perspectiva crítica da “urbanização jardim novo horizonte”
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAS: PERSPECTIVA CRÍTICA DA “URBANIZAÇÃO JARDIM NOVO
HORIZONTE”, JUNDIAÍ-SP
NATÁLIA PEREIRA DE OLIVEIRA1
Resumo: O presente trabalho visa compreender diferentes dimensões das dinâmicas socioespacias presentes na produção do espaço urbano de Jundiaí-SP, com o foco no Projeto “Urbanização Jardim Novo Horizonte”, que se realiza no núcleo de submoradias Jardim Novo Horizonte. As ações previstas neste Projeto consistem primeiramente em abertura de vias e construção de empreendimentos habitacionais para as famílias que serão desapropriadas no processo de intervenção pública. Articula-se a produção da moradia do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) à viabilização do Projeto. Assim, propomos a análise crítica do Projeto a partir das relações que estabelecem, entre a produção de habitação e a produção da cidade, e no enfrentamento ou aprofundamento das desigualdades socioespaciais. Palavras-chave: Produção de habitação; produção de cidade; desigualdade socioespacial.
HOUSING PRODUCTION AND SOCIO-SPATIAL INEQUALITIES: CRITICAL PERSPECTIVE OF THE "URBANIZAÇÃO JARDIM NOVO
HORIZONTE", JUNDIAÍ-SP
Abstract: This study aims to understand different dimensions of dynamic socioespacias present in the production of urban space in Jundiaí -SP, with focus in the Project "Urbanização Jardim Novo Horizonte " , that has been done in the housing nucleus of Jardim Novo Horizonte . The actions planned in this project consist primarily of opening roads and building housing projects for families who will be expropriated in the public intervention process. Articulates the housing production of the “Programa Minha Casa Minha Vida” (PMCMV) the feasibility of the Project. Therefore, we propose a critical analysis of the Project from the relationships established between housing production and the town production, and in facing and deepening socio-spatial inequalities.
Key-words: housing production; town production ; socio-spatial inequality.
1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista, campus Presidente Prudente. E-mail de contato: [email protected]
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1 – Introdução
O presente trabalho, que se encontra em andamento, resulta de um
desdobramento da pesquisa realizada para a conclusão de curso em Geografia na
Universidade Federal de Viçosa2. A partir do reconhecimento da possibilidade em
aprofundar o debate e a inserção de novos temas que dialogam diretamente com o
objeto de estudo, buscando compreender diferentes dimensões das dinâmicas
socioespacias presentes na produção do espaço urbano de Jundiaí-SP.
A pesquisa vem sendo desenvolvida no âmbito de dois grupos de pesquisas
interdepartamentais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
Estadual Paulista, o Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para
Políticas Públicas - CEMESPP e o Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e
Redefinições Regionais – GASPERR.
Faz-se necessário, a princípio, a contextualização da localização do município
a ser estudado, o qual polariza a Aglomeração Urbana de Jundiaí - AUJ, formada
pelos municípios de Várzea Paulista, Campo Limpo Paulista, Itupeva, Cabreúva,
Louveira e Jarinu, todos presente na aglomeração metropolitana de São Paulo.
Sendo assim, torna-se indispensável a visão multiescalar dos processos e
fenômenos que incidem e relacionam-se na produção da cidade de Jundiaí.
A situação geográfica de Jundiaí se configura chave para diferentes
transações inter-regionais, a aproximadamente 55 km e 47 km respectivamente de
São Paulo e Campinas, sendo a AUJ favorecida pelas sinergias dinâmicas entre
estas metrópoles (SCOTT, 1992). Nesse sentido, alguns conceitos serão debatidos,
como metrópole e metropolização, este último, entendido como uma fase superior
da urbanização e, no caso de São Paulo, a partir da intensa relação com o processo
de desconcentração industrial para áreas no entorno metropolitano. (LENCIONI,
2011)
A homogeneização do território é considerada uma tendência no processo de
metropolização, mas ressalta-se que as diferenças e fragmentações persistem e
podem ser aprofundadas e recriadas em sua expansão. Para tal compreensão, será
2 - OLIVEIRA, N. P. Da resistência sobre os trilhos à luta pela urbanização: o “Novo Horizonte” do Varjão, Jundiaí-SP. Monografia. Departamento de Geografia da Universidade Federal de Viçosa, 2014.
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necessário o aprofundamento e interelação dos conceitos de produção do espaço e
desigualdades socioespaciais.
Como foco da pesquisa teremos o estudo sobre o Projeto idealizado pelo
poder municipal, denominado “Urbanização Jardim Novo Horizonte”, sem perder de
vista as múltiplas escalas que o envolvem, mas partindo de seu primeiro objetivo
que é desadensar o núcleo de submoradias do Jardim Novo Horizonte, localizado na
periferia do município, área respectivamente denominada de Vetor Oeste, pelo
Plano Diretor Estratégico de Jundiaí (2012). Nesse mesmo Plano há o mapeamento
das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS na cidade, dentre elas podemos
destacar a demarcação da área do Jardim Novo Horizonte como ZEIS, representado
na figura abaixo:
FIGURA 01. Município de Jundiaí, SP
Fonte: Plano Diretor Estratégico de Jundiaí (2012), adaptação de Natália P. de Oliveira.
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O atual Jardim Novo Horizonte, antigo Varjão3, tem seu início na década de
1970, considerada naquele momento uma ocupação recente diante do processo de
urbanização da cidade, segundo o Plano Diretor. A origem do bairro emerge um
conjunto de fatores, sobretudo, marcada pela ocupação (principalmente de
imigrantes do nordeste, Paraná, Minas Gerais entre outros e trabalhadores rurais
locais) sobre os trilhos abandonados da ferrovia Sorocabana em seu processo de
falência.
A história de sua formação consistiu em embates entre os funcionários da
ferrovia e os primeiro ocupantes, através da resistência das ordens à contenção da
ocupação. Até o momento em que foi decretada a falência do citado ramal
ferroviário, assim, consolido-se a ocupação do Varjão por meio da autoconstrução
em mutirões. Tal ocupação ocorreu em etapas (momentos históricos diferenciados,
que, não cabem se explanados neste tralaho) expressas na subdivisão do bairro em
Varjão I, Varjão II e Varjão III, atualmente, Jardim Novo Horizonte I, II e III chegando
a aproximadamente 7 km de extensão, sobre o percurso de parte do leito ferroviário.
Em 6 de março de 1989 o poder municipal aprova o Decreto Nº 10.580 o qual
considera que “a expansão dos núcleos de favela já existente dificulta a urbanização
das áreas e a exata delimitação geográfica das moradias, caminhos e passagens de
pedestres”, proibindo sua expansão. Porém, até o inicio do século XXI não houve
por parte do poder público, ações para a urbanização e regularização fundiária da
área ocupada. (JUNDIAÍ, 1989, p.1)
Em 2008 foi lançada a primeira versão do Projeto “Urbanização Jardim Novo
Horizonte”, no qual podemos reconhecer que sua viabilidade está atrelada à
produção de habitação, pois, tendo como foco o desadensamento, implantação de
sistema viário e execução de melhorias habitacionais, a remoção de moradores é
intrínseca. Assim, para a realização do Projeto foi feita a parceria entre os governos
municipal e estadual no mesmo ano, 2008, através da doação de terras municipais à
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo –
CDHU, com a responsabilidade de construir conjunto habitacional de interesse social
3 - É válido informar a resistência de parte da população que reside no bairro em utilizar a nova nomenclatura e mesmo dos demais moradores do município, que ainda se referem ao local como Varjão. Estas questões foram debatidas na monografia (OLIVEIRA, 2014)
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e as obras de infraestrutura no empreendimento destinado às famílias do Jardim
Novo Horizonte. (JUNDIAÍ, 2013)
Passado o prazo para a realização das obras, de 5 anos, nenhuma ação se
concretizou e a parceria entre a Prefeitura de Jundiaí e a CDHU expirou,
inviabilizando a execução do Projeto. É nessa conjuntura, de busca por recursos
para a produção de habitação de interesse social, que o Programa Minha Casa
Minha Vida – PMCMV, do governo federal, surge como possibilidade do
cumprimento do referido Projeto de Urbanização, a partir do ano de 2009. Assim, é
possível afirmar que, neste caso particular, o PMCMV passa a se articular
diretamente a um projeto que pretende transformações para além do
empreendimento residencial em si.
Contudo, teremos como objetivo geral da pesquisa analisar de forma crítica o
projeto “Urbanização Jardim Novo Horizonte”, a partir das relações que
estabelecem, de um lado, a produção de habitação e a produção da cidade inserida
no aglomerado metropolitano de São Paulo, e por outro, nas interações e conflitos
entre a política pública do PMCMV e os interesses dos moradores envolvidos no
projeto.
Neste sentido, ressalta-se a relevância da pesquisa, pois além de explorar
uma realidade pouco estudada na cidade que é a produção da habitação e do
espaço urbano, pretende contribuir, tanto para o campo acadêmico, quanto para os
agentes públicos e sociais que gestam e produzem a cidade com o conhecimento
dos alcances e limites das políticas públicas, em especial as habitacionais,
apontando as disputas que envolvem a “Urbanização Jardim Novo Horizonte”.
2 – “Urbanização Jardim Novo Horizonte”: em busca de aportes à
perspectiva crítica
No debate acerca do Projeto da “Urbanização Jardim Novo Horizonte”,
entendemos que os projetos urbanos, para além de uma transformação local, devem
ser interpretados a partir das dinâmicas globais de reprodução do espaço. Os
investimentos para as transformações de grande impacto nas áreas urbanas,
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refletem a (i)lógica da mercadificação das cidades. Ou seja, os projetos urbanos
trazem à tona a necessidade de certos agentes que usam os espaços para serem
consumidos e valorizados, que retroalimentam o capital, mais do que como
produção dos espaços da vida e da própria reprodução.
No texto A liberdade da cidade, David Harvey (2009) estabelece a relação da
crise do sistema capitalista, a qual não é uma exceção e sim via de regra a dinâmica
da reprodução do capital, com o capital excedente. Quando os detentores do capital
acumulado encontram barreiras ou mesmo a falta de opção de investimentos que
proporcionem contínua valorização do capital, instaura-se a crise. E numa
argumentação que perpassou por momentos históricos, como a Paris de
Haussmann e a Nova Iorque de Moses, retratou como os projetos de urbanização
foram importantes para o deslocamento da crise. Os investimentos homéricos em
novas configurações das cidades proporcionam um fôlego às crises, mas não as
solucionaram.
Neste contexto, os projetos urbanos não se realizam por si só. Há sempre,
vários agentes envolvidos que atuam para sua concretização, dentre eles estão os
agentes privados e o Estado. Estes, ao se aliarem, tornam mais eficientes os
resultados e interesses, em que aparece por um lado, a suposta superação da crise
através de investimentos que possibilitam a reprodução da acumulação, e por outro
lado o domínio espacial e controle social com o aprofundamento de espaços
diferenciados para as classes, a segregação sócioespacial.
As contradições estão postas como inerente à reprodução do sistema
capitalista. E um elemento é fundamental: a existência e manutenção de tal sistema
é a propriedade privada da terra (como parte da apropriação por poucos dos
meios/condição de (re)produção). A partir do momento em que a terra passa a ser
um bem privado, o valor de uso da terra é constrangido pelo valor de troca. E a
realização da vida dos que foram/são expropriados da terra passa a ser cada vez
mais precarizada.
Nesse sentido, a autora Ana Fani A. Carlos (2001:67) aborda a produção do
espaço, enquanto produção social, vinculada ao processo de valorização do valor,
em que, atualmente,
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... a existência generalizada da propriedade privada reorienta e organiza o uso do lugar. Momento também em que o espaço-mercadoria se propõe para a sociedade enquanto valor de troca destituindo-se de seu valor de uso e, nessa condição, subjugando o uso, que é condição e meio da realização da vida social, às necessidades da reprodução da acumulação como imposição para a reprodução social. É exatamente nesse momento que a extensão da propriedade se realiza plenamente, ganhando novos contornos, através da produção do espaço enquanto mercadoria e produzindo novas contradições. Neste período da história, realiza-se socialmente, por meio da apropriação privada, a lógica do valor de troca sobre o valor de uso que está no fundamento dos conflitos tanto no campo quanto na cidade.
Diante deste contexto, os conflitos urbanos têm em seu alicerce a
sobreposição do valor de troca ao valor de uso. Porém, ao considerar que a
produção do espaço está sob a determinação da sociedade da mercadoria e como
mercadoria, esta por sua vez, cada vez mais está atrelada a relações e
interdependências de processos e eventos produzidos em múltiplas escalas
geográficas.
A partir de tais elementos gerais e que deverão ser aprofundados no decorrer
da pesquisa pretendemos analisar o caso da “Urbanização Jardim Novo Horizonte”.
Após a não realização das obras da CDHU, já citadas anteriormente, o poder
municipal rearranjou outras parcerias no ano de 2014, entre os governos municipal,
estadual e federal. As responsabilidades orçamentárias e práticas de cada escala da
administração pública seguem descritas no quadro abaixo, de forma sintética:
GOVERNO RESPONSABILIDADE VALOR (R$)
Municipal
Terreno para a obra dos
empreendimentos residenciais
29.500.000,00 (valor
avaliado do terreno)
Disponibilização de equipes técnicas
da Fundação Municipal de Ação
Social – FUMAS e da Secretaria de
Obras e a contratação de empresas
privadas para a execução do projeto
_
Estadual – “Casa Paulista” Equipamentos Públicos 20.400.000,00
Federal – “PMCMV” Empreendimento Residencial 82.600.000,00
Equipamentos Públicos 5.000.000,00
Total 137.000.000,00
QUADRO 1. Verbas destinadas a 1ª etapa da “Urbanização Jardim Horizonte” Fonte de dados: Prefeitura Municipal de Jundiaí. Disponível em:
<http://www.jundiai.sp.gov.br/noticias /2014/09/19/ no-novo-horizonte-um-novo-passo-na-habitacao/ > Acesso em: set.2014.
É importante ressaltar que o terreno doado pela Prefeitura Municipal para a
construção de novos empreendimentos residenciais se localiza ao lado do Jardim
Novo Horizonte, e ambas áreas se encontram em Zona Especial de Interesse Social
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– ZEIS, estabelecidas no Plano Diretor Estratégico do Município de Jundiaí, PMJ,
2012. (FIGURA 01)
Em entrevista com técnicos da FUMAS4, Fundação responsável pelo Projeto
no município, os mesmos afirmaram que o projeto de urbanização é de grande
dimensão e será realizado em etapas. A etapa inicial consiste em um primeiro
desadensamento do bairro, onde se encontra 4.560 domicílios e residem 14.137
habitantes5. Nessa etapa haverá a abertura de vias na área original de intervenção,
para tal, será necessária a demolição de imóveis residenciais para dar lugar às ruas.
Em conjunto, serão construídos condomínios de apartamentos de 45,09 m2, pelo
PMCMV. No total, serão construídos 1088 apartamentos, 50% destinados aos
moradores desapropriados do Jardim Novo Horizonte no processo de
desadensamento, e a outra metade para atender à demanda municipal,
prioritariamente daqueles que recebem o auxílio-aluguel e são cadastradas no
Sistema Municipal de Informações Habitacionais, o SIMIH.
Quanto à participação dos moradores das áreas que serão afetadas, frente ao
processo decisório da formulação e implementação do Projeto, os funcionários da
fundação afirmam que na primeira etapa o parâmetro para a desapropriação será,
por um lado, daqueles que ocupam locais considerados área risco, como as
moradias em Áreas de Preservação Ambiental e nas Faixas de Servidão (60m) –
que são áreas sobre as quais passam as linhas de transmissão de energia elétrica
da CESP – determinadas para preservar a segurança das pessoas e prevenir
problemas com as linhas. Por outro lado, a partir de dados técnicos, segundo os
padrões de medidas adequadas aos quarteirões, serão demolidas as moradias que
estiverem nos traçado das ruas. A assistente social entrevistada afirmou que houve
a realização de trabalho de campo pelos profissionais da FUMAS, o qual resultou
em adequações, para que, dentro da possibilidade, as aberturas das vias
coincidissem com as áreas de moradias de maior precariedade.
As demais etapas do projeto, segundo os técnicos da FUMAS, envolvem a
regularização fundiária. Neste processo de regularização os terrenos devem se
enquadrar no padrão mínimo de metragem de imóveis, o que resultará na segunda
4 - Realizada em julho de 2014, por Natália P. de Oliveira. 5 - Dados do IBGE, Censo 2010.
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fase de desadensamento, pois no Jardim Novo Horizonte existem várias moradias
em áreas que correspondem a metragem mínima de apenas um terreno. Para essa
etapa não indicaram para onde iriam as famílias. Também não entraram em
detalhes quanto ao percurso jurídico a ser trilhado, uma vez que as terras pertencem
a União, dado o patrimônio da rede ferroviária desativada.
De acordo, ainda, com as informações obtidas até o momento a partir das
entrevistas com os técnicos da FUMAS é possível afirmar que se trata de um projeto
de longo prazo. A área é um dos vetores de expansão urbana da cidade, e
consequentemente será valorizada. Na mesma área em que serão construídos os
condomínios de apartamentos, foi afirmado durante a entrevista, que já se
encontram reservado espaços onde futuramente serão construídos um centro
comercial e de serviços do “Vetor Oeste”, como supermercado, farmácia, duas
instituições de ensino (creche e ensino básico infantil), área de lazer e um terminal
de transporte público Veículo Leve sobre Pneus - VLP (conhecido como BRT, em
inglês, Bus Rapid Transit), entre outros aparatos urbanos, os quais possibilitam a
valorização da região (em especial à extensa reserva de território presente na
localidade).
Diante do que se tem colocado, até o momento, da forma e dos conteúdos do
projeto de “urbanização” no Jardim Novo Horizonte, este segue o movimento que
desconsidera as características sociais e históricas locais. Nesse sentindo,
entendendo o espaço urbano como produto social e histórico, o autor César Simoni
Santos afirma que,
Estamos diante de um processo de negação das possibilidades de produção social do espaço que não seja produção alienada, negação das possibilidades de apropriação e uso que não seja reduzida à relação de propriedade pressuposta pela realização do valor (de troca). Dessa forma, com força de realidade, a representação ideológica do espaço enquanto um continente vazio parece sustentar e realizar a cidade como palco das ações do capital e do Estado; o esvaziamento do espaço de seus conteúdos históricos e sociais é o pressuposto para a liberação de velhos territórios para novos investimentos. (SANTOS, 2006, p. 120)
Através do entendimento do espaço social compelido pelo valor de troca,
podemos relacionar tal movimento com a implementação do Projeto de Urbanização,
que visa adequar a área aos padrões de urbanismo da cidade e propiciar a
regularização fundiária, sem levar em conta a participação dos moradores na
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elaboração do projeto, retrata a desconsideração do espaço social (valor de uso) e
cria condições para a realização do valor de troca nas áreas que foram ocupadas na
periferia da cidade. E essa mesma periferia, onde a população é obrigada a se
apropriar, tem como possibilidade a futura assimilação dos agentes hegemônicos
para reproduzir o capital, assim Santos conclui,
a elaboração de periferias no interior dos territórios urbanos representa a reprodução de territórios-reserva, e sua posterior liberação para investimentos futuros do imobiliário pressupõe a aniquilação de sua história e conteúdos sociais anteriores, preparados para um novo ciclo de valorização. É por isso que, para Francisco de Oliveira, “quando esse capitalismo cresce por elaboração de periferias, a acumulação primitiva é estrutural e não apenas genética”. (2006:121)
Assim, podemos compreender que a geração de periferia não aparece como
consequência, mas como a forma de inserção na totalidade da produção do espaço,
num plano simultâneo. Esta simultaneidade possibilita a compreensão das
desigualdades socioespaciais de forma que extrapole a visão de contraposição ou
evolução da periferia versus centro; subdesenvolvido versus desenvolvido; pobreza
versus riqueza. E sim, entender essas “dualidades” como coexistências, necessárias
à reprodução do modo de produção.
3 – Procedimentos metodológicos
O conjunto dos procedimentos metodológicos que vem sendo realizados para
a consecução do trabalho envolve a dimensão quantitativa e qualitativa no
levantamento, sistematização e organização de dados e informações.
Primeiramente, está se obtendo o levantamento bibliográfico, consulta a
material constituído por livros, artigos científicos, dissertações, teses e informações
com o intuito de ampliar os conhecimentos sobre os conceitos bases, os referenciais
teóricos e o debate que atualmente vem sendo feito no meio geográfico sobre a
produção do espaço urbano, metropolização, urbanização, escalas, desigualdades
socioespaciais e políticas públicas de habitação.
Em busca da compreensão do projeto “Urbanização Jardim Novo Horizonte”,
desde sua formulação e processo de implantação, está sendo imprescindível o
levantamento documental nos órgãos envolvidos, como na Secretaria de
Planejamento e Meio Ambiente, Secretaria de Obra, Fundação Municipal de Ação
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Social – FUMAS, e no âmbito legislativo que envolve o projeto de Urbanização, na
Câmara Municipal de Jundiaí.
Porém, compreender a complexidade da implementação de uma política
publica não se limita à analise de documentos, projetos, leis e relatórios. É
fundamental para o entendimento da materialização do projeto “Urbanização Jardim
Novo Horizonte” o contato direto com os agentes envolvidos no processo através de
entrevistas semiestruturadas, com os agentes formuladores e executores do projeto
e com àqueles que terão seu cotidiano modificados pela Urbanização; observação
participante em reuniões, fóruns, atividades e movimentos relacionados à
Urbanização6. A fim de apresentar os conflitos de interesses, os limites e desafios
em específico da política pública de habitação (PMCMV) no Jardim Novo Horizonte.
Para a análise da “Urbanização Jardim Novo Horizonte” é necessário
contextualiza-la não apenas em sua escala local, pois entendemos sua articulação
multiescalar, inserindo informações que abranjam a escala municipal e aglomerando
metropolitano. Assim, tendo como foco a produção de habitação, será ultilizado
dados do Ministério da Cidade referentes ao PMCMV7, considerando o número de
empreendimentos financiados até o ano de 2014, a faixa de renda mensal bruta da
família a que se destina (Faixa 1 - até R$ 1.600,00; Faixa 2 - até R$ 3.275,00; e
Faixa 3 - acima de R$ 3.275,00 até R$ 5.000,008), a construtora-incorporadora
responsável pela obra e a sua localização. A partir desses dados, serão elaboradas
representações cartográficas como ferramenta de análise e sobreposição de
informações.
Como desdobramentos da etapa anteriormente descrita pretende-se
identificar as desigualdades socioepacias do município de Jundiaí, que darão base
6 - É importante ressaltar a existência do contato já estabelecido com a comunidade, através da pesquisa realizada para a monografia e o prosseguimento da presença em reuniões, fóruns entre outras atividades na área de estudo (relatadas em diário de campo), que denotam a viabilidade da pesquisa pretendida neste projeto. 7 - Os dados do programa Minha Casa Minha Vida integram-se à pesquisa “A produção imobiliária do PMCMV, seus agentes e a diferenciação e desigualdades socioespaciais intra-urbanas”, financiada pelo CNPq, coordenada por Everaldo Santos Melazzo e da qual a presente autora é colaboradora. 8 - BRASIL. Apresenta informações sobre o programa Minha Casa Minha Vida. Disponível em: < http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/04/entenda-como-funciona-o-minha-casa-minha-vida>. Acesso em: fev. 2015.
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para compreender a dinâmica de enfrentamento ou aprofundamento das
desigualdades socioespaciais no Jardim Novo Horizonte.
4 – Considerações
Diante do processo de construção da presente pesquisa que se encontra em
andamento, em torno do Projeto “Urbanização Jardim Novo Horizonte”, é possível
articular as ações do mesmo à transformação/produção da cidade que contém “...a
expansão de área urbanizada, valorização de áreas periféricas, adensamento da
verticalização (...) remoção de populações, que para além de expressarem novas
morfologias, usos e funções, também sinalizam para mudanças estruturais na
reprodução social.” (ALVAREZ, 2013, p. 1)
Nesse sentido, vem se observando na implementação do Projeto os aspecto
da produção do espaço que segue as lógicas de modernização hegemônica.
Configurando claramente um “novo horizonte” cooptado pelo processo de
reprodução capitalista. E a consequência desta usurpação do espaço é bem
conhecida, assim como Engels notou, “uma favela é varrida daqui para reaparecer
noutro lugar qualquer. Se nos opomos ao nosso estado corrente, então o único
caminho radical adiante é confrontar os processos básicos que geram esse estado”
(ENGELS apud HARVEY, 2009, p. 9). Este autor nos permite desdobrar em muitos
caminhos, dentre eles, podemos seguir aquele que desvie desta (i)lógica
materializada nos planos urbanísticos. Um caminho que exige enfrentamento às
imposições dadas na implementação dos projetos sem a participação daqueles que
habitam a cidade. E tal enfrentamento, pode se realizar quando há um movimento
organizado daqueles que são afetados cotidianamente pela espoliação urbana.
5 – Referências Bibliográficas
ALVAREZ, Isabel Aparecida Pinto. A segregação como conteúdo da produção do
espaço urbano. In: VASCONCELOS, Pedro et al. A cidade contemporânea:
segregação socioespacial. São Paulo: Contexto, 2013.
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CARLOS, Ana Fani Alessandri. A condição espacial. São Paulo: Contexto, 2011. p.
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Grande, para construção de moradias do Programa Minha Casa Minha Vida -
PMCMV.
KOWARICK, Lúcio. Escritos Urbanos. São Paulo: Editora 34, 2000.
LEFEBVRE, Henri. A ilusão urbanística. In: LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana.
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LENCIONI, Sandra. A metamorfose de São Paulo: o anúncio de um novo mundo de
aglomerações difusas. Curitiba: Revista Paranaense de Desenvolvimento, n. 120,
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