Perspectivas Das Religioes Afro Brasileiras No MA

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PERSPECTIVAS DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NO MARANHÃO 1 Sergio F. Ferretti Antropólogo, Prof. da UFMA 1. Diversidade de denominações: Umbanda no sul; Candomblé na Bahia; Xangô em Pernambuco, Batuque no Pará e no RGS; Tambor de Mina, Casas de Mina, em S.Luís e na Amazônia; cura ou pajelança, em Cururupu e na Baixada; Terecô em Codó. Existem estas e muitas outras denominações nas chamadas religiões afro-brasileiras, com diferenças e variações no repertório dos rituais (cânticos, danças, entidades cultuadas, vestes, instrumentos, etc.). No Brasil houve grande crescimento da Umbanda entre 1940 e 1960. A partir de 1970, passou a haver maior difusão do Candomblé, que atualmente é a religião afro mais conhecida e divulgada, considerada como mais correta, que serve como modelo às demais. Tal fato se deve em grande parte ao trabalho de pesquisadores no passado, como Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Edson Carneiro e outros, que a tomaram como modelo e a divulgaram. A maioria dos adeptos hoje pensa que o candomblé nagô é o modelo africano mais puro, muitos ignoram as outras formas ou tentam adaptá-las aos modelos do candomblé nagô. No Maranhão os terreiros realizam rituais de tambor de mina, outros são de umbanda e alguns de candomblé, difundido nos últimos vinte anos. As diferenças entre estas denominações não são rígidas e os praticantes não se preocupam muito com elas ou com a ortodoxia, que parece preocupar mais os estudiosos interessados em estabelecer uma tipologia dos grupos de culto que nem sempre é rígida. Muitas vezes é difícil distinguir porque uma casa se diz de Umbanda ou de Mina, embora haja especificidades em ambos os cultos. Uma delas é que em terreiros de umbanda quase nunca vemos a realização de festas em louvor ao Divino Espírito Santo, que são comuns nos terreiros de mina. Muitos caboclos da mina baixam também nos terreiros de umbanda (como dona Mariana, Baiano Grande, caboclo Ubirajara, dona Rosalina, seu Tapindaré, seu José Tupinambá, o Rei da Bandeira, Menina da Ponta d’Areia etc). Uma das razões da diferença entre uma ou outra destas tradições é a origem da preparação do líder do culto: se ele foi preparado na mina, na cura, ou na umbanda ou no candomblé. Fala-se que no Maranhão a Umbanda é cruzada com a Mina, isto é, possui elementos do tambor de mina. 2. Importância de estudar e conhecer as religiões afro-brasileiras: São religiões muito difundidas no Brasil e especialmente no Maranhão, um dos estados onde foi maior a presença negra no país. 1 Trabalho apresentado na Mesa Redonda Perspectivas das Religiões Afro-Indígenas e Populares. XVIIª Semana Acadêmica e IIª de Ciências Religiosas. IESMA, São Luís, 20/10/2005.

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Perspectivas Das Religioes Afro Brasileiras No MA

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  • PERSPECTIVAS DAS RELIGIES AFRO-BRASILEIRAS NO MARANHO1

    Sergio F. Ferretti

    Antroplogo, Prof. da UFMA

    1. Diversidade de denominaes:

    Umbanda no sul; Candombl na Bahia; Xang em Pernambuco, Batuque no Par e no RGS; Tambor de Mina, Casas de Mina, em S.Lus e na Amaznia; cura ou pajelana, em Cururupu e na Baixada; Terec em Cod. Existem estas e muitas outras denominaes nas chamadas religies afro-brasileiras, com diferenas e variaes no repertrio dos rituais (cnticos, danas, entidades cultuadas, vestes, instrumentos, etc.).

    No Brasil houve grande crescimento da Umbanda entre 1940 e 1960. A partir de 1970, passou a haver maior difuso do Candombl, que atualmente a religio afro mais conhecida e divulgada, considerada como mais correta, que serve como modelo s demais. Tal fato se deve em grande parte ao trabalho de pesquisadores no passado, como Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Edson Carneiro e outros, que a tomaram como modelo e a divulgaram. A maioria dos adeptos hoje pensa que o candombl nag o modelo africano mais puro, muitos ignoram as outras formas ou tentam adapt-las aos modelos do candombl nag.

    No Maranho os terreiros realizam rituais de tambor de mina, outros so de umbanda e alguns de candombl, difundido nos ltimos vinte anos. As diferenas entre estas denominaes no so rgidas e os praticantes no se preocupam muito com elas ou com a ortodoxia, que parece preocupar mais os estudiosos interessados em estabelecer uma tipologia dos grupos de culto que nem sempre rgida.

    Muitas vezes difcil distinguir porque uma casa se diz de Umbanda ou de Mina, embora haja especificidades em ambos os cultos. Uma delas que em terreiros de umbanda quase nunca vemos a realizao de festas em louvor ao Divino Esprito Santo, que so comuns nos terreiros de mina. Muitos caboclos da mina baixam tambm nos terreiros de umbanda (como dona Mariana, Baiano Grande, caboclo Ubirajara, dona Rosalina, seu Tapindar, seu Jos Tupinamb, o Rei da Bandeira, Menina da Ponta dAreia etc). Uma das razes da diferena entre uma ou outra destas tradies a origem da preparao do lder do culto: se ele foi preparado na mina, na cura, ou na umbanda ou no candombl. Fala-se que no Maranho a Umbanda cruzada com a Mina, isto , possui elementos do tambor de mina.

    2. Importncia de estudar e conhecer as religies afro-brasileiras:

    So religies muito difundidas no Brasil e especialmente no Maranho, um dos estados onde foi maior a presena negra no pas.

    1 Trabalho apresentado na Mesa Redonda Perspectivas das Religies Afro-Indgenas e Populares. XVII Semana Acadmica e II de Cincias Religiosas. IESMA, So Lus, 20/10/2005.

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    Continuam a ocorrer muitos preconceitos em nossa sociedade contra estas religies e seu estudo contribui para que se evite esta forma de etnocentrismo.

    Constitui uma tradio da cultura local que foi trazida pelos antepassados e que faz parte da identidade cultural de nosso povo, sendo importante conhecer e valorizar as fontes culturais de nossas tradies.

    Muitas destas tradies esto sincretizadas com elementos do catolicismo popular e de outras religies, como do espiritismo. Os terreiros realizam festas de culto em dias de santos catlicos, fazem procisses, ladainhas, rezam missas e realizam rituais com danas e transe em que se cultuam entidades que so ancestrais ou foras da natureza divinizadas.

    Realizam tambm muitas festas do catolicismo popular como a Festa do Divino Esprito Santo, festas de santos, festas com Tambor de Crioula, com Bumba-meu-boi, pois as entidades que cultuam tambm gostam destas festas e pedem a sua realizao nos terreiros.

    As religies afro-brasileiras so uma das fontes de desenvolvimento do folclore e da cultura popular. So participadas basicamente por pessoas da mesma classe social. Seu estudo uma das formas de conhecer a cultura de nosso povo.

    3. Algumas caractersticas principais:

    As religies afro, como coisas de negros, sofrem preconceitos at hoje, como herana de escravos, feitiaria, embora haja a presena de numerosos praticantes brancos, Sabemos tambm que muitas idias e crenas so de origens amerndias e europias, como por exemplo o conhecimento e o uso de plantas medicinais e prticas da feitiaria europia.

    Incluem rituais com tambores e danas. Tratam-se de religies cantadas e danadas com numerosos cnticos em lnguas africanas, especialmente o nag, o jeje, quimbundo, cambinda, e outras, que no so mais conhecidas, mas cujos cnticos foram preservados ou tm sido reintroduzidos.

    So religies no apostlicas, no de pregao ou de discursos, mas de fala ao p do ouvido, da oralidade e no de livros. Hoje se l e se usa mesmo a internet para conhecer, estudar e falar sobre as religies afro, mas na origem elas so religies da oralidade.

    So abertas e aceitam a todos. Como nesta religio todos so bem aceitos, elas no so religies exclusivistas, de quem no est conosco est contra ns, como a maioria das religies. So tolerantes com outras prticas religiosas, aceitam as outras como diferentes, mas no contraditrias. Seus fiis podem freqentar o catolicismo, o espiritismo e s vezes at religies evanglicas, o que mais raro, como tem sido constatado, mas no impossvel como muitos pensam. A dupla pertena muito comum nas religies afro, especialmente com o catolicismo. Em trabalhos sobre religies afro-maranhenses, citam-se casos de pessoa em transe com o vodum que vai a igreja, padrinho em batizado, comunga na missa sem que o padre e outros percebam e casos em que o devoto, regularmente incorpora a entidade durante determinada prtica litrgica catlica. Vrios rituais pblicos de terreiros de culto afro se iniciam com a missa no dia de santo comemorado, se continuam regularmente com ladainha cantada em latim diante de altar com imagens de santos da igreja, sendo seguidos por toques no salo de danas do terreiro.

    Consta-se, portanto, que o sincretismo est muito presente nestas religies, fato que no pode ser visto apenas como mscara, que funcionou no tempo da escravido, embora o mdico antroplogo maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1935), em fins do sculo XIX, denominasse este fenmeno de iluso da catequese. Os lderes religiosos e os praticantes sabem distinguir as entidades africanas dos santos catlicos pelos quais so representados em funo de smbolos que possuem em comum e que foram estabelecidos no tempo da escravido. Como afirma o historiador John Thornton (2004: 335): ... devemos considerar a converso de africanos como um processo contnuo, iniciado na frica e estendido ao Novo Mundo. Por este e

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    outros trabalhos do mesmo autor (Thornton, 1988) como de outros pesquisadores, sabe-se que o cristianismo chegou muito cedo ao continente africano, e muitos escravos foram trazidos cristianizados, principalmente do Congo e de Angola, regies de onde procedia a maioria dos escravos importados para o Brasil, at fins do sculo XVIII. O catolicismo foi imposto ao negro como religio do dominante, mas sabe-se tambm que na frica era antigo o costume da adoo de elementos da religio tanto do dominante quanto do dominado. Assim o sincretismo no incompatvel com as tradies trazidas da frica nem com a tradicionalidade destas religies, estando presente inclusive em grupos religiosos mais tradicionais, como a Casa das Minas, a Casa de Nag2 ou mais novos e em praticamente todos os outros terreiros de Tambor de Mina do Maranho (Ferretti, 1995) e de outras regies.

    So religies iniciticas, de transe ou possesso, que cultuam entidades sobrenaturais, consideradas semelhantes aos santos catlicos, denominados de caboclos, encantados, orixs ou voduns. So entidades protetoras, intermedirias entre os devotos e o Deus superior.

    So religies monotestas, embora alguns as considerem politestas pois as divindades so consideradas quase como deuses, mas que so intermedirios, embora, como no catolicismo popular a divindade superior seja um Deus distante e se confia muito nos intercessores intermedirios.

    A maioria dos participantes so mulheres, muitas casas tradicionais s mulheres participam inteiramente de todos os rituais, entram em transe e danam. Os homens exercem outras funes auxiliares, especialmente de tocadores. Surgiram tambm casas fundadas e participadas por homens, mas estes sempre costumam ser em nmero reduzido (cerca de 10 a 20%). Considera-se em geral que a dana religiosa mais bonita e apropriada s mulheres e que a dana de homens e mulheres no bem vista na religio. comum a homosexualidade entre membros do culto, como em muitas outras religies ou atividades que incentivam a sensibilidade, mas no uma prtica estimulada. Existem muitos casos em todos os terreiros de pessoas bem casadas de sexualidade socialmente mais aceita.

    As religies afro-brasileiras, como sabemos, no possuem uma organizao eclesistica unificada. Cada casa nica, embora existam redes de casas amigas, aparentadas, que se freqentam, havendo uma hierarquia entre as consideradas mais antigas, fundadas por africanos, que so muito prestigiadas. Os grupos afro-religiosos so autnomos, muitos so nicos, no tendo casas que lhe sejam filiadas. As associaes ou federaes de grupos de culto, implantadas a partir dos anos de 1940 a 1960, nem sempre conseguem unificar seus associados. Este talvez seja um de seus pontos fracos para enfrentar inimigos comuns, mas pode ser visto como uma de suas foras, por estar de acordo com a diversidade dos tempos atuais.

    So religies de procedncia africana. Sabemos que o continente africano, com mais de 30 milhes de km2, possui quase o dobro da superfcie da Amrica do Sul (que tem17 milhes de km2) e mais que o dobro da populao (a frica tem mais de 700 milhes de habitantes e Amrica do Sul tem cerca de 350 milhes de habitantes). A frica tem mais de 50 pases nos quais so falados cerca de dois mil idiomas. Tais nmeros do uma plida idia da complexidade do continente africano.

    As religies de origens africanas procedem de diversas regies da frica, acrescidas de elementos europeus e amerndios. Sabemos que a frica um continente com numerosas naes e etnias. H muitas culturas e religies africanas que vieram para o Brasil e para o Maranho. difcil identificar suas origens com exatido. Muitas fontes de documentos do trfico foram perdidas, so ainda pouco estudadas e do informaes insuficientes. Um destes tipos de documentos so os testamentos dos senhores e livros de batismo, mas as informaes so imprecisas. Os nomes de naes mudaram com o tempo. Os termos nags e jejs, por exemplo

    2 A Casa das Minas Jje fundada por africanos em So Lus na primeira metade do sc. XIX, considerado o mais antigo terreiro religioso afro-maranhense e um dos que tem sido mais estudados (Ver Ferretti, 1996), junto com a Casa de Nag, so os terreiros que implantaram o modelo de religio afro-maranhense denominado tambor de mina, difundido no Par, na Amaznia e atualmente no sul do pas.

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    que so muito conhecidos e utilizados no Brasil, como o termo Lucumi, utilizado em Cuba, hoje so quase desconhecidos na frica e discute-se a que povos se referem.

    As religies que vieram da frica para o Brasil, procedem, sobretudo da frica Sudanesa da regio em torno da linha do Equador: dos atuais paises do Togo, Benin e Nigria, trazidas pelos povos Jejes, Nags, Minas, Tapas, Hausss e tambm por outros localizados mais ao Norte como os Felupes e Bijags da Guin Bissau e os Mandingas do Senegal. H ainda pouca documentao histrica comprovada pois os estudos sobre o trfico so ainda insipientes no Maranho e no Brasil.

    Muitos vieram tambm da frica ao sul do Equador dos povos Banto, do paises do Congo e Angola, entre os quais os Cambinda, Kikongo, Kibundo e outros.

    4. Terreiros de tambor de mina de So Lus:

    Funcionam at hoje em So Lus duas casas de tambor de mina fundadas por africanos em meados do sc XIX, a Casa Grande das Minas Jeje, da Rua de So Pantaleo e a Casa de Nag, da Rua das Crioulas. Ambas possuem mais de 150 anos de funcionamento, como poucos terreiros mais antigos do Brasil e encontram-se em processo de declnio e extino que parece inexorvel, talvez pela dificuldade de adaptao aos novos tempos, pois ambas so muito ciosas na preservao dos segredos do culto.

    Funcionam tambm em S.Lus mais duas ou trs outras casas fundadas em fins do sc. XIX e incios do sc. XX, com mais de um sculo de funcionamento. Ao longo do sc. XX foram surgindo numerosos outros grupos, sobretudo a partir da dcada de 1950 e com a difuso dos rituais de umbanda em todo o pas. Todos preservam em geral o estilo de rituais da Casa de Nag, uma vez que a Casa das Minas, embora exera at hoje grande influncia, nica e no possui casas filiadas.

    difcil saber o nmero exato de terreiros de So Lus. Fala-se em mais de 300, de 500 ou mais de mil casas de culto. difcil especificar e definir o nmero exato, pois alguns grupos so transitrios, no havendo um recenseamento completo. A maioria dos grupos de culto se disfara como casas residenciais, para fugir aos estigmas da perseguio policial que sofreram por muito tempo. No Maranho os terreiros foram discriminados at bem pouco quando era obrigatrio o pagamento de taxa na polcia para a realizao de rituais, como se fossem casas de divertimento noturno. Tal prtica s foi abolida em 1988, no Governo de Epitcio Cafeteira, por presso de movimentos negros. Existem duas ou trs Federaes de culto afro no Maranho, mas no congregam todos os grupos. Atualmente a Fundao Cultural do Estado d auxlio a algumas festas em terreiros como a do Divino e ajudas a apresentaes e rituais por ocasio do Natal ou da Quaresma. O setor de turismo da Prefeitura patrocinou o levantamento de endereos e calendrios de festas para fornecer aos turistas que procuram os terreiros da cidade e quase no so conhecidos.

    A linha de cura ou pajelana, tambm chamada de brinquedo ou toque de marac de origem amerndia, encontra-se largamente difundida em So Lus. Procede especialmente da regio do Litoral Norte do Estado, em torno do Municpio de Cururup, Guimares, Pinheiros e Viana, onde h muitos curadores. A cura ou pajelana possuem rituais especficos e diversos terreiros em Cururup, por exemplo realizam sees de mina mescladas com rituais de cura. comum a a presena, nos toques de cura e de mina, de tambores de taboca, tocados juntos com outros instrumentos. Nesta regio tambm difcil para os de fora distinguir porque uma casa ou certos rituais se dizem de mina ou de cura. Em So Lus a maioria dos terreiros de tambor de mina realiza uma ou duas vezes ao ano, rituais de cura ou pajelana. Entre as principais entidades da linha de cura podemos indicar: Seu Antnio Lus, seu Surrupira, Jurupiranga, Mestre Laurindo, Dom Sebastio, linha das princesas, linha das guas, dos pssaros, dos peixes, etc. Muitos destes encantados gostam de brincadeiras de bumba-meu-boi ou de tambor de crioula e alguns vem tambm na mina.

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    O espiritismo kardecista encontra-se igualmente presente no Maranho, participado sobretudo por populaes, mais letradas, de classe mdia. Existe uma corrente do espiritismo Kardecista, mais intelectualizada, que no se aproxima das religies afro-americanas, a no ser pelo transe. Como se sabe, o Espiritismo Kardecista no religio de origem africana, mas de origem europia, com elementos do indusmo. Muitos terreiros de umbanda e alguns terreiros de mina realizam sees chamadas de mesa branca, em que predominam elementos do espiritismo. Alguns terreiros de mina mandam clientes para os centros espritas quando acham que o problema tem a ver com encosto de pessoas falecidas. Assim, o tambor de mina, a cura ou pajelana, a umbanda e o kardecismo encontram-se mesclados, embora estas tradies sejam distintas, havendo porem indivduos e grupos que se dizem contrrios a tais mesclas e se afirmem seguidores de grande ortodoxia.

    5. Principais entidades cultuadas nos terreiros de tambor de mina:

    No tambor de mina so cultuados voduns do Daom que so jeje. Os voduns jejes so cultuados principalmente na Casa das Minas, onde s eles so recebidos. Outros terreiros realizam alguns cnticos em sua homenagem e alguns voduns costumam ser recebidos com grande distino, permanecendo pouco tempo, no incio das cerimnias, sendo depois substitudos por caboclos que permanecem durante o restante da festa.

    Na Casa das Minas, os voduns agrupam-se em cinco famlias, sendo trs maiores e principais e duas menores, com poucas entidades, que so consideradas hspedes. Cada parte do prdio da Casa pertence a uma famlia de voduns. Talvez, em virtude desse tipo de organizao, no tambor de mina os caboclos e outras entidades da mina tambm costumam se organizar em grandes famlias. Na Casa das Minas, so cultuados cerca de meia centena de voduns, que podem ser adultos, velhos, jovens, crianas, homens ou mulheres. A maioria pertence ao sexo masculino.

    Davice o nome da famlia real, que rene os voduns nobres da Casa das MInas. Subdivide-se em duas famlias: a de Dadarro, o rei mais velho, e a de Zomadonu, o dono da Casa. Entre os filhos de Dadarro, Dou um dos voduns mais conhecidos e mais cultuados em outros terreiros. Os voduns mais novos so chamados toquns e so importantes porque so eles que chamam os mais velhos. Toi Zomadonu possui quatro filhos toquns, entre os quais os gmeos To e Toc, comemorados no dia de Cosme e Damio.

    Entre os voduns hspedes na Casa das Minas destacam-se os da famlia de Savalunu, nome de uma regio do Benin. Entre eles esto Agongonu, Zac e Jotim. A outra famlia de hspedes a de Aladanu, nome de outra regio do atual Benin, de onde teria surgido a famlia que dirigiu o reino do Daom e de onde teriam descendido os jejes ou Fon. Os voduns cultuados desta famlia so Ajat e seu filho Avrej.

    Outra famlia de voduns da Casa a de Quevio, considerada nag entre os jejes e seu voduns so mudos na Casa, dizem que, para no revelarem os segredos dos nags, falam apenas por gestos e sinais, traduzidos pelos dois voduns mais jovens da famlia. considerada a famlia astral, dos voduns que controlam os astros, o fogo, as guas, os raios e troves e combatem os ventos e tempestades. O chefe da famlia Bad Quevio, o dono do trovo, auxiliado por sua me ou irm mais velha, noch Sob, que controla os raios. Bad comemorado no dia de So Pedro e Sob, no dia de Santa Brbara. Ambas so festas de grande importncia em todos os terreiros do Maranho. A festa de Santa Brbara, no dia 4 de dezembro, a festa de abertura do ano litrgico no tambor de mina, pois se diz que para se poder fazer as outras festas tem que se comear tocando para Santa Brbara.

    Entre os voduns de Quevio, incluem-se Li, que representa o Sol, e Loco, que representa o vento nas rvores. Entre os mais conhecidos esto Averequete e Abe. Averequete devoto de So Benedito e padroeiro dos tambores de mina do Maranho. Dizem que Averequete quem traz os caboclos para a mina. Noch Abe, sua irm mais nova e protegida, representa a

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    estrela guia que caiu no mar e se encantou numa pescada. Entre as divindades femininas velhas de Quevio inclui-se Nan ou V Missa, comemorada no dia de SantAna.

    A terceira famlia importante para os jejes do Maranho a de Dambir, o panteo da terra, so os reis caboclos, que so pobres e poderosos, combatem as doenas e a peste. Vivem numa parte especial da casa, em cmodos feitos no quintal. O chefe da famlia Acossi Sakapat, seguido pelos seus irmos Azili e Azonce. So comemorados durante trs dias na festa de So Sebastio. Acossi devoto de So Lzaro. Suas oferendas so feitas num altar entre plantas do quintal. Os cachorros so homenageados com um banquete em sua festa. Entre os filhos mais conhecidos de Acossi destacam-se toi Lepon, o mais velho; toi Poliboji, devoto de Santo Antnio; Boa e Bouc, que so gmeos e se relacionam com a cobra e Eu.

    Alguns voduns jejes correspondem a certos orixs nags, embora muitos no tenham orixs que lhes correspondam. Assim considera-se que Dou, que cavaleiro e tocador, corresponde a Ogum. Bad corresponde a Xang, Sob corresponde a Ians, Abe corresponde a Iemanj, To e Toc correspondem aos Ibeji, Boa e Bouc correspondem a Oxumar, Acossi corresponde a Obalua, Nan a mesma nas duas tradies. Dos principais orixs nags, Oxum no representada ou corresponderia a Navezuarina, vodum muito cultuado na mina. Talvez a evitao de Exu no tambor de mina seja responsvel pelo no aparecimento do culto aos orix Oxum e Oxumar.

    Outras divindades africanas no tambor de mina so os orixs nags. Eles, muitas vezes, so tratados e chamados de voduns. Costumam se comportar como os voduns, no recebendo o tratamento dado aos orixs no candombl nag. Eles falam, cantam, permanecem de olhos abertos e ficam durante longo tempo no estado de transe, danam junto com os outros voduns ou caboclos e normalmente no recebem paramentos especiais. Alguns costumam danar no terreiro por pouco tempo, no incio das festas e depois se retiram, dando lugar aos caboclos, que so considerados como mais comunicativos.

    No tambor de mina no se fazem muitas referncias ao termo orix dos nags e seu culto encontra-se intimamente relacionado ao culto aos voduns. Os orixs mais conhecidos que baixam no tambor de mina so: Xang, Iemanj, Nana, Obalua e Ogum. Algumas entidades consideradas como orixs nags possuem nomes que no so comuns no candombl nag e entre eles encontramos: Navezuarina, Xapan, Eu e Nan Burucu ou Bulucu.

    Existe ainda no Maranho grande nmero de entidades africanas cujas origens no so bem estabelecidas. Entre esses incluem-se: Lgua Buji-Bu, tido como vodum e conhecido como boiadeiro em Cod onde possui uma famlia com diversos filhos, e Arronoviav, entidade muito velha, conhecida na Casa das Minas como um vodum que se tornou cambinda. Entre muitas outras entidades africanas cultuadas no tambor de mina destacam-se tambm: Boujara, Bou von Dereji, Xadat, Obala, Tombasse, Aquilital e outros, conhecidos como entidades no brasileiras, cujas origens no so precisas.

    Entre as demais entidades cultuadas nos terreiros de mina (excetuada a Casa das Minas jeje), destacam-se os que so chamados gentis ou gentilheiros ou tambm fidalgos. So entidades nobres, reis, prncipes e princesas, que se agrupam tambm em famlias. Entre eles podemos indicar: Dom Pedro Angau, Rainha Rosa, Rainha Dina, Rei da Turquia, Dom Manoel, Rei Sebastio, Dom Joo, Baro de Guar, Dom Luiz Rei de Frana, Dom Henrique, Dom Jos Floriano, Rei da Bandeira, Dom Miguel, Princesa Flora, Rainha Madalena e muitos outros. Diversos deles vm na Casa de Nag como em outros terreiros.

    Muitas entidades caboclas esto tambm agrupados em famlias e entre outros caboclos temos a Famlia dos Turcos entre os quais: Caboclo Velho, Guerreiro, Tabajara, Tapindar, Mariana, Juracema, Jaguarema, Caboclo Guerreiro, Balano do Mar,Caboclo Roxo, Batata Roxa, Pombo Roxo, Caboclo Ita, Caboclo Maroto, Ubirajara, Mensageiro de Roma, Caiara e muitos outros.

    Verificamos que nas casas de tambor de mina so cultuadas muitas entidades africanas, mas so recebidas em transe sobretudo entidades no africanas, os gentis e os caboclos. Alm da

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    Casa das Minas, da Casa de Nag e de poucas outras casas, a maioria dos cnticos para as divindades so em lngua portuguesa e a maioria das entidades recebidas hoje no tambor de mina em geral, no so africanas. Embora profundamente influenciado por tradies e costumes africanos, o tambor de mina adquirindo caractersticas locais, sendo assim uma religio afro-brasileira.

    6. Algumas tendncias atuais das religies afro-brasileiras:

    Alguns estudiosos das religies no valorizam o sincretismo, que consideram um aglomerado indigesto de concepes de procedncias diversificadas. Do mesmo modo o sincretismo tambm considerado subjetivamente como avaliao de tal mistura, por isso alguns querem que se evite falar deste tema (Ver: Ferretti, 1999). Embora o sincretismo esteja muito presente alguns lderes dos cultos afro, sobretudo os mais escolarizados e influenciados pelos movimentos negro, atualmente tendem igualmente a rejeitar o sincretismo. Acontece que o sincretismo uma realidade presente nestas religies, que no pode deixar de ser levada em considerao, podendo ser interpretado como estratgia de resistncia. Assim se diz que as religies afro-brasileiras so mais brasileiras do que africanas e talvez por isso, parece que no avanaram muito as tentativas de africanizao ou de reafricanizao, tentadas nas dcadas de 1980 e 1990, sobretudo no sul do pas, na busca de razes e de tradies por grupos mais novos3, na perspectiva de uma ideologia afrocntrica, criticada por alguns autores.

    Tentativas de africanizao ou reafricanizao tm sido desenvolvidas nos ltimos vinte anos no ambiente afro-religioso no Brasil como em outros pases com a perspectiva de procurar razes africanas atravs o estudo lnguas africanas, visitas ao continente negro em busca de rituais que foram perdidos, do uso de trajes africanos, do convite a estudantes africanos e intelectuais africanos de passagem pelo Brasil que so recebidos e tratados como conhecedores das tradies, da traduo de nomes dos terreiros em lnguas africanas, em nag ou em lnguas bantos (Kikongo ou Kibundo, como vimos recentemente em terreiro de Belm), da utilizao de termos africanos para cargos ou rituais. Trata-se de uma procura de identidade e de razes tnicas perdidas com a escravido. Consideram que terreiros mais antigos foram perdendo, no puderam ou no se preocuparam em preservar tais elementos que tm sido muito procurados pela gerao atual preocupada com a africanizao ou a reafricanizao.

    Outra tendncia atual percebida, sobretudo no sul, que em alguns pases da Europa ou da Amrica Latina tem havido uma divulgao razovel de prticas religiosas afro-brasileiras. Alguns pais ou mes-de-santo costumam realizar regularmente viagens ao exterior para oferecer servios de jogo de bzios e adivinhao. Em muitos pases como no Uruguai, na Argentina e na Frana ou em Portugal, foram abertos terreiros de candombl por nativos que viveram algum tempo no Brasil e que congregam brasileiros no exterior.

    Como em outras regies atualmente no Maranho o turismo uma realidade em expanso que contem elementos negativos e positivos. Depois de tombada pela UNESCO como patrimnio da Humanidade, a cidade de So Lus tem sido procurada por interessados nas belezas de seu acervo arquitetnico, do folclore e do turismo cultural. Neste aspecto os terreiros afro-brasileiros constituem uma atrao, como ocorre em outras capitais antigas do pas, que receberam grande influncia africana como Salvador e Recife. O grupo de pesquisa que coordeno na UFMA foi convidado pela Secretaria Municipal de Turismo de So Lus a realizar, com alunos o

    3 Segundo Prandi (1999): Africanizar significa tambm a intelectualizao, o acesso a uma literatura sagrada contendo os poemas oraculares de If, a reorganizao do culto conforme modelos ou com elementos trazidos da frica contempornea... Prandi reconhece que a africanizao tambm uma bricolagem, uma inveno de tradies e no a volta ao primitivo. Indago se este processo tem maior influncia fora do ambiente do candombl nag ketu de So Paulo e do Rio de Janeiro? Parece-me que no atinge intensamente as religies afro-brasileiras de origem jje, as de origem angola, congo e outras religies afro-brasileiras como a umbanda e o candombl de caboclo, estando mais presente entre os lderes religiosos mais jovens e mais e mais instrudos, embora tenhamos constado recentemente, no Maranho e no Par, a presena de casos de africanizao em terreiros que se dizem angola e nag.

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    levantamento de caractersticas de alguns terreiros da cidade que pudesse servir de orientao a turistas que buscam informaes naquele rgo. Entre as conseqncias do turismo para os terreiros, considera-se que pode ajudar a combater preconceitos, divulgar e tornar mais conhecida a religiosidade popular, desenvolver laos temporrios de amizade e talvez mesmo trazer algumas ajudas em dinheiro. Ouvimos dizer que na Bahia h terreiros que recebem apoio de devotos norte-americanos interessados em ajudar casas consideradas tradicionais, para se beneficiarem de alguma forma de seu prestgio simblico. Temos dvidas se a presena de turistas pode ou no contribuir para desenvolver o interesse dos mais jovens em preservar a tradio dos mais velhos, mas v-se que o turismo constitui um elemento novo que entra em cena na contemporaneidade e necessita ser estudado em relao s religies afro-brasileiras.

    7. Religies afro e neo-pentecostalismo:

    Hoje em todos os pases e, sobretudo na Amrica Latina, h uma proliferao de grupos de culto neo-pentecostais que prometem cura e emprego s classes subalternas e disputam o mercado religioso com as religies afro-brasileiras e com o catolicismo. Consideram as praticas afro-brasileiras e entidades como Exu, como demonacas, como todas as religies dos outros grupos religiosos.

    Disputam clientela e a afastam das prticas religiosas, culturais e folclricas tradicionais, como no passado fizeram os missionrios com os cultos amerndios fazendo com que eles perdessem quase todas as suas tradies culturais. Combatem a msica, o artesanato, as tradies culinrias, a mitologia, as estrias dos encantados, os cnticos religiosos e folclricos substitudos por prticas culturais americanizadas e pasteurizadas, provocando uma grande alienao cultural.

    Segundo informaes de Reginaldo Prandi (2005), conforme dados do Censo de 2000, os catlicos que eram 83% em 1991, passaram a 74% e os evanglicos cresceram de 9% para 15%. No mesmo perodo as religies afro-brasileiras desceram de 0,4% para 0,3%. O pentecostalismo considerado por cientistas sociais como o movimento social de maior sucesso do sculo XX.

    O antroplogo John Burdick (2002, p. 185-212), discutindo relaes entre pentecostalismo e identidade negra no Brasil questiona posicionamentos do movimento negro de defender que a construo de uma identidade negra deva passar pela valorizao dos cultos religiosos afro-brasileiros e procura demonstrar que, em vrias denominaes pentecostais h indcios da articulao de elementos de identidade negra e de auto estima em relao a cor. John Burdick considera inoportuno o antagonismo do movimento negro organizado contra o pentecostalismo, que qualifica como o movimento religioso mais importante no Brasil atual e composto, principalmente por pessoas mais escuras. Afirma que um dos atrativos do pentecostalismo a habilidade de criar auto-estima entre todos convertidos, especialmente os negros, que passam a aceitar sua cor, valorizando a beleza negra e os casamentos intertnicos. Segundo Burdick, algumas igrejas pentecostais passaram a valorizar a msica negra, sobretudo o reggae e apresenta exemplos de veculos de igrejas pentecostais que publicam manifestaes contra o racismo e defendem as terras de negro.

    Refletindo sobre a expanso atual de grupos religiosos pentecostais a antroploga Patrcia Birman da UERJ afirma que:

    O crescimento pentecostal, no interior de uma onda mais vasta e mundial de desregulamentao das grandes instituies religiosas, parece estar transformando as conexes do campo religioso com a poltica no pas. Por toda parte surgem indcios de que grupos pentecostais variados esto cada vez mais presentes nos espaos pblicos. A linguagem religiosa se amplifica, ganha terreno e talvez esteja se transformando num instrumento privilegiado de

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    demandas de integrao e de reivindicao de direitos sociais por parte de seus fiis. ... (Birman, 2001, p. 59)

    Citando trabalhos da pesquisadora francesa Hrvier Lger, Patrcia Birman menciona o surgimento do tipo religioso bricoleur, que realiza rearranjos entre crenas e ritos e mistura vrias crenas como relaes de consumo num supermercado da f. Sobre o sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus, Birman (2001, p. 63) afirma:

    A Igreja Universal possibilitou, enfim, que jovens, muitos dos quais sados das favelas cariocas, filhos de antigas mes-de-santo e praticantes de umbanda e candombl, se apropriassem de outra forma do mundo ... um mundo atravessado pelo poder da mdia evanglica que pode oferecer prosperidade e prestgio.

    Igrejas pentecostais tm atrado cada vez maior nmero de jovens, principalmente atravs da presena da msica, de cnticos, danas e da aceitao de indumentrias modernas. Pesquisa sobre o tema tem sido realizada em So Lus por Jacyara Pereira de Melo, mestre em Cincias Sociais da UFMA, que estuda a importncia da divulgao de msicas modernas nas vrias emissoras de rdio evanglicas existentes na cidade, que transmitem, sobretudo msicas voltadas ao pblico jovem e a participao de jovens em eventos festivos organizados por igrejas pentecostais, especialmente a Renascer em Cristo. Segundo Jacyara Melo, igrejas neopentecostais no Maranho contam com jovens de todos os nveis de conhecimento e de diversas classes sociais, inclusive numerosos estudantes universitrios, no sendo majoritariamente religies de negros pobres de periferia, como mostram algumas vises simplificadas.

    O socilogo Ricardo Mariano apresenta em diversos trabalhos, interessantes anlises a respeito da guerra santa entre igrejas pentecostais e outras religies. Afirma que: transformar os deuses das religies dos adversrios em demnios constitui antiqssima prtica na histria do cristianismo, que principiou por demonizar os deuses da Grcia e de Roma (Mariano, 1999-b, p 111). Mostra diversos exemplos da guerra santa entre a IURD e as religies afro-brasileiras, estimulada pelos escritos de Edir Macedo e de R. Soares e cita exemplos desta hostilidade, especialmente no Rio de Janeiro e em Salvador, onde a Universal e os cultos afro-brasileiros tm muitos adeptos.

    Mariano se indaga: Ao combater o umbanda, o candombl, o espiritismo e o catolicismo, at que ponto Universal e Internacional da Graa no so influenciadas e incorporam elementos da crena, da lgica e da viso do mundo dessas religies? (Id. p 127). Lembra que os crentes acreditam na existncia do demnio e que eles assumem a forma de entidades das religies medinicas, os pastores invocam caboclos, pretos-velhos para exorciz-los, dando credibilidade a sua existncia, mostrando que algumas destas religies utilizam diversos smbolos das religies afro-brasileiras.

    Em outro trabalho, Mariano (2004) informa que o pentecostalismo vem crescendo em muitos pases, sobretudo na Amrica Latina. Diz que no Brasil, os evanglicos j so cerca de trinta milhes, incluindo as igrejas protestantes histricas, as pentecostais e neopentecostais, sendo o pentecostalismo o segundo maior grupo religioso entre ns. Mariano (2003) mostra tambm que o neopentecostalismo, iniciado na segunda metade da dcada de 1970, adquiriu visibilidade pblica em final dos anos 80, possuindo entre ns, adeptos agrupados principalmente nas denominaes Igreja Universal do Reino de Deus, a Internacional da Graa de Deus, a Renascer em Cristo e a Comunidade Evanglica Sara Nossa Terra, que se caracterizam, entre outros aspectos, pela nfase na guerra espiritual contra o diabo e seus representantes.

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    O antroplogo gacho Ari Oro (2004) coloca que a IURD tem se expandido no exterior e se encontra presente hoje em mais de oitenta pases, contribuindo para inverter o fluxo religioso, que no Brasil sempre foi de fora para dentro, passando agora a ser de dentro para fora. Constata o maior ou menor xito da IURD em alguns paises e observa que em certos deles, como na Argentina e na Frana, tendo em vista a inexistncia antiga de religies afro-brasileiras, a demonizao recai sobre curandeiros, mau olhado, inveja, males da vida urbana, angustias, estresses, depresses, visando exorcizar o demnio presente nestes males.

    8. Concluindo:

    Especificidades das religies afro-brasileiras e do pentecostalismo, fizeram que, na oferta de bens simblicos, este ltimo esteja melhor adaptado a temas atuais, aos fenmenos de marketing e ao idioma da indstria cultural. Passado o primeiro impcto da onda pentecostal, as religies afro-brasileiras comeam a reagir como David ante o gigante Golias, passando a atingir tambm outras clientelas alem de sua tradicional base de negros pobres, cada vez mais atrada frente ao apelo pentecostal. Embora o cientista social seja uma espcie de profeta no mundo atual, mais fcil interpretar o passado do que adivinhar o futuro, sobretudo de um fenmeno to complexo como o religioso. Segundo Durkheim, foi com a religio que o homem aprendeu a refletir e pensar. As religies continuam no mundo de hoje, elaborado mitos e engendrando ritos cada vez mais diversificados e instigantes, que unem e dividem os seres humanos e constituem matria imprescindvel para a anlise da vida social.

    Referncias:

    BIRMAN, Patrcia. Conexes polticas e bricolagens religiosas: questes sobre o pentecostalismo a partir de alguns contrapontos. SANCHIS, Pierre (Org.) Fiis & Cidados. Percursos de sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.UERJ. 2001. p 59-86

    BURDICK, John. Pentecostalismo e identidade negra no Brasil: mistura impossvel? MAGGIE, Y. e REZENDE, C. B. (Orgs) Raa como Retrica. A construo da diferena. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 2002, p. 185-212.

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    MELO, Jacyara Lopes de. Adeso religiosa jovem ao pentecostalismo. So Lus, 2005. Dissertao de Mestrado em Cincias Sociais na UFMA (em andamento).

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    PRANDI, Reginaldo. Referncias sociais das religies afro-brasileiras. Sincretismo, branqueamento, africanizao. CAROSO, C & BACELAR, J. (Orgs.) Faces da tradio afro-brasileira. Rio de Janeiro/Salvador: CNPq/Pallas, 1999, p. 93-111.

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    ORO, Ari. A presena religiosa brasileira no exterior: o caso da Igreja Universal do Reino de Deus. In: JACOB, Csar Romero et. Al. Dossi Religies no Brasil. Estudos Avanados (18) 52, 2004. So Paulo: USP, p. 139 155.

    RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. So Paulo: Brasiliana, 1977. (Orig. 1905).

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