bisavós), imagine-se, àquela época, ter-se a informação de mil e quinhentos anos antes,

tempo em que viveu Aarão, o iluminado.

Em idade avançada, continua Lucas, Zacarias não tinha descendentes e a

esterilidade era atribuída à sua mulher. Homem justo, obediente aos mandamentos e

preceitos do Senhor, entristecia-o a falta de filhos, mesmo porque, aos olhos daquele povo,

o fato era tido como sinal de que a união não fora abençoada pela Divindade.

Certo dia, coube a Zacarias o sacrifício da manhã, no Templo. Estava sozinho, ao pé

do altar. Deitava sobre o braseiro o incenso e, enquanto subia a fumaça, orava.

Tudo era silêncio e sua alma parecia alçar-se, exatamente como a fumaça do

braseiro. De repente, do lado nobre do altar, o direito, que ficava na direção sul, onde

estava o candelabro de sete velas, símbolo místico da luz, apareceu um vulto aureolado de

vivos fulgores.

Se Zacarias o viu pela vidência mediúnica ou se o mensageiro espiritual se

materializou, fazendo-se dessa forma, visível, não se sabe.

Estremece o sacerdote, mas o Espírito o tranquiliza, transmitindo-lhe o recado de

que fora incumbido.

À semelhança do que se dará, em outro momento, com a mãe de Jesus, o anjo vem

com a incumbência de noticiar o nascimento próximo de um garoto. Informa a Zacarias o

nome que deverá portar o menino e fala da missão que haverá de desempenhar. Prediz a

natural alegria do casal pelo evento, e igualmente, a alegria de muitos pelo renascimento

daquele Espírito.

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Eram tão grandes as promessas feitas a Zacarias, que ele ousa pedir ao anjo um

sinal, uma prova. É então que o mensageiro se identifica como sendo Gabriel, o homem de

Deus, dizendo que faz parte daqueles que assistem diante do trono de Deus.

Como segunda prova, fá-lo emudecer. Deduz-se que perdeu também a audição,

pois mais tarde, por ocasião do nascimento do filho, será por sinais que lhe indagarão qual

deverá ser o nome do menino.

O povo se inquieta do lado de fora. Zacarias se demora em demasia no cerimonial.

Finalmente, quando sai, não profere as palavras ritualísticas habituais. Interpretam as

pessoas por seus gestos, que ele tivera uma visão.

Ao terminar as suas funções sacerdotais, Zacarias se recolhe à sua residência,

dando-se a concepção de Isabel, na sequência.

Chegado o tempo de dar à luz, narra o Evangelista Lucas que Isabel teve um filho e,

ao oitavo dia, quando o vieram circuncidar, como ela afirmasse que se deveria chamar

João, perguntaram ao pai, que escreveu em uma tabuinha: João é seu nome.

Naquele momento, ele recomeçou a falar. Cheio de um Espírito Santo, ele agradece

ao Altíssimo pela misericórdia e, depois, de forma resumida, repete as palavras dos profetas

Malaquias e Isaías, que se referem àquele que aplanaria os caminhos de Yaweh.

A partir de então, enquanto o menino cresce e se torna adulto, nada mais se fala do

sacerdote Zacarias.

01.PASTORINO, C. Torres. Zacarias e Isabel. In:___. Sabedoria do evangelho. Rio de

Janeiro: Sabedoria, 1964. v. 1.

02.______. Predição do nascimento de João. Op. cit.

03.______. Nascimento de João. Op. cit.

04.______. O cântico de Zacarias. Op. cit.

05.ROHDEN, Huberto. Estrela d’Alva. In:___. Jesus Nazareno. 6.ed. São Paulo:

União Cultural. v. 1, cap. 1.

06.SALGADO, Plínio. Zacarias e Isabel. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz

do Oeste, 1978. pt. 1, cap. 4.

07.VAN DEN BORN, A . José. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985, verbete Zacarias. Em

23.02.2016

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31) O poder e a fé

Foi em Cafarnaum, situada nas margens do lago de Genesaré, que tudo aconteceu.

O nome Cafarnaum é composto pela palavra caphar, que designa aldeia, o que nos leva a

crer que deveria ser um pequeno burgo à moda antiga, diferente das grandes cidades

construídas à moda romana, como Tiberíades.

Era uma cidade sem passado, que em nada participara do movimento profano

propiciado pela dinastia herodiana.

Foi essa cidade que Jesus elegeu como Sua segunda pátria. Dali organizou uma série

de missões para as pequenas cidades das imediações.

Estando sob a jurisdição de Herodes Ântipas, filho de Herodes I, o Grande, abrigava,

por deliberação dos senhores de Roma, uma guarnição militar. Naturalmente, os hábeis

políticos do Império não permitiriam total independência ao idumeu Herodes e, em todos

os pontos estratégicos da Palestina, espalhavam-se guarnições militares.

Em Cafarnaum havia, pois, um centurião, designação conferida ao chefe de uma

companhia, de uma centúria, ou seja, de cem homens.

Historiadores sugerem um nome a esse chefe enérgico, digno e justo: Marcus

Lucius, filho de um oleiro e irmão de um poeta aplaudido em Roma.

Marcus deixara a vida civil e se alistara nas poderosas legiões romanas. Correto,

disciplinado, valente, tornou-se estimado por seus superiores. Como soldado, fez carreira,

alcançando o posto de centurião.

Nessa condição, fora mandado servir na Judeia e se encontrava em Cafarnaum,

como chefe das tropas de ocupação.

Marcus Lucius estava habituado a receber os cumprimentos dos soldados quando

passava pelas estradas, com suas insígnias romanas, a passo lento e cadenciado.

Ave Marcus Lucius, o chefe! Sobre ti a proteção dos deuses! – Diziam os soldados,

perfilando-se e erguendo os seus escudos.

Ali Marcus Lucius representava o poder de Roma, o poder de Tiberius Claudius

Nero César.

Porque estava sozinho, distante de casa, da esposa e filho, que haviam ficado em

Roma, Marcus tomara a seu serviço um escravo. Dizem alguns que era um idumeu que ele

encontrara na estrada, certa vez.

Entre os romanos, valor nenhum tinha um escravo. Se morresse, era logo

substituído por outro. Afinal, Roma dominava e fácil lhe era tomar outro homem ou outros

homens a seu serviço.

No entanto, o centurião era um homem diferente. E, quando adoeceu seu escravo,

tomou-se de compaixão e preocupação por ele. Levantava-se pela madrugada e ia vê-lo.

Ao perceber que a febre o devorava, mais se inquietava.

Índice

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Mandou vir à sua casa os manipuladores de filtros, os mágicos e os curandeiros

daquela terra para auxiliarem o seu serviçal. Mas, nenhum deles conseguiu sequer lhe

diminuir as dores, ou amenizar-lhe a elevada temperatura.

Uma noite, percebendo o servo a delirar, parecendo viver as derradeiras horas da

vida, o bom centurião recordou-se que ouvira falar a respeito de um Rabi que andava pela

Judeia. Era um Rabi poderoso. Dizia-se que Ele curara dez leprosos, fizera andar paralíticos

e até dera novo sopro de vida a uma jovem.

Assim, enviou uma embaixada composta de judeus para que rogassem a Jesus lhe

curasse o servo.

No entanto, os emissários em vez de simplesmente pedir a cura a Jesus, rogam-lhe

que vá à casa do centurião.

Ele é um oficial romano, dizem-lhe, mas amigo de Israel, benemérito do povo. Por

sinal, a expensas próprias lhes edificara uma sinagoga.

Jesus Se põe a caminho. Os emissários vão à frente, a fim de dar a auspiciosa notícia

ao centurião que, sensibilizado com tamanha bondade do Mestre, apressa-se ir-lhe ao

encontro.

Senhor, diz-lhe, não Te incomodes, porque não sou digno que entres sob o meu teto.

Mandei emissários ao Teu encontro, porque também não me julgava digno de ir ter

Contigo. Mas se trata de meu servo. Dize uma só palavra, Senhor, e meu servo será curado.

Não é preciso que estejas em sua presença. Eu sou um oficial, tenho sob meu

comando muitos soldados e estou habituado a dar ordens e ser obedecido.

Os meus soldados me respeitam mesmo quando não estou presente. Se sabem que é

uma ordem minha, executam-na. Creio em Teu poder, profeta de Nazaré.

Tu és o Senhor das leis orgânicas que regem o corpo humano. Não se faz mister que

entres minha casa. Basta que dês uma ordem e a moléstia abandonará o corpo de meu

servo, retornando-lhe a saúde.

Voltando-se para os que O seguiam, Jesus afirma: Em verdade vos digo que jamais

encontrei tamanha fé em Israel!

E ao centurião romano:

Vai-te, retorna para tua casa. Faça-se contigo assim como crestes.

E, a caminho, Marcus Lucius encontrou mensageiros de sua casa que lhe vieram

informar que o servo doente estava curado.

Dobraram-se os anos, e onde quer que o Evangelho de Jesus seja pregado, as

palavras do centurião romano são lembradas como inconteste atestado de fé: Basta que

ordenes, Senhor! Tu és o Senhor e serás obedecido!

01.RENAN, Ernest. Jesus em Cafarnaum. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin

Claret, 1995. cap. 8.

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02.ROHDEN, Huberto. O centurião de Cafarnaum. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed.

São Paulo: União Culturaç. v. I, nº 48.

03.VAN DEN BORN, A . Cafarnaum. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3.

ed. Petrópolis: Vozes, 1985. Em

23.02.2016

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32) O precursor

Ele foi anunciado por um mensageiro celeste, que se identificou como Gabriel, o

que assiste diante de Deus.

Seu pai, Zacarias, vivia em Hebron, na Judeia, e era sacerdote. Em certa ocasião,

encontrava-se a exercer as funções sacerdotais, no Templo de Jesuralém.

O povo orava no átrio. Zacarias adentrara o santuário para oferecer o incenso,

conforme a ritualística. Ali, em oração, viu surgir, do lado direito do altar dos perfumes, o

Espírito que lhe vem trazer a mensagem.

Ele se tornaria pai de um menino. Gabriel o cientifica ainda de que aquele filho lhe

seria de grande alegria e que também outros se alegrariam com o seu nascimento.

A profecia se dilata, quando o mensageiro diz que o menino viria para converter

muitos dos filhos de Israel ao seu Deus.

Virá no Espírito e na virtude de Elias, para preparar ao Senhor um povo perfeito.

As anotações do Evangelista Lucas testificam , por esse anúncio, de forma clara, do

retorno de um grande profeta da Antiguidade, Elias, que vivera séculos antes e cujas

referências se encontram no Livro Terceiro (cap. XVII e ss.) e Quarto de Reis (cap. 1).

Segundo o Evangelista João, o filho de Zacarias veio para dar testemunho da luz, a

fim de que todos cressem por meio dele. Ele não era a luz, mas era para dar testemunho da

luz. (João, 1:8)

Quando o menino nasceu, seu pai assinalou seu júbilo com um Cântico em que

glorifica a Deus pela dádiva daquele que seria chamado o profeta do Altíssimo; porque

irás adiante da face do Senhor a preparar os seus caminhos. (Lucas, 1:76)

Isso nos diz de quão consciente era Zacarias a respeito da identidade e da missão do

filho.

Lucas assinala o ano em que João, o filho de Zacarias, inicia a sua tarefa como sendo

o décimo quinto do Império de Tibério César, o que equivale a dizer o ano XXVIII, pois o

governo de Tibério iniciou no ano XIII. Era procurador na Judeia, Pôncio Pilatos e Herodes,

Tetrarca da Galileia.

João vestia seu corpo magro com pele de camelo, dos ombros até os joelhos e trazia

um cinto de couro. A cabeleira era negra e os olhos profundos, de um fulgor misterioso.

Apresentava-se como: A voz do que clama no deserto: preparai os caminhos do Senhor,

fazei direitas as suas veredas.

A voz de João era forte, vibrante, dura mesmo; as suas palavras, breves e incisivas;

os seus gestos, parcos e rápidos...2

Em sua pregação, a que acorria o povo, falava de que não bastava se acreditar filho

de Deus, era preciso realizar o bem.

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Por isso, aos publicanos aconselhava que não cobrassem mais do que o fixado pela

lei; aos soldados, que não praticassem a violência, nem causassem dano a outrem,

contentando-se com seu soldo.

Era o discurso que ainda serve nos dias atuais a todos os que nos encontramos no

serviço público: a prática do dever, com ética e dignidade.

Suas pregações de tal modo impressionavam as pessoas, que muitos passaram a

acreditar que ele era o esperado Messias. É então que João dá seu primeiro testemunho a

respeito de Jesus: Eu não sou o Cristo. Depois de mim virá aquele que é mais poderoso do

que eu e de cujos sapatos não sou digno de desatar as correias.

Ainda dará um segundo testemunho, em Betânia, além do Jordão, quando

sacerdotes e levitas o foram questionar a respeito de sua identidade. Ele reafirmará que o

que haveria de vir após ele, que existia antes dele, já se encontrava entre eles.

Em outra oportunidade, vendo que Jesus vinha em sua direção, ele O aponta e diz:

Eis o cordeiro de Deus, eis o que tira os pecados do mundo. (João,1:29) Prossegue, dizendo da visão mediúnica que lhe afirmava que Aquele era o Filho de

Deus, o Messias, constituindo-se esse o terceiro testemunho a respeito do Cristo que ele

viera anunciar.

E, estando perto do Jordão, com seus discípulos, vendo Jesus que passava, orienta a

dois deles, André, irmão de Simão Pedro e João, filho de Zebedeu, a que O sigam, pois Ele

é o Messias.

Tendo iniciado Jesus a Sua missão, vieram alguns discípulos de João, chamado o

Batista, lhe informar que o povo agora acorria para o novo profeta. Nesse momento, a

grandeza do servidor é demonstrada. Testifica João que eles mesmos são testemunhas de

que sempre afirmara não ser o Cristo, mas sim o enviado dEle. Agora, chegava o momento

de que Jesus crescesse e ele diminuísse.

Nesses dias, João é encarcerado. Não pelo que pregava, mas por ter ousado

repreender o tetrarca da Galileia por viver com Herodíades, a esposa do próprio irmão,

que ainda vivia.

O tempo haveria de transcorrer, meses sobre meses, dez ao todo. Fosse porque as

dores do cárcere se lhe fizessem superlativas, fosse porque a solidão o envolvesse em

brumas, de uma forma paradoxal, aquele mesmo que fora a mais ardente testemunha do

messianato de Jesus, envia, da prisão, dois dos seus discípulos, a indagar se Ele era

realmente o que haveria de vir, ou se dever-se-ia esperar outro.

Jesus, o Amigo Incondicional, o Pastor das almas, deve ter compreendido a especial

situação de João e responde que as Suas obras atestam quem Ele é: os cegos veem, os coxos

andam, os leprosos tornam-se limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e aos pobres

é anunciada a boa nova.

E, tendo se afastado os enviados de João, Jesus se põe a falar a respeito dele,

referindo-se aos seus trajes, à forma como ele falava, a fortaleza que ele era, um profeta.

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Uma lâmpada ardente e luminosa. (João, 5:35)

É nessa hora que o Mestre afirma ser ele o Elias que as Escrituras estabeleciam

deveria vir antes do Cristo. Viera e não fora reconhecido, naturalmente por se encontrar

em um corpo diferente, com aparência diferente e ter um discurso muito específico: o de

aplainar as veredas, preparar os caminhos do Senhor.

Em eloquente elogio ao precursor, afirma Jesus que, dentre os filhos da

Humanidade, naquele tempo, ele era o maior, embora o menor no reino dos céus fosse

maior do que ele.

Afirmava-lhe, assim, a grandeza, do quanto ele já conquistara em louros de virtude

e de saber, ao mesmo tempo dizendo que longo caminho deveria percorrer até alcançar a

culminância da perfeição.

Mas, foi no seu aniversário que Herodes, fascinado pela beleza e graça da filha de

Herodíades, lhe atenderá ao desejo, e mandará servir em uma bandeja de prata a cabeça

decepada do Batista.

Com consentimento do próprio Herodes, os discípulos de João lhe resgataram o

corpo e o sepultaram, indo comunicar o acontecimento a Jesus.

Cumpriam-se as Escrituras. Ele viera, realizara a sua missão e discretamente se

retirara. A prisão lhe foi a oportunidade de mais dilatadas reflexões, ouvindo os relatos que

lhe eram trazidos, vez que outra, dos ditos e feitos do Messias que ele próprio viera

anunciar.

O silêncio que o Precursor fizera ensejava a audição do Messias por toda a Terra,

numa nova Era1.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. O precursor. In:___. As primícias do reino. Pelo

Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. O batismo de Jesus. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo:

União Cultural. v. I, pt. II, cap. 20. Em

23.02.2016

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33) O pregador de Lugdunum

Ele estava em Roma, no ano 217. Sua palavra vibrante e emotiva, aos setenta anos,

que algumas rugas assinalavam nas faces serenas, atraía aos cemitérios um grande número

de cristãos.

Os cemitérios eram, então, os lugares onde se reuniam aqueles que desejavam ouvir

a Boa Nova, o Evangelho de Jesus. Entre as tumbas, que ostentavam versos de imortalidade,

nunca de negação à vida, tais como Crescêncio vive, Festo, Jesus te abençoe, as palavras de

vida eterna eram bebidas a horas mortas.

Ápio Corvino, nascido nas Gálias, ainda jovem se decidiu ao trabalho da fé, o que

lhe valeu o repúdio de muitos. Por causa disso, exilou-se em Alexandria por dez anos, onde

adquiriu valiosas experiências.

Em Lugdunum, a velha Lyon, situada entre os rios Rhône e Saône, votara-se ao

trabalho na igreja de São João. Com o objetivo de prover às necessidades das crianças

mantidas pela igreja, ele trabalhava na agricultura e na jardinagem. Também viajava

frequentemente, angariando fundos.

Lyon foi fundada em 43 a.C., pelos romanos e, por sua admirável posição

geográfica, se tornara expressivo centro político-administrativo do mundo gaulês.

A comunidade cristã da localidade se sentia depositária das mais vivas tradições do

Evangelho. Os cristãos formavam uma verdadeira família. Enquanto as perseguições eram

atrozes, fazendo-se multiplicar os postes de martírio, espetáculos de feras, cruzes,

fogueiras, chicotes e selvageria para com mulheres e crianças, os remanescentes das

perseguições eram amparados: velhos, enfermos, mutilados, mulheres, crianças e jovens.

Naquele ano de 217, pois, Corvino estava na capital romana angariando fundos

para levar para os abrigados pela igreja de São João.

Enquanto ali se demorava, os cristãos acorriam para ouvi-lo. Ele narrava, com

memória invejável, os acontecimentos dos martirológios dos seguidores do Cristo, nas

perseguições de 177.

Lembrava-lhes a fortaleza moral nos interrogatórios, as respostas inspiradas, os

suplícios, em pormenores. Espancamentos, humilhações, a tortura da cadeira de ferro

incandescido eram recordados por ele, entre lágrimas, eis que alguns dos martirizados lhe

tinham sido amigos devotados.

Para os que o ouviam, constituíam-se ingredientes que os vinham fortalecer para

os embates que viriam a qualquer momento.

E, depois, com ardor juvenil, sua palavra firme pregava a necessidade da paciência

e da esperança, para a implantação do Reino de Deus na Terra dos homens.

Fora iniciado na fé por Átalo de Pérgamo, que testificara sua adesão ao Cristo, entre

torturas que foram do chicote à degola, e que envolveram um processo moroso, em

simulacro de justiça.

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Antes de entrar no anfiteatro, para o martírio final, conversaram orientador e

discípulo. Corvino era, então, jovem, e sentia o coração se despedaçar ante a marcha para

o sacrifício do especial amigo.

Esse, no entanto, seguro da vida que não perece, lhe prometera acompanhar-lhe os

passos. E assim o fez, ao longo dos anos, amparando-o da Espiritualidade, como amigo fiel,

nas horas de inquietação e nos dias cinzentos de tristeza.

Naquele seu périplo doutrinário, Corvino planejara visitar a comunidade de

Cartago, na África, antes de retornar a Lugdunum. Assim, quando um amigo, de nome

Quinto Varro, lhe acena com a possibilidade de lhe conseguir transporte em navio no qual

ele próprio se deslocaria até àquela cidade, Corvino se reúne a ele, agradecido.

Embarcou no posto de Óstia, em soberba trirreme, alojando-se em câmara estreita,

reservada a Quinto Varro, próxima ao alojamento do capitão. Sua bagagem era reduzida:

uma túnica gasta, uma pele de cabra e uma bolsa com documentos.

O amigo o ajudou a se instalar e passaram a conversar. Ápio tinha planos para a

igreja de Lyon, entre outros, consolidar o trabalho de assistência social, em nome do Cristo.

O tempo foi devorando as horas, enquanto trocavam apontamentos e considerações.

Quando o navio se pôs em movimento, Ápio Corvino externou um sorriso, qual o de uma

criança que se prepara para uma festa.

As pancadas rítmicas dos martelos, controlando a ginástica dos remadores foram os

ruídos que dominaram por algum tempo. Depois, o vento se manifestou forte.

Corvino não acompanhou o amigo à proa. Desejava deitar-se, orar e descansar um

pouco.

O que nenhum dos dois sabia é que a viagem de Quinto Varro fora ardilosamente

maquinada, a fim de que a vida lhe pudesse ser ceifada e o corpo jogado ao mar. Interesses

escusos comandavam as mentes.

No entanto, entre os encarregados da execução do terrível plano, havia um homem

a quem o pai de Varro salvara a vida em certa oportunidade. Em nome dessa gratidão, esse

decide salvar-lhe a vida. Ordena, pois, ao assassino contratado que adentre a cabine e

elimine o velho Corvino, em lugar daquele.

Quando o jovem romano retorna à cabine para o repouso, descobre o pregador

ferido. Uma rosa de sangue cobria-lhe as vestes. O ancião lhe confia recomendações, cartas

e recursos que devem ser entregues à igreja de Lyon. Depois, deseja ver o céu, ouvir uma

página cristã.

Uma folha gasta de pergaminho é lida à claridade bruxuleante da tocha. Corvino

sorri, oferecendo a Deus e aos homens o seu próprio coração.

Finalmente, o fatigado coração do Apóstolo parou, a respiração desapareceu, o

corpo se inteiriçou.

Pouco depois, o cadáver foi envolvido em grande lençol, amarrado e jogado ao mar.

Ápio Corvino encerrava sua etapa reencarnatória, retornando ao lar, vitorioso, para ser

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recebido por centenas de estrelas brilhantes, seus amigos que o vieram saudar no portal da

nova vida.

01.Xavier, Francisco Cândido. Compromisso do coração. In:___. Ave, Cristo! Pelo

Espírito Emmanuel. 3. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1966. cap. III.

02.______. Corações em luta. Op. cit. cap. II.

03.______. Preparando caminhos. Op. cit. cap. I. Em

23.02.2016

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34) O quarto biógrafo de Jesus

Da família Zebedeu, ou Zabdias, de um pescador bem-sucedido e empresário de

vários barcos4, foram escolhidos por Jesus dois Apóstolos: Tiago Maior e João. A cidade era

a pequena Betsaida.

Segundo Ernest Renan, eles estavam imbuídos de energia e paixão. Jesus os havia

apelidado, com graça, de filhos do trovão, por causa do zelo excessivo com que, muitas

vezes, teriam feito uso do raio se dele pudessem dispor.7

João era adolescente, portanto idealista. Com Tiago, seu irmão, e Pedro formam um

comitê íntimo que se faz presente em momentos muito especiais, durante a trajetória

terrena de Jesus.

Os irmãos conheciam as pregações do Batista e foi no Tiberíades, no dia em que a

primavera bordava rendados pela praia, que o Rabi os convidou a participar das alegrias

da

Boa Nova, transformando-os em pescadores de homens.7 Humberto de Campos, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, descreve-os

como de temperamento apaixonado. Profundamente generosos, tinham carinhosas e

simples, ardentes e sinceras as almas.9

Magnetizados pelo olhar enérgico e carinhoso de Jesus, aderem ao sublime convite.

No idealismo quente da sua juventude, João falava de seus planos de renovar o mundo, de

pregar o Evangelho às nações. Sentia-se forte e bem disposto.

Mais tarde, ao derramar a cornucópia da sua saudade no seu Evangelho, ele falaria

dos tantos momentos de êxtase e aprendizado com Jesus.

Ao descrever o encontro do Mestre com Nicodemos, demonstra, com certeza, ter

sido testemunha ocular. Uma testemunha que talvez estivesse à porta, como quem se

encontra à espreita, velando pela eventual proximidade de alguém que pudesse

surpreender o esclarecedor colóquio entre o Rabi Galileu e o doutor da Lei.

Quando narra o episódio das Bodas de Caná, João parece reviver o adolescente,

maravilhado ante um Rabi, pleno de sabedoria, que abençoa a união esponsalícia com a

água lustral da Sua presença e a doçura do Seu amor.

Com Jesus, ele adentra a casa de Jairo, o chefe da sinagoga, cuja filha se encontrava

nas malhas da agonia...1 Há pouco, surpreendera o olhar agradecido de Verônica, a

hemorroíssa, curada ao tocar o manto do Mestre.

E quando agosto derrama sua taça de luz e calor sobre a Terra3, ele acompanha o

Rabi na íngreme subida de quinhentos e sessenta e dois metros até o cume do Tabor. Após

as quatro horas de marcha, ele dorme junto a Pedro e Tiago. São vencidos pela canícula e

pelo cansaço.

Na madrugada que avança, vozes vibram no ar. A visão sublime de Jesus, com as

vestes brilhantes, dialogando com Moisés e Elias, o faria, mais tarde, evocando a cena

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inesquecível, iniciar a sua narrativa evangélica, escrevendo: Nele estava a vida e a vida era

a luz dos homens, a luz resplandecente nas trevas e as trevas não a compreenderam.3

O seu Evangelho foi especialmente dirigido aos cristãos que já conheciam a

Mensagem. É o Evangelho espiritual, no dizer do Espírito Amélia Rodrigues.

João, jovem, assiste com Maria, os instantes de agonia e morte do seu Mestre e

Senhor, a cuja dedicação Jesus entrega sua mãe: Filho, eis aí a tua mãe! E desencumbiu-se

da missão, oferecendo-lhe o refúgio amoroso de sua proteção.10

João foi com Pedro à Samaria, depois da ascensão de Jesus, e mais tarde voltou a

Jerusalém, trabalhando na Casa do Caminho. Mereceu a prisão com Pedro e, libertado,

prosseguiu nas atividades.

Após se instalar em Éfeso, busca Maria e a abriga em sua casa, doada por membro

da família real de Adiabene. No alto da pequena colina, distante dos homens e no altar

imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente de

Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do

Evangelho a todos os espíritos de boa vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova

era de amor, na comunidade universal.10

Perseguido por Domiciano, foi enviado para Roma, sendo depois exilado na ilha de

Patmos, onde teve ocasião de escrever o Apocalipse. Após a morte de Domiciano, voltou

para Éfeso e aí morreu quase centenário.

É o único dos Apóstolos a desencarnar de forma natural. A ele são atribuídas

também três Epístolas: a primeira, dirigida aos fiéis da Ásia menor e que, segundo alguns,

parece ter sido escrita como prefácio ao quarto Evangelho; a segunda à senhora Electa e

seus filhos, qualificando alguma Igreja na Ásia menor e, a terceira, a Gaio, um rico cristão.

É uma carta íntima e repleta de gratidão.

No ocaso do século XII, João retorna ao cenário do mundo, na figura de Francesco

Bernardone, para se tornar o pobre de Assis.

Francisco, ao largo da sua trajetória corporal, tudo de si investiu para que o modelo

crístico fosse a sua referência, na sede que demonstrava de segui-lO, de imitá-lO.

Trabalhou, sofreu, chorou muito, sem que tivesse imposto a ninguém qualquer dor,

qualquer sofrimento. Ao contrário, ocultava suas lágrimas pessoais, quando se tratava de

atender a terceiros. Ele conhecia e convivia com o espírito do Cristo, mas entendia que o

semelhante deveria ver o Cristo por meio das suas ações amorosas.8

Como o cantador de Deus, compôs, com seus exemplos, doces poemas que, no

século XX, foram materializados em versos, pelo sacerdote Esther Auguste Bouquerel, e que

o Espírito Camilo denomina A carta magna da Paz, que inicia com Senhor, faze-me um

instrumento da tua paz... Daí, desdobram-se rogativas corajosas e estelares, desvelando a

pujança das acrisoladas virtudes do Pobrezinho, virtudes que marcariam sua existência até

os momentos finais da sua vida terrena.8

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01.FRANCO, Divaldo Pereira. A mulher hemorroíssa. In:___. As primícias do reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio [de Janeiro]: SABEDORIA, 1967.

02.______. Posfácio. Op. cit.

03.______. O Tabor e a planície. Op. cit.

04.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin

Claret, 1995. cap. 9.

05.READER’S DIGEST. Herdeiros de Jesus Cristo. In:___. Depois de Jesus. O triunfo

do cristianismo. Rio de Janeiro: Reader´s Digest. 1999, cap. 3.

06.______. Seguindo os passos de Jesus. Op. cit. cap. 1.

07.______. Uma história e três cidades. Op. cit. cap. 2.

08.TEIXEIRA, J. Raul. A carta magna da paz. Pelo Espírito Camilo. Niterói: Fráter,

2002.

09.XAVIER, Francisco Cândido. A família Zebedeu. In:___. Boa nova. Pelo Espírito

Humberto de Campos. 8. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1963. cap. 4.

10.______. Maria. Op. cit. cap. 30.

Em 24.02.2016

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35) O repórter da esperança

Ele não era judeu. Não conheceu pessoalmente Jesus. Filho de um erudito escravo

grego, chamado Eneias, que servia em casa de um tribuno romano, depois nomeado

governador de Antioquia, na Síria, de nome Diodoro Cirino. Sua mãe chamava-se Íris e

diziase ser extremamente bela.

Lucano, ou Lucianus (em latim) nasceu em Antioquia e estudou Medicina na Escola

de Alexandria. Conheceu o Apóstolo Paulo, nessa mesma cidade, e se tornou seu amigo fiel,

médico dedicado e companheiro de muitas andanças.

Estando em Trôade, com Silas e Timóteo, Paulo de Tarso tem a grata alegria de

reencontrá-lo, numa casa de comércio, a fazer compras. Lucas (como o conhecemos) fala

ao amigo que, há dois anos, trabalha em uma embarcação que se encontra a caminho da

Samotrácia.

Ao saber do projeto de viagem de Paulo à Macedônia e da inexistência de recursos

para o custeio do percurso, Lucano se dispõe a pagar todas as despesas. Não é rico, mas

tem proventos.

Como sua mãe já houvesse partido para a esfera espiritual, o Apóstolo dos gentios o

convida a se dedicar inteiramente ao trabalho do Mestre Jesus. No dia seguinte, ele estava

participando da equipe de Paulo. Licenciou-se, por um ano, dos serviços médicos no navio,

apresentando um substituto, para conseguir seu intento.

Embora de forma intermitente, Lucas segue o amigo. Em Jerusalém, quando o

exrabino está sendo apedrejado, ele não hesita em comparecer perante as autoridades

romanas, solicitando-lhes a interferência e, assim, impedindo o suplício. Nos anos finais

de Paulo, lhe constitui o esteio moral e físico, vivendo ambos sob o terror implantado por

Tigelino, ao tempo do Imperador Nero, em Roma.

Foi ele, Lucas, quem sugeriu o nome de cristãos aos primeiros trabalhadores da Boa

Nova, que eram conhecidos, até então, como viajores, peregrinos, caminhantes, homens

do caminho.

Em Cesareia, no cativeiro, o ex-doutor de Jerusalém chama a atenção de Lucas para

o seu próprio projeto de escrever uma biografia de Jesus, valendo-se das informações de

Maria, Sua mãe. Na impossibilidade de ir a Éfeso, roga a ele que o faça. O médico amigo

satisfez-lhe integralmente o desejo, legando à posteridade o precioso relato da vida do

Mestre, rico de luzes e esperanças divinas.6

Como era costume, nos círculos literários da época, dedicar o trabalho a um amigo

ou patrono, ele o dedica a Theophilus, chamando-o Excelentíssimo Teófilo. O nome era

comum entre os judeus e não judeus de fala grega, e significa amigo de Deus.

Lucas fez o trabalho de um verdadeiro repórter, entrevistando testemunhas oculares

dos ditos e feitos do Galileu. Todos os Evangelhos falam da negação de Pedro, mas somente

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Lucas comenta que Jesus, naquele momento, voltou-se para ele e o olhou fixamente. (

22:61) Detalhe que ele colheu, pessoalmente, do velho pescador.

Como médico, tinha interesse incomum por retratar assuntos da Medicina. Deu

muita atenção para os acontecimentos relevantes ao nascimento de Cristo. Investigou Isabel

e Maria, por isso foi o único que descreveu seus cânticos, bem como os pensamentos

íntimos de Maria. (...) era um investigador minucioso, que captou particularidades de

Cristo.

Percebeu que até seu olhar tinha grande significado intelectual.2

O Evangelho que escreveu, em grego correto, bonito e cheio de vocábulos, em vinte

e quatro capítulos e mil, cento e cinquenta e um versículos, contempla, além da história de

Jesus criança, dezoito parábolas e seis dos chamados milagres do filho de Maria e José.

Percebe-se sua preocupação em destacar o carinho de Jesus para com os excluídos

da época: doentes, pobres, mulheres e pecadores.

Ele é o único que descreve o perdão de Jesus a Madalena (7:47-48); a parábola da

ovelha desgarrada (15:3-7), do bom samaritano (10:25-37), do filho pródigo (15:11-32).

Um dos aspectos mais interessantes de Lucas é que frequentemente fazia a

justaposição de uma história de um homem com a de uma mulher. Por exemplo, a cura do

demoníaco (4:31-37) é seguida da cura da sogra de Pedro (4:38-39), o escravo do

centurião é curado(7:1-10), o filho da viúva de Naim é curado (4:11-15), o geraseno

demoníaco é curado (8:26-39) seguido pela cura da filha de Jairus e da mulher com

hemorragia (8:4056).8

Terminadas as anotações evangélicas, o espírito dinâmico do Apóstolo da

gentilidade encareceu a necessidade de um trabalho que fixasse as atividades apostólicas

logo após a partida do Cristo, para que o mundo conhecesse as gloriosas revelações do

Pentecoste, e assim se originou o magnífico relatório de Lucas, que é Atos dos Apóstolos 6,

contendo vinte e oito capítulos.

Cada um dos seus escritos dava, aproximadamente, para preencher um rolo de

papiro.

Considerado patrono dos médicos e dos pintores, nas Artes é tradicionalmente

associado à figura de um touro, umas das quatro criaturas (homem, leão, touro e águia)

que cantam junto ao trono de Deus no Apocalipse 4,6-9, e que é interpretado como uma

alegoria dos quatro evangelistas. (...) 4

Após a morte de Paulo, pregou na Grécia.

Desencarnou aos oitenta e quatro anos de idade.

01.BRASILEIRO, Emídio Silva Falcão. O evangelho de Lucas. In:___. O livro dos

evangelhos. 2. ed. São Paulo: Lúmen, 2001.

02.CURY, Augusto Jorge. Características intrigantes da personalidade de Cristo.

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In:___. O mestre dos mestres. (Coleção Análise da inteligência de Cristo). 29. ed. São Paulo:

Academia de Inteligência, 1999. cap. I.

03.MIRANDA, Hermínio C. Os amigos. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de Janeiro]:

FEB, 1979. v. I, cap. 4.

04.READER’S DIGEST. Herdeiros de Jesus Cristo. In:___. Depois de Jesus – o triunfo

do cristianismo. Rio de Janeiro: Reader’s Digest Brasil, 1999. cap. 3.

05.VAN DEN BORN, A . Lucas. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

06.XAVIER, Francisco Cândido. O martírio em Jerusalém. In:___. Paulo e Estêvão.

Pelo Espírito Emmanuel. Ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 2, cap. VIII.

07.______. Peregrinações e sacrifícios. In:___. Op. cit. pt. 2, cap. VI.

08. http://www.cademeusanto.com.br/sao_lucas.htm

Em 24.02.2016

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36) O segundo Evangelista

Ele era sobrinho de Barnabé, o discípulo de Pedro. Sua mãe chamava-se Maria

Marcos, cuja casa se havia tornado o ponto predileto dos irmãos mais dedicados ao

Evangelho, em Jerusalém.

Ela era uma das seguidoras de Jesus mais desassombradas e generosas. Havia

colocado seus bens à disposição de todos os necessitados e não hesitara em abrir as portas

de seu lar para que as reuniões evangélicas, em sua feição mais pura, não sofressem solução

de continuidade.

A palestra de Saulo a impressionou e confidenciou ao irmão Barnabé seu grande

sonho. Queria que seu filho, ainda muito jovem, fosse um seguidor de Jesus, servindo ao

próximo. Jerusalém respirava, então, lutas religiosas sem tréguas. Não fosse a paciência de

Pedro e a Casa do Caminho estaria fechada. Quem sabe, argumenta, Antioquia seria um

melhor ambiente ao garoto?

Consultado, o rapaz se disse preparado para os labores do Evangelho, além do que

sabia que sua mãe o desejava aprendiz dos melhores ensinamentos nesse sentido, a fim de

que viesse a se tornar um pregador das verdades de Deus.

Saulo, convidado a opinar, ponderou dos obstáculos e do bom ânimo que sempre

deveria orientá-lo. Barnabé discorreu ainda sobre o espírito de sacrifício pela nobre missão,

as disciplinas indispensáveis e, por fim, os três demandaram Antioquia.

Encantado com as paisagens, João Marcos realizou a viagem. Foi nesse mesmo

percurso que Barnabé e Saulo programaram a primeira jornada apostólica.

Inquirido, Marcos logo se convenceu de que deveria se incorporar à missão.

Hei de encontrar as forças necessárias2- Afirmou.

O destino era Chipre. Foi em Nea-Pafos, sobrecarregados de trabalho, que o tio

surpreendeu vez que outra o sobrinho entristecido e queixoso. Ele era muito jovem e a cota

de trabalho, dizia, era demasiado vultosa.

Conformava-se ante o entusiasmo de Saulo, mas sua contrariedade era evidente.

Ademais, como fiel observador do judaísmo, embora a paixão pelo Evangelho de

Jesus, o filho de Maria Marcos era tomado de grandes escrúpulos, face à largueza de vistas

de seu tio e do Apóstolo Paulo, no que dizia respeito aos gentios.

Desejava servir a Jesus, mas sem distanciar-se das tradições do berço. Quando Paulo

(após o encontro com o Procônsul Paulo Sérgio, trocara seu nome) e Barnabé resolveram

visitar a Panfília, João se escandalizou. No seu conceito, naquela região somente havia

criaturas ignorantes e ladrões por toda parte. Que fazer ali?

Convencido pelo verbo de Paulo, chegaram a Atália e a atividade que lhe confiaram

foi a cozinha, que o constrangeu. Paulo chegou a dizer que poderia simplificar o trabalho

de cozinha com a preparação de peixes assados, somente, aos quais seriam acrescentados

pão, frutas e mel. Mas o rapaz continuou acabrunhado.

Índice

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Quando a missão pretende ir além da Panfília, as forças de João Marcos não mais

suportam e ele decide regressar a Jerusalém. Envergonhado, embora, ele afirma que

procurará trabalhar e servir a Deus, com toda sua alma.

Verdadeiramente, dedicou-se ao trabalho do Cristo. É descrito como um homem do

povo, que conhece a língua grega, embora não a maneje de forma superior.

Vai a Roma, possivelmente após a morte de seu tio Barnabé, estando com Paulo,

quando do primeiro cativeiro do Apóstolo. Depois, entrega-se todo a Pedro, que o chama

de meu filho. (I Pedro, 5:13)

A pedido da comunidade romana, é que Marcos, possivelmente entre os anos 55 e

62, reduz a escrito o que ouviu do Apóstolo Pedro. O seu Evangelho é escrito em grego e

era dirigido aos cristãos de origem não judaica.

Marcos que tinha sido intérprete de Pedro, escreveu exatamente tudo aquilo de que

se lembrava sobre o que o Senhor dissera ou fizera, mas sem respeitar a devida ordem.

Pedro ministrava o seu ensino conforme as necessidades, sem estar a atender a qualquer

ordem, e por isso Marcos não foi culpado, pois se limitava a escrever o que ouvia. O seu

cuidado era nada omitir e não dizer senão a verdade.1

Por isso mesmo, ele desce a detalhes como explicar que o Jordão é um rio, e os rituais

de Israel. Os seus leitores desconheciam a Palestina e tinham necessidade daqueles

pormenores.

É tido como o fundador da igreja de Alexandria, isto é, do primeiro núcleo cristão

daquela importante cidade do Mundo Antigo.

Foi martirizado no Egito, provavelmente pelo ano 67, pois também no Egito houve

grandes e terríveis perseguições contra os cristãos.

Daniel Rops sugere que, possivelmente, a propriedade onde se efetuou a prisão de

Jesus seria próxima à casa de Maria Marcos. Sugere ainda que o mancebo que, naquela

noite, seguiu Jesus e que os soldados tentaram prender, seria o próprio Marcos. O fato se

encontra narrado no capítulo 14 do seu Evangelho, nos versículos 51 e 52: E um certo

jovem seguia Jesus, coberto somente com um lençol, e prenderam-no. Mas ele, largando o

lençol, escapou-se-lhes nu.

Seu nome é citado em Atos dos Apóstolos (12, 12:35). Prisioneiro em Roma, Paulo

escreve a Epístola aos Colossenses, onde registra, no capítulo 4:10: Saúda-vos Aristarco,

meu companheiro na prisão, e Marcos, primo de Barnabé, sobre o qual recebestes

recomendações; se ele for ter convosco, recebei-o...

Na Segunda Epístola a Timóteo, o Apóstolo dos gentios se refere outra vez a Marcos,

demonstrando como ele estava envolvido no trabalho missionário: Apressa-te a vir ter

comigo...Toma contigo Marcos, e traze-o, porque me é útil para o ministério. (4: 8-11)

Finalmente, quando redige sua Epístola a Filémon, um cristão rico de Colossos,

termina com as saudações costumeiras, onde inclui o nome de Marcos como um de seus

colaboradores.

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Seu Evangelho é dividido em quatro partes, contendo dezesseis capítulos. Inicia com

a pregação de João Batista, depois o Ministério de Jesus na Galileia. Na segunda parte

descreve as viagens de Jesus a Tiro, Sidon, Decápolis, Betsaida, Cesareia de Filipe e o retorno

à Galileia.

A ida de Jesus a Jerusalém, as predições sobre a paixão e a ida final a Jerusalém

compõem a terceira parte.

A quarta parte descreve o Ministério em Jerusalém, a paixão e a ressurreição do

Mestre Jesus.

Yvonne do Amaral Pereira1, ao tecer considerações a respeito de João Marcos,

qualifica-o como uma doce personagem dos primeiros dias do Cristianismo, cuja obra a

auxiliava e esclarecia em horas de meditação e trabalho.

01.PEREIRA, Yvonne A. Ecos de um passado de lutas. In:___. Cânticos do coração.

Rio de Janeiro: CELD, 1994. v. 1, cap. I.

02.XAVIER, Francisco Cândido. Primeiros labores apostólicos. In:___. Paulo e

Estêvão. Ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 2, cap. IV.

03.ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. Rio de Janeiro: Britannica, 1986. v. 9,

verbete Evangelho - 15.

04.Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas, 1953.

Em 24.02.2016

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37) O vaso escolhido

Foi em Tarso, na Cilícia, um importante centro mercantil e intelectual do Mundo

Romano, que nasceu, entre os anos 5 e 10 da Era Cristã, uma criança que, no momento da

circuncisão, recebeu o nome de Saulo.

Seus pais, embora judeus, gozavam dos privilégios da cidadania romana. Privilégios

que podiam ser conseguidos pelos habitantes das províncias de duas formas: como

recompensa por serviços prestados ou pelo desembolso de vultosa quantia.

Nos primeiros anos, ele frequentou a sinagoga onde aprendeu, nos textos sagrados,

até a Aritmética. Um escravo o acompanhava todos os dias, carregando-lhe a pasta com os

utensílios escolares. Sentado ao chão, com as pernas cruzadas, o menino Saulo ensaiou as

primeiras letras, gravando-as com um estilete de ferro sobre uma tabuinha coberta com

uma camada de cera.

Como a tradição prescrevia ensinar um trabalho útil às crianças, Saulo aprendeu a

tecer pano de barraca, usando uma fazenda áspera e durável, entremeado com pelos de

cabra.

Adolescente ainda, seguiu para Jerusalém, onde se tornou discípulo do grande

Gamaliel, no Templo de Salomão, preparando-se para ser um devotado rabino. Ele mesmo,

na Epístola aos Gálatas, afirma: ... e me avantajava no Judaísmo sobre muitos da minha

idade e linhagem, pelo extremo zelo às tradições de meus pais.

Ardoroso defensor de Moisés, Saulo desencadeou séria perseguição aos homens do

Caminho. Ele considerou seu primeiro grande triunfo contra o Nazareno, a lapidação do

jovem Estêvão. Emmanuel descreve, na obra Paulo e Estêvão, em detalhes, toda sua dor e

vergonha, ao se dar conta de que Estêvão não era outro senão o irmão da sua amada noiva

Abigail, que viria a morrer oito meses depois.

É, no entanto, a caminho de Damasco, na Síria, levando cartas que o autorizavam a

prender outros tantos seguidores de Jesus, que Saulo foi surpreendido, em pleno meio-dia,

pela luz imensa dAquele a quem perseguia.

Saulo, Saulo, por que me persegues?, Diz-lhe a voz. Nas entrelinhas, pode-se ler:

Por que, Saulo, se és o vaso escolhido para levar a minha palavra a todas as gentes?

Tendo vislumbrado a Luz, ele se ergue da areia, onde tombara, sem visão. Seguindo

a orientação dada pelo Mestre, entrou na cidade e aguardou. Ananias, em nome de Jesus,

o vem retirar da sua noite de sombras.

Começaram para Saulo a jornada de trabalho e o calvário das dores. Após o exílio de três

anos, no deserto de Dan, ele retornou para pregar a Boa Nova. Aquele Jesus, a quem tanto

perseguira na pessoa dos Seus seguidores, tornou-se seu Senhor. Quando empreendeu a

viagem a Damasco ele era o orgulhoso Saulo, cujo nome significa aquele a quem se pede,

solicita algo, orgulhoso. Ao se erguer, após a queda do cavalo e a visão extraordinária do

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Cristo, ele está transformado. Era o escravo. Que queres que eu faça, Senhor?, é o que roga.

Por isso mesmo, haveria de trocar seu nome para Paulo, posteriormente, que significa

modesto, pequeno, humilde.

Pode-se dividir o seu apostolado em três grandes viagens. Na primeira, partindo de

Antioquia com Barnabé e Marcos, foi à ilha de Chipre, depois à Panfília e à Pisídia. Deixou

núcleos implantados em Perge, Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derme, retornando a

Jerusalém.

Na segunda grande viagem, em companhia de Silas e Timóteo, atravessou a pé toda

a Ásia menor e, com Lucas, chegou até à Macedônia. As pequenas igrejas foram se

formando em Filipes, Tessalônica, Bereia. Ele chegou até a Grécia. Na primavera de 53,

saiu de Corinto, voltou a Jerusalém e Antioquia.

Na terceira viagem, percorreu a Frígia e a Galácia. Permaneceu dois anos em Éfeso,

depois regressou à Macedônia e Corinto. Retornando a Jerusalém foi preso, remetido a

Cesareia e, apelando para César, chegou a Roma, depois de um naufrágio na ilha de Malta.

Estima-se que ele tenha percorrido, em sua longa marcha, nada menos de vinte mil

quilômetros a pé, ou seja, metade do comprimento da linha do Equador.

Sob a inspiração de Jesus, tendo a servir de intermediário o próprio Estêvão, da

Espiritualidade, Paulo escreveu as Epístolas, cartas cheias de ternura, aos companheiros

das comunidades nascentes, também carregadas de orientações: duas aos

Tessalonicenses, em Corinto, em 52-54; Primeira aos Coríntios, de Éfeso, em 57; Segunda

aos Coríntios, de Filipos, em 57; aos Gálatas e aos Romanos, de Corinto, em 57; aos

Filipenses, aos Efésios, aos Colossenses e a Filémon, de Roma, em 62; aos Hebreus, em 63

ou 64, da Itália; Primeira a Timóteo, em 64 ou 65; a Tito em 64 ou 65, da Macedônia e a

Segunda a Timóteo, em 66, de Roma.

Mais de uma vez foi apedrejado, açoitado, maltratado. Padeceu fome, frio,

privações. Por amor a Jesus, ele tudo aceitou e afirmou portar no corpo as marcas do Cristo.

Decapitado, fora dos muros de Roma, no ano 67, por ordem do Imperador Nero, ele

adentrou a Espiritualidade.

Quando a Terceira Revelação se apresentou na Terra, ei-lo participando da equipe

do Espírito de Verdade, deixando suas palavras em O Evangelho Segundo o Espiritismo,

nos capítulos X, item 15 (sobre o perdão, em Lyon, em 1861) e capítulo XV, item 10 (Fora

da caridade não há salvação, em Paris, em 1860). Igualmente, respondendo à questão de

número 1009 de O Livro dos Espíritos, a respeito da eternidade das penas, junto a

dissertações de Santo Agostinho, Lamennais e Platão.

1.XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. Ed. Especial.

Rio de Janeiro: FEB, 2002.

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2.Editora Abril. São Paulo. Grandes personagens da história universal. 1970. v. 1,

cap.7.

3.Bíblia Sagrada (O novo testamento - Epístolas). Em

26.02.2016

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38) Os amigos do jovem de Tarso

Foi no oásis de Dan, distante mais de cinquenta milhas de Palmira, cidade no deserto

siro-arábico, fortificada pelo rei judeu Salomão, que Saulo, que viria tornar-se o Apóstolo

dos gentios, os viu pela primeira vez.

Era um casal harmonioso, onde o respeito mútuo, a perfeita conformidade de ideias,

a elevada noção de deveres... e sobretudo, a alegria sã...5 irradiavam de seus menores gestos.

Prisca, também chamada Priscila, tinha servido, quando menina e órfã

desamparada, como serva da esposa do irmão de Gamaliel, mestre de Saulo.

Bons operários, segundo o comerciante Ezequias, que os empregava, eram, quando

ali chegou Saulo, para o seu exílio espontâneo de três anos, os únicos habitantes.

Dedicavam-se à preparação de tapetes de lã e de tecidos resistentes de pelo caprino,

para barracas de viagem. Viviam ambos a mocidade e, dotados de bom ânimo, trabalhavam

com alegria.

Prisca era a expressão do carinho. Apreciava entoar velhas canções hebraicas, que

ressoavam no grande silêncio do deserto. Concluía as tarefas domésticas e se postava junto

ao marido, nas lides do tear, até às horas avançadas do crepúsculo.

Áquila era extremamente dedicado às responsabilidades que lhe competiam,

trabalhando sem descanso, à sombra das árvores acolhedoras.

Quando caía a tarde, o casal, depois acompanhado por Saulo, estudava as anotações

do Apóstolo Levi.

Ambos tinham vivido em Jerusalém e frequentado as reuniões na Casa do Caminho.

Contudo, quando se desencadearam as perseguições comandadas pelo então orgulhoso

rabino de Tarso, eles foram presos.

Áquila tinha uma tenda de tecelão e seu pai, uma padaria, que era motivo da cobiça

de um certo Jochaí, que várias vezes desejara adquiri-la, sem êxito.

Munido de autoridade, o infeliz personagem mandou prender o casal e o pobre

velho. Esse, por sua vez, nem era seguidor de Jesus, embora simpatizasse com as ideias.

Áquila e Prisca foram soltos, mas o dono da padaria logo teve todos seus bens

confiscados e sofreu nas mãos dos algozes as piores torturas. Devolvido à casa do filho,

morreu no dia seguinte. Parecia um fantasma ao ser trazido pelos guardas: ossos

quebrados, feridas abertas, o corpo lanhado pelos açoites.

Apesar de tudo, o casal não odiava Saulo, pois haviam aprendido com Pedro a

perdoar e abençoar o perseguidor.

Quando, passados meses, Saulo se identifica como o perseguidor Saulo de Tarso,

recebe o abraço fraterno de Áquila e as melhores considerações de Prisca. Ele já lhes havia

conquistado os corações, pela humildade e longos diálogos em torno da Boa Nova.

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Ante as revelações do extraordinário encontro de Saulo com Jesus, às portas de

Damasco, decidiram que deveriam sair do deserto para proclamar os favores de Jesus pelo

mundo inteiro.

Além do Evangelho, tinham agora também as notas da visão de Jesus ressuscitado

para ilustrar a sua palavra. Seu sonho maior era ir a Roma e anunciar o Cristo aos irmãos

da antiga Lei.

Foi assim que deixaram o oásis, ao ensejo da passagem de uma grande caravana

que os conduziu a Palmira, onde foram inicialmente acolhidos com desvelado carinho, pela

família de Gamaliel.

Pelo ano 50, Áquila e Prisca tornariam a se reencontrar com Paulo, em Corinto.

Áquila e a companheira falaram longamente dos serviços evangélicos, aos quais haviam

sido chamados pela misericórdia de Jesus.4

Conforme seu plano, haviam estado em Roma, por algum tempo, fazendo as

primeiras pregações do Evangelho. Os judeus lhes haviam declarado guerra e, certa noite,

contou Prisca que, estando sozinha, um grupo de israelitas lhe invadiu a casa e a açoitou,

duramente.

Quando Áquila chegou, a encontrou banhada em sangue. Tudo narram, entre

exclamações de regozijo pela honra de servir ao Cristo.

A instâncias de Paulo, empreendem esforços para a fundação de uma Igreja em

Corinto.

Em 52, acompanharam Paulo a Éfeso, ali se instalando. Quando um certo Apolo,

judeu eloquente, natural de Alexandria, veio a Éfeso, foram Áquila e Prisca que lhe

expuseram minuciosamente a Boa Nova, tendo ele se tornado um pregador.

Com ele, foram a Corinto.

Pela veemência de sua pregação, convencia publicamente os judeus, mostrando

pelas Escrituras que Jesus era o Cristo.

De retorno a Éfeso, Áquila e Prisca sofreram novas perseguições. Sua oficina singela

foi totalmente destruída, quebrados os teares, atiradas à rua as peças de couro. O casal foi

preso e somente libertado, após a movimentação dos melhores empenhos de Paulo.

Renan, o autor francês, ao se referir à igreja de Roma, escreve que não se sabe, com

exatidão, quem a teria fundado. Afirma, contudo, que com certeza, os membros mais

antigos dessa igreja seriam Áquila e Prisca.

Para Paulo, desde o oásis de Dan, foram queridos amigos, que ele tornaria a

encontrar em Roma. Chamou-os seus cooperadores em Jesus Cristo, afirmando que

expuseram as suas cabeças pela vida dEle.

A eles dirigiu, em suas Epístolas, inúmeras saudações, como podem ser encontradas

na Primeira Epístola aos Coríntios, 16:19; na Epístola aos Romanos, 16:3-5 e na Segunda

Epístola a Timóteo, 4:19.

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01.MIRANDA, Hermínio C. Os amigos. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de Janeiro]:

FEB, 1984. v. 1, cap. 4, item Áquila e Prisca.

02.ROPS, Daniel. Para Roma, pelo sangue. In:___. São Paulo, conquistador de

Cristo.

2. ed. Portuguesa. Porto: Tavares Martins, 1960. cap. 5, item O prisioneiro de Cristo.

03.VAN DEN BORN, A . José. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985, verbetes Áquila, Palmira e Prisca.

04.XAVIER, Francisco Cândido. As Epístolas. In:___. Paulo e Estêvão. Ed. especial.

Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 1I, cap. VII.

05.______. O tecelão. Op. cit. pt. II, cap. II.

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39) Os mártires de Lyon

Lyon é denominada a Cidade dos mártires. Abundaram ali aqueles que deram a vida

por amor à Verdade.

No ano 177, as perseguições desencadeadas atingiram os cristãos de Lyon e Viena,

cidade da França, próxima à primeira. Toda classe de recursos foi utilizada contra os

seguidores de Jesus.

Sua presença passou a não ser tolerada em parte alguma, nem nos banhos, nem no

Foro, nem no Mercado. Contra eles se levantaram acusações de que cometiam infanticídios,

que se banqueteavam com carne humana, enfim, que praticavam incestos e toda sorte de

crimes.

As calúnias, espalhadas entre o povo, incitaram-no contra os perseguidos. Cada dia,

novas prisões eram feitas. Submetidos a insultos e humilhações, tudo suportavam com

admirável resistência.

Conduzidos ao Foro pelo tribuno e soldados, eram interrogados perante o povo, que

os apupava, proferindo impropérios.

Vétio Epágato, abnegado senhor que assistia ao interrogatório, não pôde presenciar

tamanha iniquidade e, cheio de piedade, pediu para sair em defesa dos acusados,

comprometendo-se a provar que não mereciam a pecha de criminosos que lhes era

imputada.

Homem de vida austera, desde muito jovem tendo abraçado a Boa Nova, teve

recusada sua oferta pelo preposto do Imperador. Tendo-lhe sido perguntado se era cristão

e tendo-o afirmado, foi agregado ao número dos demais prisioneiros.

Com ironia, o apontavam, dizendo: Vejam aí o advogado dos cristãos. Firme na fé,

sofreu toda sorte de tormentos.

Santo, diácono de Viena, teve contra si incitada a fúria do povo. Experimentou em

seu corpo todos os tormentos que a maldade humana pode engendrar. Quando seus

verdugos esperavam fazê-lo confessar algum crime, permaneceu na mesma posição.

A todas as indagações, respondia em latim: Sou cristão. Não disse seu nome, sua

cidade, seu país, se era escravo ou livre, sua raça. Aplicaram-lhe sobre as partes mais

sensíveis do corpo, lâminas de bronze ardentes. Ele permaneceu irredutível, como que

banhado e fortificado pelas águas de fonte superior.

O corpo em uma chaga só, contraído e retorcido, parecia nem mais conservar a

forma humana. Deixaram os verdugos que alguns dias se passassem e depois o tornaram

a interrogar.

Acreditavam que, se reiterassem os tormentos sobre as chagas sangrentas e

inchadas, alcançariam seu intento, porque o simples tocar de mãos sobre elas produzia dor

insuportável.

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Se morresse por causa dos tormentos, imaginaram as autoridades que sua morte tão

horrível poderia intimidar a outros.

Não alcançaram êxito em nenhuma das opções. O segundo tormento pareceu mais

fortalecer a Santo.

Como todas as torturas eram superadas pela constância em Cristo, os prisioneiros

foram encerrados em calabouços incômodos, escuros, com os pés presos e o corpo esticado.

Muitos pereceram por asfixia. Outros tantos, pelos ferimentos profundos recebidos.

Santo, junto a outros, foi levado, finalmente ao suplício entre as feras. Nada parecia

aplacar a sanha sanguinária dos que assistiam ao cruel espetáculo. Ao contrário, a

perseverança dos mártires lhes aumentou a fúria.

Assim, os que não morreram com as mordidas e patadas das feras, foram amarrados

a postes ardentes, desprendendo insuportável odor por todo o anfiteatro.

A Santo não conseguiram arrancar nenhuma outra frase que não a constante: Sou

cristão. Por fim, os que ainda não haviam sucumbido com tantos suplícios, foram

degolados.

Blandina, uma escrava de corpo débil, foi atada em um poste, exposta às feras.

Aprisionada em forma de cruz, ela orava, fortalecendo os demais e, como as feras não a

atacassem, foi retirada do madeiro e novamente encarcerada.

No último dia dos espetáculos, trouxeram-na para a arena, junto a um jovem de

quinze anos, de nome Pontico. Antes os haviam feito assistir aos suplícios de outros, visando

arrefecer-lhes o ânimo.

O denodo com que suportaram os tormentos, atraiu a ira do povo contra eles. Todos

se deram conta de que era Blandina que insuflava ânimo ao jovem. Finalmente, após

vexações e suplícios, ele morreu.

Ela foi arrastada pelas feras; foi pendurada em um poste ardente; foi envolta em

uma rede e exposta a um touro bravo, que a lançou repetidas vezes pelos ares. Os soldados

se mostravam confusos pela resistência daquela mulher, de corpo tão frágil. Ceifaram-lhe

a vida degolando-a.

Os corpos dos que haviam morrido no cárcere foram jogados aos cães e guardados

dia e noite para que não pudessem ser recolhidos e sepultados. Os que haviam perecido

pelas feras, tiveram seus pedaços também jogados aos cães. Todos ficaram insepultos por

seis dias, sob escolta militar.

Eram cabeças truncadas, corpos mutilados, membros carbonizados. Havia quem

passasse e os chutasse, rangesse os dentes ou risse, insultando Aquele por quem aqueles

miseráveis haviam dado a vida.

Passados os seis dias, foram queimados e reduzidos a cinzas aqueles restos, arrojadas

posteriormente ao Ródano, para que nada deles sobrasse. Acreditavam assim estar

destruindo a semente da Boa Nova. Mal sabiam eles que os cristãos, inflamados de amor,

continuariam a se oferecer em holocausto nas arenas do mundo.

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40) Pedra e pastor

Ele era das terras perfumadas de rosas de Betsaida, próxima ao lago de Genesaré,

na desembocadura do rio Jordão, mas se estabelecera em Cafarnaum, onde proliferavam

os pequenos vinhedos e se fazia a pesca abundante. Casado, tinha filhos. Em siro-caldeu,

chamavam-no Cefas; em grego, apelidavam-no Petros, significando pedra, rocha.

Quando Jesus utilizaria uma ou outra dessas denominações, ele haveria de se

indagar, mais de uma vez: Será que o Mestre me deseja dizer que sou uma fortaleza de

ânimo e fé, ou será por causa da minha cabeça dura?

Era um homem correto, simples, por vezes quase ingênuo.

Nele se evidenciam três fases: antes de conhecer Jesus, o período que com Ele

conviveu, e os anos após a morte do Divino Amigo.

Pedro bar Jonas. Pedro, filho de Jonas. Era pescador e um homem céptico, sem

sutilezas de comportamento. As suas eram as preocupações básicas com sua família, sua

vida. Com André, seu irmão, mantinha uma sociedade pesqueira com a família Zebedeu,

pai e filhos: Tiago e João.

Seus deveres se restringiam à faina da pesca, ao trabalho com as redes, à venda dos

frutos do mar.

Cumpria suas restritas obrigações na Sinagoga, sem emoção. Amava o povo sofrido

e tão enganado. Num misto de curiosidade e descrença, ele foi ouvir a pregação de Jesus.

Nunca mais foi o mesmo. ...desejava saber de onde e desde quando O conhecia e O

amava... 4

Simão fez-se taciturno, como quem aguarda, embora permanecesse gentil e

cumpridor dos deveres.

Foi nesse estado de espírito que, em formosa manhã, enquanto organizava as redes

com o irmão, foi surpreendido pela presença do Amigo, que se lhes acercou e, com uma

voz inesquecível, convidou-os:

“Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens." 4

Pedro deixou as redes, a pesca e O seguiu. Voltaria às lides, nos intervalos das

jornadas de apostolado, para atender a família ou às necessidades do grupo.

Os desencantos da vida principiavam a nevar os seus cabelos. Ele deveria ter em

torno de trinta e quatro a quarenta anos. Homem rude e habituado à praticidade de tudo,

haveria de indagar a Jesus: Senhor, deixamos tudo para seguir-Te. Que lucraremos com

isto?

Ávido de conhecimento, perguntava sempre.

Possivelmente, foi escolhido pelo grupo para ser seu porta voz, quiçá pela

intimidade maior que gozava junto a Jesus, pois é sempre a ele, Tiago e João que Jesus

confidencia questões muito próprias. Algumas que, somente após Sua morte, seriam

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reveladas, tais como o episódio no Tabor e todo o drama da vigília, antes da Sua prisão, no

Jardim das Oliveiras.

Os anos em que esteve com Jesus trabalharam ainda mais sua fibra moral. Conheceu

o Amigo de perto e com Ele privou de momentos inesquecíveis: a transfiguração do Mestre,

a visita dos seres espirituais que se materializaram: Elias e Moisés.

É o homem medianeiro que, em dado momento, se faz arauto dos Céus e, frágil, em

outras circunstâncias, se permite ser o intermediário dos inimigos da Luz.

Líder autêntico, Jesus o corrige pacientemente, utilizando os seus erros para dar

preciosas lições a todos os demais.

Pedro brilhou porque aprendeu muito com seus erros. Tendo negado o Amigo por

três vezes, não hesitava, nas suas pregações, em apresentar suas limitações e fraquezas aos

que o ouviam.

Permitiu-se lapidar de tal forma que se tornaria referência para todos os homens

do Caminho, após a hora do Gólgota.

Em Jerusalém, na Casa do Caminho, com Tiago ou em Antioquia, junto a Paulo de

Tarso, seu espírito conciliador se manifestava. Começava a domar sua impetuosidade. O

trabalho de Jesus era mais importante do que ele, Pedro, era o que pensava.

Sua acuidade se desenvolveu de tal forma, que chegou a escrever duas Epístolas,

contendo grande riqueza poética e existencial. A primeira foi escrita em Roma,

possivelmente entre os anos 63 e 65. Destina-se aos cristãos espalhados pela Província da

Ásia. Supõe a perseguição de Nero, pois fala e dá conselhos com relação a ela.

Ele não possui, com certeza, a cultura de Paulo de Tarso. Mas exorta os cristãos a

viver no espírito de caridade e a praticar as virtudes cristãs. Aconselha fiéis e pastores. É o

homem prático que sabe dar, em poucas palavras, uma obra-prima de sabedoria e de

edificação.

A segunda foi escrita, acredita-se, no ano 67, e tem o tom de um legado, um

testamento. Avizinha-se sua morte, ele o pressente. É a época de muitas contestações,

inclusive sobre o próprio Cristo, e Pedro reafirma aos cristãos a necessidade do cultivo das

virtudes, mesmo em meio à iniquidade de tantos.

Pedro é o companheiro fiel e humilde que permanece amigo até o fim. Assim o foi,

especialmente com Paulo de Tarso. Quando Pedro vai a Roma, Paulo de Tarso lhe

providencia com carinho e respeito uma casinha para ele e sua família.

Mais tarde, prisioneiro na Prisão Mamertina, está outra vez junto a Paulo. E célebre

é o episódio em que o soldado da guarda, à custa de tanto ouvir os dois Apóstolos

conversarem a respeito de Jesus, toma-se de carinho por eles e os deseja libertar.

Pedro sai na noite-madrugada e ganha a rua. Os primeiros passos são incertos,

dificultosos, mas a aragem que lhe refresca o rosto, lhe acaricia a barba e os cabelos, parece

refazê-lo.

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Ao despontar o dia, ele já se encontrava na Via Ápia, a caminho da liberdade. Num

momento em que se detém para descansar, seus olhos cansados divisam uma forte luz que

vem ao seu encontro.

Ele mal consegue manter a visão fixa, no intuito de se certificar o que seja. É como

se uma estrela tivesse caído do Empíreo e transitasse pela Terra. Leva as mãos à fronte,

protegendo os olhos e, à medida que o intenso brilho se aproxima, Pedro sente o coração

acelerar no peito envelhecido.

É o Mestre. E vem ao seu encontro. Jesus! Quanta saudade!

Contudo, Jesus passa por ele e prossegue, fazendo exatamente o caminho inverso

do Apóstolo.

Senhor, aonde vais? – Pergunta, ansioso, talvez já sabendo a resposta do Amor não

Amado.

Pedro, vou a Roma, para ser sacrificado outra vez. Vou para o meu rebanho, desde

que tu o abandonas.

Foi o que bastou ao Apóstolo para se dar conta de que, uma vez mais, depois de

tantas lutas, utilizara as argumentações do homem prático. E retorna a Roma, para ser

sacrificado. Foi crucificado, naquele mesmo ano 67, de cabeça para baixo, a fim de não se

igualar ao seu Mestre e Senhor.

Foi o discípulo por excelência, - Simão Pedro: pedra e pastor -, que se levantou do

engano para viver Jesus até o último instante, apascentando os cordeiros do Seu rebanho

de amor... 3

1.CURY, Augusto. Vivendo a arte da autenticidade. In:___.O mestre da sensibilidade.

18.ed. São Paulo: Academia de Inteligência, 2000. cap. 6.

2.FRANCO, Divaldo Pereira. Fortalece os teus irmãos. In:___. Pelos caminhos de

Jesus. Pelo espírito Amélia Rodrigues. Salvador: LEAL, 1988. cap. 22.

3.______. Simão Pedro: pedra e pastor. In:___. As primícias do Reino. Pelo espírito

Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

4.______. Pescadores de almas. In:___. Trigo de Deus. Pelo espírito Amélia

Rodrigues. Salvador: LEAL, 1993. cap. 1.

05.MIRANDA, Hermínio C. Os amigos. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de Janeiro]:

FEB, 1979. v. I, cap. 4.

06.RENAN, Ernest. Os discípulos de Jesus. In:___. Vida de Jesus. 13. ed. São Paulo:

Martin Claret, 1995. cap. 9. Em

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41) Trigo de Deus

Seu nome deriva do latim: ignis – fogo e natus – nascido. Nascido do fogo, o que

corresponde muito bem à sua personalidade: ardente, eloquente, apaixonado por Cristo e

pelo forte desejo de imitar seu Mestre.

Também é cognominado Theoforos – carregado por Deus, por ser identificado como

a criança que Jesus tomou nos braços, para dar exemplo da verdadeira pureza. (Mateus,

18:2-6)

De sua vida se conhecem alguns dados graças a Eusébio de Cesareia, através de sua

História Eclesiástica, que o identifica como tendo assumido a chefia da igreja de Antioquia.

Antioquia foi fundada por volta do ano 300 a.C., por Seleuco Nicátor, com o nome

de Antiokheia (cidade de Antíoco). Tornou-se a capital do império selêucida e grande

centro do Oriente helenístico.

Conquistada pelos romanos, por volta de 64 a.C., conservou seu estatuto de cidade

livre e foi a terceira cidade do Império, depois de Roma e Alexandria, chegando a abrigar

até quinhentos mil habitantes.

Mereceu a evangelização de Pedro, Paulo e Barnabé. Atualmente é a cidade de

Antakya, da Turquia.

Inácio foi encontrado por João, mais ou menos quatro anos após o drama da cruz.

Tendo se retirado para Éfeso, onde ganhara um pedaço de terra cultivável, o Apóstolo

morava com Maria, a mãe de Jesus.

O local era um ponto geográfico privilegiado, aconchegante, de rara beleza. Logo

além podia-se ver o mar bordado pelas velas coloridas das embarcações.

Miosótis, flores miúdas e tamareiras completavam a harmonia do local.

O menino tinha então seus oito anos e vendo-o, João se lembrou do petiz de

perninhas magras, pendendo frouxas e confiantes do colo do Divino Amigo.

Pareceu rever, na tela da alma, as divinas mãos acariciando os cabelos desgrenhados

daquela criança.

Com ternura, resolveu adotá-lo e o levou para sua casa. Ali, o pequeno cresceu sob

a ternura e os carinhos de Maria, enquanto João lhe cultivou o caráter nos ensinos cristãos.

Já adulto, propagador entusiasta da Boa Nova, Inácio de Antioquia foi preso.

Tornou-se célebre por sua peregrinação forçada, em cadeias, de Antioquia a Roma.

Qual Paulo de Tarso, em seu caminho para Roma, foi recebendo a visita de cristãos

de outras igrejas, em todo o percurso. Nas paradas que fazia para descanso, escrevia às

comunidades que o tinham recebido ou que lhe enviavam representantes. São sete as cartas

conhecidas, todas de imenso valor para o conhecimento da história dos primeiros cristãos.

Em sua Epístola a Policarpo de Esmirna (cidade marítima da Ásia Menor, a oeste de

Éfeso, que pesquisas arqueológicas identificam com a colina de Hacimutsoste, a oito

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quilômetros da atual cidade de Izmir, na Turquia), ele recomenda à comunidade, a união

e confessa a sua fé em Jesus Cristo.

O cristão, afirma ele no cap. 7:3, não tem poder sobre si mesmo, mas está livre para

servir a Deus.

Na Epístola aos Romanos, cap. 4:1-3, temeroso de que amigos, que tinham

influência na corte imperial, o poderiam impedir de alcançar o martírio, ele escreve: Eu

vos suplico, não mostreis comigo uma caridade inoportuna. Permiti-me ser pasto das feras,

por meio das quais me é concedido alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, e serei moído pelos

dentes das feras, para que me apresente como trigo puro de Cristo.

Ao contrário, acariciai as feras, para que se tornem minha sepultura, e não deixem

nada do meu corpo, para que, depois de morto, eu não pese a ninguém... Não vos dou

ordens como Pedro e Paulo; eles eram apóstolos, eu sou um condenado. Eles eram livres, e

eu até agora sou um escravo. Contudo, se eu sofro, serei um liberto de Jesus Cristo, e

ressurgirei nele como pessoa livre. Acorrentado, aprendo agora a não desejar nada.

No capítulo seguinte refere-se à luta ...contra as feras, por terra e por mar, de

noite e de dia, acorrentado a dez leopardos, a um destacamento de soldados; quando se

lhes faz bem, tornam-se piores ainda. Todavia, por seus maus tratos, eu me torno

discípulo melhor, mas nem por isso justificado.

Finalmente, num dia ensolarado e quente, desembarcando no Porto de Óstia,

cercado por legionários, seguiu pela Via Ápia. Chegando ao cume de uma colina que

circundava a cidade, ele começou a sorrir.

Aquele homem alquebrado, sorria a ponto de comover-se até às lágrimas. Um

legionário se aproximou dele, bateu-lhe na face e colérico, lhe falou:

Tu deves estar louco. Por que sorris?

Inácio, ainda emocionado, respondeu:

Sorrio diante de tanta beleza que os meus olhos descortinam. Sorrio porque chego

a Roma e vejo uma cidade imponente. Sorrio ao olhar o casario de mármore, as estátuas

que rutilam ao sol, as águas prateadas do Tibre que circundam as montanhas como um

alaúde.

Sorrio...

Antes que Inácio pudesse prosseguir, o soldado lhe gritou:

Mas tu vais morrer, miserável. Como podes sorrir?

Sorrio, continuou o pregador do Evangelho, sorrio de felicidade porque agora eu

posso ter uma dimensão do amor de Deus. Porque, se para vós, que sois corrompidos, se

para vós que sois criminosos, Deus concede uma cidade tão bela e tão harmônica, o que

não haverá de oferecer para aqueles que lhe são fiéis?

Sorrio de felicidade, antecipadamente, e desejo que o sofrimento que me apontas

venha logo, a fim de que ele me leve...

Colocado em um subterrâneo, encontrou amigos de fé. Ali, ele se recordou de Jesus

e, por várias horas falou-lhes a respeito das bem-aventuranças do Reino de Deus.

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Uma semana depois, milhares de espectadores lotaram o circo e a arena ovalada se

encheu de feras vindas de várias partes do mundo.

Eram feras que não tinham sido alimentadas por uma semana e sobre as quais se

atiravam pedaços de carne ensanguentados, cheios de vida para lhes espicaçar o paladar.

Naquela arena, os cristãos foram lançados e os animais, de forma rápida,

despedaçaram aqueles corpos frágeis de anciãos, homens, mulheres e crianças, que não se

intimidavam diante da morte.

Contudo, de uma forma estranha, Inácio, que se encontrava entre eles, não foi

tocado. Esperou que uma patada no tórax lhe despedaçasse os ossos e os músculos.

Entretanto, nenhuma fera lhe arrebentou o corpo.

Vendo que os cadáveres dos seus companheiros já estavam sendo rejeitados pelas

feras saciadas, ele se ajoelhou na arena ensanguentada e orou a Jesus:

Por quê? Por que fui poupado? Por que não tive a honra de morrer?

Então, um ser espiritual se lhe apresentou à visão psíquica e lhe respondeu:

Inácio, morrer é muito fácil. Perder o corpo numa só vez é um testemunho pequeno

para ti. Tu, que amas tanto Jesus, mereces algo mais penoso. Tu viverás. Viverás entre

pessoas que não te compreendem, que desconfiarão de ti.

Estar firme no Ideal, Inácio, no momento das dificuldades, este é o sacrifício maior.

O Mestre deseja que vivas, para que a Sua mensagem saia da tua boca e experimentes a

perseguição continuada, sem desanimar. A morte na arena é uma morte muito rápida para

os que são bons e fiéis.

Inácio saiu da arena. Os cristãos supuseram que ele houvesse prestado sacrifício aos

deuses de Roma, para ter a sua vida poupada.

A calúnia, a maledicência e a intriga semearam, na comunidade cristã, toda sorte

de desconfianças.

Inácio jamais se defendeu, porque quem ama Jesus não tem tempo a perder com

defesas improdutivas.

Jamais se justificou, porque ele deveria prestar contas ao seu Rei, Jesus, e não aos

seus pares, súditos como ele.

Não disse uma palavra. Os anos demonstraram a sua grandeza. Ele passaria a ser o

modelo do cristão verdadeiro, o modelo daquele servidor primitivo de Jesus, elevado à

categoria de bem-aventurado por seu testemunho de amor.

Sua morte é assinalada como tendo ocorrido no ano de 110, durante o reinado de

Trajano, em Roma.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. Palestra pública.

02.______. Trigo de Deus. In:___. Trigo de Deus. Pelo Espírito Amélia Rodrigues.

Salvador: LEAL, 1993.

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130

03.COELHO, Rogério. O holocausto maior. Revista Reformador, Rio de Janeiro:FEB,

p. 70, mar. 2001.

04.http://www.newadvent.org

Em 24.02.2016

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42) Um adolescente no serviço da Boa Nova

Segundo Atos dos Apóstolos, ele era filho de uma mulher judia e de pai gentio. Na

obra psicografada por Francisco Cândido Xavier, Paulo e Estêvão, contudo, o Espírito

Emmanuel é pródigo em detalhes a respeito desse a quem Paulo de Tarso chamava de

amado filho na fé. 2

Quando Paulo chegou a Listra foi à casa de Loide, recomendado pelo irmão daquela,

que residia em Icônio. Viúva de um grego abastado, ela vivia em companhia de sua filha

Eunice, também viúva, e do neto adolescente de treze anos.

Recebidos Paulo e Barnabé, com inexcedível carinho, em casa de Loide, naquela

mesma noite o Apóstolo tarsense pôde observar a ternura com que o rapazola fazia a leitura

dos pergaminhos da Lei de Moisés e dos Livros Sagrados dos Profetas. Ao ouvir falar a

respeito de Jesus, Timóteo, inteligente e de generosos sentimentos, demonstrou grande

interesse, o que levou Paulo a acariciar-lhe a fronte pensativa, várias vezes.

No dia seguinte, o rapaz passou a fazer inúmeras interrogações e, enquanto ele

cuidava das cabras, Paulo aproveitou para conversar longamente a respeito da Boa Nova

de que era portador. Alguns dias depois, fundou na cidade o primeiro núcleo do

Cristianismo, em humilde casa. O pequeno Timóteo era quem auxiliava em todos os

misteres, na recepção dos enfermos e demais necessitados, na ordem, na disciplina.

Em uma das pregações públicas, Timóteo assistiu, aterrado, o amigo querido ser

apedrejado pela população, incitada pelos administradores da pequenina cidade. Desejou

intervir, salvando-o, mas prudentemente foi detido por companheiro ponderado que lhe

fez ver a inconveniência de se expor, sem nada verdadeiramente poder fazer, ante a

multidão enfurecida e muito bem conduzida por mentes ardilosas.

No entanto, é ele mesmo que, após acompanhar, por vielas extensas, a turba

exaltada depositar o corpo do Apóstolo no monturo, distante dos muros de Listra, se

aproxima, na sombra da noite, para socorrê-lo. Dispensa-lhe os primeiros socorros,

buscando água fresca em poço próximo. Depois, banhado em lágrimas, fica ao seu lado,

aguardando que desperte do profundo desmaio.

Timóteo, oportunamente, passaria a acompanhar Paulo de Tarso em suas viagens,

desejoso de se consagrar ao serviço de Jesus, iluminando o seu coração e a sua inteligência.

A caminho da Macedônia, separaram-se ele e Lucas, de Paulo, a pedido desse, tornando a

se encontrarem mais tarde.

Para as viagens apostólicas, a fim de evitar as tricas judaicas e, eventualmente,

provocar atritos nas suas tarefas iniciais, Timóteo submeteu-se, a conselho do próprio

Paulo, à circuncisão, demonstrando a capacidade de ajustar-se ao que fosse necessário para

servir a Jesus.

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Timóteo é convidado pelo Apóstolo de Tarso a estar com ele, quando da redação das

suas famosas Epístolas, cuja essência espiritual provinha da esfera do Cristo1, e que não

serviram somente para a comunidade para a qual foram escritas, mas à Cristandade

Universal.

Esteve com Paulo em Roma, quando este foi prisioneiro dos romanos. Seguiu-o até

à Espanha, junto com Lucas e Demas. Demorou-se mais na região de Tortosa, visitou parte

das Gálias, auxiliando na conquista de novos corações para o Cristo e multiplicando os

serviços do Evangelho. Afeiçoado a Paulo, Timóteo foi por ele encarregado, em mais de

uma oportunidade, a levar mensagens para as comunidades cristãs nascentes. Assim, da

Espanha partiu para a Ásia, carregado de cartas e recomendações amigas.

Quando Paulo de Tarso retornou a Roma, a pedido de Simão Pedro, escreveria

tomado de singulares emoções as últimas disposições ao filho do coração, Timóteo:

Apressa-te a vir ter comigo. (...) Só Lucas está comigo. (...) Quando vieres, traze contigo a

capa que deixei em Trôade em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos.

(...) Apressa-te a vir antes do inverno. (...)2

Roga ainda os seus bons ofícios para que João Marcos venha a Roma, a fim de

auxiliá-lo no serviço apostólico. Lucas é o encarregado de expedir a Epístola e percebe os

lúgubres pressentimentos que tomam de assalto o velho Apóstolo.

Em verdade, Timóteo não chegou a rever Paulo na vida física, mas guardou n’alma

as suas últimas exortações: Foge das paixões da juventude, segue a justiça, a fé, a esperança

, a caridade e a paz com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro.(...)

Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que está em Jesus Cristo; e o que ouviste

de mim, diante de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis, que sejam capazes de

instruir também a outros. (...)

Esforça-te por te apresentares a Deus digno de aprovação, como um operário que

não tem de que se envergonhar, que distribui retamente a palavra da verdade.(...)

Mais tarde, quando se delineasse o panorama para a implantação da Terceira

Revelação, no planeta, reencontramos Timóteo nas exortações que elabora, junto com o

Espírito Erasto, assinando o item 225 de O livro dos médiuns, acerca do papel do médium

nas comunicações.

01.BÍBLIA, N.T. I Epístola a Timóteo. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João

Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1966.

02.______. II Epístola a Timóteo. Op. cit.

03.______. Atos dos apóstolos. Op. cit.

04.XAVIER, Francisco Cândido. Ao encontro do Mestre. In:___. Paulo e Estêvão. Pelo

Espírito Emmanuel. Ed. especial. Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 1I, cap. X.

05.______. As epístolas. Op. cit. pt. II, cap. VII.

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06.¬¬______. Lutas pelo evangelho. Op. cit. pt. II, cap. V.

07.______. O martírio em Jerusalém. Op. cit. pt. II, cap. VIII.

08.______. O prisioneiro do Cristo. Op. cit. pt. II, cap. IX.

09.______. Peregrinações e sacrifícios. Op. cit. pt. II, cap. VI.

10.______. Primeiros labores apostólicos. Op. cit. pt. II, cap. IV.

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43) Um amigo fiel

Diz o Eclesiástico (6:14) que o amigo fiel é uma forte proteção; quem o encontrou,

encontrou um tesouro.

O Meigo Rabi da Galileia, Modelo e Guia, não prescindiu dos amigos, antes

exemplificou e falou a respeito da amizade.

Um deles se revelaria, especialmente, logo após a morte de Jesus. Chamava-se José

e era de Arimateia, cidade da Judeia. Lucas (23:51) a ele se refere como quem também

esperava o reino de Deus.

Homem rico, segundo o identifica o Evangelista Mateus, era membro do Sinédrio, o

Colégio dos mais altos magistrados do povo judeu. Também conhecido como Sanhedrin,

formava a suprema magistratura judaica. Ao tempo da condenação de Jesus, denota-se que

tinha poder para pronunciar a condenação à morte, que devia, então, ser ratificada e

executada pelo Procurador da Judeia.

Era composto de setenta e um membros, de três classes: os anciãos, representantes

da aristocracia leiga; os pontífices e os escribas, geralmente do partido dos fariseus. O Sumo

Sacerdote era o Presidente.

Conforme os apontamentos de Lucas (23:50-53), José era um homem bom e justo

e durante a audiência que condenou Jesus, não concordou com a determinação dos

demais, nem com os seus atos.

Embora, ocultamente, por medo dos judeus, era discípulo de Jesus, afirma João

(19:38).

Ele havia mandado esculpir em rocha o seu sepulcro, o que era costume entre

aquele povo. Não raro, registre-se, ligavam maior importância e dispensavam mais

carinhosos requintes à moradia do corpo morto do que à casa do corpo vivo.

O sepulcro se encontrava em um jardim da sua propriedade, numa esplanada do

Gólgota, há cerca de trinta metros do local, da crucifixão.

Estudos arqueológicos demonstram que os sepulcros cavados na rocha, obedeciam

quase sempre a um padrão semelhante: uma porta de pouco mais de um metro de altura,

por quase setenta centímetros de largura, dando acesso a uma câmara interna de pouco

mais de dois metros de comprimento por quase um metro de largura. De um dos lados,

havia um nicho ou sarcófago bastante amplo para caber um corpo humano, elevando-se

cerca de sessenta e cinco centímetros do nível do solo da câmara.

Nos séculos XII-XI a.C. o cadáver era colocado com a cabeça orientada para leste e

o corpo para o sul.

No caso de Jesus, tudo se deu muito depressa, pois que estava para iniciar o preceito

sabático do repouso absoluto. Tão logo concretizada a morte, José de Arimateia foi ter com

Pilatos e destemidamente requereu dele o corpo do amigo.

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Temia, sim, que o lançassem em vala comum, junto com os corpos de outros

celerados.

Pilatos cedeu de imediato. Talvez porque ainda estivesse um tanto perturbado pelo

recado de sua esposa, que sonhara com o acusado daquele dia fatídico; ou com as palavras

misteriosas do condenado, ou por não ter achado nEle culpa alguma.

Interessante anotar-se que, se durante a vida pública do Nazareno, José de

Arimateia se manteve discreto, oculto, como afirma o Evangelista João, após a morte do

Amigo, ele tudo enfrenta, sem temor.

Com a aquiescência do Procurador, José retorna apressadamente ao Calvário para

frustrar qualquer tentativa brutal dos soldados, com respeito ao corpo que desejava

resgatar.

Antes do pôr do sol, ele providenciou, junto com Nicodemos, a retirada do corpo da

cruz. Eram dois amigos do Cristo que ali se manifestavam. Estranhamente evidencia-se,

sem nenhum propósito de crítica, que não foram os parentes que diligenciaram o

sepultamento, nem os discípulos que com Ele haviam convivido por quase três anos.

Os dois homens trabalharam afanosamente, mas de forma apressada,

embalsamando o corpo, cobrindo-o todo com uma mescla de mirra e aloés, resinas

aromáticas muito comuns no Oriente. Parte dessas substâncias era reduzida a pó, parte a

líquido ou pasta glutinosa.3

Embebidas as tiras de pano nessas essências, eram enfaixados cuidadosamente os

membros, um a um, começando pelos pés, depois os braços e terminando pelo tronco. O

corpo ficava todo envolto em ataduras e faixas empastadas em goma odorífera.

Alguns textos apontam que teria sido o próprio José de Arimateia quem trouxe o

lençol de linho e o sudário para envolver o corpo e cobrir o rosto, outros dizem ter sido

Nicodemos.

Com todo cuidado, depositaram o corpo no túmulo e volveram a pesada laje,

fechando a boca da câmara rochosa.

Os Evangelhos nada mais relatam a respeito de José de Arimateia, após a morte de

Jesus. Em outras fontes existem poucas informações. Uma delas o identifica como quem

seguiu o discípulo Filipe, até a Gália, atual França, de onde teria chefiado um destacamento

para a Britânia.

Na mitologia celta, ele portaria consigo uma taça que o folclore posterior

transformou no cálice da Última Ceia, vindo a perder-se misteriosamente. A busca do

cálice (denominado o Santo Graal) é o tema central das histórias que envolvem o também

lendário rei Artur.

01.CHOURAQUI, André. Viver e sobreviver. In:___. Os homens da Bíblia. São Paulo:

Companhia das Letras, 1990. porta 2, cap. 2. item e – A sepultura.

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02.READER’S DIGEST. Seguindo os passos de Jesus. In:___.Depois de Jesus. O triunfo

do cristianismo. 1999, cap. 1.

03.ROHDEN, Huberto. A sepultura de Jesus. In:___. Jesus Nazareno. 6.ed. São Paulo:

União Cultural. v. 2, cap. 190.

04.S. GAROFALO et all. A ressurreição. In:___.Vida de Cristo. São Paulo: Paulinas,

1982. cap. 17.

05.VAN DEN BORN, A . José. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

06.______. Sinédrio. Op. cit. Em

29.3.2016

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44) Um arauto na Samaria

A tradição oral acatou e conservou, até os nossos dias, a denominação de A

Iluminadora, que lhe conferiram os primitivos cristãos, que se nutriram na sua coragem

de proclamar as imperfeições e pela afeição com que se ligou a Jesus.

Calcula-se que o fato se deva ter dado entre os meses de dezembro/janeiro, pois

que, em seu diálogo posterior, registrado pelo Evangelista João (4:35), Jesus se refere à

colheita do trigo que se deveria dar quatro meses empós o que seria, pois, entre os meses

de março ou abril.

Jesus se encontrava na Peréia, quando soube da prisão de João Batista e, com o

intuito de não acirrar ainda mais os ódios dos Seus inimigos, com a Sua presença, retirouSe

para a Galileia.

Havia três caminhos a escolher: um, pelo litoral do Mar Mediterrâneo, outro, pelas

margens do Jordão e, finalmente, pelo interior da Samaria. Este último foi o que o Mestre

preferiu.

Ele deseja um encontro. Galga a serra de Efraim, contornando o monte sagrado onde

os samaritanos adoravam Jeová. O caminho é áspero e cansativo, desenvolvendo-se sobre

despenhadeiros, entre pedregulhos e calhaus.

À hora sexta (meio-dia) Jesus e os discípulos atingem o fundo do declive, onde os

prados se desenrolam, cobertos pelas searas e se ergue, todo em alvenaria, o Poço de Jacó.

Era costume, entre os samaritanos, denominar as localidades com nomes patriarcais.

Os companheiros se dirigem à cidade próxima, Sicar, a fim de adquirir pão e frutas.

O Mestre prefere esperar.

É como se Ele tivesse marcado um encontro. Ele aguarda. Quem? Será um

personagem importante ou uma alma virtuosa? Não; a pessoa que virá será alguém sem

nenhuma importância e carregada de culpas.

Não tardou a aparecer uma mulher samaritana. Trazia um cântaro à cabeça e, ao

deparar com o judeu, estaca. Depois, meio a medo, ela passa por ele, dirige-se ao poço.

Amarra as asas do cântaro à corda, e colhe a água. Coloca a bilha sobre o poial e quando

vai levantá-la ao ombro, ouve:

Dá-me de beber.

A samaritana estranha o pedido. Será com ela mesma? Um judeu pedindo favor?

Judeus e samaritanos olhavam-se com despeito, julgando-se superiores os primeiros e

considerando os segundos impuros, porque se haviam mesclado aos imigrantes pagãos,

que tinham dominado a Samaria.

Um outro detalhe ainda a surpreende. Ela é uma mulher, a quem o homem não

dirige a palavra em público, mesmo seja sua esposa, mãe ou irmã.

Um tanto irônica, extravasa a própria amargura e lhe diz:

Como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?

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A resposta do Rabi não revela aspereza, nem revide:

Se tu conhecesses o dom de Deus, e quem é o que te diz: dá-me de beber, tu lhe

pedirias, e ele te daria água viva.

Como alguém que nem tem com que tirar a água do poço, poderia ofertar água? –

É o que ela indaga, para ouvir a respeito da água viva com que Jesus vinha dessedentar a

Humanidade. Uma água que dessedenta eternamente.

Terá pensado a mulher na bênção de não mais necessitar vir à fonte, duas vezes ao

dia? Terá percebido nas palavras do Rabi algo que lhe pudesse saciar a sede interior? Ela

bebera os prazeres sensuais em grande abundância, nas suas águas salobras, e não sentira

diminuído o ardor que a fizera mendiga de muitos homens.

Dá-me dessa água, Senhor. – Agora, ela se torna pedinte.

O Amigo Celeste lhe diz que vá chamar seu marido e retorne. Ela se perturba. Toda

sua alma ferida, humilhada, receia. As lágrimas escorrem pela face. Quanto desejara,

tantas vezes, ser considerada uma mulher correta, e, consequentemente, respeitada.

Não tenho marido... – Balbucia.

Jesus sabe, conhece sua intimidade e ao confirmar-lhe que ela falava a verdade,

porque já tivera cinco maridos e o homem com quem convivia não era seu marido,

conquista em definitivo a mulher.

Ela O reconhece como profeta, pois somente um profeta poderia saber tais coisas,

devassar-lhe o interior.

A mente em desalinho, ela deseja aproveitar cada minuto, e pergunta, interroga.

Sua voz se torna doce. A conversação se alonga, em torno das considerações do correto

local de adorar a Deus.

Jerusalém, pregavam os judeus. Monte Garizim, mesmo depois do templo destruído,

falavam os samaritanos.

A admirável paciência de Jesus lhe diz:

Acredita-me, senhora; virá a hora em que adorareis ao Pai, não já neste monte, nem

em Jerusalém, mas em espírito e em verdade; pois Deus é espírito e os que o adoram, em

espírito e verdade, é que devem adorá-lo.

As palavras são sublimes: um cálice de água viva. Rompem-se velhos conceitos e

separativismos. Deus não pertence a um povo, a uma casta. É imanente em tudo e todos.

Transcendente.

Talvez por não estar habituada a questões filosóficas mais profundas, não tivesse

entendido bem o ensino. Ou talvez se desejasse assegurar a respeito da identidade do

peregrino. Fosse porque fosse, ela ousa dizer:

Bem sei que, quando vier o Messias, nos há de revelar todas as coisas...

E Jesus, de modo direto, Se identifica, antes de o fazer, de forma ostensiva, a outro

qualquer:

Eu o sou. Eu, que falo contigo.

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Aquela informação despertou na mulher uma explosão de alegria. Algo dentro dela

se rompeu. Abandonou o cântaro à borda do poço e se pôs a correr na direção de Sicar,

entrando na cidade a gritar:

Vinde e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito! Porventura não é

este o Cristo?

A população espia pelas janelas, sai às portas.

Estará louca? - Questionam uns.

Outros pedem-lhe explicações. O povo se vai aglomerando. Logo, são centenas de

habitantes da cidade que a rodeiam.

O falatório cresce. As discussões se ampliam. O melhor é irem todos ver o tal

estrangeiro que falou com Fotina. Quase aos atropelos, descem até o Poço de Jacó.

Os discípulos, que chegaram com as compras, oferecem alimento ao Mestre, que

agradece, mas não Se serve. Refere-se a um alimento que eles desconhecem e que a Sua

comida é fazer a vontade dAquele que O enviou.

Os samaritanos O rodeiam e O ouvem. Ele lhes fala da semeadura e da colheita. Tão

encantados ficaram que rogaram que Ele permanecesse mais um tempo. Jesus se deixou

ficar por dois dias em Sicar, ensinando e curando.

Ao despedir-Se, no terceiro dia, havia lágrimas nos olhos de toda aquela gente

desprezada e humilhada. Nunca ninguém lhes dera tanto.

Todos os que haviam bebido da Sua sabedoria, que haviam se consolado com Seus ensinos,

que haviam vislumbrando a chance da renovação, ou se curado de mazelas, voltaram-se

para Fotina, e lhe disseram:

Mulher, já não é pelo que disseste que nós cremos: porque nós mesmos O temos

ouvido e sabemos que Ele é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do Mundo...

E A Iluminadora nunca mais foi a mesma, após o sublime encontro, na tarde quente,

ao sol do meio-dia.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. A mulher da Samaria. In:___. As primícias do Reino.

Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: SABEDORIA, 1967.

02.RENAN, Ernest. Relações de Jesus com os pagãos e os samaritanos. In:___. Vida

de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 1995. cap. 14.

03.ROHDEN, Huberto. Água viva. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União

Cultural. v. 1, cap. 28.

04.______. Jesus e as mulheres. Op. cit. cap. 54.

05.SALGADO, Plínio. Jesus e a samaritana. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. cap. 24.

06.TEIXEIRA, J. Raul. O Messias. In:___. Quem é o Cristo. Pelo Espírito Camilo.

Niterói: Fráter, 1997. cap. 14.

Em 29.3.2016.

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45) Um romano a serviço de Jesus

Ninguém o conhece como divulgador da Boa Nova. As referências ao seu nome

(Atos, 13:6-12) passam, de modo geral, despercebidas, pelos estudiosos do Novo

Testamento.

Contudo, sem ele, não teríamos Estêvão, o primeiro mártir da Boa Nova, o que nos

dá a dimensão da Sabedoria Divina que tudo vê, servindo-Se de tudo e todos, no alcance

dos Seus objetivos.

Ele era um ilustre romano que tomou um navio, em Cefalônia. O mesmo em que

Jeziel, israelita filho de Jochedeb se encontrava, na condição de escravo, após sumária

prisão, açoite e condenação às galés, por ordem do Questor romano em Corinto, Licínio

Minúcio.

Sérgio Paulo dirigia-se à cidade de Cítium, no desempenho de missão de natureza

política. O comandante do navio, Sérvio Carbo, lhe reservou as melhores acomodações.

Dada a importância do seu nome e o caráter oficial de sua missão, foi logo alvo de

todas as atenções.

No entanto, antes que a embarcação chegasse a Corinto, onde deveria permanecer

alguns dias, o moço patrício adoeceu gravemente. Seu corpo se abriu em chagas

purulentas. Logo se falou em uma peste desconhecida que grassava pelas cercanias de

Cefalônia.

Retraíram-se os amigos, temerosos. O médico de bordo não conseguiu diagnosticar

a enfermidade. Muito menos tratá-la. Três dias depois, ninguém mais adentrava o

camarote do enfermo.

Preocupado, o comandante chamou o feitor e pediu que designasse, entre os

escravos, um dos mais educados, a fim de atender o romano, para que não viesse a morrer,

sem assistência e ele fosse responsabilizado.

Sérgio Paulo, com o leito em desalinho, delirando, sangrando pelas chagas,

pronunciava palavras desconexas, quando Jeziel penetrou a câmara para atendê-lo, de

espírito sereno.

Consagrou-se ao enfermo e, servindo-se dos conhecimentos que aprendera em seu

lar, dispensou por dias seguidos e longas noites, banhos, pomadas e essências ao moço de

Roma.

Nas horas mais críticas, Jeziel lhe falava de Deus, recitava trechos dos antigos

profetas e o enchia de fraternal carinho.

Sérgio Paulo entrou em convalescença, entendeu o abandono dos amigos e a

dedicação do enfermeiro humilde, por quem se afeiçoara.

Jeziel, contudo, contraiu a mesma enfermidade e Sérvio Carbo decidiu que, a fim

de evitar o contágio, ele seria lançado ao mar. Que falta faria um escravo?

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Sérgio Paulo, servindo-se de sua autoridade, exigiu do comandante que fizesse

constar dos seus apontamentos que o escravo adoecera e fora sepultado no mar. Ele próprio

tomou de um batel e deixou Jeziel nas proximidades do porto de Jope, entregandolhe ainda

uma quantia em dinheiro.

Recomendou-lhe que mudasse o nome; que tão logo se pudesse restabelecer,

buscasse o interior da província, a fim de evitar indagações de marinheiros curiosos.

Era a liberdade para Jeziel, que sobreviveu e adotou o nome grego de Estêvão.

Dez anos depois, Saulo de Tarso chegaria à bela cidade cipriota de Nea-Pafos, sede

do governo, onde residia o agora Procônsul Sérgio Paulo.

Saulo e Barnabé impunham mãos e curavam mazelas. Barnabé provocava emoções

profundas em suas pregações. Foi ali que a palavra de Saulo explodiu, inspirada, fácil e

profunda, granjeando-lhe fama.

Foram chamados, então, à presença do Procônsul. O que desejaria? – Indagava-se

Saulo. E, compulsando os arquivos da memória, recordou-se de ter ouvido aquele nome da

boca de Simão Pedro, ao lhe narrar a história de Estêvão.

Sérgio Paulo estava mal, a ponto de não conseguir atender seus compromissos

políticos e contratara os serviços de um judeu, de nome Barjesus para o curar, sem êxito.

Saulo o surpreende ao narrar que, anos antes, ele já fora cometido de grave doença,

no trajeto naval entre Cítium e Corinto, e que fora tratado por um escravo israelita de nome

Jeziel, que o salvara das garras da morte.

Sérgio Paulo reconhece o poder do Messias de que lhe falava aquele estranho

homem que sabia, ademais, detalhes a seu respeito, ocultos aos próprios amigos.

Em particular, o patrício romano indaga dos projetos de Saulo e Barnabé. Deseja

saber onde se encontram os santuários para a disseminação daquela Boa Nova, que o

conquistou.

Ele próprio se dispôs a financiar a construção de um templo em Nea-Pafos, pedindo

aos mensageiros de Jesus que indicassem as pessoas capazes de levantá-lo.

Creio nas verdades divinas que anunciais e desejo sinceramente compartilhar do

Reino esperado. – Afirma o Procônsul.

Naquela noite, Barnabé sugere a Saulo a mudança do seu nome. Saulo,

reconhecendo um benfeitor no chefe político daquela ilha e recordando os laços que o

ligavam à memória de Estêvão, a generosa influência do patrício romano para a liberdade

daquele, decidiu, em sua homenagem, a partir de então, passar a assinar seu nome à

romana, Paulo.

Sérgio Paulo, romano, político, utiliza as suas posses e a sua autoridade em

NeaPafos para implantar a primeira igreja, filha do trabalho direto de Paulo e Barnabé.

Adere à Boa Nova e logo se propõe a auxiliar na propagação das suas luzes, tornando-se

mais um servidor de Jesus.

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É bem possível que tenha sofrido o escárnio dos seus pares, aderindo à loucura

nazarena, talvez dos familiares e amigos. Mas, tendo sido conquistado seu coração pelo

Cristo, entregou-se totalmente.

01.MIRANDA, Hermínio. O homem e a obra. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de

Janeiro]: FEB, 1979. v. 1, cap. 2, itens O amor e De Saulo a Paulo.

02.XAVIER, Francisco Cândido. Em Jerusalém. In:___. Paulo e Estêvão. Ed. especial.

Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 1, cap. III.

03.______. Primeiros labores evangélicos. Op. cit. pt. 2, cap. IV.

Em 29.3.2016.

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46) Um vaso útil ao Mestre

É possível que, se Deus nos houvera consultado a respeito de quem poderia auxiliar

Saulo de Tarso, na jornada que lhe competia, tivéssemos optado por alguém de subida

reputação na sociedade da época ou orador de destacadas qualidades.

No entanto, quem auxiliará Saulo nos primeiros passos da Boa Nova não é senão

um ancião, cujo nome hebraico, na forma grega, significa Yaweh compadeceu-se ou como

anotam outros, Jeová tem demonstrado favor. Carecendo de vigor físico, traz n’alma, no

entanto, as forças imensuráveis de quem guarda a certeza do Ideal abraçado.

Ananias era sapateiro em Emaús e o vemos citado pela vez primeira em Atos dos

Apóstolos, em seu capítulo 9, a partir do versículo 10, quando Lucas registra sua visão de

Jesus, conclamando-o a visitar Saulo de Tarso, em sua cegueira e abandono.

É Emmanuel, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, contudo, que nos

dá notícias anteriores de sua interferência, embora indireta, na vida de Saulo, que viria a

tornar-se o Apóstolo dos Gentios. Quando, após o episódio da morte de Estêvão, em

Jerusalém, decorridos oito meses de silêncio e ausência, o moço de Tarso retorna a Jope

para ver sua amada Abigail, a encontra enferma... e cristã.

É-lhe um duro golpe ao coração. Ela fora convertida ao Homem de Nazaré por um

pobre velho chamado Ananias.(...) O pobre mendigo deu-lhe como lembrança alguns

pergaminhos com os ensinamentos do famoso carpinteiro de Nazaré...2

O aluno de Gamaliel, logo após a morte de Abigail, decide procurar Ananias. Deseja

destroçá-lo, vingando-se por ter, no seu entendimento, lhe roubado a noiva querida,

fazendo-a amar o Carpinteiro de Nazaré.

Sob tortura, um jovem seguidor da Boa Nova informa-lhe que Ananias, tendo

deixado Jope, estacionara em diversas aldeias, pregando as verdades de Jesus Cristo. Vivera

em Jerusalém, algum tempo, indo de bairro em bairro, no seu mister de divulgador.

Finalmente, retirara-se para Damasco. E é para lá que ruma o rabino, com

documentos que o habilitam a acionar todos os recursos, inclusive a pena de morte, contra

Ananias e os que o pretendessem seguir no rumo da nova doutrina.

Após a visão de Jesus, em pleno deserto, ao sol do meio-dia, estando hospedado em

Damasco, Saulo é avisado pelo hoteleiro que alguém o deseja ver.

Um velhinho de semblante calmo e afetuoso, sorriso generoso nos lábios, e cãs respeitáveis

se identifica ao moço, como alguém que Jesus enviara ao seu encontro.

O nome? Ananias. A resposta era uma revelação. A ovelha perseguida vinha buscar

o lobo voraz.6

Recobrando a vista, com a imposição de mãos de Ananias, Saulo ouve de seus lábios

que ele, Ananias, conhecera Jesus na tarde trágica do Calvário. Tinha ido a Jerusalém para

as comemorações da Páscoa e encontrara a cidade tomada por movimento inusitado.

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Acompanhara o drama pungente de Jesus pelas ruas da cidade santa, condoendose

de Sua marcha penosa com a cruz, seguindo o cortejo até o monte. Do alto da cruz, Jesus

lhe lançou um olhar inesquecível. Era um chamado, um convite.

Teve notícias, três dias depois, da ressurreição do Mestre e então, procurou Simão

Pedro para conhecer melhor a personalidade daquele homem. Aceitou, de imediato, o

Evangelho, tendo retornado a Emaús, disposto dos seus bens e tornado a Jerusalém,

associando-se aos Apóstolos galileus nas primeiras atividades da Casa do Caminho.

Ananias lhe fala a respeito de Estêvão e de Abigail. Confidencia ao coração sofrido

de Saulo o quanto o amava Abigail, de suas preces a Jesus pela sua conversão.

Ele não dispõe da cópia integral das anotações de Levi, contudo, empresta ao novo

discípulo seus pergaminhos amarelentos, que portavam notas dispersas dos ensinamentos

de Jesus, que Saulo se dispõe a copiar.

Damasco não possuía propriamente uma igreja. Os adeptos do Caminho se reuniam

em casa de uma lavadeira humilde, que alugava a sala para poder acudir ao seu filho

paralítico. Ananias presidia as reuniões, como um patriarca no seio da família.

Emmanuel o descreve lendo os apontamentos evangélicos, ilustrando-os com

comentários de sua experiência pessoal e eventos outros significativos. Ao final,

percorrendo as filas dos bancos e impondo as mãos sobre os doentes, os anciães de mãos

trêmulas, velhos pedreiros rudes, mulheres simples e necessitados de toda ordem.

É Ananias que aconselha Saulo a amadurecer as ideias, preparando-se para o seu

apostolado, o que o faz procurar o velho mestre Gamaliel, em Palmira e internar-se, no

deserto de Dan, em sequência.

Diz-lhe Ananias: O Senhor conferiu-te a tarefa de semeador; tens muito boa

vontade, mas, que faz um homem recebendo encargos dessa natureza? Antes de tudo,

procura ajuntar as sementes no seu mealheiro particular, para que o esforço seja profícuo.6

Depois de passar três anos no deserto, Saulo retorna a Damasco e é novamente Ananias

quem o recepciona. Depois de pregar na Sinagoga, no segundo sábado de sua permanência

na cidade, Saulo recebe ordem de prisão e se acolhe, a conselho de Ananias, em casa da

humilde lavadeira.

O ancião é preso. Desejam que confesse onde se encontra o moço de Tarso, que

ousara macular a sinagoga falando a respeito do Mestre da Galileia. Durante vinte e quatro

horas permaneceu incomunicável. Recebeu vinte bastonadas que lhe deixaram o rosto e as

mãos gravemente feridas.

Ao interrogatório, respondeu com firmeza: Saulo deve estar com Jesus3, o que,

conforme sua consciência, não equivalia a mentir aos homens, mas também não

comprometia o amigo fiel.

Logo que se viu livre, esperou a noite e cauteloso se dirigiu ao local onde se

realizavam as prédicas do Caminho. Sugere a Saulo que fuja da cidade, por cima dos

muros, dentro de um cesto de vime. Não era o momento de afrontar o poder judaico.

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Assim, com o concurso de outros três irmãos de mais confiança, deu-se a fuga de

Saulo, depois das primeiras horas da meia-noite.

Em lágrimas, o Apóstolo dos gentios beija as mãos de Ananias. Voltariam a se

reencontrar os dois amigos, somente após a morte.

É Ananias quem vem ao encontro de Paulo de Tarso, logo após a sua decapitação e

lhe diz: Desde a revelação de Damasco, dedicaste os olhos ao serviço do Cristo! Contempla,

agora, as belezas da vida eterna, para que possamos partir ao encontro do Mestre amado!...5

Conhecendo-lhe a alma sensível, Ananias perguntou qual o primeiro desejo de

Paulo, agora, na esfera dos redimidos e, ao comando mental daquele, a caravana espiritual

demandou caminhos percorridos pelo Apóstolo tarsense.

Ao alvitre de Ananias, reúnem-se no cimo do Calvário e ali cantam hinos de

esperança e de luz. Logo mais, o próprio Mestre Jesus, tendo ao Seu lado Abigail e Estêvão,

os irmãos de Corinto, vem receber o Apóstolo.

É muito interessante se verificar a dedicação de Ananias. Em Damasco, devolve a

visão a Saulo. É igualmente quem vai restituir a visão ao vencedor e o guiará na sua nova

vida, no Mundo Espiritual, logo após o executor Volumnio ter cumprido a ordem de Nero,

retirando-o do corpo físico, às margens da Via Ápia.

Servidor do Cristo, ao receber a ordem do Mestre, reluta de início, por conhecer a

reputação maldosa de Saulo para, após as explicações de Jesus, a respeito dos

acontecimentos às portas de Damasco, atender o irmão, sem outros questionamentos.

Em nome de Jesus, vai ao encontro de seu perseguidor e não somente o auxilia,

quanto o abraça e o chama irmão, tornando-se-lhe amigo fiel e incondicional. Uma das

colunas de sustentação da tarefa extraordinária de Paulo, o Apóstolo. Alguém a quem Paulo

se referiria, como homem segundo a Lei, que tinha o bom testemunho de todos os

Judeus. (Atos, 22:12)

Um vaso útil a serviço do Mestre Jesus.

01.MIRANDA, Hermínio. Os amigos. In:___. As marcas do Cristo. Rio [de Janeiro]:

FEB, 1979. v. 1, cap. 4.

02.XAVIER, Francisco Cândido. Abigail cristã. In:___. Paulo e Estêvão. Ed. especial.

Rio de Janeiro: FEB, 2002. pt. 1, cap. IX.

03.______. Lutas e humilhações. Op. cit. pt. 2, cap. III.

04.______. No caminho de Damasco. Op. cit. pt. 1, cap. X.

05.______. Ao encontro do Mestre. Op. cit. pt. 2, cap. X.

06.______. Rumo ao deserto. Op. cit. pt. 2, cap. I.

07.Ananias. In:___.Ajuda ao entendimento da Bíblia. São Paulo: Sociedade Torre de

Vigia de bíblias e tratados, 1982. v. 1.

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08.VAN DEN BORN, A . Ananias. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed.

Petrópolis: Vozes, 1985.

Em 29.3.2016.

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47) Uma águia de asas partidas

Ele era um jovem abastado. Herdara dos pais um palácio que se erguia na colina de

Acra. Seus servos o amavam e serviam com lealdade, atendendo-lhe todos os desejos.

Habituara-se a dormir em seu leito de ébano e marfim, onde se permitia devaneios

e dava vazão a muito sonhos.

E quantos sonhos tinha! Amava as corridas de bigas, quadrigas, ansiava pela ovação

do povo, que o conduzia quase ao êxtase.

Via-se, por entre a multidão, recebendo flores aos pés e seu nome aclamado

repetidas vezes.

Possuía taças de rica ornamentação, nas quais bebia os vinhos gregos e latinos,

louros e rubros como as auroras.

Tinha arcas abarrotadas de pedras raras, diamantes, rubis, safiras e pérolas sem

conta.

Era detentor de rebanhos e de muitas vinhas. Em Betânia, possuía outro palácio,

onde costumava receber amigos para festas.

Cuidava do corpo com massagens de óleos e unguentos raros. Vestia-se com tecidos

de linho leve. Nele, tudo respirava juventude, beleza e glória.

Entretanto, embora parecesse nada lhe faltar, sentia sede de paz. Vazio estava o

coração.

Vez ou outra, a melancolia o abraçava. É como se depois das vitórias, dos banquetes

e das honrarias, o mármore, o marfim, as joias, tudo lhe soasse frio, gélido.

Ansiava pela paz. Como conquistá-la? Onde buscá-la?

Naquele cair de tarde, quase noite, em que os raios de luar já dançavam sobre a

Terra, o príncipe procurou o Rabi. Jesus acabara de abençoar as crianças, quando o moço

rico se aproxima.

O Encontro singular lembrava um eclipse solar ao nascer do sol. O vale prostra-se

aos pés da imponente montanha e cheio de ansiedade, indaga:

Bom Mestre, que bem devo praticar para alcançar a vida eterna?

E o diálogo deve ter prosseguido mais ou menos assim:

Por que me chamas bom? Bom somente o Pai o é. À tua pergunta, respondo: cumpre

os mandamentos, isto é, não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso

testemunho, honrarás teu pai e tua mãe.

Tudo isso tenho observado em minha mocidade. No entanto, sinto que não me basta.

Surdas inquietações me atormentam. Labaredas de ansiedade me consomem. Faltava-me

algo!

Então – propõe-lhe a Luz - vende tudo quanto tens, reparte-o entre os pobres. Vem,

e segue-me!

Índice

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A proposta o penetrou como um punhal afiado. Onde já ouvira aquela voz? Não lhe

parecia desconhecida. E aquele olhar que o fitava, cujos olhos mais pareciam duas estrelas

engastadas na face pálida?! Que doce magnetismo.

A ordem, a meiguice dAquele homem ecoava em seu Espírito. Ele era uma águia

que desejava alcançar as alturas. E o Rabi lhe dizia como utilizar as asas para voar mais

alto.

O rapaz ficou mudo por alguns instantes. Suas mãos frias revestiam-se de suor. Os

lábios pareciam selados.

Por fim, vencendo a própria resistência, murmurou:

Senhor, deixa antes que eu vá competir em Cesareia. Disputarei os jogos... Colherei

os louros da vitória para Israel. Voltarei depois...

Não posso esperar, foi a resposta. Hoje é o momento para ti. Esta é a hora. Nem

amanhã, nem mais tarde.

Agora, o jovem parece conseguir desembaraçar as ideias e explica, num jorro de

palavras:

Adquiri recentemente aos partas quatro cavalos soberbos, brancos, velozes como

dardos. Paguei uma fortuna por eles, o preço de uma casa, setecentos denários! Conduzirão

minha quadriga no circo, nos próximos dias, em Cesareia. Guardo a certeza que serei

vencedor, porque também contratei escravos que me adestraram. Mestre, compreendes o

que é tudo isto? Não temo dar o que tenho: dinheiro, ouro, gemas, propriedades, títulos.

A voz do Divino Pastor o interrompe:

Dá-me a ti próprio e eu te oferecerei a ventura sem limite.1 Eu quero,

mas...

Pela sua mente em turbilhão passaram as cenas das glórias que conquistaria. Os

amigos confiavam nele. Tantos esperavam a sua vitória. Israel seria honrada com seu

triunfo.

Sim, ele podia renunciar aos bens de família, mas ao tesouro da juventude, às

riquezas da vaidade atendida, os caprichos sustentados...? Seria necessário renunciar a

tudo?

A águia desejava voar, mas as asas estavam quebradas...

Recorda-se o jovem que os amigos o esperam na cidade, para um banquete

previamente agendado. Num estremecimento, se ergue:

Não posso! – Murmura. Não posso agora. Perdoa-me.

E afastou-se a passos largos. Subindo a encosta, na curva do caminho, ele se deteve.

Olhou para trás. Vacilou ainda uma vez.

A figura do Mestre se desenha na paisagem, aos raios do luar. Luz.

Indecisa, a alma do moço parece um pêndulo oscilante. A águia ainda tenta alçar o

voo. O peso do mundo a retém no solo. Ele se decide. Com passos rápidos, quase a correr,

desaparece na noite.

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Os Evangelistas Mateus, Marcos e Lucas narram o episódio e dizem de como ele se

retirou triste e pesaroso. Nem poderia ser diferente: fora-lhe dada a oportunidade de se

precipitar no oceano do amor e ele preferira as areias vãs do mundo.

Uma semana depois, preparavam-se as bigas e quadrigas para a importante

competição em Cesareia. As trompas e as fanfarras anunciam as festas públicas. Apostas

são feitas sobre as mesas dos cambistas. Os ases, as preferências, as cores.

Tudo fala de triunfo, alegria. Ao sinal convencionado, sob estrondosa ovação,

partem os corcéis fogosos, puxando os carros e seus condutores.

Chicotes estalam no ar, mãos firmes nas rédeas, suores, ansiedade.

E então, na tarde poeirenta, numa manobra infeliz, a quadriga vira, um corpo

tomba e os cavalos, em disparada, despedaçam-no.

A corrida prossegue. O povo elege logo outro para honrar, o vencedor.

O moço sente a vida se lhe esvair. O sangue empapa o solo. Os escravos o acodem,

retiram-no da pista.

Ele não mais distingue as pessoas. O vozerio da turba parece distante, inalcançável.

Uma névoa o envolve. Abandona o corpo estraçalhado, sem vida.

Dois braços amigos o acolhem. Na acústica da alma, ele ainda escuta: Vem e

segueme. Hoje... Não posso esperar.

A águia demoraria um tempo maior para alçar o voo às alturas que sonhava. Os

séculos se dobrariam. O moço rico retornaria muitas vezes ao cenário do mundo até

conseguir o seu intento.

01.FRANCO, Divaldo Pereira. O mancebo rico. In:___. As primícias do Reino. Pelo

Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.

02.ROHDEN, Huberto. O jovem rico. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União

Cultural. v. II, pt. 2, cap. 130.

03.SALGADO, Plínio. Motivos do moço rico. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo:

Voz do Oeste, 1978. cap. 52.