Pesquisa FAPESP 206

100
ABRIL DE 2013 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR Sócios na inovação Empresas e universidades unem-se em parques tecnológicos e enfrentam novos desafios de pesquisa e desenvolvimento BIOTECNOLOGIA Droga anti-HIV é feita a partir de soja transgênica ALPHA-CRUCIS Navio oceanográfico mapeia depósitos de sedimentos no Atlântico CLIMA Geleiras encolhem em ritmo acelerado nos Andes ENTREVISTA BEATRIZ BARBUY A formação e a química das estrelas

description

Sócios na inovação

Transcript of Pesquisa FAPESP 206

abril de 2013 www.revistapesquisa.fapesp.br

Sócios na inovaçãoEmpresas e universidades unem-se em parques tecnológicos

e enfrentam novos desafios de pesquisa e desenvolvimento

biotecnologiaDroga anti-HIV é feita a partir de soja transgênica

alpha-cruciSNavio oceanográfico mapeia depósitos de sedimentos no Atlântico

climaGeleiras encolhem em ritmo acelerado nos Andes

entreviStabeatriz barbuy A formação e a química das estrelas

apresentado por Mariluce Moura, diretora de redação da revista Pesquisa FaPesP, e por Celso filho, diretor da rádio usp, o pesquisa brasil traz informações de ciência, tecnologia, meio ambiente, humanidades.

Há sempre um pesquisador convidado conversando sobre o desenvolvimento de sua pesquisa, além de uma seleção musical com muito swing.

e você pode participar do “Ouvinte pesquisa” fazendo perguntas aos pesquisadores e concorrendo a uma assinatura anual da revista Pesquisa FaPesP.

Toda sexta-feira, das 13h às 14h, na rádio UsP, você tem um encontro marcado com a ciência falada

pesquisa brasil

aguce seus sentidos e

sintonize já!

93,7 mHzwww.revistapesquisa.fapesp.br

ed

ua

rd

o c

esa

r, e

du

ar

do

sa

Nc

INe

TT

I, r

Ica

rd

o z

or

ze

TTo

, léo

ra

mo

s, N

asa

/ jp

l, l

aT

INsT

oc

k/m

eHa

u k

ulY

k/s

cIe

Nc

e p

Ho

To l

IBr

ar

Y/s

pl

dc

peSQuiSa FapeSp 206 | 3

Cores da pecuáriaOs “fogos de artifício” sobre o mapa de Mato Grosso são, na verdade, uma outra

maneira de identificar as zonas pecuárias mais produtivas do estado. Cada ponto

representa um município mato-grossense, cada cor mostra um circuito pecuário

diferente e o tamanho do ponto indica sua importância. a grossura das linhas

que conectam os pontos é proporcional ao número de animais que circularam entre

dois municípios. Os dados são do trânsito de animais relativo a 2007 e fazem

parte do doutorado de José Henrique Grisi-filho. eles foram publicados em artigo

na edição on-line de fevereiro da Preventive Veterinary Medicine.

Fotolab

se você tiver uma imagem relacionada a pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 Mb. seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Imagem enviada por José Henrique Grisi-Filho, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo

4 | aBrIl de 2013

polÍtica cientÍFica e tecnolÓgica

32 astrofísicaSuperradiotelescópio inaugurado no Chile procura as primeiras estrelas do Universo frio, escuro e distante

36 brasilianaBiblioteca que abriga acervo de José Mindlin é inaugurada na USP

ciÊncia

38 OceanografiaSedimentos revelam a história climática e evolutiva de ambientes desaparecidos há milhares de anos

44 ClimatologiaFotos aéreas e imagens de satélite registram encolhimento acelerado de geleiras da América do Sul

48 especial biota educação iiInterferência humana ajudou a manter a diversidade biológica do pampa, um dos mais complexos ecossistemas brasileiros

53 etologiaExperimentos demonstram a capacidade das abelhas-europeias de associar cores e sinais

56 imunologiaMédicos se mobilizam para detectar precocemente doenças causadas por falhas nas barreiras contra microrganismos

14 capaLaboratórios de empresas em parques de universidades enriquecem formação de estudantes e respondem a novas demandas em pesquisa e desenvolvimento

ilUsTraçãO daNIel BueNo

22Facility da unicamp reúne, num mesmo prédio, equipamentos modernos para pesquisa em genômica, proteômica, bioinformática e biologia celular

entreviSta

24 beatriz barbuyastrofísica da usp fala sobre a formação das primeiras estrelas da via Láctea

tecnologia

62 biotecnologiaMedicamento anti-HIV é obtido de soja transgênica

66 QuímicaNanopartículas feitas a partir de fungos são testadas com sucesso em tecidos antibacterianos e em ferimentos

70 agriculturaPequena empresa de automação agrícola de São Carlos ganha reconhecimento internacional

72 empreendedorismoCresce a participação da arqueologia empresarial em canteiros de obras de infraestrutura

humaniDaDeS

76 artesExposição, acervo virtual e livro celebram centenário da primeira mostra de Lasar Segall no Brasil

81 HistóriaNos anos 1950, cultura e política tiveram ligação de mão dupla que interessava a artistas e ao Partido Comunista

84 economiaPesquisadores identificam e analisam como acontece o fenômeno da inserção produtiva em tempos de crise

SeçÕeS

3 fotolab5 Carta do editor6 Cartas7 On-line8 Dados e projetos9 boas práticas10 estratégias12 tecnociência88 Memória90 arte92 Conto94 resenhas96 Carreiras

32

abril 2013 n. 206

44

62

peSQuiSa FapeSp 206 | 5

neldson marcolin eDitOr CHefe

carta Do eDitor

embora sejam patentes os problemas do en-sino superior no país, a exemplo da nova lei que determina mudanças nas carreiras

dos professores das instituições federais, alvo de duras críticas da comunidade científica (ver Pesquisa FAPESP nº 205), algumas universidades de pesquisa brasileiras parecem estar evoluindo seguindo exemplos bem-sucedidos no exterior. A criação do Parque Científico e Tecnológico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem não só a preocupação de atrair empresas para montar laboratórios de inovação como a intenção de aprimorar a formação de estudan-tes. A reportagem de capa do editor de Política, Fabrício Marques, explica como a iniciativa po-derá produzir desenvolvimento tecnológico e contribuir para a pesquisa fundamental. O par-que tem pelo menos quatro modelos de financia-mento utilizados na construção dos laboratórios, que terão pesquisadores de empresas, docentes e estudantes trabalhando no mesmo ambiente.

O fato mais interessante é que a Unicamp não es-tá sozinha nesse movimento. O Parque Tecnológico do Rio, dentro do campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o TECNOPUC, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, têm caráter e objetivos semelhantes. O Sistema Paulista de Parques Tecnológicos agrega 27 outros empreendimentos espalhados pelo es-tado, alguns ligados à Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Estadual Paulista (Unesp). É verdade que o investimento contínuo na busca por esse modelo de inovação começou apenas por volta de 10 anos atrás no Brasil. Nos Estados Uni-dos, a experiência pioneira coube à Universidade Stanford, na Califórnia, no início dos anos 1950. Foi a articulação entre universidades, institutos de pesquisa e empresas de microeletrônica que deu origem ao principal conjunto de companhias tec-nológicas do mundo, o Vale do Silício, na mesma Califórnia. Se tiver continuidade, o trabalho que vem sendo feito aqui poderá também contribuir para levar o país a um novo patamar de desenvol-vimento tecnológico (página 14).

Vem igualmente da cooperação entre cientistas outro destaque desta edição. A Embrapa Recur-sos Genéticos usou a engenharia genética para criar uma soja transgênica que produz sementes

com a enzima cianovirina-N, eficaz contra o vírus HIV, causador da Aids, de acordo com testes la-boratoriais realizados em estudos pré-clínicos. A cianovirina foi isolada de uma cianobactéria nos Estados Unidos e poderá compor um medicamen-to em forma de gel idealizado por pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) e da Universidade de Londres para ser aplicado antes das relações sexuais. O problema era tornar viável comercialmente o medicamen-to dada a dificuldade de conseguir a proteína em grande quantidade para o gel. Aí entrou a Embra-pa, procurada em 2007 pelos pesquisadores ame-ricanos para tentar produzir a enzima por meio da soja. Deu certo: a “soja engenheirada”, como é chamada no linguajar técnico, já tem sementes com a cianovirina. O desafio no momento é me-lhorar o processo de purificação da enzima para testar o princípio ativo em primatas e, posterior-mente, em seres humanos, como relata o editor de Tecnologia, Marcos de Oliveira (página 62).

Do campo para o mar: o editor especial Carlos Fioravanti passou nove dias a bordo do navio de pesquisa Alpha-Crucis, com 19 pesquisadores do Instituto Oceanográfico da USP (página 38). Ele acompanhou o trabalho dos cientistas de perto e conta como foi a primeira expedição de cunho geológico fora dos limites da plataforma conti-nental em um navio bem equipado que permite ir mais longe, mais fundo e com mais conforto do que o anterior, o Professor Besnard, desativado em 2008. A reportagem também mostra um la-do pouco exposto da ciência: o trabalho pesado e repetitivo, a tensão causada pelo cansaço e os imprevistos embaraçosos. Vale a pena conhecer essas histórias.

No mês passado foi inaugurado na Cidade Uni-versitária da USP, em São Paulo, o prédio que abriga a Brasiliana, notável biblioteca de 32 mil volumes de Guita e José Mindlin sobre temas bra-sileiros doada pelo casal à universidade (página 36). A iniciativa beneficia não apenas pesquisa-dores, porque o acervo já vem sendo digitalizado desde 2009 e está disponível on-line. Essa é mais uma boa história desta edição.

Boa leitura.

um bom caminho

6 | aBrIl de 2012

olimpíadasMerece os cumprimentos Fabrício Mar-ques pela reportagem “Eles gostam de ciên cia e desafios” (edição 205) por trazer à baila o árduo envolvimento de alunos e professores nas olimpíadas cien-tíficas em nosso país. A escolha da seção em que o artigo foi colocado está perfeita, pois essa é uma atividade que deveria ser primordial na política nacional de C&T. Atividade que deveria ser mais e melhor estimulada. Há um celeiro de talentos trancafiados em nossas escolas que serão engolidos pelo sistema des-truidor de cérebros e que jamais terão a oportunidade de participar da cultura científica. Temos de buscá-los. Além da dinâmica muito bem estabelecida para o trabalho de preparo e participação desse pessoal nas olimpíadas, há uma série de prêmios que também desafia os jovens. O Prêmio Jovem Cientista (CNPq, Funda-ção Roberto Marinho e outros parceiros) e o Prêmio CRQ-IV Região são certames anuais que também abrem espaço para estimular alunos do ensino médio, de forma talvez menos noticiada e de menor extensão que as olimpíadas, mas tão desa-fiadores quanto. Talvez não intencional, mas a reportagem foi uma alfinetada no Comitê Olímpico Brasileiro, que havia proposto o estapafúrdio impedimento do uso do nome “olimpíada” para os cer-tames científicos. Página virada em um raro momento em que a lógica triunfou. adilson roberto gonçalves

escola de engenharia de Lorena/usp

Lorena, sp

revistaHá anos busco uma revista de nível tecnológico para compor meu mix de interesses. Um dia, em uma banca de revistas, vi Pesquisa FAPESP. Adquiri um exemplar e nunca mais deixei de ler. Ocorre que tive diabetes e catarata, o que é uma afronta para quem ama o raciocínio forjado na leitura e na reflexão. Com a doença nos olhos, a letra das publi-cações amiudou-se covardemente e ficou difícil ler. Eu uso o leitor Kindle e poderia digitalizar a revista. Mas, se os textos estiverem disponíveis em formato PDF, será mais fácil. Eu terei como voltar a ler

porque conseguirei aumentar as letras. Quero agradecer o esforço intelectual, revestido e robustecido pela integridade científica, destas páginas de valor.ricardo loureiro Junger

serra, es

Nota da redação: Pesquisa FAPESP es-tá disponível gratuitamente em www.revistapesquisa.fapesp.br nos formatos HTML e PDF.

mandiocaO vídeo sobre a reportagem “Mandioca vitaminada“ (edição 200), disponível na página da revista (www.revistapesqui-sa.fapesp.br), é o maior sucesso. Recebi vários cumprimentos. Méritos que são de nós todos: nossos, porque fizemos o trabalho, e de vocês, a equipe de texto, fotografia e vídeo de Pesquisa FAPESP, que teve a sensibilidade para captar a importância do trabalho. Parabéns. teresa losada valle

instituto agronômico, de Campinas (iaC)

Campinas, sp

correçãoO título “Segredos nos Lençóis Maranhe-ses” (edição 205) saiu grafado de modo errado, sem o n em maranhenses.

cartaS [email protected]

empresa que apoia a ciência brasileira

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim antunes, 727, 10º andar – Cep 05415-012, pinheiros, são paulo-sp. as cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

CeLsO LaferpresIdeNTe

eDuarDO MOaCyr KrieGervIce-presIdeNTe

conSelho Superior

aLeJanDrO szantO De tOLeDO, CeLsO Lafer, eDuarDO MOaCyr KrieGer, fernanDO ferreira COsta, HOráCiO Lafer piva, HerMan JaCObus COrneLis vOOrwaLD, JOãO GranDinO rODas, Maria JOsé sOares MenDes Giannini, JOsé De sOuza Martins, Luiz GOnzaGa beLLuzzO, sueLy viLeLa saMpaiO, yOsHiaKi naKanO

conSelho técnico-aDminiStrativo

JOsé arana vareLadIreTor presIdeNTe

CarLOs Henrique De britO CruzdIreTor cIeNTífIco

JOaquiM J. De CaMarGO enGLerdIreTor admINIsTraTIvo

conSelho eDitorialCarlos Henrique de brito Cruz (Presidente), Caio túlio Costa, eugênio bucci, fernando reinach, José eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia tavares de almeida, Marisa Lajolo, Maurício tuffani, Mônica teixeira

comitÊ cientÍFicoLuiz Henrique Lopes dos santos (Presidente), adolpho José Melfi, Carlos eduardo negrão, Douglas eduardo zampieri, eduardo Cesar Leão Marques, francisco antônio bezerra Coutinho, João furtado, Joaquim J. de Camargo engler, José arana varela, José roberto de frança arruda, José roberto postali parra, Luis augusto barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-anne van sluys, Mário José abdalla saad, paula Montero, roberto Marcondes Cesar Júnior, sérgio Luiz Monteiro salles filho, sérgio robles reis queiroz, wagner do amaral, walter Colli

coorDenaDor cientÍFicoLuiz Henrique Lopes dos santos

Diretora De reDação Mariluce Moura

eDitor cheFe neldson Marcolin

eDitoreS Carlos Haag (Humanidades), fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); Carlos fioravanti e Marcos pivetta (Editores espe ciais); bruno de pierro e Dinorah ereno (Editores assistentes)

reviSão Márcio Guimarães de araújo, Margô negro

arte Mayumi Okuyama (Editora), ana paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia felli e Camila suzuki (Assistente)

FotÓgraFoS eduardo Cesar, Léo ramos

mÍDiaS eletrônicaS fabrício Marques (Coordenador) internet Pesquisa FAPESP onlineMaria Guimarães (Editora executiva - licenciada)Júlio Cesar barros (Editor em exercício) rodrigo de Oliveira andrade

ráDio Pesquisa Brasilbiancamaria binazzi (Produtora)

colaboraDoreS abiuro, alexandre affonso, ana Lima, Daniel bueno, Daniel das neves, fabio Otubo, Jaime prades, José de souza Martins, Joaquim de almeida, Julián fuks, igor zolnerkevic, Lauro Lisboa Garcia, Marcelo Motokane, Maria Hirszman, valter rodrigues (Banco de Imagens), yuri vasconcelos

é proibiDa a reproDução total ou parcial De textoS e FotoS Sem prévia autorização

para Falar com a reDação (11) [email protected]

para anunciar (11) 3087-4212 [email protected] aSSinar (11) 3038-1434 e 3556-5204 [email protected]

tiragem 48.200 exemplaresimpreSSão plural indústria GráficaDiStribuição Dinap

geStão aDminiStrativa institutO unieMp

peSQuiSa FapeSp rua Joaquim antunes, no 727, 10o andar, Cep 05415-012, pinheiros, são paulo-sp

FapeSp rua pio Xi, no 1.500, Cep 05468-901, alto da Lapa, são paulo-sp

seCretaria De DesenvOLviMentO eCOnôMiCO,

CiênCia e teCnOLOGia governo Do eStaDo De São paulo

funDaçãO De aMparO à pesquisa DO estaDO De sãO pauLO

issn 1519-8774

peSQuiSa FapeSp 206 | 7

par

a l

er o

dIg

o f

a o

do

wn

loa

d d

o l

eITo

r d

e Q

r c

oD

e N

o s

eu s

ma

rtph

on

E

yOutube.COM/user/pesquisafapesp

oN-lINew w w . r e v i s t a p e s q u i s a . f a p e s p. b r

x é possível prever a evolução das espécies usando cálculos matemáticos? O físico Marcus de aguiar, da universidade estadual de Campinas (unicamp), aplicou modelos teóricos a sistemas biológicos para criar um software que ajuda a entender o papel do espaço físico no surgimento de espécies. Como teste, simulou as transformações pelas quais passou a ave asiática felosa (Phylloscopus trochiloides). a conclusão é que as diferenças genéticas não se acumulam só quando uma população é forçada ao isolamento, mas também podem ocorrer quando o isolamento é parcial e até mesmo sem barreira geográfica.

x a produção de etanol tornou-se mais sustentável com a mecanização da colheita da cana-de-açúcar, que reduz as emissões de gases de efeito estufa e de material particulado à atmosfera. a conclusão é de um estudo publicado na versão on-line da revista Applied Energy por cientistas do Laboratório nacional de Ciência e tecnologia do bioetanol (Ctbe), da faculdade de engenharia Mecânica da unicamp e do instituto de recursos naturais da universidade federal de itajubá, em Minas Gerais. O processo de produção de etanol no brasil tem hoje potencial de aquecimento global 46% menor que no início da década de 1980.

exclusivo no site

rádio

Eurípedes Miguel, professor da USP, fala sobre o Transtorno Obsessivo Compulsivo

vídeo do mês

Pesquisadores contestam tese de que as medidas do crânio determinariam o caráter da pessoa

Dados sobre a ave felosa ajudaram os pesquisadores

j. m

. ga

rg

/ W

IkIm

edIa eliane chaves_ Lençóis

Maranhenses, lindos para curtir e... pesquisar! (Segredos nos Lençóis Maranhenses)

Simone cassiano_ O mundo precisa de mais caráter, de pessoas dispostas a construir novas perspectivas, em vez de se preocupar e se dedicar à construção e propagação de preconceitos. (O crânio subvertido)

vitor cordeiro costa_ eu só preciso de professores que tenham o MÍniMO de didática e de formação pedagógica, independentemente do título que tenham. (Mudança polêmica)

cledson Dinhero_ não basta ser campeão em cálculos!! é preciso que se trabalhem a construção e a reconstrução do conhecimento. falta ao brasil a cultura de investimento em ciência e tecnologia! (Eles gostam de ciência e desafios)

miguel oliveira_ parabéns à pesquisadora do iaC, ao iaC e a todos que desenvolvem alimentos pensando no brasileiro! (Mandioca vitaminada)

Nas redes

assista ao vídeo:

8 | aBrIl de 2013

dados e projeTos

temáticoS

xorganização e funcionamento da política representativa no estado de São paulo (1994 e 2014)pesquisadora responsável: rachel Meneguelloinstituição: Centro de estudos de Opinião pública/unicampprocesso: 2012/19330-8vigência: 01/05/2013 a 30/04/2018

xgift: melhoramento genômico de características relacionadas com a fertilização em gado bovino dinamarquês e brasileiro (FapeSp-DcSr)pesquisador responsável: Marcelo fábio Gouveia nogueirainstituição: faculdade de Ciências e Letras de assis/unesp processo: 2012/50533-2vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xagroindustrial wastes and its potential use as appropriate materials for housing and infrastructures (agrowaste) (FapeSpanr-blanc-aWapumat)pesquisador responsável: Holmer savastano Juniorinstituição: faculdade de zootecnia e engenharia de alimentos/uspprocesso: 2012/51467-3vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xrole of Fc receptors in bacterial immune evasion (FapeSp/anr-blanc-Fcbaceva)pesquisador responsável: irineu tadeu velascoinstituição: faculdade de Medicina/uspprocesso: 2012/51468-0vigência: 01/02/2013 a 31/01/2016

Jovem peSQuiSaDor

xnível de atividade e aptidão física e sua associação com o declínio da função pulmonar em adultos do município de Santos, brasilpesquisador responsável: victor zuniga Douradoinstituição: instituto de saúde e sociedade/unifesp

temáticoS e Jovem peSQuiSaDor recenteSprojetos contratados em fevereiro e março de 2013

processo: 2011/07282-6vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xcaracterização da rede de regulação cardiogênica controlada por coup-tFii a partir de células-tronco embrionáriaspesquisador responsável: Henrique Marques barbosa de souzainstituição: instituto de biologia/unicamp processo: 2012/09602-0vigência: 01/04/2013 a 31/03/2017

xenvolvimento dos ácidos graxos de cadeia curta e seu receptor (gpr43) na resposta imune a bactérias anaeróbias in vivo e in vitropesquisador responsável: Marco aurélio ramirez vinoloinstituição: instituto de biologia/unicampprocesso: 2012/10653-9vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

xrevisão do inventário dimensional clínico da personalidade (iDcp) de acordo com o DSm 5pesquisador responsável: Lucas de francisco Carvalhoinstituição: universidade são francisco - Campus itatibaprocesso: 2012/12794-9vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xresposta da porção oeste do oceano atlântico às mudanças na circulação meridional do atlântico: variabilidade milenar a sazonalpesquisador responsável: Cristiano Mazur Chiessiinstituição: escola de artes, Ciências e Humanidades/uspprocesso: 2012/17517-3vigência: 01/03/2013 a 28/02/2017

xtransporte de grãos por leito móvel e instabilidades associadaspesquisador responsável: erick de Moraes franklininstituição: faculdade de engenharia Mecânica/unicampprocesso: 2012/19562-6vigência: 01/03/2013 a 29/02/2016

artigos quentestrabalhos mais citados desde o ano de publicação até hoje

com endereço de são paulo

Fonte: web of science, artigos em inglês de são paulo. (py=(ano) anD aD=(brasil or brazil) anD ps=(sp or sao paulo)) anD Language=(english) anD Document types=(article)

2008

Área Número de citações

Colaboração internacional

autor para correspondência no brasil

Número de autores

astronomia 230 sim não >90

astronomia 229 sim não >100

saúde 229 sim não 6

saúde 187 sim sim 14

Física 179 sim não >50

ecologia 154 sim sim 4

etanol 153 não sim 4

bio Mol 131 sim não 8

Física 113 sim sim 4

Física 112 sim não 8

2009

Área Número de citações

Colaboração internacional

autor para correspondência no brasil

Número de autores

Geociências 319 sim não >30

Genômica 275 sim não >100

Física 210 sim sim 4

Genômica 165 sim não >100

saúde 158 sim não >50

Física 157 sim sim 4

ecologia 142 sim não 5

Física 131 sim não 3

engenharia 128 não sim 3

Química 120 sim não 3

2010

Área Número de citações

Colaboração internacional

autor para correspondência no brasil

Número de autores

saúde 201 não sim 3

Física 161 não sim 5

astronomia 153 sim não >100

astronomia 126 sim não >100

Física 97 sim não >100

Química 96 sim não 2

Física 92 não sim 5

astronomia 88 sim não >100

Física 85 sim não >100

saúde 83 sim não 20

peSQuiSa FapeSp 206 | 9

Conferência discute integridade na pesquisa

Boas práTIcas

A terceira edição da Conferência Mundial sobre Integridade na Pesquisa, que ocorre entre os dias 5 e 8 de maio em Montreal, no Canadá, reunirá pesquisadores de todos os continentes com o objetivo de discutir os desafios da ética e das parcerias internacionais na ciência. O Brasil, que participará do evento com seis trabalhos acadêmicos, é apontado como líder na América Latina em pesquisas sobre integridade científica e deverá se posicionar como candidato para sediar a próxima conferência.

A professora Sonia Vasconcelos, do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é autora de um dos trabalhos que serão apresentados e coautora de outros quatro. A apresentação que fará na conferência mostrará o progresso na abordagem dessas temáticas no Brasil. “Apesar de a inserção brasileira ser recente no cenário internacional de políticas em integridade na pesquisa científica, o país começa a ter voz nos debates mundiais, o que faz toda a diferença.” Nos últimos anos, algumas instituições passaram a investir na realização de reuniões e seminários para discutir o tema, e começam a surgir disciplinas na pós-graduação com o intuito de fomentar a pesquisa na área. Como exemplo, Sonia menciona iniciativas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que enviará à conferência um representante do governo federal, e da FAPESP, que em 2011 lançou seu Código de boas práticas científicas, com o objetivo de reforçar na comunidade científica de São Paulo uma cultura sólida de integridade ética da pesquisa.

Entre as contribuições do Brasil para as discussões está uma pesquisa sobre a inserção de consensos internacionais para a ética em publicações em periódicos ibero-americanos, realizada por Rosemary Shinkai, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e outra sobre conflitos de interesse na comunicação da ciência contemporânea, de Márcia de Cássia Cassimiro, da Fundação Oswaldo Cruz. Nesta última identificou-se que cada vez mais a declaração de conflitos de interesse, inclusive financeiros, vem se tornando parte das demandas editoriais em várias áreas do conhecimento. Historicamente, a discussão de conflitos de interesse sempre foi muito concentrada na pesquisa biomédica.

A segunda edição da conferência, realizada em 2010, em Cingapura, resultou em uma declaração com princípios gerais e consensos, fruto do acordo entre diversos países. A expectativa é que o encontro de Montreal produza um novo documento, dessa vez alertando para um assunto considerado central nas discussões que serão travadas: a busca de um maior envolvimento das instituições acadêmicas. A finalidade é promover o debate sobre as responsabilidades que elas devem assumir no gerenciamento das atividades de colaboração. “As colaborações entre grupos de pesquisa de diversos países exigem novos critérios de monitoramento, avaliação e disseminação dos resultados, e isso demanda novas políticas voltadas para a ética e as boas práticas em ambientes colaborativos”, explica Sonia.

O encontro deste ano deverá ser marcado pela pluralidade nas

da

NIe

l Bu

eNo

mesas de discussão. Isso porque os casos de má conduta científica são praticados em contextos culturais variados. Embora haja consensos em torno de alguns pontos comuns, como falsificação e fabricação de dados, existem ainda questões conflituosas, que tendem a aumentar conforme as colaborações internacionais entre pesquisadores se intensifiquem. As percepções de plágio, por exemplo, são influenciadas pelas culturas de diferentes áreas do conhecimento e muitas vezes de países. “O Oriente Médio, por exemplo, está participando mais da ciência globalizada, mas ainda sofre um choque cultural quando entra em contato com padrões estabelecidos pelo Ocidente. Isso levanta questões éticas, porque cada país vê um problema de uma forma diferente”, diz Sonia.

o brasil começa a ter voz nos debates mundiais sobre integridade na pesquisa, diz Sonia vasconcelos, da uFrJ

10 | aBrIl de 2013

esTraTégIas

realizou-se em março em tóquio o simpósio brasil-Japão sobre Cooperação Científica, organizado pela fapesp e pela sociedade Japonesa para a promoção da Ciência (Jsps) na universidade rikkyo, com apoio da embaixada do brasil no Japão. O evento ocorreu como parte do processo de intensificação das relações entre cientistas de são paulo e de outros países que a fapesp vem realizando. ainda não há nenhuma parceria formal entre a fundação e uma entidade japonesa. O presidente da fapesp, Celso Lafer, e o presidente da Jsps, yuichiro anzai, trataram da possibilidade de as duas entidades estudarem o estabelecimento de um acordo de cooperação para o desenvolvimento de projetos de pesquisa conjunto por cientistas de são paulo e do Japão financiados por

Ligações com o Japão

elas. a Jsps recebe cerca de 100 mil pedidos de financiamento para pesquisa por ano e contempla aproximadamente 30% deles. seu orçamento é de cerca de us$ 3,7 bilhões anuais. ela tem acordos com 85 instituições de ensino e pesquisa em 45 países. O professor Celso Lafer, que esteve acompanhado do diretor-presidente do Conselho técnico- -administrativo da fapesp, José arana varela, também foi recebido na Japan science and technology agency (Jst), a segunda principal fomentadora de pesquisa do Japão, pelo seu presidente, Michiharu nakamura, e outros diretores. Com um orçamento anual de cerca de us$ 1,2 bilhão, a Jst tem o foco mais direcionado para pesquisas de caráter inovativo e de aplicação mais imediata.

Contribuição em genética

1 plateia do simpósio na universidade rikkyo, em tóquio

2 Celso Lafer, presidente da fapesp, e yuichiro anzai, presidente da Jsps

O geneticista willy beçak, pesquisador e ex-diretor-geral do instituto butantan, recebeu no dia 21 de março o prêmio de pesquisador do ano de 2012, concedido pela rede social biotech-space, que reúne empresários e pesquisadores em biotecnologia. um dos pioneiros da genética brasileira, beçak, de 80 anos, criou em 1960 o Laboratório de Genética do butantan, o primeiro a realizar estudos citogenéticos no país. atualmente é professor na universidade federal da integração Latino- -americana (unila). a representante do comitê que escolheu o vencedor, a professora da faculdade de Medicina da universidade de são paulo, edna frassom Montero, enfatizou que o objetivo da premiação é mostrar quem são os pesquisadores, como o professor beçak, que contribuem para a evolução da ciência e da tecnologia no brasil.

willy beçak: pioneiro da genética no instituto butantan

Os diretores da fapesp estiveram também com seus colegas do riken, um dos principais institutos de pesquisa japoneses, com centros em diversas cidades do país e ênfase em programas de engenharia aplicada a biomassa, ciências da computação, medicina preventiva, estudos do cérebro, biologia quantitativa, entre outros. na universidade de tóquio, Celso Lafer e José arana varela reuniram-se com o presidente, Jinichi Hamada, que lhes contou sobre o fórum que a instituição japonesa realizará em são paulo nos dias 11 e 12 de novembro deste ano. 3

1

2

peSQuiSa FapeSp 206 | 11

FOTO

s 1

HeI

Tor

sH

ImIz

u 2

jsp

s /

dIv

ulg

ão

3 e

du

ar

do

ces

ar

4 c

HIm

p H

av

eN i

lUsT

ra

çã

O d

aN

Iel

BueN

o

acesso a livros científicos pela internet

pesquisadores de países em desenvol-vimento vão beneficiar-se do acesso livre a 12.200 livros científicos em versão eletrônica. a editora John wiley & sons disponibilizou parte de seu acervo por meio da research4Life initiatives para 80 nações pobres. emily Gillingham, presidente do conselho executivo da research4Life, disse à Agência SciDev.Net que o acesso pode ajudar os pesqui-sadores a desenvolver habilidades de

escrita científica, produzir pesquisas em temas de interesse internacional e me-lhorar programas de ensino. “Os livros estão capacitando universidades, facul-dades, institutos de pesquisa e órgãos do governo”, disse Gillingham. segundo ela, quase 6 mil dos títulos estão nas áreas de química, ciências físicas e en-genharia, 1.200 são de saúde e medici-na e 2 mil estão ligados às ciências da vida, agricultura e ciência dos alimentos.

Mulheres na ciência

estão abertas até o dia 13 de maio as inscrições do programa L’Oréal para Mulheres na Ciência, organizado pela fabricante de cosméticos L’Oréal em parceria com a Organização das nações unidas para a educação, a Ciência e a Cultura (unesco) e a academia brasileira de Ciências (abC). essa é a oitava edição brasileira da premiação, que procura incentivar a participação das mulheres na linha de frente do conhecimento científico e garantir visibilidade ao trabalho das pesquisadoras, além de oferecer auxílio financeiro para a continuidade de projetos. as interessadas devem inscrever-se no

site loreal.abc.org.br. podem participar do programa pesquisadoras das áreas de ciências biomédicas, biológicas e da saúde, física, matemática e química. Cada vencedora vai receber uma bolsa- -auxílio no valor equivalente a us$ 20 mil. Lançado em 2006, o programa L’Oréal para Mulheres na Ciência já beneficiou 47 jovens cientistas no país, distribuindo mais de r$ 1,9 milhão em bolsas. O júri é presidido pelo matemático Jacob palis, presidente da academia brasileira de Ciências, e é composto por um especialista da unesco, um da L’Oréal e oito pesquisadores membros da abC.

perto da aposentadoria

francis Collins, o diretor dos institutos nacionais de saúde (niH), principal agência de financiamento à pesquisa de saúde nos estados unidos, recebeu um relatório de um grupo de trabalho recomendando a aposentadoria das várias centenas de chimpanzés utilizados em pesquisas patrocinadas pela instituição – apenas 50 seriam poupados. seis dos nove estudos

invasivos que utilizam esses animais deveriam ser encerrados, de acordo com o grupo de trabalho. Caso Collins aceite as recomendações, será “um marco nas políticas de uso de animais em pesquisa e um aval à conclusão de que é cada vez menos necessário usar chimpanzés em pesquisas”, segundo disse à revista Nature Jeffrey Kahn, especialista em bioética da universidade Johns Hopkins. no final de 2011, um documento do instituto de Medicina (iOM) das academias nacionais dos eua já havia afirmado que boa parte dos chimpanzés poderia ser substituída em pesquisas por outros modelos animais ou experimentos in vitro. uma exceção apontada pelo iOM é a utilização no desenvolvimento de uma vacina contra a hepatite C, pois o chimpanzé é o único modelo animal apropriado para testar a resposta imunológica de candidatas à vacina contra a doença.

“nosso objetivo com as iniciativas re-search4Life é apoiar a pesquisa de qua-lidade nos países em desenvolvimento, fazer avançar a educação superior e melhorar a qualidade de vida da popu-lação”, disse Mohamed atani, diretor responsável da unidade de publicação da Divisão de Comunicação e informação pública do programa das nações unidas para o Meio ambiente (pnuma), com sede em nairóbi, no quênia.

santuário na Louisiania, que abriga animais para pesquisa aposentados

4

12 | aBrIl de 2013

O uso de um laser de baixa intensidade mostrou resultados promissores contra o hipotireoidismo causado pela tireoidite crônica autoimune, doença em que o sistema de defesa ataca a tireoide, glândula que produz os hormônios que controlam o metabolismo. em um estudo coordenado por Maria Cristina Chammas

Laser contra tireoidite

e Giovanni Guido Cerri, da usp, o médico Danilo Höfling submeteu 23 pessoas com essa forma de tireoidite a 10 aplicações de laser na tireoide e outras 20 a um tratamento placebo, com uma luz sem efeito terapêutico. após nove meses, as pessoas que receberam o tratamento real precisavam de metade da dose

TecNocIêNcIa

pererecas marsupiais

Duas novas espécies de pererecas “marsupiais” foram descobertas na mata atlântica por uma equipe coordenada pelo herpetólogo Miguel trefaut rodrigues, da universidade de são paulo (usp). ambas as espécies são do gênero Gastrotheca, cujas fêmeas possuem uma espécie de bolsa nas costas, usada para carregar seus ovos. protegidos dentro da bolsa, os ovos se desenvolvem até se tornarem girinos, ou até mesmo pequenas pererecas. Os pesquisadores testemunharam 20 filhotes saírem das costas de uma fêmea de Gastrotheca recava capturada na estação ecológica estadual de wenceslau Guimarães, no sul da bahia. “Lá havia centenas delas penduradas nos

do hormônio sintético que tomavam antes do estudo. as que passaram pela terapia placebo precisaram de doses maiores (Lasers in Medical Science, 2012). O laser parece ter reduzido a produção de anticorpos contra a tireoide. para Höfling, esses resultados sugerem uma melhora no funcionamento da glândula.

galhos, vocalizando”, lembra Mauro teixeira Jr., doutorando da usp e primeiro autor do artigo descrevendo as novas espécies (Zootaxa, agosto 2012). a outra espécie, Gastrotheca prasina, foi descoberta vivendo dentro de bromélias em uma área isolada da reserva biológica da Mata escura, em Jequitinhonha, Minas Gerais. para rodrigues, os achados ressaltam como “ainda desconhecemos profundamente a fauna do brasil”.

retrato do universo jovem

a agência espacial europeia divulgou em março a imagem mais detalhada da infância do universo. Criada com dados do satélite planck, a imagem é um mapa de todo o céu que mostra ínfimas variações na radiação cósmica de fundo, tênue radiação em micro-ondas que permeia o espaço. essa radiação é a principal evidência de que o universo nasceu de uma grande explosão, o big bang, e vem se expandindo. ela seria o resquício da luz emitida quando os primeiros

átomos se formaram, 380 mil anos depois do big bang. Lançado em 2009, o planck observa essa radiação com uma resolução muito maior que a de seus antecessores, o Cobe e o wMap. Os dados do planck indicam que o big bang ocorreu há 13,8 bilhões de anos, 100 milhões antes do que se pensava, e que a energia escura representa 68,3% da energia do universo – e não 72,8%. também levou à revisão da quantidade de matéria do Cosmo: 26,8% são matéria escura e 4,9%, matéria normal.

fêmea de Gastrotheca recava, da mata atlântica da bahia: bolsa dorsal repleta de ovos

primeira luz: mapa das flutuações de temperatura da radiação emitida 380 mil anos após o big bang

1

2

peSQuiSa FapeSp 206 | 13

FOTO

s 1

ma

ur

o T

eIx

eIr

a jr

. / u

sp 2

esa

/ p

la

Nc

k c

oll

aB

or

aT

IoN

3 e

sa /

ao

es m

edIa

la

B 4

léo

ra

mo

s il

UsT

ra

çã

O d

aN

Iel

BueN

o vem do espaço a nova

forma de detectar terremotos. a agência espacial europeia (esa) anunciou em março a confirmação de que o satélite Goce, sigla em inglês para explorador da Circulação Oceânica e do Campo de Gravidade, é capaz de captar as vibrações da superfície terrestre durante os abalos sísmicos. elas geram ondas de som que sobem até a uma altitude de 270 quilômetros, na órbita do satélite. somente baixas frequências de som atingem tal altura e são capazes de provocar movimentos verticais que expandem e contraem as partículas

de ar. Os pesquisadores da esa, do instituto de pesquisa em astrofísica e planetologia e do instituto de física da terra de paris, ambos da frança, e da universidade de tecnologia de Delft, na Holanda, estudaram os dados captados pelo satélite durante o terremoto que devastou a costa nordeste do Japão em março de 2011. eles chegaram à conclusão de que os deslocamentos verticais da atmosfera funcionam de forma semelhante aos sismógrafos na superfície da terra. Lançado em 2009, o Goce tem feito um mapeamento detalhado da gravidade do planeta.

Diagnóstico rápido para dengue

novos exames, baseados em diferentes tipos de nanopartículas e compostos por uma pequena e estreita fita branca, são capazes de detectar a infecção de dengue nos estágios iniciais. basta colocar o san-gue na fita que o resultado aparece em até 25 minutos. O diagnóstico é realizado por três membranas. a primeira filtra o plasma sanguíneo da amostra e quando

há infecção as proteínas liberadas pelo vírus são detectadas na análise. anticor-pos específicos presentes na segunda película se ligam a essas proteínas e, quando elas passam para a terceira mem-brana, são visualizadas por um sinal co-lorido proveniente das nanopartículas, confirmando a presença do vírus da den-gue. “incorporamos outros tipos de mar-

teste em fita mostra resultado em até 25 minutos com apenas uma gota de sangue

cadores diferentes dos testes comerciais que resultaram em maior capacidade diagnóstica”, diz elisângela Linares, que desenvolveu o teste durante o seu dou-torado na Ludwig Maximilians universität & Helmholtz zentrum München, na ale-manha, em colaboração com o professor Lauro Kubota, do instituto de química da universidade estadual de Campinas.

imagens em 3D nos celulares

O futuro da tecnologia que equipará equipamentos eletrônicos móveis abrange as telas em 3D. pesquisadores da empresa Hewlett-packard (Hp), de palo alto, nos estados unidos, construíram o protótipo de uma tela tridimensional usando um método que, dentro de algum tempo, poderá ser aperfeiçoado para criar vídeos que “dançam” na superfície de smartphones e tablets, lembrando a ficção científica em filmes como Guerra nas estrelas. O segredo da inovação, que poderá ser visualizada sem o auxílio de óculos especiais, é a tecnologia autoestereoscópica multivisão, semelhante à holografia. a novidade desse estudo publicado na revista Nature

(21 de março) é que as imagens projetadas pelas telas dos aparelhos poderão ser vistas em movimento e tridimensionalmente de forma multidirecional, permitindo um ângulo de 180º de visão a uma distância não maior que 1 metro. essas características ainda estavam para ser superadas. Os autores do estudo afirmam que, para criar imagens em 3D que podem ser alteradas na mesma velocidade de vídeos comuns, eles tiveram que usar o método simples de difração da luz. para isso, fizeram uma sucessão de ranhuras – as redes de difração – na superfície de uma fina placa de vídeo e emitiram luzes a partir de LeDs posicionados para gerar o efeito.

sismógrafo em órbita

satélite Goce: dados do campo de gravidade do planeta e de terremotos

3

4

14 z aBrIl de 2012

Laboratórios de empresas em parques de universidades

enriquecem formação de estudantes e respondem

a novas demandas em pesquisa e desenvolvimento

desafios partilhados

a missão da universidade como catalisa-dora da inovação e do desenvolvimento está ganhando novos contornos no país a partir de iniciativas como a cons-

trução do Parque Científico e Tecnológico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujas obras de infraestrutura começaram a ser entregues no mês passado. Instalado numa área de 100 mil metros quadrados encravada na Ci-dade Universitária, o parque vai abrigar labo-ratórios de inovação em que trabalharão, num mesmo ambiente, pesquisadores das empresas e docentes e estudantes da Unicamp. O modelo, que só recentemente começou a difundir-se no Brasil mas está presente em várias universida-des do mundo, tem o condão de enriquecer a formação de estudantes e o trabalho dos cien-tistas com as demandas trazidas pelas empresas e multiplicar o investimento em pesquisa nas universidades. “Os laboratórios na Unicamp produzirão desenvolvimento tecnológico, mas também darão uma contribuição importante para a pesquisa fundamental. Eles darão lastro a teses, dissertações, patentes e publicações de

Fabrício marques

nova incubaDora

a nova sede da incubadora de empresas de base tecnológica da unicamp vai ocupar um prédio com 2,6 mil metros quadrados e terá capacidade para abrigar 48 empresas nascentes

capa

SamSung

pelo menos 25 professores e estudantes do instituto de Computação da unicamp atuam no laboratório que a samsung criou em parceria com a universidade. funciona no prédio do Centro de inovação em software (inovasoft), que também abriga centros em parceria com o banco do brasil e a empresa MC1

14 z aBrIl de 2012

peSQuiSa FapeSp 206 z 15

lib

O Laboratório de inovação em

biocombustíveis funcionará num prédio

de 1,6 mil metros quadrados e abrigará

pesquisas sobre etanol, biodiesel e

bioquerosene

embrapa

Cinquenta pesquisadores e técnicos da embrapa e da

unicamp trabalharão na unidade Mista de pesquisa

em Genômica aplicada a Mudanças Climáticas,

investimento de r$ 50 milhões. O prédio será

construído numa área de 2,5 mil metros quadradostecnometal

Laboratório de 500 metros quadrados em

parceria com a fabricante de painéis

solares envolve pesquisadores do

instituto de física e da faculdade de

engenharia Mecânica. Os projetos estão

ligados à fabricação de lâminas de silício e de

células solares

enclave da inovação O parque Científico e tecnológico da unicamp espalha-se por uma área de 100 mil metros quadrados na Cidade universitária

ilU

sTr

õe

s d

aN

Iel

BueN

o

labriSerpatrocinado pela petrobras, o Laboratório experimental para risers de produção em águas ultra-profundas e sistemas Marítimos de produção (Labriser) terá um tanque capaz de simular as condições a que estruturas submarinas são submetidas na produção de petróleo no oceano

cameron Do braSil

a fabricante de equipamentos para

exploração de óleo e gás vai investir us$ 6 milhões num

laboratório de mil metros quadrados. parceria envolve

a faculdade de engenharia Mecânica e o Centro de

estudos de petróleo

lactaDO Laboratório Central de tecnologias de alto Desempenho (LaCtaD), facility da unicamp inaugurada em março, reúne num mesmo prédio equipamentos modernos para pesquisa em genômica, proteômica, bioinformática e biologia celular

peSQuiSa FapeSp 209 z 15

16 z aBrIl de 2012

alunos desde a iniciação científica até o pós--doutorado”, diz o reitor da Unicamp, Fernando Ferreira Costa. “Não se trata apenas de prestar serviço ou de resolver problemas, mas de apri-morar a formação dos nossos estudantes, que depois poderão levar essa experiência para fora da universidade, contribuindo para a inovação, o desenvolvimento do país e a formação de em-presas de base tecnológica.”

beneFÍcioS imeDiatoSDo lado das empresas, a criação de laboratórios em universidades traz benefícios imediatos, co-mo a possibilidade de usar a expertise de bons pesquisadores em temas sensíveis, e outros de longo prazo, como a chance de interagir com outras empresas e pesquisadores atuantes no parque e de recrutar jovens pesquisadores para seus quadros entre estudantes talentosos. Empre-sas como a Tecnometal, do setor de mineração e energias renováveis, e a Cameron do Brasil, de tecnologia e serviços para o setor de petróleo e gás, já celebraram convênios para a implantação de laboratórios no campus. O parque também abrigará a Unidade Mista Embrapa Unicamp de Pesquisa em Genômica Aplicada a Mudanças Climáticas, um modelo de parceria inédito para a empresa de pesquisa, na qual pesquisadores das duas instituições trabalharão em busca de variedades agrícolas mais tolerantes aos efeitos do aquecimento global. Já funciona nos limites do parque o Inovasoft, o Centro de Inovação em Software da Unicamp, que abriga empresas nas-centes e laboratórios criados em parceria com a IBM, a Samsung e o Banco do Brasil. E está em

construção o prédio do Laboratório de Inovação de Biocombustíveis (LIB), que funcionará num formato semelhante ao do Inovasoft, atraindo laboratórios de empresas. “A Unicamp tem uma longa história de colaboração com o setor pro-dutivo, e o Parque Científico e Tecnológico vai estabelecer um novo patamar dessa colaboração”, explica Ronaldo Pilli, pró-reitor de Pesquisa da universidade. Há uma regra restrita nas negocia-ções para incorporar novos laboratórios no par-que: só são admitidas iniciativas que contemplem convênios com grupos de pesquisa da Unicamp. “O objetivo é fazer pesquisa competitiva. A em-presa precisa reconhecer que a Unicamp será um parceiro estratégico”, diz Pilli.

Segundo Roberto de Alencar Lotufo, diretor da Agência de Inovação Inova Unicamp, que ar-ticula a negociação com as empresas, o advento do parque permite que a universidade proponha e organize a construção de novos laboratórios colaborativos com empresas. “Até agora, quan-do surgia uma oportunidade de se construir um novo laboratório, a sua localização não seguia um planejamento, resultando na instalação de vários prédios espalhados pelo campus”, diz Lotufo. “O Parque Científico e Tecnológico vem organizar e apresentar um planejamento de construção de novos laboratórios de pesquisa colaborativa criando um ambiente sinérgico multidisciplinar. O parque funcionará como um condomínio, no qual as empresas pagam pelo uso do espaço e ra-teiam despesas com segurança e infraestrutura.”

As empresas participantes do parque utilizam tipos variados de financiamento para construir seus laboratórios. No caso da Cameron do Brasil,

Centros de empresas no parque tecnológico do rio: frutos da vocação da ufrJ em pesquisas sobre petróleo

FOTO

geN

Ilso

N a

ra

újo

peSQuiSa FapeSp 206 z 17

isso será feito com recursos da própria empresa – a Unicamp ofereceu isenção de 10 anos da taxa de ocupação em troca da construção do prédio pela companhia. O convênio foi assinado em 2011 e o laboratório da empresa já deveria estar em construção, mas a Cameron decidiu adiar em um ano sua implantação, por conta da recente retração de investimentos da Petrobras. A par-ceria envolve uma colaboração com a Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) e o Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) em projetos de pesquisa em equipamentos e processos submari-nos para processamento e produção de petróleo,

com ênfase na camada pré-sal. O Cepetro, criado em 1987 em parceria com a Petrobras, ajudou a multiplicar a expertise da Unicamp nas pesquisas em engenharia de petróleo, que agora atraem a atenção de outras empresas. Em 2015, por exem-plo, serão concluídas as instalações do Labora-tório Experimental para Risers de Produção em Águas Ultra-Profundas e Sistemas Marítimos de Produção (LabRiser), compostas por um tanque experimental único no mundo capaz de simular as condições a que as estruturas submarinas são submetidas na produção de petróleo no oceano, como a força das correntes marinhas. O tanque de 30 metros de profundidade e o prédio do la-boratório custarão R$ 6 milhões e, além disso,

haverá maquinário experimental, instrumen-tos laboratoriais e de análise e equipamentos de computação, patrocinados pela Petrobras. “Como nosso petróleo se encontra no mar, a Petrobras sempre se preocupou em desenvolver pesquisas sobre a perfuração de poços no oceano e produ-ção de petróleo no oceano – e encontrou essa capacitação na Unicamp”, diz Celso Morooka, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica e diretor do LabRiser.

Também há parcerias que utilizam mecanis-mos de financiamento não reembolsável do Ban-co Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social (BNDES), no âmbi-to do Fundo Tecnológico (Funtec). Um exemplo é o laboratório de 500 metros quadrados que a Unicamp, em parceria com a Tecno-metal, está construindo no parque. O projeto obteve R$ 12 milhões em recur-sos do Funtec para cons-trução do prédio e compra

de equipamentos. A contrapartida da Tecnometal equivale a 10% do valor do projeto. A empresa tem uma fábrica de painéis fotovoltaicos em Campinas (SP) e já trabalha em conjunto com pesquisado-res da Faculdade de Engenharia Mecânica e do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, em esforços de pesquisa relacionados ao pro-cesso de purificação do silício grau metalúrgico, a fabricação de lâminas de silício grau solar e a fabricação de células solares. A Agência Inova Unicamp mantém conversas adiantadas com pelo menos três empresas interessadas em participar do parque utilizando recursos do Funtec.

biocombuStÍveiSHá um terceiro modelo, seguido pelo Laborató-rio de Inovação de Biocombustíveis (LIB). Com 1.656 metros quadrados, o prédio em construção foi patrocinado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) por meio do programa CT-Infra. A meta agora é buscar empresas interessadas em participar de projetos conjuntos com pesquisado-res da Unicamp envolvendo a cadeia de produção de etanol, biodiesel e bioquerosene.

Um quarto modelo é o da Unidade Mista Em-brapa Unicamp de Pesquisa em Genômica Aplica-da a Mudanças Climáticas, que terá investimentos compartilhados entre a Embrapa e a universida-de. Dez pesquisadores das duas instituições já estão trabalhando no projeto, que, no horizonte de três anos, contará com cerca de 50 pesquisa-dores e técnicos. O investimento estimado é de R$ 50 milhões, em infraestrutura e operação. “O objetivo é ter em cinco anos tecnologia de base genética de tolerância à seca aplicável a culturas

o objetivo central das parcerias é fazer pesquisa competitiva, diz ronaldo pilli, pró-reitor da unicamp

r$ 6 milhões é o investimento da petrobras no tanque experimental da unicamp

18 z aBrIl de 2012

importantes para o país, como milho, soja, cana e trigo”, afirma o presidente da Embrapa, Mau-rício Antônio Lopes. “A Embrapa teve um papel importante na adaptação de culturas como soja, arroz e trigo para as condições tropicais. Agora tem o desafio de se manter competitiva no mer-cado de sementes e de biotecnologia, que é cada vez mais complexo. A vertente de inovação da genômica aplicada ao melhoramento genético exige uma base de pesquisa fundamental que le-vou a Embrapa a se aproximar da academia”, diz.

experiÊncia Da allelyxSegundo ele, a escolha da Unicamp, em cujo cam-pus a Embrapa mantém sua unidade de bioinfor-mática, foi natural. Lopes ressalta a importância de ter Paulo Arruda, professor do Instituto de Biologia, como líder do projeto na universida-de. Arruda foi um dos fundadores da Allelyx, empresa de biotecnologia criada a partir do se-quenciamento da Xylella fastidiosa e hoje incor-porada pela Monsanto. “O professor Paulo Arruda é cientista conhecido no Brasil e no exterior e também tem a experiência de montar um pipe-line em ambiente privado. Ele trabalhará com alguns pesquisadores que atuaram na Allelyx e hoje estão na Embrapa”, afirma o presidente da Embrapa. Segundo Arruda, o foco da unidade é garantir a sustentabilidade da pro-dução agrícola no país. “O Brasil teve perdas agrícolas de R$ 5,4 bilhões no ano passado devido às intempéries climáticas. É preciso criar uma es-tratégia para sustentar a produção de milho, soja e trigo, que são a base da alimentação”, afirma. “Trabalha-remos na Unidade Mista com uma visão de pragmatismo empresarial, num formato semelhante ao do de-senvolvimento de drogas na indústria farma-cêutica”, afirma. Os benefícios para a Unicamp, segundo Arruda, serão variados. “Vamos expor alunos de graduação, doutorado e pós-doutorado a uma experiência inédita. Eles vão mergulhar no mundo do desenvolvimento tecnológico, com suas demandas, metas e prazos. Isso vai aumentar a empregabilidade desses profissionais e contri-buir para formar uma massa crítica maior num tema de grande interesse para o país.”

Uma das tarefas mais complexas da Agência de Inovação Inova Unicamp na montagem do parque é encontrar grupos de pesquisa da insti-tuição talhados para atender as necessidades da empresa parceira – e promover a aproximação entre as partes. “Estamos trabalhando agora numa parceria com a Schreder, empresa de iluminação pública com sede em Valinhos. A primeira coisa é identificar quais são os grupos de pesquisa que podem ajudar, mas não só isso. É necessário ga-

rantir que o pesquisador tenha disponibilidade para atender a empresa e, acima de tudo, inte-resse pela colaboração”, afirma Roberto Lotufo. A agência mantém um cadastro, conhecido como banco de competências, com informações atuali-zadas sobre grupos de pesquisa. A Inova atua em várias frentes. Ajuda os pesquisadores da univer-sidade a depositar patentes, cuida da gestão da propriedade intelectual da Unicamp, faz a ponte com empresas interessadas em licenciar tecnolo-gias, coordena a atuação de uma incubadora de empresas de base tecnológica e estimula o em-preendedorismo entre pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação. Segundo Lotufo, o Parque Científico e Tecnológico será mais um instrumento na missão da agência de fomentar a inovação e estimular sua transferência para a sociedade. “É como acontece em grandes uni-versidades de pesquisa do mundo. Quando rece-bemos delegações estrangeiras, os dirigentes de universidades sempre nos perguntam sobre nossa incubadora, nosso trabalho de licenciamento de tecnologia e nosso parque tecnológico. São elos de uma mesma cadeia”, afirma.

Numa escala reduzida, as ambições do Par-que Científico e Tecnológico já vinham sendo realizadas no prédio do Inovasoft, o Centro de Inovação em Software da Unicamp, que abriga

“vamos expor alunos de graduação, doutorado e pós-doutorado a uma experiência inédita”, diz paulo arruda

peSQuiSa FapeSp 206 z 19

laboratórios em parceria com várias empresas além de funcionar como incubadora de empresas de tecnologia da informação. Desde o final do ano passado, o Inovasoft sedia um laboratório monta-do pela Samsung, onde trabalham pesquisadores e estudantes do Instituto de Computação (IC) da Unicamp. Convênios que envolvem investi-mentos na casa dos R$ 3 milhões têm como foco pesquisa e desenvolvimento em diversos tópicos relacionados a plataformas computacionais mó-veis – a Samsung é líder em celulares. A parceria começou com três projetos e dois novos estão sendo incorporados. Uma das principais vanta-gens apontadas pelos participantes do projeto é a oportunidade de obter recursos e infraestrutura de pesquisa – a Samsung montou um laboratório com computadores, tablets e smartphones utili-zados no trabalho dos pesquisadores e financia bolsas para os estudantes envolvidos no projeto. Sandro Rigo, professor do IC que lidera um dos projetos, destaca a oportunidade de os estudan-tes e pesquisadores trabalharem em temas de grande interesse das empresas. “É comum que alunos de pós-graduação nos Estados Unidos fa-çam estágios em grandes empresas, mas isso aqui no Brasil acontece pouco”, diz. O vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento da Samsung, Yeun Bae Kim, disse que a meta é o desenvolvimento conjunto de novas tecnologias a médio e longo prazo. “O objetivo é gerar resultados de alto im-pacto tecnológico, visando melhorias significa-tivas no estado da arte nas linhas de pesquisa de interesse da Samsung”, afirmou, ao participar da inauguração oficial do laboratório, em janeiro.

Outro laboratório do Inovasoft abriga um pro-jeto de pesquisa colaborativa executado desde 2011 pelo IC da Unicamp com o Banco do Brasil.

O foco é o estudo e o apoio à implementação de soluções para cadastramento de computadores e autenticação de clientes do Banco do Brasil no autoatendimento via internet. “O banco nos deu liberdade para sugerir soluções. Propusemos tan-to uma solução nova quanto o robustecimento do sistema de que eles já dispõem”, diz Ricardo Dahab, professor do IC e líder de um dos projetos do Banco do Brasil. “Foi um trabalho importante, porque a demanda era muito sofisticada. Rendeu trabalho a três alunos de doutorado e bons arti-gos acadêmicos publicados.” O projeto envolveu três professores e oito alunos entre doutorandos, mestrandos e bolsistas de iniciação científica.

Para a MC1, empresa paulista de softwares e serviços, a recém-assinada parceria com pesqui-sadores do Instituto de Computação busca não apenas encontrar soluções inovadoras. “Não esta-

sede do teCnOpuC (abaixo), em porto alegre, croqui de seu novo condomínio de empresas (acima, à esq.) e centros de inovação de empresas de informática: parque alavancou recursos para pesquisa

r$50 milhões é o investimento da embrapa e da unicamp na unidade mista

FOTO

s T

ecN

op

uc

20 z aBrIl de 2012

mos simplesmente buscando informação e atua-lização tecnológica e científica para a empresa. Um de nossos objetivos é aproveitar nos nossos quadros pessoas que participarem do projeto”, diz Kayo Hisatomi, coordenador de desenvolvimento de software da empresa. A empresa já fez outros convênios com universidades, mas é a primeira vez que investe num laboratório próprio. “Fica-mos sabendo desse formato e resolvemos investir nele”, conta Kayo, que se formou em engenharia de computação da Unicamp em 1998 e mantém contato com a universidade até hoje. O líder do projeto é o professor do IC Luiz Fernando Bitten-court, que vai coordenar uma equipe de 15 pes-quisadores e estudantes no desenvolvimento de uma plataforma que permita à empresa oferecer suas soluções a vários clientes ao mesmo tempo, utilizando recursos de computação em nuvem. “O objetivo é criar uma arquitetura de software que permita à empresa oferecer seus softwares

sem precisar criar uma cópia customizada para cada cliente”, afirma. O investimento da MC1 no projeto está na casa dos R$ 170 mil.

Uma das principais inspirações para os mais de 900 parques tecnológicos espalhados pelo mundo é a experiência pioneira da Universidade Stan-ford, na Califórnia, no início dos anos 1950, em que a articulação entre a universidade, empresas de microeletrônica e instituições de pesquisa de-ram origem ao Vale do Silício, o principal enclave de empresas tecnológicas do planeta. No começo dos anos 1970, o Japão aderiu de forma entusias-mada aos parques, criando 25 ‘tecnópoles’. Entre os principais parques encravados em universida-des no mundo, destacam-se os das universidades de Wisconsin Madison e de Purdue, nos Estados Unidos, e os de Cambridge e Oxford, na Inglaterra.

vale Do SilÍcioO Brasil decidiu investir nesse modelo de forma mais tardia. Um dos empreendimentos de maior expressão é o Parque Tecnológico do Rio. Cria-do há 10 anos nos limites do campus da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem como ênfase a pesquisa e o desenvolvimento no setor de petróleo e gás, ancorados no trabalho desenvolvido nesta área há décadas pela UFRJ, especialmente por seu Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) e pelas parcerias estabelecidas com o Centro de Pesqui-sas e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobras. O parque ocupa uma área de 350 mil metros qua-drados e vai abrigar centros de pesquisa e desen-volvimento de mais de 20 empresas de grande e médio portes até 2015. O investimento, entre 2003 e 2014, é estimado em R$ 1 bilhão. Já estão em operação os centros da francesa Schlumber-ger, das norte-americanas Baker Hughes, GE e FMC Technologies, e da BR Asfaltos, da Petrobras. Estão previstos para entrar em funcionamento ainda neste ano os centros de empresas como Siemens e Halliburton. “O parque foi criado há 10 anos, mas sua história começou muito antes disso”, diz Maurício Guedes, diretor do parque. “Assim como aconteceu com a Unicamp, a UFRJ é um exemplo de universidade com cultura em-preendedora e experiência com relacionamento com empresas por meio, por exemplo, do Cop-pe, que já estabeleceu mais de 3 mil convênios somente com a Petrobras, com quem temos uma experiência muito bem-sucedida de mais de 40 anos desde a implantação do Cenpes dentro do campus da UFRJ”, diz Guedes.

O Parque Científico e Tecnológico da Unicamp é um dos pré-credenciados no Sistema Paulista de Parques Tecnológicos, que reúne 27 iniciati-vas espalhadas por várias cidades do estado de São Paulo, várias delas com vínculos estreitos com universidades, caso do parque de Botuca-

1 vista aérea do parque de pesquisa de stanford, inspiração para cidades tecnológicas nos estados unidos e em vários países

2 parque tecnológico de são José dos Campos, um dos mais avançados entre as 27 iniciativas do sistema paulista

1

FOTO

s 1

aer

Ial

ar

cH

Ives

/ a

la

mY

/ g

loW

Ima

ges

2 p

qT

ec s

jc

peSQuiSa FapeSp 206 z 21

tu, ligado à Universidade Estadual Paulista, e o de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo. Um dos mais adiantados – e o primeiro a receber credenciamento definitivo – foi o Parque Tecnológico de São José dos Campos, iniciativa lançada pela prefeitura da cidade que reúne cen-tros de inovação nas áreas de saúde, tecnologia de informação, aeronáutica, energia e recursos hídricos. O parque atua com empresas-âncora como Embraer, Vale, Ericsson e Sabesp e tem parceiros como o Instituto Tecnológico de Ae-ronáutica (ITA), as escolas Politécnica (Poli) e de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, além da Federal de São Paulo (Unifesp) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

A tarefa de criar um parque tecnológico den-tro da universidade está longe de ser trivial. “Um entrave comum é o de espaço. Não são muitas as universidades que contam com terrenos para criar parques. Até mesmo grandes instituições, como Harvard e o MIT, tem essa limitação”, diz Roberto Lotufo, que participa anualmente da reunião da Association of University Research Parks (Aurp), entidade criada em 1986 que con-grega hoje 32 parques científicos e tecnológicos de propriedade de universidades americanas. No Brasil há também, segundo Lotufo, a dificuldade jurídica de manter dentro do campus um encla-

ve que segue regras diferentes das que regem as universidades públi-cas. Um parque vinculado a uma universidade comunitária resume os benefícios que iniciativas des-se tipo podem render a empresas e ao ambiente acadêmico. O Parque Tecnológico da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul (TECNOPUC), em Porto Alegre, reúne hoje 101 centros de inovação de empresas e instituições de di-versos tamanhos, onde trabalham 4,8 mil pessoas. O parque surgiu em 2003, como parte da estratégia da PUC gaúcha para se qualificar co-mo instituição de pesquisa. “Havia um desequilíbrio entre a tradição consolidada da PUC em ensino e a

pesquisa da instituição que precisava ser resolvido e havia também uma dificuldade de levantar re-cursos para investir em pesquisa, pois nossa fonte de recursos, as mensalidades dos alunos, era des-tinada majoritariamente para custear o ensino”, diz Roberto Moschetta, diretor do TECNOPUC.

parQue eSgotaDoA criação do parque, inicialmente com uma voca-ção em tecnologia da informação e comunicação tendo como âncoras os laboratórios das empresas Dell e HP, buscava atrair recursos privados para a pesquisa na instituição. Hoje o condomínio reúne centros de empresas como Microsoft e TOTVS e ampliou sua atuação para os campos da energia e da saúde, com convênios com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Petrobras. Não há mais espaço para abrigar novas iniciativas – o terreno de 15 hectares vizinho à PUC adquirido do Exér-cito está esgotado. A expansão do parque se dará numa área ampla a 12 quilômetros do campus da universidade. “Claro que nem todos os centros de empresas desenvolvem alta tecnologia. Há empresas que buscam a expertise da universida-de para aplicações simples”, afirma Moschetta.

Os resultados da iniciativa vão além do que se esperava. O diretor do TECNOPUC ressalta que cursos de pós-graduação na área de tecnologia da informação oferecem bolsas a praticamente todos os alunos, financiadas por empresas instaladas no parque. “Ocorre um círculo virtuoso. Conseguimos atrair alunos de alta qualificação e os nossos cursos ganham ainda mais prestígio e consistência”, afir-ma. “A convivência entre as empresas nos parques também gera interações surpreendentes. Acabam acontecendo parcerias e troca de experiências que não poderiam ser previstas no início do projeto. O ambiente é catalisador e sinérgico. A energia que se vê no ambiente do parque resulta mais das conexões que se formam do que do próprio ambiente”, diz. n

“a convivência entre as empresas gera interações surpreendentes nos parques”, diz roberto moschetta

r$ 1 bilhão é o investimento no parque Tecnológico do rio em 10 anos

2

22 z aBrIl de 2013

Facility da unicamp reúne, num mesmo prédio,

equipamentos modernos para pesquisa em genômica,

proteômica, bioinformática e biologia celular

capa infraestrutura

a Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp) inaugurou um laboratório que reúne, num mesmo prédio, equipamentos de

última geração destinados a pesquisas em genômica, bioinformática, proteômica e biologia celular. Instalado no Parque Cien-tífico e Tecnológico da instituição e criado nos moldes das research facilities de univer-sidades no exterior, o Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho (LaC-TAD) busca garantir um patamar elevado de qualidade em pesquisas realizadas na Unicamp e no estado de São Paulo – as ins-talações são franqueadas a pesquisadores de outras instituições. “A universidade assi-nou dois convênios importantes por causa da existência do laboratório. Esta unidade será muito útil para as pesquisas nas áreas contempladas e dará um importante im-pulso à ciência do país”, afirmou o reitor da Unicamp, Fernando Ferreira Costa, na cerimônia de inauguração. FO

TOs

léo

ra

mo

s

A FAPESP investiu cerca de R$ 5,5 milhões na compra dos equipamentos para o laboratório, no âmbito do Pro-grama de Equipamentos Multiusuários (EMU), enquanto a construção do prédio e a contratação dos funcionários coube-ram à universidade. “De particular inte-resse são a Unicamp ter investido quase o mesmo valor que a FAPESP e o LaC-TAD ter uma estrutura de custos bem demonstrada e com apoio institucional decisivo para contratar funcionários em bioinformática e técnicos de apoio com doutorado”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, que esteve presente na inauguração do laboratório, no dia 1º de março. A pro-posta de criação do LaCTAD foi subme-tida ao edital do Programa de Equipa-mentos Multiusuários da FAPESP em 2009. Em 2011 foi iniciada a oferta de serviços em instalações provisórias nas unidades de ensino e pesquisa.

Para trabalhos no campo da genômica, foram adquiridos três modernos sequen-ciadores. Há dois modelos HiSeq 2500, da Illumina, que permitem estudos com-plexos de sequenciamento, graças a sua capacidade de produzir um grande núme-ro de sequências genômicas para análise em bioinformática. O outro modelo é o ABI 3730XL DNA Analyzer, da Applied Biosystems, que produz um número não tão grande de sequências, mas é capaz de mapear um número maior de pares de bases. “É difícil encontrar um trabalho científico no campo das ciências da vida publicado numa boa revista que não tenha algum componente ligado ao sequencia-mento de genes ou mudanças no genoma e que não use esse tipo de dado para fazer o desenho da pesquisa ou o planejamento dos experimentos”, diz Ronaldo Pilli, o pró-reitor de Pesquisa da Unicamp. “Esses equipamentos estão melhorando a quali-dade das pesquisas feitas na Unicamp.” A prestação de serviços em bioinformática, outra vocação do LaCTAD, ampara-se num parque de computadores que inclui servi-dores IBM e máquinas da HP. “Temos in-vestido na formação de recursos humanos, com a oferta de cursos de bioinformática em todos os semestres”, diz Pilli. Já foram treinados cerca de 160 estudantes.

endereço de excelência1 2

peSQuiSa FapeSp 206 z 23

-de-açúcar. “O LaCTAD está provendo sequências obtidas com o sequenciador Illumina que complementam o que fi-zemos com o sequenciador Roche 454. Temos na USP um 454, mas não um Il-lumina, daí a importância dos serviços prestados por eles”, afirma a pesquisado-ra. Paulo Arruda, do Instituto de Biolo-gia da Unicamp, também vem utilizando os serviços do LaCTAD. Um projeto de seu aluno de doutorado Vagner Katsumi Okura relaciona-se  à construção e ao sequenciamento da biblioteca de cro-

epilepSiaUm dos projetos em andamento na faci-lity é liderado por Iscia Lopes-Cendes, professora do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médi-cas da Unicamp. Ela está utilizando um dos sequenciadores do LaCTAD num projeto de pesquisa sobre os mecanis-mos moleculares na gênese da epilepsia, que busca identificar a expressão gênica em tecidos cerebrais de ratos. Grupos neuronais selecionados no hipocampo de modelos animais induzidos a apre-sentar a doença são submetidos a um sequenciamento profundo, em busca de transcritos (RNA mensageiro) que podem ser relevantes para diferenciar o estado patológico e o normal. “Como se trata de um sequenciamento profun-do, necessitávamos de um sequenciador rápido e inclusive ajudamos a fazer um upgrade de seu software com recursos do nosso projeto de pesquisa”, diz ela.

A pesquisadora Gláucia Mendes de Souza, professora do Instituto de Quími-ca da Universidade de São Paulo (USP) e uma das coordenadoras do Progra-ma FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), também utilizou os serviços da facility da Unicamp no sequenciamento de um genoma de referência da cana-

o lactaD tem investido na formação de recursos humanos, com a oferta de cursos de bioinformática

no LaCtaD há equipamentos como calorímetro de titulação isotérmica (1 e 2), cromatógrafo (3) e microscópio confocal (4)

3 4

mossomo artificial de bactéria (BAC) da cana-de-açúcar. As bibliotecas BAC são ferramentas fundamentais para a carac-terização de regiões cromossômicas que contêm genes de interesse. Uma segunda pesquisa, do doutorando Pedro Barre-to, investiga como as plantas regulam a biogênese mitocondrial. A mitocôndria é uma organela responsável pela bioe-nergética da célula. “Há conhecimento razoável sobre a biogênese mitocondrial em mamíferos, mas em plantas é pouco conhecido”, diz Arruda, cujo trabalho previu o sequenciamento de RNAs de plantas que superexpressam a proteína desacopladora da mitocôndria (UCP1).

No campo da proteômica, o LaCTAD dispõe de um equipamento de cromato-grafia líquida para análise e purificação de proteínas, além de um calorímetro, utili-zado para determinar parâmetros termo-dinâmicos de interações bioquímicas. Um espectrômetro de massas modelo Xevo Q-TOF MS, que pertence ao Instituto de Química da Unicamp, será franqueado aos usuários do LaCTAD enquanto o la-boratório não adquirir seu próprio equi-pamento. No campo da biologia celular, o laboratório é equipado com um micros-cópio confocal da marca Leica, capaz de produzir imagens fluorescentes de alta re-solução de uma variedade de materiais de amostras biológicas. Outro equipamento é um imunoensaio Multiplex da marca Bio--Rad, capaz de realizar dosagens rápidas e precisas de hormônios ou de citocinas, as moléculas envolvidas na emissão de sinais entre as células durante as respostas imu-nes. “Estamos organizando para maio um workshop internacional na área de biolo-gia celular. Vamos receber especialistas de fora, com o mesmo tipo de atuação em ciências da vida em um laboratório cen-tral, para trocar experiências e aperfeiçoar nossos serviços. A ideia é dar um impulso maior para o LaCTAD em biologia celu-lar”, diz Pilli. n Fabrício marques

24 | aBrIl de 2013

no rastro das primeiras estrelas

entreviSta

marcos pivetta e ricardo zorzetto

a paulistana Beatriz Barbuy é uma das vozes mais influentes da astrofísica brasileira e uma das cientistas nacionais mais produtivas. Ao longo de uma carreira que ultrapassa três décadas, a

professora titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) publicou cerca de 210 artigos em revistas científicas internacionais, que foram alvo de citação em 8 mil trabalhos de pesquisadores. Especialista na carac-terização química de populações estelares, em especial de estrelas velhas e frias, Beatriz identificou algumas das estrelas mais antigas da Via Láctea, com idade de 12,5 bilhões de anos. Entre dezembro de 1976 e janeiro de 1982, passou cinco anos na França, onde foi uma das primeiras brasileiras a fazer doutorado em astrofísica. O período no Observatório de Paris, no grupo chefiado por Roger Cayrel, marcou definitivamente sua carreira. “O doutorado era mais pesado do que aqui e era preciso publicar vários artigos”, relembra a pesquisadora, que, desde 2006, é membro da Academia de Ciências da Fran-ça. “Tive de aprender a trabalhar.”

Articulada e bem-sucedida, Beatriz ocupou cargos importantes no Brasil e no exterior. De 2003 a 2009 foi, por exemplo, vice-presidente da União Astronômica In-ternacional (IAU, na sigla em inglês) e teve significativa participação na escolha de 2009 como o Ano Interna-cional da Astronomia. Além de fazer ciência propria-

beatriz barbuy

eSpecialiDaDe astrofísica estelar e extragaláctica

Formação universidade de são paulo (graduação e mestrado)

universidade paris vii / Observatório de paris (doutorado)

Observatório Lick (pós-doutorado)

inStituição instituto de astronomia, Geofísica e Ciências atmosféricas da universidade de são paulo

peSQuiSa FapeSp 206 | 25

LéO

ra

MO

s

26 | aBrIl de 2013

mente dita, também esteve à frente de iniciativas nacionais que construíram instrumentos para consórcios de teles-cópios dos quais o Brasil é sócio e tem tempo de observação, como o Obser-vatório Austral de Pesquisa Astrofísica (Soar), no Chile. A astrofísica sempre defendeu a ideia de que o Brasil deve-ria ser sócio de um dos três projetos de grandes telescópios, com espelhos entre 30 e 40 metros, que estão sendo gestados para o início da próxima dé-cada e podem levar a astronomia a um novo patamar. Em dezembro de 2010, o governo federal optou por se tornar membro do Observatório Europeu do Sul (ESO), consórcio de 14 países do Velho Mundo que conta com observa-tórios no Chile, inclusive o maior de radioastronomia do mundo, o recém-inau-gurado Alma (ver reporta-gem na página 32). O ESO planeja construir o maior telescópio óptico baseado em terra firme, o European Extremely Large Telesco-pe (E-ELT), no início dos anos 2020.

Nesta entrevista, a pes-quisadora fala de sua traje-tória pessoal, de suas pes-quisas com estrelas e de por que é a favor da entra-da do Brasil no ESO, cujo acordo de adesão se encon-tra agora no Parlamento nacional para ser ratifica-do. “Sem o ESO, não temos futuro, pois, para uma co-munidade fazer boa ciên-cia, é necessário ter acesso a um grande número de instrumentos que tenham bom desempenho. Os ame-ricanos não têm uma estrutura pareci-da”, afirma Beatriz.

Como surgiu a ideia de se tornar cien-tista? Foi com 16 anos. Li o livro Um, dois, três... Infinito, do George Gamow. Estava no primeiro ano do clássico e decidi que iria para o científico. Nem avisei meus pais. Tive de estudar muito para acom-panhar porque não tive o primeiro ano do científico. A partir daí, nunca mais pa-rei de trabalhar. Tem também outra coi-sa. Quando era pequena, na minha casa, na rua Groenlândia [no Jardim Paulista,

cidade de São Paulo], tinha uma ameixei-ra. Meu galho ficava lá em cima. Meus irmãos pegaram os galhos mais grossos, mais embaixo, e sobrou para mim aquele lá de cima. Eu chegava da escola, subia lá e ficava olhando o céu. Não sei se te-ve influência, mas dos 6 aos 10 anos eu fazia isso. Pensei em fazer psicologia ou línguas. Li a obra inteira do Freud, que minha mãe havia retirado na PUC [Pon-tifícia Universidade Católica] e pensei: “Vou pirar se fizer só isso”. Só entendi algumas partes. Mas achei que podia estudar psicologia por outras vias. Li muito, até hoje leio, e me interesso pelo tema. Línguas, também poderia aprender por outras vias, como de fato fiz, embora não seja expert em nenhuma.

O que seus pais faziam?Eram professores de filosofia, os dois. Meu pai na USP e minha mãe na PUC. Tiveram muita influência sobre minha formação. Nunca imaginei fazer outra coisa que não fosse seguir uma carrei-ra intelectual. Via meu pai trabalhando a noite inteira, minha mãe dava aulas. Além disso, meu irmão mais velho, que fazia o científico, era muito mais anima-do do que minhas colegas de clássico. Isso também influenciou. E eu gostava de matemática. Então achei que estava perdendo meu tempo no clássico.

Logo depois de ler o livro pensou em ser astrofísica?

O livro falava de ilhas no Universo, de um telescópio não sei onde que partilha-va o tempo. Perguntei para alguém como podia ser astrofísica e me disseram que tinha de estudar física. Entrei na USP, sempre com esse objetivo.

Tinha poucas mulheres na sua turma?Até que não eram tão poucas. O proble-ma é que havia a ditadura. Entrei e o Mário Schenberg foi preso. Um profes-sor que ia dar aula foi preso. Outro cole-ga sumiu, essas coisas. Isso tirou muito o impacto do curso. Os banheiros não tinham fechadura. Isso foi entre 1969 e 1972, quando o regime ficou duro para valer. Trabalhei um período com com-putação, mas depois voltei para o que

eu queria. Havia o IAG, que ainda ficava na Água Funda, e tinha um grupo de astronomia lá. No úl-timo ano da Física fui lá conversar, mas a astrono-mia estava começando. Fiz o mestrado na USP, mas as coisas melhoraram quan-do fui fazer doutorado no Observatório de Paris, em 1976. Minha carreira es-tava bem no início e foi importante ter ido para a França. Fui com bolsa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico] e tive também uma bolsa do con-sulado da França. Embora pequenas, as duas permiti-ram que eu estudasse.

O sobrenome Barbuy é de origem francesa?É francês, mas meu bisavô veio da Itália para o Brasil. Na Itália escrevem Barbuy com I no lugar do Y. Em princípio, os Barbuy foram para a Itália com Napo-leão, mas ninguém sabe direito. Minha irmã, que trabalha no Museu Paulista, encontrou um documento de 1758 de um Barbuy, com trema no Y, no norte da França. Era um padre católico.

No Observatório de Paris a senhora foi trabalhar com Roger Cayrel?Os contatos foram feitos por Licio da Silva, do Observatório Nacional, com Roger e Giusa Cayrel, que estavam de partida para o Havaí, onde trabalha-

nunca imaginei fazer outra coisa que não fosse seguir uma carreira intelectual

peSQuiSa FapeSp 206 | 27

riam na construção do telescópio Ca-nadá-França-Havaí. A Monique Spite, que estava voltando de longa estadia no Chile, aceitou ser minha orientadora. O grupo todo é excepcional, tanto que estão produzindo até hoje.

Qual era o tema de sua pesquisa?Eu queria trabalhar com evolução quí-mica e fazer observações. Fiquei cinco anos na França. O doutorado era mais pesado do que aqui e precisava ter vários artigos publicados. Foi muito legal por-que era um grupo que tinha várias per-sonalidades. A Monique era bem prática. Tudo o que era complicado ela reduzia a uma única instrução e o Roger tinha um nível incrível, demorei uns 10 anos para conseguir entender o que ele falava. Era um grupo com bastante gente em torno, com trabalho de observação de estrelas. Ti-ve de aprender a trabalhar. Aqui o aluno às vezes nem aparece todo dia. Lá todo mundo trabalha todo dia por não sei quantas horas e você se dá conta de que está numa das profissões mais sérias. Astrofísica é interessante. Há a teoria – tem que ler bastante –, mas também tem os dados. Quando você está cansado da teoria, trabalha nos da-dos. Essa diversidade de coisas ajuda a trabalhar vá-rias horas.

Seu primeiro artigo foi so-bre o quê?Era sobre uma estrela velha do halo da Via Láctea, a HD 76932. Determinei a sua abundância de elementos pesados e a temperatura com espectroscopia este-lar. Na minha área, elementos pesados são aqueles mais pesados que o ferro, como o cério e neodímio. O interessante de ter um artigo publicado é que você aprende a escrever. Saiu na Astronomy and Astrophysics, uma revista europeia, hoje editada em conjunto com Brasil, Chile e Argentina.

A senhora continua nessa mesma linha de pesquisa até hoje.Na mesma. Aprendi uma expertise e acredito que é preciso ter expertise pa-

ra ser um bom pesquisador. Tem gente que não tem, pega umas imagens e sai olhando para tudo. É preciso alguns anos para ser bom. Como trabalhei com um grupo muito bom, essa é a força da minha pesquisa.

De onde veio a ideia de estudar a evolu-ção das estrelas da Via Láctea?Foi durante o mestrado provavelmen-te que me interessei por essa parte de evolução química. Quanto ao tema das estrelas frias de baixa massa, foi ideia do Roger, pai do grupo. Martin Schwarzs-child, que era muito conhecido nessa área de evolução estelar, estava em Pa-ris nos anos 1950 e falou para o Roger que, se ele quisesse estudar formação

e evolução da galáxia, tinha de estudar estrelas de baixa massa. Esse palpite fez toda a diferença. Essas estrelas são muito velhas, se formaram quando a galáxia surgiu. Então quando as obser-vamos, estamos observando o início da galáxia. As estrelas de mais alta massa explodem logo. As que observamos hoje são jovens. Nas de baixa massa existe o que existia quando a galáxia se formou. Em geral, os elementos químicos en-contrados na superfície dessas estrelas refletem o material original da galáxia, como a baixa concentração de ferro. Estrelas bem pobres em metais são a primeira geração de estrelas de baixa massa. Mas elas não são a primeira ge-

ração de estrelas da galáxia. A primeira geração era bem massiva. Por que as primeiras estrelas tinham altas massas? Porque não havia metais para resfriá-las. Provavelmente as primeiras eram todas de alta massa. Esfriar é importante para que haja condensação e as nuvens de gás possam ir se fragmentando. Com isso, nuvens menores darão origem a estrelas menores.

O que é uma estrela fria? Estrelas com temperatura abaixo de 7 mil graus Kelvin, que são a maioria.

O que ocorre nessas estrelas mais frias?Estão convertendo hidrogênio em hélio no núcleo se forem anãs ou em suas ca-

madas mais externas. Uma das contribuições mais co-nhecidas do Schenberg diz respeito às estrelas anãs, como o Sol. Quando tiver queimado 10% do seu hi-drogênio em hélio, o Sol vai se expandir e virar uma es-trela gigante.

Essas estrelas em geral têm que idade?As estrelas velhas de baixa massa do halo têm mais ou menos 13 bilhões de anos. Um dos objetivos é desco-brir quais são as primeiras estrelas de alta massa com os telescópios terrestres gigantes que estão sendo planejados e com o futuro telescópio espacial James Webb.

A senhora sempre trabalhou com estre-las da Via Láctea?Trabalhei também com estrelas de ga-láxias próximas, do chamado grupo local, como as Nuvens de Magalhães. As estrelas de galáxias mais distantes são mais fracas, não dá para observar. Talvez dê para ver um aglomerado de estrelas, que pode ser observado bem de longe por seu alto brilho. Mas com espectroscopia de alta resolução ainda não dá. Uma das ideias é fazer isso com os telescópios gigantes. Também tenho alguns artigos sobre populações estela-res em galáxias elípticas, que se estuda usando sua luz integrada. Formei três alunos nessa linha.

Sempre me interessei por elementos químicos. é uma área que mistura física atômica, química

28 | aBrIl de 2013

As estrelas da Via Láctea que a senhora estuda estão exatamente onde? Primeiro, estudei as estrelas do halo [região esférica que envolve a galáxia e contém gás rarefeito e estrelas muito antigas], mais fácil de serem vistas. Nos anos 1980 começou a discussão de qual seria a primeira geração de estrelas, que deve ser mais pobre em metais. Minha tese foi sobre estrelas do halo pobres em metais, mas, ao longo dos anos, fui me interessando pelo centro da galá-xia. Atualmente esse é meu principal interesse. Hoje há certa discussão se as estrelas não se formaram primeiro no centro da galáxia, onde esse processo teria sido mais intenso. As mais velhas devem estar lá no centro. Então, nos úl-timos anos, trabalhei mais com o bojo da galáxia, mas continuei igualmente com os estudos do halo.

Por que especificamente se interessou pelo tema?Sempre me interessei por evolução química em nos-sa galaxia. É uma área que mistura física atômica, química e na qual tem de se saber as características de uma transição atômica ou molecular. Minha espe-cialidade são linhas mole-culares, campo em que há pouca gente trabalhando. É preciso saber nucleossínte-se [processo de criação de novos núcleos atômicos a partir de núcleos preexis-tentes], como os elementos se formam, sua evolução química, a formação de estrelas. Enfim, envolve muitas coisas.

Em nossa galáxia, o que a senhora vê em termos de evolução química?O bojo da nossa galáxia é muito parecido com o bojo de outras galáxias espirais e elípticas. Tem sempre aquelas linhas, fortes, de magnésio e ferro, em diferen-tes proporções. Ou seja, suas populações estelares são semelhantes.

Isso não era de se esperar?Era de se esperar. É uma coisa muito uniforme. Provavelmente o processo de formação das galáxias foi bem semelhan-te. Existem diferenças na proporção de

elementos químicos. Podem ter mais ele-mentos alfa [cujos isótopos mais abun-dantes são múltiplos de quatro, a massa do núcleo do hélio], como o oxigênio 16 e o cálcio 20. Elementos alfa indicam se houve ou não enriquecimento rápido por estrelas massivas. Isso é o que eu fa-ço. Procuro esses elementos, evidências de que supernovas enriqueceram o gás do qual se formou aquela estrela. Meu doutorado era voltado para ver qual foi a primeira geração de estrelas, aquelas primeiras supernovas. Isso é a busca das origens. Por isso é interessante.

A senhora é um dos autores de um es-tudo que, em 2001, encontrou aquela que foi considerada então a mais antiga

das estrelas, a CS 31082-001. Como foi esse trabalho?Foi a primeira vez que se detectou urâ-nio numa estrela fora do sistema solar. É um elemento químico pesado e radioa-tivo. Seu decaimento fornece a idade da estrela diretamente, não é necessário mais nada. O trabalho saiu na Nature. Num primeiro cálculo, a estrela tinha 14 bilhões de anos. Depois um grupo da Suécia mediu transições atômicas do urânio e recalculamos em 12,5 bilhões de anos a idade da estrela, com margem de erro de mais ou menos 2 bilhões de anos.

Essa estrela é da primeira geração de estrelas?

Talvez. Em algumas dessas estrelas po-bres em metais há evidências de que seu conteúdo é resultado de uma única su-pernova. Ela seria, portanto, de uma se-gunda geração. Num trabalho em parce-ria com a Cristina Chiappini [astrofísica brasileira do Leibniz-Institut für Astro-physik Potsdam], que saiu em 2011 na Nature, mostramos que as abundâncias em metais de um aglomerado estelar no bojo da galáxia NGC 6522 poderia ser resultado de supernovas de alta rotação e alta massa.

O que é uma supernova de alta rotação?São estrelas que rodam a 400 quilôme-tros por segundo. As estrelas quentes, em geral, têm alta rotação. Mas nin-

guém nunca tinha feito o cálculo de nucleossíntese dessas estrelas e esse gru-po da Europa fez. Agora já estão no ponto de fazer previsões. É uma colabo-ração entre mim, que sou observadora, esse grupo de teóricos e a Cristina, que faz modelos de evolução química.

Quais são os seus traba-lhos que tiveram maior impacto?Um dos artigos de maior impacto foi um de 1988. Minha tese tinha sido so-bre a presença de carbono, nitrogênio e oxigênio em estrelas frias. Fiz um pe-dido de tempo no ESO e tive sete noites ótimas de observação. Mostrei que

nas estrelas do halo [da Via Láctea] há excesso de oxigênio. Isso era uma cons-tante. E o que isso significa? Significa que o halo foi enriquecido rapidamente por supernovas do tipo 2. O oxigênio só é produzido em estrelas massivas, que vão virar supernovas do tipo 2. Foi a primeira evidência clara do excesso de elementos alfa no halo. O mesmo acon-tece nos núcleos das galáxias, em seus bojos. Esse foi o trabalho que me tornou conhecida. Em 1992 saiu um trabalho sobre ocorrência de alta concentração de magnésio nas galáxias. Depois disso, muitas das coisas que fiz foram nessa linha. Outro trabalho importante foi sobre a grade de espectros estelares.

astrofísica é interessante. Quando você está cansado da teoria, trabalha nos dados

peSQuiSa FapeSp 206 | 29

Para seu cálculo se incluem as linhas atômicas e moleculares. Trabalhei 20 anos nesse tema com meus alunos. O espectro de um aglomerado de estrelas pode ser usado para compor a popu-lação de estrelas de uma galáxia, por exemplo. Uma galáxia tem todo tipo de estrelas. Dessa forma, é necessário fazer uma soma ponderada de acordo com os brilhos dessas estrelas. Calculamos os espectros de estrelas com diferentes valores de gravidade, metalicidade e temperatura, desde gigantes até anãs. Então, numa tese de doutorado, uma aluna, a Paula Coelho, juntou isso tudo e publicamos um artigo feito em con-junto com outros três ex-alunos que haviam trabalhado nisso. Esse traba-lho tem sido muito citado. Acho que sou a astrofísica mais citada do Brasil atual-mente, com números pa-recidos com os de Eduar-do Bica [da Universidade Federal do Rio Grande do Sul] e Luiz Alberto Nico-laci da Costa [do Observa-tório Nacional]. São 8.500 citações na base Nasa/ADS e 7.500 no ISI.

Qual é sua linha mais re-cente de pesquisa?São os aglomerados pobres em metais no bojo da Via Láctea, que devem ser os mais velhos da galáxia. Um deles tem duas populações distintas de estrelas. Esse é um tema atual da literatu-ra. Sempre se achou que os aglomerados eram forma-dos por uma única população.

Voltando para a sua trajetória pessoal, por que a senhora retornou ao Brasil?Voltei, primeiro, porque havia assinado um acordo com o CNPq dizendo que fi-caria aqui o dobro do tempo que passaria fora. Passei cinco anos na França. Então tinha que passar 10 aqui. Não gosto de assumir compromisso e não cumprir. Essa foi a razão mais forte. Em segundo lugar, voltei porque você sempre vai ser estrangeiro no exterior. Passei os três primeiros anos em Paris querendo vol-tar. Só gostei mais de lá nos dois últimos anos. Sempre quis voltar. Acho que os brasileiros, mais do que as pessoas de

outras nacionalidades, têm esse desejo de voltar. E, por fim, havia a questão do clima e da família, claro.

O que a senhora encontrou na volta ao Brasil?Quando voltei, o que eu tinha? Uma me-sa, que, aliás, já era esta aqui, só que esta-va no endereço antigo do IAG. Só tinha isso. Não tinha computador, não tinha nada. E, pior, tinha aquela lei dos anos 1980, que não permitia comprar com-putador. Essa lei matou até hoje certas áreas da engenharia. Foi a pior coisa que aconteceu com o Brasil. Até hoje não te-mos nosso computador [nacional]. Nos anos 1980, eu ia todo ano para a França, ficava lá meses calculando, porque aqui

no Centro de Computação Eletrônica [CCE] da USP não tinha plotter [um tipo de impressora de alta definição, usada para produzir gráficos vetoriais]. O plot-ter ficava quebrado 11 meses por ano. Eu trabalhava com espectros, tinha de ver o espectro. Comecei a pedir tempo no ESO e também em telescópios do Havaí e conseguia. Naquela época era mais fácil obter tempo, mas tinha que ficar lá para tratar, reduzir os dados. Aqui não tinha nada. Passava vários meses no exterior. Normalmente era o Observatório de Pa-ris que pagava a minha viagem. Devo muito à França. Aqui raramente consegui alguma coisa. Sempre recusavam meus pedidos. Achavam que eu ia muito para

o exterior, que não era preciso. Não en-tendiam que eu tinha de calcular. Ficava 12 horas no computador para calcular em Paris. Então os anos 1980 foram terríveis, atrasaram muito a minha carreira. Tra-balhava como uma condenada. Cheguei a ir ao CCE três vezes num dia. E olha que eu trabalhava lá na Água Funda. Ti-nha uma energia tremenda, ia e voltava. Perdi meu tempo. Se tivesse ficado na Europa, teria sido melhor. Nos anos 1990 brigamos para ter um bom computador e a FAPESP financiou um Vax. Aí mudou a situação. Mas isso ocorreu oito anos depois da minha volta.

Apesar de todas essas dificuldades, a partir dos anos 1990 sua carreira já

estava bem estabelecida. Em 1992, por exemplo, a senhora já era presidente da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB).É verdade. Apesar das difi-culdades, consegui mostrar trabalho. Ser mulher não atrapalhou. Sempre deba-ti essa questão [da discri-minação da mulher] com a Mayana Zatz [geneticista do Instituto de Biociências da USP] e a Belita Koiller [física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ] em um grupo de discussão sobre o assunto na Academia Brasileira de Ciências [ABC]. No Brasil, se você trabalha e produz, ninguém fala nada. Se faze-mos o dobro do que outros fazem, por que iriam falar?

Mas não tem aquela história de que uma mulher tem de fazer mais do que um homem para ser reconhecida como pesquisadora?Tem. Acho que tem de fazer mais por ser mulher. Há um pouco de machis-mo. Mas, se você fizer mais, tudo está resolvido. O Brasil não é muito rígido nessa questão. Mas se fizer um pouco menos... Se for séria e trabalhar, ninguém atrapalha, não.

Sentiu algum preconceito por ser es-trangeira e mulher na França?Não tinha diferença alguma, era ainda mais igual do que aqui. Por um lado, tive

há um pouco de machismo no brasil. mas, se você for séria e trabalhar, ninguém atrapalha, não

30 | aBrIl de 2013

sorte de ter ido para a França. Nos países anglo-saxões, nos Estados Unidos, não é assim. A França, em particular, tem mui-ta simpatia pelo Brasil e tudo isso conta. Por outro lado, fui para Paris quando havia uma ditadura no Brasil e não fui assim tão bem tratada. Cheguei à França e me disseram: “Ouvi dizer que no Bra-sil tem 36 generais”. Lá 36 é que nem o nosso 1 milhão, quer dizer muito. E eu respondi: “Só 36?”. Essa coisa de ligarem o Brasil apenas a Pelé, café e samba me irritava. Mas, hoje, graças ao Fernando Henrique e ao Lula, o respeito pelo Brasil mudou completamente. Pensando bem, acho que fui um pouco maltratada, sim. Todo mundo foi. Não dá para comparar com os últimos 20 anos, quando as coi-sas melhoraram.

Como a senhora chegou a vice-presidente da IAU, en-tre 2003 e 2009?Já havia sido presidente da Comissão 29, sobre Espec-tros Estelares, e da Divi-são 4, sobre Estrelas. Foi natural em vista disso. De qualquer forma é um reco-nhecimento, ninguém do Brasil tinha estado lá. Há também o fato de que ser brasileira e mulher ajuda. Isso dá visibilidade. Então, às vezes, ajuda em vez de atrapalhar em nível inter-nacional. Tive uma grande participação na coisa mais importante que a IAU já fez, o Ano Internacional da Astronomia, em 2009. O Brasil, aliás, teve uma par-ticipação importante. E sabe por quê? Porque os países grandes não querem saber de ano disso e ano daquilo. Antes houve também o Ano Internacional da Física e foram uns poucos países, in-cluindo Brasil e Portugal, que fizeram o pedido oficial a favor dessa iniciativa. O Brasil é um dos sete países que pedi-ram o Ano Internacional da Astrono-mia. O apoio do pessoal do Ministério das Relações Exteriores foi ótimo. Os outros países não votam porque não querem distração com ano disso e da-quilo. Mas esse tipo de iniciativa é im-portante. Fui a eventos no exterior, fiz tudo o que pude, divulgamos bem e foi bastante importante. Poderia ainda des-

tacar a Assembleia Geral da IAU, que também ocorreu em 2009 no Rio de Janeiro, como outra iniciativa em que tive participação.

Qual é o ponto mais importante de sua carreira?Acho que foi ter entrado para a Acade-mia de Ciências da França. Fui durante 30 anos para a França, trabalhando duro, ficando em hotel sem estrelas. Em de-zembro de 1976 comecei o doutoramen-to lá e em dezembro de 2006 fui aceita na academia. Foi um reconhecimento muito importante. Só há 150 membros estrangeiros na academia, muitos deles Prêmio Nobel. Parece que minha vota-ção foi excelente.

A eleição para a academia foi um reco-nhecimento inesperado?Nunca imaginei isso. Fizeram tudo sem me falar. Essa é a maior honraria que re-cebi. Em 2008 recebi o Prêmio Trieste, da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento [TWAS], que também foi superimportante. Teve também o Prêmio L’Oréal-Unesco para Mulhe-res na Ciência em 2009. Este último de certa forma me mudou de patamar, pela grande promoção midiática. Por exemplo, no mês passado havia painéis ao longo da avenida Champs Elysées com fotos das laureadas nos 15 anos de existência do prêmio, incluindo as cin-co brasileiras.

No Instituto do Milênio, o objetivo era começar a desenvolver no país o know--how para fabricação de instrumentos para telescópios internacionais, dos quais o Brasil é um dos sócios. Como avalia essa experiência?Queríamos fazer instrumentos para os telescópios Soar e Gemini [ambos situa-dos no Chile, nos quais o Brasil dispõe de tempo de observação]. Em última análise, quem faz um instrumento é quem o co-nhece melhor e pode tirar melhor pro-veito dele. Se você quer observar alguma coisa, é melhor construir um instrumen-to para essa finalidade. É isso que fazem por aí. Esse Instituto do Milênio tinha como objetivo passar de uma situação incipiente em termos de instrumenta-

ção para uma situação com infraestrutura e conheci-mento para fazê-lo. Só que deu um trabalho terrível fa-zer o espectrógrafo Sifs em conjunto com o pessoal do LNA [Laboratório Nacio-nal de Astrofísica]. Estamos aprendendo, lentamente.

Quais dificuldades ocor-rem nesse processo?Não sabemos nem negociar com as empresas. Houve uma companhia que queria que dobrássemos seu paga-mento e queria bloquear o processo de construção de um instrumento. Elas fazem o que querem. Pen-samos que todo mundo é cientista e que está inte-ressado na pesquisa, mas as coisas não são assim. É

preciso trabalhar de outra forma. O que a gente quer? Inovação. Astronomia de-senvolve tecnologia de ponta. O Sifs ge-rou duas patentes de novos materiais, que estão sendo usadas agora num outro instrumento. O Sifs dispõe de fibras óp-ticas que não podem ter jogo. Têm de se manter firmes no lugar. O instrumento tem uma lente lá na frente e as fibras têm de ficar bem presas. Todo mundo fixa as fibras com um material duro. Mas o Antônio César de Oliveira, que estudou em São Carlos, criou um material, uma mistura flexível, que é fácil de ser fu-rado e com muita precisão. Essa é uma das patentes. O Sifs, portanto, permitiu que ficássemos experts em fibras ópticas.

ter entrado para a academia de ciências da França é o maior reconhecimento que recebi

peSQuiSa FapeSp 206 | 31

Quais são os outros dois instrumentos que estão sendo desenvolvidos?O espectrógrafo de alta resolução Steles, do Soar, que é desenvolvido pelo Bruno Castilho, e deve ficar pronto no fim do ano. E há o BTFi [um imageador ajustá-vel do Soar]. Todos os três instrumentos contam com financiamento da FAPESP. É importante esse apoio.

Como surgiu a aproximação do ESO com o Brasil?Muitos brasileiros observaram no ESO a vida inteira. Entre 2006 e 2011 produzi-mos, por exemplo, 77 artigos com o Ge-mini, 25 com o Soar e mais de 200 com o ESO, onde há tudo quanto é tipo de instrumento de observação. Mas a apro-ximação ocorreu assim. Dentro do INCT-A [Insti-tuto Nacional de Ciência e Tecnologia de Astrofísica], propus que fizéssemos par-te de um dos grandes te-lescópios em planejamen-to. Contactamos os três grandes projetos, o GMT [Giant Magellan Telesco-pe], o TMT [Thirty Me-ter Telescope] e o do ESO. O TMT exigiria US$ 100 milhões para incorporar o Brasil. O GMT disse que não ia se comprometer a usar nossa indústria, o que para nós era um ponto im-portante, e o deixamos de lado. O ESO pediu o dobro dos outros projetos para nos aceitar como membro. Na Comissão Especial de Astronomia (CEA), criada pelo MCT, refletimos que no GMT e no TMT a comunidade teria de esperar 10 anos até os telescópios ficarem prontos e só depois poderia começar a produ-zir. Entrar no ESO permitiria fazer tudo desde já, pois eles já disponibilizariam seus telescópios.

O processo de adesão ao ESO foi discu-tido entre os astrofísicos?Foi discutido. Em 29 de março de 2010 convoquei todos os pesquisadores prin-cipais do Brasil e vieram 80 pessoas. Na reunião, a grande maioria votou a favor de entrar no ESO. Depois disso, pela CEA, a Sociedade Astronômica Brasileira con-sultou todos os doutores e, novamente, a

grande maioria foi a favor. No Plano Na-cional de Astronomia, em que esse tema foi prioridade, a questão também foi ex-tensamente discutida por um grande nú-mero de participantes. O mesmo ocorreu em plenárias da reunião da SAB em 2010. Sem o ESO não temos futuro. Os ameri-canos não têm uma estrutura parecida. Perguntamos ao então ministro da Ciên-cia e Tecnologia, Sérgio Rezende, qual era nosso limite. Ele disse para escolher-mos o melhor projeto e ele veria como faríamos. Fizemos isso. Os valores foram negociados por uma comissão montada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, da qual faziam parte o então presidente da SAB, Eduardo Janot Pacheco, Albert Bruch, então diretor do LNA, e Ademar

Cruz, do Ministério das Relações Exte-riores. Economizamos € 100 milhões na negociação com o ESO.

O Brasil deverá pagar pouco mais de € 130 milhões, em 10 parcelas, para en-trar no ESO, além de uma anuidade. Há quem diga que esse valor é elevado para uma comunidade pequena de astrofísi-cos, como a brasileira?Não é uma comunidade pequena. São 700 astrônomos, 330 com contrato e outros tantos com pós-doc, além dos estudantes.

No modelo de alguns telescópios o só-cio que entra com 10% do orçamento do

projeto tem 10% do tempo de observa-ção. No ESO não é assim. Não iríamos pagar muito e correr o risco de não con-seguir nenhum tempo de observação?Pelo acordo com o ESO, o valor de nossa contribuição aumentará de forma gra-dativa até um teto e, para nos adaptar-mos, temos inicialmente 3% do tempo de observação. A questão central é que, se não formos membros do ESO, não pode-mos ser, em muitos casos, os principais pesquisadores de um projeto, não pode-mos ser o primeiro autor de um artigo. Precisamos aprender a competir, e para isso é preciso fazer pesquisa de ponta, integrada na comunidade internacional.

Algum tempo atrás, a senhora estava envolvida numa inicia-tiva de relançar os kits de ciência que existiram nos anos 1970. Como está esse projeto?Os kits vão ser lançados agora. No começo, serão cinco kits: um de química, um de óptica, um de gené-tica, um de matemática e um galileoscópio. O mo-tor disso é o Herch Moy-sés Nussenzveig [físico da UFRJ]. Os outros membros também são do mais alto nível: Vanderlei Bagna-to (Instituto de Física de São Carlos da USP), Ma-yana Zatz, Eliana Dessen (IB-USP), Henrique To-ma [Instituto de Química da USP], Eduardo Colli [Instituto de Matemática e Estatística da USP], Car-

los Henrique de Brito Cruz [do Instituto de Física da Unicamp e diretor cientí-fico da FAPESP]. O objetivo é motivar crianças e adolescentes para a ciência, por meio de experiências propostas nos kits. Nunca vimos kits de tão bom nível como o de óptica. E já há interessados também no exterior. A Capes gostou do projeto e deu financiamento inicial para a realização de testes com alunos de es-colas. São mil kits de cada tipo, 5 mil no total, a serem testados neste semestre. Os passos seguintes são o aperfeiçoamento do material, a depender do resultado dos testes, e o lançamento em maior número. Está ainda em planejamento a elabora-ção de outros 20 kits. n

Sem a adesão ao eSo, não temos futuro. os americanos não têm uma estrutura parecida

32 z aBrIl de 2013

superradiotelescópio inaugurado

no Chile procura as primeiras estrelas

do universo frio, escuro e distante

Sentinela das trevas cósmicas

Situado a pouco mais de 5 mil metros de altitude, a cerca de uma hora da localidade turística de San Pedro de Atacama, no norte do Chile, o platô de Chajnantor se tornou palco do maior projeto de observação astro-

nômica construído pelo homem em terra firme. Nesse ponto elevado do deserto mais seco do planeta, onde o céu quase não tem nuvens e a média anual de chuvas é menos de 100 milímetros, o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma) foi oficialmente inaugurado no dia 13 de março. “O Alma é um radiotelescópio que nos permitirá dar um zoom em objetos do Universo frio e distante, com uma sensibilidade de 10 a 100 vezes maior do que a que temos disponível hoje”, afirmou o holandês Thijs de Graauw,  diretor do observatório, que deixa o cargo em abril. A máxima resolução angular do Alma é de 0,004 segundo de arco. Isso equivale a ter, da Terra, a capacidade de distinguir um caminhão localizado na Lua.

Composto de um conjunto de 66 antenas de rádio gigantes, que podem funcionar de forma sincronizada como se fossem um único superradiotelescópio de 16 quilômetros de diâme-tro, o observatório tem como objetivo principal desvendar os primórdios do Universo, entre 1 e 2 bilhões de anos depois do chamado Big Bang, a explosão que teria dado início a tu-do. Após esse grande movimento de liberação de energia, o Universo se resfriou e se tornou escuro. Entrou temporaria-mente numa Idade das Trevas da qual começou a sair com o surgimento das primeiras estrelas, galáxias e planetas. Esse Universo frio e distante é o alvo por excelência, embora não o único, do Alma. O observatório também procurará pela presença no espaço de moléculas, como açúcar e água, que possam estar relacionadas a formas de vida. Os ciclos sola-res, que periodicamente provocam ejeção de grandes quan-tidades de massa de nossa estrela-mãe, serão ainda alvo de outras observações.

marcos pivetta, de san pedro de atacama

polÍtica c&t astrOfÍsiCa y

ilU

sTr

õe

s fa

BIo

oT

uB

o

FOTO

s a

lma

/c. p

ad

Ill

a

a região das antenas do alma

aLtituDe

5.000 m

pLuviOsiDaDe

Menos de 100 mm

por ano

atMOsfera tem apenas 5%

do vapor-d’água

e 60%

da camada

de gases

que envolve

a terra ao nível

do mar

Entre planejamento e construção, o empreendimento científico nos Andes chilenos, distante cerca de 1.600 quilô-metros da capital Santiago, consumiu 15 anos e US$ 1,4 bilhão. Em cooperação com o governo do Chile, a montagem do Alma foi custeada por seus três grandes sócios. A Europa investiu 37,5% do valor do projeto por meio do Observatório Eu-ropeu do Sul (ESO), do qual fazem parte 14 países do Velho Mundo mais o Brasil, que está em processo de confirmação de sua adesão à organização (ver entrevista da astrofísica Beatriz Barbuy, da Univer-sidade de São Paulo, na página 24). Os Estados Unidos contribuíram com um montante igual ao dos europeus e sua participação é coordenada pelo Obser-vatório Nacional de Radioastronomia (NRAO). O Japão e Taiwan entraram com 25% da verba do Alma, e o Observatório Nacional Astronômico do Japão (Naoj) organiza a participação dos asiáticos na empreitada.

Os radiotelescópios do Alma são de dois tamanhos. Há um conjunto maior, composto de 54 antenas com 12 metros

de diâmetro. Cada uma dessas parabólicas pesa cerca de 100 toneladas. O segundo grupo é formado por 12 antenas com 7 metros de diâmetro. Usando técnicas de interferometria, os sinais de todos os ra-diotelescópios – ou de uma parte deles no caso de observações que não necessitem de dados produzidos pelo conjunto de an-tenas – são combinados e transformados em dados astronômicos num supercom-putador instalado no Array Operations Site (AOS), uma unidade de apoio tam-bém situada no platô. Desse ponto no al-tiplano, as informações processadas são transmitidas para o Operations Suport Facility (OSF), um centro operacional localizado a 25 quilômetros de distância do Chajnantor, a uma altitude aproxima-da de 2.900 metros. Do total de antenas do projeto, 57 já estão em funcionamen-to no platô e outras 9 se encontram no OSF sendo preparadas para iniciar sua operação provavelmente ainda neste ano.

Inserido na peculiar geografia árida do deserto do Atacama, frequentemente usada como cenário em filmes de ficção científica que tentam reproduzir a su-FONTe oBservaTórIo alma

santiaGO

arGentina

OCeaNOPaCíFiCO

bOLÍvia

peru

san peDrO De ataCaMa

alma

DesertO DO ataCaMa

antenas do alma no platô Chajnantor:

operação conjunta como se fossem um

superradiotelescópio de 16 quilômetros

34 z aBrIl de 2013

antigas galáxias do Universo. Ela pode ser usada para estudar a composição química e a física de regiões densas em gás e poeira onde novas estrelas estão sendo formadas.

Frequentemente tais regiões são es-curas e não podem ser observadas nas frequências da luz visível. No entanto podem ser “vistas” de forma clara na par-te do espectro de luz em que o Alma tra-balha. “Os primeiros resultados do Alma são espetaculares”, afirmou Pierre Cox, que está assumindo a direção do obser-vatório no lugar de Thijs de Graauw. Cox acredita que, no futuro, o observatório poderá detectar até a matéria escura, uma misteriosa componente que representa cerca de um quarto do Universo.

primeiroS reSultaDoSEmbora tenha sido oficialmente inau-gurado apenas neste ano, o Alma está

produzindo dados para trabalhos cien-tíficos desde setembro de 2011, quando começou a operar com um número re-duzido de antenas, em geral 16. Os pri-meiros estudos com dados coletados pelo superradiotelescópio começaram a ser publicados em 2012. Os resultados mais interessantes ganharam as páginas da revista Nature em 14 de março deste ano.

Uma equipe liderada por pesquisado-res do Instituto de Tecnologia da Cali-fórnia (Caltech), Estados Unidos, mediu com o Alma, no comprimento de on-da ao redor de 3 mm, a distância de 26 galáxias longínquas e poeirentas, onde havia grande formação de novas estre-las, e descobriu que elas estavam mais longe e eram, portanto, mais velhas do que se pensava. “Quanto mais distante estiver uma galáxia, mais longe no tem-po a estamos vendo. Por isso, ao medir

perfície de Marte, o platô Chajnantor foi escolhido para ser a sede do observatório devido ao céu transparente e estável. A 5 mil metros, o ar é rarefeito e 40% da at-mosfera terrestre se encontra abaixo des-sa altitude. A presença de vapor-d’água, elemento que distorce e dificulta o regis-tro das emissões em frequências de rádio, é apenas 5% da quantidade registrada ao nível do mar. Essas características tornam os arredores de San Pedro de Atacama um lugar extremamente favorável ao tipo de observação feita pelo Alma.

O conjunto de radiotelescópios capta a porção (invisível a olho nu) do espectro ele-tromagnético com comprimentos de onda entre 0,32 e 3,6 milímetros (mm). A luz nes-ses comprimentos de onda vem de grandes nuvens frias do espaço interestelar, onde a temperatura é apenas alguns graus acima do zero absoluto, e de algumas das mais

Fonte ObservaTóriO alMa

iNFO

Gr

ÁFi

CO

aN

a p

au

la

ca

mp

os

o alma em ação

captação as parabólicas captam

os sinais, que são medidos

por receptores extremamente

sensíveis resfriados

a -269 ºC e instalados

em cada antena

DigitalizaçãoOs sinais analógicos são

digitalizados e transmitidos

por fibras ópticas para um

centro de apoio situado nos

arredores das antenas, ainda

a 5 mil metros de altitude

armazenamentoOs dados produzidos

são enviados até a

central de operações

do alma, situada num

ponto mais baixo dos

andes, a 2.900 metros

de altitude. aí a

informação é arquivada

e passa por um

controle de qualidade

proceSSamentonesse centro há um

supercomputador

que combina bilhões

de vezes por segundo

o sinal de cada antena

e gera assim os dados

e imagens astronômicas.

sua capacidade

de processamento

equivale à de 3 milhões

de laptops comuns

4 5

2 3

as etapas do processo de captação, transmissão e processamento de dados pelo conjunto de 66 antenas

raDiação Do eSpaçoCertos objetos celestes emitem

radiação nos comprimentos de

onda milimétricos e submilimétricos

em que operam as antenas

1

peSQuiSa FapeSp 206 z 35

te 90 dias consecutivos em certas faixas do espectro eletromagnético. Com o Al-ma, Zulema mediu as emissões de rádio do sistema binário de estrelas em quatro comprimentos de onda: 3 mm, 1,3 mm, 1 mm e 454 micrômetros. Alguns desses comprimentos de onda nunca haviam sido usados para observar a estrela. “Há poucos dados sobre o ciclo da Eta Ca-rinae nas frequências de rádio”, afirma a pesquisadora, que tenta identificar o local exato do sistema binário onde esse tipo de emissão se origina. Em janeiro e fevereiro deste ano, Zulema recebeu 15 gigabytes de informação produzidos pe-lo observatório nos Andes chilenos, algo

como três DVDs cheios de informação. A resolução angular dos dados é impressio-nante, de 0,4 segundo de arco. No radio-telescópio de Itapetinga, em Atibaia, a 60 quilômetros da capital paulista, Zulema consegue observar a Eta Carinae com uma resolução máxima de 2 minutos de arco, centenas de vezes pior do que a do Alma.

A astrofísica Thaisa Storchi-Berg-mann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também obte-ve tempo de observação no Alma, em trabalho conjunto com Neil Nagar, da Universidade de Concepción, Chile. O projeto, cujas observações ainda não foram feitas, consiste no mapeamento da distribuição e da cinemática de gás molecular numa região de 100 parsecs, distância equivalente a 326 anos-luz, em torno do núcleo de galáxias ativas onde um buraco negro supermassivo devora matéria ao seu redor. Trabalhos feitos por Thaisa em comprimentos de onda da luz óptica e do infravermelho mostraram a presença de estruturas espirais nessa região, que parecem ser canais para ali-mentar o buraco negro supermassivo. “Como onde há poeira, há gás molecular, estamos atrás da emissão de gás molecu-lar frio, que emite nas bandas espectrais cobertas pelo Alma, para verificar se ele está de fato se movendo em direção ao núcleo”, afirma a pesquisadora gaúcha.

Além de pleitear o uso do Alma, um grupo de astrofísicos brasileiros está negociando a instalação de uma antena de 12 metros de comprimento, igual às maiores compradas pelo observatório recém-inaugurado, numa localidade dos Andes argentinos. Denominado Long La-tin American Millimeter Array (Llama), o projeto prevê a construção de um pe-queno observatório em San Antonio de Los Cobres, cidade localizada a 200 quilô-metros de distância do platô Chajnantor. A iniciativa seria uma parceria de brasi-leiros e argentinos. “Nós compraríamos a antena, que custa € 6 milhões, e eles construiriam e operariam o observatório”, diz Jacques Lépine, astrofísico do IAG--USP e coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Radioastronomia(Nara), principal articulador do Llama. Se sair do papel, a antena do projeto binacional poderá trabalhar de forma independen-te ou integrada ao observatório em San Pedro de Atacama. “Com o Llama, pode-ríamos melhorar até 10 vezes a resolução angular do Alma”, diz Lépine. n

a máxima resolução angular do radiotelescópio permitiria observar um caminhão na lua

distâncias, podemos reconstruir a linha cronológica de quão vigorosa é a forma-ção estelar no Universo nas diferentes épocas da sua história de 13,7 bilhões de anos”, disse Joaquin Vieira, do Caltech, principal autor do artigo.

Os pesquisadores viram que, em mé-dia, os picos de formação estelar ocor-reram 12 bilhões de anos atrás, 1 bilhão de anos mais cedo do que se supunha. Duas dessas galáxias são as mais distan-tes deste tipo já observadas. Tinham 12,7 bilhões de anos.  Numa outra galáxia os astrofísicos detectaram moléculas de água. Segundo os autores do trabalho, es-sa é a evidência mais longínqua de água já identificada no Universo.

proJetoS De braSileiroS Zulema Abraham, do Instituto de Astro-nomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, foi a primeira astrofísica brasileira a usar o Alma para estudar um objeto celeste. Seu projeto disputou tem-po de observação com cerca de mil pro-postas internacionais e foi uma das 112 iniciativas agraciadas com acesso a dados produzidos pelo observatório. Em novem-bro do ano passado, 23 radiotelescópios do Alma foram apontados por cerca de 20 minutos na direção da enigmática Eta Carinae, um sistema composto de duas estrelas gigantes de grande luminosidade, a maior com cerca de 90 massas solares e a menor com 30 massas solares.

Distante 7.500 anos-luz da Terra, a Eta Carinae apresenta uma espécie de apa-gão periódico. A cada cinco anos e meio, deixa de brilhar por aproximadamen-

radiotelescópios do alma: transparência e estabilidade do céu dos andes favorecem observações

eso

/c. m

alI

N

36 zaBrIl de 2013

biblioteca que abriga acervo de

José Mindlin é inaugurada na usp

brasiLiana y

aquarela do brasil

a Universidade de São Paulo (USP) inaugurou no dia 23 de março a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, que aco-

lhe 32 mil títulos da coleção brasiliana doada em 2006 pelo empresário e sua mulher. O evento, que reuniu mais de 500 pessoas, entre autoridades, patrocinado-res e intelectuais, também apresentou duas exposições ao público. A primeira, permanente, traz registros sobre a vida do casal Mindlin e os esforços para er-guer a biblioteca e resume a história do li-vro e da imprensa; e a segunda, que ficará aberta para visitas até o dia 28 de junho, apresenta 100 destaques da coleção. São livros e manuscritos, como o original de Vidas secas, de Graciliano Ramos. Desde 2009, uma parcela do acervo vem sen-do digitalizada e oferecida na internet. Atualmente, a biblioteca digital conta com cerca de 3,6 mil títulos, que podem ser acessados no site da Brasiliana USP (www.brasiliana.usp.br), operada pela Biblioteca Mindlin.

O bibliófilo José Mindlin (1914-2010), que além de empresário também era ad-vogado e jornalista, começou a colecionar livros antigos em 1927. Nas prateleiras de sua biblioteca particular podiam ser encontradas obras raras do século XVI e FO

TOs

léo

ra

mo

s

outras sobre literatura brasileira e portu-guesa, manuscritos, periódicos científicos e de arte. Mindlin costumava receber em casa amigos e pesquisadores fascinados em conhecer a coleção, cuja preservação era feita pela esposa Guita, que morreu em 2006. Emocionado, Sérgio Mindlin, filho do casal, lembrou, na cerimônia de inauguração, a dedicação dos pais à frente da biblioteca. “Enquanto eles eram vivos, a biblioteca era o mundo deles. Agora ela se torna institucional e abre o acesso de uma forma antes impensável, através das amplas instalações de pesquisa e de estudo e do acesso pela internet”, disse. Sérgio e as três irmãs participam do con-selho da instituição.

O reitor da USP, João Grandino Ro-das, destacou a importância da doação realizada por Mindlin e sua família. “No Brasil, não existe essa tradição de doa-ções, o processo não é simples, mas aqui foi plantada a semente para que outras pessoas façam o mesmo gesto”, disse o reitor à Agência USP de Notícias. A inau-guração também prestou homenagem à memória do historiador István Jancsó, um dos mentores do Projeto Brasiliana USP, falecido em 2010.

Para o presidente da FAPESP, Celso Lafer, "a digitalização significa não só a

preservação, mas o acesso generalizado e a possibilidade de expandir a informa-ção”. A Fundação foi responsável pela compra do equipamento de digitaliza-ção robotizada de livros encadernados, apelidado de Maria Bonita. A máquina é capaz de fotografar até 2.400 páginas por hora, o que representa aproxima-damente 40 livros por dia (ver Pesquisa FAPESP nº 161).

O crítico literário Antonio Candido disse que o amigo José Mindlin não era apenas um colecionador de livros. “Ele foi sobretudo um leitor dotado de discer-nimento crítico, uma espécie de autor de sua biblioteca”, declarou. O historiador Boris Fausto, que também prestigiou a abertura da biblioteca, enfatizou a preo-cupação do casal Mindlin em tornar o acervo disponível para a sociedade. “É importante destacar a generosidade do casal de doar uma biblioteca desse porte e desse valor, e também o papel da fa-mília, que ratificou esse gesto dos pais.” Para a construção do edifício, que inclui também o Instituto de Estudos Brasilei-ros e o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP, foram gastos R$ 130 milhões. Parte dos recursos veio da própria USP, mas o projeto também obteve recursos de patrocinadores, como a Petrobras e

bruno de pierro

peSQuiSa FapeSp 206 z 37

O interior da biblioteca, que reproduz a organização dos livros na casa de Mindlin (esq.); a estrutura externa que abriga o acervo; e a versão original de Vidas secas, com o título modificado por Graciliano ramos

beneFÍcioS à peSQuiSaDesde o início da digitalização, vários pesquisadores se beneficiaram com a transferência de obras para a tela do computador. “O trabalho da Biblioteca Brasiliana Digital é um dos mais impor-tantes para as ciências humanas no Bra-sil”, declarou Jaime Rodrigues, professor do Departamento de História da Univer-sidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na biblioteca de Mindlin, ele encontrou relatos de viagens, que o ajudaram a en-riquecer sua pesquisa sobre a cultura marítima nas embarcações que passaram por águas brasileiras entre os séculos XVI e XIX. “Era possível achar obras esparsas, em outras bibliotecas, mas boa parte foi encontrada, em versões origi-nais, no site da Brasiliana”, disse Jaime.

Para o diretor da Biblioteca Mindlin, Pedro Puntoni, o acesso a livros físicos vai exigir cuidados extras. O pesquisa-dor deverá realizar um cadastro e pedir agendamento. Isso dependerá do julga-mento dos curadores da biblioteca, que

analisarão o estado do livro e como ele deve ser consultado. “Mas o acesso con-tinuará aberto pela internet, dentro dos limites dos direitos do autor.” Puntoni, professor da Faculdade de Filosofia, Le-tras e Ciências Humanas da USP, expli-cou que a biblioteca já realiza parcerias com instituições internacionais, princi-palmente com as que têm acervos sobre o Brasil, como a Oliveira Lima Library, em Washington, e a John Carter Brown Library, em Rhode Island, nos Estados Unidos. “Poderemos oferecer a essas bibliotecas acesso gratuito a obras que interessam a elas e, em contrapartida, elas nos fornecem, digitalmente, livros que não temos”, disse. Outra parceria foi a consultoria de Beatriz Haspo, conser-vadora-chefe da Library of Congress, que participou das discussões sobre conser-vação e preservação. “A biblioteca firma-rá novas parcerias internacionais, porque ela é viva, aberta, e pretende ser um polo ativo da cultura brasileira em conexão com outras instituições”, concluiu. n

o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O prefeito de São Paulo, Fernando Had-dad, disse que o exemplo de Mindlin pode incentivar iniciativas semelhantes. “Espe-ro que essa atitude abra uma nova frontei-ra de diálogo entre grandes empresários e instituições de ensino”, declarou. Recém--chegada de uma viagem a museus e bi-bliotecas dos Estados Unidos, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirmou que o novo prédio da USP não fica atrás dos padrões internacionais. Também desta-cou que ainda neste primeiro semestre deve ser levada para o Congresso a nova Lei dos Direitos Autorais, para permitir que novas digitalizações, como as que são feitas pela Brasiliana, sejam disponibili-zadas. “Caso contrário, não será possível colocar todas as obras, a não ser que sejam de domínio público”, explicou. O secre-tário de Cultura do Estado de São Paulo, Marcelo Mattos Araújo, que representou o governador Geraldo Alckmin, também saudou a iniciativa da Biblioteca Mindlin.

peSQuiSa FapeSp 206 z 37

cinturão de lama da plataforma de ubatuba

308 m26 fev

cinturão de lama da plataforma de Santos

ubatuba24 de fevereiro

ponto de coleta16 metros24 fevereiro

121 m25 fev

841 m26 fev

47 m25 fev

360 m, 27 fev

680 m, 27 fev

1.400 m, 27 fev

paleolaguna

ponto mais distante e mais profundo da viagem [315 km da costa, 2.000 m de profundidade]

Depósito de sedimentos lamosos com organismos marinhos

chegaDa28 de fevereiro

partiDa20 de fevereiro

início do talude [200 metros até o fundo]

Fim da plataforma continental

ciÊncia OCeanOGrafia y

120 m26 fev

2

1

3

5

4

FONTe Io-usp

nove dias no atlânticoalpha-Crucis sai de santos e retorna em ubatuba em viagem de coleta de sedimentos

6

789

sedimentos revelam a história climática e evolutiva

de ambientes desaparecidos há milhares de anos

a preciosa lama do mar

teXtO e fOtOs carlos Fioravanti, do alpha-Crucis

Ma

Pa c

ar

Ta N

áu

TIc

a c

om

aN

oTa

çõ

es d

o c

om

aN

da

NT

e jo

sé r

ez

eNd

e iN

FOG

FiC

O a

Na

pa

ul

a c

am

po

s

o mar está agitado e o navio balança muito nesta manhã de segunda-feira, 25 de fevereiro. As ondas entram no convés. Quatro homens de capace-

te branco e cobertos de água salgada puxam o cabo de aço com uma estrutura piramidal que oscila antes de assentar na superfície vermelha do convés. A pirâmide metálica finalmente traz 12 cilindros transparentes com uma amostra generosa da lama a 121 metros de profundidade, ao largo da ilha de São Sebastião, litoral norte paulista. Na tentativa anterior, a 47 metros, os cilindros trouxeram apenas água e areia, sem a desejada lama que 19 pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo buscaram durante nove dias em um cruzeiro no navio de pesquisa oceanográfica Alpha-Crucis.

Cada um por vez, Edilson de Oliveira Faria, Marcelo Rodrigues, Rodolfo Jasão Dias e Gil-berto Dias carregam os cilindros e os depositam em uma caixa plástica. A lama que trazem é fina, grudenta, verde-escura, de cheiro desagradável. “É perfeita!”, comemora Till Hanebuth, professor

da Universidade de Bremen, Alemanha, sentindo--a entre os dedos. “O que é apenas lama para a maioria das pessoas tem muito significado para nós”, diz Michel Mahiques, diretor do instituto e coordenador científico da primeira parte da expedição, de 20 a 24 de fevereiro, centrada na identificação de lugares para a coleta de sedimen-tos em diferentes profundidades, realizada nos quatro dias seguintes. “É o sedimento lamoso, como chamamos, que vai fornecer os melhores registros da história climática, ambiental e evo-lutiva de uma região.” Em estudos anteriores, as análises de sedimentos ajudaram a definir a va-riação do clima dos últimos 10 mil anos no lito-ral paulista e dos níveis de poluentes em Santos e em Iguape nos últimos 100 anos.

Por definição, essa massa de modelar que vem do fundo do mar é uma mistura de grãos com diâmetro inferior a 62 micrômetros, menor que o da areia. “Partículas de rochas ou de sal, restos de esqueletos, qualquer material pode formar a lama”, diz Samara Goya, técnica do IO e profes-sora universitária em Santos. “A lama funciona

peSQuiSa FapeSp 206 z 39

40 z aBrIl de 2013

1 Michel, edilson, Gilberto e Mônica planejam a viagem

2 primeira coleta, no dia 24

3 Gilberto transportando um dos cilindros do multicore

4 e 5 patrícia neves e amanda spera e fernando Carneiro cortando os blocos de lama

6 till checando o trajeto

1

2

3

6

5

4

peSQuiSa FapeSp 206 z 41

como uma esponja, atraindo elementos químicos ou organismos dispersos na água. A areia tem uma estrutura fixa e não atrai outros materiais.”

O objetivo da viagem é identificar depósitos ou fluxos de lama, cujos elementos devem aju-dar a reconstituir o ambiente e o clima regional, as correntes marinhas e a evolução do oceano

Atlântico Sudoeste nos últimos 7 mil anos. O cru-zeiro faz parte de um dos projetos apoiados pela Pró-Reitoria de Pesquisa por meio do programa Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) e reúne pes-quisadores do IO, do Instituto de Geociências e do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.

“Esta é a nossa primeira expedição de cunho essencialmente geológico que ultrapassa os limi-tes da plataforma continental desta região”, diz Michel, que prefere ser chamado pelo primeiro nome. Até agora, por falta de equipamentos ade-quados, era possível coletar sedimentos no máximo a 150 metros de profundidade. “O Alpha-Crucis nos permite ir mais longe, mais fundo e com mais conforto que o Besnard”, ele diz, referindo-se ao navio Professor Besnard, desativado desde 2008. No dia 28, depois de percorrer quase 2 mil quilô-metros, o Alpha-Crucis atracou em Santos, ao la-do do antigo navio, com centenas de amostras de sedimentos de até 1.400 metros de profundidade.

“De onde vêm os sedimentos encontrados ao norte de São Sebastião? Não sabemos”, inquieta--se Michel. Os rios que deságuam nessa região são pequenos e aparentemente incapazes de trans-portar tanta areia e lama. Ao sul, a situação pa-rece mais clara. Em trabalhos anteriores, Michel e outros pesquisadores do Instituto Oceanográ-fico concluíram que o rio da Prata, a quase 2 mil quilômetros de distância, deve ser a principal fonte da lama que chega até o sul da ilha de São Sebastião, empurrada pelas correntes marinhas.

De imediato, o mapeamento do fundo do mar realizado nos primeiros quatro dias de viagem forneceu indicações sobre a estabilidade do as-soalho marinho, essencial para a extração de petróleo e gás natural, e sobre a possibilidade de escorregamentos de depósitos de sedimentos, que podem gerar tsunamis. Em 2002, uma massa enorme de sedimentos escorregou e empurrou o

mar da costa da ilha de Stromboli, na Itália, cau-sando um tsunami e agravando os efeitos de uma erupção vulcânica. Aparentemente, essa possi-bilidade é remota no litoral paulista.

Com base nas informações sobre o fundo do mar, Michel concluiu que uma hipótese sobre a movi-mentação de sedimentos da costa para o oceano

neste trecho do litoral, que ele havia apresentado em 2004 com base em amos-tras de superfície, poderia estar mesmo correta. “Agora estamos vendo efetivamen-te a migração de sedimento da costa para o fundo”, co-menta. “Passamos por uma série de vales e canais, al-guns com 5 quilômetros de largura e 160 metros de pro-

fundidade, que podem ter a função de receber e distribuir sedimentos.” Os gráficos sobre a varia-ção da espessura e da consistência das camadas de areia e lama indicavam que o talude – a região mais profunda além da plataforma continental – tinha a forma de um anfiteatro, com o palco nas regiões mais profundas, como ele havia previsto.

titãS em alto-marA escolha dos pontos de coleta de sedimentos resultou de um trabalho árduo que começou na tarde de quarta, dia 20, logo depois de o navio deixar o porto de Santos, e terminou na madru-gada do domingo, dia 24. A equipe da USP se re-vezou dia e noite para acompanhar e analisar as informações sobre o fundo do mar que chegaram durante 83 horas seguidas nos monitores dos três equipamentos de um dos laboratórios do navio: um batitermógrafo, que registra a variação de sa-linidade e temperatura por meio de sensores lan-çados manualmente a cada 18 quilômetros; duas ecossondas, que informam sobre a consistência e os limites das camadas superficiais de sedimentos do fundo do mar por meio da emissão e reflexão de ondas sonoras; e um perfilador sísmico, cujas ondas, em outra frequência, penetram mais nos sedimentos porque funciona com uma frequência de onda menor que as ecossondas. A cada meio segundo o perfilador emitia estalos que ecoavam pelo navio, principalmente no andar inferior, que abrigava os camarotes da tripulação e de parte dos pesquisadores. Dias antes da viagem, em uma reunião de planejamento, Michel alertou que seria “uma viagem barulhenta”.

Foi também movimentada. Seguindo contra o vento, o navio balançou bastante na quinta, 21, primeiro dia de viagem. Mesmo os mais ex-perientes passaram mal, com enjoos e tonturas. “Comparado com o Besnard, este é flat [plano]”, diz Michel com tranquilidade, no café da manhã.

os pesquisadores detectaram vales e canais que podem ter a função de receber e distribuir sedimentos

42 z aBrIl de 2013

O comandante José Rezende, mineiro de Juiz de Fora que mora em Niterói, confirma: “O Besnard era mais caturro”. Ou seja: a proa subia e descia, fa-zendo o navio balançar no sentido do comprimento e não só dos lados como o Alpha-Crucis. À noite o navio chega ao ponto mais distante da viagem, a 315 quilômetros da costa, e mais profundo, 2 mil metros; lá embaixo, de acordo com um dos equi-pamentos, a temperatura era de 3 graus Celsius.

Michel, Till, Edilson, Jasão, Marcelo e Gilberto, revezando-se à frente dos monitores, passaram o dia apreensivos, pedindo para o comandante ajustar o rumo porque não estavam captando na-da de relevante sobre o fundo do mar. No final do dia o navio aquietou-se e eles começaram a iden-tificar sinais de antigos vales de rios e lagunas, que emergiam como possíveis pontos de coleta de sedimentos na segunda parte da viagem. “Tu-do o que estamos fazendo aqui é novo para nós”, comentou Till, o coordenador da equipe diurna que em 2009 percorreu a bacia do rio da Prata, em uma expedição semelhante.

Mesmo dormindo pouco, Michel estava feliz. Sem internet, telefone e problemas urgentes para resolver, ele pôde deixar de lado as preocupações de diretor do Instituto Oceanográfico e vestir a camiseta de seu Botafogo (ele nasceu no Rio e aos 9 anos se mudou com a família para São Paulo). Seu computador tocava sem parar Titãs, Fábri-ca do Som, Village People, Elis Regina, como ele diz, “músicas boas e músicas de que eu gosto”. A turma da noite parecia um grupo de velhos ami-gos. Alto e magro, Marcelo Rodrigues, técnico do instituto desde 1992, viajava pela última vez com eles porque pediu demissão para trabalhar como consultor em geologia.

Edilson é do tipo forte, cabelo rastafári, fala calmamente. Estudou biologia, foi contratado como técnico no IO em 1998 e dois anos depois Marcelo perguntou se ele queria participar de uma viagem à Antártida. Ele sonhava ir desde 1982, quando servia na Escola Naval do Rio e leu sobre os planos da primeira expedição científica para lá. Pouco depois ele viu o navio Barão de Tefé passar rumo sul. “Aquela imagem nunca saiu de minha memória.” Ele foi em dezembro de 2002, ficou um mês e gostou muito. “A impressão que eu tenho é que eu nunca saí de lá.”

Ao deixar a equipe, no domingo, dia 24, em Uba-tuba, Michel passou o comando científico para sua colega Silvia Helena de Mello e Souza, que em-barcou com seu grupo no início da tarde. Michel lhe entregou um mapa com os 10 pontos de coleta de sedimentos, que ele e Till haviam elaborado naquela manhã, com base no mapeamento dos dias anteriores. No mesmo dia lançaram os equi-pamentos, que só trouxeram areia do fundo, e à noite religaram os equipamentos de mapeamen-to das camadas de sedimento do fundo do mar.

o laDo SuJo Da ciÊnciaA lama que os homens do convés trazem nos ci-lindros ganha donos e identidades à medida que passa para os pesquisadores, organizados em uma linha de produção, cada um com uma tare-fa específica. “As amostras deste cruzeiro serão as que vou usar no doutorado”, diz a oceanógra-fa Amanda Spera, que corta os blocos de lama em fatias de 1 centímetro de espessura que suas colegas colocam em pratos metálicos. Amanda pretende analisar compostos orgânicos sinte-tizados por microalgas marinhas e plantas ter-restres para reconhecer os padrões de variação de temperatura e clima da região há milhares de anos. Quanto maior a temperatura, menor o número de ligações duplas na cadeia carbônica das alquenonas, um dos grupos de compostos a serem analisados. Desse modo, diz ela, “se as algas viviam em ambiente mais quente, o núme-ro de ligações duplas das alquenonas é menor”.

No almoço do dia seguinte, Jasão, oceanógrafo e especialista em mergulho científico, anunciou, referindo-se a uma das coletas da manhã, a 841 metros de profundidade: “Já temos um recorde do Instituto Oceanográfico”. Por meio de um dos equipamentos – um cilindro metálico de 4 metros de comprimento e 450 quilos de peso chamado piston core –, eles coletaram três amostras, de

“Só neste pedaço da margem continental temos mais 20 anos de trabalho, pelo menos”, diz michel

peSQuiSa FapeSp 206 z 43

4,10 metros, 1,68 metro e 2,40 metros de compri-mento, mantidas em um tubo plástico branco. Em laboratório cada coluna será cortada em fatias de 2 centímetros. “Eu é que vou datar as colunas”, diz o químico Rubens Figuera, professor do IO que faz uma conta rápida: cada coluna deve ren-der de 300 a 400 fatias, das quais ele examinará o teor de 15 elementos químicos: portanto, 6 mil resultados para cada coluna de lama.

Acompanhar essa movimentação é fascinante. Pode-se ver um pouco das engrenagens da ciência e as coisas que os papers não contam: o trabalho pesado e repetitivo, a tensão causada pelos im-previstos, as hipóteses de trabalho nascendo, o lado literalmente sujo da ciência expresso nos rostos enlameados. Sutilmente, emergem as for-ças geralmente ocultas da ciência, que se faz não só com boas perguntas, instituições e dinheiro, mas também com amizade, respeito e compa-nheirismo. “Estou aqui para o que precisarem”, lembrou Edilson no domingo à noite, diante do grupo, ao planejarem as coletas.

No dia seguinte, observando o movimento no convés, Till comentou que 40 pessoas haviam se mobilizado para a coleta de sedimentos, incluindo os marinheiros que pilotavam os guinchos para conduzir os equipamentos de coleta, os cozi-nheiros que mantinham o ânimo de todos com uma comida deliciosa e os mecânicos da casa de máquinas. Os artigos científicos que resultarem desse trabalho, porém, trarão o nome de apenas uns poucos cientistas.

Os relatos enfatizam resultados positivos que parecem ter surgido como mágica, sem esforço, mas o cansaço expresso na voz rouca, no silên-cio e nas olheiras destas pessoas indica que não é bem assim. “Temos de desfazer a mística do Jaques Cousteau, que só mostrava as coisas que

davam certo”, lembra Michel. “Em uma das ex-pedições de que participei tudo deu errado. Faz parte. Só não pode perder o élan, o entusiasmo.”

Às 13 horas da terça-feira, dia 26, Rubens en-tra afobado no laboratório e avisa Silvia e Till: “Perdemos o piston core!”. Por causa de uma fa-lha em um gatilho que controlava a descida do equipamento ou da força da corrente, o cabo de aço se rompeu e o equipamento ficou no fundo. Silêncio pesado no convés. Três horas depois, Silvia Helena chama o grupo e conta que, em consequência do acidente, eles adotariam outra estratégia de coleta, concentrando-se em uma área que chamaram de cinturão de lama. Ainda calados, fazem uma coleta à noite, a 120 metros de profundidade, apenas com o equipamento em forma de pirâmide, o multicore. Aos poucos o ânimo reaparece. Em uma das noites Till jogou truco com a rapaziada; ensinaram-lhe as regras, em inglês, e ele ganhou duas partidas seguidas.

oS prÓximoS 20 anoSNa quarta, 27, bateram outro recorde, de 1.400 metros. No meio da tarde, encerradas as cole-tas, o multicore, sem os cilindros, está amarrado no fundo do convés. Durante três horas, Mônica Petti, bióloga do IO, peneirou lama em busca de poliquetas, moluscos, crustáceos e outros orga-nismos marinhos, que depois serão examinados sob microscópio em laboratório. “Fazia tempo que não coletávamos organismos nessas profun-didades”, ela comentou.

“Conhecemos muito pouco da biodiversida-de marinha do Brasil”, comenta José Eduardo Marian, biólogo da USP que em 2012 descreveu os mecanismos sofisticados da reprodução em lulas. A estimativa atual do número de espécies do mar brasileiro é 30 mil, mas pode ser muito mais, de acordo com os resultados preliminares de um levantamento nacional coordenado por Antonio Carlos Marques, também da USP. Uma das metas é dobrar o número de registros de ocor-rência sobre organismos marinhos catalogados na Ocean Biogeographic Information System (Obis), uma base de acesso livre, acrescentando 100 mil registros até março de 2014.

Os problemas também vêm à tona. Um deles, de difícil solução, é a falta de especialistas em vários grupos de animais marinhos. “Precisamos de mais especialistas para dar conta de nossa diversidade”, alerta Marian. “Só neste pedaço da margem continental temos mais 20 anos de trabalho, pelo menos”, diz Michel. n

1 O multicore (à esquerda) e os homens trabalhando no convés para trazer um pouco do fundo do mar

2 Organismos marinhos misturados a restos de sedimento

projetoincremento da capacidade de pesquisa em oceanografia no estado de são paulo (10/06147-5). Coord. Michel Michaelovitch de Mahiques – iO-usp; Modalidade programa de pesquisa sobre Mudanças Climá-ticas Globais (ppMCG); investimento r$ 15.461.637,78 (fapesp).

1 2

44 z aBrIl de 2012

fotos aéreas e imagens de satélite

registram encolhimento acelerado

de geleiras da américa do sul

CLiMatOLOGia y

Degelo nos andes

em 2009 a geleira Chacaltaya desapareceu de vez da paisagem boliviana. Havia tem-pos que ela vinha encolhendo porque a quantidade de neve que ali se acumulava

a cada ano não era mais suficiente para mantê-la. Mas não se esperava que sumisse de vez tão cedo, seis anos antes do que os pesquisadores haviam calculado. Situada a cerca de 30 quilômetros ao norte de La Paz, a capital da Bolívia, Chacaltaya era uma geleira pequena, mas internacionalmente conhecida por abrigar a pista de esqui mais alta do mundo, a 5.300 metros acima do nível do mar, e por ser o local onde o físico brasileiro César Lattes realizou em fins dos anos 1940 parte dos experi-mentos que levaram à descoberta do méson-pi, uma partícula subatômica. Seu fim antecipado deixou os bolivianos sem ter onde esquiar e virou notícia mundo a fora por um motivo bem mais importante: o que aconteceu com ela também vem ocorrendo com muitas das geleiras dos An-des e de outras regiões do planeta. Na opinião de especialistas, a retração das geleiras andinas pode sinalizar o destino de boa parte do gelo tropical caso a temperatura da atmosfera continue subindo no ritmo das últimas décadas: virar água. g

eTT

YIm

ag

es /

joH

N c

ole

TTI

ricardo zorzetto, de porto alegre

Hoje as geleiras bolivianas ocupam cerca de metade da área que tinham até meados do sé-culo passado. E, de modo geral, se encontram num processo de encolhimento acelerado – em especial as pequenas, com menos de 1 quilôme-tro quadrado (km2), como Chacaltaya –, segundo estudos recentes realizados por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em parceria com colegas bolivianos. “O que estamos vendo nas pequenas geleiras dos Andes é uma indicação antecipada do que pode ocorrer com as geleiras maiores dessa região e de outras”, explica o glaciologista Jefferson Cardia Simões, diretor do Centro de Pesquisa Climática e Polar da UFRGS e coordenador do grupo brasileiro.

Em colaboração com a equipe do glaciolo-gista Edson Ramírez, da Universidad Mayor de San Andrés, em La Paz, os pesquisadores brasi-leiros trabalham num amplo levantamento da situação das geleiras do vizinho andino. Usan-do fotografias aéreas e imagens de satélite, eles conseguiram avaliar até o momento a transfor-mação por que passaram cerca de 600 geleiras que se distribuem por dois trechos dos Andes

nevado illimani, visto a partir da capital da bolívia, La paz: geleiras ocupam área 35% menor do que tinham em 1963

peSQuiSa FapeSp 206 z 45

46 z aBrIl de 2013

– as cordilheiras Real e Apolobamba – na Bolívia, país que concentra 20% do gelo dos trópicos (quase 99% do gelo tropical está nos Andes).

“Estimamos uma redução da ordem de 50% na área das geleiras da Bolívia nesse período, o que é uma perda mui-to rápida”, afirma o geógrafo Rafael da Rocha Ribeiro, integrante da equipe de Simões e um dos autores do levantamen-to. “Essas geleiras são bons indicadores de alterações no clima porque respon-dem muito rapidamente às mudanças”, conta. A razão dessa sensibilidade é que nas regiões montanhosas tropicais o ge-lo se encontra a uma temperatura pró-xima de zero grau Celsius, o ponto em que começa a se fundir – os especialis-tas o chamam de gelo quente ou ameno, em contraposição ao gelo frio do centro das regiões polares, que está a dezenas de graus negativos.

Nos últimos anos Ribeiro e o grupo de Ramírez marcaram com o auxílio de apa-

relhos de GPS de alta precisão os limites de algumas geleiras da cordilheira Real, onde ficava Chacaltaya. A comparação das fronteiras atuais de 476 geleiras com as registradas nas décadas anteriores permitiu estimar que, em 40 anos, elas encolheram 43%: elas se distribuíam por 325 km2 nos anos 1970 e ocupam apenas 185,5 km2 hoje, segundo trabalho apre-sentado no ano passado na assembleia--geral da União Europeia de Geociências.

Analisando uma região específica da cordilheira Real – o nevado Illimani, que pode ser visto a partir de La Paz –, Ribei-ro notou que o encolhimento das gelei-ras acelerou recentemente. As geleiras do Illimani haviam perdido 12% de sua área entre 1963 e 1983 e encolheram o dobro disso nas três décadas seguintes, como descreve em artigo a ser publicado no Annals of Glaciology.

Ana Maria Sanches, outra geógrafa da equipe de Simões, observou encolhimen-to até mais intenso em um conjunto de

geleiras situadas a 250 quilômetros ao norte do Illimani, na cordilheira Apolo-bamba, na divisa da Bolívia com o Peru. De 1975 a 2011, a área de gelo do nevado Cololo diminuiu 42% – hoje restam só 24,7 km2 – e sobraram apenas 48 das 122 geleiras originais.

A retração das geleiras, de modo ge-ral, não é homogênea. As pequenas são as mais abundantes e também as que estão desaparecendo mais rapidamen-te. Ribeiro verificou que no Illimani as geleiras grandes perderam, em média, 15% de sua área no período analisado, enquanto entre as pequenas a taxa média de retração foi quase cinco vezes maior.

o derretimento das geleiras não é exclusivo da Bolívia. No Peru, onde está a maior parte (70%)

do gelo tropical, as geleiras já perderam quase um quarto de sua área nas últimas décadas. Em uma compilação recente sobre as condições atuais das geleiras andinas, o glaciologista francês Antoine Rabatel, ao lado de outros especialis-tas no tema, afirma que dos anos 1970 para cá as geleiras dos Andes tropicais passaram a encolher num ritmo jamais visto nos últimos 300 anos, desde que começaram a retrair após o fim da pe-quena idade do gelo, no final do século XIX – durante a pequena idade do gelo a temperatura da atmosfera havia baixado cerca de 0,6 grau.

Além de menores, as geleiras andinas estão ficando restritas às áreas mais ele-vadas das montanhas. “No nevado Co-lolo, por exemplo, antes havia geleiras abaixo da cota de 4.500 metros de al-titude”, conta Ana Maria. “Hoje elas só são encontradas acima de 4.950 metros.”

Ainda não se conhecem ao certo as causas do encolhimento das geleiras andinas. Há sinais claros de que o clima regional mudou: a temperatura média nos Andes subiu 0,8 grau ao longo do último século e, do fim dos anos 1970 para cá, aumentaram a frequência e a intensidade do fenômeno El Niño – o aquecimento da água superficial do oceano Pacífico, que impede a chegada de umidade vinda da Amazônia e reduz a precipitação de neve.

Os especialistas suspeitam que essas alterações regionais estejam ligadas às mudanças climáticas que parecem es-tar em curso no planeta e que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças

redução rápidaÍndice de retração de geleiras das cordilheiras real e apolobamba, nos andes bolivianos, aumenta a partir dos anos 1980

1

2

as manchas coloridas

nas imagens ao lado

representam a área

ocupada por geleiras

no nevado Cololo, na

divisa da bolívia com

o peru, e no nevado

illimani, perto de

La paz, em diferentes

períodos. O Cololo

perdeu 42% de seu

gelo entre 1975 e 2011

e o illimani, 35% entre

1963 e 2009

nevaDO COLOLO

nevaDO iLLiMani

iMa

GeN

s 1

aN

a m

ar

Ia s

aN

cH

es-u

frg

s 2

ra

fael

da

ro

cH

a r

IBeI

ro

/ u

frg

s

n 2009n 1963

n 2011n 2008n 1997n 1989n 19751000 m

1000 m

0

peSQuiSa FapeSp 206 z 47

artigos científicosribeirO, r.r. et al. 46 years of environmental records from the nevado illimani glacier group, bolivia, using digital photogrammetry. annals of Glaciology. v. 54 (63). 26 fev. 2013.

raMirez, e. et al. Glacier inventory of the Cordillera real - bolivia using high resolution satellite images aLOs and Cbers-2b. Geophysical research abstracts. v. 14. eGu2012-11692. 2012.

tHOMpsOn, L.G. et al. tropical glaciers, recorders and indicators of climate change, are disappearing globally. annals of Glaciology. v. 52 (59). 2011.

Climáticas, o IPCC, já associou às ati-vidades humanas.

“As mudanças regionais e o derreti-mento das geleiras tropicais [de modo geral, elas estão encolhendo no mundo todo, embora algumas possam ter au-mentado de tamanho] coincidem com a elevação da temperatura global”, explica Simões, que coordena também o Institu-to Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera. Mas ninguém afirma catego-ricamente que a razão é o aquecimento global, porque o derretimento das gelei-ras e os outros fenômenos climáticos são complexos e envolvem muitos fatores.

apesar dessa dúvida, os especia-listas acreditam que em breve os efeitos do encolhimento dessas

geleiras devem se tornar evidentes, com consequências locais e até regionais. A maioria dessas geleiras tem pequeno porte, menos de 2 km2. Mas elas forne-cem boa parte da água usada na produ-ção de energia elétrica, na agropecuária e no abastecimento das cidades andinas – em especial no outono e no inverno, o período mais seco do ano.

Um estudo conduzido em 2008 por Ramírez já demonstrou que nos últimos 50 anos houve uma retração de 44% a 55% nas geleiras que alimentam os rios de onde vem parte da água usada nas cidades de La Paz e El Alto, que juntas abrigam 1,5 milhão de pessoas. Ainda que até o momento não se tenha identificado

redução no fornecimento de água, vários pesquisadores preveem que ela pode vir a faltar. “É importante preparar as comu-nidades locais para um cenário futuro em que mudará a disponibilidade de água”, comenta Ribeiro.

Simões teme que o derretimento ace-lerado torne mais frequente um tipo de desastre natural a que estão sujeitas as regiões com geleiras, vulcanismo e ter-remotos como os Andes: o rompimento dos lagos formados pelo derretimento dessas geleiras. Em artigo publicado em 2011 na revista Annals of Glaciology, o paleoclimatologista norte-americano Lonnie Thompson relata o que ele e sua equipe testemunharam no Peru. Des-de que começaram a fazer pesquisas no manto de gelo Quelccaya, nos anos 1970, eles acompanharam o aumento do volu-me de um riacho que passava próximo ao acampamento e a formação de um grande lago diante da geleira. Esse lago, resultado do degelo, se rompeu em 2006 depois de uma avalanche e inundou o vale logo abaixo, eliminando a pastagem onde os moradores de um povoado vizi-nho criavam lhamas.

Além do impacto local, é possível que haja um efeito regional, ainda desconhe-cido. Nas geleiras da porção oriental dos Andes nascem riachos que, à medida que se encaminham para leste, ganham vo-lume e originam importantes rios da ba-cia amazônica, como o Madeira e o So-limões. É dos Andes que vem parte dos sedimentos que fertilizam esses rios e são carregados até o Atlântico. Ninguém sabe o que pode acontecer com esses rios e com os ecossistemas que integram se as geleiras andinas e o aporte de sedi-mentos diminuírem muito nas próximas décadas. “Precisamos mudar o conceito que há no Brasil de que esse gelo não vai afetar o país”, diz Simões. “Toda a por-ção oeste da Amazônia está muito perto dessa massa de gelo.” n

Manto de gelo quelccaya, no peru: derretimento gerou lago que rompeu em 2006, inundando um vale próximo

ge

TTY

Ima

ges

/ p

eT

er e

ssIc

k

48 z aBrIl de 2013

Intervenções sustentáveis

Educação, realizado em São Paulo no dia 21 de março. Promovido pela coordenação do Pro-grama Biota-FAPESP em parceria com a revista Pesquisa FAPESP, o evento contou também com a participação do biólogo Eduardo Eizirik, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

De acordo com os pesquisadores, nos últimos mil anos o clima úmido, característico de zonas subtropicais, tem favorecido a expansão das flo-restas em detrimento dos campos, os quais ori-ginalmente constituem a paisagem recente da região sulina. “Se considerarmos o clima atual, praticamente toda a região sul do Rio Grande do Sul seria naturalmente coberta por vegetações florestais”, ressaltou Martins. Segundo ele, isso só não ocorreu devido à presença de grandes herbívoros que viviam ali e, mais recentemente, à introdução da pecuária. “O gado tem desem-penhado papel fundamental na conservação dos pampas”, disse. E também o fogo, por frear o

rodrigo de oliveira andrade

eSpecial biota eDucação ii

o uso do fogo e a pecuária, juntos, têm desempenhado papel importan-te, e muitas vezes essencial, para a manutenção da diversidade bioló-gica do pampa, um dos mais ricos,

complexos e heterogêneos ecossistemas brasi-leiros. Pode soar estranho, mas estudos sugerem que essas duas formas de interferência humana, quase sempre agressivas à biodiversidade local, se bem manejadas, podem contribuir para con-servar a vegetação campestre do sul do país por conter a invasão de florestas de araucária e o adensamento de plantas lenhosas na região e por favorecer o rebrotamento da vegetação nativa, muitas vezes usada na alimentação do rebanho bovino. Essa concepção pouco habitual de con-servação ambiental foi o destaque das palestras dos biólogos Márcio Borges Martins e Ilsi Iob Boldrini, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), durante o segundo en-contro do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP

interferência humana ajudou a manter a

diversidade biológica do pampa, um dos mais

complexos ecossistemas brasileiros

peSQuiSa FapeSp 206 z 49

rápido avanço das florestas. “As queimadas po-dem ter sido essenciais na manutenção da dinâ-mica natural da vegetação campestre”, afirmou o biólogo. Alguns estudiosos acreditam que sua utilização esteja relacionada à chegada das po-pulações indígenas à região, que o usavam para caça e manejo da terra, juntamente com um cli-ma mais sazonal.

Para Martins, além do fogo e da pastagem, ou-tros fatores que condicionam a composição e as características fisionômicas da vegetação dos campos incluem o tipo de solo, as secas, as gea-das, o pisoteio dos campos por animais e as ro-çadas periódicas. Logo, concluiu o pesquisador, tais perturbações precisam ser levadas em con-ta ao se propor formas sustentáveis de manejo dos campos da região, já que esses são fatores que impedem a expansão das florestas em áreas campestres. O biólogo destacou, porém, que a má gestão dessas perturbações pode levar à de-gradação desse ecossistema.

Atualmente o pampa é o segundo bioma mais devastado do país – o mais degradado é a mata atlântica. Seus campos se espalhavam por 176,5 mil quilômetros quadrados (km2), o que corresponde a 63% do território gaúcho e a 2,1% do território brasileiro. Hoje apenas 36% da vegetação origi-nal dos pampas se mantém preservada, destacou Ilsi Iob Boldrini.

Segundo a bióloga, por estar restrito ao sul do Rio Grande do Sul, o bioma tem recebido pouca atenção do poder público no que diz respeito à implementação de políticas de conservação am-biental. Em parte, isso se deve ao fato de a região ter sido reconhecida oficialmente no mapa dos biomas brasileiros apenas em 2004, sendo sua diversidade biológica subestimada até então.

“Mesmo abrangendo uma área relativamente pequena, o bioma pampa é bastante heterogêneo; detém uma diversidade fisionômica e de hábitats variada, com campos planos, áreas rupestres e areais, além das áreas baixas, formadas por so-il

UsT

ra

çõ

es

jaIm

e p

ra

des

FO

TO m

ár

cIo

Bo

rg

es m

ar

TIN

s

pampa, palavra de origem quíchua que significa região plana: reconhecido como bioma brasileiro apenas em 2004

50 z aBrIl de 2013

los hidromórficos, inundáveis em muitas épocas do ano, e ambientes florestais. Trata-se de um bioma complexo, formado por uma diversida-de de fitofisionomias, dentre as quais o campo dominado por gramíneas é o mais representa-tivo”, comentou.

Para a pesquisadora, impressiona também a quantidade de novas espécies identificadas na região nos últimos anos. Mais de 2 mil espécies de plantas foram catalogadas, 990 delas endê-micas dos pampas. “Costuma-se pensar que a vegetação campestre é homogênea, que campo é tudo igual. No entanto, a diversidade de espécies encontradas nesses locais chega a ser três vezes

maior que a de áreas florestais”, afirmou Ilsi. As famílias vegetais mais ricas nos pampas são a As-teraceae, com 380 espécies, a Poaceae, com 373, a Leguminosae, com 190, e a Cyperaceae, com 118.

Muitas, porém, estão ameaçadas de extinção, devido à substituição da vegetação original por lavouras de inverno e verão (sobretudo de soja, trigo e arroz), às práticas de silvicultura e ao so-brepastoreio pela pecuária, situação em que a ex-posição excessiva ao gado impede a recuperação dos campos. “A vocação da região é a pecuária, não a agricultura. Mas quando os rebanhos são mal administrados, também há degradação da vegetação”, destacou.

Da esquerda para a direita: eduardo eizirik, ilsi iob boldrini e Márcio borges Martins

a redução drástica dos campos sulinosvegetação típica dos pampas ocupa hoje 36% de sua área original no país, que era de 176,5 mil km2

n Campos sulinosn floresta estacionaln floresta com araucárian formações pioneirasn Mosaico campo-florestan água

vegetação original remanescente vegetação campestre modificada

O mapa da esquerda

mostra a distribuição

dos pampas e dos

ecossistemas que

o cercam, enquanto

o mapa ao lado

destaca as áreas

remanescentes de

vegetação característica

dos campos sulinos

(vermelho-escuro)

e as áreas de vegetação

alterada (vermelho-claro)

retrato atual

rsrs

sC

Pr

1 2 3

FONTe ufrgs

peSQuiSa FapeSp 206 z 51

evolutivos naturais. “Popu-lações de uma mesma es-pécie distribuídas por re-giões geográficas distintas podem se tornar genetica-mente diferenciadas”, co-mentou. Segundo o pesqui-sador, isso pode se dar por diversos fatores, entre eles o isolamento por distância, a própria seleção natural e o surgimento de barreiras que impedem o fluxo gênico. Es-sas barreiras podem variar de rios e regiões desérticas a florestas densas, como as de eucalipto. “Ignorar tais questões pode levar ao de-saparecimento de algumas espécies importantes para a manutenção da biodiver-

sidade local”, explicou Eizirik. Para ele, esse é um problema preocupante, já que o pampa se estende por outros países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai. “Por isso é fun-damental a realização de estudos filogenéticos e filogeográficos como base para a formulação de políticas de conservação da fauna de vertebrados nos campos sulinos”, afirmou.

Da mesma forma, as redes de unidades de conservação atuais estão muito aquém do ideal. Hoje a região conta com 11 unidades de con-servação de proteção integral, entre parques

introduzido pelos jesuítas no século Xvi, o gado pode ter contido o avanço das florestas sobre os pampas

FOTO

s 1

a 3

léo

ra

mo

s 4

rc

Io B

or

ges

ma

rT

INs

Ma

Pa d

aN

Iel

da

s N

ev

es

O estabelecimento de sistemas agrários diversos, e nem sempre sustentáveis, também tem acelera-do a alteração da cobertura vegetal original. Em muitas propriedades, a quantidade de animais é, por ve-zes, muito maior que a capacidade de suporte da vegetação campestre. E na falta de pasto nativo muitos produtores acabam recorrendo ao plantio de espécies exóticas de gra-míneas e leguminosas com aplica-ção de herbicidas, o que contamina o solo e a água subterrênea. Além da superexploração dos campos, a sua substituição por lavouras para a produção de grãos ou a obtenção de celulose está conduzindo à desca-racterização da paisagem do bioma.

A aplicação de herbicidas sobre a vegetação original do pampa pa-ra introdução de espécies forrageiras, o manejo inadequado dos campos naturais e o uso indis-criminado do fogo também têm contribuído para a destruição desse bioma. E, apesar dos avanços recentes, a região dos campos sul-brasileiros permanece em grande parte insuficientemente conhecida. “Levantamentos florísticos e fitos-sociológicos ainda são necessários para se obter estimativas mais concretas da riqueza de espécies na região”, concluiu a bióloga.

muDançaS na paiSagemPouco conhecida também é a fauna de vertebrados do bioma pampa, destacaram os biólogos Eduardo Eizirik e Márcio Borges Martins. Atualmente, a preocupação com a conservação da diversidade da fauna da região tem aumentado devido à forte expansão da monocultura e do cultivo de euca-lipto para celulose (silvicultura). “Desde a última década tem havido um forte incentivo por par-te do poder público à prática da silvicultura em regiões mais carentes do estado tendo em vista seu desenvolvimento econômico”, disse Martins.

Segundo ele, muitas empresas já compraram vastas extensões de terra para o cultivo de eu-calipto destinado à produção de celulose antes mesmo da realização de um zoneamento para identificar em quais áreas se poderia plantar. “A substituição de uma paisagem campestre por uma floresta densa como a de eucaliptos pode gerar diversas complicações para a manutenção da biodiversidade dos campos”, afirma.

Uma delas é o bloqueio do fluxo genético en-tre espécies. De acordo com Eizirik, as políti-cas de conservação da diversidade biológica lo-cal devem almejar a manutenção dos processos

apesar dos

avanços, a

biodiversidade

dos pampas

permanece em

grande parte

pouco conhecida,

segundo os

pesquisadores

4

52 z aBrIl de 2013

18 De abril (14h00-16h00)

biOMa pantanaL

Conferencistasarnildo pott

(ufMs, Campo Grande, Ms)

walfrido Moraes tomas

(Cpap-embrapa)

José sabino (universidade para o

Desenvolvimento do estado e

da região do pantanal–uniderp)

16 De maio (14h00-16h00)

biOMa CerraDO

Conferencistasvânia regina pivello

(ib-usp, são paulo)

Jader Marinho filho

(iCb-unb, brasília)

vanderlan s. bolzani

(unesp, araraquara, são paulo)

20 De Junho (14h00-16h00)

biOMa CaatinGa

ConferencistasLuciano paganucci

(ue, feira de santana)

fernanda werneck

(iCb-unb, brasília)

bráulio almeida santos

(ufpb, paraíba)

22 De agoSto (14h00-16h00)

biOMa Mata atLântiCa

ConferencistasCarlos alfredo Joly

(ib-unicamp, Campinas, são paulo)

Helena bergallo (ibrag/uerj)

Márcia Hirota

(sOs Mata atlântica)

19 De Setembro

(14h00-16h00)

biOMa aMazônia

ConferencistasMaria Lucia absy (inpa)

Carlos peres

(universidade east anglia,

reino unido)

Helder queiroz (iDsM)

24 De outubro (14h00-16h00)

aMbientes MarinHOs

e COsteirOs

ConferencistasMariana Cabral de Oliveira

(ib-usp, são paulo)

Maria de los angeles Gasalla

(iO-usp, são paulo)

roberto s .G. berlinck

(iqsC-usp, são paulo)

21 De novembro

(14h00-16h00)

biODiversiDaDes eM

aMbientes antrópiCOs –

urbanOs e rurais

ConferencistasLuciano M. verdade

(Cena-usp, são paulo)

elisabeth Höfhling

(ib-usp, são paulo)

roseli buzanelli torres (iaC)

programação ciclo de conferências biota-FapeSp educação 2013

+10

para mais informações:

www.biota.org.br . www.biotaneotropica.org.br . www.agencia.fapesp.br

www.fapesp.br/eventos/biota_biomapantanal/inscricao

e reservas ambientais, os quais cobrem uma área de 1.130 km2. “Isso correspon-de a apenas 0,64% da área dos pampas”, ressaltou Martins. Em 2006, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) já havia estabelecido nas Metas Nacionais da Biodiversidade para 2010 o objetivo de proteger 10% dos biomas terrestres em unidades de conservação, com exceção da Amazônia, para a qual o índice é de 30%. Para o biólogo, uma das razões pelas quais os pampas têm sido negligenciados pelas políticas de preservação é o pequeno im-pacto visual causado pela degradação dos campos. “Quando se perde parte de uma floresta há uma significativa mudança da paisagem. O mesmo não acontece quando se trata dos campos”, comentou.

conhecer para melhor uSarPara os pesquisadores, apesar de a interfe-rência humana historicamente fazer par-te da manutenção da biodiversidade dos campos sulinos, ainda se está longe de al-cançar um nível de compreensão que per-mita manejá-los de forma sustentável, sem comprometer a dinâmica natural da biodi-versidade do bioma e a produtividade eco-nômica da região. É fundamental, ressalta-ram, revisar os modelos de gerenciamento dessas unidades de conservação, que impe-dem o manejo pelo fogo e pelo gado. “Há uma série de estudos que indicam formas sustentáveis de manejo da biodiversidade local que garantem as características dos pampas e o desenvolvimento da pecuária”, afirmou Martins. E completou: “É impor-tante considerar os potenciais da região para outras finalidades, como a produção de energia eólica”.

O Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação se estenderá até o mês de no-vembro e irá tratar dos conceitos, dos de-safios e das principais ameaças relacio-nadas aos seis biomas brasileiros: pampa, pantanal, cerrado, caatinga, mata atlânti-ca e Amazônia, além dos ambientes mari-nhos e costeiros e da biodiversidade em ambientes antrópicos urbanos e rurais. O objetivo é apresentar o estado da arte do conhecimento científico gerado no âmbito do Biota-FAPESP ao longo de seus 13 anos, em linguagem acessível para públicos di-versos, de modo a melhorar a qualidade da educação científica e ambiental de profes-sores e alunos do ensino médio do país. n

peSQuiSa FapeSp 206 z 53

experimentos demonstram a capacidade das

abelhas-europeias de associar cores e sinais

doce aprendizado

etOLOGia y

igor zolnerkevic

céreBro de aBelHa» volume 1 mm3

» capaciDaDeCerca de 1 milhão

de neurônios

» habiliDaDe Capaz de aprender

a distinguir cores,

padrões complexos

e contar até quatro

FOTO

ka

TH

Y k

ea

Tle

Y g

ar

ve

Y

mesmo com um cérebro do tamanho de uma semente de gergelim, a abelha-europeia (Apis mellifera) é capaz de aprender algo sobre um fenômeno que, embora simples, é a base da capacidade dos seres

humanos de pensar e se comunicar por meio de símbolos. Nos experimentos dos psicólogos Antonio Mauricio More-no e Deisy de Souza, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, junto com a entomóloga Judith Reinhard, da Universidade de Queensland, na Aus-trália, abelhas interessadas em ganhar um gole de água com açúcar aprenderam a realizar uma escolha baseada em uma relação arbitrária entre dois tipos de sinais (cartões coloridos e listrados). Uma relação tão arbitrária quanto aquela entre a palavra bola e o objeto real a que ela se refere.

“O trabalho é relevante para os estudos de aprendizagem, pois confirma que um invertebrado é capaz de aprender rela-ções arbitrárias”, afirma Dora Ventura, psicóloga da Universi-dade de São Paulo (USP) especialista em visão animal, que não participou dos experimentos. Antes desse estudo, publicado em dezembro de 2012 na revista PLoS One, havia resultados sugerindo que as abelhas também podiam apresentar esse tipo de aprendizagem, o mais simples dos comportamentos pré-simbólicos, chamados assim por serem pré-requisito para o desenvolvimento da linguagem. Mas era preciso reunir evi-dências. Com o trabalho do grupo de São Carlos, ganha força a ideia de que mesmo o cérebro de uma abelha – maior que o de muitos insetos, ainda que com menos de 1 milhão de neu-rônios (o humano tem 86 bilhões) – é capaz de tal desempe-nho, por muito tempo considerado exclusivo de vertebrados com um cérebro bem maior, como macacos e seres humanos.

A abelha-europeia começou a chamar a atenção dos pesqui-sadores na década de 1940, quando o zoólogo austríaco Karl von Frisch descreveu um comportamento único da espécie: a sua famosa dança, uma complexa coreografia feita por uma abelha ao voltar à colmeia que indica a suas companheiras a localização das flores que encontrou. De lá para cá, dezenas

54 z aBrIl de 2013

tões com reproduções de várias obras, um grupo de abelhas recebia xarope se preferisse o cubista ao impressionista, enquanto o outro grupo foi treinado ao contrário, ambos com sucesso.

Para as abelhas, vale tudo para conse-guir o xarope. Se, por exemplo, o xarope estiver sempre à esquerda, a abelha pode responder corretamente porque memo-rizou sua posição, e não por distinguir os sinais visuais. Para evitar isso, a posição dos bebedouros foi trocada constante-mente. Os bebedouros também eram frequentemente substituídos por novos, para que as abelhas não se orientassem pelo cheiro deixado por gotas de xarope.

Num estágio seguinte, Moreno e seus colegas realizaram testes chama-dos de discriminação condicional, em que acrescentavam um passo ao experi-mento. Antes de se deparar com os sinais azul e amarelo, por exemplo, a abelha encontrava na sua frente um cartão lis-trado. Quando as listras eram verticais, o xarope estava atrás do cartão amarelo.

de comportamentos foram observados, um repertório comparável ao de aves e mamíferos, incluindo a capacidade de contar até quatro.

As experiências com abelhas são di-ferentes daquelas com outros animais. Ratos e pombos ficam engaiolados e pri-vados de comida antes do treinamento. Já as abelhas são livres para retornarem à colmeia, instalada fora do laboratório. “No começo do experimento, coloco um bebedouro com xarope feito de água com açúcar perto da colmeia”, explica Mo-reno, que trabalha com abelhas desde 2002. “Se não estiver chovendo, as abe-lhas vão descobrir o bebedouro.”

Em um minuto, uma abelha se enche de xarope e retorna à colmeia para des-pejá-lo. Logo ela volta ao bebedouro para recolher mais. Moreno então o afasta da colmeia em direção ao interior do labo-ratório, com algumas abelhas em seu encalço. Quando chegam ao aparelho experimental, ele usa um pincel com tinta guache para marcar as abelhas que treinará em seguida. “Às vezes elas se as-sustam e fogem, mas tento marcar com delicadeza, enquanto estão compenetra-das sugando o xarope”, conta.

A tarefa mais elementar que os pesqui-sadores ensinam às abelhas é distinguir entre dois sinais diferentes, um posto em frente a um bebedouro contendo água e outro em frente a um bebedouro com o xarope. Depois de duas horas de trei-no, uma abelha aprende que só um dos

sinais indica a presença de açúcar. Esse experimento, refeito desde os anos 1920, é chamado de discriminação simples.

Em geral, os sinais usados são pares de cartões com cores, padrões ou figu-ras geométricas simples. Com base em estudos de Dora Ventura sobre a capa-cidade visual das abelhas e depois de várias tentativas, Moreno concluiu que esses insetos distinguem melhor cartões amarelos de azuis e cartões listrados em preto e branco com listras horizontais de cartões com listras verticais.

eStética açucaraDaIsso não quer dizer, porém, que as abe-lhas sejam incapazes de reconhecer si-nais mais complexos. Enquanto fazia uma parte de seu doutorado na Univer-sidade de Queensland, entre 2010 e 2011, Moreno colaborou com outro estudo do laboratório de Judith, no qual a Apis mel-lifera aprendeu a diferenciar quadros de Picasso dos de Monet. Em experimentos de discriminação simples usando car-

a prova das abelhaspesquisadores treinaram duas espécies para responder a estímulos visuais

eSQuema Do experimento a

aberturas estímulo de escolha

estímulo condicional

a b

bebedouro com água

bebedouro com xarope

1 eStÍmulo conDicional O teste de discriminação condicional começa

quando uma abelha em busca de alimento

atravessa uma abertura sinalizada por um cartão

listrado, o estímulo condicional

2 eStÍmulo De eScolha

a abelha então chega a uma câmara onde há

um par de aberturas sinalizadas com cartões

coloridos, os chamados estímulos de escolha.

Há xarope apenas atrás de uma das aberturas

paSSanDo no teSte

Duas situações eram apresentadas

alternadamente às abelhas: (a) quando as listras

eram verticais, o xarope estava atrás do cartão

amarelo; (b) quando horizontais, atrás do azul

após seis treinos, o índice de

acerto chegou a quase 70%,

mas caiu quando a ordem

dos cartões foi invertida

a taxa de acerto da

espécie brasileira não

superou 50%, a mesma

que ocorreria ao acaso

em experimentos feitos na austrália, a Apis mellifera foi capaz de diferenciar quadros de picasso dos de monet

FONTe moreNo, a. m. Et al. plos onE. 2012

Índi

ce d

e ac

erto

Índi

ce d

e ac

erto

escolha correta

escolha correta

1 2 3 4 5 6 7

50%

0

50%

01 2 3 4 5 6

aPis MelliFera

MeliPONa rUFiveNTris

Dias de treino

Dias de treino

1

2

entrada

peSQuiSa FapeSp 206 z 55

e sem ferrão, o que dispensa o traje de apicultor usado com a Apis mellifera.

Embora conseguissem discriminar bem os cartões, quase todas tujubas tes-tadas falharam em aprender as relações arbitrárias entre eles. “Em um experi-mento semelhante, conduzido um ano antes, apenas uma abelha aprendeu, mas só depois de treinar três semanas, seu tempo de vida”, lembra Moreno. “Logo depois ela morreu.”

FatoreS DeSconheciDoSO resultado contradiz os experimen-tos pioneiros de comportamento animal realizados pelo psicólogo e romancista Isaias Pessotti, nos anos 1960, na USP de Ribeirão Preto. Pessotti, que chegou a inventar um aparelho automático que sinalizava às abelhas com luzes colo-ridas ao lado de bebedouros abertos e fechados por pequenas alavancas acio-nadas pelos próprios insetos, concluiu que a tujuba era capaz de discriminações condicionais. No aparelho de Pessotti,

IB /

usp

(pr

oje

To v

INc

es /

fa

pes

p)

Já se as listras fossem horizontais, o car-tão correto era o azul. Para se dar bem, a abelha precisava deduzir essa relação arbitrária, isto é, entender que a escolha da cor dependia da condição das listras.

Depois de seis dias seguidos de trei-nos, as abelhas-europeias conseguiram acertar em torno de 70% das discrimi-nações condicionais. Mesmo quando os bebedouros eram retirados, elas acerta-vam em suas escolhas.

Animados com o resultado, os pes-quisadores resolveram verificar se as abelhas podiam ir além e aprender outro pré-requisito do pensamento simbólico: criar novas relações a partir das relações arbitrárias aprendidas anteriormente.

Eles, então, alteraram o teste, inver-tendo a ordem dos cartões. Queriam ver se, por exemplo, uma abelha treinada para optar por amarelo caso tivesse pas-sado antes por listras verticais era capaz de escolher as listras verticais ao passar por um cartão amarelo. A resposta foi negativa. “Nesse ponto sou pessimista”, diz Moreno. “Não sei como poderíamos produzir comportamentos mais comple-xos do que o que obtivemos.”

De volta ao Brasil, Moreno refez os ex-perimentos de discriminação condicio-nal no laboratório de Deisy, na UFSCar, dessa vez testando a tujuba (Melipona rufiventris), uma abelha nativa do país

projetos1. emparelhamento com o modelo em abelhas (Melipona quadrifasciata) – nº 2008/50576-8; Modalidade bolsa de doutorado; Coord. antonio Mauricio Moreno; inves-timento r$ 132.486,12 (fapesp).2. instituto de estudos sobre comportamento, cogni-ção e ensino (nº 2008/57705-8); Modalidade projeto temático; Coord. Deisy das Graças de souza – ufsCar; investimento r$ 575.983,91 (fapesp).

artigo científico

MOrenO, a.M. et al. a comparative study of relational learning capacity in honeybees (Apis mellifera) and stin-gless bees (Melipona rufiventris). ploS one. v. 7 (12). 2012.

porém, os sinais de condição e de es-colha eram exibidos simultaneamente. Por essa razão, muitos pesquisadores questionam se, em vez de estabelecer uma relação condicional, as tujubas não teriam aprendido a escolher pares de sinais como se eles fossem uma coisa só. Para evitar essa possibilidade, More-no e seus colegas não apresentavam os cartões coloridos e listrados ao mesmo tempo, mas um depois do outro.

Moreno, Deisy e Judith arriscam uma explicação para a aparente superiorida-de da abelha-europeia. Natural de um clima temperado, a Apis mellifera teria evoluído de modo a ser capaz de fazer associações mais complexas, como a que existe entre as estações do ano e as flora-das das diferentes espécies de plantas. Já a tujuba vive em colmeias menores, que não precisam de uma grande variedade de flores para sobreviver. Além disso, as floradas tropicais são mais constan-tes ao longo do ano e assim não haveria por que a tujuba variar suas escolhas. “Mas é apenas uma especulação”, res-salta Moreno. “Precisamos de mais es-tudos comparando o forrageamento da Melipona com o da Apis.”

“O resultado negativo da Melipona não deve ser levado muito a sério”, afirma Randolf Menzel, neurobiólogo especia-lista em abelhas, da Universidade Livre de Berlim, Alemanha. Como os próprios autores do estudo reconhecem, o insu-cesso delas nos experimentos pode ter sido causado por efeitos desconhecidos.

“O aparato experimental pode ter sido percebido de modo diferente pelas duas espécies”, explica Martin Giurfa, da Uni-versidade de Toulouse, na França, outra autoridade em comportamento e neuro-fisiologia de abelhas. “A experiência pode ser mais estressante para as abelhas bra-sileiras, diminuindo seu desempenho.” n

Melipona rufiventris: nos testes, não

aprendeu a relação arbitrária entre os cartões coloridos

e os listrados

56 z aBrIl de 2013

Médicos se mobilizam para detectar

precocemente doenças causadas por falhas

nas barreiras contra microrganismos

pediatras, representantes do governo e pesquisadores do Brasil e de outros países se reuniram no primeiro sába-do de março, abrindo uma Escola São

Paulo de Ciência Avançada em Imunodeficiên-cias Primárias, e formalizaram a criação de um consórcio de centros médicos de referência no diagnóstico e tratamento das chamadas imunodeficiências primárias (IDPs), conjunto de cerca de 180 doenças raras e de alta letali-dade, caracterizadas pelo mau funcionamento do sistema imune. Por causa da incapacidade em produzir células de defesa ou anticorpos contra vírus e bactérias, crianças e adultos com IDPs são muito suscetíveis a infecções, mesmo as causadas por microrganismos geralmente inofensivos em pessoas normais, e podem de-senvolver doenças autoimunes como diabetes, além de câncer, em uma frequência maior que na população considerada saudável.

Formado para ampliar o acesso ao diagnós-tico e aprimorar o tratamento dessas doenças,

iMunOLOGia y

defesas vulneráveis

em geral detectadas tardiamente, o consór-cio é constituído inicialmente por médicos e pesquisadores de quatro centros do Nordeste (Fortaleza, Natal, Recife e Salvador), dois do Centro-Oeste (Brasília e Cuiabá), sete do Su-deste (Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cam-pinas, Ribeirão Preto, Botucatu e dois em São Paulo) e três do Sul (Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre). Em todo o país, estima-se que 160 mil pessoas apresentem IDPs, mas ape-nas 2 mil estão em tratamento e mais de 18 mil aguardam o diagnóstico.

Como primeira medida, o grupo começou a divulgar folhetos em português, inglês e espa-nhol com uma lista de 12 sinais de alerta que podem ajudar pediatras a reconhecer as imu-nodeficiências primárias já no primeiro ano de vida, como a persistência de infecções ou diarreias, ausência de timo, uma glândula do sistema imune facilmente visível nos exames de raios X de tórax, lesões na pele e reações intensas a vacinas com microrganismos ate- c

la

ud

Ia g

uIm

ar

ães

/ f

olH

ap

res

s

as imunodeficiências primárias acometem principalmente bebês

peSQuiSa FapeSp 206 z 57

nuados, especialmente a BCG, usada contra tuberculose e aplicada nos primeiros dias após o nascimento (ver quadro na próxima página).

“Como as imunodeficiências primárias aco-metem principalmente bebês, não podemos es-perar a repetição de infecções”, diz a pediatra Magda Carneiro Sampaio, coordenadora do grupo de IDPs do Instituto da Criança do Hos-pital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e do novo consórcio de instituições. “Te-mos de pensar nas primeiras manifestações.”

As recomendações aos pediatras, já divul-gadas na página do Ministério da Saúde na in-ternet, se apoiam em uma revisão de propostas semelhantes e nos 35 anos de experiência de médicos da USP e foram publicadas em 2011 na revista Pediatric Allergy and Immunology. Essa é a proposta mais recente de sinais de alerta, focada nas primeiras manifestações das imunodeficiências, mas não a única. Em 2009 o médico e professor da USP de Ribeirão Preto Pérsio Roxo Júnior publicou no Jornal

Brasileiro de Pneumologia os 10 sinais de aler-ta do Grupo Brasileiro de Imunodeficiência. Adaptado da proposta apresentada em 1999 pela Fundação Jeffrey Modell, dos Estados Unidos, e da Cruz Vermelha Americana, o conjunto de medidas inclui “duas ou mais pneumonias no último ano”, “quatro ou mais novas otites no último ano” e “história fami-liar de imunodeficiência”.

oS riScoS Da bcgA incapacidade de produzir células de defesa ou anticorpos pode ser detectada por meio de um simples exame de sangue, Magda ar-gumenta. Do mesmo modo, alguns cuidados simples poderiam ajudar a reduzir o número de mortes que geralmente acompanham essas doenças. Segundo ela, as enfermeiras deve-riam sempre perguntar aos responsáveis pelo bebê se houve casos na família de crianças que morreram com infecções ou sobre casa-mentos consanguíneos, que podem facilitar o surgimento dessas doenças, quase todas de origem genética, antes de aplicarem as vaci-nas obrigatórias como a BCG.

“Em caso de suspeita, o melhor é não vaci-nar e encaminhar para um centro de referência capaz de fazer o diagnóstico e o tratamento”, ressalta Magda. “Crianças com imunodeficiên-cias primárias não deveriam ser vacinadas.” As vacinas podem ser fatais para bebês cujo orga-nismo é incapaz de produzir células de defesa ou anticorpos contra bactérias ou vírus. “Es-tamos na fase de sensibilizar os médicos para darem mais atenção a esses problemas, porque a maior parte das crianças com imunodeficiên-cias primárias morrem de infecção ou septi-cemia, antes do diagnóstico correto”, diz ela.

Com base na frequência populacional das IDPs nos Estados Unidos (um caso para ca-da grupo de 1.200 pessoas), estima-se que no Brasil devem viver 160 mil com IDPs, das quais 34 mil no estado de São Paulo, mas ape-nas 3 mil foram diagnosticadas. Um trabalho publicado em janeiro na Journal of Clinical Immunology examina 1.008 casos de crianças e adultos de todo o país diagnosticados e tra-tados de 1978 a 2011 no Hospital das Clínicas da USP. É o maior levantamento nacional – e um dos maiores do mundo – realizado em um único centro médico.

160 milé o número estimado de brasileiros com Idps

58 z aBrIl de 2013

1

11109765

32

Nesse estudo, os médicos identificaram 62 tipos diferentes de imunodeficiências primá-rias. A deficiência na produção de anticorpos – principalmente imunoglobulina A (IgA) – representou a categoria mais comum (61% do total). A porcentagem de deficiência na produção de anticorpos aumentou de acordo com as faixas de idade, de 15% no grupo de crianças de até 2 anos até 84% no grupo de pessoas com 30 anos ou mais.

Como esperado, já que a maioria das IDPs graves é causada por falhas no funcionamento de genes do cromossomo X, os bebês do sexo masculino e os homens predominaram (566 casos ou 56% do total), embora a distribui-ção por gênero tenha variado bastante entre os grupos de idade. Os meninos constituíam 75% dos pacientes com até 2 anos de idade e 64% no grupo de 2 a 5 anos, enquanto as mu-lheres predominavam (58%) no grupo com 30 anos ou mais.

Uma vez diagnosticadas, várias imunode-ficiências primárias podem ser tratadas por meio da aplicação mensal de anticorpos, sob a forma de gamaglobulina, disponível na rede pública de saúde. Os casos mais graves impli-cam o transplante de células-tronco hemato-poiéticas, oferecido em três centros médicos ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Normalmente usamos células do cordão umbilical armazenadas em bancos públicos, mas em alguns casos é possível usar célu-

las-tronco extraídas da medula óssea de irmãos. É uma terapia com grande chance de cura, que possibilita à criança uma vida normal no futuro”, diz Magda. As infecções são combatidas por meio de antibióticos, em doses similares às utilizadas em pes-soas com sistema imune normal, mas geralmente por mais tempo.

raStreamento neonatalNa Escola São Paulo de Ciência Avançada em Imunodeficiências Primárias, o encontro interna-cional apoiado pela FAPESP que se seguiu à formação do con-sórcio, o médico Jorge Andra-de Pinto, professor da Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG), anunciou um projeto--piloto de rastreamento de um grupo de doenças conhecido como imuno-deficiência severa combinada (SCID), que reduz a produção de linfócitos B e T e deixa os bebês altamente suscetíveis a infecções. Os exames devem começar a ser feitos no segundo semestre deste ano no Hospital das Clínicas da UFMG, com financiamento do Ministério da Saúde. Um projeto similar de triagem neonatal para IDPs está em anda-mento desde 2010 em São Paulo.

em adultos, o uso contínuo de medicamentos pode abalar as defesas contra microrganismos causadores de infecções

infeCções fúnGiCas, virais

e/Ou baCterianas Graves

Ou persistentes

reações aDversas

a vaCinas De

GerMe vivO,

eM espeCiaL bCG

Diabetes MeLLitus

persistente Ou Outra

DOença autOiMune

e/Ou infLaMatória

Lesões Cutâneas

eXtensas Diarreia

persistente

CarDiOpatia COnGênita

(eM espeCiaL anOMaLias

DOs vasOs De base)

História faMiLiar

De iMunODefiCiênCia

Ou De óbitOs preCOCes

pOr infeCçãO

LinfOCitOpenia (< 2.500 cel/

mm3) Ou Outra CitOpenia

Ou LeuCOCitOse seM

infeCçãO, persistentes

HipOCaLCeMia

COM Ou seM

COnvuLsãO

FONTe INsTITuTo da crIaNça – Hc / usp

os 12 sinais de alertaComo detectar imunodeficiências no primeiro ano de vida

!

!

!

!

! !

!

! !

scIe

Nc

epH

oTo

lIB

ra

rY

/ g

loW

Ima

ges

peSQuiSa FapeSp 206 z 59

1284

projetos1. autoimunidade na criança: investigação das bases moleculares e celulares da autoimunidade de início precoce (20008/58238-4); Coord. Magda Maria sales Carneiro sampaio – fM-usp; Moda-lidade projeto temático; investimento r$ 1.827.061,70 (fapesp).

2. são paulo advanced school on primary immunodeficiencies (2012/50308-9); Coord. Magda Maria sales Carneiro sampaio – fM-usp; Modalidade escola são paulo de Ciência avançada; investimento r$ 354.969,80 (fapesp).

3. avaliação do perfil tH17 em pacientes com imunodeficiência comum variável (iCv) com ou sem autoimunidade (2011/22076); Coord. Cristina Maria Kokron – fM-usp; Modalidade Linha regu-lar de auxílio a projeto de pesquisa; investimento r$ 108.770,83 (fapesp).

artigos científicosCarneirO saMpaiO, M. et. al. primary immunodeficiency di-seases in different age groups: a report on 1,008 cases from a single brazilian reference center. Journal of clinical immunology. 2013 (on line).

CarneirO saMpaiO, M. et. al. a proposal of warning signs for primary immunodeficiencies in the first year of life. pediatric allergy and immunology. v. 22, p. 345-6. 2011.

rOXO, p. imunodeficiências primárias: aspectos relevantes para o pneumologista. Jornal brasileiro de pneumologia. v. 35, p. 1.008-117. 2009.

“Pretendemos avaliar 250 mil recém-nas-cidos em 12 meses”, disse ele à Agência FA-PESP. Com base na prevalência registrada em estudos norte-americanos, de 1 caso em 35 mil triados, Andrade Pinto espera encon-trar de 5 a 10 recém-nascidos portadores de SCID e de outras doenças graves caracteri-zadas pela redução na população de linfóci-tos no sangue. Nos Estados Unidos, 20 bebês com SCID foram identificados por meio da triagem neonatal, feita de forma rotineira na maioria dos estados. “Com certeza, muitos bebês morriam sem o diagnóstico”, comen-tou John Routes, do Hospital das Crianças de Wisconsin. “Se a doença for descoberta antes que o bebê fique doente, a chance de cura é de 90% a 95%.”

As causas e os tipos de tratamento de al-gumas formas de imunodeficiências primá-rias ainda são pouco conhecidos. É o caso da linfo-histiocitose hemofagocítica ou HLH, em que os macrófagos eliminam outras cé-lulas de defesa. Em uma das apresentações, Geneviève de Saint-Basile e Fernando Se-púlveda, ambos do Hospital Necker, de Pa-ris, mostraram os avanços com o estudo de camundongos em que conseguiram induzir essa doença, de modo similar ao das pessoas. Segundo eles, a superativação dos macrófagos pode ser causada pela infecção com o vírus Epstein-Barr (EBV), que infecta linfócitos B, geralmente sem maiores consequências, e pode causar alguns tipos de câncer, prin-cipalmente em adultos.

“Adultos também podem ter imunodeficiên-cias primárias, em geral menos graves que as das crianças”, diz Cristina Kokron, uma das

coordenadoras de um ambulatório do HC que nos últimos 15 anos atendeu 840 adultos com suspeita de IDPs, a maioria com diagnósticos já definidos (449 casos) e com deficiência na produção de anticorpos (398 casos). Muitas vezes as infecções persistem durante décadas até serem associadas à incapacidade de pro-duzir células ou anticorpos capazes de deter os microrganismos que as causam. Um dos 155 pacientes que recebem imunoglobulina por via endovenosa todo mês tem 81 anos e tinha diarreias constantes desde criança. “Em adultos”, diz ela, “nem sempre as infecções causadas pela deficiência na produção de an-ticorpos são fatais”.

O uso de medicamentos que enfraquecem as defesas do organismo, como os corticosteroi-des, é a causa de 58 casos de imunodeficiências (secundárias) tratados no hospital da USP. “Qualquer médico deve prestar muita atenção nos efeitos colaterais dos medicamentos que prescrevem, porque as consequências podem ser dramáticas”, alerta Cristina.

Dos 14 adultos com agamaglobulinemia, um tipo de IDP, 9 vieram do Instituto da Criança do HC, indicando que as crianças que antes morriam agora sobrevivem. Em um dos es-tudos, Cristina, Ana Karolina Oliveira e Mai-ra Pedreschi verificaram que a vacina contra gripe aplicada em 22 adultos com deficiência na produção de anticorpos ajudou a reduzir a frequência de gripes, sinusites e pneumonias e a reduzir o uso de antibióticos, apesar de não estimular a produção de de anticorpos contra o vírus da gripe. n carlos Fioravanti

se infecciona, a cicatriz deixada pela bCG pode indicar uma deficiência do sistema imune

quaDrO

sepse-sÍMiLe,

febriL, seM

iDentifiCaçãO De

aGente infeCCiOsO

atrasO na queDa

DO COtO uMbiLiCaL

(> 30 Dias)

ausênCia De

iMaGeM tÍMiCa

aO raiO X De

tóraX

!

!

!

O Governo Federal leva Educação e Saúde às escolas públicas, promovendo a atenção e os cuidados com a visão, prevenindo a obesidade, estimulando a prática de atividades físicas e alertando sobre os riscos e danos

do uso de drogas; entre outras doenças.

Turm

a do

Cen

tro E

duca

cion

al d

e So

brad

inho

- D

F

O Governo Federal leva Educação e Saúde às escolas públicas, promovendo a atenção e os cuidados com a visão, prevenindo a obesidade, estimulando a prática de atividades físicas e alertando sobre os riscos e danos

do uso de drogas; entre outras doenças.

Turm

a do

Cen

tro E

duca

cion

al d

e So

brad

inho

- D

F

62 z aBrIl de 2013

tecnologia biOteCnOLOGia y

ilU

sTr

õe

s a

BIu

ro

Medicamento anti-Hiv é obtido de soja transgênica

remédio na planta

na de regulação de medicamentos e alimentos, aprovou para uso comercial o primeiro fármaco produzido com engenharia genética em células de plantas para seres humanos. O princípio ati-vo é a proteína taliglucerase alfa, produzida em células de cenoura transgênica para tratamento da doença de Gaucher, uma enfermidade gené-tica e rara provocada pela falta no organismo da glucocerebrosidase, uma enzima atuante no processamento de glicocerebrosídeos, um tipo de gordura celular. O paciente tem anemia e aumento do baço e do fígado. O medicamento desenvolvido e produzido pela empresa israe-lense Protalix, e distribuído em parceria com a norte-americana Pfizer, foi também aprovado em Israel e no Brasil, pela Agência Nacional de Vi-gilância Sanitária (Anvisa), em março deste ano, com o nome de Uplyso. O tratamento até agora era feito com outro fármaco em que a proteína é produzida em linhagens de células modificadas de hamsters, num processo biotecnológico que está mais sujeito a contaminações.

A proteína sintetizada na cenoura é similar à produzida pelo próprio organismo humano. No caso da cianovirina a história é diferente. Ela foi isolada na década de 1990 de uma cianobactéria,

o uso milenar de plantas para aliviar doenças ganha outras formas sob o domínio da biotecnologia. Dezenas de experimentos em todo o mundo, em empresas ou instituições acadê-

micas, utilizam técnicas de inserção de genes em genomas de plantas que possam codificar enzi-mas de interesse farmacológico. Assim é possível que o cultivo de soja, milho e batata ou mesmo plantas ornamentais possa no futuro ser usado em larga escala, em versões transgênicas, para a produção de medicamentos. Um exemplo desses experimentos que acontecem no Brasil, na unidade de Recursos Genéticos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Brasília, é o desenvolvimento de uma variedade de soja com um viricida ou microbicida, capaz de prevenir a contaminação pelo vírus causador da Aids. Com a ajuda da engenharia genética, essa leguminosa está produzindo sementes, em uma estufa na capital federal, com a enzima cianovirina-N que já teve comprovada sua eficácia contra o vírus em testes laboratoriais em estudos pré-clínicos.

Esse tipo de experimento ganhou força em maio de 2012, quando a Food and Drug Adminis-tration (FDA), a agência federal norte-america-

marcos de oliveira

peSQuiSa FapeSp 206 z 63

que leva o nome científico de Nostoc ellipsos-porum, em pesquisas do Instituto Nacional de Câncer (NCI, na sigla em inglês) e dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. As cianobactérias são bactérias azuis e chama-das erroneamente de algas azuis. Pesquisadores dos NIH e da Universidade de Londres, na In-glaterra, idealizaram um gel com a cianovirina para ser aplicado antes das relações sexuais. O princípio ativo inibe a replicação do HIV ao se ligar aos oligossacarídeos (açúcares) do vírus. “A cionovirina-N está no estágio de desenvolvimen-to pré-clínico, portanto ainda não foi testada em seres humanos”, diz o pesquisador Barry O’Keefe, vice-chefe de biologia molecular do laboratório de alvos moleculares do NCI. Ele liderou um estudo publicado em 2003 que demonstrou a atividade da proteína também contra alguns vírus da gripe (influenza A e B) e participa dos estudos para o desenvolvimento da cianovirina. “Falta um meio comercialmente viável, de baixo custo, de produ-ção em larga escala da cianovirina-N, e as plantas são um bom caminho para esse fim”, diz O’Keefe.

Obter a proteína em grande quantidade foi a dificuldade inicial dos pesquisadores norte--americanos logo depois dos estudos laborato-riais que indicaram as atividades contra alguns tipos de vírus. Os NIH tentaram a produção via DNA recombinante, em que o gene codificador da proteína é inserido no genoma de outra bactéria mais fácil de cultivar, a Escherichia coli, para a posterior extração da substância. Mas a produção foi baixa e se mostrou economicamente inviá-vel. A solução encontrada pelo pessoal dos NIH, liderado por O’Keefe, foi procurar o professor Elíbio Rech, da Embrapa, coordenador do grupo brasileiro que havia depositado uma patente no exterior, de uma técnica para inserção de genes em soja, e tinha experiência no desenvolvimento de culturas transgênicas. “Os norte-americanos nos procuraram em 2007 e fizemos a parceria. Eles nos repassaram a sequencia genética co-dificadora do gene que inserimos no genoma de uma variedade de soja da Embrapa, a 10-16. E deu certo, já temos as sementes das plantas engenheiradas por nós produzindo a cianoviri-na”, diz Rech. Eles isolaram o princípio ativo da soja. O ensaio viral para a confirmação da ação da cianovirina produzida pela Embrapa foi feito

64 z aBrIl de 2013

pelo professor Amilcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e também no laboratório de O’Keefe, nos Estados Unidos. E o resultado foi positivo.

o desafio atual é melhorar o processo de extração da proteína, purificando quan-tidades maiores da cianovirina das se-

mentes de soja. “Nossos resultados apontaram a presença de 10 gramas (g) da proteína por quilo de sementes frescas. Sabemos que não podemos tirar os 100% de fármaco do grão da leguminosa porque é normal que ocorram perdas no proces-so de purificação. Até agora já atingimos os 20%, ou 2 g, e nossa meta é atingir 50%”, diz Rech. O processo de purificação de proteína é traba-lhoso, exige várias fases. No caso da Embrapa, a purificação está sendo realizada com resinas. Conforme o óleo de soja passa por um processo semelhante a uma filtração em que as resinas fa-zem o papel de filtros, as proteínas contidas na soja vão se dissolvendo, inclusive a cianovirina.

“Nossa intenção é produzir uma quantidade suficiente da proteína para testar o principio ativo em macacas nos Estados Unidos, e posteriormente em seres humanos”, explica Rech. O propósito do trabalho dos NIH, da Universidade de Londres e do Conselho para a Pesquisa Científica e Indus-trial (Csir Biosciences) da África do Sul, que são grupos que participam da pesquisa, é levar o gel para o continente africano, onde a transmissão de Aids ainda é grande. A produção da cianovirina também está sendo testada em plantas de taba-co na Inglaterra, na Universidade de Londres, e nos Estados Unidos. “No tabaco, o medicamento não está apenas nas sementes, mas se expressa na planta toda. Na África, sob a liderança da pes-quisadora Rachel Chikwamba, do Csir, os expe-rimentos também seguem o caminho de produzir a cianovirina em soja e em tabaco, mas ainda não obtiveram sucesso”, diz Rech.

Outra conquista da Embrapa em Brasília foi o desenvolvimento de algumas linhagens de soja transgênica que produzem em suas células o fa-

2g é o total do medicamento extraído a partir de 1 kg de soja. a meta é extrair 5 g

isolamento e purificaçãoproteína com atividade anti-Hiv é extraída de bactéria e introduzida na soja

Conhecendo o gene, é possível por técnicas biotecnológicas introduzi-lo no genoma da soja

proDução Da SoJa tranSgÊnica

Obtidas as sementes transgênicas passa-se ao processo de purificação da cianovirina, feito com a interação de uma espécie de suco de soja com resinas específicas que fazem a separação das proteínas contidas no vegetal

depois de isolado e purificado, o princípio ativo do medicamento está pronto para seguir para a formulação e produção de um gel ou spray

Cianobactérias Nostoc ellipsosporum

dNa da cianobactéria

dNa da soja

Para introduzir a proteína cianovirina, isolada da cianobactéria Nostoc ellipsosporum, em outros organismos os pesquisadores sequenciaram a bactéria para verificar qual gene codifica a proteína

extração Da cianovirina

proDução Do meDicamento

depois da verificação da inserção e ativação do gene, novas sementes de soja transgênica são produzidas para iniciar uma plantação em estufa

1 5

3

42

Fonte elíbiO reCH/eMbraPa

semente de soja modificada geneticamente

Gene produtor da cianovirina

dNa da cianobactéria

iNFO

Gr

ÁFi

CO

aN

a p

au

la

ca

mp

os

soja transgênica

Cianovirina e outros

componentes

resina

Cianovirina purificada

peSQuiSa FapeSp 206 z 65

tor IX de coagulação, um componente existente no sangue humano cuja falta é uma das causas da hemofilia, doença genética em que a pessoa sofre problemas na cicatrização e na contenção de hemorragias. Ele é produzido atualmente de plasma sanguíneo, a partir do sangue doado nos hospitais, ou em cultura de células de camundon-gos por meio da inserção no genoma do roedor do gene que codifica a proteína do fator IX. “Há um gargalo também no desenvolvimento de siste-

mas de purificação mais eficientes e produtivos”, diz Rech. “Terminamos essa soja com fator IX no ano passado depois de cinco anos, testamos a molécula presente nas sementes e agora repas-samos o material para a Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto [da Universidade de São Paulo (USP)], parceira do projeto, para a sequência da fase de purificação da molécula.”

“Recebemos 360 g de soja liofilizada trans-gênica e já foram feitos os testes que mostram a presença dessa proteína, o fator IX. Agora, como assumi o cargo de professora do Depar-tamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, esses estudos estão sob a coordenação dos professores Dimas Tadeu Covas e Lewis Joel Greene, do Hemocentro de Ribeirão Preto”, diz a bióloga Aparecida Maria Fontes, que era pesquisadora do Hemocentro e

parceira na pesquisa. “A produção de fator IX em planta é muito importante porque, além de não se utilizar o material dos bancos de sangue que é escasso, cria-se uma alternativa com ou-tro veículo de produção. Até o momento, a única molécula do fator IX produzida com técnicas biotecnológicas é elaborada em células de hams-ters”, diz Aparecida.

Em todas as pesquisas e mesmo em futuras plan-tações de soja transgênica, que vão produzir medi-camentos, são levadas em conta várias iniciativas de biossegurança. “As plantas são produzidas sob contenção, em casas de vegetação [estufas] total-mente teladas. Isso acontece para evitar situações que são até muito difíceis de acontecer como, por exemplo, que um pássaro pegue uma semente e leve para outro lugar onde a soja germine e al-guém possa comer as sementes. Não é veneno, mas devemos lidar com essas plantas como fonte de medicamento, de forma diferente da soja usa-da na alimentação. As plantações futuras também deverão ser cercadas, de modo a que nenhum es-tranho tenha acesso”, diz Rech.

entre as vantagens da geração de fármacos em plantas estão os custos mais baixos, com produção de larga escala e também com a

segurança se comparada com células humanas, fungos, bactérias e animais. “Também é mais fácil de manipular o produto agrícola. A vantagem da soja ou de outro vegetal é que podemos colher e estocar”, diz Rech. Em um artigo publicado na revista Nature em 2012 (10 de maio) na seção News in Focus, que comentou a aprovação para uso comercial do medicamento para doença de Gaucher produzido com cenouras, o autor, Amy Maxmen, diz que o Elelyso, ou Uplyso, remédio aprovado pela FDA, pode ser vendido por 75% do valor do medicamento tradicional, o Cerezyme, produzido com células de hamsters. O tratamento tradicional pode custar até US$ 300 mil por ano por paciente. Maxmen informa que o mercado global de fármacos de produtos biotecnológicos alcançou a marca de US$ 149 bilhões em 2010. “O futuro dos métodos de produção à base de plan-tas é muito promissor para os biofarmacêuticos. É um momento muito emocionante para quem trabalha com esse tipo de pesquisa”, diz O’Keefe à Pesquisa FAPESP. “Elibio Rech e seus colegas na Embrapa fazem parte de uma indústria cres-cente de grande importância para o futuro.” n

plantas de soja transgênica com a proteína cianovirina em estufa da embrapa, em brasilia

o futuro dos métodos de produção à base de plantas é muito promissor para os biofarmacêuticos

artigos científicosO’Keefe, b.r. et al. potent anti-influenza activity of Cyanovirin-n and interactions with viral Hemagglutinin. antimicrobial agents and Chemotherapy. v. 47, n. 8, p. 2.518-25. ago. 2003.

reCH, e.L. et al. High-efficiency transformation by biolistics of soybean, common bean and cotton transgenic plants. Nature Protocols. v.3, n. 3, p. 410-18. fev. 2008.em

Br

apa

fungos isolados de manguezais paulistas cultivados em laboratório do instituto butantan

peSQuiSa FapeSp 2xx z 67peSQuiSa FapeSp 206 z 67

nanopartículas feitas a partir de

fungos são testadas com sucesso em

tecidos antibacterianos e em ferimentos

praTa biológica

r esponsáveis pela decomposição de substâncias orgânicas na natureza e por contaminar alimentos e produtos industrializados, os fungos podem ser

encontrados em diversas formas, cores e di-mensões, que abrangem desde os cogumelos a formas microscópicas. Presentes em vários processos industriais de fermentação, esses microrganismos também são capazes, por meio de um processo químico mediado por suas en-zimas, de produzir nanopartículas de prata biológicas com potencial para tornar tecidos – como lençóis, fronhas e aventais usados em hospitais – com propriedades antibacterianas, para uso como revestimento de azulejos e no tratamento de micoses de unhas e de ferimentos causados pela leishmaniose cutânea.

Desde 2003, os professores Nélson Duran, coordenador do Laboratório de Química Bioló-gica, e Oswaldo Luiz Alves, coordenador do La-boratório de Química do Estado Sólido da Uni-versidade Estadual de Campinas (Unicamp), dedicam-se, entre outras linhas de pesquisa, a estudar processos e usos que envolvem esses seres unicelulares. “O efeito das nanopartículas de prata biológicas no tratamento de feridas causadas pela leishmaniose cutânea é muito

quÍMiCa y

Dinorah ereno

FOTO

s Lé

O r

aM

Os

melhor do que com o antifúngico comercial de referência, como mostra pesquisa realiza-da com a colaboração da professora Bartira Rossi-Bergmann, do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro”, diz Duran, que também é professor visitante do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC, em Santo André.

Nos testes foram comparados os efeitos do tratamento com nanopartículas de prata obti-das pelos métodos químico e biológico com o antifúngico comercial Anfotericina B. “Nosso sistema, o biológico, é cerca de 300 vezes mais eficiente do que o antifúngico utilizado nos tra-tamentos convencionais e três vezes mais do que a nanopartícula obtida pelo método quími-co”, diz Duran. Nos experimentos feitos com fungos que atacam as unhas, principalmente as dos pés, os resultados também foram bastante promissores. A próxima etapa da pesquisa para as micoses de unhas serão os testes clínicos, que ficarão a cargo de pesquisadores da Facul-dade de Medicina da Unicamp.

Os fungos utilizados são da espécie Fusarium oxysporum, causadora da fusariose, doença que faz a planta murchar e ataca culturas agrícolas. As primeiras cepas foram obtidas do banco de

68 z aBrIl de 2013

Fusarium do microbiólogo João Lúcio de Azevedo, professor aposentado da Esco-la Superior de Agricultura Luiz de Quei-roz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba. “Fizemos testes para selecionar as cepas com potencial químico para transformar o íon prata [ganho de elé-trons] em prata metálica, processo que re-sulta na formação das nanopartículas”, diz Alves. Enzimas presentes no fitopatógeno, como a nitrato redutase, são responsáveis por essa transformação química. “Em al-guns casos as condições estão presentes no fungo, mas em vez de nanopartículas monodispersas há a formação de grandes agregados de partículas”, relata.

A partir da seleção dos fungos eles são cultivados até atingir o tamanho ideal, depois a biomassa fúngica é incubada em água destilada para extrair do fungo en-zimas, proteínas e compostos químicos extracelulares. É feita então uma filtra-ção, para separar a biomassa da parte lí-quida. Em seguida adiciona-se o nitrato de prata, fase em que ocorre o processo de redução química, com a formação das nanopartículas. Pela técnica de es-pectroscopia de absorção na região do ultravioleta visível é possível observar a formação da prata metálica.

“A vantagem do método biológico em vez do químico é que o fungo deixa uma parte de suas proteínas sobre a superfície das nanopartículas, o que lhes confere características diferenciadas, a exemplo de maior aderência a tecidos para torná--los antibacterianos.” Os pesquisadores testaram a prata biológica impregnada em tecidos de algodão e poliéster em contato com colônias de bactérias Sta-phylococcus aureus, presentes em am-bientes hospitalares e responsáveis pelas infecções. “Após 30 lavagens, as proprie-dades antibacterianas do tecido perma-neceram pouco alteradas”, diz Alves.

iSolaDoS De manguezaiSUm outro estudo feito no Instituto Butantan, coordenado pela professora Ana Olívia de Souza, do Laboratório de Bioquímica e Biofísica, também testa a propriedade antimicrobiana das na-nopartículas de prata incorporadas em tecidos. Nesse caso os fungos utilizados são da espécie Aspergillus tubingensis e Bionectria ochroleuca, isolados de man-guezais do estado de São Paulo durante um projeto financiado pela FAPESP e coordenado pelo professor Itamar Soa-

Fungos habilidososMicrorganismos selecionados possuem enzima capaz de transformar prata em nanopartículas

iNFO

Gr

ÁFi

CO

aN

a p

au

la

ca

mp

os

ilU

sTr

õe

s a

lex

aN

dr

e a

ffo

Nso

após esse período são colocados

em água destilada estéril para

extração de enzimas, proteínas

e compostos extracelulares

28oc72 horas1 semana

preparo Do Fungo

proDução DaS nanopartÍculaS

eSterilização De teciDoS

em seguida é feita

uma filtração para

separar a biomassa de

fungos da parte líquida

O nitrato de prata é

adicionado ao filtrado

fúngico, que tem em

sua composição

enzimas e outros

compostos orgânicos

as nanopartículas de prata são

recobertas por proteínas

extracelulares do fungo, o que

lhes confere alta atividade

antimicrobiana, alta estabilidade

e maior aderência às superfícies

onde são aplicadas como agentes

antimicrobianos, como em tecidos

ação bactericiDa Da prataao entrar em contato com a bactéria,

as nanopartículas de prata penetram

em seu interior e reagem com

elementos celulares compostos por

grupos de enxofre, produzindo a morte

celular do microrganismo

a prata reúne-se

em aglomerados

de átomos, formando

as nanopartículas de

prata, caracterizadas

pelo tamanho uniforme

e estabilidade

as enzimas e compostos

como as quinonas são

responsáveis pela reação

de redução em que os íons

da prata (ag+) ganham

elétrons e tornam-se ag0

biomassa do fungo + água destilada estéril

biomassa de fungos

fungo

incubação

Filtração

nitrato de prata [agnO3]

nanopartícula de prata

proteína

filtrado fúngico [fungos+ enzimas]

filtrado fúngico

40 nm

Fonte uNIcamp

Os fungos são

cultivados em placa

de petri durante

uma semana

malha de tecido

pontos pretos: nanopartículas de prata

1

2

3

reação de redução (ganho de elétrons)24 horas

bactéria

reação com enxofre

enzima

peSQuiSa FapeSp 206 z 69

res de Melo, da Embrapa Meio Ambien-te, com sede em Jaguariúna, do qual Ana Olívia participou.

“Dentre as cepas utilizadas no estudo, 15 fungos mais interessantes do ponto de vista biotecnológico foram selecionados e avaliados no laboratório do Butantan”, diz Ana Olívia, orientada no doutorado pelo professor Duran. Após a triagem inicial, cinco cepas foram escolhidas. A etapa posterior de avaliação da capaci-dade de formação das nanopartículas e se elas apresentavam atividade anti-microbiana foi desenvolvida com apoio da FAPESP dentro do programa Biota, que estuda a biodiversidade brasileira.

Uma nova seleção resultou na escolha de dois fungos. “Fizemos a caracterização físico-química das nanopartículas obtidas a partir destes fungos para verificar se tinham tamanho uniforme, requisito im-portante para incorporação da prata em tecidos de algodão e poliéster ou materiais plásticos”, diz Ana Olívia. Para a pesqui-sadora, além dos tecidos com atividade antimicrobiana para uso hospitalar, um grande mercado para as nanopartículas de prata biológicas são os materiais plás-ticos para uso doméstico.

nesse estudo que a prata, mesmo usada isoladamente no tratamento, ou seja, sem antibióticos, funciona muito bem”, diz Duran. As duas pesquisas tiveram a par-ticipação dos professores Marcelo Broc-chi, do Instituto de Biociências, e Ljubica Tasica, do Instituto de Química, ambos da Unicamp, Simone Picoli, da Universi-dade Feevale, de Novo Hamburgo (RS), Gerson Nankazato, da Universidade Esta-dual de Londrina (PR), Priscyla Marcato, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto, e do professor indiano Mahendra Rai, da Universidade de Amravati, que está na Unicamp.

Pioneiros nos estudos das nanopartí-culas de prata biológicas no Brasil, Duran e Alves iniciaram essa linha de pesquisa

na mesma época em que surgiram os pri-meiros trabalhos na área na Índia. Em vez de fungos, os india-nos usam plantas pa-ra obtenção da prata, utilizada para com-bater principalmente pragas na agricultura. Agora os pesquisado-res se preparam para

o aumento da produção dessas nanopar-tículas em planta-piloto. Outra novida-de no Instituto de Química é a integra-ção dos dois laboratórios – de Química Biológica e do Estado Sólido – em um só, chamado NanoBioss. A proposta de integração foi aprovada em fevereiro pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, como parte do SisNano – sis-tema de nanotecnologia nacional. “Como laboratório associado, vamos colocar o conhecimento e técnicas que domina-mos a serviço da indústria e da academia brasileira”, diz Alves. n

projetoutilização de fungos de manguezais na biossíntese de nanopartículas de prata e aplicação na produção de tecidos antimicrobianos (nº 10/50186-5); Modalidade auxílio regular a projeto de pesquisa – programa biota; Coord. ana Olívia de souza – instituto butantan; inves-timento r$ 248.424,03 (fapesp).

artigos científicosMarCatO, p.D. et al. biogenic silver nanoparticles: an-tibacterial and cytotoxicity applied to textile fabrics. Journal of Nano research. v. 20, p. 69-76. 2012.

rODriGues, a.G. et al. biogenic antimicrobial nano-particles produced by fungi. applied Microbiology and biotechnology. v. 95, p. 1-8. 2012.

proteínas dos fungos tornam as nanopartículas de prata mais aderentes aos tecidos

1 Microscópio eletrônico de transmissão no laboratório da unicamp

2 fungo em meio líquido da coleção do instituto butantan

Os pesquisadores da Unicamp foram além da preparação das nanopartículas e fizeram um estudo enzimático de fungos selecionados. “Separamos as enzimas e conseguimos construir nanopartículas iguais às fabricadas pelo microrganis-mo”, diz Duran. O artigo “Mechanistic aspects of biosynthesis of silver nano-particles by several Fusarium oxysporum strains”, publicado em 13 de julho de 2005 no Journal of Nanobiotechnology e de acesso aberto, contabiliza mais de 30 mil downloads. Eles também estudaram a propriedade antibacteriana da prata, ou seja, como o metal destrói bactérias. A bactéria escolhida foi a Escherichia coli. Com um microscópio eletrônico de transmissão, os pesquisadores observa-ram quando as nanopartículas de prata começaram a atuar sobre a superfície da bactéria, depois se agruparam ocupando toda a sua volta e por último penetraram no seu interior e produziram a sua morte.

Em outra pesquisa foi avaliada a ativi-dade das nanopartículas biológicas com isolados de enterobactérias – causadoras de infecções no trato urinário e na cor-rente sanguínea, além de pneumonias – resistentes a antibióticos. “Comprovamos

1 2

70 z aBrIl de 2013

pequena empresa de automação agrícola de

são Carlos ganha reconhecimento internacional

o Brasil se prepara para colher neste ano a maior safra de grãos de sua história. Mas essa não é a única boa notícia que

vem do campo. A empresa de automação agrícola Enalta, com sede em São Carlos, no interior paulista, foi eleita uma das 50 companhias mais inovadoras do mundo pela revista norte-americana de tecnolo-gia Fast Company. Única representante nacional na lista, que é encabeçada pelas multinacionais Nike e Amazon, a Enalta ficou na 43ª posição, à frente de gigantes como Microsoft (48º) e Tumblr (50º). No ranking setorial da América do Sul, a empresa surge na primeira posição. A Enalta, segundo a revista Fast Com-pany, garantiu a posição por “apoiar a indústria de biocombustíveis do Brasil, ao lançar sensores e softwares de GPS que monitoram o plantio e a irrigação, proporcionando uma colheita mais rica aos agricultores”. Este é o segundo ano consecutivo que o Brasil está presente no ranking, elaborado anualmente. Em 2012, a start-up Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba (SP), ficou em 33º lugar (ver Pesquisa FAPESP nº 195).

“Nos últimos dois anos, somos reco-nhecidos como uma das empresas que

aGriCuLtura y

lavoura lucrativa

mais crescem no país. Nossa meta é lan-çar duas soluções no mercado por ano”, diz o engenheiro Cléber Manzoni, dono da empresa. Criada em 1999, a Enalta é uma das pioneiras do ramo de automação agrícola na América Latina. É especiali-zada no desenvolvimento de ferramentas de otimização de processos produtivos e softwares de gestão para a agricultura que ajudam a elevar a produtividade das lavouras. O foco é o setor sucroalcoolei-ro, mas a empresa também fornece apa-relhos para a indústria florestal. Fazem parte de seu portfólio controladores e pilotos automáticos para agricultura de precisão e computadores de bordo de máquinas e veículos agrícolas. Essas tec-nologias promovem mudanças nos pro-cessos de plantio, cultura, corte, colheita e transporte de diversas culturas. Para o agrônomo José Carlos Hausknecht, dire-tor da consultoria MBAgro, de São Pau-lo, as inovações da Enalta podem ajudar a reduzir custos e perdas no campo. “A automação é importante principalmente na cultura da cana, onde, historicamente, o grau de mecanização é baixo”, diz. Se-gundo Manzoni, os produtos comercia-lizados por sua empresa podem resultar em ganhos de produtividade de até 15%.

yuri vasconcelos

Confiante no aumento da demanda do setor sucroalcooleiro por seus produtos, a Enalta estima faturar R$ 15,8 milhões neste ano, um aumento de 30% sobre os R$ 12,2 milhões de 2012. Cerca de 10% do faturamento vem da venda de pro-dutos para clientes no exterior, notada-mente a Colômbia. Um indício de que a inovação está na base do crescimento da companhia é o fato de 60% da evolução da receita em 2012 ter vindo de produtos lançados no final de 2011. A empresa cal-cula investir R$ 2,5 milhões na atividade de pesquisa e desenvolvimento neste ano, o equivalente a 16% do faturamento pre-visto para o período. Grandes empreendi-mentos de cana-de-açúcar do país, como Odebrecht Agroindustrial, Grupo São Martinho e Grupo Nova América, fazem parte do portfólio de clientes da compa-nhia, composto por quase 60 empresas.

O carro-chefe da Enalta é o compu-tador de bordo EES (Enalta Embedded System), que permite a gestão de máqui-nas agrícolas. Quando acoplado ao siste-ma E-manneger, também fabricado por

Computadores de bordo, sensores e

sistemas instalados em máquinas agrícolas

permitem um maior controle

da produção

peSQuiSa FapeSp 206 z 71

desenvolvido um sistema de irrigação de precisão. Os financiamentos das agências de fomento à pesquisa também tiveram importância decisiva. “Em 2001, apenas dois anos após a criação da Enalta, conse-guimos mudar nossa sede de Catanduva para a incubadora Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos (ParqTec) porque tivemos a aprovação de um proje-to Pipe [Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas da FAPESP]. O obje-tivo era a criação de um sistema de gestão de pulverização para lavouras. Esse apoio foi fundamental para que a empresa se consolidasse no mercado”, diz Manzoni. Depois a Enalta teve mais quatro projetos Pipe. No total, a FAPESP investiu mais de R$ 1,2 milhão na empresa.

A Enalta também recebeu recursos do Programa de Subvenção Econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Fi-nep) do governo federal para um projeto de fertilização do solo de canaviais por meio da aplicação controlada de vinhoto. Em 2010, a empresa recebeu um aporte financeiro do Fundo Criatec, especiali-zado em capital semente e destinado a empresas emergentes e inovadoras. “A Enalta é a segunda empresa investida do nosso fundo a entrar na lista de empre-

edu

ar

do

ces

ar

projetos

1. sistema para gerenciamento da atividade "pulveriza-ção" na agricultura com tecnologia de aquisição automá-tica de dados no campo (nº 1999/11662-5); Modalidade pesquisa inovativa em pequenas empresas; Coord. Cléber Manzoni/enalta; investimento 203.105,57 (fapesp).2. Desenvolvimento de plataforma tecnológica para irrigação de precisão em culturas perenes (nº 2003/07998-5); Modalidade pesquisa inovativa em pequenas empre-sas; Coord. andré torre neto/embrapa; investimento r$ 399.054,49 (fapesp).3. Desenvolvimento de um monitor de produtividade de cana-de-açúcar para obtenção de mapas de produtivida-de para colhedoras autopropelidas (nº 2004/08777-5); Modalidade pesquisa inovativa em pequenas empresas; Coord. Domingos Guilherme Cerri/unicamp; investimento r$ 290.230,40 (fapesp).4. Desenvolvimento de um sistema de monitoramento de corte, carregamento e transporte de cana-de-açúcar para gerenciamento de frota (nº 2006/56606-0); Mo-dalidade pesquisa inovativa em pequenas empresas; Coord. Domingos Guilherme Cerri/unicamp; investimento r$ 328.866,32 (fapesp).

sas inovadoras da Fast Company, ambas no segmento de tecnologia agrícola. É um reconhecimento claro de que o Brasil não é uma potência agrícola apenas pelos nossos recursos naturais, mas também pela capacidade de nossos empreendedo-res levarem inovações de alto impacto ao campo”, destaca Francisco Jardim, repre-sentante do Fundo Criatec no conselho de administração da Enalta. n

Milhões é o investimento

previsto em p&D em 2013

Clientes ativos

é a previsão de crescimento

neste ano

Da receita vem da venda a

clientes em outros países

produtos integram seu

portfólio

Milhões foi o faturamento

em 2012

é o ganho de produtividade das lavouras

proporcionado por seus softwares

e sistemas

enalta em númerosempresa quer crescer 20% neste ano e investir 16% do faturamento em p&D

ela, o equipamento melhora a performan-ce produtiva do corte, do carregamento e do transporte de matéria-prima para a agroindústria. A leitura de dados de mais de 20 sensores instalados em trato-res e colheitadeiras permite que o agri-cultor trace um mapa da produtividade do canavial. Um de seus mais recentes produtos é um software de comando de voz que alerta o motorista do caminhão sobre pontos críticos das vias de trans-porte, evitando acidentes e elevando os indicadores de segurança da atividade agrícola. Esse aparelho é usado em veí-culos de transporte de mudas de cana, de vinhoto (líquido que sobra do proces-samento da cana usado na irrigação dos canaviais) e da cana colhida no campo.

avaçoS eStratégicoS O sucesso da Enalta se deve, em larga medida, às parcerias estabelecidas com universidades, como a Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp), da qual ela licenciou uma patente de uma balança de pesagem idealizada na Faculdade de Engenharia Agrícola para uso no sistema de produtividade de cana da empresa. Em outra parceria, com a Embrapa Instru-mentação Agropecuária, de São Carlos, foi

r$2,5

18 30%

15%

10%

56

r$12,2

72 z aBrIl de 2013

parede remanescente de sede de fazenda do século Xviii em sítio localizado durante a construção de um prédio no itaim bibi, em são paulo

peSQuiSa FapeSp 206 z 73

Cresce a participação da arqueologia empresarial

em canteiros de obras de infraestrutura

negócios do passado

eMpreenDeDOrisMO y

bruno de pierro

Durante muitos anos, a arqueóloga Solan-ge Caldarelli foi capaz de dedicar horas discutindo o significado de lascas encon-tradas em um sítio pré-histórico, algo que

raramente faz agora. O tempo que dispunha como pesquisadora no extinto Instituto de Pré-História da Universidade de São Paulo (USP) e no Museu Paraense Emílio Goeldi, ao longo de 10 anos, foi tomado por outras tarefas, mais gerenciais, quando desistiu da vida acadêmica em 1988 e voltou-se para o então incipiente mercado da arqueologia aplicada ao licenciamento e avaliação ambiental. Há mais de duas décadas, Solange dirige a Scientia Consultoria, que conta com 200 funcionários espalhados pelo país e grandes clientes dos setores de energia elé-trica, logística e mineração. “Eu tinha uma visão muito acadêmica e a arqueologia aplicada se revelou um mundo novo, pelo qual me apaixonei”, declara. Se não fosse pela via empresarial, talvez ela jamais tivesse a oportunidade de explorar mais de 100 sítios arqueológicos que foram identificados no local em que é construída a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e onde a empresa atua há três anos.

O exemplo de Solange serve para ilustrar o atual momento da arqueologia brasileira. Movimentada pelo desenvolvimento econômico do país nas últi-mas duas décadas, a arqueologia empresarial vive um período sem precedentes, marcado pela demanda crescente de mão de obra especializada e sedutores contratos firmados com gigantes do setor de infraes-trutura. Sob o apelido de arqueologia de contrato, ou preventiva, a atividade é praticada por mais de 50 empresas e é responsável por 95% dos projetos ar-queológicos registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão encar-regado de fiscalizar o setor. Somente 5% dizem res-peito a pesquisas em universidades. “Hoje, boa parte dos arqueólogos entram na profissão de uma manei-ra diferente de quando comecei”, analisa Solange.

É o caso de Charles da Silva de Miranda, que, após se formar em história em 2006, teve dificuldades para encontrar emprego em seu ramo e partiu para a arqueologia. Seguindo a direção dos ventos, Char-les buscou no promissor mercado da arqueologia de contrato um novo caminho para a profissão. Em 2008, fundou a Archeos Consultoria, especializada em consultoria arqueológica para a licença ambiental. Os clientes vão de estaleiros e empresas de celulose a prefeituras, como a do município de Bagé (RS), onde será construída uma barragem. “Hoje o arqueólogo tem que estar preparado para lidar com o mercado, saber elaborar um orçamento, gerir uma empresa, o que o desassocia daquele estereótipo do aventurei-ro”, conta Charles.

A expansão da arqueologia no país remonta a 1986, quando uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) determinou que a atividade fi-zesse parte dos estudos de impacto ambiental. Até então, ela era restrita à pesquisa acadêmica e somen-te o setor de energia elétrica era obrigado, por lei,

za

Ne

TTIN

I ar

qu

eolo

gIa n Mais de 10

n De 6 a 10n De 1 a 5n nenhum

Fonte zaNeTTINI arqueologIa * dados de 2010

são José do rio Preto

barretos

ribeirão Preto

PiracicabaCampinas

Jundiaíitu

sorocaba

santos ilhabela

Ubatuba

são José dos Campos

São paulo

síTiOs arQUeOlóGiCOs NO esTadO de sãO PaUlO*

74 z aBrIl de 2013

décadas, preocupadas apenas com ques-tões de fundo científico. Já a arqueologia empresarial, além dos prazos mais cur-tos, está atrelada a um contexto maior, que envolve os meios biótico, cultural, social e econômico. “O problema é que o arqueólogo ainda é confundido com o ca-çador de dinossauros”, afirma outro pio-neiro da arqueologia empresarial, Paulo Zanettini, diretor da Zanettini Arqueo-logia. Essa distorção, diz ele, dificulta a compreensão da realidade do trabalho arqueológico, que deixou de ser “uma arqueologia pela arqueologia”. Paulo argumenta que a diferença entre a ar-queologia acadêmica e a de contrato está basicamente na remuneração do proces-so. Enquanto a primeira é fomentada por alguma instituição, a outra sobrevive dos contratos que firma com empreende-dores. “Dividir a arqueologia em duas é uma visão anacrônica”, critica.

O mais adequado, portanto, é buscar a interação entre arqueologia empresarial e acadêmica. “O mercado foi e está sendo importante para o crescimento da arqueo-logia no país”, observa Gilson Rambelli,

a contratar arqueólogos de universidades ou museus para resgatar materiais de sí-tios que pudessem sofrer danos em obras, principalmente de hidrelétricas. A nova medida possibilitou o início da profissio-nalização da atividade, que ainda aguar-da pela regulamentação. Em 2003, por exemplo, foram registradas 265 portarias no Iphan, que são pedidos de permissão para exploração de sítios arqueológicos. Em 2011 eram mais de mil. Outro indi-cador do crescimento da arqueologia de contrato é a retomada da graduação em arqueologia, a partir de 2005. Atualmente são 12 cursos espalhados pelo país.

Solange explica que, diferentemente da pesquisa básica, a “arqueologia de salva-mento” precisa conciliar etapas típicas do trabalho arqueológico, que também envolvem monitoramento e atividades de educação patrimonial, como palestras para a comunidade (ver infográfico).

Como o calendário do cliente é sempre apertado, a qualidade do trabalho reali-zado por algumas empresas ainda é ques-tionada por muitos especialistas, embora, nos últimos anos, o Iphan venha exigindo dos projetos ligados a empreendimentos o mesmo rigor da pesquisa científica.

A arqueologia praticada na academia geralmente parte de um problema, que pode ser resolvido a longo prazo. Algu-mas linhas de pesquisa chegam a durar

“algumas empresas promovem um retrocesso quando somente catam caquinhos”, diz rosana najjar

etapas do trabalho arqueológico

DiagnÓStico

avaliação do potencial arqueológico da

área do empreendimento e levantamento de

dados de pesquisas feitas sobre a região

1

proSpecção

Levantamentos em busca de vestígios

arqueológicos que estejam na subsuperfície

do solo

monitoramento

acompanhamento durante o andamento

da obra, com risco de se identificar novos

sítios no local

licença prévia 2 licença De inStalação

PrOJeTOs arQUeOlóGiCOs aUTOrizadOs PelO iPHaN

1.000

800

600

400

200

0

1996

1997

1998

1999

20002001

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

Fonte IpHaN

321

peSQuiSa FapeSp 206 z 75

visto apenas como um entrave para o empreendimento, e não como fonte para responder questões de uma pesquisa”, afirma. Em 2002, uma portaria do Iphan definiu como devem ser elaborados os projetos apresentados pelas empresas. O principal critério é que o documento esteja nos moldes de um projeto científi-co, ou seja, precisa expor claramente um problema e a metodologia que será usada para resolvê-lo . “Se abordarmos um sítio sem um norte, um objetivo, estaremos fazendo colecionismo, não arqueologia”, explica Rosana, que, depois da exigência, observou uma melhora significativa nos projetos, que devem ser enviados antes do início das obras.

Paulo Zanettini reconhece os avan-ços da legislação brasileira. “Para que o trabalho do arqueólogo seja válido, os

FO

TOs

1, 2

, 3 e

5 a

rc

Heo

s c

oN

sulT

or

Ia 4

za

Ne

TTIN

I ar

qu

eolo

gIa

6 s

cIe

NT

Ia c

oN

sulT

or

Ia

escavação em um dos sítios

arqueológicos onde é construída

a usina de belo Monte, no pará

reSgate início das escavações e análise dos materiais

e das informações obtidas, para identificar

em qual contexto se deu a sua produção

eDucação patrimonial atividades educativas junto à comunidade

local, com divulgação em escolas,

universidades e museus

3 licença De operação

presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB). Para ele, a atividade tam-bém possibilita que um pesquisador de-senvolva, a partir do material coletado de um empreendimento, a investigação mais profunda no mestrado e no doutorado. Mas para Pedro Paulo Funari, professor do Laboratório de Arqueologia Pública da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ainda que o material seja usa-do para educação patrimonial e por estu-dantes, existem problemas com relação à continuidade dos estudos a longo prazo. “Para que os alunos façam uma pesquisa concreta, é preciso ter o contexto histórico suficiente”, afirma. Isso implica o retorno ao campo diversas vezes, algo impossível depois de iniciada a obra. “Nossa função é recuperar o conhecimento sobre socieda-des do passado, com base na interpretação dos materiais, e não recuperar o maior número possível de elementos que estão num sítio”, rebate Solange. “Mas estamos de braços abertos para receber estudan-tes e nossos próprios pesquisadores são incentivados a aprofundar as análises na universidade”, diz ela.

QualiDaDe DoS proJetoSPara Rosana Najjar, diretora do Cen-tro Nacional de Arqueologia, ligado ao Iphan, é preciso incentivar as boas práticas entre as empresas que fazem o resgate de materiais arqueológicos, considerados bens da União. De acordo com ela, algumas empresas promovem um retrocesso quando somente “catam caquinhos”. “Em alguns casos, o sítio é 6

resultados devem ser devolvidos para a sociedade, e isto inclui ida a congressos, publicação em periódicos, criação de programas educativos e divulgação na imprensa.” Como exemplo de maturi-dade da arqueologia em interação com o mercado, ele cita um programa desen-volvido no município de Caetité, no alto sertão baiano, com apoio do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Contratada por um empreendimento, a empresa de Paulo encontrou 150 sítios na região, envolven-do sítios contendo utensílios lascados e manifestações de arte rupestre de mais de 6 mil anos. Também foram encon-trados vestígios relacionados a comu-nidades tradicionais. Diante do material coletado a empresa dele passou um ano discutindo com a população local a cons-trução de um museu, que será erguido este ano. “Não será um museu imposto e restrito à arqueologia, mas um espaço que guardará e discutirá o patrimônio da região”, completa.

Em outro caso, a construção de um edifício numa região nobre da cidade de São Paulo foi iniciada sem passar pela devida avaliação, provocando danos a um sítio arqueológico. O fato chegou ao Ministério Público e a empresa de Za-nettini foi contratada para fazer o laudo.Para compensar, o empreendimento foi obrigado a indenizar o Estado e o valor foi direcionado para a construção do no-vo museu de arqueologia da USP. “A ar-queologia dentro de empreendimentos é um caminho sem volta, por isso é im-portante que ela possa reverter seus re-sultados para a comunidade e a pesquisa acadêmica”, avalia Rosana, do Iphan. n

54

exposição, acervo virtual e livro celebram centenário

da primeira mostra de Lasar segall no brasil

humaniDaDeS artes y

maria hirszman

em março de 1913, em um salão alugado na rua São Bento, nº 85, em São Paulo, acontecia a mostra de Lasar Segall, con-siderada por muitos como a primeira exposição de arte moderna do país. O

artista russo tinha então apenas 22 anos de idade, veio ao Brasil para visitar irmãos que já viviam por aqui e aproveitou a ocasião para mostrar, em São Paulo e posteriormente Campinas, um amplo conjunto de trabalhos de cunho marcadamen-te influenciado pelo impressionismo alemão e pela pintura holandesa, que havia estudado no ano anterior, em visita aos Países Baixos. Apesar do distanciamento em relação à arte acadêmica, modelo com que o público paulista estava acos-tumado e que Segall já rejeitava, a mostra teve boa aceitação e 21 obras – ou cerca da metade dos trabalhos expostos – foram vendidas.

Para celebrar o centenário dessa recepção tran-quila, que ajudou a pavimentar o caminho tri-lhado pelo artista que pouco tempo depois viria a desempenhar um papel central na história da arte brasileira, o Museu Lasar Segall programou

Lasar segall, autorretratos tirados na máquina automática photomaton, em paris, c. 1928

uma série de ações celebrativas, trazendo à luz tanto a obra consagrada do artista, com a expo-sição 50 obras do acervo, como seu perfil de co-lecionista, com a mostra e a divulgação virtual do Arquivo fotográfico Lasar Segall, bem como tornando acessível ao público seu vasto arquivo de documentos e correspondências.

“Para nossa sorte, ele guardava tudo, deixan-do importantes documentos sobre a história da cultura e da arte, não apenas do Brasil, mas dos diversos lugares por onde passou”, afirma a pes-quisadora Vera d’Horta, do Museu Lasar Segall, que desde 1986 trabalha com o arquivo de Segall e foi a responsável pela coordenação do processo de digitalização realizado recentemente e que pode ser consultado através da página do museu na internet (www.mls.gov.br). Até o momento já foram digitalizados quase 6 mil dos cerca de 10 mil documentos pertencentes ao banco de dados do museu. “É um trabalho sem fim”, reconhe-ce a historiadora. Esse material está organiza-do em cinco diferentes grupos: correspondên-cias, textos, impressos, documentos pessoais e

o moDerniSmo que veIo do frIo

peSQuiSa FapeSp 206 z 77

inauguração da escola de arte Lasar segall, em são paulo, em 1933. Da esquerda para a direita: paulo rossi Osir, Guilherme de almeida, Hugo adami, vittorio Gobbis, não identificado, John Graz e Lasar segall. sentadas: esther bessel, Jenny Klabin segall, Mussia pinto alves e anita Malfatti

FOTO

s d

Ivu

lga

çã

o

ou de subsídio ao campo da história da arte. Há por exemplo entre os documentos coletados por Segall registros sobre a Rússia czarista; cartas de colegas que expressavam seu espanto diante do projeto do artista de visitar o Brasil; catálogos das exposições realizadas na Alemanha; corres-pondências com artistas como Kandinsky, Paul Klee, Otto Dix; ou o caderninho elaborado por sua viúva, Jenny Klabin, nas andanças e entre-vistas que realizou em busca de material para a formação do acervo que viria a constituir o Mu-seu Lasar Segall, instituição criada em 1967, 10 anos após a morte do pintor e da qual depende em boa medida o permanente interesse por sua obra. Um riquíssimo conjunto, que ganha ainda maior relevância se somado às 3 mil obras do acervo, que já foi quase integralmente restaurado e fotografado, e às 5 mil fotografias que ele co-letou ao longo da vida – 500 das quais já podem ser consultadas por internet – e que foram pou-co trabalhadas (www.museusegall.org.br/afls).

As fotos, que também renderam uma no-va publicação, são de cunho bastante variado.

documentos de negócio. Uma primeira lista de autores presentes em todo esse material já está disponível e a intenção é permitir, em um fu-turo breve, a consulta também por meio de um índice de assuntos.

Outros dois aspectos inovadores que estão sen-do desenvolvidos nesse banco de dados e, espe-ra-se, estejam disponíveis em breve são a possi-bilidade de visualização de imagens das obras mencionadas e o acesso à tradução dos materiais iconográficos. Isso é importante porque pode ajudar a localizar novas obras e os arquivos de Segall contêm um manancial de informações em diversos idiomas: russo, português, alemão e até hebraico e ídiche. O interesse por esse rico acervo já tem aumentado graças às novas ferramentas virtuais de pesquisa. Segundo Vera d’Horta, o número de pesquisadores já quadruplicou desde a entrada, sem lançamento oficial, do material na internet, e a tendência é que a repercussão, tanto nacional como internacionalmente, só se amplie.

Trata-se de um arquivo vasto, diversificado, que supera em larga escala a mera função biográfica

78 z aBrIl de 2013

Há desde registros anônimos, de obras do artista, até exemplos de trabalhos impor-tantes de fotógrafos brasileiros, argenti-nos e europeus, como Hildegard Rosenthal, Annemarie Heinrich, Sasha Harnish, Bene-dito Junqueira e Hu-go Erfurth. Sabe-se que Segall é autor de algumas dessas ima-gens, pois ele usava o registro fotográfico co-mo fonte de soluções compositivas. Merece destaque algumas fo-tos marcantes, como o belo retrato do pintor quando jovem, vesti-do com típicas roupas russas, ou o registro de

uma sessão de pintura ao ar livre com colegas da Academia de Dresden, em 1911, carregando nos ombros a modelo nua, numa espécie de manifesto visual dos princípios de liberdade e vanguarda em gestação no momento.

Jorge Schwartz, professor titular em literatura hispano-americana da Universidade de São Paulo (USP), que dirige o Museu Lasar Segall, conside-ra-o como uma espécie de fênix do modernismo brasileiro, um artista que está permanentemente sendo reinventado, que volta sempre com força e prestígio em vários momentos da história da arte brasileira.

apontado como o principal mestre expres-sionista no Brasil, admirado como o au-tor de algumas das mais pungentes obras

sobre o horror da guerra e do antissemitismo, investigado com afinco por ter desenvolvido um estilo absolutamente próprio e ao mesmo tem-po em diálogo com a tradição da pintura, revisi-tando gêneros como o retrato, a natureza-mor-ta e a paisagem – com um certo fascínio pelas possibilidades novas trazidas pela cena tropical brasileira – e dedicando-se a uma ampla gama de linguagens (pintura, escultura, gravura e de-senho), Lasar Segall está entre os artistas mais vistos e estudados na cena brasileira. Os eventos em torno de sua obra se sucedem, sem grandes intervalos de tempo.

Esse permanente intercâmbio com o público leigo e especializado acaba trazendo resultados interessantes para o trabalho de pesquisa do pró-prio museu, já que o contato com pesquisadores

1909segall rompe com a

academia, expõe

em mostra da

secessão de berlim.

aproxima-se do

impressionismo,

que vê como

uma “esperança

de salvação”.

também se inspira

em rembrandt

1913O artista realiza,

em março de 1913,

sua primeira

exposição no brasil,

com itinerância

por são paulo

e Campinas

1919funda a secessão

de Dresden.

pertencem também

ao grupo artistas

como Otto Dix e

Conrad felixmüller

1925ano de seu

casamento com

Jenny Klabin.

O artista já havia se

mudado para o brasil

no final de 1923 e

começa a investigar

a paisagem brasileira,

no que chama

de “o milagre da

cor e da luz”

Figura de homem com violino

Aldeia russa

Bananal

Eternos caminhantes

Lasar segall e seus colegas da academia de Dresden em uma das excursões de pintura ao ar livre, em 1911

1928volta à europa,

residindo em paris

por quatro anos

PriMeira GUerra MUNdial Crise de 1929

peSQuiSa FapeSp 206 z 79

de todo o mundo permite preencher lacunas, que serão de grande utilidade para o projeto de reali-zar o catálogo raisonné do artista. Até o momen-to apenas Tarsila do Amaral e Cândido Portinari conseguiram ter toda sua obra repertoriada. O trabalho em relação à produção de Segall avan-ça, apesar da carência de patrocínio para esse projeto. Dentre as descobertas recentes feitas pelo museu estão dois desenhos inéditos acha-dos recentemente na Alemanha, além de pinturas em coleções particulares no Brasil. “Há muitas obras perdidas, que migraram de proprietário”, explica Schwartz. O museu também acaba de obter, graças a um empréstimo de longo prazo feito por uma coleção privada do Rio de Janeiro, a única gravura de Segall que ainda não possuía, datada de 1917. “É preciso renovar a iconografia mais conhecida”, acrescenta.

Foi exatamente graças a esse trabalho de Sísifo, de busca em coleções privadas fora do Brasil, que foi possível recuperar uma das obras mais impor-tantes do artista russo, tanto no que se refere à qualidade ímpar da tela como em seu enorme valor histórico. Trata-se da tela Eternos caminhantes, pintada pelo artista em 1919 – ano em que funda a Secessão de Dresden com nove artistas, entre os quais Otto Dix e Conrad Felixmüller –, e logo adquirida pelo Museu da Cidade de Dresden. A tela foi retirada desse acervo pelo governo nazista

e mostrada na célebre Exposição de arte degenerada realizada em Mu-nique em 1937 para denunciar a su-posta decadência da arte moderna e que exibia um total de 10 trabalhos de Segall. Após a Segunda Guerra Mun-dial a pintura foi localizada em uma coleção particular e trazida ao Brasil após a morte do artista, por iniciativa da viúva, Jenny Klabin Segall.

A tela é uma representação extre-mamente sintética e geometrizada de um grupo em peregrinação, tem vínculos com outros trabalhos do pe-ríodo, como a gravura Mulheres er-rantes, e evoca o tema do êxodo, da perseguição aos judeus, ao qual ele dará novos desdobramentos no futu-ro, seja por meio de representações de caráter mais afetivo e intimista, como Família ou Meus avós, seja por meio de protestos viscerais contra a guerra, como nas obras antológicas Pogrom e Navio de emigran-tes, considerada pela crítica como uma espécie de Guernica brasileira. Em março de 2014 deverá participar de mostra que tentará reconstituir a Exposição de arte degenerada, na Neue Galery de Nova York. A mesma instituição deve apresentar em setembro um autorretrato de Egon Schiele, de

Dentre as descobertas

feitas pelo museu estão

dois desenhos inéditos

encontrados na alemanha

1931participa da

38ª exposição-geral

de belas-artes,

no rio, conhecida

como Salão

revolucionário

Maternidade

Pogrom Paisagem crepuscular

figurino de O mandarim maravilhoso

1937tem 10 obras

incluídas na

Exposição de arte

degenerada,

organizada

pelos nazistas

em Munique

1954Comemoração do

iv Centenário

de são paulo.

realiza cenários

e figurinos para o

balé comemorativo

O mandarim

maravilhoso

1957ao longo da década

de 1950 realiza

experimentações

próximas ao

abstracionismo,

sem deixar

totalmente

a figuração. Morre

em 2 de agosto, de

problemas cardíacos

seGUNda GUerra MUNdial

FOTO

s d

Ivu

lga

çã

o

80 z aBrIl de 2013

1912, recebido em comodato pela Associação de Amigos de Segall. Trata-se da única obra autenti-cada do artista no Brasil. Um dos mais importan-tes trabalhos do expressionismo construtivo de Segall, Eternos caminhantes é um dos destaques da exposição em cartaz na Vila Mariana, ao lado de outros trabalhos do artista, como Paisagem brasileira, Rua e Encontro.

essa última tela, de 1924, tem uma impor-tância dupla, já que testemunha de forma incontornável o interesse de Segall pela fo-

tografia e o uso que ele fazia desse material tam-bém como instrumento de trabalho. Pertence ao acervo um retrato dele no dia de seu casamento com Margarete, sua primeira esposa, exatamente na mesma posição do rapaz da tela. O quadro, já pintado no Brasil, tem uma pequena mas simbó-lica diferença. Na pintura, o artista escurece sua pele, como numa espécie de climatização aos tró-picos, cuja paisagem começou a seduzi-lo como motivo de trabalho logo após chegar pela segunda vez ao Brasil, em dezembro de 1923, desta vez de forma definitiva. Em 1927 naturaliza-se brasileiro e não mais deixa o país, a não ser por um período de estudos, entre os anos 1928 e 1932, em Paris.

Se na estadia de 1913 Segall ainda era um jo-vem que tentava inventar seu próprio caminho mas ainda não havia descoberto a radicalidade expressiva das formas distorcidas e recortadas, dos traços sintéticos e familiares à arte primi-tiva, e das cores contrastantes e intensamente sombrias que vão marcar sua fase expressionista mais pura, quando desembarca por aqui já pos-

suía um estilo próprio. E também já encontra o país em melhores con-dições de recepção de uma arte moderna mais radical. Afinal Anita Malfatti já havia pa-go o preço antes, com a mostra de 1917, pela ousadia de romper com o padrão de represen-tação realista, sofrendo toda a virulência críti-ca de uma autoridade como Monteiro Loba-to. Schwartz pondera, com certa ironia, que “se Segall tivesse tra-zido suas obras angu-losas, dramáticas e de cromatismo intenso em sua primeira visita, te-ria salvo Anita. Mas na verdade foi ela que pavimentou o caminho

para o Segall expressionista de 1923.Outros fatores, como o apoio de figuras da elite

como o senador Freitas Valle, Olívia Guedes Pen-teado, seu casamento com Jenny Klabin e o fato de também já ter se dado o nascimento oficial da arte moderna no país, com o rito de celebração da Semana de 1922 (da qual nem Segall nem Tarsila do Amaral, dois de nossos artistas mais radical-mente envolvidos com as experiências modernis-tas, participam), tornam o caminho menos tur-bulento ao imigrante de origem judia. Ele conta também com o apoio decisivo – mesmo que um tanto solitário – de Mário de Andrade, único crí-tico à época a prestar atenção na produção vinda da Alemanha (ao contrário da maioria dos que escreviam e faziam arte no período, que tinham todas as atenções voltadas para a escola de Paris). A relação entre os dois, bem como a importância do diálogo entre Andrade e Portinari, é vital pa-ra compreender a vanguarda artística no Brasil dos anos 1920 e 30 e será tema de exposição a ser inaugurada em março do ano que vem no Museu Lasar Segall, com escala prevista para os Museus Castro Maya, no Rio de Janeiro.

Além do talento e traquejo social, o artista con-tou com o empenho de sua família para montar uma instituição capaz de fomentar o interesse, a pesquisa e a divulgação de seu trabalho. n

acima, Lasar segall em Dresden, em 1919, uma foto de Hugo erfurth. ao lado, o artista com sua escultura, da mulher Jenny, em mármore branco (Retrato de Jenny), em são paulo, 1952

projeto

sistematização e digitalização de documentos do arquivo Lasar segall (nº 2009/54777-0); Coord. vera d’Horta/Museu Lasar segall; Modalida-de programa infraestrutura 6; investimento r$ 105.459,89 (fapesp).

FOTO

s d

Ivu

lga

çã

o

peSQuiSa FapeSp 206 z 81

nos anos 1950, cultura e política

tiveram ligação de mão dupla

que interessava a artistas e ao

partido Comunista

revolução cultural

à brasileira

ar

qu

Ivo

/ a

gêN

cIa

esT

ad

o /

ae

História y

Na década de 1950, o Brasil se moderniza-va e partidos e movimentos de esquer-da, bem como movimentos artísticos, acreditavam na possibilidade de uma

revolução brasileira, nacional-democrática ou socialista. “Artistas e intelectuais tiveram um papel expressivo na construção da utopia de uma ‘brasilidade revolucionária’, que permiti-ria realizar as potencialidades de um povo e de uma nação”, diz Marcelo Ridenti, professor de sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mas até hoje a compreensão dessa relação, entre política e cultura, é complexa e inclui nomes de peso do panteão cultural que foram comunistas, como: Jorge Amado, Nelson Pereira dos Santos, Caio Prado Jr., Nora Ney, Dias Gomes, Jorge Goulart e Di Cavalcanti, en-tre outros. “É um problema que não cabe numa equação simples que supõe a militância comu-nista de artistas e intelectuais como parte de um desejo de transformar seu saber em poder. Tampouco se pode supor que houvesse mera manipulação dos intelectuais pelos dirigentes do Partido Comunista Brasileiro [PCB]”, explica o professor, que analisou a questão no projeto

carlos haag

O cineasta nelson pereira dos santos durante a filmagem de Como era gostoso o meu francês (1971)

82 z aBrIl de 2013

que não fosse a Igreja ou o Estado, então as principais instituições organizadas nos tempos em que a universidade ain-da estava em crescimento”, lembra. Na maioria vindos da classe média que se expandia com a modernização do país, esses intelectuais não cabiam em ne-nhum dos dois espaços. “O PCB foi uma chance de organização, um fórum de de-bate cultural e político, que permitia ter acesso a uma rede de revistas pelo Brasil e de contatos no exterior.”

legitimiDaDeA organização no partido dava legitimida-de a certos grupos e indivíduos que bus-cavam marcar posição (ou evitar perder prestígio) em suas atividades. “O grande exemplo foi Jorge Amado, que teve seu talento potencializado pela ligação com o PCB, cuja rede de contatos internacionais facilitou a publicação de seus romances em vários países. Por sua vez, ele empres-tava o seu prestígio de escritor ao partido e acabou sendo eleito deputado pelo PCB na Constituinte de 1946”, conta Riden-ti. No exílio na França, a partir de 1948, aderiu ao movimento internacional pela paz e ganhou notoriedade mundial. “Sem desmerecer o talento de Amado, isso não teria acontecido se ele não fosse ligado ao partido. Foi por meio dessa relação que ele teve acesso a uma rede de contatos em diversos países da Europa e viu seus romances traduzidos em vários idiomas em razão disso. O mesmo aconteceu com Nelson Pereira dos Santos, que foi para a França e outros países com apoio do PCB e pôde conhecer vários cineastas”, diz o pesquisador.

Amado se transformou em divulgador do realismo socialista no Brasil e mesmo quando se afastou do PCB nunca rom-peu oficialmente com os comunistas. “Ele saiu à francesa. Só ganhou auto-nomia como autor depois de Gabriela, cravo e canela (1958)”, fala Ridenti. As recompensas, porém, colocavam dilemas para os artistas, que testemunhavam as perseguições aos militantes dissidentes em escala internacional. “Eles também se inseriam nas redes comunistas co-mo reprodutores do pensamento e da política produzida no centro, não como formuladores originais”, nota o autor. “Realmente, entre os anos 1940 e 1950, durante o realismo socialista, houve um grande controle do partido sobre os ar-tistas e intelectuais brasileiros ligados ao

1 Cena de O pagador de promessas, de Dias Gomes, em 1960

2 a cantora nora ney no aeroporto do Galeão em 1969

3 Jorge amado recepciona simone de beauvoir e sartre em 1960

Artistas e intelectuais comunistas na consolidação do campo intelectual e da indústria cultural no Brasil.

“Num momento como o atual, em que as pesquisas evitam a politização dos temas, é importante recuperar como cultura e política se aproximaram num período turbulento como aquele, entre os anos 1950 e 1970”, observa o pesqui-sador. Segundo Ridenti, vários campos artísticos e intelectuais consolidados a partir da década de 1950 só são pensá-veis a partir das lutas em seu interior, em que os comunistas desempenharam um papel importante, por vezes levando os integrantes do PCB ou ex-militantes às posições de maior reconhecimento ou prestígio. Muitos mudaram de con-vicção política ao longo do tempo. A maioria fez uma autocrítica sobre a sua atuação naquele período, mesmo os que continuaram se identificando como de esquerda ou sendo comunistas. Houve também muita reclamação posterior de que o partido mantinha com eles uma relação “ornamental” ou “instrumental”, ou seja, apenas para angariar prestígio ou divulgar uma linha política, sem fa-lar nas críticas sobre o despotismo da direção, pronta a vigiar o imaginário dos militantes. “Só em parte isso é verdade. Esses artistas só puderam conquistar posições a partir do histórico de militân-

cia organizada, que, assim, esteve longe de significar mera manipulação de seus artistas e intelectuais. Era uma relação de mão dupla”, observa o autor.

“De fato, o partido tinha uma linha política estreita e dogmática, dava pou-co espaço a seus intelectuais, quase não contribuía para pensar a especificidade da sociedade brasileira, era marcado pelo centralismo e por relações autoritárias. Mas havia contrapartidas que mantive-ram os artistas e intelectuais no partido apesar de tudo isso”, fala Ridenti. Para ele, não se deve caricaturar a ação cultu-ral do PCB nos anos 1950, um elemento expressivo constituinte da cultura bra-sileira. “A indústria cultural ainda não estava de todo estabelecida no país. Com a modernização, muitos artistas e inte-lectuais estavam em busca de um espaço

1

FOTO

s a

rq

uIv

o /

ag

êNc

Ia e

sTa

do

/ a

e

peSQuiSa FapeSp 206 z 83

tido foi autoritário com os artistas, fica a pergunta: por que muitos deles seguiram na militância ainda assim? Havia o senti-mento de pertencer a uma comunidade que se imaginava na vanguarda mundial e podia dar apoio e organização a artis-tas e intelectuais em luta por prestígio e poder, distinção e consagração em seus campos de atuação, para si e para o par-tido”, diz o autor. Com esse movimento, os artistas comunistas prepararam o ter-reno para a renovação futura. “O Cinema Novo, dos anos 1960, não seria possível sem a história anterior de disputas no campo do cinema fomentada pelos ci-neastas comunistas”, nota Ridenti.

“O mesmo vale para o desenvolvimen-to das novelas e da TV brasileira como um todo. Após o golpe de 64, a hegemo-nia do PCB entre intelectuais e artistas

“os artistas não eram inocentes úteis para o pcb, também ganhavam com essa relação”, nota ridenti

PCB. Mas, no geral, essa relação foi flexí-vel, porque o partido não se interessava muito pela cultura, o que explica por que, nos anos 1970, os artistas tentaram cons-truir uma política cultural para o PCB, que não tinha uma”, lembra o historiador Marcos Napolitano, da Universidade de São Paulo (USP), autor do estudo Polí-ticas culturais e resistência democrática no Brasil nos anos 1970. 

“Houve um entusiasmado movimento em que os intelectuais e o partido con-vergiram para pensar um projeto revo-lucionário de nação. O partido e os in-telectuais de esquerda foram as grandes referências, por exemplo, para os cineas-tas dispostos a fazer uma arte política e, em tese, politizadora. Infelizmente, o partido poderia ter usado mais e me-lhor os diagnósticos feitos pelos artis-tas”, observa a socióloga Célia Tolenti-no, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Marília, que estuda o tema em O pensamento social na literatura e no cinema, com apoio da FAPESP. “Os artistas não eram inocentes úteis para o PCB, também ganhavam com essa re-lação”, nota Ridenti.

autonomiaA maior ou menor autonomia do partido dependia da carreira paralela à política. Figuras como Dias Gomes ou Oscar Nie-meyer, para citar dois exemplos, lembra o pesquisador, não sofreram nenhuma ingerência do PCB em sua vida e obra. Essa influência atingia mais (embora de forma desorganizada) os menos conhe-cidos. “Assim, se há casos em que o par-

foi cortada e a partir de 1968 eles acabam abrigados na Rede Globo, apesar de a emissora ser partidária da ditadura. Fi-guras como Dias Gomes, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros, além de encontrarem proteção, viram a TV como uma continuidade programá-tica, acreditavam que era uma forma de falar com o povo. Por isso chegaram a ser rotulados de ‘vendidos’, quando estavam continuando a sua política cultural”, diz o historiador Francisco Alambert, da USP, autor, entre outros, do artigo “Mario Pedrosa: art and revolution”. “Aos pou-cos, com o desenvolvimento da socieda-de civil e da indústria cultural, as classes populares vão assumindo sua voz, não precisando mais de intelectuais falando em nome delas. A produção cultural vai se ligar ao mercado e ao espaço univer-sitário, esvaziando os partidos e a ideia de revolução, rompendo a aproximação entre cultura e política”, diz Ridenti.

“Não se pode, porém, esquecer o que houve no passado. É preciso compreen-der os dilemas e contradições das figuras humanas daquele tempo que não raro aparecem mitificadas nos escritos sobre elas”, finaliza o pesquisador. n

2

3

84 z aBrIl de 2013

pesquisadores identificam e analisam

como acontece o fenômeno da

inserção produtiva em tempos de crise

o lixo e a utopia

em janeiro de 2008, o Brasil registrou uma taxa de desocupação de 8%. O quadro não era tão dramático quanto o de janeiro de 2003, quando o desemprego ultrapassara os 11%, mas um imenso contingente de

trabalhadores ainda buscava alternativas de renda no mercado informal de trabalho. Foi exatamente nessa época que um grupo de pesquisadores, liderados por Márcia de Paula Leite, do Programa de Pós-Graduação em Educação e em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), iniciou estudo com o objetivo de identificar e compreender as diferentes modalidades de inserção produtiva constituí-das em tempos de crise, principalmente o cooperativismo, já estimulado, na época, por política oficial.

Ao longo dos cinco anos seguintes, o cenário mudou e o índice de desemprego descendeu para um patamar próximo dos 5%, o que possibilitou aos pesquisadores praticamente presenciar o rearranjo desse mercado. “O trabalho precário ainda existe, mas o cooperativismo e o associativismo ganha-ram contornos diferentes, que desafiam o ideário de algu-mas correntes de pensamento ligadas à economia solidária”, afirma Márcia, coordenadora do projeto temático A crise do trabalho e as experiências de geração de emprego e renda: as distintas faces do trabalho associado e a questão de gênero, com o apoio da FAPESP.

O conceito de economia solidária tem origem na crise eco-nômica e de emprego dos anos 1960 e identifica formas de or-ganização do trabalho distintas dos padrões do mercado, entre

eCOnOMiay

peSQuiSa FapeSp 206 z 85

wa

LMir

MO

nt

eir

O /

sa

Mb

ap

HO

tO

Catador de papelão nas ruas de belo Horizonte

86 z aBrIl de 2013

com renda per capita inferior a R$ 70”, argumenta ela, com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Apli-cada (Ipea), coletados em junho de 2012.

A cooperativa de reciclagem, por suas características, é o tipo de empreendi-mento que mais se aproxima dos precei-tos da economia solidária, já que apre-senta um elemento de “resistência” dos trabalhadores à situação de exclusão, de desemprego e de subordinação ao traba-lho assalariado. Trata-se, no entanto, de empreendimento extremamente “frágil”, nota Márcia, e há enormes dificuldades a serem superadas para alcançar condi-ções de sustentabilidade econômica e de reprodução. A primeira delas é a distân-cia que ainda mantém dos princípios da solidariedade e da prática da autogestão propugnados pela economia solidária e, como ela diz, “dificilmente alcançáveis nas condições políticas atuais”.

Além disso, o mercado já compreendeu que a reciclagem agrega valor ao pro-duto, transformando lixo e sucata em matéria-prima a baixíssimo custo. “No barracão, o lixo é separado, ensacado ou empacotado e vendido por centavos de reais a intermediários que vendem para os recicladores. Poucas cooperativas têm prensas ou espaço para armazenamen-to”, descreve. “É preciso implementar

FO

TOs

1 ep

ITá

cIo

pes

soa

/a

gêN

cIa

esT

ad

o /

ae

2 e

du

ar

do

ces

ar

tempos passados: desempregados

mostram carteiras de trabalho há uma década;

ao lado, camelô na capital paulistana

elas o associativismo. Ganhou status de política oficial do governo federal desde 2003 e é considerada uma iniciativa a favor da inclusão social. “Economia so-lidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente”, explica a página do progra-ma no site do Ministério do Trabalho e Emprego. Envolve “práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de coo-perativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de coo-peração, entre outras, que realizam ati-vidades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário”.

a pesquisa coordenada por Márcia – e que teve Jacob Carlos Lima, da Universidade Federal de São

Carlos (UFSCar), e Ângela Maria Carnei-ro Araújo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como pesquisado-res principais – começou com um amplo levantamento, em várias fontes, dessas formas “diferentes de produzir” no esta-do de São Paulo, que identificou um total de 107 cooperativas: de alimentação (3), artesanato (21), costura e confecção (11), fábricas recuperadas (13) e, principalmen-te, de reciclagem (59). “Visitamos todas as cooperativas e associações de São Pau-lo, com equipe de alunos bolsistas, para aplicação de questionário”, conta Márcia.

A análise das informações mostrou que as cooperativas de alimentação, artesana-

to, costura eram literalmente informais, não organizadas, e que o trabalho coleti-vo dizia respeito mais à comercialização do que à produção. Pouco contribuía para aumentar a renda ou a condição de vida dos associados. As fábricas recuperadas eram experimentos mais “estruturados”, com vínculos mais estreitos com o sindica-to, já que agregavam trabalhadores migra-dos do mercado formal, sem perspectiva de retorno. As empresas autogestionadas, no entanto, revelaram-se um fenômeno cada vez mais raro numa economia em desenvolvimento, sublinha Márcia.

A experiência mais representativa – e que ganhou mais atenção dos pesqui-sadores – foi, e segue sendo, a das coo-perativas de reciclagem, que reúnem trabalhadores urbanos “extremamente excluídos”, desempregados e inativos, ex-catadores de lixo ou empregados do-mésticos, analfabetos e sem condições de ingresso no mercado formal de trabalho. “Essa forma de inserção pode, efetiva-mente, contribuir para tirá-los da miséria social e lhes garantir cidadania.”

Essas cooperativas também se dife-renciam pela organização: são ligadas ao Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis (MNCR), que, segundo a pesquisadora, conseguiu a regulamenta-ção da ocupação e aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em agosto de 2010. “E, diferentemente das demais, têm grande potencial de crescimento, considerando que o país possui ainda uma porcentagem significativa da popu-lação, cerca de 16,2 milhões de pessoas,

1

peSQuiSa FapeSp 206 z 87

No Rio Grande do Sul, onde o coope-rativismo é forte, a maior parte das ex-periências formalizadas da economia solidária ocorre no meio rural ou, em menor escala, por meio de empresas au-togestionadas. “No meio urbano é mais difícil essas iniciativas se consolidarem, em função das características da pobreza urbana.” Adriane considera, no entan-to, que os ganhos sociais significativos muito provavelmente serão registrados apenas em médio e longo prazo, já que se trata de processo de inclusão de pes-soas que vivem “um processo histórico de degradação” e, no caso do Brasil, ser iniciativa recente. “Quem conceber os empreendimentos de economia solidária como ilhas de prosperidade em contex-to de precariedade corre sério risco de ter frustradas suas expectativas”, adver-te. “Uma conquista importante é que o movimento conseguiu pautar na agenda política um conjunto de iniciativas públi-cas, em especial na última década. Hoje, por exemplo, já existem recursos para pequenos empreendimentos e programas vinculados à formação destes empreen-dedores.” A economia solidária, sublinha, não é panaceia para a pobreza – “seria até pretensioso pensar assim!” –, mas se inscreve no campo das “alternativas para a pobreza” e vai além, quando propõe um

a economia solidária se inscreveria no campo das alternativas para a pobreza

políticas públicas que de fato permitam às cooperativas de catadores agregar va-lor ao seu produto.” A Lei de Resíduos Sólidos, aprovada em 2011, por exemplo, estimula as prefeituras a negociar o tra-tamento de resíduos sólidos com coope-rativas de catadores, mas, até o momento, poucas adotaram essa política.

Márcia reconhece que o cooperativismo propicia, de alguma forma, a inclusão so-cial e política de indi-víduos que, até então, viviam em situação de absoluta miséria. Conta que, em visita a associações de reci-clagem, era frequente ouvir dos cooperados declarações de que o trabalho organizado os tirara do silêncio. “Trata-se, sem ne-nhuma dúvida, de um processo de libertação e de empodera-mento, que vai ao encontro da economia solidária”, ela sublinha.

a “inclusão” e o “empoderamento” – palavra traduzida literalmente do termo empowerment, em in-

glês, que significa a ação coletiva desen-volvida por indivíduos e que propicia a consciência social dos direitos sociais – parecem ser o ponto forte das inicia-tivas da economia solidária. Adriane Vieira Ferrarini, pesquisadora do Pro-grama de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos, no Rio Grande do Sul, uma estudiosa do tema, pondera que, se consideradas apenas da pers-pectiva da renda, essas iniciativas po-dem parecer ineficientes. “Elas têm um efeito de inclusão social significativo, já que pressupõem um modelo coletivo e democrático de gerenciamento do em-preendimento e de autogestão, o que muitas vezes pode representar um ga-nho maior que a renda.” Dentre muitos casos pesquisados, ela cita o exemplo de um grupo de mulheres empreendedoras gaúchas cuja organização levou a que elas se mobilizassem contra a violência doméstica, passassem a desempenhar uma liderança política na sua comuni-dade e retornassem aos estudos.

projetoa crise do trabalho e as experiências de geração de em-prego e renda: as distintas faces do trabalho associado e a questão de gênero (nº 2006/61142-3); Modalidade pro-jeto temático; Coord. Márcia de paula Leite (unicamp); investimento r$ 419.219,25 (fapesp).

projeto de desenvolvimento pautado na sustentabilidade, na justiça social e eco-nômica e na democracia participativa, ela acrescenta.

Na avaliação da coordenadora do pro-jeto temático apoiado pela FAPESP, a baixa repercussão do cooperativismo solidário na renda reforça a cultura do assalariamento, sobretudo quando os indicadores de emprego estão em as-censão. “No Brasil, a cidadania regulada, tendo como referência o trabalho for-mal, impacta a construção identitária do trabalhador e suas perspectivas futuras no mercado de trabalho.” Assim, a ideia de autogestão ou de propriedade coleti-va dos meios de produção não aparece como possibilidade a ser conquistada. “A construção de uma nova cultura do trabalho associado supõe uma vontade política que se expresse em políticas pú-blicas para mudanças efetivas nas prio-ridades e nos rumos do desenvolvimento econômico, dando primazia ao trabalho frente ao capital.” n

2

88 | aBrIl de 2013

neldson marcolin

Criação do Gabinete

de resistência de

Materiais há 114 anos

permitiu o avanço

do desenvolvimento

tecnológico

memÓria

antonio Francisco de Paula Souza foi o primeiro diretor da Escola Politécnica de São Paulo (Poli), criada por lei estadual em 1893. Foi também professor

de Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções e o responsável por tornar viável uma proposta singular para a época, a criação do Gabinete de Resistência de Materiais (GRM) dentro da Poli, em 1899. A ideia soava diferente naquele final de século XIX no Brasil porque unia o ensino teórico ao prático, em projeto elaborado por Ludwig Tetmayer, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH, na sigla em alemão), a pedido de Paula Souza.

“É nesse período que começa a pesquisa realizada de forma sistemática e continuada sobre resistência dos materiais”, diz a historiadora Marilda Nagamini, doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e autora, com Shozo Motoyama, de Escola Politécnica, 110 anos construindo o futuro (Epusp, 2004). Antes houve no Rio de Janeiro o estudo sobre madeiras dos irmãos André e José Rebouças, ambos engenheiros, em 1877, e um ensaio de Adolpho José del Vecchio sobre material de construção, em 1883. “A diferença entre os vários momentos é a continuidade da pesquisa”, esclarece Marilda. Prova maior dessa prática na Poli foi a publicação pelo Grêmio Politécnico do Manual de resistência de materiais em 1905, sob supervisão de

interior do gabinete, na poli, onde eram realizados ensaios com materiais (s/d)

teoria e prática1

peSQuiSa FapeSp 206 | 89

Os estudos sistemáticos e o investimento em equipamentos possibilitaram avanços tecnológicos. Foram os trabalhos do GRM que deram subsídio para a fabricação em escala industrial de tubos de ferro fundido centrifugado, usados no sistema de água e esgoto, e para a difusão do concreto armado em edificações. O primeiro grande prédio de São Paulo feito com essa técnica, o Guinle, teve estudo experimental do GRM, assim como um dos primeiros arranha-céus brasileiros (o Martinelli) e o Viaduto do Chá.

Em 1926 as companhias ferroviárias Paulista, Mogyana e Sorocabana, contumazes usuárias dos serviços do GRM, fizeram doações financeiras para que ele fosse ampliado e transformado no Laboratório de Ensaios de Materiais (LEM), sob a direção de Ary Frederico Torres. Em 1934, liderado por Torres, o LEM virou o IPT, com autonomia administrativa em relação à Poli. A ideia era poder atuar de forma mais ampla, como faz até hoje: abrir novos campos de pesquisa, servir como laboratório estadual para aferição de medidas e padrões e continuar prestando serviços a terceiros. n

Paula Souza (1843-1917) e Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928).

Milton Vargas afirma em História da técnica e da tecnologia no Brasil (editora Unesp, 1997), organizado por ele, que o manual foi “o primeiro trabalho sobre tecnologia publicado no Brasil”. Vargas foi um dos pioneiros em mecânica de solos no país, professor da Poli – uma das escolas que deram origem à USP em 1934 – e engenheiro do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

O manual trazia resultados de ensaios sobre as características físicas, químicas e mecânicas, bem como do comportamento estrutural quando submetido a diferentes esforços físicos, de cimento, cal, concreto, pedras, tijolos, telhas, madeiras e metais. Um aspecto de particular interesse foi a inclusão da análise do concreto, pouquíssimo usado na época. A publicação foi consequência das primeiras atividades do GRM.

Em 1903 Wilhelm Fischer, então assistente de Tetmayer no ETH, assumiu a direção do GRM e deu novo impulso a ele, com a colaboração de engenheiros FO

TOs

BIB

lIo

Tec

a c

eNT

ra

l d

a e

sco

la

po

lITé

cN

Ica

da

usp como Hippolyto Gustavo

Pujol Júnior. O gabinete ganhou prestígio com a publicação do manual e passou a ser convidado para dar pareceres não só na construção civil como em rodovias, nas instalações portuárias, ferroviárias e industriais. Com a demanda, muitos professores e engenheiros da Poli abriram escritórios e companhias construtoras, acompanhando o desenvolvimento do estado.

Fischer dirigiu o GRM até 1906 e foi substituído por Pujol, que ampliou o laboratório com as seções de ensaios físicos e mecânicos, de metalografia e de preparo de corpos de prova e pequenos reparos. A de metalografia era uma cópia do laboratório da usina de Dion-Bouton, de Paris. Paula Souza se orgulhava da seção e dizia que era a mais moderna das Américas.

wilhelm fischer (de colete preto e avental) com colegas do GrM; ao lado, o Manual de resistência de materiais (s/d)

paula souza (segundo da esq. para a dir., sentado) entre os politécnicos do gabinete (s/d)

2

3

4

90 | aBrIl de 2013

as cores e desenhos da músicapesquisadora faz análise

gráfica dos sons

eletroacústicos de

compositores brasileiros

Tão rara quanto a difusão da música eletroa-cústica no Brasil é a documentação de sua história e seu repertório. Desde que fez

doutorado na França, a compositora erudita, pro-fessora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisadora Denise Garcia tem se dedicado a recuperar e analisar essa complexa e restrita arte musical brasileira.

Depois da pesquisa, amparada pela FAPESP, na qual recuperava os primórdios da música ele-troacústica paulista estudando os pioneiros no estado – Grupo Música Nova, Gilberto Mendes, Rogério Duprat, Willy Corrêa de Oliveira –, ela se dedicou à geração carioca de Tim Rescala, Rodol-fo Caesar, Vânia Dantas Leite e Rodrigo Cicchelli. “Colhi material com os próprios compositores e até hoje estou trabalhando nisso”, diz Denise, que tem bolsa de produtividade do CNPq.

Caesar é para ela um dos mais profícuos com-positores dessa área, e é sobre a premiada peça dele intitulada Introdução à pedra, de 1989, que concluiu recentemente uma análise gráfica inicia-da em 2007. “Horas e horas de trabalho rendem 10 ou 20 segundos de música”, diz a professora.

Por enquanto, o resultado das pesquisas perma-nece restrito a congressos e palestras da autora. A análise gráfica da peça de Caesar – cuja amostra pode ser vista nestas páginas – é inédita. Nela, cada som, em suas variações de volume, ritmo, timbres, andamento e intensidade, é representado por desenhos e cores diferentes. Concluída essa

lauro lisboa garcia

arte

iMa

GeN

s d

eNIs

e g

ar

cIa

peSQuiSa FapeSp 206 | 91

parte, ela agora vai elaborar o texto, detalhando cada passo de sua atividade.

Denise utiliza o software Acousmograph, de-senvolvido pelo INA/GRM (Groupe de Recher-ches Musicales, criado em 1948 por Pierre Schaef-fer), onde ela fez estágio após o doutorado. “O aplicativo faz dois tipos de visualização do sinal sonoro: uma de amplitude do sinal e outra é o sonograma”, explica. Este último, em forma de gráfico nos eixos tempo e frequência, aponta to-das as frequências do sinal, mas não faz as distin-ções dos eventos musicais. “Com o programa é possível desenhar o que se ouve por cima desse sonograma. Separamos os sons no desenho ana-lisando, dessa forma, a música.”

A pesquisa de Denise consiste em analisar, in-terpretar e atualizar tecnologicamente as peças originais. “Nas peças mistas de Gilberto Mendes havia coisas criadas para toca-discos e discos da época, que desapareceram. Não dá pra remontar essas peças com a mesma tecnologia anterior.” A ideia foi colocá-las de novo em repertório, mas

utilizando novos equipamentos, como o computa-dor. “No caso de Mendes, as partes de tape foram remontadas pelo orientando Clayton Mamedes.”

Como frisa Fernando Iazzetta, da Escola de Co-municação e Artes da Universidade de São Pau-lo, especializado em novas tecnologias musicais, “nossa musicologia, com a exceção de composi-tores como Villa-Lobos, Carlos Gomes e Henri-que Oswald, nunca teve o devido cuidado com a produção nacional”. Para ele, além da recupera-ção da “história inicial de uma produção recente e relevante da música brasileira”, a pesquisa de Denise tem outros méritos. “Os compositores es-tão vivos, o que possibilita conhecer a dinâmica dessa história por dentro; além disso, a própria Denise fez parte da história como compositora.”

Foi por volta dos 30 anos que ela foi parar na música eletroacústica “por um caminho singular”, autodidata. Fazia trabalhos de gravação com so-noridades ambientais, “levava tudo para o com-putador, montava e desmontava”, num processo quase artesanal de filtragem de sons.

Seu mestrado foi um mapeamento de São Luís no Maranhão a partir do Poema sujo, de Ferrei-ra Gullar. Com essas e outras experiências aca-bou se aprofundando no estudo de metodologia da pesquisa. “É um tipo de música que não tem partitura, há apenas o ouvido, que não é confiá-vel, porque eu ouço uma coisa e você ouve ou-tra. Existe muita discussão em torno disso. É um repertório sobre o qual a musicologia trabalha muito pouco por essa dificuldade.”

A ideia da análise gráfica para música eletroa-cústica é antiga e antes da era digital era dese-nhada à mão. Denise está convencida de que o método é bom não só para a música eletroacús-tica, mas também para a instrumental. “Uso essa ferramenta também para analisar música clássica tradicional com os alunos. E eles saem do curso convencidos de que é legal, porque sem a par-titura ouvimos a música de forma diferente.” n

nestas páginas, três partes da análise de Denise da peça Introdução à pedra, de rodolfo Caesar: a representação de cada som é feita por meio de desenhos e cores

92 | aBrIl de 2013

Tinha tudo para ser escritor, era o que lhe dizia uma professorinha: um imperioso domínio da língua, um tino para as frases

significativas, um profundo senso da pertinência de cada história, uma sensibilidade para as coi-sas ínfimas. Conhecia os conselhos dos mestres, absorvia as recomendações das revistas, sabia de cor os decálogos infalíveis com as prescrições de tantos escritores para o ofício. Passava horas habitando livros, sorvendo parágrafos com dis-ciplina, e aos poucos constituía em sua mente um quadro abrangente do que era ou devia ser a literatura. Tinha tudo para ser escritor e, no entanto, não escrevia.

Não sabia inventar, era o que explicava aos poucos íntimos, inutilmente. Carecia da facul-dade de criar, de dar nomes a seres invisíveis, de dotá-los de uma existência precária e de uma falsa biografia, de enfrentá-los a conflitos sempre improváveis em alguma medida. Desprezava a ficção, era o que não dizia sequer para si. Pre-feria defender uma posição mais controversa, mais terrível, declarando com pompa toda vez que alguém lhe dava ouvidos: a ficção não existe.

Foi em defesa desse princípio que decidiu en-trar no curso de letras, ordenar sua erudição, con-verter-se em crítico. Era o primeiro a erguer a mão para questionar as explanações mais simples, de início com argumentos banais que apenas con-frontavam o texto à vida. Mas Quixote não terá existido? Há registro de sexagenários em delírio cruzando a Espanha ao menos desde o século XV, e Cervantes sequer define com precisão o nome do protagonista de sua suposta ficção: Quijada, Quesada, Quijana. É bem sabido também que Shakespeare montava seus dramas com tramas medievais, valendo-se de intrigas reais entre fa-mílias reais, bem descritas nas crônicas da época.

Em sua iniciação científica, ainda inseguro quanto à abrangência de sua hipótese, optou pe-

la obviedade de analisar alguns autobiografistas canônicos: Joyce no retrato do artista, Proust em busca do tempo perdido, Flaubert que confessara ser ele mesmo sua Madame Bovary. Limitou-se a minuciar o rígido paralelismo que havia entre os trechos selecionados e alguns episódios ve-rídicos, tão idênticos uns e outros que sequer seria possível atribuir aos autores algum vigor criativo, um mérito artístico que fosse além da habilidade descritiva – como ele não se privou de afirmar no último capítulo.

Se suas ideias não obtiveram prestígio, a inicia-ção lhe serviu ao menos para que amealhasse um arsenal de recursos críticos, sólidos mecanismos de pesquisa, um sistema de verificação das inú-meras interferências externas presentes em toda narrativa. A arbitrariedade dos nomes próprios lhe concedia valiosas pistas: nenhum nome resul-tava indiferente, referindo-se sempre a alguma figura próxima ou longínqua, que o autor evocava de modo consciente ou inconsciente. Valia o mes-mo para lugares, datas e, surpreendentemente, para caracteres psicológicos e físicos. Nenhum personagem era loiro, barrigudo ou pérfido por razões imprecisas: a algum fator relevante essas peculiaridades sempre remetiam.

Mas de nada adiantava mostrar que os livros que se alegavam reais tinham de fato a realidade como elemento constitutivo, sob o risco de incor-rer em uma tautologia. Se queria provar que a ficção não existe, que toda e qualquer invenção é impossível, não podia fazê-lo sem confrontar os textos mais fantásticos, os mais extravagantes, os que melhor simulassem provir da imaginação e da fantasia. Sorteou quase ao léu uma das obras que povoavam sua estante de narrativas incríveis, um volume que um colega lhe dera como zombaria, e resolveu fazer dele o objeto de seu mestrado.

Já em sua primeira viagem à Rússia decifrou a farsa, ou melhor, a verdade que representava aquela

conto

a ficção não existe Julián Fuks

peSQuiSa FapeSp 206 | 93

Julián Fuks é escritor e crítico literário. é autor de, entre outros, Procura do romance (record) e Histórias de literatura e cegueira (record), ambos finalistas dos prêmios Jabuti e portugal telecom. em 2012 foi eleito pela revista Granta um dos 20 “melhores jovens escritores brasileiros”.

Mas o golpe fatal, o que lhe garantiria a com-provação irrefutável de sua teoria, só foi lhe ocor-rer décadas mais tarde, já professor emérito da universidade, já envelhecido. Se a ficção não exis-tia, se vinha do mundo real cada uma das ocorrên-cias descritas por escritores de qualquer época, todas teriam de constar no “aleph” de Borges, o ponto do universo que continha todos os pontos, de todos os tempos. Se a ficção não existia, a abs-tração eventual de cada livro haveria de encon-trar ali seu correspondente concreto – e assim estaria provada sua teoria. Foi custoso chegar ao porão que Borges descrevera em seu conto. Não foi na casa de sua infância, nem nos muitos apartamentos e bibliotecas que ele habitara com afinco. Foi na antiga casa de Leopoldo Marechal, autor de Adán Buenosayres, a quem parecia fa-zer referência o nome do protagonista do conto, Carlos Argentino.

Desceu ao porão de pernas trêmulas, as pálpe-bras longe das pupilas. Saberia então se estivera certo ou errado, toda sua vida, em cada um de seus ímpetos. Deitou no chão em decúbito dorsal, co-mo Borges indicava, e no 19º degrau fixou a vista. Podia ser o aleph o círculo vítreo que vislumbrou, podia ser o universo inteiro através de uma fina película, o mundo inteiro em sua verdade irrestri-ta, mas por um instante ele só conseguiu enxergar o rosto decrépito da professorinha.

narrativa supostamente tão criativa de Dostoievski: O crocodilo. Na história do homem engolido vivo por um crocodilo em plena galeria moscovita, ho-mem que ali permaneceu com voz e vida por dias e dias, sobravam indícios para retraçar o ocorrido prévio. Seria demais esmiuçar aqui as vicissitudes da pesquisa, a busca por Ivan Matvieitch em sua desdita, mas o fato é que anos antes, em 1857, um tal Markevitch se engalfinhara com um jacaré num zoológico de São Petersburgo, tendo seu tornozelo mordido e ali resistindo por horas até que os fun-cionários o renderam. A versão de Dostoievski não passava, portanto, da malversação de pormenores incensada por um exagero descabido.

Defraudar Kafka foi tarefa bem mais difícil, so-bretudo pela escassez de dados sobre a existência do escritor, tão fecundo quanto desconhecido em vida. Precisou dos cinco anos do doutorado para perceber que a realidade em Kafka só podia ser alcançada por intertexto, na relação entre relatos avulsos e os romances mais excêntricos. Revelou--se patente que a história impossível do agrimen-sor de O castelo era inspirada no caso verídico descrito pelo autor em “Diante da lei”. Já o ab-surdo de A metamorfose só pôde ser desvendado quando ele conseguiu retraçar o paradeiro do clí-nico de “Um médico rural”, que certa vez calhou de tratar um tal Georg Simonsen. Tido por louco entre seus conterrâneos, esse sujeito cultivava um circo de baratas como tantos cultivam um circo de pulgas, e as alimentava atirando contra elas pedaços de maçã apodrecida. Daí a epifania que lhe rendeu os elogios da banca: Gregor Samsa era mera corruptela de Georg Simonsen.

joa

qu

Im d

e a

lmeI

da

94 | aBrIl de 2013

atividades cotidianas, e daí surgem atividades muito interessantes, como as de reconhecer o quanto as plantas estão presentes na vida das pessoas, a produção do papel, as substâncias de reserva presentes em alimentos que consumi-mos ou mesmo o uso de subprodutos das algas para a confecção de desenhos. As atividades de produção de modelos tridimensionais são sim-ples de realizar e requerem materiais de acesso fácil. Além disso, os modelos podem ser utiliza-dos em várias aulas e, devido a sua durabilidade, por muito tempo.

Algumas das atividades propostas, com algu-mas adequações, podem ser utilizadas para di-ferentes níveis de ensino. É possível que o livro seja utilizado por “professores da educação básica e educadores atuantes em espaços não formais de ensino”, como indicado pelas organizadoras, para a preparação de aulas e visitas monitoradas. Porém é um material versátil o suficiente para ser usado em disciplinas pedagógicas de cursos de licenciatura em biologia. Para melhor apro-veitamento das atividades é preferível que as atividades sejam aplicadas para alunos do ensino médio e superior em função da complexidade de algumas perguntas e análises que são propostas. Ao longo de todo o livro é possível perceber um eixo de discussão ecológico-evolutivo que per-meia todas as atividades, o que é muito positivo para a sua adequação ao ensino médio.

Por fim, A botânica no cotidiano cumpre uma importante função de desenvolver habilidades científicas nos alunos e fazer uma reflexão sobre os impactos que a ciência e a tecnologia promo-vem na vida das pessoas. Essas são características importantes, que poderiam ser mais exploradas, uma vez que a aprendizagem de tais conhecimen-tos pode garantir às pessoas o exercício pleno de sua cidadania. O livro é uma importante iniciati-va que deve ser expandida para outras áreas da biologia e mostra que a botânica é uma ciência bela e instigante!

Despertar nos jovens o gosto pela ciência é a tarefa de todos os dias de muitos pro-fessores de biologia. Nem sempre é fácil

encontrar boas ideias para as aulas de ciências e biologia, dada a falta de material pedagógico disponível sobre o assunto. O livro A botânica no cotidiano traz nada mais, nada menos do que 19 atividades para incrementar as aulas. Escrito por professoras de botânica do Instituto de Bio-ciências da Universidade de São Paulo (IB/USP), cada capítulo tem um conjunto de informações científicas que servem para dar apoio às estra-tégias propostas.

São informações atualizadas que trazem aos professores e alunos todo o dinamismo do co-nhecimento botânico e suas relações com as di-ferentes áreas da biologia (biologia molecular, sistemática, morfologia, ecologia, fitoquímica, anatomia, entre outras). Essa é uma característica muito interessante do livro, uma vez que muitos professores da educação básica necessitam da atualização em conhecimentos específicos da botânica. Destaque para as atividades que tratam da sistemática filogenética e biologia molecular, que são assuntos pouco frequentes em livros di-dáticos da educação básica.

As estratégias propostas são variadas e apre-sentam experimentos, demonstrações, montagens de modelos tridimensionais, práticas histológicas e jogos que em sua maior parte requerem poucos materiais. Há uma preocupação em propor ativi-dades com uso de materiais de baixo custo (salvo uma ou outra que requer um equipamento mais sofisticado). A ideia de propor essa variedade de estratégias de ensino tem por finalidade dar ao ensino da botânica um caráter mais dinâmico e motivador, apesar de sabermos que uma boa aula depende das concepções que o professor tem do que é ensinar e aprender, bem como sua visão da ciência.

As estratégias também contribuem para que os alunos e professores se aproximem das práticas da ciência e desenvolvam habilidades importan-tes, como observação, representações por meio de desenhos, coletas de dados e suas interpreta-ções. Outra preocupação das atividades propos-tas é relacionar o conhecimento botânico com

ensino reforçado de botânica

reSenhaS

a botânica no cotidianoDéborah yara a. C. dos santos, fungyi Chow e Cláudia Maria furlanHolos editora/ib/fapesp139 páginas; r$ 35,00

marcelo motokane

marcelo motokane é biólogo, professor do Departamento de biologia da usp de ribeirão preto, pesquisador na área de metodologia de ensino de ciências, coordenador do Laboratório de ensino de biologia (Leb) e líder do grupo de pesquisa Linguagem no ensino de Ciências (Lince).

peSQuiSa FapeSp 206 95

FOTO

s e

du

ar

do

ces

ar

ralelamente, evangélicos têm abandonado umas igrejas evangélicas para se passarem a outras, de denominação e credo diferente, mas de mesma linha ritual. A indefinição religiosa do brasileiro nesse cenário confuso de crenças e descrenças há tempos pedia uma espécie de vade-mecum dos credos que se difundem entre nós, um mapa interpretativo e denso da nossa religiosidade.

Este livro, organizado pelo conhecido antropó-logo João Baptista Borges Pereira, da Universida-de de São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, atende em boa parte essa demanda. Reúne contribuições de 20 pesquisadores sobre as religiões que no Brasil têm adeptos e confes-santes, organizadas e ativas. Do catolicismo, que por tantas transformações passou, tornando-se quase desconhecido dos próprios católicos, até a rica e complicada diversidade de confissões, ten-do no entremeio as religiões não cristãs, o livro expõe com erudição e competência o quadro de nossas referências religiosas. Um cenário muito esclarecedor do que tem sido o advento da mo-dernidade religiosa entre nós, nos últimos pouco mais que 100 anos. Não só das crenças professa-das, mas também da complexa organização dos credos, sua diversidade ritual e os significados dos procedimentos que nas celebrações religiosas dão sentido à peculiaridade de cada crer. Dife-rente do que acontece na vida civil e nos outros modos de expressão de mentalidades e modos de ser, detalhes aparentemente irrelevantes po-dem, nas religiões, provocar cismas e rupturas. Como o que aconteceu há mil anos, quando a Igreja Ortodoxa se separou da Igreja Romana em decorrência de um desacordo quanto a se o Espírito Santo deriva do Pai ou deriva do Pai e do Filho. Ou, aqui no Brasil, o desacordo dos presbiterianos quanto à maçonaria, que levou ao cisma que separou a Igreja Presbiteriana In-dependente da Igreja Presbiteriana Unida. Nos últimos anos, a maior igreja pentecostal do país sofreu uma ruptura que levou ao surgimento de duas grandes igrejas, derivadas de uma só.

é impossível compreender sociologicamente o Brasil se não se leva em conta que, entre nós, há uma religiosidade mesmo dos brasileiros

que não têm religião. Na própria universidade, não é raro vermos casos de ateus confessos serem espi-ritualmente amparados, após a morte, pela missa de sétimo dia a que comparecem colegas igualmen-te ateus. Na dúvida, é melhor seguir as regras do costume. Aliás, o grupo religioso que mais cresce no país é o dos que têm fé, mas não têm religião.

Uma anomalia, sem dúvida, em relação aos nu-merosos países que se caracterizam por religiões estabelecidas e identitárias. Países como a Itália e o Portugal católicos têm como marco o templo e a identidade religiosa indiscutível. As igrejas ficam cheias nas várias missas de domingo e nas cerimônias de preceito. A Inglaterra anglicana só é diferente pela filiação doutrinária e a rainha no lugar do papa como soberana da religião oficial. Mesmo numa universidade como a de Cambridge, cada college tem sua capela e nas capelas, como a do King’s College, há celebrações diárias. Nos Estados Unidos protestantes, mas pluralistas, mais de 80% dos americanos vão a uma igreja no domingo. São países em que a religião formal e organizada é parte constitutiva da estrutura so-cial. Aqui, somos pluralistas, embora intolerantes. A sociedade brasileira pode ser explicada sem o templo, mas não pode ser explicada sem a religio-sidade, não raro expressão de variadas formas de sincretismo religioso, difuso e incoerente. Temos, além do mais, uma história de movimentos mes-siânicos e milenaristas, nascidos aqui mesmo, de certo modo, o povo reinventando suas devoções.

Não é incomum certo turismo religioso, pessoas oficialmente de um credo, porque nele batizadas ou iniciadas, que, não obstante, vão, eventualmen-te, a um culto evangélico ou a uma sessão num terreiro de umbanda. Os censos têm apontado, nas últimas décadas, um acentuado declínio no núme-ro de católicos no Brasil, supostamente em favor das seitas e igrejas pentecostais. Análises mais de-tidas dos dados sugerem algo mais complicado: os católicos que abandonam a igreja são, sobretudo, católicos nominais, não são propriamente cató-licos praticantes. Tanto que há um movimento de “conversão” de católicos ao catolicismo. Pa-

a pluralidade da fé no Brasil

religiosidade no brasilJoão baptista borges pereira (org.), edusp400 páginas, r$ 68,00

José de Souza martins

José de Souza martins é sociólogo. professor emérito da faculdade de filosofia, Letras e Ciências Humanas da usp. Dentre outros livros, é autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto).

carreiras

96 | aBrIl de 2013

antes do novo empregoinformações que o pesquisador deve ter para decidir se migra para a indústria

recursos Humanos | empreendedorismo

Mudar de emprego quase nunca é uma decisão simples, em especial se o fator financeiro não for o mais importante. Se o convite partir de uma empresa privada que faz pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o profissional convidado for um pesquisador acadêmico, a dúvida pode ser ainda maior. Quais seriam as questões a que o cientista deve estar atento antes de aceitar (ou se candidatar) a fazer ciência na empresa?

O neurocientista Luiz Eugenio Mello conhece bem essa história. Em 2009 ele trocou uma bem-sucedida carreira na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para implantar o Instituto Tecnológico Vale (ITV), da mineradora Vale.

Para ele, mudar de emprego na área científica tem a ver, principalmente, com os desafios científicos que o novo trabalho oferece. Mas pode ser pelo acesso a equipamentos específicos ou, ainda, por estruturas físicas ou organizacionais melhores. Ele lembra que a transição da academia para a empresa continua muito pouco frequente no Brasil.

A possibilidade de evoluir profissionalmente tem de ser levada em conta, embora isso dependa da idade e do estágio em que o pesquisador se encontra. “Para alguém sênior essa dimensão é menos relevante do que para alguém júnior”, diz. “Mesmo assim, para mim, o convite para trabalhar na Vale, com a abrangência do trabalho

a ser realizado, também endereçava positivamente as dimensões de evolução profissional.”

O tamanho da empresa tem de ser considerado e o pesquisador não deve temer ser apenas mais uma peça na engrenagem. Conseguir um lugar de destaque como pesquisador na indústria depende em boa parte do empenho de cada um, lembra o diretor do ITV. Outro ponto importante é verificar se o trabalho é competitivo, o que não é tão diferente assim do trabalho acadêmico de ponta – na universidade os melhores sempre competem para publicar nas revistas mais importantes e conseguir recursos das agências de fomento.

José Eduardo Pelino, diretor associado de relacionamento científico e profissional da Johnson & Johnson, chama a atenção para uma característica muito animadora do trabalho na indústria: a possibilidade de ver antecipadamente os produtos ou equipamentos que estarão disponíveis no mercado para

Mello, da vale, e pelino, da Johnson: empresas também podem proporcionar boas perspectivas de evolução e aprendizagem

1 2

peSQuiSa FapeSp 206 | 97

talentos ocultosquímico sugere mais apoio aos candidatos a empresário

De 1999 a 2002, durante o curso de química na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Gustavo Simões, hoje com 32 anos, comentava com os colegas que

queria ser empresário. Como naquela época – e ainda hoje – a maioria dos cursos das universidades públicas não promovia o empreendedorismo, os colegas achavam que ele tinha perdido o juízo.

“Quase todos queriam alternativas profissionais mais seguras do que ser empresário”, ele se lembra. “Como não existia apoio, ser empreendedor parecia muito difícil e longínquo.”

Simões não desistiu de seu plano. Começou a pós-graduação sob a orientação de Elson Longo no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e em 2005, no meio do mestrado, resolveu finalmente abrir sua empresa.

“O laboratório de Elson Longo era diferenciado, tinha muito contato com empresas e a oportunidade de desenvolver novos produtos surgiu naturalmente”, ele conta.

Desde 2005, Simões e outros dois químicos, Daniel Minozzi e André Araújo, por meio da nova empresa, a Nanox, em São Carlos, interior paulista, produzem materiais com partículas de prata capazes de eliminar fungos e bactérias.

“O primeiro apoio que recebemos foi por meio de um Pipe da FAPESP”, ele diz. “Aos 24 anos, fui um dos coordenadores mais jovens de um projeto Pipe.” Depois ele recebeu apoio de uma venture capital, especializada em empresas de base tecnológica, e financiamentos do governo federal.

Segundo ele, a Nanox está crescendo – tem atualmente 10 funcionários – e planeja para ainda este ano a abertura de uma filial nos Estados Unidos.

Em 10 anos, porém, pouco mudou para os estudantes de graduação que querem abrir sua própria empresa. Aulas de empreendedorismo ainda são raras na universidade – uma delas é oferecida na graduação para estudantes de engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

“O ambiente melhorou, existe mais facilidade de acesso a capital de risco, mas as ações de apoio ao empreendedorismo ainda são suspiros no ambiente acadêmico”, observa Simões, que terminou o doutorado em 2009, também com Elson Longo.

Ele acredita que a situação poderia ser diferente se os cursos não pensassem apenas em pesquisa científica e tecnológica, mas também no estímulo à inovação para empresas. “Para ser empreendedor”, ele diz, “é preciso ter apoio, oportunidade e condições para arriscar. Sem isso, ser empresário é loucura ou desespero”.

consumidores e mudar os aspectos e características necessárias de acordo com o público-alvo. Pelino é pós-doutorado em odontologia e trocou a Universidade de São Paulo pela Johnson em 2009. “O processo de P&D de produtos na indústria é bastante dinâmico, com foco específico”, diz ele. “Mas isso está longe de eliminar a colaboração acadêmica na pesquisa dentro da empresa.”

O ambiente que será encontrado no futuro trabalho – algo que deixa meio ansiosos os iniciantes no emprego novo – dá para ser inferido por meio do processo seletivo da empresa. Na Johnson, por exemplo, o candidato conversa com pelo menos oito pessoas diferentes, durante o processo seletivo de entrevistas, antes de qualquer decisão. “Durante esse processo basta ficar bem atento e fazer todas as perguntas necessárias. Com isso dá para sentir se existe pressão, competitividade e liderança.”

Pelino conta que quando decidiu migrar da universidade para a indústria o fator decisivo na escolha foi o tipo de desafio e o impacto que o seu trabalho poderia causar em três esferas: acadêmica, profissional e na do consumidor. “A parte financeira foi importante, porém não decisiva.”

Luiz Mello também preferiu considerar os novos desafios intelectuais que surgiriam com o emprego, mas ele lembra que a vida acadêmica no Brasil ainda tem baixa remuneração, excetuadas as possibilidades de ganho extra em consultórios ou consultorias. “O pesquisador que sai da universidade quer a motivação do desafio profissional e também um bom salário. É preciso buscar o equilíbrio. Não há desafio que resista à inexistência de condições de trabalho”, diz o diretor do ITV.FO

TOs

1 lé

o r

am

os

2 jo

HN

soN

&jo

HN

soN

,s 3

Na

No

x i

lUsT

ra

çã

O d

aN

Iel

BueN

o

3

eMpreenDeDOrisMO

classificados

98 | aBrIl de 2013

_ Anuncie você também: tel. (11) 3087-4212 | www.revistapesquisa.fapesp.br

O Programa de Mestradoem Gestão Internacionalda ESPM (PMGI), tendo em vistao futuro programa de doutorado, divulga edital para contrataçãode professor doutor.A carga horária de trabalho é de 40 horas semanais. Inscrições abertas de 1º a 30 de abril de 2013. Edital completo no site:www.espm.br/pmgi

www.biolabfarma.com.br

A Biolab, farmacêutica 100% brasileira, está de cara nova.

Em 15 anos, consolidamos a liderança em medicamentos sob prescrição médica na área de Cardiologia e conquistamos relevância em Ginecologia e Dermatologia.

Também nos destacamos em Ortopedia, Reumatologia, Pediatria, dentre outras especialidades.

A Biolab tornou-se referência em medicamentos inovadores, frutos de signifi cativos e contínuos investimentos em pesquisas e desenvolvimentos genuinamente nacionais e de sólidas parcerias com empresas internacionais, ao redor do mundo.

Crescemos com o Brasil e estamos comprometidos com os avanços de nosso país.

Hoje, somos uma empresa global.

É hora de apresentar a nossa nova marca, que nos permitirá dar novos e audaciosos passos e nos acompanhará rumo ao futuro.

Somos a Biolab de sempre, feita por brasileiros, oferecendo cada vez mais confi ança, qualidade e inovação a médicos e pacientes.

CONFIANÇA ONTEM, HOJE E SEMPRE

AF_7933Anuncio_fapesp_AbrilV04.indd 1 15/03/13 14:52