PERSPECTIVAS DAS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO DE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO UFES CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MAURIZETE PIMENTEL LOUREIRO DUARTE PERSPECTIVAS DAS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL ENTRE 1988 E 2002: A DINÂMICA DA POLÍTICA MUNICIPAL NA CIDADE DE VITÓRIA VITÓRIA ES 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO UFES

CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

MAURIZETE PIMENTEL LOUREIRO DUARTE

PERSPECTIVAS DAS POLTICAS DE HABITAO DE

INTERESSE SOCIAL ENTRE 1988 E 2002: A DINMICA DA

POLTICA MUNICIPAL NA CIDADE DE VITRIA

VITRIA ES

2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO UFES

CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA

MAURIZETE PIMENTEL LOUREIRO DUARTE

PERSPECTIVAS DAS POLTICAS DE HABITAO DE

INTERESSE SOCIAL ENTRE 1988 E 2002: A DINMICA DA

POLTICA MUNICIPAL NA CIDADE DE VITRIA

Tese apresentada junto ao Programa de Ps

Graduao em Histria, do Centro de Cincias

Humanas e Naturais, da Universidade Federal

do Esprito Santo UFES com requisito parcial

para obteno do ttulo de Doutora em Histria,

na rea de concentrao Histria Social das

Relaes Polticas.

Orientadora Profa. Dra. Maria da Penha

Smarzaro Siqueira

VITRIA ES

2016

MAURIZETE PIMENTEL LOUREIRO DUARTE

PERSPECTIVAS DAS POLTICAS DE HABITAO DE INTERESSE

SOCIAL ENTRE 1988 E 2002: A DINMICA DA POLTICA

MUNICIPAL NA CIDADE DE VITRIA

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria do Centro de Cincias

Humanas e Naturais da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial

para obteno do ttulo de Doutora em Histria na rea de concentrao Histria

Social das Relaes Polticas.

Aprovada em ___/____/____

COMISSO EXAMINADORA

__________________________________________________________Profa. Doutora Maria da Penha Smarzaro Siqueira Universidade Federal do Esprito Santo (UFES) Orientadora __________________________________________________________ Profa. Doutora Mrcia Smarzaro Siqueira Universidade Federal do Esprito Santo (UFES) Examinadora Externa __________________________________________________________ Profa. Doutora Michelly Ramos de Angelo Universidade Vila Velha (UVV) Examinadora Externa ___________________________________________________________________

Profa. Doutora Maria Cristina Dadalto Universidade Federal do Esprito Santo (UFES Examinadora Interna __________________________________________________________ Prof. Doutor Sebastio Pimentel Franco Universidade Federal do Esprito Santo (UFES) Examinador Interno

Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

Duarte, Maurizete Pimentel Loureiro, 1975- D812p Perspectivas das polticas de habitao de interesse social

entre 1988 e 2002 : a dinmica da poltica municipal na cidade de Vitria / Maurizete Pimentel Loureiro Duarte. 2016.

364 f. : il.

Orientador: Maria da Penha Smarzaro Siqueira. Tese (Doutorado em Histria) Universidade Federal do

Esprito Santo, Centro de Cincias Humanas e Naturais.

1. Polticas pblicas. 2. Habitao popular. 3. Poltica

habitacional. 4. Famlias pobres. I. Siqueira, Penha. II.

Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias

Humanas e Naturais. III. Ttulo.

CDU: 93/99

Ao meu grande amor, meu marido Gerson Duarte,

companheiro de vida e de luta, que soube fazer do

sonho de um, a realidade de dois.

AGRADECIMENTOS

Nessa longa trajetria de estudo, entre tantas dificuldades e descobertas, no poderia

deixar de agradecer a algumas pessoas que foram fundamentais para a conquista

deste momento e que, provavelmente, sem o seu apoio e a sua presena em minha

vida, isso no teria sido possvel.

Agradeo a minha orientadora, a professora Maria da Penha Smarzaro Siqueira pela

generosidade, pacincia, parceria, competncia e amizade, dedicando seu escasso

tempo a me conduzir pelos caminhos do conhecimento e inquietude na busca por

saber sempre mais. Sem seu apoio to presente e constante, eu no teria conseguido

superar tantos desafios. A voc professora a minha eterna gratido e admirao.

Aos professores do Programa de Doutorado em Histria pelo apoio, conhecimento,

disponibilidade em sempre nos atender e nos ajudar com suas orientaes nos

enveredando sempre para o caminho do conhecimento e do saber. Agradeo a vocs

pela generosidade em disponibilizar seu tempo para participar dessa Banca de

Defesa, momento to sublime na minha vida.

CAPES pelo apoio financeiro propiciado atravs das bolsas nacional e internacional.

Grande ajuda proporcionou e certamente, permitiu-me ampliar meus horizontes.

Aos meus pais, Mauro e Petronilha, que de um jeito ou de outro, souberam

compreender a minha ausncia nesses anos de estudo e de pesquisa.

Ao meu marido, grande amor e companheiro que sempre esteve presente,

comungando das mesmas ansiedades e perspectivas. E a Deus, pois sem ele, nada

seria possvel.

As liberdades no so apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas tambm os meios principais. Alm de reconhecer, fundamentalmente, a importncia avaliatria da liberdade, precisamos entender a notvel relao emprica que vincula, umas s outras liberdades diferentes. Liberdades polticas (na forma de liberdade de expresso e eleies livres) ajudam a promover a segurana econmica. Oportunidades sociais (na forma de servios de educao e sade) facilitam a participao econmica. Facilidades econmicas (na forma de oportunidades de participao no comrcio e na produo) podem ajudar a gerar a abundncia individual, alm de recursos pblicos para os servios sociais. Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas s outras (AMARTYA SEN, 2006, p. 25-26).

RESUMO

Nosso trabalho aborda a questo da habitao social no Brasil, buscando identificar

as aes polticas implementadas pelo poder pblico no enfrentamento do problema

habitacional aps a publicao da Carta Maior, ou seja, entre os anos de 1988 a 2002,

perodo que traa o recorte temporal de nosso estudo, por representar uma fase que

marca lacunas e novas alternativas para a questo social da moradia popular aps o

fim da dcada de 1980. Dessa forma, no mbito da crise poltica que envolve a

problemtica da habitao social ps extino do Banco Nacional de Habitao

(BNH), formulamos nosso objeto de estudo tendo como principal eixo uma anlise

histrica do quadro poltico e social que envolve a Poltica Nacional de Habitao e

suas perspectivas no perodo em questo. Verificamos a dinmica prpria desta

poltica em alguns municpios brasileiros, exemplificando, como amostragem da

pesquisa, as intervenes realizadas na cidade de Vitria ES, nos princpios dos

novos direcionamentos das polticas habitacionais implementadas no pas. Em Vitria,

a abordagem socioambiental que as aes das polticas pblicas passam a adotar,

representa um novo entendimento sobre o modo de tratar a questo do uso e da

ocupao do solo urbano. As aes maiores se inscreveram no mbito do Projeto So

Pedro e do Projeto Terra, que demonstram as perspectivas assumidas pelas polticas

urbanas voltadas para resolver antigos e permanentes problemas de moradia da

classe social menos favorecida. Nesta pesquisa o procedimento metodolgico

priorizou o mtodo histrico investigativo com base analtica em abordagem qualitativa

com uma pesquisa bibliogrfica fundamentada em obras gerais e especficas sobre o

tema, e documental com pesquisa em fontes institucionais que constituram as bases

que deram suporte tcnico e terico, conceitual e informativo na elaborao do

trabalho. Dentre os resultados das aes realizadas pela poltica habitacional no

perodo trabalhado, destacamos a nova forma de lidar com os problemas dos espaos

j ocupados pela populao de baixa renda, recebendo uma ateno no apenas no

sentido de minimizao dos riscos existentes pelas suas caractersticas

geomorfolgicas de inadequao para construo de moradias, mas, principalmente,

considerando todo o conjunto de bens e servios pblicos bsicos necessrios para

proporcionar qualidade de vida s famlias moradoras dessas reas, alm da unidade

habitacional que passa a ser um elemento a integrar as modalidades de acionamento

e resoluo dos problemas habitacionais, no se concentrando no tradicional modelo

de construo de moradias para amenizar o dficit habitacional. Reconhecemos que

as linhas de recursos federais destinadas para execuo de programas voltados para

atendimento de reas ocupadas por um nmero cada vez maior de famlias de baixa

renda, ainda so muito limitados, principalmente, quando consideramos a utilizao

desses mesmos recursos por empresas privadas do ramo da construo civil.

Palavras Chave: Habitao de Interesse Social. Polticas Pblicas. reas Urbanas

Precrias. Baixa Renda.

ABSTRACT

The present study analyzes the issue of social housing in Brazil, aiming to identify

political actions taken by the government in dealing with the housing problems after

the release of Carta Maior, between the years of 1988-2002, a period that outlines the

timeframe of our study, once it represents a phase of gaps and new alternatives for

the social issue of popular housing after the end of the 1980s. Thus, in the context of

the political crisis that surrounds the social housing issue post the extinction of Banco

Nacional de Habitao (BNH), we developed our object of study by focusing mainly on

a historical analysis of the political and social scenario involving the Poltica Nacional

de Habitao (National Housing Policy) and its perspectives during the mentioned

period. We found the dynamics of this policy in some Brazilian municipalities, choosing

as research sample the interventions carried out in the city of Vitoria ES, in the

principles of the new guidelines of housing policies implemented in the country. In

Vitoria, the socio-environmental approach that the public policies take represents a

new understanding of how to address the issue of use and occupation of the urban

areas. The most expressive actions are Projeto So Pedro and Projeto Terra, which

show the perspectives adopted by urban policies to solve old and permanent housing

problems in the lower class. On this study, the methodology is to prioritize the

historical-investigative method built on a qualitative approach by making a

bibliographical research based on general and specific works on the subject; and on a

documentary focus, by making the research on institutional sources, which provided

technical and theoretical, conceptual and informative support in the elaboration of this

work. Among the results of the actions taken by the housing policy in the time period

covered by this work, we point out the new way of dealing with the problems on areas

occupied by low-income population, not only in order to minimize the existing risks due

to its geomorphological features, that make it unsuitable for residential construction,

but mostly considering the basic public assets and services necessary to provide life

quality to the families in these areas, in addition to the housing unit that becomes an

element to integrate the modalities of drive and solution to housing problems, by not

focusing on the traditional model of residential construction in order to reduce housing

shortage. We acknowledge that the federal funds intended for the implementation of

programs destined to areas inhabited by an increasing number of low-income families

are very limited, especially considering the use of these same resources by private

sector construction companies.

Keywords: Social Housing, Public Policy, Poor Urban Areas, Low Income

RESUMEN

El presente estudio analiza el tema de la vivienda social en Brasil, con el objetivo de

identificar las acciones polticas tomadas por el gobierno para hacer frente a los

problemas de la vivienda despus de la liberacin de Carta Maior, entre los aos de

1988 a 2002, un perodo que esboza el marco de tiempo de nuestra estudiar, una vez

que representa una fase de lagunas y nuevas alternativas para el problema social de

la vivienda popular despus del final de la dcada de 1980. Por lo tanto, en el contexto

de la crisis poltica que rodea el tema de la vivienda social posterior a la extincin del

Banco Nacional de Habitao (BNH), hemos desarrollado nuestro objeto de estudio,

centrndose principalmente en un anlisis histrico de la situacin poltica y social que

implica la Poltica Nacional de Habitao (poltica Nacional de Vivienda) y sus

perspectivas durante el perodo mencionado. Encontramos la dinmica de esta

poltica en algunos municipios brasileos, eligiendo como ejemplo de investigacin las

intervenciones llevadas a cabo en la ciudad de Vitoria - ES, en los principios de las

nuevas directrices de las polticas de vivienda aplicadas en el pas. En Vitoria, el

enfoque socio-ambiental que las polticas pblicas toman representa una nueva

comprensin de la forma de abordar la cuestin del uso y ocupacin de las reas

urbanas. Las acciones ms expresivos son Projeto Sao Pedro y Projeto Terra, que

muestran las perspectivas adoptadas por las polticas urbanas para resolver los

problemas de vivienda de edad y permanentes en la clase baja. En este estudio, la

metodologa es priorizar el mtodo histrico-investigativo basado en un enfoque

cualitativo haciendo una investigacin bibliogrfica de obras generales y especficos

sobre el tema; y en un enfoque documental, haciendo que la investigacin sobre las

fuentes institucionales, que proporcion apoyo tcnico y terico, conceptual e

informativo en la elaboracin de este trabajo. Entre los resultados de las acciones

tomadas por la poltica de vivienda en el perodo de tiempo cubierto por este trabajo,

destacamos la nueva forma de hacer frente a los problemas en las reas ocupadas

por poblacin de bajos ingresos, no slo con el fin de minimizar los riesgos existentes

debido a sus caractersticas geomorfolgicas, que la hacen inadecuada para la

construccin de viviendas, pero sobre todo teniendo en cuenta los bienes pblicos

bsicos y servicios necesarios para proporcionar una calidad de vida a las familias en

estas reas, adems de la unidad de vivienda que se convierte en un elemento de

integrar las modalidades de unidad y la solucin a los problemas de vivienda, por no

centrarse en el modelo tradicional de construccin de viviendas con el fin de reducir

el dficit de vivienda. Reconocemos que los fondos federales destinados a la

ejecucin de los programas destinados a las zonas habitadas por un nmero creciente

de familias de bajos ingresos son muy limitados, especialmente teniendo en cuenta el

uso de estos mismos recursos por parte de las empresas de construccin del sector

privado.

Palabras clave: La vivienda social. El orden pblico. Las zonas urbanas pobres. De

bajos ingresos

LISTA DE IMAGENS

Figura 5.3.1 Fluxograma do Projeto Terra............................................................315

Figura 5.3.2 As Poligonais do Projeto Terra..........................................................318

Figura 5.3.3 Localizao das Poligonais do Projeto Terra....................................319

Figura 5.3.4 Estrutura Gerencial do Projeto Terra 1997-1998..............................328

Figura 5.3.5 Estrutura Gerencial do Projeto Terra 06/1998 - 2000.......................330

Figura 5.3.6 Estrutura Gerencial do Projeto Terra 06/2001- 06/2002...................331

Figura 5.3.7 Estrutura Gerencial do Projeto Terra 06/2002 a 06/2003.................332

LISTA DE TABELAS

Tabela 3.3.1..............................................................................................................139

Tabela 4.1.................................................................................................................183

Tabela 4.2.1..............................................................................................................216

Tabela 4.2.2..............................................................................................................220

Tabela 4.2.3..............................................................................................................227

Tabela 4.3.1..............................................................................................................230

Tabela 4.3.2..............................................................................................................231

Tabela 4.3.3..............................................................................................................233

Tabela 4.3.4..............................................................................................................235

Tabela 4.3.5..............................................................................................................236

Tabela 4.4.1..............................................................................................................250

Tabela 4.4.2..............................................................................................................257

Tabela 4.4.3..............................................................................................................263

Tabela 4.4.4..............................................................................................................267

Tabela 4.4.5..............................................................................................................272

LISTA DE SIGLAS

ABECIP Associao Brasileira de Entidades de Crdito Imobilirio e de Poupana

AEIS reas Especiais de Interesse Social

BANDES Banco de Desenvolvimento do Esprito Santo

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD Banco Interamericano de Reconstruo e Desenvolvimento

BNH Banco Nacional de Habitao

CCFGTS Conselho Curador do Fundo de Garantia sobre Tempo de Servio

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CEF Caixa Econmica Federal

CIVIT Centro Industrial de Vitria

CLT Consolidao das Leis Trabalhistas

CMN Conselho Monetrio Nacional

CMPDU Conselho Municipal do Plano Diretor Urbano de Vitria

CODES Companhia De Desenvolvimento do Esprito Santo

COHAB - ES Companhia Habitacional do Esprito Santo

CPV Conselho Popular de Vitria

CST Companhia Siderrgica de Tubaro

CVRD Companhia Vale do Rio Doce

EFVM Estrada de Ferra Vitria Minas

FCP Fundao Casa Popular

FGTS Fundo de Garantia Sobre Tempo de Servio

FHC Fernando Henrique Cardoso

FICAM Financiamento de Construo, Concluso, Ampliao ou Melhorias de

Habitao de Interesse Social

FDS Fundo de Desenvolvimento Social

FINSOCIAL Fundo de Investimento Social

FJP Fundao Joo Pinheiro

FMI Fundo Monetrio Internacional

FUNDAP Fundo de Desenvolvimento das Atividades Porturias

FUNRES Fundo de Recuperao Econmica do Estado do Esprito Santo

GAB/ADM Coordenadoria de Administrao Estratgica

IAPs Instituto de Aposentadoria e Penses

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

ICH ndice de Carncia Habitacional

IDH ndice de Desenvolvimento Humano

IJSN Instituto Jones Santos Neves

INOCOOP-ES Instituto de Orientao s Cooperativas Habitacionais no Esprito

Santo

IPASE Instituto de Previdncia e Assistncia dos Servidores do Estado

IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

IPMF Imposto Provisrio sobre Movimentao Financeira

IPTU Imposto Predial Territorial Urbano

LC Lei Complementar

MAS Ministrio de Ao Social

MBES Ministrio do Bem Estar Social

MDU Ministrio de Desenvolvimento Urbano

MHU Ministrio de Habitao, Urbanismo e Meio Ambiente

MNLM Movimento Nacional de Luta por Moradia

MPO Ministrio de Planejamento e Oramento

OGU Oramento Geral da Unio

PAIH Plano de Ao Imediata para Habitao

PAR Programa de Arrendamento Residencial

PDS Partido Democrtico Social

PDU Plano de Desenvolvimento Urbano

PHB Poltica Habitacional Brasileira

PIB Produto Interno Bruto

PLANASA Plano Nacional de Saneamento

PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro

PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domiclios

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PNH Plano Nacional de Habitao

PREZEIS Plano de Regularizao das Zonas de Interesse Social

PROAREAS Programa de Apoio s Reformas Sociais

PRODURB Programa de Apoio ao Desenvolvimento Urbano

PROHAP Programa de Habitao Popular

PROFILURB Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados

PROMORAR Programa de Erradicao da Sub-habitao

PROTECH Programa de Difuso Tecnolgica para Construo de Habitao de

Baixo Custo

RM Regio Metropolitana

RMB Regio Metropolitana de Belm

RMGV Regio Metropolitana da Grande Vitria

RMR Regio Metropolitana de Recife

RMRJ Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

RMSP Regio Metropolitana de So Paulo

SBH Sistema Brasileiro de Habitao

SBPE Sistema Brasileiro de Poupana e Emprstimo

SEAC Secretaria Especial de Ao Comunitria

SEDUR -Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano

SEHAB Secretaria de Habitao de Vitria

SEMAS Secretaria de Ao Social

SEMFA Secretaria de Economia e Finanas

SEMMAM Secretaria Municipal de Meio Ambiente

SEMOB Secretaria de Obras

SEPURB Secretaria de Planejamento Urbano Brasileiro

SERFHAU Servio Federal de Habitao e Urbanismo

SETRAN Secretaria de Transporte e Infraestrutura

SFH Sistema Financeiro de Habitao

TCU Tribunal de Contas da Unio

TRANSCOL Sistema de Transporte Coletivo da Grande Vitria

UNMP Unio Nacional por Moradia Popular

UPF Unidade Padro Fiscal

URF Valores de Referncia de Financiamento

SUMRIO

INTRODUO...........................................................................................................24

CAP. 1 POLTICA HABITACIONAL NO BRASIL: A HABITAO DE INTERESSE

SOCIAL EM QUESTO.............................................................................................38

1.1 A HABITAO DE INTERESSE SOCIAL: UMA QUESTO SOCIAL URBANA

EIXOS HISTRICOS E CONCEITUAIS.....................................................................39

1.2 A TRAJETRIA DA HABITAO DE INTERESSE SOCIAL NO BRASIL..........49

1.3 O GOVERNO AUTORITRIO E A POLTICA PBLICA HABITACIONAL..........60

CAP. 2 A REDEMOCRATIZAO E A QUESTO DA MORADIA..........................89

2.1 A MUDANA POLTICA E OS NOVOS PARADIGMAS DE

DESENVOLVIMENTO................................................................................................90

2.2 A CONSTITUIO DE 1988 E O DIREITO MORADIA ....................................99

CAP. 3 AS AES POLTICAS E AS INICIATIVAS EM FAVOR DA MORADIA DE

INTERESSE SOCIAL NOS ANOS 1990..................................................................119

3.1 O PLANO DE AO IMEDIATA PARA HABITAO (PAIH)............................122

3.2 O PROGRAMA HABITAR BRASIL E O PROGRAMA MORAR PEQUENAS

COMUNIDADES.......................................................................................................129

3.3 A POLTICA HABITACIONAL DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE

CARDOSO...............................................................................................................136

3.3.1 Pr-Moradia....................................................................................................146

3.3.2 Habitar Brasil .................................................................................................154

3.3.3 Programa Morar Melhor................................................................................159

3.3.4 Programa Carta de Crdito...........................................................................163

3.3.5 Programa de Arrendamento Residencial (PAR).........................................166

CAP.4 CIDADES E METRPOLES: A QUESTO DA HABITAO DE INTERESSE

SOCIAL....................................................................................................................173

4.1 AS POLTICAS DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL EM ALGUMAS

CIDADES BRASILEIRAS.........................................................................................177

4.2 ESPIRITO SANTO: ECONOMIA E SOCIEDADE NO CONTEXTO DE

MODERNIZAO DO SCULO XX.........................................................................211

4.3 A REGIO METROPOLITANA DA GRANDE VITRIA: A CONFIGURAO

SOCIOESPACIAL NO CONTEXTO DA POLTICA HABITACIONAL DE INTERESSE

SOCIAL....................................................................................................................229

4.4 OS MUNICPIOS DA REGIO METROPOLITANA DA GRANDE VITRIA E

ALGUNS INDCIOS DA POLTICA DE HABITAO DE INTERESSE SOCIAL.......244

5 A POLTICA DE HABITACO DE INTERESSE SOCIAL NO MUNICPIO DE

VITRIA: AS EXPERINCIAS COM O PROJETO SO PEDRO E O PROJETO

TERRA.....................................................................................................................275

5.1 O MUNICPIO DE VITRIA E O PLANEJAMENTO COMO ELEMENTO DE

INTERVENO DAS POLTICAS SOCIAIS URBANAS..........................................277

5.2 A IMPORTNCIA DA PARTICIPAO POPULAR NA CONSTITUO DE UMA

NOVA POLTICA HABITACIONAL NO MUNICPIO DE VITRIA ...........................283

5.3 O PROJETO SO PEDRO E O PROJETO TERRA COMO INSTRUMENTOS DE

INTERVENO DA POLTICA PBLICA DA CIDADE DE VITRIA.......................297

CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................

REFERNCIAS DOCUMENTAIS........................................................................

24

INTRODUO

Analisar as perspectivas assumidas pelas polticas pblicas no enfrentamento do

problema de habitao social no Brasil ps Constituio Federal de 1988 nos levou a

um universo novo de conceitos, entendimentos e aes sobre uma rea vista e

compreendida ao longo de dcadas como resultado de um processo de produo de

unidades habitacional, que vinha desconsiderar todos os demais elementos, bens e

servios pblicos fundamentais que compem e possibilitam no apenas o acesso ao

espao urbano, mas, principalmente, sua permanncia.

O direito cidade como imprescindvel garantia instrumentalizao das instituies

polticas no processo de reconhecer as ineficincias de prticas passadas e a

necessidade de implementao de novas perspectivas de trabalhar o problema da

habitao social se tornaram, ao longo da dcada de 1990 e incio dos anos 2000, um

grande desafio no intuito, no apenas de evitar a ocupao das reas de morros e de

manguezais, mas, principalmente, de encontrar alternativas para uma populao de

baixa renda inserida no contexto do espao urbano por vias ilegais e informais.

As necessidades habitacionais incutidas nos programas pblicos ganharam novo

carter a partir do regime de governo democrtico, fixando-se novas orientaes no

trato da questo habitacional popular. Nesse nterim, analisamos as polticas pblicas

de enfrentamento do problema habitacional no Brasil entre os anos de 1988 a 2002,

construindo uma descrio das finalidades e das caractersticas dessas respectivas

polticas, no intuito de reconhecer historicamente a trajetria e as orientaes dos

programas polticos implementados pelos municpios, que acabaram perpassando por

outras questes polticas, econmicas e sociais, s quais redefinem os rumos e os

resultados alcanados.

Nosso problema provm da necessidade de identificar as polticas pblicas adotadas

na rea de habitao de interesse social e suas aes, considerando as

transformaes pelas quais o Brasil atravessava, num contexto de redemocratizao

poltica e de um processo de descentralizao das polticas pblicas sociais para os

Entes Federados.

25

Nesse sentido, nosso trabalho surge da importncia de verificar e reconhecer o novo

entendimento sobre a forma de interveno do poder pblico, no atendimento das

necessidades bsicas para a incluso junto s famlias de baixa renda no contexto do

espao urbano.

No fazemos uma mensurao da qualidade poltica das aes implementadas, nem

to pouco ousamos verificar se os resultados destas foram suficientes para a soluo

dos problemas enfrentados pelas famlias de baixa renda na ocupao do espao

urbano. Nosso objetivo foi desenvolver uma anlise histrica do quadro poltico e

social que envolve a Poltica Nacional de Habitao e suas perspectivas aps a

Constituio de 1988 at o ano de 2002, verificando sua dinmica prpria nos

municpios brasileiros, a partir de uma amostragem na cidade de Vitria, capital do

Esprito Santo.

A anlise documental constitui uma fonte em nossa anlise qualitativa de grande

importncia, seja na complementao de informaes obtidas e, ou desvelando

aspectos novos referentes ao tema, que nos permitiu superar entraves relativos a

aspectos fundamentais nas articulaes de nosso objeto de estudo, no conjunto das

variveis que constituem os objetivos do trabalho.

Com base em nosso suporte terico metodolgico, o percurso da pesquisa nos

direcionou para a formulao de 5 captulos, sendo o primeiro intitulado Poltica

Habitacional no Brasil: A Habitao de Interesse Social Em Questo, subdividido em:

A Habitao de Interesse Social: Uma Questo Social Urbana Eixos Histricos e

Conceituais, A trajetria da habitao de interesse social no Brasil; O Governo

Autoritrio e a Poltica Pblica Habitacional.

No primeiro momento abordamos as discusses que antecederam historicamente e

politicamente a habitao como problema pblico, sendo fundamental discusso a

partir das obras de Engels (1975; 1979) que apresenta a vinculao do sistema

produtivo capitalista, cujas bases so provenientes da indstria, com o modo de vida

da classe operria nas grandes cidades, como as inglesas. Nesse sentido o autor

apresenta a precariedade do universo do trabalho ps-revoluo industrial e o impacto

26

dessas condies no contexto habitacional das grandes cidades urbanas,

considerando o caso das cidades inglesas.

Compreender as transformaes e vicissitudes das cidades urbanas provenientes de

um processo de modernizao, ao qual a habitao popular se faz condio

fundamental para sustentao e reproduo do modelo capitalista de produo,

permite-nos compreender este processo como elemento inerente s condies de

moradia e, consequentemente, as relaes econmicas e sociais provenientes da

mesma.

Tambm utilizamos Castells (1983) como instrumento de fundamentao terica para

a construo do entendimento sobre a importncia do fenmeno urbano como

elemento inerente e imprescindvel construo e expanso do modelo produtivo

capitalista e como este sistema est interligado s orientaes determinantes na

ocupao e organizao do espao urbano. O autor nos permite utilizar alguns

instrumentos conceituais para verificar situaes histricas especficas, bastante

ricas para que apaream as linhas de fora do fenmeno estudado, a organizao do

espao (CASTELLS, 1983, p. 36).

Aps uma discusso conceitual sobre os eixos histricos da questo habitacional, no

segundo tpico deste captulo, embasados em Silva e Silva (1989), desenvolvemos

uma contextualizao sobre a origem no Brasil das intervenes do Estado no

enfrentamento do problema da habitao social.

Verificamos, a partir da autora, as primeiras intervenes do Estado como resposta

crise habitacional, servindo como elemento poltico de formulao de um pacto social

entre governo e trabalhadores, a fim de conter manifestaes e presses populares

(SILVA, 1989).

As aes adotadas na poca pelo Estado tentavam minimizar o problema habitacional

que s crescia mediante ao crescimento populacional da poca e s medidas legais

tomadas no mbito da habitao popular.

27

Nessa mesma perspectiva de apresentar o cenrio contraditrio que envolvia a

habitao de interesse social no Brasil, apresentamos, no terceiro tpico, a partir de

Bonduki (1998; 2011), a trajetria da produo estatal da moradia. Discorremos sobre

o surgimento das favelas nos morros circunvizinhos s reas mais dinamizadas dos

centros urbanos, alternativa para a populao de baixa renda; assim como sobre a

expanso das reas perifricas, afastadas, como soluo para a classe operria,

mediante condio, deste, de arcar com o nus do financiamento proveniente dos

programas habitacionais do Estado, que surgem a partir dos anos de 1960.

O perodo histrico de formulao e implementao de uma poltica habitacional

estruturada por fontes de recursos constitudas, em boa parte, pelo prprio trabalhador

brasileiro foi tambm o perodo de governo militar. A partir da criao do BNH foi

possibilitada a gesto e o controle da maior poltica habitacional do pas at a extino

em 1986 do rgo centralizador

Em relao poltica habitacional desse perodo, temos como fundamentao terica

a anlise de Taschner (1997), que apresenta um panorama da conjuntura poltica,

econmica e social da poca.

A partir da contextualizao dos graves problemas polticos e sociais enfrentados pelo

Brasil na poca estudada, foi possvel compreender o impacto da estruturao de um

Sistema Financeiro Habitacional e da sua influncia na expanso da indstria e na

gerao de empregos e renda para os trabalhadores.

A poltica habitacional implementada pelo regime militar entre os anos de 1964 a 1986

teve um carter poltico de servir como elemento de aglutinao dos diversos setores

econmicos e sociais, sendo o eixo maior da poltica urbana.

As medidas polticas na rea habitacional tomadas pelos vrios governos militares

que se sucederam no contexto histrico do Regime Militar foram tratadas de modo a

situar as mudanas ocorridas e os objetivos que foram sendo traados. Para tanto,

tivemos em Schmidt e Farret (1986) uma contribuio na descrio dos perodos

polticos e das vrias fases que marcaram a atuao do BNH, enquanto rgo

28

institucional voltado para desenvolver, organizar e encaminhar, colocando em prtica

as propostas e as polticas na rea habitacional.

Assim, possibilitamos uma compreenso das transformaes das aes voltadas para

o enfrentamento do problema habitacional, a partir dos novos objetivos que foram

sendo inseridos nos programas pblicos, abrangendo novos elementos aos quais nem

sempre perpassavam pela moradia, a exemplo do estmulo a conglomerados

empresariais possibilitados pelos investimentos previstos nos programas de

desenvolvimento urbano.

O segundo captulo, A Redemocratizao e a Questo da Moradia, est subdividido

em: A Mudana Poltica e os Novos Paradigmas de Desenvolvimento; A Constituio

de 1988 e o Direito Moradia.

Primeiramente, reconhecendo a importncia das novas concepes sobre o papel da

poltica de habitao de interesse social, que vo surgindo aps o fim do Regime

Militar no Brasil, que construmos uma discusso voltada para o surgimento de um

novo cenrio poltico e social no pas, resultado de um processo de lutas e presses

populares que contriburam para a redemocratizao poltica do pas.

Esse processo foi legitimado pela promulgao da Constituio Federal, trazendo

como reflexo a importncia desse momento histrico para a poltica habitacional, de

modo que esta passasse a assumir uma funo social, a partir do Texto Constitucional

que trouxe, em captulos prprios da lei, os objetivos da poltica de desenvolvimento

urbano e a responsabilidade de sua execuo.

Desse modo, a Carta Magna transfere para os municpios a responsabilidade na

formulao e na conduo de programas polticos voltados para o que define como

pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e a garantia do bem-estar de

seus habitantes (BRASIL, 1988).

Na segunda seo, entendemos que a discusso em torno das contribuies geradas

pela Lei Maior de 1988 no trato do problema da habitao de interesse social foi

fundamental para a verificao das novas perspectivas que a poltica habitacional

29

passa a assumir a partir desse marco. Essas novas perspectivas provm de uma

poltica que se torna descentralizada, na qual o Estado, a partir de ento, deixa o

planejamento e a execuo da poltica habitacional para os Entes Federados, tendo

nos municpios, os principais responsveis por esse processo.

O processo de transferncia de responsabilidades pode ser construdo a partir de

Gouva (2005, p. 173) que diz [...]. Descentralizar poderes fundamentalmente,

transferir atribuies de um nvel de governo para outro hierarquicamente inferior.

Desconcentrar competncias desloc-las, no mbito da mesma instncia

governamental, do centro para periferia.

A partir de Gouva (2005) formulamos uma discusso acerca das vantagens e das

consequncias do processo de municipalizao das polticas pblicas, tendo na

necessidade do Estado racionalizar recursos, dando maior autonomia poltica para os

municpios reconhecerem e trabalharem suas demandas especficas.

Trabalhando nessa mesma perspectiva, verificamos a importncia do Texto

Constitucional de 1988 como forma de, posteriormente, contribuir para a criao de

instrumentos legais que especificam a funo social da cidade e, principalmente,

considerando nosso objeto de estudo, a funo social da moradia.

Nesse sentido, a aprovao do Estatuto das Cidades, em 2001, veio a instrumentalizar

as polticas urbanas e, assim, a polticas de habitao de interesse social, embora

limitada por alguns mecanismos criados pela prpria Lei. Considerando a contribuio

de Maricato (2003), construmos, nessa anlise, uma discusso acerca das limitaes

do prprio aparato constitucional proveniente de sua capacidade de aplicabilidade,

isso porque a utilizao dos instrumentos de reforma urbana ficava dependente da

elaborao do Plano Diretor de cada municpio e, consequentemente, dos objetivos e

finalidades ao qual se prope.

Tambm nos referenciamos em Maricato (2003) para a compreenso dos conflitos

vivenciados pelos moradores das principais cidades brasileiras no enfrentamento das

vulnerabilidades socioespaciais inerentes aos aglomerados precrios, bem como os

problemas gerados pela incapacidade das polticas locais em enfrentar as questes

30

da problemtica urbana geradas pela situao de ocupao ilegal ou irregular desses

aglomerados, no espao urbano e nas condies precrias evidenciadas nestas

reas.

Considerando esse cenrio de precariedade vivenciado pelos moradores dos morros,

descampados, alagados e tantas outras reas imprprias para ocupao, s qual uma

grande parcela da populao brasileira est inserida, que ratificamos a importncia

da anlise das perspectivas, direcionamentos e objetivos das polticas pblicas de

habitao de interesse social, no contexto das polticas urbanas.

Acreditamos ser de fundamental significao o processo de transferncia da

responsabilidade, na formulao e execuo dos programas pblicos, voltados a

solucionar o problema da habitao previsto pela Constituio de 1988.

Desse modo, cada municpio torna-se responsvel e assume uma autonomia no

sentido de identificar e resolver suas prprias demandas. Ainda que essa autonomia

possibilite um trabalho voltado realidade local e a suas respectivas especificidades,

ela limitada por algumas dificuldades provenientes da prpria capacidade fiscal e

administrativas deste Ente Federado (GOUVEA, 2005).

Em As Aes Polticas e as Iniciativas em Favor da Moradia de Interesse Social nos

Anos de 1990, terceiro captulo da pesquisa, traamos a trajetria percorrida pela

Poltica Habitacional Brasileira, nos anos de 1990, a partir de uma contextualizao

histrica do perodo e desenvolvemos uma anlise sobre cada programa criado, assim

como seus objetivos e abrangncia. Desse modo, subdividimos em: O Plano de Ao

Imediata para Habitao (PAIH); O Programa Habitar Brasil e o Programa Morar

Pequenas Comunidades; A Poltica Habitacional do Governo Fernando Henrique

Cardoso.

Compreendemos a partir da construo da primeira seo desse captulo, a

complexidade do contexto poltico e econmico vivenciado pelo pas na poca,

demonstrando as limitaes na implantao do Programa de Ao Imediata para

Habitao, assim como suas finalidades.

31

Na segunda seo, tratamos sobre o perodo histrico caracterizado politicamente

pela gesto do ento presidente Fernando Henrique Cardoso, no qual as aes

polticas implementadas para a rea de habitao de interesse social j comeavam

a apresentar novas perspectivas assumidas pelos programas pblicos, nas suas

orientaes voltadas para o tratamento das reas urbanas precrias, com obras de

infraestrutura.

Ao longo dessas trs partes organizadas no captulo, que verificam as polticas

desenvolvidas em mbito nacional para a rea habitacional, desenvolvemos uma

compreenso que assumiu o carter de hiptese da nossa pesquisa, na qual a partir

de fontes primrias como resolues, manuais e decretos dos programas federais

implantados e discusses bibliogrficas construdas a partir de Maricato (2003),

Cardoso (2007), Valena (2001), Bonates (2007; 2008), Tiezzi (2004), Cordeiro (2009)

entre outros, possvel verificar que as polticas de habitao de interesse social, nos

anos de 1990, tiveram como objetivo maior gerar melhorias a partir de obras e servios

urbanos nas reas precrias ocupadas pela populao de baixa renda.

Desse modo, na ltima seo, desenvolvemos um entendimento sobre a poltica

nacional de habitao, sobre a necessidade de proporcionar melhorias em

infraestrutura e oferta de servios bsicos nas reas urbanas precrias, ocupadas

pela populao de baixa renda, como propsito de estimular essa populao a se fixar

e evitar novas ocupaes e problemas decorrentes, voltando-se a aes a fim de

proporcionar condies mnimas de habitabilidade nos morros, nas favelas, nas reas

identificadas pelo poder pblico como inseguras e de alto risco para moradia.

Alm disso, chama a ateno que, grande parte dos programas polticos para a rea

habitacional, que tinham como justificativa atender a funo social da moradia,

acabavam beneficiando a populao com faixa salarial acima dos 05 salrios

mnimos, se contrapondo s reais carncias evidenciadas no problema da moradia

que abrange em sua maioria a populao com renda abaixo dos 03 salrios mnimos.

Destacamos como premissa dessa nova lgica poltica que se configura nos anos de

1990, o tratamento dado ao problema da moradia que passava a ser compreendido

de modo integrado aos demais elementos que compunham o habitat como um todo.

32

A partir dessa concepo, convergimos para Cordeiro (2009, p. 72) ressaltando que

O Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) incorpora o discurso da moradia

entendida como habitat, considerando as questes ambientais, urbanas, de

saneamento e desenvolvimento institucional.

Outro aspecto interessante abordado nesse momento da pesquisa que a produo

de unidades habitacionais, forma principal adotada pelos programas geridos pelo BNH

no perodo histrico de Ditadura Civil-Militar, no passou mais a configurar nos anos

de 1990 uma das modalidades principais de acesso moradia. Ao contrrio, a

produo de moradias passou a ser compreendida como dispendiosa para o

oramento pblico e pouco impactante no mbito dos resultados. Nesse sentido, o

estmulo maior dado pelos programas habitacionais que estavam inseridos num

contexto de polticas urbanas estava voltado qualidade do espao urbano ocupado

pela populao de baixa renda.

Aps essa anlise poltica da trajetria dos programas de habitao de interesse

social, considerando a integralidade desses programas junto s demais reas do

conjunto urbano, previstos a partir de ento de modo integrado a compor o habitat do

citadino, apresentamos algumas experincias vivenciadas por algumas cidades

brasileiras, no enfrentamento do problema habitacional a partir dessa nova concepo

de integralidade dos vrios elementos que compe a moradia.

Assim, no captulo intitulado Cidades e Metrpoles: A questo da Habitao de

Interesse Social, subdividido em: As Polticas de Habitao de Interesse Social em

Algumas Cidades Brasileiras; Esprito Santo: Economia e Sociedade no Contexto de

Modernizao do Sculo XX; A Regio Metropolitana da Grande Vitria: A

Configurao Socioespacial no Contexto da Poltica Habitacional de interesse Social;

Os Municpios da Regio Metropolitana da Grande Vitria e Alguns Indcios da Poltica

de Habitao de interesse Social.

Desenvolvemos, na primeira seo desse captulo, uma discusso acerca do

processo de transformao urbana que algumas cidades brasileiras foram submetidas

ao longo dos anos de 1980, 1990 e incio dos anos 2000.

33

Atravs de Cardoso (2007), Costa e Tsukumo (2013), Barbosa (2003), e outras obras

especficas sobre as experincias de algumas cidades brasileiras com polticas

habitacionais, fundamentamos teoricamente nossa discusso. A partir desses autores

foi possvel identificar algumas polticas pblicas urbanas voltadas ao enfrentamento

do problema habitacional em sua amplitude, abrangendo os diversos elementos que

compe o habitat, como tratamento e fornecimento de gua, esgotamento sanitrio,

drenagem de rios, obras de conteno de encostas, construo de escadarias nos

morros, construo de unidades habitacionais para reassentamento das famlias

retiradas de reas de risco e de proteo ambiental e vrias outras formas de

transformar as reas imprprias para habitao em localidades capazes de

proporcionar as condies bsicas de moradia.

Posteriormente, na segunda seo, ao longo de sua construo, buscamos,

principalmente atravs de Rocha e Morandi (2012), Siqueira (2010), Silva (2010) e

Bittencourt (2006), construir um quadro terico das principais transformaes

polticas, econmicas e sociais s quais o estado do Esprito Santo foi submetido ao

longo do sculo XX e incio do sculo XXI.

A partir do processo de industrializao ocorrido no Esprito Santo possvel

compreender a nova configurao no tecido espacial e social ao qual o povo capixaba,

assim como das demais cidades brasileiras, foram submetidos (CAMPOS JUNIOR,

2005). Considerando a contextualizao desse perodo vivenciado pelo Esprito Santo

que situamos a realidade no trato do problema habitacional.

A perspectiva histrica do estado e da metrpole capixaba contextualizada a partir

de Siqueira (2010), que descreve a posio perifrica do estado do Esprito Santo em

relao ao espao poltico e econmico nacional at grande parte a implantao dos

grandes projetos industriais. A partir desse momento, desenvolvemos na terceira

seo, embasados na abordagem da autora (2009, 2010), Abe (1999), Silva (2010) e

dos estudos do Instituto Jones Santos Neves (IJSN, 2004) uma abordagem sobre a

paisagem urbana existente nos municpios da Regio Metropolitana da Grande Vitria

(RMGV) at os anos de 1970.

34

Destacamos a institucionalizao da RMGV na anlise do contexto poltico,

econmico e social dos municpios, verificando suas diferenas no mbito

metropolitano e as limitaes existentes na constituio de um processo pleno de

integrao regional.

Na quarta seo, construindo nossa discusso maior em torno do objeto de estudo,

que so as perspectivas da poltica habitacional no municpio de Vitria.

Apresentamos, a partir de uma anlise proveniente de fontes primrias

disponibilizadas pela Caixa Econmica Federal, referentes aos contratos e operaes

de fomento, as aes polticas acionadas no enfrentamento do problema habitacional

no contexto da poltica urbana nos municpios que compunham a RMGV no perodo

estudado. Nesse caso, trabalhamos com os municpios de Vitria, Vila Velha, Serra,

Cariacica e Viana, no abrangendo na pesquisa os municpios de Guarapari e Fundo

que passaram a compor a RMGV a partir dos anos de 1999 e 2001 respectivamente.

possvel verificar, a partir desses contratos de fomento da CEF realizados com os

municpios da RMGV, a orientao poltica das aes voltadas para obras de

urbanizao nas reas dessas cidades mais empobrecidas e carentes de

infraestrutura e servios pblicos. Alm dessa comprovao da hiptese da nossa

pesquisa, verificamos a diferena dos investimentos e realizaes entre os

municpios, evidenciando a discrepncia econmica, poltica e social entre as cidades

pertencentes RMGV.

Na ltima parte da pesquisa que trata A Poltica de Habitao de Interesse Social No

Municpio de Vitria: As Experincias com o Projeto So Pedro e o Projeto Terra,

apresentamos o cenrio socioespacial existente no municpio de Vitria no perodo

estudado. Organizamos o captulo em trs subdivises que so: O Municpio de Vitria

e o Planejamento como Elemento de Interveno das Polticas Sociais Urbanas; A

Importncia da Participao Popular na Constituio de Uma Nova Poltica

Habitacional no Municpio de Vitria; O Projeto So Pedro e o Projeto Terra como

Instrumentos de Interveno da Poltica Pblica da Cidade de Vitria.

No primeiro momento desse captulo, analisamos a construo de um processo de

consolidao, na poltica municipal, de aes pblicas guiadas por princpios

35

administrativos da gesto estratgica. Discorremos nesse contexto sobre a

importncia do planejamento estratgico como instrumento de elaborao e execuo

de programas voltados ao trato dos problemas urbanos de modo integrado na cidade

de Vitria.

Posteriormente, no segundo momento, verificamos a importncia da participao

popular no processo poltico de gesto urbana e, nesse sentido, a criao e

consolidao de instrumentos legais e de rgos capazes de propiciar o espao de

interlocuo entre poder pblico e sociedade.

Partindo do reconhecimento das aes polticas voltadas para o enfrentamento do

problema habitacional na cidade de Vitria, entre os anos de 1988 a 2002, foi possvel

destacar duas grandes experincias no mbito da poltica urbana do municpio,

dinamizadoras de uma transformao socioespacial, refletindo as perspectivas da

poltica de habitao de interesse social ps Constituio Federal de 1988.

As experincias polticas na cidade de Vitria comearam a expressar tendncias

voltadas no apenas para a soluo de problemas urbanos, como a degradao

ambiental, mas tambm de modo inovador, entre os projetos desenvolvidos nas

principais cidades brasileiras, a exemplo do Projeto So Pedro e posteriormente o

Projeto Terra, que voltavam-se para o enfrentamento do problema socioambiental.

Utilizando os estudos do Instituto Jones Santos Neves (1979; 1988; 1989; 2004), das

matrias publicadas pelos Jornais A Gazeta e a Tribuna e, principalmente, pelos

documentos originais do Projeto So Pedro e do Projeto Terra, ambos implementados

na cidade de Vitria, foi possvel construir um entendimento dos conceitos, dos

objetivos e do alcance social das aes voltadas para o enfrentamento do problema

habitacional.

Desse modo, a partir dos dados coletados foi possvel fazer uma discusso terica a

fim de ratificar as informaes, considerando de grande importncia as contribuies

de Marchesini (2006), Carlos (2006), Portela (2002), Delanos (2011), Botechia e

Borges (2014), alm de vrios outros autores para a construo da anlise histrica

36

dos acontecimentos e transformaes polticas, econmicas e sociais no municpio de

Vitria.

Em Pereira (2012), Martinuzzo (2002), Coelho (2005), Bonduki (1997) e Andreatta

(1987) tratamos do objeto de estudo de nossa pesquisa, que propriamente as

polticas pblicas urbanas voltadas para o enfrentamento do problema habitacional na

cidade de Vitria, considerando as experincias vivenciadas pelas comunidades que

ocupavam reas imprprias para habitao, identificadas pelo poder pblico municipal

como reas de risco e de proteo ambiental.

Assim, na ltima seo do captulo, abordamos alm do Projeto So Pedro, o Projeto

Poltico Urbano denominado de Projeto Terra, implementado a partir de uma

concepo de tratamento socioambiental e conjunta dos problemas enfrentados pela

populao urbana, compreendendo a importncia da integralidade das aes e dos

vrios elementos que compe o espao fsico da habitao e seu impacto no tecido

social.

A metodologia da pesquisa utilizou a abordagem qualitativa como base da anlise

realizada, compreendendo a impossibilidade de mensurar os resultados das aes

polticas praticadas de modo quantitativo, j que estas ocorreram, como j exposto,

de modo integrado, em vrias fases, podendo at ser iniciadas numa gesto poltica

e serem concludas em outro momento poltico. Outro aspecto limitador da

mensurao quantitativa dos resultados das aes polticas implementadas no mbito

da habitao de interesse social que esta no mais trabalhada e compreendida a

partir de uma perspectiva de produo de unidades habitacionais, como era na gesto

do BNH. A nova perspectiva constituda a partir do fim dos anos de 1988 e

principalmente, ao longo dos anos de 1990 da importncia das condies de

habitabilidade nos espaos urbanos ocupados pela populao de baixa renda.

Nessa perspectiva verificamos as aes voltadas ao melhoramento das condies de

infraestrutura e da oferta dos servios pblicos coletivos, a fim de proporcionar s

famlias inseridas nessas reas precrias maior acessibilidade, segurana, sade,

higiene e educao; todos, elementos considerados integradores de uma concepo

37

inovadora e conjunta sobre a qualidade do espao fsico urbano e, principalmente, do

espao social constitudo.

Consideramos como resultado de compreenso alcanado nessa pesquisa um

entendimento de significativas mudanas nas perspectivas de desenvolvimento e

execuo da poltica de habitao de interesse social aps a publicao da

Constituio de 1988 e, principalmente, ao longo dos anos de 1990, mediante ao

carter descentralizador imposto.

Nesse sentido, os novos direcionamentos na formulao dessa poltica embasavam-

se numa lgica de enfrentamento do problema habitacional da populao de baixa

renda, a partir do espao urbano j ocupado, ficando, os municpios, responsveis

pela formulao e execuo das aes polticas locais voltadas para as

especificidades e demandas da sua populao.

Percebemos, a partir da influncia da Constituio de 1988 e dos programas federais

formulados para a rea habitacional, que os municpios brasileiros passaram a

implementar programas voltados para a urbanizao das reas precrias, a partir de

obras de infraestrutura e de servios bsicos para as comunidades atendidas.

Nessa perspectiva, utilizamos como amostragem o municpio de Vitria considerando

o carter inovador na elaborao e execuo de Programas Polticos fundamentados

numa lgica socioambiental e, posteriormente, consolidando essa prtica a partir de

uma concepo de integralidade de aes expressas pelo Projeto Terra, caracterizado

por conceber a moradia numa perspectiva coletiva de bens e servios fundamentais

na garantia da qualidade de vida das famlias de baixa renda, assim como da sua

insero cidade legal, reconhecendo a importncia do papel do poder pblico e de

suas polticas na consolidao do espao urbano como elemento fundamental de

incluso social.

38

1 - POLTICA HABITACIONAL NO BRASIL: A HABITAO DE

INTERESSE SOCIAL EM QUESTO

A habitao social no uma questo surgida no mbito histrico da

contemporaneidade, na verdade remonta s preocupaes de pensadores como

Engels (1979) sobre o modo de vida das classes operrias ainda no sculo XIX.

As discusses se voltam para a precariedade das condies de habitao sentida por

grande parte da populao, composta por trabalhadores e desempregados, desde o

fenmeno da Revoluo Industrial na Inglaterra. Desde ento, as grandes cidades

urbanas vivenciam realidades as quais evidenciam um crescimento populacional

vindo em sua maioria de reas rurais e de cidades menos dinamizadas

economicamente para regies que passavam por um processo de transformao

caracterizado principalmente pela implantao das indstrias.

Considerando o avano tecnolgico e cientfico que alcana o universo industrial, so

lanadas as bases para uma revoluo na organizao do sistema capitalista e,

consequentemente, no modo de produo industrial, modificando a sociedade, que

passa a ser moldada em padres estabelecidos pela prtica de acumulao de capital

(CASTELLS, 1983).

Desse modo, consideramos inicialmente, como instrumento metodolgico, uma

discusso acerta das teorias e conceitos que situam a questo da habitao como um

elemento inerente ao desenvolvimento e expanso do sistema capitalista de

produo. Destacamos a questo da habitao como ponto indubitvel de base de

sustentao e estmulo do sistema de produo capitalista, servindo como condio

fundamental para gerao do processo de transformao e modernizao das bases

produtivas e da sociedade de modo geral.

Tambm analisamos esse processo a partir da realidade Brasileira. Consideramos

que no Brasil esse fenmeno de implantao de parques industriais, considerando

39

suas especificidades, tambm foi impulsionador de grande crescimento populacional,

levando a uma demanda cada vez maior por moradia.

A moradia no Brasil passou a ser considerada como um problema pblico a ser

enfrentado pelo Estado a partir dos anos de 1930, demarcado pelas primeiras

tentativas de solucionar a carncia da populao trabalhadora na busca por um

espao urbano e, consequentemente, um espao social.

Nesse sentido, a habitao tornou-se elemento de incluso e excluso do indivduo

nas cidades, tendo na valorizao do espao fsico urbano pelo mercado imobilirio e

pelos padres sociais institudos, a capacidade de receber ou no as intervenes

provenientes dos programas pblicos na rea habitacional.

Buscando contextualizar historicamente a trajetria da habitao de interesse social

no Brasil, tambm analisamos a maior poltica nessa rea, no Brasil, at o sculo XX,

na qual verificamos a importncia e os impactos da poltica habitacional brasileira

gerida pelo Banco Nacional de Habitao (BNH), durante o perodo poltico de

instalao de um Regime Militar, que perdurou por mais de vinte anos no pas.

1.1 HABITAO DE INTERESSE SOCIAL: UMA QUESTO SOCIAL URBANA -

EIXOS HISTRICOS E CONCEITUAIS.

Com a publicao, em 1845, do livro A situao da classe trabalhadora em Inglaterra,

Engels dentre outras preocupaes, destacou as condies de vida e de moradia da

classe operria, quando transitava pelo universo social e urbano das cidades

industriais inglesas, com suas precariedades, pobreza, insalubridades, enfermidades

e a segregao, como particularidades dos espaos habitados pelos trabalhadores.

Sobre essa situao, Engels (1975, p. 59), descreve:

Todas as grandes cidades tm um ou vrios bairros de m reputao onde se concentra a classe operria. certo ser frequente a pobreza morar em vielas escondidas, muito perto dos palcios dos ricos; mas, em geral, designaram-lhe um lugar parte, onde, ao abrigo dos olhares das classes mais felizes, tem de se safar sozinha, melhor ou pior. Estes bairros de m reputao so organizados em toda a Inglaterra mais ou menos da mesma

40

maneira, as piores casas na parte mais feia da cidade (...)e quase sempre irregularmente construdas.

Este tema esteve presente nos escritos de Engels, marcando o sculo XIX, quando

esse autor, em 18721, coloca em pauta a situao da moradia da classe trabalhadora

e a precariedade urbana das cidades, que no atendiam as exigncias do movimento

industrial, principalmente, verificando na burguesia industrial a no preocupao no

atendimento s necessidades mais fundamentais dos trabalhadores, a exemplo da

habitao. Engels (1975, p. 76) entende que [...] ai que, simultaneamente, as

consequncias da indstria moderna se desenvolveram completamente e na sua

forma mais pura [...] com ateno para as cidades inglesas, a exemplo de

Manchester, onde crescia a preocupao com a precariedade dos alojamentos dos

operrios, pelo vis da higiene e da insalubridade.

Com uma viso crtica, Engels analisou como a burguesia pensava a questo do

alojamento, o papel do Estado frente a essa questo e a ausncia de compromisso

no enfrentamento do problema, alm das relaes da burguesia na reproduo e

controle do espao urbano, a partir da noo higienista.

No mbito dessas reflexes, em tempos de uma ordem capitalista j solidificada,

importante situar que as mudanas que se processavam na dinmica econmica

capitalista se refletiam na estrutura poltica e social da sociedade, em que as

perspectivas do movimento do capitalismo, at ento em estgio concorrencial,

seguiam em direo a novas estratgias voltadas para o capital monopolista. Neste

contexto, a organizao da classe trabalhadora tambm tomava vulto, colocando em

evidencia as precariedades do mundo do trabalho e suas implicaes na vida urbana,

revelando, dentre outras questes, as condies de habitao (BALANO; PINTO,

2007).

As condies de pobreza e seu traado nas cidades, perpassando pelos bairros

operrios, sem estrutura urbana digna de condies de habitao, situando essa

populao num espao sociourbano precrio e a uma degradao fsica e moral

1Engels escreveu em 1844 A situao da classe trabalhadora em Inglaterra, tendo publicado em 1845. Nessa

obra, Engels buscou apresentar um panorama da vida social urbana na Inglaterra a partir de relatrios, descritos e

vrios tipos de documentos capazes de fornecer as impresses sobre a vida cotidiana dos operrios ingleses no

sculo XIX.

41

descrita por Engels (1979), revelam o quadro social da habitao e a total relao da

questo urbana com a questo econmica, vista que a segunda constitui elemento

fundamental no norteamento e direcionamento da organizao do espao urbano e

de seus habitantes.

Na perspectiva das argumentaes sobre a funcionalidade, os mecanismos e a

dinmica urbana, no mbito da organizao da cidade no desenvolvimento capitalista,

Lefebvre (1999) possibilita uma reflexo sobre as potencialidades das articulaes

capitalistas na produo e reproduo do espao, partindo da ordenao

socioespacial com todas as estratgias para atender expanso, acumulao e s

demandas do capital, at a construo do espao do habitar com sua distribuio

distinta, principalmente aquela destinada s classes trabalhadoras, ou seja, s

aglomeraes que tomam forma pelo vis das habitaes populares.

O autor apresenta a forma com que o processo de produo de moradias no espao

urbano se organiza no mundo capitalista, produzido, em estratgias globais com todas

as articulaes socioeconmicas e de poder, as suas fragmentaes e pulverizaes

agravadas pela dinmica das relaes de produo capitalistas, conjugada

principalmente urbanizao desigual. Essa urbanizao desigual compreendida

em Castells (1983, p. 79) ao lembra que A urbanizao em curso nas regies

subdesenvolvidas no uma rplica do processo que atravessam os pases

industrializados. E mesmo ela no podendo ser considerada um processo de iguais

caractersticas em sua causa, tem em seus efeitos a capacidade de gerar grande

crescimento demogrfico, bem como as formas espaciais que ela toma

profundamente expressivas e carregadas de significao poltica (CASTELLS, 1983,

p. 78).

Essas consideraes postas em discusso, em relao representao da

industrializao e aos mecanismos do modo de produo capitalista, levam-nos a

pontuar que, historicamente, o problema da habitao de interesse social2 j se

2 Nesse trabalho ser utilizado o termo Habitao de Interesse Social por corresponder nova funo social da

habitao ps publicao da Constituio Federal de 1988, sendo esse o marco temporal ao qual o objeto da

pesquisa se debrua, lembrando que existem outras denominaes como Habitao Popular, porm, sendo essa

compreendida como uma terminologia mais genrica, envolvendo todas as solues destinadas ao atendimento

das necessidades habitacionais. Sobre essa questo, ver ABIKO, Alex Kenya. Introduo Gesto Habitacional.

42

colocava no complexo universo da problemtica urbana, no mbito da questo

social3, embora a dimenso desta noo ainda no estivesse posta na esfera poltica,

permanecendo, durante muito tempo, descrita como a questo do pauperismo que

caracterizava a situao de vida da classe trabalhadora (CASTEL, 1998). Questo

que em tese representa, como expressa Cohn (2000, p. 386, grifo do autor):

[...] as mazelas sociais, como sinnimos, portanto, de problemas sociais. Estes, por sua vez, tendem a ser decodificados como expressando um fenmeno social (ou um conjunto de fenmenos sociais) que ultrapassam um determinado nvel considerado normal a partir de determinados critrios.

Essa designao expressa no pauperismo, que toma forma mais concreta na Europa,

nas primeiras dcadas do sculo XIX, deu-se, conforme Jamur (1997, p. 183) [...] no

contexto de intensa luta poltico-ideolgica, onde se produzem e se opem diferentes

utopias revelando-se, assim, um deslocamento significativo na compreenso do

fenmeno da pobreza e nas suas representaes.

Noo que ganhou relevncia em funo do avano do capitalismo internacional e

suas particularidades no conjunto das relaes sociais que se desdobram em

mltiplas faces num processo de fragmentao social.

O processo de conscientizao da classe trabalhadora e a consequente organizao

da classe operria na luta pela reivindicao de direitos e garantias sociais mudou o

perfil da questo social na Europa a partir do final do sculo XIX. Os movimentos para

as conquistas e garantias de direitos sociais impulsionaram as aes de interveno

do Estado em favor das questes que abrangiam a problemtica social da classe

trabalhadora, com as iniciativas do sistema de regulao estatal4 (CASTEL, 1998).

Texto Tcnico. Escola Politcnica da USP. Departamento de Engenharia da Construo Civil. So Paulo, 1995.

Disponvel em http:// www.pcc.usp.br/files/text/publication/TT_00012.pdf. Acesso em 05 fev. 2015. 3 Nessa pesquisa compreendemos o conceito questo social da habitao como elemento inerente ao problema

da cidade, porm, no podendo ser confundido com o ento conceito do problema social da habitao quando

este advm de condies criadas pelo mercado e que tem no Estado a primeira instncia como regulador e

interventor dos mecanismos de mercado na busca de uma distribuio menos desigual de um bem considerado

fundamental, como o caso da moradia. Sobre essa discusso ver: BAPTISTA, Lus V. Cidade e Habitao

Social. O Estado Novo e o Programa das Casas Econmicas em Lisboa. Lisboa: Celta Editora, 1999. 4 A evoluo das iniciativas iniciais de regulao estatal at ao modelo do Estado Providncia (WelfareState),

afirmou o reconhecimento e o valor do trabalho na organizao da sociedade salarial. Fato que criou as bases

modernas da Seguridade Social estabelecendo e fortalecendo as garantias sociais atravs de um conjunto de

medidas contra riscos sociais e ou de existncia, tendo como exemplo proteo contra doenas, desemprego,

velhice, tipos de dependncia, acidente ou contingencias sociais. Trata-se da responsabilidade do Estado em

manter o bem estar dos cidados como questo de direito social, no mbito da prestao de servios sociais e da

http://www.pcc.usp.br/files/text/publication/TT_00012.pdf

43

Tratando-se da questo social, que no caso do Brasil, especificamente, se coloca o

problema da moradia a partir do incio da Repblica no final do sculo XIX, ocorre o

que denominamos como materializao de um projeto de modernidade e civilidade

seguindo o modelo europeu5, que vai se configurar num amplo projeto de

transformaes urbanas.

O movimento do progresso capitalista, que predominou na Europa entre os sculos

XIX e XX, colocou as cidades como instrumento da realizao da modernidade e dos

princpios de civilidade, privilegiando a reestruturao urbana, segundo Ferreira

(2009, p. 208), como [...] condio necessria para se alcanar patamares cada vez

mais elevados de acesso ao to desejado progresso.

No Brasil, nas primeiras duas dcadas do sculo XX, a industrializao ainda no

promovia significativas alteraes nas estruturas socioeconmicas6 do pas, e a

urbanizao7 ainda no se relacionava com um movimento do avano capitalista8,

mas o iderio de modernidade pelo vis da reestruturao urbana, enquanto um

fenmeno que referenciava civilidade e progresso, ganhava uma forte expresso,

sendo incorporado ao projeto das mudanas republicanas. neste contexto que

desponta e toma vulto a questo da habitao nas principais cidades brasileiras.

Pelo vis da questo sanitria, tm incio as intervenes do poder pblico no

processo de mudanas urbanas que atingiram as cidades, num combate inicial s

epidemias e s doenas contagiosas, aliada s melhorias de condies sanitrias,

legislao laboral. Ver CASTEL, Robert. As metamorfoses da questo social: uma crnica do salrio. Petrpolis:

Vozes, 1998. 5 As obras de renovao urbana no Brasil entre os anos de 1890 a 1930 tiveram forte influncia do modelo

Haussmaniano, proveniente da Frana, resultando num processo de demolio de formas populares de habitao

como cortios, levando significativa parcela de trabalhadores a invadir os morros, dando incio a ocupao das

primeiras favelas. Sobre essa questo ver TASCHNER, Suzana Pasternak. Poltica Habitacional no Brasil:

Retrospectivas e Perspectivas. Cadernos de Pesquisa do LAP. Revista de Estudos sobre Urbanismo,

Arquitetura e Preservao. Setembro Outubro de 1997. 6 O crescimento da economia nacional at os anos de 1930 dependia principalmente da expanso da produo

agrcola, tendo a sociedade brasileira um perfil predominantemente rural. Ver SIQUEIRA, Maria da Penha

Smarzaro. Industrializao e Empobrecimento Urbano. O caso da Grande Vitria. 1950-1980. 2 ed. Vitria:

Grafitusa, 2010. 7 O processo de urbanizao na sociedade e na economia brasileira, no se deflaga a partir da industrializao,

porm, com a sua evoluo acaba redirecionando o urbano e organizando seu espao fsico e social. Ver SILVA e

SILVA, Maria Ozanira. Da. Poltica Habitacional Brasileira: Verso e Reverso. So Paulo: Cortez, 1989. 8 Sobre o processo de industrializao e organizao do espao urbano, ver OLIVEIRA, Francisco de. O Estado e

o urbano no Brasil. Espao & Debates. So Paulo, (6), 1982.

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seguidas por amplas aes de obras de saneamento e de infraestrutura. A noo de

modernizao, aliada s intervenes urbansticas voltadas para o embelezamento e

os direcionamentos da poltica higienista, mudaram o perfil socioespacial das cidades,

com grande impacto nas reas que abrigavam as classes populares com suas

moradias insalubres9.

Os problemas relacionados habitao de interesse social, a partir deste movimento

de reestruturao urbana, sero determinantes no agravamento de segregao

socioespacial (BONDUKI, 1998). O grande processo de modificaes urbanas afetou

diretamente a situao de moradia das classes populares, reformulando o problema

habitacional nas principais cidades brasileiras, que ficou colocado [...] no tanto como

uma questo da forma da habitao popular [...], mas como uma questo do

espao da habitao popular (LOBO et al, 1989, p. 77). Questo que se manteve ao

longo do processo de desenvolvimento nacional no decorrer do sculo XX.

A nova realidade urbana, proveniente da noo de modernidade instituda no Brasil,

predominante nas cidades, a partir do sculo XX, foi modificando os espaos que se

reestruturavam, seguindo a legislao sanitarista e os novos padres de ocupao e

edificaes tanto comerciais, pblicas, quanto de moradias. Os espaos que

abrigavam as precrias moradias populares, vistos como insalubres, perigosos e de

riscos contagiosos, sofreram grandes transformaes, passando pela erradicao e

destruio, dando lugar reconstruo em uma nova lgica urbana10.

Neste sentido, as reas distantes dos subrbios11 ganham lugar no cenrio urbano

como alternativas de moradias das classes pobres, o que incluiu, conforme afirma Vaz

(1994, p. 590), alm da pobreza coletiva [...] ilegalidade, insalubridade, desordem,

autoconstruo e falta de infraestrutura urbana [...].

9 Sobre a poltica higienista e o contexto histrico relacionando pobreza, cidade e interveno pblica, ver:

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortios e epidemias na corte imperial. So Paulo: Cia das Letras. 1996. 10 Essa nova lgica urbana organiza o espao conforme o padro social institudo como adequado por grupos

sociais e setores econmicos, direcionando os inadequados para reas urbanas mais distantes e desprovidas de

uma estrutura adequada para habitar. 11 Sobre o subrbio, ver MARTINS, Jos de Souza. Subrbio. Vida Cotidiana e Histria no Subrbio da Cidade

de So Paulo: So Caetano, do fim do Imprio ao fim da Repblica Velha. So Paulo: HUCITEC, 1992.

45

Com base nessa anlise que situamos a questo da moradia como problema social,

o qual permite um direcionamento para uma abordagem mais especfica dos

elementos que o constituem, dentro de um contexto poltico, econmico e social.

Essa abordagem est diretamente associada ao traado do desenvolvimento

capitalista nacional12 e nas formas de lidar com a questo da habitao nas primeiras

dcadas da Repblica.

Se de um lado temos o processo de transformao urbana, agravando a questo

habitacional, de outro lado temos a ordenao das vilas operrias que marcaram o

incio do desenvolvimento industrial no Brasil.

As vilas operrias estabelecidas em reas prximas s fbricas alojavam os

trabalhadores de forma mais estvel13, uma vez que o mercado de moradia, em todas

as modalidades, era domnio do setor privado. Implcito neste modelo se inclua

tambm a ideia da moralizao da moradia e o controle da classe operria (BONDUKI,

1998).

At 1930, a produo de moradia, enquanto atividade do setor privado nos

mecanismos do mercado rentista, com grande nfase na construo de habitaes

para aluguel, agravava a problemtica habitacional no pas, principalmente nos

centros com maior desenvolvimento industrial, que contavam com maior concentrao

populacional e intensificao da urbanizao, processo determinante para o

12 A habitao no um elemento independente de um processo capitalista de produo, mas sim, uma varivel

bastante significativa, tanto no aspecto da produo e oferta do bem, como instrumento de ideologia e poder. Nesse

sentido, serve como varivel de confluncia de interesses entre Estado, empresas privadas e capital financeiro,

compondo um conjunto de elementos indispensveis para a vida de um cidado, a moradia constitui no imaginrio

social, elemento de incluso, segurana e status social, fazendo com se torne alvo de interesses polticos e privados.

Sobre a moradia como elemento de interesses entre os diversos setores e segmentos, pblicos e privados, ver

SHIMBO, Lcia Zanin. Habitao Social, Habitao de Mercado: a confluncia entre Estado, empresas

construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado apresentada no Programa de Ps Graduao em Arquitetura

e Urbanismo. Escola de engenharia de So Carlos da Universidade de So Paulo, 2010. Disponvel em

http://www.teses.usp.bs/teses/disponvel/18/18142/tde-04082010...pt-br.php, Acesso em 23 jan. 2014. 13 Existiam duas modalidades muito diversas de vilas operrias; uma, o assentamento habitacional promovido por

empresas e destinado a seus funcionrios; outra, aquela produzida por investidores privados e destinado ao

mercado de locao. Ver BONDUKI, Nabil. Origens da Habitao Social no Brasil. Arquitetura Moderna, Lei

do Inquilinato e Difuso da Casa Prpria. So Paulo: Estao Liberdade: FAPESP, 1998. J sobre as vilas

operrias, ver BLAY, Eva. Eu no tenho onde morar: vilas operrias na cidade de So Paulo. So Paulo: Nobel,

1985.

http://www.teses.usp.bs/teses/disponvel/18/18142/tde-04082010...pt-br.php

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crescimento da demanda por moradias, notadamente aquela para as classes

populares.

Essa escassez por moradias populares e o crescimento cada vez maior da populao

nas principais cidades brasileiras tomavam vulto e se agravavam medida que o

processo de industrializao evolua, embora a economia do pas estivesse bastante

dependente do setor agrcola e da produo de caf para exportao.

O agravamento do dficit habitacional estimulava as iniciativas encontradas pelas

classes populares na busca por solucionar o problema da moradia, permitindo a

expanso dos espaos urbanos inadequados para habitao. Taschner (1997, p. 3)

sobre a constituio dos assentamentos urbanos lembra que estes se apoiaram no

trip loteamento popular - casa prpria - autoconstruo.

a partir de 1930, com o coroamento da industrializao como eixo prioritrio do

desenvolvimento nacional e do sistema capitalista de produo que as atividades

urbanas vo expressar uma nova dinmica socioeconmica, redefinindo o cenrio

socioespacial, tanto pelo vis do alargamento das oportunidades e das atividades de

trabalho no meio urbano, quanto pelos novos paradigmas predominantes na

regulao das relaes capital-trabalho14.

Nesse contexto, muda tambm a forma de enfretamento relativa ao problema da

habitao, tanto no mbito social quanto no poltico. Entra em cena o tema da

habitao social, iniciando um novo entendimento dessa problemtica no mbito da

questo social, que para Bonduki (1998, p. 73) [...] o problema da moradia emergiu

como aspecto crucial nas condies de vida do operariado, pois absorvia

porcentagem significativa dos salrios e influa no modo de vida e na formao dos

trabalhadores.

14Alguns autores que tratam da economia brasileira aceitam a Revoluo de 1930 como um momento de

transposio da predominncia do modelo econmico agroexportador, para o modelo urbano-industrial, sendo

porm, que s em 1956, a renda do setor industrial supera a da agricultura. Desse modo, a partir dos anos de 1930,

ocorre uma redefinio do carter da urbanizao brasileira, alterando-se, tambm, a relao cidade e campo, em

decorrncia da modificao da diviso social do trabalho. Sobre essa discusso, ver OLIVEIRA, Francisco de. O

Estado e o urbano no Brasil. So Paulo: Espao & Debates 1982.

47

No mbito dessas mudanas, tem incio uma poltica que marca a presena do Estado

nas formas de interveno na questo da habitao no pas, atravs da criao dos

Institutos de Aposentadoria e Penses (IAPs)15, com atendimento para categorias de

trabalhadores inseridos no mercado formal. Embora os IAPs no caracterizassem

rgos, cuja finalidade fosse de prover habitao, mas sim aposentadorias e penses,

alm de assistncia mdica, constituram mecanismos, enquanto instituies

previdencirias, para o enfrentamento do problema da moradia de interesse social. 16

Com as alternativas de moradias viabilizadas atravs de iniciativas do poder pblico,

desponta tambm a simbologia da casa prpria e toda sua importncia no imaginrio

social da classe trabalhadora. Iderio politicamente construdo que marcou o

imaginrio coletivo da classe trabalhadora como o bem maior a ser alcanado,

perpassando todos os projetos de poltica de moradias no sculo XX17.

Da atuao dos IAPs, que deu forma Fundao Casa Popular (FCP)18, enquanto

instituio nacional com uma poltica voltada exclusivamente para a promoo de

moradias populares de uma forma mais ampla19, agentes que incluram a questo da

habitao num contexto maior, que envolvia a moradia popular no universo da questo

15 Os IAPs operavam atravs de carteiras prediais, sendo que j em 1930, quando criado o Ministrio do Trabalho,

indstria e Comrcio j existiam 47 Caixas de Penso, tendo aproximadamente 140 mil segurados. Ver

TASCHNER, Suzana Pasternak. Poltica Habitacional no Brasil: Retrospectivas e Perspectivas. Cadernos de

Pesquisa do LAP. Revista de Estudos sobre Urbanismo, Arquitetura e Preservao. Setembro Outubro de

1997. 16 A partir do decreto 1.749, em 1937, os IAPs, conforme um dispositivo legal, foram autorizados a criar carteiras

prediais, definindo-se o modo de operao de cada instituio no setor habitacional, alm de destinar a metade das

suas reservas para o financiamento das construes. Sobre essa questo ver FARAH, Marta Ferreira. Estado,

previdncia social e habitao. Dissertao de Mestrado apresentada a FFLCH-USP. So Paulo: mimeo, 1983.

Alm disso, tambm estabelecia condies de financiamento habitacional de forma a ampliar a demanda, com a

reduo das taxas de juros e aumento do prazo de pagamento do financiamento. Ver BONDUKI, Nabil. Origens da Habitao Social no Brasil. Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difuso da Casa Prpria. So Paulo:

Estao Liberdade: FAPESP, 1998. 17 Esse entendimento provm da significao da moradia no imaginrio do trabalhador, representando segurana

e sentimento de incluso na cidade, tanto no mbito espacial, quanto no social. O governo Vargas, atravs do

Estado, assume a responsabilidade de prover a habitao, de modo a criar instrumentos legais, nunca vistos, ainda

que de modo questionvel pelo atendimento s classes de trabalhadores atendidas. Sobre a importncia da moradia

no imaginrio social. Ver DUARTE, Maurizete Pimentel Loureiro. A Expanso da Periferia por Conjuntos

Habitacionais na Grande Vitria. 1964-1986. Vitria: Grafitusa, 2010. 18 Criada no Governo Dutra em fevereiro de 1946, com a atribuio exclusiva de solucionar o problema

habitacional brasileiro, foi responsvel em dezoito anos de existncia pela construo de 18.132 unidades

habitacionais. Ver BONDUKI, 1998. 19 Sobre a Fundao da Casa Popular, enquanto rgo de poltica urbana voltado para a habitao de interesse

social e sua abrangncia na promoo de moradias e atuao em reas complementares, assim como de sua

extino, ver AZEVEDO, Srgio de; ANDRADE, Luis Aureliano Gama de. Habitao e Poder: da fundao da

Casa Popular ao BNH. Biblioteca Virtual de Cincias Humanas. Centro Edelsteins de pesquisas sociais. 2011.

Disponvel em HTTP://www.centroedelstein.org.br. Acesso em 17 fev. 2014.

http://www.centroedelstein.org.br/

48

social, at os novos rumos implementados com a criao do Banco Nacional de

Habitao (BNH), em 1964, podemos ressaltar que a moradia, enquanto um dos

componentes fundamentais para a reproduo social e a fora do trabalho no

desenvolvimento capitalista, constituiu-se em um grave problema com ampla

expresso no quadro das desigualdades sociais.

As iniciativas em forma de polticas voltadas para o enfretamento do dficit

habitacional no atingiram as bases estruturais20 do problema, que diante do

crescimento industrial, urbano e populacional, tomou grandes propores, tornando-

se cada vez mais complexo nas cidades brasileiras. Isto fugiu do controle do poder

pblico, que com medidas desarticuladas e frgeis, num processo de desenvolvimento

e modernizao desigual21, no manteve mecanismos concretos22 voltados para o

enfrentamento das desigualdades sociais e toda a sua dimenso, acelerando e

agravando a pobreza e a segregao socioespacial.

A excluso23 de uma ampla parcela da populao dos benefcios dos programas de

moradia popular, provenientes da FCP e dos IAPs, aliada situao de pobreza,

contriburam para a expanso das ocupaes desordenadas em reas precrias nas

periferias das cidades, multiplicando as favelas que se [...] proliferaram

20 As bases estruturais do problema eram provenientes da incapacidade de instituies pblicas como os IAPs e a

FCP darem conta de solucionar o aumento populacional das grandes cidades e a escassa oferta de moradias para

as classes econmicas menos favorecidas. Essas instituies acabaram favorecendo grupos e setores sociais com

maiores recursos, a exemplo da categoria dos bancrios pelos Institutos. medida que a populao dos principais

centros aumentava, e ocorria um novo deslocamento dos trabalhadores em busca de reas habitveis, novos

problemas surgiam, como a falta de infraestrutura das novas localidades habitadas, como da segregao social de

significativa parte da populao, gerando seus impactos no modo de ser e de viver do urbano. 21Neste texto no entramos no mrito das questes do desenvolvimento pelo vis do crescimento econmico

concentrador e excludente, uma vez que esta dinmica como marca das desigualdades est implcita neste processo

como caracterstica da trajetria do capitalismo nacional. Nesse entendimento, utilizamos da anlise marxista sobre

o crescimento econmico no capitalismo que o percebe como um processo de contradies internas que

frequentemente surge repentinamente na forma de crises (HARVEY, David. A produo capitalista do espao.

2 ed. So Paulo: Annablume, 2005). 22 Esse