Personalidades IPT - Milton Vargas

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Milton Vargas Confira a galeria de imagens www.ipt.br Engenheiro, professor, filósofo e escritor, Milton Vargas dedicou 47 anos de sua vida ao IPT, que foi um dos alicerces de sua trajetória múltipla. Ingressando no Instituto como assistente- aluno em 1938, deixou definitivamente o IPT em 1988, quando saiu do Conselho de Orientação, aos 74 anos. Como engenheiro e professor, Milton desenvolveu um trabalho pioneiro em mecânica de solos, sendo o primeiro no Brasil a tratar de argilas residuais. Foi também grande divulgador dos solos tropicais brasileiros no exterior, produzindo conhecimento inédito sobre o assunto. Mas a engenharia não bastou a Milton: foi também filósofo, escritor e historiador, conjugando como poucos tecnologia e huma-nismo. Como docente da Escola Politécnica da USP, introduziu o ensino de Humanidades para os futuros engenheiros. Publicou obras de referência sobre filosofia e história da ciência e da tecnologia, e suas atividades como escritor e crítico literário renderam-lhe uma cadeira na Academia Paulista de Letras. Suas contribuições mais significativas para o desenvolvimento nacional incluem estudos de solos e fundações para importantes obras de engenharia, como: as pontes sobre os rios Tamanduateí e Tietê; o Edifício Altino Arantes, conhecido como o Prédio do Banespa; as Avenidas São João e Ipiranga, na capital paulista; a rodovia Anchieta; os aeroportos de Curitiba, Congonhas, Cumbica e Base Aérea do Distrito Federal; a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Além disso, destacam-se os estudos para a a construção de grandes hidrelétricas do País, como Jupiá, Ilha Solteira, Paulo Afonso, Porto Primavera, Ilha Grande e Tucuruí. Milton Vargas faleceu no dia 11 de maio de 2011, aos 97 anos. Milton Vargas, um dos pioneiros da Mecânica de Solos no País 1914 - 2011

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A contribuiçao de Milton Vargas para o desenvolvimento nacional

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Milton Vargas

Confira a galeria de imagenswww.ipt.br

Engenheiro, professor, filósofo e escritor, Milton Vargas dedicou 47 anos de sua vida ao IPT, que foi um dos alicerces de sua trajetória múltipla. Ingressando no Instituto como assistente-aluno em 1938, deixou definitivamente o IPT em 1988, quando saiu do Conselho de Orientação, aos 74 anos.

Como engenheiro e professor, Milton desenvolveu um trabalho pioneiro em mecânica de solos, sendo o primeiro no Brasil a tratar de argilas residuais. Foi também grande divulgador dos solos tropicais brasileiros no exterior, produzindo conhecimento inédito sobre o assunto.

Mas a engenharia não bastou a Milton: foi também filósofo, escritor e historiador, conjugando como poucos tecnologia e huma-nismo. Como docente da Escola Politécnica da USP, introduziu o ensino de Humanidades para os futuros engenheiros. Publicou obras de referência sobre filosofia e história da ciência e da tecnologia, e suas atividades como escritor e crítico literário renderam-lhe uma cadeira na Academia Paulista de Letras.

Suas contribuições mais significativas para o desenvolvimento nacional incluem estudos de solos e fundações para importantes obras de engenharia, como: as pontes sobre os rios Tamanduateí e Tietê; o Edifício Altino Arantes, conhecido como o Prédio do Banespa; as Avenidas São João e Ipiranga, na capital paulista; a rodovia Anchieta; os aeroportos de Curitiba, Congonhas, Cumbica e Base Aérea do Distrito Federal; a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Além disso, destacam-se os estudos para a a construção de grandes hidrelétricas do País, como Jupiá, Ilha Solteira, Paulo Afonso, Porto Primavera, Ilha Grande e Tucuruí.

Milton Vargas faleceu no dia 11 de maio de 2011, aos 97 anos.

Milton Vargas, um dos pioneiros da Mecânica de Solos no País

1914 - 2011

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Milton Vargas nasceu em 17 de fevereiro de 1914 em Niterói (RJ), filho de Abel Vargas e Madalena Vargas.

No Brasil, o mineiro Wenceslau Braz assumia a presidência da República, marcando o reatamento das relações políticas entre São Paulo e Minas Gerais, e com ela a retomada da política do “café com leite”. Nesse mesmo ano, tem início a Primeira Guerra Mundial na Europa.

O pai de Milton era médico da empresa canadense São Paulo Tramway, Light and Power Company – a Light São Paulo – que atuava no Brasil desde 1901 na geração e distribuição de energia elétrica. A empresa também foi responsável pela retificação do rios Tietê e Pinheiros e da construção da represa Billings.

Na Light, Abel Vargas combatia a malária originária do represamento de água para a Usina Hidrelétrica de Ribeirão das Lages. Trabalhou nos canteiro de obras de Cubatão de 1924 a 1950. Milton passou a infância em meio a acampamentos de construção de hidrelétricas, acompanhando seu pai. A proximidade com usinas e as grandes construções incentivou o menino a escolher a carreira de engenheiro.

Com a construção da Usina de Cubatão, a família mudou-se definitivamente para São Paulo. Em 1933, entrou para o curso de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica, graduando-se em 1938, ano em que iniciou suas atividades de assistente-aluno no IPT. Em seguida, cursou Engenharia Civil na mesma Escola.

Milton Vargas casou-se em 1940 com Maria Helena Lanhoso, com quem teve quatro filhos.

Após terminar o curso de Engenharia Civil em 1942, foi convidado para trabalhar na Light, mas preferiu permanecer no IPT.

Vida

Anos 20 | Acampamentos da São Paulo Tramway, Light and Power Company, onde

Milton Vargas passou sua infância

à esq. | 1913 | Magdalena Vargas, mãe de Milton, entre dois funcionários da Ligth

and Power, na Fazenda da Água Fria.

à dir. | 1919 | Da esquerda para a direita a irmã Mabel, Durvalina com Dhyla, e

Dalva, ambas primas de Milton, ao lado

1943 | Milton, junto com a esposa

e a filha Maria Cristina, na

fazenda Pereiras

1940 | Casamento de Milton Vargas e Maria Helena Lanhoso

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Em maio de 1938, Milton Vargas ingressou no IPT como as-sistente-aluno na Seção de Geologia, sob a chefia de Odair Grillo.

O Brasil era governado por Getúlio Vargas. Enquanto no campo político a estrutura de repressão da ditadura aumentava, o go-verno investia na economia, infraestrutura e na indústria brasileira. Várias empresas estatais foram criadas, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce e a Hidrelétrica São Francisco. O IPT, sob a direção de Ary Torres, se expandia para dar apoio à industrialização e à urbanização crescente. O campus no Bom Retiro contava com uma área de 5,2 mil m2 e com 119 colaboradores, dos quais 39 eram engenheiros civis e químicos.

Em 1939, Milton passou a trabalhar na Seção de Solos e Rodovias como engenheiro auxiliar, assumindo, em 1940, o cargo de encarregado pelo desenvolvimento de métodos geofísicos de exploração do subsolo. A Seção de Solos do IPT foi a primeira do País, pioneira nos trabalhos em mecânica de solos e na formação de engenheiros nesta área. Em 1942, Milton Vargas foi designado para substituir o engenheiro-chefe da seção, Alberto Pereira de Castro, durante o seu afastamento para participar da Comissão de Mobilização Econômica do Governo Federal, substituindo-o definitivamente em 1944.

Milton passou a se dedicar cada vez mais à pesquisa, ensino e aplicações da mecânica de solos e da geotecnologia. Destas atividades, resultou a publicação de um artigo pioneiro em 1945 sobre sondagens, visando especialmente o conhecimento do solo para fins geotécnicos. Em maio de 1946, se afastou do Instituto por sete meses para uma especialização na Graduated School of Applied Sciences da Universidade de Harvard (EUA), sob a orientação dos professores austríacos Arthur Casagrande e Karl Terzaghi, dois fundadores da Mecânica de Solos. Além disso, visitou numerosas obras em andamento e 15 laboratórios, entre os quais as modernas instalações do Exército Americano.

Ao retornar dos EUA, foi nomeado chefe da Seção de Solos e Fundações do IPT. Em 1947, a convite do Professor Terzaghi, organizou com Odair Grillo o comitê brasileiro para participar do II Congresso Internacional de Mecânica dos Solos, em Rotterdam. Nesses trabalhos, Milton sempre chamava a atenção para os solos tropicais. Em 1950, foi o primeiro presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos.

Em 1952 começou a lecionar na Escola Politécnica, mas conti- nuou presente em atividades do Instituto, deixando-o oficialmente apenas em 1958. Mesmo assim, não se afastou: passou a integrar a Junta de Planejamento e Controle de Pesquisa do IPT, (responsável por estabelecer as condições que propiciavam o desenvolvimento das atividades do Instituto), e a prestar colaboração direta aos seus técnicos na solução de problemas. Em 1961, Milton Vargas retorna ao IPT como membro do Conselho de Admi-nistração e, posteriormente, do Conselho de Orientação, no qual permaneceu até 1988.

Milton e o IPT

déc. 40 | Prédio da Cia Paulista de

Seguros , no centro de São Paulo.

O mais alto da época, com 26

andares, superando o Martineli.

O subsolo do edifício escondia uma

particularidade geológica que

foi detectada somente durante a

construção. Uma rotina adicional

de medições acusou recalques

diferenciais progressivos: as

fundações sofreram um processo

de instabilidade, levando o prédio a

uma inclinação de quase um grau

1951 | Laboratório de campo

do IPT no Aeroporto de

Congonhas para Controle de

Compactação da Pista

1950 | Reunião Assoc. Brasileira de

Mecânica dos Solos. Esq. p. dir. em

pé: Odair Grillo, Antônio Napoles

Neto, Raymundo Costa, Otelo

Machado; sentados: Casemiro

Munarski, NI, Costa Nunes, Mario

Brandi e Milton Vargas

déc. 40 | Via Anchieta. O IPT foi contratado pelo Departamento Nacional de Estra-

das de Rodagem para estudar recalques de pavimentação da rodovia

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EDUCADOR

Em 1952, Milton Vargas foi aprovado no concurso para professor da Escola Politécnica com a tese sobre “Resistência e Compressi-bilidade das Argilas Residuais”, assumindo a cadeira de “Mecânica dos Solos e Fundações”.

Mas não se limitou ao ensino da engenharia: entre 1963 a 1967, ministrou aulas sobre “Filosofia e Evolução da Ciência” na Poli. A partir de 1975, passou a lecionar no curso de pós-graduação em Metodologia da Pesquisa Tecnológica, no Departamento de Construções da Poli.

Da atividade docente resultou a publicação dos livros “Introdução à Mecânica dos Solos”, em 1977 – que recebeu os prêmios “Jabuti” e “Roberto Simonsen” – e de “Metodologia da Pesquisa Tecnológi-ca” em 1985.

Manteve-se como professor na Poli até 1984, quando foi aposen-tado por limite de idade, recebendo, em 1988, o título de Profes-sor Emérito da Poli.

A dedicação como acadêmico rendeu a Milton Vargas reconheci-mento e premiações, como a “Comenda da Ordem do Mérito Científico em Engenharia”, outorgada em 1985 pelo presidente José Sarney; o prêmio “Professor do Ano”, pela Associação dos An-tigos Alunos da Poli em 1997; e o Diploma de “Professor Honoris Causa”, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2005.

ENGENHEIRO

A década de 1960 no Brasil é marcada pela ditadura militar. O País passava por um processo de industrialização, mas havia uma grande carência de mão de obra especializada. De olho nas oportunidades para a execução de grandes obras, Milton Vargas fundou com quatro colegas a Themag Engenharia em 1961. A sociedade era composta por Telêmaco Von Langendonch, Henrique Herweg, Eugênio Jusquin, Milton Vargas e Alberto Giaroli. Entre os anos 60 e 70, os cinco profissionais prestaram serviços de consultoria e projetos para usinas hidrelétricas, rodovias e portos do Brasil.

A empresa foi contratada pelas Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa) para os projetos da Usina Hidrelétrica Sousa Dias, conhecida como Jupiá e situada sobre o Rio Paraná, entre as cidades de Três Lagoas (MS) e Castilho (SP). O outro projeto, que foi executado simultaneamente para a Celusa, foi a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, na fronteira entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. Estas foram as primeiras grandes obras sob a responsabilidade do engenheiro Milton Vargas.

Milton estava sempre presente nas execuções dos trabalhos, aprendendo e orientando os seus funcionários. Aos 75 anos ainda visitava obras e subia em taludes.

Em entrevista à revista Téchne, Milton Vargas comentou que a obra mais significativa da engenharia brasileira foi a Usina de Paulo Afonso, na Bahia – a primeira hidrelétrica construída por empresas brasileiras. Até então a Light detinha o monopólio do setor.

Contribuições

2005 | Milton Vargas e o

professor Barata, no evento

em que recebeu o título de

Professor Honoris Causa da

Universidade Federal do Rio

de Janeiro

déc. 1990 | Dir. p. esq Milton e

Francisco Landi com diretores

da Escola Politécnica

1982 | Milton, aos 68

anos, acompanhando

obras do metrô em

São Paulo

“Um conselho ao jovem engenheiro: sempre considerar que, embora a engenharia seja uma técnica, está intimamente ligada ao conhecimento científico e à pesquisa tecnológica”

“Principal avanço tecnológico recente: é difícil apontar um, pois a tecnologia chegou a um nível suficientemente elevado, em que as pesquisas não são mais definitivas para o progresso”

“Um mal da engenharia civil: não investir na aproximação com a física e a matemática, pois a primeira permite conhecer o comportamento dos materiais, e a segunda, o desenvolvimento de software”

Milton Vargas em entrevista para a Revista Téchne, edição 108, março de 2006

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Também publicou uma série de artigos na Revista Brasileira de Filosofia. Em 1955 fundou, com Vicente e Dora Ferreira da Silva, a revista Diálogo, na qual publicou vários artigos de crítica literária até o seu fechamento em 1964.

Contribuições

A construção do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso no início da década de 1950 foi um marco para a engenharia brasileira, visto que foi necessário controlar e reverter o fluxo do Rio São Francisco.

Como realização profissional, destaca-se a construção da bar-ragem de Tucuruí, no rio Tocantins, iniciada em 1975 – uma obra muito grande executada em plena selva. A Usina Hidrelétrica de Tucuruí é a maior em potência 100% brasileira, uma vez que Itaipu é binacional.

FILÓSOFO E LITERÁRIO

Além da engenharia, Milton Vargas dedicou-se também à filosofia e à literatura. Em 1951, com os amigos Miguel Reale, Vicente Fer-reira da Silva, Heraldo Barbuy e outros, fundaram o Instituto Bra-sileiro de Filosofia (IBF). Nesse Instituto, eram ministrados cursos de Filosofia da Ciência e da Tecnologia, que deram origem ao seu primeiro trabalho na área: “O Valor e a Origem da Ciência Moderna”.

déc. 90 | Milton Vargas, o segundo em pé, da esquerda para a direita, com os mem-

bros da Academia Paulista de Letras

déc. 50 | Fotos do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso – Paulo Afonso-BA,

formado pelas usinas de Paulo Afonso I, II, III, IV e Apolônio Sales (Moxotó). Segundo

Vargas, foi uma das obras mais significativas da engenharia brasileira

1984 | Usina Hidrelétrica de

Tucuruí-PA, realização profissional

da vida de Vargas

2010 | Milton Vargas foi

homenageado pela Assoc.

Brasileira de Mecânica

de Solos e pela Assoc.

Brasileira de Geologia e

Engenharia e Ambiental

Foi autor de 95 crônicas sobre aspectos da realidade socioeconômi-ca do Brasil e da América Latina no período de 1976 a 1984 para o jornal Folha de São Paulo.

Em 1981, publicou o livro “Verdade e Ciência”. A obra sumarizou suas idéias da evolução da ciência desde a teoria grega até a revolução galileana, quando se instituiu uma ciência moderna cujo critério de verdade é radicalmente diferente dos anteriores.Participou, em 1983, da fundação da Sociedade Brasileira da História da Ciência com os professores Simão Mathias Shozo Motoyama e Ubiratan D´Ambrosio, sendo nomeado seu primeiro vice-presidente.

Em 1989 foi eleito membro da Academia Paulista de Letras.Publicou, em 1991, “Poesia e Verdade” reunindo uma série de ensaios filosófico-literários. Em 1994 organizou a publicação do livro “História da Técnica e da Tecnologia no Brasil”. No mesmo ano, o Centro Interdisciplinar de História da Ciência e da Tecnologia, do qual era membro, publicou em sua homenagem o livro “Para uma Filosofia da Tecnologia”, que reuniu vários de seus trabalhos sobre o assunto.