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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL. CURSO DE DOUTORADO ANA CAROLINA BELTRÃO PEIXOTO Pescador de Ilusões: O trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'água do Casado no Baixo São Francisco alagoano. Recife, 2011.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL.

CURSO DE DOUTORADO

ANA CAROLINA BELTRÃO PEIXOTO

Pescador de Ilusões: O trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'água do Casado no Baixo São Francisco alagoano.

Recife, 2011.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL.

CURSO DE DOUTORADO

ANA CAROLINA BELTRÃO PEIXOTO

Pescador de Ilusões: O trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'água do Casado no Baixo São Francisco alagoano.

Recife, 2011.

Tese  apresentada  como  requisito  parcial  para  a obtenção  do  título  de  Doutor  em  Serviço  Social pela Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação da Profa. Dra. Vitória Gehlen. 

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Peixoto, Ana Carolina Beltrão

Pescador de ilusões: o trabalho da pesca artesanal e a sustentabilidade do desenvolvimento em comunidades pesqueiras nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D'Agua do Casado no Baixo São Francisco alagoano / Ana Carolina Beltrão Peixoto. - Recife : O Autor, 2011.

194 folhas : fig., tab., abrev. e siglas.

Orientadora: Dra. Vitória Gehlen.

Tese (Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Serviço Social, 2011.

Inclui bibliografia e apêndices.

1. Trabalho artesanal. 2. Pesca. 3. Sustentabilidade. I. Gehlen, Vitória (Orientadora). II. Título.

361 CDD (22.ed.) UFPE/CSA 2011 - 033

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FOLHA DE APROVAÇÃO

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os pescadores do meu Estado, em especial, aos do litoral do Baixo São Francisco de Alagoas, guerreiros e sonhadores; e a Deus, por ter me feito neta de pescador.

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AGRADECIMENTOS Toda jornada tem seu ponto de partida... e ao menos planejado o ponto de

chegada... Nem sempre conseguimos permanecer no caminho traçado.

Presunção do ser humano acreditar que pode controlar todos os seus passos...

Agradecer a todos os que me ajudaram, socorreram e auxiliaram em mais esta

caminhada, é muito pouco. Seria preciso muitas laudas para não ser injusta.

Primeiro, agradeço a Deus, por me permitir escolher meus caminhos, por me

mostrar esses caminhos e as opções; por nunca me faltar; por sempre me

iluminar e proteger; por me colocar na vocação que escolhi; por me permitir

sobreviver dessa vocação; por não me deixar fraquejar; por não me deixar só;

por entender minhas revoltas e minha ingratidão e acima de tudo por ter me

dado mais uma razão para viver: meu filho.

Aos meus alunos. Todos, sem exceção. Razão pela qual eu acredito que vale a

pena lutar para construirmos uma sociedade melhor. Em especial agradeço

aos alunos do Curso de Gestão Pública e aos de Administração Geral da

UNEAL, durante os anos de 2009 e 2010, sofreram com as ausências, e as

presenças ausentes. Desculpem-me e obrigada.

Agradeço à UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas, pela liberação parcial,

porém fundamental para o início do curso de Doutorado. A CAPES e ao CNPQ,

pelo apoio financeiro, desde a bolsa de iniciação científica na graduação, às

bolsas de Mestrado e Doutorado;

Ao meu Marido, David ,que nunca me abandonou, sempre presente, agüentou

os percalços, segurou as barras, chorou e sorriu junto e que divide comigo,

todos os méritos deste trabalho. Teve uma conversa com Deus e juntamente

com Ele, me presenteou com nosso Filho, Davi Arthur.

Ao Curso de Doutorado em Serviço Social, a todos os professores,

principalmente os que fizeram o esforço para compreender, o que, nem sempre

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tão claro, deixei transparecer em meu projeto inicial, no dia da entrevista para

entrar no programa; por permitirem a uma Administradora de Empresas , tentar

dialogar com temas tão complexos (para o ambiente comum do administrador),

mas paralelos com os do Serviço Social; obrigada por simplesmente darem

uma chance e acreditarem.

A todos os pesquisadores contatados para auxiliar-me na condução desta

pesquisa. Aos geógrafos de Sergipe, Santa Catarina e Alagoas, e aos

estudantes dos cursos de geografia da UFAL e UNEAL, pelo auxílio nas

pesquisas sobre os materiais produzidos na academia, pertinentes ao tema da

pesca artesanal, piscicultura e comunidade dos pescadores. Muito Obrigada.

Aos meus colegas de turma, Ari, Ilk, Fátima, Jesus, Valdenice e Thereza, pela

paciência, tolerância e socorro nas leituras;

Aos professores Anita Aline, Alexandra Mustafá, Ana Arcoverde, Denis

Bernardes e Marcos Mondaine pela oportunidade, indicações e orientações;

As professoras Ana Vieira e Vanice Selva, pelas valiosas contribuições na

qualificação;

Aos Professores Marx Prestes Barbosa e Rosa Ester Rossini pela

compreensão e preciosas contribuições na pré-banca;

Aos alunos do GRAAP, em especial a Magaly Colares e Valdenice. Vocês são

demais.

Quero por fim, deixar registrada minha gratidão à professora Vitória Gehlen, ser

humano iluminado, caridoso e generoso, que buscou conduzir com firmeza e

serenidade a dura tarefa de me orientar. Obrigada professora. Sem sua

maestria, esse trabalho nem sairia dos confusos duelos no meu pensamento.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa apresentando a região do baixo São Francisco 26Figura 2 – Principais mercados importadores de produtos derivados da piscicultura.

87

Figura 3 – Principais mercados importadores de produtos derivados da piscicultura.

88

Figura 4 – Principais fornecedores de produtos pesqueiros 89Figura 5 – Principais fornecedores de pescado 90Figura 6 – Principais estados brasileiros exportadores de pescado 90Figura 7 – Tabela estados brasileiros exportadores de pescado 91Figura 8 – Principais estados brasileiros importadores de pescados 92Figura 9 – Principais estados brasileiros importadores de pescados 92Figura 10 – Produção pesqueira em toneladas estimada e participação relativa da pesca extrativista e da aqüicultura

93

Figura 11 – Produção brasileira comparativa da pesca extrativa e das atividades da aqüicultura ao longo do tempo

94

Figura 12 – Produção pesqueira nacional 99Figura 13 – Produção Nacional de pescados (1950-2009) 100Figura 14 – Produção nacional de pescados por região em 2008 101Figura 15 – Reunião em Pão de Açúcar para coleta de informações 105Figura 16 - Pescador cuidando do rebanho bovino em Pão de Açúcar ilustrando pluriatividade

107

Figura 17 –.Oficina realizada em Olho D’ água do Casado para coleta de dados

152

Figura 18 – Criatório de tanques-rede em Olho D’ água do Casado 162Figura 19 – Futura geração em Olho D’ água do Casado 163

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição das famílias de pescadores artesanais segundo a situação e o número de residentes em cada uma delas.

140

Tabela 2 – Tipos de renda e média mensal segundo o tipo de famílias de pescadores artesanais

144

Tabela 3 – Distribuição dos indivíduos pluriativos segundo o tipo de atividade e o número de dias dedicados a estas atividades

145

Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados segundo a opção escolhida caso a situação da pesca piore na região

146

Tabela 5 – Distribuição dos entrevistados em relação às perspectivas da família continuar na atividade pesqueira

148

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

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APL – Arranjo Produtivo Local

CEEINVASF - Comitê Executivo de Estudos Integrados do Vale do São Francisco

CEPAL - Comissão Econômica para América Latina

CODENO - Conselho de Desenvolvimento do Nordeste

CODEVASF – Companhia para o Desenvolvimento do Vale do São Francisco

DLIS – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca

FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

FMI – Fundo Monetário Internacional

GESPE - Grupo Executivo do Setor Pesqueiro

GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento o Nordeste

IBAMA – instituto brasileiro do meio ambiente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MONAPE – Movimento Nacional dos Pescadores

ONGS – Organização Não-Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

PIB – Produto Interno Bruto

PIN - Programa de Integração Nacional

PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

PRONAF – Programa para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar

PROPESCA – Programa para o Desenvolvimento da Pesca

RGP – Registro Geral da Pesca

SAG – Sistema Agroindustrial do Pescado

SEAP - Secretaria Nacional Especial de Aqüicultura e Pesca

SMA - Secretaria de Coordenação dos Assuntos do Meio Ambiente

SNRH - Secretaria Nacional de Recursos Hídricos

SUDENE – Superintendencia para o Desenvolvimento do Nordeste

UICN - União Internacional para a Conservação da Natureza

WWF - Fundo Internacional para a Natureza

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RESUMO

Em prol do desenvolvimento econômico local e regional nos últimos anos, todos os municípios que margeiam o rio São Francisco tem sido alvo de políticas e ações governamentais voltadas para o uso de seus recursos naturais. Todavia as intervenções políticas são baseadas em interesses expressos como necessários para o progresso econômico e técnico da região, mas desconsideram a necessidade de serem realizados estudos de impacto sócio-ambiental sobre o impacto das ações nas comunidades. Atualmente, constata-se que as ações despendidas apresentam-se como ineficazes e as que estão em curso também o são, não resultando na melhoria da qualidade de vida das comunidades que dependem do São Francisco, particularmente os pescadores artesanais. As políticas de desenvolvimento aplicadas à região não procuram relacionar a preservação do modo de vida das pessoas atingidas pelas políticas com as questões sociais e ambientais, como forma de possibilitar o desenvolvimento sustentável no local. O interesse dos grandes grupos empresariais, com interesses exclusivos na proliferação da aqüicultura em cativeiro, em atrair os pescadores artesanais para o que eles denominam de uma melhor qualidade de vida no trabalho, através dos tanques-redes,está destruindo a cultura do pescador, seu modo de vida e sua dignidade, por tirar-lhes o direito de organização e domínio da pesca. No Baixo São Francisco Alagoano, particularmente nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’ água do Casado, os pescadores artesanais e suas famílias são os mais prejudicados no seu cotidiano, por não serem chamados a participar de nenhum planejamento realmente eficaz e concreto sobre intervenções sustentáveis na região.O estudo da realidade da pesca artesanal nos municípios de Olho D’ água do Casado e Pão de Açúcar evidencia que a crise da pesca artesanal é produto da forma como as políticas de promoção ao desenvolvimento econômico são impostas no Baixo São Francisco Alagoano comprometendo a sustentabilidade das comunidades de pescadores, sua cultura e sua continuidade. Palavras-chave: Trabalho artesanal; Pesca; Sustentabilidade

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ABSTRACT

In the interest of local and regional economic development in recent years, all counties bordering the river São Francisco has been the target of political and governmental actions. However the policy interventions are based on concerns expressed as to the necessary technical and economic progress in the region, but ignore the need for studies of socio-environmental impact on the result of actions in the communities. Currently, stocks have spent as ineffective and there are ongoing so are not resulting in improved quality of life in communities that depend on São Francisco, particularly the fisherfolk. Development policies apply to the area do not seek to relate the preservation of livelihoods of people affected by policies with social and environmental issues as a way of enabling sustainable development in local. The interests of large business groups with unique interests in the proliferation aquaculture in captivity in the artisanal fishermen to attract what they call a better quality of work life through the net cages, is destroying the culture of fishermen, their livelihood and their dignity and deprive them of the right to organise and fisheries. In the lower São Francisco Alagoas, particularly in the cities of Pão de Açúcar and Olho D’ água do Casado, artisanal fishermen and their families are the most affected in their daily lives, not being called to participate in any planning really effective and targeted interventions on sustainable in the region. Fishing communities are not prepared to live with the impacts, positive or negative policies and government actions are not presented to sustainable alternatives to continue their lives with dignity, are not informed about the consequences of their choices. The changes generated by public and private actions on behalf of the region's economic development cause a noticeable degradation and significant reduction in fishing activity, prompting fishermen to promiscuity of actions to ensure their survival and their families. The study of the reality of artisanal fisheries in the towns of Pão de Açúcar and Olho D’ água do Casado, shows that the crisis in the artisanal fishing is a product of how policies to promote economic development are imposed in the baixo San Francisco Alagoano compromising the sustainability of fishing communities, its culture and its continuity.

Key-words: Handcrafted; Fishing; Sustainability

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SUMÁRIO

REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................... 15 1 DO QUE SE TRATA: LUGAR, ESPAÇO, TERRITÓRIO e DESENVOLVIMENTO 28 1.1 APROXIMANDO CONCEITOS...................................................................... 28

1.2 DESENVOLVENDO O DESENVOLVIMENTO ............................................. 38

2 GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA......................................................... 55 2.1 A FORMAÇÃO SÓCIO ECONÔMICA DO BRASIL ........................................ 55

2.2 DESENVOLVER O SUBDESENVOLVIDO: O BRASIL E O NORDESTE NA

VISÃO DE CELSO FURTADO...........................................................................

59

3 TRABALHO E COTIDIANO: CIENCIA, TÉCNICA E ARTE................................ 67 3.1 TRABALHO............................................................................................... 67

3.2 REDES SOCIAIS, TRABALHO E PODER.................................................... 72

4 A PESCA.................................................................................................... 79 4.1 PESCA ARTESANAL, PESCA INDUSTRIAL NACIONAL............................... 79

4.1.1 Dados atuais da Produção Pesqueira no Brasil......................................... 82

4.1.2 Da Produção do Espaço a Formação do Território: Aproximando os Diálogos

nos Municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água Do Casado............................

103

4.2 HISTÓRICO DA POLÍTICA PESQUEIRA NO BRASIL..................................... 115

4.2.1 Estimulo à Pesca Brasileira............................................................................... 115

4.3. A CRISE ATUAL DA PESCA EM ALAGOAS ................................................ 124

4.3.1 Indicadores da Crise Pesqueira................................................................. 125

4.4 O ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DA PISCICULTURA EM ALAGOAS.......... 127

5 – PERFIL DA PESCA ARTESANAL NOS MUNICÍPIOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO ALAGOANO...............................................................................

132

5.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO........................ 133

5.1.1 Pluriatividade e Desenvolvimento Sustentável: Novas Práticas nos Territórios

dos Pescadores..............................................................................................

135

5.2 PLURIATIVIDADE E A PESCA ARTESANAL NOS MUNICÍPIOS

PESQUISADOS................................................................................................

140

5.3 O PESCADOR ALAGOANO E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO

ARTESANAL....................................................................................................

149

5.3.1 A PERCEPÇÃO DOS PESCADORES SOBRE AS POLÍTICAS DE

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DESENVOLVIMENTO....................................................................................... 151

5.4 - PESCAR O PEIXE OU CULTIVAR O PEIXE: É O FIM DA PESCA

ARTESANAL...................................................................................................

160

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 169 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 175 APÊNDICES .................................................................................................... 188

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INTRODUÇÃO

O atual modelo de desenvolvimento econômico no Brasil tem bases na

concentração de renda e na desigualdade social. Em oposição a esse modelo

surgem teses que propõem a emergência do território, do local como espaço

privilegiado de execução de políticas ativas de promoção do desenvolvimento.

A manutenção da estabilidade macroeconômica é condição necessária, mas

não suficiente pra mudar essa realidade, visando a uma melhor distribuição de

riquezas e conseqüentemente o combate à pobreza. Neste sentido, torna-se

necessária a mudança na forma de planejar e agir no país, tendo como ciência

a diferença entre crescimento e desenvolvimento.

As sociedades dos países em desenvolvimento como o Brasil, têm, ao menos

em seus discursos, apresentado interesse na busca por modelos de construção

de políticas públicas que sejam capazes de captar e refletir as dinâmicas e

arranjos estabelecidos nos mais diversos territórios produtivos, visando a

sustentabilidade das comunidades inseridas nos mesmos.

Este desafio também está presente na realidade local das comunidades que

sobrevivem de atividades consideradas seculares e artesanais, como a pesca.

Para Celina Souza (2006) não existe uma única, nem melhor, definição sobre o

que seja política pública. Mead (1995 apud SOUZA, 2006) a define como um

campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes

questões públicas e Lynn (1980 apud SOUZA, 2006), como um conjunto de

ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o

mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem

diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos.

No tocante à reflexão proposta por esta tese para analisar a condição do

pescador diante da inovação imposta pelo capital, através da atividade de

tanques-rede e o impacto das intervenções e políticas públicas sobre a pesca

artesanal e o reflexo das mesmas no cotidiano do pescador, nos apropriaremos

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da definição de Dye (1984, apud SOUZA, 2006) que sintetiza a definição de

política pública como o que o governo escolhe fazer ou não fazer1, por

entender que na realidade dos municípios pesquisados a ação do governo e

suas escolhas sujeitam os pescadores a um papel de espectadores, a mercê

das escolhas e vontades dos que “entendem” o que pode ser melhor para eles.

Para Souza (2006) algumas definições enfatizam o papel da política pública na

solução de problemas. Críticos dessas definições, que superestimam aspectos

racionais e procedimentais das políticas públicas, argumentam que elas

ignoram a essência da política pública, isto é, o embate em torno de idéias e

interesses. Pode-se também acrescentar que, por concentrarem o foco no

papel dos governos, essas definições deixam de lado o seu aspecto conflituoso

e os limites que cercam as decisões dos governos. Deixam também de fora

possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras

instituições e grupos sociais. É possível então resumir política pública como

O campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006, p.26)

Dentro deste contexto, apresenta-se como proposta de pesquisa: verificar o

impacto da introdução de uma atividade inovadora ao trabalho do pescador

artesanal, a aqüicultura em tanques-rede, no quotidiano do pescador artesanal

do Baixo São Francisco alagoano, e as conseqüências dessa inovação na

manutenção e sobrevivência do pescador e de sua família.

Entendemos ser também objetivo meio desta pesquisa extrair da analise a ser

realizada, aprendizado e estratégias para a compreensão do modo de vida do

                                                       1 Há mais de 40 anos atrás, Bachrach e Baratz (1962) mostraram que não fazer nada em relação a um problema também é uma forma de política pública. 

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pescador artesanal num ambiente em transformação pelo Capital, visando

contribuir com os processos que pretendem implantar ações de promoção do

desenvolvimento em territórios de baixo dinamismo socioeconômico.

Ao longo do século XX, as interações entre o progresso técnico-científico e o

explosivo crescimento demográfico das cidades fizeram com que a relação

entre o homem e a natureza chamasse a atenção para o uso sustentável dos

recursos naturais e para o estabelecimento de formas não destrutivas ao meio

ambiente.

Coloca-se na ordem do dia o problema da sustentabilidade do desenvolvimento

que deve promover através de ações eficientes, uma melhor condição de vida

à população atual, sem comprometer a capacidade de sobrevivência das

gerações futuras.

É no momento da configuração de um território que as condições e a qualidade

de vida dos moradores de uma cidade desvendam-se através de formas e

práticas diferenciadas, nas quais os fatores contribuintes, tais como, a

presença ou ausência dos serviços públicos, funcionam como parâmetros

reveladores das desigualdades sócio-espaciais.

O debate acerca do conceito de desenvolvimento é rico no meio acadêmico,

principalmente quanto à distinção entre desenvolvimento e crescimento

econômico, pois muitos autores atribuem apenas os incrementos constantes no

nível de renda como condição para se chegar ao desenvolvimento, sem, no

entanto, se preocupar como tais incrementos são distribuídos. (SCATOLIN,

1989, p.24).

O desenvolvimento é o resultado do crescimento econômico acompanhado de

melhoria na qualidade de vida, incluindo as alterações da composição do

produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da economia, de

forma a melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social (pobreza,

desemprego, desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e

moradia) (VASCONCELLOS e GARCIA, 1988, p. 205).

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Os debates sobre o desenvolvimento econômico foram acirrados no período

posterior à segunda grande guerra2. Segundo Sunkell e Paz (1988), terminado

o conflito bélico, que foi resultado de fatores econômicos, políticos e históricos

muito profundos, que não cabe analisar aqui, o tema foi encarado por todos os

países, principalmente os aliados, que visavam livrar o mundo, e, obviamente,

seus próprios territórios, dos problemas que os perseguiam (e ainda

perseguem) nos períodos anteriores: guerra, desemprego, miséria,

discriminação racial, desigualdades políticas, econômicas e sociais.

Essa preocupação revelou os anseios de progresso e de melhoria das

condições de vida das nações e regiões, que podem ser vislumbrados tanto na

primeira Declaração Inter-aliada de 1941, como na Carta do Atlântico, do

mesmo ano, que expressavam o desejo de criar condições para que todos os

homens pudessem desfrutar de seguridade econômica e social. Tais intenções

foram reafirmadas em diversas declarações e conferências que sucederam o

período de guerra3 (SUNKELL E PAZ,1988).

O documento de maior importância dessa época, no que tange a questões de

desenvolvimento, é a Carta das Nações Unidas, divulgada, em abril de 1945,

na Conferência de São Francisco. Cabe lembrar que foi em São Francisco,

nesse mesmo ano, a criação oficial da Organização das Nações Unidas (ONU),

composta inicialmente por 51 países, cuja finalidade primava pela manutenção

e melhoramento dos níveis de qualidade de vida, ou seja, tinha como propósito

contribuir para a elevação dos níveis de desenvolvimento em todos os sentidos

do termo.

Desde sua criação, a ONU está empenhada em: promover o crescimento e

melhorar a qualidade de vida dentro de uma liberdade maior; utilizar as

instituições internacionais para promoção do avanço econômico e social

conseguir cooperação internacional necessária para resolver os problemas

internacionais de ordem econômica, social, cultural ou de caráter humanitário;                                                        2 A Segunda Guerra Mundial durou de 1939 a 1945 3 O desejo de disseminar o progresso e o desenvolvimento econômico também estava expresso na Declaração das Nações Unidas, firmada por representantes de 26 nações, em 1942  

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e promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades

fundamentais de toda a população do globo, sem distinção de raça, credo,

sexo, idioma ou cor.

No entanto, a controvérsia entre os conceitos de crescimento econômico e

desenvolvimento ainda não foi bem esclarecida. Como bem observa Scatolin:

Poucos são os outros conceitos nas Ciências Sociais que se tem prestado a tanta controvérsia. Conceitos como progresso, crescimento, industrialização, transformação, modernização, têm sido usados freqüentemente como sinônimos de desenvolvimento. Em verdade, eles carregam dentro de si toda uma compreensão específica dos fenômenos e constituem verdadeiros diagnósticos da realidade, pois o conceito prejulga, indicando em que se deverá atuar para alcançar o desenvolvimento (1989, p.06).

O debate sobre o tema é acirrado pela conceituação econômica do termo

desenvolvimento. Os economistas vêem surgir a necessidade de elaborar um

modelo de desenvolvimento que englobe todas as variáveis econômicas e

sociais4. Sob o prisma econômico, “desenvolvimento é, basicamente, aumento

do fluxo de renda real, isto é, incremento na quantidade de bens e serviços por

unidade de tempo à disposição de determinada coletividade” (FURTADO,

1961, p.115-116).

Para Oliveira e Adrião (2002), o desenvolvimento deve ser encarado como um

processo complexo de mudanças e transformações de ordem econômica,

política e, principalmente, humana e social; ou seja, desenvolvimento nada

mais é que o crescimento – incrementos positivos no produto e na renda –

transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser

humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte, alimentação,

lazer, dentre outras.

Scatolin (1989, p.15) diz que essa visão começou a ser difundida, no final da

década de 1940, pelos economistas estruturalistas (ligados à CEPAL), que

passaram a encarar o desenvolvimento de maneira bem distinta do                                                        4 Para Souza (1993, p. 15), a discussão a respeito do “desenvolvimento econômico no Brasil tomou forma com os estudos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951/ 53) e do Grupo Misto BNDES-CEPAL (1953/55), que forneceram elementos para os planos nacionais [de desenvolvimento] subseqüentes”. 

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crescimento. “Enquanto este era entendido como um processo de mudança

‘quantitativa’ de uma determinada estrutura, desenvolvimento era interpretado

como um processo de mudança ‘qualitativa’ de uma estrutura econômica e

social.”

O movimento em torno do desenvolvimento sustentável, contra a degradação

ambiental, na atualidade é grande. Centenas de organizações não

governamentais (ONGs) e praticamente todos os governos e órgãos oficiais do

mundo lutam pelo controle da poluição e pela preservação da natureza como

forma de garantir a qualidade de vida no nosso planeta5. A idéia de

desenvolvimento sustentável está focada na necessidade de promover o

desenvolvimento econômico satisfazendo os interesses da geração presente,

sem, contudo, comprometer a geração futura. Isto é, tem que atender “às

necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das novas

gerações atenderem às suas próprias necessidades” (COMISSÃO..., 1991,

p.46).

Tânia Braga (1999) acrescenta que em um mundo globalizado, a

permeabilidade local às mudanças mundiais para garantir integração e

competitividade passa a ser o foco central da agenda local e essa é a nova

conotação que adquire a palavra desenvolvimento. O local, por sua vez, tende

a ser definido, cada vez mais, a partir das conveniências do mercado. É nesse

contexto específico que nascem as propostas de “desenvolvimento local/

endógeno”.

Também para Milton Santos:

“Os lugares se distinguiriam pelas diferentes capacidades de oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em virtude das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura, acessibilidade) e organizacional (leis locais, impostos, relações trabalhistas, tradição laboral).Essa eficácia mercantil não é um dado absoluto do lugar, mas se refere a um determinado produto e não a um produto qualquer(2003, p.27).

                                                       5 As ONGs são instituições privadas, sem fins lucrativos, que implementam ações socioambientais. Nos últimos anos, as ONGs têm tido participações significativas na luta pela preservação do meio ambiente e por uma melhor qualidade de vida em diversas regiões. Dentre outras ações, as ONGs vêm realizando programas de educação ambiental, de proteção de mananciais, de coleta seletiva e reciclagem de lixo e de conservação da fauna e da flora.  

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21  

O desenvolvimento local implica, antes de tudo, flexibilidade, opondo-se à

rigidez das formas de organização clássica, uma estratégia de diversificação e

de enriquecimento das atividades sobre um dado território com base na

mobilização de seus recursos (naturais, humanos e econômicos) e de suas

energias, opondo-se às estratégias centralizadas de manejo do território.

Representa a idéia de uma economia flexível, capaz de adaptar-se aos dados

mutáveis, e constitui alternativa para as economias das grandes unidades

(SANTOS, 2003).

A política do desenvolvimento local implica igualmente estratégias de

financiamento e de formação, e passa pela descentralização dos níveis de

decisão política, econômica e financeira (BENKO, 1996).

Esta visão valoriza o desenvolvimento local sustentável como um possível

caminho para a melhoria da qualidade de vida das populações e para a

conquista de modos de vida mais sustentável. O desenvolvimento local é visto

como uma estratégia de constituição de um ambiente produtivo inovador, no

qual formas de cooperação e integração de cadeias produtivas e das redes

econômicas e sociais se desenvolvem e se institucionalizam de tal modo, que,

ampliam as oportunidades locais, gerando trabalho e renda, atraindo novos

negócios e criando condições para o desenvolvimento humano sustentável

(COELHO, 2001).

A piscicultura (criatório de peixes em tanques-rede) no baixo São Francisco foi

implantada no início dos anos de 1980, recomendada como uma alternativa de

substituição, ou complemento, das atividades tradicionais de subsistência da

população local, a pesca e a agricultura de vazante, que foram prejudicadas

pelos planos de desenvolvimento implementados no vale do rio, executados

pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e pela Companhia de

Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF)

(ALAGOAS, 2004, p. 108).

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22  

Com o crescimento da atividade e a elevação das produtividades, auxiliados

pela introdução dos tanques-rede na década de 1990 e favorecidos pela

potencialidade da região, como clima, solo e topografia favoráveis, além de

água de boa qualidade, e por incentivos governamentais, a região ganhou o

título de pólo regional do setor (Idem, p. 110).

Dependendo da forma como é conduzida, a piscicultura pode gerar impactos

positivos, tais como emprego e renda para a população, ou causar diversos

impactos negativos na localidade onde está inserida, como destacado por

Valenti (2000, p. 27): “dependendo da concepção dos projetos, a aqüicultura irá

concentrar renda nas mãos de poucos ou irá promover o desenvolvimento

social”. O rumo tomado pela atividade, segundo o autor, dependerá da política

governamental adotada para o setor.

Ao mesmo tempo, ao informar haver indícios de que nem sempre a aqüicultura

foi capaz de ajudar os mais pobres e necessitados, a Organização das Nações

Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) explicou que o desenvolvimento

de projetos de aqüicultura dos “mais pobres” (denominação dada pela própria

FAO) é muito dependente do apoio do Estado (FAO, 1994). Esse tipo de

aqüicultura, formada principalmente por produtores que a utilizam para

subsistência ou por aqueles que comercializam apenas pequena parte de sua

produção, é realizada de forma muito simples e, segundo a FAO, a atividade é

paralisada pela maioria quando cessa a ajuda do Estado.

Nos municípios de Olho D’água do Casado e Pão de Açúcar, a realidade não é

diferente da descrita pela FAO em seu documento sobre aqüicultura

(FAO,1994). Convencidos pelo discurso dos órgãos do governo de Alagoas de

que a piscicultura em tanques-rede apresentava-se como a única alternativa

para fugir da situação imposta aos pescadores pela falta do peixe, estes

abandonavam paulatinamente a atividade que lhes garantiram a sobrevivência

durante gerações (a pesca artesanal), por uma aventura empreendedora

dependente da ajuda do Capital.

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23  

O crescimento da atividade no baixo São Francisco não foi acompanhado por

pesquisas que a caracterizassem ou que avaliassem e monitorassem o seu

desenvolvimento. Mesmo não dispondo de documentos que validassem a

atividade, o governo do Estado de Alagoas continuou convocando produtores

para investir no setor, destacando-o entre os agronegócios recomendados e

prevendo como benefícios: ampliação e consolidação da cadeia aqüícola, o

desenvolvimento sustentável de uma região carente, fixação e aproveitamento

da mão-de-obra local (ALAGOAS, 2004, p. 62).

Atualmente, a pesca artesanal em Alagoas vem apresentando sinais de

declínio, devido aos impactos sofridos ao longo de todo o rio São Francisco. A

relação homem-natureza foi e continua sendo ignoradas nos planejamentos,

pois o cotidiano do pescador e sua relação com o rio não são considerados nas

políticas propostas para a região. Isso gera problemas socioeconômicos e

ambientais e queda na condição de vida do pescador, resultando em

modificações na sua rotina.

Para Lefebvre, a transformação do mundo não é apenas econômica, não

consiste somente no domínio da natureza, mas na apropriação ( LEFEBVRE,

1970, p.84). E no relacionado a tal projeto de futuro, Lefebvre anuncia: O futuro reside [...] na integração da “urbe”, na cidade, na apropriação, cada vez maior, do trabalho e do ócio, dos locais de trabalho e dos locais de ócio, das possibilidades de trabalho e das possibilidades de ócio. Este e um elemento do urbanismo que nada tem a ver com o urbanismo atual [...] Trata-se, em ultima analise, da problemática da cidade [...] que e a problemática que nos põem a questão da separação dos lugares, dos lugares de trabalho, dos lugares de prazer e da vida privada. Trata-se de aproximá-los, de superar, na pratica, essas separações. Nisto consiste a problemática urbana. (LEFEBVRE, 1970, p.85).

Esta problemática imposta pelo Capital aos pescadores artesanais de Alagoas,

sem preocupar-se com as conseqüências da substituição de uma atividade

secular, que é a pesca artesanal, por uma ferramenta das empresas

capitalistas do mercado de pescado, cujo objetivo é a submissão do pescador

justifica a realização de estudos que busquem o aprofundamento da

compreensão do impacto dessa modalidade de atividade econômica imposta

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aos sujeitos envolvidos, das suas reações às medidas oficiais e das estratégias

que utilizam para superá-las.

A preocupação com a temática surgiu de uma vivencia profissional que

propiciou contato direto com pescadores artesanais do baixo São Francisco

Alagoano, fazendo surgir algumas inquietações diante do quadro social

constatado.

Na construção do referencial para a construção da pesquisa, foram

considerados como elementos fundamentais: o trabalho artesanal, as políticas

públicas que compõem o desenvolvimento territorial e a visão do pescador e o

seu cotidiano sobre o processo de apropriação de novas culturas que estão se

sobrepondo a atividade da pesca artesanal do semi-árido alagoano.

As reflexões e os resgates teóricos pertinentes à investigação possibilitaram a

identificação de momentos distintos.

• Iniciou-se com uma caracterização da pesquisa e das questões

propostas sobre o tema;

• Analisou-se a questão sobre o território urbano e o rural, e o impacto das

mudanças ocorridas nesses ambientes que refletiram direta e

indiretamente no desenvolvimento e/ou descaracterização do trabalho

artesanal;

• Resgataram-se sinteticamente as principais transformações e questões

políticas e econômicas ocorridas no semi-árido alagoano, e por último;

• Analisou-se a formação do pescador e o conhecimento produzido na

relação com a atividade da pesca artesanal e a visão dos mesmos sobre

as conseqüências impostas pelo capital para a continuidade da pesca

artesanal.

Traçado este percurso, este trabalho tem como finalidade dar visibilidade aos

impactos vivenciados pelas comunidades de pescadores do semiárido

alagoano.

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25  

A questão direcionadora da pesquisa é: Qual a condição do pescador artesanal

do baixo São Francisco Alagoano diante da inovação imposta pelo tanques-

rede no seu cotidiano para garantir sua sustentabilidade?

Por acreditar na importância desse debate, buscou-se responder a questão

inicial da pesquisa com a hipótese de que: As comunidades de pescadores

artesanais do semi-árido alagoano não estão obtendo, com a prática dos

tanques-rede em substituição à pesca artesanal, as condições básicas e

objetivas para garantir a sustentabilidade de suas famílias.

Dessa forma, o objetivo geral do estudo foi avaliar a condição do pescador

artesanal frente às políticas a ele condicionadas e a relação existente entre

trabalho artesanal na pesca e a prática do tanque-rede no semi-árido alagoano,

submetida a uma modernização imposta pelo capital.

A partir dessa análise, pretende-se fornecer subsídios que possam contribuir

para a formulação de novas práticas para interpretar a realidade das

comunidades pesqueiras, respeitando suas individualidades e culturas,

considerando seu passado e suas necessidades futuras.

Com a evolução da pesquisa, pretendeu-se em paralelo, investigar a condição

da comunidade pesqueira, objeto deste estudo, considerando as intervenções

a ela direcionadas; caracterizar o que o estado desenvolve com relação as

políticas publicas para os pescadores, investigar a questão da pesca associada

á evolução das atividades que deram condições à manutenção da

sobrevivência do pescador artesanal, e verificar a condição da manutenção da

sustentabilidade da atividade da pesca artesanal.

A metodologia da pesquisa, dentro de um enfoque dialético, se estruturou na

Triangulação de Métodos estabelecendo abordagens qualitativas com enfoque

interdisciplinar na análise e discussão dos resultados, que em sua estrutura

estabeleceu como objetivos a caracterização da pesca e pescador artesanal

nos aspectos histórico, social e econômico e a sustentabilidade da pesca

artesanal frente à modernização imposta pelo capital.

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26  

A triangulação é um termo utilizado nas abordagens qualitativas indicando o

uso simultâneo de várias técnicas de abordagens, várias modalidades de

análise, vários informantes e pontos de vista de observação, visando

verificação e validação da pesquisa (MINAYO, 1994).

Jick (1979) apud Minayo et al. (2005), encontra um valor universal na

Triangulação de Métodos ao constatar que cada método por si só não possui

elementos mínimos para dar respostas às questões levantadas por uma

investigação especifica. Nesse sentido, a triangulação metodológica serve

como instrumento de iluminação da realidade sob vários ângulos mostrando

assim, que essa prática propicia maior claridade teórica permitindo aprofundar

uma discussão interdisciplinar de forma interativa e intersubjetiva (DENZIN,

1979 apud MINAYO ET al. 2005). A triangulação “permite criar um processo de

dissolução de dicotomias: entre quantitativo e qualitativo; entre macro e micro;

entre interior e exterior; entre sujeito e objeto” (MINAYO et al. 2005, p. 31).

Figura 1: Região do baixo São Francisco Alagoano, destacando os municípios onde foi

realizada a pesquisa. Fonte: Michel Ângelo, 2011.

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A escolha das localidades visitadas foi feita tendo como base nas informações

obtidas através da vivência estabelecida junto às comunidades de pescadores

e através de consultas bibliográficas, o que permitiu selecionar os municípios

de Pão de Açúcar e Olho D’ água do Casado como lócus da pesquisa,

ilustrados na Figura 1. Os dois municípios possuem em comparação com os

demais municípios do baixo São Francisco Alagoano, os maiores contingentes

de pescadores artesanais cadastrados nas colônias, e também concentram a

maior quantidade de tanques-rede para produção em cativeiro.

A preocupação que permeou este trabalho foi o cuidado ao observar se

existem características e diferenças, mesmo localizadas no espaço geográfico

do Estado de Alagoas, nas comunidades artesanais de pescadores.

Foi utilizada a entrevista aberta como instrumento de coleta de dados, mas

com um roteiro previamente definido. Estas foram gravadas ou registradas por

escrito. Também foram utilizadas oficinas como forma de refinar e

complementar a coleta dos dados, permitindo-se debater e colher informações

sobre a percepção grupal dos pescadores.

Foram entrevistados 79 pescadores do sexo masculino e 4 pescadoras do sexo

feminino, de um universo de 138 que trabalham na pesca artesanal, totalizando

60% de entrevistados. Como referência foi utilizado o cadastro existente na

colônia dos pescadores dos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água do

Casado.

Aliada à pesquisa bibliográfica articulando com a observação direta, a

realização das entrevistas, participações em fóruns locais de desenvolvimento

do semiárido, foram reunidos os elementos necessários para desenvolver a

problemática do trabalho.

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1 DO QUE SE TRATA: LUGAR, ESPAÇO, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO.

1.1 – APROXIMANDO OS CONCEITOS

Ao serem analisados os aspectos que ao longo da história, fizeram (fazem)

parte da história do modo de produção capitalista, o espaço passou a fazer

parte dos circuitos de valorização do capital, seja pela mercantilização da terra,

seja por seu parcelamento (por loteamento ou por verticalização) ou, como vem

ocorrendo mais recentemente, por sua crescente inclusão nos circuitos de

circulação do capital financeiro. A produção do espaço passa a ser um

elemento estratégico para a acumulação do capital.

Segundo Henri Lefebvre ocorreria uma crescente dependência do capitalismo

em relação à produção e ao consumo do espaço nas últimas décadas, pois: [...] o capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento na conquista do espaço, em termos triviais na especulação imobiliária, nas grandes obras (dentro e fora das cidades), na compra e venda do espaço. E isso à escala mundial. (...) A estratégia vai mais longe que a simples venda, pedaço por pedaço, do espaço. Ela não só faz o espaço entrar na produção da mais-valia, ela visa uma reorganização completa da produção subordinada aos centros de informação e decisão (1999, p.142).

De acordo com Lefebvre (1976), a burguesia, enquanto classe dominante

dispõe de um duplo poder sobre o espaço: através da propriedade privada do

solo, que se estende à totalidade do espaço (exceção feita aos direitos das

coletividades e do Estado) e através da globalidade, a saber, o conhecimento,

a estratégia, a ação do Estado propriamente dito. Existiriam conflitos inevitáveis

entre esses dois elementos (burguesia e Estado) e, no plano institucional,

essas contradições se fariam patentes entre os planos gerais de ordenação

espacial levados a cabo pelo Estado e os projetos parciais dos negociantes “de

espaço”.

Lefebvre interpreta a abordagem marxista de espaço, pelo qual "desempenha

um papel ou uma função decisiva na estruturação de uma totalidade, de uma

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lógica, de um sistema" (LEFÉBVRE, 1976, p. 25). Para o autor, "o espaço é o

locus da reprodução das relações sociais de produção." (LEFÉBVRE, 1976, p.

25).

Para Milton Santos (1985), uma sociedade só se torna concreta através de seu

espaço. A totalidade é formada por instâncias ou estruturas (econômica,

jurídica-política e ideológica), e o espaço seria a quarta instância, colocando-se

como uma estrutura subordinada e subordinante, um fator social e não apenas

reflexo social. Ou seja, se o espaço é resultado da ação humana, e ele é

reflexo e condição da sociedade, então, se temos uma sociedade desigual, o

espaço será desigualmente ocupado, distribuído e significado.

Yi Fu Tuan (1983) é um autor que recorre a uma abordagem com viés da

psicologia, tratando da afetividade produzida pela humanidade e sua relação

com o conceito de lugar. O conceito de espaço aparece como espécie de meta-

conceito, pois os outros conceitos chave da Geografia se referem ao anterior

enquanto uma obra humana. Destaca ainda que o Materialismo histórico

entende o lugar como uma expressão geográfica da singularidade; e a corrente

Humanística percebe o lugar como uma porção do espaço em relação ao qual

se desenvolvem afetos a partir da experiência individual ou grupos sociais.

O autor trata a relação entre espaço e tempo na construção do lugar. Para Yi

Fu Tuan (1983, p. 198) o lugar é uma área que foi apropriada afetivamente,

transformando um espaço indiferente em lugar, o que por sua vez implica na

relação com o tempo de significação deste espaço em lugar. "O lugar é um

mundo de significado organizado".

Na vivência, o significado de espaço freqüentemente se funde com o de lugar.

"A sensação de tempo afeta a sensação de lugar. Na medida em que o tempo

de uma criança pequena não é igual ao de um adulto, tampouco é igual sua

experiência de lugar" (TUAN, 1983, p. 206).

Espaço é um conceito mais abstrato que o de lugar. O que começa como

espaço indiferenciado, transforma-se em lugar à medida que o conhecemos

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melhor e o dotamos de valor. "Lugar é uma mistura singular de vistas, sons e

cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais (...) Sentir um lugar

é registrar pelos nossos músculos e ossos" (TUAN, 1983, p. 203). Só nos

familiarizamos com um lugar após algum tempo. Lugar é por sua vez definido

por e a partir de apropriações afetivas que decorrem com os anos de vivência e

as experiências atribuídas às relações humanas.

Tratando-se de território, Souza (2001) o entende como sendo "(...) definido e

delimitado por e a partir de relações de poder" (p. 78 e 96); "um campo de

força, uma teia ou rede de relações sociais a par de sua complexidade interna,

define, ao mesmo tempo um limite, uma alteridade: a diferença entre nós e os

outros." (p. 86). Este autor está falando da trilogia: espaço, fronteira e poder.

Se esse termo pode variar, ou seja, há conceitos distintos para tais elementos,

então o conceito de espaço também pode variar.

Os conflitos e contradições inerentes às sociedades têm íntima relação com a

constituição de territórios, pois segundo o autor "o território está, igualmente,

presente em toda a espacialidade social – ao menos enquanto o homem

também estiver presente" (SOUZA, 2001, p. 96), portanto está repleto desses

conflitos e contradições das sociedades. Há certa volatilidade na composição

dos limites territoriais, se tornam um tanto instáveis e estão em constante

mudança: "criação da identidade territorial é apenas relativa, digamos, mais

propriamente funcional do que afetiva" (2001, p. 88).

Souza (2001) faz algumas menções também sobre o conceito de espaço,

lembrando que a Geografia Política define o espaço como sendo "concreto em

si (com seus atributos naturais e socialmente construídos) que é apropriado,

ocupado por um grupo social" (p. 84); isso no que se refere a território nacional

e idéia de Estado Nação.

O conceito de território tem sido utilizado tanto pelas ciências naturais como

pelas ciências sociais. Nas ciências naturais, o seu conceito foi formulado pela

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31  

primeira vez, ainda no século XVII, a partir de estudos da Botânica e da

Zoologia6.

O território tinha como significado uma área de dominação de um determinado

grupo de espécie animal ou vegetal. Já nas ciências sociais, a primeira

preocupação com o território de forma sistematizada partiu do geógrafo

Friedrich Ratzel, no século XIX. Ratzel comparou o Estado a um organismo

vivo que nasce, cresce e tende a declinar. Esta visão colocou no centro de

suas análises a necessidade do domínio territorial por parte do Estado. “O

território era, então, um dos elementos principais na formação do Estado de

modo que, na concepção de Ratzel, o Estado não existiria sem o território”

(GOMES, 1984, p. 20).

Além disso, o território significava não só as condições de trabalho, mas a

própria condição de existência de uma sociedade, definindo-se pela

propriedade, isto é, uma área dominada por alguém ou pelo Estado. (Ibid., p.

20).

Claude Raffestin, considerado um dos pioneiros a discutir sobre o tema coloca,

na questão inicial sobre território: ... é essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143).

Dentro da concepção enfatizada pelo autor, o território é tratado,

principalmente, com uma ênfase político-administrativa, isto é, como o território

nacional, espaço físico onde se localiza uma nação; um espaço onde se

delimita uma ordem jurídica e política; um espaço medido e marcado pela

projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras.

                                                       6 Para este item, utilizou-se como base de consulta e citação o artigo O TERRITÓRIO COMO UM DOS CONCEITOS-CHAVE PARA O ENTENDIMENTO DA RELAÇÃO SOCIEDADE/NATUREZA, apresentado no III Encontro da ANPPAS , de 2006, dos autores Luís Gustavo de Lima Sales (UEPB/UFRN) ; Ricélia Maria Marinho da Silva (UEPB/UFRN) e Zoraide de Souza Pessoa (UERN/UFRN) 

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Segundo o mesmo autor, ao se apropriar de um espaço, concreta ou

abstratamente, o ator territorializa o espaço. Neste sentido, entende o território

como sendo: [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 144).

Na análise de Raffestin (1993), a construção do território revela relações

marcadas pelo poder. Assim, faz-se necessário enfatizar uma categoria

essencial para a compreensão do território, que é o poder exercido por

pessoas ou grupos sem o qual não se define o território. Poder e território,

apesar da autonomia de cada um, vão ser enfocados conjuntamente para a

consolidação do conceito de território. Assim, o poder é relacional, pois está

intrínseco em todas as relações sociais.

Haesbaert analisa o território com diferentes enfoques, elaborando uma

classificação em que se verificam três vertentes básicas: 1) jurídico-política,

segundo a qual “o território é visto como um espaço delimitado e controlado

sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter

estatal”; 2) cultural (ista), que “prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas,

o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através

do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço”: 3) econômica, “que

destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto

espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho”

(HAESBAERT apud SPOSITO, 2004, p.18).

No panorama mundial atual com todas as suas complexidades e processos,

Haesbart (1997) identifica uma multiterritorialidade reunida em três elementos:

os territórios-zona, os territórios-rede e os aglomerados de exclusão.

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Para o mesmo autor, nos territórios-zona prevalece a lógica política; nos

territórios-rede prevalece a lógica econômica e nos aglomerados de exclusão

ocorre uma lógica social de exclusão sócio-econômica das pessoas. Haesbaert

(1997) também analisa a questão do conceito de território com um enfoque

cultural, quando estuda a desterritorialização e a identidade na rede gaúcha no

nordeste. Contudo, convém destacar que:

[...] esses três elementos não são mutuamente excludentes, mas integrados num mesmo conjunto de relações sócio-espaciais, ou seja, compõem efetivamente uma territorialidade ou uma espacialidade complexa, somente apreendida através da justaposição dessas três noções ou da construção de conceitos “híbridos” como o território-rede (HAESBAERT, 2002, p. 38).

Souza (2001) utiliza sua abordagem sobre o território analisando-a sob o ponto

de vista político e também cultural, visto que este autor identifica, nas grandes

metrópoles, grupos sociais que estabelecem relações de poder formando

territórios no conflito pelas diferenças culturais.

Cabe uma reflexão sobre a afirmação acima, pois se pode afirmar que não

somente nas grandes metrópoles, mas as relações de poder também

influenciam as pequenas comunidades do ponto de vista político, social,

ambiental e também cultural.

Souza (2001) salienta que o território é um espaço definido e delimitado por e a

partir de relações de poder, e que o poder não se restringe ao Estado e não se

confunde com violência e dominação. Assim, o conceito de território deve

abarcar mais que o território do Estado-Nação.

Nas palavras do autor, “todo espaço definido e delimitado por e a partir de

relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue

de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN” (SOUZA,

2001, p.11).

Após retrabalhar o conceito de território, propõe o conceito de território

autônomo como uma alternativa de desenvolvimento. A autonomia constitui, no

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entender do autor, a base do desenvolvimento, este encarado como processo

de auto-instituição da sociedade rumo a uma maior liberdade e menor

desigualdade.

Para o autor: Uma sociedade autônoma é aquela que logra defender e gerir livremente seu território [...] Uma sociedade autônoma não é uma sociedade sem poder [...] No entanto, indubitavelmente, a plena autonomia é incompatível com a existência de um “Estado” enquanto instância d e poder centralizadora e separada do restante da sociedade (SOUZA, 2001, p. 106).

Ainda para o autor, “em qualquer circunstância, o território encerra a

materialidade que constitui o fundamento mais imediato de sustento econômico

e de identificação cultural de um grupo” (SOUZA, 2001, p. 108). Mas não um

território ideologizado com um poder centralizador como o Estado-Nação, mas

um território autônomo, onde as pessoas têm a liberdade de manifestar suas

escolhas e potencialidades, gerando um espaço socialmente eqüitativo.

Dessa forma, na visão Souza (2001), o território deve ser apreendido em

múltiplas vertentes com diversas funções. Mesmo privilegiando as

transformações provenientes do poder no território, o autor aponta a existência

de múltiplos territórios, principalmente nas grandes cidades, como o território

da prostituição, do narcotráfico, dos homossexuais, das gangues e outros que

podem ser temporários ou permanentes, salientando que territórios que vão

sendo conquistados tem suas próprias leis que os regulam.

Da mesma forma que em Claude Raffestin, a idéia de poder também é uma

constante na discussão sobre território feita por Marcos Aurélio Saquet:

O território é produzido espaço-temporalmente pelas relações de poder engendradas por um determinado grupo social. Dessa forma, pode ser temporário ou permanente e se efetiva em diferentes escalas, portanto, não apenas naquela convencionalmente conhecida como o “território nacional” sob gestão do Estado -Nação (SAQUET apud CANDIOTTO, 2004, p. 81).

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Saquet (2004) faz um resgate das diferentes interpretações do conceito de

território levando em consideração as três vertentes mencionadas por

Haesbaert (jurídicopolítica, econômica e cultural), como sendo essenciais para

se fazer as interligações necessárias.

Mesmo salientando a importância da interligação entre as diversas vertentes, o

autor trabalha enfatizando os aspectos econômicos e políticos, além de fazer

uma relação com a vertente cultural.

[...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente relacionadas, efetivam um território, um processo social, no espaço geográfico, centrado e emanado na e da territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades/temporalidades/territorialidades. A apropriação é econômica, política e cultural, formando territórios heterogêneos e sobrepostos fundados nas contradições sociais (SAQUET, 2004, p.28).

No entanto, além das vertentes econômicas, políticas e culturais, Saquet

também considera a vertente da natureza, que sempre estará presente dentro

do território. A natureza está no território, é dele indissociável.

Por sua vez, Manuel Correia de Andrade (1995), faz uma análise da questão

do território no Brasil, retratando o conceito de território com uma abordagem

profundamente política e econômica de ocupação do espaço. A exemplo de

Raffestin, a idéia de poder é uma constante na análise do território feita por

Andrade: O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de uma determinada área. Deste modo, o território está associado à idéia de poder, de controle, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas (ANDRADE, 1995, p. 19).

Nota-se que o território pode ser entendido como o controle administrativo,

fiscal, jurídico, político, econômico, efetivo, do espaço ou de uma região. Em

sua obra, Andrade (1995) faz uma diferenciação entre território e espaço. O

território associa-se mais à idéia de integração nacional, de uma área

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efetivamente ocupada pela população, pela economia, a produção, o comércio,

os transportes, a fiscalização etc.

Andrade (1995) coloca ainda que é no território que as relações capitalistas

efetivamente se fazem presentes. Já o espaço é mais amplo que o território,

englobando também as áreas vazias que ainda não se territorializaram, isto é,

que ainda não sofreram uma ocupação humana efetiva. Assim, o espaço é

mais amplo que o território, englobando-o. É uma área delimitada

geograficamente e administrativamente pelas suas fronteiras.

Para o autor, associada ao território, tem-se a expressão territorialidade que:

Pode vir a ser encarada tanto como o que se encontra no território, estando sujeito à sua gestão, como, ao mesmo tempo, o processo subjetivo de conscientização da população de fazer parte de um território, de integrar-se em um Estado [...] A formação de um território dá às pessoas que nele habitam a consciência de sua participação, provocando o sentido da territorialidade que, de forma subjetiva, cria uma consciência de confraternização entre elas. (ANDRADE, 1995, p. 20).

Já territorialização é a forma de como se materializa o território, bem como a

manifestação das pessoas, a especialização de qualquer segmento da

sociedade como, por exemplo, a produção econômica de um determinado

produto.

Caio Prado Júnior (1987), na sua obra História Econômica do Brasil utiliza-se

da vertente econômica para explicar as transformações ocorridas no espaço

brasileiro. O território é sempre visto como porção territorial, palco dos

acontecimentos econômicos e das transformações vivenciadas pela sociedade.

Na obra mencionada, os ciclos econômicos e as transformações do território

em razão da economia, são as vertentes predominantes na abordagem do

autor.

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Milton Santos, em sua obra A Natureza do Espaço (2002) faz importantes

contribuições para a construção do conceito de território em várias de suas

obras, de grande importância para a Geografia brasileira.

Santos (2002) questiona a validade de se estudar o território, pois antes de

tudo, ele provoca o leitor, movendo-o para seu raciocínio amplo e significativo

da importância maior em compreender a categoria território, uma vez que, para

o autor, é na base territorial que tudo acontece, mesmo as configurações e

reconfigurações mundiais influenciando o espaço territorial.

A formação do território é algo externo ao território. Segundo Santos (1985) a

periodização da história é que define como será organizado o território, ou seja,

o que será o território e como serão as suas configurações econômicas,

políticas e sociais. O autor evidencia o espaço como variável a partir de seus

elementos quantitativos e qualitativos, partindo de uma análise histórica:

O que nos interessa é o fato de que cada momento histórico, cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais elementos e com o todo (SANTOS, 1985, p. 09).

Santos (1997) alerta os leitores para não confundirem o espaço com o

território. Na sua obra Metamorfoses do espaço habitado, o autor nomeia

território como configuração territorial e define-o como o todo. Quanto ao

espaço, é conceituado como a totalidade verdadeira, semelhante a um

matrimônio entre a configuração territorial, a paisagem e a sociedade.

Estes espaços diferentes, as espacialidades singulares, são resultados das

articulações entre a sociedade, o espaço e a natureza. Assim, o território

poderá adotar espacialidades particulares, conforme há o movimento da

sociedade (nos seus múltiplos aspectos: sociais, econômicos, políticos,

culturais e outros).

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Para Santos (2002a), a formação do território perpassa pelo espaço e a forma

do espaço é encaminhada segundo as técnicas vigentes e utilizadas no

mesmo. O território pode ser distinguido pela intensidade das técnicas

trabalhadas, bem como pela diferenciação tecnológica das técnicas, uma vez

que os espaços são heterogêneos, e o território para Santos configura-se

pelas técnicas, pelos meios de produção, pelos objetos e coisas, pelo conjunto

territorial e pela dialética do próprio espaço.

Santos (2003, p. 19) expõe a categoria território como: “[...] um nome político

para o espaço de um país”. Tenta realizar uma leitura múltipla do território, uma

vez que o mesmo necessita desta leitura. Assim, inclui mais um item para suas

análises: conclui que o trabalho é um dos pontos fortes para a compreensão do

território.

Milton Santos trabalha sobre as muitas faces do capital e sugere aos

pesquisadores adentrarem no mundo do trabalho para efetuar uma ampla

compreensão do mesmo. Urge um embate teórico entre as rugosidades, as

periodizações, as técnicas, o território, a emoção e o trabalho, objetivando o

entendimento da sociedade, do espaço e das razões que formam e mantêm

um território (SANTOS 2002b).

Para efeito, esta tese trabalha com o ideal de Lefebvre,de que o espaço se

configura como um dos elementos instigantes das interações da sociedade,

observando que as misturas culturais e sociais se fazem

obrigatórias,possibilitando diferentes formas de subjetivação.

O espaço aqui compreendido para efeito de pesquisa, ou seja, o espaço que

compreende as relações sociais dos pescadores, não pode ser resumido ao

espaço físico ocupado pelos pescadores enquanto grupo produtivo.

1.2 DESENVOLVENDO O DESENVOLVIMENTO

Os conceitos propostos neste sub-tópico buscam uma aproximação para

compreender o que seja desenvolvimento.

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A busca de um novo paradigma de concepção do desenvolvimento, com base

em processos de produção que mantenham a sustentabilidade apoiada nos

recursos materiais e humanos, tem sido banalizada pelos discursos vazios das

autoridades mundiais.

Os últimos dois séculos consolidam o período de crescimento moderno.

Combinando os aumentos da população mundial e da produção mundial per

capita, a atividade econômica total do mundo (o produto mundial bruto) cresceu

49 vezes nos últimos 180 anos (SACHS, 2005).

O biólogo Edward Wilson, indaga a esse respeito: “qual a melhor forma de

implementarmos uma cultura de permanência, tanto para nós, quanto para a

biosfera que nos sustenta?”(WILSON, 2002).

Keith Thomas (2001) ressalta que essa indagação mostra implicitamente o

dilema da civilização moderna, e que consiste em como reconciliar as

exigências físicas da civilização com os novos sentimentos e valores que essa

mesma civilização engendrou. Esse dilema representa uma das contradições

sobre as quais se assenta a modernidade e promete acompanhar a

humanidade durante ainda muito tempo.

Para Celso Furtado (1974, p.75), a idéia de desenvolvimento é de grande

utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes

sacrifícios para legitimar a destruição das formas de cultura arcaicas, para

explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para

justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema

produtivo. No entanto, o desenvolvimento deve ser entendido como processo

de transformação da sociedade “não só em relação aos meios, mas também

aos fins (...)”.

Essas questões apareceram no estudo publicado em 1972, coordenado por

Dennis Meadows, intitulado “The Limits to Growth” ( NOBRE, AMAZONAS,

2002). Esse estudo foi importante porque colocou um ponto final na discussão

econômica, apontando os problemas ambientais e o caráter finito dos recursos

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naturais, e popularizou a questão ambiental. Foram vendidos 4 milhões de

cópias deste estudo na Europa, no final dos anos 70 , chegando aos 8 milhões

até 1989.

Segundo Celso Furtado o estudo presente nesse livro serviu para a formulação

da seguinte questão: [...] que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos povos ricos chegarem a universalizar-se?(FURTADO: 1999, p.11).

E mais a frente o mesmo autor apresenta a resposta:

[...] se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis a poluição do meio ambiente seria de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema entraria necessariamente em colapso (Idem, p.11).

Seguindo essa mesma linha de pensamento, Ostrom (2003, p.93) afirma que

nem o Estado nem o mercado são eficazes em fazer com que os indivíduos

mantenham no longo prazo o uso produtivo de recursos naturais. Sua visão é

condizente com a de Brundtland (1991) que afirma que o desenvolvimento

sustentável é a “utilização de recursos para atender às necessidades do

presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em atender

suas próprias necessidades”.

O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), nos

relatórios de Desenvolvimento Humano afirma que o desenvolvimento se

relaciona primeiro, à possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que

escolheram e com a provisão dos instrumentos e oportunidades para fazerem

as suas escolhas.

Desenvolvimento para Furtado (1974) caracterizava-se através de um projeto

social paralelo ao crescimento, pois quando os frutos do crescimento são

utilizados para reforçar a matriz institucional herdada de uma sociedade

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oligárquica e escravocrata, ao invés de servir para transformá-la, seus

benefícios não chegam sequer a melhorar o acesso da população aos direitos

mais básicos. Instituições patrimonialistas fazem com que o progresso material

das elites seja obtido à custa da qualidade de vida das pessoas mais pobres.

Para Nobre (1999), a noção de sustentabilidade vem se tornando quase

universalmente aceita porque reuniu para si posições teóricas e políticas

contraditórias e até mesmo opostas. E isto foi possível porque ela não nasceu

pronta: seu sentido segundo o autor é decidido no debate teórico e na batalha

política. A sustentabilidade é o carro chefe desse processo de

institucionalização que insere o meio ambiente na agenda política internacional,

além de fazer com que essa dimensão passe a permear a formulação e

implementação de políticas publicas.

A institucionalização do conceito de desenvolvimento sustentável de forma

vinculada às grandes instituições controladas pelos países desenvolvidos, e a

crença dominante entre eles nas idéias dos economistas neoclássicos,

permitiram a esses últimos a conquista e manutenção da primazia quanto à

definição do que deveria ser desenvolvimento sustentável. Marcos Nobre e

Mauricio de Carvalho Amazonas (2002, p.73), sintetizam os fatores que

consideram importantes para a ocorrência desse fato, além do processo de

institucionalização do conceito:

[...] a teoria econômica neoclássica já é previamente hegemônica no campo mais amplo da teoria econômica; o rigor formal das formulações neoclássicas em geral e para o desenvolvimento sustentável em particular reveste tais formulações da chancela do “cientifico” e, portanto, garante sua aceitação como “verdade” em amplos círculos; a abordagem neoclássica demonstra grande capacidade de prover, nos seus termos, respostas “precisas” e diretrizes operacionais claras; as principais instituições econômicas, principalmente a dos países centrais e as agencias multilaterais, apropriam-se política e ideologicamente das formulações ambientais neoclássicas, fechando e realimentando o ciclo de formação de hegemonia. (AMAZONAS 2002, p.73).

As correntes de pensamento que se opõem à neoclássica e se apresentam

como alternativas são agrupadas sob a denominação de economia ecológica.

Nicholas Georgescu-Roegen é considerado seu precursor devido a estudos e

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pronunciamentos que colocaram em xeque a economia tradicional nos anos

1970.

Segundo ele, a economia deve ser absorvida pela ecologia e não o contrário,

como pregam os neoclássicos. Ele parte do conceito de entropia em

termodinâmica para questionar a mecânica que sustenta a formulação de ciclos

e regularidades econômicas, como balizadora das ações e previsões sobre o

ambiente. Um aumento da entropia7 corresponde à transformação de formas

úteis de energia em formas que a humanidade não consegue utilizar, como por

exemplo, a extração de energia do petróleo e o calor gerado por sua queima,

que não pode ser integralmente aproveitado.

Cabe registrar os dois momentos de crise que abalaram a concepção vigente

de desenvolvimento até meados da década de noventa.

O primeiro momento crítico estabeleceu-se a partir da constatação de grandes

áreas geográficas do planeta submetidas a um rigoroso subdesenvolvimento

paralelamente, ao esforço de reconstrução da Europa (30 anos gloriosos) logo

após a Segunda Guerra Mundial. Neste ponto crítico duas correntes se

contrapuseram. De um lado, defendeu-se a idéia de que o progresso tratava-se

de um processo linear e que, segundo Rostov, o desenvolvimento resulta de

uma sucessão de etapas que expressam a dinâmica de um processo universal,

único, linear e ascendente, o que implica dizer que o subdesenvolvimento é

tido como mero atraso.

Segundo Rostov (1964, p.147 apud NOBRE E AMAZONAS,2002 ): “o fato

central acerca do futuro poder mundial é a aceleração das precondições do

arranco na metade meridional do mundo”. Por outro lado, o desenvolvimento é

visto como um processo histórico, específico e capaz de seguir várias

trajetórias não-lineares.

                                                       7Originária de estudos de termodinâmica, onde foi introduzida para caracterizar o grau de desordem um sistema, a noção de entropia já foi objeto de muitas controvérsias e distintas formulações. O conceito de entropia adotado por Shannon (1948) foi responsável por aplicações de relevo em diversos campos de investigação científica, embora seu trabalho tenha se destacado mais pela medida de quantificação de entropia que propôs, cujas propriedades despertaram o interesse em outras áreas. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-74382002000100003, acessado em 05 de maio de 2009. 

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Nesta visão, subdesenvolvimento é tido como resultado do avanço do

capitalismo sobre os países pré-industriais. Nesse modelo, as relações de

dependência no plano externo de cada país subdesenvolvido correspondem à

formação de estruturas híbridas.

Furtado explica: O subdesenvolvimento é [...] um processo histórico autônomo e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento. Para captar a essência do problema das atuais economias subdesenvolvidas, necessário se torna levar em conta essa peculiaridade (FURTADO, 1961, p.180-81).

Ao questionar os malefícios que a racionalidade econômica produz, quando

longe da moral e da ética, esses movimentos denunciavam que a

administração do planeta, ao buscar a eficiência a qualquer preço, colocava a

própria morada em perigo. Neste rastro consolidaram-se os movimentos

ambientalistas com propostas efetivamente inovadoras.

McCormick (1992, p.61) afirma:

a natureza e os recursos naturais deixaram de ser a única preocupação. O novo ambientalismo abrangia tudo, desde a superpopulação e a poluição aos custos da tecnologia e do crescimento econômico... ia além do mundo natural questionando a essência do capitalismo.

Para Castoriadis e Cohn-Bendit (1983, p.24):

não há dúvida quanto à implicação radical do ecologismo, ao declarar que esse movimento pôs em questão todo o esquema e a estrutura das necessidades... o que está em jogo no movimento ecológico é toda a concepção, toda a posição das relações entre a humanidade e o mundo e finalmente a questão eterna e central: o que é a vida humana? Vivemos para quê?

Nesse enfoque, a racionalidade econômica é colocada em questionamento a

partir dos problemas que gera quando se desprende da moral e da ética. Essas

críticas revelaram que os pensamentos econômicos, que administravam a

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aldeia global em sua busca pela eficiência, punha em perigo a morada de toda

a vida. Assim, iniciaram-se os movimentos ambientalistas.

A racionalidade econômica é questionada em termos de seus próprios critérios.

Contrariamente a eles, mostra-se que a busca incessante do aumento da

produção pode resultar em ameaça à sobrevivência do próprio sistema

econômico no longo prazo. A superação dos problemas decorrentes do

desenvolvimento industrial pode exigir não uma nova arrancada, mas medidas

restritivas ao aumento da produção. Surge daí a idealização de uma

racionalidade ecológica que reivindica sua condição de princípio balizador e

limitante do próprio desenvolvimento econômico.

Como não poderia deixar de ser, essa teoria passou a ser combatida pelo

radicalismo que apresentava. Além disso, seus defensores pregavam, muito

mais, a possibilidade de catástrofes do que soluções para o desequilíbrio entre

o Norte e o Sul do planeta.

É dentro desse debate temático que surgem propostas as quais combinam

desenvolvimento econômico e defesa do meio ambiente. Muito se deve ao

engajamento da ONU, via PNUMA e de várias outras organizações, o

fortalecimento dessa visão de integração da riqueza material com os recursos

oferecidos pela natureza8.

Foi nos debates da Conferência de Estocolmo em 19729 que surgiram dois

novos conceitos, com o propósito de dar conta da nova problemática.

O primeiro conceito a surgir foi o de ecodesenvolvimento, defendido por Ignácy

Sachs que faz uma dura crítica dos modelos comerciais e, também, da idéia de

crescimento zero defendida pelo Clube de Roma. A partir da denúncia dos

desvios e equívocos desses pontos de vista, o desenvolvimento é mantido

                                                       8 ONU: Organização das Nações Unidas. PNUMA: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Entre as organizações que mais se destacam-se a União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN e o Fundo Internacional para a Natureza – WWF. 9 O ponto culminante do movimento ambientalista foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. 

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como objetivo, aspiração e mesmo como um direito de todas as sociedades do

planeta.

Assim, advoga-se uma concepção de desenvolvimento em que este deve

atender ao objetivo de eficácia econômica, representada pelo aumento de

riqueza, simultaneamente com os requisitos de ordem ecológica, social, cultural

e espacial.

Para Sachs: O ecodesenvolvimento é um caminho promissor tanto para países ricos como para países pobres. Para estes mais do que nunca, a alternativa se coloca em termos de projetos de civilização originais ou de não-desenvolvimento, não mais parecendo possível nem, sobretudo, desejável a repetição do caminho percorrido pelos países industrializados...(SACHS:1993,p.10)

Um segundo conceito contraposto ao primeiro começa a tomar corpo no

encerramento da reunião de Cocoyoc no México em 1974. Contestando a

teoria do ecodesenvolvimento, a assembléia de Cocoyoc, em seu

encerramento, declara que “os enormes contrastes no consumo per capita

entre minoria rica e a minoria pobre têm um efeito muito maior do que seus

números relativos sobre o uso e esgotamento dos recursos” (apud

McCORMICK, 1992, p.153).

Após a reunião de Cocoyoc passa a tomar forma o conceito de

“desenvolvimento sustentável”, que nos anos 80 suplantou o conceito de

ecodesenvolvimento. Desde então, “desenvolvimento sustentável” passou a ser

adotado como expressão oficial nos documentos emanados de organizações

como a ONU, a UICN e o WWF. Duas outras razões fortaleceram esse

conceito. A primeira é que, por ser uma expressão mais neutra

axiologicamente, pode ser incorporada tanto em propostas liberais como de

esquerda. A segunda é que, por exprimir uma economia maior com o

funcionamento dos ecossistemas naturais, tornou-se atrativa para os

ambientalistas (CASTRO, 1996).

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Foi em 1987, com o relatório Nosso Futuro Comum que a expressão

desenvolvimento sustentáve foi consagrada com sua definição clássica.

“Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do

presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem

suas próprias necessidades” (BRUNDTLAND, 1991, p.46) 10.

Nesse conceito, firma-se a consciência de que é a solidariedade integracional o

principio ético que deve nortear o processo de desenvolvimento. Portanto, com

esse balizamento conceitual, a insustentabilidade do desenvolvimento é

determinada tanto pelo uso de tecnologias poluidoras e intensivas em energia,

nos países ricos, como pela expansão demográfica e pela expansão da

pobreza, nos países pobres.

Para reverter este quadro, propõe-se a execução de estratégias que estimulem

a criação de tecnologias não poluidoras e pouco exigentes em energia; a

organização de um quadro institucional com capacidade de regular e fiscalizar

a emissão de poluentes; a aplicação de políticas compensatórias aos efeitos

negativos dos ajustes macroeconômicos, e o aumento da transferência de

capital para os países pobres.

Quase unânime esta proposta recebeu críticas discordantes. Concordando com

Redcliff (relatório Brundtland), Diegues afirma que a proposta: ... não leva em conta todo um conjunto de problemas, especialmente os conflitos de interesses entre Norte e Sul, o controle das empresas multinacionais sobre novas tecnologias e seu poder de se opor às iniciativas que colidem com suas estratégias globais, às relações desiguais no comércio mundial. Em segundo lugar, a crítica pressupõe “uma confiança velada nas soluções de mercado para os problemas ambientais, minimizando-se a lógica empresarial de externalizar esses custos. A terceira crítica11 envolve a própria noção do desenvolvimento sustentável, que teria como objetivo tácito atingir o desenvolvimento dos países industrializados(DIEGUES:1992, 22-23)”.

                                                       10 Em sua versão dessa mesma definição, a UICN define a expressão citada como “processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se dirigem à satisfação das necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas” (apud DIEGUES, 1989, p.34). 11 Para Castro isto é uma idéia inadmissível porque desconsidera que esse desenvolvimento, em virtude de seus estilos de produção e consumo desperdiçados e poluidores, é insustentável no médio e longo prazos. Essa crítica é injustificada: a mudança nos padrões de produção e consumo é principio que, desde o início, é considerado uma exigência da idéia de sustentabilidade. Uma questão diferente é saber se essa exigência é compatível com requisitos do capitalismo (CASTRO, 1996, p.29). 

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Outras críticas surgiram ao conceito de desenvolvimento sustentável. Entre

várias se pode citar a posição da pesquisadora Herculano (1992), a qual

argumenta que essa expressão, em sua elasticidade semântica, pode abrigar

desde um sentido radical, voltado para um novo tipo de sociedade, até um

significado conservador, em que renomeia o desenvolvimento capitalista,

conferindo-lhe uma preocupação social e ambiental.

No primeiro caso, o desenvolvimento sustentável refere-se à boa sociedade

humana que, se não consegue realizar a utopia socialista ou uma versão

alternativa desta, pelo menos tentará forçar a penetração de valores em sua

racionalidade econômica. No segundo, o desenvolvimento perde sua aura

radical e passa a designar apenas “um conjunto de mecanismos de

ajustamento que resgata a funcionalidade da sociedade capitalista, ora

naturalizada como paradigma da sociedade moderna” (1992, p.30, 42).

Para Herculano (1992), esse dilema decide-se, cada vez mais, em favor desta

segunda vertente à medida que a agenda ecológica é incorporada nas políticas

governamentais, nas agências e organismos internacionais e nas próprias

decisões do empresariado privado.

Para buscar compreender os motivos que levaram à substituição do

ecodesenvolvimento pelo desenvolvimento sustentável, deve-se levar em

contra três aspectos segundo a autora: a) mesmo sem desconhecer a

influência que as injunções extra-científicas tiveram na adesão generalizada ao

conceito de desenvolvimento sustentável, não é por isso que se pode minimizar

a importância dessa adesão para o estabelecimento da dimensão ecológico-

ambiental como uma aquisição definitiva desse conceito; b) sem menosprezar

a importância dos termos e das expressões nas nomeações de fenômenos,

considera-se mais importante do que isso o tipo de conteúdo que a eles se

atribui e, c) implica indagar se, entre os usos e abusos das expressões em

pauta, elas contêm um conteúdo semântico teoricamente fecundo suscetível de

ser recuperado numa análise crítica.

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Esse rápido surgimento é que permite dotar o desenvolvimento sustentável de

sua dimensão inovadora: sustentabilidade social, que diz respeito apenas ao

estabelecimento de limites ou restrições para que o desenvolvimento persista

ao longo do tempo. Ela implica também a ultrapassagem do econômico: não

para a rejeição da eficiência econômica e nem pela abdicação do crescimento,

mas pela sua colocação a serviço de uma nova organização societária na qual

a finalidade social esteja “justificada pelo ético de solidariedade integracional e

de equidade, materializada num contrato social” (SACHS, 1995, p.26).

Sachs continua a discussão afirmando que são as cláusulas desse novo

contrato que dão sentido e finalidade à produção econômica. São também elas

que oferecem garantias para um contrato natural e carregam de sentido as

relações com o mundo natural, que vão além do seu reconhecimento como um

espaço de usufruto de utilidades (SACHS,1995, p.28). Na sua formulação

inicial, o conceito de desenvolvimento sustentável incorpora a dimensão social

(comparação entre a pobreza do Sul e a riqueza do Norte).

Esse lado negativo é ampliado: nova visão inclusive nos países

industrializados. Com efeito, não se pode ter a pretensão de falar em

sustentabilidade social sem levar a cabo um diagnostico que penetre as raízes

da crise. Mas há um aspecto novo, que envolve uma olhada para o futuro, para

o tipo de organização social que se deseja construir. Trata-se de construir a

ultrapassagem das atuais sociedades industriais, que continuam a gravitar em

torno do binômio produtivismo – consumismo (Idem, p.32).

Herculano (1992) coloca que romper essa subserviência é um processo que

vem sendo progressivamente incorporado nos discursos dos organismos

internacionais e de um número cada vez maior de autores como condição para

a viabilidade do desenvolvimento sustentável.

É o debate sobre essa eventualidade que coloca a sustentabilidade social

como a dimensão que dota o desenvolvimento sustentável de seu conteúdo

mais inovador e capaz de revigorar o debate sobre a crença na boa sociedade.

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A partir de meados do século XVIII, foram observadas profundas alterações na

distribuição espacial da população no Brasil. O modelo econômico vigente

evoluía para um estágio mais eficiente de acumulação de capitais e, com isso,

toda a sociedade se reestruturava aos moldes industriais. Desencadeou-se um

processo de crescimento das aglomerações urbanas, concomitantemente ao

esvaziamento demográfico das áreas rurais. O advento da indústria imprimiu

novas configurações espaciais em várias regiões do globo, com a aparente

consumação da separação entre as áreas urbanas e rurais12.

A produção agrícola tornou-se um setor da produção industrial, o que fez com

que as áreas rurais ficassem submissas às exigências do capital urbano-

industrial. “O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos da vida

agrária” (Lefebvre, 1999, p.17). A expansão do fenômeno urbano foi acionada

pela expansão do capital industrial. A explosão13 do urbano determina o

predomínio das manifestações da cidade sobre a não cidade.

As definições existentes do que seja rural e urbano, de uma forma geral, são

associadas a duas grandes abordagens: a dicotômica e a de continuum. Na

primeira, a ênfase recai sobre as diferenças que se estabelecem entre estes

dois espaços, sendo o campo pensado como algo que se opõe à cidade. Na

segunda, ocorre uma aproximação entre o espaço rural e a realidade urbana.

(BERTRAND, 1973).

Percebemos que na tentativa de impor ao pescador artesanal do semiárido

alagoano a substituição da pesca artesanal pela prática do tanque-rede, o

discurso do capital vem mascarado, pois tenta convencer o pescador de que ao

se apropriar do novo, este estaria possibilitando o desenvolvimento da

comunidade, e por conseguinte, do município, podendo ajudar este a se

aproximar das cidades em desenvolvimento do Estado..

                                                       12Vale destacar que este processo teve início na Europa e, posteriormente, disseminou-se para outras regiões do globo. 13 O termo explosão é utilizado por Henri Lefebvre (1999), referindo-se ao espraiamento do fenômeno urbano e ao avanço da cidade sobre a não–cidade, gerados pela disseminação do capitalismo industrial. 

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As definições clássicas, formuladas a partir do final do século XIX, partem da

observação de vários aspectos da realidade para ressaltar as principais

características do espaço rural, constituindo-se em um alicerce para

formulações de conceituações dicotômicas entre o rural e o urbano. De acordo

com Blume,

os primeiros debates e reflexões surgem sistematizadas por uma leitura que assume o rural como uma realidade específica e oposta ao urbano, embasada pelos estudos das diferenças entre comunidade e sociedade, de Ferdinand Tönnies. Este antagonismo dualístico para o rural era o tema da corrente denominada de dicotômica (2004, p.18).

Marx e Weber ressaltam que, pouco antes da disseminação do capitalismo

urbanoindustrial pelo mundo, originou-se um conflito entre duas realidades

distintas: o urbano, símbolo de incorporação do capitalismo e do progresso da

técnica, e o rural, refúgio da aristocracia decadente e de antigas relações e

formas de vida. A dicotomia entre rural e urbano procurava representar,

portanto, as classes sociais que contribuíram para o aparecimento do

capitalismo industrial ou que a ele se opunham na Europa do século XVII e não

um corte geográfico propriamente dito. A partir disso, o urbano passa a ser

associado ao novo, ao progresso capitalista das fábricas, e o rural, ao velho, ou

seja, à velha ordem social vigente (SILVA, 1996).

Sorokin & Zimmermann (1929) foram os primeiros a introduzir a perspectiva do

continuum rural e urbano. Essa idéia também está relacionada a uma

concepção dual, uma vez que consideram o rural e o urbano como pólos

extremos em uma escala de gradação. Para evidenciar as características que

marcavam a polarização, bem como suas relações, os autores identificaram

diferenças marcantes entre os espaços rural e urbano. Diante disso, as

reflexões teóricas desses autores acabaram por fomentar a existência de

abordagens dicotomizadas das realidades rurais e urbanas.

Podemos confirmar essa idéia em Solari (1973, p.6, Apud SZMRECSÁNY&

WANDERLEY, 2000),

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Pois embora Sorokin e Zimmermann tenham postulado que essas oposições eram extremos de uma escala gradativa, estes critérios, que no fundo são uns derivados dos outros, tendo como ponto de partida a caracterização da atividade produtiva e da técnica de produção, serviram de base para a elaboração de conceituações dicotomizadas do rural e do urbano.

A idéia do espaço continuum, apresentada primeiramente por Sorokin &

Zimmermann (1929), é retomada por Redfield (1947), que observou a

intensificação das relações rurais e urbanas, com o intuito de evidenciar uma

maior relação entre os espaços opositores, diluindo ainda mais as diferenças

verificadas pelos clássicos nas primeiras décadas do século XX.

A obra clássica de Sorokin & Zimmermann14 (1929) sugere uma série de traços

essenciais na diferenciação dos espaços urbano e rural. De acordo com esses

autores, a base para o entendimento do rural está nas particularidades de sua

economia. O rural abrigaria, preferencialmente, a produção agropecuária,

sendo que todas as outras características observadas no campo estariam

vinculadas a essa atividade econômica. Outros tipos de atividades não-

agrícolas se apresentam como acessórias e não se destacam como principal

meio de auto-consumo dos indivíduos que habitam o meio rural.

É importante ressaltar que, neste contexto, apesar de já existirem indícios que

apontam para existência de um espaço continuum rural-urbano, diversos

autores realizaram reflexões sobre um mundo com visíveis contrastes entre as

realidades rural e urbana.

Pode-se observar que, de maneira resumida em Blume (2004), Sorokin &

Zimmermann, esses autores identificam uma série de diferenças empíricas

marcantes entre as áreas rurais e urbanas que se relacionam principalmente

com as seguintes características:

1. Ocupacionais: diferenças no envolvimento das atividades. No rural,

desde jovens, as pessoas se ocupam com um único tipo de atividade, a coleta e o cultivo;

                                                       14 Apesar de esses autores serem os primeiros a adotarem a idéia de continuum, a obra clássica de 1929 acaba se constituindo em um forte alicerce para as conceituações dicotômicas, uma vez que ressalta as diferenças existentes entre os espaços rural e urbano como pólos contidos em uma escala de gradação. 

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2. Ambientais: os rurais sofrem influência direta do contato com a

natureza e das condições climáticas;

3. Tamanho das comunidades: correlação negativa entre tamanho da comunidade e pessoas ocupadas na agricultura;

4. Diferenças na densidade populacional: as rurais são relativamente mas baixas do que as urbanas, devido ao cultivo;

5. Diferenças na homogeneidade e heterogeneidade da população: os rurais tendem a adquirir características semelhantes por se envolverem nas mesmas funções, são mais homogêneos, pois não sofrem os problemas de uma intensiva divisão do trabalho.

A indústria fez a cidade explodir e desencadear o processo de urbanização

extensiva15, com a incorporação das periferias mais ou menos distantes pelo

tecido urbano. O crescimento das cidades, a industrialização da agricultura e o

transbordamento do urbano nas áreas rurais, verificados em vastas regiões do

mundo no decorrer do século XX, sugerem que a transição entre os espaços

rural e urbano deve ser entendida de acordo com a formulação teórica do

espaço continuum. Nessa perspectiva, a polarização antagônica é substituída

por um gradiente de variações espaciais.

Metaforicamente é como se um plano fosse dividido ao meio e suas metades recebessem respectivamente as cores preto e branco. É a primeira etapa da diferenciação, em que a atenção se foca no contraste, e não no relacionamento profundo que existe, não pelas cores, mas pelo fato de serem metades partes de um mesmo plano. Gradualmente, a fronteira antes nítida entre as cores começa a se transformar. O preto entra no branco e o contrário, gradualmente, as tintas se misturam e por fim temos o plano preenchido não mais por duas metades, mas por um gradiente que vai do branco em um extremo do plano ao preto em outro, passando por ínfimas tonalidades de cinza. É a segunda etapa da diferenciação, quando as definições precisas são implodidas e ressurge gloriosa a relação profunda e a unidade existente entre o preto e o branco, componentes do mesmo plano, da mesma realidade (SIQUEIRA & OSÓRIO; 2001, p. 23).

Observa-se que a metáfora de Siqueira (2001), além de representar,

didaticamente, as duas formas mais comuns de se pensar os espaços urbano e

rural, demonstra que a relação dicotômica se constitui como a primeira etapa                                                        15 O termo urbanização extensiva se refere ao avanço do tecido urbano que extrapola os limites das cidades com a geração de novas centralidades urbanas, sendo um processo econômico-espacial. (Monte-mór, 1994). 

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do processo de diferenciação de áreas, para que só posteriormente, com a

urbanização das áreas rurais, possa existir o continnum rural e urbano.

De acordo com Silva (1997, p.1),

[...] está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas isso que aparentemente poderia ser um tema relevante, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um continuum do urbano do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária.

Faz-se necessário salientar a existência de várias regiões do mundo em que a

idéia de continuum não traduz, de forma satisfatória, a realidade. Em vastas

áreas dos países em desenvolvimento e nos países mais atrasados, a

industrialização da agricultura e as demais mudanças que levam ao

transbordamento do urbano para o rural ainda não se efetivaram. A

conceituação dicotômica ainda pode se valer eficiente para essas regiões, uma

vez que esse tipo de abordagem indica a existência de áreas rurais distantes

das cidades. Dessa forma, vale destacar que seria impossível chegar a uma

definição universal do que seja rural e urbano, já que as diferentes realidades

sócio-espaciais encontradas no globo clamam por adequações apropriadas e

específicas (SILVA, 1997)

A partir dessas formulações teóricas, as definições de rural e urbano foram

alvos de intensos debates. De acordo com Blume (2004, p.18), no entanto,

“diante dos embates teóricos, das crescentes indefinições e também pela

crescente urbanização, o rural deixou de ser atrativo como objeto de pesquisa,

pois começou a ser aceito que a urbanização do campo era uma questão de

tempo”.

Os debates que permeiam os diferentes níveis de relacionamento entre o rural

e o urbano ressurgiram, diante da rapidez e magnitude das mudanças técnicas,

econômicas, sociais e ambientais que atingiram estes espaços a partir da

segunda metade do século XX. No Brasil, as mudanças verificadas no meio

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rural, a partir da década de 1980, com o aumento da urbanização do campo e o

surgimento de novas dinâmicas que apontam para uma nova ruralidade, muitas

vezes distante do contexto das atividades agropecuárias, proporcionaram a

retomada e a intensificação desses debates, diante de sua crescente

importância.

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2 GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA

2.1 – A FORMAÇÃO SÓCIO ECONÔMICA DO BRASIL

O objetivo deste tópico é apresentar, resumidamente, a visão de Caio Prado

Júnior sobre os aspectos que condicionaram o povoamento do que viria a

formar o Brasil, resgatando elementos fundamentalmente relacionados ao tipo

de sistema de exploração econômico que desde o período Colonial até a

República foi voltado à economia de exportação, para tentar compreender o

comportamento das comunidades que vivem no semiárido alagoano, por

entender que a forma pela qual se deu a ocupação territorial no Brasil fornece

subsídios para as justificativas utilizadas pelo poder público na proposição de

alternativas em substituição a pesca artesanal.

De acordo com Freitas (2008) sob um extenso território, associado ao

interesses refletidos nos tipos de cultivo, na mão-de-obra e em elementos

morfoclimáticos, o povoamento brasileiro foi sendo constituída em função das

atividades econômicas exportadoras, herança da colonização exploratória, que

em princípio concentraram-se na costa litorânea e mais tarde seguiram para o

interior.

Ao resgatar a formação socioeconômica do Brasil, Caio Prado fornece pistas

para entender o desenvolvimento econômico contemporâneo brasileiro. As

reflexões do autor apresentam apontamentos para o debate na atualidade,

além disso, recorrer aos fatos históricos é um recurso metodológico

imprescindível na compreensão do desenvolvimento brasileiro e do cotidiano

dos pescadores artesanais do semi-árido, conforme ilustrado nos diálogos com

os pescadores nos capítulos 4 e 5.

Em ambas as obras, o autor procurou demonstrar como os colonizadores

portugueses iniciaram a ocupação do imenso “território virgem”. Ao descortinar

sobre qual era o real sentido da colonização, Caio Prado (1956) Júnior,

enfaticamente, asseverou que a finalidade última do processo colonizador

encetado não era o de “povoar”, mas apenas de retirar o máximo proveito dos

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novos produtos tropicais, tão escassos na Europa, porém assaz abundante nas

novas terras tropicais.

O caráter dessa primeira fase16 do processo colonizador, de acordo com Caio

Prado está, em sua essência, focado no extrativismo puro e simples.

Prado (1994) coloca que, por conta de todas essas dificuldades postas pelas

condições naturais e somada a estas, o espírito meramente mercantil, os

colonizadores portugueses lançaram mão de alguns artifícios para conseguir

tirar proveito daquilo que imediatamente lhes podia render algum lucro. A

exploração do pau-brasil, a primeira atividade extrativista, contou com o

envolvimento dos índios que, em troca de quinquilharias, extraia para os

portugueses.

Tal emprego não consolidou o povoamento porque a madeira estava

espalhada ao longo da zona costeira. Por isso, a referida atividade tinha um

caráter nômade, ou seja, não concorreu para a fixação do colonizador. Além

disso, cabe destacar que a exploração do pau-brasil era bastante rudimentar e

só muito posteriormente, alcançou algum desenvolvimento.

O desinteresse pelas novas terras, que inicialmente acometeu os

colonizadores, tinha uma razão de ser. Conforme diagnosticou Caio Prado

(1994), eles eram movidos pela incessante busca por encontrar um caminho

que os levassem ao Oriente e os livrassem, por conseguinte, dos

atravessadores que obtinham lucros extraordinários por monopolizarem as

antigas rotas.

Para Caio Prado (1994) estava evidente que as ocupações extrativas

realizadas nos primórdios da colonização brasileira despertaram a cobiça de

outros europeus, como os franceses e holandeses que também passaram a

desejar participar desse comércio tão lucrativo que foi a extração do pau-brasil.                                                        16 Essa primeira fase tem seu início em 1500 e vai até 1530, conforme a periodização colocada pelo autor.

 

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Acrescenta-se a esse fato, a necessidade de prover, mesmo que minimamente,

a produção de gêneros alimentares para a manutenção dos administradores e

das forças de segurança. A emergência desse novo contexto exigiu uma nova

postura da metrópole portuguesa em relação à colônia.

Assim, o autor reforça que tais contingências propiciaram o estabelecimento de

uma atividade mais fixadora: a agricultura. Tem-se o início da segunda fase da

colonização que vai de 1530 a 1640 de acordo com a periodização proposta

pelo autor. Nessa etapa, os colonizadores encontraram no plantio da cana-de-

açúcar a cultura ideal para impulsionar a ocupação, ao menos do litoral, e

assegurar altíssimos lucros com o comércio do açúcar. Produto este que era

bastante raro e, por isso, artigo considerado de luxo na Europa, a partir de seu

cultivo em larga escala e estruturado no regime de grande propriedade, tornou-

se abundante no mercado do velho mundo, a ponto de transformar-se num

gênero banal.

Há de se destacar que a ocupação favorecida pelo cultivo da cana-de-açúcar

esteve atrelada unicamente ao objetivo de angariar lucros com a

comercialização do açúcar. Assim sendo, esta atividade ficou restrita às terras

que compõem as áreas costeiras. E os locais que não ofereciam abrigo natural

para as embarcações ou se encontravam distantes dos centros de consumo17,

permaneceram isolados, ou seja, eles não comunicavam entre si.

Com o fim do período da restauração18 a situação colaborou para o

desequilíbrio econômico e social da colônia. A agricultura que até então havia

desempenhado importante papel no processo de povoamento começou a

entrar em decadência. No bojo dessas transformações, outras atividades

surgiram e ensaia-se o aproveitamento das terras interiores.

Em Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado preocupou-se

principalmente com fim do século XVIII e a primeira década do século XIX, para

                                                       17 Como as porções meridionais da colônia: São Paulo e as áreas mais ao sul. 

18 A restauração portuguesa tem seu início em 1640, quando rei português reassumiu o trono. 

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caracterizar o que foi o Brasil Colônia. Fixando-se neste corte temporal

consegue abarcar os passos para a independência e a afirmação da

nacionalidade brasileira.

Embora as atividades extrativas ligadas à cana, mineração, pecuária, borracha

e outras subsidiárias contribuíram para surtos de povoamento, a vinda da

Coroa Portuguesa e a abertura dos portos às nações amigas deram outro

sentido ao desenvolvimento econômico brasileiro havendo maior integração

entre a tríade: povoamento, território e infra-estrutura.

Sobretudo a partir do século XIX com a exploração mais intensa da produção

cafeeira e de uma maior intervenção européia por meio de investimentos e

empréstimos. Se o café colaborou para um fluxo de pessoas, de mercadorias,

de capitais e de infra-estrutura, todavia para as terras já esgotadas restaram-

lhes as marcas de devastação e decadência.

Observa-se com base na obra de Caio Prado que, já no século XX, se por um

lado, a exploração do café foi o fator mais importante para os novos rumos de

desenvolvimento, por outro lado, crescia a dependência do país em relação

aos atores estrangeiros. Principalmente no que diz respeito à questão das

finanças. Ficará nas mãos desses atores esse poder antes dado aos

fazendeiros. Esse controle trouxe conseqüências como o alargamento da

dívida externa, as orientações econômicas e políticas dos rumos do país, assim

como na escolha dos produtos comercializados.

Em linhas gerais para Caio Prado, os fatos mais significativos que constituíram

o desenvolvimento econômico foram concentrados na abolição da escravidão,

na transformação do regime de trabalho, no rompimento com os quadros

conservadores monárquicos e no domínio das finanças na vida econômica

brasileira.

Dessa forma, tanto o desenvolvimento econômico do país como o povoamento

do território estiveram condicionados à expansão ou retração dos cultivos de

exportação no cenário mundial. Se houvesse a expansão das culturas de

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exportação, outros cultivos eram acessórios para o abastecimento do

povoamento.

Do contrário, diante de uma retração do produto de exportação no cenário

mundial, os olhos dos empreendedores voltavam-se ao mercado interno e para

uma maior diversificação dos produtos, o que futuramente impulsionaria a

indústria manufatureira brasileira. Assim o povoamento do território brasileiro

seguiu os caminhos direcionados por conjunturas econômicas que

dinamizavam ou impediam o desenvolvimento econômico brasileiro (PRADO

JR, 1956).

A leitura de Caio Prado oferece, em muitos aspectos, importantes contribuições

para a compreensão dos processos contemporâneos pelos quais o Brasil tem

passado. Ao longo da historiografia construída por Caio Prado percebe-se o

empenho dele em salientar que a constituição do Brasil, primeiro, em sua fase

colonial e depois, na condição de país, esteve fortemente alicerçada em uma

estrutura econômica de caráter exógeno, ou seja, uma organização econômica

voltada para o exterior.

Ao serem constatadas as revoluções nas atividades econômicas nos dias de

hoje, não se pode negar a atualidade das análises realizadas por Caio Prado, e

esse sentido, é de fundamental importância resgatar o pensamento desse autor

para compreender em que medida a herança política e histórica tem

condicionado a evolução econômica, política e territorial do Brasil.

2.2 DESENVOLVER O SUBDESENVOLVIDO: BRASIL, NORDESTE E

SEMIÁRIDO NA VISÃO DE CELSO FURTADO

Ao referenciar Celso Furtado, buscou-se resgatar em sua obra, importantes

elementos para uma interpretação crítica da problemática do desenvolvimento

regional no Brasil, em especial para o tratamento da histórica problemática da

região Nordeste e do semiárido brasileiro.

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Para analisar em perspectiva essa problemática, Celso Furtado revela o papel

das heterogeneidades estruturais (regional, social, produtiva) na manutenção

do subdesenvolvimento brasileiro e latino-americano.

A partir do início da década de 1980, Furtado procura enquadrar a problemática

nordestina no cenário mais amplo da reprodução do subdesenvolvimento, por

meio da análise da feição que assume o processo de industrialização na região

entre 1960 e 1980.

Nesse período, Furtado procurou demonstrar que a problemática do atraso

sócio-econômico do Nordeste estava relacionada à dependência econômica

desta região para com a região Sudeste do Brasil. Essa relação de

dependência constituiria a raiz da manutenção do subdesenvolvimento

presente no Nordeste e no próprio Brasil, o que satisfazia as oligarquias locais.

Furtado deu maior destaque à temática do subdesenvolvimento do Nordeste

nas seguintes obras do período: O Brasil pós-“milagre”, de 1981; A nova

dependência, de 1982; e Cultura e desenvolvimento em época de crise, de

1984.

No foco da problemática está, portanto, a rigidez da estrutura agrária do

Nordeste, constituída, em grande parte, por seculares latifúndios dedicados à

monocultura para exportação e a pecuária.

Para Furtado (1984b: 74), a indústria é o setor produtivo em que cresce mais

rapidamente a produtividade, “portanto é ela que lidera a elevação dos salários

e produz o excedente que alimenta a acumulação e gera novos empregos,

ainda que estes se situem em outros setores produtivos”. Logo, para Furtado, a

questão central consiste em definir um tipo de industrialização que consiga

gerar o efetivo desenvolvimento da região Nordeste.

Na visão de Furtado, para que o processo de industrialização não seja apenas

o motor do crescimento de uma localidade “mas também instrumento de

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homogeneização social” é necessário que ele se vincule amplamente ao

mercado regional (FURTADO, 1984b: 76).

Furtado alertou para a necessidade de que as atividades industriais no

Nordeste reflitam as condições sócio-econômicas predominantes na região: a

possibilidade de desenvolvimento do Nordeste está, em sua interpretação, na

tentativa de criação de um sistema industrial que seja capaz de gerar seu

próprio crescimento, valendo-se de impulsos criados pela demanda interna da

região.

Por fim, destaque-se que, para Furtado (1981; 1984), a superação da pobreza

e do subdesenvolvimento do Nordeste passa necessariamente por maior

difusão, no âmbito local, do conhecimento das especificidades sócio-

econômicas e políticas da região, o que outorga importante papel às

universidades e institutos de pesquisa ali localizados, ou seja a definição de

políticas públicas e de infra-estrutura para a mitigação dos efeitos da seca.

Para concluir o capítulo sobre a evolução da economia e do território no semi-

árido, apresenta-se aqui um breve resumo sobre as analises feitas sobre o

território brasileiro denominado como SEMIÁRIDO19 e as políticas públicas

criadas e implementadas em prol do seu desenvolvimento econômico e social

nas ultimas décadas.

Para Furtado (1967, p. 69), o tipo da economia da região semi-árida era

particularmente vulnerável ao fenômeno das secas. Uma modificação na

distribuição das chuvas ou uma redução no volume destas que impossibilite a

agricultura de auto-consumo bastavam para desorganizar toda a atividade

econômica. A seca provocava, sobretudo, uma crise da agricultura de auto-

consumo. Daí, suas características de calamidade social.

                                                       19 Esta sessão sobre o semiárido baseia-se em grande parte no trabalho intitulado Nordeste do Brasil, de autoria de Francisco Carlos Baqueiro Vidal. O autor realizou de forma primorosa uma minuciosa reflexão e análise da obra de Celso Furtado. Não é o objetivo desta tese aprofundar a vasta discussão sobre as ações no semiárido brasileiro de uma forma radical, por isso, foi utilizada a reflexão sobre as principais políticas e ações do semiárido sob a ótica de Celso Furtado, tendo como base o trabalho citado, por contar o mesmo com alto rigor de precisão e objetividade na analise documental.  

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Furtado (1967) coloca que, impossibilitados de terem as suas necessidades

alimentares mínimas atendidas por produção própria, os trabalhadores rurais e

pequenos produtores ficam na dependência de renda monetária e alimentos

situação essa não muito diferente da encontrada em pleno século XXI, nos

municípios estudados para efeitos desta Tese, onde os programas de

transferência de renda do governo federal (bolsa família) atuam junto aos

pescadores artesanais como um “consolo” em tempos de rio sem peixe.

Segundo Furtado (1959) a análise encaminha-se assim, naturalmente, para a

necessidade de reorganização da economia do semi-árido, vale dizer, da sua

reestruturação produtiva, onde deve ser considerado o sistema econômico

dessa região extremamente vulnerável às secas, em virtude da sua própria

inadequação ao meio ambiente20.

Convém lembrar, reforça Vidal (2001), que a estratégia de intervenção

planejada para o Nordeste, de fins dos anos 1950, estava assentada no

chamado pacto populista nacional, o qual dava sustentação ao Estado

desenvolvimentista, mas que tinha escassas bases na região. E, a rigor, tal

pacto jamais ameaçou de fato os espaços originais de atuação das classes

dominantes rurais.

Tratava-se, afinal, da conhecida modernização conservadora21, aplicada

também aos espaços agrários do semi-árido.

O IV Plano Diretor da SUDENE (o último elaborado pela agência de

planejamento regional), em 1968, já havia identificado uma rigidez da estrutura

agrária nordestina, que impedia a melhoria do bem-estar econômico e social de

                                                       20 “O sistema econômico que existe na região semi-árida do Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre o homem e o meio, entre o sistema de vida da população e as características mesológicas e ecológicas da região” (FURTADO, 1959, p. 30).  21 A modernização conservadora corresponde à introdução do progresso técnico sem qualquer relação para com os aspectos sociais do desenvolvimento. Trata-se, neste sentido, de processo de penetração do capital no campo desvinculado das questões subjacentes às exigências impostas pelas mudanças das condições de subemprego, sub-remuneração e marginalização, a que é submetida à população que vive da agricultura (no Nordeste semi-árido ou fora dele). A modernização conservadora apresenta a particularidade de constituir um processo violento de introdução do progresso técnico no campo, porque engendram relações de produção (novas ou ‘recriadas’, como a parceria), sempre desfavoráveis aos pequenos produtores rurais, proprietários ou não da terra” (CARVALHO, 1988, p. 336-337).  

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larga parcela da população da região. Mas, nos anos 1970, a intervenção

estatal na faixa semi-árida ganhou vulto, por meio de diversos mecanismos.

Sucederam-se então diversos programas e projetos22 (alguns considerados “de

impacto”), os quais, não podendo ignorar completamente o diagnóstico

furtadiano, procuravam associar idéias deste a outras motivações23.

Os primeiros foram o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Programa de

Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste

(Proterra), criados, respectivamente, em 1970 e 1971, e, logo depois,

incorporados ao I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), projetado para

o período 1972-1974. O PIN, por meio da ambiciosa construção da rodovia

Transamazônica, pretendia instalar, nas suas áreas marginais, projetos de

colonização, para onde seriam deslocados, sobretudo excedentes

populacionais nordestinos24, mas também visava promover a irrigação, que, no

caso do Nordeste, dizia respeito aos vales úmidos e ao semi-árido. Já o

Proterra, em seus objetivos formais, pretendia ampliar a desapropriação de

terras, associando-a ainda ao financiamento de crédito a juros subsidiados e

à assistência técnica.

O Proterra foi sendo paulatinamente “atropelado” quanto às suas formais

aspirações sociais e redistributivas, constituindo-se, então, em mais um

instrumento financeiro para a viabilização da modernização conservadora no

espaço semi-árido. Os créditos desse programa acabaram sendo absorvidos,

na maioria dos casos, pelos empreendimentos capitalistas de maior porte,

quase sempre poupadores de mão-de-obra (CARVALHO, 1987, p. 187-194;

SOUZA, 1997, p. 504-505). Por seu turno, e já em 1974, o PIN sofreria uma

                                                       22 Para uma análise exaustiva das contradições entre os objetivos formais de tais programas e projetos e sua execução de fato, ditada pelos interesses dominantes, veja-se Carvalho (1987). Uma análise crítica do desempenho de tais instrumentos também é feita por Carvalho (1988). Para uma abordagem mais sintética, porém bastante concatenada sobre os mesmos, veja-se Souza (1997).  

23 Carvalho (1987, p. 109-141) identifica, após a instauração do regime militar, um período de sobrevida do projeto original da SUDENE, precisamente até o ano de 1969, quando militares vinculados à ala nacionalista das forças armadas são pressionados a deixar as direções do Ministério do Interior e da própria SUDENE (os generais Afonso de Albuquerque Lima e Euler Bentes Monteiro, respectivamente).  24 A meta original referia-se a uma transferência de 100.000 famílias nordestinas, ou seja, cerca de 500.000 pessoas (CARVALHO, 1987, p. 167).

 

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substancial mudança de orientação oficial, passando a privilegiar as grandes

empresas e a colonização privada. Afinal, o próprio I PND, que delimitava o

raio de ação desses dois programas, já enveredava claramente por essa linha.

Posteriormente, já na órbita do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),

previsto para o período 1975-1979, foram criados o Programa de

Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (Polonordeste) e o

Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semi-Árida do

Nordeste (denominado Projeto Sertanejo), em 1974 e 1976, respectivamente.

Na avaliação de Carvalho (1987, p. 209-213), ao Polonordeste e ao Projeto

Sertanejo couberam os melhores resultados relativamente aos programas

anteriores.

O Polonordeste, inicialmente mais uma estratégia de intervenção do Banco

Mundial (financiador do programa) para áreas deprimidas de países periféricos,

objetivava promover o desenvolvimento e a modernização de áreas

economicamente prioritárias; posteriormente, contudo, com o agravamento da

crise econômica e social, foi sendo dirigido à melhoria do padrão de vida da

população rural.

Desse modo, passou a ser denominado, em 1985, Programa de Apoio ao

Pequeno Produtor Rural (Papp). Embora tenha sido o mais bem-sucedido dos

programas, teve alcance social e espacial muito reduzido, pois avaliando os

relatórios das ações, Carvalho(1987) verificou que para o Banco Mundial,

tinham sido atendidas pelo programa 100.000 famílias até 1980. Outras

análises mais otimistas davam conta de 300.000 famílias atendidas até 1981,

de uma clientela de 3.000.000 de famílias pobres do meio rural nordestino.

Portanto, na melhor das hipóteses, de acordo com o autor, o público atingido

correspondeu a apenas 10% do total. Quanto à área atingida pelo programa,

algo em torno de 2,5 milhões de hectares, representou tão-somente 3,0% da

sua área-alvo.

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Mas foi nos anos 1990, sobretudo a partir do primeiro governo de Fernando

Henrique Cardoso, que os novos programas criados nesse campo de atuação

passaram a apresentar resultados qualitativamente diferenciados, visto que já

configuravam uma espécie de novo assistencialismo governamental, com

roupagem vistosa de promoção da cidadania e ênfase obsessiva no plano local

(VIDAL, 2001).

O Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada do Nordeste,

por exemplo, lançado em 1996, reafirma o semi-árido como a área principal

para atividades privadas de irrigação e a própria fruticultura irrigada como a

atividade de maior potencial econômico, em face da sua inserção no comércio

internacional. Além disso, exclui o caráter público da irrigação25, passando o

Estado de agente executor para indutor.

A propósito, em relação à idéia de irrigação (privada), cumpre salientar que se

está diante da atual discussão frenética para a questão do semi-árido, e que se

manifesta tanto na retórica oficial como na da classe empresarial. Trata-se

mesmo de uma euforia e, no limite, alguns imaginam que todo o semi-árido

poderá ser irrigado. Gomes (2001, p. 223-224), escudando-se em dados da

Codevasf, chega a colocar que 15 milhões de hectares poderiam ser

irrigados26.

                                                       25 Diversas ações governamentais já delineavam claramente essa linha de ação adotada. Tome-se como exemplo o seguinte trecho do depoimento do presidente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), Airson Lócio (apud GOMES, 2001, p. 191), em 1995, no Senado Federal: “Acabamos com tudo isso. [...] Os colonos têm de comprar a terra [...] Com isso, eles se envolvem no negócio, porque estão pagando [...] É a concepção de que a irrigação não é só para produzir ou para manter o homem no campo, mas para criar o pólo de desenvolvimento que gere emprego e renda. Aquele que não estiver produzindo, na área pública, tem de ser posto para fora, porque ali foi colocado dinheiro do povo, que precisa ter retorno”. Ora, mais que um simples jogo de palavras, há aqui uma contradição óbvia: afinal, qual tipo de produção irrigada será estimulada e qual não o será? As palavras do presidente da Codevasf deixam claro que serão os grandes empreendimentos capitalistas os preferidos. Com efeito, a Lei nº°10.204, de 22/02/2001, que trata da reorganização do DNOCS, determina a transferência em definitivo, para entes privados, dos perímetros públicos de irrigação da responsabilidade desse órgão.  26 Nesse sentido, Molle (1994, p. 150) já alertava que muitos estudos visando determinar o potencial de terras irrigáveis da região tinham chegado a resultados que variavam entre 800 mil e 8 milhões de hectares; as conclusões mais otimistas, porém, baseavam-se em classificações estrangeiras, um tanto alheias à realidade nordestina.  

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Os estudos até aqui nos permite uma reflexão27·: que a açudagem no Nordeste

serviu basicamente para alimentar a indústria da construção civil. Este foi o

principal objetivo a ação. Os governos Federais e Estaduais sempre foram

pressionados por esta indústria. Uma das principais representantes desta

indústria é a OAS, da família de Antonio Carlos Magalhães. A Açudagem no

Nordeste não tem mais como ir adiante. No Nordeste não cabe mais açudes. A

saída foi a transposição do São Francisco que servirá somente para criar novos

deságües do São Francisco no Atlântico, com a premissa de que eliminará

para sempre a sede do Nordestino do semi-árido.

Ademais, enquanto houver um imenso reservatório de mão-de-obra disponível

– e nisso o semi-árido sempre se destacou –, será difícil propiciar incrementos

de renda consideráveis para as classes trabalhadoras, baldando-se assim as

expectativas de ganhos sociais.

Enfim, a atualidade dessa questão implica a própria continuidade da

necessidade de uma ampla intervenção estatal para resolvê-la. Porém, ao

contrário do que sonhava Furtado, as atuais políticas públicas nunca estiveram

tão longe disso.

                                                       27 O Professor Marx Prestes Barbosa, no dia 22/02/2011, na Pré‐banca desta Tese, sugeriu  esta reflexão. 

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3 TRABALHO E COTIDIANO: CIENCIA, TÉCNICA E ARTE

3.1 TRABALHO

O trabalho é uma das formas do homem atuar sobre o mundo o que faz de

várias formas, mas com certeza o faz devido à bagagem que traz de sua

herança cultural e sua ideologia acerca das relações sociais.

“O trabalho – que é a ação transformadora do homem sobre a natureza – modifica também a maneira de pensar, agir e sentir, de modo que nunca permanecemos os mesmos ao fim de uma atividade, qualquer que ela seja. É nesse sentido que dizemos que, pelo trabalho, o homem se autoproduz, ao mesmo tempo em que produz sua própria cultura” (ARANHA, 1996).

Franco (1989) aborda a visão marxista acerca do trabalho e relata que a

consciência humana nesta concepção é estabelecida a partir do trabalho e das

relações sociais.

“O trabalho é, em primeiro lugar, um processo entre o homem e a natureza um processo integrado no qual o ser humano faculta, regula e controla a sua forma material com a natureza através de sua atividade... Ao atuar sobre a natureza externa a si, modificando-a, o ser humano modifica simultaneamente sua própria natureza...” (Marx, 1979, p. 118).

Partindo da antiguidade Grega e Romana o homem adaptava a natureza a si e

a isso denomina-se trabalho. Naquele período o homem que não possuía

terras, desprovido de recursos era educado na lida com a terra, principal meio

de produção, no que se poderia chamar de “comunismo primitivo”, e uma

geração ensinava a outra. É nesse contexto que surge a propriedade privada e

as classes sociais (FRANCO, 1989). Os donos de terras não dependem do

trabalho para viver, cabendo assim aos não proprietários o cultivo das terras

privadas para sua sobrevivência e a dos seus senhores.

A época posterior a antiguidade como base a indústria e o comércio. Com isso

tem-se a mecanização das formas de agricultura e a estratificação e

hereditariedade, nobreza e servidão passavam de pai para filho. As relações

deixam de ser naturais e passam a ser sociais. O trabalho surge da

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necessidade do homem em satisfazer suas necessidades continuar

sobrevivendo. Para Oliveira (1995) trabalho é “a atividade desenvolvida pelo

homem, sob determinadas formas, para produzir a riqueza”.

Com isso o autor coloca que é a partir desta perspectiva que surge o

estabelecimento das relações sociais e na medida em que são satisfeitas suas

necessidades são refeitas relações e assim sucessivamente.

“O trabalho fica então subordinado a determinadas formas sociais historicamente limitadas e a correspondentes organizações técnicas, o que caracteriza o chamado modo de produção”. (Oliveira, 1995 p.6)

Os modos de produção dominam os modos naturais e estes é que vão

determinar a execução e a organização do trabalho. O mesmo autor ainda fala

que toda sociedade é um momento no processo histórico, e só pode ser

apreendida como parte daquele processo.

O processo histórico mostra mudanças na forma pela qual o homem produz

sua riqueza e que com os processos sociais, a exemplo do escravismo,

feudalismo e capitalismo estabelecem direcionamento para o futuro dos

processos de trabalho e organização humana.

Faz-se importante salientar que o trabalho hoje está fortemente orientado para

o resultado e o lucro que se obtém através dele e da força de trabalho, pois

para Antunes (2002),

“No que diz respeito ao mundo do trabalho, pode-se presenciar um conjunto de tendências que, em seus traços básicos, configuram um quadro crítico e que têm direções assemelhadas em diversas partes do mundo, onde vigora a lógica do capital. E a crítica às formas concretas da dessociabilização humana é condição para que se possa empreender também a crítica e a desfetichização das formas de representação hoje dominantes, do ideário que domina nossa sociedade contemporânea.” (Antunes,2002, p.37)

Analisando a problemática da produção do espaço, Lefebvre (1973, p. 78)

levanta importantes questões que compõem o interesse desta tese : “quem

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produz e para quem? O que é produzir? Como e por que produzir?” As

respostas devem levar em consideração, segundo o autor, que o conceito de

produção não possui um único sentido, isto é, há uma dupla determinação e,

portanto, sentidos diferenciados quanto ao valor explicativo.

Pode-se dizer que existe um sentido estrito e um sentido geral, mais amplo.

Segundo Lefebvre (1973, p. 79-80):

“a dupla acepção do termo decorre de que ‘os homens’ em sociedade produzem ora coisas (produtos), ora obras (todo o resto). As coisas são enumeradas, contadas, apreciadas em dinheiro, trocadas. E as obras? Dificilmente. Produzir, em sentido amplo, é produzir ciência, arte, relações entre seres humanos, tempo e espaço, acontecimentos, história, instituições a própria sociedade, a cidade, o Estado, em uma palavra: tudo. A produção de produtos é impessoal; a produção de obras não se compreende se ela não depende de sujeitos”.

Mesmo encontrando-se o conceito de produção além da materialidade, a

categoria central que o fundamenta é a categoria Trabalho. Na concepção de

Marx, o conceito de Trabalho pode ser entendido como aquele ligado à

atividade teleológica de transformação da natureza e como síntese inseparável

da natureza objetiva, circundante, e a natureza subjetiva do homem.

O trabalho constitui o princípio gerador do homem e não apenas uma atividade

produtiva, mas de constituição de uma natureza objetiva e de um horizonte de

apreensão e transformação da realidade. O conceito apresenta dupla

dimensão: a de transformação da natureza e de constituição de objetos, estes

trazem o momento da objetividade de sua produção28.

Para Lefebvre (2001, p. 37- 39)” a produção envolve não somente o sentido

econômico do termo, mas o sentido da filosofia inteira: produção de coisas

(produtos) e de obras, de idéias e de ideologias, de consciência e de

conhecimento, de ilusões e de verdades”.

                                                       28 A análise esboçada até aqui procura apresentar, em parte, a interpretação e a compreensão do conceito do Trabalho. Deve-se buscar, sobretudo na obra original de Marx, os fundamentos de tal problemática. Para ampliar a compreensão da categoria Trabalho o autor de O Capital procura esclarecer, inicialmente, os conceitos de mercadoria, trabalho abstrato, trabalho concreto, valor de uso e valor de troca.  

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Porém, diz o autor, “quem diz produção diz também reprodução, ao mesmo

tempo, física e social: reprodução do modo de vida”. Neste sentido, a produção

misturada à atividade material e ao mercado de trabalho constitui a linguagem

da vida real (LEFEBVRE, 2001).

A categoria trabalho, na visão de Lefebvre, estabelece, em princípio, uma

forma de analisar e entender a sociedade, o Estado, o capital, o poder, a

produção e as relações espaço/sociedade. O trabalho enquanto categoria de

análise não se reduz a exploração apenas da natureza objetiva das condições

materiais e imateriais da produção em geral, mas a compreensão do que está

além da exteriorização da ideologia e da objetivação das formas concretas, o

que conduz à compreensão da própria gênese cultural do homem. O homem

histórico, neste caso, resulta do seu próprio trabalho. Marx explicita, no início de seus estudos que a mercadoria, configuração

específica do movimento do capital, aparece-lhe como duas coisas: como valor

de uso e valor de troca, e que, mais tarde, verificou-se que o trabalho comporta

duplo sentido, pois quando se expressa como valor de troca não agrega mais

as mesmas particularidades que lhe pertenciam como gerador de valor de uso.

Desse modo, referindo-se à mercadoria, Marx afirma que o que faz uma

determinada coisa possuir um valor de uso é a sua utilidade; o trabalho útil,

dessa forma, é aquele cuja utilidade se patenteia no valor de uso do seu

produto ou cujo produto é um valor de uso. Sob esse ângulo de interpretação, o

trabalho sempre estará associado ao seu efeito útil. Neste sentido, o trabalho

que produz valores de uso é de natureza qualitativa, portanto, com

características específicas. Este tipo de trabalho Marx denomina de trabalho

concreto.

Ao compreender a materialização do trabalho deve-se então, pensar o espaço

como contendo uma dupla dimensão: o espaço como valor de troca e como

valor de uso. Neste aspecto, Lefebvre argumenta (apud GOTTDIENER, 1993,

p. 127)

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“que o espaço possui múltiplas propriedades num plano estrutural. É ao mesmo tempo um meio de produção como terra e parte das forças sociais de produção como espaço. Como propriedade, as relações sociais podem ser consideradas parte das relações sociais de produção, isto é, a base econômica. Além disso, o espaço é um objeto de consumo, um instrumento político, e um elemento na luta de classes”.

Os conceitos de trabalho e de produção apresentam características distintas se

considerados a partir da práxis e do conflito social que os colocam em

movimento. O espaço social produzido por essas relações contém, em sua

formação, a dialética das relações sociais.

Para analisar mais de perto a intenção de Lefebvre neste aspecto, deve-se

buscar os argumentos na abordagem do próprio autor a respeito da produção

do espaço, indicados nas referencias desta tese.

O espaço da racionalidade, da produção e da reprodução, da ideologia, do

poder e, também das possibilidades de superação dos conflitos e contradições

internas das relações capital-trabalho é, na acepção do autor, o espaço urbano.

A cidade, segundo Lefebvre (2001, p. 85), retrata com clareza a dupla

dimensão do conceito de produção. Em primeiro lugar, diz o autor, a cidade “é

o lugar onde se produzem as obras diversas, inclusive aquilo que faz o sentido

da produção: necessidades e prazeres”.

Em segundo lugar, concentra funções ligadas à distribuição e ao consumo dos

bens produzidos e ainda agrega mediações de convergências entre o

movimento da totalidade e suas partes.

No conjunto da obra de Lefebvre, a cidade adquire um valor conceitual de

extrema relevância para fundamentação teórica da concepção da produção do

espaço e da reprodução das relações sociais. A cidade revela, em certo

sentido, a unidade das relações capital-trabalho e da história da aventura

humana no domínio sobre a natureza.

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De acordo com o autor, a cidade “é um espaço, um intermediário, uma

mediação, um meio, mais vasto dos meios, o mais importante. A transformação

da natureza e da terra implica um outro lugar, um outro ambiente: a cidade”

(LEFEBVRE, 2001, p. 85-86). 3.2 - REDES SOCIAIS, TRABALHO E PODER. Refletir sobre o conceito de redes e todas as suas possibilidades de

interpretações e definições traz para a discussão ora apresentada a

necessidade de resgatar a concepção da sociedade em rede, ou sociedade

informacional, como foi formulada por Castells (2003), segundo a qual a

sociedade contemporânea é caracterizada pela predominância da forma

organizacional da rede em todos os campos da vida econômica e sociocultural.

Castells (2003) chama esse novo formato de estabelecimento de relações

sociais de sociabilidade, que segundo o autor, permite a formação de

comunidades, grupos humanos constituídos a partir de identidades construídas

na esteira de interesses comuns. Conforme a interpretação desse autor, os

grupos sociais mais poderosos adaptam-se de maneira cada vez melhor às

novas condições da sociedade informacional, permeada por fluxos e redes de

comunicação-informação, utilizando as novas potencialidades abertas à

globalização e pelo acesso às novas tecnologias de informação e

comunicação.

A realidade identificada nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água do

Casado, no tocante a organização e configuração das redes sociais e de poder

no território, contrastam fortemente com a situação acima considerada, uma

vez que é possível observar os setores sociais mais fragilizados da sociedade,

contrapostos aos setores dominantes, particularmente no nível comunitário dos

países em desenvolvimento. Nesse contexto, as redes sociais surgem,

navegando contra a corrente hegemônica da globalização e reinventando

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novas formas de democratização e de construção da cidadania nos níveis

local, nacional e global29

No atual contexto de discussão, as redes sociais despontam como um recurso

que permite o avanço dos projetos territorializados que contam com a

participação ativa das populações locais com o objetivo de promover a

cidadania, a democratização e a construção de uma nova realidade social.

Segundo Martins (2004), esse recurso valoriza a força da associação entre os

homens, ocasionando o aparecimento de movimentos coletivos e espontâneos.

No tocante a realidade dos pescadores artesanais, a aproximação das

necessidades do grupo frente às intervenções em seus modos de vida

impostos pelo Capital demonstra que a rede social existente poderia sair

fortalecida, se a identidade do grupo prevalecesse frente aos interesses de

uma minoria.

Em contraposição com a discussão de território, as redes qualificam o espaço,

interferindo na forma como este território está organizado. Segundo Castells

(2003:35), “o espaço não pode ser definido sem referência às práticas sociais”,

o espaço é o lugar da luta, da resistência, onde aparecem as dificuldades das

populações. O que qualifica o espaço são as interconexões existentes na

sociedade.

De acordo com Castells:

Os principais processos dominantes em nossa sociedade são articulados em redes que ligam lugares diferentes e atribuem a cada um deles um papel e um peso em uma hierarquia de distribuição de riqueza, processamento de informações e poder, fazendo que isso,condicione o destino de cada local. (2003:439)

                                                       29 Para  subsidiar este  tópico, além dos autores   citados nas  referências no  final da  tese, utilizou‐se o artigo:  UM  ESTUDO  DAS  REDES  SOCIAIS  QUE  NASCEM  A  PARTIR  DO  TRABALHO  COOPERATIVO  NO NORTE DE MINAS, de Percio Vidal de Souza Mota, Mestrando em Educação Tecnológica – CEFET‐MG, 2004.  

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A análise das redes está focada na relação entre os sujeitos, considerando que

através dessas relações e das situações criadas, eles se posicionam com mais

flexibilidade na vida social, diferente da análise que leva em conta

individualidade de cada um, com suas características pessoais, atributos e

discursos.

Para Milton Santos (2003) as redes podem ter definições e conceituações

diversas, mas é possível agrupá-las em duas grandes matrizes. A primeira é

aquela que considera o seu aspecto, sua realidade material, toda a sua infra-

estrutura instalada. A segunda leva em conta, também, o dado social, as

pessoas, as mensagens e os valores presentes nas relações dos elementos

presentes na rede.

As redes são formadas por quantidades e qualidades instaladas em diversos

momentos. Portanto é possível considerar a existência de produção e vida nas

redes, já que através delas é possível favorecer a “fluidez para a circulação de

idéias, mensagens, produtos ou dinheiro, interessantes aos atores

hegemônicos.” (Santos, 2003:274).

Conforme Santos (1996), o mundo atual exige cada vez mais fluidez (para a

circulação de idéias, mensagens, produtos, dinheiro etc.), o que interessa

enormemente aos atores hegemônicos. A base para que isso possa ocorrer

estaria, para o autor, nas redes técnicas, “que são um dos suportes da

competitividade”. Com a fluidez sendo simultaneamente causa, condição e

resultado (SANTOS, 1996: 218). Ou seja, temos um espaço de fluxos

“constituído por redes – um sistema reticular –, exigente de fluidez e sequioso

de velocidade” (SANTOS 2000: 106).

O autor citado enfatiza que os objetos e os lugares são criados para dar mais

força a fluidez, os objetos “transmitem valor às atividades que deles se utilizam.

Nesse caso, podemos dizer que eles "circulam". É como se, também, fossem

fluxos” (p. 218). Santos (1996) trabalha com a idéia de virtualidade das redes.

As redes são virtuais e ao mesmo tempo são reais. Para ele, “a primeira

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característica da rede é ser virtual. Ela somente é realmente real, realmente

efetiva, historicamente válida, quando utilizada no processo da ação” (p. 220).

Assim sendo, as redes sociais articuladas com o poder público têm um papel

fundamental e indispensável nos processos de desenvolvimento social. É a

forma de articulação dessas redes que vai dar sentido às ações comunitárias,

cujos sujeitos são agentes do seu próprio desenvolvimento.

Millton Santos aprofunda a discussão e afirma que a técnica apresenta-se ao

homem comum como um mistério e uma banalidade. De fato, continua o autor,

a técnica é mais aceita do que compreendida. Como tudo parece dela

depender, ela se apresenta como uma necessidade universal, uma presença

indiscutível, dotada de uma força quase divina à qual os homens acabam se

rendendo sem buscar entendê-la. É um fato comum no cotidiano de todos, por

conseguinte, uma banalidade, mas seus fundamentos e seu alcance escapam

à percepção imediata.

Daí o seu mistério. Tais características alimentam o imaginário dos homens alicerçado nas suas relações com a ciência, na sua exigência de racionalidade, no absolutismo com que, ao serviço do mercado, conforma os comportamentos; tudo isso fazendo crer na sua inevitabilidade. (SANTOS, 2001, p.45)

Para Milton Santos, se os atuais sistemas técnicos são inevitáveis e invasores,

sua capacidade de invasão tem limites. Esses limites são dados pela divisão do

trabalho e pelas condições de criação e densidade. Quanto mais forte numa

área, é a divisão do trabalho, tanto mais há tendência para que esses sistemas

técnicos hegemônicos se instalem. “Nesses lugares, é mais eficaz a ação dos

motores da economia mundializada, que incluem as instituições

supranacionais, as empresas e os bancos multinacionais”. (SANTOS, 2004,

p.179).

O domínio do capital impõe a técnica enquanto base do processo de

globalização e seu domínio sobre o ser humano. Daí pode-se compreender o

imenso fosso entre a lógica da acumulação versus a fragilizada distribuição de

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renda, que comporta um dos problemas fundamentais do desenvolvimento

socioeconômico.

Na fase atual de globalização, o uso das técnicas conhece uma importante

mudança qualitativa e quantitativa. Migra-se de um uso ‘imperialista’ que era

também, um uso desigual e combinado, segundo os continentes e lugares, a

uma presença obrigatória em todos os países dos sistemas técnicos

hegemônicos, graças ao papel unificado das técnicas de informação (SANTOS,

2001, p.52).

Desse modo, a construção do território possui, enquanto conteúdo, a técnica e,

por conseqüência, a cidade também a possui. As diferenças nos processos de

urbanização historicamente construídos traduzem não mais a cidade como

produto cultural, mas como um produto técnico. Percebe-se, portanto, um

significado social, político e econômico na elaboração dos sistemas técnicos.

De acordo com Milton Santos (2004), são estes significados que possibilitam

diferentes incorporações técnicas no ambiente urbano, tornando-o mais ou

menos apto às exigências da globalização. As redes viárias, os sistemas de

comunicação, os fluxos financeiros e produtivos, os deslocamentos entre

diferentes pontos do espaço são respostas espaciais aos processos de

especialização e divisão social do trabalho.

Portanto, há uma transformação do território com as novas presenças técnicas.

Novas especializações geram novas espacializações produtivas. Para

SANTOS (2004, p. 30): “isto implicaria ir além da pura informática e obrigaria a

ver o conjunto de técnicas, presentes e passadas, na conformação do território,

através de um processo de desenvolvimento desigual e combinado”. A cidade

é a representação do fenômeno técnico e o fenômeno técnico se apresenta

tendencialmente de forma desigual nas diferentes sociedades (LENCIONI,

2003).

Vale observar que estas transformações locais não são automáticas e a

incorporação do espaço não se dá de forma homogênea. Para Bernardes

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(2001, p.241): “se a mudança técnica incide diretamente sobre o espaço, este,

em sua condição física ou social, pode oferecer resistência e constituir um fator

condicionante.” Desse modo, verificam-se possíveis resistências internas, bem

como estratégias de recuperação diante das crises que surgem neste

processo. Há desse modo o que Milton Santos caracteriza como resposta local

ao processo de globalização.

A fim de se abordar a noção de competitividade ante às mudanças territoriais e

industriais atuais, torna-se necessário uma análise prévia do conceito de

território à luz de tais processos citados.

As mudanças econômicas e técnicas ocorridas ao longo do capitalismo foram

aprofundando as relações campo-cidade e reduzindo essa distância entre os

dois espaços e os fenômenos a eles relacionados. Na América Latina esse

processo se acentua de fato a partir da década de 1960, com os avanços da

Revolução Verde, acelerando-se exponencialmente nas décadas seguintes,

marcadamente com a constituição do que o geógrafo brasileiro Milton Santos

chamou de meio técnico-científico-informacional. Essas mudanças

promoveram o fortalecimento do poder das cidades de comandar a

organização de vastos territórios, neles incluídos os espaços rurais, cada vez

mais subjugados pelo vigor do fenômeno urbano.

Santos (2004, p. 75-76) ressalta a importância de se reconhecer o território

como uma unidade espacial de trabalho, dando o exemplo das regiões

produtivas. Desse modo, o território é uma unidade espacial constituída por

frações diversas, que funcionam a partir de demanda de vários níveis, do local

até o mundial e estão articuladas através de fluxos criados e mantidos pelas

atividades, população e herança espacial.

Na concepção de Santos (1996) para entender a dinâmica do território e o

processo de urbanização é preciso pensá-los como processo, forma, conteúdo

e função. Nessa linha, tratamos da urbanização compreendida como um

processo por entender que esta decorre de um contexto de desenrolar histórico

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e está ligada a diferentes acontecimentos da história não só nacional como

global.

Segundo Santos (1996), a divisão do trabalho é, em geral, abordada como

divisão territorial do trabalho, justamente por que, como geógrafo, este sempre

esteve preocupado com uma abordagem que inserisse o espaço como

variável, entendendo que os processos ocorrem transformando o espaço e que

o próprio espaço pode influenciar nos processos.

Portanto, os usos do território constituirão a especialidade destes em um dado

tempo. Estes períodos de especialização vão impor diferenciações nas

relações da sociedade em construção no espaço. Com isso, as cidades vão se

estruturando com funções produtivas diferentes.

Para Santos (2008a), quanto mais intensa a divisão do trabalho, mais cidades

surgem e mais diferentes são umas das outras. Pois, a força da divisão do

trabalho, da sua especialidade chama novas áreas a participar e cooperar para

reforçá-la, assim as cidades vão sendo cooptadas para realizar determinadas

funções, em geral, diferentes umas das outras, o que vai moldando um cenário

regional de especialização em que cada cidade cumpre uma parte da

produção.

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79  

4 A PESCA

A pesca é uma das atividades mais antigas exercidas pelo homem em período

anterior ao Neolítico. O importante a se ressaltar nessa rápida história é o

conhecimento acumulado pelos pescadores durante esses vários séculos

sobre o comportamento das espécies capturadas, a época de sua reprodução

e a concentração de cardumes (DIEGUES, 2004).

De acordo com Fabris (1997), mais da metade da população brasileira vive a

menos de 60 quilômetros das águas costeiras. A ocupação da zona costeira

deve-se principalmente à facilidade de acesso aos portos, às suas belezas

naturais, à facilidade de transporte e, especialmente à grande produção

biológica nos seus diversos ecossistemas. Estes ecossistemas, quando

controlados naturalmente, têm se mostrado altamente produtivos e

ecologicamente importantes, como é o caso de ilhas costeiras, desembocadura

de rios, costões rochosos, enseadas e áreas protegidas.

Segundo Borghetti (2000), a pesca e aqüicultura brasileiras são atividades

importantes na produção de proteína para a população, bem como de

estratégia da sustentabilidade dos recursos pesqueiros e de geração de

tecnologias limpas para a produção e incremento da aqüicultura de organismos

aquáticos. A sustentabilidade dos recursos pesqueiros nas bacias hidrográficas

depende da adoção de alternativas que considerem os aspectos sociais,

econômicos, tecnológicos e ambientais de forma integrada, bem como o

equilíbrio entre a necessidade e as limitações, estabelecendo o princípio da

economia ecológica.

4.1 PESCA ARTESANAL, PESCA INDUSTRIAL NACIONAL

O presente capítulo trata dos aspectos gerais da pesca nacional, mostrando

sua importância enquanto fonte produtora de alimento para a população.

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O Trabalho procura enfocar a pesca industrial e artesanal brasileira e

particularizar a pesca praticada em Alagoas, com ênfase nas comunidades que

praticam a pesca artesanal e também o cultivo do peixe em tanques-redes,

como alternativa “dada” pela política de desenvolvimento local.

Os indígenas do Brasil, como é de todos sabido, viviam da caça e da pesca.

Em 1558, o Frei André Thevet, em sua obra "Singularidades da França

Antártica", cita a presença de alguns peixes que aqui viu e do modo de pescar

dos selvagens, que o faziam com arco e flecha do tipo sararaca, além de

outros meios. Curioso é o que diz Thevet da pesca da albacora pelos índios:

"mas os pescadores fazem, de certo pano, peixinhos brancos, que arrastam à

tona d'água, à maneira de iscas, conseguindo assim, quase sempre pescá-los"

(apud SANTOS, 1977, p. 18). É como é chamada hoje pesca de corço, com

isca artificial.

Segundo Silva (1988), o peixe representou saliente papel em nossa economia

colonial. Os poderes públicos cuidaram do assunto um tanto vagamente, sem

persistência nem continuidade. Em 1591, em São Paulo, foi proibido que se

fizessem pescarias ao longo do rio Tamanduateí usando o tinguí, uma das

plantas tóxicas de que então se abusava, impondo-se penas de quinhentos réis

por pessoa que se achasse utilizando tal produto. Em 1598, estendia-se a

mesma proibição a todos os ribeiros e rios existentes dentro da vila.

A pesca alimentou o índio e os brasileiros que se multiplicavam, mas isso ao

acaso, sem organização de espécie alguma, durante o longo período colonial.

Depois da Independência, isto é, durante o Império, vagamente se tratava do

assunto. A primeira lei em relação à pesca foi em 1846, através do decreto

447, o qual só permitia o exercício da pesca aos pescadores matriculados, com

as embarcações arroladas, numeradas e marcadas com letras no costado e

nas velas.

Pelo decreto 8.388, de 17 de dezembro de 1881, tentou-se uma verdadeira

regulamentação da pesca, dividindo-se o Brasil em três grandes zonas de

pesca. Proibiram as cercadas, os tapumes ou quaisquer aparelhos que

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impedissem a passagem do peixe, o uso de substâncias tóxicas, bem como a

pesca com dinamite. O decreto, muito sábio, previa o repovoamento das águas

e proibia os instrumentos nocivos a ela, inclusive as redes de arrastão.

A Convenção de Haia, em 1882, dava aos brasileiros o direito exclusivo da

pesca em águas territoriais. Em 1934, foi criado o Código de Pesca, passando

essa atividade a ser observada de maneira mais objetiva, do ponto de vista

operacional e econômico. O Código caracterizou os diferentes meios aquáticos,

os pescadores passaram a ser considerados como profissionais e tudo isso

mereceu amparo legal; foram previstos também outros aspectos, como

repovoamento e defesa das águas interiores30, comércio do peixe vivo, entre os

demais. A partir daí, outros adendos foram introduzidos à lei básica, com o

objetivo de oferecer condições para o desenvolvimento dessa atividade mas,

só na década de 60 foram explicitadas as primeiras políticas para a pesca.

A extensão do litoral brasileiro é de aproximadamente 8.400 km, estendendo-

se desde o Cabo Orange (5°N) até o Chuí (34°S), sendo a maior parte situada

nas regiões tropicais e subtropicais. Tais condições contribuem para a

existência de uma vasta gama de recursos pesqueiros, porém, em sua maior

parte, com baixa biomassa por estoque, apesar de apresentarem significativo

valor econômico nos mercados internacionais e para o abastecimento interno.

A produção pesqueira do País praticamente dobrou entre 1970 e 1986,

crescendo de 526.292 toneladas para mais de 1 milhão de toneladas, o que

corresponde a uma taxa de crescimento médio anual de 4,1% (NEIVA,1990,

p.13). Porém, segundo afirma o relatório do governo brasileiro para a

Conferência Rio-92 (BRASIL, 1991, p. 121), a produção pesqueira brasileira no                                                        

30 Do ponto de vista da Lei do Mar, consideram-se águas interiores os mares completamente fechados, os lagos e os rios, bem como as águas no interior da linha de base do mar territorial. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982.

 

 

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início dos anos 90 vinha apresentando decréscimos significativos; isto é

confirmado pelos dados que Dias Neto (1996) apresenta, estes demonstram

uma leve estabilização a partir de 1997 (estimativas do IBAMA e IBGE,1998) 31.

A costa marítima do Brasil apresenta um potencial pesqueiro significativo,

apesar de sua exploração acontecer de maneira indevida, ocasionando o

comprometimento de importantes estoques, através da sobrepesca de

espécies de maior valor comercial (DIEGUES, 2004).

Em contrapartida, a pesca continental foi e continua a ser menos explorada e

marginalizada nas políticas para o setor pesqueiro; julgaram-na fadada ao

desaparecimento no projeto de modernização da atividade pesqueira,

deflagrado a partir de 1960, com o incentivo à industrialização do País (IBAMA,

2008).

A atividade pesqueira do País vinha sendo desenvolvida, desde os tempos

antigos, na forma de pesca artesanal para o auto-consumo, realizada com

equipamentos relativamente simples; nos anos 60, surgiu, paulatinamente,

incentivada pelo Governo Brasileiro, a pesca industrial, e, ao mesmo tempo,

embora com menos dinâmica, a aqüicultura.

Enquanto a pesca artesanal assumiu gradativamente a função de abastecer o

mercado nacional, participando atualmente com 50 a 60% da produção total,

uma boa parte da pesca industrial se dirigiu, desde o início, à exportação de

espécies nobres, sobretudo crustáceos, alcançando entre 40 a 50% da

produção total, utilizando recursos tecnológicos mais modernos

(DIEGUES,2004).

A aqüicultura, por sua vez, destinou-se, no início, ao peixamento32 em açudes e

barragens, produzindo sobretudo para o interior do País, e, no passado mais

                                                       31  Fontes: IBAMA/IBGE e Instituto de Pesca/SP apud Dias Neto, 1996 (Período de 1975 a 1989).IBAMA/IBGE apud CEPENE/ IBAMA, 1998 (Período de 1991 a 1997).  32 Introdução de filhotes de peixes(alevinos) em açudes ou rios. 

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recente, a carcinocultura, objetivando a exportação; ultimamente ela destina-se

à diversificação da atividade do pequeno produtor rural.

Para Diegues (2004) existem duas possibilidades para a exploração da

aqüicultura como fonte de recurso: a produção em território continental ou a

produção marítima. Para a realidade brasileira atual, 69,7% da produção é

proveniente da primeira forma de produção, com projeções que apontam para

uma tendência ao crescimento. Sua preferência é decorrente da disponibilidade

de grandes extensões de terra passiveis de serem destinadas ao cultivo; a

abundância de água doce e limpa; a boa adaptabilidade das espécies

destinadas à criação.

4.1.1 Dados atuais da Produção Pesqueira no Brasil

No Boletim intitulado: Estatística da Pesca Brasil – 2007, divulgado pelo

Ministério do meio Ambiente em dezembro de 2007, o IBAMA apresenta

informações sobre a produção pesqueira nacional em toneladas e valores em

reais (Regiões e Unidades da Federação) referentes à pesca extrativa e

aqüicultura (marinha e continental) e balança comercial brasileira de produtos

pesqueiros, no ano de 2007.

Os dados estão agrupados em tabelas e contemplam informações sobre os

desembarques de pescado e produção da aqüicultura (peixes, moluscos,

crustáceos e anfíbios), além das exportações e importações de pescado por

espécie e tipo de produto, com os correspondentes pesos e valores, e um

glossário dos nomes científicos e populares.

A maioria dos dados referentes à pesca extrativa marinha foi gerado pelas

Superintendências Estaduais do IBAMA e contando com a participação efetiva

dos Centros Especializados de Gestão de Recursos Pesqueiros do ICMBIO:

CEPNOR, CEPENE, CEPSUL, CEPERG e SEAP/PR, por meio do convênio

SEAP/IBAMA/PROZEE e complementadas com dados e informações

fornecidas por diversas Instituições em todo o País.

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Os dados da pesca extrativa continental, da maricultura e da aqüicultura

continental foram produzidos, principalmente, pelas Secretarias Estaduais de

Agricultura, Federação de Pescadores, Departamento Nacional de Obras

Contra as Secas – DNOCS, Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São

Francisco e do Parnaíba – CODEVASF, Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural – EMATER, Superintendências do IBAMA e por outras

Instituições Nacionais que atuam no setor pesqueiro.

A divulgação oficial dos dados estatísticos no Brasil é atribuição legal do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Até 1989, esse órgão

publicava a Estatística da Pesca com os dados da produção pesqueira

nacional, por espécie e modalidade de pesca, para todos os Estados da

Federação.

A partir de 1990, o processo de divulgação desses dados foi interrompido, em

decorrência de problemas financeiros e operacionais daquele Instituto. Tal fato

resultou em profunda lacuna de informações oficiais sobre a pesca,

comprometendo todo o processo de tomada de decisões relativas ao

ordenamento, conservação e desenvolvimento do processo de gestão da

pesca.

A estimativa da produção pesqueira nacional para o período de 1990 a 1994

foi elaborada pelo IBAMA, utilizando como metodologia apenas o cálculo das

médias aritméticas dos desembarques de pescado obtidos de dados pretéritos

da produção apresentados pelo IBGE no período de 1986 a 1989, aos quais foi

agregada à produção das principais espécies de pescado acompanhadas pelos

Grupos Permanentes de Estudo do IBAMA, Projeto ESTATPESCA na Região

Nordeste do Brasil e Instituto de Pesca, CEPSUL e CEPERG no litoral sudeste-

sul.

A partir de 1995, o IBAMA vem promovendo o aprimoramento do sistema de

consolidação da estatística pesqueira nacional. Essa iniciativa tem reunido

importantes Programas de geração de dados: ressaltando-se o Projeto

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ESTATPESCA desenvolvido pelo CEPENE em todos os Estados do Nordeste

e no Estado do Pará, pelo CEPNOR e o Sistema de Estatística Pesqueira

(controle de desembarque) da frota industrial e artesanal, executados pelo

CEPSUL, CEPERG, Instituto de Pesca do Estado de São Paulo e Secretaria

Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República-

SEAP/Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, nas regiões Sudeste e Sul.

Em 2007, a estatística pesqueira marinha recebeu um suporte financeiro da

SEAP/PR, com o advento do Convênio SEAP/PR/IBAMA/PROZEE, até o mês

de junho. Sob a coordenação do CEPENE, CEPNOR, CEPSUL e do CEPERG,

a metodologia do ESTATPESCA foi implantada um Projeto Piloto em todos os

estados costeiros da região Sudeste/Sul, com exceção do estado de São

Paulo.

Entretanto, em alguns Estados ainda é incipiente o monitoramento da produção

pesqueira desembarcada da pesca continental e da aqüicultura, sendo

fundamental o desenvolvimento de um projeto nacional de estatística

pesqueira, contando com a participação das diversas Instituições que operam

junto ao setor, com vistas a proporcionar os subsídios adequados na gestão do

uso sustentável dos recursos pesqueiros.

Os dados básicos de produção utilizados no boletim, relativos à pesca extrativa

marinha, foram obtidos pelos sistemas de controle de desembarque, mapas de

bordo, relatórios de produção fornecidos por empresas de pesca e amostragem

estatística. Esses sistemas, no momento, apresentam deficiências que residem

basicamente no insuficiente número de coletores de dados, falta de

compromisso do setor produtivo no fornecimento das informações e ausência

de uma política institucional integrada voltada à geração da estatística

pesqueira nacional.

Para a pesca extrativa continental as informações foram obtidas de diversas

fontes, que utilizaram sistemas próprios de geração de dados. Em alguns

casos, a produção estadual foi obtida a partir do agrupamento dos dados de

mais de uma fonte. As informações do DNOCS, que controla os açudes

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públicos federais do Nordeste, da CODEVASF sobre a produção do Vale do

Rio São Francisco e da CHESF nos reservatórios das hidroelétricas de sua

responsabilidade.

Em outros locais, onde não há coleta de informações sistematizadas,

utilizaram-se visitas técnicas de avaliação da produção pesqueira. Com

referência a maricultura, as informações da carcinicultura foram obtidas da

Associação Brasileira de Criadores de Camarão – ABCC e da Empresa de

Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI, que

controla a produção de moluscos em Santa Catarina e pelas Superintendências

do IBAMA.

As informações sobre a aqüicultura continental foram estimadas a partir dos

dados fornecidos, principalmente, pelas das Secretarias Estaduais de

Agricultura, EMATER, EPAGRI, DNOCS e Bahia Pesca, complementados por

informações obtidas das Superintendências do IBAMA.

As informações sobre a Balança Comercial Brasileira de Produtos Pesqueiros

foram obtidas do banco de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior e foram processadas e analisadas pela equipe da

CGFAP/IBAMA.

Para ilustração deste tópico, foram utilizados os gráficos mais relevantes para o

tema da tese, no tocante a pesca e aqüicultura de água doce, intitulada

aqüicultura continental, que são apresentados e analisados a seguir.

Os principais mercados importadores dos produtos pesqueiros brasileiros são

apresentados nas Figuras 2 e 3. O Brasil, em 2007, exportou para 83 países,

realizando um feito significativo, uma vez que conquistou 15 novos mercados.

Os Estados Unidos permaneceram na primeira posição e teve sua participação

relativa aumentada em 1,61%. Suas compras concentraram-se, principalmente,

em lagosta (US$ 74,3 milhões), outros peixes frescos/refrigerados (US$ 12,4

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milhões) e pargos congelados (US$ 5,9 milhões), que representaram 80,9%

das nossas exportações dirigidas àquele mercado.

A França passou a ser o segundo maior importador dos produtos pesqueiros

brasileiros, sendo o camarão (US$ 37,3 milhões) responsável por 63,4% das

compras feitas ao Brasil. Teve sua participação estabilizada em torno de 19%

das vendas totais efetuadas pelo nosso país; a Espanha teve sua participação

reduzida em 7,07%, passando para o terceiro comprador dos nossos produtos,

destacando-se como um dos principais importador de camarão do Brasil (US$

15,8milhões).

Figura 2 - Principais mercados importadores de produtos derivados da piscicultura. 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007.

Portugal, o quinto principal comprador das exportações, despendeu US$ 3,3

milhões na importação de camarão e US$ 1,8 milhão em peixes

frescos/refrigerados e, por último, o Japão importou preferencialmente camarão

(US$ 5,5 milhões), diminuiu a sua participação de 4,28% em 2006 para 2,87%

em 2007. Verificou-se, pois, que os países referenciados acima somaram

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80,88% das vendas do país ao exterior. Isso demonstra que, embora o Brasil

tenha exportado para 83 países (em 2006 foram 68 países), os principais

mercados hoje existentes concentraram-se em poucos produtos, como indicam

as Figuras 3 e 4.

Figura 3 - Principais mercados importadores de pescado 2006 – 2007

Fonte: IBAMA, 2007

Os dados da figura 3 evidenciam que: houve uma redução de 2,4% na

participação do principal fornecedor em relação a 2006, embora tenha

aumentado suas vendas ao Brasil em US$ 25,8 milhões.

Comprou-se da Noruega, basicamente, bacalhau (US$ 173,5 milhões),

representando esse produto 98,16 % da pauta dirigida ao Brasil; o Chile

aumentou suas exportações em US$ 19,7 milhões, porém, teve sua

participação reduzida em 1,05%, mantendo o segundo lugar como fornecedor

de pescado ao país, destacando-se o salmão (US$ 76,6 milhões) e outros filés

congelados (US$ 19,2 milhões); a Argentina passou para a terceira posição,

concentrou suas vendas ao país em filés de merluzas congelados (US$

66,8milhões), o que representou mais da metade das importações desse

mercado.

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Figura 4 - Principais fornecedores de produtos pesqueiros para o Brasil – 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007.

Portugal preservou sua posição no ranking, vendeu ao Brasil US$ 41,3 milhões

de bacalhau, montante esse 33,3% superior ao negociado em 2006; o Uruguai

incrementou suas vendas ao Brasil no montante de US$ 13,8 milhões, passou

a ocupar o quinto lugar no ranking, sendo o esqualos congelados seu principal

produto vendido ao nosso país (US$ 15 milhões) e, finalmente, o Marrocos que

caiu para a sexta posição no ranking, contribuindo com 3,15% nas compras

totais efetuadas pelo nosso país.

A sardinha congelada (US$ 17,5 milhões) representou 98,97% das importações

bilaterais.

Verifica-se que as compras brasileiras de pescado no exterior, em

fornecedores não tradicionais, aumentaram em US$ 21,5 milhões, apesar do

número de países com os quais foram efetuadas as importações não ter sofrido

alterações significativas.

Figura 5 – Principais fornecedores de pescados ao Brasil, 2006 - 2007.

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Fonte: IBAMA,2007.

As figuras 6 e 7 apresentam os principais estados exportadores de pescado. O

Rio Grande do Norte, em 2007, passou a ser o principal estado exportador,

sendo responsável por 17,97% (US$ 55,8 milhões) das exportações globais do

setor pesqueiro. O volume exportado representou 27,42% da produção total do

estado (51.326t).

Figura 6 - Principais estados brasileiros exportadores de Pescado. Fonte: IBAMA, 2007.

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As exportações do Ceará, em 2007, tiveram uma queda expressiva em termos

de valores (US$ 38,01 milhões); As vendas ao exterior representaram 7,99%

da produção estadual pesqueira (76.444,5t), enquanto que, em 2006, o estado

em referência destinou 21,78% da sua produção pesqueira ao mercado

externo. Denotou-se, ainda, que dos onze principais estados exportadores

listados, quatro são da região Nordeste, responsáveis por 53,99% das

exportações totais de pescado.

Figura 7 – Estados brasileiros exportadores de pescado 2006-2007.

Fonte: IBAMA,2007.

A Figura 8 apresenta os principais estados importadores de produtos

pesqueiros. O estado de São Paulo, de longe, permanece com a primeira

posição, respondendo com mais da metade (58,98%) das compras efetuadas

pelo Brasil no exterior. Com relação a 2006, Verificou-se que as importações

em 2007, efetuadas pelo estado de São Paulo, sofreram aumento de US$ 61,2

milhões, como indica a figura 8. Constatou-se, também, que o volume

importado (85.291t) foi superior à produção pesqueira desse estado (67.095t),

fato esse parcialmente explicado pela concentração dos grandes distribuidores

das redes de supermercados.

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Figura 8 – Principais estados brasileiros importadores de pescado 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007.

Merece registrar, ainda, que, a exemplo de 2006, as compras no exterior

efetuadas por Santa Catarina continuaram aumentando significativamente. Em

2007 tiveram um incremento de US$ 14,3milhões, conforme demonstram os

dados na Figura 9. Com relação aos estados do Paraná e Espírito Santo mais

que dobraram suas compras efetuadas no exterior. Os demais não

apresentaram mudanças significativas.

Figura 9 – Principais estados exportadores de pescado 2006-2007. Fonte: IBAMA,2007

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A Figura 10 mostra a tabela que compara os valores de produção das duas

modalidades nas diferentes regiões do país enquanto a Figura 11 apresenta

uma análise temporal da produção. Ambas foram referenciados em trabalho de

estatística do IBAMA (2008).

Figura 10. Produção pesqueira em toneladas estimada e participação relativa da pesca extrativista e da aqüicultura.(IBAMA,2008).

Observa-se a ausência de dados referentes a pesca Industrial nos municípios

de Alagoas, Sergipe e Bahia, no ano de 2008. De acordo com o IBAMA, uma

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falha do sistema de cadastro e envio de dados não permitiu o repasse dessas

informações para a compilação total dos dados.

Figura 11. Produção Brasileira comparativa da pesca extrativa e da atividade da aqüicultura (criação em cativeiro) ao longo do tempo de 1997 a 2006 (IBAMA,2008).

A empresa de pesca ou o pescador são impossibilitados de controlar as

variáveis envolvidas com a atividade extrativista. Este aumento nos índices de

incertezas pode se reverter para fatores econômicos importantes, como

limitação ao acesso a crédito (maior o risco, menores serão as oportunidades

de financiamento). A produção manejada defendida pelos órgãos públicos e

empresas privadas a favor da aqüicultura pode induzir a produção de números

mais concretos sobre expectativa de retorno, embora não garanta a

sustentabilidade da atividade remunerada para o pescador tampouco disponha

de capacidade de absorção do contingente de pescadores artesanais existente,

não dando garantia também da sustentabilidade da comunidade frente à nova

atividade.

Ressalte-se que toda a pesca de água doce é feita em moldes artesanais. A

pesca de água doce é uma atividade tradicional em nosso país. Inicialmente

praticada pelos índios, desde a época da Colônia transformou-se em atividade

econômica importante e assim se mantém. Em muitas regiões é a única fonte

de proteína disponível às camadas mais pobres da população. A fauna de

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peixes de água doce na América do Sul é a mais rica do mundo, principalmente

a da bacia Amazônica. Nela, até 1967 haviam sido descritas 1.300 espécies,

para um total estimado de cinco mil, perfazendo ¼ do total de espécies de

peixes existentes (PETRERE JR, 1995, p. 28).

A qualidade e o volume dos recursos pesqueiros de águas interiores não são

completamente conhecidos, devido à diversidade dos tipos de corpos aquáticos

existentes e também à falta de pesquisas sistemáticas a esse respeito.

Segundo estatística IBGE em 2005 foram produzidas 305.520 toneladas de

pescado de águas interiores, equivalentes a 24% da produção brasileira

comercializada. Esses números, entretanto, não refletem a real dimensão da

importância da pesca no contexto econômico-social das populações

interioranas. Primeiramente, devido à dispersão das pescarias e dos pontos de

desembarque, dificultando sobremaneira a aquisição de informações. Em

segundo lugar, grande parte da pesca é basicamente para auto-consumo e não

registrada no cômputo geral da produção pesqueira.

Diante disso, a pesca de águas interiores, historicamente relegada a um

segundo plano, além de sofrer problemas vultosos comuns a todas as

pescarias, sofre também de questões específicas, tais como: conflitos

territoriais (por área de pesca); conflitos entre pesca profissional e a pesca

turística, esportiva e amadora, além de grande vulnerabilidade à degradação

ambiental e insuficiência de pesquisas. Salienta-se ainda que os impactos

decorrentes da poluição, construção de barragens e dos desmatamentos

deverão intensificar-se na próxima década e, num efeito sinérgico desastroso,

poderão causar danos irreversíveis aos estoques pesqueiros (FISCHER, 2002).

A sazonalidade das capturas é, provavelmente, um dos fatores que contribuem

para a manutenção da atividade em padrões artesanais. Assim, diferenças

específicas e geográficas na migração dos peixes em resposta ao regime

hidrológico dão a base para o desenvolvimento das pescarias. Tem-se, desse

modo, um período de safra durante a vazante/seca e de entressafra durante a

enchente/cheia.

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96  

Outra característica relacionada à captura em águas interiores é a gama de

apetrechos e os métodos de pesca utilizados pelos pescadores, de acordo com

a época e/ou natureza do ambiente. Incluem-se, entre outros, no primeiro caso,

redes de vários tipos e tarrafas, fisga, garatéia, arpão, zagaia, espinhel e pari;

no segundo caso, batida de lanço, batuque, cortina, e paredão. Esses

elementos apresentam, em sua maioria, baixo rendimento, sendo utilizados

exclusivamente na pesca para auto-consumo.

Entre a literatura disponível, as definições e classificações sobre

pesca/pescador são as mais variadas, necessitando, portanto, de cuidados ao

inferir-se qualquer classificação, pois vai depender do critério adotado por cada

autor. A classificação mais comum refere-se à pesca/pescador industrial e

pesca/pescador artesanal.

De acordo com Rios (1976, p. 397), a pesca industrial caracteriza-se, entre

outras coisas, justamente por apresentar grandes deslocamentos em relação à

base de origem, pois os seus barcos, que contam inclusive com frigoríficos,

dispõem, portanto de grande autonomia. Esses deslocamentos chegam a

alguns casos a atingir as águas territoriais de outros países, legal ou

clandestinamente. A longa permanência fora da base de origem dificulta o

rodízio constante das tripulações, requerendo geralmente especializações

técnicas pelo manuseio do equipamento sofisticado. Predomina o regime

assalariado, permanente ou temporário.

Antropólogo e sociólogo Diegues (1995, p. 108) critica a definição de pesca

artesanal adotado pela SUDEPE (hoje IBAMA), que a define como a pesca

praticada com embarcações com menos de 20 toneladas. Tal critério gera

distorções nas estatísticas uma vez que são incluídas também embarcações da

pesca industrial. O referido autor considera pesca artesanal como aquela que

os pescadores autônomos sozinhos ou em parcerias participam diretamente da

captura, usando instrumentos relativamente simples. A remuneração é feita

pelo sistema tradicional de divisão de produção em "partes", sendo o produto

destinado preponderantemente ao mercado.

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Outra classificação é apresentada por Dias Neto (1996), que toma como critério

as seguintes características:

a) Pesca de Subsistência: exercida tão somente com o objetivo de obtenção do alimento, sem finalidade comercial e praticada com técnicas rudimentares. b) Pesca Artesanal ou de Pequena Escala: abrange tanto o segmento das atividades pesqueiras caracterizadas pelo objetivo comercial combinado com o de obtenção de alimento para a família, como o segmento representado pelas operações de pesca realizadas com finalidade exclusivamente comercial, em geral como alternativa sazonal à cultura (pescador/agricultor). c) Pesca Industrial Costeira: realizada pelo segmento de embarcações de maior autonomia, capaz de operar em áreas distantes da costa, efetuando a exploração de recursos pesqueiros que se apresentam relativamente concentrados em nível geográfico (lagostas (Panulirus spp.), piramutaba (Brachyplatystoma), sardinha (Sardinela spp.), atuns (Thunnus spp.) e afins, camarões (Penaeus spp.) e espécies demersais ou de fundo). d) Pesca Industrial Oceânica: A modalidade oceânica da pesca industrial é incipiente no Brasil e envolve embarcações aptas a operarem em toda a ZEE, incluindo áreas oceânicas mais distantes, mesmo em outros países. Constituída de embarcações de grande autonomia. e) Pesca Amadora: praticada ao longo de todo o litoral brasileiro, com a finalidade de turismo, lazer ou desporto. O produto da atividade não pode ser comercializado ou industrializado.

Para a realidade pesqueira objeto de estudo deste trabalho, adotaremos a

classificação de Dias Neto (1996), no que se refere à pesca artesanal ou de

pequena escala. Neste tipo de pesca, a produção é destinada

preponderantemente ao consumo familiar, porque só ocorre a venda quando

há excedentes ou desejo de compra de outro produto necessário à alimentação

do grupo familiar. Uma pequena parte desse contingente também utiliza a

atividade agrícola como alternativa sazonal.

Alguns autores relacionam a pesca com a atividade agrícola, como é o caso de

Maldonado (1986), a qual se refere a tal fato como "pluralismo econômico".

Esse fenômeno, além de ocorrer na pesca brasileira, aparece também em

grupos pesqueiros de vários lugares do mundo. A autora classifica o pescador

nos seguintes segmentos:

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a) Pescador Agricultor: pesca e planta para consumir e comercializar, de forma simples, o que não lhe permite acesso a longas distâncias. Os pescadores são freqüentemente considerados camponeses, talvez pelo fato de explorarem também a terra. b) Pescador Artesanal: caracteriza-se pela simplicidade da tecnologia utilizada e pelo baixo custo da produção; realizada com grupos de trabalhos formados por referenciais de parentesco, sem vínculo empregatício entre as tripulações e os mestres dos barcos. c) Pescador Industrial: exerce as três atividades (captura, industrialização e comercialização do pescado), que são desenvolvidas separadamente; as tarefas pertinentes a elas são desempenhadas por grupos de trabalho diferenciados.O pescador é assalariado e participa apenas da captura do pescado, sem tomar qualquer decisão. O pescado passa a ser apenas mercadoria (MALDONADO, 1986, pg.34).

As diversas classificações obedecem a vários critérios, ou seja, tomam por

base o processo produtivo, a forma de propriedade dos equipamentos de

trabalho, as distâncias percorridas, os locais de pesca, as relações entre

tripulações, entre outros.

Porém, ficam bem definidas duas grandes linhas de análise: a primeira refere-

se à pesca vinculada ao sistema capitalista, em que o pescador não tem

autonomia sobre a produção, pois é considerado apenas uma ferramenta do

processo de pesca. A segunda linha aborda a pesca autônoma, destinada ao

auto-consumo familiar e ao pequeno comércio, muitas vezes consorciada com

a exploração da terra.

São muitos os problemas e pontos de estrangulamento que hoje afetam o

desenvolvimento e o desempenho do setor pesqueiro. Com relação à pesca

extrativa, as mais importantes relacionam-se ao conhecimento dos recursos

naturais disponíveis, à tecnologia de pesca, à tecnologia de pescado, ao

abastecimento com gelo e outros insumos, à infra-estrutura de estocagem e de

comercialização, à normatização e fiscalização, ao abastecimento com serviços

públicos de saúde e educação, à qualidade de habitação, de infra-estrutura e

de saneamento básico, e à infra-estrutura rodoviária.

No mundo existem aproximadamente 10 milhões de pescadores artesanais,

responsáveis por quase metade da produção pesqueira, seja em águas

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costeiras, litorâneas ou águas interiores. Em alguns continentes, como a Ásia,

sua importância é crucial como fonte de proteína barata, pois alimenta cerca de

1 bilhão de indivíduos (FAO, 2006).

É difícil estimar o número de pescadores artesanais existentes no Brasil, pois

não há sistema de estatística pesqueira confiável. Dados da Confederação

Nacional de Pescadores (2004) indicam que existiam 553.872 pescadores

artesanais, dos quais 299.000 eram associados e 288.497 não apresentavam

inscrição nas 299 Colônias de Pescadores espalhadas pelo litoral. A região

Nordeste tinha o maior número de pescadores associados às Colônias (39% do

total nacional). Eles utilizavam cerca de 49.000 embarcações, sendo mais de

90% delas não motorizadas (Idem).

Figura 12: Produção pesqueira nacional (1950-2009). Fonte: Relatório da Produção Aqüicola do Brasil 2008-2009. Ministério da Pesca

Os dados acima indicam um forte aumento da produção industrial, que teria

passado de 36.000 toneladas em 1960 para 373.789 toneladas em 1988 (um

incremento da ordem de 10 vezes). Os dados de 1995 demonstram um

declínio, seguindo-se uma recuperação da produção industrial no ano de 1997.

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Verifica-se também que no tocante a aqüicultura, a partir da década de 90

iniciam-se os primeiros registros da produção em cativeiro, mas é a partir de

2004, com a criação da SEAP que a produção é monitorada e por conseguinte

os registros aparecem desde então, com registros constantes de crescimento

da atividade até 2009, e com estimativas positivas para 2011.

Figura 13: Produção nacional de pescados em toneladas período de 2003 a 2009. Fonte:Relatório da Produção Aqüicola do Brasil 2008-2009. Ministério da Pesca.

A figura 13 acima apresenta detalhadamente as variáveis de crescimento entre

2003 e 2009 da Pesca (continental e marinha) e a Aqüicultura (piscicultura,

carcinocultura e outros). A pesca marinha se mantém com sua produção

constante, enquanto a continental indica variações e declínios mais evidentes;

ao ponto em que a aqüicultura aumenta sua participação no setor, com a

variação em seis anos de um aumento de 100% na produção, o que reflete os

incentivos dados aos grandes produtores e a disseminação da atividade

através dos órgãos como a CHESF e a CODEVASF, principalmente no

Nordeste.

A produção, por região, também mostra diferenças significativas, ilustradas na

figura abaixo. Em 2007, mais de 40% da produção pesqueira do Nordeste era

de origem artesanal, ao passo que na região Sudeste-Sul essa proporção era

aproximadamente 25%. Tal tendência se acentua a partir de 2005, alcançando

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a região Nordeste 62,0% em 1997, enquanto na região Sudeste/Sul houve um

declínio para 14,4% no mesmo período em relação à pesca artesanal.

Figura 14: Produção artesanal nacional de pescados por região em 2008. Fonte: Relatório da Produção Aqüicola do Brasil 2008-2009. Ministério da Pesca

Distribuídos pelos inúmeros rios, lagos, lagoas, açudes e pelo litoral brasileiro,

os pescadores artesanais são diretamente afetados pela crescente degradação

ambiental dos ecossistemas dos quais recursos retiram elementos para auto-

consumo.

A poluição desses ambientes aquáticos apresenta uma intensidade cada vez

maior, particularmente a partir da década de 60, com a urbanização e

industrialização do litoral. Efetivamente, até aquela década, a produção dos

pequenos produtores litorâneos e fluviais representava cerca de 50% do total

de pescado capturado no Brasil. Aquele setor era, portanto, responsável por

uma parte considerável da proteína consumida nos meios urbanos e rurais

costeiros e era uma fonte importante de emprego e renda para as populações

locais.

No entanto, apesar do desastre que continua sendo provocado pelos grandes

barcos de pesca empresarial, que freqüentemente resulta na destruição das

pequenas redes e dos equipamentos dos pequenos pescadores artesanais, a

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rápida degradação dos habitats dos peixes parece ser hoje o principal fator do

empobrecimento das comunidades litorâneas e ribeirinhas.

A rápida e intensa degradação litorânea foi uma das causas das mobilizações

dos pescadores e das comunidades litorâneas, a partir do final da década de

70. O Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE)33 considera que os

movimentos ambientalistas são seus principais aliados na defesa do meio

ambiente; isso fica demonstrado pela tradição de lutas conjuntas e pelo que foi

definido em agosto de l990, no encontro de Juazeiro (BA), do qual resultou a

Carta de Juazeiro, que serviu como base de documentos enviados ao Fórum

das Organizações Não-Governamentais presentes na Rio-92.

No entanto, o MONAPE não aceita a idéia de que se possa proteger o meio

ambiente sem a efetiva participação dos pescadores artesanais organizados.

Estes, na verdade, sempre estiveram na frente das denúncias contra a

degradação do nosso litoral, como atestam as diversas manifestações públicas

anteriormente citadas.

Em suma, o MONAPE acredita que o modo de vida das comunidades de

pescadores pode ser a garantia da preservação dos ambientes naturais e,

portanto, não pode haver defesa de diversidade biológica sem a defesa da

diversidade de culturas humanas espalhadas pela costa e pelos rios brasileiros.

Existem muitos equívocos em relação aos pescadores artesanais, tais como:

pescador é indolente, preguiçoso, imprevidente etc. Para Diegues (1995),

esses equívocos têm como fundo a ignorância de tecnocratas, com visão

urbana ou uma mistificação por parte das empresas capitalistas de pesca e

seus associados em órgãos de administração pesqueira deste país. Assim,

tentam justificar as razões do abandono em que deixaram a pequena produção

artesanal como também justificar a permanência da empresa capitalista.

                                                       33 Maiores informações sobre o movimento ver:  http://www.portaldomar.org.br 

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Na verdade, para o pescador, a atividade da pesca é representada

diferentemente do trabalho do operário, não só do ponto de vista da submissão

a horários e disciplinas, desvinculados de um contrato social que lhes dá

significado, como também de sua própria remuneração. O pescador se

representa como sujeito submetido a algo que ele compreende e que faz parte

de seu cotidiano. É nesse contexto que o ambiente físico e social o predispõe a

uma visão ao menos diferente das atividades normais de uma economia

capitalista.

Portanto, conclui-se que a pesca artesanal em termos de produção pesqueira,

geração de empregos, fornecimento de alimentos e divisas, como se trata de

uma atividade menos impactante para o meio ambiente, é mais sustentável que

a pesca industrial, o que não quer dizer que ambas não possam conviver.

Porém, o modelo de desenvolvimento brasileiro, concentrador de renda,

voltado para a exportação nas grandes empresas, veio acentuar o abandono

da pequena produção, particularmente da pesqueira. Os reflexos desse

abandono são sentidos nas esferas regionais e estaduais.

No caso de Alagoas, as modalidades de pesca apresentam particularidades

próprias e torna-se necessário o conhecimento dessa realidade para a

compreensão e contextualização da pesca praticada pelas comunidades, tema

importante do presente trabalho.

4.1.2 - Da Produção do Espaço à Formação do Território: aproximando os diálogos nos municípios de Pão de Açúcar e Olho D’água do Casado-AL.

Os municípios onde foi realizada a pesquisa estão inseridos na região do baixo

São Francisco alagoano. Este é constituído por 37 municípios em Alagoas,

segundo a Cartilha intitulada A Nova Delimitação do Semiárido, elaborada pela

Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da

Integração Nacional, em 2005.

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Corroborando com a sinalização de Milton Santos, o espaço enfocado nesta

pesquisa é o espaço social. Nesse sentido o autor afirma que o espaço se

apresenta como sendo uma instância da sociedade, ou seja, como algo que se

impõe a tudo e a todos, que contém e é contido por todas as outras instâncias,

como a econômica e a ideológica-cultural. Sobre a definição de espaço, ele

propõe:

Isto quer dizer que a essência do espaço é social. Nesse caso, o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual. (SANTOS, 2008b, p. 12).

Isso significa que uma análise territorial precisará considerar o espaço em suas

mais diversas perspectivas, mas precisará, principalmente, entendê-lo como o

resultado da relação entre sociedade e natureza, relação esta mediada pelo

trabalho e pelas técnicas. “O espaço é morada do homem, é o seu lugar de

vida e de trabalho” (SANTOS, 2008b, p. 151). Tal compreensão leva ao

entendimento de que a produção e a produção do espaço são atos

indissociáveis (SANTOS, 2008b).

Nesse sentido, os pescadores artesanais constituem-se como um grupo social

que no ato de produzir agem, concomitantemente, na produção do espaço.

Uma vez que esta se dá sob o foco do Modo de Produção Capitalista, que tem

em sua essência a necessidade de produção de valor, a valorização do espaço

aparece como elemento relevante na análise do espaço geográfico em geral e,

em particular, do espaço geográfico produzido pelos pescadores artesanais.

Assim, o espaço está em constante processo de valorização. Entretanto, os

valores do espaço diferenciam-se. De modo geral, a própria existência social

valoriza o espaço. Assim enquanto instância social, ou seja, se impondo a tudo

e a todos, o espaço terá sempre o seu valor de uso. Ao valor de uso contrapõe-

se o valor de troca. E o que rege, o que dá o tom dessa diferenciação é a

lógica dos grupos sociais.

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Os pescadores artesanais são entendidos nesta pesquisa como formadores de

um modo de vida particular, ou seja, como um grupo diferenciado no Modo de

Produção Capitalista, que embora esteja inserido nesse sistema, possui outra

lógica de relação/produção/apropriação do espaço.

Para esse grupo social, o espaço possui valor de uso. A lógica que se

contrapõe a esta é a lógica dos grandes agentes do capital, que vêem o

espaço como valor de troca. E esse é o pano de fundo no qual é promovido o

embate entre as distintas lógicas de relação/produção/apropriação.

Figura 15 - Reunião em Pão de Açúcar para coleta de informações junto aos piscicultores.

Na figura 15, em oficina conduzida com o objetivo de coletar informações sobre

o modo de vida particular dos pescadores artesanais de Pão de Açúcar, tornou-

se claro através dos depoimentos dos presentes que a pesca artesanal

enquanto atividade agregadora e articuladora vem perdendo força nas

comunidades que sempre dependeram e sobreviveram da pesca.

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Nesta pesquisa, partiu-se do pressuposto que a pesca artesanal desenvolve-se

articulando atividades em terra e água. Essa articulação em terra não se limita

apenas à prática da agricultura, mas, historicamente, o acesso à água é

mediado pelo acesso à terra. É difícil pescar quando o pescador vive a

quilômetros de distância do mar ou do rio. Assim, compreende-se que é a

garantia do acesso à terra que garante o acesso à água.

Esta compreensão foi construída a partir de contatos com pescadores de

diferentes localidades e realidades distintas, como também na realização de

pesquisas junto à literatura específica. Em entrevista com um representante de

um grupo de pescadores, este afirmou:

Nóis, pescadores, sempre precisamus passar pelas fazenda e terra cum donos pra chegar no rio. Hoje nóis não tamos tendo porque por causa dos tanque-rede, os fazendeiro diz que nois não precisa mais pescar, e num precisa mais andar para ir pro rio..Mas como é que nois vive sem água e sem terra. Pescador não vive só dentro d’água... (Depoimento, Pescador artesanal de Pão de Açúcar -AL – Pesquisa de campo, setembro de 2009).

Tal depoimento reflete a importância do direito à terra e à água não só para a

reprodução das condições de existência dos pescadores, como também para a

reprodução do seu modo de vida.

Percebe-se que o relato do pescador chama atenção para uma situação de

perda de articulação entre as atividades da terra e da água, ou seja, algo que

não acontecia no passado e agora acontece.

Muitos outros relatos e estudos podem ser somados aos apresentados nesta

pesquisa, entretanto, o que se pode concluir é que a atividade de pesca

artesanal em Alagoas está diretamente ligada às atividades em terra, seja para

garantir acesso à água, seja para complementar renda ou mesmo para manter

uma tradição que se exprime em um modo de vida particular.

No cotidiano dos pescadores entrevistados, estão presentes atividades de

agricultura e pecuária para o auto-cosumo. Observou-se que, o leite produzido

pelo rebanho dos pescadores é recolhido por uma cooperativa de produtores

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de leite de Olho D’água das Flores, município próximo, também no semi-árido

alagoano, cuja produção é envasada e vendida para a prefeitura, que inclui na

merenda das escolas municipais.

Cabe registrar que durante o trabalho de coleta de dados, constatou-se que os

municípios desenvolvem mecanismos que procuram absorver a pequena

produção de gêneros como o leite bovino e caprino e seus derivados e o mel

produzido pelas cooperativas e associações locais, incluindo-os na alimentação

das crianças, na merenda da escola, uma iniciativa que vem melhorando a

qualidade da merenda escolar, segundo alunos e professores entrevistados

informalmente.

Figura 16: Pescador cuidando do rebanho bovino em Pão de Açúcar, ilustrando a pluriatividade

desenvolvida nas comunidades pesquisadas.

Na figura acima se representa exemplificado o trabalho de um dos pescadores

no momento em que reúne o rebanho coletivo para levá-los para tomar água.

Nesse contexto, ao desafio de acesso à terra é acrescentado outro desafio

para os pescadores artesanais: o acesso à água. O acesso à água vem sendo

limitado pelo desenvolvimento de grandes projetos de aqüicultura. A criação de

peixes e camarões é uma das atividades que tem apresentado um crescimento

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expressivo no Brasil nos últimos anos. Tal atividade desenvolve-se nas áreas

tradicionalmente usadas por pescadores artesanais e marisqueiras.

A lógica empresarial da aqüicultura entra em conflito com a lógica artesanal da

pesca e chama para a cena, novamente, a discussão do valor de uso e do

valor de troca do espaço, neste caso o espaço aquático.

Neste sentido, o debate atualmente posto, especialmente por grupos que

advogam a expansão da aqüicultura, diz respeito ao caráter supostamente

atrasado da pesca artesanal. Esse conjunto de idéias define a pesca como um

estágio anterior à aqüicultura, na qual esta é a evolução natural daquela.

Esse debate encontra coro nas políticas públicas engendradas pelo Estado

brasileiro e também pela ciência de modo geral, inserindo-se em uma

discussão evolucionista e unilateral.

A visão externada pelos representantes dos órgãos que advogam em favor da

aqüicultura nos moldes modernos (aqui consideradas as ações de criação de

peixe e outros mariscos em açudes e tanques-redes) revela o preconceito

existente em torno da pesca artesanal. Desconsidera-se o seu papel cultural,

de baixo impacto ao ambiente natural e sua importância econômica no que diz

respeito à soberania e segurança alimentar, já que grande parte da produção

artesanal é comercializada/consumida na escala local/regional.

Desconsiderando tais questões, o Estado e a iniciativa privada alavancam a

formulação de políticas e investimentos na atividade aquícola, levantando um

falacioso discurso ideológico que consiste na integração do pescador artesanal

com a aqüicultura. Entretanto, esta tese posiciona-se contra a afirmativa de que

a aqüicultura é a melhor alternativa para os pescadores do baixo São Francisco

alagoano, e ainda que a mesma definitivamente, não é política para pesca

artesanal.

Historicamente para os pescadores artesanais, o mar, o rio são espaços de uso

comum, apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das

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gerações. Portanto, na lógica da pesca artesanal, não podem existir cercas no

mar ou nos rios, embora existam territórios construídos a partir do

conhecimento do espaço marítimo.

As concepções anteriormente apresentadas levam ao entendimento da pesca

artesanal de acordo com o que propôs Diegues:

Um conjunto de práticas cognitivas e culturais, habilidades práticas e saber fazer transmitidas oralmente nas comunidades de pescadores artesanais com a função de assegurar a reprodução do seu modo de vida (DIEGUES, 2004, p. 32).

Os conhecimentos que compõem o arcabouço da pesca artesanal diferenciam-

se em função do sexo dos pescadores, da idade, do ambiente em que a pesca

é pratica e das técnicas utilizadas na captura.

Entretanto, definições de pesca artesanal que se limitam apenas ao tipo de

técnica usada, mão-de-obra empregada ou quantidade de pescado capturado

são insuficientes. Pode-se pescar artesanal ou industrialmente usando redes

(DIEGUES, 1992).

O que muda é a abrangência da captura ou mesmo a tecnologia empregada no

lançar da rede, como os sonares. Tanto na pesca industrial quanto na artesanal

pode haver emprego de mão-de-obra familiar, embora nesta a família seja a

base da produção. Por fim, a quantidade de peixe capturada não define se a

pesca é artesanal ou não.

Da mesma forma, alguns estudos fazem uma diferenciação entre pescador-

lavrador e pescador artesanal (DIEGUES, 1992, 2004). Porém, para efeitos

deste trabalho, considera-se pescador artesanal mesmo aquele que articula

pesca e agricultura. Isso se dá em virtude dos pescadores assim se

identificarem, ou seja, como pescadores artesanais, e pelo fato deles utilizarem

formas artesanais de captura de pescado.

Embora alguns setores classifiquem o pescador artesanal como um

profissional, a exemplo do Estado através do Registro Geral da Pesca (RGP),

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neste trabalho, o pescador é compreendido para além de um grupo

ocupacional ou de mera atividade econômica, mas como agente social de

construção de um grupo politicamente organizado. Assim, de acordo com

Almeida:

Mesmo que o termo permaneça o mesmo, ou seja, “pescador”, o seu novo significado, passa a incorporar uma expressão autônoma no processo produtivo e elementos identitários capazes de objetivá-los de maneira politicamente contrastante e organizada em movimento social (ALMEIDA, 2004, p. 22).

Por conseqüência desse entendimento, a pesca é compreendida não só como

uma atividade de busca de peixe, mas como uma construção de relações

sociais na terra e no mar, marcadas por identidade, mas também por conflitos e

contradições, que envolvem não somente os grupos pesqueiros, mas outros

tantos agentes sociais, com interesses divergentes. De modo que, como uma

atividade de produção ela é, também, uma atividade de produção do espaço, já

que produzir e produzir espaço são atos indissociáveis, segundo Milton Santos

(2008b).

O caráter geográfico da compreensão de pesca e pescador artesanal permite

ampliar o foco da análise e incorporar novas dimensões da construção dos

espaços e territórios da atividade. O fato de compreender os pescadores,

conforme Almeida (2004), como organizados em movimento social, aglutinados

por uma identidade de luta e como agentes de produção do espaço, faz com

que outras possibilidades se abram para os pescadores e para as Ciências,

especialmente as Sociais e Naturais.

Ser pescador artesanal é ser possuidor de um arcabouço de conhecimento que

é histórica e culturalmente construído, geralmente transmitido de pai para filho,

através dos tempos. Tais conhecimentos dizem respeito ao ciclo de vida dos

peixes, seus ritmos e territórios; ao ritmo da água; às técnicas de pesca; aos

ritmos do tempo; da lua. Mas, mais que isso, ser pescador artesanal é possuir

uma lógica diferenciada na relação com a natureza.

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Os pescadores artesanais dos municípios alagoanos de Olho D’água do

Casado e Pão de Açúcar são caracterizados pela prática de várias atividades

ligadas à sua sobrevivência econômica e cultural. Praticam, além da pesca, e a

agricultura (na qual se insere também a criação de animais como bois, vacas,

galinhas e caprinos).

Essa pluriatividade pode ser percebida através da observação da sua rotina

bem como pelos diálogos estabelecidos pela pesquisadora, enquanto

supervisora do programa de Desenvolvimento Local - DLIS e pescadores. Tais

diálogos se deram nas entrevistas, oficinas e conversas que foram

estabelecidas desde 2002, quando, tomou-se contato com a ineficiência das

estratégias de desenvolvimento que eram determinadas para serem

implantadas nas comunidades trabalhadas pelo programa.

Convém ressaltar que a discussão sobre o que significa ser pescador artesanal

entre os entrevistados não se limita à exclusividade na atividade pesqueira. Ela

adquire outras dimensões, como a pluriatividade e as múltiplas identidades que

são necessárias para o sustento do grupo e a manutenção do território.

Em relação às múltiplas identidades, cabe destacar que os pescadores

artesanais também se identificam como agricultores.

Nesse sentido, os entrevistados assumem a identidade de pescadores

artesanais e cumprem com as prerrogativas institucionais de tal condição,

como por exemplo, filiarem-se à Colônia de Pescadores. Os pescadores

entrevistados também recebem auxílios relacionados à pesca, como o seguro

defeso.

Muitos pescadores ainda preservam características de autonomia e valorização

da lida com o mar. Seu Potó, pescador, revela: “Nunca tive carteira

assinada.nunca fui fichado. Vivi e vivo do rio e da terra (Pesquisa de Campo,

novembro de 2009).

Para Diegues:

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Até hoje a pesca continua sendo uma atividade aleatória, incerta, frequentemente perigosa e são essas características que estão na origem da função que as práticas simbólicas e ritualísticas desempenham em muitas sociedades de pescadores com a finalidade de propiciar capturas abundantes (DIEGUES, 2004, p. 7).

Estes comportamentos que misturam conhecimento e fé, tradição e inovação,

medo e coragem, é o que sustenta a argumentação de que esse grupo social

possui uma relação diferenciada com a natureza. Os pescadores pesquisados

inserem-se neste simples e complexo modo de conceber o espaço geográfico.

De modo que, se o espaço geográfico é o fruto da relação entre sociedade e

natureza para as comunidades tradicionais que também desejam se inserir no

mundo capitalista do consumo, a natureza não é o recurso. O recurso para

essa inserção é o trabalho. É o trabalho, o orgulho do saber-fazer, que torna-se

o meio de inserção no sistema capitalista. O trabalho livre e autônomo, não a

apropriação da natureza e a sua transformação em recurso natural.

A partir do estudo da organização da atividade pesqueira e da articulação dos

pescadores artesanais, torna-se importante trazer estas problemáticas para o

campo geográfico, tendo como eixo norteador a discussão do território.

Entende-se o território enquanto uma categoria de análise da Geografia capaz

de incorporar os interesses antagônicos dos agentes atuantes em dadas

frações do espaço,bem como as relações de poder que aí se estabelecem,

como elementos centrais na análise do processo de territorialização dos grupos

sociais.

Entende-se que os conceitos são instrumentos através dos quais se analisa e

se interpreta a realidade e que é exatamente a realidade que constitui a base

para a formulação e construção dos conceitos. Essa relação dialética é quem

evidenciou a necessidade de estudar algumas contribuições teóricas dirigidas à

questão do território, relacionando as teorias com a práxis dos territórios dos

municípios de Olho D’água do Casado e Pão de Açúcar.

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Souza, refletindo sobre a questão do território, o define como “um espaço

definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 2006, p. 78).

Essa perspectiva e essa questão são norteadoras na definição e no entendimento

do território onde estão inseridos os pescadores alagoanos. Desta forma, Souza

afirma: Territórios, que são no fundo antes relações sociais projetadas no espaço que espaços concretos (os quais são apenas os substratos materiais das territorialidades) – (...) podem (...) formar-se e dissolver-se, constituir-se e dissipar-se de modo relativamente rápido (ao invés de uma escala temporal de séculos ou décadas, podem ser simplesmente anos ou mesmo meses, semanas ou dias), ser antes instáveis que estáveis ou, mesmo, ter existência regular mas apenas periódica, ou seja, em alguns momentos – e isto apesar de que o substrato espacial permanece ou pode permanecer o mesmo. (SOUZA, 2006, p. 87)

Dito isto, pode-se concluir que a noção de poder é um elemento central nas

discussões sobre território. Nesse sentido, considerando a relevância do

conceito para o entendimento do território, neste trabalho, o poder é entendido

conforme Foucault:

O poder não se dá não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também na afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força. (FOUCAULT, 1999, p. 175)

A partir desta abordagem de poder como um fenômeno, pode-se entender a

construção e constituição do território a partir das relações sociais e históricas

estabelecidas entre os grupos que integram e vivem em um determinado

espaço. Porém, outros elementos também são incorporados à discussão do

território, como, por exemplo, a questão cultural e identitária.

Rogério Haesbaert, ao se debruçar sobre a questão do território, o define

como:

Produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle políticoeconômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e

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contraditoriamente articulados. Essa relação varia muito, por exemplo, conforme as classes sociais, os grupos culturais e as escalas geográficas que estivermos analisando. Como no mundo contemporâneo vive-se concomitantemente uma multiplicidade de escalas, numa simultaneidade de eventos, vivenciam-se também, ao mesmo tempo,múltiplos territórios. Ora somos requisitados a nos posicionar perante uma determinada territorialidade, ora perante outra, como se nossos marcos de referência e controle espaciais fossem perpassados por múltiplas escalas de poder e de identidade. (HAESBAERT, 2002a, p. 121).

A reflexão de Haesbaert orienta para uma discussão que amplia as

possibilidades de análise do território, já que ele fala de política, economia,

identidade e poder. Complementando essa abordagem ampliada do território,

as análises de Saquet detiveram-se no estudo das principais abordagens e

concepções sobre território.

Dialogando com os autores Raffestin e Dematteis, Saquet faz a seguinte

reflexão:

É nesse contexto que faço uma reflexão sobre as diferentes abordagens do conceito de território, considerando a territorialidade e evidenciando as dimensões sociais e fundamentais de sua compreensão e constituição no real, ou seja, a economia (E), a política (P), a cultura (C) e as relações do homem vivendo em sociedade com sua natureza exterior (N). (SAQUET, 2007, p. 19)

Através das oficinas realizadas para coleta de dados e debates coletivos sobre

os temas relacionados à pesquisa, entende-se, diante das reflexões, para

efeitos de compreensão da lógica nesta tese, que o território também é

compreendido como uma totalidade. Deste modo, a abordagem teórica do

grupo de pescadores artesanais de Alagoas tem como pressuposto principal

que o território (formado a partir do espaço) é social e historicamente

construído.

Assim sendo, os territórios de Pão de Açúcar e Olho D’água do Casado são

entendidos à luz dos conceitos anteriormente apresentados, como um espaço

apropriado por um grupo social, que revela relações de poder e que incorpora

outras dimensões de análise, como a dimensão econômica, política, cultural

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bem como uma relação diferenciada com a natureza. Nesse sentido a

legitimidade dos pescadores, nesta pesquisa, foi evidente.

4.2 – HISTÓRICO DA POLÍTICA PESQUEIRA NO BRASIL

“A situação atual do pescador em Alagoas, seja de lagoa, rio e mar, é de miséria. O governo está fazendo o que bem quer com a comunidade de pescador.Muda as colônia pra lá e pra cá. O povo reclama que não tem peixe, que o pescado tá caro, mas ninguém procura saber o que é; qual é o problema.” (Seu Antônio Gomes dos Santos, pescador e vice-presidente da Federação de Pescadores de Alagoas).

Este item procura apresentar como a atividade pesqueira esteve atrelada à

segurança nacional, através do Ministério da Marinha e, apresenta uma

intervenção mais direta do Estado, através do incentivo à pesca industrial,

trazendo conseqüências danosas para a pesca artesanal.

4.2.1 - Estímulos à pesca brasileira

Historicamente, a atividade pesqueira no Brasil desenvolveu-se de maneira

lenta e nos moldes artesanais, destinando-se a garantir o auto-consumo dos

pequenos centros pesqueiros e restringindo sua importância comercial àqueles

centros populosos mais próximos.

De acordo com GUEDES (1984), a primeira intervenção do Estado na

regulamentação da atividade pesqueira data de 1889, quando o capitão de

Fragata Júlio Cezar de Noronha, Capitão dos Portos do Rio de Janeiro,

apresentou ao governo o primeiro Regulamento da Pesca no Brasil. Em 1897,

foi estabelecida a inscrição dos pescadores e das embarcações na Marinha,

dividindo o território marítimo em prefeituras.

A autora citada ainda esclarece que a regulamentação da pesca era um direito

privativo da União, o que levou o então Governador do Estado do Rio, Quintino

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Bocayuva, a mandar lavrar o Decreto 757, de 20 de julho de 1902,

suspendendo a execução das resoluções municipais relativas à pesca e aos

pescadores, por serem contrárias às leis federais. Desse modo, a legislação

sobre tal assunto tornava-se de exclusiva competência da União.

Depois de muito tempo vinculada ao Ministério da Marinha, a regulamentação

da atividade pesqueira foi transferida para o Ministério da Agricultura, em 1912,

voltando ao Ministério da Marinha em 1919 (VILLAR, 1945, p. 24).

O retorno da pesca novamente para o Ministério da Agricultura dá-se em 1923

uma vez que os serviços de Pesca e Saneamento do Litoral (da Diretoria de

Portos e Costas do Ministério da Marinha) foram extintos. No Departamento de

Indústria Animal do Ministério da Marinha foi criada a Divisão de Caça e Pesca

e, em 1938, o Código de Pesca. Em 1934, realiza-se no Rio de Janeiro o 1º

Congresso Nacional de Pesca.

A volta das Colônias de Pescadores à jurisdição do Ministério da Marinha, nos

termos do decreto de 15 de outubro de 1942, foi o único caminho patriótico

para manter os pescadores organizados e empregados como auxiliares das

forças navais na guerra (GUEDES, 1984, p. 6). Em 1955, através da lei n°

2.419, instituiu-se a Patrulha Costeira.

A regulamentação dos pescadores como auxiliares das forças navais foi algo

imposto a eles por razões inteiramente alheias aos problemas e à natureza do

trabalho dos pescadores. Como alvo central, pretendia subordinar os

pescadores à Marinha de Guerra, no sentido de constituírem uma reserva

militar, sem abdicarem da atividade pesqueira.

Desse modo, não trouxe nenhum benefício aos pescadores, no sentido de se

constituir entre eles uma consciência da especificidade da profissão pesqueira.

Vimos que esse segmento sofreu as mesmas opressões que as classes

oprimidas, em geral, sobretudo aquelas advindas ou submetidas à escravidão

moderna.

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A partir de 1962 a pesca teve seu ponto de maior intervenção do Estado,

durante a chamada fase de industrialização do setor pesqueiro. Umas séries de

providências de caráter institucionais, econômicas e financeiras foram tomadas

(BRASIL, 1991), destacando-se a criação da Superintendência do

Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), em 1962.

A SUDEPE era o órgão governamental encarregado da política pesqueira

nacional, efetuando, em 1967, a revisão do Código de Pesca, através do

decreto-lei n.º 22134, o qual estabelece normas gerais que passaram a

embasar toda a legislação/regulamentação específica, normalizando a

competência da SUDEPE na elaboração de instrumentos legais, (portarias

normativas) assim como a fiscalização da atividade pesqueira, não só

marítima, mas também continental e estuarina.

A criação da SUDEPE, unificando a ação governamental dirigida à pesca, abriu

nova perspectiva para o desenvolvimento do setor. Em 1967, foram instituídos

os incentivos fiscais, com o objetivo de consolidar a implantação do parque

industrial pesqueiro do país, cuja sistemática foi posteriormente reformulada

através da criação do FISET/PESCA. Apesar dos esforços para regulamentar e

desenvolver a pesca, a atividade foi pouco estimulada.

Indiscutivelmente, o setor pesqueiro em geral e em particular o artesanal,

sofreu e sofre, através dos anos, uma evidente discriminação no que se refere

a crédito. A pesca tida como atividade agrícola, deveria gozar dos benefícios a

este setor conferidos (NEIVA, 1990, p. 33).

Em 1973, através da portaria 471 do Ministério da Agricultura, as Colônias de

Pescadores foram definidas como "organização de classe". No entanto,

mantinha-se a estrutura autoritária e corporativista das Colônias, uma vez que

os presidentes das Federações, que reuniam as Colônias de um determinado

Estado, podiam intervir nas Colônias. Na maioria dos casos, os presidentes de

                                                       34  O referido decreto-lei foi posteriormente substituído, no tocante aos incentivos fiscais, pelo decreto-lei n.º 1.376/74.

 

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Colônias nem sequer eram pescadores e sim políticos locais, comerciantes, ex-

militares ou quaisquer outros profissionais.

Os pescadores começaram a questionar essa estrutura autoritária e a

mobilizar-se. O motivo mais importante dessa mobilização foi a luta contra a

poluição ambiental no Nordeste.

Em 1966, foi organizada a primeira passeata no município do Cabo, litoral de

Pernambuco, contra a poluição dos rios causada pela indústria de borracha, a

COPERBO. Outros movimentos se organizaram, entre 1979 e 1980, no

município de Goiana (Pernambuco). Durante esse período da ditadura militar,

os órgãos de segurança do Estado perseguiram líderes de pescadores que

organizavam as manifestações (DIEGUES, 1995).

Um fato novo nesse período foi o surgimento da Pastoral dos Pescadores em

1979, órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Com a

atuação dessa Pastoral, o objetivo das lutas foi ampliado, abrangendo temas

como a representação democrática, a comercialização, a aposentadoria e

previdência social, etc.

Em 1980, o Programa de Desenvolvimento da Pesca (PROPESCA), propiciava

crédito subsidiado à pesca artesanal. Não raramente o acesso ao crédito não

era suficiente para impedir a proletarização futura, demonstrando que a

modernização do processo produtivo, para os pequenos produtores da pesca,

em parte era incompatível com as condições de comercialização do produto.

Ao analisar tal Programa, Maneschy (1995, p.155) cita que o preço de mercado

do pescado não tinha correspondência com os custos da produção (fio de

náilon para redes, isopor, cordas plásticas e os anzóis sofreram à época

aumento na ordem de 1.000%), por serem derivados de petróleo e não terem

nenhum controle do governo.

Em 1985, foi iniciado um movimento para inserir na nova Constituição artigos

que garantissem a liberdade de associação entre os direitos dos pescadores.

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Por pressão dos pescadores, as Colônias foram equiparadas aos Sindicatos

Rurais. No entanto, por pressões dos líderes tradicionais de Federações,

mantiveram as estruturas das Federações e Confederações.

Em abril de 1988, com o final da Constituinte da Pesca, os pescadores

organizados criaram o MONAPE (Movimento Nacional dos Pescadores), que

leva à frente o trabalho de organização da categoria. Este movimento está

ainda em fase de estruturação e conta com inúmeras dificuldades, sobretudo

financeira e logística.

Com o início da Nova República, os compromissos políticos, concretizados na

nomeação de pessoas sem compromissos com a pesca, levaram a ex-

SUDEPE a desencadear problemas de gestão. Conseguiu-se destruir todo um

sistema de controle estatístico/biológico em nível nacional. Estagnaram-se

todos os projetos e programas de pesquisa levados a efeito ou coordenados

pelo ex-PDP/SUDEPE; sustou-se a construção de duas modernas

embarcações de pesquisa, parcialmente financiadas com recursos do projeto

BID/SUDEPE, os quais se perderam por falta de aplicação; tais embarcações

encontram-se em processo de deterioração em estaleiros de Santa Catarina

(NEIVA, 1990).

A partir de 1989, com a extinção da SUDEPE e a desativação dos Escritórios

de Extensão, a gestão da atividade pesqueira foi transferida ao recém criado

IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, através da lei n° 7.735/89,

tendo como finalidade formular, coordenar, executar e fazer executar a política

nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e utilização e uso

racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis

(BRASIL/MINTER, 1989, p.5).

O IBAMA, através de sua Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação

(DIRPED), iniciou uma série de reuniões de Grupos Permanentes de Estudos

(GPE) de diversas espécies de peixes, que permanecem atuando até a

presente data. O objetivo dos GPE's é atualizar as informações sobre a

situação atual dos recursos pesqueiros, através da análise do comportamento

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da produção, de seus aspectos biológicos e da necessidade urgente de

implantação de medidas de ordenamento pesqueiro.

Após a criação do IBAMA, em 1989, surge certa reação no setor pesqueiro

(empresários), até então acostumado a ter seu órgão próprio com que tratava

diretamente de seus problemas e obtinha decisões mais rápidas e

paternalistas.

A nova estrutura do IBAMA gerou um retardamento na tramitação dos

expedientes, uma vez que a burocracia obrigava o trajeto dos pleitos pelas

mais diversas Diretorias, até a decisão final da Presidência do órgão. Pelo fato

de lidar com vários segmentos de atividade, a pesca dentro do IBAMA passou

a não ser mais prioridade do Órgão. Aparentemente, é uma missão muito difícil

para um órgão tratar sozinho da fiscalização, pesquisa, do controle, da

normatização do meio ambiente, de modo a atender satisfatoriamente o país e

todos os segmentos.

Apesar do IBAMA ter ganho o respeito da sociedade brasileira e internacional,

ele lida com diversas limitações (financeiras, humanas, institucionais, entre

outras), resultando em poucas melhorias na organização do setor, pois não há

vontade política que incentive o desenvolvimento do setor pesqueiro. A falta de

investimentos na pesca obriga o Brasil a permanecer com baixos índices de

produtividade, perdendo espaço para outros países na exploração dos seus

próprios recursos pesqueiros.

A partir de 1996, o Governo Federal, através da Secretaria de Coordenação

dos Assuntos do Meio Ambiente (SMA), criou o Grupo Executivo do Setor

Pesqueiro (GESPE), objetivando a formular as Diretrizes Ambientais para os

setores da pesca (DIRETRIZES, 1997). O trabalho ficou sob a coordenação do

Ministério do Meio Ambiente, no âmbito do projeto de políticas compatíveis com

o desenvolvimento sustentável, em cooperação com o Programa das Nações

Unidas. As diretrizes foram divididas em três segmentos: Pesca Marinha,

Aqüicultura e Pesca Continental.

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Esse grupo não conseguiu dar as respostas necessárias para resolver o

problema da pesca, levando o Ministério da Marinha a desativar a Secretaria

Executiva do GESPE, em agosto de 1998. O insucesso desse trabalho

alimentou parte do empresariado e dos políticos a investir politicamente na

transferência da pesca para o Ministério da Agricultura.

Através do decreto n° 2.681, de 21 de julho de 1998, tal pleito em parte foi

atendido, passando ao Ministério da Agricultura algumas atividades referentes

ao fomento e à produção pesqueira. Atualmente, os GPE's continuam sob a

coordenação do IBAMA, através da DIRPED, por se tratarem de grupos de

apoio à pesquisa. Outra atividade que permanece ainda sob a missão desse

Instituto refere-se à fiscalização.

Esta realidade ainda não está claramente definida e os próprios técnicos do

IBAMA e do Ministério da Agricultura que atuam na área não dispõem das

informações sobre as atribuições de cada Órgão. Mais uma vez, o Capital

mostrou sua força. E, possivelmente, com o incentivo à produção pesqueira

industrial, virão também impactos ambientais, uma vez que o IBAMA não será

mais um obstáculo para o incremento dessa atividade.

Embora a atual Constituição Federal, em seu parágrafo 1°, do art.187,

determine que o planejamento da atividade pesqueira deva ser parte do

planejamento agrícola, combinado com a lei agrícola n° 8.171 de 17/01/91,

através da qual a pesca passa a fazer parte da atividade agrícola, nada garante

que tal setor tenha o devido estímulo. Isto é evidente pelo que cita Neiva (1990,

p. 41):

Deve-se recordar que a SUDEPE sempre foi um apêndice no Ministério da Agricultura e que, após cerca de 28 anos como Autarquia, não se mostrou um órgão tão eficiente como o desejado. Nada garante que nas condições atuais, saindo do IBAMA, as atividades afetas ao desenvolvimento pesqueiro, irão ter melhores atenções, por parte de outro Ministério.

Este fato demonstra, mais uma vez, a falta de prioridade para a pesca,

continuando sem uma política pesqueira definida, principalmente para a pesca

artesanal de pequena escala.

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Atente-se então, para o fato de que era ( e ainda é, apesar da evolução de

algumas políticas) fundamental a necessidade de elaboração de um Plano

Nacional de Ordenamento Pesqueiro, com visão de longo prazo, mas

contemplando medidas de curto e médio prazo, diferenciando as ações para os

recursos plenamente explotados ou em situação de sobrepesca, daqueles

subexplotados, e com compromissos e metas perfeitamente definidos, de

forma a possibilitar a adequada gestão da pesca nacional (DIAS NETO, 1996,

p. 155).

As medidas de ordenamento, embora representem apenas um aspecto de uma

política para a atividade pesqueira, têm demonstrado eficácia em muitos casos.

Os defesos da sardinha (Sardinela brasiliensis), lagosta (Panulirus ssp) e de

camarão (Penaeus spp.) têm apresentado dados concretos de recuperação de

tais estoques. No caso específico do Defeso da Piracema no Baixo São

Francisco, não existe uma avaliação científica de seu resultado, mas, para os

técnicos do IBAMA e parte dos pescadores locais, a pescaria estaria pior sem o

Defeso.

As demais medidas (tamanho de captura e tamanho de malhas) vêm sendo

cumpridas pela maioria, existindo um pequeno número de infratores que agem,

muitas vezes, estimulados pela fome, pela falta de outras alternativas de

trabalho, como também pela pouca fiscalização do IBAMA.

O novo conceito de ordenamento pesqueiro difundido por especialistas do

IBAMA (2008) e que poderá fundamentar as ações do poder público é:

O conjunto harmônico de medidas que visa expandir ou restringir uma pescaria de modo a se obter sustentabilidade no uso do recurso, equilíbrio do ecossistema onde ocorre a pescaria, garantias de preservação do banco genético da espécie ou das espécies explotadas, rentabilidade econômica dos empreendimentos, geração de emprego e renda justa para o trabalho. A concepção acima reflete a preocupação com a crise da atividade pesqueira.

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Apesar do contexto adverso, há reais possibilidades de incremento da

produção nacional de pescado marinho, como a recuperação de estoques em

situação crítica (sardinha, piramutaba, pargo e camarões-rosa e sete-barbas do

Sudeste/Sul) e o aumento da captura de atuns e afins. Outras alternativas

poderão surgir do Programa de Avaliação dos Potenciais Sustentáveis de

Captura de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE),

decorrentes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar

(CONVEMAR), já em execução (A PESCA, 2004).

Porém, para a pesca artesanal de pequena escala, a exemplo da praticada no

Baixo São Francisco Alagoano, não se percebe interesse do Estado em discutí-

la e desenvolvê-la, haja vista que as poucas propostas para a pesca local têm-

se voltado para a pesca marítima ou para a piscicultura. Tais segmentos

representam interesses empresariais e, portanto, de grande influência política.

Diante desse quadro que vem se perpetuando ao longo das décadas, o

Presidente do CEEIVASF encaminhou ao Conselho Deliberativo dessa

Instituição o Termo de Referência para o Estudo da Cheia Artificial no Baixo

São Francisco. Esse termo foi aprovado e encaminhado à Presidência da

CHESF, tendo como objetivo a realização de estudos visando à definição da

viabilidade técnico-econômica e socioambiental da proposta.

Esta também aborda os reflexos da execução da cheia artificial no rio São

Francisco para promover a piracema e o enchimento das lagoas marginais

situadas abaixo da Hidrelétrica de Xingó, para a reabilitação do ciclo

reprodutivo da ictiofauna. O Termo de Referência envolve também uma

definição dos limites da área geográfica que será afetada pelo evento, além da

identificação e avaliação dos impactos ambientais gerados, do levantamento de

custos e seu monitoramento, assim como a identificação dos responsáveis por

cada ação (CEEIVASF, 1998).

Apesar da possibilidade de cheias artificiais ter sido prometida pela CHESF,

desde 1994, o prazo para realização dos estudos (18 meses) contribui para a

descrença dos pescadores de que ela seja realizada, uma vez que a CHESF

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prioriza a geração de energia. O compromisso de alocação de recursos para

esse estudo foi assumido por representantes da Secretaria Nacional de

Recursos Hídricos (SNRH), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e

Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF).

Porém, o desmembramento desse Ministério e a transferência de parte da

atividade pesqueira para o Ministério da Agricultura fez aumentar a descrença

na solução da questão. Para os pescadores, a questão é muito urgente e não

pode esperar pelos estudos, mesmo porque eles não acreditam em sua

execução.

Com relação às medidas de ordenamento pesqueiro, o Defeso da Piracema

vem sendo discutido anualmente com o setor técnico do IBAMA de Alagoas e

Sergipe, Colônias e Federações de Pescadores de Alagoas e Sergipe. As

últimas reuniões, realizadas respectivamente em 28/08 e 15/11/2010,

confirmaram o Defeso da Piracema para o mesmo período dos anteriores, ou

seja, 15 de novembro a 15 de janeiro.

Um exemplo disso é a falta de um programa de repovoamento do rio com

espécies nativas. Sobre alguns peixamentos (introdução de alevinos)

realizados no Baixo São Francisco, não existe ainda uma avaliação do IBAMA

nem da CODEVASF sobre seus resultados devido às dificuldades operacionais

para tal controle.

4.3 A CRISE ATUAL DA PESCA EM ALAGOAS

A atividade pesqueira em Alagoas é exercida em um ambiente complexo e

sujeito a uma série de efeitos internos e externos. Assim, o ambiente aquático

e, conseqüentemente, os seres vivos que o habitam, sofrem influências de

todos esses efeitos. Além das oscilações climáticas e aquáticas naturais que

tornam difíceis as previsões em termos de pesca, a atuação do homem,

resultando, na maioria das vezes, num manejo inadequado da natureza, tem

causado inúmeros problemas, a exemplo dos apresentados anteriormente.

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Atualmente, a pesca, um componente importante do sistema, passa por um

momento crucial cujo declínio vem sendo constatado dia a dia, tanto pelos

pescadores quanto por algumas pesquisas locais, como apresentado a seguir.

4.3.1 Indicadores da Crise Pesqueira

A crise pesqueira, atualmente observada no Baixo São Francisco, advém

principalmente da sucessão de barramentos em todo o curso do rio. A partir da

construção das barragens de Sobradinho e de Itaparica foi sentido um

decréscimo na produção pesqueira local. Porém, depois da construção de

Xingó, houve uma redução drástica nos volumes de capturas, configurando-se,

portanto, a atual crise.

SANTOS (1997) que trata da relação sociedade-natureza em Ponta dos

Mangues, demonstrando como o mau gerenciamento da bacia do São

Francisco repercute na qualidade de vida dos pescadores locais.

Os sinais do declínio da pesca no Baixo São Francisco são apresentados

também por SOUZA (1998). A autora constatou em seus estudos a redução da

biodiversidade aquática decorrente da mudança do regime do rio São

Francisco, refletindo de maneira direta na socioeconomia dos pescadores

artesanais de Pão de Acúcar e Olho D’água do Casado.

O estudo sobre o sertão do Baixo São Francisco, tomando essa bacia

hidrográfica como unidade de estudo (FONSECA & BASTOS, 1998), ao

analisar o setor primário da região, também se refere ao declínio da pesca

local: A pesca é praticada não apenas como atividade produtiva, mas também

como fonte de alimento e lazer da família.

Com a construção de barramentos para a formação de lagos de hidrelétricas e

a utilização da irrigação em toda a bacia do São Francisco, o nível do rio foi

alterado, com cotas cada vez mais baixas na porção à jusante de Paulo

Afonso. Com essas alterações, o peixe 'sumiu' do rio e mesmo os peixamentos

feitos pela CODEVASF não alteraram as condições existentes. Os pescadores

reclamam da falta de condições para continuarem a sobreviver com a pesca e

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a população local reclama da falta desse alimento, que sempre se constituiu

numa fonte alternativa de proteínas (p. 12).

Outra fonte importante de conhecimento da situação atual é o Relatório

Preliminar do Levantamento Sócio-ambiental da Região de Xingó. Este foi

realizado por técnicos do IBAMA de Brasília, Sergipe e Alagoas objetivando

discutir a participação desse órgão no Programa Xingó. Durante os estudos de

campo, os técnicos levantaram os problemas junto a lideranças, prefeitos e

pescadores das cidades de Canindé do São Francisco e Poço Redondo, em

Sergipe, bem como nas cidades de Delmiro Gouveia e Piranhas, em Alagoas.

Em relação à pesca, a conclusão do relatório aponta para a acelerada

destruição da base material de sobrevivência dos pescadores após a

construção de Xingó, com a diminuição da oferta de pescado e a

impossibilidade da realização da piracema, deixando para esse segmento um

alto custo social.

Na opinião dos pescadores entrevistados para subsidiar esta tese, o declínio

da pesca está deixando a categoria sem perspectiva, obrigando-os a procurar

outras atividades:

“nóis que sempre fomos pescador,tudo chefe e pai de família tamo tudo

vivendo a deriva, passando necessidade. Como é que nóis vamu sobreviver

mais pra frente? Uma parte tá vivendo das ajuda do governo e os outro tem

que se virá . Um vai pra roça, otros vira pedreiro purque a pesca num tá

dando mais. A moda agora é o povo criar peixe, dá de cume pros peixe.. onde

já se viu isso. É o fim do mundo”. (Seu Manoel Elias, 55 anos).

Os sinais da crise são aceitos pelo governo que intervém com as frentes de

serviço. Embora se tratando de uma saída emergencial do governo, essas

frentes não se apresentam como uma saída para todos, devido à falta de

continuidade e à baixa remuneração.

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127  

Outro agravante é a falta de espaço, de terra para ser cultivada, conforme

posição abaixo:

A maioria dos pescador tá procurando a roça prá num morrê de fome, mas

sempre na terra de alguém purque tudo aqui é dos grandes. É poco patrão prá

muita terra (Seu Luis Pedro, 57 anos).

A fala do pescador acima demonstra claramente sua percepção sentida da

realidade do Estado de Alagoas, sobre a concentração das terras, ressaltando

a compreensão das variáveis que dificultam a vida e trabalho dos pescadores

ao longo das décadas.

Nesse contexto de tantas dificuldades na atividade pesqueira, a análise que os

pescadores fazem de sua situação é unânime. As adversidades são tantas que

terminam por inviabilizar a possibilidade de garantir o sustento pessoal e

familiar apenas com a pesca. Esta, de atividade principal passa a secundária,

exigindo a busca de outras alternativas de auto-consumo.

Assim, para o pescador representa um fracasso pessoal não conseguir manter

o papel de provedor familiar, apesar de dominar os segredos dessa profissão.

O passado do pescador aparece como um momento de saudosismo, uma

época em que havia esperança e segurança no seu papel enquanto patriarca.

4.4 - O APL DA PISCICULTURA EM ALAGOAS O Governo do Estado de Alagoas através da Secretaria Executiva de

Planejamento e Orçamento e o SEBRAE/AL se associaram para conceber e

implementar o Programa de Mobilização para o Desenvolvimento dos Arranjos

e Territórios Produtivos Locais do Estado de Alagoas.

Contando com a parceria de instituições públicas e privadas, o Programa

define uma estratégia de atuação visando a mobilizar ações coletivas e

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integradoras para gerar renda e emprego, direcionadas para a promoção do

desenvolvimento dos micros e pequenos negócios.

O SEBRAE/A buscou na experiência da chamada Terceira Itália, a idéia de que

através dos APL – Arranjos Produtivos Locais seria possível organizar o

desenvolvimento econômico de Alagoas em suas vocacionalidades. Para o

SEBRAE, Arranjos produtivos são aglomerações de empresas e de

empreendedores localizados em um mesmo território, que apresentam

especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação,

cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais tais como

governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.

Para Lastres (1999), um Arranjo Produtivo Local é caracterizado pela

existência da aglomeração de um número significativo de empresas e de

empreendedores que atuam em torno de uma atividade produtiva principal.

Para isso, é preciso a ocorrência de postos de trabalho, faturamento, mercado,

potencial de crescimento, diversificação, entre outros aspectos. A noção de

territórios é fundamental para a atuação em Arranjos Produtivos Locais.

O Programa inicial fez parte do PPA 2004/2007 de Governo do Estado de

Alagoas e contou com apoio técnico e financeiro do SEBRAE-NA. Os principais

benefícios elencados na época e esperados do Programa eram: o aumento da

interação e da cooperação entre produtores e empreendedores; maior atração

de capitais; aumento do dinamismo empresarial; redução dos custos e riscos

empresariais; promoção de inovações tecnológicas; maior agilidade e

flexibilidade da mão-de-obra; melhoria da qualidade de vida no Estado.

A proposta era que o Programa deveria tornar-se um dos mecanismos que o

Governo de Estado pretendia acionar para promover a inclusão social de

milhares de trabalhadores, famílias e empreendedores que operam no mundo

dos micros e pequenos negócios de Alagoas.

O objetivo do Governo do Estado através da Secretaria Executiva de

Planejamento e do SEBRAE, ao atuarem em parceria em Arranjos Produtivos

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Locais, é promover a competitividade e a sustentabilidade dos micros e

pequenos negócios, estimulando processos locais de desenvolvimento, para o

que é preciso ter em mente que, em qualquer ação nesse sentido, deve-se

permitir a conexão do arranjo com os mercados, a sustentabilidade por meio de

um padrão de organização que se mantenha ao longo do tempo, a promoção

de um ambiente de inclusão de micro e pequenos negócios em um mercado

com distribuição de riquezas, e a elevação do capital social por meio da

promoção e a cooperação entre os atores dos territórios.

Além disso, é preciso observar a democratização do acesso aos bens públicos

como educação e saúde, a preservação do ambiente, a valorização do

patrimônio histórico e cultural, o protagonismo local, a integração com outros

atores, a mobilização de recursos públicos ou privados complementares aos

aportados pelos atores locais.

A Piscicultura, através da promoção das ações do APL da Piscicultura em

Alagoas, foi amplamente divulgada e trabalhada nos municípios identificados

como potenciais. Muitas ações de capacitação e gestão foram despendidas

para estruturar o APL da piscicultura em Alagoas. Em 2008, foi refeito o

planejamento, adequando as novas ações para a continuidade do programa,

que continua com a gestão participativa do SEBRAE/AL e da SEPLAN.

Em entrevista para esta pesquisa, o Gestor do APL, Miguel Alencar,afirmou

que a perspectiva é a de que o Estado continue a subsidiar ações pontuais

junto aos piscicultores, principalmente apoio tecnológico. Todavia, mostrou-se

preocupado ao afirmar que o próprio Estado, através da Secretaria de

Desenvolvimento Econômico não costuma contatar os parceiros quando tem a

intenção de lançar um novo programa os ações voltadas para a piscicultura, o

que dificulta sustentabilidade dos programas já iniciados.

É intenção do Governo do Estado de Alagoas, do SEBRAE/AL e dos demais

parceiros a continuidade do programa. Para isso, com a reeleição em 2010 do

atual Governador Teotônio Vilela Filho, os envolvidos no Programa têm a

garantia de que haverá a continuidade das ações divulgadas como

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estruturantes e em pleno desenvolvimento pelos meios de comunicação

existentes no Estado.

Com o andamento da pesquisa, verificou-se que a inclusão social bem como a

melhoria da qualidade de vida dos pescadores onde os tanques-redes foram

implantados não teve o resultado esperado. Com a especialização das

técnicas, as atividades que envolvem a piscicultura em tanques-redes não

necessitam de muitas pessoas para operá-los, ao contrário da pesca artesanal,

onde grupos de pescadores saem em conjunto para efetuar a pesca.

Essa especialização, imposta pelo Capital, fez com que os pescadores

artesanais fossem impedidos de desenvolverem seus saberes que ao longo

dos séculos lhes foram úteis e altamente necessários para sua sobrevivência e

a sustentabilidade de suas famílias.

Aliado ao fato de que, com a sobra de pescadores, pois não são necessários

tantos homens para alimentar os peixes e vigiá-los, a ociosidade espalhou-se

pelas comunidades visitadas ao ponto de encontrarmos pescadores

simplesmente esperando “dar a hora” para ir fazer o “ serviço” ( dar a ração ao

peixe, ou verificar as gaiolas).

Esta tese não concorda com a abordagem pela qual os tanques-rede estão se

expandindo nas comunidades do Baixo São Francisco alagoano.

Percebe-se que o discurso do Capital na defesa pela atividade da Piscicultura

em Tanques-redes e sua tentativa de tornar o pescador artesanal um

empreendedor ou empresário de pequeno porte em Alagoas torna-se

totalmente inviável, pois ao ignorar o quotidiano do pescador, seus saberes e

sua identidade, lhes é negado o direito de ser o que sempre foram:

responsáveis por sua sustentabilidade.

Constatou-se que na prática, é dado ao pescador o instrumental físico, as

gaiolas os quilos de rações e os alevinos. Mas e depois? E o processo de

produção? Quem cuida da logística, e da distribuição? E o acesso ao

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mercado? E a contabilidade? Ora, em sua maioria, os pescadores são

analfabetos ou analfabetos funcionais. Como de uma ora para outra, sem

preparo ou capacitação (e talvez mesmo capacitando fosse difícil a apreensão

dessas habilidades) esses pescadores tornar-se-ão empresários formais ou

micro empreendedores?

A resposta para esta pergunta está caracterizada na realidade encontrada nas

comunidades estudadas, e compõem o referencial conclusivo destapesquisa.

Cabe aqui uma reflexão: esta tese defende a idéia de que não é através da

forma pela qual foi/ é conduzido o APL da piscicultura em Alagoas que será

alcançada a sustentabilidade dos pescadores e conseqüentemente a

preservação do modo de vida dos ainda restantes pescadores artesanais (

diga-se, não contemplados pelos programas como o APL).

É preciso muita sensibilidade dos envolvidos na formulação pelas políticas

públicas estaduais e também que sejam realizados trabalhos de campo, com a

participação dos pescadores artesanais na busca pelas soluções mais

adequadas à realidade dos municípios que ainda resiste a pesca artesanal.

5 PERFIL DA PESCA NOS MUNICÍPIOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO ALAGOANO

Para efeito de compreensão e uniformização da linguagem, faz-se necessário

ressaltar que os municípios de Olho D’água do Casado e Pão de Açúcar,

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representadas na Figura 1, no início deste trabalho, estão localizados na região

chamada de Baixo São Francisco Alagoano.

O município de Pão de Açúcar está localizado na região centro-oeste do

Estado de Alagoas, limitando-se a norte com os municípios de São José da

Tapera e Monteirópolis, a leste com Palestina e Belo Monte, a sul com o rio

São Francisco/SE e a oeste com Piranhas. A área municipal ocupa 659,12 km2

(2,37% de AL. O acesso a partir de Maceió é feito através das rodovias

pavimentadas BR-316, BR-101, AL- 220 e AL-130, com percurso em torno de

239 km.

O município foi criado em 1854. Segundo o censo 2010 do IBGE, a população

total residente é de 27.351 habitantes, dos quais 13.965 do sexo masculino

(50,90%) e 13.386 do sexo feminino (49,10%) São 10.806 os habitantes da

zona urbana (44,40%) e 16.545 os da zona rural (55,60%). A densidade

demográfica é de 36,94 habitantes/km.

A rede de saúde dispõe de 01 hospital, 54 leitos hospitalares e 11 Unidades

Ambulatoriais e 08 Postos de Saúde. Na área educacional, o município dispõe

de 18 escolas de ensino pré-escolar, com 820 alunos matriculados, 33 escolas

de ensino fundamental, com 6.225 alunos matriculados e 04 escolas de ensino

médio, com 765 alunos matriculados. O PIB do município foi de U$

17.615.303,00 e o PIB per capita foi de U$ 753,00 em 2008. O FPM = R$

2.550642,90, o ITR = R$ 2.245,28 e o Fundef = R$ 532.652,94 (IBGE, 2010).

As principais atividades econômicas do município são: Comércio, serviços,

agro-pecuária e atividades de extrativismo vegetal e silvicultura. No ranking de

desenvolvimento, Pão de Açúcar está em 21º lugar no estado (21/102

municípios).

O município de Olho D’ Água do Casado está localizado na região oeste do

estado de Alagoas, limitando-se a norte com os municípios de Inhapi e Água

Branca, a sul com Canindé d o São Francisco (SE) (Rio São Francisco), a leste

com Piranhas e a oeste com Delmiro Gouveia e Água Branca.

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A área municipal ocupa 322,8 km (1,16% de AL). O acesso a partir de Macei ó

é feito através das rodovias pavimentadas BR-316, BR-101 e AL- 220, com

percurso em torno de 271,60 km. O município foi criado em 1962,

desmembrado de Piranhas. Segundo o censo 2010 do IBGE, a população total

residente é de 9.059 habitantes, dos quais 5.550 do sexo masculino (50,30%) e

4.509 do sexo feminino (49,70%). São 3.887 os habitantes da zona urbana

(55,00%) e 5.172 os da zona rural (45,00%). A densidade demográfica é de

21,90 habitantes/km. São 5.320 os eleitores cadastrados no município (61,2%

da população). A rede pública de saúde não dispõe de hospital, existindo

apenas 05 Unidades Ambulatoriais, 02 Postos de Saúde e 01 Centro de Saúde.

Na área educacional, o município dispõe de 01 escola de ensino pré-escolar

com 145 alunos matriculados, 20 escolas de ensino fundamental com 2.355

alunos matriculados e 01 escola de ensino médio, com 108 alunos

matriculados (IBGE, 2010).

O PIB do município foi de U$ 4.611.045,00 e o PIB per capita foi de U$ 773,00

em 2008. O FPM = R$ 1.275.321,71, o ITR = R$ 2.828,79 e o Fundef = R$

625.523,92. No ranking de desenvolvimento, Olho d’ Água do Casado está em

86º lugar no estado (86/102 municípios).

5.1 CARACTERIZAÇÃO GERAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO

O rio São Francisco historicamente é uma das principais fontes brasileiras de

pescado fornecendo peixes para sua população ribeirinha e atendendo aos

mercados do Nordeste e do Sudeste do Brasil.

Suas águas representam para muitas famílias uma importante fonte de renda,

como exemplo a pesca artesanal de pequeno porte. Quase 13 milhões de

pessoas, o equivalente a 8% da população do País, habita a região, sendo que

as maiores concentrações estão situadas no Alto (50%) e no Médio São

Francisco (20%). A população urbana representa 74% da população total e a

densidade demográfica é de 20 hab./km².

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A Região Hidrográfica abrange 521 municípios e sete Unidades da Federação:

Bahia (48,2% da área da bacia), Minas Gerais (36,8%), Pernambuco (10,9%),

Alagoas (2,3%), Sergipe (1,1%), Goiás (0,5%), e Distrito Federal (0,2%).

Devido à sua extensão e aos diferentes ambientes percorridos, a Região

Hidrográfica está dividida em quatro unidades: Alto São Francisco, Médio São

Francisco, Sub-Médio São Francisco, e o Baixo São Francisco. A Região

Hidrográfica do São Francisco contempla fragmentos dos Biomas Floresta

Atlântica, Cerrado, Caatinga e Costeiros e Insulares. A Floresta Atlântica,

devastada pelo uso agrícola e pastagens, ocorre no Alto São Francisco,

principalmente nas cabeceiras.Os principais afluentes estão no estado de

Minas Gerais que fornece cerca de 70% da água do rio, num percurso

aproximado de 700 km, com área de drenagem de 243.000 km2 o que

corresponde a 41% da área do estado

Segundo informações de técnicos do IBAMA/AL, atualmente a pesca no Baixo

São Francisco Alagoano, onde estão localizadas as comunidades estudadas

nesta tese, apresenta índices críticos de produtividade, principalmente quando

se verifica uma sensível queda no esforço de pesca, tanto pela

descapitalização do pescador como pelo desestímulo à atividade.

O sistema de suporte a pesca artesanal nos municípios de Pão de Açúcar e

Olho D’ água do Casado baseia-se exclusivamente na utilização de

embarcações tipo canoas, com propulsão a remo e/ou a vela, com um reduzido

número a motor. São construídas em madeira, na própria região e têm

comprimentos que variam entre 5,0 e 8,0 m., obedecendo a uma padronização

e apresentando grande durabilidade.

Normalmente a pesca artesanal nas comunidades pesquisadas, é realizada

com dois pescadores por embarcação, onde a produção é repartida dividindo-

se a produção em três partes, ficando uma para o pescador e duas partes para

o dono da embarcação e dos apetrechos.

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135  

Todas as despesas inerentes à manutenção da embarcação e dos apetrechos

correm por conta do proprietário, que pode não ser o pescador, uma vez que

foi identificado que na cidade de Pão de Açúcar, alguns comerciantes locais

compram as canoas quando os pescadores estão muito endividados e

desesperados por dinheiro; ou as tomam quando os mesmos estão em débito

com os armazéns. A tecnologia utilizada na captura e na conservação do

pescado é bastante artesanal.

Seus utensílios de pesca são de constituição simples, com um bom grau de

seletividade; por isso não são os maiores responsáveis pela atual situação de

despovoamento do rio. A comercialização do pescado na região é bastante

desordenada, devido em parte, a pouca infra-estrutura das feiras-livres dos

municípios, que não possuem uma balança para uso dos pescadores.

Alguns atravessadores abordam o pescador logo que eles chegam da

pescaria, e levam a produção toda para Maceió, para os hotéis e restaurantes

especializadas em frutos do mar. Devido à desorganização dos pescadores e

pela falta de um local apropriado para armazenar e comercializar a produção, a

disseminação da atividade de intermediação fica facilitada, tornando mais difícil

ainda a luta do pescador artesanal pela sobrevivência.

5.1.1 Pluriatividade e Desenvolvimento Sustentável: Novas Práticas nos Territórios dos Pescadores

Os quotidianos dos pescadores artesanais dos Municípios de Pão de Açúcar e

Olho D’água do Casado, que integram o Baixo São Francisco Alagoano,

encontram-se invariavelmente marcados pela precariedade.

Os últimos dez anos testemunharam uma redução significativa dos cardumes

de peixes e da disponibilidade do camarão. Muitas são as causas citadas para

justificar este cenário, que vão da pesca predatória praticada por grandes

embarcações, o povoamento do rio com espécies predadoras trazias de outras

regiões, os efeitos da degradação dos rios que deságuam no São Francisco, e

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136  

a sempre citada, mesmo após 17 anos de inaugurada, a Hidroelétrica de

Xingó35.

Pode-se inferir que, o ano de 2000 estabeleceu um verdadeiro divisor de águas

do ponto de vista das políticas públicas que incidem sobre a agricultura e o

mundo rural do Brasil. Surge o PRONAF como ferramenta da mobilização de

agricultores em prol da defesa dos interesses de um setor convencionalmente

excluído do acesso aos instrumentos de crédito. Ainda que na atual conjuntura

a incidência deste programa seja ainda tímida, tanto do ponto de vista do

número de explorações atingidas quanto do volume de créditos efetivamente

disponibilizados a este setor da agricultura nacional, não resta dúvida de que

sua aparição supõe avanços (DIEGUES,2004).

Para Delgado (2001, p.63), agricultura e pesca representam atividades

humanas que se desenrolam em ambientes diversos, onde a relação com a

natureza é absolutamente determinante e, em grande medida, incontrolável.

Além disso, alude este autor:

[..] existem muitas semelhanças – não obstante suas diferenças – entre

os agricultores familiares e os pescadores artesanais, entre as quais se

incluem a sua marginalidade diante da estrutura de poder econômico e

político dominante no país e sua histórica resistência frente a

condições econômicas e sociais bastante adversas. Além disso,

representam atividades produtivas de considerável risco econômico,

para as quais os mercados muitas vezes não existem ou existem

apenas de forma incompleta, fazendo com que, tanto a agricultura

quanto a pesca, sejam atividades que combinam formas institucionais

modernas e arcaicas. (DELGADO, 2001, p.62).

Para a compreensão dessa tese, as políticas setoriais aplicadas ao ramo da

pesca, como em ALAGOAS, é o caso do APL, desencadearam um processo

semelhante ao que estiveram submetidos os agricultores familiares com a

modernização conservadora. Impelidos a incorporar novos procedimentos

                                                       35 Situações colocadas pelos pescadores entrevistados no período de julho a novembro de 2009. 

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137  

tecnológicos e ampliar sua capacidade produtiva, muitas famílias

especializaram-se à medida que as condições assim o permitiam.

Os últimos anos, como ressaltado anteriormente, representaram uma mudança

de comportamento nesta trajetória, no qual imperam novas condições em que

operava a atividade da pesca. Muitas famílias – as mais fragilizadas do ponto

de vista das condições materiais – vêem-se ameaçadas de sobreviver na e

pela atividade.

Mas há um elemento novo que aportam os últimos anos. Ele consiste na

instituição do “defeso” ou “parada biológica” obrigatória. Significa não apenas a

possibilidade de perceber uma remuneração durante um período de quatro

meses, mas a expectativa de obter a aposentadoria decorrente do exercício da

atividade. Esse fato altera substancialmente os quadros de referência dos

indivíduos e dos grupos domésticos a que se acham vinculados.

Ainda que não se houvessem se servido do termo pluriatividade como forma de

referência a este fenômeno, outros autores já evidenciaram ser esta uma

prática corrente entre pescadores do Brasil.

Em alguns casos, o turismo desponta como uma atividade emergente

articulada à pesca artesanal, a qual introduz modificações substanciais na

dinâmica dos grupos domésticos implicados. Foi verificado que já existem

grupos de empreendedores que exploram os canyons do São Francisco,

próximos a comunidade de Olho D’ água do Casado, para fins comerciais de

exploração ao Turismo. A comunidade não está inserida na atividade e vê, do

alto, uma possibilidade em estágio bruto para buscar uma alternativa

sustentável para o sustento das famílias.

A natureza das atividades pluriativas é apontada em outras pesquisas

realizadas no país, como o que alude Martin, et al (1999), ao analisar as

condições gerais da pesca no reservatório de Itaipu, no qual aparecem

evidenciadas as circunstâncias em que elas aparecem.

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Nesse sentido,

[..]. um número bem significativo (45% em ambas as colônias) dos

pescadores participantes da pesquisa possui outra atividade

profissional, além da pesca, apesar de a terem como a principal

atividade. Isso se deve aos períodos críticos (inverno, escassez de

peixes e épocas de proibição da pesca pelo IBAMA e pela própria

Itaipu), conforme relato dos próprios pescadores. Dedicam-se também

aos serviços na agricultura, pedreiro, mecânico, técnico eletricista,

autônomo, guarda-noturno, eletricista e operador de máquinas. Tais

atividades garantem-lhes um acréscimo de renda mensal de até 2

salários mínimos. (MARTIN, et al, 1999, p. 33)

O sentido comum e recorrente repousa no caráter diversificado destas

iniciativas, regidas pelas próprias circunstâncias em que se acham submetidos

os indivíduos e o universo de possibilidades que o próprio ambiente lhes venha

a oferecer.

Na pesquisa realizada junto aos pescadores artesanais de Pão de Açúcar e

Olho D’água do Casado admitiu-se que as famílias exclusivamente pesqueiras

são aquelas que se dedicam exclusivamente à captura de pescado como forma

de assegurar a reprodução material de seus membros. Esta pode ou não

envolver o conjunto da força de trabalho familiar em atividades realizadas

individualmente, em sistema de parceria, sociedade com empresas (via

contratos) e/ou com outros pescadores artesanais.

Estes – os pescadores – identificam-se como sendo detentores dos

instrumentos de trabalho (embarcação, redes, motor, etc.), ao passo que os

“caronas” não dispõem desses meios e atuam sob distintos arranjos produtivos,

podendo ser pagos por quota ou outro sistema de remuneração.

Para caracterizar as famílias encontradas nas comunidades pesquisada, foi

utilizada a classificação de famílias exclusivamente de pescadores e famílias

pluriativas. Famílias exclusivamente de pescadores são as que os membros da

família dedicam-se exclusivamente ao trabalho da pesca artesanal, e famílias

pluriativas as que realizam a combinação de trabalho da pesca artesanal com

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atividades desvinculadas da pesca, no âmbito da indústria, comércio e/ou serviços,

podendo envolver o exercício de outras atividades remuneradas, indiretamente

relacionadas à pesca (salga, fileteamento, processamento para venda, feira livre, etc.)

ou atuando como empregado assalariado em embarcações privadas36.

No elenco de ocupações que não possuem relação com a pesca figuram

atividades esporádicas na construção civil (pedreiro, pintor, vigia, etc.),

artesanato, comércio e outras iniciativas bastante diversificadas. Não menos

importantes são os trabalhos gerados no âmbito da própria comunidade, como

a elaboração de subprodutos de peixe comercializados por empresas

contratantes ou por terceiros.

Concomitantemente à formação e análise dos dados de fontes primárias,

constituiu-se um referencial de fontes secundárias (IBAMA, IBGE, SEAP, FAO,

etc.) que foi fundamental para avançar sobre outras questões que são

colocadas a seguir.

É necessário registrar que há outros pontos do Estado onde vivem famílias de

pescadores. Contudo, optou-se por estudar os pescadores de Pão de Açúcar e

Olho D’água do Casado por serem os núcleos mais representativos de

pescadores artesanais identificados no semi-árido alagoano. Foi nestes

municípios onde foi encontrado o maior número de famílias de pescadores

artesanais.

Compuseram a amostra somente famílias em que pelo menos um membro

tivesse trabalhado como pescador artesanal no período de janeiro de 2008 a

novembro de 2009. Foram entrevistados 79 pescadores37.

                                                       36Para  auxiliar  na  compreensão  e  cruzamento  de  informações  sobre  pluriatividade,  tomou‐se  como referencia o relatório da pesquisa   de autoria de Paulo André Niederle eFlávio Sacco dos Anjos, 2005, UFPel/CNPq (2004). 37  Tomou‐se  como  parâmetro  a  pesquisa  realizada  por  Paulo  Nirdelle  e  Augusto  Sacco  dos  Anjos, adaptando‐se o questionário por eles utilizado, dada a especificidade de algumas perguntas atenderem às necessidades levantadas por esta Tese.  

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140  

5.2 ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS NOS MUNICÍPIOS PESQUISADOS

Seguindo a análise das informações coletadas, extraiu-se que 34,2% das 79

famílias entrevistadas foram enquadradas como “exclusivamente pesqueiras” e

65,8% como pluriativas. Os dados da Tabela 1 mostram que a maior parte das

famílias pluriativas e exclusivamente pesqueiras compõem o intervalo de 3 a 4

moradores.

Tabela 1 – Distribuição das famílias de pescadores artesanais segundo a situação (pluriativas e exclusivamente pesqueiras) e o número de residentes em cada uma delas.

TIPO DE FAMILIA

Nº de famílias

Nº DE PESSOAS RESIDENTES NAS

FAMILIAS

Até 2 3 a 4 5 a 8 9 a 14

EXCLUSIVAMENTE

PESQUEIRA

27 3 12 4 8

PLURIATIVA 52 4 27 14 7

Fonte: Pesquisa de campo, 2009 com pescadores dos municípios de Olho D’água do

Casado e Pão de Açúcar.

A composição das famílias dos pescadores entrevistados em geral, é composta

pelo Pai, pescador, que é a figura sempre apontada como responsável por

prover toda a família. Das 79 famílias entrevistadas, em 15 delas a figura do

avô (paterno ou materno) também compunha o núcleo familiar. Esse avô, que

se apresentou como ex-pescador, hoje se encontra aposentado, e contribui

significativamente com sua aposentadoria para a complementação da renda

familiar.

Nas famílias onde as avós (maternas ou paternas) estão presentes, as

mesmas colocaram que quando ativas no trabalho, eram responsáveis por

“tratar o peixe”, salgar, e também faziam as redes de malha, ajudando seus

maridos na lida da pesca.

Nas 15 famílias onde o avô contribui com a renda familiar, através da sua

aposentadoria, o pescador chefe da família salientou que se não fosse esse

complemento, a famílias estariam em situação de maior precariedade.

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No tocante a escolaridade dos pescadores, 40% deles são analfabetos.

Todavia, dado interessante reflete que todos os entrevistados fazem questão

de afirmar que seus filhos e netos estão na escola, onde para os pescadores, é

um motivo para afirmar que os filhos terão melhores chances na vida do que

eles.

As crianças estudam nas escolas municipais até o ensino fundamental. O

ensino médio e continuado nas escolas mantidas pelo governo estadual. Existe

uma boa compreensão dentro da comunidade sobre a importância da escola

para o desenvolvimento e construção do futuro das crianças, por isso, todas as

crianças estão matriculadas nas escolas públicas da região.

Não foi identificada em nenhuma das famílias a existência de jovens nas

universidades mais próximas (UFAL e UNEAL38, distantes 180 km, na cidade

de Arapiraca). Todavia, 9 filhos de pescadores, com idades entre 16 e 19 anos

afirmaram ter o desejo de cursar uma faculdade.

Foram entrevistadas 4 mulheres cadastradas como pescadoras no município

de Olho D’ água do Casado. Não existem mulheres pescadoras em Pão de

Açúcar, ao menos cadastradas.

As pescadoras relataram que iniciaram seus trabalhos na pesca, através de

covos ou gereré, artefatos utilizados para pesca em pequenas lagoas ou áreas

alagadas do rio. Segundo as pescadoras, nos últimos 10 anos, com a

diminuição de peixes, atribuídas por elas à construção da barragem de Xingó,

elas vem perdendo espaço, e não conseguem mais acesso ao peixe como

anteriormente. Em contrapartida, segundo as entrevistadas, com a alternativa

trazida pela introdução da atividade de tanques-rede, através do artesanato

com o couro da tilápia, algumas mulheres da comunidade, incluindo as

pescadoras, tem tido a possibilidade de auferir renda através de trabalhos

manuais.

                                                       38 Universidade Estadual de Alagoas. 

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142  

A fabricação de produtos artesanais derivados do couro da tilápia foi observada

nos dois municípios. Ao todo, 13 mulheres fabricam cintos, sandálias tipo “xô-

boi”, porta moedas e bolsas. O trabalho foi orientado por designers trazidos

pelo SEBRAE/AL e realizado em oficinas. Das 60 mulheres capacitadas nas

oficinas, segundo o Gestor do APL Miguel Alencar, apenas 13 continuam os

trabalhos.

As causas pelo abandono das 47 mulheres da atividade artesanal com o couro

da tilápia foram atribuídas aos empecilhos colocados pelos esposos

pescadores, que, percebendo que suas esposas estavam ganhando mais

através do artesanato, do que eles com a pesca, não permitiram que as

mesmas continuassem com a fabricação dos artefatos.

As mulheres, esposas dos pescadores, em 9 famílias pluriativas também

atuam como artesãs, beneficiando o couro das tilápias que são cultivadas nos

tanques-redes implantados pelo APL da piscicultura, no povoado Nova

Esperança, em Olho D’ água do Casado. Ressalte-se que os cursos trazidos

pelo Projeto Xingó em parceria com o APL da piscicultura, em geral, estavam

voltados exclusivamente para as mulheres dos pescadores que se

envolvessem no projeto de piscicultura em tanques redes.

De início esses cursos foram vistos com desconfiança, mas devido a

ociosidade das mulheres, que não precisavam mais esperar o marido vir com o

peixe para tratar, os cursos de artesanato eram a única opção oferecida pelo

Capital como garantia para a complementação da renda da família.

Os adolescentes completam a composição familiar, em sua maioria são

estudantes. Apenas 7 dos 26 adolescentes identificados nas famílias

pesquisadas, entre 13 e 17 anos ajudam os pais na lida com a pesca artesanal.

Não foram identificados adolescentes trabalhando com a atividade da

piscicultura em tanques-rede durante a aplicação dos questionários.

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Outro aspecto que mereceu uma atenção especial reside na questão das

rendas das famílias dos pescadores artesanais. Os dados da Tabela 2

apresentam a situação das famílias entrevistadas do ponto de vista da

composição da renda.

Para efeito metodológico as rendas de aposentadorias e pensões foram

desconsideradas para efeito do cálculo da renda mensal das famílias, por

serem estas rendas ocasionais, não permanentes, por isso não deveriam ser

computadas como uma renda fixa, embora quando presentes contribuam

decisivamente para a complementação do sustento familiar, principalmente nos

casos das famílias com muitos dependentes. A renda do seguro-defeso

também pela mesma lógica, não foi adicionada.

Dentre as famílias pluriativas, 18 delas complementaram seus ganhos com

atividades relacionadas à pesca, ao passo que 34 obtiveram receitas lançando

mão de atividades externas.

A pluriatividade está presente no dia-a-dia do pescador. Durante as oficinas

conduzidas para coleta de dados, em novembro de 2009, os pescadores

apontaram, que com o passar dos anos após a instalação da hidroelétrica de

Xingó, é cada vez mais constante encontramos pescadores trabalhando como

serventes, ajudantes nas feiras ou desenvolvendo funções que não requerem

muita especialidade, para complementar a renda familiar. Pescador artesanal

hoje nos municípios pesquisados, que vive exclusivamente da pesca, é figura

rara.

Tabela 2 – Tipos de renda e média da renda mensal, segundo o tipo de família de pescadores artesanais.

Tipo de Renda Tipo de família

Exclusivamente

Pesqueira

Pluriativa

Nº R$ Nº R$

Renda da Pesca 27 264,00 52 272,00

Renda de atividades - - 18 39,00

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relacionadas a pesca

Renda de atividades

externas

- - 34 184,00

Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

A busca por atividades remuneradas que complementem a renda familiar vem

sendo objeto de desejo de muitos pescadores e familiares destes, desde que a

pesca em seus moldes tradicionais vem se tornando mais difícil, e também

desde que não são necessários muitos pescadores para cuidar das gaiolas

com os peixes.

Ao ser enfocado o conjunto das rendas totais, aparece uma pequena, mas

significativa diferenças entre as famílias analisadas. As pluriativas apresentam

um valor médio mensal de (R$ 272,00) superior ao das exclusivamente

pesqueiras (R$ 264,00).

Entre as famílias dos pescadores entrevistados há realmente aquelas muito

pobres, que vivem com o mínimo aceitável para manterem suas condições de

vida. Não passam fome, mas se privam de muita coisa. As atividades que

complementam a da renda dos pescadores entrevistados, também

popularmente conhecidas como “biscates” ou “bicos” já estão incorporados no

quotidiano dos pescadores artesanais, citadas nos depoimentos como

exercício esporádico de funções como pintor, vendedor ambulante, auxiliar de

pedreiro, etc.

Ter que buscar uma atividade para complementar sua renda levou os

pescadores entrevistados a refletirem que, antes da construção de Xingó, todos

os pescadores conseguiam renda suficiente para manterem suas famílias, sem

a necessidade de praticarem bicos ou tarefas alheias a sua condição.

A pesquisa identificou um reduzido número de famílias, apenas 11, que

desenvolvem práticas de auto-consumo, a exemplo de pequenas hortas que

poderiam ser construídas em suas residências, reduzindo a dependência

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externa com a compra de alimentos frescos e a vulnerabilidade econômica dos

indivíduos. Conforme relatado em capítulo anterior, os pescadores reclamam

que não tem acesso a terra para plantar o que contribui para a dificuldade em

agregar valor e produtos ao consumo alimentar da família.

Tabela 3 – Distribuição dos indivíduos pluriativos segundo o tipo de atividade desenvolvida e o número de dias dedicados ao exercício destas atividades.

Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

Faz-se necessário destacar que para compor a tabela 3, foi dada ao pescador

entrevistado a opção de citar mais de uma função ocupada ou desempenhada

por ele para complementar sua renda, por isso o numero total de indicações foi

superior ao numero de pescadores totalizados em 52 na amostra.

A restrição de alternativas de trabalho e ocupação, no âmbito dos municípios

pesquisados não é apenas produto da fragilidade do tecido social e produtivo,

mas da própria distância (aproximadamente 300km) que separa as

comunidades dos municípios pesquisados do centro de Maceió.

Tipo de Atividade Nº de

Pescadores

Nº de Dias

- média mensal

Assalariado na pesca tanque-rede 15 20

Serviços pessoais 18 15

Comércio 9 15

Feira livre e comércio em geral 11 20

Indústria 3 10

Fabricação de Redes 1 10

Construção Civil 5 15

Comércio próprio 2 04

Serviços auxiliares 2 20

Artesanato - Confecção 22 12

Artesanato - Comércio 2 3

Transporte 1 4

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O custo da passagem é alto ( R$ 30,00) , dez vezes mais do que pagam os

usuários da cidade, algo que inviabiliza o deslocamento para o trabalho na

capital, Maceió. Se for considerado o baixo nível de escolaridade apresentado

entre os pescadores, a possibilidade de alocação em um emprego formal

também se distancia.

Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados segundo a opção escolhida caso a situação da pesca piore na região

Opção escolhida Tipo de família

Exclusivamente

pesqueira

Pluriativa

Esperaria a crise passar 15 16

Deixaria a pesca 7 10

Iria para a capital na busca de

alternativas

3 13

Empregar-se-ia em qualquer

atividade

2 6

Iria para outro Estado - 7

Não opinou - -

Total 27 52

Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

Na Tabela 4 observa-se que ao serem pontuadas as possibilidades sobre o

rumo de suas vidas, tanto os pescadores que sobrevivem exclusivamente da

pesca como os que são pluriativos comungam de posições semelhantes, pois

suas percepções sobre suas condições sociais de existência a partir do exame

sobre as perspectivas futuras da atividade que hoje desempenham estão

ameaçadas pelo avanço do Capital.

Dada as respostas, a percepção dos pescadores em geral refletem uma

posição duvidosa e negativa sobre a continuidade da atividade da pesca em

Pão de Açúcar e Olho D’ água do Casado. Desde a construção de Xingó, até a

chegada e estabelecimento da piscicultura em tanques-rede em 2001,

percebe-se o reflexo da crise na pesca artesanal.

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Na análise dos dados coletados, todos os pescadores afirmaram serem donos

de suas próprias canoas e utensílios para a pesca, embora, nos últimos anos,

muitos tenham tido que vender suas canoas em momentos de dificuldades

financeiras, e posteriormente, através do financiamento via Banco do Nordeste

– Pronaf/Pesca, tenham comprado novamente a canoa.

Dos entrevistados, 60% afirmaram, que, embora necessitem, tem muito medo

de solicitar financiamento, pois segundo eles, muitos outros pescadores já se

endividaram bastante, e até hoje não conseguem pagar o débito. Para os

pescadores, muitos agentes e oportunistas que dizem representar as agências

de crédito vêm procurar os pescadores oferecendo dinheiro fácil. Muitos

atraídos pela facilidade caem na armadilha e quando se dão conta, estão como

nome sujo e endividados.

Cabe ressaltar que os pescadores afirmaram ser comum, embora essa prática

venha diminuindo, o empréstimo da canoa para outros pescadores poderem

pegar ao menos o peixe para a diária (para o alimento da família), sem ser

cobrada taxa para a ação. Segundo os pescadores, todos se solidarizam,

embora não possam fazer muita coisa, com a situação de precariedade de

alguns colegas, e para eles, emprestar a canoa é um ato de partilha e

solidariedade.

Tabela 5 – Distribuição dos entrevistados em relação às perspectivas da família continuar na atividade pesqueira.

Opinião

Tipo de família

Exclusivamente

pesqueira

Pluriativa

Positiva 3 14

Negativa 24 38

Não sabe/não respondeu - -

Total 27 52

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Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

Ao serem questionados sobre a perspectiva de que os filhos ou netos

continuem na atividade da pesca artesanal, ou na atividade dos tanques-rede,

mostrou-se como maioria a intenção da não continuidade do trabalho da família

na atividade da pesca.

A principal causa para o descrédito da atividade da pesca está relacionado a

dificuldade de acesso ao crédito, a concentração do conhecimento ( no caso

dos tanques-rede) nas mãos de poucos, a falta de apoio político, o fato dos

jovens não quererem mais trabalhar “ no pesado”, dentre outros.

Há relatos de pescadores entrevistados onde os mesmos não querem que os

filhos cheguem perto de uma canoa. Querem os filhos estudando. Todavia, por

melhor que seja a intenção, ao terminarem o segundo grau, os filhos desses

pescadores não encontram muitas opções para continuarem seus estudos. As

instituições de ensino superior que estão se instalando nos municípios do

agreste e sertão de alagoas, oferecem cursos em estilo AED, onde os

encontros são quinzenais, o que não é um atrativo para quem sempre sonhou

em ter um filho numa universidade, nos moldes tradicionais.

Delgado (2001, p.66) é cuidadoso ao referir-se sobre o tema do

desenvolvimento local das “comunidades pesqueiras”. Para este autor há que

se admitir três questões centrais a serem enfrentadas simultaneamente.

A primeira delas diz respeito à preservação ambiental. A segunda refere-se ao

tema dos direitos sociais dos membros das comunidades pesqueiras,

pressupondo o necessário reconhecimento, por parte do Estado, não apenas

de sua condição de cidadãos, mas como objeto de políticas governamentais e

de fornecimento de bens e serviços públicos.

Destaque-se aqui ao papel que se poderia atribuir ao pescador artesanal

enquanto ator social privilegiado na conservação dos ecossistemas aquáticos,

como é precisamente o caso das lagoas e restingas, reconhecidamente frágeis

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ante à degradação ambiental, incluindo também a relevância na preservação

de valores culturais fundamentais que conformam a própria identidade regional.

A terceira questão que destaca Delgado, na caminhada de construção do

desenvolvimento local, reside na geração sustentável de renda e na melhoria

das condições de vida das comunidades pesqueiras.

Projetos inovadores que apostam em articular turismo, artesanato e resgate de

valores culturais, esbarram em inúmeras dificuldades próprias da estreiteza de

horizontes das instituições e da incapacidade dos pescadores e de suas

estruturas de representação em formular ações nesse sentido.

A pesquisa identificou que através da pluriatividade, encarando esta como

uma estratégia de reprodução extremamente relevante no sentido de assegurar

condições através dos quais as famílias obtêm um nível de consumo

socialmente aceitável, a condição do pescador no baixo São Francisco

alagoano ainda não é de miséria.

5.3 O PESCADOR ALAGOANO E SUA RELAÇÃO COM O TRABALHO ARTESANAL

Percebe-se que o fator predominante na questão de tradições populares diante

de uma determinada atividade, pode também considerar maior articulação que

advém dos membros das populações ribeirinhas, esta articulação provém de

um fator comum, a atividade pesqueira.

A cooperação entre os pescadores se torna muito importante durante as

pescarias. Essas cooperações são variáveis, muitas delas são exercidas entre

os parentes e em outros casos com os amigos mais íntimos. Para a captura do

peixe o pescador desenvolve suas próprias técnicas, faz uma adequação ao

determinado horário que ele julga ser mais proveitoso.

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O momento propício á pratica da pescaria, está relacionado, aos horários em

que o peixe se alimenta. Os pescadores costumam pescar sozinhos ou em

duplas, a pescaria solitária é sempre de anzol, quando feita em duplas utiliza-

se o barco, a tarrafa e a rede, a partilha do lucro é combinada de diversas

maneiras dependendo muito de cada ocasião e as regras combinadas por eles

mesmos.

A maioria das famílias tem suas origens nos próprios municípios, a base

familiar é do pai, pescador. Muitos pescadores ainda não conhecem Maceió, e

as crianças e adolescentes, filhos desses, também não.

Os filhos de alguns pescadores admitem que trabalhar na pesca não foi fruto

apenas das adversidades sofridas ou é simplesmente a falta de oportunidades,

mas tornou-se, no início, uma opção gratificante de trabalho. Apesar de

gostarem do que fazem muitos pais pescadores dizem que não gostariam que

seus filhos seguissem esse caminho por ser muito sofrido e pouco

compensador. Preferem que estes estudem e se formem para ter uma vida

melhor.

Existe um sentimento de identidade dos pescadores com o rio, percebido

durante as entrevistas, pois os mesmos se consideram parte dele, tendo como

um local de trabalho e de onde se tira o alimento que sustenta a sua família.

Essa identidade faz com os pescadores tenham um enorme respeito com o rio.

A representação sindical de base dos pescadores em Alagoas são as colônias.

A partir da filiação do pescador à Colônia, o mesmo passa a ter acesso aos

direitos previdenciários como auxílio-doença, seguro desemprego e

aposentadoria39.

A comercialização do pescado nos municípios estudados é feita, em parte

entre os próprios comunitários. Quando a pesca é feita em conjunto o lucro é

combinado segundo a participação de cada um. Apesar de existir a colônia que

                                                       39 Agradecimento especial a pesquisadora Vera Lúcia Oliveira Coutinho Ramos, pela disponibilização de seu trabalho para consulta e subsídio teste tópico da pesquisa. 

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compra e vende o peixe dos pescadores, os mesmos são livres para também

vender o seu pescado a quem quiser e ao preço que ele achar ser melhor.

Durante muitos anos os pescadores tiveram uma abundância de peixe no rio

São Francisco. Os peixes do São Francisco mais conhecidos em toda sua

extensão se destacam: o surubim (surubi), o dourado, a Curimatá (curimatã). O

mandim , o pacu, a piranha, o cari, o pirá, a piaba, a curvina, o piau, traíra, o

bagre, o pacamão, dentre varias espécies.

Com o passar dos anos houve uma diminuição. Durante décadas de

desenvolvimento industrial, hidrelétrico e agrícola, o capitalismo avançando

visando exploração excessiva dos recursos naturais sem controle objetivando o

consumismo e o lucro influenciou-se sobre o rio São Francisco tornando-o uma

vítima dessa constante exploração.

O rio São Francisco vem sofrendo ao longo dos anos com a degradação

ambiental. Esta degradação inicia-se da retirada da mata ciliar que

compreende as margens fazendo com que a erosão do solo se torne um grave

problema. Outros fatores que agravam a situação do rio no que se diz respeito

a sua conservação, são os despejos do esgoto das cidades ribeirinhas que

deságuam no rio São Francisco.

5.3.1 - Percepção do Pescador sobre Políticas de Desenvolvimento

Esta análise sobre a percepção do pescador a respeito das políticas de

desenvolvimento, embora enfatize mais diretamente as políticas pesqueiras,

não ignora que as alterações na pesca do Baixo São Francisco estão

relacionadas também às políticas de geração de energia e irrigação

implantadas no Velho Chico, como veremos a seguir.

Durante a condução de uma das oficinas com os pescadores artesanais de

Olho D’água do Casado, é nítida, como apresentada na Figura 17 abaixo, a

preocupação estampada no rosto dos pescadores, que atestam de maneira

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unânime que a principal responsável pelo declínio da pesca é a barragem de

Xingó.

Figura 17: Oficina realizada com os piscicultores de Olho D’água do Casado. Fonte: David

Muniz, 2009.

Para eles foi esta que mudou bastante o rio, fazendo sumir o peixe,

proliferando o "cabelo" e o "mato" no leito do rio e alterando seu espaço de

trabalho, o que pode ser confirmado através dos seguintes relatos:

Despois de Xingó, da usina, tudo piorô. Antigamente era só nóis assubiá que

os peixe vinha... era muita fartura de tudo quanto é peixe.. Ninguém se

desesperava nem perdia o sono pensando se no outro dia ia ter peixe. Mas nos

tempo de hoje, dê graças a Deus se acha um lugá pra pescá, que tenha

peixe.... Tem lixo, "mato" que num deixa ninguém pescá mais, esgoto, tudo

acabando com os peixe. (Seu Lula, 43 anos).

Ao analisar os impactos das hidrelétricas, Diegues (1995) já descrevia as

conseqüências no ecossistema aquático. Algumas alterações que ele

menciona ocorrem nos lagos que são formados, porém outras acontecem a

margem e após as barragens.

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As grandes represas provocam também mudanças no ecossistema aquático,

criando uma série de impactos negativos. Os movimentos migratórios de

peixes, tartarugas e mamíferos aquáticos, podem ser interrompidos,

influenciando a composição dos estoques pesqueiros. O desenvolvimento de

capins aquáticos é estimulado provocando problemas epidemiológicos. A

decomposição da matéria orgânica consome rapidamente o oxigênio

provocando anoxia e formação de gás sulfídrico tóxico (DIEGUES,1995).

O represamento de rios de água branca, com alta carga de sedimentos diminui

rapidamente a profundidade do lago e a vida útil da usina. Ao mesmo tempo,

os sedimentos represados não mais fertilizarão as várzeas e lagos nas áreas

inundáveis a jusante das barragens, reduzindo a produção primária das

várzeas e conseqüentemente a pesca. O número de piranhas tem aumentado

em muitas represas e a pesca é dificultada pela presença de grandes

quantidades de plantas aquáticas e troncos que inibem o uso de instrumentos

de pesca.

Percebe-se que várias conseqüências citadas por Diegues tornaram-se

realidade no Baixo São Francisco, com exceção da proliferação de piranhas,

que foi substituída pelo predador tucunaré.

Os pescadores vêem com tristeza que a fome que eles vêm passando está

associada à falta de peixe, ao ponto de afirmarem nunca ter estado numa

situação de desespero tão grande como as dos dias de hoje. O pescador

entrevistado procura explicar o fato seu estado de miséria e a pouca atenção

do governo para ajudar a categoria:

É uma disgraça, minha fia. Nois tamo tudo largado jogado a própria sorte.

Tamo tudo se acabando de fome. São nossa família toda, não se sarva

ninguém. Veiz por outra a prefeitura aparece com serviço pra nóis, coisa de

força bruta, abrir estrada de mato, mas pagar que é bom...demora por demais.

Nóis só vê os povo falando do governo, que vem dinheiro, mas pra nóis, num

vem nada. (Seu Piaba, 42 anos).

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Com a realidade da falta do peixe à beira do rio, o pescador não faz esforço em

relatar o desgosto sobre a continuidade da sua atividade, a exemplo da

declaração do Seu Miquéias (46 anos):

Já já vai ta nois tudinho que sempre pescamo pedir esmola. Pois num tem

condições, pois a gente passa a noite toda pendendo as rede e quando chega

aqui vai vendê por R$ 23,00 ou R$ 24,00 a pescaria de uma noite toda. E o

dinheiro tem que render pra tudo, pra cumer, vestir e outras nicissidade, tá

vendo?.

Fica evidente nos depoimentos que com a construção de Xingó as águas não

ficam mais turvas, barrentas, como são chamadas e tornam-se praticamente

paradas, sem velocidade. Isso prejudica a piracema e a água muito limpa, sem

turbidez, facilita a predação dos alevinos nativos, o que favorece a proliferação

de predadores.

O problema da introdução de espécies exóticas no rio São Francisco é tratado

nos dois depoimentos seguintes. A presença maciça do tucunaré, um peixe

altamente predador, é apontada como o grande consumidor dos alevinos

lançados no Baixo São Francisco:

... enquanto técnicos, compreendemos que a ação de introduzir espécies das

bacia amazônica, por exemplo, no rio São Francisco é errado. Por ser

altamente predador, o tucunaré, é uma realidade preocupante. Os defensores

dessa prática disseram que não introduziram no rio e sim nas lagoas marginais.

Mas acidentes acontecem e aconteceu, e está aí o tucunaré como altamente

predador. (representante do IBAMA/AL).

Sobre o tucunaré, existe o alerta de técnicos de que tal espécie possa vir a

extinguir o predador natural, que é a piranha, que já, dizem alguns, não existe

mais no rio:

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O tucunaré é um predador por excelência e dizem que ele poderá acabar com

a piranha, porque ele cuida da prole desde o ovo até uns 5 ou 6 cm, tendo os

filhotes a proteção dos pais. Isso dificulta ser predado por outras espécies,

enquanto que a piranha, apesar de ser um peixe voraz, ele não protege sua

cria. Quer dizer, desovou, a água leva e torna-se alimento de outras espécies.

O tucunaré desova em água parada e tem o ovo aderente, o que facilita sua

proteção. Os filhotes nascem e o cardume é protegido por um bom tempo.

(Técnico do CERAQUA).

Em suma, os impactos sofridos pelo Velho Chico ocasionaram a diminuição da

velocidade da água, favorecendo a fixação e proliferação de macrófitas no leito

do rio. Isso está prejudicando o acesso das redes ao fundo do rio, além de ter

criado um habitat favorável às espécies herbívoras que ficam abrigadas e

impedidas de serem capturadas por redes de pesca.

Nesse habitat, como já colocado, há também a predação por parte do tucunaré,

dificultando ainda mais a pescaria, além dos prejuízos causados aos

apetrechos de pesca por parte do "cabelo e do mato":

As coisas aqui vai de mal a pior. Ainda mais esse cabelo é quem impata o

pescador de pegá o poco do pexe que ainda tem. Quando tem enchente aí leva

esse cabelo todo e despeja no meio do mar e aí limpa o rio. Se tiver uma

profundidade de tres a quatro metro, o cabelo tá na flor da água, tá em cima,

então a rede enche de cabelo, o pexe intala e não maia. Se corré qualqué

agüinha o cabelo vai e intala na rede aí o pexe bate e volta. O tilapo (tilápia)

pega mas é poco, é tudo dibaxo do cabelo (Seu Zeca, 47 anos).

Em face de tantos problemas, a cheia é indicada pelos pescadores como

solução para limpar o "mato e o cabelo" do leito do rio:

Hoje o rio tá ruim purque ta sujo e hoje num enche. Se o rio inchesse carregava

mais da metade desse mato. Quando a gente bota a rede, tem dia que tem até

raiva de lavá, o lôdo é demais e eu acho que o pexe se isconde dento desse

cabelo (Seu Teju, 49 anos).

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156  

Os técnicos concordam com a solução do pescador:

A única solução para o rio seria as cheias voltarem, mas como isso é

praticamente impossível, poderia se resolver o problema das macrófitas e da

piracema com as cheias artificiais. Mas ai não depende da opinião dos

técnicos, e sim é uma decisão política, que envolve perda de energia por parte

da CHESF (Técnico da Estação de Piscicultura de Boacica

/CODEVASF/Alagoas).

Outros fatores como desmatamentos, agrotóxicos e dejetos de esgotos são

citados como fatores que interferem na degradação do Rio São Francisco.

Porém, as explicações associam as reações dos elementos vinculados ao rio

como se elas fossem humanas, demonstrando a percepção de que ao se

naturalizar, o homem também humaniza a natureza:

Se num tivesse as barrage e se num tivesse tido o desmatamento de baixo e

de cimo do rio, eu acho que todo ano o rio inchia. Tiraro muita sombra do beiço

do rio, resseca muito e os pau num chora água, num tem sombra, aí dá uma

base toda descampinada (Seu Piáu, 42 anos).

O Seu Léo, (54anos), equipara as reações do peixe às do homem diante do

frio:

O rio tá prejudicado, mas quando dá o inverno, cum a frieza o pexe num

caminha. O pexe é igual a gente, num anda no frio. Cum frio quem é que vai

andá?

Além desses fatores que contribuem para o declínio da pesca no Baixo São

Francisco, alguns pescadores admitem alguma responsabilidade por parte

deles: pescam de maneira intensiva (sobrepesca) determinadas espécies e

praticam a pesca predatória. Na opinião de DIEGUES (1995), o pescador só

passa a depredar quando é compelido a tanto. Isso é, aliás, um sinal da

desestruturação das comunidades pesqueiras (p.100). Porém, tais atitudes,

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mesmo consideradas condenáveis, são "suportadas" devido ao estado atual de

carência do pescador.

Para Souza & Mills (1995), a degradação humana leva à degradação

ambiental:

...em situação de extrema pobreza, o indivíduo não tem qualquer compromisso com a preservação ambiental, uma vez que os grandes interesses e valores da sociedade não lhes dizem respeito, porque esta mesma sociedade não impede a sua péssima qualidade de vida por não promover a justiça social (p. 165).

Durante a pesquisa de campo, ficou evidente o entendimento do papel da

fiscalização como necessária à proteção dos recursos pesqueiros. Mas, alguns

pescadores questionam as formas de abordagens dos fiscais, assim como a

ineficiência de algumas medidas de ordenamento pesqueiro, principalmente o

defeso da piracema, tendo em vista as mudanças no rio. As discordâncias se

manifestam, tanto na forma verbal, quanto no comportamento de

desobediência à legislação:

Eles sofrem durante o defeso porque quando o IBAMA impata a pesca diz

quais são os petrechos que pode pescá. Mas a maior parte não tem esses

equipamentos, então eles sofrem porque não tem com que pescá e a lancha da

fiscalização não sai de dentro dágua. Uma vez a lancha da fiscalização do

IBAMA baixou aqui e meteu o pau. ( Seu Luiz Elias) .

O IBAMA justifica-se argumentando:

A fiscalização é necessária porque nosso instrumento de trabalho é a

legislação ambiental. Poderemos ser cobrados pela nossa omissão ou

tolerância demasiada. Mas procuramos discutir tudo sobre o defeso com os

próprios pescadores. Nas últimas reuniões, houve cobranças dos próprios

pescadores para que o IBAMA atue de maneira mais eficiente para coibir a

pesca predatória (Técnico do IBAMA/AL).

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O defeso da piracema, para muitos pescadores, não está cumprindo seu

objetivo,tendo em vista as mudanças do rio:

A parada da pesca é importante purque o pexe precisa desová, mas o rio num

enchendo o pexe desova e perde a ova. Eu acho que com a parada e sem ela

é a mesma coisa, não aumenta em nada o pexe. Prá mim num serve prá nada.

(Seu Joninha, 34 anos).

Apesar de concordarem que o defeso é importante, os pescadores afirmam

que, nas atuais condições do rio, ele só está servindo para penalizar o

pescador. Devido ao estado de carência da categoria, alguns pescadores

terminam não cumprindo a lei. Os depoimentos seguintes ilustram essa

afirmativa:

Se o rio num enchê o peixe num aparece, num adianta. A parada é importante

para o pexe porque ele pode se reproduzí, agora o mais importante para o

pescador e para o pexe é se o rio enchê. Quando a água tá suja, desova nas

pedra e o pexe se cria, mas quando desova na água limpa o pexe morre.( Seu

Sirigado, 44).

O período do defeso (nov/dez/jan) coincide também com o período de estiagem

na região, o que torna difícil até a alternativa da agricultura para os pescadores:

Esse tempo é mais difício purque é tempo de seca e é pió ainda purque nem

prá plantá dá. O pescador passa 2 mes sacrificado sem pescá com 5, 6 filhos

prá dá de comê dento de casa, aí passa apertado (Seu Tóia, 48 anos).

As dificuldades para atendimento às necessidades básicas da família são

acentuadas durante o defeso, e, muitas vezes, leva o pescador ao

endividamento no comércio local ou à busca da ajuda de parentes:

É grande a dificudade prá comprá comida, prá tudo que falta. Estica o dinhero

ou compra fiado ou mermo vai na casa de um parente e pede ajuda. As vez

nós dá uma fugida prá pescá no tempo proibido purque ninguém vai morrê de

fome e nem deixá os filho cum fome também (Seu Pedro, 42 anos).

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Segundo Seu Zé Bobó (50 anos), o defeso só é positivo para amansar o peixe,

que passa um tempo descansando; isso facilita o trabalho do pescador quando

vai pescar após o referido período:

Só vale a pena o defeso porque com a parada o pexinho pequeno já tem

condição de crescer mais e, em tudo que pára, o pexe fica queto e aí quando a

pessoa entra encontra o pexe mais fácio. Se pescá direto, direto, o pexe fica

mais sabido e prá pegá fica mais difício.

Apesar dos questionamentos quanto à eficiência do defeso, percebe-se que a

maioria dos pescadores respeita tal período:

Ninguém acha bom o defeso, eu mermo não acho bom. Pará de pescá num

adianta, é melhô continuá pescando. A maioria dos pescadore respeita esse

tempo que num pode pescá, mas tem alguns que continua pescando de noite,

mas são pouco e depende da precisão (Seu Mané do Biu, 54 anos).

Não se identificou nas falas dos pescadores qualquer alusão ao direito de

exercício da cidadania, apenas percepções superficiais da conjuntura

brasileira. Tal fato pode ser entendido pela fraca representatividade de seus

órgãos de classe (Colônias de Pescadores), que não atuam numa visão crítica/

política junto à categoria, contribuindo para que os pescadores interpretem os

problemas através do fatalismo e da religiosidade, dificultando qualquer ação

política.Este cenário é comum em todo o semiárido.

A realidade pesqueira dos municípios de Olho D’água do Casado e Pão de

Açúcar se constitui em apenas um pequeno universo que está contido no

universo maior da pesca de todo o vale do São Francisco. Porém, a realidade

apresentada neste capítulo expõe a gravidade da crise atual da pesca

artesanal, como produto : da negligência com que a mesma vem sendo tratada

nas ultimas décadas, do descaso dos representantes públicos que deveriam

proteger e resguardar os pescadores e a tradição da atividade, propondo

medidas sustentáveis para a continuidade da pesca artesanal, e também e

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mais recente, a introdução de práticas “importadas” de outras realidades,

como os tanques-rede, sendo difundidas exageradamente como sendo a única

salvação para os pescadores artesanais. .

5.5 - PESCAR O PEIXE OU CULTIVAR O PEIXE: É O FIM DA PESCA

ARTESANAL COMO MODO DE VIDA?

Neste item é apresentada uma análise da produção do espaço e da

territorialização dos pescadores artesanais com foco nos municípios de Pão de

Açúcar e Olho D’água do Casado, no sertão alagoano, objetos de estudo desta

tese. Para ser possível o estudo, buscou-se aporte teórico-metodológico

também da Geografia, pois se trata de uma especificidade territorial que

desencadeia um processo de formação de territórios articulados que é muito

complexo, envolvendo uma gama muito grande de agentes, interesses e

conflitos.

Em levantamentos realizados no Agreste e Sertão Alagoanos, onde é praticada

a piscicultura, foi evidenciado que os pescadores artesanais deste espaço

constroem sua sobrevivência econômica, social e cultural articulando

atividades de pesca, agricultura e extrativismo vegetal.

Em virtude dessa pluriatividade, os pescadores também vêm sofrendo as

conseqüências negativas da expansão das grandes propriedades, da

concentração fundiária e da valorização capitalista da terra, que os têm

expulsado das áreas litorâneas, já que o acesso à água está fortemente

relacionado com o acesso à terra. Diante desta problemática, são analisadas

as estratégias vivenciadas pelo grupo social para a consolidação da sua

territorialidade.

A primeira estação de piscicultura na região foi implantada em Porto Real do

Colégio, Alagoas, por iniciativa da Companhia de Desenvolvimento dos Vales

do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), através da instalação de unidades

de cultivo, distribuição e comercialização de alevinos, além da difusão de

tecnologia e do suporte técnico.

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O compromisso de desenvolver a atividade na região foi o oficializado em

1999, por meio de um protocolo de intenções assinado entre a CODEVASF, o

Ministério da Agricultura, o governo estadual, o Banco do Nordeste do Brasil

(BNB), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(SEBRAE) e das associações locais, envolvendo, portanto, instituições

federais, estaduais e locais (LUSTOSA, et. al, 2008).

Esta iniciativa foi amplamente divulgada na região pelos atores institucionais

envolvidos, juntamente com a apicultura e a ovinocaprinocultura, e em 2001

transformou-se na atividade econômica que norteia os investimentos públicos

federais, estaduais e municipais até a presente data, em 2011, consolidada

através do Programa de Arranjos Produtivos Locais do Estado de Alagoas

Torna-se interessante destacar, que desde 1999, não se percebe nenhum

registro nos documentos analisados da fala dos pescadores, maiores

interessados no sucesso da estratégia da consolidação da piscicultura. Nas

entrevistas, os discursos dos pescadores tratam as ações na comunidade com

um sentimento de impotência e conformidade, uma vez que não foi identificado

relato positivo entre os pescadores que “trocaram a pesca artesanal” pela

piscicultura em tanques-rede, pois a atividade não necessita de muita mão-de-

obra para conduzir o criatório de peixes nas gaiolas, o que decepcionou e não

gerou a demanda por pescadores especulada pelos indutores do programa.

Os pescadores, mesmo percebendo que a introdução da piscicultura em

tanques-rede não lhes foi tão favorável, econômica e socialmente como

apresentado no discursos na época do lançamento do programa, em 2001, não

tecem comentários sobre de quem seria a responsabilidade pela desmotivação

com a realidade estabelecida após a implantação dos tanques-rede. Os

pescadores sentem resignados com o insucesso da intervenção, e tentam

continuar sobrevivendo diante da difícil realidade da falta de peixe no rio São

Francisco.

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Em 10 anos de atividade no baixo São Francisco Alagoano, a piscicultura não

conseguiu atingir o status de atividade alavancadora da economia nas

comunidades onde foi introduzida em 2001, conforme o desejo na época das

instituições elencadas anteriormente. Ao contrário, ao invés de organizar as

comunidades e promover a melhoria da qualidade de via dos envolvidos na

atividade, a piscicultura trouxe, com sua potencialidade de mercado, a

ociosidade, a desmotivação, e a degradação da qualidade de vida dos

pescadores entrevistados.

Figura 18 : Criatório de Tanques rede em Olho D’água do Casado. A pesca artesanal substituída pela atividade de alimentar os peixes nas gaiolas. Fonte: pesquisa de campo. Fonte: David Muniz, 2009.

A paulatina dissolução do modo de vida da pesca artesanal pelos valores e

práticas da modernidade, ilustrada na Figura 18 acima, onde um pescador com

mais de 30 anos de pesca artesanal, hoje alimenta os peixes em tanque-rede,

pode ser caracterizada através da trajetória de inúmeras variáveis

socioambientais e econômico-culturais, dentre as quais é possível destacar: a)

a forma de produção e de propriedade dos meios de produção; b) as relações

sociais de trabalho; c) o objeto de trabalho; e d) o processo de trabalho.

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Particularmente no assentamento Nova Esperança, em Olho D’ água do

Casado, ao conversar informalmente com crianças que brincavam perto da

associação onde estava sendo conduzida a aplicação dos questionários,

retratada na Figura 19 abaixo, nenhuma delas demonstrou curiosidade ou

interesse na pesca ou na continuidade do trabalho dos pais e avós por eles.

Figura 19: Futura geração em Olho D’água do Casado: Piscicultores ou pescadores? Fonte: David Muniz, 2009.

Para essa “nova” geração de filhos e netos de pescadores, o futuro é

simplesmente viver um dia após o outro, e ficar curioso quando “turistas” ou

qualquer outro visitante chegam à comunidade em busca de aventura,

pesquisa ou cadastramento para alguma pesquisa ou programa de governo.

A solidariedade familiar e extra-familiar está presente na comunidade de

pescadores artesanais, seja para compartilhar a feitura dos meios de produção,

seja para a execução da atividade de trabalho.

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Na primeira, a feitura de uma embarcação, ainda que de propriedade de um

indivíduo, é um processo no qual, em diferentes intensidades, os demais

pescadores envolvem-se para ajudar ou observar valorizando o feitio. As praias

ou barracões de colônias ou associações são espaços públicos em que se

estabelece uma figuração onde os que dominam a arte do talhe fazem-se atrair

pelo testemunho dos companheiros que especulam e intervém para melhorar o

desempenho e a estética da modesta nave. Daí porque, quando a mesma é

finalizada, todo o grupo comemora e renova sua própria habilidade de fabrico

Muitas são as pescarias que exigem a presença de um parceiro ou ajudante de

pesca em vista tanto da necessidade técnica, que exige força coletiva para

realizar a extração, quanto da carência de meios próprios de pescadores mais

jovens, com os quais os mais velhos são solidários. Encontram-se, aí, diversas

estratégias de partição do fruto de trabalho, desde a divisão do pescado

capturado à divisão do resultado em renda monetária proveniente da venda

realizada do referido pescado.

No geral, o trabalho da pesca artesanal apresenta processos de lealdade

pessoal e mobilidade, dos aprendizes aos mestres. A autoridade dos últimos

deriva de um misto de tempo de inserção na comunidade, o primor da perícia

em pescar e em fazer os meios de produção, o tempo de atividade e carisma.

Tais critérios, ao invés de fomentar distanciamento social dos pescadores,

colaboram na sua coesão uma vez que os mestres ou as lideranças são

legitimados quando forjam a continuidade e renovação do grupo, procurando

resolver disputas e conflitos.

O processo de trabalho na pesca artesanal é, em parte, um fazer objetivo, isto

é, visa que as técnicas adotadas alcancem o máximo de eficiência dentro das

regras de manejo próprias do grupo, ao qual não é permitido extrair das águas

tudo o que se queira, mas fazê-lo segundo as condições de reposição natural

do estoque (Valencio et al, 2005).

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A dissolução da tradição dá-se por vários processos, dentre os quais, o de

disputa do território das águas e dos peixes com outros usuários. Aquilo que

Ferreira (2003) denominou de “aqüatório”, as águas de rios e mares vistos

como território aberto e bem público, vai paulatinamente sendo privatizado e

manipulado com a intensificação da transformação e extração dos recursos

naturais: rios piscosos passam a ser seccionados pelas grandes barragens, a

servir aos empreendimentos hidroelétricos e de irrigação; a sísmica, que rege a

exploração petrolífera em mar, impacta corais e demais áreas reprodutivas;

ambos desencadeiam alterações do ecossistema aquático, para não dizer o

isolamento território aquático como área de segurança e inviabilizam que a

pesca artesanal permaneça no uso do lugar como forma de revitalizar a

identidade coletiva.

Quando as novas formas de controle territorial retiram o pescador artesanal do

tempo e do espaço do rio ou mar e dos peixes - com novos padrões normativos

que o proíbem de freqüentar os locais usuais de captura bem como manter as

rotinas diuturnas de lançar-se às águas para extrair diretamente e

indiretamente o sustento da família (para comer o peixe ou vendê-lo,

viabilizando renda para prover outras necessidades) - a carência resultante dá-

se no nível dos mínimos vitais.

O modo de vida da pesca também vai desaparecendo quando novas gerações

de pescadores desconsideram a importância de fazer suas embarcações e

passam a terceirizar para pescadores mais velhos o fabrico desse meio de

produção, um passo para a ambição posterior de adquirir a embarcação de

fibra de vidro ou alumínio, com motor. Para serem mantidos, exigem alteração

do esforço de pesca num ambiente já impactado por usos vários e rumando

para um colapso.

A lógica de financiamento da embarcação e motor modernos (remunerando o

capital a juros), bem como de manutenção da fonte de propulsão (gasolina, a

preços crescentes), é a mesma que leva à exaustão os recursos naturais no

geral. Quanto mais ajustados aos meios de produção da cadeia produtiva

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industrial, mais insuficientes parecerão ao pescador as técnicas seletivas de

extração tradicional.

Conforme Mauss (1973), as técnicas corporais dizem respeito aos modos pelos

quais os homens, de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos como

razão prática, coletiva e individual. Os mais velhos, ao carregarem os mais

jovens como ajudantes de pesca, são os que colocam o prestígio de sua

experiência como modelo de destreza física - no equilíbrio do balanço da

embarcação, na dignidade em partir para o mundo das águas e dele retornar

como uma aventura sempre necessária, na resistência em perseverar horas, às

vezes, noites a fio, até alcançar ‘o momento certo‘, na agilidade, precisão e

força para jogar tarrafa etc - a ser imitado não apenas como um ‘balé’ sobre as

águas, mas como um ato quase mágico, na medida em que o êxito logrado na

captura é de fazer do corpo um instrumento em consonância com o movimento

dos cardumes, portanto, do que é concebido como natureza.

A ligação entre esses dois movimentos sincrônicos, do corpo, do peixe e das

águas, é o que é retido na memória e no testemunho do aspirante como a

tradição a preservar: o corpo sozinho, como meio técnico primário da pesca,

não alcança êxito se a natureza é modificada numa celeridade maior que o

corpo da cultura percebe e representa. A autoridade tradicional, do pescador

sobre os aprendizes, se preserva em trazê-los ao testemunho desse processo

de trabalho que é um fazer parte da natureza.

Em decorrência, a autoridade se transfere aos técnicos que capacitam os

pescadores a tornarem-se ‘cuidadores de gaiolas’( Valencio, 2006) que é o

mesmo que dizer , num desaprendizado das técnicas corporais as quais

perdem seu sentido como habilidade importante para manejo de espécimes

engaioladas: onde havia a necessidade do equilíbrio, na canoa ou jangada,

para jogar a pesada tarrafa, há o curvar paciente com o saco de ração para

alimentar os peixes cultivados; onde havia a percepção aguda do movimento

dos cardumes no complexo emaranhado de vida silvestre nas águas fluviais ou

marinhas, e o inusitado a que o corpo deveria estar alerta, há o

acompanhamento modorrento do crescimento dos mesmos espécimes no

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mesmo lugar, sem surpresas, tal como a lógica fabril reproduzida em meio

aquático.

Nada mais há, para o pescador-operário, que precise saber sobre a natureza

que não seja o meio ambiente da gaiola e, no máximo, de um entorno ora

representado como ‘ameaçador’ à produção: predadores que danificam as

gaiolas de tilápias, como piranhas, por exemplo. Onde havia o habitus, isto é,

onde o pescador via-se envolvido na produção ou construção de estruturas

sociais (Bourdieu, 2004), falta um meio reflexivo da ação.

A participação científica, induzida pelo Capital, na elaboração de alternativas à

pesca, como a aqüicultura, cuja tecnologia derivada é difundida a um sem-

número de comunidades de pescadores artesanais, não se dá apenas como

interação indireta na dissolução da tradição. Com a ampliação do fomento a

pesquisas de cunho participativo, muitos são os cientistas que se lançam a

fomentar a que pescadores tenham a titularidade conjunta de projetos-piloto de

tanques-redes para peixes exóticos em braços de reservatórios além de

estimular à ostreicultura, a maricultura, a carcinocultura dentre outras

atividades (LUSTOSA et all, 2008).

O desconhecimento ou desinteresse dos planejadores dos programas e

políticas em conhecer o processo de consolidação da atividade da pesca pelo

pescador, a ligação deste com a essência da atividade, em fim da cultura

enraizada na comunidade é um fator que desestrutura se não levado em

consideração. Toda e qualquer intervenção comunitária, seja ela de cunho

econômico, político ou social. a cultura local deve ser considerada em

processos de indução do desenvolvimento, principalmente em comunidades

artesanais, como é o caso das comunidades de Olho D’ água do Casado e Pão

de Açúcar.

Nas entrevistas com os técnicos do IBAMA/AL, da Secretaria de

Desenvolvimento Econômico do Estado de Alagoas, em nenhum momento foi

citada ou ao menos considerada pelos órgãos a questão da história dos

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pescadores e a secularidade com que a pesca é desenvolvida nos municípios

em Alagoas.

Essa é a lógica do Capital na produção de alimentos. Foi assim com a pecuária

e com a rizicultura. A busca e proliferação de mudanças genéticas nas

espécies é uma constante para adaptar seres vivos ao ambiente já degradado

pelo Capital.

Na medida em que os pescadores artesanais são chamados pelo Capital e

envolvidos pelo discurso de que dias melhores estão por vir (não se diz

quando...), começam a esmaecer diante de toda sua lógica do trabalho e da

cultura que os possibilitou existir durante séculos. Novas competências são

requeridas ao pescador artesanal para ser aceito pela modernidade da

atividade da piscicultura em tanques-rede, mas nenhuma delas é tão agressiva

quanto a mutilação silenciosa em suas memórias, em seu passado, em seu

viver.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da crise pesqueira e do rio São Francisco ter reduzido

significativamente seu papel de polarização e de organização do

desenvolvimento econômico regional, ele continua tendo um papel de destaque

para os pescadores, significando muito mais do que uma simples fronteira

natural.

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Essa reflexão é a base que fundamenta a análise final desta tese, que enfoca a

incerteza por que passam os pescadores do Baixo São Francisco, como

resultante de intervenções impostas na região e seus reflexos no futuro do

pescador.

Além de representar a alma do pescador, o rio São Francisco serve como fonte

de suprimento de água para o consumo das populações dos municípios por

onde ele passa, atendendo às suas necessidades básicas, alem de ser muitas

vezes a única opção de lazer para as comunidades e ainda meio de transporte.

As empresas de beneficiamento de pescado defendem transformação do

pescador em piscicultor, por entender que o pescador é predador e que a

piscicultura se apresenta como uma atividade rentável e segura.

Economicamente falando, a piscicultura em tanques-rede é um ótimo negócio

para as empresas. Conclui-se que só para elas.

A questão colocada é: "Como os pescadores poderão participar desse

processo?"

A inserção do pescador artesanal na aqüicultura representa uma mudança

cultural profunda, na medida em que eles passam de extratores para cultivador

Infelizmente, a questão cultural, que envolve a pesca, vem sendo ignorada pelo

sistema de planejamento que provoca a intervenção na região. Os órgão de

apoio e monitoramento da pesca em Alagoas ( SEAP, IBAMA, CODEVASF)

não perguntou ao pescador artesanal dos municípios pesquisados quais

poderiam ser as soluções para a falta do peixe no rio São Francisco.

Desprezando todo o referencial tácito e cultural, e a falta de acesso à

informação dos pescadores, a aqüicultura, através da prática do tanque-rede

foi empurrada e disponibilizada como única alternativa viável para as

comunidades de pescadores, não restando a estes nada mais do que “aceitar”

o veredicto, e junto com ele, as “doações” dos tanques-rede, dos alevinos e do

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primeiro ciclo de ração. E depois, os pescadores ficam por conta (e risco) deles

próprios.

O fracasso das estratégias aplicadas à pesca exige um novo equacionamento

dos problemas, de enfoques criativos e, sobretudo, de novas estratégias e

políticas para o desenvolvimento da pesca artesanal, não só no Nordeste, mas

em todo o Brasil.

Foi evidenciado na pesquisa que o que se apresenta como alternativa a pesca

artesanal, é somente a aqüicultura (criação em viveiros e tanques-rede de

peixes, camarão, mariscos), não só em Alagoas, mas na maioria dos Estados

com atividade pesqueira comercial. Nos meios disponibilizados pela ANA,

IBAMA, SEAP, CODEVASF, dentre outros, todas as linhas de apoio e os

projetos passiveis de fomento tem que estar enquadrados nos modelos

entendidos como rentáveis, sendo evidenciada claramente a defesa dos

criatórios e a renegação da pesca artesanal.

Não se deve desconsiderar toda a identidade e a cultura de uma comunidade,

que desempenha uma atividade secular como a pesca, propondo mudanças

que irão refletir no modo como as mesmas sempre viveram. Torna-se

imprescindível para o sucesso de qualquer intervenção com a pretensão de ser

sustentável, que esse conhecimento seja reconhecido e inserido nos

planejamentos para a região e a atividade em si.

A possibilidade de acesso ao crédito para compra de embarcações e redes de

pesca não é apontada como solução, pois o retorno financeiro da pesca não é

suficiente para honrar os compromissos bancários.

Quando questionados sobre as alternativas para melhorar a pesca local, a

saída encontrada é sempre relacionada à religiosidade e ao fanatismo. Deus é

quem sabe, pois é ele quem determina a sorte deles. A possibilidade de sair do

local para tentar outros centros maiores não foi apontada como solução em

nenhuma entrevista. A piscicultura só foi admitida por alguns por ter sido

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induzida pela pesquisadora, logo, não faz parte de suas proposições

espontâneas.

Outro fato constatado na pesquisa refere-se ao enfraquecimento das Colônias

de Pescadores, enquanto categoria profissional e de sua representatividade.

Os representantes, que solicitaram não ser identificados, estão fracos e se

dizem cansados de “gritar e ninguém ouvir”. A Colônia de Pescadores, que

deveria atuar mais diretamente na ação cooperativa, visando a inserir a

pequena pesca no mercado, apenas reflete seu passado de atrelamento ao

Estado.

Faz-se necessário que os pescadores deixem de ser apenas receptores de

políticas públicas impostas e sejam ouvidos enquanto cidadãos e produtores.

Para tanto, faz-se necessário que se viabilize uma nova organização que

efetivamente mobilize e atenda os interesses da categoria.

Os problemas enfrentados atualmente pelos pescadores não encontram

respostas nas atuais políticas governamentais, diante das imposições da

economia de mercado.

Em contexto tão adverso, esses pescadores estão à beira do desaparecimento.

Essa categoria vem sendo marginalizada de forma sistemática e crescente.

Sobreviver é a palavra de ordem dos pescadores em Pão de Açúcar, Olho

D’água do Casado e certamente, igual ou pior nos demais municípios que

sobrevivem da pesca em Alagoas.

O contato direto com a natureza dava a esse pescador autonomia e identidade

cultural. Entretanto, os processos de exploração e de apropriação econômica

da região transformaram a esperança de manutenção de um modo de vida

numa frustração.

A pesquisa conclui que se a pesca artesanal corre o risco de desaparecer nos

próximos anos; que o peixe está desaparecendo do rio São Francisco, mais

grave ainda é constatar que o pescador artesanal, mais do que o peixe, está

desaparecendo.

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É possível reverter esse quadro? Certamente que sim. Será fácil? Logicamente

que não. Este se constitui num desafio para a modernidade resgatar a

sustentabilidade da pesca artesanal no baixo São Francisco alagoano.

A participação dos pescadores na definição de políticas que os afetam, apesar

de exigir ainda um longo aprendizado, é algo dinâmico, desafiador, em que

essa população poderá contribuir e usufruir, de forma mais efetiva e direta, na

construção e transformação de sua realidade, através de ações organizadas.

Diante de uma realidade tão complexa e problemática, apresentam-se a seguir

algumas considerações para melhorar a situação econômica da pesca em

Alagoas:

1 – Observando-se a situação em que se encontra a pesca no Brasil, urge uma

tomada de posição, no sentido de definir políticas a curto, médio e longo

prazos, por parte do Ministério da Agricultura, sob pena de um

comprometimento irreversível do sistema produtivo das principais bacias

hidrográficas, como a do São Francisco.

2 - Adoção de ações de planejamento. O planejamento deve explicitar a sua

natureza transformadora, seu caráter político-participativo dirigido ao

fortalecimento da gestão participativa, sua visão sistêmica não concentrada

apenas nos aspectos econômicos, aliado a uma abordagem pluridimensional e

multidisciplinar.

3 – Fortalecer a capacidade local de organização social, ativando, ao mesmo

tempo, um crescente processo de autonomia decisória e inclusão social que

repercuta no contexto local. Para qualquer política direcionada à gestão da

pesca artesanal é imprescindível a incorporação do componente

socioeconômico e ambiental que envolva a atividade pesqueira. Tal política

deve ser embasada no devido conhecimento técnico-científico que oriente a

tomada de decisão na busca de uma gestão integrada dos recursos naturais do

rio São Francisco.

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4 - No caso de propostas de intervenções na bacia hidrográfica do São

Francisco é imprescindível que o Ministério do Meio Ambiente envide esforços,

junto ao Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, para que este regulamente

a atuação dos Comitês Federais de Bacias Hidrográficas; isso é proposto no

intuito de inserir a participação dos usuários em todas as decisões referentes

aos usos múltiplos da água do Velho Chico, conforme preceitua a Lei Federal

no 9.433/97 (Política Nacional dos Recursos Hídricos).

5 – Torna-se imprescindível o cadastramento do contingente real de

pescadores e que se realize um diagnóstico da situação da pesca local,

fazendo uso inclusive dos trabalhos já elaborados sobre a questão. Esses

dados servirão de base para a definição de políticas que favoreçam a atividade

pesqueira, inclusive com crédito, capacitação, assistência técnica e benefícios

sociais. O auxílio desemprego poderia atingir um número maior e real de

pescadores.

6 - Há necessidade de integração entre os agentes públicos que atuam no

Baixo São Francisco, para evitar a duplicidade de ações e o desperdício de

recursos financeiros e humanos.

7 – Se planejado e reorganizado, o incentivo que está sendo dado à

piscicultura no Baixo São Francisco poderá ser uma alternativa viável para o

pescador. Porém, a técnica de cultivo em tanques-redes exige estudos mais

detalhados, pelo impacto que a sobrecarga dessas estruturas poderão trazer

para o rio, que já está muito comprometido. Não existe legislação que

regulamente tal equipamento, além do fato de os tanques-redes só poderem

ser implantados em áreas que apresentem uma série de condições propícias

como profundidade e correnteza. Com certeza, não é uma saída para todo o

contingente de produtores do Baixo São Francisco, devido à capacidade de

suporte do rio.

8 – Fazer um estudo detalhado, de cunho científico e idôneo sobre o impacto

da Transposição.

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Tendo em vista que as atuais condições do Baixo São Francisco impossibilitam

o incremento da atividade pesqueira artesanal, é aconselhável que nessas

propostas de incentivo à piscicultura seja aberto espaço para aqueles

pescadores que manifestarem interesse nessa nova alternativa. Nesse caso, a

capacitação técnica e gerencial deve ser a base para tal transformação, aliada

a meios financeiros para investimentos na atividade (crédito a fundo perdido) e

bolsas para manutenção da família durante a referida transição, além de um

acompanhamento de todo o processo por técnicos que dêem segurança ao

pescador.

Portanto, é necessário que as estratégias de implementação de políticas

públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável primem pela aceitação

das heterogeneidades sociais, políticas, culturais e territoriais de cada

localidade. Generalizações e a importação de estratégias de desenvolvimento

não devem ocorrer, sob pena de extinção de um modo de vida e inviabilizar o

desenvolvimento das gerações que dele ainda dependem.

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APENDICES

APÊNDICE 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO QUESTIONÁRIO PARA COLETA DE DADOS JUNTO AOS PESCADORES DO BAIXO SÃO FRANCISCO. TODAS AS INFORMAÇÕES PESSOAIS SERÃO RPESERVADAS. OS NOMES VERDADEIROS NÃO SERÃO CITADOS NA REDAÇÃO FINAL DO TRABALHO 1 - Dados Pessoais:

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Nome:

Apelido:

Endereço:

Tempo de residência:

Estado Civil: Idade:

Escolaridade:

Numero do Registro na Colônia

Pertence a colônia: sim ( ) não ( )

Contribui para o INSS

É Aposentado: sim ( ) não ( )

Quantos da família já saíram do município? Conhecem Maceió ou outra cidade

do Estado? Conhecem outro Estado?

Constituição Familiar:

Nome parentesco Sexo Escolaridade Idade Ocupação

2 - Parentes que trabalham fora. Onde?

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3 - Composição da renda familiar .

Tipo de Renda Tipo de família

Exclusivamente

Pesqueira

Pluriativa

R$ R$

Renda da Pesca

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Renda de atividades

relacionadas a pesca

Renda de atividades

externas

4 - Desenvolve atividade complementar a renda? Quantos dia no mês em média?

5 - Quantas pessoas na família:

------ Quantidade Parentesco A quanto tempo

mora com a

família

São aposentados

Recebem bolsa

família:

Outro Benefício:

¨6 - Esposa trabalha: Em que?

Tipo de Atividade Marcar X Nº de Dias - média

Assalariado na pesca tanque-rede

Serviços pessoais

Comércio

Feira livre e comércio em geral

Indústria

Fabricação de Redes

Construção Civil

Comércio próprio

Serviços auxiliares

Artesanato

Transporte

Outro:

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____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

7 - Filhos trabalhando, maior de 14 anos, remunerado?

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

8 - Crianças na escola :

No município:

Em outro município:

9 - Filhos em Faculdade: ( ) Sim ( ) Não ( ) Pretende .

Onde e Qual o curso.____________________

10 - Possui Canoa ou Barco Próprio. Quantos? ______________________

11- Possui ajudante no trabalho? Quantos_________________________

12 - Já precisou se desfazer da canoa? Por qual razão? _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

13 - Aluga ou empresta a canoa? Em quais situações? Já precisou pedir emprestado alguma vez?

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

14 – Já pegou financiamento ? Valor, Instituição./ se endividou?

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_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

15 – Participa ou já participou de algum projeto, programa ou ação do

Governo/Codevasf/APL voltados para a pesca?

• Quando

• Avaliação do pescador

• Resultados positivos e negativos

__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

__________________________________________________________

16 – Como vê a pesca no São Francisco hoje?

• Como era

• Como está agora

• Quando começaram as dificuldades

• Quais as principais dificuldades

• Apoio institucional ?

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

__________________________________________________________

17 – Qual é a solução?

18 - Se a situação piorar, como se comportaria:

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Esperaria a crise passar

Deixaria a pesca

Iria para a capital na busca de

alternativas

Empregar-se-ia em qualquer

atividade

Iria para outro Estado

Não sei

Outra

19 - A família pretende continuar com a pesca artesanal?

Sim

Não

Não sabe - -

APÊNDICE 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO ROTEIRO DE ENTREVISTA JUNTO AS INSTITUIÇÕES LIGADAS A PESCA EM ALAGOAS. TODAS AS INFORMAÇÕES PESSOAIS SERÃO RPESERVADAS. OS NOMES VERDADEIROS NÃO SERÃO CITADOS NA REDAÇÃO FINAL DO TRABALHO. INSTITUIÇÃO: NOME: FUNÇÃO/CARGO: FORMAÇÃO: TEMPO DE INSTITUIÇÃO: NO CARGO OU FUNÇÃO:

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1 - PAPEL DA INSTITUIÇÃO FRENTE A AÇÕES DE APOIO/FISCALIZAÇÃO/FOMENTO JUNTO A ATIVIDADE DA PESCA EM ALAGOAS. 2 – COMPETÊNCIAS DA INSTITUIÇÃO JUNTO A ATIVIDADE PESQUEIRA. 3 – RELAÇÃO COM AS COLÔNIAS DE PESCADORES. 4 - PRINCIPAIS AÇÕES DESENVOLVIDAS. 5 – DADOS/RELATÓRIOS/PESQUISA 6 – MUNICÍPIOS OU REGIOES DO ESTADO ONDE ATUAM 7 – REALIZAM PESQUISAS OU VISITAS AS COMUNIDADES 8 – COMO PLANEJAM AS PROPOSIÇÕES OU INTERVENÇÕES NA COMUNIDADE? 9 – DISPONIBILIZAM RECURSOS? DE QUE TIPOS (ECONÔMICOS E/OU FINANCEIROS) 10 – COMO ANALISA O FUTURO DA ATIVIDADE PESQUEIRA EM ALAGOAS EM ESPECIAL, A PESCA ARTESANAL.