Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

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MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA I GUAÇU RELATÓRIO FINAL Março de 2010

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MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA

IGUAÇU

RELATÓRIO FINAL

Março de 2010

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MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA

IGUAÇU

RELATÓRIO FINAL

Coordenação:

João Trajano Sento-Sé

André Rodrigues

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MAPA DA VIOLÊNCIA LETAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE NOVA

IGUAÇU

RELATÓRIO FINAL

Secretário Executivo:

Pedro Strozenberg

Pesquisadores:

Angelica Faria

Caio Dias

Carolina de Souza Costa

Raphael Torres Brigeiro

Márcio Lázaro

Secretária:

Helena Mendonça

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AGRADECIMENTOS

A variedade e a densidade das informações contidas no presente relatório – que

buscam corresponder à complexidade do fenômeno que nos arvoramos a estudar aqui –

deve servir ao leitor como um indicativo da quantidade de pessoas e instituições com as

quais tivemos de contar para que lográssemos um resultado satisfatório na pesquisa.

Trata-se, portanto, de um trabalho coletivo, costurado a muitas mãos em árduos meses

de presença em campo e maturação analítica. É nosso dever, dessa forma, expressar a

gratidão aos diversos atores que contribuíram para que este trabalho fosse realizado.

Esperamos corresponder às contribuições que recebemos com as análises que

apresentaremos a seguir.

Agradecemos também a iniciativa da Prefeitura de Nova Iguaçu

operacionalizada pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Prevenção da

Violência – SEMASPV. Dessa instância recebemos finíssimo acompanhamento

decorrente de uma afinada parceria posta em prática pelas pessoas da Secretária Sra.

Olga Salgado Castro e dos técnicos e especialistas da secretaria, Anderson Francisco B.

da Silva, Angela Brandão, Marcio Lázaro, Laudicéia da Silva, Paulo Mantuano, Letícia

Almeida; todos foram, em alguma etapa do processo, atentos interlocutores para a

construção do projeto. Gostaríamos de lembrar especialmente de Luiz Eduardo Soares,

Eduardo Ribeiro e Dorian Borges, idealizadores do projeto e que seguiram sendo

parceiros importantes nas formulações e discussões acerca dos resultados.

Do ISER tivemos, além da equipe do projeto, o apoio e o carinho

imprescindíveis de pessoas que colaboraram com idéias, debates, trâmites formais,

produção de documentação para registro e histórico do projeto, além de terem fornecido

o incentivo que resulta da parceria cotidiana. Agradecemos, então, a nossos colegas de

trabalho George Telles, Helena Mendonça, Silvia Vieira, Pedro Strozenberg e Christina

Vital.

No trabalho de campo fomos sempre recebidos com a paciência e a atenção de

pessoas de diversas instâncias nas quais coletamos informações e realizamos

entrevistas. Agradecemos a generosidade com que trataram a equipe de pesquisa

(lembremos que o pesquisador muitas vezes é uma figura inconveniente pela própria

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natureza de sua atividade, interferindo nas rotinas de trabalho, fazendo perguntas,

fuçando em arquivos, etc.): do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do

Adolescente, a Sra. Nair; da Vara da Infâcia, o juiz Sr. Francisco Mariano Brito, a

assistente social Sra. Ana Lucia Gomes, a psicóloga Renata Monteiro; da coordenação

dos Conselhos Tutelares a Sra. Claudia Peruci; dos Conselhos Tutelares, a Sra. Aretha

de Santos Ramos Guimarães, a Sra. Jordelina, a Sra. Dulcelena, a Sra. Ana Cléia, a Sra.

Monalisa, a Sra. Luisa Melo da Silva, o Sr. Paulo Henrique, a Sra. Ana Paula e o Sr.

Wilker; da Promotoria da Infância e da Juventude, as promotoras Carla Tereza de

Freitas Baptista Cruz e Cristiane Nascimento Ferreira; do FAVVO, a Sra. Lydia

Marques; os moradores de Nova Iguaçu, Sr. José Roberto Moraes Barbosa e Sra.

Luciene Silva; do Hospital Geral de Nova Iguaçu, o diretor Geral Sr. Marcelo Alcântara

Ribeiro de Castro, a psicóloga Lusanir Carvalho, a assistente social Mara Cunha; do

IML, o Sr. Taurion; da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, o delegado Orlando

Zaccone; do Instituto de Segurança Pública, o Ten. Cel. Paulo Augusto Souza Teixeira.

Todos, em diversos momentos da pesquisa foram imprescindíveis para que este

relatório pudesse ser elaborado. Manifestamos, por isso, nossa sincera gratidão e

reconhecimento.

É preciso lembrar, ainda, daqueles que puseram a mão na massa e foram a

campo atrás de cada uma das informações aqui presentes. Nossos pesquisadores: Caio

Gonçalves Dias, Carolina de Souza Costa e Raphael Torres Brigeiro. Muito obrigado.

É preciso agradecer e reconhecer, por fim, o incentivo a uma iniciativa tão

importante para Nova Iguaçu manifestado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos

do Governo Federal, que foi a fonte financiadora do projeto.

A despeito das contribuições de cada um dos que foram aqui citados, quaisquer

erros ou eventuais imprecisões analíticas são de responsabilidade dos autores desse

relatório.

Contando que este relatório pode ser uma merecida contrapartida a toda a

atenção dispensada por cada um dos personagens que lembramos, reafirmamos nossa

gratidão.

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SUMÁRIO

Introdução 7

I. De Moxambomba à Baixada; da Baixada à Nova Iguaçu. Um histórico de

violência 10

II. Mortes violentas em Nova Iguaçu 22

II.1. Nova Iguaçu no cenário nacional 24

II.2. A violência letal e a violência letal que atinge crianças e

adolescentes em Nova Iguaçu 29

III. Georreferenciamento da violência letal intencional em Nova Iguaçu 42

III. 1. Georreferenciamento como instrumento de diagnóstico 44

III. 2. Notas metodológicas 46

III. 3. Distribuição espacial das mortes provocadas por crimes

letais intencionais 48

III.4. Apresentação dos mapas, enfatizando a concentração e os

deslocamentos nos últimos três anos 58

IV. Um passo adiante dos dados policiais. Disque denúncia e conselhos

tutelares 71

IV. 1. O que a população de Nova Iguaçu revela ao Disque

Denúncia 73

IV. 2 Conselhos Tutelares. O que se passa com crianças e

adolescentes em situação de vulnerabilidade em Nova Iguaçu 95

IV.3 Fluxos de atendimento de três conselhos em Nova Iguaçu 96

V. Organograma do sistema de controle e de proteção 124

V.1. O circuito de proteção e de justiça em Nova Iguaçu 131

V. 2. O(s) Lugar(es) da sociedade civil. Grupo de Apoio a

Familiares de Vitimas da Violência -- FAVVO 150

VI. Para a criação de um sistema municipal de informações sobre vitimização

infantil e juvenil 154

VII. Breve conclusão para um longo percurso ou notas para a criação de um

sistema integrado de proteção focado na redução da vitimização letal de

crianças e adolescentes 159

VIII. Referências bibliográficas 160

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Introdução

O quadro geral de mortes violentas intencionalmente perpetradas tem se

revelado um dos principais problemas no Brasil desde as últimas duas décadas do

século passado. Lidar com tal fenômeno não tem sido fácil, em função de fatores

variados. Algumas das razões têm a ver com questões estruturais, como os altos

índices de desigualdade social, a baixa capacidade dos agentes públicos de promover

acesso a direitos básicos à sociedade como um todo e uma cultura consolidada,

através de séculos, em que o princípio da autoridade foi negligenciado em favor do

mero recurso à força extremada com a finalidade de produzir uma ordenação pública

razoavelmente estável. Há muito a se fazer em cada um desses campos, mas seus

resultados, é legítimo recear, não aparecerão em curto ou mesmo médio prazo. Outras

razões são quase tão complexas quanto as primeiras, mas podem ser objeto de

intervenções mais contundentes que redundem em inflexões mais rápidas e efetivas

para a queda do volume de incidências letais. A precariedade do sistema de

informações criminais, os padrões de atuação das instituições do sistema de justiça

criminal, a ausência de articulação dessas com outras instâncias de promoção de

justiça e acesso a direitos são problemas difíceis, mas passíveis de serem contornados

com ganhos sensíveis. A pesquisa aqui apresentada tem estas últimas como seu foco

privilegiado. Tem, também, uma ênfase num segmento específico de vítimas da

violência letal: crianças e adolescentes.

O interesse pelas mortes violentas de crianças e adolescentes pode ser

justificado por várias maneiras. Em primeiro lugar, a incidência dessa modalidade

específica de violência criminal - a morte intencional - sobre esse segmento

específico é bastante alto. Em segundo lugar, embora ele seja superado pelas taxas

encontradas nas faixas etárias subseqüentes, acreditamos que é nas faixas etárias

iniciais que são criadas as condições para o aumento significativo observado nas

faixas que lhes sucedem. Em terceiro e último lugar, dado seu lugar social, crianças e

adolescentes, num contexto conflagrado como se tem revelado a sociedade brasileira,

são segmentos especialmente vulneráveis, carentes, portanto, de providências

especiais que lhes protejam, quando, por vezes, as próprias famílias e demais círculos

básicos de socialização e proteção não o fazem.

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O espaço em que nossa pesquisa se realizou foi determinado por uma bem

vinda combinação de necessidade e contingência. A partir de um convênio entre a

Prefeitura de Nova Iguaçu e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o ISER foi

convidado para realizar um mapeamento das mortes causadas intencionalmente de

crianças e adolescentes em Nova Iguaçu. Iniciativa bem vinda, uma vez que uma das

dificuldades para lidarmos com o problema da letalidade intencional tem sido a

indisponibilidade de diagnósticos e de conhecimento qualificados sobre o fenômeno.

Reverter tamanho grau de desinformação não é fácil, mas é tarefa totalmente factível

e tenderá a causar impacto nas taxas se levada adiante com firmeza e seriedade.

Realizar tal experiência em Nova Iguaçu se justifica por seu histórico de violência

continuada ao longo de muitas décadas.

A pesquisa foi realizada, portanto, com uma dupla ambição. Mapear as mortes

intencionalmente provocadas em Nova Iguaçu. Além do interesse sociológico

embutido nesse tipo de inquirição, podemos, a partir dele, fornecer às autoridades as

indicações das áreas críticas de maior incidência de violência letal contra crianças e

adolescentes. Simultaneamente, o percurso foi concebido de forma a ser encarado

como uma pista para a formulação de modelos a serem adotados em outros

municípios brasileiros que porventura se imponham o mesmo desafio assumido pela

prefeitura de Nova Iguaçu com o aval da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Não pretendemos, que fique claro, estabelecer um modelo. Sinalizamos, apenas, com

algumas sugestões de percursos, fontes, problemas a serem contemplados. Outras

contribuições, esperamos, deverão somar-se às nossas, num trabalho em que

paternidades e autorias devem ser encaradas como preocupações menores diante do

imperativo de conferir mais solidez às bases civis e políticas da democracia brasileira,

bem como de robustecer o conhecimento acerca das dinâmicas da violência letal

intencional no Brasil.

No primeiro capítulo, possivelmente inspirados nas lições toquevilleanas

acerca do aprendizado que a história nos confere para a devida compreensão de

fenômenos sociais, estabelecemos um rápido relato sobre a formação histórica da

Baixada Fluminense e as conexões desta com a recorrência da violência e da

criminalidade na região. Longe de ser uma espécie de maldição inerente, ou

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destinação inevitável de uma determinada área, as dinâmicas pautadas pela violência

em Nova Iguaçu têm a ver com escolhas e artifícios humanos, ainda que os resultados

escapem a suas intenções originais. Têm a ver, portanto, com os rumos sociais,

políticos e culturais que atravessaram a história da formação dessa região em que

virtude e fortuna conspiraram de modo a pautar uma trajetória em que a violência e o

crime ocupam um lugar específico nas dinâmicas sociais e nas formas de construção

de um tipo específico de ordenamento político.

No segundo capítulo, apresentamos o cenário da violência letal em Nova

Iguaçu numa perspectiva nacional. A idéia de uma região insulada de seu contexto

mais geral é uma péssima companhia para quem quiser efetivamente entender o lugar

de Nova Iguaçu e o que ali se passa. Ainda nesse capítulo, fazemos nossa primeira

imersão no município, divisando os pontos de estrangulamento e alguns aspectos das

dinâmicas ali observadas.

No capítulo três, procedemos a um georreferenciamento dos casos de

vitimização letal intencional, tentando identificar as áreas mais conflagradas e o nível

de dispersão desses episódios, em geral, e dos casos específicos relativos à morte de

crianças e adolescentes no município.

No capítulo quatro, saímos da dimensão propriamente policial para

identificarmos o que a população de Nova Iguaçu, através do programa Disque

Denúncia, aponta como problemas cruciais do município no que diz respeito à

violência criminal. Operamos esse deslocamento por duas razões. Em primeiro lugar,

acreditamos que os episódios de violência letal só podem ser isolados de contextos de

conflitos mais amplos através de um procedimento artificial de caráter analítico. Na

prática, entendemos que esse universo está cercado por uma ambiência de agressões,

violações e disfunções do aparato de produção da ordem pública muito mais amplos,

que devem ser levados em consideração para a formulação de políticas para o setor.

Ainda no capítulo cinco, tratamos da mesma temática com um foco mais específico,

tendo por fonte o fluxo de atendimento de três conselhos tutelares em Nova Iguaçu.

Verificando tais fluxos e aprendendo com a experiência dos conselheiros tutelares

dedicados ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade,

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supomos verificar as fissuras de um padrão de sociabilidade que produz um volume

de mortes absolutamente inadmissível.

No capítulo cinco, alargamos nosso escopo para as instâncias afetas

diretamente às dinâmicas que geram os indicadores com que somos obrigados a lidar,

visando, também, verificar os ruídos e disfunções de um sistema que, a despeito de

estar, hoje, bastante equipado institucionalmente, funciona de forma insuficiente, ao

menos se levamos em conta os números sumarizados no capítulo dois.

Finalmente, no capítulo seis, apresentamos uma proposta de construção de um

sistema integrado de informações. Acreditamos que a construção de um sistema dessa

natureza pode ser extremamente útil para a orientação de iniciativas e de

investimentos do poder público para a redução dos índices de mortes voluntariamente

perpetradas contra crianças e adolescentes em Nova Iguaçu. Acreditamos que a

construção de um sistema dessa natureza não é propriamente fácil, mas as

dificuldades aí implicadas são muito mais de caráter político do que propriamente

técnicos. Elas, contudo, podem ser contornadas e aqueles que o fizerem certamente

carregarão consigo o mérito por terem se disposto a isso.

Deixemos explícito, em linhas gerais, o que buscamos e a que resultado

chegamos, sem prender a apresentação à ordem dos capítulos tal como seguem.

Temos uma convergência razoável, mas não absoluta, entre os bairros de maior

concentração de violência letal e de violência letal afetando crianças e adolescentes.

Esses bairros são preferencialmente áreas de grande concentração populacional, mas,

também, de serviços e agências do poder público, o que nos leva a crer que, a

despeito de alguns pontos graves em áreas mais distantes, é nos bairros centrais que

se concentram os maiores problemas de Nova Iguaçu quanto a questão aqui tratada. O

fato dessa concentração se dar onde há um maior número de serviços e equipamentos

públicos sugere que o desafio não está tanto na criação de mecanismos de controle e

de acesso a direitos, mas, sim, em seu funcionamento. Um dos problemas relativos ao

mau cumprimento das atribuições do poder público, aparentemente, diz respeito à

insularidade de cada setor de atendimento e prestação de serviços em relação aos

demais.

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Muitas das dinâmicas que vitimizam crianças e adolescentes têm a ver com

padrões sociológicos instituídos historicamente no município. À violência privada

soma-se o arbítrio de certas instituições públicas, resultando numa espécie de barril

de pólvora de acionamento continuado. O padrão de resignação frente a essa lógica

encontra-se ainda fortemente enraizado, mas são perceptíveis mudanças propiciadas

pelo advento de certas normas e marcos legais, bem como pela atuação, ainda que

precária, de algumas instituições. Dentre estas, cabe destacar duas. Os conselhos

tutelares revelam-se, em Nova Iguaçu, um promissor recurso de políticas públicas,

ainda que marcados, hoje, por uma carência de recursos técnicos que inibem o

adequado desenvolvimento de seu potencial. Acreditamos que está na radicalização

desse invento, associando uma sofisticação técnica a seu perfil original militante (que

deve ser preservado) um instrumento indispensável para políticas para crianças e

adolescentes em âmbito nacional. Tomada essa iniciativa, os conselhos podem

efetivamente funcionar como eixo agregador e integrador tanto das demais instâncias

públicas (ligadas aos poderes executivos e ao judiciário), quanto dessas com a

sociedade civil. Quanto a esta última, cabe atentar, dando seu devido valor, para uma

possível tendência associativa, novidade maior e melhor no contexto das discussões

sobre segurança pública no Brasil. Destroçadas pelos regimes autoritários que se

sucederam no Brasil, as instâncias associativas da região retomaram o fôlego

recentemente e têm no confronto à violência um dos seus princípios articuladores

mais relevantes.

No longo percurso que fizemos, tomamos contato com profissionais e atores

públicos imbuídos e comprometidos com seus respectivos trabalhos. Colecionamos

histórias estarrecedoras, algumas das quais relatadas parcial ou integralmente nas

páginas a seguir. Arriscamos, ao fim de cada capítulo e na conclusão, algumas

conclusões e indicações do que pode ser feito para o curto prazo que o fenômeno

impõe para sua superação. A avaliação sobre os avanços obtidos e a plausibilidade

dos postulados aqui defendidos é prerrogativa do leitor interessado.

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I. De Maxambomba à Baixada; da Baixada à Nova Iguaçu. Um histórico

de violência

Nas décadas de sessenta e setenta do século XX, a Baixada Fluminense

chegou a ser considerada a área urbana mais violenta do mundo. Nesse momento, a

Baixada era cenário regular de homicídios com traços suficientemente fortes para

aparecerem com destaque nas folhas policiais e nos meios de comunicação

especializados em crônica policial sensacionalista. Ações de justiceiros, corpos

abandonados com marcas de torturas e sevícias, chacinas, indícios de participação de

policiais em execuções sumárias, cadáveres encontrados com mensagens

ameaçadoras ou de grupos de extermínio acrescentavam invariavelmente um tom

mais sinistro a episódios cuja mera ocorrência, o assassinato, por si só já deveria

bastar para causar repulsa e indignação. O Brasil vivia, então, um período de ditadura

política e a recorrência quase naturalizada disso que virou uma prática e uma

característica de um conjunto de municípios tão próximos da mais conhecida e

glamorosa cidade do país fazia da Baixada Fluminense uma região marcada pelo

medo, a insegurança e o arbítrio de tempos sombrios.

A julgar pelos historiadores que reconstituíram a história da região, contudo, a

violência em sua configuração mais radical é bem mais antiga. A crônica da violência

letal na Baixada Fluminense confunde-se com a própria história de ocupação e

consolidação dessa área limítrofe à cidade do Rio de Janeiro. Ainda quando o que

hoje reúne mais de dez municípios era conhecido por Maxambomba, a violência era

marca da região e o mais utilizado instrumento de poder político. Lá se concentravam

senhores escravocratas que, em suas disputas intraelites, apoiavam quilombolas;

escravos fugidos que serviam a senhores que, posteriormente, os perseguiam, e

aventureiros que ou encapavam a mesma lógica ou despareciam numa região em que

cerca de metade de sua área era composta por pântanos e mangues sem qualquer

utilidade para a atividade produtiva.

Associada à violência, a pobreza. Os cultivos da cana e, muito posteriormente,

da laranja, jamais foram expressivos o suficiente para consagrarem uma era de

abundância, nem mesmo em seus períodos de maior intensidade. Entre um e outro, o

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papel de corredor no transporte do café para o porto do Rio de Janeiro se traduziu em

uma atividade dispendiosa, intensiva e dificultada pelas condições geográficas da

região, abandonada pela criação de linhas férreas que tornavam o fluxo dos centros

produtores para o porto mais rápido, racional e seguro. Datam do período de apogeu

dessa atividade as primeiras notícias de epidemia de malária e que indicavam o quão

propícias as condições locais eram para a disseminação de doenças infecto-

contagiosas. O mesmo eixo ferroviário que solapou a precária fonte de riqueza da

região no final do século XIX, foi também decisivo para novas configurações da

região.

A partir do início do século XX, o município de Maxambomba começa a

receber um grande fluxo populacional, em parte devido ao incremento da agricultura

citrícola, principalmente do cultivo da laranja, em parte devido a iniciativas do

governo federal, estimulando a construção de casas na cidade e nos distritos de

Nilópolis, Duque de Caxias e São João de Meriti. Em 1916, a antiga vila é rebatizada

como Nova Iguaçu. Já nas décadas de 1940, os três distritos mais urbanizados da

região se tornam autônomos compondo com a cidade matriz, Nova Iguaçu, a Baixada

Fluminense que, ao longo da democracia de 1945, será um importante reduto

eleitoral, uma fábrica de lideranças políticas locais que fazem carreira combinando

promoção de benefícios às populações pobres e intimidação, e um foco de tensões

sociais.

A literatura especializada costuma relacionar as dinâmicas que se instituíram

na Baixada às políticas adotadas para a cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente,

às estratégias de “higienização” da capital federal, posteriormente estado da

Guanabara e, finalmente, capital do novo estado do Rio de Janeiro. Segundo tais

versões, a Baixada foi receptáculo de levas de migração de setores empobrecidos da

população carioca expulsos da região central da cidade e mesmo de sua periferia mais

próxima. Do mesmo modo, foi pólo de atração de ondas migratórias do interior do

estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. A ocupação que fez com que os

municípios da Baixada crescessem em escala teve como uma de suas estratégias o

estímulo à ocupação de loteamentos de terras outrora utilizadas para o cultivo da

laranja, e viabilizada pelo desenvolvimento dos meios de transporte de massa. As

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casas, construídas às custas de seus novos ocupantes, foram se avolumando sem

qualquer infraestrutura ou planejamento.

Cidades como Nova Iguaçu, Belford Roxo, Nilópolis e, em menor escala,

Duque de Caxias se tornaram o abrigo de populações extremamente pauperizadas,

subempregadas e sem acesso a serviços como saneamento, saúde e segurança. O

sistema de transporte, ainda que tenha sido uma das molas propulsoras para a

ocupação da região, também estava longe de ser satisfatório, restringindo-se a

garantir o fluxo em massa de trabalhadores de baixa qualificação da Baixada para

seus postos de trabalho, em geral na cidade do Rio de Janeiro.

Esse é o enquadramento para as dinâmicas em que estiveram presentes os

protagonistas de um sistema em que não se tinha como verificar as fronteiras entre o

mundo legal e a ilegalidade, o crime e a ordem jurídica, homens de bem e criminosos.

Ao contrário, o que se erige e se consagra na região da Baixada nos anos 1960 e 1970

é um imbróglio em que os pares opostos se misturam e se confundem, tendo como

conseqüência a barbárie que consagrou a região com o nada honroso título já

mencionado anteriormente.

A marca diferenciadora da violência na Baixada nesse passado recente foi a

atuação aberta de grupos de extermínio. Estes eram (o uso do tempo pretérito aqui é

quase um recurso meramente expositivo, uma vez que há claros indícios de sua

permanência ainda nos dias de hoje) normalmente compostos por autoridades

policiais e justiceiros locais. Segundo relatos jornalísticos e esparsas pesquisas

históricas, esses grupos foram formados, financiados e apoiados por comerciantes

locais, legitimados por autoridades e complacentemente acobertados pelo poder

judiciário. O problema, porém, seria menos complexo se por aí parasse. Comerciantes

locais também participavam de execuções, matadores tinham acesso a cargos na

administração pública, incluindo órgãos do judiciário, os famigerados grupos por

vezes eram comandados por lideranças locais e, trata-se de mais do que de uma

simples lenda, muitas vezes funcionaram como uma espécie de escola de formação de

líderes locais. Certa vez, um pesquisador apurou, durante seu trabalho de campo, o

caso de um influente comerciante de Nova Iguaçu que, associado a um grupo de

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extermínio, tinha o improvável hábito de levar seu filho, ainda pequeno, nas

operações, para que o garoto desde cedo soubesse como se faz justiça e se garante

seus negócios.

Autores como Alves (1998) apontam a forma de intervenção dos governos

militares na região como uma das principais razões para que ela fosse palco do

arbítrio e da violência de grupos armados. Tal inferência procede. É difícil imaginar

que um Estado pautado pelo império da lei não disponha de recursos para mitigar a

proliferação e quase institucionalização desse tipo de procedimento para a produção

de uma ordem pautada pelo medo, pela instabilidade e pelo crime. Na ausência de

uma ordenação legal consistente e efetiva, a violência se firmou como linguagem

comum compartilhada, pela qual se dirimiram conflitos, se estabeleceram sentenças e

se consagraram nichos de poder.

Utilizada como instrumento de dominação, a violência foi incorporada

também em manifestações de resistência, reação e inconformismo pelos mais

desvalidos que, em situações limites, acabaram inscrevendo seus nomes na crônica da

Baixada mediante o uso das mesmas armas de que foram vítimas. São casos como o

de Dona Ilda do Prado (conhecida, também, como Ilda do Facão ou Ilda Furacão) e as

justiceiras do Capivari, que, tomando para si o papel de defenderem a comunidade a

partir de um episódio isolado, tornaram-se figuras emblemáticas de um tipo de

resistência que, invariavelmente, leva à morte e à reprodução da cadeia

aparentemente irrepresável de assassinatos (Monteiro, 2007)1.

A opacidade própria de regimes de exceção é adubo perfeito para proliferarem

acordos celebrados na calada da noite, convênios espúrios entre criminosos que,

diferentes em natureza, compartilham a mesma flexibilidade e complacência para

com a violação dos marcos legais. Assim, foi no regime militar que, com o endosso

das autoridades federais, uma família de comerciantes que enriquece com a prática da

1 Descrito por Linderval Augusto Monteiro, o caso de Dona Ilda é paradigmático de um tipo de

personagem que, diante do desamparo em relação ao aparato de serviços públicos, segurança inclusive, assume o papel de justiceiro, cuidando da segurança local, arregimentando adesões e apoio popular.

Alguns desses personagens acabaram seguindo bem sucedidas carreiras políticas, associando práticas

clientelistas ao uso da violência, abduzidos pelas dinâmicas locais convencionais. Outras, como Dona

Ilda, acabaram encontrando a morte violenta. Em seu caso, assassinada na porta de sua casa.

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contravenção ascende ao poder em Nilópolis, tornando-se o mais influente e poderoso

ator político do município. É com base nas leis de exceção que as lideranças

organizadas em torno de sindicatos e associações são abatidas uma a uma, deixando

espaço livre para os orquestradores do consórcio que uniu poder político e crime.

Como funciona essa engrenagem? Tomemos um caso específico, que ganhou

manchetes, arrastou-se durante anos e é relatado por Alves (idem) em seu estudo

sobre a Baixada, tomando-o como paradigma. O cenário: Vila de Cava; distrito

periférico e longínquo de Nova Iguaçu. Numa noite de agosto de 1974, dois jovens,

um de 17 anos, e outro, de 15, o segundo jamais identificado, são postos contra um

muro da Rua das Rosas e fuzilados com cerca de cinqüenta tiros de metralhadora. O

garoto cujo nome foi identificado, apurou-se logo, não tinha qualquer passagem na

polícia. Relatemos brevemente o caso reconstituído por Alves.

A ação fora coordenado por um ex-subdelegado de Nova Iguaçu, a partir de

denúncia da dona de uma padaria que fora assaltada e seviciada por um grupo de

ladrões. Sem obter resposta positiva da delegacia policial, a comerciante procurou a

ajuda extralegal. Após a investigação privada, os matadores acabaram identificando

equivocadamente os dois jovens como responsáveis pela ação contra a comerciante.

Feita a identificação, o destino dos dois adolescentes estava selado.

A execução ganhou destaque na imprensa especializada nesse tipo de episódio

e despertou interesse generalizado. Foi a própria imprensa que localizou quatro

moradores da região que testemunharam a ocorrência. Levadas a depor, elas

descreveram o episódio com detalhes, atestaram a execução sem resistência dos

jovens e declararam a inocência da vítima identificada. Em seus relatos, confirmaram

que os matadores estavam num carro da polícia de Nova Iguaçu (a rigor, os

matadores agiam abertamente e sem preocupações em terem seus vínculos oficiais

identificados). Posteriormente, contudo, as testemunhas recuaram no tom incisivo de

seus depoimentos iniciais. Nessa época, assim como hoje, assumir esse papel

representava tornar-se objeto de intimidações e aqueles que se mantinham firmes com

freqüência acabavam mortos.

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As investigações, sempre com a pressão da mídia que cobria o caso, levaram

a dois soldados da Polícia Militar. Ambos assumiram o crime, relatando-o, porém,

como resultante de uma incursão em que teriam sido alvo de resistência de cinco

elementos com os quais teriam trocado tiros. Entre estes, estariam os dois jovens

assassinados. Presos e interrogados, os réus confessos deram depoimentos

contraditórios, apresentaram versões implausíveis sem qualquer coesão ou coerência.

O caso da Rua Rosa ganhou tamanha proporção que levou o então presidente

da República a solicitar a intervenção do governador do estado para sua elucidação. O

resultado final, já no final na década de 1970, após um total de dois julgamentos, da

construção de um sem número de estratagemas voltados para a absolvição dos

matadores, da indisponibilidade de qualquer testemunha de acusação e do uso de

outros recursos próprios do período foi a impunidade daqueles que certamente

funcionaram como bodes expiatórios de um grupo do qual faziam parte sem serem

dele peças de comando. Alves sintetiza:

“No dia do julgamento, o promotor declararia aos jornais que o seu trabalho

quase se constituiu em evitar que a polícia incriminasse os mortos. Para atenuar a

culpabilidade dos dois soldados, ela pretendia apresentar os mortos como perigosos

assaltantes. Desse modo, chegaram a falsificar ocorrências não apuradas para

atribuir-lhes a autoria.(...) Não houve, porém, nenhuma testemunha apresentada pela

promotoria. No auditório, estavam aproximadamente 200 pessoas, na sua maioria

policiais. Não havia nenhum parente das vítimas ou testemunha do fuzilamento.(...)

Enquanto durou o caso da Rua das Rosas, vários elementos foram sendo

identificados, revelando pela primeira vez os mecanismos de uma execução e dos

processos de julgamento. A atuação ilegal de policiais militares enquanto

investigadores e matadores; o financiamento desses policiais por comerciantes; a

ação da corporação dos policiais militares e mesmo dos hierarquicamente superiores

na construção de versões e no apoio a seus pares acusados; o medo das testemunhas,

a sua total fragilidade, a proteção inexistente a elas no julgamento; a pressão dos

policiais militares sobre os jurados; as vinculações do governo estadual com essa

estrutura, expressa na sua impotência e consentimento, enfim, um esquema

Page 18: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

18

construído para garantir o funcionamento e a perpetuação de uma estrtura de

execuções sumárias” (Alves; 133-135)

Como fica claro pelo relato anterior, o caso da Rua das Rosas é emblemático

pela impunidade e pelo beneplácito do poder público: polícia, política, promotoria e

tribunal, por caminhos os mais tortuosos, concertam para a impunidade e a não

elucidação das execuções sumárias. A morte por engano de dois jovens (não é demais

lembrar a idade das vítimas – 15 e 17 anos) atesta a gratuidade da vida, bem como

sugere o que havia de errático e arbitrário no funcionamento dessa engrenagem. Os

“erros”, e eram muitos, ao fim e ao cabo não comprometiam a “eficácia” do sistema.

A Arquidiocese de Nova Iguaçu, um dos poucos bastiões de resistência legal que não

foram totalmente aniquilados pela repressão policial e política, apresentava, em suas

denúncias, o enorme volume de vítimas inocentes, sem qualquer passagem pela

polícia, cujos corpos eram encontrados a céu aberto, muitas vezes com dizeres do

gênero “esse não rouba mais” ou “esse não estupra mais ninguém”. Eram comuns,

também, serem deixadas as iniciais do esquadrão da morte, uma espécie de grupo

paramilitar comprovadamente formado por agentes policiais, que atuava e se tornava

a lei impessoal da Baixada sob o endosso tácito ou aberto das autoridades.

Interessa também destacar que a ênfase, mesmo entre aqueles que

denunciavam a atuação desses grupos, era maior quando sua atuação atingia

inocentes. Embora não fosse essa a intenção, tal abordagem sugere uma espécie de

aceitação tácita ao tipo de intervenção dos grupos de extermínio, desde que

atingissem indivíduos efetivamente comprometidos com atividades criminosas. Esse

traço, frequentemente desconsiderado, do discurso público sobre a atuação de grupos

e justiceiros desconsidera o caráter inaceitável de execuções extrajudiciais

independentemente da ficha criminal de suas vítimas. Há fortes indícios de que tal

aceitação parece ainda muito comum.

Que não se confunda a arbitrariedade e as largas margens de “erro” da atuação

desses grupos com desorganização e anarquia. Antes do advento das ONGs e das

associações que surgiriam com força nos anos 1980, esses consórcios de matadores já

sabiam atuar em rede. O território da Baixada era todo ele dividido por grupos

Page 19: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

19

comandados por personagens como Carlinhos blá-blá-blá, Paulinho Dedo Nervoso,

Pintado, João Gordo, Pedro Capeta, entre outros. Eventuais dissensos eram,

naturalmente, resolvidos a bala, e o destino da maior parte desses heróis às avessas ou

é ignorado ou foi o mesmo de suas vítimas. Desse sistema também fizeram parte, ao

que tudo indica, policiais que se tornaram famosos, além de, em certos casos, terem

saído dele alguns personagens que galgaram posições de relevo na vida política local

e estadual.

É importante ressaltar que a violência na Baixada Fluminense foi destaque

bem antes de se tornar um dos grandes temas nacionais, a partir de meados dos anos

1980. O crescimento da violência nas grandes cidades brasileiras, em geral, e na

cidade do Rio de Janeiro, em particular, verificado no último quarto do século

passado, teve como uma de suas conseqüências uma espécie de deslocamento de

foco. No caso do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, as chacinas, comuns,

sobretudo, nos municípios mais conflagrados da Baixada – Belford Roxo, Duque de

Caxias e Nova Iguaçu – passaram a ser usuais em outras áreas da Região

Metropolitana e na própria capital, com destaque, nesse último caso, para aquelas

ocorridas no ano de 1993, em Vigário Geral e na Candelária. Nesse período, contudo,

a atuação de grupos de extermínio, que caracterizava o lado mais sombrio da

violência na Baixada, passa para segundo plano em relação às atividades dos grupos

ligados ao comércio varejista de drogas, principal foco dos debates públicos nos

últimos vinte e cinco anos. Ao deslocamento temático associa-se uma mudança

territorial de foco. No novo contexto dos problemas relativos à violência, a capital do

Rio de Janeiro ganha destaque em relação às demais áreas do estado, passando a ser

ela, agora, e sua centenas de comunidades pobres, identificada como o grande centro

de ocorrência de mortes violentas intencionalmente perpetradas.

O referido deslocamento, que reduz a visibilidade e as atenções à violência

letal na Baixada Fluminense, tem mais a ver com o seu crescimento na cidade do Rio

de Janeiro do que propriamente por uma pacificação dos municípios no seu entorno.

Trata-se muito mais de um realinhamento em virtude da degradação das condições de

segurança em outros espaços do que de uma melhora das condições na Baixada, o

que, de certo modo, acaba por significar uma piora da situação dessa última. Sem

Page 20: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

20

despertar tanto interesse da mídia, a violência na Baixada passa por uma espécie de

reorganização decorrente das novas configurações do mundo do crime e das relações

deste com as instituições estatais, sem merecer a atenção de outrora e sem que

aspectos do passado recente tivessem mudanças significativas. Um exemplo disso é a

chacina ocorrida em Nova Iguaçu e Queimados, em 2005.

Na noite de 31 março de 2005, um grupo de homens armados matou

aleatoriamente e em série vinte e nove pessoas nos municípios de Nova Iguaçu e

Queimados. A ação, apurou-se, foi perpetrada por onze policiais militares lotados no

15◦ Batalhão da Polícia Militar, em Duque de Caxias. Ainda segundo a investigação,

a chacina foi uma reação à operação Navalha na Carne, que tinha como objetivo

investigar e erradicar crimes de policiais e seu envolvimento em mortes

extrajudiciais. Nove policiais foram presos e cinco indiciados e julgados. A ação, bem

como suas motivações, é elucidativa da permanência de dinâmicas antigas na região.

Sua visibilidade, porém, se deu em função da magnitude, da gratuidade e da

aleatoriedade na escolha das vítimas (tudo o que tinham em comum era o fato de

serem de classe popular e moradores de áreas pobres, sem passagem pela polícia).

Como veremos mais adiante, há alguns elementos que diferenciam os

desdobramentos desse episódio daqueles tão recorrentes nos anos 1960 e 1970. No

entanto, a despeito disso, um certo padrão comum de um passado nem tão longínquo

também pode ser verificado e atesta a perpetuação de ações extralegais com

participação de policiais e a clara intenção de agir ostensivamente como forma de

demonstração de poder (a cabeça de uma das vítimas foi cortada e lançada ao fundo

do Batalhão cujo comando encampava a política de combate aos grupos de que,

certamente, faziam parte os assassinos). Importante, contudo, destacar que as polícias

são apenas uma das instâncias estatais que alimentam esse padrão, perpetuado por

acordos políticos tácitos, partilhas de áreas de influência e controle (eleitoral,

inclusive), e ineficiência dos órgãos de Justiça.

Aprendizados, em geral, são extraídos de experiências dolorosas, que

envolvem dor, perdas e perplexidades. Seria desejável que fosse diferente, mas assim

costumam caminhar as coisas. O caso da última grande chacina da Baixada ensina

que, a despeito dos problemas relativos à segurança pública se terem complexificados

Page 21: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

21

e suas dinâmicas terem transbordado as inóspitas fronteiras dos empobrecidos e

outrora abandonados municípios da Baixada Fluminense, essa é uma região que

segue exigindo intervenções efetivas do Estado e de seu aparato de justiça criminal,

para a consagração de uma ordem legal e pautada pelos preceitos do direito. Na

primeira década do século XXI, essa região mudou drasticamente do ponto de vista

sócio-econômico. Nela existe hoje uma variada rede de serviços e de comércio. Suas

atividades econômicas atuais inverteram a natureza de cidades dormitório que

predominava décadas atrás. Condomínios de classe média com razoável estrutura

dividem espaço com ruas esburacadas e habitações populares. Há, portanto, focos de

prosperidade, pouco comuns há pouco tempo. No entanto, a pobreza, a indigência, o

arbítrio, a violência e, consequentemente, a insegurança, seguem dando o tom.

Embora a piora das condições de segurança de outros centros, como o da

própria capital, tenham minimizado o impacto e o interesse das autoridades e da

mídia a respeito da violência, ela está presente e, como veremos, segue colocando

suas principais cidades, como Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis e Belford

Roxo (os três primeiros sendo, juntamente com São João de Meriti, os municípios

mais antigos da Baixada) entre as mais violentas do país. Se, outrora, a sua

proximidade com a capital causava apreensão sobre possíveis efeitos de

contaminação e migração das dinâmicas (que, ao fim e ao cabo, ficaram represadas

em suas fronteiras) para a cidade do Rio de Janeiro, hoje temos uma espécie de

nivelamento de taxas e uma tendência a padrões de circulações recíprocas entre a

capital e a sua periferia. As novidades mais alvissareiras são o fim do regime de

exceção e o fortalecimento, ainda que lento e cheio de idas e vindas, dos mecanismos

necessários para a contenção das práticas criminosas, o fim da impunidade e a

consolidação do Estado e de seus poderes legítimos.

Para o avanço na direção apontada no final do parágrafo anterior, é necessário,

antes de tudo, lançar mão dos recursos hoje disponíveis e qualificar de modo preciso

quais são as dinâmicas que efetivamente estão em curso. Para tanto, teremos como

foco privilegiado o município de Nova Iguaçu, espécie de célula original da região.

Neste município, daremos atenção especial aos mais jovens, às crianças e aos

adolescentes vítimas da violência letal cujas proporções já ameaçam incidir sobre o

Page 22: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

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perfil etário da população fluminense. O próximo capítulo dedica-se à contabilização

das mortes violentas causadas intencionalmente em Nova Iguaçu, com ênfase em um

de seus segmentos mais vulneráveis, as crianças e os adolescentes que vivem no

município.

II. Mortes violentas em Nova Iguaçu

Foi em torno da metade dos anos 1980 que a violência urbana nas grandes

cidades passou a ocupar, pouco a pouco, um lugar de destaque na agenda pública

brasileira. Para nosso caso específico, podemos dizer que o auge da violência

criminosa letal que caracterizava a Baixada Fluminense, nas duas décadas anteriores,

era tida como um problema local, circunscrito a uma região específica e decorrente de

peculiaridades suas. O grande fantasma de então era a expansão dessa lógica para

uma área tão próxima como a cidade do Rio de Janeiro. Vivia-se, então, uma espécie

de temor da contaminação que a área vizinha, moradia de vastos segmentos da

população pobre subempregada poderia causar à capital.

A negligência com que o poder público lidava com as questões relativas à

segurança pública na Baixada se traduzia não somente na omissão, no acobertamento

dos crimes por parte de autoridades do Estado e na impunidade. Ela se revelou de

forma igualmente dramática quando, diante do imperativo de intervir num processo

de crescimento de episódios de violência não mais circunscritos à periferia,

constatou-se a indisponibilidade de mecanismos até mesmo para a feitura de

diagnósticos que orientassem ações planejadas. A inexistência de informações

confiáveis, a ausência de mecanismos de controle e de planejamento e o despreparo

de profissionais de segurança pública davam o tom de um setor até então ignorado

pelas elites políticas. A negligência para com esse tema foi, por décadas,

compartilhada por todo o espectro ideológico e político do Brasil. Dos setores mais

conservadores, às correntes mais progressistas, a segurança pública era tratada como

um problema menor. Espécie de epifenômeno do padrão de dominação de classe, para

a esquerda, e resultado de distorções próprias do comportamento das classes

perigosas, para a direita, a violência não era tema que exigisse e merecesse muita

Page 23: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

23

reflexão: resolvia-se com a revolução, para uns, ou com a mera repressão, temperada

com alguma dose de assistencialismos, para outros2. Apenas a título de exemplo da

indigência do setor de segurança pública, até os anos 1980, no estado do Rio de

Janeiro, os registros de ocorrência para homicídios eram contabilizados e

sistematizados pela polícia por episódio criminal. Desse modo, um homicídio com

uma vítima e uma chacina que resultava em várias mortes eram computados nas

estatísticas policiais (a expressão nesse caso é quase uma licença retórica) da mesma

forma, cada um deles abordado analiticamente (outra licença retórica) como um único

caso. Ora, na vala comum da noção genérica de homicídio, eram jogados

indistintamente casos os mais variados, derivados de dinâmicas distintas e, o mais

grave, produzindo um número maior de mortos do que aquele que os incautos eram

capazes de supor à luz da contabilização que reduzia qualquer evento,

independentemente do número de vítimas nele produzidas, a um.

Desde então, um longo percurso foi coberto. Muito pequeno, contudo, em

relação ao que resta a ser feito para a consolidação de um sistema de segurança

pública eficiente, informado, racional e transparente. Como evidenciaremos em várias

passagens, o volume de dados sem informação nos registros de homicídios é

estarrecedor, o que alimenta a desinformação daqueles que são responsáveis pela

elaboração de diagnósticos e formulação de estratégias. Além disso, e mais

preocupante ainda, o volume de dados desconhecidos concorre para as altas taxas de

irresolução e, consequentemente, para a impunidade que, como todos sabem, acabam

se tornando vetores para a perpetuação desse ciclo de violência letal que se estende há

décadas em patamares tão elevados.

O conteúdo desse capítulo é basicamente extraído dos avanços já alcançados.

Por ele, poderemos falar de forma razoavelmente informada de alguns dos aspectos

da violência letal intencional em Nova Iguaçu. Ao longo da exposição, serão

apontadas, também, as inumeráveis brechas, zonas cinzentas e desinformações

2 Embora esse seja um dado histórico mencionado por vários especialistas, destacamos, aqui, a

recorrência com que Soares (2007) o discute, com atenção crítica especial à postura das correntes de

esquerda. De certo modo, por sua omissão, as esquerdas acabam deixando o campo livre para que as

práticas discricionárias e arbitrárias dessem o tom da segurança pública no país por muitas décadas.

Page 24: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

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decorrentes da precariedade e negligência acumuladas, e que precisam ainda ser

sanadas.

II.1. Nova Iguaçu no cenário nacional

A inexistência de um sistema de informação criminal integrado em âmbito

nacional torna inviável estudos comparativos sobre as dinâmicas da criminalidade no

Brasil. A exceção é justamente quando a violência envolve letalidade. Nesses casos,

os pesquisadores se utilizam dos dados do Ministério da Saúde que cobrem todo o

território nacional de forma padronizada e apresentam alto grau de confiabilidade.

Através do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), é possível ter acesso às

informações sobre todas as mortes, suas causas, local de ocorrência, além de dados

básicos como idade, sexo, profissão e local de moradia das vítimas. Como é previsto

por lei federal que qualquer sepultamento só pode ocorrer mediante a formalização do

registro de óbito e este deve ser feito no local em que a morte se deu, temos, no que

diz respeito às causas mortes, informações suficientes para traçar um quadro geral das

mesmas e, no interior desse grande universo, daquelas decorrentes de violência

externa causada de forma dolosa.

Com base nessas informações, o Ministério da Justiça tem publicado a cada

dois anos, desde 1998, um Mapa da Violência Letal no Brasil. Em sua versão

publicada em 2008, com dados até 2006, temos um quadro geral dos municípios

brasileiros e da situação de Nova Iguaçu nesse contexto. Na série histórica composta

entre os anos de 1996 e 2006, o total de homicídios no Brasil passou de 38.888 para

46.660. Essa mudança representa um crescimento de 20,0% de homicídios dolosos

ocorridos no país. Entre 1996 e 2003, o número de homicídios aumentou com uma

taxa média de 4,4% ao ano. De 2003 para 2004, observamos a primeira queda das

taxas nacionais, da ordem de 5,2%. A partir daí, a linha seguiu em queda menor,

ainda que constante. Entre 2003 e 2006, último ano trabalhado no referido mapa, a

média de redução anual foi de 2,9%. A partir dos dados coligidos no mapa,

aprendemos que 73,3% dos homicídios dolosos corridos no Brasil concentram-se em

556 municípios, ou seja, em 10% do total dos municípios brasileiros. A título de

Page 25: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

25

introdução de nossa análise sobre Nova Iguaçu, vejamos como esse município se

situa no quadro nacional3.

Tomando o período entre 2002 e 2006, Nova Iguaçu apresenta uma taxa

média de 64,2 homicídios por 100 mil habitantes. Com esse resultado, o município

ocupa a quinquagésima nona posição entre os 556 municípios selecionados para o

estudo, ficando atrás, entre os municípios do estado do Rio de Janeiro, de Macaé –

15◦; Duque de Caxias - 21◦; Cabo Frio – 30◦; Itaguaí – 32◦; Armação de Búzios –

35◦; Saquarema – 45◦ e um pouco a frente de Nilópolis, que ficou em sexagésimo

nono lugar. Dessa perspectiva, Nova Iguaçu ocupa a sétima posição entre os

municípios fluminenses e a segunda da Baixada Fluminense. Se, tomando o ano de

2006 como referência, listamos os 200 municípios com maiores números absolutos de

homicídios, Nova Iguaçu encontra-se em décimo terceiro lugar. Em relação a esse

dado, cabe destacar que entre os quinze primeiros, apenas Duque de Caxias (na 10◦

posição) e Guarulhos, que faz parte da Região Metropolitana de São Paulo e está em

décimo quarto lugar, além de Nova Iguaçu, não são capitais.

As informações apresentadas no parágrafo anterior são bastante desfavoráveis

para uma visão otimista em relação a Nova Iguaçu e à Baixada de uma forma geral.

Ela fica mais sombria, quando avançamos para o capítulo dedicado à juventude.

Seguindo a categorização da OMS, juventude, no estudo de Waiselfisz, compreende a

faixa entre 15 e 24 anos. No ano de 1996, 13.186 mortos pelo uso voluntário de

violência estavam nessa faixa etária. Em 2006, esse número chegou a 17.312, o que

representa um aumento de 31,3% em dez anos. Para esse grupo específico, Nova

Iguaçu detém, entre 2002 e 2006, a taxa média anual de 117,7 vítimas por 100 mil

habitantes, ocupando, com isso, a sexagésima sexta posição nacional. Entre os

municípios fluminenses, ela fica em décimo segundo lugar, atrás de Duque de Caxias

– 8◦; Carapebus – 16◦; Macaé – 18◦; Nilópolis – 24◦; Niterói – 27◦; Armação de

Búzios – 31◦; Itaboraí - 33◦; Itaguaí - 34◦; Cabo Frio – 39◦; Belford Roxo – 52◦; São

Pedro da Aldeia – 65◦.

3 Os dados utilizados para situarmos o município de Nova Iguaçu num quadro nacional foram extraídos,

portanto, de Waiselfisz (2008)

Page 26: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

26

Que o leitor apressado não se engane: a despeito do elevado número de

municípios a frente, a gravidade da incidência de homicídios entre a população da

faixa de 15 a 24 anos em Nova Iguaçu é bastante alta, assim como é desconcertante o

elevado número de municípios fluminenses na lista dos duzentos em que ocorrem

mais mortes entre jovens. Seguindo o mesmo procedimento da descrição para as

mortes entre o total da população, vejamos a participação de Nova Iguaçu quanto aos

números absolutos de 2006. Nesse caso, Nova Iguaçu ocupa a décima quinta posição

com uma taxa de 158 mortes de jovens por 100 mil habitantes. Nessa lista em que dos

quinze primeiros, além de Nova Iguaçu, apenas Duque de Caxias (9◦), Jaboatão dos

Guararapes (12◦) e Guarulhos (14◦) não são capitais, o município do Rio de Janeiro

ocupa o nada honroso primeiro lugar.

Informações como estas, produzidas a partir de macro dados que apresentam o

quadro nacional, são cruciais e deve chegar o momento em que haja um sistema de

segurança pública dotado dos recursos de produção de informações equivalentes aos

que hoje existem no campo da saúde. Por outro lado, elas são insuficientes em vários

aspectos. Os dados da saúde permitem comparações exatamente por serem

padronizados e viabilizados por um sistema único de informações, criado a partir de

uma legislação federal. A consolidação de tal sistema permite que as taxas de

subnotificação fiquem muito próximas de zero e a qualidade dos preenchimentos na

ponta do sistema são bastante satisfatórias. Por outro lado, os registros de óbito

indicam o local de ocorrência da morte, o que muitas vezes não coincide com o local

em que se deu a agressão que causos o óbito. Vítimas de agressão são muitas vezes

removidas para hospitais distantes, em alguns casos em municípios vizinhos, e neles

vêm a falecer. No campo da saúde, será esse último o lugar de registro de óbito, o

que, para um mapeamento mais detalhado de áreas conflagradas em territórios de

menor extensão, como municípios ou bairros, acaba representando uma perda

considerável. Como para a abordagem que propomos a perspectiva comparativa em

âmbito nacional é secundária em relação à localização territorial dos episódios, os

dados policiais, que registram o local de ocorrência do evento que resulta em morte,

acaba sendo a melhor fonte de dados para análise, a despeito dos inumeráveis

Page 27: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

27

problemas de registro, de subnotificação e de ausência de informações cruciais que

acabam sendo negligenciadas já no momento original de preenchimento dos dados.

Priorizar esse tipo de mergulho justifica-se pelo imperativo de compreensão

mais detalhada sobre os padrões locais de conflitos que concorrem para a incidência

de agressões letais. Tal imperativo se torna mais evidente quando a abordagem dos

problemas que incidem na produção acentuada de mortes causadas voluntariamente

por meio do uso da violência passa a ser reconhecida como atribuição também dos

poderes locais.

Desde o início da presente década, ganhou força a tendência dos poderes

locais reconhecerem que também têm o que fazer no que tange a políticas de

segurança pública. Há algumas boas razões para isso:

1. embora seja plausível que o fluxo de violências tenha componentes

estruturais, sua configuração obedece a fatores muitas vezes de natureza local.

Municípios podem ser bastante semelhantes no que tange às suas taxas de homicídios

ou pelo número absoluto de mortes provocadas dessa forma, mas revelarem

dinâmicas, fatores causais e distribuição espacial das mortes muito diferentes entre si.

Muitos desses fatores podem estar relacionados a questões extrapoliciais e podem ser

abordadas mais eficazmente se são acionados recursos públicos não diretamente

atrelados ao aparato de justiça criminal. Ruas mal iluminadas, espaços públicos

abandonados, áreas que concentram espaços destinados ao consumo de drogas ou

bebidas alcoólicas podem ser, ensina a literatura especializada, vetores importantes na

produção de conflitos letais em determinadas regiões. Muitos desses e outros vetores

que concorrem para a violência letal podem ser abordados a partir de medidas

inscritas no mandato de prefeituras e legislativos municipais.

2. a Constituição de 1988 consagrou a segurança pública como área de

atuação dos governos estaduais, cabendo-lhes, nesses termos, a definição das políticas

mais adequadas a sua respectiva unidade federativa e o comando dos órgãos de

segurança pública, basicamente identificados nas polícias civis e militares. Tal

determinação, acertada do ponto de vista do pacto federativo, não exclui, porém, o

reconhecimento de que, embora às instâncias policiais caiba o papel precípuo de

Page 28: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

28

manutenção da ordem e de desencadeamento das ações previstas por lei quando de

sua violação, o campo da segurança pública é mais vasto e complexo. Ele implica o

funcionamento adequado e ordenado pela lei de uma série de instâncias do poder do

Estado e uma série de mecanismos que estão além do poder dos governos estaduais.

3. por sua própria natureza, o poder municipal é dotado de maior capilaridade,

comparado aos demais entes da federação, dispondo de mecanismos mais ágeis de

proximidade e de ausculta junto às populações sob sua jurisprudência. A participação

do poder local na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de um

sistema de segurança pública integrado é reconhecida, hoje, como fundamental para o

sucesso nas tentativas de redução da violência criminal, de modo geral, e da violência

letal, mais especificamente.

4. o item anterior decorre da constatação, mais de vinte anos após a questão da

violência se tornar um dos principais problemas sociais brasileiros e, talvez, o maior

desafio para a consolidação de um Estado Democrático de Direito no país, de que as

fórmulas tradicionais de lidar com a violência são insuficientes e inaceitáveis.

Basicamente, a segurança pública foi pensada, durante décadas, como problema de

polícia. Trabalho de polícia, por sua vez, costuma ser encarado como combate ao

crime e enfrentamento de criminosos. Entender a segurança como um bem a cujo

acesso todos os cidadãos têm direito e como condição de possibilidade para a fruição

de outros direitos fundamentais implica uma mudança radical de foco. Mais

especificamente, implica o cumprimento de tarefas voltadas para a prevenção da

violência e para a sua redução a níveis o mais próximos possível de zero. Para isso, é

crucial dispor de informações, definir prioridades e avaliar estratégias cientificamente

sustentadas.

Do quadro geral, apontado no mapa da violência citado anteriormente,

devemos, portanto, passar para uma investigação mais detalhada e fina do que se

passa nas regiões mais conflagradas, passando do estado para o município, deste para

o bairro até chegarmos às informações mais detalhadas que nos permitam identificar

pontos de concentração, perfis de vulnerabilidade e dinâmicas prevalecentes. Apenas

munidos dessas informações, podemos sentir-nos suficientemente informados para o

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29

estabelecimento de prioridades, estratégias e mecanismos de intervenção efetivas. É o

que passamos a fazer a partir de agora, tomando como referência o caso do município

de Nova Iguaçu.

II.2. A violência letal e a violência letal que atinge crianças e adolescentes

em Nova Iguaçu

No intuito de analisar o panorama da violência letal contra crianças e

adolescentes em Nova Iguaçu, este estudo lançou mão dos microdados do Instituto de

Segurança Pública do Rio de Janeiro, produzido através dos Registros de Ocorrência

(ROs) da Polícia Civil para os anos de 2006, 2007 e 2008. Para o cálculo das taxas

dos Crimes Letais Intencionais utilizou-se também as projeções populacionais

elaboradas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para obtenção

das informações referentes à população residente das áreas analisadas neste estudo

(Município de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro (Capital) e Estado do Rio de Janeiro.

Os dados fornecidos pelo ISP-RJ apresentam algumas dificuldades de análise,

devido, entre outros aspectos, à alta porcentagem de subregistros de algumas

informações. Muitas variáveis apresentam uma alta proporção de dados não

informados nos Registros de Ocorrência. Adicionalmente, encontramos muitas

dificuldades quanto às informações referentes aos municípios onde ocorreu o delito

(possivelmente por erro no preenchimento das informações). Grande parte dos dados

dos municípios precisou ser corrigida, seja porque o campo não estava preenchido de

forma correta, seja porque no campo destinado ao nome do município da ocorrência

constavam nomes de bairros. Em alguns casos não foi possível fazer a recodificação,

pois os nomes informados não constavam na lista oficial fornecida pelo governo do

estado do Rio de Janeiro4. Para esse estudo específico, em que buscamos

4 É importante salientar que Nova Iguaçu sedia três delegacias de polícia, mas apenas duas delas são

informatizadas e equipadas com os recursos das chamadas delegacias legais. Além disso, as delegacias

cobrem áreas delimitadas a partir de critérios próprios da Secretaria de Segurança Pública do Estado do

Rio de Janeiro, que não coincidem com outras delimitações oficiais e extrapolam, por vezes, os limites do

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30

georreferenciar os casos de violência letal intencional, fomos obrigados a tomar

outras providências metodológicas, que serão explicitadas oportunamente. Por ora,

cabe mencionar que, também em virtude das características da base de dados da

Secretaria Estadual de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, procedemos à análise

a partir da agregação de casos que, no banco de dados oficial, encontram-se

separados.

Tal como aparecem na base de dados da Polícia Civil, os casos de homicídios

dolosos são tipificações mais gerais de algumas variáveis um pouco mais específicas

em que, segundo o entendimento da autoridade responsável pelo registro da

ocorrência, fica caracterizado o dolo no cometimento do crime letal. Temos assim,

uma série de episódios inequivocamente caracterizados como homicídios dolosos.

Ocorrem, porém, não poucos casos em que o campo em que a definição mais

específica deixa patenteada uma agressão com intenção de provocar a morte da

vítima, mas na categorização mais geral não são registrados como homicídio doloso.

Por essa razão, optamos por redefinir nosso foco, abandonando o termo mais usual,

homicídio doloso, e incorporando todos os casos em que fica caracterizada a agressão

com intenção letal nas categorias violência letal intencional ou crimes letais

intencionais, doravante utilizadas nesse trabalho. Embora semanticamente a distinção

entre ambas as terminologias por nós adotadas e a mais comum – homicídios dolosos

- possa parecer quase nula, substantivamente tal redefinição permite-nos tratar de um

fenômeno que vai além daquele que, ao menos no entendimento das autoridades

policiais responsáveis pelos registros, caracteriza um universo mais restrito. Por

violência letal intencional, agregamos os episódios registrados como: extorsão

seguida de morte/homicídio, homicídio, homicídio provocado por arma branca,

homicídio provocado por auto de resistência, homicídio provocado por pedrada,

homicídio provocado por PAF, homicídio provocado por asfixia, homicídio

provocado por paulada, homicídio provocado por queimaduras, lesão corporal

seguida de morte/violência doméstica, lesão corporal seguida de morte/violência

doméstica provocada por arma branca, lesão corporal seguida de morte provocada por

município. Finalmente, por razões que não fomos capazes de elucidar, alguns episódios residuais de nosso

universo, foram registrados em delegacias que não estão sediadas no município.

Page 31: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

31

socos, tapas ou pontapés, maus tratos com resultado morte por afogamento e remoção

para verificação de óbito. Muitos desses casos apareciam, na rubrica geral, com

definição outras que não homicídios dolosos e foram integrados ao nosso universo de

análise.

Para o cálculo das taxas dos crimes letais intencionais por idade, procedemos

à padronização de medidas sínteses. Tal procedimento é necessário uma vez que não

se pode comparar diferenciais de níveis (no caso, da mortalidade) a partir de taxas

brutas ou gerais, já que esses níveis dependem muito da distribuição etária da

população a que se referem. Assim, para comparar diferenciais de níveis através de

indicadores síntese de várias regiões e períodos distintos, uma das alternativas seria

eliminar o efeito da composição etária sobre os indicadores que se deseja comparar,

ajustando-os segundo uma mesma distribuição etária padrão. Essa técnica é

conhecida como padronização. Com isso, uma vez que, todas as taxas referem-se a

uma única distribuição etária (padrão), as diferenças entre elas passam a ser

explicadas pelas distinções entre as diversas funções da variável em estudo (conjunto

das taxas específicas de homicídios) (Carvalho, Sawyer & Rodrigues, 1998).

De modo geral, pode-se selecionar como padrão a estrutura etária de uma das

populações em estudo, ou a média das distribuições etárias proporcionais das

populações consideradas. Por isso, optou-se pela escolha da distribuição etária

relativa da população do estado do Rio de Janeiro de 2007. A descrição completa de

todos os procedimentos metodológicos encontra-se em anexo (anexo 1).

No intuito de investigar com maior profundidade o perfil da violência letal

que atinge crianças e adolescentes no município de Nova Iguaçu, optou-se por

estabelecer algumas comparações, destacando, também, os dados referentes ao estado

do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e Rio de Janeiro Capital para efeito

comparativo.

A tabela 1 apresenta as taxas de vítimas de crimes letais intencionais do

estado do Rio de Janeiro, de sua capital, da Região Metropolitana, da Baixada

Fluminense e, finalmente, do município de Nova Iguaçu para os anos de 2006 a 2008.

Aparentemente simples, essa informação inicial aponta pistas interessantes. A

Page 32: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

32

primeira delas diz respeito à proximidade das taxas entre si. A despeito do alarde em

torno da violência na cidade do Rio de Janeiro, o que levou, como mencionado

anteriormente, a um decréscimo no interesse sobre o que se passa nos municípios da

Baixada, o que temos é algo muito próximo a uma equivalência de taxas. A Baixada

apresenta taxas ligeiramente superiores às da capital, enquanto Nova Iguaçu, com

exceção do ano de 2007, quando a capital conhece taxas mais elevadas, tem taxas um

pouco mais baixas apenas daquelas observadas na cidade do Rio de Janeiro. Em

comum, todos os recortes territoriais apresentam taxas incrivelmente altas,

justificando a tese daqueles que encaram a redução da letalidade como um dos

principais desafios a serem superados com urgência pelo poder público.

Tabela 1

Taxas dos Crimes Letais Intencionais, 2006-2008

Estado Capital

Região

Metropolitana Baixada Nova Iguaçu

2006 52,29 56,66 55,92 58,52 54,93

2007 50,87 57,10 54,37 55,06 51,12

2008 44,73 47,58 47,62 51,23 46,61

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de

2007 para a padronização das taxas.

Outro traço comum é mais alvissareiro, embora esteja longe de contemplar as

expectativas de redução da letalidade a níveis minimamente toleráveis: assim como se

tem observado no país de uma forma geral, as taxas de vítimas de crimes letais

intencionais vêm caindo significativamente em todos os recortes territoriais

observados (conforme pode ser observado na tabela 2), com uma redução em torno de

16% a 12% no período entre 2006 e 2008 para as áreas analisadas.

Tabela 2

Variação (%) das taxas em relação ao período anterior

Estado Capital

Região

Metropolitana Baixada Nova Iguaçu

2006-2007 -2,72 0,77 -2,78 -5,92 -6,94

2007-2008 -12,08 -16,67 -12,42 -6,96 -8,83

2006-2008 -14,47 -16,02 -14,86 -12,46 -15,16

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de

2007 para a padronização das taxas.

Page 33: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

33

O padrão de redução pode ser melhor visualizado no gráfico a seguir. Note-se

que as taxas da capital tiveram um ligeiro crescimento em 2007 para, depois, caírem

de forma acentuada em 2008. O estado e a Região Metropolitana apresentam uma

linha simétrica, com queda maior no ano de 2008. Já as taxas desses três anos na

Baixada Fluminense e em Nova Iguaçu, em particular, formam uma reta, indicando

um movimento regular e constante de queda.

Gráfico 1

40

42

44

46

48

50

52

54

56

58

60

2006 2007 2008

Taxa p

or

100.0

00 h

ab

itan

tes

Ano

Taxas Padronizadas dos Crimes Letais Intencionais 2006-2008

Estado Capital Região Metropolitana Baixada Nova Iguaçu

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de

2007 para a padronização das taxas.

É verdade que três anos compõem um período curto para maiores inferências.

Estudos semelhantes, contudo, sugerem que a tendência observada por nós remonta

no mínimo ao ano de 2004 (Lázaro, 2007), o que nos leva a crer que, a despeito das

taxas serem muito altas, de estudos nacionais apontarem tendência semelhante no

país em geral e não sermos capazes de identificar as razões para essa redução, ela tem

se mantido ao longo dos últimos anos. Passemos, agora, a identificar algumas das

características básicas desses episódios. Para fins expositivos, apresentaremos

Page 34: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

34

preferencialmente gráficos e tabelas com os dados de Nova Iguaçu relativos ao ano de

2008. Os anos de 2006 e 2007 aparecerão no corpo do texto somente quando forem

imprescindíveis para uma ou outra inferência. Em anexo (anexo 2), tabelas e gráficos

adicionais estarão disponíveis para eventuais consultas dos interessados em comparar

os resultados obtidos neste município com os demais cortes territoriais por nós

analisados.

Na tabela 3, temos os totais de vítimas de violência letal intencional

verificadas em Nova Iguaçu.

Tabela 3

Porcentagem de homicídios por Arma Branca, Arma de fogo, Auto de resistência, Agressão e outros homicídios

intencionais em Nova Iguaçu, 2008

2008

Nº %

Arma Branca 12 3,04

Ama de fogo 255 64,56

Auto de resistência 40 10,13

Agressão 7 1,77

Outro 81 20,51

Total 395 100

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).

Como o uso de violência excessiva por parte da polícia tem sido uma questão

constante nos debates sobre segurança pública e violência letal no Rio de Janeiro,

optamos por desagregar esse dado da categoria mais geral mortes por armas de fogo,

na qual eles de fato devem estar inscritos. O quadro a que chegamos não surpreende.

Em Nova Iguaçu, segundo os dados oficiais, a ação policial é responsável por 10,13%

de mortes violentas causadas intencionalmente, totalizando, em números absolutos,

40 mortes.

Os resultados quanto ao instrumento usados nos crimes letais intencionais

também não são discrepantes em relação ao padrão nacional. Nada menos que

64,56% das mortes encontram-se nessa rubrica. Se adicionados os casos de auto de

resistência (mortes provocadas por policiais em situação de confronto em que,

supostamente, os mesmos ou terceiros se encontravam sob risco), temos que, ao todo,

Page 35: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

35

quase 75% das mortes foram provocadas por armas de fogo. Finalmente, cabe notar a

alta incidência de vítimas em números absolutos. No ano de 2008, nada menos que

395 mortes por violência intencionalmente perpetrada por terceiros foram

contabilizadas no município. O que representa mais de uma morte por dia ao longo do

ano.

Também no que diz respeito ao perfil das vítimas, Nova Iguaçu reafirma o que

se passa nas regiões mais conflagradas do país. As duas tabelas a seguir apresentam

os dados sobre sexo e sobre cor das vítimas.

A tabela 4 apresenta as taxas (por 100 mil habitantes) dos crimes letais

intencionais por sexo das vítimas. Ficou evidente, através dos dados analisados, que o

sexo masculino é mais suscetível a mortes violentas do que o grupo das mulheres,

acompanhando, também nesse aspecto, uma tendência nacional e internacional. As

taxas apresentadas pelo contingente feminino se mantiveram comparativamente

baixas e sem grandes oscilações. Já o grupo dos homens apresentou taxas de

homicídios altíssimas, embora tenha ocorrido um pequeno declínio nos valores nos

últimos dois anos analisados. Análises demográficas apontam que as mortes violentas

por homicídios e por acidentes de trânsito são responsáveis por aquilo que os

demógrafos costumam chamar de “sobremortalidade masculina”.

Tabela 4

Taxas (por 100.000 hab.) dos Crimes Letais Intencionais por sexo, 2006-2008

2006 2007 2008

Mulheres 5,14 8,05 6,12

Homens 101,15 86,68 84,52

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def). Utilizou-se a distribuição etária do Estado do Rio de Janeiro de

2007 para a padronização das taxas.

A tabela 5 mostra, para os três anos analisados, que o grupo dos não-brancos

apresenta a maior porcentagem de vítimas (cerca de 65% do total). Conforme já

mencionado, essas informações estão em congruência com tendências nacionais e

Page 36: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

36

mostram que há um claro viés racial quando computamos os casos de vítimas de

violência letal5.

Tabela 5

Percentual e número de óbitos de Vítimas por Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por cor/raça, 2006-2008

Ano

2006 2007 2008 Total

Nº % Nº % Nº % Nº %

Brancos 117 25,43 86 19,91 89 22,53 292 22,69

Não-Brancos 285 61,96 287 66,44 259 65,57 831 64,57

Não informado 58 12,61 59 13,66 47 11,90 164 12,74

Total 460 100,00 432 100,00 395 100,00 1287 100,00

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

Se os dados referentes à cor e ao sexo preferenciais das vítimas de Nova

Iguaçu seguem o padrão que predomina em outras regiões conflagradas, o que dizer,

então, da sua faixa etária? Sendo essa uma variável central para nosso estudo,

optamos por apresentar no corpo da análise os dados colhidos, sempre para o ano de

2008, em cada um dos recortes territoriais por nós estudados (excetuando, nesse caso,

a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, para evitarmos redundância), o que é

apresentado nas tabelas subseqüentes.

Tabela 6

Vítimas de Violência Letal por Faixas de Idade - por recorte territorial - 2008

Estado Região

Metropolitana Capital Baixada Nova Iguaçu

Taxa (por

100.000

Hab.) Nº

Taxa (por

100.000

Hab.) Nº

Taxa (por

100.000

Hab.) Nº

Taxa (por

100.000

Hab.) Nº

Taxa (por

100.000

Hab.)

De 0 a 11 anos 35 1,19 23 1,06 14 1,34 9 1,12 4 2,18

De 12 a 17 anos 220 14,99 170 15,68 93 17,55 48 12,38 12 13,52

De 18 a 24 anos 1169 65,61 918 69,96 465 70,2 285 63,98 52 51,84

De 25 a 29 anos 758 55,02 593 57,72 288 54,02 203 61,27 40 53,33

De 30 a 34 anos 570 44,69 403 41,95 196 39,15 144 47,15 26 37,42

De 35 a 39 anos 403 35,21 295 34,46 157 35,57 98 35,5 26 41,14

40 anos ou mais 943 16,05 672 15,29 364 14,86 212 17,21 48 17,46

Não informado 2994 2540 1342 926 187

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def).

5 É importante ressaltar que cerca de 12% dos dados não possuíam informações da raça das vítimas

(tabela 5).

Page 37: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

37

É importante ressaltar que uma parte significativa dos casos analisados (cerca

de 40% a 48%)6 não dispõe de informações relativas à idade da vítima

7. Por isso, é

necessário uma certa cautela ao analisar os resultados. De qualquer modo, vale

destacar que os dados que contam com as informações de idade estão em consonância

com estudos sobre o tema (como pode ser observado nas tabelas anteriores, os

resultados indicam que a “sobremortalidade” de que tratam os demógrafos também

conta com um viés etário, sendo a concentração observada exatamente entre os

jovens).

Ainda sobre a tabela 6, cabe perceber que em todos os cinco recortes

territoriais as maiores taxas estão na faixa de 18 a 24 anos, seguida de perto pela faixa

subseqüente (25 a 29). Note-se, também, que a distância da segunda taxa mais alta

para a seguinte (30 a 34 anos) é bem pequena na capital e ainda que seja maior nos

demais recortes, as taxas de 30 a 34 e de 35 a 39 são sempre bastante mais altas do

que as demais, localizadas nas duas pontas do espectro etário. Isso nos autoriza a

afirmar que é nesse grande intervalo entre os 18 e os 39 anos que localizamos a

principal faixa de risco.

Comparadas às dos demais recortes territoriais, Nova Iguaçu apresenta taxas

inferiores em todas as faixas etárias, com a curiosa exceção daquela entre 35 e 39

anos, em que é a mais alta de todos os recortes, e a faixa de 0 a 11, em que, a despeito

do baixo número absoluto (4 casos), acaba apresentando uma taxa superior às do

estado, da capital e da Baixada.8 Por outro lado, a taxa compreendida entre as idades

de 12 a 17 anos é superior à da Baixada e está apenas um pouco abaixo da

apresentada pelo estado.

6 Ver dados para os anos de 2006 e 2007 no anexo 2, tabelas 3 e 4.

7 O alto percentual de informações sobre idade das vítimas merece um comentário. Como é fartamente

sabido, um exame preliminar é suficiente para que um perito estime com margem de erro muito próxima

de zero a idade da vítima. O grande número de casos sem tal informação é eloqüente quanto à negligência

com que esses registros são feitos nas delegacias. 8 As altas freqüências de mortes provocadas intencionalmente por meio de violência no Brasil não nos

deve levar a subestimar o fato de que a ocorrência regular, ano após ano, de quatro ou cinco mortes dessa

natureza atingindo crianças em um município como Nova Iguaçu representa um indício gravíssimo dos

padrões de incivilidade vigentes em nossa sociedade.

Page 38: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

38

Erra, portanto, quem, a luz desses números, julgar que o caso de Nova Iguaçu

é pouco grave. Devemos lembrar, inicialmente, que estamos confrontando os dados

do município com o de realidades reconhecidamente graves e conflagradas. Tendo

isso em mente, devemos atentar para que as distâncias entre taxas muito altas não são

suficientes para que se considere qualquer um dos recortes em situação confortável.

No que tange à questão da criança e do adolescente, o fato das maiores taxas estarem

sempre concentradas no que poderíamos chamar primeira maturidade, sugere que

essa concentração é o resultado fatal de falhas no cuidado da população situadas nas

faixas etárias imediatamente anteriores (exatamente o período aqui privilegiado, a

saber, a infância e, principalmente, a adolescência). O ponto que deve ser enfatizado

aqui é que a vitimização letal é uma modalidade de violência que, em boa parte dos

casos, é a culminância de um histórico marcado por episódios de violência na

biografia da vítima, seja como agressor, seja como vítima de modalidades não letais

de violência, seja, finalmente, vivendo ambos os papéis. Já que retornaremos a esse

ponto mais adiante, por ora basta dizer que uma das formas de redução da letalidade

nas faixas etárias mais atingidas passa necessariamente pelo cuidado com a população

das faixas anteriores, o que, em nosso caso, diz respeito às crianças e aos

adolescentes.

Outro dado reforça a importância do recorte etário e das duas primeiras faixas

aqui examinadas. Como já foi mencionado, Nova Iguaçu conheceu, assim como os

demais recortes territoriais por nós estudados, uma sensível redução das taxas de

letalidade violenta causada intencionalmente nos últimos anos. Se acompanharmos

essa trajetória descendente pelo viés da faixa etária, chegamos aos resultados

ilustrados no gráfico a seguir.

Page 39: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

39

Gráfico 2

Taxas dos Crimes Letais Intencionais do Município de Nova

Iguaçu por faixas de idade, 2006-2008

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

80,00

90,00

De 0 a 11

anos

De 12 a

17 anos

De 18 a

24 anos

De 25 a

29 anos

De 30 a

34 anos

De 35 a

39 anos

40 anos

ou mais

Grupos etários

Taxas p

or

100.0

00 h

ab

.

2006

2007

2008

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), IBGE (tabulações disponíveis pelo site:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/popRJ.def).

Enquanto no cômputo geral, observa-se uma queda constante ao longo dos

três anos estudados, quando desagregamos por faixa etária as coisas não ocorrem

exatamente desse jeito. Na verdade, essa tendência constante só é observada na faixa

de 18 a 24 e na última, de 40 anos ou mais. Na faixa de 25 a 29 anos as linhas

relativas aos anos de 2006 e 2007 praticamente se tocam enquanto que na faixa de 35

a 39, o ano de 2007 apresentava uma taxa inferior àquela de 2008. Por outro lado, na

faixa de 30 a 34 anos, observamos taxas superiores em 2007, quando comparadas ao

ano anterior. O que mais chama atenção no gráfico, contudo, é a relativa estabilidade

nos três anos nas faixas de 0 a 11 e de 12 a 17 anos. Exatamente no universo de

crianças e adolescentes, a situação de Nova Iguaçu nos três anos estudados é

absolutamente inalterada.

Como já vimos anteriormente, as mortes aqui estudadas ocorrem em Nova

Iguaçu preferencialmente por arma de fogo. Em geral, a literatura indica que quão

mais baixa a idade da vítima maior a probabilidade que o meio da agressão seja outro

que não esse. Tal tendência seria explicada em função de crianças, principalmente,

Page 40: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

40

terem recorrentemente como agressores fatais membros da família ou vizinhos. Sendo

assim, é mais comum observarmos mortes de crianças e de adolescentes por agressão,

armas brancas (instrumentos perfuro-cortantes) e outros. Sempre tomando o ano de

2008 como referência, encontramos em Nova Iguaçu uma realidade bem distinta.

Tabela 7

Porcentagem de Homicídios por Arma Branca, Arma de Fogo, Auto de Resistência, Agressão e outros homicídios

intencionais divididos por grupos etários - Nova Iguaçu; 2008

Arma

Branca Arma de Fogo Auto de

resistência Agressão Outro Total

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

De 0 a 11 anos 1 25,00 3 75,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 104 100,00

De 12 a 17 anos 0 0,00 8 66,67 0 0,00 0 0,00 4 33,33 78,67 100,00

De 18 a 24 anos 1 1,92 43 82,69 2 3,85 0 0,00 6 11,54 140,5 100,00

De 25 a 29 anos 1 2,50 27 67,50 2 5,00 1 2,50 9 22,50 117,5 100,00

De 30 a 34 anos 0 0,00 17 65,38 2 7,69 0 0,00 7 26,92 99,07 100,00

De 35 a 39 anos 1 3,85 19 73,08 1 3,85 1 3,85 4 15,38 110,6 100,00

40 anos ou mais 7 14,58 26 54,17 2 4,17 2 4,17 11 22,92 125,1 100,00

Não Informado 1 0,53 112 59,89 31 16,58 3 1,60 40 21,39 265,6 100,00

Total 12 3,04 255 64,56 40 10,13 7 1,77 81 20,51 474,5 100,00

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).

Chama a atenção que das quatro crianças cujas idades foram determinadas no

registro de ocorrência como vítimas em 2008, três foram mortas por arma de fogo.

Note-se, adicionalmente, que a maior concentração percentual de vítimas por esse

instrumento encontra-se na faixa de 18 a 24 anos, ou seja, na primeira maturidade.

Note-se, finalmente, que em todas as faixas etárias as mortes por arma de fogo

ultrapassam a casa dos cinqüenta por cento, o que deixa mais clara a estreita relação

entre circulação de armas de fogo e vitimização letal em Nova Iguaçu.

Os dados apresentados na tabela anterior nos levaram a inquirir mais

detalhadamente sobre as circunstâncias das mortes que atingiram crianças,

adolescentes e jovens na primeira maturidade (18 a 24 anos) em Nova Iguaçu no ano

de 2008. O que podemos dizer sobre elas a partir dos dados oficiais da segurança

pública? Quem foram seus algozes? Em que circunstâncias foram mortas?

Infelizmente, a resposta para tais perguntas não estão disponíveis para nós. Para uma

aproximação maior com esse universo teríamos que ir aos registros de ocorrência e

verificar caso a caso. Ainda assim, teríamos um resultado desanimador. Embora

Page 41: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

41

estejamos, nos dias de hoje, em situação bem melhor do que há vinte anos, o acesso

aos dados policiais é bem difícil e sua qualidade bastante precária. Os problemas

começam na própria constatação do episódio letal. Frequentemente os procedimentos

básicos de coleta de informações são simplesmente ignorados. Os problemas

continuam no preenchimento dos registros de ocorrência, em que informações

básicas, facilmente apuráveis, são negligenciadas e o volume de perda é perturbador.

O sistema implantado nas delegacias legais poderia reduzi um pouco mais essas

perdas, mas além delas continuarem expressivas, deve-se repetir que uma das três

delegacias sediadas em Nova Iguaçu ainda é convencional.

Seguindo o percurso de dificuldades, o acesso às informações policiais

disponíveis é difícil, está sujeito a um trâmite burocrático moroso e, ao final, nem

sempre tempos todas as variáveis solicitadas. No caso presente, não tivemos acesso,

por exemplo, aos números dos registros de ocorrência referentes aos casos de

violência letal intencional. Uma resolução estadual obstaculiza o acesso a esse dado

que nos permitiria, por exemplo, auferir o destino dos inquéritos relativos a essas

mortes. Tudo leva a crer que o grau de elucidação é baixíssimo (como, de resto, em

todo o Brasil) e que os casos que resultam em denúncia de um suspeito e seu

julgamento só costuma se dar quando as mortes envolvem agressões com motivações

passionais ou envolvendo vizinhos ou familiares. Termos esse quadro em mãos,

contudo, continua sendo importante e tornar esses dados públicos faz parte das

condições necessárias para as melhorias no sistema que redundarão em políticas mais

eficazes de redução da letalidade dolosa.

É verdade que há, hoje, uma abertura muito maior de cooperação entre os

órgãos de justiça criminal, polícias inclusive, e os centros de pesquisa comprometidos

com a melhoria da qualidade das informações criminais. Os focos de resistência,

contudo, seguem prevalecendo e dificultando o trabalho de qualificação das

informações. Mas, é importante repetir, a indigência das informações já começa no

momento imediatamente posterior à constatação do episódio, quando os agentes

policiais coletam as informações primeiras sobre a ocorrência.

Page 42: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

42

Ainda que tenhamos que lidar com tais dificuldades, estamos capacitados a

definir territorialmente as áreas de concentração de ao menos uma parcela de

episódios de violência letal intencional. É a essa análise que se dedica o próximo

capítulo.

III. Georreferenciamento da violência letal intencional em Nova Iguaçu

Ao contrário do que possa parecer, a violência criminal obedece a certos

padrões relativamente fáceis de serem observados se utilizados os instrumentos

corretos para sua decodificação. Essa é uma tendência que serve para praticamente

todas entre as consideradas mais graves modalidades de violência criminal, incluindo

entre elas a violência letal intencional. Os variados estudos realizados nos últimos

anos já geraram um sólido consenso entre pesquisadores e gestores que atuam nesse

campo a respeito do perfil preferencial das vítimas letais no Brasil. Elas são jovens,

não-brancas, moradoras de áreas pobres dos grandes centros urbanos e de cidades de

médio porte, além de serem predominantemente do sexo masculino. Para o caso do

Rio de Janeiro, essa tendência já é apontada nos estudos seminais de Soares et alli,

realizados no ISER, no início dos anos 1990 e reunidos em livro (1995). Mais

recentemente, Lengruber faz um apanhado geral no âmbito nacional em que a

tendência já antecipada anteriormente é confirmada. Dentre os trabalhos que

relacionam incidências criminais violentas e estrutura social, Soares (2008) reúne

alguns estudos importantes de sua produção, com ênfase nas implicações

metodológicas das inferências possíveis a partir dos dados disponíveis. No âmbito

internacional, as conclusões que apontam para a mesma direção, resultantes de

análises macro e de estudos monográficos, são correlacionadas por Braithwayte a

cinco correntes sociológicas que, diferindo em seus respectivos paradigmas teóricos e

métodos de pesquisa, convergem para o mesmo diagnóstico geral. Variáveis étnicas,

socioeconômicas, etárias e de gênero configuram perfis preferenciais de

envolvimento em episódios criminais com violência, qualquer que seja o lugar no

mundo em que seja estudado.

Page 43: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

43

É evidente que esse diagnóstico inicial é muito importante e funciona como

balizador geral para que medidas sejam tomadas focadas nesse segmento

populacional. Por outro lado, exatamente em função de seu caráter geral, ela é

insuficiente tanto para o planejamento de ações mais concentradas de natureza

estritamente policial, quanto para a formulação de estratégias mais complexas e

duradouras de intervenções que levem em conta não somente o crime em sua

dimensão fenomênica, mas, também, as condições que tendem a concorrer para sua

ocorrência reiterada.

Pesquisas internacionais apontam para a correlação entre altas taxas de

violência criminal e fatores variados de natureza sociológica. O amplo inventário

realizado sob coordenação de Lawrence Sherman sobre a efetividade de estratégias de

prevenção e de redução da violência letal nos Estados Unidos assinala que cerca de

metade dos homicídios ali registrados estão concentrados nas sessenta e três maiores

cidades do país, que abrigam, por outro lado, 16% da população9. Um mergulho mais

acurado em cada uma dessas cidades, por sua vez, revela que em cada uma delas

também há concentração de episódios de violência letal intencional. Segundo o

balanço realizado pelo grupo de pesquisadores associado a esse estudo, a incidência

de homicídios é maior onde são verificadas concentração de pobreza, hipersegregação

racial, desagregação familiar e alto volume de armas em circulação10

. Sintetizando os

resultados de pesquisa mais expressivos sobre incidência de homicídios intencionais,

Sherman aponta sete “instituições” (as aspas são nossas) relevantes para a abordagem

do problema da violência: comunidades, famílias, escola, mercado de trabalho,

espaços públicos, polícias e outras agências do sistema de justiça criminal. Importante

ter em mente que tais “instituições” são relevantes em dois aspectos. Suas

9 Apenas a título de ilustração, Segundo o mapa da violência no Brasil, composto por Julio Jacobo

Waiselvsz, 73,3% dos homicídios no Brasil ocorreram em 10% dos maiores municípios que concentra

44,1% da população. WAISELVISZ, Julio Jacobo. Mapa da violênciados municípios brasileiros, 2008

(2008). Brasília; RITLA, Instituto Sangari, Ministério da Justiça, Ministério da Saúde

10 SHERMAN, Lawrence W (et alli). Preventing crime: what works, what doesn’t, what’s promising: a report to the United States Congress. A report to the United States Congress. National Institute of Justice.

Sem por em dúvida a qualidade e o rigor do trabalho de Sherman, é importante mencionar que o total de

cidades mencionado é 63, em uma passagem, e 66, em outra. Possivelmente, um problema de revisão que

não minimiza a força do argumento.

Page 44: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

44

configurações podem ser determinantes para maiores ou menores taxas de violência.

São, também, e por causa, campos promissores de investimento para políticas

voltadas para a prevenção e redução da violência letal. Embora tais definições sejam

plausíveis e relevantes, é importante lembrar que as formas com que se articulam são

igualmente cruciais tanto para o devido entendimento da incidência de crimes letais,

quanto para o desenho de programas focados em sua redução.

Embora ainda de forma muito incipiente, os recursos e técnicas para a

elaboração de diagnósticos dessa natureza têm sido incorporados no Brasil por grupos

de pesquisa e, de modo mais modesto, por agentes de segurança pública. Nessa

tendência, a adoção de recursos tecnológicos e de análise que viabilizam a definição

da distribuição ecológica de certas modalidades de crimes em um determinado

território específico é procedimento indispensável. Vale dizer, não basta somente

contabilizar episódios, tampouco definir os perfis dos envolvidos (o que, repetimos,

também é necessário). É preciso verificar áreas de concentração, focos de maior

incidência e, por conseguinte, dependentes de maior atenção por parte das instituições

do Estado e das agências voltadas para a redução da violência. Daí a importância do

georreferenciamento criminal. Ele por si só funciona como ferramenta para a

definição de prioridades e estratégias de ação, segundo as áreas de maior freqüência

de determinados tipos específicos de violência criminal e não criminal. Além disso,

contudo, o georeferenciamento pode ser entendido como ponto de partida para outras

análises que permitem elucidar aspectos importantes das dinâmicas criminais

violentas. Daí a pertinência desse tipo de trabalho que, presentemente, realizamos no

município de Nova Iguaçu e cujos resultados passam, agora, a ser expostos.

III. 1. Georreferenciamento como instrumento de diagnóstico

Vários casos poderiam ser mencionados rapidamente para ilustrar a

importância sociológica e estratégica do georreferenciamento na abordagem da

criminalidade letal intencional. Um diagnóstico geral como esse é, indiscutivelmente,

um importante ponto de partida para a definição de focos prioritários para a

realização de diagnósticos mais finos e detalhados que, uma vez feitos

Page 45: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

45

criteriosamente, podem subsidiar intervenções capazes de produzir resultados

significativos em períodos de tempo relativamente curto.

Um dos mais citados e conhecidos casos de políticas de redução da letalidade

orientadas por estudos dessa natureza foi o aclamado programa de redução da

violência letal em Boston, em meados da década 1990. Diante do aumento dos casos

de homicídios vitimando jovens, fenômeno observado em várias outras cidades

americanas no mesmo período, o departamento de polícia local realizou um

mapeamento pelo qual constatou que esse processo estava concentrado em dois

bairros da cidade e tinha estreita ligação com disputas de gangues locais. A partir daí,

a polícia concentrou sua atenção nessas áreas, visando a redução da mortalidade

provocada intencionalmente. Esse primeiro passo foi crucial para a orientação dos

esforços e para a mobilização de recursos humanos e logísticos.

O caso de Boston é elucidativo não somente pelos resultados obtidos, mas,

também, pelo seu fracasso inicial. A tendência inicial da ação da polícia para

enfrentar a violência nas áreas apontadas pelo georeferrenciamento como as mais

conflagradas foi responder com força e dureza, contrapondo à violência das gangues a

sua própria capacidade de usar a força. O resultado foi desastroso. Apenas diante do

fracasso de uma estratégia que só serviu para aumentar a violência arbitrária da

polícia e acirrar os ânimos nas áreas em questão é que as estratégias foram revistas,

atores públicos foram chamados a cooperar e, finalmente, ao cabo de um período

relativamente curto, a desejada redução das mortes foi obtida.

Mencionamos rapidamente o caso de Boston não somente para reiterar a

relevância da verificação das áreas de maior concentração das mais variadas

modalidades de crimes violentos como, também, para frisar que tal procedimento,

embora importante, não é condição suficiente para a definição de estratégias

conseqüentes para a redução dessas incidências.

Cientes, portanto, da relevância e dos limites desse trabalho, realizamos um

esforço de análise da distribuição das mortes violentas perpetradas intencionalmente

em Nova Iguaçu, com ênfase nos casos envolvendo crianças e adolescentes como

vítimas. Pensamos que a metodologia utilizada pode ser bastante útil para novos

Page 46: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

46

estudos nesse e em outros municípios brasileiros para o melhor dimensionamento do

problema e das alternativas de ações para seu enfrentamento. Antes de passar para os

resultados propriamente ditos, apresentaremos brevemente os passos que foram

dados.

III. 2. Notas metodológicas

Embora a princípio possa parecer uma tarefa simples, o georreferenciamento é

um trabalho razoavelmente complexo, que implica a mobilização de dados dotados de

boa dose de precisão e confiabilidade. E é exatamente nesse último ponto que

residem as maiores dificuldades para a produção em escala de mapas da

criminalidade letal violenta intencional no âmbito dos municípios.

Além dos problemas apontados na abertura do capítulo anterior a respeito dos

dados da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, enfrentamos dificuldades

adicionais para o mapeamento das incidências dos crimes letais intencionais no

município de Nova Iguaçu. Os logradouros informados nos registros policiais como

locais onde ocorreram os homicídios apresentam uma alta porcentagem de erros.

Foram detectadas muitas informações imprecisas e deficientes. Em muitos casos, os

logradouros informados eram inconsistentes e/ou conflitavam com as informações

cartográficas. Por exemplo, havia informação da rua ou de algum ponto de referência,

mas o bairro informado estava incorreto, ou, ainda, não havia dados como o número

de porta do local onde o incidente ocorreu, ou, em outros casos, o nome do

logradouro não estava escrito da maneira correta.

Para a correção dos dados foi utilizado o aplicativo de georreferenciamento

denominado GeoNIguaçu. Este aplicativo foi desenvolvido para a Prefeitura

Municipal de Nova Iguaçu. O software permite a identificação espacial dos registros

do Cadastro Técnico Imobiliário e, dentre suas várias aplicações, há o boletim de

zoneamento e a geração de mapas temáticos a partir de tabelas relacionadas

espacialmente pelo endereço.

Page 47: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

47

Uma série de procedimentos foi adotada para a correção dos dados visando à

localização cartográfica das informações. Entre elas pode-se destacar:

1- Identificação do registro no cadastro do IPTU pelo endereço existente;

2- em caso negativo, foi analisada, e corrigida se necessário, a grafia do

logradouro informado;

3- localizado o logradouro, quando não identificado o endereço, foi utilizada a

identificação de um vizinho (distância menor do que 100 metros pela numeração da

porta) para a apresentação espacial da ocorrência;

4- quando não encontrado um “vizinho”, caso dos registros sem número de

porta e números incorretos, foi identificado um lote no meio do logradouro;

5- se, após todos os recursos, pesquisa nas tabelas de unidades imobiliárias,

logradouros e no mapa, não foi possível identificar espacialmente a ocorrência, o

registro foi lançado como "analisado e não encontrado".

As soluções apresentadas visaram, portanto, reduzir ao máximo as perdas

decorrentes da conjunção do mau preenchimento dos registros de ocorrência, o uso de

referências não oficiais para a designação das áreas em que se deram os episódios e a

alta taxa de anarquia da ocupação urbana que se dá sem maior controle do poder

público nas grandes cidades brasileiras, fenômeno, por sinal, apontado desde

clássicos de nossa ensaística, como, por exemplo, em Raízes do Brasil, de Sérgio

Buarque de Holanda. O trabalho de enfrentamento de cada uma das dificuldades

impostas por esses três fatores demanda muito tempo e inesgotável paciência. Feitas

as correções, contudo, é possível ao gestor localizar não somente os bairros de maior

incidência (trabalho aqui realizado e apresentado a seguir), mas, também, descer a um

detalhamento ainda maior, verificando ruas ou conjunto de logradouros públicos no

interior de cada bairro. Com tempo e recursos maiores, podem-se agregar outras

informações potencialmente relevantes como horários de maior incidência segundo as

áreas, proximidade dos locais de incidência com o de moradia das vítimas e eventuais

coincidências entre locais de ocorrência de variados tipos de criminalidade violenta.

O desenvolvimento de mecanismos para esses fins, uma vez levado a sério, pode

induzir a um maior cuidado no preenchimento dos dados na base (leia-se, nas

unidades policiais onde são feitos os registros) e, uma vez encampada a metodologia

Page 48: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

48

e um sistema de armazenamento e sistematização das informações, mapas mais

informados e complexos podem ser produzidos em menor tempo e com menor

consumo de recursos materiais e humanos.

No presente caso, porém, restringimo-nos à apresentação da distribuição

espacial das mortes violentas intencionais por bairros. Condição necessária para

qualquer iniciativa posterior de maior qualificação da natureza desse fenômeno em

Nova Iguaçu. Os resultados obtidos são os que estão expostos a seguir.

III. 3. Distribuição espacial das mortes provocadas por crimes letais

intencionais

Nossa unidade temporal de referência será 2008, último ano com que

trabalhamos em nossa pequena série. Os anos de 2006 e 2007 servirão como

instrumentos de controle capazes de estimar recorrências e variações no padrão de

concentração territorial dos crimes letais intencionais em Nova Iguaçu.

O município de Nova Iguaçu é dividido em nove unidades regionais de

governo (URGs) que agregam os sessenta e oito bairros que compõem o município. A

extensão e a densidade populacional de cada URG, assim como de cada bairro,

variam bastante. De qualquer modo, interessou-nos, predominantemente, verificar os

focos de maior concentração de homicídios, vale dizer, consideramos que para fins de

políticas públicas, em se tratando de uma análise no âmbito municipal, o foco

preferencial deve ser a localização das áreas de maior incidência de episódios

criminais. Em nosso caso, interessou identificar as unidades regionais de governo e,

no interior de cada uma delas, os bairros de maior incidência de crimes letais

intencionais. A tabela a seguir apresenta a distribuição dos casos para o ano de 2008.

Page 49: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

49

Tabela 8 Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por bairro – 2008

URG Bairro Nº

% no

total

% na

URG URG Bairro Nº

% no

total

% na

URG

CENTRO CENTRO 9 3,18 19,57 TINGUA TINGUA 4 1,41 66,51

CALIFORNIA 3 1,06 6,52 MONTEVIDEU 0 0,00 0,00

VILA NOVA 0 0,00 0,00 ADRIANOPOLIS 0 0,00 0,00

CAONZE 3 1,06 6,52 RIO D OURO 2 0,71 33,49

BAIRRO DA LUZ 7 2,47 15,20 JACERUBA 0 0,00 0,00

SANTA EUGENIA 2 0,71 4,37 TINGUA Subtotal 6 2,12 100,00

JARDIM IGUAÇU 3 1,06 6,52

CHACRINHA 2 0,71 4,37 KM 32 KM 32 5 1,77 26,38

MOQUETA 3 1,06 6,52 PARAISO 4 1,41 21,01

BAIRRO DA VIGA 4 1,41 8,68 JARDIM GUANDU 7 2,47 36,81

RANCHO NOVO 3 1,06 6,52 PRADOS VERDES 3 1,06 15,80

VILA OPERARIA 2 0,71 4,37 KM 32 Subtotal 19 6,71 100,00

ENGENHO PEQUENO 0 0,00 0,00

JARDIM TROPICAL 4 1,41 8,68 AUSTIN AUSTIN 6 2,12 22,22

PRATA 1 0,35 2,15 RIACHAO 5 1,77 18,55

CENTRO Subtotal 46 16,26 100,00 INCONFIDENCIA 4 1,41 14,78

CARLOS SAMPAIO 3 1,06 11,11

POSSE POSSE 19 6,71 33,96 TINGUAZINHO 2 0,71 7,44

CERAMICA 7 2,47 12,50 CACUIA 3 1,06 11,11

PONTO CHIC 7 2,47 12,50 RODILANDIA 3 1,06 11,11

AMBAI 4 1,41 7,14 VILA GUIMARAES 1 0,35 3,67

NOVA AMERICA 5 1,77 8,96 AUSTIN Subtotal 27 9,54 100,00

CAMARY 1 0,35 1,77

TRES CORACOES 1 0,35 1,77 VILA DE CAVA VILA DE CAVA 1 0,35 4,95

KENNEDY 4 1,41 7,14 SANTA RITA 9 3,18 44,98

PARQUE FLORA 1 0,35 1,77 RANCHO FUNDO 1 0,35 4,95

BAIRRO BOTAFOGO 7 2,47 12,50 FIGUEIRAS 2 0,71 10,04

POSSE Subtotal 56 19,79 100,00 IGUACU VELHO 2 0,71 10,04

CORUMBA 5 1,77 25,04

COMENDADOR SOARES

COMENDADOR SOARES 10 3,53 33,33 VILA DE CAVA Subtotal 20 7,07 100,00

OURO VERDE 2 0,71 6,70

JARDIM ALVORADA 2 0,71 6,70

MIGUEL

COUTO MIGUEL COUTO 15 5,30 57,67

DANON 4 1,41 13,31 BOA ESPERANCA 0 0,00 0,00

JARDIM PALMARES 4 1,41 13,31 PARQUE AMBAI 3 1,06 11,53

ROSA DOS VENTOS 1 0,35 3,31 GRAMA 2 0,71 7,73

JARDIM PERNANBUCO 0 0,00 0,00 GENECIANO 6 2,12 23,07

JARDIM NOVA ERA 7 2,47 23,32 MIGUEL COUTO Subtotal 26 9,19 100,00

COMENDADOR

SOARES Subtotal 30 10,60 100,00

CABUCU CABUCU 13 4,59 24,52

PALHADA 7 2,47 13,19

VALVERDE 4 1,41 7,53

MARAPICU 5 1,77 9,46

LAGOINHA 16 5,65 30,18 Localizados Total 283 100,00

CAMPO ALEGRE 3 1,06 5,66

IPIRANGA 5 1,77 9,46

CABUCU Subtotal 53 18,73 100,00

Não

Localizados Total 112

Page 50: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

50

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ).

Em primeiro lugar, cabe acentuar que dos 395 casos, 112 foram perdidos por

um dos vários problemas apontados anteriormente, o que representa um volume

bastante grande do universo total. Infelizmente, apenas com as medidas já indicadas,

dentre as quais a melhoria da qualidade do preenchimento dos registros de ocorrência

é a mais importante, poderemos reduzir drasticamente o total de casos perdidos e,

consequentemente, melhorar a qualidade de análise. Feita essa observação, tomemos

as URGs como unidade de referência inicial. Podemos perceber que quatro delas

(Centro, Posse, Comendador Soares e Cabuçu) apresentam uma freqüência maior que

10% do total de casos válidos. Juntas, elas totalizam 64,82 dos casos válidos de

vítimas de crimes letais intencionais. Se excluirmos Comendador Soares, que das três

é a que apresenta freqüência mais baixa, (10,06% dos casos), ainda temos as três

URGs mais conflagradas com percentual superior à metade dos casos (Centro,

16,26%; Posse, 19,77% e Cabuçu com 18,73% totalizam 54,76% dos casos).

A análise que toma as URGs como referência, portanto, aponta para quatro

grandes áreas como aquelas mais fortemente marcadas pela incidência de crimes

letais intencionais. Quando descemos a um maior nível de detalhamento, no entanto,

outras características espaciais são reveladas.

Em cada uma das quatro URGs com maior concentração de casos, os bairros

que dão nome à unidade são aqueles com maior incidência, exceção feita à área de

Cabuçu. Nesta última, além do bairro de Cabuçu, com treze casos, temos o bairro de

Lagoinha, com dezesseis casos. Nos demais, o bairro do centro apresenta nove dos

quarenta e seis casos de sua URG, o bairro da Posse apresenta nove dos cinqüenta e

seis casos de sua URG e Comendador Soares dez dos trinta casos da URG com o

mesmo nome.

A análise pelas URGs poderia sugerir que estão nas quatro destacadas

anteriormente o principal foco de incidência de casos de violência letal intencional.

De fato, em seu conjunto essas são as áreas mais conflagradas. A desagregação por

bairro, porém, nos revela outros focos preocupantes. O bairro de Miguel Couto, por

Page 51: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

51

exemplo, apresenta quinze casos, ocupando o terceiro lugar entre os bairros de maior

incidência, embora faça parte de uma URG (Miguel Couto) que totaliza menos que

10% do total de casos que foram apurados. Além de Miguel Couto, os bairros de

Santa Rita, em Vila de Cava (com sete casos); Jardim Guandu, no km. 32 (com sete

casos) e Austin, na URG com o mesmo nome (com seis casos), estão entre os

dezesseis mais violentos de Nova Iguaçu e não fazem parte das quatro URGs com

maior participação percentual de vítimas de violência letal intencional neste

município. A lista dos quinze bairros mais violentos por números absolutos está no

quadro a seguir.

Tabela 9 Bairros com maior incidência de vítimas por crimes letais intencionais – 2008

Bairro URG Número de óbitos

Posse Posse 19

Lagoinha Cabuçú 16

Miguel Couto Miguel Couto 15

Cabuçú Cabuçú 13

Comendador Soares Comendador Soares 10

Centro Centro 9

Santa Rita Vila de Cava 9

Bairro da Luz Centro 7

Cerâmica Posse 7

Ponto Chique Posse 7

Jardim Nova Era Comendador Soares 7 Palhada Cabuçú 7

Jardim Guandu Km. 32 7

Bairro Botafogo Posse 7

Austin Austin 6

Geneciano Miguel Couto 6

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

O exercício de depuração das informações permite-nos, dessa maneira,

verificar os pontos de concentração espacial de incidência de crimes letais

intencionais. A visualização dessa distribuição está nos mapas a serem apresentados

na próxima seção.

Embora estejamos trabalhando com uma sequência muito curta, julgamos

conveniente confrontar os dados de 2008 com os dos dois anos anteriores com o

intuito de verificar persistências e deslocamentos entre as áreas de maior incidência

de crimes letais intencionais. Como já observamos, houve em Nova Iguaçu uma

Page 52: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

52

redução dessa modalidade de crime nos últimos anos, fato que se deu em muitos

outros municípios do Rio de Janeiro e do Brasil, em geral. Buscamos divisar se, nesse

cenário, há persistência e/ou migração de maiores concentração de ocorrências por

URGs e por bairros.

As tabelas dez e onze apresentam, tal como já foi feito para o ano de 2008, a

distribuição dos episódios aqui estudados nos anos de 2006 e 2007.

Tabela 10

Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por bairro – 2006

URG Bairro Nº

% no

total

% na

URG URG Bairro Nº

% no

total

% na

URG

CENTRO CENTRO 15 4,29 26,80 TINGUA TINGUA 2 0,57 22,18

CALIFORNIA 3 0,86 5,37 MONTEVIDEU 3 0,86 33,46

VILA NOVA 3 0,86 5,37 ADRIANOPOLIS 2 0,57 22,18

CAONZE 1 0,29 1,81 RIO D OURO 2 0,57 22,18

BAIRRO DA LUZ 7 2,00 12,59 JACERUBA 0 0,00 0,00

SANTA EUGENIA 2 0,57 3,56 TINGUA Subtotal 9 2,57 100,00

JARDIM IGUAÇU 6 1,71 10,68

CHACRINHA 0 0,00 0,00 KM 32 KM 32 3 0,86 13,07

MOQUETA 2 0,57 3,56 PARAISO 8 2,29 34,80

BAIRRO DA VIGA 4 1,14 7,12 JARDIM GUANDU 10 2,86 43,47

RANCHO NOVO 3 0,86 5,37 PRADOS VERDES 2 0,57 8,66

VILA OPERARIA 3 0,86 5,37 KM 32 Subtotal 23 6,58 100,00

ENGENHO PEQUENO 4 1,14 7,12

JARDIM TROPICAL 2 0,57 3,56 AUSTIN AUSTIN 13 3,71 24,49

PRATA 1 0,29 1,81 RIACHAO 5 1,43 9,44

CENTRO Subtotal 56 16,01 100,00 INCONFIDENCIA 7 2,00 13,20

CARLOS SAMPAIO 2 0,57 3,76

POSSE POSSE 8 2,29 19,54 TINGUAZINHO 8 2,29 15,12

CERAMICA 13 3,71 31,66 CACUIA 5 1,43 9,44

PONTO CHIC 5 1,43 12,20 RODILANDIA 8 2,29 15,12

AMBAI 2 0,57 4,86 VILA GUIMARAES 5 1,43 9,44

NOVA AMERICA 2 0,57 4,86 AUSTIN Subtotal 53 15,15 100,00

CAMARY 3 0,86 7,34

TRES CORACOES 2 0,57 4,86 VILA DE CAVA VILA DE CAVA 3 0,86 9,12

KENNEDY 3 0,86 7,34 SANTA RITA 16 4,57 48,46

PARQUE FLORA 3 0,86 7,34 RANCHO FUNDO 4 1,14 12,09

BAIRRO BOTAFOGO 0 0,00 0,00 FIGUEIRAS 1 0,29 3,08

POSSE Subtotal 41 11,72 100,00 IGUACU VELHO 6 1,71 18,13

CORUMBA 3 0,86 9,12

COMENDADOR

SOARES

COMENDADOR

SOARES 18 5,14 27,68

VILA DE

CAVA Subtotal 33 9,43 100,00

OURO VERDE 4 1,14 6,14

JARDIM ALVORADA 10 2,86 15,40

MIGUEL

COUTO MIGUEL COUTO 12 3,43 44,49

DANON 6 1,71 9,21 BOA ESPERANCA 0 0,00 0,00

JARDIM PALMARES 10 2,86 15,40 PARQUE AMBAI 2 0,57 7,39

ROSA DOS VENTOS 0 0,00 0,00 GRAMA 6 1,71 22,18

Page 53: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

53

JARDIM PERNANBUCO 8 2,29 12,33 GENECIANO 7 2,00 25,94

JARDIM NOVA ERA 9 2,57 13,84

MIGUEL

COUTO Subtotal 27 7,71 100,00

COMENDADOR

SOARES Subtotal 65 18,56 100,00

CABUCU CABUCU 12 3,43 27,91

PALHADA 6 1,71 13,91

VALVERDE 3 0,86 7,00

MARAPICU 7 2,00 16,27

LAGOINHA 7 2,00 16,27

CAMPO ALEGRE 3 0,86 7,00 Localizados Total 350 100,00

IPIRANGA 5 1,43 11,64

CABUCU Subtotal 43 12,29 100,00

Não

Localizados Total 110

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

Tabela 11

Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais em Nova Iguaçu por bairro – 2007

URG Bairro Nº % no total

% na URG URG Bairro Nº

% no total

% na URG

CENTRO CENTRO 11 3,48 16,40 TINGUA TINGUA 5 1,58 45,40

CALIFORNIA 3 0,95 4,48 MONTEVIDEU 1 0,32 9,20

VILA NOVA 4 1,27 5,98 ADRIANOPOLIS 2 0,63 18,10

CAONZE 2 0,63 2,97 RIO D OURO 2 0,63 18,10

BAIRRO DA LUZ 4 1,27 5,98 JACERUBA 1 0,32 9,20

SANTA EUGENIA 2 0,63 2,97 TINGUA Subtotal 11 3,48 100,00

JARDIM IGUAÇU 3 0,95 4,48

CHACRINHA 1 0,32 1,51 KM 32 KM 32 2 0,63 9,94

MOQUETA 3 0,95 4,48 PARAISO 7 2,22 35,02

BAIRRO DA VIGA 6 1,90 8,95 JARDIM GUANDU 7 2,22 35,02

RANCHO NOVO 4 1,27 5,98 PRADOS VERDES 4 1,27 20,03

VILA OPERARIA 5 1,58 7,45 KM 32 Subtotal 20 6,34 100,00

ENGENHO

PEQUENO 7 2,22 10,46

JARDIM TROPICAL 7 2,22 10,46 AUSTIN AUSTIN 10 3,16 24,38

PRATA 5 1,58 7,45 RIACHAO 6 1,90 14,66

CENTRO Subtotal 67 21,21 100,00 INCONFIDENCIA 5 1,58 12,19

CARLOS SAMPAIO 3 0,95 7,33

POSSE POSSE 9 2,85 22,49 TINGUAZINHO 0 0,00 0,00

CERAMICA 8 2,53 19,97 CACUIA 2 0,63 4,86

PONTO CHIC 4 1,27 10,02 RODILANDIA 10 3,16 24,38

AMBAI 4 1,27 10,02 VILA GUIMARAES 5 1,58 12,19

NOVA AMERICA 3 0,95 7,50 AUSTIN Subtotal 41 12,95 100,00

CAMARY 3 0,95 7,50

TRES CORACOES 0 0,00 0,00 VILA DE CAVA VILA DE CAVA 3 0,95 15,78

KENNEDY 3 0,95 7,50 SANTA RITA 4 1,27 21,10

PARQUE FLORA 2 0,63 4,97 RANCHO FUNDO 1 0,32 5,32

BAIRRO BOTAFOGO 4 1,27 10,02 FIGUEIRAS 3 0,95 15,78

POSSE Subtotal 40 12,66 100,00 IGUACU VELHO 3 0,95 15,78

CORUMBA 5 1,58 26,25

Page 54: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

54

COMENDADOR

SOARES

COMENDADOR

SOARES 13 4,11 28,86 VILA DE CAVA Subtotal 19 6,02 100,00

OURO VERDE 8 2,53 17,77

JARDIM ALVORADA 4 1,27 8,92 MIGUEL COUTO MIGUEL COUTO 11 3,48 36,63

DANON 3 0,95 6,67 BOA ESPERANCA 3 0,95 10,00

JARDIM PALMARES 6 1,90 13,34 PARQUE AMBAI 3 0,95 10,00

ROSA DOS VENTOS 2 0,63 4,42 GRAMA 7 2,22 23,37

JARDIM

PERNANBUCO 1 0,32 2,25 GENECIANO 6 1,90 20,00

JARDIM NOVA ERA 8 2,53 17,77 MIGUEL COUTO Subtotal 30 9,50 100,00

COMENDADOR

SOARES Subtotal 45 14,23 100,00

CABUCU CABUCU 12 3,80 27,90

PALHADA 9 2,85 20,93

VALVERDE 4 1,27 9,32

MARAPICU 2 0,63 4,63

LAGOINHA 7 2,22 16,30

CAMPO ALEGRE 5 1,58 11,60 Localizados Total 316 100,00

IPIRANGA 4 1,27 9,32

CABUCU Subtotal 43 13,61 100,00

Não

Localizados Total 116

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

Assim como em 2008, Centro, Posse, Comendador Soares e Cabuçu já eram,

em 2006 e 2007, URGs com grande frequência de crimes letais intencionais,

acompanhadas, então, por Austin. Vale assinalar que, nesse pequeno universo,

Comendador Soares e Posse fazem caminhos inversos. Em 2006, Comendador Soares

era a URG com maior freqüência (18,56% dos casos), enquanto Posse era, entre as

quatro mais violentas, a de menor incidência (11,72%). Em 2007, Comendador

Soares segue com freqüência maior do que Posse (14,23% para 12,66), mas já é

superada pelo Centro enquanto que Posse apresenta um percentual um pouco mais

alto do que o verificado no ano anterior. Finalmente, como já vimos, em 2008 Posse

já é a URG mais violenta, enquanto Comendador Soares fica em quarto lugar. Juntas,

as quatro URGs totalizaram 58,58% dos casos de mortes intencionais em 2006 e

61,71% daquelas ocorridas em 2007 (apenas para lembrar, em 2008 as quatro

concentraram 64,82% dos casos apurados). O caso de Austin é semelhante ao de

Comendador Soares. Depois de ser a terceira URG mais violenta em 2006 (15,15%),

Austin fica em quarto lugar em 2007 (12,95%) e em sexto lugar em 2008 (9,54%).

Feitas essas considerações mais gerais, passemos à comparação no âmbito dos

bairros. Nas duas tabelas a seguir, apresentamos o ranking dos bairros mais violentos.

Page 55: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

55

Tabela 12

Bairros com maior incidência de vítimas por crimes letais intencionais – 2006

Bairro URG Número de óbitos

Comendador Soares Comendador Soares 18

Santa Rita Vila de Cava 16

Centro Centro 15

Cerâmica Posse 13

Austin Austin 13

Cabuçú Cabuçú 12

Miguel Couto Miguel Couto 12

Jardim Palmares Comendador Soares 10

Jardim Alvorada Comendador Soares 10

Jardim Guandu Km. 32 10

Jardim Nova Era Comendador Soares 9

Rondilândia Austin 8

Tinguazinho Austin 8

Paraiso Km. 32 8

Jardim Pernambuco Comendador Soares 8

Posse Posse 8

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

Tabela 13

Bairros com maior incidência de vítimas por crimes letais intencionais - 2007

Bairro URG Número de óbitos

Comendador Soares Comendador Soares 13 Cabuçú Cabuçu 12

Miguel Couto Miguel Couto 11

Centro Centro 11 Austin Austin 10

Rondilândia Austin 10

Posse Posse 9 Palhada Cabuçú 9

Ouro Verde Comendador Soares 8 Cerâmica Posse 8

Jardim Nova Era Comendador Soares 8

Engenho Pequeno Centro 7

Jardim Tropical Centro 7 Lagoinha Cabuçú 7

Paraíso Km. 32 7 Jardim Guandu Km. 32 7

Grama Miguel Couto 7 Geneciano Miguel Couto 6

Riachão Austin 6

Jardim Palmares Comendador Soares 6 Bairro da Viga Centro 6

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

A listagem dos bairros em que se verificam os maiores números de casos de

violência letal intencional revela uma regularidade bastante razoável. Bairros como

Page 56: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

56

Centro, Comendador Soares, Posse, Miguel Couto, Lagoinha e Cabuçu estão

invariavelmente entre os primeiros lugares. É claro que esses estão, também, entre os

bairros mais populosos e dotados de características mais urbanas no município. Do

ponto de vista da identificação das áreas mais sensíveis no âmbito de um município

das dimensões de Nova Iguaçu, contudo, julgamos que a freqüência de episódios é

mais importante do que a comparação por taxas. A reduzida ocupação pode elevar,

comparativamente, a taxa de um bairro ou região com episódios relativamente baixos

de incidência, enquanto que outras áreas, com incidência alta e população também

expressiva, podem, se estudadas a partir da ponderação episódios/população,

apresentar taxas comparativamente baixas. Em ambos os casos, um recurso

importante de análise comparativa pode acabar por mascarar contextos de maiores ou

menores frequências.

Apenas a título de exercício comparativo para o que estamos alegando,

apresentamos a seguir um ranking dos bairros com mais altas taxas para o ano de

2008 (o cálculo das taxas para 2006 e 2007 encontram-se no anexo 2, tabelas 14 e

15).

Tabela 14

Bairros com maiores taxas de vítimas por crimes letais intencionais – 2008

Bairro URG Taxa (por 10.000 Hab.) Número de óbitos

RIO D OURO TINGUA 20,79 2

LAGOINHA CABUCU 18,62 16

BAIRRO BOTAFOGO POSSE 15,43 7

POSSE POSSE 12,93 19

TINGUA TINGUA 9,24 4

FIGUEIRAS VILA DE CAVA 7,33 2

GENECIANO MIGUEL COUTO 7,10 6

MIGUEL COUTO MIGUEL COUTO 7,07 15

INCONFIDENCIA AUSTIN 7,06 4

AMBAI POSSE 6,03 4

DANON

COMENDADOR

SOARES 5,71 4

IPIRANGA CABUCU 5,40 5

CABUCU CABUCU 5,32 13

PALHADA CABUCU 5,26 7

JARDIM NOVA ERA

COMENDADOR

SOARES 5,07 7

Page 57: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

57

CARLOS SAMPAIO AUSTIN 4,44 3

Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ)

Tomando o ano de 2008 como referência, podemos perceber que oito dos

dezesseis bairros relacionados como os de maior incidência de vítimas, apresentados

na tabela nove, não constam do ranking dos bairros com maiores taxas de vítimas de

violência letal intencional. Isso porque alguns bairros com incidência baixa em

comparação a outros apresentam números elevados, quando usamos como critério a

ponderação de episódios pela população. Sendo assim, o primeiro lugar do ranking

pelas taxas, em 2008 assim como nos anos anteriores, é Rio D’Ouro, que apresenta a

impressionante regularidade de contabilizar duas mortes a cada um dos três anos

estudados. Por outro lado, bairros como Centro, Santa Rita, Bairro da Luz e

Comendador Soares, que apresentam números absolutos destacados, sequer aparecem

na listagem por taxas. Finalmente, cabe enfatizar o caso de bairros como Lagoinha,

Posse, Tinguá e Cabuçu, que apresentam dois dígitos em números absolutos e

ocupam, respectivamente, segundo, quarto, sétimo e décimo terceiro lugares entre as

maiores taxas. A presença desses bairros nos rankings independentemente do critério

utilizado parece confirmar o lugar de destaque negativo entre os mais violentos do

município.

Feitas as observações anteriores, é importante acrescentar algumas outras

sobre a distribuição dos episódios de violência letal intencional em Nova Iguaçu. As

URGs com maiores incidências são, naturalmente, aquelas onde está concentrada a

população do município (Centro, Posse e Comendador Soares). Nesse sentido, cabe

destacar que Cabuçu, que em 2008 foi a segunda URG mais violenta, era, segundo o

censo de 2000, do IBGE, a quinta URG mais populosa. Na mesma direção, cabe

salientar que Miguel Couto, segunda URG menos populosa do município, foi,

também em 2008, a quinta URG com maior número de casos.

Feita essa apresentação introdutória acerca da distribuição espacial da

vitimização por crimes letais intencionais em Nova Iguaçu, vejamos como ela se

distribui no mapa do município propriamente dito.

Page 58: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

58

III.4. Apresentação dos mapas, enfatizando a concentração e os

deslocamentos nos últimos três anos

A distribuição por URGs e bairros dos episódios de violência letal intencional

em Nova Iguaçu já nos dá uma razoável idéia sobre as áreas mais conflagradas, os

espaços mais freqüentes de ocorrências dessa natureza. A pura descrição nominal dos

bairros em que os casos se dão pode, contudo, sugerir uma dispersão maior do que

aquela que efetivamente ocorre. A digitalização dos casos no mapa, através do uso do

programa GeoNIguaçu, contribui para que tenhamos uma idéia mais precisa sobre

concentração e dispersão espacial das mortes provocadas intencionalmente. É o que

passamos a apresentar agora.

Page 59: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Mapa 1

Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais – 2008

Page 60: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Assim como já procedemos anteriormente, começamos a exposição pelo

último ano de nossa série. Optamos, também, por utilizar matizes em que a cor mais

escura aponta as áreas mais conflagradas e a redução das incidências equivale ao

clareamento dos tons avermelhados. O leitor pode observar que há uma razoável

contigüidade entre boa parte dos bairros que apresentam maior freqüência de crimes

letais intencionais. Trata-se de bairros não muito extensos territorialmente e que se

localizam no centro do mapa.

Acima, quase a nordeste do mapa, temos o grande bairro de Geneciano,

relativamente afastado da concentração mencionada anteriormente. Em sua mesma

latitude, caminhando para o centro,temos o bairro de Santa Rita, ponto de partida para

um movimento de descida no mapa pelo qual passamos por Ponto Chique e Posse em

direção à região onde se concentram os bairros com maior incidência. De

Genenciano, podemos fazer o mesmo percurso descendente, passando por Miguel

Couto até chegarmos ao mesmo conglomerado de bairros em que são verificados os

maiores números de vítimas.

Nesse percurso, que tem, ao sul, o Jardim Nova Era, e a leste, o Centro,

identificamos o maior foco de concentração de vítimas de crimes letais intencionais.

Por outro lado, a oeste, relativamente isolado, temos o extenso bairro de Austin, que

também apresenta incidência alta. Ainda muito próximos do bloco de concentração

no centro do mapa, temos os bairros contíguos de Palhada e de Cabuçu, próximos do

limite do município. Mais abaixo, relativamente isolados, temos Lagoinha e Jardim

Guandu.

Temos na descrição de nosso mapa dezesseis bairros que apresentam maior

incidência de crimes letais intencionais. Esses bairros, naturalmente, equivalem

àqueles apresentados anteriormente na tabela sobre o mesmo tema. O que o mapa

acrescenta às informações anteriores é que embora não haja uma concentração

absoluta em alguns poucos bairros vizinhos entre si, é possível verificar uma relativa

contigüidade entre dez deles, além de três outros pontos, não totalmente isolados, de

concentração. Aconselhável insistir: esse acréscimo não é pouca coisa.

A incidência de crimes letais intencionais num determinado ano talvez não

pareça informação suficientemente sólida para as autoridades competentes voltarem

as atenções para as áreas em que tais crimes se concentram. Para esse caso,

buscamos, então, verificar, assim como já o fizemos anteriormente, o comportamento

Page 61: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

61

dos dados nos dois anos anteriores (2006 e 2007) para verificarmos persistências e

variações. Os resultados aparecem nos dois mapas a seguir.

Page 62: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Mapa 2

Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais – 2006

Page 63: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Como o leitor deve recordar, a tabela de 2006 reúne um número maior de

bairros com maior incidência de crimes letais intencionais do que aquela destinada à

distribuição em 2008. Do mesmo modo, apontamos que o número de crimes dessa

natureza vem caindo ao longo do tempo. À luz do mapa de 2006, podemos

acrescentar que a área de concentração dos bairros com maior incidência é mais

ampla do que no mapa anterior. No ano de 2006, começamos nosso périplo um pouco

mais abaixo do que o fizemos para 2008, mais próximos, portanto, do centro do

mapa. Ao norte desse aglomerado, temos Santa Rita, a partir de onde descemos por

Tinguazinho em direção a Austin, à esquerda, e em direção à Posse, passando por

Rondilândia e Ponto Chique, à direita. É nessa área, indo na direção do Centro, à

direita, e mais abaixo, onde se encontram Comendador Soares e, descendo um pouco

mais, Jardim Palmares, Rosa dos Ventos, Jardim Pernambuco e Jardim Nova Era, que

temos, ainda uma vez, os bairros com maior freqüência dos crimes aqui pesquisados.

Ao sul do mapa, temos novamente Jardim Guandu em nosso universo. Dessa vez sem

a companhia de Lagoinha, mas com o vizinho Paraíso.

A mera comparação do ano de 2006 com o de 2008 sugere alguns pontos de

concentração recorrentes, ainda que com pequenas alterações tópicas quanto aos

bairros listados. Temos claramente um problema ao sul do mapa, numa região

relativamente afastada do centro, que diz respeito aos bairros Lagoinha, Jardim

Guandu e Paraíso. A leste do mapa, temos o reincidente bairro de Austin. No

caminho entre a primeira e o segundo, o também reincidente bairro de Cabuçu. A

região central do mapa, a despeito da extensão que a mancha apresenta para o norte,

situa a área mais complicada. Trata-se de uma região que concentra um número

elevado de bairros e uma densidade demográfica igualmente expressiva, onde se

concentra a mancha mais escura de nossa distribuição. Na passagem de 2006 para

2008, o ano de 2007 confirma nossas impressões, como o mapa revela a seguir.

Page 64: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Mapa 3

Porcentagem dos Crimes Letais Intencionais – 2007

Page 65: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Ao sul, temos confirmado um foco de problemas nos bairros de Lagoinha,

Paraíso e Jardim Guandu. Subindo em direção ao centro do mapa, temos, mais uma

vez, Cabuçu, cuja concentração se aproxima mais da região central em função da

incorporação, nesse ano, do bairro acima de Palhada, que também faz parte, nesse

ano, do conjunto de bairros com maior incidência. À nordeste da região central, os

bairros de Miguel Couto e de Grama ocupam posição em nossa lista de dezessete

bairros mais violentos (extraímos os quatro últimos bairros apresentados na tabela

correspondente na seção anterior). A oeste, como de costume, temos Austin, que se

liga aos bairros centrais pelo também presente, nesse ano, bairro de Rondilândia.

Do cotejo dos mapas apresentados, podemos extrair, a princípio, três

conclusões. Em primeiro lugar, cabe salientar que há dois grandes focos de

concentração. Um no centro do mapa e outro ao sul. A despeito de variações que

esticam nossa mancha um pouco mais ao norte e oscilações de presença e ausência de

alguns bairros, essas são áreas aparentemente críticas. Em segundo lugar, cabe

reforçar as persistentemente altas incidências nos bairros de Austin e de Cabuçu que

não se encontram necessariamente em contigüidade com bairros que concentram o

maior número de vítimas. Finalmente, a pior das notícias: a despeito da redução das

taxas e dos números absolutos de crimes letais intencionais em Nova Iguaçu e do

número praticamente igual de bairros incorporados à mancha mais escura de nossos

mapas, o último ano de nosso conjunto apresenta uma fragmentação espacial maior

do que nos anos anteriores. Se for uma tendência confirmada nos próximos anos,

certamente imporá dificuldades na concentração de esforços e na definição de áreas

prioritárias para estratégias voltadas para a redução das mortes violentas causadas

intencionalmente. É claro que em se tratando de um município das dimensões de

Nova Iguaçu e de sua distribuição demográfica essa tendência é sutil, mas cabe

atenção e monitoramento para eventual confirmação ou falsificação dessa possível

tendência.

A pergunta que cabe ser feita nesse momento, contudo, é de outra natureza. Se

isolarmos apenas as vítimas que se situam na faixa etária de maior interesse para nós,

as tendências verificadas no universo mais abrangente se repetem?

Page 66: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Mapa 4

Crimes Letais Intencionais por Idade – de 0 a 17 anos – 2006

Page 67: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

A nordeste do mapa, temos o bairro de Iguaçu Velho, relativamente distante

do centro do mapa onde, novamente, há a maior concentração de bairros com

incidência mais alta. Ainda um pouco distante, mas mais ao centro do mapa, temos o

bairro de Santa Rita e a sua direita, um pouco mais abaixo, Miguel Couto. Ao sul,

dessa vez isolado de seus vizinhos, Jardim Guandu. Mais acima, o freqüentador

permanente de nossa mancha mais escura bairro de Cabuçu. Ao centro, cortando o

mapa em sua latitude, temos a concentração de bairros com maiores incidências de

crimes letais intencionais. Nesse caso, a mancha vai de Vila Guimarães, nos limites a

oeste do município, ao bairro do Centro, no extremo leste.

O mapa cinco, a seguir, sugere que encontraremos a mesma tendência de

dispersão territorial no suceder dos anos, ainda que haja o acréscimo de um único

bairro, se comparado ao ano anterior. Se os bairros mais ao norte deixam a zona mais

escura de nosso mapa, a concentração verificada na área central no mapa anterior é

fragmentada, ainda que em distâncias não muito grandes entre si.

Page 68: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Mapa 5

Crimes Letais Intencionais por Idade – de 0 a 17 anos – 2007

Page 69: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Finalmente, no último ano de nossa série temos um total de dezoito bairros,

dos quais cinco estão na região sul do município, o que confirma nosso argumento

anterior sobre a importância de se dar atenção a essa área11

. Do mesmo modo, ainda

que persista numericamente a concentração de bairros na área central do município,

ela também parece mais fragmentada, repetindo, nessa faixa etária o que indicamos

como uma possível tendência a um ligeiro aumento da dispersão territorial ocorrida

ao longo dos três anos aqui estudados.

11

Situados na área do Km. 32, esses bairros, segundo apuramos, têm uma forte presença de grupos

ligados ao comércio de drogas o que, talvez, explique parcialmente as incidências verificadas.

Page 70: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Mapa 6

Crimes Letais Intencionais por Idade – de 0 a 17 anos – 2008

Page 71: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

Nunca é demais repetir que esses dados são parciais e devem ser encarados

com cuidado. Lidamos aqui apenas com a parcela de vítimas cujo local de ocorrência

foi apurado a partir dos dados dos registros de ocorrência. Infelizmente, não temos

como estimar as mudanças na distribuição, caso estivéssemos lidando com o volume

total de informações ou algo mais próximo disso. De todo modo, a freqüência

apurada nessas áreas é volumosa o bastante para reconhecermos nas áreas e bairros

mencionados campos que impõem a intervenção qualificada do poder público para a

redução dessas incidências. Comparativamente, não há grandes variações também

entre as áreas mais conflagradas pelo viés etário. Crianças e adolescentes morrem

mais praticamente nas mesmas regiões em que está concentrado o maior número de

mortos intencionalmente em Nova Iguaçu, a despeito da idade. Tais indícios são

fortes o suficiente para a orientação de ações públicas, bem como pra o

aprofundamento da compreensão a respeito das dinâmicas de criminalidade letal

intencional no município. Podemos, contudo, tentar ir além e, através de fontes

alternativas, conhecer melhor como se dão tais dinâmicas e o que podemos encontrar

no seu entorno. É o que passamos a fazer no próximo capítulo.

IV. Um passo adiante dos dados policiais. Disque denúncia e conselhos

tutelares

Os dados policiais são, indiscutivelmente, o instrumento privilegiado para

auferir o quadro criminal de um dado contexto. Sua precisão e sua confiabilidade são

o termômetro mais importante sobre os recursos disponíveis num dado contexto para

a realização de diagnósticos, formulação de políticas e avaliação do impacto de ações

do poder público voltadas para o aperfeiçoamento do aparato de segurança e a

redução de episódios de violência. Ainda assim eles são insuficientes para darmos

conta da complexidade dos fatores implicados nas dinâmicas criminais e sozinhos não

bastam para entendermos questões relevantes para a promoção de um sistema

eficiente e defensável de segurança.

Para a análise do caso de incidência de violência letal intencional contra

crianças e adolescentes em Nova Iguaçu, utilizamos uma série de fontes adicionais de

informação. Nesse capítulo trataremos do material extraído em duas delas: o disque

denúncia e os conselhos tutelares. Pelo primeiro, podemos estimar quais são as

manifestações mais freqüentes da população de Nova Iguaçu no que toca à violência

Page 72: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

72

criminal. Evidentemente, por sua própria natureza, os resultados obtidos por essa

fonte não podem ser tomados como representativos do que inquieta a população do

município em geral. Tomados em seu conjunto, contudo, eles são expressivos daquilo

que uma parcela da população julga passível de denúncia e de atenção do aparato

policial. Esse universo de denunciantes não é representativo da população como um

todo. Há em sua constituição um claro viés relacionado ao acesso a informação, ao

conhecimento da existência do programa e à crença de que sua iniciativa pode render

resultados. Esse viés, possivelmente, se traduz nos tipos de denúncia que são feitas,

bem como em sua distribuição por incidência e localidade. Ainda assim, insistimos, o

material daí resultante rende uma boa análise sobre as inquietações dessa parcela da

população de Nova Iguaçu e merece ser analisado.

Os dados extraídos junto aos conselhos tutelares têm uma natureza distinta e

complementar. Há indícios fortíssimos de que, na maior parte dos casos, um episódio

de violência letal intencional é o desfecho trágico e anunciado de trajetórias marcadas

pela proximidade à violência. Dito de outra forma: muitas das mortes poderiam ser

evitadas se o percurso de violência em que a vítima esteve enredada sistematicamente

(também na qualidade de vítima, de agressor ou de ambos) fosse interrompido a

tempo. Para o caso das mortes que atingem crianças e adolescentes, os conselhos

tutelares são, por sua vocação e pela rotina de trabalho, uma fonte preciosa de

informações.

Criados sob a égide do estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em

1990, os conselhos tutelares são, ou deveriam ser, a instância privilegiada a ser

acionada e dar encaminhamento aos casos em que crianças e adolescentes têm seus

direitos violados e sua integridade ameaçada. Seu lugar institucional, suas

articulações com demais instâncias do poder público e com a sociedade e suas

limitações operacionais serão objeto de discussão no próximo capítulo. Neste,

buscamos utilizar as preciosas informações que nos são reveladas pelos fluxos de

atendimento e pelo depoimento de alguns de seus membros. Através deles julgamos

obter um melhor entendimento acerca das dinâmicas de violência e/ou violação de

direitos nas quais crianças e adolescentes estão envolvidos, as fontes de maior pressão

por demandas e situações preferenciais em que esse segmento da população revela

sua vulnerabilidade.

Page 73: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

73

IV. 1. O que a população de Nova Iguaçu revela ao Disque Denúncia

O disque Denúncia é uma Organização Não Governamental criada em 1995 e

funciona com base em uma parceria entre o MovRio e a Secretaria de Segurança do

Estado do Rio de Janeiro. O programa recebe informações da população em geral

sobre episódios criminais e violações da lei, garantindo sempre o anonimato do

denunciante. Uma vez recebidas, as denúncias passam por uma triagem destinada a

checar a pertinência da denúncia e, quando é o caso, repassá-la aos órgãos oficiais

competentes (no mais das vezes, à polícia). Segundo o site oficial do programa

(www.disquedenuncia.org.br) desde sua criação já foram recebidas cerca de um

milhão de denúncias e o serviço auxiliou a elucidação de aproximadamente 90 mil

casos.

Para auxiliar e qualificar nossa análise, a equipe do Disque Denúncia nos

franqueou todos os dados relativos a denúncias feitas em Nova Iguaçu entre os anos

de 2002 e 2008. Durante esse período, foram contabilizadas 10964. Em tabela em

anexo (anexo 2, tabela 16), apresentamos o total delas por tipo. Na tabela a seguir,

estão listadas as vinte mais recorrentes, segundo categorização do próprio órgão.

Tabela 15

Tipo de Assunto da denúncia - Nova Iguaçu - 20 mais denunciados (2002/2008)

Nº %

TRÁFICO DE DROGAS 2708 24,7

MAUS TRATOS 959 8,7

HOMICÍDIO CONSUMADO 692 6,3

ESTELIONATO 397 3,6

VIOLÊNCIA CONTRA IDOSO 367 3,3

GRUPOS DE EXTERMÍNIO 353 3,2

VIOLÊNCIA CONTRA MULHER 316 2,9

POSSE ILÍCITA DE ARMAS FOGO 278 2,5

ROUBO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES 229 2,1

LOCALIZAÇÃO DE FORAGIDOS DA JUSTIÇA 225 2,1

CONSUMO DE DROGAS 219 2

CORRUPÇÃO DE MENORES 203 1,9

DESVIO DE CONDUTA 199 1,8

AMEAÇA 175 1,6

DESMONTE VEÍCULOS 160 1,5

BARULHO 157 1,4

CRIAÇÃO ANIMAIS DES NORMAS SEGURANÇA 143 1,3

ABANDONO 141 1,3

ESTUPRO 133 1,2

ROUBO/FURTO A RESIDÊNCIAS 129 1,2

Fonte: Disque Denúncia

Page 74: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

74

Como pode ser verificado, é flagrante a predominância de questões relativas

ao tráfico de drogas, que totalizam quase um quarto de todas as denúncias feitas no

período destacado. Chama atenção, também, a alta incidência de maus tratos, segundo

tipo mais frequente. Cabe destacar, também, a posição ocupada pelos casos de grupos

de extermínio, problema reconhecidamente relevante em Nova Iguaçu e outros

municípios da Baixada, e de violência contra mulher, respectivamente sexto e sétimo

casos mais freqüentes.

Ainda em uma perspectiva mais geral das denúncias, buscamos determinar os

bairros sobre os quais as denúncias são mais freqüentes. Os resultados obtidos estão

expostos na tabela a seguir.

Tabela 16

Bairro do Local da Ocorrência - Corrigido - Nova Iguaçu

Freq. %

Centro 772 7,8

California 152 1,5

Vila Nova 97 1

Caonze 42 0,4

Da Luz 138 1,4

Santa Eugenia 156 1,6

Jardim Iguaçu 78 0,8

Chacrinha 40 0,4

Moqueta 134 1,4

Viga 58 0,6

Rancho Novo 131 1,3

Vila Operaria 110 1,1

Engenho Pequeno 264 2,7

Jardim Tropical 161 1,6

Da Prata 126 1,3

Posse 683 6,9

Da Ceramica 239 2,4

Ponto Chic 81 0,8

Ambai 107 1,1

Nova America 74 0,7

Camari 217 2,2

Tres Coraçoes 34 0,3

Kennedy (Caioaba) 94 0,9

Parque Flora 116 1,2

Botafogo 107 1,1

Comendador Soares 720 7,3

Ouro Verde 43 0,4

Jardim Alvorada 194 2

Danon 61 0,6

Jardim Palmares 46 0,5

Rosa dos Ventos 100 1

Jardim Pernambuco 195 2

Page 75: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

75

Jardim Nova Era 235 2,4

Cabuçu 268 2,7

Da Palhada 163 1,6

Valverde 106 1,1

Marapicu 198 2

Lagoinha 84 0,8

Campo Alegre 156 1,6

Ipiranga 43 0,4

Km – 32 73 0,7

Paraiso 130 1,3

Jardim Guandu 26 0,3

Prados Verdes 34 0,3

Austin 931 9,4

Riachao 27 0,3

Carlos Sampaio 2 0

Tinguazinho 32 0,3

Cacuia 65 0,7

Rodilandia 15 0,2

Vila Guimaraes 33 0,3

Vila de Cava 271 2,7

Santa Rita 382 3,9

Rancho Fundo 25 0,3

Figueiras 100 1

Iguaçu Velho 18 0,2

Corumba 147 1,5

Miguel Couto 374 3,8

Boa Esperança 53 0,5

Parque Ambai 56 0,6

Grama 38 0,4

Geneciano 35 0,4

Tingua 80 0,8

Montevideu 89 0,9

Adrianopolis 37 0,4

Total 9896 100

Bairros não encontrados 1068

Fonte: Disque Denúncia

Centro, Austin, Comendador Soares e Posse são, pela ordem, as que

apresentam maior incidência de denúncias. Mais uma vez, devemos lembrar que as

diferenças populacionais não podem simplesmente ser negligenciadas. Do mesmo

modo, é plausível imaginar que a tendência a fazer denúncias está diretamente

relacionada ao maior acesso a informações e ao conhecimento dos serviços

disponíveis. Ainda assim, vale apontar a razoável consistência entre as áreas em que

mais há denúncias de crimes e violações da lei e aquelas em que estão concentradas

as incidências de violências letais intencionais.

Para lidarmos com as questões envolvendo especificamente crianças e

adolescentes, filtramos entre todos os casos em que há referência a idade do

Page 76: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

76

envolvido aqueles que dizem respeito a essas faixas etárias especificamente. Para dar

um pouco mais de consistência à análise e reduzir a dispersão, agregamos os casos tal

como aparecem na base do Disque Denúncia em sete variáveis. Os resultados obtidos

para a faixa de zero a onze anos estão expostos na tabela 17.

Tabela 17

Tipo de Assunto agregado - 0 a 11 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu - 2002-2008

Tipo de Assunto Freq. %

Crimes contra a pessoa c/ violência 11 7,2

Crimes contra a pessoa s/ violência 82 53,9

Crimes de natureza sexual 23 15,1

Crimes contra o patrimônio 3 2

Crimes relacionados a drogas 14 9,2

Desaparecimento 3 2

Outros 12 7,9

Menor infrator 4 2,6

Total 152 100

Fonte: Disque Denúncia

Como já era esperado a luz do que auscultamos junto aos conselhos tutelares e

a outros informantes, a maior incidência nessa faixa etária recai sobre crimes contra a

pessoa sem violência. É importante não se deixar levar pela aparência de que se trata

de problemas de menor importância. Nessa rubrica estão embutidos casos como maus

tratos, corrupção de menor e ameaça, tipos de violação que, embora não envolvam

necessariamente o uso de violência aberta, causam evidentes danos às vítimas. Nessa

faixa etária as crianças ainda estão pouco sujeitas às dinâmicas do espaço público e

normalmente é no espaço doméstico, e sob formas menos facilmente captáveis, que

são iniciadas nas dinâmicas que, na maior parte das vezes, deixam sequelas de difícil

superação.

Também chama a atenção nos dados apresentados anteriormente a

relativamente alta incidência de crimes de natureza sexual. Eles são o segundo tipo

mais freqüente. Finalmente, cabe mencionar que das quatorze denúncias relativas a

drogas, treze diziam respeito a tráfico.

Como fica explícito por alguns casos agregados nas categorias por nós

criadas, nem todas as denúncias têm a criança como vítima. Seriam necessários

Page 77: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

77

muitos meses de trabalho para, tal como o banco está estruturado, apurássemos cada

caso, definindo se a criança está envolvida como vítima ou como autora. Uma leitura

aleatória e parcial das informações, contudo, nos assegura que em grande parte o

envolvimento da criança se dá na condição de vítima.

Não custa destacar mais uma vez que esses dados são interessantes não por

traduzirem as dinâmicas que ocorrem no cotidiano do município. Eles expressam,

mais exatamente, o conjunto de questões e problemas que tendem a causar maior

mobilização junto aos cidadãos e os leva a acionar o serviço. É exatamente nesse

aspecto, no que desvela o que assombra e perturba, que eles devem ser analisados. O

cruzamento deles com os dados oficiais oferece pistas promissoras. Eles podem

reforçar o quadro geral descrito nos dados policiais; podem apontar questões pouco

visíveis a luz desses mesmos dados; podem, finalmente, abrir canais interpretativos

sobre convergências e divergências entre o que é apresentado por uma parte da

população e o que é captado pela atividade policial e se traduz em registros de

ocorrências criminais. Infelizmente, a exploração de cada um desses pontos nos

levaria para muito longe do alcance a que nos propomos presentemente.

Voltando, então, aos resultados obtidos junto ao Disque Denúncia,

apresentamos a seguir a distribuição dos casos por bairros. Para essa discussão,

optamos por assumir a dispersão e mantivemos os registros distribuídos por bairros.

No resultado final, temos Comendador Soares, Austin e Miguel Couto, bairros já

bastante citados a essa altura do trabalho, liderando as ocorrências envolvendo

crianças. Por outro lado, bairros como o Centro apresentam apenas dois casos ao

longo dos sete anos aqui apresentados.

Tabela 18

Bairro do Local da Ocorrência - 0 a 11 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu - 2002-2008

Bairro Freq. %

Comendador Soares 22 15,6

Austin 16 11,3

Miguel Couto 10 7,1

California 7 5

Da Prata 6 4,3

Posse 6 4,3

Campo Alegre 6 4,3

Corumba 6 4,3

Page 78: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

78

Santa Eugenia 4 2,8

Parque Flora 4 2,8

Santa Rita 4 2,8

Moqueta 3 2,1

Da Ceramica 3 2,1

Nova America 3 2,1

Camari 3 2,1

Kennedy (Caioaba) 3 2,1

Jardim Alvorada 3 2,1

Cacuia 3 2,1

Centro 2 1,4

Jardim Iguaçu 2 1,4

Engenho Pequeno 2 1,4

Tres Coraçoes 2 1,4

Jardim Palmares 2 1,4

Cabuçu 2 1,4

Da Palhada 2 1,4

Figueiras 2 1,4

Parque Ambai 2 1,4

Tingua 2 1,4

Viga 1 0,7

Vila Operaria 1 0,7

Jardim Tropical 1 0,7

Botafogo 1 0,7

Rosa dos Ventos 1 0,7

Valverde 1 0,7

Riachao 1 0,7

Vila de Cava 1 0,7

Montevidéu 1 0,7

Total 141 100

Não encontrados 11 7,8

Fonte: Disque Denúncia

Para que o leitor possa mais facilmente visualizar a incidência dos principais

grupos de episódios criminais denunciados ao programa, apresentamos, a seguir, os

mapas para cada um deles.

O mapa número sete apresenta a distribuição no município das incidências de

denúncias de crimes com violência em que crianças estão envolvidas.

Page 79: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

79

Mapa 7

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes contra a pessoa com violência - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1

2

3

APA®

Page 80: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

80

Quão mais escura a cor utilizada para o bairro, maior a incidência de

denúncias ali situadas. Para esse caso específico, Comendador Soares reforça,

solitariamente, a imagem pouco favorável que lhe vem sendo imposta pela análise

apresentada até o momento. No grupo que se encontra na segunda escala temos

Austin, Jardim Palhada, Jardim Palmares, Engenho Pequeno, Camari, Engenho Novo,

Miguel Couto e Figueiras. Nesse segundo grupo temos bairros que freqüentam

regularmente posições de destaque em todos os comentários realizados nesse estudo.

São casos como os de Austin e Miguel Couto, por exemplo.

É importante realçar que dentre as categorias por nós estabelecidas esse é o

conjunto que reúne os episódios mais graves de violação, uma vez que envolvem o

uso efetivo de violência física (exceção feita aos crimes de natureza sexual, que

optamos por tratar como um caso a parte). Comparativamente aos demais universos

tratados aqui, temos um conjunto reduzido de bairros. Ainda assim, se sobrepusermos

esse mapa com os mapas de violência letal encontraremos várias coincidências locais,

que apontarão, certamente, os locais mais sensíveis tanto do ponto de vista de

incidência quanto de potencial de reprodução desse quadro nos anos posteriores,

abstraídas, naturalmente, possíveis novidades como intervenções públicas e políticas

focadas para tais regiões.

No mapa a seguir, verificamos a distribuição das denúncias de episódios que

não envolvem o uso efetivo de violência. Nele, encontramos novamente o bairro de

Comendador Soares, dessa vez, contudo, na companhia de outro freqüentador assíduo

de nossas listas: o bairro de Austin. Em escala um pouco inferior, Miguel Couto volta

a aparecer nesse item, cuja lista é completada por Campo Alegre, a sudoeste do

município, Corumbá e Prata. Importante lembrar que, embora a rubrica sem violência

possa sugerir que este seja um mapa sobre denúncias de problemas de menor

gravidade, esse não é o caso. Nossa inclinação é considerar que os tipos de ocorrência

inscritas nessa categoria são comuns nas trajetórias daqueles que, de um jeito ou de

outro, acabam envolvidos em episódios de violência letal intencional e dificilmente é

possível agir sobre a incidência dessa modalidade de violência sem atentar para

aquelas supostamente mais “brandas”.

Page 81: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

81

Mapa 8

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes contra a pessoa sem violência - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1

2 - 3

4 - 6

7 - 12

APA®

Page 82: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

82

O mapa 9 se refere a denúncias de crimes relacionados a drogas. Como já

mencionamos, chamou nossa atenção o fato de que, mesmo na faixa etária mais baixa

essas denúncias se concentram na rubrica tráfico. Não temos como saber exatamente

o que isso significa para além da incidência das denúncias. Elas tanto podem atestar

uma tendência, apontada por alguns intérpretes, sobre a redução da idade de

recrutados para o cumprimento de tarefas específicas nos grupos ligados ao comércio

de drogas, quanto podem resultar de uma certa tendência dos próprios denunciantes

em fazer tábula rasa dos vários tipos de envolvimento com as drogas (uso e

comercialização, por exemplo). Uma terceira alternativa seria a de que a população

tende a fazer denúncia mais recorrentemente quando associa a presença de drogas ao

envolvimento com o tráfico. O mais provável é que esse três fatores estejam

convergindo para esse resultado, cuja distribuição é ilustrada no mapa a seguir.

Importante repetir que para nosso interesse e dados os números obtidos, apresentamos

as questões relativas a drogas em um mesmo conjunto. Em relação a esse problema,

Cerâmica, Posse e Prata são os bairros que apresentam a maior incidência de

denúncias. Talvez não seja casual que as duas primeiras sejam freqüentadoras

assíduas de nossas listagens.

Page 83: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

83

Mapa 9

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes relacionados a drogas - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1

2

APA®

Page 84: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

84

O último mapa produzido com base nas informações do Disque Denúncia para

a faixa etária de 0 a 11 anos refere-se às denúncias relativas a crimes contra o

patrimônio. Nesses casos, por inacreditável que possa parecer, as denúncias incidem

sobre crianças como perpetradoras dessa modalidade de violação. Ainda que residual,

optamos por apresentar a distribuição dos números no mapa a seguir.

Exatamente pelo volume reduzido de casos, temos apenas duas faixas e na

mais escura temos, novamente, o bairro de Austin em nossa lista, acompanhado,

dessa feita, por Vila Operária e Camari. Os demais bairros estão zerados ou próximos

de zero.

Page 85: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

85

Mapa 10

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes contra o patrimônio - 0 a 11 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1

APA®

Page 86: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

86

A passagem do universo da infância para a adolescência implica mudanças de

várias naturezas. Para o foco de nosso interesse, percebemos, como já era esperado,

alterações significativas. A primeira delas, que não está traduzida em números por

razões já apontadas, diz respeito ao tipo de participação nos episódios denunciados.

Se no caso da faixa entre zero e onze anos predominava o envolvimento como vítima,

na faixa subseqüente (doze a dezessete anos) a tendência se inverte. À medida que a

idade avança, passam a predominar os casos em que adolescentes aparecem

envolvidos como autores ou ao menos objeto das denúncias. Infelizmente, pelas

razões mencionadas anteriormente, não tivemos como quantificar de modo preciso

essa tendência.

Outra diferença observada entre as duas faixas etárias aqui estudadas diz

respeito às frequências das modalidades de crime denunciadas12

. Crimes relativos a

drogas e denúncias contra menores infratores totalizam quase metade das 1123

denúncias realizadas, sendo que dos 313 casos relativos a drogas, 240 são referidos a

tráfico. Embora tenha sua participação reduzida comparativamente à infância, os

episódios reunidos sob a rubrica crimes contra a pessoa sem violência estão no

mesmo patamar que crimes contra o patrimônio (nunca é demais lembrar que essa é

uma modalidade muito comum na aplicação de medidas sócio-educativas) e abaixo

de crimes de natureza sexual. Um estudo mais longo e detalhado da base de dados do

Disque Denúncia certamente revelará que, no uso desse serviço, crianças mobilizam

ímpetos de proteção por parte dos denunciantes contra as violações de que são

vítimas, enquanto adolescentes tendem, à medida que avançam sua idade, a ser objeto

de denúncia.

12

A categorização usada para os casos envolvendo adolescentes foi: crimes contra a pessoa com violência

(homicídio consumado, lesão corporal, violência contra a mulher, violência contra idoso, violência contra

deficientes, seqüestro simples e cárcere privado, tentativa de homicídio, aborto, tentativa de homicídio e

grupos de extermínio); crimes contra a pessoa sem violência (criança e adolescente infrator, maus tratos,

abandono, ameaça e corrupção de menores); crimes de natureza sexual (favorecimento à prostituição/lenocínio, atentado violento ao pudor, estupro e prostituição infantil); crimes contra o

patrimônio (roubo/furto a residências, roubo de veículos, roubo/furto a transeuntes, roubo de fios de

cobre, roubo de carga, roubo/furto a estabelecimentos, receptação/comercialização de produtos roubados,

estelionato, extorsão simples, furto de veículos, crimes relacionados a drogas (apologia ao tráfico,

consumo de drogas e tráfico de drogas). As categorias menor infrator e desaparecimento não foram

agregadas. Em outros está uma série de episódios de interesse menor para nossa pesquisa.

Page 87: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

87

Tabela 19

Tipo de Assunto agregado - 12 a 17 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu - 2002-2008

Tipo de Assunto Freq. %

Crimes contra a pessoa c/ violência 101 9

Crimes contra a pessoa s/ violência 124 11

Crimes de natureza sexual 85 7,6

Crimes contra o patrimônio 126 11,2

Crimes relacionados a drogas 313 27,9

Desaparecimento 10 0,9

Outros 127 11,3

Menor infrator 237 21,1

Total 1123 100

Fonte: Disque Denúncia

Em relação aos bairros em que os episódios denunciados se verificam, Austin

apresenta freqüência bem maior do que todos os demais, participando com 11,6% do

total. Mais abaixo, os repetidamente mencionados bairros de Posse, do Centro e de

Comendador Soares. Miguel Couto, outro bairro bastante mencionado ao longo de

nosso estudo, aparece com freqüência relativamente baixa, atrás de Marapicu, bairro

mencionado aqui pela primeira vez. Seguem a distribuição das denúncias por bairros

e os mapas por modalidades de crimes denunciados.

Tabela 20

Bairro do Local da Ocorrência - 12 a 17 anos - Total de Ocorrências - Nova Iguaçu

Bairro Freq. %

Austin 117 11,6

Posse 66 6,5

Centro 65 6,4

Comendador Soares 64 6,3

Marapicu 38 3,8

Miguel Couto 37 3,7

Parque Flora 35 3,5

Valverde 34 3,4

Jardim Nova Era 33 3,3

Rosa dos Ventos 30 3

Santa Rita 26 2,6

Engenho Pequeno 25 2,5

Cabuçu 25 2,5

Jardim Pernambuco 24 2,4

Vila de Cava 24 2,4

Da Palhada 21 2,1

Page 88: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

88

Figueiras 20 2

Paraiso 19 1,9

Riachao 19 1,9

Moqueta 18 1,8

Da Ceramica 17 1,7

Ambai 16 1,6

Camari 14 1,4

Tres Coraçoes 14 1,4

Kennedy (Caioaba) 14 1,4

Botafogo 14 1,4

Jardim Alvorada 14 1,4

Lagoinha 14 1,4

Santa Eugenia 11 1,1

Montevideu 11 1,1

Adrianopolis 11 1,1

Rancho Novo 10 1

Campo Alegre 10 1

Corumba 10 1

Caonze 8 0,8

Jardim Iguaçu 8 0,8

Cacuia 8 0,8

California 6 0,6

Vila Operaria 6 0,6

Nova America 6 0,6

Viga 5 0,5

Ipiranga 5 0,5

Tinguazinho 5 0,5

Tingua 5 0,5

Jardim Tropical 4 0,4

Da Prata 4 0,4

Km – 32 4 0,4

Parque Ambai 4 0,4

Danon 3 0,3

Vila Nova 2 0,2

Ponto Chic 2 0,2

Prados Verdes 2 0,2

Vila Guimaraes 2 0,2

Rancho Fundo 2 0,2

Iguaçu Velho 1 0,1

Total 1012 100

Não encontrados 111 11

Fonte: Disque Denúncia

Para fins comparativos, observamos nos casos dos adolescentes os mesmos

procedimentos adotados com a faixa anterior. Os quatro mapas expostos a seguir

dizem respeito às mesmas categorias para as quais utilizamos as mesmas estratégias

analíticas. O que eles sugerem?

Em relação às denúncias de crimes envolvendo efetivamente o uso de

violência, reencontramos um bairro contumaz no capítulo precedente e não

mencionado na exposição dos mapas anteriores produzidos a partir do Disque

Page 89: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

89

Denúncia: o Centro. Ausente dos conjuntos relativos à faixa de 0 a 11 anos, ele é o

único que apresenta a mancha mais escura nos casos de crimes envolvendo uso da

violência. Para os casos em que não há uso de violência, o Centro também está

presente, dessa vez com dois companheiros contumazes e também freqüentes nos

mapas anteriores: Austin e Comendador Soares. No que diz respeito aos crimes

relacionados a drogas, Austin aparece mais uma vez, solitário, como o bairro de

maior freqüência. Finalmente, nas denúncias atinentes a crimes contra o patrimônio

com envolvimento de adolescentes, novamente o Centro aparece com destaque,

acompanhado, dessa vez, do não muito citado bairro de Engenho Pequeno.

Page 90: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

90

Mapa 11

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes contra a pessoa com violência - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1 - 2

3 - 4

5 - 6

7 - 12

APA®

Page 91: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

91

Mapa 12

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes contra a pessoa sem violência - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1

2

3 - 5

6 - 15

APA®

Page 92: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

92

Mapa 13

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes relacionados a drogas - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0 - 2

3 - 6

7 - 12

13 - 21

22 - 37

APA®

Page 93: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

93

Mapa 14

Fonte: Disque Denúncia

Tingua

Adrianopolis

Campo Alegre

Iguaçu Velho

Km - 32

Tinguazinho

Montevideu

Lagoinha

Marapicu

Geneciano

Ipiranga

Prados Verdes

Rio D'Ouro

Cabuçu

Austin

Paraiso

Centro

Riachao

Jaceruba

Santa Rita

Da LuzDa Palhada

Corumba

Jardim Guandu

Valverde

Cacuia

Ponto Chic

Danon

Camari

Vila de Cava

Grama

Moqueta

Rodilandia

AmbaiMiguel Couto

Da CeramicaDa Posse

Rancho Fundo

Jardim Palmares

Nova America

Carlos Sampaio

Figueiras

Vila Guimaraes

Da VigaInconfidencia

Caonze

Comendador Soares

Vila Nova

Ouro Verde

Jardim Alvorada

Parque Ambai

Jardim Nova Era

Rosa dos Ventos

Da Prata

Tres Coraçoes

California

Rancho Novo

Botafogo

Vila Operaria

Engenho Pequeno

Boa Esperança

Chacrinha

Crimes contra o patrimônio - 12 a 17 anos - Nova Iguaçu - 2002-2008

Legenda

0

1

2

3

4

APA®

Page 94: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

94

Os resultados encontrados permitem algumas inferências tentativas, desde que

acompanhadas por reservas orientadas pelo princípio da prudência. A julgar pelos

dados do programa aqui estudado, o Centro, bairro que apresenta incidência constante

de episódios de crimes letais intencionais, é o inferno dos adolescentes, mas,

aparentemente, não é foco de concentração de denúncias referidas a crianças. Austin

aparece quatro vezes nos últimos oito mapas, inserido nos grupos de maior incidência

em dois tipos relativos a crianças (crime sem violência e crimes contra o patrimônio)

e dois referentes a adolescentes (crime sem violência e drogas). Comendador Soares

aparece nos dois primeiros mapas dedicados às denúncias envolvendo crianças

(crimes com e sem violência) e em um dedicado a adolescentes (crimes sem

violência).

Vale lembrar que os três bairros citados no parágrafo anterior aparecem com

regularidade na análise dedicada à incidência de violência letal intencional. São

bairros, portanto, que merecem atenção do poder público e adoção de iniciativas

variadas voltadas pra a redução e a prevenção da violência letal. Esse é o caso,

também, de alguns outros bairros, como Jardim Palhada, Miguel Couto e Campo

Alegre, por exemplo.

As freqüências de denúncias observadas a partir da análise do banco de dados

do programa estudado apresentam algumas convergências com as localizações dos

episódios de violência letal intencional verificados a partir dos dados da Polícia Civil.

Elas reforçam o temor quanto ao tráfico, ao seu potencial perturbador. Esse é o caso

mais freqüente no universo dos adolescentes e também no quadro geral das denúncias

em Nova Iguaçu (são 24,7% do total de denúncias). Se confrontamos o total de

denúncias de homicídios àquele referido ao corte etário privilegiado por nossa

análise, também somos instados a supor que, na percepção dos usuários do Disque

Denúncia, os casos de homicídios se tornam mais graves à proporção que a faixa

etária sobe.

Agregados em nossa análise à categoria mais geral crime contra a pessoa com

violência, o total de denúncias de homicídios envolvendo crianças e adolescentes

contribui para que a categoria mais geral em que está agregada não passe de um

quinto lugar em ambas as faixas etárias aqui destacadas. Tomada isoladamente,

porém, essa categoria, no total de denúncias, encontra-se em terceiro lugar, superada

Page 95: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

95

apenas por tráfico de drogas e maus tratos. Isso nos leva a crer que, sem descuidar da

incidência de homicídios consumados contra crianças e adolescentes, devemos focar

nossas atenções também em modalidades mais “brandas” de violência e em crimes

que não necessariamente envolvem violência e que afetam preferencialmente crianças

e adolescentes (assim como mulheres e idosos). Como argumentaremos mais adiante,

agir sobre essas últimas modalidades equivale a adoção de uma abordagem de médio

prazo para a redução da violência letal que atinge jovens adultos.

Uma última observação cabe ser feita em relação às informações extraídas do

disque denúncia. Como já apontamos anteriormente, a violência e a violência letal em

Nova Iguaçu estão historicamente marcadas pela atuação de grupos de extermínio.

Embora menos visível que outrora, esse personagem segue atuando e assombrando a

população desse e dos municípios vizinhos. No total de denúncias recebidas, esse

problema aparece em sexto lugar, contabilizando 353 num total de 10.964 casos. No

recorte etário aqui estudado, encontramos uma única denúncia, computada na faixa

entre 12 e 17 anos.

Os dados do Disque Denúncia, repetimos, apresentam razoável convergência

entre as áreas mais afetadas por interações que implicam uso da violência ou violação

de direitos e aquelas de maior incidência de violência letal intencional. Embora não

tenhamos condições de inferências conclusivas, a comparação das informações

analisadas até aqui sugerem uma grande correlação entre tais modalidades de

violência e de violação de direitos. Essa impressão fica mais forte a luz das

informações colhidas junto aos conselhos tutelares, matéria da seção a seguir.

IV. 2 Conselhos Tutelares. O que se passa com crianças e adolescentes em

situação de vulnerabilidade em Nova Iguaçu

Em nosso estudo, os conselhos tutelares da criança e do adolescente de Nova

Iguaçu têm um triplo interesse. Concebidos sob o marco do Estatuto da Criança e do

Adolescente, essa modalidade de conselho tem a missão de receber denúncias e tomar

providências quanto à violação de direitos, ao uso da força e encaminhamento para a

adoção de medidas de proteção a esses dois segmentos da sociedade. Isso faz com

Page 96: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

96

que o conselho ocupe um papel institucional fundamental para qualquer política

voltada para crianças e adolescentes. Aí está a primeira fonte de nosso interesse.

Em segundo lugar, exatamente por sua atribuição institucional, os fluxos de

atendimento dos conselhos são um uma fonte importante para auscultarmos as

dinâmicas predominantes que atingem crianças e adolescentes, sobretudo para os

casos que, por sua natureza, se caracterizam como violações ou violações graves de

direitos.

Em terceiro lugar, em função da natureza de seu trabalho e da forma como

alçam a essa posição (o cargo de conselheiro é ocupado a partir de um mandato

eletivo de três anos e para exercer tal função os postulantes devem necessariamente

morar no raio de alcance do conselho), os conselheiros têm larga experiência e um

conhecimento qualitativo bastante apurado sobre as dinâmicas que implicam

vitimização e violação de direitos de crianças e adolescentes.

O primeiro aspecto dos conselhos tutelares será explorado no capítulo

posterior, dedicado ao sistema de público de atendimento à criança e ao adolescente.

Nessa seção, apresentaremos uma análise do fluxo de atendimentos dos conselhos e

das percepções dos conselheiros sobre os problemas relativos a seu público alvo.

IV.3 Fluxos de atendimento de três conselhos em Nova Iguaçu

O município de Nova Iguaçu dispõe, atualmente, de cinco conselhos tutelares

– Centro, Comendador Soares, Vila de Cava, Cabuçu e Austin. Dados o tempo

disponível para a realização do levantamento e as condições em que se encontram as

informações relativas ao atendimento, optamos por selecionar apenas três conselhos e

levantar o total de atendimentos realizados no ano de 2008. Antes desse trabalho,

realizamos entrevistas com conselheiros de todos os conselhos e com a responsável

pela coordenação dessas instâncias, lotada na Secretaria Municipal de Assistência

Social e Proteção à Vida de Nova Iguaçu. A partir dessas entrevistas, escolhemos

como campo para o recolhimento das informações os conselhos de Vila de Cava, do

Centro e de Comendador Soares.

Page 97: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

97

Nossa expectativa era cobrir todos os processos abertos, verificando perfil das

vítimas, dos agressores/violadores, natureza da queixa e seus desdobramentos

imediatos. Conseguimos cobrir o total de casos de Vila de Cava e uma parte

expressiva dos casos de Comendador Soares. O levantamento no conselho do Centro

foi bastante prejudicado por uma série de problemas operacionais. Por isso,

conseguimos cobrir apenas cerca de 60% do total, o que, de toda forma, oferece um

conjunto expressivo do seu fluxo.

Além de doze entrevistas realizadas com conselheiros e com servidores da

prefeitura vinculadas ao sistema, preparamos uma ficha de preenchimento para extrair

as informações que nos pareciam mais relevantes dos processos abertos. A realização

das entrevistas não ofereceu maiores dificuldades (ver no anexo 3 o roteiro de

entrevistas e no anexo 4 a ficha de coleta de dados do atendimento). Em geral, os

agentes contatados mostraram-se atenciosos e dispostos a cooperar, enfatizando,

invariavelmente, o interesse e o reconhecimento da importância do trabalho. A coleta,

por outro lado, impôs muitos problemas.

A rotina de atendimento dos conselheiros é intensa, são necessários

deslocamentos freqüentes para visitas e atendimentos externos, as demandas são de

tipos variados e os problemas encaminhados são complexos, envolvendo,

frequentemente, muitos personagens e papéis sobrepostos (não são poucos os casos,

por exemplo, em que um mesmo ator aparece como vítima e transgressor ou em que

há adolescentes vítimas e agressores). Além disso, e pour cause, os registros são

feitos de forma não padronizada, o que fez com que o preenchimento do instrumento

concebido para captação de informações constantes nos processos tenha se

transformado num árduo, demorado e, por vezes, estressante exercício hermenêutico.

As condições de trabalho dos conselheiros estão longe de ser das melhores. As

informações são preenchidas à mão e pilhas de papéis se avolumam sem que haja

condições mínimas de consolidação das informações. No ano de 2008, a SEMASPV

criou uma ficha com informações básicas a serem preenchidas pelos conselheiros.

Utilizadas inicialmente, essas fichas logo foram abandonadas, uma vez que seu

preenchimento adicionava mais uma atribuição aos conselheiros, representando, ao

menos aos seus olhos, duplicação de trabalho. As dificuldades para sistematizar as

Page 98: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

98

informações, analisá-las e definir parâmetros a partir dessa análise aparecem com

freqüência nos depoimentos. O trecho a seguir ilustra tais problemas;

“(...) eu vou torcer pra que vocês consigam mesmo fazer esse mapeamento, ele é

necessário. Inclusive eu sinto muito, porque a gente às vezes não consegue... mesmo

sabendo de muita coisa, a gente não consegue ajudar muito. Por quê? É difícil pra

gente fazer o nosso próprio mapeamento, porque o dia é corrido. Hoje, por exemplo,

está sendo um dia tranqüilo, porque está chovendo, está muito frio; tem lugares que a

pessoa vai tentar sair de casa pra chegar aqui, não vai conseguir, entendeu, por conta

da chuva. Só que, o que é que acontece? A gente está se esforçando pra isso. A gente

estava conversando, na última reunião do Colegiado, que a gente vai se esforçar pra ter

o nosso próprio diagnóstico interno; é importante pra gente isso. Porque é o único

momento que a gente consegue fazer; que aí faz um mês, dois, certinho, e aí acaba

ganhando um volume grande, e aí não consegue fazer, e aí fica uma coisa assim, dos

encaminhamentos, a gente consegue saber quantos atendimentos foram feitos; quantos

encaminhamentos foram realizados; quantos atendimentos com a psicóloga foram

pedidos, solicitados; quantos com a assistente social. Isso, no grosso, a gente consegue

saber, mas a gente acaba não sabendo dividir ali, certinho, quantos abusos, quantas

agressões físicas, assim, certinho no mês.”13

O depoimento da conselheira é interessante porque ao destacar a importância

que atribuía à nossa pesquisa, revelava, simultânea e, talvez, inconscientemente, uma

espécie de angústia bastante recorrente do dia a dia dos conselheiros. O imperativo de

dar respostas às demandas cotidianas absorve o tempo dedicado ao conselho e

dificulta um olhar mais abrangente sobre seu próprio papel no sistema de que fazem

parte.

A despeito das dificuldades e dos problemas estruturais, o levantamento

revelou informações importantes para nosso trabalho. Foram analisadas ao todo 934

fichas de atendimento – 586 do Conselho Tutelar do Centro, 196 de Comendador

Soares e 152 fichas de Vila de Cava. Foram descartados onze questionários por

inconsistência. Quase 1/3 do banco de informações sofreu modificações por

13

A equipe optou por não identificar nominalmente os conselheiros, a despeito do fato de nenhum deles,

em qualquer momento das entrevistas tenha solicitado anonimato ou omissão de qualquer informação a

nós transmitida.

Page 99: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

99

problemas na coleta de informações e por problemas na estrutura do próprio banco de

dados. É importante repetir que para cada ficha de atendimento poderia haver mais de

uma vítima, agressor e/ou violação. Tentamos, sempre que possível, preservar e

aproveitar todas as informações disponíveis, mas diante das dificuldades devemos

reconhecer que o resultado obtido é muito mais uma estimativa aproximada do que

propriamente um retrato do que chega aos conselhos. O total de fichas preenchidas

(para cada processo uma ficha) está apresentado na tabela a seguir.

Tabela 21

Fichas dos Conselhos Tutelares analisadas Frequência %

Centro 586 62,74

Comendador Soares 196 20,99

Vila de Cava 152 16,27

Total 934 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Levando-se em conta que conseguimos cobrir o total (ou quase) de processos

abertos em Vila de Cava e Comendador Soares, enquanto chegamos a apenas pouco

mais da metade dos casos do Centro, podemos notar a discrepância de atendimento

entre esse último e os dois primeiros. Em função de sua localização e dos bairros a

que atende, o conselho tutelar do Centro é muito mais acionado e, consequentemente,

está sobrerrepresentado em nosso universo.

Na tabela 22 apresentamos os casos por nós apurados. Como em certos

processos relativos a um atendimento pode haver mais de um caso, o total é superior

ao número de fichas preenchidas.

Page 100: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

100

Tabela 22

Categorias de Violações Frequência %

Ocorrências envolvendo uso ou ameaça de agressão 444 38,05

Envolvendo evasão escolar ou falta de vagas em escola 221 18,94

Questões civis (documentação) 6 0,51

Questão de família (pensão, abandono dos responsáveis, reconhecimento de paternidade 108 9,25

Outros 388 33,25

Total 1167 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Assim como foi necessário com as demais fontes utilizadas, agrupamos o sem

número de tipificações com o intuito de minimizar a enorme dispersão que a primeira

leitura do material apresentou. Com isso, temos um volume bastante expressivo de

casos de ocorrências envolvendo o uso ou a ameaça de agressão, que totalizam quase

quarenta por cento dos casos. Em segundo lugar, chama atenção a elevada incidência

de questões relacionadas ao espaço escolar. Nesse ponto, vale frisar a recorrência de

alusões a problemas de falta de vagas em escolas e de evasão escolar, quando, devido

a problemas familiares ou à “rebeldia” dos adolescentes, os atendidos se vêem

afastados da escola.

Embora sejam mais comuns encaminhamentos em que crianças e adolescentes

aparecem como vítimas, nossos pesquisadores perceberam, também, uma razoável

incidência em que principalmente adolescentes aparecem como perpetradores de

alguma violência ou violação. Em função disso, buscamos estimar melhor o peso de

cada um dos papéis desempenhados por eles nos episódios encaminhados aos

conselhos tutelares. Os resultados encontram-se na tabela 23.

Tabela 23

Envolvimento das crianças ou adolescentes com o fato

analisado Frequência %

Vítima 801 85,76

Autor 104 11,13

Vítima e autor 22 2,36

Não informado no processo 2 0,21

Não se aplica 5 0,54

Total 934 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Page 101: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

101

Como supúnhamos, na maioria esmagadora dos processos apurados crianças e

adolescentes são vítimas. De qualquer modo, merece destaque a incidência de mais de

dez por cento dos processos em que aparecem como autores, além dos vinte e dois

processos em que a criança ou o adolescente aparece em ambos os papéis. Casos em

que principalmente adolescentes são violadores aparecem bastante nos relatos dos

conselheiros. Este é um tipo de ocorrência que os mobiliza, os faz refletir e os insta a

buscar saídas e explicações. Coletamos relatos impactantes, ao longo do trabalho

sobre situações dessa natureza. Destacamos, a seguir, um breve relato extraído do

depoimento de uma promotora;

“O (xxx) tinha uma queixa de que o pai era violento com a mãe e com ele

também e ele acabou matando o pai, com... Como é o nome daquele negócio

aquela ferramenta? Pé de cabra. (...) e ele depois foi morto, ele foi

assassinado na comunidade já maior de idade”.

A passagem ilustra o trágico circuito sobre o qual temos insistido aqui. O

adolescente, vítima de violência sistemática no espaço doméstico, testemunhando a

vitimização de terceiros (no caso, a própria mãe), acaba ele próprio sendo agente de

violência letal até encontrar seu próprio destino como vítima fatal. Lamentavelmente

não foram poucos os relatos semelhantes que tivemos a oportunidade de recolher ao

longo da pesquisa.

Em razão do objeto privilegiado de nosso trabalho, buscamos qualificar os

casos relacionados à categoria que definimos, em linhas gerais, como agressão. O

resultado não surpreende. Metade dos casos referem-se a agressão física consumada.

Maus tratos, de que são objeto, sobretudo, crianças, vêm em segundo lugar. Violência

sexual, tipo de episódio que aparece regularmente em todas as fontes que utilizamos,

apresenta incidência bem próxima a abandono.

Tabela 24

Violações baseadas na categoria "agressões" Frequência %

Agressão 224 50,45

Violência Sexual 55 12,39

Maus tratos 97 21,85

Abandono 68 15,32

Total 444 100,00

Page 102: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

102

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Um dos objetivos de nosso levantamento foi qualificar o perfil de vítimas e de

agressores. Essa tarefa, porém, não foi nada fácil. As informações por idade da vítima

estavam quase completas. O mesmo, infelizmente, não se pode dizer sobre sexo e cor

das vítimas. É possível que essa perda tenha a ver com a combinação de falhas no

procedimento de coleta e inconsistências nos processos analisados. Esses problemas

se agravam mais no caso dos agressores.

Tabela 25

Idade das vitimas

Idade Total por idade %

0 38 3,89

1 27 2,76

2 35 3,58

3 43 4,40

4 48 4,91

5 42 4,30

6 59 6,04

7 85 8,70

8 76 7,78

9 57 5,83

10 72 7,37

11 53 5,42

12 67 6,86

13 68 6,96

14 63 6,45

15 63 6,45

16 55 5,63

17 26 2,66

Total 977 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Pela distribuição apresentada na tabela anterior, temos uma concentração de

casos entre sete e dez anos. Ainda assim, há um certo equilíbrio entre as faixas,

chamando atenção os baixos percentuais das duas pontas. Agrupando as idades em

dois universos, temos, como revela a tabela a seguir, uma concentração maior na

faixa de zero a dez anos.

Page 103: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

103

Tabela 26

Faixas de idade Total por grupos etários %

De 0 a 10 anos 582 59,57

De 11 a 17 anos 395 40,43

Total 977 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Mesmo se levarmos em conta que a primeira das duas faixas apresentadas

anteriormente reúnem um número maior de idades, julgamos patente que há uma

ligeira predominância de crianças em comparação a adolescentes atendidas pelos

conselhos tutelares.

Na tabela 27 passamos a apresentar alguns dados que conseguimos apurar

sobre agressores ou violadores.

Tabela 27

Sexo do agressor Frequência %

Masculino 493 41,08

Feminino 527 43,92

Não Informado 32 2,67

Não se aplica 148 12,33

Total 1200 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

O primeiro resultado que nos chamou atenção foi o equilíbrio entre os sexos.

Pesquisas nacionais e internacionais atestam que há uma forte sobrerrepresentação do

sexo masculino em episódios envolvendo violência. Mesmo tendo em mente que

casos como estes compõem apenas uma parte do universo de atendimentos nos

conselhos tutelares, é desconcertante deparar-se com um quadro em que as mulheres

predominam como agentes de violência ou violação. Buscamos, então, qualificar um

pouco melhor esse universo identificando possíveis laços entre os denunciados e as

vítimas. Os resultados são o que segue.

Page 104: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

104

Tabela 28

Agressor - Pessoa Física Frequência %

O próprio 124 11,15

Mãe 384 34,53

Pai 303 27,25

Imão(s) 5 0,45

Irmã(s) 2 0,18

Tio 17 1,53

Tia 11 0,99

Avô 3 0,27

Avó 27 2,43

Padrasto 36 3,24

Madrasta 15 1,35

Professor(a) 10 0,90

Amigo(s) 6 0,54

Ex-namorado(a) / Ex-Noivo(a) 3 0,27

Namorado(a) / Noivo(a) 6 0,54

Vizinho(s) 16 1,44

Conhecido(a) de vista 6 0,54

Desconhecido(a) 12 1,08

Outros Pessoa Física 37 3,33

Não informado no processo 25 2,25

Não se aplica 64 5,76

Total 1112 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

O comentário da tabela 28 deve ser precedido por dois esclarecimentos. Em

primeiro lugar, deve-se lembrar que é possível que haja mais do que um agressor ou

violador em um mesmo processo. Em segundo lugar, cabe notar que os 124 casos em

que o próprio é apresentado como agressor diz respeito a episódios em que o

comportamento do próprio adolescente ou criança o coloca em situação de risco. Os

mais freqüentes episódios dessa natureza referem-se a evasão escolar e a

encaminhamento de adolescentes envolvidos direta ou indiretamente em circuitos que

o expõem e o tornam vulnerável. Pela distribuição percentual apresentada na tabela

podemos concluir que não são poucos os casos em que isso ocorre. Lidar com eles

não parece algo fácil para os conselheiros. A certa altura de seu depoimento, uma

conselheira relata um caso por ela atendida em que o jovem é levado pelos pais em

função de seu envolvimento com drogas;

“Qual era a preocupação dos pais? Ele se envolvia com o tráfico, e aí ficava

ameaçado de morte, aí. vinha pra cá, a mãe: “Ah o meu filho está em risco’, a

(...) abrigava; ele fugia do abrigo, aí voltava pra cá; aí a (...) reabrigava, aí

Page 105: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

105

voltava pra cá; aí, em alguns momentos, ficava mais calmo, e conseguia levar

ele pra casa, mas aí ele acabava voltando de novo, e sempre acontecia isso;

até que ele foi assassinado; ele foi assassinado, se não me engano com quinze

anos; foi assassinado por conta dessas idas e vindas, né, com essa relação

com o tráfico.”

O relato apresenta um caso típico em que o encaminhamento é feito numa

situação em que o próprio adolescente aparece como violador. A reincidência na

busca pelo conselho sugere uma sucessão de fracassos do sistema de atendimento

como um todo, mas, também, o reconhecimento, por parte dos pais, do conselho

como um espaço legítimo de ajuda. Nem sempre, como a continuação do mesmo

relato pode sugerir, o desenlace é necessariamente trágico como o caso apresentado.

Há, também, situações, não menos desalentadoras, em que o adolescente atendido

simplesmente é perdido, não havendo sobre ele qualquer informação;

“Tem um caso que eu atuei, que não chegou à letalidade, mas ele chegou a

ser... o juiz que expediu a ordem pra que ele fosse pro abrigo, porque também

não queria voltar à escola; eu tentei várias vezes, não aceitava voltar à

escola, não aceitava ficar em casa, e agrediu o irmão mais novo, e, enfim, era

uma bola de neve, né, e estava sempre criando problema; a mãe se mudou,

inclusive, três vezes de comunidade, pra poder tentar ficar com ele em casa,

mas ele sempre aprontava novamente. E tem um caso, que agora ele ganhou a

maioridade, e o último registro foi feito agora contra ele, agora ele já sendo

maior, mas assim, era um caso muito complicado, porque a promotoria tentou

fazer as suas medidas, inclusive o GAP veio uma vez pra buscá-lo, porque ele

andava armado, ameaçava os vizinhos, roubava, agredia, enfim, era uma

confusão; só que a avó acabava protegendo; ela mesmo denunciava, mas,

quando via que estava vindo a polícia ou o GAP, ela acabava protegendo ele

pra que ele não fosse levado. Era assim, era um problema, né?”

Retomando ainda uma vez as informações da tabela 28, uma observação

importante diz respeito aos principais denunciados: pai e mãe somados totalizam mais

de 60% dos casos, sendo que a violação ou violência cometida pela mãe supera todas

Page 106: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

106

as demais. No somatório geral, temos a confirmação da suspeita de que adolescentes

e, principalmente, crianças são vítimas principalmente de pessoas de seu círculo

familiar. A confirmação dessa intuição inicial nos levou a apurar o local em que a

agressão ou violação ocorreu. Os resultados estão na tabela a seguir.

Tabela 29

Local do Fato (onde ocorreu a violação) Frequência %

Casa/residência (onde o envolvido reside) 460 49,62

Casa/residência (de outra pessoa) 28 3,02

Escola/instituição de ensino 291 31,39

Outros 83 8,95

Não informado no processo 36 3,88

Não se aplica 29 3,13

Total 927 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Pode-se perceber claramente a predominância do espaço doméstico como

local de risco para esse segmento. Quase metade dos episódios encaminhados se deu

na residência da vítima. Temos nessas duas últimas tabelas a configuração de uma

espécie de drama contemporâneo de alcance que transborda os limites de Nova

Iguaçu, mas que, aparentemente, é vivido de modo agudo nesse município. Esse foi

um dos temas que predominaram nas várias entrevistas feitas com conselheiros do

município. A título introdutório para essa temática que é claramente sensível em

Nova Iguaçu, ao menos na visão dos conselheiros, destacamos a passagem a seguir;

“A realidade de Nova Iguaçu é diferente da realidade do Rio de Janeiro, da

classe média burguesa. Aqui as famílias são compostas por mães e esses filhos

são cada filho de um pai diferente e ás vezes não é registrado e daqui a pouco

ele é chefe de família. Então as crianças não são criadas por ela, são criadas

por irmãos, criança de dois anos de idade. Tios, avós. E só passa o olho e é

uma realidade que quando chega no conselho...

Até Bolsa Família pra conseguir aqui é bem complicado, agora ta fechada e só

no final do ano que a gente consegue inserir ele ali. Uma Bolsa Família de 140

Reais. A gente vai obrigar essa mãe a largar o trabalho e ficar dentro de casa.

Page 107: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

107

Como eu já ouvi o juiz na audiência falar: “morre de fome, mas morre com

seus filhos.”

O depoimento enfatiza a ausência da mãe imposta por sua necessidade de

trabalhar. Tomado ao pé da letra, a solução, apresentada no relato da declaração de

um juiz, se desdobraria para um cenário irreal e, possivelmente indesejável, em que

cabe à mulher o papel doméstico, de cuidar da casa e dos filhos, não importando o

preço a ser pago por isso. Se tomamos o problema de uma perspectiva

sociologicamente mais informada, o que temos é não propriamente a necessidade da

mãe ir para o mercado de trabalho, mas a ausência de suportes alternativos e

estruturados, o que induz a soluções de improviso e precárias. Acreditamos que é

dessa perspectiva que devemos encarar um problema que se impõe, e vem sendo

apontado regularmente por agentes da área da educação e da assistência social. É

claro que as mudanças significativas em uma das instituições de socialização básicas

como a família trazem conseqüências graves, sobretudo para os segmentos sociais

que dispõem de menos recursos para lidar com um novo quadro sociológico.

Aprender a lidar com isso sem que se não condene crianças e adolescentes ao

desamparo está longe de ser algo alheio às atribuições do poder público.

A crise do modelo de família mononuclear que, de certa forma, pautou a

estrutura social moderna é fato largamente admitido por pesquisadores da área. Tudo

leva a crer que se trata de um processo irreversível, cujos desdobramentos são, hoje,

imprevisíveis. Posições saudosistas, além de tenderem ao conservadorismo e à

idealização de um modelo cheio de ambigüidades, não ajudam muito. Por outro lado,

é inquestionável que estamos diante de um desafio que deve ser reconhecido como

tal. Se a fragmentação familiar atravessa a sociedade contemporânea como um todo

(ou ao menos aquela parte em que prevaleceram os modelos originados na Europa

Ocidental novecentista), parece claro que os recursos materiais e simbólicos para lidar

com ela variam consideravelmente. Nesse caso, temos questões específicas que

aparecem de forma mais evidente nas camadas mais pobres da população.

Page 108: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

108

Embora seja fora de questão esperar de gestores de segurança pública

respostas para problemas macro sociológicos como os relativos à família e à sua

fragmentação, não há nada de despropositado em levar em consideração essa

variável, em se tratando de desenhos de políticas públicas focadas na prevenção da

violência e, sobretudo, na prevenção da violência que atinge crianças e adolescentes.

A associação entre fragmentação familiar e incidência de violência criminal tem sido

objeto de pesquisas que apontam, com ressalvas, sua procedência. Sumariando alguns

experimentos levados a termo em algumas cidades norte-americanas, Skogan (1990)

destaca a associação entre maiores incidências de episódios violentos e criminais e

concentração de famílias fragmentadas. Por famílias fragmentadas entenda-se com a

presença apenas do pai ou da mãe. A luz de diversas pesquisas essa associação,

portanto, parece proceder. Skogan lembra, contudo, que a fragmentação familiar não

é uma variável independente e, por si só, não explica variações de taxas de violência.

A desagregação familiar incide em contextos em que há concentração de

desempregados e subempregados, moradores de segmentos socialmente

estigmatizados e bairros fortemente deteriorados. Dissociada dessas variáveis

(sobretudo as duas primeiras) a família deixa de incidir como chave explicativa para a

avaliação de tendências das taxas de violência e criminalidade. Vale dizer, a

desagregação familiar é condição de possibilidade, mas está longe de ser condição

suficiente para a grande incidência de violência em um dado contexto.

Podemos dizer, de qualquer modo, que embora possam, à primeira vista,

parecer excessivas as digressões sobre os dramas familiares por parte dos

conselheiros, elas revelam, na verdade, uma percepção pertinente e relevante sobre as

dinâmicas que não somente se tornam processos nos conselhos tutelares, mas que

concorrem para socializações precárias, que produzem adultos vulneráveis e à

incorporação de práticas violentas.

É provável que os efeitos devastadores de socializações familiares precárias

tenham alguma influência no interior das próprias relações familiares. Possivelmente

está aí o aspecto mais perturbador do que colhemos em relação à associação

violência/família em nossa pesquisa. Embora não tenha sido propriamente uma

surpresa, a recorrência de relatos de atendimentos de crianças e adolescentes vítimas

Page 109: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

109

de violência perpetrada por país, mães, padrastos e demais familiares espanta pelos

detalhes descritos e pela confirmação do sentimento de beco sem saída experimentada

pelos próprios conselheiros. As modalidades em que esse fenômeno se manifesta são

variadas e, para que apareçam de modo compatível com o que os números sugerem,

serão apresentadas no que poderíamos chamar de escala de dramaticidade;

“(...) a gente tem outros problemas, porque quando essa mãe trabalha,

dependendo do trabalho que ela tenha, ela não tem tempo de criar esses filhos;

e aí, quando a criança está com dez, onze anos, ela chega aqui, em alguns

casos, e diz assim: ”Olha, a senhora vende, empresta, dá, manda ir preso. A

senhora dá o seu jeito, porque eu não aguento mais”, e ela não entende que o

problema também foi porque ela não teve condições de se dedicar a essa

criança, porque ela acha que se dedicou ao máximo, porque ela saía todos os

dias às quatro da manhã, chegava às nove da noite, pra dar o que comer pra

esse filho; ela não entende que esse filho precisava mais do que só o de comer;

mas é um problema que não tem solução, porque só o bolsa família não vai

resolver. Uma família de cinco filhos, mesmo que ganhe aí o valor máximo do

bolsa família, ainda não vai ter como se alimentar com isso. Então, assim, é

muito complicado; é deficiente a rede; embora tenha alguns programas que

funcionem, funcionem bem, não atinge a totalidade da necessidade. Em todo o

programa tem aqueles casos que quem precisa realmente, às vezes não é

beneficiado, e quem não precisa, consegue. E assim, aí vira uma bola de neve,

né? Não é que não tenha solução, mas que é muito complicado, é. O país não

para de crescer, o controle de natalidade, não acho que seria necessário, mas o

planejamento familiar, que de fato em alguns lugares existe – no nosso posto

tem –, mas fica mais nas palestras, a efetivação do programa não acontece,

porque a mãe faz, ela diz que não deseja mais filhos porque ela já tem cinco,

tem três, tem sete, e aí ela não consegue, ela quer via tubária, ela não consegue

vasectomia pro marido, ela não consegue o anticoncepcional com

regularidade, e nem mesmo o preventivo, nem mesmo o contraceptivo, a

camisinha, né, que é um outro método; enfim, acaba daqui a mais um ano, ou

Page 110: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

110

dois, ela vai engravidar de novo, e aí daqui a pouco de novo, e isso é um

problema, um problemão.”

O depoimento anterior aponta para uma série de questões. Inicialmente, ilustra

uma postura que, a julgar pelos depoimentos, é bastante comum, quando a própria

mãe simplesmente não deseja mais responder pelos filhos. Muito prematuramente já

os julga um estorvo, alguém que lhes causa transtorno e que deve ganhar um rumo

independente, seja ele qual for. Casos como o relatado povoam as estatísticas

computadas como abandono, mus tratos ou negligência. O poder argumentativo do

conselheiro parece a ele mesmo inócuo, quase pueril. Em sua sequência, o

depoimento do conselheiro indica a precariedade dos serviços de assistência e de

saúde, as fragilidades do sistema de atendimento dessas famílias, mesmo aquelas que

buscam soluções, tidas como esclarecidas, para evitar o crescimento da prole e por

em prática o planejamento familiar.

No que diz respeito à violência envolvendo as redes familiares e ao espaço

doméstico como lócus do risco, o “problemão”, contudo, é, frequentemente, muito

maior.

“Dentro da questão do abuso, que é uma questão muito também frequente

aqui, no Conselho, eu acho o que mais fere, o que mais dificulta o trabalho, é

quando a genitora fica... ou a parte, porque às vezes não é o pai, não é o

padrasto, às vezes é o irmão, às vezes é o avô, mas, geralmente. é dentro desse

contexto familiar. Dificilmente, em pouquíssimos casos, ou é alguém de fora

desse contexto familiar. Geralmente, alguém intitulado, ou é o pai, ou o

padrasto, ou o avô, ou um tio, irmão, né, o padrinho; é alguém que convive ali

dentro da família diretamente; é alguém que tem intimidade, leva a criança

pra passear, que às vezes dorme com a criança. Então, por essa relação ser

muito próxima, essa questão do muro do silêncio é muito forte, né?”

Um dos maiores desafios para a abordagem da convencionalmente chamada

violência doméstica é exatamente o muro de silêncio a que a conselheira se refere.

Sua afirmação é categórica: casos como esse, envolvendo violência sexual, têm em

figuras próximas da vítima, protegidas por uma rede de medos, desamparo e

Page 111: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

111

vulnerabilidade, o agressor mais frequente. O silêncio, contudo, é apenas uma das

camadas que perpetuam e difundem tais práticas no espaço familiar;

“E quando o genitor, ou a pessoa que tem coragem de denunciar, vem ao

Conselho, ela acredita que, naquele momento, aquele agressor vai ser preso, e

tudo vai se resolver de uma hora pra outra. E quando, às vezes, não acontece

isso, dependendo do que aconteceu, porque às vezes não foi uma questão que

foi conclusiva, né, foi um abuso, não foi um estupro, então, assim, não vai

adiantar ir ao IML, vai ter que ser um estudo psicossocial, e aí vai ter que ir

lá pro órgão, que faz a revelação, e a mãe não tem paciência de levar dois,

três, quatro filhos a encontros necessários pra que o psicólogo dê o parecer; e

aí ela já começa, nesse período, a duvidar, porque todo mundo fala pra ela:

“Se fosse verdade, ele já estava preso, entendeu? E se ninguém fez nada, é

porque deve ser mentira”, entendeu? E aí tem casos em que a mãe acaba por

desistir; aí a gente tem que estar buscando saber o que aconteceu,

efetivamente como é que está essa criança. Tem situações em que a mãe retira

a queixa, né?”

Como camadas adicionais de proteção aos agressores sexuais de crianças e

adolescentes, temos uma cultura social bem pouco consciente da gravidade e dos

desdobramentos possíveis de tais padrões de comportamento, e um sistema de

atendimento que acaba por deixar mais vulneráveis aquele(a)s que ousam se levantar

contra esse padrão. Acreditamos, por outro lado, que os casos piores são aqueles

definidos pela conselheira como revitimização da vítima;

“E assim, é muito complicado, é muito complicado. Tem casos em que a mãe

revitimiza essa criança, ou essa adolescente. Tive um caso de uma adolescente de 15

anos que foi abusada pelo padrasto, foi aliciado por ele dos 12 a... né? E quando

esse casamento acabou, até hoje essa mãe culpa essa filha; ela diz que ela deu

confiança, que era pra ela ter contado pra ela; só que o argumento do padrasto era

muito bom: “Olha, sou amigo da sua mãe há 12 anos, eu já conheço a sua família

inteira, todo mundo gosta de mim. Ninguém vai acreditar em você”. E, realmente, a

criança se sente dessa forma: acuada, sozinha, tem medo. Quando ela conseguiu

Page 112: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

112

vencer essa barreira na cabeça dela, aí ele passou pras ameaças. “Olha, se você

contar, eu vou matar a tua mãe, eu vou te matar, eu vou te bater.”

Acreditamos que os depoimentos dos conselheiros são relevantes por dois

aspectos. Em primeiro lugar, eles conferem carne, sentidos, nervuras aos números que

extraímos arduamente dos processos de atendimento por eles realizados. Em segundo

lugar, por vezes de forma inconsciente, eles ajudam o pesquisador a seguir nas por

vezes obscuras dinâmicas que, de outro modo, produzem silenciosamente as

urdiduras do fenômeno central que nos preocupa preferencialmente: o crime em sua

manifestação de violência mais radical que é a subtração da vida de um terceiro.

Esses sinais nos são dados quando explicam, de forma compenetrada, sua “missão”,

quando se queixam das dificuldades da rotina, quando concedem fazer uma

autocrítica ou revelam, voluntária ou involuntariamente, a precariedade dos serviços

de atendimento e de seu próprio trabalho. Engana-se, no entanto, quem julga que

esses atores não lidam diretamente com situações de violência letal. Isso ocorre e, por

vezes, de maneiras pouco críveis;

“Três meses atrás isso aconteceu na Posse e inclusive eu fui lá porque foi do Jardim

Roma, uma criança de quatro meses espancada pela mãe, espancada e assim batendo

nele de uma maneira. E já tinham feito denúncias sobre essa situação só que ele

nunca foi averiguado. Então quer dizer, quatro meses e a criança morreu na Posse.

Espancamento há um monte, mas tem casos que a gente reverte, como um caso aqui

que estavam queimando a mão da criança e a gente atendeu e foi tudo bem e hoje a

família ta super bem, foi bem atendido, ta tudo correndo legal, então quer dizer,

quando a gente tem possibilidade. Aquele dia tinha carro e a gente saiu na hora eu, a

(...) e a outra. No outro dia a mãe já tava aqui, o padrasto tava aqui foi atendido pela

psicóloga, foi atendido pela gente, pela instituição. Então é aquilo que eu falei no

início, quando a gente tem a possibilidade de atuar, a possibilidade de você atender

de cinqüenta, setenta por cento de chances, agora quando você não tem pela

deficiência, aí a coisa piora.”

Os relatos sobre casos de violências perpetradas no espaço doméstico por

parentes próximos das vítimas foram escolhidos por nós aleatoriamente. Ao longo da

pesquisa de campo, tivemos a oportunidade de acumular uma diversificada coleção

Page 113: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

113

deles. Relações degradadas, alcoolismo, desemprego, medo e sentimento de

impunidade são alguns dos ingredientes que, somados à precariedade das redes de

atendimento concorrem para um cenário propício para a produção de biografias

marcadas por agressões, violações e, em seu desenlace, mortes violentas. Como já

mencionamos, lidar com a família como foco não equivale a culpabilizá-la ou a

fundamentar a postulação para o retorno a uma idéia que, ao fim e ao cabo, é

idealizada e superada. Outra coisa é identificar os dados colhidos (estatísticos e

qualitativos) como sinais para a orientação de estratégias que forneçam alternativas

positivas de atendimento e socialização de crianças e jovens. As classes médias e

altas, embora longe de estarem imunes aos problemas aqui apontados, dispõem de um

repertório de recursos inacessíveis as camadas mais pobres, daí estarem nesse último

segmento, postos de forma mais aberta e dramática, os desdobramentos decorrentes

de um processo de mudança inelutável. É desejável assumir essa questão como

prioritária e fazer uso de criatividade e empenho para buscar soluções. Um aliado

nessa empreitada seria, logicamente, o espaço escolar. Ele, no entanto, também se

revelou um problema em busca de respostas.

Ainda sobre fragilidades e fissuras dos mecanismos de socialização básica de

crianças e adolescentes, os dados coligidos na última tabela, apresentada algumas

páginas atrás, revelam outra área a ser abordada, revelação esta também corroborada

pelos depoimentos dos conselheiros tutelares: o espaço escolar. Temas como

violência na escola, índices de desempenho e evasão escolar, integração

escola/comunidade e crise da autoridade docente têm sido cada vez mais abordados

como questões chave para alguns dos problemas centrais da sociedade brasileira

contemporânea. Não é este o espaço para sequer inventariarmos as intervenções

acumuladas sobre tais questões nos últimos anos.14

Cabe somente assinalar que,

segundo pudemos verificar, o fluxo dos conselhos tutelares pode e deve, pelo volume

14 Para uma análise geral do tema no Brasil, ver ABRAMOVAY, Miriam e RUAS, Maria das Graças

(2002), Violência nas Escolas. Brasília, UNESCO. Um estudo de caso sobre o Rio de Janeiro foi

realizado por BOMENY, Helena, Maria Claudia Coelho, e João Trajano Sento-Sé. 2009. “Violência nas

Escolas Públicas do Rio de Janeiro: notas exploratórias sobre a autoridade docente e as percepções da

violência”. Desigualdade & Diversidade, no. 4: 70-109.

Page 114: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

114

de demandas e encaminhamentos, ser encarado como termômetro dos problemas

relativos à rede oficial de ensino. Processos referentes ao espaço escolar totalizam

31,39% do total de casos por nós apurados. Tais cifras se revelaram mais relevantes

quando confrontadas com os dados expostos na tabela a seguir.

Tabela 30

Agressor - Pessoa Jurídica Frequência %

Escola / Unidade de Ensino 68 40,48

Polícia Militar 5 2,98

Polícia Civil 1 0,60

Hospital / Posto de saúde 2 1,19

Vara da Infância e da Juventude / Juizado 1 0,60

Abrigo 1 0,60

Outros Instituição Pessoa Jurídica 17 10,12

Não informado do processo 7 4,17

Não se aplica 66 39,29

Total 168 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Ao fim do pré-teste para a aplicação da ficha de coleta, a equipe de campo

percebeu que havia um razoável número de casos em que a fonte da

violação/agressão não era uma ou mais pessoas, mas sim instituições específicas.

Optamos, então, por abrir uma alternativa de preenchimento para casos como esse.

No cômputo geral, o procedimento por nós adotado revelou-se carente de melhor

arranjo no quadro do levantamento em geral. Ainda assim, pudemos apurar que entre

os 168 casos em que havia alguma instituição envolvida diretamente no processo

levantado, 68 (40,48%) eram instituições de ensino.

Esses são indícios não exatamente da falência escolar ou de incapacidade dos

profissionais ali inseridos. São, na verdade, sinais de que o funcionamento do espaço

escolar e suas dificuldades atuais não somente redundam em problemas graves que se

tornam processos instituídos pelos conselhos como, também, indicam que estes

últimos podem contribuir decisivamente para que os gestores identifiquem pontos de

estrangulamento e de disfuncionalidade do sistema escolar oficial.

As relações entre conselheiros e diretores de escola por vezes são bastante

tensas. Há casos em que os conselheiros adotam posturas categóricas, quase

desrespeitosas no cumprimento de seu mandato de dar respostas a demandas de

Page 115: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

115

familiares que se queixam da indisponibilidade de vagas ou da adoção de medidas

drásticas por parte das escolas frente a comportamentos inadequados de crianças e

adolescentes. Uma funcionária da prefeitura com larga experiência de interação com

os conselhos atesta;

“(...) aí chega com arrogância pra diretora da escola, chega com arrogância...

Claro que você também tem a relação de volta, eles também tratam com

arrogância, mas não é devolvendo a arrogância que você vai conseguir (...); é

transformando essa relação. E isso... não digo na totalidade, mas, na maioria

das vezes, é dessa maneira.”

Por outro lado, os conselhos são identificados por membros da comunidade

escolar como aliados em potencial para a busca de soluções de determinados

problemas. Acreditamos, enfim, que há um potencial enorme no investimento de uma

melhor integração entre esses dois agentes com vistas ao aperfeiçoamento do

desempenho de ambos. Aparentemente, os ruídos de comunicação entre conselhos e

direções de escolas é um problema menor, ao menos da perspectiva dos conselheiros.

A análise de depoimentos, porém, sugere algo diverso. Os canais de comunicação

entre essas áreas são precários, funcionam reativamente a demandas tópicas e estão

sujeitos a perturbações e tensões. O investimento na melhoria e no aperfeiçoamento

desses canais representaria, contudo, um enorme ganho, a despeito do tempo e das

dificuldades implicadas nessa tarefa.

Os dados apresentados até o presente momento revelam o total de casos

apurados nos três conselhos cujos processos foram investigados pela equipe. Eles nos

fornecem um quadro geral do que ocorre em Nova Iguaçu a partir do que chega aos

conselhos. Município vasto, densamente povoado, com discrepâncias de perfis

sócioeconômicos e demográficos entre suas áreas, Nova Iguaçu lida com problemas

diferentes segundo as características específicas de cada uma de suas regiões. Ter isso

em mente não se resume a um cuidado sociológico pertinente, mas, também, é crucial

para a definição de escolhas e estratégias que dêem conta dessa diversidade. O

contato com conselheiros e atores públicos de Nova Iguaçu reforçou essa idéia inicial

também no que diz respeito às dinâmicas de violência;

Page 116: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

116

“Por exemplo, em Vila de Cava, onde eu estava, que pega Vila de Cava,

Tinguá, Miguel Couto, isso é uma coisa que a gente vê, tinha pouca questão de

abuso sexual, exploração sexual. Tínhamos suspeita, mas não tínhamos casos;

mas muita questão de maus tratos da criança, que vinha da questão da

miséria, do bater porque você foi pego pedindo comida na vizinhança, e a mãe

ficava extremamente envergonhada ou porque foi lá e pegou uma bala ou um

biscoito no mercado; era questão de fome. A questão do trabalho infantil, que

eram os meninos que ficavam fazendo carreto nos mercadinhos, e maus tratos

porque o vizinho foi lá e denunciou porque estava preso dentro de casa, ou a

escola que veio porque estava faltando muito às aulas, e era porque o pai e

mãe tinham saído às quatro horas da manhã e chegando às oito horas da

noite.(...)a gente tinha muito disso na região. Diferente de Cabuçu, que era

questão de abuso muito barra pesada, da criança chegar ao hospital tendo que

fazer cirurgia pra re... Então, assim, eram questões (...), como é até hoje,

muita questão de espancamento. Então, a gente tinha coisas diferenciadas.”

Foi com base em depoimentos como o anteriormente citado que optamos,

então, por identificar as modalidades de ocorrência segundo os três conselhos por nós

escolhidos. Os resultados estão na tabela a seguir.

Tabela 31

Violações nos Conselhos Tutelares

Centro Comendador

Soares Vila de Cava

Categorias de Violações Nº % Nº % Nº %

Ocorrências envolvendo uso ou ameaça de agressão 264 34,92 102 49,76 78 37,86

Envolvendo evasão escolar ou falta de vagas em escola 143 18,92 51 24,88 27 13,11

Questões civis (documentação) 6 0,79 0,00 0,00 0,00 0,00

Questões de família (pensão, abandono dos resposáveis, reconhecimento de paternidade) 74 9,79 5 2,44 29 14,08

Outros 269 35,58 47 22,93 72 34,95

Total 756 100,00 205 100,00 206 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Podemos perceber claramente que em todos os três conselhos estudados

prevalecem as ocorrências envolvendo agressão ou ameaça. Note-se que embora o

conselho do Centro apresente, em números absolutos, mais do que o dobro dos casos

Page 117: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

117

ocorridos em Comendador Soares e mais do que o triplo do total de Vila de Cava, ele

é, entre os três, aquele em que o percentual para essa modalidade de denúncia é a

menor no universo de atendimentos de cada um dos conselhos tutelares. Nesse

aspecto, cabe destacar, ainda, que, tomados separadamente, o conselho tutelar de

Comendador Soares é aquele que apresenta a maior freqüência de episódios de

agressão ou ameaça, que totalizam metade do total de encaminhamentos de processos

ali encaminhados.

É também em Comendador Soares onde encontramos a maior freqüência de

questões relativas à escola, o que inclui falta de vagas e evasão escolar. Essa

tendência tanto pode indicar meramente uma menor dispersão de tipos de

encaminhamentos (esse mesmo conselho é o que apresenta menor freqüência na

categoria outros), quanto sinalizar para um problema real da região coberta pelo

conselho relativo ao sistema oficial de ensino.

O detalhamento dos episódios de agressão ou ameaça nos três conselhos

resulta nas distribuições apresentadas na próxima tabela.

Tabela 32

Agressões - por Conselho Tutelar

Violações baseadas na

categoria "agressões" Centro Comendador Soares Vila de Cava

Nº % Nº % Nº %

Agressão 141 53,41 35 34,31 48 61,54

Violênia sexual 40 15,15 5 4,90 10 12,82

Maus tratos 35 13,26 55 53,92 7 8,97

Abandono 48 18,18 7 6,86 13 16,67

Total 264 100,00 102 100,00 78 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Embora o volume total de casos dessa natureza em Vila de Cava, por

exemplo, imponha um certo cuidado na discussão da freqüência dessa modalidade de

episódios, não podemos nos furtar da observação de que mais de sessenta por cento

dos atendimentos ali feitos foram agressões consumadas. O percentual para essa

modalidade também é bastante alto no Centro, com mais da metade dos atendimentos

Page 118: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

118

da rubrica destacada. Comendador Soares, por seu lado, apresenta altíssima

freqüência de maus tratos, enquanto seus casos de violência sexual são bastante

baixos comparativamente aos dois outros conselhos.

O que podemos extrair da análise aqui apresentada a partir do fluxo de

atendimentos dos conselhos tutelares e dos depoimentos dos conselheiros? Em

primeiro lugar devemos mais uma vez lembrar o alerta segundo o qual as dificuldades

encontradas no campo e na construção de uma base de dados consistente impõem a

percepção e o reconhecimento de que os resultados obtidos são provisórios e

estimativos. Adicionalmente, deve-se dizer que mesmo conseguindo cobrir o fluxo de

atendimento de forma precisa ele nos indicaria tendências e não um retrato fiel de

violências e violações perpetradas contra ou por crianças e adolescentes. Ainda assim,

esse é um universo que merece ser estudado de forma cuidadosa e permanente.

Os conselhos tutelares são um dos avanços obtidos tanto pelo vigor

associativista conhecido pelo Brasil nos anos 1980, quanto pela promulgação do

Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. O volume de encaminhamentos

feitos a eles pela população de Nova Iguaçu e a variedade de temas com que são

obrigados a lidar confirmam sua legitimidade, bem como o imperativo de que seja

aperfeiçoado. O modelo de escolha dos conselheiros, mandato eletivo pela

comunidade com duração de dois anos, garante uma boa dose de organicidade e

identificação com o público atendido (o conselheiro deve necessariamente ser

morador da área coberta pelo conselho). Tal identificação, por outro lado, pode causar

constrangimentos, sobretudo quando ocorrem casos envolvendo pessoas conhecidas

do conselheiro.

A forma pra neutralizar esse tipo de problema poderia ser a mesma para dar

conta de outras dificuldades vividas hoje nos conselhos. Dados o modo de escolha e

os requisitos pra a postulação ao cargo, o papel do conselheiro tem um caráter

predominantemente político e comunitário. Ele deve ser alguém que conheça as

mazelas da população a que atende e ser capaz de dar respostas positivas a suas

demandas. Por outro lado, está isento de satisfazer exigências de caráter técnico,

papel que é suprido, no caso de Nova Iguaçu, por profissionais contratados pela

Page 119: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

119

prefeitura. Segundo a coordenadora dos conselhos tutelares de Nova Iguaçu, além dos

cinco conselheiros, cada conselho conta com dois técnicos (assistente social e

psicólogo(a)), um auxiliar administrativo e um funcionário de serviços gerais. Até

bem pouco tempo, as instalações dos conselhos, ainda segundo a coordenadora, não

dispunham de linhas telefônicas nem de equipamento de informática. Aparentemente,

houve, nos últimos anos, uma tendência à valorização dessa instância. São realizadas

reuniões regulares de capacitação e há esforços de estreitamento da interlocução com

esferas do poder público. Finalmente, ainda segundo a mesma informante, existem

dezoito conselhos municipais da criança e do adolescente em Nova Iguaçu.

Não é o caso de desconsiderar os avanços logrados em Nova Iguaçu. A

própria abertura para que se realizem balanços e análises atestam o cuidado com que

o tema é tratado. Ao contrário, o que os dados e as informações colhidas sugerem é

que o investimento na qualificação do trabalho dos conselhos é algo que deve ser

radicalizado e pode render bons frutos. Para isso, retomamos o ponto do argumento

iniciado anteriormente, ao caráter comunitário e político dos conselhos é desejável

adicionar maior investimento técnico, prover os conselhos de recursos materiais e

humanos não somente para fazerem melhor o que fazem hoje, como, também, para

que funcionem como usinas de informação para o poder público sobre campos de

investimento a serem contemplados. Além disso, dispondo de uma estrutura técnica

mais adequada os conselhos poderão cumprir melhor o papel de articuladores

privilegiados de uma rede eficiente de atendimento às demandas relativas a crianças e

adolescentes no município. Mesmo levando-se em conta as dificuldades fartamente

conhecidas da administração pública, seria importante aperfeiçoar esse formato.

Sintetizando: além de seu caráter primeiro de atendimento e encaminhamento de

casos de violação de direitos ou agressões sofridas por crianças e adolescentes, os

conselhos tutelares podem ser aliados preciosos para a orientação de políticas em

diversos campos do poder público como provedores de dados sobre vulnerabilidade

infantil e juvenil.

No que diz respeito à questão da violência criminal, os conselhos podem ir

além da denúncia e do encaminhamento de cada caso e, com a mera apresentação das

tendências predominantes de atendimento, sinalizar com prioridades e pontos de

Page 120: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

120

estrangulamento do sistema de serviços públicos. O mesmo pode ser dito no que

concerne à rede de ensino e à assistência social. Concebido como um recurso da

sociedade civil, em estreita interação com o poder local, de acesso a direitos, os

conselhos tutelares podem preservar sua vocação militante (quase todos os

conselheiros por nós entrevistados tinham, antes de ocuparem esse lugar, uma longa

trajetória de militância em movimentos sociais) aperfeiçoando-se, ao mesmo tempo,

na prestação qualificada de serviços às comunidades que atende. Para isso, pequenos

ajustes que melhorassem seus recursos técnicos seriam suficientes.

Os conselhos tutelares, repetimos, podem e devem se tornar verdadeiras

usinas de informação sobre as dinâmicas que vitimizam seu público preferencial. Tal

reconhecimento não implica, porém, reduzi-las a meras fontes de dados nem,

tampouco, esvaziar seu componente político. Ao contrário, melhor equipadas,

investidas da capacidade de apresentar fluxos de atendimento e perfis de atores

litigantes eles tenderão a ser mais eficientes no provimento dos benefícios e direitos

àqueles a quem devem sua razão de existir. Serão mais bem sucedidos, inclusive, em

sua interação com o sem número de agências do poder público com que, em função

da natureza das demandas que recebem, são levados a interagir.

Esse último ponto é central e serve tanto para encerrarmos (provisoriamente,

esperamos) o capítulo destinado exclusivamente aos conselhos, quanto para

passarmos para a discussão seguinte do presente estudo. Uma de nossas ambições no

levantamento realizado foi estimar a rede de que os conselhos tutelares fazem parte.

Em função disso, incluímos em nossa ficha questões sobre origens de

encaminhamentos aos conselhos e encaminhamentos feitos pelos conselhos a partir

dos processos instituídos. Quanto ao primeiro, tratado como origem do

encaminhamento, buscamos definir o que chamamos de denunciantes preferenciais de

questões enviadas aos conselhos, o que é apresentado nas duas tabelas a seguir.

Page 121: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

121

Tabela 33

Origem do Encaminhamento

Denunciante - Pessoa Física Frequência %

O próprio 31 4,54

Mãe 332 48,61

Pai 100 14,64

Imão(s) 2 0,29

Irmã(s) 1 0,15

Tio 8 1,17

Tia 19 2,78

Avô 9 1,32

Avó 53 7,76

Padrasto 2 0,29

Madrasta 3 0,44

Professor(a) 4 0,59

Diretor(a) / Coordenador(a) de escola 2 0,29

Anônima 44 6,44

Vizinho(s) 29 4,25

Outros 16 2,34

Não informado no processo 26 3,81

Não se aplica 2 0,29

Total 683 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Chamamos de denunciante aquele, pessoa física ou jurídica, que faz o

encaminhamento do caso contemplado pelos conselhos. Na tabela 33 temos a

freqüência daquelas caracterizadas como pessoas físicas, maioria do universo

apurado. A complexidade dos problemas com que estamos lidando é bem ilustrada

pela esmagadora maioria dos casos serem encaminhados pela mãe da criança ou

adolescente. Lembre o leitor que era ela, também, a mãe, que aparecia com maior

freqüência nos casos de perpetração da agressão ou violação. Note-se,

adicionalmente, que a despeito de predominarem os encaminhamentos realizados por

parentes e pessoas próximas, a freqüência de denúncias anônimas e de vizinhos não

deve ser subestimada. Os casos de encaminhamento pelos pais não entram em

contradição com as informações que os situam como violadores preferenciais. Antes,

apontam para o emaranhado de responsabilidades e omissões em que são tecidas as

dinâmicas que afetam de forma grave as crianças e os adolescentes de Nova Iguaçu,

como ficou atestado em alguns dos depoimentos citados. O campo destinado a

instituições que encaminham os casos aos conselhos aponta complexidade

equivalente.

Page 122: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

122

Tabela 34

Origem do Encaminhamento

Denunciante - Pessoa Jurídica Frequência %

Escola / Unidade de Ensino 178 57,05

Polícia Militar 8 2,56

Polícia Civil 6 1,92

Polícia Federal (inclui Rodoviária) 1 0,32

Hospital / Posto de Saúde 26 8,33

Vara da Infância e da Juventude / Juizado 17 5,45

Centro de Referência Social (CRAS/CREAS) 1 0,32

Pessoa Jurídica: Abrigo 4 1,28

Pessoa Jurídica: Delecacia / DEAM / DPCA 17 5,45

Defensoria Pública 2 0,64

Ministério Público 9 2,88

Disque 100 / Denúncia por telefone 11 3,53

Outra instituição jurídica 11 3,53

Não informado no processo 20 6,41

Não se aplica 1 0,32

Total 312 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

Destaque-se, sobre os dados da tabela 34, a diversidade de instâncias e órgãos

que acionam os conselhos tutelares, ainda que num universo apenas parcialmente

explorado por nossa equipe. Estão representados em nossa lista agentes variados do

poder público o que, possivelmente, só aumentará, à medida que o reconhecimento do

lugar e do papel dos conselhos se consolide junto à população e aos atores públicos

em geral. A estreita interface entre os conselhos e a rede oficial de ensino, sugerida

em várias passagens das páginas precedentes, é reforçada, quando constatamos que

desses órgãos é a escola que predomina como sujeito a acionar os conselhos em busca

de atendimento.

A participação dos conselhos numa verdadeira rede de atendimento é

reforçada na tabela 35, onde aparece a mesma diversidade revelada na tabela anterior.

Page 123: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

123

Tabela 35

Para o onde a vítima foi encaminhada Frequência %

Escola / Unidade de Ensino 240 20,71

Polícia Civil 14 1,21

Hospital / Posto de Saúde 56 4,83

Vara da Infância e da Juventude / Juizado 90 7,77

Nucleos de atendimento / CIAM / NAV 72 6,21

Centro de Referência Social (CRAS/CREAS) 27 2,33

Abrigo 53 4,57

Unidade Socioeducativa 3 0,26

Delecacia / DEAM / DPCA 41 3,54

Defensoria Pública 158 13,63

Ministério Público 14 1,21

Outros 161 13,89

Não informado no processo 50 4,31

Não se aplica 180 15,53

Total 1159 100,00

Fonte: Fichas de Atendimento dos Conselhos Tutelares das unidades do Centro, Comendador Soares e Vila de Cava - município de

Nova Iguaçu, 2008. Tabulação elaborada pela equipe da Pesquisa “Mapa da Violência” – ISER.

De novo a escola aparece como destino preferencial dos casos em que há

menção de encaminhamento feito pelo conselho. Deve-se notar, igualmente, a

incidência de encaminhamentos à Defensoria Pública, à Vara da Infância e aos

núcleos de atendimento, o que sugere desdobramentos de natureza jurídica a um

volume razoável de casos recebidos pelos conselhos. Desse circuito, não estão

excluídos, também, situações em que conselheiros e autoridades policiais

compartilham dificuldades que dizem respeito aos seus respectivos trabalhos.

“Ás vezes a própria policia liga: eu tô encaminhando aí uma mãe que trouxe

um adolescente envolvido com droga, um envolvido com furto de coisas

pequenas, a própria polícia às vezes liga e encaminha pra cá, evita que vá pra

lá e às vezes funciona. Esse rapazinho que tava aqui agora, por exemplo, é um

caso especifico desses. A (...) atendeu ele uma quarta feira dessas da vida às

seis e meia da noite, trazido por terceiros porque ele estava furtando. A partir

daí notificamos a avó que veio porque os pais são falecidos, fizemos uma certa

conversação com a avó, um certo acompanhamento dele, ele assumiu um

compromisso comigo de toda segunda-feira tá vindo.”

Page 124: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

124

Embora já mencionado, não custa repetir que, a despeito das aparências, lidar

com tais informações está longe de se constituir um desvio da questão prioritária de

nosso estudo, a violência letal intencional que atinge crianças e adolescentes em Nova

Iguaçu. Muito do que temos como resultados do capítulo diretamente dedicado a essa

temática se deve às questões tratadas aqui e que aparecem ao analisarmos as redes de

socialização primária e de atendimento a esse segmento social. Tratar de problemas

relacionados à família ou à crise do sistema oficial de ensino, como já observamos,

não está na alçada direta dos gestores da segurança pública. Certamente, contudo, ter

atenção a tais questões e oferecer a elas respostas positivas certamente reduzirá

significativamente os problemas desses gestores e o volume de casos com que

acabam tendo que lidar. Isso significa que, queiram ou não, eles também fazem parte

desse problema e também são parte interessada em abordagens conseqüentes para

resolvê-los. Não é gratuita a afirmação amargamente irônica do promotor que, ao

atender a um adolescente infrator, disse-lhe que dificilmente o encontraria

novamente, pois ou o garoto mudaria seus hábitos ou o matador daria cabo de sua

vida15

. A teia tecida até esse último e trágico desfecho, ao que tudo indica, tem sua

origem nas agressões sistemáticas, no abandono, nos maus tratos, no absenteísmo

escolar e em outras violações “mais brandas” registradas nos não sistematizados

fluxos de atendimento dos conselhos tutelares. Por serem não sistematizados, acabam

invisíveis, espectros dos quais temos uma vaga e difusa idéia, o que, naturalmente, é

pouco para a formulação de políticas.

Redimensionado o problema da violência letal, fica patente que uma única

instância do poder público e a sociedade civil organizada não são suficientes para a

oferta de respostas satisfatórias. É preciso mobilizar uma rede de atendimento, de

acesso a direitos e de assistência aos candidatos potenciais à estatística criminal.

Passemos, então, a ela e ao seu funcionamento.

15

Menção feita num depoimento dado à equipe por um promotor de Nova Iguaçu.

Page 125: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

125

V. Organograma do sistema de controle e de proteção

Existe um consenso bastante sólido quanto ao reconhecimento de que o

regime de 1945 foi o primeiro experimento de democracia de massas vivido no

Brasil. A enorme instabilidade que marcou os curtos dezenove anos de sua existência

e seu melancólico desfecho, determinado pelo golpe militar que projetou o país em

mais um longo período de autoritarismo, foram o objeto preferencial de estudos e

pesquisas na área de teoria política no país, desde o final dos anos 1960 até o início

dos anos 1990. Os diagnósticos foram muitos e seguem disponíveis para a consulta e

possíveis discussões historiográficas e políticas. Um deles, talvez o mais profícuo e

consequente, identificou na fragilidade das instituições formais de representação e de

organização de interesses a principal causa da vulnerabilidade do regime democrático

que atravessou menos de duas décadas açoitado por golpes e tentativas de golpe

advindas dos mais variados setores do espectro político nacional16

.

Ao longo dos anos 1970, alguns dos mais importantes trabalhos sobre

democracia no Brasil foram produzidos com um duplo interesse: decodificar as

razões para a derrocada do regime de 1945 e o golpe militar, por um lado, e indicar

caminhos possíveis para que não fossem repetidos os erros do passado numa nova

democracia que, apostavam todos, cedo ou tarde acabaria por vir. É importante notar

que, a essa altura, por instituições formais a literatura, em consonância com a tradição

anglo-saxã, pensava fundamentalmente as instâncias de representação parlamentar,

vale dizer, os partidos e o parlamento17

. Quando o objeto de balanço eram as

instâncias de organização de interesses coletivos, pensava-se, fundamentalmente, nos

sindicatos de trabalhadores e suas invariavelmente ambivalentes relações com os

16

A lista é extensa e não caberia tentar dar conta em sua totalidade. Apenas a título de exemplo,

mencionamos alguns dos artigos reunidos em Albuquerque & Moisés (1989), Rouquié, Lamounier &

Schwarzer (1985) e Stepam (1988). 17

A literatura a que nos referimos é grande e, também nesse caso, não caberia mencioná-las aqui com

pretensões de sermos exaustivos. Sendo assim, mencionamos, de passagem, Santos (1986); Santos (1987)

e Lamounier (1989).

Page 126: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

126

poderes instituídos do Estado18

. Em ambos os casos, foram produzidas obras que

certamente terão lugar perene em futuras histórias da produção intelectual brasileira.

A esperada redemocratização acabou por vir. Aparentemente, pelo menos

alguns dos ensinamentos acumulados foram absorvidos por elites dirigentes e

lideranças de movimentos sociais, mas, surpresas da história por vezes são

benfazejas, o imperativo de formalização de instâncias ordenadoras da ordem

jurídico-política foi além do restrito universo de partidos, sindicatos e casas

legislativas. A nova ordem republicana consagrada pela Constituição de 1988

redefine de forma substantiva a própria noção de democracia no Brasil e estende a

importância da institucionalização de instâncias formais de regulação da vida coletiva

a campos até então não muito explorados.

Tal deslocamento é crucial para a formação de agendas públicas e para a

abertura de novas angulações para a abordagem dos dilemas da questão democrática

no Brasil. Em artigo bastante conhecido, José Murilo de Carvalho (1999) aponta

como problema e como provável fator para o supostamente escasso amadurecimento

político no Brasil, a prevalência dada a conquistas de direitos sociais em detrimento a

equivalentes nos campos civil e político. Seguindo análise de Marshall, sobre o

processo de construção da noção de cidadania, Carvalho postula que,

convencionalmente, os avanços quanto aos direitos civis e políticos (nessa ordem)

precedem mobilizações e conquistas no que, por tradição, se identifica como direitos

sociais. Frágeis e negligentes em relação aos dois primeiros, os movimentos sociais e

os atores coletivos teriam, por aqui, priorizado o último sem, contudo, dispor de um

respaldo institucional capaz de sustentar os inevitáveis conflitos e dissensos

decorrentes do choque de interesses em contextos pluralistas.

Sem entrar no mérito da incorporação do modelo estabelecido por Marshall,

formulado muito mais para dar conta da construção da ordem constitucional

democrática inglesa e sem maiores pretensões de universalização, a linha explorada

por Carvalho fornece uma boa pista para o que se passa no Brasil, a partir de seu

18

Também aqui vale a mesma observação feita na nota anterior. Nesse caso, um dos mais completos

estudos sobre o tema, bem como o relato de alguns debates contemporâneos seus, pode ser encontrado em

Vianna (1978).

Page 127: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

127

último processo de redemocratização. Para além dos esforços de consolidação das

instâncias de representação e de organização de interesses, houve, nos últimos anos,

um inegável esforço de construção de um aparato institucional vocacionado para a

garantia de acesso a direitos fundamentais, políticos e civis, que aparentemente

extravasam muito do que, hoje, pode fazer soar modestas as pretensões dos

defensores da restauração da estrutura democrática pautada nos princípios clássicos

da democracia representativa. Na falta de denominação melhor, podemos identificar a

ordem postulada como aquela pautada pela vigência do império da lei garantido por

instituições sólidas de garantia de acesso a direitos e de proteção contra o arbítrio do

poder privado e do próprio Estado. Em uma palavra, podemos definir a nova

orientação como aquela em que, além de não subsumir nenhum dos três direitos de

cidadania clássicos descritos por Marshall a qualquer outro, introduz um quarto

princípio que, de certo modo, reforça e engloba todos os demais: os direitos humanos.

Comentado as formulações de Arendt a respeito da condição dos apátridas do

século XX, Lafer (1988) aponta aspectos da formulação aredtiana de direitos

humanos que, guardadas as devidas especificidades temáticas, podem nos auxiliar a

refletir a respeito dos dilemas da consolidação dos direitos humanos no Brasil.

Segundo Arendt, a condição do apátrida caracteriza-se pela privação radical de

existência em função da perda dos vínculos à trindade cujo pertencimento é condição

de possibilidade de sua própria humanidade. A referida trindade é composta pelo

vínculo a um Estado, a um povo e a um território. Deslocado desse eixo de referência,

o apátrida é privado, em última instância, de sua própria humanidade, uma vez que

esta condição não é um dado de sua natureza, mas, uma investidura de caráter

jurídico-política pela qual é afirmado o pertencimento a uma dada comunidade.

O último ponto é o que nos interessa, e nos remete do trauma episódio das

diásporas contemporâneas e pretéritas às periferias das grandes cidades brasileiras,

como Nova Iguaçu. Os assim chamados direitos humanos são um conjunto de

preceitos e filiações fundados no princípio da igualdade. Esta é de natureza

eminentemente pública e viabilizada por um conjunto de regras que subsumem, ao

mesmo tempo em que garantem, a livre fruição das desigualdades privadas. O caráter

fundador de uma ordem republicana democrática reside nos direitos humanos à

Page 128: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

128

medida que tal ordenamento é igualmente aplicado pela força da lei a toda

comunidade, entendida simultaneamente como agente coletivo, engendrador da

coletividade identificada no aparato jurídico, e à coleção de individualidades

relativamente autônomas, portadoras, indiferentemente, do princípio de identidade à

comunidade em questão. Sendo esse o caso, não são exatamente os direitos que

conferem legitimidade à ordenação, mas a igual aplicabilidade de coerções e limites à

fruição dos direitos.

Tratam-se os direitos humanos, portanto, não de um atributo natural da

espécie humana, mas um construto resultante da ação coletiva, positivada na lei que,

desde então, rege a universalidade do direito. Evidentemente, e Arendt nos ensina em

Origens do Totalitarismo, o primado dos direitos humanos não prescinde de margens

não muito pronunciadas de desigualdades sociais, mas se configura como algo de

natureza distinta dos direitos sociais. A fruição dos direitos humanos, sendo assim,

estaria sintetizada na sentença, muito citada e pouco compreendida, “direito a ter

direitos”, o que atesta o seu caráter formal e não finalista. Sua tradução na vida

prática pode ser encarada na existência, legitimidade e funcionamento adequado de

instâncias do aparato de ordenação da vida social e seu acesso equânime a todos os

membros da comunidade política aí instituída. O que, no discurso da filosofia do

direito, pode ser entendido como o primado da isonomia. É esse exatamente o desafio

que as gerações recentes têm enfrentado no processo de consolidação democrática no

Brasil do início do século XXI. Ter garantido o funcionamento dos mecanismos de

produção de uma ordem pautada pelo império da lei, aos quais os membros da

comunidade política sejam, a um só tempo, submetidos nela se reconheçam como

portadores dos atributos básicos de pertencimento.

Nosso estudo diz respeito ao direito que é convencionalmente reconhecido

como o mais fundamental de todos: o direito à vida. Nesse momento, o que se impõe

é verificar em que medida essa grande novidade da agenda pública brasileira, os

direitos humanos, é contemplada e o que há nela que elucida as dinâmicas que fazem

de cidadãos brasileiros apátridas fora das condições de diáspora.

Page 129: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

129

O primeiro passo dado por nós foi identificar as instâncias do sistema de

atendimento e de serviços públicos existentes em Nova Iguaçu cujas atribuições são

entendidas como estratégicas para o desenho de uma rede de atendimento e de

proteção à infância e à adolescência. A relevância de cada uma delas diz respeito,

sobretudo, ao modo pelo qual cada uma dessas instâncias é ou pode estar articulada

com órgãos que travam contato mais direto com ocorrências que ameaçam a

integridade de crianças e jovens. A essas instituições que estão nas “pontas”

chamaremos, no fluxo que construímos, de “entradas”. Classificamos, nesta

categoria, as delegacias de polícia, os Conselhos Tutelares, o Hospital Geral de Nova

Iguaçu e o Instituto Médico Legal.19

A partir dessas entradas, dividimos o fluxo em dois sistemas: um para casos

em que há vitimização letal e outro para ocorrências sem vítimas fatais, como atos

infracionais, negligência, maus tratos, etc. Ainda que o circuito interno a cada um dos

sistemas varie de caso a caso, resultando em variados percursos possíveis,

procuramos extrair de seu funcionamento um esquema que torne mais claro o modo

pelo qual os sistemas operam. Evidentemente, não tivemos a intenção de esgotar

todas as possibilidades de combinações possíveis segundo os mais variados casos

relativos à proteção de crianças e jovens. Buscamos, na verdade, identificar os órgãos

que podem ser entendidos como núcleo estratégico para a formação de uma rede

eficaz de produção de informações e de proteção. As instituições identificadas,

portanto, compõem o eixo nodal para a formulação e encampação de políticas de

proteção de crianças e de adolescentes, bem como para a redução da letalidade

intencional que atinge esse segmento. Os dois sistemas são aqui apresentados

separadamente por razões expositivas. Na prática, eles compõem, ou deveriam

compor, uma rede ampla agregando saberes e competências, para a efetivação de

políticas públicas voltadas para um problema tão complexo como as violências que

vitimizam crianças e adolescentes.

19 O IML, neste caso, é identificado como entrada mediante a possibilidade de um corpo ser

encontrado na rua e derivar disso uma investigação sobre a vítimização. O IML possui ainda, como

veremos, interação com o restante do sistema como órgão responsável pela realização de exames de corpo

de delito – o que é fundamental para a caracterização de diversos tipos de violência.

Page 130: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

130

Apesar do fato da presente pesquisa ter como foco de seu escopo o

mapeamento da violência letal contra crianças e adolescentes, consideramos

fundamental a compreensão das dinâmicas que mobilizam o sistema em casos em que

não há letalidade. A ausculta de profissionais que lidam com casos que não envolvem

vitimização letal intencional, mas estão em contato direto com demais dinâmicas

violentas, é essencial para a identificação dos vetores que ampliam as probabilidades

de que uma criança ou um adolescente sejam mortos, ainda nessa faixa etária ou logo

após se tornarem adultos. Estas instâncias, sensíveis às dinâmicas que afetam os

riscos de morte, são estratégicas também para a elaboração de políticas preventivas:

isto porque a prevenção requer, obviamente, a intervenção em fatores que precedem a

letalidade.

Apresentamos, a seguir, os dois organogramas por nós estabelecidos.

Fluxo em casos de vitimização

Entradas

Delegacias de Polícia

Conselhos Tutelares

Instituto Médico Legal

Tramitação de casos de vitimização

Hospital Geral de Nova

Iguaçu

Promotoria da Infância e da

Adolescência

Vara da Infância

Page 131: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

131

Fluxo em casos envolvendo vitimização letal

Entradas

Delegacias de Polícia

Conselhos Tutelares

Instituto Médico Legal

Tramitação de casos de vitimização letal

Hospital Geral de Nova

Iguaçu

Promotoria de Investigação Penal (PIP)

4ª Vara Criminal

Page 132: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

132

V.1. O circuito de proteção e de justiça em Nova Iguaçu

Começamos nossa exposição pelo ponto em que concluímos o capítulo

anterior: os conselhos tutelares. O Conselho Tutelar, de acordo com o artigo 131 do

ECA, é “um órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela

sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,

definidos nesta Lei”. Ele é vinculado à administração municipal, responsável pela sua

manutenção e infra-estrutura, apesar não ser subordinado a ela.

Como já foi mencionado, em Nova Iguaçu existem cinco Conselhos Tutelares

(de agora em diante CTs): Vila de Cava, Centro, Comendador Soares, Austin e

Cabuçu. Nesse município, os conselhos estão vinculados à Coordenaria dos

Conselhos, instituição da Secretaria de Governo do Município, e são fiscalizados pelo

CMDCA, Conselho Municipal dos Direito da Criança e do Adolescente, órgão

composto por membros do poder público e da sociedade civil.

Os CTs de Nova Iguaçu foram instituídos no ano de 1996 e os mandatos em

vigor quando da realização do trabalho de campo haviam começado em 2007. Seus

membros são eleitos a cada três anos, podendo concorrer a uma reeleição. É

obrigatório que os candidatos sejam residentes na localidade para qual concorrem há

pelo menos três anos. Para terem suas candidaturas habilitadas, é necessário que os

candidatos tenham experiência comprovada em trabalhos com crianças e/ou

adolescentes. Além disso, os conselheiros são submetidos a uma avaliação, sob

responsabilidade do CMDCA e com supervisão do Ministério Público.

Cada um dos CTs conta com cinco conselheiros eleitos, além de assessoria

técnica composta por um psicólogo, um assistente social, um auxiliar administrativo e

um funcionário pra serviços gerais. A estrutura oferecida pela Secretaria de Governo

aos CTs é considerada precária. Nenhum dos locais dispõe de espaço adequado para

garantir privacidade aos atendimentos, estão em mau estado de conservação e os

aluguéis estão atrasados. Não há equipamentos básicos para o funcionamento, como

computadores com acesso à internet ou impressoras, e o suprimento de bens de

consumo, como papel, é feito de modo assistemático e em quantidade insuficiente.

Através de depoimentos de conselheiros e de funcionários da prefeitura pudemos

Page 133: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

133

observar que alguns esforços foram feitos, nos últimos anos, para a melhoria das

condições de trabalho dos primeiros, mas em nossa avaliação há muito em que

avançar. Como tentamos evidenciar no capítulo anterior, a atuação de conselhos

tutelares em Nova Iguaçu e demais municípios com perfil semelhante é estratégica

para a formulação e avaliação de iniciativas voltadas para crianças e adolescentes.

Sendo assim, parece-nos muito distantes as condições estruturais dos conselhos e os

recursos técnicos e humanos hoje investidos para seu funcionamento. Não temos

razão para pensarmos que esse seja um caso restrito a Nova Iguaçu. Ao contrário,

tudo leva a crer que um levantamento estadual ou nacional nesse campo não

propiciaria um quadro melhor daquele que encontramos em nossa pesquisa. Ainda no

que diz respeito à carência de infraestrutura, a indisponibilidade de veículos para

realizar visitas e atendimentos apareceu com uma freqüência que impressionou a

equipe de pesquisa, sobretudo tendo em vista a dimensão do município e as distâncias

entre os bairros cobertos por cada um dos conselhos.

Outra queixa comum dos Conselheiros é a falta de segurança dos locais em

que trabalham. Muitos dos casos atendidos pelos conselhos, como ficou patenteado

anteriormente, envolvem graus bastante altos de violência e os desdobramentos de

muitos são pouco favoráveis a indivíduos violentos. Percebemos da parte dos

conselheiros um receio bastante acentuado, ainda que, na maioria das vezes, tenham

procurado passar uma imagem de força e de destemor no cumprimento de suas

atribuições. O sentimento de insegurança, contudo, é apenas um dos aspectos pelos

quais os conselheiros expõem uma espécie de sentimento de abandono. Tal

sentimento aparece, também, quando admitem que poderiam fazer melhor, caso

recebessem treinamento adequado logo no início do cumprimento de seus mandatos.

Curiosamente, esse despreparo aparece em depoimentos de outros atores quando se

queixam da performance dos conselheiros. Nem tudo, porém, deve ser reduzido à

negligência do poder público. Segundo um funcionário da prefeitura, os esforços para

a realização de qualificação e integração dos conselhos não tem encontrado respaldo

junto aos próprios conselheiros;

“E eu acho que tem uma situação de falta de comprometimento, não é mais

questão de capacidade, não é de maneira alguma, mas tem uma questão de

Page 134: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

134

comprometimento dos conselheiros, em relação ao sistema de garantia de

direitos (...) na Conferência da Igualdade Racial, que eles tinham que estar

pra discutir a questão da etnia, da igualdade racial no município. Tem a

Conferência de Educação, tem a Conferência da Assistente Social”. (...) Da

Igualdade Racial, não foi ninguém, ninguém que sentasse pra poder assistir

nada, pra também discutir o tema. Da Assistência, não teve ninguém. Da

Educação vai ser agora também, e da Criança e do Adolescente. (...) Então,

assim, você tem um grau de desinteresse, com esse tipo de informação, como

não tivesse nenhum tipo de influência no trabalho deles.”

Não caberia à equipe de pesquisa arbitrar o claro conflito explicitado nas duas

últimas passagens citadas ou apontar aquele que tem razão em suas queixas. Antes,

vale começar a indicar os ruídos de comunicação e os desencontros entre atores

estratégicos, segundo nosso próprio organograma. Está aí a gravidade do problema

que apuramos ao longo da pesquisa.

A dimensão do problema sugerido anteriormente se avoluma se tivermos em

mente que os CTs são os principais agentes da ponta no fluxo de casos sem

vitimização letal, atuando, também, embora de forma menos acentuada, quando nos

casos de vitimização letal em que o perpetrador é criança ou adolescente. Os contatos

institucionais principais dos CTs são o Ministério Público, a Vara da Infância, da

Juventude e do Idoso, o Hospital Geral da Posse, as Delegacias de Policia e o

Instituto Médico Legal.

Os encaminhamentos chegam aos CTs por vias institucionais – sistema de

saúde, escolas, delegacias de polícia – ou por procura dos usuários. Nesse último

caso, os encaminhamentos podem ser feitos diretamente nas sedes dos CTs ou através

de denúncia telefônica. A maior parte dos atendimentos, entretanto, ocorre a partir de

procura direta dos usuários.

Os casos mais comuns, como já relatamos, são falta de vagas no sistema

escolar, abuso sexual, negligência e agressão física. Nos primeiros atendimentos de

casos que envolvem violência o objetivo inicial é salvaguardar a criança ou o

adolescente envolvido e, posteriormente, investigar a situação da denúncia e a

Page 135: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

135

possibilidade de permanência do atendido com a família. No caso de necessidade de

afastamento do núcleo familiar, primeiro são procurados outros familiares que

possam assumir a guarda da criança. Caso isso não seja possível, ocorre o

abrigamento. Uma questão que em várias situações dificulta o trabalho dos CTs é a

falta de registro civil dos atendidos.

Os CTs têm boa integração com as comunidades atendidas e são referenciais

importantes. Nem sempre, no entanto, são procurados para tratar de casos de sua

competência, o que evidencia duas questões. Em primeiro lugar, o entendimento pela

comunidade das atribuições dos CTs é parcial, o que leva, por vezes, ao

congestionamento no fluxo de atendimento. Em segundo lugar, os CTs são

procurados recorrentemente pela ausência de conhecimento de outras instituições

públicas que as possam assessorar. Nesse contexto, a grande maioria dos

atendimentos iniciais é solucionada nos próprios CTs, apenas com a orientação

oferecida pelos conselheiros. Há um consenso de que os usuários são, na grande

maioria, de classes populares.

As Promotorias da Infância são os órgãos para os quais os CTs fazem o maior

número de encaminhamentos. Elas são, desse modo, peças chave no sistema de

atendimento e proteção. Suas relações com os demais setores, contudo, não são muito

fáceis. Segundo uma promotora,

“(...) o conselho tutelar é uma dificuldade, é complicado muitas vezes por n

motivos. A gente às vezes manda um oficio pedindo pra eles irem numa família

e a gente dá um prazo de trinta dias e eles não respondem, reitera mais trinta

dias e não responde e reitera e não responde e isso é complicado. Porque a

gente não sabe se eles foram lá ou se eles não foram e ás vezes eles foram e

esquecem de responder e ás vezes não foram porque tem milhões de coisas pra

fazer e ás vezes é uma situação mais grave. (...) Já aconteceu de eu mandar um

oficio pro prefeito num outro município e um mês depois eu vou procurar saber

e o ofício não chegou nem nas mãos do prefeito. Porque vai pra aqui e vai pra

lá e vai pra não sei aonde.”

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136

No que concerne às suas relações especificamente com os conselhos, os ruídos

são de outra natureza. Segundo alguns conselheiros, os promotores se colocam numa

posição de superioridade hierárquica que não deveria existir. Os prazos estipulados

pelas Promotorias para o cumprimento das demandas são considerados insuficientes e

a avaliação geral dos conselheiros é a de que isso ocorre pela falta de estrutura –

especialmente do carro. Esses prazos são estabelecidos sem que haja conhecimento da

real situação dos CTs; uma reclamação comum é a de que os Promotores nunca

visitaram os CTs. De sua parte, percebemos, no discurso dos promotores uma visão

bastante ácida do desempenho dos conselheiros.

Os encaminhamentos recebidos pela Vara da Infância são de duas naturezas.

O primeiro refere-se aos casos levados ao serviço técnico da Vara, composto por

assistentes sociais e psicólogos. O segundo, que de fato se caracteriza como de

natureza jurídica, são os casos efetuados pela Promotoria. As relações entre a Vara da

Infância e os CTs, portanto, são diretas apenas quando a primeira tem demandas a

serem supridas por esses últimos. O caminho inverso nunca se dá.

O Hospital Geral da Posse faz encaminhamento para o CT quando há

necessidade de tutelamento de crianças ou adolescentes, ou quando há suspeitas de

que há algum tipo de suspeita de violação continuada -- especialmente por parte dos

responsáveis. Normalmente, o encaminhamento se dá para o CT do Centro,

responsável pelo bairro da Posse, que, quando pertinente, redistribui o caso para outro

CT.

Já com as Delegacias de Polícia o contato é freqüente, tanto como órgão que

recebe usuários e os encaminha para os CTs, como no atendimento de casos

encaminhados pelos CTs. A qualidade das relações com as delegacias varia de um

conselho para outro. Curiosamente, delegacias policiais e polícia militar não são foco

de muitas queixas entre os diversos atores por nós ouvidos. Mesmo entre conselheiros

tutelares, as polícias ou não foram mencionadas ou foram citadas sem maiores

críticas. Houve casos, inclusive, de relatos de contatos amigáveis e cooperativos. A

exceção, talvez exatamente por ser o órgão que mais se relaciona com casos

efetivamente policiais, foi a promotoria, como veremos mais adiante.

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137

Aparentemente, não é incomum que casos cheguem aos CTs através das

delegacias. A integração entre estas, contudo, não parece ser das maiores. Segundo

um delegado que trabalhou durante algum tempo a frente de uma das delegacias de

Nova Iguaçu, cada delegacia cuida de sua jurisdição, estabelece seus próprios padrões

de interação com os demais órgãos do poder público e conduz sua rotina segundo o

entendimento de seus titulares. Não tivemos, portanto, qualquer informação que

pudesse qualificar as instituições policiais como instâncias causadoras de medo ou

identificadas como fonte de risco, o que supúnhamos, dado o histórico da região

reforçado por episódios recentes, encontrar. O máximo que apuramos foram algumas

queixas a respeito de uma suposta falta de sensibilidade dos policiais no trato com os

casos envolvendo crianças e adolescentes.

Por outro lado, ficou patenteado um certo absenteísmo por parte das polícias

para uma participação mais orgânica no sistema de que fazem parte. Segundo relatos,

é comum casos que se caracterizariam como episódios criminais serem enviados a

outras instâncias sem feitura de registro de ocorrência ou qualquer outra medida

cabível. Em muitos desses casos, os envolvidos ficam circulando de um órgão a outro

até retornarem, agora melhor instruídos, à delegacia para a formalização de queixa.

Nessas idas e vindas, muitos desistem de dar continuidade à busca de auxílio e o caso

cai na vala comum do subregistro.

Embora reconheçamos as dificuldades aí implicadas, não podemos omitir que

qualquer política integrada de atendimento a vítimas de violência, sobretudo quando

temos a redução da violência letal intencional em nosso horizonte de expectativas,

não pode prescindir da integração das polícias às suas fileiras. As dificuldades para se

chegar a tal ponto, contudo, não se restringem a Nova Iguaçu. Nesse município,

porém, tais dificuldades são bastante evidentes. Uma das três delegacias situadas

nesse município ainda é convencional, vale dizer, ainda não está integrada ao sistema

Delegacia Legal, o que por si só atesta o relativo esquecimento a que essa área do

estado está relegado. Se não há um sistema de cooperação entre as próprias delegacias

e entre essas e a Polícia Militar, como poderíamos esperar algo diferente no que diz

respeito aos demais órgãos? Mesmo o Instituto Médico Legal da Baixada, sediado em

Nova Iguaçu, não conta com maior articulação com seus colegas de delegacias. A

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138

relação entre estas e o instituto se dá fundamentalmente pelo cumprimento de envio

de solicitações de laudos e as respostas a estes pelo IML. Mais grave: no caso das

delegacias convencionais, os trâmites são demorados e a integração de laudos a

inquéritos é bastante artesanal. O Instituto Médico Legal, por sua vez, é acionado nos

casos em que há necessidade de exame de corpo de delito, aos quais dá respostas

simplesmente pelo encaminhamento de laudos. O tempo despendido entre a

solicitação de laudos, para a sua feitura, e o envio à instância mobilizada no

atendimento conspira contra as vítimas e estende a sensação de desamparo.

Outro setor importante na rede de atendimento é o sistema de saúde. No caso

de Nova Iguaçu, sua principal referência é o Hospital Geral de Nova Iguaçu –

comumente referido como Hospital da Posse, devido a sua localização no bairro de

mesmo nome. Inaugurado no segundo trimestre de 1982, a unidade era uma entidade

autárquica federal do ex-INAMPS. Com a extinção do instituto, o HGNI ficou ligado

ao Ministério da Saúde até 2002, quando foi municipalizado, passando a ser gerido

pela prefeitura de Nova Iguaçu, através de Termo de Cessão de Uso. A unidade ocupa

15 mil metros quadrados divididos entre ambulatórios, laboratórios, emergência, UTI,

centro cirúrgico, entre outros setores.

O Hospital Geral de Nova Iguaçu (de agora em diante HGNI) é uma unidade

que tem como missão realizar atendimentos de urgência e emergência de média e alta

complexidade, tanto clínicos como cirúrgicos e obstétricos de alto risco. O HGNI é

referência para toda a Baixada Fluminense, estando localizado próximo às rodovias

Presidente Dutra e Washington Luis, e à Avenida Brasil.

Trata-se de uma importante instituição no que diz respeito à rede de proteção à

infância e à adolescência, especialmente por contar, tanto com uma emergência,

quanto com um ambulatório especificamente pediátricos, onde são atendidas crianças

de 0 a 11 anos. Não existe, entretanto, em sua estrutura, setores voltados

especificamente para o atendimento de adolescentes, que acabam sendo atendidos nos

setores destinados aos adultos. Para além dessas deficiências, é, sem dúvida, uma

importante entrada de casos com ou sem vitimização letal, mantendo contatos

institucionais constantes com os CTs (especialmente o do Centro), com o Ministério

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139

Público, com a Polícia Civil e com o IML. Tais contatos são mais frequentemente

mediados pelos profissionais da área de assistência social, do que pelos outros

profissionais do Hospital (Médicos, enfermeiros, técnicos administrativos).

Além das deficiências anteriormente mencionadas, ficou evidente, quando de

nossa visita, que seus mais graves problemas se concentram no setor de emergência:

pela necessidade imposta por um conjunto de obras no local em que originalmente o

setor de emergência estava instalado, o atendimento estava sendo efetuado em um

outro espaço do hospital, cujas condições podem ser consideradas completamente

insatisfatórias para uma emergência médica, especialmente em um hospital tão

grande, e de referência para boa parte da Baixada Fluminense. Dentre as listas destes

problemas, os mais evidentes são a falta de espaço adequado para o alojamento dos

pacientes, cuja demanda acaba sendo satisfeita com a utilização dos corredores, além

das condições insalubres das instalações temporárias, sem qualquer tipo de controle

de temperatura ou da entrada de radiação solar.

Os depoimentos colhidos junto aos profissionais do HGNI confirmam as

indicações por nós já sugeridas em páginas anteriores. Os casos de atendimento mais

comuns quase sempre dizem respeito a algum tipo de negligência, sendo também

muito frequentes casos envolvendo violência física e sexual, boa parte deles tendo por

perpetradores membros do próprio círculo familiar. Alguns profissionais

manifestaram particular inquietude em relação ao atendimento de crianças ou

adolescentes vítimas de violência sexual. Tal sentimento traduz um certo medo de, de

algum modo, implicados na violação. Surpreendeu-nos a constatação de que tais

receios induzem alguns profissionais de saúde a evitarem a realização de qualquer

tipo de exame mais aprofundado, optando por avaliações superficiais e pelo

encaminhando das vítimas para o IML, que seria, de fato, o órgão responsável por

fornecer laudos passíveis de comprovar a ocorrência ou não de violência.

O temor confessado por profissionais de saúde do hospital é eloqüente. Se, por

um lado, a população sofre as conseqüências pelo funcionamento institucional que, a

despeito de ser bastante completo, é mal integrado e, consequentemente, oferece um

atendimento precário, moroso e insuficiente, os profissionais inscritos nesse mesmo

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140

sistema não sentem fragilidade menor. Assim como os conselheiros tutelares, os

profissionais de saúde sentem receio, “pisam em ovos” no cumprimento de suas

funções, temerosos de, por razões inesperadas, serem arrastados pela lógica da

violência contra a qual seu trabalho deveria se impor. A fragilidade dos lugares

institucionais parece um dos mais flagrantes sinais da fragilidade do próprio sistema

como um todo.

As instituições até aqui mencionadas operam em casos que envolvem ou não

vitimização letal. São vinculadas aos poderes executivos estadual ou municipal. Não

são as únicas, contudo, a ter lugar nos sistemas por nós propostos. Sigamos, então, em

direção à esfera judicial.

A Promotoria da Infância e da Adolescência de Nova Iguaçu é um órgão

vinculado ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro que tem por finalidade

receber denúncias e encaminhamentos de casos nos quais esteja ameaçada a

integridade de crianças e adolescentes. Esta instância é acionada, de forma geral,

pelas delegacias de polícia e pelos conselhos tutelares. Qualquer cidadão também

pode acionar a Promotoria da Infância e da Adolescência para efetuar uma denúncia,

caso tenha conhecimento de uma situação na qual a integridade de uma criança ou

adolescente esteja ameaçada. O Ministério Público, através de suas diversas

promotorias, em nosso caso da Promotoria da Infância e da Adolescência, é uma

porta de entrada para o poder judiciário. A Promotoria pode, neste sentido, acionar

outras instâncias para o cumprimento de medidas contra situações que representem

ameaça a criança ou ao adolescente, ou, ainda, encaminhar o caso para o poder

judiciário, mais precisamente para a Vara da Infância. O encaminhamento à Vara da

Infância redunda na abertura de um processo judicial que vai levar à sentença legal

que procura resolver o caso e resguardar a criança ou o adolescente.

Para realizar esta tarefa, a Promotoria da Infância e da Adolescência de Nova

Iguaçu (que cobre este município e Mesquita) está dividida em duas instâncias

autônomas. Uma promotoria é destinada aos casos individuais, como atos

infracionais, denúncias de negligência, etc. Outra promotoria dá conta das chamadas

questões coletivas, ou seja, situações que envolvem a exposição a um risco coletivo,

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141

como condições de abrigamento, problemas relacionados à escola, etc. Em

decorrência de suas naturezas distintas, cada uma destas promotorias mantém

articulações específicas com órgãos distintos. A promotoria voltada para os casos

individuas, neste sentido, mantém contato com as delegacias de polícia e com a Vara

da Infância. Já a que lida com os casos coletivos dispõe de uma articulação mais

próxima à Secretaria de Educação e às casas de abrigamento. As duas promotorias,

porém, mantêm contato muito estreito com os Conselhos Tutelares.

Por lidar com adolescentes infratores, a promotoria voltada para casos

infracionais tem como principal porta de entrada as delegacias. Quando não há

flagrante, as delegacias encaminham os adolescentes infratores e a Promotoria

notifica os adolescentes e os seus responsáveis. Em seguida, os envolvidos

(adolescentes e responsáveis) são ouvidos e, a partir daí, pode ser instaurado um

processo contra os infratores, pode haver a decisão por uma representação

socioeducativa, ou, ainda, o processo pode ser arquivado. Os procedimentos variam

segundo a gravidade da infração e segundo a decisão da Promotoria, que deve ser

ratificada pela Vara da Infância, através da remissão do caso. Não há relatos de que o

juiz da infância tenha deixado de ratificar uma decisão de remissão efetuada em Nova

Iguaçu. Este aspecto é um indício de que há um relacionamento saudável entre a

Promotoria e a Vara da Infância.

O mesmo não se pode dizer de outras instituições do poder público com que

os promotores lidam. Segundo o depoimento de uma promotora;

“(...) pelo ECA todas as medidas e atribuições são do conselho tutelar, não é

do Ministério Público, então vem muita denúncia pra gente que não é do

Ministério Público entendeu? É do conselho tutelar.(...) Porque às vezes a

gente vai pegando um trabalho e vai se assoberbando do trabalho de coisas

que não são nossas, são do conselho e ás vezes por uma falta de estrutura do

conselho alguma coisa a gente acaba fazendo ou então nem fazendo, mas

instaurando um procedimento pra ver se o conselho fez, se o conselho ta

fazendo ou não, mas isso acarreta um tempo de outras coisas que a gente

poderia tá fazendo, então essa confusão ainda é muito complicada.”

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142

A confusão de atribuições pode também se transformar numa espécie de

absenteísmo de certas instituições. No caso específico das promotorias, tal queixa

recai com freqüência sobre a Polícia Civil;

“E outra dificuldade também, a questão das delegacias serem muito resistentes

a fazer o registro de ocorrência do adolescente. Um adolescente pratica um ato

infracional seja de ameaça seja de lesão corporal aquela pessoa vai pelo

caminho natural, vai fazer o registro muitos inspetores encaminham pro

conselho tutelar que não tem nada a ver com a delegacia ignorando que houve

um ato infracional. O conselho tutelar encaminha pra delegacia e a pessoa

obviamente muitas das vezes acaba deixando de lado aqui e se o adolescente

voltar a praticar isso muitas das vezes acaba tomando uma providência

diretamente porque isso é uma dificuldade. E por mais que eu fale com os

delegados a gente também tem uma dificuldade porque tem uma rotatividade

muito grande nas cinco delegacias com as quais eu trabalho, você fala hoje

com o delegado e amanhã muda o delegado e o mesmo problema.”

Nos casos em que há flagrante, a delegacia tem até vinte e quatro horas para

apresentar o adolescente. A promotoria, ao receber o adolescente, toma

imediatamente as providências ao ouvir o envolvido e instaurar o processo. O curso

mais provável destes casos é a instauração do processo com o encaminhamento ao

judiciário, podendo ser solicitada, ainda, a internação cautelar do adolescente. Em

nossa pesquisa, houve relatos de problemas na caracterização dos casos de flagrante

decorrente de ocasionais demoras no encaminhamento à promotoria. Esta demora

teria relação com o fato de Nova Iguaçu ter adotado um sistema que funciona com

uma central de flagrantes – operada pela 56ª delegacia. O tempo de descolamento

entre uma delegacia e outra para a caracterização do flagrante impacta, às vezes, o

tempo de apresentação do adolescente à promotoria para a abertura do processo.

Além das dificuldades decorrentes das situações de flagrante, outros

problemas foram apurados em relação ao relacionamento entre a Promotoria da

Infância e da Adolescência e as delegacias. Esta dificuldade foi identificada pelos

profissionais entrevistados como uma certa resistência das delegacias em registrar os

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143

atos infracionais dos quais os adolescentes são autores. Há relatos – tanto na

promotoria quanto nos conselhos tutelares – de casos nos quais a delegacia, no lugar

de registrar a ocorrência, encaminha o adolescente para o conselho tutelar. A

rotatividade dos delegados de polícia a frente das DPs também foi mencionada como

um obstáculo ao estabelecimento de relações mais eficientes entre a promotoria e as

delegacias, como atesta o relato anteriormente citado.

Além das delegacias e do judiciário, instâncias mais frequentes na articulação

com o sistema, a promotoria ainda mantém contato com os CRIAADs – Centros de

Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente – (antigos CRIAMs – Centros

de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor) e com os CREAS – Centros de

Referência Especializados de Assistência Social. Os CRIAADs são responsáveis pela

aplicação de medidas socioeducativas de semi-liberdade. Já os CREAS executam as

ações voltadas para medidas de liberdade assistida e de prestação de serviços à

comunidade. Estes encaminhamentos feitos aos CRIAADs e aos CREAS são

acompanhados pela Promotoria da Infância e da Adolescência, que também

comparece a todas as audiências que precedem a decisão.

A Promotoria que cuida dos casos não infracionais e que se ocupa de todas as

relações pertinentes à tutela coletiva tem como escopo de trabalho os direitos

transindividuais da criança e do adolescente. Trata, portanto, de questões

fundamentalmente relacionadas à saúde, à educação e à assistência social. Questões

como falta de vagas em escola, problemas de infra-estrutura escolar, falta de

professores, condições de abrigamento etc. são de competência desta promotoria.

As portas de entrada para esta promotoria são os conselhos tutelares ou a

recepção direta de denúncias da população diretamente. Muitas das denúncias

recebidas são encaminhadas para os conselhos tutelares para que eles apurem a

veracidade dos fatos e tomem as providências necessárias à sua solução. Dependendo

do caso, a promotoria apura diretamente através de um grupo da Polícia Civil de

apoio aos promotores – o GAP – e, então, notifica os conselhos tutelares.

A relação com os conselhos tutelares é dificultada pela falta de infra-estrutura

destas instituições para o cumprimento de suas atribuições. No contato com as

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secretarias de saúde, educação e de obras (casos relativos a problemas de infra-

estrutura em escolas), houve relatos de que a burocracia nos trâmites dessas

secretarias dificultam os processos. Um relato relevante, neste sentido, chama a

atenção para o fato de que o Ministério Público muitas vezes é acionado apenas para

atuar como elemento de pressão para a aceleração de determinados trâmites

burocráticos que podem impedir a solução de uma situação que traga riscos às

crianças ou aos adolescentes.

O público atendido pela Promotoria da Infância e da Adolescência, via de

regra, é composto por pessoas de camadas baixas, a maioria muito pobres. Fatores

como desestruturação familiar foram ressaltados pelos profissionais entrevistados

como muito recorrentes nas dinâmicas que compõem o conjunto de casos a que

atendem. Os elementos de desestruturação são identificados como decorrentes da

negligência dos pais, que passa pela ausência da figura paterna (há casos frequentes

de crianças e adolescentes sem o reconhecimento paterno20

) e pelo fato da mãe muitas

vezes trabalhar longe de sua residência, o que implica a necessidade de passar muitas

horas fora de casa e não ter quem fique responsável pelos filhos. Dificuldades de

acesso à educação e a má qualidade do ensino também são elementos mencionados

pelos entrevistados na Promotoria como questões que afetam suas atividades.

De uma maneira geral, é comum que as crianças e os adolescentes atendidos

como autores de atos infracionais tenham algum histórico de violência na família. As

diversas formas de negligência, contudo, são mais frequentes na formação dos

cenários de risco aos quais estão expostos as crianças e os adolescentes.

Em relação aos atos infracionais, os profissionais entrevistados alegaram que

não são recorrentes casos de adolescentes autores de ocorrências seguidas de

letalidade, como latrocínio e homicídio. Segundo os relatos, entre 2006 e 2008,

teriam chegado à Promotoria da Infância e da Adolescência no máximo três casos de

homicídio e dois de latrocínio.

20 A este respeito, o jornal O Globo do dia 10 de janeiro de 2010 publicou uma matéria na qual é

apontado que um quarto das crianças no Brasil não possui o reconhecimento do pai em seus registros de

nascimento. Isto ilustra a extensão e a profundidade deste problema.

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No que diz respeito às questões relacionadas ao abrigamento, um dos

problemas frequentes combatidos pela Promotoria da Infância e da Adolescência é a

permanência de crianças e de adolescentes em abrigos por muito tempo. A

dificuldade de adoção é o principal entrave relativo a esta questão. De uma forma

geral, as crianças mais velhas e os adolescentes encontram dificuldade de serem

adotados porque a procura por “crianças de colo” é muito maior. O abrigamento

demasiadamente prolongado representa um fator de risco na medida em que mina as

condições de socialização da criança, que logo se tornará um adulto e terá que deixar

o abrigo.

Houve relatos que indicaram que a expansão das milícias afetou a quantidade

de atendimentos a adolescentes infratores, diminuindo sua ocorrência. Isto foi

reputado ao fato dos grupos milicianos não recrutarem crianças e adolescentes em

suas atividades. A despeito dessa redução, nossos entrevistados afirmaram não terem

como medir até que ponto este número de atendimentos não diminuiu em virtude da

provável eliminação dos adolescentes que atuavam no tráfico. Não há como precisar

em que medida as milícias produzem uma mudança de cenário na qual os

adolescentes figurem menos como autores. É difícil, contudo, crer que as milícias

reduzem a exposição de crianças e adolescentes a fatores de risco, mesmo se

aceitarmos o discurso vigente segundo o qual elas não recrutam seus membros nessa

faixa etária. A prática de assassinar pessoas que cometem roubos e furtos em sua área

de atuação, muito característica das milícias e marca histórica dos grupos de

justiceiros da Baixada, pode ser um dos fatores relevantes na vitimização letal de

crianças e os adolescentes. Não temos, contudo, elementos suficientes para afirmá-lo

de modo categórico.

O que nos parece sugestivo, por outro lado, é a ambigüidade que se percebe

em vários depoimentos, da percepção da atuação das milícias. Se, por vezes, a elas é

atribuída uma parte das ações que resultam em mortes, por outro lado, o não

recrutamento de crianças e adolescentes parece ser visto como uma vantagem

comparativa em relação ao tráfico. Tal ambigüidade talvez seja explicada

parcialmente pela própria história da Baixada, em que a ação de grupos de justiceiros

chegou a ser encarada como uma espécie de mal necessário por uma parcela

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146

significativa da população local. Talvez a referência a milícias, hoje, seja muito uma

alteração terminológica do que propriamente semântica. Como deixamos patenteado

no primeiro capítulo, a atuação de grupos organizados destinados a prover segurança

e fazer justiça pelo uso da força e do crime é antiga em Nova Iguaçu e na Baixada

como um todo. Não apuramos elementos que nos autorizem a afirmar que tais grupos

estejam estruturados atualmente da mesma forma que aqueles que encontramos em

algumas áreas da cidade do Rio de Janeiro. Por outro lado, a maior incidência de

adolescentes cumprindo medidas sócioeducativas em decorrência de atos infracionais

contra o patrimônio é extensivo a todo o estado do Rio de Janeiro.

A Vara da Infância é o órgão do poder judiciário responsável por tratar das

questões relativas à infância e à adolescência nas quais seus direitos tenham sido

feridos ou ameaçados, ou nas quais eles sejam autores de atos infracionais. A

principal porta de entrada na Vara da Infância é a Promotoria da Infância e da

Adolescência. Nos casos em que o adolescente é autor de um ato infracional, o juiz

pode decidir por aplicar uma medida protetiva. É emitido, então, um PAMP – Pedido

de Aplicação de Medida Protetiva – que pode variar desde a internação até a

determinação de acompanhamento psicológico e social. A Vara da Infância dispõe de

um conjunto variado de atores institucionais que podem ser executores das decisões

decorrentes de suas atividades: Conselhos Tutelares, CREAS, CRIAAD, instituições

voltadas para o tratamento contra adicção etc.

Uma dificuldade institucional apontada entre os entrevistados desta instância

diz respeito ao fato de haver uma certa descontinuidade em programas que poderiam

ser importantes parceiros para o cumprimento de decisões da Vara da Infância. Isto é

sentido, sobretudo, nos casos em que a decisão demanda acompanhamentos

terapêuticos tanto psicológicos strictu sensu quanto em casos de tratamento contra

drogas.

A Vara da Infância conta, ainda, com um setor de psicologia e assistência

social, que, além de acompanhar os casos sentenciados pelo juiz nos quais há

necessidade de atuação de psicólogos ou assistentes sociais, recebe encaminhamentos

dos Conselhos Tutelares e oferece orientação ao público. Foi relatado que houve um

Page 147: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

147

momento no qual os próprios serviços da Vara da Infância tinham que suprir a

necessidade de cumprimento de determinados PAMPs; isto antes de os conselhos

tutelares ampliarem sua atuação. Os conselhos tutelares, neste sentido, contam,

atualmente, com serviços de psicologia e serviço social. A precariedade das

condições de atuação dos conselhos tutelares, entretanto, torna ainda insuficiente o

trabalho desta instância

Apesar das Varas da Família e da Mulher também disporem de setores de

psicologia e de assistência social, foi relatado que não há uma integração entre eles.

Nossos entrevistados, em relação a este aspecto, ressaltaram um elemento

fundamental, que talvez esteja entre os principais pontos fracos do fluxo em relação a

sua eficácia: cada instância, apesar de ter vínculos e articulações com outros atores

institucionais, trabalham de forma isolada. Existe uma evidente ausência da

interlocução que deveria existir quando estamos falando de um sistema que integre

efetivamente diversas instâncias.

A integração das diversas instituições do sistema de atendimento é condição

necessária para que o poder público atenda adequadamente a população. Menos

fechados em si mesmos, mais integrados, com suas práticas vascularizadas pela

interlocução e pela reflexão conjunta, os órgãos públicos envolvidos no sistema de

proteção à criança e ao adolescente de Nova Iguaçu poderiam contrariar a percepção

frequente – e, em certa medida, muito justa – que se manifesta na própria fala de um

de nossos entrevistados: “Eu acho que as instituições são públicas até a página dois”.

Acompanhando o que foi apurado na Promotoria da Infância e da

Adolescência, o público da Vara da Infância é predominantemente de pessoas das

camadas baixas. Os casos de negligência, também em consonância com o que foi

observado na promotoria, são as ocorrências mais freqüentes também na Vara da

Infância.

Em relação às tendências geográficas da distribuição dos casos atendidos na

Vara da Infância, os relatos indicam que tanto o Centro quanto as áreas mais

afastadas, como Tinguá, figuram com menor frequência. A isto foram atribuídos tanto

o fato de o Centro ter uma população menos empobrecida quanto à distância de áreas

Page 148: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

148

como Tinguá. Essas observações surpreenderam a equipe de pesquisa, sobretudo no

que diz respeito ao Centro que, como foi visto nos capítulos precedentes, costuma ser

um bairro assíduo nas listas de vitimização. Infelizmente, não nos foram franqueadas

as estatísticas para cotejarmos tal informação com os registros de atendimento.

As mudanças afetas à atuação das milícias observadas pelos profissionais da

Vara entrevistados foram as mesmas colhidas na promotoria. Um relato foi bastante

emblemático no que diz respeito ao fato das milícias exterminarem adolescentes

envolvidos em roubos ou furtos: o próprio profissional da Vara da Infância alegou

advertir os adolescentes reincidentes em atos infracionais, afirmando que ele poderia

ser morto por milicianos se continuasse cometendo roubos.

As Promotorias de Investigação Penal (PIP) são órgãos do Ministério Público

que atuam vinculados ao modelo das Centrais de Inquéritos e têm a atribuição de

tratar de todos os casos decorrentes de inquéritos policiais. Todos os casos nos quais

existe vitimização são tratados, portanto, pela PIP e ficam vinculados à Central de

Inquérito. Existem em Nova Iguaçu quatro PIPs, cada uma delas ligada a uma

Delegacia de Polícia 52 DP, 56 DP, 58 DP e delegacias especiais. Os inquéritos são

apurados pelas PIPs, que podem ou não formular uma denúncia. Quando esta ocorre,

é encaminhada para a Vara Criminal, que pode acatá-la, abrindo o processo, ou

recusá-la.

A porta de entrada das PIPs é, portanto, as delegacias. Elas instruem o

inquérito policial que é encaminhado à PIP, que instaura o processo judicial a ser

encaminhado à Vara Criminal – que em Nova Iguaçu é a 4ª Vara. Nos processos que

resultam em julgamentos, a PIP opera todas as atribuições pertinentes aos promotores

de justiça.

A despeito dos esforços envidados, não conseguimos realizar entrevistas com

os profissionais da PIP. As informações relevantes para nossa pesquisa que poderiam

ser fornecidas pelas percepções destes profissionais dizem respeito, sobretudo, aos

perfis das vítimas e dos perpetradores. Essa foi uma perda importante já que

poderíamos qualificar melhor os dados obtidos nos registros policiais. Temos razões

Page 149: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

149

para acreditar que o perfil das vítimas e dos perpetradores nos casos tratados pela PIP

são similares àqueles que figuram nos casos da Promotoria da Infância e da

Adolescência: crianças e adolescentes pobres, vítimas seja da ação de milícias, seja de

conflitos decorrentes do tráfico, ou, ainda, vítimas de violência doméstica e/ou

sexual. O que fundamenta esta suspeita é o fato da violência de uma forma geral estar

concentrada nos setores mais pobres da sociedade e a percepção de que as dinâmicas

presentes nos casos em que não há letalidade fornecem os ingredientes que resultam

nas lastimáveis ocorrências letais que vitimizam crianças e adolescentes.

A PIP, apesar de ter um papel fundamental na apuração dos casos letais, não

dispõe de uma forte articulação com os atores institucionais que podem ser

implicados na formulação de uma rede ou sistema de proteção da infância e da

adolescência. Talvez a razão para isso seja o fato da PIP lidar com fatos já

consumados de letalidade. O próprio caráter linear do fluxo de casos que envolvem

vitimização – as setas seguem sempre em apenas um sentido – denota a pouca

interação com as demais instâncias que possuem um caráter fundamentalmente

preventivo. A interação da PIP com a rede preventiva pode consistir na rápida e

eficaz elucidação de casos que, além de fornecer informações importantes sobre o

fenômeno, pode fazer com que haja um elemento coibidor de ocorrências de violência

contra crianças e adolescentes.

A Vara Criminal é o órgão do poder judiciário estadual que possui a atribuição

de tratar de todos os casos que são processos decorrentes de inquéritos policiais. Ela

conta com uma interação mais direta com a PIP e é a ponta do fluxo de casos nos

quais há vitimização e se tornam processos penais. A Vara Criminal elucida os casos

decorrentes de inquéritos e emite suas decisões. As implicações desta instância para o

fluxo são similares àquelas destacadas no caso da PIP.

Temos, assim, um sistema razoavelmente complexo e equipado de duas linhas

de atuação. Uma que poderia ser chamada de sistema de justiça criminal e outro de

sistema de proteção. Cabe salientar que mesmo a primeira, que tem em seu bojo uma

dimensão punitiva, pode e deve, dado o status conferido a crianças e adolescentes e

formalizado pelo ECA, incorporar também uma perspectiva protetiva, mesmo nos

Page 150: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

150

casos em que ocorre ato infracional por parte desse segmento da população. Não

estamos seguros que seja assim. Pelo que pudemos perceber, o peso punitivo

predomina e dá o tom.

Embora os profissionais ligados a esse sistema sejam solícitos e articulados, o

acesso a informações como fluxo judicial, sentenças e demais desdobramentos dos

casos em que há violação de direitos o violência criminal envolvendo crianças e

adolescentes é dificílimo. Há uma opacidade sobre o destino das queixas e registros

de ocorrência que se adensa a medida que percorremos o circuito aqui retratado. A

indisponibilidade de acesso a informações reforça uma espécie de blindagem que

protege a disfuncionalidade de um sistema cuja inefetividade, repetimos, tem muito

mais a ver com o insulamento das instituições entre si. Os resultados desastrosos

recaem, como não poderia deixar de ser, sobre os segmentos mais carentes do suporte

estatal. Vejamos que respostas a sociedade de Nova Iguaçu tem logrado quanto a esse

debilidade.

V. 2. O(s) Lugar(es) da sociedade civil. Grupo de Apoio a Familiares de

Vitimas da Violência -- FAVVO

A persistência com que, ao longo das duas últimas décadas, as taxas de

violência criminal apresentam números altíssimos tem suscitado um fenômeno

alvissareiro: o surgimento de redes e de grupos de familiares de vítimas que se

associam com duas intenções distintas, mas complementares. Em primeiro lugar, tais

associações buscam criar mecanismos de apoio e de solidariedade, constituindo-se,

assim, referência para a redução dos danos emocionais e psicológicos decorrentes do

trauma da perda de um parente ou amigo por meios violentos21

. Em segundo lugar, é

possível estarmos diante de uma nova modalidade de associativismo de caráter

público, que tem na reação à difusão da violência e à impunidade seu principal eixo

articulador. Essa é uma hipótese ainda a ser confirmada empiricamente e sua

21

A síndrome póstraumática é uma patologia diagnosticada e reconhecida como uma das mais graves e

difundidas no mundo contemporâneo. Lamentavelmente, ainda há poucos estudos sobre ela no Brasil.

Nesse campo, vale mencionar o trabalho pioneiro de Soares relativo ao stress póstrauma decorrente da

vitimização letal de familiares por meios violentos.

Page 151: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

151

consolidação é algo a ser verificada. Em Nova Iguaçu, tivemos a oportunidade de

testemunhar a rotina de encontros e de mobilização de um grupo dessa natureza.

O contato com familiares de vitimas se deu através do acompanhamento do

Grupo de Apoio a Familiares de Vítimas da Violência – FAVVO, iniciativa mantida

pela Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu através da SEMASPV entre Janeiro de

2008 e Setembro de 2009. Eram realizadas reuniões quinzenais, e a equipe

acompanhou aquelas ocorridas entre os meses de Junho e Setembro.

A equipe ligada à prefeitura responsável pelos encontros do FAVVO era

bastante pequena – contando, no máximo, com 4 membros – e teve várias formações,

sendo que o único membro que passou por todas elas foi a psicóloga coordenadora do

projeto. As participantes do grupo foram localizadas e convidadas a partir de contatos

já existentes da SEMASPV, especialmente por conta da Chacina da Baixada. Após as

primeiras reuniões, as próprias participantes traziam convidadas que eventualmente se

fixavam no grupo.

Entre as participantes, há que se ressaltar algumas regularidades: todas elas

são mulheres (na maioria dos casos mãe, mas também há esposas, irmãs e tias); a

maior parte das atendidas perdeu familiares na Chacina da Baixada (há outros casos,

como a chacina do Brizolão, que resultou na morte de cinco adolescentes em Miguel

Couto); quase todas as vitimas foram mortas por policiais; todas são oriundas de

classes populares.

As participantes vêem no grupo a possibilidade de amparo e de apoio mútuos.

Nenhuma delas teria condições de pagar por acompanhamento psicológico. As trocas

de experiência são a tônica das relações, e passam tanto por sentimentos como por

questões de ordem prática, como lidar com as instituições, acompanhar processos,

fazer pressão pública, etc. Em vários momentos são feitas reflexões sobre o modo

como os familiares poderiam atuar para contribuir para redução da violência e há uma

militância que se traduz na participação e organização de protestos (todas as

mobilizações com participantes do FAVVO contavam com organização de membros

externos).

Page 152: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

152

Questões de natureza prática se colocam nessas relações, especialmente para

os familiares de vítimas em chacinas. Essas pessoas passam, assim, a constituir um

grupo perante a justiça, já que estão vinculadas ao mesmo processo criminal (quando

os perpetradores são policiais, há dois processos, um na Vara Criminal, pela

condenação dos acusados, e um segundo na Vara Cível, contra o Estado, em busca de

indenizações). Dessa forma, acabam sendo estabelecidos laços de solidariedade e de

obrigações entre elas, vinculadas entre si não necessariamente pela afinidade ou pelo

pertencimento (embora, apesar disso, se cobrem mutuamente, sobretudo nos

encontros de rotina, um tipo de amizade).

O comportamento nos julgamentos, por exemplo, é algo valorizado nessa

relação. A conduta de um familiar durante uma audiência, por exemplo, pode

comprometer todo o processo. É preciso “conseguir se controlar” durante certas

ocasiões. “Não fazer escândalo” é fundamental, já que uma atitude mais contundente

ou emocionada de alguém da audiência pode atrapalhar o processo, provocando seu

adiamento. Esse tipo de socialização acaba funcionando como uma espécie de escola,

de aprendizado sobre etiqueta no qual pessoas por vezes de baixa escolaridade e nível

renda são “educadas” para lidar com as liturgias do poder e da justiça, resultando no

que poderíamos chamar de efeito inesperado de uma tragédia social.

A mobilização num grupo como o FAVVO é, portanto, um longo, tortuoso e

sofrido processo de aprendizado pelo qual esses familiares passam por conta dos

crimes. Como já foi dito, são pobres e a maioria conhece pouco sobre as instituições

jurídicas e outros setores do poder público (Polícia, IML, Ministério Público,

Juizados, Defensoria Pública). Mas, a partir do crime, e da necessidade então

instaurada de acompanhar o fluxo institucional pelo qual passam, eles aprendem todo

um novo léxico, que precisam utilizar cotidianamente. Essa apropriação,

naturalmente, se dá a partir de categorias pré-existentes, fazendo com que as

definições soem inexatas aos ouvidos mais íntimos à linguagem e aos menadros do

aparato da justiça criminal. De qualquer modo, há uma modificação estrutural, que

acaba por ressignificar não só essa instância específica, mas que se enquadra numa

dinâmica que se espraia para suas vidas como um todo.

Page 153: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

153

Esse processo, contudo, acaba por evidenciar a falta de acessibilidade das

instituições públicas. O desconhecimento das funções básicas de cada um desses

agentes é uma das características de um contexto de exclusão que se mostra também

de outras formas. Ao final do ano de 2009, o programa foi desativado pela prefeitura.

As participantes do FAVVO, contudo, continuaram a realizar reuniões informais e se

dispunham, até o momento em que suspendemos nossa atividade no campo, a manter

por sua própria conta a articulação entre elas. Há boas chances de serem bem

sucedidas nessa ambição. Ao longo dos dois últimos anos, suas redes se ampliaram,

travaram contato com outros parentes de vítimas da violência e, no resultado final do

julgamento da última chacina de grandes proporções em Nova Iguaçu, puderam

sentir-se suficientemente fortes para testemunhar a condenação dos envolvidos. Essa,

talvez, tenha sido a melhor novidade que encontramos em Nova Iguaçu e a grande

mudança, em relação aos nada saudosos tempos da chacina da Rua das Rosas,

descrita no primeiro capítulo.

Aparentemente o poder público permanece blindado ao acesso da cidadania e

aos direitos mais fundamentais consagrados pela tradição iluminista do longínquo

século XVIII. Pelo que pudemos perceber, tal blindagem é, também, intraestatal. Os

esforços de alguns agentes do poder público e de cidadãs (as mulheres são

especialmente importantes nesse processo. Para confirmar isso, basta checar o

volume de entrevistadas em nosso trabalho) levadas a esse esforço por vias, algumas

vezes, especialmente trágicas, têm feito alguma diferença. Não o suficiente, porém,

para aplacar as evidentes mazelas com que nos deparamos.

Nova Iguaçu dispõe de uma larga rede de instituições formais de acesso a

direitos e à promoção da justiça. Ela, contudo, funciona precariamente. Seria curioso,

não fosse trágico, por exemplo, a existência de serviços de assistência social e apoio

psicológico em várias das instâncias por nós contatadas. Em lugar de representar um

aporte eficiente de apoio e de orientação àqueles que se vêem arrastados pelas

dinâmicas de violência, elas acabam por multiplicar a dor. Como observou um de

nossos entrevistados, a cada instituição a que uma vítima ou familiar de vítima é

encaminhada, ela se vê obrigada a relatar mais uma vez a sua história, detalhar seu

calvário e revelar seu desamparo. Em cada uma dessas instâncias, porém, o tom de

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154

seus, por vezes, abnegados profissionais é invariável: más condições de atendimento,

falta de privacidade e indisponibilidade de agenda para um acompanhamento mais

qualificado. Talvez essa seja uma versão entre outras da natureza paradoxal do Estado

e do poder público no Brasil: ele é largo, tentacular e tem braços compridos, ao

mesmo tempo que se revela volátil, acanhado e esquálido.

VI. Para a criação de um sistema municipal de informações sobre

vitimização infantil e juvenil

Como já foi mencionado anteriormente, existe uma tendência no Brasil de

superar a restrição das abordagens relativas à segurança pública ao plano estritamente

dos governos estaduais. Tal superação não implica mudanças substantivas na

definição constitucional, que confere aos governos estaduais as responsabilidades

relativas ao policiamento e à provisão de ordem e garantia do primado da lei. Mantida

essa determinação, ainda restam aos poderes municipais, de um lado, e à União, de

outro, tarefas específicas que podem concorrer para a melhoria da segurança pública e

para a redução dos altos índices de violência criminal que têm garantido ao país

lugares nada honrosos nas análises comparativas de alcance internacional. Deixando

de lado o caráter analítico-descritivo que pautou o presente estudo até aqui, passamos,

agora, a apresentar alguns argumentos de natureza normativa sobre providências

desejáveis para que a incorporação do poder municipal seja viabilizada com o intuito

de redução dos números hoje em vigor. Dada a natureza do trabalho realizado e os

resultados que subsidiam tais proposições, nosso argumento se concentra no âmbito

municipal e, dessa perspectiva, na proposição de mecanismos produtores de

informação que possam orientar estratégias públicas de redução da letalidade

intencionalmente perpetrada, com ênfase naquela que atinge crianças e adolescentes.

Tal esforço se justifica pelo reconhecimento de que é comum, hoje, que políticas com

tal ambição geralmente sejam levadas a termos às escuras, sem que se disponha de

recursos para definição de prioridades, monitoramento e avaliação.

O primeiro ponto a ser destacado é sobre a natureza da participação do poder

municipal. Suas atribuições e competências o colocam em lugar privilegiado para

uma participação no sistema de segurança como promotor de políticas focadas na

Page 155: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

155

prevenção à violência letal. Estratégias de prevenção devem contar necessariamente

com o aporte do aparato policial e repressivo. O acionamento dessas agências é

condição necessária para que políticas preventivas tenham resultado. Isso não quer

dizer, contudo, que o trabalho policial focado na prevenção seja suficiente para a

consecução do fim desejado. É desejável, portanto, mantidas as prerrogativas

constitucionalmente consagradas, que os poderes municipais e estaduais estabeleçam

laços institucionalizados de cooperação para a redução da violência, de maneira geral

e da criminalidade letal, particularmente. Para fins expositivos, apresentamos

algumas propostas sobre tal cooperação tendo em mente especificamente o problema

da criminalidade letal contra crianças e adolescentes. Mais especificamente,

encaminhamos o que seria o primeiro passo para se alcançar tal objetivo: a criação de

um sistema integrado de informações de criminalidade e vulnerabilidade de crianças e

adolescentes.

Como mencionado anteriormente, a criação de um sistema de informações em

segurança pública é condição para a formulação, implementação, monitoramento e

avaliação de políticas focadas na melhoria das hoje precaríssimas condições desse

campo. A criação do SUSP (Sistema Unificado de Segurança Pública em âmbito

nacional) é uma ambição há anos ventilada por gestores, pesquisadores e

profissionais de segurança. As dificuldades técnicas, operacionais e políticas,

contudo, têm prevalecido sobre o bom senso e a determinação dos defensores dessa

iniciativa. Menos difícil, ao menos do ponto de vista técnico e operacional, seria a

criação de um sistema municipal de informações em segurança pública. Como isso

poderia ser levado a cabo e que informações seriam parte dele, no caso de Nova

Iguaçu?

A construção de um sistema municipal de informações em segurança de Nova

Iguaçu implica, em primeiro lugar, a reunião de bases de dados já existentes em

diversos setores do poder público e a promoção de condições para que outros setores,

que não dispõem desse recurso, possam criá-lo. É desejável que um setor específico

da prefeitura funcione como catalisador e receptor de informações das diversas bases

de dados relevantes para a feitura de cruzamentos de informações que possam definir

áreas de risco, detectar suas carências, divisar a distribuição de investimentos e

Page 156: Pesquisa Mapa Da Violência Letal Contra Crianças e Adolescentes de Nova Iguaçu

156

monitorar a variação dos indicadores ao longo do tempo. Tal setor ficaria responsável

pela produção de relatórios regulares, cuja freqüência poderia ser semestral, cruzando

o comportamento dos indicadores nas diversas URGs dos municípios e realizando

diagnósticos passíveis de orientar políticas para a melhoria das condições de

segurança do município como um todo.

A base de dados matricial para a criação desse sistema seria a do fluxo de

episódios de violência letal intencional no município. A celebração de um convênio

entre o governo do estado e a prefeitura poderia garantir a transmissão dos dados

criminais para o setor responsável no âmbito da prefeitura (chamemos esse setor de

centro de referência municipal de informações criminais – CREMIC). Em

contrapartida à cessão das informações, os técnicos vinculados ao CREMIC

realizariam um trabalho de limpeza e crítica dos dados, no que tange à localização

dos episódios e dos endereços residenciais dos envolvidos, sempre que possível,

auxiliando, assim, o ISP no trabalho de depuração das informações brutas.

A segunda base de dados a compor o sistema do CREMIC seria aquela

produzida no âmbito da secretaria municipal de saúde. Como é sabido, as secretarias

municipais são as fontes primeiras do sistema unificado nacional, referência no Brasil

para a produção de informações qualificadas no campo da saúde. Da extensa base de

dados desse campo, interessariam ao CREMIC predominantemente as rubricas

inscritas na categoria geral mortes por causas externas. O cruzamento das

informações da saúde e da segurança pública propiciaria a produção de quadros

detalhados e qualificados de grande importância para o conhecimento das dinâmicas

de violência letal intencional, o que tornaria o município referência nacional nesse

tipo de abordagem.

O terceiro setor a ser incorporado seria aquele destinado aos investimentos em

assistência social. Se o município pretende encampar uma perspectiva preventiva nos

termos aqui definidos, é fundamental saber onde o volume de recursos destinados a

essa área tem sido alocado e que impactos tal investimento redunda no campo da

segurança. Assim como ocorre em muitos outros municípios do Brasil, o sistema de

informações de assistência social carece de investimentos técnicos, ainda que

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157

empreendimentos recentes do governo federal apontem para a correção dessa

carência. Os sistemas gerados a partir da implantação dos CRAS e dos CREAS

certamente podem contribuir bastante.

Para lidar especificamente com a questão da infância e da adolescência seria

desejável que as informações relativas a vagas nas redes municipal e estadual de

ensino também sejam objeto de acompanhamento permanente, bem como a relação

entre a oferta de vagas e a demanda por elas em cada unidade territorial do município.

Como foi mencionado em várias passagens anteriores, os conselhos tutelares

são um instrumento precioso e subutilizado no sistema de atendimento e de

prevenção à violência contra crianças e adolescentes no país como um todo. Por sua

própria natureza, os conselhos têm uma clara vocação para intervir em situações que

implicam risco para crianças e adolescentes. Diferentemente das outras instâncias,

porém, um dos desafios impostos é equipar os conselhos com os recursos técnicos

necessários para que o volume de informações acumuladas por essas instâncias não se

perca ou seja subutilizado, como ocorre atualmente. A criação de um sistema de

informação de proteção à criança e ao adolescente que integre o CREMIC seria um

passo importante por si só para a melhoria da rede de informações e de atendimento a

esse segmento da população e a sua proteção.

Ainda no escopo da proteção da criança e do adolescente especificamente,

caberia fazer-se os esforços necessários para aumentar o acesso às informações das

promotorias e das Varas especializadas. As instâncias judiciais têm sido

especialmente refratárias ao compartilhamento de informações e a celebração de

parcerias com os demais poderes públicos para a produção de informações relativas

ao desempenho do sistema de justiça criminal.

Na perspectiva de maior qualificação do conhecimento dos fluxos do

judiciário no esforço de qualificação das informações criminais, caberia um

acompanhamento mais regular do fluxo judicial dos casos de mortes violentas

intencionais. Embora o poder municipal nada possa fazer nesse campo, julgamos

importante e legítimo que as autoridades dedicadas a uma abordagem responsável

nesse campo disponham das informações relativas à capacidade do sistema de justiça

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158

como um todo em dar termo legal aos casos ocorridos no âmbito local. Como

pudemos verificar no início do presente trabalho, os piores momentos da Baixada, em

geral, e de Nova Iguaçu, em particular, foram resultantes de um sinistro concerto de

omissões, complacências e incompetências de todos os setores do poder público,

incluído aí o poder judiciário.

A articulação de um sistema capaz de integrar distintas bases de dados não é

tecnicamente tarefa das mais fáceis, mas é inteiramente factível. A criação de um

sistema para áreas como os conselhos tutelares ou para a assistência social é tarefa

bem simples e de custos relativamente baixos. A existência de um sistema como o

GeoNIguaçu representa alguns passos já avançados para a realização de mapas

georreferenciados passíveis de serem superpostos e analisados. Com a possibilidade

de se estabelecer diálogos entre tais bases, ganha-se, adicionalmente, instrumentos

para que cada uma delas seja aperfeiçoada. Operacionalmente, a restrição do acesso a

essas informações a um grupo qualificado de servidores, treinados especialmente para

desempenhar tal tarefa, garantiria a proteção quanto aos dados sigilosos e a

divulgação regular de análises e indicações para orientar a ação do poder público em

suas diferentes instâncias.

Uma questão importante a ser considerada seria o lugar institucional em que

estaria ancorado esse centro de referência. Mais uma vez, acreditamos que não seria

necessário um grande esforço de invenção institucional. Existe uma tendência

nacional a se incentivar a criação de grupos integrados de gestão municipal em

segurança (os GGIMs). Nova Iguaçu já deu os primeiros passos nessa direção e,

ainda que esteja em gestação, esse pode ser o lugar institucional para coordenar e

articular um sistema de informações de âmbito municipal. Investir o GGIM desse

papel representaria, simultaneamente, um incentivo adicional a sua

institucionalização e fortalecimento.

A reunião dessas bases de dados já existentes (a única, dentre a que listamos

anteriormente, que teria que ser criada é a dos conselhos tutelares) implica

dificuldades políticas e pode afetar suscetibilidades corporativas. Rigorosamente,

essas barreiras são maiores e mais difíceis de serem vencidas do que os desafios

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159

técnicos. Uma vez superadas, teríamos como viabilizar um sistema passível de

incorporar informações de outros campos do setor público de modo que as políticas

municipais, os convênios cada vez mais comuns com a União e os esforços

coordenados com o poder estadual resultassem numa reversão realmente consistente

no quadro de letalidade do município de Nova Iguaçu. Dado esse passo inicial que, a

despeito de sua complexidade, deveria funcionar como experimento piloto, o passo

seguinte seria a criação de um sistema que incorporasse os municípios adjacentes, até

que um sistema de informações sobre a Baixada pudesse ser viabilizado. Há um

vínculo histórico entre esses municípios e ele pode servir como solo comum para a

viabilização de mecanismos apartidários, transgovernamentais e estritamente públicos

de produção de informações sobre segurança. Uma vez bem sucedida, a experiência

em Nova Iguaçu poderia se tornar referência para o estado e concorrer para avanços

no âmbito nacional.

VII. Breve conclusão para um longo percurso ou notas para a criação de

um sistema integrado de proteção focado na redução da vitimização letal de

crianças e adolescentes

O objetivo central desse trabalho foi apresentar a distribuição ecológica dos

episódios de violência letal intencional que atinge crianças e adolescentes em Nova

Iguaçu. O percurso por nós estabelecido teve a intenção adicional de sugerir um

roteiro de investigação de fontes e informações necessárias para a compreensão das

dinâmicas implicadas nesse tipo específico de violência criminal. Desse modo,

julgamos que não deveríamos simplesmente plotar cada episódio em seu respectivo

espaço de ocorrência segundo as informações policiais, mas indicar algumas das

possíveis fontes que, ano após ano, alimentam a base de dados de mortes violentas

perpetradas intencionalmente. Para isso, julgamos fundamental a utilização de fontes

adicionais que podem revelar alguns dos vetores que concorrem para o cenário com

que lidamos. Como ficou claro, há alguns pontos de estrangulamento no município

que exigem intervenções imediatas do poder público. Por serem claramente restritas

a algumas áreas específicas que reúnem, cada qual, um grupo de bairros, julgamos

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160

que as instituições de segurança pública sejam capazes de acionar mecanismos de

controle mais eficazes para agir, inclusive, contra eventuais segmentos de seu próprio

interior que concorrem para as somas de crimes letais intencionais que computamos

todos os anos em Nova Iguaçu. Isso, contudo, não bastaria e não teria sustentação ao

longo do tempo.

São desejáveis estratégias focadas nas dinâmicas que, subterraneamente,

concorrem para que essas somas se repitam ano a ano. A primeira providência é

justamente tirar tais dinâmicas do subterrâneo, trazê-las a luz e entender suas

engrenagens. Nesse aspecto, repetimos, os conselhos tutelares são peça central. É

possível e desejável, em primeiro lugar, a melhoria do sistema de atendimento. Para

isso, é importante qualificar os conselhos, suprir-lhes de um aporte técnico que tenha

uma considerável interface com outras instâncias de atendimento, como a rede de

saúde, as instâncias jurídicas e de assistência social. Não é possível, por exemplo, o

público dispor de assistência psicológica na rede de saúde, no Juizado da Infância,

nos conselhos tutelares e, como resultado final, não dispor de um serviço de

qualidade em lugar algum. Um segundo aspecto que deve ser levado em consideração

também é de caráter técnico. O fluxo de atendimento dos conselhos tem que ser

informatizado e organizado de modo que sistematicamente possam ser feitos

balanços, avaliações e estudos sobre tendências. De outro modo, seguimos com um

processo contínuo de atendimentos ad hoc sem qualquer acúmulo ou base empírica

que oriente iniciativas e subsidie a definição de prioridades. É importante ter em

mente que esse não pode ser encarado como um trabalho do conselheiro. Este

preenche uma das exigências dos conselhos que é sua capilaridade comunitária e sua

capacidade de ouvir e dar encaminhamento às demandas e queixas da população:

orientá-la para protegê-la. Ao que tudo indica, esse aspecto dos conselhos está

razoavelmente contemplado. A coleta e o processamento das informações básicas

dessa instância, contudo, é de natureza técnica e pode ser desenvolvida sem maior

ônus para a administração municipal.

Finalmente, temos, em Nova Iguaçu, um sistema de garantia de direitos bem

equipado. Aparentemente, tomadas isoladamente tais instituições contam com

profissionais dedicados, que conhecem seu trabalho apreciam seu papel. A

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integração, contudo, revela-se precária, o que faz com que o sistema como um todo

funcione mal e as dificuldades recíprocas prevaleçam sobre as virtudes individuais.

VIII. Referências bibliográficas

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