PETALAS DE ROSA SANTA TEREZINHA - obrascatolicas.com20e%20Religiao/J%20A... · conhecer o que te...

165
PETALAS DE ROSA ou SANTA TEREZINHA EM BREVES CONSIDERAÇÕES POR J. A. SAO PAULO Escolas Profissionaes do Lycen Cora�'ão rle Jesus Al. Bnrão e Piracicaba 36-A. - l30- http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

Transcript of PETALAS DE ROSA SANTA TEREZINHA - obrascatolicas.com20e%20Religiao/J%20A... · conhecer o que te...

PETALAS DE ROSA

ou

SANTA TEREZINHA EM BREVES CONSIDERAÇÕES

POR J. A.

SAO PAULO Escolas Profissionaes do Lycen Cora�'ão rle Jesus

Al. Bnrão rle Piracicaba 36-A. - lf\30-

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

NIHIL OBSTAT

S. Pauli, 12 àe Augusti 1929

Mons. DL'. Martins Ladeira Ceuor

UIPRIMATUR

Mons. Perelra Barros Vigario Geral

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

Santa Terêsa cobrindo de rosas o seu crucifixo.

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

meia palavra ao leitor

Não leias, caro leitor, de um !olego, este livrinho. Cada um dos seus pequeninos capitulas encerra 1111111

grande licção. Para a assimilação delles requer-se algum l•a·

gar. A Mestra é um mixto de ingenuidade e sabedoria, c/<' delicadeza e energia, de docilidade e força de vontade, de commedimento e intrepidez, de alegria e sojfrimento, de poc­,;a e austeridade, de condescendencia e irreductibilidade, de dl'· votamento ao proximo e absorpção em Deus. Si lêres, leitor amigo, com calma e de espaço estas licções que Sta. Terezl· nha te propina em doses homeopathicas, não tardarás a re· conhecer o que te digo. Anjo de caridade, ella te mostrará um caminho facil e suave para o céo. 'Deixa-te conduzir co­mo o jovem cr;"obias. O caminho da confiança infantil tão se· gundo o coração de 'Deus, é o qu� seguiu t:t:erezinha com exilo maravilhoso.

�esse caminho todo de humildade e amor, os obstacu­los são contornados com a maior facilidade, quando não le­vados de vencida rapidamente. Nem cuides que tão só as al­mas pequeninas possam trilhar esse caminho da infancia es­piritual. Pequenina dizia-se Terezinha por humildade; mas, de facto, era ella uma alma herculea. Vel-a-ás empenhada em luclas de gigantes, batendo-se como athleta impavido e conseguindo vicloiias magníficas. Não ha alma tão grande que se possa julgar diminuída na estrada dos heróes e heroismo .�<'

requér na vida de confiança absoluta em Deus qual foi a tlt CC'erezinha. Si eu, leitor amigo,

· um dia te soubér iniciado

nessa feliz estrada, elevarei agradecido minhas mãos ao et'o.

O fiUTOR

Albores

Eram 23h.,:m de 2 de janeiro de 1873 quando Terezinha nasceu.

Quem diria que essa creança iria ser o en­canto do lar domestico, gloria do Carmelo, pro­tectora da humanidade, alto valor no céo?

Seu pae a chamará sua «Pequena Rainha» e ella se denominará «Florinha Branca».

E' notavel que naquelle dia um pobresinho foi levar áquelle lar em festa estes singelos ·versos que parecem propheticos :

Cresce primorosa creança, Ao aceno da ventura, Teu porvir é d'esperança · Agora és tenro bqtão, Mas, breve, rosa louçã Raios de luz beijarão.

E será realmente todo um desabrochar de de­licadas petalas a vida breve de Terezinha.

E as rosas serão sempre symbolicas em sua existencia. As gottas de chuva celeste que ella con-

8 PET."-I.LA8 DE ROSA

seguirá para os seus devotos, serão petalas precio· . sas dos rosaes do Senhor.

Vel-a-emas crescer nas azas de uma fé pu­ríssima, sem nada perder do todo infantil do seu proceder para com Deus. Os problemas difficili­mos que povôam a mystica ella não os conhecerá, porque, como as creanças, ella tudo resolverá com illimitada confiança em Deus.

Colloquios

Terezinha tinha quatro irmãosinhos no céo. Deus os chamára a si, antes que a maldade do· mundo lhes roubasse a alvura das almas. Terezi­nha dedicava-lhes grande amor quando eram ainda desta terra, porque ella sabia amar fortemente aos seus caros. Quando se alaram para a gloria, ella não deixou de amai-os. Na simplicidade da sua fé, entretinha-se com elles, em doces preces. Como é consoladora a fé que une o céo á terra, que não permitte solução de continuidade na amizade santa que nos ligava áquelles que passaram a melhor vida !

Entretinha-se a nossa santinha com os seus ma­ninhos, que tão cedo a morte arrebatára e sen­tia-se correspondida nos seus santos colloquios.

E elles não podiam, na verdade, desattender, anjos celestes que já eram, á irmãsinha, verdadeiro anjo desta terra ainda.

Ella confessa que suas supplicas aos i rmãosi·

SAJiiTA TEREZI�HA

uho• num de facto despachadas com immensa van-1 nwrlll pmpria.

( >11 innocentes, os justos, todos os que já pri· vum t·om Deus, no seio da gloria, gosam do po­lll·r de intervenção. Deus quer servir-se dos seus lllllii{UII já gloriosos como de intermediarias da sua IIIIM't'rlcordia.- E ás creancinhas tão queridas do Se­nhor, aureoladas pelos resplendores que não se apa­illlll mais, éom que prazer Elle não lhes attende ois !Hipplicas em favor dos innocentes da terra!

• Terezinha quiz ser sempre uma creança e sa­bia falar aos seus maninhos com innocencia e simplicidade infantis - azas potentes para a oração subir.

Santa amizade que nem a morte destruiu! Com que alvoroço os irmãos de Terezinha a não re­ceberam no céo!

J)esfolhaqáo rosas

Um quadro cheio da poesia mais pura, na vida de Terezinha, era sua a.ttitude angelica, nas pro­cissões em que a SS. Eucharistia sabia em triumpho.

Um prazer intimo tomava conta daquélla ai­minha candida óo enthusiasmo dos set.is sete annos quando s'e approximava o dia da procissão. Cheiode petalas de rosa, um açafate pendia do pescoço da garrida creança, que, toda de branco, se enca· minhava para a egreja. Radiante de celestial con­ttntamento, dava tanta importancia n homenna-em

10 PETALAS DE HOSA

que ia prestar ao Deus Eucharistico que cada uma das süas petalas de rosa significava um verdadeiro mimo.

Não se contentava em esparzir as flôres no chão. Confessa ella mesma que as atirava para o alto para cahirem como chuva de affectos sobre o ostensorio em que ia Jesus Hostia.

E que jubilo em sua alma de candura e fé, quando as rosas desfolhadas tocavam o ostensorio !

O sacerdote que conduzia a Hostia Santa devia impressionar-se com aquella creança tão pequena que a cada instante voltava o rosto angelica para a cobrir das rosas de sua piedade.

Não podia ser vulgar essa creança em edade tão tenra e já tão compenetrada de que se achava à render homenagens ao Deus vivo e invisível.

Esse quadro, porem, da vida de Terezinha é um espelho em que se reflecte sua vida inteira. Ella cresceu, mudou-se, trocou de habito, mas foi sempre aquella creança candida e amorosa a es­palhar rosas nos caminhos de Jesus. Sempre alegre e meiga, sempr,e com as flores, sempre diante do seu uni co amor - Jesus .

.flnceios

«Eu cá escolho tudo». E' uma phrase da infan­cia de Terezinha.

Foi um dia em que Leonia, uma de suas innas mais velhas, apresentou ás pequenas uma cesta cheia

S.\!'õTA TI:REZI!'iiL\ II

dl· fi tas, pequenos córtes de vestidos de boneca <.' cousas taes de que s ão avidas as creanças.

Ti,·eram licença de escolher o que quizessem. Cdina, um pouco mais velha do que Terezinha e sua irmãzinha predilecta, escolheu um novello de cordão e não pretendeu m ais. Terezinha exclama sem cerimonias: «Eu ·escolho tudo» e de facto abra­çou a cesta com tudo o que estava dentro .

•••

Ella mesma commentando esta phase da sua infancia, a considera quasi como a fórmula das suas santas aspirações. Não era ella uma alma de ideaes pela metade. Não lhe bastava uma dose diminuta dos bens que ambicionava ; queria-os to­dos, queria o Bem Summo, sem compadecer-se com restricções.

Vêmol-a, com effeito, atirar-se ao amor divino, que é o unico bem real, a exclamar - eu cá esco­lho tudo. l nsupcravel a generosidade com que amou. Não consentiu limit2s na sua abnegação, nem se contentou com offerecer a Deus algumas das suas potencias, ou parte da sua actividacie - a renuncia de si mesma foi completa.

Não tinha mãos a medir quando distribuia o que estivesse ·em seu coração ; não sabia recusar-se ao trabalho, ao soffrimento. Seu unico limite era Deus - o Illimitado.

Era sempre a mesma a «escolher tt.;do».

1.' PETAL_-\.S DE ROSA

flllive�

Quando as paixões ,dominam o homem, elle se avilta ; quando o homem domina suas paixões elle se ennobrece. Um santo é um homem que go­verna suas paixões ; um barbaro é um homem que suas paixões dominam.

Nada tão detestavel como a paixão do orgulho; entretanto a altivez foi caracteristica nos santos. Elles sabiam humilhar-se e abater-se, mas sabiam tambcm erguer a fronte quando era mistér.

Diante dos dcspotas romanos muita vez o mar­tyr respondia com um desassombro que espantava aos soberbos imperadores - não devia acobardar-se o soldado de Christo.

"'**

Terezinha era de uma tempera refractaria for­temente ás humilhações. Era ella muito pequenina quando se deu o facto seguinte como ella mesmo narra :

«Mamãe desejava com certeza, saber até onde chegaria meu orgulho ; disse-me uma vez a sor­rir : «Olha Terezinha, você ganha um tostão se beijar o chão». Um tostão ! . . ,)>

Para mim era um dinheirão e para o conseguir então, pouco tinha eu que me abaixar pois era[ tão pequena que pouca distancia havia da minha bocca ao chão. Mas revoltou-se-me o orgulho e,

Santa Teresinha na ed:uiP th� ·l annos e sua mãe.

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

SANTA TERF.ZINHA 13

com ares de arrogancia, respondi. «Isso não, que­rida Mãesinha, prefiro ficar sem o dinheiro».

Quanta altivez ! . Não nos admire ver um dia essa alma de tempera rija vôar pelos caminhos da perfeição. Ella saberá aproveitar toda a digni­dade que lhe é propria. Sem freio essa altivez faria della uma arrogan.te insupportavel. Trabalhou, porém, a graça com a bôa vontade de Terezinha, numa harmonia e constancia ta,es, que toda aquella nascente soberbia se converteu numa independeu­da admiravel de tudo quanto escravisa a natureza humana aos bens terr·enos. !:lla não se curvará nunca á imposição das conveniencias humanas, ao domínio das más inclinações - será uma Santa.

O leitor pouco observador, que se deixasse levar pela naturalidade infantil com que Terezinha descreve suas virtudes e sacrifícios - faria della uma idéa muito errada. Julgaria decerto que ella tinha a fraqueza da alma infantil. Mas de creança Terezinha possuía a candura, a ingenuidade; debi­lidade infantil não havia na sua alma. Ha rasgos de coragem na sua vida que nos persuadem até de que .essa alma 1era varonil, mesmo nos annos da infancia.

Esfo robusfus

O espectaculo de uma tempestade desencadea­da, com a convulsão dos elementos e todos os

PETALAS DE RüS.'I.

meteoros terrificos que a acompanham, só a uma alma invulgar póde trazer encanto.

O terrivel dynamico da natureza nessas phases de anarchia, abate facilmente qualquer animo. Só as temperas robustas podem conservar-se calmas ao contacto do bello horrível de uma borrasca.

Terezinha deliciava-se com o magestoso espe­ctaculo das tempestades. Era para ella um gosto ver as numens de negrume a despedirem coriscos. O céo ameaçador, á luz sinistra dos rclampagos, ao rumor surdo que então faz vibrar tudo o que nos cerca - para ella - a delicada creança - tinha encantos e lhe fazia sorrir. O raio, que a todos assusta, não a abalava.

Seria talvez a pureza da sua consciencia, se­ria a absorpção do seu espírito na mag.estade de Deus que brilha através das tempestades, como Senhor absoluto de todas as energias. Em qualquer hypothese, transparece clara a tempera mascula des­sa menina tenra e delicada e a um tempo forte e inquebrantavel.

Os heroismos de virtude, que lhe são com­muns no curso da existencia, comprovam a gran­deza e superioridade do espírito de Terezinha.

õ primogeqifo

Um celebr·e criminoso - Pranzini tinha sido agarrado pela justiça humana. Foi condemnado á pena ultima e não queria arrepender-se dos seus deli­ctos . Terezinha ouviu falar do triste caso que im-

�A:'\TA 'fEHI·:ZJ:\IIA

prc�sionava a todos, naqueUes dias, e fez o propos i t o

de impedir a impenitencia final do infeliz Pranzini. Orou fervorosa, insistiu com vehemencia junto ú Bondade Divina, retemperou a sua confiança e at­treveu-s·e até a pedir a Deus wn «signal» da con­versão que ella esperava sem falta.

*••

No dia immediato á execução do criminoso, Te­rezinha abre soffregamente um numero do «La Croix» e lê a descripção da morte do seu prote­gido espiritual.

Elle tinha já galgado os degraus do cadafalso e nenhum signal de conversão.

Alli estava o sacerdote, mas debalde. O car­rasco toma o impenitente pelo braço para o ap­proximar da lamina fatal. Pois bem, foi nesse ultimo momento que a Misericordia venceu. Pra.nzini vol­ta-se, fulminado por uma inspiração repentina, to­ma do Crucifixo que o sacerdote lhe m ostra e tres vezes beija-lhe as sagradas chagas. Terezinha não duvidou da salvação desse criminoso.

Ella o chamava seu «primogenitO>). Quanto po­de a caridade de uma creança ! Estava bem longe Jc pensar o fa.cinora que a voz de uma creança o arrancaria das fauces do inferno. Mas essa voz l'ra da innocencia, do amor infantil para com Deus

na a voz de Terezinha.

16 PETALAS DE ROSAS

Cardos

Sempre se ouve falar em agruras da vida, provações, cruzes, e diz-se que feliz é a creança porque não conhece ainda essa face sombria da existencia.

E' porem um tanto falsa tal affirmação. A creança tem suas cruzes e, dadas as proporções devidas, não se pode affirmar que ella soffra me­nos do que o homem. Elemento preponderante nas phases mais dolorosas da nossa existcncia é a nossa imaginação. A mesma pena objectiva assume inten­sidades diversissimas nas victimas. A' exaltação da phantasia, ,especialmente, é que se deve a exacer­bação do soffrimento .

.....

Na infancia de Terezinha como na de todos nós, as provações não faltaram. No seu intimo a dor se aninhou ferindo-lhe impiedosamente a de­licadissima sensibilidade. Um trecho bem doloroso de sua existencia foi, por exemplo, o que ella pas­sou, pela primeira vez, no collegio. Um conjuncto de circumstancias conjuraram em martyrisar-lhe o coraçãozinho.

Uma collega de mais edade, não supportava os triumphos de Te�ezinha.

A pobre creança curtiu momentos amargos nessa quadra de sua vida collegial. A collega tinha re· cursos para desforrar as humilhações que Terezi­nha, muito nova e intelligente, lhe causava nas áulas.

I';'

Eram reaes os triumphos da Terezinha : suas notas eram plenas, suas mestras não podiam re­cusar-lhe carinhos e premios. A intelligencia � a vir­tude mutuamente se amparavam para as victorias escolares da jovem estudante.

Ella pinta com sobriedade essa angustia da sua infancia e assim descreve o conforto que o lar lhe deparava : <,O que me valia era tornar, de tarde,. á casa, onde minha alma se expandia ; era ver-me então saltar para os joelhos do papá, con­tar-lhe as notas recebidas na classe e receber seu beijo que me dissipava todos os dissabores». O en­tranhado affecta. que se nutria em sua alma pelo venerando pae, abria-lhe uma valvula no coração. saturado de amarguras mui reaes uaquella edade e para a delicadeza da sua educação .

.:fls esfrellas

Qual é a alma de fé que não experimenta en­levos fitando os olhos no céu estrellado? Parece que Deus o fez assim tão bello para nos provocar de­sejos de o ver no seio da gloria. Cá de baixo, uesta terra sordida, nos parece bello si bem que lhe vejamos apenas a face inferior, o como avesso tia grandeza e brilho que o constituem.

As almas grandes, talhadas para as fortes emo­,·õcs, ao contado do magestoso e solemne que I >cus emprestou á natureza, essas almas fortes e (·apazcs de medir grandezas são as que melhor se :tbysmam na profundeza de um céo estrellado.

r8 Pl•:TALA� l>E HGSA

•••

Creança ainda muito tenra, já Terezinha se deliciava com as estl'lellas q�e povoam as noites calmas. Perdia-se no abysmo azul, vagava seu olhar de constellação em consiellação e não se fartava de remirar as centelhas d'ouro que a mão de Deus semeou liberal no campo concavo das alturas. De modo particular a encantava o Orion com suas seis estrellas dispostas em forma de T. Ella mes­ma recordava, mais tarde, essa sympathia que tinha pela constellação que desenhava no firmamento a inicial do seu nome. Exclamava então cheia de jubilo : o meu nome está escripto no céo.

Por vezes o pae que a conduzia pela mão, devia guiar-lhe cuidadoso os passos, porque ella, cabe­cinha erguida, tinha os olhos plantados nas estrellas e não sabia onde punha os pés .

. . ..

A candida creança era uma brilhante estrella desta terra e os anjos do céo talvez a contemplassem com jubilo, admirando-lhe a candura d'alma. Ainda hoje essa estrclla brilha e com fulguração nova, na constellação carmelitana - magnífico Orion do firmamento da Egreja. Venha um raio da estrella pura de Lisieux com suas rosas de luz illuminar­nos o caminho para o céo, sem nuvens e sem tem­pestades, ·que ella habita.

I!) ----- ---

Conquisfanào terreno

As virtudes que, com tanto viço, germinaram no coração de Terezinha foram, em bôa parte, o feliz resultado· de uma admiravel educação da sua segunda mãe - Paulina, sua i rmã. Todo aquelle lar abençoado era uma escola de virtudes. Paulina aceitára o pedido que lhe havia feito Terezinha quando se viu orphã - que lhe fizesse de mãe. Empenhou-se então em cultivar a alma privilegiada da irmãzinha. Não consistiu em carinhos e lou­vaminhas o seu methodo de educação. Com pulso firme ella quiz dar ao coração de Terezinha a tem­pera necessaria ás luctas da vida.

Haja vi<>ta este particular - Terezinha como toda creança tinha medo das trevas. Pois sua jo­vem educadora mandava-a de proposito buscar al­gum objecto em aposentos escuros e afastados. Ap­prendeu então Terezinha, desde cedo, a dominar o mêdo, de modo que, mais tarde, era difficil intimi­dai-a. A noite não tinha mais para ella as sombras sinistras e os monstros imaginarias que apavoram a tanta gente, mesmo adulta.

Acostumou-se ás resoluções firmes, ás respos­tas ·francas e disciplinou sua vontade por esse dia­pasão. O sim para ella era sim e o não - não, porque sua segunda mãe não voltava atraz, não condescendia com as inconstancias infantis. foi as­sim que a graça divina operou, com o melhor exito, naquella alma de energias vivas e aguerridas. E quem cuidára que, a par de tanta delicadeza de

20 PETALAS 1>1•: f:O:O.A

sentimento, qual o que caracterizou o espirito de Terezinha, tanta força e -resistencia houvesse em sua vontade para fazerem della a hero ina que foi?!

])esvelos

O espírito de caridade madrugou em Terezinha como outras admiraveis tendencias á perfeição.

Era um gosto para ella offerecer uma esmola aos pobres que encontrava pelo caminho.

Um dia jun!amcnte com seu pae ia ella pas­seando c se encontra com um velho doente que andava de mulê1as. Compadcocu-sc dellc o cora ­ção de Tcrezinha. Chega-se a ellc c l!t� offerece uma esmola. O pobre olha para ella en ternec ido e recusa a offerta.

Muito dolorosa para Tere:únha foi essa recusa, pois ella em sua extrema delicadeza, receou te-lo mortificado. Não é provavel que o velho se tenha commovido diante da generosidade daquella crean­ça tão tenra e não a quizesse priva r da sua moéda?

Não era mesmo de inspirar piedade esse gesto de abnegação em uma menina tão pequena e deli­cada ? Terezinha não se esqueceu mais daquelle po­bre. Formulou o proposito de orar por elle no dia da primeira Communhão , · porque ouvira dizer que a prece daquelle dia tem pa rticular força de im­petrar. Passaram-se cinco annos e, llQ dia da pri­meira Communhão, Terezinha orou pelo seu po­bre .e persuadiu-se de que fôra attendida a sua oração.

"A:\TA TEREZl:-;HA 21

h>i assim que desde os albôres da vidaj, a r:1ridauc lançou raizes na alma candida da nossa Santinha para tornai-a heroina na pratica dessa virtude.

empolgada pela nafure"a

As grandes almas sentem forte enlevo pelas scenas magestosas da natureza. E a de Terezinha que era tão grande, tão superior a tudo quanto é vil, tão sensível ao bello - como não havia de empolgar-se diante dos panoramas que se reprodu­zem sempre aos nossos olhos ! Ella sabia ler o nome de Deus nos prodígios naturaes, nas estrel­las do céo, nos borbotões de luz colorida que brota da aurora. O que para muitos é uma scena vul­gar, como o perpassar das nuvens ao sopro do .vento, a queda de uma folha secca - para Terezi­nha representava um encanto. lntelligente, de gran­de sensibilidade, animada sempre pelo sobrenatu­ral, clla não podia deixar de ver com enlevo o governo de Deus na marcha dos elementos, a or­dem providencial que preside a tudo. Ella mesma dá conta dessas impressões grandiosas que seu es­pirito recolhia a cada passo, quando lhe era dado contemplar o campo ou o firmamento, os effeitos de luz ou a successão entre causas e as consequen­cias menos notadas por observadores vulgares. Vi­brando assim de enthusiasmo pelo auctor das ma­ravilhas que nos cercam, acostumou-se a nossa San·

22

tinha a essa poesia cheia de paz e amor que, dt­pois, ella soube tão bem passar para o papel.

julgará ella ser muito simples e infantil o canto da sua pena. Mas é tão elevada e grandiosa sua linguagem, tão feliz sua inspiração, que a poetiza se torna sublime.

j)ietlaàe filial

O amor aos paes é característico nas almas de Deus. junta-se á voz do sangue o preceito do ��­nhor que faz da obediencia filial, da dedicação aos paes um rigoroso dev·er de todo homem.

Terezinha que ficou bem cêdo privada de sua virtuosa Mãe, concentrou toda a sua amizade filial no santo varão que foi seu pae. Alma grande, de virtudes pe1�egrinas, o Siu. Martin era digno de todo o carinho de sua santa filha. Ella o venerava com extremoso affecto e parecia-lhe que nenhum homem do mundo se podia comparar ao que lhe era o autor dos dias. Elle extremecia a piedosa filhinha que formava o encanto da sua vida; cha­mava-lhe sua «pequena rainha» e não sabia agra­de�r a Deus ter lhe dado aquelle anjo de bondade e candura.

Mais tarde ella contava o seguinte episodio que bem evidencia sua dedicação filial.

Tinha elle subido a uma escada e Terezinha que teria então uma meia duzia de annos, appro­ximou-se da escada.

SA?oi'l'A •n:HEZJI\11.<\. ' ' '

Receou o pae resvalar e fazer da filhinha uma victima da quéda. Disse-lhe então : (<afasta-te miuhn pequena rainha, _porque si eu cahir daqui ficarás esmagada». E Terezinha approximou-se ainda mais, quasi indignada, pois lhe parecia mil vezes prefe­rível morrer com o adorado pae a vel-o desaparecer da vida.

Para ella o pae era tudo; sua palavra era causa sagrada, seus soffrimentos um martyrio para ella. Os annos e os revezes da saude e da fortuna fize­ram soffrer muito ao velho Snr. Martin e a filha que elle já tinha entregue a Deus orava por elle com a dedicação que se nutriu sempre, em seu co-

- ração, desde os annos mais tenros da vida .

. Sua tempera

A teimosia em uma creança é ás vezes um bom signal - signal de firmeza de vontade.

Quasi todas as más inclinações accusam a e:lllistencia de um bom elemento em nosso ser, um elemento capaz de ser aprqveitado em serviço do bem.

Por isso costuma dizer-se que as paixões não se estirpam, mas se educam, se norteiam, se ci­vilizam, se disciplinam. O mesmo odio que parece sempre tão máu, póde ser transplantado para um terreno em que só produza bons fr1;1ctos. Ha cau­sas que merecem a execração dos homens e ca ­nalisar para ellas o odio é dar á nossa energia um

24 l'l<:TALAS DE ROSA

bello impulso em sentido opposto ao objecto de­testavel.

"'*"'

Era notavel em Terezinha a irreductibilidade dos seus caprichos de creança. Pelos tres annos de edade, quando ella dizia um não e entendia não condescender, era tempo perdido tentar remo­vel-a da sua decisão. Que teimosinha não era!

Mas, como se manifesta já a extraordinaria energia da sua vontade. Toda aquella firmeza bem orientada far:'l ddla uma potencia. E' uma questão de tempo. Os anuos a farão r-eflectida e ella sa· berá, muito em breve, applicar toda a dynamica da sua alma de maneira adm i ravel.

Continuará a ser teimosa até a irreducti­bilidade quando a prudencia lhe disser que a con· descendencia é uma fraqueza ; mas será docil e meiga até o heroismo quando vir que convém sup­portar e abnegar-se.

Bella virtude é a renitencia, desde que a sã razão a guie. As energias masculas, a força d·e vontade inquebrantavel, a constancia nas mais cri· ticas emergencias fazem do justo um invencivel, um santo - foi o que se deu com Terezinha .

espelho lerso

Nossa consciencia é um apparelho de extrema sensibilidade. Elle registra, com fidelidade, todas as modificações por que passa nosso �spirito com re-

SANTA TFHLZI'\11.\ . . ,

lação ás acções, que praticamos. Assim succcdc 1.."0111 as almas não viciadas ainda. Pois como todos nR registradores, a consciencia é susceptível de embo· tamento. Torna-se como as balanças preguiçosas que difficilmente se movem para accusar differença de peso a não ser que se trate de differenças con· sideraveis. O homem que se faz surdo á voz da propria consciencia, pouco a pouco a embrutece. Elle não se abala mais tão facilmente e chega � dormir tranquillo o somno culposo que o remorso deveria· impossibilitai'.

• • •

Em Terezinha, a pureza de consciencia longe de se empannar com o crescer dos annos, parece subtilizar-se e tersificar-se cada vez mais.

Já nos primeiros annos lhe era · insupportavel qualquer nódoa que pudesse toldar-Ihe a limpidez da alma. Ella nos diz que todas as noites, ao dei­tar-se, invariavelmente perguntava á sua irmã: «Ho­je não fui bôasinha ?» No caso de lhe responder a irmã negativamente, Terezinha não tinha mais paz. Não conseguia conciliar o somno e derramava lagrimas sem fim. Era preciso que nenhuma culpa, por mais leve que fosse, pairasse sobre a pureza daquella alma. E quando lhe parecia que tinha ca­hido em alguma falta, aquillo, como brasa viva, não a deixava em paz até que lograsse de qualquer maneira penitenciar-se.

26

Quanta candura nessa creança! Bem se vê que era talhada a ascender muito pelos caminhos do Senhor. O Deus de infinita pureza preparava o terreno que mais tarde havia de flori r e saturar do mais inebriante aroma o claustro e até o mundo.

7ere;:i'1ha e o mrrr

Já vimos o cnthusiasmo de Terezinha pelo es­pectaculo na verdade arrebatador de um céo reful­gente de estrellas.

Diante do mar, não era menor o encanto que se apoderava daquella alma já tão grande , oos seus verdes annos.

Foi grande a impressão, que a empolgou, quan­do o viu pela primeira vez. Graciosa como um anjo, ella se deteve, quasi extatica, a contemplar a massa liquida, turnultuante, que ia esconder seus li­mites alem do horizonte curvo que ella divisava. Sua phantasia já desenvolvida, sentiu-se enteada, pois não cuidara que fosse tão solemne o mar, do qual ouvira fallar tantas vezes. A areia da praia, as ondas espumantes, o marulhar das aguas, tudo eram encantos para quem sabia tão bem apanhar os elementos da magnificencia da natureza . ,

Outra vez Terezinha foi ver o mar na hora do occaso. As aguas tomam, nesse instante, novo aspecto e a poes ir,, que nunca abandona as pai­zagens marinhas, assume um caracter mais solem­ne e grave.

Ao lado de uma de suas irmãs e!la se embe-

:<A?\TA TEHI:ZI:-;IJA

vcscia no grandioso daquella hora. A irmã piedo­samente lhe chamou a attenção para a esteira de luz que o sol, por despedida, estende sobre o mar, comparando o caminho da graça a essa esteira bri­lhante Terezinha que passava sempre das creaturas ao creador, dos encantos naturaes ás graças so­brenaturaes, imaginou ver seu co:-ação á maneira de um barco a velejar pela trajectoria de luz que o olhar do seu Jesus lhe traçava na vida. Do seu passeio á praia, da visão de um sol agonizante sobre as ondas, tirou ella o proposito de não per­der jamais a estrada luminosa que a graça lhe havia aberto.

Os beneficios occulfos

Entre os não muitos que reconhecem os be­neficios de Deus e erguem as mãos e m acção de graças, poucos são os que agradecem os favores desconhecidos. Favores desconhecidos! E quaes são elles?

Não é tão raro ver-se o enfermo restabelecido agradecer a Deus. Mas de quantos não afasta Nossc Senhor crueis .enfermidades sem receber o minimo agradecimento?

Perde-se um objecto, depois de muito pro�u­rar, faz-se uma promessa.

O objecto é encontrado e a gratidão se ma­nifesta. Si porém a Providencia afasta a causa que nos ia destruir esse objecto, não sabemos agradecer o favor desconhecido.

Pl�TALA8 DE HOf'.�

Terezinha era uma alma cheia de gratidão.

Exprime-se ella, nest·e assumpto, com a facilidade

que lhe é propria ao estylo. Suppõe um medico que acode a soccorrer o filho que tropeçára em uma pedra e na queda se ferira. As solicitudes do pae revelam grande carinho para com o filho. Si, porém, esse pae, com grande amor previdente, sem

o filho saber, o precedess·e no caminho e removesse a pedra, de quanto amor não daria prova e de

quanta gratidão não seria digno?

Assim reflectia a uossa Santinha, quando me­ditava na bondade de Deus para com ella.

Dizia que nem Maria Magdalena devia ser tão reconhecida quanto ella para com Deus que a pre­

venira com profusão de bens.

Depois de assim concluir, transbordava sua al­ma de reconhecimento e amor. Dahi todo aquelle empenho em não permittir o desvio de uma só parcella do seu amor para as creaturas ; julgava-o tão pouco para Deus que não consentia se rlefrau­dasse de um só affecto ao Senhor absoluto de seu coração. Os favores desconhecidos, ella os en­contrava na reflexão e na ternura de sua alma sa­turada de gratidão. Os que vivem longe de si mesmos não podem entender o coração de Tere­zinha a quem as dissip�ções do seculo não per­turbavam o recolhimento e vida interior.

Contava a nossa santinha um sonho, que tivera, nos seus tenros annos. Passeava, a sós, no jardim quando a vista ao pé de uma barrica dous diabinhos. Tinham elles os pés chumbados: não obstante, sal­tavam e davam taes pinotes que era uma maravilha. Tinham olhos de braza. Terezinha, porém, não se amedrontou, porque os viu tomados de terror na presença della. Sentiu-s·e superior a elles pela inno-. cencia . de sua alma. Os diabrêtes parecem querer occultar-se na barrica onde se mettem, mas logo escapam não se sabe por onde, correm e vão met­ter-se em um quarto que dava uma janella para o jardim. A menina chega-se á janella e vê os dous fugitivos ainda apavorados a saltar pelos moveis em busca de um esconderijo. E voltam sempre a espreitar, para se certificarem si já estão livres da­quelles olhos que os atormentavam com a magestade de sua innocencia.

Terezinha não deu ao sonho mais importancia do que os sonhos merecem. No entanto tirava para seu uso, uma consequencia muito verdadeira e pra­tica: a consciencia que está bem com Deus não deve ter mêdo dos demonios: elles são uns covardes.

E assim pnocedeu sempre: nunca se aviltou em face dos poderes infemaes: tinha a certeza de que Deus é a força dos que estão com elle. Os que se acham sós, porque se distanciaram de Deus, para esses o temor dos demonios é justíssimo: elles são tão fort·es para com os desamparados

.w PJ<:TALAS DE IWSA

de Deus, oomo cobardes diante d-os puros de cons­ciencia.

Como é beUo o espectaculo de uma creança can­dida a fazer debandar espavorido todo um bando de espíritos ferozes!

.J'Il"'a piedosa

. Alguntas vezes as grandes graças de Deus veem como vehiculadas por grandes golpes -

·um forte revez, um desastre. Dá-se, porém, o caso, não mui­to raro na vida dos Santos, de uma grande graça surgir em circumstancias muito communs.

Conta a nossa santinha . que n9 fechar seu livro de reza, uma estampa de Jesus Crucificado fugiu um tanto para fóra das paginas, de sorte que f.icou á vista urna das mãos do Crucificado a derramar sangue.

Quantas vezes não teria contemplado Terezinha a sua estampa,· quantos beijos não teria alli depo­sitado? Mas desta vez aquella mão a sangrar cau­sou-lhe urna impressão toda nova. Sentiu que uma ternura insolita lhe havia penetrado- na alma.

Parecia-lhe que todo aquelle sangue a fluir da mão divina não. se devia mais perder, que ella devia tomar a seu cuidado de recolher o sangue redeimptor para em seguida regar com elle as almas.

I >ois grandes amores cresceram então veloz· nwute no coração de Terezinha - o amôr a Jesus ngonlzonte e o amor ás almas peccadoras. Quanto ck•t!Jnvu ella então consÕlar ao seu Divino Senhor

31

tão maltratado pelo homem! Quanto ambicionava remir a humanidade tom o sangue do resgate que descia da cruz!

Quando uma alma se acha, como a da nossa santinha, toda voltada para o ideal da perfeição, tudo é impulso para a santidade. O mais vulgar dos acontecimentos, despercebido de tantos, pode in­flammar em grande amor divino essa alma se­quiosa de crescer sempre diante do Senhor.

Assim é que se avantaja Terezinha, cada dia, entre as ordinarias circumstancias de sua vida sim­ples e commum.

J)ominio sobre si

Aps dez annos de edade tinha ella um grande desejo de apprender a desenhar. Ouvindo que seu pae ia providenciar para que Celina ti­vesse licção de pintura, teve grande desejo de re­cebei-as; tambem ella gostaria de apprender o de­senho.

Era o momento asado para Terezinha mani­festar seu grande desejo e talvez sua grande in­clinação por essa arte. Mas a irmã mais velha observou que Terezinha não tinha as aptidões de Celina. E aquella creança de dez annos teve mão em si de tal maneira que nada disse. Immolou ao seu Jesus a aspiração que sentiu tão viva dentro do peito. Dez annos mais tarde Terezinha contava ingenuamente o epizodio de sua infancia, admiran­do-se de ter tido tanta força para cohibir seu de-

sejo. E devia ser grande a sua inclinação para a pintura, pois suas irmãs de habito, sendo ella já carmelita, admiraram varios trabalhos do seu pin· cel. E foi sempre tão forte T erezinha em se do­minar, que nunca quiz pedir a Deus talentos na­turaes <:orno grandes habilidades para as bellas ar­tes, apezar do grande gosto que tinha por ellas.

Estas victorias intimas s;1o verdadeiros herois·

mos que por vezes excedem aos maiores feitos dos grandes conquistadores.

j)revisao ?

Com en tranhado affecto sentia-se Terezinha pre-za ao seu optimo pae. Elle para ella era tudo. Sua alegria se espraiava em mil carícias quando o ve­nerando ancião chegava de uma viagem, mesmo de brev·e ausencia. Era uma fe� ta para ella o s im­ples entreter-se com seu estremoso pae, quando re­gressava do . collegio onde passava o d i a. E de tanta veneração era penetrado aquelle amor filial que T�rezinha considerava seu querido pae um ho· mem sem defeitos. Apezar da convivencia nunca ella acaba de admirar as vi rtudes paternas.

Um dia, conta ella, deu-se um caso singular. Achava-se na janella que se abria para o seu jardim, em Buissonnets, e seu pae estava em Alcn­çon. Pois bem, ella viu s·eu amado progen itor a tra · vessar o jardim, mas muito alquebrado . Assustou·se, chamou por elle em brados afflictivos: COI'I'l�lll pressurosas suas innãs que não entcudem a 1 a ''10

I • I

.. '

!

I I

--� Santa Tcresinlta no dia da sua pl"imeira Communhão aos tl annos

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

SAI\'1:,-1. TEREZINHA 33

do sobresalto de Terezinha. Foram verificar si al­guma pessôa havia atravessado o jardim, mas cer­tificaram-se do contrario. Tudo fizeram as boas ir­mãs de Terezinha por persuadiC-a de que fôra tudo uma illusão ; ella porém, nunca se pôde convencer de que tiv.esse sido victima de qualquer engano. Convenceu-se pelo contrario, intimamente, de que o Senhor lhe dava a conhecer as provações a u­gustiosas por que devia passar o extremecido pae.

Escoaram-se varias annos e as tribulações mais amargas fizeram do admiravel sr. Martin um homem victima.

A filha dedicadissima confortou-o com suas pre­ces ardentes. E o homem acurvado sob o peso das afflicções que passára diante de seus olhos infantis, ella o viu mais tarde em toda a realidade dos seus padecimentos.

eremitas

Maria era o nome de uma prima de Terezi­nha a quem ella dedicava grande amizade. As idéas religiosas eram as mesmas nas duas angelicas crean­ças. Ambas fervorosas, combinaram entre si um genero de vida austero á imitação dos anacho­retas. Construiram uma pobr.e cella no quintal da casa, cultivavam alli uma pequena horta e naquella solidão, serviapt a Deus pela penitencia e pela con­templação. A vida dos heroicos solitarios tinha in­flammado aquelles dous coraçõesinhos ·no desejo de servi r a Deus pelo sacrificio e pela oração.

34 PETALAS DE ROSA

Alternavam-se os dous «anacho11etas» no amanho da terra e na prece. O silencio era observado com rigor, não só na cella como nas ruas da cidade, quando tinham de percorrei-as.

Como era, entretanto, natural, cahi.am os «so­litarios» em extravagancias só explicaveis nos limites dos tenros annos dos «penitentes». Terezinha mes­ma conta um desses interessantes casos. Diz que um dia, quando iam pela rua, teve a idéa de fechar os olhos para imitar a modestia dos solitarios. Maria se prestava para ser-lhe guia. Mas esta quiz tambem caminhar de olhos fechados e lá se iam ambas, ás cégas. Não tardou a succeder o que todos podiam prever : batem contra uns caixotes que se achavam na porta de uma casa de comm�rcio e os derrubam. O negociante as repr,ehende zangado, a creada que as acompanhava tambem se zanga e as duas -e�touvadinhas apressam-se em desap­parecer.

. ...

Ha em tudo isto um mixto de piedade e inge­nuidade ; ha energias precoces, ha poesia, ha muito que admirar.

Aquellas duas alminhas deviam ser talhadas para grandes heroismos. De facto, Maria mais tarde se consagrou a Deus e deixou bellos exemplos de santidade e Terezinha veiu a ser. . . Tere:tinha.

::>A::\TA TEHEZI�HA 35 ----- -------------------------------��--

fi j)ri"7eira Commuqhão

O dia da Primeira Communhão é uma ephe-1111'1 ide de ouro na vida de um christão.

Quando houve diligente empenho na prepara­t,;u' da alma para a solemnidade do seu primeiro t:unmtro com o seu Creador - aqudle dia assignala 11111 marco brilhante na existencia, que, a partir d'alli, assume um caracter novo .

.....

A' creança admiravel que era Terezinha, além <.ia intellig·encia aberta para as causas de Deus, não faltavam os melhores cuidados de suas mestras e de sua irmã mais velha. Tudo cooperou para que sua Primeira Communhão fosse um aconteci­mento solemnissimo em sua vida. Ella mesma dizia que, a seu ver, não podiam ser melhores as dis­posições de seu espirito para o grande acto.

Tudo, naquelle dia, tinha um sabôr particular para ella que era toda desvelos no apparelhar de;� vidamente seu coração. Os ultimas dias que pre­cederam a Communhão foram dias de retiro es­piritual. Nesses dias ·ella se internou no Collegio que frequentava e foram cheios esses dias. Quan­to amor não accumulou a admiravel creança para hospedar seu Deus!

Um encanto novo vestia as causas, e as sce­nas da grande solemnidade estampavam-se inde­levelmente em sua tenra e candida alma.

PETALAS DE ROSA

As lagrimas que lhe regaram as faces no mo­mento em que seu Deus a estreitou de encontro ao coração Divino - foram a ineffavel linguagem de sua ternura. «Tereza desappareceu como gotta d'agua que se perde no Oceano immenso ; só Jesus restava - seu Senhor e seu Rei !» - escreve ella mesma. Longo tempo· havia esperado ·esse mo­mento venturoso que devia ser portador para sua alma de thesouros incstimaveis. Suas medidas es­tavam cheias. Na terra, não esperava maior ven­tura, porque sua fé illuminada fazia-lhe ver seu Jesus na Hostia Santa.

Seu unico encanfo

As doçuras celestes enchem, saturam o cora­ção, mas despertam sempre maior avidez. E' pre­cisamente o contrario do que se dá com os bens terrenos.

A Divina Eucharistia produz sempre maior de­sejo nas almas que a recebem - desejo de novas communhões.

. ......

Terezinha depois da sua Primeira Communhão recebeu graciosos mimos dos seus queridos. Guar­dou-()s com carinho, mas não .satisfaziam mais a seu coração os bens da terra. Ella tinha saboreado o Manjar Celeste e não podia mais viver sem essas puríssimas delicias.

t;ANTA TEREZI::\HA 3 7

Passaram mais alguns dias e lhe foi dado fazer a segunda Communhão. Renovaram-s� dentro de sua alma as affeições purissimas e ardentes do dia da Primeira Communhão. Era-lhe grato repetir : «Eu vivo mas quem vive não sou eu, é Jesus que vive em mim». Não se extinguiu a sêde de Jesus que já lhe abrasava toda a alma.

Pelo contrario, crescia sempre o amor que de­via empolgar completamente a sua vida.

Sempre que lhe era permittido, ia Terezinha toda festiva receber a Divina Eucharistia que se tor­nou a razão de ser da sua vida. Os espaços que, máu grado seu, se interpunham entre uma e outra Communhão, ella os enchia de piedosos desejos e vivos affectos para apressar, si possivel fosse, a nova Communhão. Os bens terrenos ella os espe­zinhava repetindo as palavras da Imitação de Chris­

to : «0' meu Jesus, doçura ineffavel, convertei-me em amargor todas as consolações terrenas». Co­meço u por desprender-se das causas e das pessoas, para depois renunciar-se a si mesma. Depois, como é natural, deu-se ao amor do soffrimento, aspi­rando com todas as véras de sua grande alma, á cruz. Estava já correndo a todo panno para as re­giões purissimas da perfeição christã.

Viàa eucqarisfico

A alma toda de candura, gratidão e fé, com certeza, é profundamente amante da Eucharistia. Quem conhece a delicadeza dos sentimentos de Te-

PETALAS DE ROSA

rezinha, a alvura de sua alma, a v1sao clara que ella tinha das cousas de Deus - affirmará sem receio : era amicíssima de Jesus Eucharistico. De facto, desde os arroubos da Primeira Communhão o amor ao Deus do Amor nutriu-se sempre dentro da alma candida da privilegiada menina. A vida eucharistica a encantava. A guiar-se pelos seus de· 5ejos, diariamente lá estaria á Mesa Santa, posto que então ainda não estiv·esse, como hoje, resta­belecido o costume das communhões quotidianas.

Toda a vez que lhe e ra concedida a licença, ia ella pressurosa acolher em sua alma saudosa ao seu Jesus. Não ousava entretant-o pedir licença para commungar mais frequentemente. Mais tarde alludindo a esta maneira de proceder, assim se expressa ella mesma : «Hoje, porém, já eu não pro ­cederia assim ; estou persuadida de que as almas devem fazer scientes seus directores de que se sen­tem irnpellidas a receberem ao seu Deus. Não é para lá · ficar dentro da ambula de ouro que Jesus desce do céo diariamente} mas sim para encon­trar outro céo,� o céo da nossa alma onde tanto se delícia».

] esus é o grande amigo das almas candidas como a de Terezinha. Elle se faz o encanto, a preoc­cupação, a vida dessas almas. E tanto mais se deixa amar por ellas, quanto mais se esmeram em viver com Elle e por Elle.

·

Veremos, em breve, Terezinha de todo absorta nos enlevos da vida eucharistica.

t;A-;TA T I·:Hl'Z ll\ll.\ 3 9

fi Confir"lação

O Sacramento da Confirmação ou Chrisma por poucos é apreciado como o deveria ser. Elle mili­tariza os christãos para a cruzada santa da nossa fé. O Divino Espirito derrama seus favores sobre a alma que recebe esse augusto sacramento.

A fé se consolida na alma, a robustece e con­forta e a arma, de ponto em branco, para as pu­gnas da salvação.

* * *

Com Terezinha não se deu o mesmo que se tem dado com tantos que desconhecem por Cl l l l l p l eto o valor da Confirmação. Ella se preparou l 'ol l l t•s ­

mero, n o s ilencio e n a oração, para o seu 1 '1· u k ­costes. Fez ·exercidos espirituaes prolong ad"" e

aguardou a onda da graça que o Divino < :ouso­lador ia fazer passar sobre a sua alma. Procurou reter a maior porção possível dessa innundaçiio de favores, e desse dia por diante se sentiu mais. disposta a luctar e soffrer .

• • •

Quando virmos, mais tarde, a nossa santinha enfrentar com denodo as asperezas da vida, quan­do a encontrarmos tão afoita a galgar o Calvario, quando contemplarmos seu sorriso entre as tempes­tades que lhe não faltarão - saibamos que o s•ei· grcdo < I� tanta resistencia está nessa energia que

PETALAS DE ROSA

profusamente ella recolheu no dia da sua Confir­mação.

A sêde da perfeição, o zelo ardente pela sal­vação das almas, a constancia invicta no cumpri­mento dos dev.eres, a serenidade nos momentos mais afflictos da existencia - tudo é explicavel numa alma em que o Espirito Santo habita com a riqueza dos seus dons. O Deus Santificador vae lapidar com esmero a alma forte de Terezinha para que nella brilhem os mimos da sua munificencia.

é) sorriso ela Virgem

A enfermidade que se apoderou de Terezinha, pelos nove ou dez annos de sua edade, foi um do­loroso soffrimento para toda a familia. Seu extre­moso pae passou longos mezes de amargura, vendo definhar sua dilectissima filha. Suas irm ãs amoro­sas tiveram larga parte nessa provação prolonga­da. E ella mesma, a mesma creança, soffria como enferma e como causadora involuntaria das angus­tias dos seus queridos.

Mas aquella enfermidade, nos designios de Deus, não era de morte, era apenas para fazer brilhar mais uma vez a sua bondade.

Certo dia, Terezinha, chegou a desconhecer a sua irmã mais velha - Maria. Este symptoma cons­ternador, parecia denunciar recrudescimento da en­fermidade.

Esta i rmã a quem Terezinha amava extremeci­damente e de quem era egualmente querida, soffreu

to:A:\TA TEREZIKHA 4 1

immcuso com este novo phenomeno da molestia da i rmãzinha.

Ajoelhou-se ao pé do leito da doente, outras duas irmãs fizeram o mesmo e dirigindo-se á ima­gem de N. Senhora das Victorias, que alli se achava, rogaram pela maninha enferma. Então diz Terezi­nha : «Animou-se de subi to a esta tua ! A Virgem Ma­ria assumiu um aspecto, tão bello, mas tão bello, que ainda não achei modos de deserever essa divina! belleza . . . mas o que se me gravou na alma, pro­fundamente, foi seu sorriso arrebatador. . . A Vir­gem Santíssima adeantou-se para mim ; sorriu-me.>> Foi uma grande graça. Ella a attribuiu á oração de Maria sua i rmã.

Nunca mais se cancellou da memoria da pri­vilegiada creança o extraordinario favor.

Um re"lorso

A cura miraculosa de Terezinha não a im­pressionou tanto como a visão esplendida da SS. Virgem. Essa apparição innundou de alegria a sua alma, até então acabrunhada pela enfermidade. Ti­nha ella o proposito de guardar segredo sobre o que tinha visto. Mas sua irmã Maria tinha obser­vado que qualquer cousa se tinha passado de sobre­natural no momento da cura, aos olhos da irmãsinha.

Seu rosto se tinha transformado, seus olhos fitos na imagem pareciam ver algo de celestial. Quando as duas irmãs ficaram a sós, ás perguntas insistentes de Maria o segredo de Terezinha se

PETALAS DE HOSA

revelou. A irmã commovida pediu-lhe licença para contar ás Religiosas do Carmello o que se tinha passado - · Terezinha não poude recusar.

E as Religiosas que admiravam a candura da alma daquella menina, ao ouvirem o que se dizia da visão e da cura miraculosa, quizeram conhecer os pormenores rodos da apparição. Quantas per­guntas a Terezinha !

E ella satisfez á justa curiosidade das Car­mellltas.

Mas. . . uma rspcci c de remorso começou a angustiar a consciencia delicadíssima da creança. Parecia-lhe que as Religiosas faziam della ou da graça obtida um conceito muito elevado. Parecia­lhe que não devia ter revelado o seu segredo. Parecia-lhe emfim que não tinha feito bem. . . Du­rou annos o desgosto intimo de Terezinha. Mas julgou e lia mesma providencial essa tristeza ; por­que, dizia, de outra forma a vaidade se teria insi­nuado em seu coração.

3elo

Era Terezinha muito nova quando sentiu o de­sejo de fazer o bem mas em grande escala. Ella não tinha nascido para mediocridades. Nem a ge­nerosidade do seu coração se compadecia com limites estreitos em se tratando de dar gloria a Deus e amparo ás almas indigentes.

43

* * "'

T cvc occasião d.e dar seus primeiros passos no apostolado activo, pouco tempo antes de emprehen­llcr sua romaria á Cidade Eterna. Travou relações com duas creanças pelas quaes tomou grande inte­resse, por vel-as talvez um tanto desamparadas, pois tinham a mãe enferma. Com que caridosos des­velos a nossa Santinha se insinuou naquelles dois coraçõesinhos, afim de encaminhal-os para N. Se­nhor!

Revelou singular criterio pedagogico e conse­guiu grande ascendente sobre as pequenas que lhe criaram grande amizade.

Para mostrar · a influencia maravilhosa que a religião exerce mesmo nas creancinhas, ella nos conta seus expedientes. O mesmo resultado que se consegue com presentear a creança com doces. e bo­necas . afim de lhe corrigir os caprichos, conseguiu--o Terezinha com lembrar-lhes o céó-recompensa da creança

· bôasinha. Ella mesma se admirava da do­

cilidade com que as creancinhas sé rendiam ás suas razões inspiradas na fé. De facto a crença não sabe offerecer resistencia ao sobrenatural, porque a .,mtureza humana, posto que desviada pela culpa ori­ginal, readquire pelo baptismó uma disposição admi­ravel para as inspirações da fé. Cumpre reconhecer que a palavra de Terezinha devia ter uma efficada particular para insinuar, nos corações innocentes como o della, as luzes que em borbotões lhe bro­tavam n'alma, ·. de dia para dia.

PETALAS DE ROSA

Vicfi"la esconõiiJa

Pelos 1 2 annos de edade, T'erezinha era uma alma sensibilíssima. Ella mesma diz que derramava lagrimas com extrema facilidade. A's vezes depois de ter chorado por causa insignificante, chorava no­vamente lembrando-se de que tinha derramado la­grimas á tôa. Isto nos revela a delicadeza dessa alma e sua propensão para soffrer. Um coração assim impressionavcl padeoe pelas provações pro­prias e alheias ; padece pelas recordações dolorosas do passado .e pelas previsões afflictivas do fu­turo. Ora, as penas do present·e já s ão numerosas ; por que juntar-lhe tantas outras ? Mas s i o soffri­mento é precioso, porque •estancar as duas fontes do passado e do futuro?

Terezinha estava na via da cruz e sabia tirar proveito das amarguras para as suas ascenções.

Mais tarde sua natureza adquiriu uma resisten­cia formidavel e extraordinaria capacidade de soffrer.

As pequenas impressões não terão mais força de a abalar. Saberá passar por sobre provações communs sem se abater, e assim se tornará capaz de fortes afflicções.

Pouco e pouco, Deus vae preparando essa vi­ctima que na sua simplicidade supportará um gráu heroico de sacrifício - sacrifício coberto de flores e sorrisos, mas perfeitamente real.

Grande parte desse holocausto foge totalmente á observação - é todo intimo e sem manifestação alguma exterior. Nem ha necessidade de que a dor

SAI"TA TEREZI'S'HA 45

se manifeste sangrenta ou soluçante para ser ver­llallci ra e intensa. Ha victimas interiores, talvez muito mais heroicas do que outras que visivelmente se immolam com patente externação do que sof­frem. Terezinha foi uma grande victima escondida.

fiqceios apostolicos

Como é bello o apostolado ! As almas-apostolos como são grandes ! Não

querem o céo para si unicamente : querem-no para outros tambem, para muitos, para todos. Cultivam a virtude no proprio coração, e, com egual empenho, tentam cultivai-a no terreno alheio. Amam a Deus e querem vel-o amado tambem dos outros. A ca­ridade faz dcsapparecer o limite individual : o in­teresse geral, o bem das almas, o amor de Deus é a preoccupação dessas grandes almas .

• • •

Logo que T erezinha reconheceu, na conversão do bandido Pranzini, um fructo das suas insistentes orações, n uma convicção de maternidade espiritual, rasgou-se-lhe aos olhos um horizonte novo. Sentiu a vocação do apostolo. Percebeu que o programma do seu zelo era de uma vastidão incommensuravel

teve sêde insaciavel de almas. O pedido de Jesus, junto ao po9Q de ] acob «Dá-me de beber» repetido na cruz : «tenho

sêdeJ> - teve grande significação espiritu;al para ella, nesse dia que iniciou a phase apostolica de sua vida.

PETALAS DE HOSA --------

Terezinha, no verdor dos seus annos, sente 0.1 ardores dos grandes cruzados espirituaes que não tinham descanso, não conheciam tregoas, não comprehendiam um momento de inacção diante do numero immenso dos que precisam de soccorro ur­gente, inadiavel para não se perderem.

Creança e apostolo ! Tímida menina e çom pla­nos tão ardimentosos ! Mas é assim : o amor di­vino a empolgára. Esposou a causa de Deus que não sabe regatear misericordia.

Um passo áijficil

Terezinha de 14 para 15 annos já era uma alma forte, varonil. Seus desejos de sacrifício, sua abne­gação occulta e constante deram-lhe uma tempera robusta.

-

O mundo não devia ser para ella. Sua vontade andava lá pelas alturas em anocios de perfeição. Esperava apenas o momento em que se abrissem para ella as portas do claustro. Uma lucta toda in· tima, mas renhida, dev·eria, porém, preceder o seu ingresso na vida religiosa. Duas de suas irmãs mais velhas já se tinham consagrado a Deus ; mas o pensamento de dever separar-se de Celina, a irmã que lhe restava e a quem amava ternamente, lhe era sobremodo doloroso. Como porém esta irmã de modo algum se oppunha aos s·eus des·ejos, a barreira se transporia sem maior demora. O que se afigurava arduo em extremo a T.erezinha era falar

· ao pae do seu ideal.

-1 / - · -- - - · · -

De uma ternura immensa para com o venerau· do progenitor, amada tambem com entranhado af­fecto do venerando ancião - Terezinha estremecia ao pensar na simples possibilidade de amargurar aquelle grande coração.

Preparou-se com fervorosa oração para abor· dar o assumpto junto ao pae. No dia de Pente­costes, colhendo o ensejo mais favoravel em que o pae estava só, no jardim, ella com lagrimas e com a voz embargada manifesta-lhe o desejo de entrar logo, naquelle mesnio anno, para o Carmello . . .

Um pae heroico

já conhecemos de que tempera era a aima christã do Snr. Martin. Sua dilecta filha Terezinha, muitas vezes a elle se refere com a veneração com que se falia de um santo. Quando ella o surprehen­deu com o pedido de entrar no convento em tão tenra edade, o ancião que a queria tanto, qu(e a considerava seu lenitivo na 'lida, que a chamava sua «pequena rainha» - sentiu-se sacudido por uma commoção profunda. As lagrimas àeslizaram a fio pela brancura das suas barbas, e a voz se lhe de:­teve na garganta.

Depois com a delicadeza de consciencia de quem teme contrariar os planos de Deus, ob}ectou-lhe apenas que era muito creança ; nada porém lhe disse que pudess,e prejudicar-lhe a vocação. De­pois que o venerando pae e a fi lha santa pagaram

PETALAS DE ROSA

o tributo de suas lagrimas á commoção, ella se poz a defender, com a delicadeza da mais meiga das filhas, a propria causa. E o velho que conhecia o anjo da sua filha, que era testemunha constante de suas virtudes .excepcionaes, ouvia o que ella lhe dizia. Parecia inspirada - e não duvidamos que o fosse - pelo Espírito Santo, quando perorava a causa da sua alma. O venerando progenitor , admi­rava-se da convicção com que lhe fallava aquella creança e dos argumentos que ella sabia encontrar para o persuadir. E mediu, com o coração já a sangrar de saudades, toda a cxtcus:io do sacrifício que a filha idolatrada lhe pedia , mas em soccorro das razões que dia lhe apresentava voou a fé ro­busta que o alentava, sempre que a natureza lhe ameaçava baquear. E concordou com ella.

Sy"lbolis"los

As causas têm sua ling�agem. E cada um de nós entende as ·expressões do inconsciente que nos cerca ao sabor dos seus sentimentos, porque é sempre através do coração que ouvimos a vóz das causas.

• • •

A nossa santinha sabia ler admiravelmente no grande livro dos acontecimentos naturaes. Entendia tão bem o symbolismo das causas que parecia con­versar com as flores, com a brisa, com as estrei­tas do céo.

Santa Tcresinha aos 15 annos e seu venerando pae.

http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

SAJS"TA TEREZI:\HA 4 9

Um dia passeava com seu idolatrado pae pelo jardim. Estavam ambos profundamente commovi­dos, pois ella acabára de confiar-lhe seu ardente de­sejo de se consagrar a Deus. O bom velho chamou a attenção da sua «pequena rainha» para uma flores pequeninas e brancas semelhantes aos lirios e re­flectiu com ella sobre a grandeza e bondade do Creador daquellas maravilhas vegetaes.

Notára Ter;ezinha que, ao colher as florinhas, seu pae as arrancára com raiz e tudo, como si se destinassem á transplantação.

Ella que se comprazia em chamar-se a «flo­rinha» de N. Senhor, julgou ver-se retratada na­quella pequenina planta. Tambem ella estava vir­tualmente arrancada com raiz e tudo do jardim do­mestico para ser transplantada para o monte do Carmelo.

Terezinha não perdeu mais de vista a candida florinha. Affixou-a a uma estampa de N. Senhora, de fórma que o Menino Jesus parecia scgural-a com sua mãosinha. Queria talvez que a «florinha» viva fosse realmente uma propriedade de Jesus Me­nino como tambem veiu a significar seu nome «Te­rezinha do Menino Jesus>> .

Annos mais tarde, notou ella que o hastil da Horinha se partira, junto á raiz. E presaga do seu proximo fim, julgou chegado o tempo de sua vida romper todos os liames terrenos. E assim foi.

Quanta expressão, sentimento e vida para ou-

so PETAI.AS D E ROSA

tros inexistentes, sabia descobrir Terezinha, no mun­do inconsciente !

fi vo3 àe �eus

A vocação é um chamamento de Deus. Algumas vezes .esse chamamento urge tão fortemente que a alma por elle favorecida sente viva dôr no de,­morar um só momento em attender á voz do Se­nhor. E essa voz se faz ouvir no intimo da conscien· cia. faz-se uuvir em altos brados, insistente, ine· quivoca, a despeito do ruido atordoador que por vezes se levanta em derredor da alma .

• • •

Tal foi a vocação de Terezinha. E encontraria elia obstaculo para voar, sem mais ás alturas da vida religiosa? Seu pae, optimo christão, conhecedor dos direitos de Deus, não poz embaraços á von­tade da filha estremecida.

Mas surgiram esses ·embaraços de parte do tio de Terezinha. Elle protestou que, sem a inter­venção de um milagr.e, não deixaria de se oppôr aos projectos da sobrinha. Achava-a muito creança para dar semelhante passo. A dôr que se apoderou da nossa santinha foi profunda. Soffreu e orou á espera dos acontecimentos. Poucos dias se passaram e foi ella visitar o tio. Quem diria? Já elle não era mais o adversario que tanto fizera gemer afflicta a querida sobrinha. Uma transforma.ção radical se tinha operado nas idéas daquelle homem. Com inef-

SANTA TEREZIJiõHA 5 ' ---------------- ---- - - - . .

favel consolação ouviu-lhe Terezinha estas palavras : :íQuerida filhinha vae .em paz ; Nosso Senhor te quer, privilegiada florinha ; não porei obstaculos».

Coração reconhecidissimo, Terezinha desferiu seu cantico de gratidão á Bondade Divina a qual desobstruira, tão de pressa, do primeiro obstaculo o caminho que estava soffrega por trilhar.

Não foi esse o v.nico entrave que a jovem aspi­rante á vida religiosa encontrou no seu caminho. As grandes vocações, como a della, defrontaram-se quasi sempre com innumeros estorvos que n ão con­seguiram embargar-lhes o passo, mas lhes enri­queceram as almas de esplendidas palmas de victoria,

T(.ejlexos

Muitas vezes o tempo sombrio ou risonho se reflecte em nosso temperamento. Nem é para ex­tranhar que a atmosphera e�erça sua influencia phy­sica em nosso systema nervoso. Tampouco nos admi­ramos de que varie a nossa phantasia quando o céo carregado de nuvens densas passa a sorrir-nos com a limpidez de sua face tão bella.

Que se dê o inverso é que se não concebe. A tristeza de nossa alma não póde fazer chorar a natureza ; nem as nossas alegrias intimas podt•m tornar o céo sereno e azul.

• • •

Com Terezinha dava-se o caso singular th- "' ' '11 pre ou quasi sempre coincidir a natureza j r i o. h • nha

5 2 _____________ P_E'_rA_L_A_S_I_JE_, _H,o_�_' A ________ ___

ou festiva com as magoas ou consolações do seu intimo. E' o que se nota em sua vida ou melhor é o que ella mesma nota « . . . em todas as circums­tancias da minha existencia era a natureza o espelho da minha alma. Quando eu chora'a tambem o céo chorava ; quando eu me sentia alegre nem uma nuvem vinha manchar o azul do céo» .

• • •

Radiante de contentamento ella mergulhou no céo azul e luminoso seu olhar de gratidão, quando viu desfazer-se o primeiro obstaculo á sua entrada no Carmelo. Dahi a pouco seus olhos choveram grandes lagrimas, emquanto o céo chorava copiosa· mente, ao surgir o Begundo obstaculo á realização do seu ideal . O Superior do Carmelo não quiz per· mittir a acceitação de Terezinha no convento.

Quanto chorar ! Grande montanha parecia ter-s6 deslocado para a estrada que devia levar Terezi· nha ao suspirado Monte em que ella reconhecia o seu Thabôr.

E o tempo chorou com ella longamente.

Um raio ele esperaqça

Quando o Superior do Carmello r·ecusou annuir ao pedido de T,erezinha de entrar no convento, porque era muito nova, deixou-lhe comtudo uma possibilidade a tentar. Disse elle : « • . . com tudo sou apenas delegado do Sr. Bispo : si elle dér autoriza· ção, nada tenho que oppôr».

Tcrezinha, debulhada em lagrimas, lobrigou esse raio de esperança. Seu amorosíssimo pae tudo fez para consolar a filha e disse-lhe que a acompanharia ao paiacio do bispo, em Bayeux .

• • •

Mezes depois entravam pae e filha no palacio episcopal. Ella teve que se haver com uma relu­tancia enorme, porque, extremamente timida, pa­recia-lhe difficilimo perorar sua causa junto ao bis­po que ia entrevistar, pela primeira vez na vida. Mas para conseguir seu ideal ella teria superado qualquer difficuldade.

Era entretanto tão forte a commoção da nossa santinha que lhe saltavam as lagrimas. Pelo que lhe disse o Vigario Geral com quem se encontrára ao entrar no palacio : «Que vejo? diamantes ? . . . Não vá mostrai-os ao Sr. Bispo !»

€m .!Jageuz

Terezinha foi apresentada ao Diocesano que fez questão de que ella se sentasse em uma SQ.o lemne poltrona onde se sentiu muito confusa ; mas obedeceu.

Seu venerando pae que, suppunha ella, se en­carregaria de expôr ao Bispo o fim daquella visita, deu-lhe a palavra a ella que já se sentia tão emba­raçada. Mas, num ,esforço supremo, se desvinci­lha do seu constrangimento e expõe quanto de­sejava, fundamentando suas razões.

.'\4 PET A LA S ])]<; I:Of'A

Então ha m uito tempo que deseja entrar no Cannelo? - pergunta o Prelado.

Muito, muitissimo ! - Mas a quinze annos não chegará - pon­

dera o Vigario Geral. - Ah ! Isto não ; mas não falta muito, porqu;e

desde a edade de tres annos que aspiro á ventura de me consagrar a Deus.

E o dialogo proseguiu. Emquanto Tcrczinha pugnava pelas suas aspi­

rações de consagrar-se a Deus, diante do Exmo. Bispo de Bayeux, o sr. Martin a ouvia, commovido pelo ardor com que a filha falava. Afinal ell e intervém para advogar o interesse da sua filha contra os proprios interesses.

Elle a amava com extremos e faria o maior dos sacrificios quando a entregasse a Deus ; mas vi­sando apenas a felicidade della que sabia não ter nascido para este mundo sordido - não duvidou auxiliai-a.

Admirou-se o Bispo de tanta magnanimidaàe paterna.

O resultado final foi prometter o Bispo enten­der-se -com o Superior .do Carmello para chegarem a uma decisão. Para Terezinha foi cruel esse final, p9is ella já sabia que o · superior do Carmello não lhe tinha sido favoravel. Não se pôde conter. Ape­zar da recommendação feita pelo Vigario Geral de

5 5 ----

que lltio mostrasse os diamantes ao Sr. Bispo, a� lagrirnas rolaram-lhe a granel. Tudo fez o bom Prelado para consolar aquella alma que elle acabava de alancear sem suppôr talvez que a martyrizava tanto. foi prodigo em palavras de conforto, con­vidou o velho pae a acompanhai-o com a filha até ao jardim, fez votos para que a viagem projectada a Roma a confirmasse na santa vocação que ella sentia tão forte dentro de si, prometteu mandar­lhe urna ultima palavra para a Italia.

Quando ouviu do sr. Martin que a filha tinha, naquelle dia, penteado os cabellos de maneira a pa­recer mais velha, achou-lhe immensa graça. E mais tarde o Prelado lembrava com frequencia o episo­dio do penteado que o fizera rir tanto. O Vigario Geral quando acompanhou os visitantes que se despediam, conf·essou que nunca vira um pae tão generoso em dar a Deus o seu thesouro, nem uma donzella tão pressurosa para se consagrar a N. Senhor.

fimou muito

A medida do amor é amar sem medida - foi escripto.

Pelos quinze annos de edade, já Terezinha não queria outra medida para seu amor a Deus.

Quanto o amava ! O coração é um recipiente de amor. Quando os entulhos terrenos, que são todas as cousas transitarias, o obstruem, é claro, o amor de Deus não tem alli entrada. felizes os

que sabem alijar toda a carga inutil dos bens ter­renos ! Felizes os que, como Terezinha, dão largas ao amor purissimo de Deus ! Sabemos que muitas vezes ella se sentia enlevada pelo Summo Bem que se lhe revelava mais e mais . Transportes de amor indescriptiveis, abriam aos seus olhos um paraiso encantador entre as provações que se iam multi­plicando em seu caminho.

A que altura já pairava então essa candida alma póde calcular-se por esta expressão que lhe cahiu da penna : « . . . de boa mente eu me deixaria ficar no mar de tormentos e blasphemias (o in­ferno) comtanto que Jesus fosse nelle eternamente amado».

Ella reconhecia que isso não passava de uma insensatez, porque Deus vinculou á sua glorificação a nossa felicidade. Si queremos dar-lhe gloria, ha­vemos de querer salvar-nos. Mas tal expressão si­gnificava apenas seu grande desejo de ver Deus amado. E o pensamento de que no inferno Elle não é amado, horrorizou-lhe o terno coração.

Ella ardentemente anceiava por possuir seu uni­co e Summo Bem, mas, esquecida da sua felicidade pessoal, olhava para a gloria do seu Deus.

Não era logica a sua expressão, mas era alta­mente significativlJ. E o amor é assim : raciona pou­co, atira-se cégamente.

Neste ponto, já Terezinha apresenta um traço de profunda semelhança com as almas que mais alto levantaram seu vôo na esphera da santidade.

5 7

O Justo de Jfa�arefh

Os grandes devotos da Virgem Santíssima sen­tem-se bem de pressa tomados de grande devoção para com o grande Santo que lhe foi o esposo. Justifica-se perfeitamente esse facto. Seria até illo­gico si não se desse. A Providencia uniu admiravel­mente as duas existencias de Maria e José. As ale­grias e os sacrifícios do abençoado lar eram divi­didos entre cllcs. A commu,nhão de interesses, de ideas e sentimentos fazia com que vivessem ambos a mesma vida.

, • • •

Santa Terezinha declara : a minha devoção para com São José confundia-se desde a minha tenra edade, com o amor que eu votava á Virgem Santa.

Era, na verdade, a nossa Santinha muito extre­mosa para com o Venerando Patriarcha.

Inspirava-lhe o Esposo da Virgem Incomparavel a maior confiança. Sentia-se tão bem sob a pro­tecção do Defensor de Jesus Menino ! Quando ella previa que convinha rodear-se de protecção e de­fesa - volvia os olhos para o grande Santo.

Diariamente rezava a oração que começa : ((São José, pae e protector das virgens . . . » E a in­nocencia de sua l>ella alma já não temia manchar­se, assim tão bem defendida.

O homem extraordinario suscitado por Deus para velar pelos thezouros mais ricos do céo e da terra - Jesus e Maria - para desempenho da sua

P ETAL_-\S l > r: HO,;A

augusta missão recebeu poderes e santidade ines­timaveis.

Comprehendeu-o Terezinha e quiz que o grande Patriarcha se valesse desses grandes dons em fa­vor da sua alma. E não ficou illudida como o não fi­caram jamais os devotos de S. José.

fipôs a Com"luqhão

Para as almas ricas de fé não ha momentos mais preciosos, na vida, do que os subsequentes á Communhik'. A presença de Jesus Christo na alma que recebeu a communhão dura pouco tempo, mas o valor desse tempo não pode ser calculado. Todas as riquezas imaginarias estão ao alcance de uma pessoa que tem comsigo o Summo Bem. Si não fosse a palavra do proprio Deus infallivel a affir­mar que elle se dá á alma na Communhão, seria uma temeridade crer em semelhante possibilidade .

.. ... ..

Como seriam as acções de graças de Santa Terezinha após a Communhão ? Em primeiro lagar era seu empenho contentar ao seu Deus e não a si mesma. Depois considerando sua alma terreno baldio e cheio de entulhos, pedia á Virgem San­tíssima que removess·e seus defeitos.

E rogava á mesma Virgem que nesse pobre terreno, levantasse um pavilhão esplendomso para albergar o Divino Hospede, adornado de quanta magnificencia fosse possível.

Depois convidava os anjos e bemaventurados a cantar dentro d� sua alma os louvores do Deus que a enchia.

E não contente de consagrar á acção de gra­ças o tempo que se seguia á Communhão, muitas vezes empregava o resto do dia em agradecimento, sem se impedir porém no cumprimento dos seus deveres. Jesus Sacramentado era o eixo ao redor do qual lhe gyravam as solicitudes do dia.

j)ec/icação filial

E' uma nota muito sympathica na vida de S. T erezinha o extremoso carinho que ella consagrava a seu pae, aliás mui !Derecedor dos affectos de· sua querida filha. Durante a viagem que fizeram a Roma, em devota romaria, manifesta-se mais de uma vez essa dedicação filial. Estando em Paris, antes de tomar o comboio, o sr. Martin levou as filhas á basilica do Coração de Jesus de Montmartre e ahi todas se consagraram ao Divino Coração.

O comboio partiu. Tratou-se então de dar o nome de um santo a cada carro. A's vezes era esco­lhido o do orago da parochia cujo parocho ia no carro. Para o carro em que ia Terezinha o director da peregrinação escolheu o nome de São Martinho, naturalmente para homenagear ao optimo catholico sr. Martin. Terezinha muito mais tarde recorda­va-se com gratidão dessa deferencia para com o seu excellente pae, pois, talvez mais do que elle, elht propria se sentiu penhorada pela homcnag-t'll l .

Relembrando as particula riuades dl�ssn l l l l''ll l la

6o

viagem, ella relata quanto se sentiu edificada pela paciencia de seu pae em fazer gentilezas a um com­panheiro de caracter difficil e incontentavel.

Essa filha incomparavel tinha em seu coração um affecto immenso pelo seu progenitor. Admira­va-se constantemente das suas virtudes, meditava as suas palavras e desfazia-se em dedicações para com elle.

Por isso, muitos annos mais tarde, ainda ella se referia aos actos virtuosos de que ella mesma fôra testemunha durante a vida do sr. Martin .

Era o reconhecimento filial que lhe pedia essas manifestações tão bellas do seu carinho de filha extremosa e delicadíssima.

ê171 peregrinação

Em companhia de uma irmã e do pae, partiu Terezinha para Roma. Ao chegar em Pariz, quiz o sr. Martin mostrar ás filhas a grande capital ; quiz que ellas conheoess·em as obras maravHhosas da arte e da sciencia de que a cidade Luz possue grande variedade. Aos quinze annos a phantasia é . forte e as suggestões do bello são profundamente vivas . Mas a nossa santinha já exercia grande domínio sobre si e não perdia de vista o ideal da sua vida. De tudo quanto viu uma unica impressão lhe ficou a da visita que fc1. a N. Senhora das Victorias. Cumpre recordar que a imagem de N. Senhora das Victorias tinha encantos especiaes para Terezinha. Era a imagem do seu qua rto, a imagem que ella viu sorrir quando lhe restituiu a saude perdida. Vêl-a

6 1

agora, em Pariz, e renovar aquella historia encan­tadora do sorriso de Maria foi uma e mesma cousa. A gratidão transbordou do coração de Terezinha. Passou alli momentos d e vida celeste, fruindo no seu intimo, consolações indescriptiveis. Ella mesma confessa : a Virgem Maria, minha Mãe, me disse claramente que tinha sido ella mesma quem me curou e sorriu.

Pariz se offu:>cou por completo aos olhos da nossa santinha. Para que ver mais? Para que bus­car mais encantos quando já ella tinha delles o co­ração repleto ? Recebera, alli, graças indizíveis. Não podia appetecer consolações terrenas.

Uma cousa porém não deixou de pedir insis­tentemente á sua Mãe Celeste - a ventura de se poder acolher bem cedo á sombra do seu manto materno na montanha do Carmello. Era o seu ideal - não podia esquecei-o nem mesmo entre as ale· grias daquelles momentos de ventura ultraterrena ao pé da Virgem Santíssima.

Terezinha foi sempre enthusiasta pelas scenas poeticas da natureza. Sua alma se inflamma diante dos grandes quadros que se reproduzem diante de todos, mas por poucos devidamente apreciados. Al­ma de escol, sempre prompta a vibrar ao contacto do bello, povoada de grandes emoções - ella era uma poetiza nata. Teve a felicidade de não se de­ter na contemplação do bello ephemero que nos

PETALAS DE HOSA

cerca ; quiz chegar á fonte desses encantos - onde a poesia é eterna e viva .

.. .. ..

Em viagem atravéz da Suissa ella se inebriou da grandiosidade que de continuo, surprehende a quem vae contemplando a natureza. Quando ella toca de leve nessas impressões que colhera ao pas­sar por essas <;montanhas elevadas de cimos neva­dos a mcttcr,cm-se pelas nuvens» é visível o es­forço que faz para deter a penna. Nota-se que de bom grado ella deixaria sua ardente phantasia re­produzir os encantos que a tinham extasiado. Mas refrea-se ; contenta-se com rapidas pinceladas como esta «mais além um lago immenso de ondas mansas e puras harmonizando magnificamente suas tintas azuladas com o ouro do sol que descambava» .

.. .. .

As almas de fé viva são as que melhor sen­tem a poesia da natureza, porque _a poesia do céo empresta uns tons ineffavcis ao encanto das causas terrenas. Ha um reflexo celeste neste mundo cujo autor é o mesmo autor das maravilhas eternas ; mas somente ao homem a quem a fé illumina, é/ perceptível esse reflexo ultraterreno.

Assim é que podemos calcular a intensidade de commoção que possuía a grande alma de Terezinha, quando o esplendido de uma paisagem a fazia vibrar.

�.1 :\ T ,\ TEHE7.I:\ I J A -----

�o ma

Roma é um nome magico para os filhos da Egreja. Residencia do Representante de Jesus Chris­to, capital do mundo christão - Roma é uma sug­gestão poderosa ! A Historia Ecclesiastica deve-lhe os capitulas mais interessantes c, em particular, o Martyrologio christão, recordando as dez tremen­das perseguições, vinculou os fastos mais gloriosos da Egreja á cidade dos Cesares .

• • •

Diz Terezinha que ao chegar seu comboio á estação romana, ella tinha adormecido, de sorte que despertou ao grito de «Roma» ! «Roma» !

Podia ella suppôr que fosse um sonho, pois esse nome tinha para ella a magia empolgante das grandes evocações. Mas não ; dissipou-se aquella perplexidade de quem accorda repentinamente, em sobresalto. Toda calma e na posse de todas as suas faculdades ella continuou a ouvir : «Roma !»

:�orna !» Sim estava Terezinha na Cidade Eterna, n 1. capital dos christãos, na Roma de Pedro e de Leão XII I, seu successor gloriosamente reinante. Roma com seus monumentos, com suas ruínas, com seu Vaticano - essa Roma cheia de lendas, de tradicções, cheia do passado remoto concretizado em numerosas reliquias, escombros e obras de arte, era precisamente a que Terezinha penetrava com­movida. Ella estava apparelhada para sentir o gran­dioso daquelles primores de artistas e para viver

PETALAS DE HOSA

os dias remotíssimos que as ruínas ciosamente guar­dam para os que lhes conhecem a origem e a historia. Sabia que estava pisando um solo calcado por seculos de civilisação. A mesma poeira que vinha pousar sobre seus vestidos, merecia-lhe ve­neração porque sua fé vivíssima recordava-lhe que o sangue de milhões de martyres se tinha embe­bido naquelle chão - arena gloriosa dos primeiros seguidores de Jesus ! A com moção mais salutar em­balsamou a alma de nos:a Santinha nos dias de sua permanencia em Roma.

Jfo Vaticano

Governava gloriosamente a Egreja de Jesus Christo o Santo Padre Leão X I I I quando nossa Santinha visitou o Vaticano. A espectativa da vi­s ita ao Summo Pontífice fazia Terezinha estreme­cer. Ella não desejava apenas ver o Papà : queria falar-lhe, pedir-lhe uma grande graça. Ora, ella bem sabia que, falar ao Summo Pontífice, em au­diencia publica, diante da corte pontifícia, óos visi­tantes todos, era para intimidar a qualquer alma mesmo pouco ou quasi nada tímida .

• • •

No dia marcado, os peregrinos francezes, entre os quaes a nossa santinha, foram assistir á missa que S. Santidade ia celebrar em sua capella. Gra­varam-se na memoria de Terezin-tr:( estas palavras do Evangelho daquella missa : «Não temais, ó pe-

SANTA TEREZINHA

queno rebanho, pois aprouve ao vos;o Pae dar-vos o seu Reino». E ella tomou como si lhe fossem dirigidas á alma essas palavras de conforto, para o caso particular em que versava. Entendeu que aquelle «Reino» era o seu Carmelo e então se sen­tiu tomada de grande confiança.

Ficou Terezinha edificada com a piedade de Leão XI I I, durante a missa. E convenceu-se ainda melhor de que elle era mesmo o Santo Padre. Es· tava elle todo de branco - sotaina e murça e ro­deavam-no os prelados e dignatarios de accordo com o ceremonial das grandes audiencias.

Terezinha, com seus olhos cheios de fé, con­templava toda a solemnidade daquelle recinto que parecia repleto do sobrenatural.

Quantas vezes sua imaginação havia archite­ctado o Vaticano, o Papa ! Agora a realidade surgia diante della ratificando algum<4s das suas imagi­nações, alterando outras e embebendo-lhe a alma de uma indefinível impressão de mysticismo. Já muito havia vibrado essa grande alma, nos dias anteriores á audiencia, e parecia ter-se tornado ain­da mais suggestionavel alargando sua capacidade de sentir e commover-se. Sua entrevista com o Santo Padre foi realmente um acontecimento de repercussão sensacional para todo o restante de sua existencia.

6 6 PETALAS 11E ROSA

firrôjo

Achavam-se os peregrinos francezes em vasta sala do Vaticano, na presença do Summo Ponti­fice Leão XI I I. Passavam todos pelo throno de sua santidade. Depois do beija-pé, cada qual se erguia, beijava a mão do Papa, recebia-lhe a ben­ção e cedia o Jogar a outro. Si algum se detinha por um instante, um dos guardas pontifícios fa­zia-lhe signal para sahir.

Ninguem podia dirigir palavra alguma a S. Santidade. Esta prohibição foi renovada, no mo­mento, em voz alta.

• • •

Terezinha que fazia parte da peregrinação e desejava ardentemente chegasse a sua vez de beijar a mão do Papa para pedir-lhe a graça -- principal objectivo da sua viagem a Roma - ouviu a pw­hibição e ficou perplexa. Dirigiu a sua irmã Ce­lina um olhar de interrogação e a irmã respon­deu-lhe que falasse.

Tinha a jovem peregrina a alma sacudida por uma commoção violenta. Marejaram-se .. lhe de la­grimas os · olhos, mas sua coragem não havia suc­cumbido.

Quando ella at'abou de beijar a mão pontifícia aventurou :

«Santíssimo Padre, desejo pedir a V. s_ uma graça importante». Leão XIII inclinou-3e como para

SANTA TEREZINHA

ver de perto que creança era aquella que se atrevia a falar-lhe. E Terezinha continuou.

«Em commemoração do Jubileu de V. S. ó Santíssimo Padre, peço a autorização para entrar no Carrnelo aos 15 annos !»

Grande impressão reinava entre os romeir->s. O vigario de Baycux ficou descontente com o atre­vimento de Terezinha c explicou ao Papa que se tratava de uma creança a qual desejava entrar no Carrnelo e que os superiores estavam estudando o caso. Mas Terezinha insistiu com o Papa para arrancar-lhe um «Sim». E eUe respondeu : «Pois não . . . vamos . . . , entrará si fôr da vontade de Deus».

Os guardas nobres já tinham acenado a Tere­zinha, ella porém não queria levantar-se. Deixava­se ficar de m2os juntas, apoiadas nos joelhos de S. Santidade. Afinal foi erguida pelos guardas. O Papa deu-lhe a mão a beijar, depois a abençoou e com o olhar a seguiu algum tempo. Teria o Summo Pontífice divisado no futuro a gloria daquella me­nina?

fi immolaç6o

Terezinha era de rara penetração. Ainda mui­to nova, já descortinava largos horizontes e con­cebia noções profundas das cousas. Parecia que á luz da sua intelligencia juntava-se uma claridade superior para a comprehensão de que ella dava mostras.

6 8 PETALAS D E HOSA

f.'! * •

Não se cuide que ella tenha entrado na vida religiosa de olhos vendados. Sabia muito bem o o que fazia ; tinha medido :a extensão do sacrifício que N. Senhor lhe pedia. O sacrifício dos carinhos domesticas para quem delles sempre fôra o alvo, ella o sopesou muitas vezes antes de deixar o mundo.

A liberdade de que todos temos sêde e que se sacrifica na vida religiosa, foi-lhe motivo de ras­gos generosos de abnegação.

Os prazeres mais innocentes da vida que en­tretanto se r.enunciam virtualmente quando se abraça a vida de clausura, tudo isso foi conscientemente sacrificado, por Terezinha, antes de sua entrada de­finitiva no Carmello. Porque ella previu tudo e, não obstante, marchou resoluta para o monte da sua immolação.

Eis· como se exprime : «Mais tarde, nas horas de provação, quando, prisioneira no Carmello, eu já não puder contemplar mais que uma pequena nesga do céo. . . a lembrança deste panorama me dará coragem». Referia-se ao desenrolar dos qua­dros esplcndidos que a natureza lhe · apresentava no percurso da sua viagem a Roma. Eram · real­mente grandiosas as paisagens !

Mais tarde - dizia ella - Elle me recompen­sará profusamente estas ,pequena's renuncias.

!;;ANTA TEREZINIIA 6 g

j)e(/uenas virfuões

De gottas d'agua se constitue o oceano, de granulas microscopicos se forma a mole colossal das montanhas. Ha tambem virtudes que nos assom­bram pela sua magnitude e se constituíram pela multiplicação de pequeninos actos virtuosos á ma­neira de cellulas diminutas ou fibras subtilissimas na contextura dos gigantes vegetaes.

A montagem desse apparelho de peças deli­cadissimas, algumas quasi imperceptíveis, foi ad­miravelmente comprehendida por Terezinha. P·ersua­dida de que •era uma alma pequenina, incapaz de grandes causas, deu-se á pratica dos pequenos actos de virtude. E como nossa vida é uma serie de acções pequenas e simples, no exercido das pequenas vir­tudes, praticamente, é que se prova a verdadeira santidade.

Falando da vida mortificada, que levava, em preparação á sua consagração a Deus, Terezinha manifesta essa admiravel intuição da perfeição chris­tã, tão mal comprehendida pelos admiradores das virtudes de apparencia, da santidade chimerica, dos projectos heroicos, mas que não passam disso.

Eil-a como se exprime : «vida mortificada, mas não entendo fallar com isso em penitencias de san­tos ; pois longe de me parecer com as almas de escol, que desde a infancia praticaram toda sorte de ma­cerações ; toda me empenhava em governar e que­brantar a minha vontade, em reprimir uma palavra de replica, ·em prestar servicinhos aos que con-

PETALAS DE ROSA

viviam commigo, sem lhes dar valor, e em mil outras coisinhas que taes. Pela pratica desses no­nadas eu me ia preparando . . . » Quanta sabedoria e quanta simplicidade !

fiiqcla o amor filial

A proposito da audiencia pontifícia que Tere­zinha, seu Pae e outros membros da romaria ti­veram, ella - a piedosa filha do Sr. Martin -eJ.<pande assim seu amor filial, alguns annos mais tarde.

«0 Revmo. Vigario Geral usoú para com elle (o s r. Martin) extrema gentileza, apr·esentando-o a Leão XIII como pae de duas carmellitas. Ejm signal de particular benevolencia, o Santo Padre collocou a mão em sua veneranda cabeça, como para marcai-o com um s ignal mysterioso, em no· me do mesmo Jesus Christo. Agora que repousa no céo esse pae, de quatro carmelitas, não é mais a mão do representante de Jesus que lhe pousa na fronte a prophetizar-lh,e o martyrio ; é a mão do Esposo das virgens, do Rei do · céo, e nunca mais a mão divina abandorlará aquella fronte que ella aureolou de gloria».

Terezinha é sempre a filha amorosa, cheia de veneração pelo seu virtuoso pae .

• • •

Apezar desta consolação e de muitas outras que lhe deixou a visita ao Vaticano, ao sahir da

7 1

audiencia, ella chorava copiosas lagrimas. Parecia­lhe insipido tudo quanto via depois, porque seu ideal continuava ainda numa nebulosa. Sentia-se sa­turada de amargura, pois a melhor das suas es · peranças que e ra uma resposta decisiva do Papa -- acabava de falhar.

Comtudo, ella confiava no céo e, no meio de sua dor, sentia muito calma a consciencia porque parecia-lhe ter feito o que poude para realisar o que ella suppunha ser a vontade de Deus. Sua grande fé lhe inspirava a um tempo, a resig:nal­ção e a confiança. E assim a preparou Deus para a grande santidade que no Carmello devia ella con­quistar gloriosamente.

€/la e Sla. Cecilia

Entre outros fructos que Terezinha conseguiu em sua peregrinação a Roma - deve contar-se uma devoção profunda á Santa Cecilia.

Havia pontos de contacto bem accentuados en­tre essas duas grandes almas e, nessa base, a de­voção sempre apparece, quando a occasião é favo­ravel. Com effeito a affinidade, a semelhança, é uma das fontes do amor.

Santa Cecilia e a nossa Santinha primaram ambas pelo amor á candura que lhes caracterizam as almas. O amor virginal, que ambas consagra­ram ao Esposo Celeste, foi-lhes intenso e incondi­cional. A melodia deu azas á Virgem romana para se manter sempre longe do lôdo deste mundo�

I' ETc\ L A S DE HOSA

a poesia, que é i rmã da arte dos sons, fez a nossa Santinha pairar muito acima das causas terrenas. Cantaram ambas a seu modo os mesmos louvo­res ao Deus do amor.

"' * *

E a amizade espiritual de T·erezinha a S . Ce­cilia teve inicio nas catacumbas de Roma.

Alli a nossa Santinha viveu de algum modo a vida de Cecili a . Vis itou-lhe a casa, o local de seu martyrio c o S l'll sepulcro. Quiz até de certa ma­neira imita r-lhe as attitudes materiaes quando foi deitar-se no fu ndo ua sepultura em que jasêra a Virgem c Martyr. - O amor de Deus em S. Ce­cilia tinha algo de ml'lodioso, a rrebatador, ·era como o enlevo de musica celeste a arrcba l a r a candida donzella. Essa forma de piedade e ra muito sympa­thica a Terezinha. «S. Cecilia - é 'terezinha quem fala - assemelha-se á Esposa dos cantares, pois nella se percebe um côro musical no qrraial dos exercitas (Cant. VII, 1 ) . Ainda mesmo entre as mais angustiosas provações, sua vida foi sempre urna melodia, o que não é para extranhar porque «O sagrado Evangelho lhe repousava sobre o co­ração» (Officio de S. Cecilia) e ahi descançava o Esposo das almas virgens». Como S. Cecilia a nossa Terezinha atravessou a existencia entre as harmonias que lhe brotavam do coração - orgão de musica sublime quando dedilhado pela fé.

SAI':TA TEREZ IN I IA . 73

O Coliseu

Entre as ruínas de Roma, o Coliseu desperta interesse particular aos que vão estudar o passado mais com olhos de fé do que de sciencia. Desperta o famoso amphitheatro a recordação dos combates que a Egreja travou corpo a corpo - si é licitio expressar-me assim - com o paganismo. E cada martyr que tombava naquclla arena, era um trium­pho mais para a Egreja nascente. Do sangue des­ses bravos, como sementeira espiritual, surgiam le­giões de neophytos que, por sua vez, cobriam de gloria a novel instituição de Jesus Christo .

• • •

Nossa Terezinha, gosou intensamente, em seu espírito, quando viu, com seus olhos, o theatro dos heroismos christãos dos primeiros seculos. Sou­be que uma espessa camada de terra a separava da verdadeira superfície em que foram immolados os martyres e dia quiz beijar a mesma terra que bebêra o sangue dos heróes da fé. Mas Terezinha quando inflammada pelos des·ejos santos que lhe inspirava a fé, n ão conhecia obstaculos e chegava quasi 3 temeridade. Chamou para acompanhai-a a irmã e metteu-se pelas ruinas, por entre as quaes encontrou uma descida . Sem o cicerone, sem nada conhecer daquelles labyrinthos de escombros - não era pequeno o risco a que se abalançava a corJ­josa romeira.

74

Afinal, depois de terem descido cerca de oito me­tros, encontraram as duas irmãs a lapide que mar­cava a verd�deira superfície da antiga arena que tantas vezes foi regada do sangue christão. ((O coração, escreveu Terezinha, batia-me em sobresalto quando collei meus labias ao solo que os primeiros christãos empaparam de sangue ; pedi, nesse mo­mento, a graça de ser tambem eu martyr de Jesus Christo e tive um presentirnento intimo de que minha oração ia ser attendida». Recolheu umas pe­drinhas daquelle chão sagrado e poz-se a subir a dif­ficil rampa, que venceu jubilosa, não porém sem perigo.

Oufra seme/ha'lça

Santa lgncz era, em muih>s pontos, semelhante a nossa Santinha, quando esta a visitou em sua Egreja, em Roma. A suavidade das suas virtudes, na flor dos annos, a pureza virginal da sua alma­- lembram o perfil doce e candido da alma de Terezinha. E a nossa Santinha professa-va devoção mui sincera á illustre martyr dos primeiros se­cuias do Christianismo.

Calculemos quão· grande foi o jubilo de Tere­zinha quando lhe foi dado visitar a Egreja de Sta. Ignez ! Dessa visita ella desejava levar uma recor­dação para doce renovação dos grandes sentimentos que lhe innundaram a alma, quando lhe pareceu estar o mais perto possível da sua santa amiga.

Tentou então conseguir uma reliquia, para of-

S A J'iTA TE!U�Z l :\ H A 75 ---·------------------------"--'-

ferecer depois á sua irmã carmelita, a qual tinha recebido ·em Relig-ião precisamente o nome de lgnez. Mas suas tentativas foram baldadas. Deu-se então o que Terezinha sempre julgou uma fineza de Deus para com ella. Um pequeno fragmento de mar­more vermelho desprendeu-se de um precioso mo­saico dos tempos de Santa lgnez e foi collocar-se ao alcance da m ão de T·erezinha. Nem foi esta a w1ica vez que ella viu satisfeitos seus desejos de modo todo providencial. Ella propria ' julgava que N. Senhor lhe attendia as vontades, mesmo em causas que pareciam infantis, por nímia gentileza e requinte de bondade. Deixou Terezinha a casa da virgept martyr, levando comsigo a preciosa lem­brança e conservou carinhosa impressão da visita a essa Egreja de Roma dedicada á jovem e can­dida donzella.

Os pontos de semelhança entre as almas de Terezinha e lgnez consolidavam a devoção que aquella lhe dedicava.

E tal semelhança se foi aéentuando sempre mais, com o aperfeiçoamento rapido que Terezi­nha conseguia no exercício das virtudes, que cara­cterizaram a bella alma de S. lgnez. A amizade sincera, intensa, approxima os corações que se amam e tende a tornai-os sempre mais semelhantes. fe­lizes portanto as almas, como a de Santa Terezi­nha, que se vinculam pela mais solida amizade aos typos mais authenticos da virtude !

PETALAS llE ROSA

Em .Coreto

Pessôas ha que VIaJam sem perceber grandes impressões, porque se deixam transportar machi­nalmente, sem noções dos lagares por onde pas­sam. Faltam-lhe, ás vezes, conhecimentos histori­cos, outras vezes fallece-lhes a fé que faz vibrar a alma ao contacto de um estimulo que não attinge as faculdades naturaes .

.. . .

A nossa santinha com sua intelligencia bem culta, com os enthusiasmos da sua fé, vibrou a cada instante, no decurso de sua viagem para Roma.

Quando, por exemplo, visitou Loreto, que trans­portes os de Terezinha ! Deixemo l-a f aliar : «Foi profunda a minha commoção quando m e vi de­baixo do tecto que cobriu a sagrada Familia, ao contemplar as paredes em que o olhar divino de Jesus pousara tantas vezes . . . » Referindo-se á Com­munhão que desejava r·eceber no altar. do SS. Sa­cramento, o qual se acha na casa da Sagrada Fa­milia, casa que se encerra na Basilica de mannore como diamante em marmoreo estojo, assim ella escreve : «Queríamos receber o Pão dos Anjos no diamante e não no simples estojo . . . lá estava um sacerdote paramentando-se para celebrar. Fomos pressurosas (ella e sua irmã Celina ) manifestar­lhe nosso desejo e elle promptamente pediu duas particulas para collocar na patena».

SAl\TA TEREZINHA 7 7

E assim conseguiu . Terezinha receber a SS. Eucharistia na mesma casa em que Jesus viveu longos annos nesta terra. Cumpria conhecer toda a capacidade de amar daquelle coração fartamente illuminado pela fé, para se ter uma idéa da conso­lação de nossa Santinha nesse dia. Ella a chamou «consolação ineffavel».

Como lembrança daquclla gratissima visita, quiz levar alguns granulos das paredes da sagrada Casa. E logrou, ás escondidas, raspar um pouco daquelle material tão precioso aos seus olhos.

Dessa humilde casa remontou Terezinnha aos Pavilhões da Glória, residencia do seu Divino Rei, com suspiros inflammados de incontida saudade.

-Em )VIilão

E' certamente uma das grandes maravilhas da arte christã a cathedral de Milão - chamada pelo povo - il Duo mo.

O marmore nas mãos · do artista assumiu alli uma variedade de fórmas quasi infinita, com ex­pressões de sentimento e vida que parecem irrea­lisaveis em fria pedra. As centenas de estatuas que adornam o sumptuoso templo transformando-o em uma cidade de habitantes immobilisados pelo arre­batamento, ao que parece, pelas cousas do céo - merecem um estudo particular e detido .

... . .

PETALAS D i<: IWSA

Te�ezinha se deliciou na contemplação daquelle primor de architectura e recebeu, em cheio, na sua grande alma, aquella onda do bello que brota alli, nel Duomo, de cada capitel, de cada agulha, de cada imagem.

Nem se contentou com um· exame perfundorio

daquelle monumento da arte e da fé : deteve-se lon­gamente em examinar com interesse toda aquella esthetica concretizada em cada minudencia, no tem­po de que dispoz.

Subiu aos pontos mais altos, ao que não se atreveram as muitas senhoras que a acompanha­vam, para tambem descortinar mais vasto pano­rama da cidade.

Foi Terezinha sempre amante do bello, alma sequiosa de magnificencias. Em tempo, porém, ella soube encaminhar seus anhelos para a belleza do céo. Sua sêde de inebriar-se nos encantos que sua intelligencia divisava, na natureza ou na arte, só se poude saciar nas maravilhas da graça que lhe deparou uma fonte immensa e inexgotavel de goso. Os encantos espirihtaes, em particular as doçuras do amor de Deus, empolgaram por completo essa alma candida e ardente. E, nessa região sublime do espiritual, ella encontrou tudó quanto a arte e a natureza avaramente lhe offereciam.

€m Jfapoles

O bello horrivel dos vulcões sacode fortemente a alma dos qut nunca contemplaram a natureza

SA::-.ITA TEREZINHA 79

em convulsões tão violentas. Quasi sempre a im­pressão é de abatimento. O animo se quebranta em face de tanta violencia. O homem reconhece a sua pequenez ante a magestade do monte que brame como féra baleada atirando aos ares espuma e sangue.

E' o bello dynamico apreciado apenas pelos animas fortes que conseg-ucri1 dominar a impressão de pavor para dar lagar ú admiração pela gran­deza do espectaculo. E� uma exhibição de força da natureza que, pelos musculos dos seus montes escancarados como fauces, cospe ás nuvens os re­síduos de uma combustão interna muitas vezes mil­lenaria.

• • •

Terezinha passando por Napoles e Pompéia teve diante de si esses quadros pavorosos. E sua alma tão delicada não se terá deixado resvalar no desmaio dos tímidos e pequeninos ?

Não ; . era varonil a alma dessa creança - que a delicadeza nada tem de iricompativel com a ener­gia e a coragem.

Ella gosou fortemente desse espectaculo su­blime, vendo espelhar-se nesse ponto da terra algo da potencia infinita de Deus. «0 Vesuvio - diz - com uma salva de numerosos tiros de ca­nhão - saudou a nossa passagem, vomitando de sua cratéra espessa nuvem de fumo».

E commentando as ruínas por elle causadas em Pompéia, assim se exprime : «Elias são tes-

So PETALAS flE ROSA �---------------- --------- ----------

temunhas eloquentes da potencia de Deus que olha para a terra e a faz tremer; que toca os montes: e os inflamma (Ps. C. 1 1 1 32) .

Quem me déra vagar sósinha entre essas rui­nas e meditar na fragilidade das causas humanas». Assim são as almas que privam com Deus. Parece que se lhes communica alguma causa daquella so­berania que paira acima de tudo quanto parece temível não só aos pusillanimes mas tambem aos homens que se julgam corajosos.

Em Jissis

Nossa santinha esteve tambem na cidade de Assis, onde São Francisco e Santa Clara deixaram exemplos tão bellos de virtudes heroicas. Deu-se ahi um episodio sem grande irnportancia na vida de Terezinha, mas que nos deixa ver, mais uma vez, o caracter infantil dessa alma de tempera aliás forte e decidida. Visitando o celebre convento dos filhos do glorioso patriarcha, ella deixou cahir a fivela do cinto, sem saber onde.

Depois de a procurar debalde� teve de agei­tar, da melhor maneira que pôde, seu cint<> des­provido de fivela. Nisto empregou algum tempo e quando foi procurar, á porta do convento, o carro que a devia l,evar em companhia de seu pae el sua irmã, com surpreza verificou não es­tarem mais alli os carros dos romeiros, a não ser um só. E este unico era o do Vigario Geral de Bayeux.

� .\ :\TA TEP.EZINIJA S r

Ora, este distincto sacerdote foi justamente o que, no Vaticano, quando Terezinha quiz insistir com o Summo Pontifice que lhe permittisse a en· trada no Carmelo, em certa maneira lhe cortou a palavra. Com eff.eito surprehendida pelo santo atrevimento de Terezinha elle interveiu explicando ao Papa que se tratava de uma creança que queria entrar na vida religiosa e que os superiores já estavam tratando daquelle caso.

O plano de Terezinha ficou assim transtornado e ella começou a chamar o Vigario Geral, por gracejo, o mais temivel dos seus inimigos.

Como entretanto e ra o unico carro que restava, ella fez um esforço grande e foi pedir um Jogar ao Sr. Vigario Geral. Sentiu-se muito contrafeita alli dentro, mas soube haver-se, como sempre, com garbo e desembaraço, para dissimular o proprio constrangimento. E o distincto sacerdote procurou usar de toda a gentileza para com ella, promettendo trabalhar para que ella conseguisse o seu grande desideratum. E ella confessa que essa palestra foi «Um balsamo para a sua alma ferida».

Sanficlaae . ameqa

Deus é o autor do cardo e do li rio ; foi elle. quem creou o fructo aspero e cheio de travo como os mais delicados e saborosos ; é delle a tempes­tade e a calma das bonanças. Em tudo isso, brilha egualmente sua pote1ncia. Nas austeridades de Maria Egypciaca a macerar-se na pfj11itencia de um pa-

8 2 I'J.:TAI.A:,; l iE l H .• t' .-1.

voroso deserto, e na ingenuidade infantil de Tere­linha do Menino Jesus é admiravel egualmente Deus - autor de toda a santidade.

A santidade de Terezinha foi vasada em mol­des taes que não ha espírito algum que não lhe queira bem. Ella arrebatou os homens com a do· çura das suas virtudes que não cedem em auste­ridade ás dos mais rígidos anachoretas. E parece incrível que se possa tão oem assim conciliar a rigidez das virtudes evangelicas com a naturalidade, l alegria e amenidade que respira toda a vida dessa admiravcl santinha !

A santidade amavcl c poetica que lhe ca ra­cterizou a vida foi sem prejuízo algum p::ua os lll t' ritos de suas rnassiç:as vi rtudes. Ella voltou para dentro todas as aspcridades das mortificações, dei­xando rcssumbrar no exterior, apenas, a suavidade que lhe admiramos em todas as manifestações da vida.

rascinações ao alto

Ha pessoas que passam por entre os encantos que a terra apresenta, sem dar por elles ou, pelo menos, sem sentir o influxo do bello que os reveste. Tal não se dava com Terezinha. De fina percepção esthetica, alma sensível e facil em entrar logo em vibração, ao primeiro contado do belio, ella sentia intensamente todo o ascendente que os encantos naturaes exercem sobre as almas cheias de vida .

• • •

SA'."TA TEREZINHA 83 -- - -- - - � - - - - � - ----- _____ ___::___

Da mesma sorte, porém, que a luz viva deixa na pallidez imperceptivel as chammas frouxas, as· sim os encantos do céo brilhavam aos olhos de Terezinha causando desmaio a todas as seducções terrenas.

Olhos plantados no monte santo do Carmello, para onde sentia attração poderosa, ella desdenhava as vozes feiticeiras que lhe cantavam as venturas do scculo.

Sobranceira ás lisonjas que a cada passo ouvia, seu 1 perder de vista seu ideal, eil-a que avança com galhardia, por entre os escolhos em que tantos naufragaram. Depois de contemplar as magicas sce­nas que a natureza e a a rte alternadamente semea­ram ao longo do seu itinerario, ella assim allude ás mesmas : «Deslumbramentos que se desvaneciam

, se m me deixar saudades, porque a outros encan­tos aspirava meu coração».

Quiz seu pae levai-a a visitar os Lagares San­tos em Jerusalem, que sabia terem para ella um enlevo particular, pela fé esclarecida que a animava.

Ella porém se sentia «farta de peregrinações pela terra» por mais bellas que podessem ser, por­que «aspirava tão só aos encantos do céo».

Não queria passeios, mas ficar prisioneira e por isso suspirava pelo momento em que lhe «fran­queassem as portas da abençoada prisão».

Confiança infantil

Quando Terezinha esteve em Florença, foi, em companhia de outros peregrinos, visitar o convento das Carmellitas. Alli se acha o corpo da grande santa que foi Maria Magdalena de Pazzi. . Nossa futura carmellita folgou muito com essa visita .

Os visitantes quizeram tocar o tumulo da Santa com seus rosarios. Mas o tumulo era defendido por uma grade que impedia aos peregrinos satisfazer seus piedosos desejos. Entretanto Terezinha con­seguiu com sua mão pequenina levar o seu rosario atravez da grade até o tumulo .

Todos os peregrinos valeram-se então do pri­vilegio da mão delicada da nossa santinha. Ella sempre gentil se prestou a repetir innumeras ve­zes a operação, julgando-se · "teliz pela missão que desempenhava. Tambem em Roma na Egreja de Santa Cruz de J erusalem onde se conservam fra­gmentos da verdadeira Cruz, bem como dois espi­nhos e um cravo- objectos sagrados pelo Sangue Redemptor - valeu-lhe a Terezinha a sua m ão de creança.

Essas preciosas reliquias foram expostas, den­tro do seu relicario, á veneração dos romeiros . A nossa santinha deixou que todos passassem e ficou por ultimo afim de poder observar sem pressa os instrumentos da Paixão.

Quando o religioso incumbido de gua rdar as reliquias ia já collocal-as no altar, Terezinha pediu licença para tocai-as.

8A:\TA TElU<:Z l:\ H A

Elle suppondo provavelmente que aquella me­nina seria incapaz de attingir os objectos sagrados que estavam dentro do relicario, respondeu-lhe af­firmativamente. E ella conseguiu introduzir o dêdo, por um estreito vão do relicario, e tocar o cravo que pregara na Cruz o Redemptor. Quanta con­solação para sua alma cheia de fé ! Referindo-se a esses seus atrevimentos, ella sublinha a infanti­lidade do seu espírito - caracter realmente en­cantador da s ua santidade : «Vê-se que eu proce­dia para com elle (Jesus) como creança que julga ser-lhe tudo permittido e tem como seus os The­souros do seu pae».

j(aluraliáade

A naturalidade é um dos encantos da virtude legitima.

Essa naturalidade emana primeiramente da con­vicção.

Quero dizer : a alma plenamente persuadida de que serve a Deus, de que Deus a vê - n ão pode ser artificial no seu procedimento. Não se embaraça com o reparo dos homens, porque Deus, no seu espírito, supplanta qualquer consideração humana.

Outra cousa muito importante desse cunho na­tural nas pessoas virtuosas é o desejo de fazer passar despercebidas as grandes acções.

Tudo que é natural passa sem chamar a at· tenção dos homens. Quem deseja attrahir sobre si

86 PETALAI' l i E ROSA

as attenções e os applausos, procura ser singular para dar na vista ; procura sahir do commum com receio de ficar confundido entre os vulgares. A naturalidade é pois excellente capa com que a hu­mildade envolve os meritos reaes .

• • •

T erezinha conhecia esses segredos todos dos humildes.

Quanto esforço não lhe custava a naturalidac!e das maneiras ! Nada tinha de natural a sua natura­lidade - era toda sobrenatural. Continua vigilan­cia lhe era necessario para isso; com effeito : eram continuas seus gestos magnanimos, suas acções ge­nerosas, seus sacrifícios e abnegaçõ�s. Ora vasar tudo isso em moldes vulgares, de maneira a escapar á observação dos admirad,ores, exigia um trabalho intenso da sua vontade.

Nosso Senhor aconselhou que se disfarçasse o j ejum com o semblante alegre e festivo - o que significa encobrir a penitencia com as apparencias de quejltl' naturalmente se trata.

Terezinha entendeu que o Mestre desejava en­sinar o mei:o mais simples de encobri r os mere­cimentos para não os deixar sem o premio do céo .

Sua simplicidade era o conselho de Jesus ,que queria recompensar a virtude com premios incom­paravelmente · superiores aos vãos elogios dos ho­mens.

I:;A;\;TA TEREZl;I; II A R7

fi' fé superficial e a fé profuqda

Algumas vezes Deus attende com presteza e ainda de modo miraculoso a oração dos seus Íilhos.

Por vezes isto é signal de que a oração foi feita com fé diminuta. E' paradoxal ou melhor é difficil de se entender tal doutrina .

. ... .

Terezinha que, nos seus cscriptos, revela co· nhecimentos theologicos bem profundos, nos dá so· bre este ponto bastante luz.

Ella pedia insistentemente a graça de ser ac· ceita na vida religiosa, e seu pedido era sempre indeferido. Esperava que a"final, no dia de Natal, ( 1 887) Jesus Menino lhe fosse favoravel ; «mas o Menino Deus adormeceu e deixou sua bolinha es­quecida no chão» (allusão ao offerecimento que de si havia feito como simples brinquedo de Jesus Menino) .

Ora, ella sentia que orava com grande fé e não era attendida. Então explica assim o proceder de Deus para com ella « (Jesus) ensinou-me que realiza prodígios em favor de uma alma cuja fé é pequenina como um grão de mostarda, afim de lh'a robustecer ; mas tratando-se de seus amigos íntimos, tratando-se de sua Mãe, antes Elle quiz experimentar-lhes a fé para depois favorecei-as oom milagres».

E cita o caso da grande fé de Maria e Martha que houveram de esperar que Lazaro morresse,

8 8

para depois serem attendidas, embora tivessem par­ticipado a Jesus a enfermidade do i rmão.

Cita o exemplo da fé excepcional da Virgem Maria que tendo recorrido a Jesus nas bôdas de Caná teve como resposta «não ter chegado ainda a sua hora». Eram muito maiores que sementes de mostarda essas fés e por isso foram provadas para receberem tambem premias extraordinarios.

Assim, na sua confiança filial, esperava ella ser um dia attendida em suas preces ardentes e vibrantes de fé. E não se enganou.

Çe"lidos de pomba

Ha um genero de supplicio todo espiritual de poucas almas conhecido - é a espectativa sequiosa do momento em que lhes seja dado entregar-se to­talmente a Deus. Soffreguidão santa lhes impelle, em anceios irresistíveis, o coração para o Senhor. E esses anem�ssos para o alto, arrancadas de uma ave detida por um fio, ferem e dilaceram .

. .. ...

Nossa Santinha só tivéra um pensamento, um só desejo, um sonho unico : - dar-se toda a Deus, longe do mundo. Esse desejo era tão vivo, tão insoffrido que um minuto de delonga lhe parecia um seculo. Oemia a candida creança como rôla en­carcerada longe do ninho. O mundo lhe era do­loroso exilio.

f'A:\T.\ TEIU'Z I \ l i .\ 89

Em Janeiro de 1 888, foi-lhe communicado que o bispo diocesano autorisara á superiora do Car­melo a recebei-a, mas a superiora deliberou mar­car-lhe a entrada para depois da Quaresma. Ora esses poucos mezes de espera pareceram seculos a Terezinha. Foram dias dolorosos os dessa espe­ctativa. Era a arca santa yuc recusava abrir-se á desditosa pombinha - - dizia �lla. Notou Terezinha que a autorização para ser admittida no convento era datada de 28 de Dezembro - Festa dos San­tos lnnocentes. Para seu espírito santamente infan­til, tal coincidencia não era indifferente.

Como era bella essa alma quasi a agonisar de saudades do céo antecipado que já se entreabria para a acolher ! O amor para com Deus a attrahia quasi irresistivelmente, entretanto o mesmo Deus a detinha no seculo - ,era a preparação da victi­ma para o mais sublimado holocausto.

Ventura sobreqafural

A alegria não está nos objectos que nos ro­deiam, mas sim no intimo da alma e podemos go­zai-a no fundo de uma tenebrosa masmorra tão bem como em palacio real.

• • •

Estas palavras são de nossa santinha. Dictou­as seu coração impressionado pelo ambiente luxuoso em que se encontrou muitas vezes ern suas viagens.

J>ETALA:S DE HOSA

Ella tinha um ideal sublime no qual se cingia a sua felicidade. De fôrma alguma lh'a poderiam proporcionar todo o conforto e brilho com que a envolvia o mundo. Um angulo obscuro do claustro era tudo quanto ella ambicionava.

Com isso ella se reputava feliz ; sem isso todos os prazeres do mu.ndo só lhe mereciam o des­prezo.

No m undo nada lhe faltava, porque sua fa­milia dispunha de recursos e ella e ra objecto de carinhos particulares em sua casa. Entretanto o chamamento divino urgia com ella para que tudo abandonasse. E essa premencia da graça que tinha pressa em aperfeiçoai-a, despertando-lhe desejos de uma consagração total da sua vida ao Senhor, fazia-lhe parecer cada vez mais despres!vel o que o mundo tem de melhor.

Mais tarde quando a vida religiosa deixa de ser para ella simples aspiração para se tornar rea­lidade, com todos os espinhos, que as concretisa­ções dos sonhos desta vida trazem comsigo, não soffreu decepção alguma. Ella sabia que a ventura da vida religiosa importava immolações constan­tes. Sem as extranhar portanto, e llli continuou a se julgar venturosa entre as provações que a vi­sitaram «Assim é - confirma ella -- que me julgo mais feliz no Carmello, com todas as minhas pro­vações internas e externas, do que lá no mundo onde nada me faltava, muito. menos as alegrias do lar domestico».

SA�TA TEHEZli'õliA 9 1

yae e filha

Raiou o dia ardentemente 'desejado por Tere­zinha, o dia 9 de Abril de 1 888 - dia da sua en­trada para o Carmello . . .

Antes de deixar a casa, quiz, ainda uma vez, espraiar um carinhoso olhar pelos sitias em que passára a infancia.

Em seguida, dirigiu-se com os seus á egreja das carmelitas, onde todos receberam a SS. Com­munhão. Toda a família chorava, menos Terezi­nha que entretanto estava com a alma dilacerada. Ella assim se exprime :

« . . . emquanto, á frente de todos, eu me dirigia para a porta da clausura, o coração me batia com tanta violencia que me perguntava a mim mesma si não cahiria fulminada alli mesmo. Ah ! que mo­mentos, que t01iura !

Só quem já esteve em semelhantes conjunctu­ras pode ter uma ideia do que se passa . . . »

Eil-a - Terezinha, diante daquella porta que se vae abrir para ella e depois fechar-se para sempre. E' o momento da despedida. . . abraça a todos os seus queridos e ajoelha-se diante de seu pae, pedindo-lhe a benção.

O venerando velho que a amava tanto e della era tanto amado, dobra tambem os joelhos e em pranto abençôa a santa filha. «Sorriram de certo os anjos - accrescenta ella - ao contemplarem esse ancião a apresenta r ao Senhor a sua filhi­nha, ainda na quadra primaveril da vida . . . »

9 2 ---

Fecl7a-se a poria

Atraz de Terezinha fechou-se a porta do se­culo ou a porta do santuario. Do seculo - porque lhe fechou para sempre o caminho das glorias ephemeras, dos prazeres fugazes, das vaidades que não lograram empolgar-lhe a alma ; do santuario - porque lhe abriu os thesouros só conhecidos das almas acolhidas nos penetraes da solidão reli­giosa. Muralha bemdicta - essa porta collocada para ella entre o céo e a terra, marcou, ao fe­char-se, o inicio de uma phase de progressos admi­raveis na via espiritual da nossa santinha .

.. . .

As Religiosas receberam Terezinha com o . maior jubilo, pois sabiam que Deus lhes enviava um anjo.

E na verdade foi um anjo que penetrou no Carrnelo para· mais se santificar e saturar de vir­tudes o ambiente do claustro. Aqui estou para sempre - era a expressão que reboava nalma de Terezinha, naquelles dias jubilosos. E quanta cousa não traduziam essas palavras ! A realização de um des·ejo intenso e anciosamente esperado atra­vés de mil anciedades, a posse de um bem com a .certeza de não mais perdel-o . . .

Nesse mesmo dia começou o hymno de acção de graças que, pelo resto da vida, T·erezinha con­tinuara a cantar, transbordante de gaudio, pdas grandes mercês que recebeu do Senhor.

SANTA TEHEZJ:'\HA 93

Jfo clausfro

Era então postulante a nossa Santinha, no car­melo de Lisieux. - O que quer dizer : prepara­va-se para fazer o seu noviciado.

Nessa epoca, suas superioras puzeram-lhe á pro­va o espírito de humildade, com amiudadas humi­lhações - provas que Tcrezinha superou admira­velmente. Para exemplo, ella mesma nos narra com encantadora simplicidade algumas dessas pequenas censuras e reprehensões.

Certa vez, encontra-se com uma das madres que lhe reprova o trabalho por mal feito ; outra lhe lança em rosto que nada faz o dia inteiro.

Nada tecm de extraordinario essas pequenas provas, mas era extraordinario o modo simples, natural e alegre, com que aquelle coração sensível e delicadíssimo tudo acceitava, tudo soffria no maior silencio. Mais tarde ella escreveu que dava mil graças a Deus por ter sido tratada com energia e severidade. Ella apreciava a educação forte e comprehendia os perigos de uma educação de ca­rinhos e doçuras, mui particularmente para as al­mas que querem canalizar para Deus todas as suas affeições. Assim, Terezinha nós offerece um es­pecimen admiravel desses typos fortes e suaves - allianças apparentemente contradictorias da man­sidão mais doce com a severidade inflexível. Gra­ças a essa união admiravcl, logrou nossa Santi­nha encobrir seus merecimentos e revestir sua he­roica santidade com as apparencias mais naturaes . . .

94 PET A L A S llE l : OSA

Quem a visse affav.el e sorridente como era, não podia suspeitar que no seu intimo fosse ella tão mortificada e austera comsigo . . .

Virtuae real

E' interessante ouvir Terezinha a contar seus actos de virtude quando a obrigavam a isso . Com infantil simplicidade ella descreve acções que ap­parentemente não passam de sacrHicios insignifi­cantes. Ha nisto uma santa industria da nossa san­tinha. Quem a ouve fallar assim tem, a principio, a impressão de que realmente eram pequeninas as suas virtudes. Mas um olhar observador, atra­yez dessas pequenas amostras, pôde claramente di­visar nella um completo domínio sobre si mesma, uma total lndependencia daquella alma que já se havia libertado de· todas as cadeias terrenas .

• • •

Um dia, conta ella, uma das i rmãs deixou um pequeno vaso de flôres fóra do logar e não se soube como o vaso appareceu quebrado. Tere­zinha foi reprehendida pela superiora que a sup­punha culpada. Ella não se desculpou e recebeu innocente a accusação e a reprchensão. Beijou o chão e prometteu ser mais cuidadosa para o futuro. julgando insignificante esse acto de humildade, a elle se referiu deste modo : «Estes pequenos a dos de virtude me custavam immensamente e para me

SANTA TERF.ZINHA ------ -- ---- - -- ---- ---- ---� 9 5

animar a fazel-os era necessario que me lembrasse do dia do juizo, dia em que tudo se ha de revelar».

roriYJaÇão eqergica

Terezinha, com seus quinze annos, e ra a mais nova do convento -- a caçula. Mas não se cuide lá por isso que sua formação religiosa no Carmello fosse toda a poder de caridas. A superiora que a queria muito e desejava vel-a aproveitada na vi1iude, não se deixou levar pelo falso amor com que muitas vezes as mães, á força de mimos, criam filhos voluntariosos e immortificados.

Cuidadosamente procurava a superiora todo o ensejo para chamar a attenção da jovem religiosa para a mais leve omissão ou falta nos serviços domesticas a seu cargo. E ella docil e humilde re­rec�bia gostosamente esses espinhos que pungiam fundo, porque em casa tratavam-na como rainha. E quando se considera que a alma de nossa san­tinha e ra de extrema sensibilidade e se empenha­Ya com todo o esmero para ser exactissima no cum­primento dos seus deveres, bem se pode avaliar quanto não soffresse a pobre menina com taes re­pri!hensões.

Uma das primeiras cruzes desse geneiO ficou­lhe bem impressa na memoria e muitos al!nos mais tarde ella a refere ingenuamente :

« . . . uma vez em que eu havia deixado no claustro uma teia de aranha, disse-me (a superiora) diante de toda a communidade : «]á se vê que

P ET A LA l< UE ROSA

vossos claustros são varridos por uma creança de 1 5 annos ! Que lastima ! Trate de tirar já essa teia de aranha e de s·er mais cuidadosa d'oravantel> .

Jfão arrefece

Não se creia que o enthusiasmo de Terezinha lá dentro do claustro, tenha durado apenas alguns dias, emquanto era tudo novidades. Não ; passaram­se os primeiros dias, passaram-se os mezes e os annos e o contentamento da jovem religiosa não soffrcu declínio, antes cresc·eu de intensidade á me­dida que a figura do mundo se distanciava e o céo se lhe approximava. Nem outra podia ser a marcha de um coração o qual encontrava delicias nas privações que outros tanto temem. Sua cella, por exemplo, que tinha por cortinado e tapeçaria a mais rigorosa austeridade, parecia-lhe simples­mente encantadora. A mesa frugalissima para quem o melhor prato era a temperança, não lhe podia ser de espantalho á natureza, posto que, em casa, nossa santinha vivesse no conforto da sua familia.

Nove annos mais tarde - tantos foram os da sua vida religiosa - o mesmo enthusiasmo e até mais intenso ainda arranca-lhe da alma expressões do mais vivo reconhecimento pela ventura de ser car111ellita. Não lhe faltaram provações, mas, com tanto amor as recebia, que poude escrever : <( • • • não surgia a mais leve brisa a agitar s iquer branda­mente o remanso que minha barquinha sulcava e o azul do meu céo nenhuma nuvem o empanava . . . >>

SANTA TEl{EZIC'õHA 9 7

<<Ü soffrimento me abriu o s braços e e u me abracei com elle».

Estas palavras são de Tcrczinha e são mais profundas do que parecem á primeira vista. O s offrimento tem a fórma Je cruz, isto é, tem sempre os braços abertos. Está sempre em attitude de quem espera alguem ; mas essa attitude é diversamente interpretada. Para alguns essa attitude é a de uma féra que espera a victima para se engalfinhar com ella. Para outros é o convite para um abraço amigo. Dessa diversa interpretação nasce naturalmente a repulsa ou o accolhimento da cruz .

• • •

Terezinha longe de ser das almas espavoridas que se horrorizam com a simples sombra que a cruz lhes projecta n'alma, atirava-se · aos braços do soffrimento. Era tão firme seu pulso em ter as rédeas da sua sensibilidade, que lhe era possível mesmo prevenir os primeiros ímpetos de fuga que podem assaltar a qualquer alma quando surpre­hendida pela provação.

Não foi uma attitude passiva a de Terczinha ou de méra conformidade com o soffrimento. Isto já seria alguma cousa ; m as muito pouco para a generosidade della. «E eu me abracei com elle» isto significa a marcha decidida de sua alma ao l'ncontro da cruz. Ella queria, positivamente, pôr-se

q K PETALAS v �; JWSA. ------------·-- ----

: �o mntado dos espinhos que outros tanto temem. Vi rou, por assim dizer, pelo av.esso a sua natureza, de modo que buscava o que instinctivamente nos repugna e assim realizou o lemma paradoxal -gozar na dôr.

fi dor silenciosa

Faze r sacrifício e bôas obras é, sem duvida, cousa muito bôa, e não se pôde dizer que seja ra;ro encontrar pessoas dedicadas a essas santas praticas. O que realmente é raro e bem raro é encontrar quem faça tudo isso em silencio - quero dizer : sem deixar apparecer o bem que faz ou a dor que soffr.e. Ha, com effeito, em nós, uma tendencia in­nata para. tornar conhecido de outros tuctp quanto nos possa grangear louvores. Quem dormiu mal a noite, na manhã seguinte quer que se saiba disso ; quem soffreu uma injuria com superioridade de ani­mo, não sabe silenciar sobre seu acto de nobreza. As­sim é que um gesto de grandeza d'alma, muitas v·e­zes, se desdoura, pela fraqueza do autor que não é capaz de esconder seus meritos. Ha, sem duvida, ca­sos, em que se impõe a necessidade de tornar co­nhecidas as boas obras ; mas mui ias vezes trata-se de uma vaidade secreta .

• • •

Nossa Santinha oomprehendia que, diante de Deus, podia ser mais meritorio um pequeno sacrifício

l:iANTA TEl{EZINHA 99 -------- --------------��-

so dclle conhecidô, despercebido totalmente dos ho­mens, do que os rasgos heroicos que despertam\ rumor e applausos.

Desde os primeiros dias de sua vida claustral, a jovem postulante deu-se á cata desse thesouro, o que consiste ,em revestir a vida de apparencias naturaes, vulgaríssimas e, sob essa capa, multipli­car as boas obras. Assim tendo ella augmentado suas horas de trabalho, soube fazel-o de tal ma­neira que ninguem deu por isso. Só muito mai� tarde ella o revelou, quando foi obrigada por sua superiora.

fi 111esa do lar

H a sempre, na casa paterna, no mais intimo do nosso lar, uma mesa, ao redor da qual a fa­milia habitualmente se !"eune. Em torno dessa mesa, teem seus lugares fixos essas figuras que mais tarde as saudades ,evocam e fazem surgir illumi­nadas por aquella lampada que presidia sempre aos serões domesticas. E, quando a ausencia nos priva dessas scenas do lar, aquella mesa que congregava seres tão queridos, que fôra testemunha de nossas alegrias e tristezas mais intimas, aquella mesa se nos torna um symbolo e temos saudades desse mo­vei, que, em nossa imaginação, encarna o proprio lar.

• • •

Terezinha estando já n o claustro, refere-se á sua familiia reunida «em torno daquella mesa,

I eo PETALAS llE ROR-\ -

junto a qual ia sentar-se pela ultima vez . . . >1

Ella desejou ardentemente retirar-se' do mundo, mas o sacrificio de deixar os seus queridos, que amava com extremos, fez-lhe sangrar a alma. . . A essa . mesa domestica, que congr,egou corações tão ama­dos, na vespera de sua partida para o Carmello, a1 essa mesa, repositorio de tantas recordações - ia ter seu coração saudoso e ella renovava a Deus o sacrifício da separação .

.Ceis opposfas

As leis do espírito são, por vezes, diametral­mente oppos tas :'1s da materia. Por ahi, o homem percl'hc mui claramente que é elle um mixto de substancia espi ritual e material. Como explicar que a repugnancia innata ao soffrimento se coaduna com o desejo de padecer em uma mesma pessoa ? Di r­se-á que é a graça. Corrijamos então assim o nosso acerto : as leis do espírito illuminado pela g·raça são, por vezes, diametralmente oppostas ás da materia.

.. .. ..

Nossa Santinha que falava tanto em rosas, amava extraordinariamente os espinhos. Ella mes­ma declara á sua superiora : «Quanto mais as cru­zes cresciam, mais crescia em mim a ambição de soffrer». Notavel era, porém, a habilidade· com que ella voltava para si as pontas dos espinhos fazendo

SANTA TERFZIN IL\ r o r

aos outros ver só petalas. Por u m lustro inteiro logrou a santa carmellita passar de todo desperce­bida uma grande dor : ninguem suspeitava que ex­terior tão sorridente, meigo e jovial cobrisse aus­teridades e cruzes. Mas Deus - Elle tão só -era conhecedor das maguas intimas daquelle co­ração capaz de todos os sacrifícios. Mais tarde a obediencia exhumou do silencio os thesouros de lições .edificantes que hoje conhecemos. Não fôra isso, e levaria para a sepultura o seu segredo o segredo das suas penas intimas que desabrocha­vam em flôres e poesia.

"R,apida escalada

Almas ha que avançam pelo caminho da per­feição como o «gigante que corre pela estrada>}, A phrase é da Escriptura e, realmente, expressiva . Desde que nossa Santinha transpôz o limiar do claustro, iniciou uma phase de progressos taes que parecia realmente escalar a escarpada montanha da perfeição, com passos de gigante.

Um venerando sacerdote, de longa experien­cia, dirigia o espírito privilegiado de Terezinha pelo caminho da perfeição christã. Mas que surpreza para elle encontrar, em uma simples postulante, progressos tão rapidos, rumo ás culminancias da perfeição ! Era um espírito avido de se approximar de Deus e nenhum tropeço o detinha, antes, des­pertava-lhe novas energias para novas ascensões. E só assim se explica como, em tão breve tempo,

1 0 2 l 'ETALAS OJ•: ROSA

nossa Religiosa conseguiu enthezourar tantas vir­tudes, cada qual dellas mais preciosa.

Seu sabia e virtuoso director de espirito foi transferido para muito longe. Desde essa epoca T erezinha considerou como seu mestre o propr�o Divino Mestre. E foi tão docil á voz que a guiava, tão attenta em ouvir-lhe as inspirações, que pa­recia brincar com as difficuldades que a todos se deparam na estrada dps santos. Aliás, essa é a vantagem das almas que muito amam - todas as barreiras lhes parec-em superaveis. O muito amar é o grande meio de resolver os problemas que nossa natureza remissa. a cada passo julga insolu­veis quando se trata de domai-a.

j)ous heróes

O Snr. Martin que havia offerecido a Deus com a maior generosidade sua extremecida filha «sua pequena rainha» fez grande gosto em con­summar seu sacrifício no dia em que Ter·ezinha tomou o habito de Carmellita. Elle mesmo quiz que ella fosse trajada de velludo br<!-nco e ornada de lirios.

Com os olhos rasos ele lagrimas foi elle re­cebei-a para a conduzir ao pé do altar. Eil-o que entra na capella do Carmello, com toda a solehnni­dade, de braço com sua dilecta filha. Caminham para o holocnusto. Elle a velhice veneranda ; ella a juventude generosa. Ambos admiraveis pela vir­tude, ambos heroicos no sacrifício, ambos inflam-

!' A NTA TJ.: I ! I<:/. I :\ 1 1 \ 1 03

u • ; · d t l"i uum só desejo - o Ul! prestar a Deus Omni­pot t'uk u preito da maior ueuiração. Em Terezinha adm i ramos o enthusiasmo com que rompe de uma vc1. com o mundo, fechando os olhos a tudo que Hus dotes lhe promettem, si ella continuasse no scculo. Em seu pae, admiramos a fé esclarecida e profunda como a de Abraham que o leva a con­dut.ir sua propria filha ao altar do sacrifício. Mais tarde esse varão admiravel exclamará : «Possuísse cu causa melhor, .que de bôa vontade eu a offere­ceria a Deus». Suas filhas eram um thezouro ; cou­sa mais preciosa n ão tinha ; por isso da melhor vontade, não obstante a dôr profunda que lhe atas­salhava a alma, elle as offertava a Jesus.

ficaso ?

Na vida de Terezinha encontramos factos que diríamos fortuitos, e ella os considerou disposições divinas em seu favor.

Uma dessas coincidencias puramente naturaes, na apparencia, deu-se no dia em que ella recebeu o habito sagrado de Carmellita. A ceremonia es­tava concluída. Terezinha radiante de jubilo, reves­tida exteriormente de aspero burel e interiormente de ineffavel consolação, retirava-se da capella para o interior do convento.

O prelado que h a via presidido á cerimonia < ·ntila o Te Deum. Advertiu-lhe um sacerdote que se· havia equivocado, pois esse hymno se entoava a pt'n-. a ccremonia da profissão e não da tomada

1 04 PETALAS DE HOI>.\

de habito. Terezinha, porém , julgou felicissimo o engano. Ella tinha a alma a nadar no mais puro goso . Queria mesmo expandir sua gratidão em hymnos vibrantes.

Para e lia foi seu Jesus que assim dispoz dos acontecimentos para lhe dar ensejo e ás demais· religiosas de externarem seu reconhecimento pela graça immensa que Elle concedêra a Terezinha.

fi neve

Apreciemos uma bella manifestação do espirito infantil de Terezinha - nota encantadora de sua santidade.

Ella gostava immenso de neve. Ella mesma perguntava a si a razão desse gosto pela neve que cobria a terra - haverá disso alguma expli­cação ? Seria talv·ez pela candura da neve que tão bem se casava com a pureza da sua alma ?

• • •

N o dia marcado para a profissão religiosa de nossa Santinha - 1 O de Janeiro de 1 888 - não havia esperança que nevass·e. A temperatura não era para. neve ; na atmosphera nenhum prenuncio ; entretanto nossa Santinha desejava que não fal­tasse nev,e naquelle grande dia. Era a sua festa, por ella tão suspirada, o dia de seus desposorios com Jesus !

------ --- ----T O S

A cerimonia da profi11Ru rr.ll�loan correu so­lemne, vibrante, cheia de conunot;c)c•. Ao sahir da egreja Terezinha, radiante de juhlln por se ter consagrado a Deus, dá com os ulholi nn lençol de neve que, contra toda a espectativo , ae havia es­tendido sobre a terra.

Terezinha já tão abalada de fortes emoçc)es, ao , contemplar mais essa gentileza de seu Esposo não soube como expressar seu reconhecimento.

Assim �creveu ella : «Que fineza da parte de Jesus ! Para fazer o gosto de sua pequena esposa concedeu-lhe a neve tão suspirada ! Qual dentre os mortaes, por poderoso que seja, póde fazer cahir do céu um só froco de neve para dar prazer á sua amada ?»

Esse facto ficou conhecido com a designação de (<o pequeno milagre».

Seu programma

Quem lê a vida de Terezinha, difficilmente per­cebe o perfil rigoroso da heroína christã, sob aquella simplicidade infantil, com que ella se apresenta. Mas a grandeza dessa alnia se patenteia aos olhos de um observador o qual estude as aspirações que ella deixa transparecer aqui e acolá. lndice seguro, esses anceios bem mostram que não era uma crean· ça a dona do cora-ção donde elles brotavam ; era wn coração de tempera robusta, sem temores in· fàntis, de ambições diffioeis de contentar, ao (.'OD· trario do que succede com os anoeios pueria . Dea·

1 06 PETALAS ij('; HOSA

marcadamente vasto era o programma do seu apos­tolado - delineado nesta simples phrase :

Vim para salvar almas e especialmente para orar pelos sacerdotes - foi o que ella respondeu, quando lhe · perguntaram para que tinha ido para o Carmello, no exame solemne que precedeu sua profissão religiosa.

Ora, quem conhecia o gráu de comprehensão que ella tinha do apostolado, bem como a energia de vontade com que se batia pelos seus propositos - bem percebia que aquella creança apparente era já um gigante pelo espirito. Mais tarde, sem nada perder da sua simplicidade infantil, deixa escapar os anhelos com que fremia pela conquista do mun­do para o seu ] esus. E então mais forte ainda, mais athletico se patenteia seu perfil moral.

fi cantora ao Senqor

Conta a ·meiga Terezinha que, em creança, pos­suíra · alguns passarinhos, entre os quaes, um ca­nario e um pinta-roxo.

O pinta-roxo fôra objecto dos seus desvelos desde que sahiu do ninho. Creado assim longe dos paes, não teve opportunidade de apprender com elles os seus trinados. Mas o canario fazia sempre ouvir as suas melodias ao pequeno pinta-roxo. Este se poz a arremedar o eximia càntor, mas . . . não era canario. Errava sempre a musica e Terezinha ria-se muito dos erros do aprendiz. Mas, continua ella, ;� fi nal o pinta-roxo, a custo de reiteradas tentativas,

I' � 'I T -1 T e r- EZ T � H A

apprendeu a licção - cantava como si tivesse nas­cido canario.

• • •

Deste facto singelo contado com infantil e en­cantadora simplicidade, remonta Terezinha as sum­midades da mystica. Ref.ere-se ás Iicções que re­cebera de uma de suas irmans mais velhas, a qual lhe ensinára a ella, ainda em tenra edade, as mo­dulações do divino amor. Por humildade, se com­para ao pinta-roxo com o qual entretanto . apenas se assemelhava quanto á edade. Apprendeu sua alma os gorgeios mais suaves do amor divino. Nem foram necessarias reiteradas licções, pois nessa alma madrugára o amor de Deus para inspirar-lhe os mais bellos canticos, jamais talvez por ella ou­vidos.

Só Deus ouvia o melhor desses canticos que reboavam de continuo dentro daquelle coração in­nocente e inflammado. Das notas, porém, que se fizeram ouvir cá fóra, é-nos licito concluir que pou­cas almas souberam vibrar com tanto enthusiasmo como a de Terezinha. Ur.ta flôr, uma nesga de mar, um raio de sol era quanto bastava para pôr em vibração a harpa daquella grande alma sempre postada ao pé de Deus.

Fi!Jta a171orosa

O Sr. Martin, pae de nossa santinha teve im­mensa consolação quando offereceu a N. Senhor

I OR PFTA LAS DV lWS A ------- - ·----- - - - - - - -- - - -

sua estremecida filha. Foi um dia de jubilo para eUe o dia em que a viu revestida das insígnias reL ligiosas. Pouco tempo depois deveu o venerando ancião passar por duras provações. Já havia elle soffrido �lgum ameaço de paralysia cerebral. A enfennidade voltou mais intensa e foi necessario que se recolhesse a uma casa de saúde ; ahi passou tres annos. Depois voltou para a casa do seu cu­nhado onde viveu mais tres annos. Elle tinha ainda duas filhas que lhe faziam companhia nos annos dos seus soffrimentos. Mas o que difficilmente se poderá explicar é o martyrio que amargurou pro­fundamente a alma da Terezinha durante a en­fermidade paterna. Seria necessario conhecer a de­licadeza e ternura do coração daquella filha admi­ravel para se chegar a conhecer o gráu do padeci­mento que o cruciou. Ella assim se expl1essa com relação a essa phase de sua vida : «Não h a palavras que possam exprimir nossas angustias, nem eu as tentarei descrever. . . Mais tarde, lá no céu, folga­remos com a recordação destes dias sombrios do exílio».

Ser pobre

A pobreza é das virtudes menos comprehen­didas pelo seculo. Com o rumor dos que buscam enriquecer-se, na soffreguidão com que se procura o conforto, entre a asafama das ambições - não é possível entender a pobreza como virtude,

S.-l.i'>TA TEHFZic;H -\. 1 09

São Francisco de Assis é um louco aos olhos do mundo quando se declara apaixonado pela po­breza.

• • •

Santa Terezinha comprehendeu até muito lon­ge o valor da pobreza. Não foi de uma vez qute ella se apoderou dos segredos dessa sciencia extra­nha, que se oppõe a todos os principias do mundo. Pouco a pouco foi ella penetrando as trévas que sempre envolvem essas verdades profundas. «Sen­do eu postulante - dizia ella - queria ter minhas cousinhas bem arranjadas, escolhidas e que nada me faltasse». Nesta declaração ha exaggero, pois já nesse tempo era notavel seu desprendimento. Mas continua ella : «Jesus supportava isso com pacien­cia . . . » Depois foi ella crescendo no seu espírito de renuncia a tudo quanto fosse conforto ou pa:­recesse tal. Veremos como soube valer-se de cir­cumstancias molestas para gosar da pobresa que se lhe tornava cada vez mais preciosa.

j)obre�a pralica

Com a maior ingenuidade, Terezinha illustra em um singelo facto o que ella dizia de si - isto é que depois de ter recebido o habito religioso, foi sempre mais se despojando de tudo o que é con� forto e affeição ás commodidades.

Estava ella em sua cella, á noite, e dispunha­se a trabalhar bastante. Procura o lampeão para illuminar sua pobre cella e não o encontra.

I I O PETALAt:' DE HO:-iA

Por distracção alguma das suas irmãs o havia retirado. Não podia reclamal-o, pois eBa de fórma alguma queria quebrar o silencio - era tempo de silencio rigoroso. Parece que Terezinha tinha grande motivo para se molestar. Devia ficar uma hora inteira sem poder dar andamento ao traba­lho que contava fazer aquella noite. Outra alma menos virtuosa facilmente se teria deixado trans­portar pela impaciencia e as lamentações talvez nâJoi 'tardassem. Tal não se deu com Terezinha. Ella tinha abraçado voluntariamente a pobreza e ao pobre as privações não podem ser extranhas - privações do util e tambem do necessario. Por isso ella, na escuridão exterior sentiu-se interior­mente em grande claridade e gosou da condição de pobreza a que se viu .11eduzida por aquella hora. Ser pobne é viver nas privações da pobreza. As­sim o comprehendia a nossa Santinha - pelo que a falta de qualquer causa lhe merecia o apre.ço de quem conhece, a fundo, a sciencia de despojar-se da terra para se enriquecer de bens celestes.

})olorosa provação

Nota-se com frequencia na vida dos que se consagraram a Deus um phenomeno extranho.

O chamamento divino ou vocação religiosa para muitas dessas pessoas inspirava-lhes um gosto ac­centuado pela vida a que aspiravam ; o enthusiasmo lhes communicava energias novas. Mas - é o que causa extranheza - nas vesperas da consagração

SA!I:TA TEHEZI:\ IIA I I I

dessas almas ao Senhor, na imminencia, portanto, de se realizar o sonhio afagado por longos annos�. cessa o attractivo para a vida religiósa. Surgem no espírito perplexidades e receios e por vezes o coração refoge sentindo quasi aversão pelo que tão ardentemente anhelára .

• • •

Terezinha na vespera do grande dia por que aspirava com tanto ardor, sentiu a mente invadida pela duvida atroz. la consagrar-se a Deus no dia seguinte, mas foi tal a perplexidade que della se apoderou que pensou em voltar para o seculo, pois pareceu-lhe não ter vocação. Terezinha hu­milhou-se expondo logo á sua Superiora o estado do seu espírito. Foi quanto bastou. Dissipou-se a a nuvem. A pa� voltou ao seu coração e ella poude prelibar as delicias da hora abençoada de sua con­sagração a Deus. T erezinha dá uma explicação cabal desse phenomeno por que ella, como muitas ou­tras almas, passou - o demonio. E' o espírito das trevas que procura impedir a entrega total das grandes almas ao Esposo Divino que as escolheu. Satan, o eterno inimigo do homem, não perde en­sej o para impedir tão nobre acção e para isso, semeia trevas e duvidas nas almas eleitas.

fi profissão

Terezinha fez então seus votos religiosos com immenso gaudio. O que se passou em sua grande

I I 2 PETAL.-\S DE ROSA.

alma nesse dia, só Deus soube. Mas, por um es­cripto que ella de proprio punho escreveu, e trazia sobre o coração, pode-se calcular o que era a sua alma naquelle dia.

Vejamos só as primeiras linhas desse escripto : ((0' Jesus, meu divino Esposo, conservae sem­

pre sem mancha minha veste baptismal. E antes que a manche a mais leve culpa volun­

taria, Senhor, levae-me deste mundo». Naturalmente queria dizer a nossa santinha que,

após a profissão, sentia-se revestida da innocencia que lhe obtiveram as aguas do baptismo ; que ti­nha em tal apreço esse dom de Deus, esse estado feliz que preferia morr·er a manchar mesmo de leve sua bella alma. Mas essa prece foi tambem um programma. Daquella hora em diante a preoc­cupação de Terezinha por manter illibada a sua alma, não cessou mais. O dia feliz dos seus des­posorios com Jesus não teve occaso.

As pessôas que cultivam a piedade muitas ve­zes se sentem abaladas quando lhes cessa a con­solação que ordinariamente acompanha a vida es­piritual ; ahi se patenteia então que muita part:e tinha o sensível, nessas consolações. E casos ha em que o abalo é tão forte que o desanimo se apodera da alma privada de consolações. E' o nau­fragio da piedade porque lhe fatava o cunho do sobrenatural.

SANTA TEREZIJiõHA 1 1 3

. . ..

A T�erezinha não faltou essa provação. Foi muito prolongada a aridez com que Deus quiz pu­rificar a fé dessa alma grande. Ella dizia, com referenda a esse estado de sua alma, que era o somno de Jesus na barquinhà de sua alma. E se conformava plenamente, deixando seu Deus repou­sar por completo emquanto ella penava sem sentir a consolação da sua presença. Mas era tão varonil essa alma, tão retemperada e rica de energias que o abandono divino não lhe tirava a boa vontade de sempre. E na alta comprehensão que ella tinha da verdadeira piedade r;ejubilava-se com ser tra­tada assim fortemente pelo Pae Celestial. Chegava a sentir «immenso praz:er», confessava ella, no meio da desolação em que se ·encontrava. Mesmo sem ter esperança de lograr, nesta vida, dias mais cheios de consolação, clla se· contentava com a esperança de as gosa rno céo : «Pelo que vejo, elle (Jesus)) não acordará antes d o meu grande retiro da eter­nidade ; mas isto não me afflije, pelo contrario - me dá o maior prazer».

:J"Iperfurbavel

Já nos referimos á conformidade e calma com que Terezinha soffria as desolaçõ,es do seu espí­rito pela falta de consolação nos exercidos de pie­dade. Essa conformidade era virtude muito alta e propria dos santos. Terezinha porém não attri­buia tão bellas disposições do seu espírito á vir-

1 1 4 PETALAS DE RCSA

tude, mas á falta que dizia commetter com relação á correspondencia á graça. Nisto sua humildade brilhava com muita luz. Mas apezar do conceito desfavoravel que ella formava de si, nem por isso cahia em desanimo, porque nella a confiança tinha assumido proporções admiraveis - confiança in­fantil e absoluta que lhe era á santidade a nota encantadora, nunca assaz louvada. Para explicar essa disposição do seu espírito ella compara a aridez que a provava ao som no e assim se expressa :

«Penso que as c�eancinhas sempre agradam a seus paes, quer estejam ellas dormindo, quer acor­dadas . . . » e cita as palavras do psalmo 1 02 : <(O Senhor conhece nossa fraqueza e bem sabe que somos um punhado de pÓ».

E' assim que nossa santinha conquistou uma quasi imperturbabilidade na flor dos annos, qua­lidade essa que suppõe um gráu já muito elevado de perfeição - o que quer dizer que ella já tinha percorrido largo trecho do escabroso caminho pal­milhado pelos santos, apezar de. se encontrar ainda nos alvores da sua existencia.

fibaqdono

Ha pessoas que se affligem inutilmente em estudar o futuro, procurando os meios de perfei­ção que julgam indispensaveis para aquella e aquel'­outra phase de vida. Quebram a cabeça em pre­visões de difficuldades e pesquizas de soluções para as mesmas. Esse porvir architectado pela phan-

SANTA TEUEZINHA 1 1 5

tasia tortura-lhes a alma e muitas vezes sacrifica inteiramente o pres·ente. Assim é que o dia de hoje e o d'amanhan veem a soffrer muito pelas preoccupações descabidas do futuro : soffre o pre" sente porque a alma perturbada não pode apro­veitai-o, sobre o futuro porque geralmente as pre­visões falham.

• • •

Com a sabedoria que Deus lhe déra em alto gráu, Terezinha se libertou dessas preoccupações inuteis. Ella entendia que <(a cada dia bastam as suas difficuldades».

Confiava _plenamente na Providencia e esperava que, no futuro, com as provações que surgissf!m, chegariam tambem as luzes e energias do céo.

Assim, escreveu ella estas palavras de pro­fw1da philosophia ascetica : «Mas de uma vez pude notar que não quer Jesus fazer provisões dentro de minha alma ; a cada instante elle me fornece o alimento. . . creio simplesmente que Jesus m'o subministrou. . . inspirando-me tudo o que desejava que eu fi7jesse no momento».

jYas mãos ele :i>eus

Com a facilidade que lhe e ra peculiar de ex­pressar seus sentimentos - Terezinha dizia-se o brinquedo do Menino Jesus.

Com esta expressão, conseguia significar uma disposição admiravel de sua alma - disposição que nascia daquella infancia espiritual que ella tão

I I 6 PETALAS DE ROSA

bem soube cultivar. Offerecera-se ao Menino Deus para cumprir a vontade delle, sem fazer restric­ção alguma. A creança quando se diverte não tem consideração alguma (digamos assim) para com seus brinquedos.

Si é um instrumento de musica, ás vezes o trata como carrinho, como bola . . . ; ás vezes seu prazer é despedaçar o brinquedo. Numa palavra dispõe delle ao sabor de seu capricho.

Terezinha se entrega assim á Vontade Divina e para significar que acatará qualquer disposição, imagina essa vontade com caprichos infantis, · sem attenção alguma para com o objecto que manuseia, si é licito dizer assim. Ora tal cousa só se póde suppôr no caso daquella Vontade pertencer a uma creança ; por isso, ella se põe nas mãos da Divina Creança.

De accordp com essa ordem de idéas, nossa Santinha assim falia do que soffreu em Roma por ver frustrada a sua esperança de consagrar-se logo a Deus. «Em Roma Jesus transpassou a sua bola, para ver, com certeza, como era ella por dentro ; depois, satisfeito com a descoberta, deixou-a cahií no chão e adormeceu. Que fazia elle enquanto dor­mia docemente ? E sua bola que fim levou? Jesus sonhou que continuava a brincar pegando na bo­linha, abandonando-a em seguida, atirando-a para longe, acabando por apertai-a contra o Coração, para que não mais delle se apartasse».

f; A !"TA TEREZINIIA I I 7

Quanta sublimidade de doutrina ! quanto mys­ticismo em linguagem pueril ! Que alma grande em attitude de creança ! Como brinca com suas cruzes, conciliando a simplicidade com as virtudes heroicas da conformidade e correspondencia á Vontade de Deus !

j)elos sacerdotes

Que alta comprehensão tinha a nossa santinha do caracter sacerdotal ! Os escolhidos de Deus para continuadores da obra divina, os sacerdotes, tinham para os olhos de T,erezinha cheios de fé, uma au­reola que os tornava inconfundíveis com os outros homens.

Aliás, os espíritos illuminados pela fé, não po­dem deixar de reconhecer a magestade que Deus empresta ao homem tão mesquinho para tornai-o seu representante na terra e dispensador dos seus thczouros.

. .. ..

A ordem do Carml'ilu da qual fez parte Terer zinha, tem a missão de o ra r pelos sacerdotes. Por isso ella escrevia mais tcrdc {, sua Superiora : «Que bel1:1 vocação a nossa ! A nôs, ao Carmello, cum­pre conservar o sal da terra ! Orações e sacrifícios --:- tudo offerecemos pelos apostolos do Senhor : nós mesmas devemos ser os seus apostolos ao mes­mo tempo que lhes cumpre evangelisar as almas dos nossos irmãos pela palavra e pelo exemplo.

I I 8 PETALAS DE ROSA

Nobre missão é sem duvida a que nos cabe !» Esta grande idéa dos ministros de Deus ella

a concebeu nos seus primeiros annos e quando por dever de carmellita se sentiu obrigada a orar pela santificação delles, foi-lhe apenas mistér con­tinuar com a caridade que já exercitava.

Intelligencia lucida e esclarecida tambem da luz do céo, facil lhe foi, desde cedo, entender o alcance da santidade necessaria a um homem cha­mado ao apostolado. Quiz então á medida das suas forças cooperar para a santificação do clero.

Só Deus conhece o resultado desse trabalho espiritual de Terezinha em favor dos seus minis­tros. Só Elle póde medir as consequencias que d'ahi resultaram em favor das almas que do ministerio sacerdotal devem receber os meios de salvação.

}f as a/furas

Muitas vezes, onde a alma debil encontra a desedificação e se escandalisa, a alma forte se re­tempera e purifica.

A vaidade terrena, o fausto inspirava a Tere­zinha um nobilíssimo sentimento de d esdem pelo mundo. Não a enfeitiçavam as galas mentirosas, mas consolidavam sua firmeza no summo e unico Bem.

* * *

Mettida, ás vezes, na alta sociedade, onde se dava todo o apreço aos títulos nobiliarchicos, no-

SANTA TEREZI:-oHA I I 9

tava Terezinha a grande vaidade do nome que tanto se preza. E com a facilidade espantosa com que jogava com os textos dos livros asceticos e sa­grados, interpretando-os e applicando-os, quasi a brincar, assim ella escreve :

«Compenetrei-me do conselho da lmitàção : Não r:orraes atraz dessa sombra que se chama grande nome (1, 1 1 1 XXIV. 2) . Comprehendi que na alma e não no nome está a verdadeira grandeza. O Pro­pheta nos diz : O Senhor dará outro nome aos eleitos (Is. LXV, 1 5) e em S. João lê-se que o vencedor receberá u ma pedrinha branca na qual está escripto UM NOME NOVO conhecido ape­nas de quem o recebe. (Apoc. 1 1, 1 7) . No céo é que havemos de conhecer nossos títulos de nobreza. Lá cada qual receberá de Deus o louvor que me­rece ( 1 . Cor. IV, 5) . . . E assim, com tão alta com­prehensão das causas de Deus, tão elevada ácima das leviandades terr,enas · - não parecia uma crean­ça, mas pessôa largamente experimentada e ama­durecida em edade.

E o mundo iniquo, como tomado de reverencia por virtude tão solida em uma alma de creança, prestou-lhe homenagem de respeito, quando por im­periosa necessidade ella se encontrava nas reuniões da alta sociedade.

Esposa cleáicaáissima

Um dia Terezinha foi chamada ao locutorio do convento. Era uma sua prima, casada havia pou­co, que lhe foi fazer uma visita.

1 20 PETALAS DE ROSA

Notou a nossa santinha que a sua prima era toda attenções para com o esposo. Isto bastou para que Terezinha se sentisse fortemente estimu­lada a cobrir de gentilezas o Esposo de sua alma, seu adorado Jesus. «Não - protestou ella dentro de si - não permittirei que se diga que uma se­nhora do mundo faz mais pelo seu esposo, que é apenas um mortal, do que eu pelo meu Jesus Amado». Desse momento em diante o fervor de T erezinha cresceu de ponto.

Lendo ella, ·então, o convite de casamento de sua prima, redigiu tambem o convite dos seus des­ponsorios mysticos. E' o interessante bilhete que aqui reproduzimos : «0 !Jeus Omllipotente, crea­dor do céo e da terra, soberano Dominador do mundo e a 0/oriosissima Virgem Maria, Rainha da corte celes tial, tcem o prazer de vos participar o desposorio espiritual do seu augusto filho Jesus, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, com Terezinha Martin, d'ora avante dona e princeza dos reinos que lhe foram doados pelo seu divino Esposo. Da infancia de Jesus e de sua s1l.grada Paixão lbe derivam os titulas de nobreza ; do Meflino Jesus e da Sagrada Face. Tendo sido impossível convi­dar-vos para as festas das Bôdas celebradas, :na Montanha do Carmello a 8 de setembro de 1 890, nas quaes só foi admittida a côrte celeste - pela presente vos convidamos para o banquete

· da festa

que será Amanhã, dia da Eternidade, no qual Je­sus, filho de Deus, ha de appar.ecer entre as nu­vens do céo, em todo o esplendor de sua mages-

SAI'TA TEREZINHA J 2 I

tade, para julgar os vivos e os mortos. Como, porém, a hora é incerta, sois convidados a estar preparados para qualquer momento».

O dia em que nossa santinha se consagrou a Jesus com os votos religiosos foi um dia de ventura ineffavel para ella. A' tarde daquelle dia, contemplando uma nesga de céo estrellado que de sua cella se podia descortinar, sentiu todo o peso da felicidade que N. Senhor lhe concedia. As scintillações das estrellinhas lhe pareciam acenos que a convidassem para a ventura infinita. Ella esperava «breve levantar o vôo para o céo» onde havia concentrado seus thesouros e suas affeições todas. O pensamento da morte lhe era então so­bremodo doce - tão viva era a esperança de en­trar logo na posse do eterno bem. foi assim qu·e N. Senhor, mesmo nesta pobre terra, quiz ir re­numerando a generosidade com que nossa santinha se entregára a Elle numa total abnegação de si mesma.

Não creiamos, porém, que a cruz tenha desap­parecido dos caminhos floridos dessa alma privi­legiada. Mas as provações nunca lograram extin­guir-lhe a felicidade essencial que reside especial­mente na paz e «no fundo do calix (das amarguras) encontrava a paz, sempr·e a paz» declara ella pro­pria. E' um mysterio de Deus - mas é um facto : os santos sentem a felicidade dentro da dôr.

1 2 2 PETALA S DE fWSA

l/117a hei/a 117orfe

Não sei si o leitor já assistiu a alguma morte. Ha pessôas que chegam a uma edade bem adean­tada sem terem presenciado esse espectaculo da morte de um seu semelhante.

* * *

Terezinha até os desoito annos de edade não tinha visto pessôa alguma expirar. A primeira mor­te a que ·esteve presente foi a de uma

. santa.

Santa, podemos, na verdade, chamar á Madre Genoveva de Santa Tereza, religiosa de virtudes eximias, fundadora do Carmello de Lisieux. Feliz Terezinha que logo, á primeira morte a que as­sistiu, poude admirar a victoria da graça de Deus que consumava, de modo magnífico, o sacrifício de uma vida toda votada á gloria d'Elle.

O -. fructo espiritual colhido por Terezinha ao tombar dessa arvore que, plantada no Carmello, cmbalsamára a Ordem toda com o perfume de suas hcroicas virtudes - foi um fervor todo novo para as ascençõcs de sua a lma, rumo ao céo.

Notára nossa santinha que a ultima lagrima da veneranda Madre não chegou a lhe rolar pela face. Tomando então de um lenço ou causa se­melhante nelle embebeu aquella ultima lagrima. Como reliquia preciosa da veneranda Religiosa o lenço foi cuidadosamente conservado por Santa Te­rezinha.

SA � TA TEREZINHA 1 2 3

Seu }liesfre

No inicio da vida religiosa, tão nova ainda, era entretanto já provecta nossa Santinha. Tinha corrido tanto pela estrada da santidade que já to. cava o extremo final quando se poderia suppôr que estivesse ainda no inicio da caminhada que sóe ser tão longa e penosa. Peroebe-se o estado de grande adiantamento do seu espirito pelo facto de . já dis­pensar livros e mestres, bastando-lhe seu Jesus tão só.

Ouçamol-a : «Entendo e por experiencia o sei : o reino de Deus está dentro em nós (Lucas 1 7-21 ) . Jesus não tem necessidade de livros nem de dou­tores para instruir as almas ; elle é o Doutor dos doutores e ·ensina sem o ruido das palavras. Nun­ca lhe ouvi a voz, entretanto tenho a certeza de que elle está ·em mim . . . » Ahi está o segredo do seu viver todo sobrenatural. Encontrava-se bem cêdo com o Divino Mestre que lhe saciava a sêde ar­dente de justiça. Ditosa discipula de tão grande Mestre. Elle a guiava pela mão para os pincaros da perfeição e tão docil o seguia, que não a mar goavam as arestas das escarpas por onde subia.

Os sonhos são como um echo do ruido que, no correr do dia, ouvimos. As imaginações po­voadas de impressões sinistras teem o somno per­turbado pelos phantasmas negros do pavôr.

1 2 4 PETALAS D E ROSA

A alma de Terezinha era tão elevada que a poesia mais pura a enchia de encantos e harmonias.

Seus sonhos, portanto, haviam de ser tambem tecidos de luz e suavidades. Ella mesma dizia que habitualmente sonhava com flor·es e ondas, com creancinhas a correm ao encalço de borboletas e passarinhos.

Certa vez teve ella um sonho que muito a consolou. foi pouco depois do fallecimento da Ma­dre Oenoveva, a santa carme1lita a quem vene­rava. Pareceu-lh e ver a saudosa Madre a distri­buir lembranças pelas outras religiosas ; já nada mais havia para dar, tinha as mãos vazias e Te­rezinha causa alguma recebera. Nossa Santinha fi­cára esquecida ? Não. Por tres vezes lhe disse a su'periora : «A' minha filhinha deixo o meu coração».

Verdade é que Terezinha não dava aos sonhos mais valor do que elles teem . Mas era um facto a estima que a veneranda Superiora dedicava á jovem carmellita, já tão prov·ecta em virtudes .

Creaqça espiritual

Disse uma vez o Divino Mestre : s i vos não tornardes como as crcanças, não entrareis no reino dos céos.

Terezinha não deixou que taes palavras o vento as levasse. Guardou-as com carinho dentro d'alma, fez dellas norma de sua vida, traduziu-as em seus actos.

SA!'iTA TEREZl;'-;llA 1 2 5

Ella foi uma treança em toda a sua existenc:ia. A ingenuidade, a innocencia, a confiança illimitada, a docilidade - esse conjuncto encantador que fórma o ooração infantil - isso era T,erezinha. E toda essa simplicidade em perfeita harmonia com a pru­dencia, a

· firmeza e a visão clara das co usas, deu­

nos esse ptimor de virtude - a santinha de Lisieux .

• • •

E a fragrancia dessa violeta foi tão intensa que o claustro não a poude conter. T�escalou pelo mundo inteiro como onda avassaladora, irresistivel.

Ha homens que viv,em num esforço perenne de conqui�ar celebridade. Applaudem-se a si mesmos, compram homenagens a qualquer preço, sobem os degráus de maior evidencia para chamar a attenção do mundo. Conseguem {ts vezes um rumor ephemero que nem sempre lhes espera a morte para desap­parecer no silencio absoluto.

Terezinha ,escondeu-se quanto poude. Envolveu em uma estamenha suas prendas phisicas, escon­deu-se no retiro do Carmello, renunciou a todas as aspirações da terra. Mas quanto mais tentou occul­tar-se e anniquillar-se, mais a gloria jurou cele­brizai-a.

As graças da infantilidade sublimadas pela san­tidade de Terezinha podem explicar, até certo pon­to, a sympathia mundial que vem intensamente au­reolando a sua fronte.

1 2 6 PETALAS DE ROSA

E' possível que, para essa sympathia, haja um factor mais influente ainda : o querer Deus confun­dir o orgulho do seculo com toda a sua petulancia, mediante a ingenuidade infantil da angelica Car­melita.

fi escripfora -

Ficou celebre a phrase �<o estylo é o homem». Hade-se concluir então que si o homem tiver es­tylo, neste se hão de reflectir as vibrações de sua alma.

• • •

Que dizer então do estylo da santinha de Li­sieux?

Sua alma era tão rica de vida, tão vibratil, sentia tão fortemente o bello, era tão pura e recta, tão firme e tão meiga !

Pois quem não percebe tudo isso nos escriptos de Terezinha? Sua prosa é uma continua poesia. Em suas cartas, encontra-se a cada passo uma surpreza, uma idéa nova ou ao menos vestida com graça invulgar.

Si uma creança de poucos annos, sem nada perder da sua naturalidade, da sua ingenua vivaci­dade, adquirisse cultura e penetração - poderia escrever como Terezinha.

O nenhum esforço com que ella expressa seus pensamentos, a onda de poesia que a arrebata, a propriedade das imagens, a despreoccupação de

SANTA TEREZINHA I 27

agradar, o conjuncto indefinível das louçanias que lhe formam o estylo unico - faz de seus escriptos uma leitura gratissima .

• • •

Reconhece a mesma santa poetisa carmelita que Deus lhe déra grande facilidade para transferir seus pensamentos para o papel. Vêde quanta graça neste simples pensamento de uma das suas encantadoras cartas, em que se patenteia a grandeza de sua aí­feição á Santíssima Virgem.

«Sabeis, ó minha Mãe querida, que eu me sinto mais feliz do que vós ! Eu vos tenho por Mãe e vós não tendes como eu uma Virgem Santa para amar».

fimor e temor

Sempre se ensina que o amor de Deus é mais efficaz do que o temor, no aperfeiçoamento das almas. Mas a doutrina é pouco comprehendida. Tal­vez porqtlle as almas vulgares sentem mais o te­mor de Deus do que o amor para com elle. Deus - punidor dos crimes - faz-se talvez mais sensivei, ao homem terreno e, por isso muitas vezes os peccadores se penitenciam movidos pelo temor. Mas as almas que sabem amar a Deus encontram estí­mulos immensamente mais influentes para se emen­darem no amor a Nosso Senhor.

I 2 8 PETALAS DE fiOSA

Santa Terezinha poderia ser apresentada como exemplo typico nessa questão. Sua bella alma tinha penetrado já bem dentro no amor a Deus ; estava pois em condições de esperimentar a força sug­gestiva dessa dynamica celeste. O amor communica­va-lhe energias taes que o «impossível» recuava suas barreiras para as regiões em que as collo­cava o omnia possam do apostolo. Assim deixou ella escripto : «é de tal natureza a minha indole que o temor me faz recuar e, com o amor, não só avanço e corro, mas chego até a voar». E voava, de facto, nas azas da confiança que o amor lhe inspirava. E foi-lhe o s·egrêdo da vida - amar muito e nessa onda deixar-se transportar para as plagas inacccssivcis ás paixões terrenas.

Soli J)eo

Ha pessoas que desejam com avidez alguns dotes naturaes, como intelligencia, bôa memoria, habilidade para esta ou aquella arte etc. Chegam mesmo a pedir a Deus com insistencia esses dons. mas não são attendidas - porque? Para muitos, esses dons que fazem sobresahir, que arrancam ap­plausos ,e lisonjeiam - s·eriam presentes fataes. As almas que se envaidecem com facilidade, que se tornam orgulhosas, quando se reconhecem prenda­das, n ão sabem quanto mal desejam a si mesmas, quando ambicionam qualidades que brilham .

• • •

�A!\TA TEHEZl:'\IIA 1 2 9

Nossa Santinha - coração de admiravel con­textura - quanto mais era enriquecida dos dons do céo, mais reconhecia que só Deus é perfeito e digno de louvores. Nem os elogios dos homens a inebriavam, nem o reconhecimento que tinha, por consciencia propria, das prerogativas que Deus lhe concedêra, na ordem natural como na sobrenatural, nada a inorgulhava.

Ella mesma rcconllecia essa felicidade do seu espirito que tão bem encaminhava para o Autor de todo o bem, os meritos que outros ou ella mesma reconhecia em suas faculdades.

Como os espelhos, que, quanto mais tersos mais reflectem a luz recebida, sua alma, á medida que mais pura se tornava, melhor canalisava para Deus os louvores que, á primeira vista, a ella eram devidos.

Só quer o sobrenafural

Manifestou Terezinha que sentia tres grandes desejos : 1 .0 - o de poder repmduzir na tela os traços e cores, como sua irmã Celina, com arte singular, sabia fazel-o ; 2.0 - _o de fazer versos ; 3.0 - o de fazer o bem ás almas. Apezar de tão innocentes e honestos esses desejos, como lhe pa. receram naturaes - não os quiz pedir a Deus. Ella queria que seu coração só cultivasse o sobrenatural.

Mas Deus quiz conceder-lhe tudo isso. Ella fez bellos trabalhos de pintura, poesias de grande inspiração e 'derramou o bem, em grande escala,

P I· TALAS li E 1-\0�A

em redor dê si. Ella mesma reconheceu que Nosso Senhor lhe satisfez os íntimos desejos e por isso recordava o caso de Salomão e como elle - dizia - reconheceu a futilidade dos bens terrenos, pois apezar de sentir suas aspirações satisfeitas, só achou a felicidade no viver escondida em Deus.

E como sabia nossa Santinha passar do que é terreno ao sobrenatural ! Vencendo-se constante­mente, adquiriu tal superioridade sobre os bens caducos da terra, que não parecia já viver na es­phera das cousas ephemeras. As aspirações mais innocentes eram recalcadas em sua alma desde que lhes faltasse o cunho do sobrenatural. Não lhe bas· tava o bom, queria o optimo.

fi'"liga das flôres

]á conhecemos o temperamento de Terezinha no que elle · tinha de vibrante pelas bellezas da obra de Deus - a natureza. As flôres, por exem­plo, eram um encanto para ella. Quando vinha che­gando a primavera com a profusão das suas côres e perfumes, ella sentia a necessidade de viver para contemplar as maravilhas de Deus. Para urna alma de creança assim apaixonada pelas flôres, foi sa­crifício bem grande a renuncia que ella fez do innocente praz·er, ao fechar-se no Carmello.

Mas - faz notar ,ella mesma - quando N. Senhor lhe pe�ia um sacrifício bem cedo lh'o re­munerava. Quantas vezes seu Divino Espos-o re-

8A1'TA TEHEZl:';JIA I 3 I

cebia os prazeres a que ella renunciava para logo centuplicai-os em seu favor ! _

«Nunca tive tantas flores como depois da mi­nha entrada no Carmello» dizia. E as flores de sua predilecção, como as boninas por exemplo, não lhe faltavam para o adorno do altar de Deus. Ha­via, porém, uma florzinha mimosa - a nigella dos trigaes - da qual muito gostava Terezinha, que não havia ainda apparecido no Convento para re­crear a piedosa Carmellita. Um dia appareoeram-lhe as queridas nigellas com seus tons azulados, com suas petalas a imitarem taças. Que alegria infantil e pura para o coração de Terezinha ! Ella se sen­tiu transportada de gratidão para com Deus que - exclamava ella - pas cousas pequeninas como nas grandes, mesmo neste m\Jil)do, dá ás almas que tudo deixaram por seu amor, o cento por um.

· Saqfo varão

Na vida do claustro, o amor dos filhos para com seus paes não arrefece : purifica-se, sobrena­turaliza-se e cresce. Isto se observa muito clara­mente na vida de nossa Santinha. Lá no Cannello, era ella sempre a mesma filha amorosa, em cujo coração seu venerando pae tinha sempre viva a chamma de uma affeição muito sincera. Nem sa­bemos si houve ainda coração de filha tão dedicado e extremoso. Já ,era um culto de veneração, o que lhe tributava Terezinha, semelhante sinão iden­tico ao que se tributa aos Santos. Realmente era

PET.-\LAS llE l{OSA

excepcional a virtude do Sr. Martin ; offerecia, de facto, margtm aos conceitos mais elevados. Mesmo sem os enthusiasmos do amor filial, justificavam­se muito bem taes conceitos.

A mesma amorosa filha nos refere as seguintes palavras do Snr. Martin :

<(Minhas filhas, cheguei de Alençon onde re­cebi grandes graças e consolações na egreja de N. Senhora. Foram taes e tantas, que orei assim : Já é de mais, meu Deus ! Sim, sou feliz em1 elX­cesso e não se póde, assin;, entrar no céo. Quero soffrer alguma cousa por vosso amor. E me offe­reci. . . » E ella commenta assim essas reticencias :

Morreu-lhe, nos labias, a palavra victinza que ellc não teve · coragem de pronunciar, em nossa presença. Mas nós a tínhamos advinhado.

Um encaqfo !

O Menino Jesus é todo ternura e affabilidade. Ninguem póde quedar-se indifferente á vista dessa creança tão linda e meiga.

E quando pensamos que nessa meiguice se esconde o eterno Amor ! E quando nos parece ver naquelles olhinhos de candura um reflexo da Bel­leza increada ! E quando no balbucio encantador daquella vói suave ouvimos um echo do Verbo creador ! E quando aos primeiros passos do Me­nino que cambaleia, mal se sustendo de pé, pen­samos em Jehovah no meio dos relampagos ! ou

:-: .\ N T .\ TEH EZ IJ\IIA

no Espírito que pairava sobre as aguas do prin­cipio do mundo !

.. . .

Para T erezinha o Menino Deus era um céo na terra. Com que ternura o amava ! Quiz ser toda delle e chamou-se «do Menino Jesus». Seu cora­ção infantil sabia facilmente e ncontrar o coração do Deus Menino, como sabia bem e ntender os mo­nosyllabos mal articulados da Creança Divina. Nem todos sabem fallar ás creancinhas, nem todos sa­bem captivar-lhes o coraçãosinho e inspirar-lhes con­fiança. O Menino Deus tambem é assim e nem to­dos logram privar com elle ; nem elle prodigaliza a todos seus affagos e carinhos. Terezinha conhe­cia o segredo de captar as carícias do seu Jesus. E o segredo estava na simplicidade infantil com que se approximava d'Elle. lnnocente e meiga, pura e humilde ella não podia amedrontar a Creança de Belém.

.. ... .

Quereis conhecer a affeição que ella Therezi­nha dedicava ao Divino Infante? Lêde-lhe estes ver­sos :

«Ao ver-vos, meu Jesus, deixar da mãe os braços E com seu terno auxilio

Tentear vacillando uns mal seguros passos Em nosso pobre exílio :

Quizera desfolhar, Amor, pelo caminho, A mais purpurea rosa,

I J 4

De sorte que esse pé gentil poisasse de mansinlhüj Sobre uma flor mimosa.»

E ella sempr·e a desfolhar rosas . . .

.;Yada recusou a :õeus Feliz a pessôa que ao terminar o dia, antes

de recolher-se para dormir, pód·e dizer comsigo mes­ma : hoje nada recusei a Deus. feliz sim, porque não se póde imaginar cousa mais agradavel ao Senhor do que o cumprimento da Divina Vontade, nem tampouco maior proveito para a nossa alma do que esse cumprimento dos d esejos de Deus. Si porém alguem pudér dizer no fim da sua car­reira mortal, antes de dormir o eterno somno -na minha vida eu nada recusei a Deus - então não sei que ventura será a dessa pessôa.

Pois, com assombro, ouvimos essa declaração dos labias de Terezinha. Ella confessa que, desde a edade de tr.es annos, nunca 11ecusou a Deus cousa alguma. Note-se que essa candida alma tinha os ouvidos sempre attentos ás vozes intimas da ins­piração. Delicadissima de consciencia, lhe era facil discernir entre o que de preferencia Deus exigia della. Pautam-se muitas consciencias pelas prohi­bições, no seu procedimento -- o que quer dizer : em­quanto lhes não prohibe Deus este ou aquelle acto julgam-se em perfeita liberdade de acção. Não as­sim as almas sedentas de perfeição : deixando mui­to longe as muralhas da prohibição, cingem-se ao mais perfeito. As preferencias de Deus são para

S A l'i TA TrCHEZl:\liA. I J S

estas objecto de constante estudo afim de que a Vontade Divina não soffra recusa alguma.

Tal era a candida creança a qual procurava advinhar o que mais contentaria ao seu Pae Ce­leste. Cresceu em edade e em delicadeza. Conhe­ceu gradações subtis ,entre o bom e o melhor, e mesmo assim poude dizer que nada recusava a Deus. Não deixou i rrealizado, pela parte que lhe tocava, um só desejo de Deus .

.Ciqhas recfas

Virtude rara é, sem duvida, a simplicidade. Deus, o Summo Bem, é totalmente simples. O per­feito é sempre simples. Como qualidade moral no homem, a simplicidade é um reflexo dessa per­feição divina.

Na creança, a simplicidade é natural. Dimana da innocencia que não sabe fingir. Por isso que não tem culpa a creança, não sente a necessidade de simular. Suas intenções são rectas, desconhecem a dobrez. Sua palavra traduz sempre o pensamento, não sabe empregar o subterfugio. Não teme com­prometter-se e por isso confia muito. Reconhece a propria fraqueza, razão porque nãó desdenha a pessoa alguma. Tudo espera de seus paes, pelo que o futuro não a preoccupa. Não sabe enganar a ningu.em e assim não suspeita dos outros. Seu riso é sempre sincero porque lhe traduz fielmente a expansão da alma. Não ha fraude no seu olhar,

l'ET A L A S l l )•; R U;.:A

:-�em traição em seus acenos, nem attitudes dubias no seu porte. Tudo alli é lisura e lealdade.

"' "' *

Em Terezinha que sempre foi sobrenaturalmente infantil, a innocencia pela graça a revestiu desses encantos, mas particularmente nobilitados.

Creança até aos 24 annos, tão candidamente se havia neste mundo de fallacias que mais pa­recia um anjo. Angelicas, de facto, eram suas ma­neiras, angelica sua conversação, angelica sua mes­ma pessoa. O anjo e a creança se parecem. Sim­ples como a luz, recta como os raios luminosos, bella como a claridade, sua alma parecia irradiar graça e innocencia.

Como é torpe a mentira e a dobrez ! Como s ão formosos os espíritos rectilineos que sempre conservam o frescor da infancia e o encanto <.ia innocencia !

fi enfermeira

Não se cuide que a vida de nossa santinha fosse um constante mar de rosas.

Pelo fim do anno de 1891 uma provaçã,o do­lorosa visitou o Carmello de Lisieux. A grippe, ein fórma epidemica e ·em caracter violento atacou as CarmeJlitas. Terezinha foi tambem accommettida do mal, mas não muito gravemente, de modo que ficou como enfermeira e prestou abnegados ser­viços. Ella assim descreve aquella quadra dolorosa :

:-; A fliTA TEREZl.KHA

'<Em toda a parte reinava a morte e apenas uma irmã acabava de expirar era forçoso abandonai-a immediatamente». Assim passou de um leito de dôr a outro fazendo prodígios de caridade. Entretanto ella confessou que se sentia consolada vendo a placidez com que suas i rmãs de habito terminavam seus dias.

Para se sustentar no meio dessas amargura s por que passou, ella conhecia um segredo - a Communhão quotidiana. Assim explicou ella o con­forto que sentia no meio daquella provação. E julgava-se immensamente feliz em poder commun­gar frequentemente, quando suas irmãs quasi to­das, detidas pela ,eníermidade, ficaram muito tem­po privadas do dom ineffavcl da Santa Communhão.

ClarivideTJCia

Tcrl'zinha commentou, com habilidade rara, va­rias textos sagrados. Assim, com uma naturalidade espantosa, sem ella mesma talvez perceber que es­tava discorrendo magistralmente sobre assumpto .bem profundo, analysava com extrema facilidade. Ella sentia em si mesma, muitas vezes, a verdade que seus olhos liam nos livros. Por isso lhe era pa­tente o sentido intimo, para outros muito recon­dito, de certos passos do Evan_gelho, do Cantico dos Canticos, do Apocalypse, dos salmos, das cartas de São Paulo, de varias livros do Antigo Testa­mento. Ella cita com grande facilidade todos esses livros como conhecedora do terreno que era. A

PET.\ L ... S llfo: B o:-;.\

lucidez da intelligencia, o habito da reflexão, as luzes que obtinha de Deus - tudo concorria para a formação do seu bello espírito .

• • •

Com referenda á phase de progressos mais rapidos e decisivos de sua vida espiritual a nossa Santinha cita estas palavras de Jesus referidas por São Lucas : «A todo o que tiver se lhe dará e terá mais».

Ella encontrou em si a applicação viva desse texto. Pois, dizia, por uma graça á qual eu cor­respondia com fidelidade, Deus me concedia nu­merosas outras.

Comprehendia perfeitamente que a correspon­dencia aos favores do céo é a chave dos grandes thezouros. E á medida que a g-enerosidade da cor­respondencia cresce, multiplica-se a liberalidade di­vina. Nada lhe custava . entender essa doutrina por­que dentro de si executava-se essa lei ; e lia percebia claro que a miserico rdia divina crescia em pro­porção ultrageometrica, na razão directa da sua correspondencia.

filma eucharisfica

E' tão sublime o mysterio da Eucharistia que tudo quanto se relaciona com elle, s·e reveste de grandeza e santidade. Os vasos sagrados, as al­faias, e quanto proximamente se destina ao culto eucharistico merece-nos veneração e carinho. O pro·

8 A :\'I'A TFH E Z ! N J L \ 1 3 9

prio Deus determinando na Antiga Lei, com tan­tos pormenores, tudo quanto se devia preparar para o culto religioso, claramente significou a grande importancia em que EUc tem os utensilios sagra­dos. Entretanto esse culto antigo se limitava, em grande parte, á pr·efiguração da Eucharistia .

. .. .

Si é a fé que inspira reverencia pelo culto sagrado, Terezinha devia ser uma alma toda pe· netrada de veneração pelos actos religiosos e por tudo quanto se emprega nesses actos. De modo particular a vemos cheia de solicitudes quando lhe competiam os preparativos para os actos eu­charisticos. Com que respeito tocava as ambulas, o calice para o sacrifício, os linhos que se empre­gam na celebração da missa ! Ella mesma si esti­mulava ao fervor para se tornar digna de servir assim de perto aos Mysterios Eucharisticos e, com frequencia, repetia as palavras de David : «Puri­ficae-Yos, vós que levaes os vasos do Senhor».

Tudo isso era uma simples manifestação da vida de intimidade que ella mantinha com o seu Deus, no interior de sua alma.

fi Sagrada Face

A nossa Santinha era não só do «Menino Je­sus», mas tambem da «Sagrada Face». Parece ex­tranha a principio a escolha desses dous sobrenomes. Uma devoção especial pela Sagrada Face de Jesus,

J 4 0 PETAI.At:' l l E l:OSA .

não é cousa tão commum. Para Terezinha, o Rosto adoravel de Jesus tinha os encantos que se desco­brem á fé. Era .o semblante do mais bello dos filhos dos homens, que ora se illuminava aos fulgores do Thabor, o ra se obumbrava com as trevas do Calvario. Ora, ella se sentia inundada pelo <<Sol Radioso de sua Face adoraveb ora se sentia en­volta na dôr «a exemplo de Jesus queria seu rosto, ficasse velado a todos os olhos» .

.. . ...

Uma pedra amorpha e sem brilho, uma folha secca - são causas desprezíveis aos olhos vul­gares ; mas o naturalista póde descobrir ahi muitos encantos. A face de Jesus, lívida, macerada, cheia de contusões e de sangue, era para a santa Reli­giosa um abysmo de amor, onde ella sabia ler os poemas mais commoventes da Bondade infinita. Allí, como num espelho ella via reflectir-se toda inteira a dor immensa que redemiu a humanidade.

E no olhar profundo, divinamente expressivo que illuminava a Sagrada Face ella decifrava ra­zões que os homens buscam, em vão, com os ora­cuJos da sciencia.

O amor, sob o aspecto de caridade fraterna, toma formas variadíssimas ,e desce a finezas que não poderiam ser inspiradas por nenhum sentimento

SA:STA TEREZI/';IIA 1 4 1 ______ ___:_

humano. Ha pequenos obsequios altamente uteis ao proximo que entretanto ella gosará, sem dar por isso.

Parecer-lhe-á natural ou fortuito o beneficio que encontra preparado por mão ignota. Si meu irmão se esquece de cumprir um seu dever e a omissão lhe vae ser grandemente nociva, eu lhe prestarei

_ optimo serviço supprindo-o, fazendo por elle aquelle dever.

E si eu o fizer de tal maneira, que elle ne;m mesmo venha a perceber que havia omittido o tal trabalho, não poderei · contar com agradecimento algum, mas minha caridade assume então delica­deza extrema.

T erezinha explorou, digamos assim, esse ge­nero de caridade delicadíssima. Suas i rmãs de ha­bito não podiam adivinhar que fosse ella auto ra de innumeras finezas de que fruiam sem perceber,

muitas vezes.

Ella se contentava com que Deus conhecesse as dedicações occultas que lhe custavam sacrifícios nem sempre leves, mas muitas vezes despercebidos. E ha serviços que, prestados ostensiYamente, hu­milham ; é então finíssima caridade fazel-os sem ferir, s iquer de leve, o amor proprio de quem delle::1 precisa. Para Santa Terezinha que tanto amava ao seu Jesus, era muito grato esse genero de aposto­lado humilde que olhos humanos não podiam pre• judicar.

142 l'ETA LAS J ) �; HOSA --�--------------

.:11 viela ela graça

Segundo a doutrina da Egreja a vida da alma é a graça santificante.

Quem possue a graça vive espiritualmente, go­sa da amizade de Deus; tem direito ao céo. E só póde ter a certeza de se salvar quem estivér certo de estar em graça. Ensina tambem a Egreja que essa graça se extingue na alma pelo peccado mortal. Assim é que se ,explica por que razão é considerada a culpa mortal a maior de todas as calamidades, pois attenta directamente contra a nossa vida eterna.

• • •

Que grande não foi o contentamento da nossa Santinha ao ouvir do seu confessor - venerando sacerdote, prudente e sabio - que o peccado mortal ella nunca o havia commettido !

Poucas almas como a de Terezinha podiam aquilatar a felicidade de guardar illibada a innocen­cia baptismal.

E só o pensamento de que jamais havia amar­gurado gravemente o coração de Deus - era para cJla uma fonte de_ ineffaveis prazeres .

.f/mar â paz.

Porque razão se tornou tão popular, em tão breve tempo, nossa santinha? Pensamos que pa ra isso concorreram varias factores preordenados pela Providencia. Muito ha de ter concorrido o caracter

� A :\ T A TEI: EZ l :\ 1 1 !1. 1 4 3

digamos pacifico da sua santidade. Desprende-se de toda sua vida uma fragancia de paz tão suave e doce, que nos enleva.

Nós amamos a paz ; sentimos necessidade desse repouso intimo, dessa segurança que nossa alma busca no meio intranquillo em que vivemos .

• • •

Veneranda Carmellita do Convento de Lisieux, após uma existencia rica de meritos, vivida na pra­tica Q;!s mais austeras vi rtudes, ao findar seus dias, quiz deixar a Terezinha - a qual começava a vida religiosa -:.\um mote que a guiasse no cami­nho espiritual. Disse-lhe então : «Serve a Deus em paz e alegria ; lembra-te filha minha, que Nosso Deus é o Deus da paz». Nenhum pensamento po­dia traduzir melhor o conceito que nossa santinha formava da vida religiosa e do Deus a quem se consagrára.

Era isso mesmo que ella sentia dentro de si. Sentia que o Senhor lhe pedia uma confiança illi­mitada, dentro da qual sua alma havia de viver como em seu elemento. Ella, como a pomba do diluvio, devia ser portadora de um ramo verde de oliveira. Esperança e paz ! Em sua vida breve ella se enriqueceu desses dons ineffaveis e hoje os derrama pelo mundo .

.CagriiTJaS que sorriem

Quem visse sempre a sorrir a santinha de Li­sieux, quem lhe ouvisse a palavra calma e doce,

PETALA8 DE HO�A

de certo a tomaria por uma alma immune de qual­quer soffrimento. Entretanto si ella devia ganhar o céo, não lhe podiam faltar cruzes. Ha muito mysterio naquelle sorriso que perennemente espa­lha\·a a doçura e a paz no semblante dessa crea­tura. Sorriso que esconde lagrimas, sorriso que se­pulta um mar de angustias.

Como é bella a cruz assim toda revestida de flores ! Si a tempestade ruge dentro d'alma, o sor­riso, como aurora amena, dissimula a inquietação e transpira bonança. Mas quanta virtude é neces­saria para converter uma só lagrima em um sor­riso ? !

.. .. .

Na vida de Terezinha que deslisou como cal­mo arroio por entre flores, não escapam ao obser­vador as asperezas do leito escondidas pela man­sidão das a·guas. Aguas boas e silenciosas - as pedras que vos rasgam o seio não se veem á tona, nem o borborinho queixoso se faz o uvir. A missão da meiga corrente é alegrar, fazer o bem ; suas dores ficam lá para ella sosinha .

• • •

Assim foi a existencia da santinha de Lisieux. Só Jesus pode saber quantos espinhos se escon­diam entre as rosas que pareciam alcatifar"lhe os caminhos.

I' A !'."TA TEkEZI:\!lA I 4 5

Mas com que graça ella os sabia occultar ! Folgava com a cruz que lhe pisava os hombros, para que só J esus fosse testemunha do seu penar. Dessa fórma se exprime : ((Minha Madre, estou pro­fundamente commovida com as delicadezas de Nosso Senhor . . . » Era uma phase de grande soffrimento dos seus ultimas dias.

Vicli"'a origi'lal

Parece que nada se aprecia tanto em Iittera­tura como a originalidade.

Todos têm pavor (os de bom gosto - enten­de-se) da rotina ; acha-se insupportavel tudo quanto é figura sediça. E quando falta a originalidade, dis­farça-se quanto possivel a expressão batida ou a idéa repisada.

A vida de Santa T erezinha lê-se tambem pelo merito litterario. Ha profunda poesia naquellas pa­ginas. Mas sobretudo ha muita originalidade em todas ellas. Foram escriptas s·em a mínima pre­occupação litteraria e talvez por isso mesmo agra­dam immenso. Na vida dos santos ha muitos ca­sos de victimas que se offerecem á Justiça Divina. Na vida de Terezinha quando se vê o zelo que a inflamma pela gloria de Deus, quando se emita já com uma victima a pedir á justiça Divina que descarregue sobre ella os golpes merecidos pelos peccadores para desagravar a Deus infi ni tamente

PETALAS DE ROSA

justo - Terezinha se offercce como victima . . . não á justiça, mas ao Amor. E para isso argumenta admiravelmente : «Si a vossa j ustiça, cuja acção se limita á terra, quer ser desarmada, quanto maior razão tem para inflammar as almas vosso amor ;á que vossa misericordia se desdobra até no céo (Salmo 35-6) !

JYliiT/OS ?

A superiora de Terezinha no Convento de Li­sit!ux era conhecedora dos caminhos de Deus e sabia guiar por elles as almas. Convencida estava portanto, de que na humildade devia ella culti\'ar a alma de escol que Deus lhe confiára, entregan­do-lhe Terezinha. Apezar de lhe querer muito bem, humilhava-a constantemente, digo mal : por isso mes­mo que muito bem lhe queria, constantemente a humilhava.

Mas nossa Santinha recebia toda essa provação dolorosa com tanta submissão, tanta naturalidade e bom animo que suas irmãs do habito não cui­davam que ella soffresse. Pelo contrario : chegaram a suppôr que a Superlora a tratava com nímia be­nevolencia ; era ao menos tida em conta de muito mimada.

Nisto, Terezinha foi sempre habilíssima : em esconder seus sacrifícios, suas austeras virtucles sob apparencias enganadoras. Mais tarde, ella agrade­cia, de toda a alma, á Superiora ter sido sevéra para com ella, não a poupando ás humilhações;.

SA:'\iTA TEREZI:-IHA 1 47

Nesse tempo a Superiora, naturalmente Ja conhe­cendo a humildade profunda da jovem freira, iai· ciou um regimen diverso, tratando-a com demons· trações de particular bondade.

{) jtlesfre iqvisivel

No Evangelho de São Lucas (capitulo 1 7, vers. 2 1 ) ha esta expressão : «regnum Dei intra vos est». Sua traducção mais natural, levando-se em con­sideração o contexto, parece ser : o reino de Deus está ,entre v6s.

Mas Santa Terezinha assim o entendeu : «o reino de Deus está dentro de vós». Si ella tomou ou não a expressão do Evangelho no seu verda­deiro sentido não monta ; o que agora nos importa é apreciar o commentario que ella faz sobre o texto consoante o sentido que lhe deu. «Jesus -diz - não tem necessidade de livros nem de doutores para instruir as almas ; com effeito elle é o Doutor dos doutores e como tal ensina sem o ruido das palavras. Nunca lhe ouvi a voz : entre­tanto estou certa de que elle está dentro de mim. Sei que a cada instante elle me guia e inspira e consigo luzes desconhecidas por mim, precisamente nos mo:nentos em que me são necessarias».

Supponhamos que ella tenha interpretado mal a expressão do Evangelho ; mas que feliz engano ! Sem e Ue não teriamos tão bella revelação do es­tado interior dessa alma que sentia a Deus dentro

1 48 PF.TALAS DE ROSA ---------------------------------------

de si e caminhava na luz da Eterna Verdade que se lhe projectava abundante na estrada da vida.

O Evangelho

Para a alma superior de Terezinha não era qualquer livro, mesmo dos melhores, que servia.

Lá andava ella por culminancias tão elevadas, posto que se referiss·e sempre á sua alma com linguagem infantil, que as leituras communs não logravam entreter-lhe o espírito. Eram leituras de bons autores mas escriptos para almas vulgares ou menos invulgares do que a d'ella.

Um livro que conseguia absorver o espírito de nossa santinha - era o Evangelho. Era o livro da sua predilecção. Oh ! o Evangelho ! Quanta luz naquellas paginas. ! E' a verdade qu(e se bébe na leitura do Evangelho como em sua fonte.

As narrativas cheias de poesia e ensinamento. E as palavras de Jesus? Quanta efficacia nessas pa­lavras vivas que os evangelistas lograram vincular a essas paginas immortaes !

E nossa santinha tão arguta ! Sua intelligen­cia já naturalmente penetrante, havia adquirido par­ticular perspicacia na meditação. O mysterio re­trahia-se diante della e é bem possível que as luzes do céo lhe destruíssem, por completo, não poucos mysterios inaccessiveis á simples intelligen­cia humana.

SANTA TEREZlN I I A

õs louvores a J)eus

A gloria exterior de Deus resulta de um con­juncto harmonioso de vozes que se desprendem de suas cr.eaturas. Algumas dessas vozes exaltam a justiça divina, outras a misericordia, outras a sa­bectoria, outras a omnipotencia, etc. Desse côro a hosannar os attributos de Deus devem fazer parte todos os seres creados. Felizes aq!J.elles que esco­lhem, para exaltar, a bondade divina ! E' a me­lhor parte. Cantar-lhe a justiça é doloroso ; mas passar a vida a desferir hymnos á misericordia, é fazer côro com os anjos da Gloria .

• • •

foi a patie que coube a Terezinha em sua carreira terrena : sua vida foi uma só, magnífica lôa á Bondade Infinita. Comprehendo perfeitamente - diz ella - que n ão podem as almas parecer-se entre si todas em tudo ; é mister que sejam distri­buídas em diversos grupos, para cada qual delles glorificar uma perfeição de Deus. A mim coube-me a misericordia infinita c é ncs1c espelho ineffavel que vou contemplando ou outros predicados divinos. Todos elles parecem-m e i rradiar amôr ; a mesma justiça, mais talvez que os outros, se me depara envolta em amor.

j)eraoar por jusfiça

De uma mesma flôr póde-se extrahir o ve­neno que mata e o mel que nutre.

r so PETALAS DE ROSA

• • •

A' nossa Santinha a justiça Divina, que, em geral, aterra e ás vezes revolta corações mal for­mados - inspirava-lhe immensa confiança. Admi­raveis disposições as dessa alma que sabia o se­grêdo de beber coragem onde as outras só encon­tram pavôr !

Terezinha amava muito ao seu Deus. Escon­de-se nisto o segredo da sua confiança singular. Para ella, Deus, por ser justo, tomaria em conta as fraquezas della para depois julgai-a. Entendia portanto que o Senhor não seria justo si deixasse de tomar em consideração a fragilidade humana. Assim dia julgava que Deus perdoára ao filho� prodigo por ser infinitamente justo. - Não é uma face nova da Justiça?

..f/fê a loucura

A amizade que Terezinha dedicava a seus paes e irmans, desde que entrou na vida religiosa, tor­nou-se sobremodo elevada. Amava-os sobrenatural­mente, desejando-lhes, de toda a alma, a maior fellcidade, em Deus. Subia ella, a nossa Santinha, ás alturas da perfeição e a amizade aos seus ca­ros parecia crescer tambem, espiritualisando-se, mais e mais.

Depois que seu estremecido pae passou a me­lhor vida e a sua irman Celina deixou o mundo para viver com ella á sombra do Carmello - na­da mais desta terra desejava a nossa Santinha.

�:ANT.� TEREZI!I:HA

Um só dese�o en�hia seu coração - o de amar a Jesus. E este desejo era de tal vehemencia que, para qualifical-o, Terezinha usava urna expressão - hyperbolica diriarnos si não fosse usada por ella mesma - exaggerada apparenternente : quizéra amar a Jesus até a loucura. Veremos, porém, que mui verdadeira era a expr·essão. Quão poucas almas souberam amar a Deus com os transportes e de­dicação de Terezinha !

reli� coqvicção

O Sr. Martin, o venerando pae de Terezinha, teve seus ultimas annos amargurados por cruel en­fermidade que lhe paralysou alguns membros e fez soffrer muito a elle e ás filhas. Raramente podia visitar as que se achavam no convento de Lisieux. A ultima dessas visitas ficou impressa dolorosamente no coração de Terezinha, a «peque­na rainha» do incomparavel pae. Quando o santo velho se despediu de · suas filhas no locutorio do convento, ellas lhe disseram : «Até outra vista» e elle presago talvez do seu fim proximo, apontou­lhes o céo e com voz suffocada pelo pranto, lhes respondeu : «No céo !» . . .

De facto fôra aquella a ultima visita. O vene· rando chefe da privilegiada farnilia morreu pouco depois.

Terezinha teve a convicção de que seu pae voou directamente para o céo. Ella havia pedido a Deus que acceitasse os padecimentos do Sr. Martin

PF.TALAS DE ROS.\

como purgatorio antecipado afim de que, após a morte, elle pudesse passar logo ao céo. E na sua confiança ingenuamente filial, ella pedira a solução de varias difficuldades, que desejava conseguir, como signal de que realmente seu extremoso pae hou­vesse entrado na Gloria sem passar pelas chammas purificadoras.

Como a solução não se fez esperar, confir­mou-se no espírito da filha a convicção feiiz, com immenso gaudio para ella.

O purgaforio pelo amor

Foi no dia 9 de Junho de 1 895 que Terezinha se offereceu como Victima não á Justiça mas ao Amor. E foi acceita a offerta . Ao menos tudo leva a crer que o Divino Amor emprehendeu, des­de esse instante, sua obra de immola ção. Ella sen­tiu que as chammas da Eterna Caridade <;onsumiam, no altar do Carmello, a vida que já não tinha. mais razão de ser fóra do amor. E dentro dessa noção de victima, nossa santinha interpretava tudo mais, de uma maneira toda transcendental. Por exemplo : com ser tão humilde dizia não ter receio de . cahir no Purgatorio ; mas eis como se concilia sua hu­mildade com tap.ta confiança - «Não posso ter medo do Purgatorio � - diz ella - S·ei que lá nem mereço estar na companhia das almas santas. m as tambem sei que o fogo do amor é mais san­tificante do que o do Purgatorio . . . »

Que alta comprehensão das causas de Deus !

SANTA TEREZlNIIA ! 53

Que luz intensa a illuminar-lhe a alma privi­legiada !

fi111or maferqo de irmã

Foi sempre muito amorosa Terezinha para com suas innans. Depois de sua entrada no Convento, ficou ainda em casa, com a família, Celina swai irman. O amor de Terezinha para com esta innan, exposta ainda ás vaidades do seculo, tomou pro­porções de amor materno, com ser ella mais nova do que Celina. Soube, certa vez, que esta devêra acompanhar suas primas a uma festa profana. Quan­tas lagrimas derramou nossa Santinha, temendo-se, aliás com fortes razões, lhe viesse a innan que­rida a ser victima das illusões do seculo !

E quem nos diz que Celina, mais tarde, con­sagrada tambem a Deus no Carmello, não deveu sua fel icidade religiosa á -sua angelica irman que por ella velava com solicitude de mã·e? Que a:mi­zade fraterna s e uutria no grande coração de Te­rezinha ! E como ·era sobrenaturalmente esclarecido esse affecto profundo com que continuava, na vida religiosa , a manter o vinculo de familia, o amor fraterno !

Caminhos de J)eus

Diz o propheta Isaías (3, 10) : «Ao justo, fa­zei-lhe saber que será bem succedido». Santa Te­rezinha que commentava com muita luz as palavras da Sagrada Escriptura, a1 ravrs desse texto con-

1 5 4 PETALAS DE ROI"A

templa a grande va riedade de santos que brilham no firmamento da egreja. Alguns passaram pela vida suscitando grande ruído ao redor ç:le si e deixaram largo rasgo de luz por onde transitaram ; outros, grandes tambem aos olhos de Deus, não foram conhecidos pelos seus contemporaneos e aos posteros quasi nada deixaram que lhes evocasse a lembrança. E perguntando a si mesma, qual dos dous caminhos agradava mais ao Senhor, concluía que ambos egualmente eram do agrado de Deus. E a razão é que - dizia ella - uns e outros: santos seguiram as inspirações divinas e por isso todos foram bem succedidos. D'ahi tirava a con­clusão pratica do valor da obcdiencia - meio pelo qual seguimos com segurança as divinas inspirações.

o caminho crue e/la descobriu

A alma cheia de confiança em Deus é intei­ramente invencível. Si lhe crescem as difficuldades em derredor, a confiança tambem se eleva e paira sobre todos os embaraços .

• • •

Terezinha reconhecia-se pequenina para percor­rer os caminhos da perfeição Mas, no mesmo con­ceito de sua pequenez, encontrou ella seu caminho de confiança para continuar aspirando á santidade. Al­ludindo aos inventos da epoca, falia no ekvador que dispensa o caminho penoso das escadarias. Dessa idéa passa á do elevador ou ascensor divino

SA]I;TA TEREZlNHA I S S

dó� braços d o seu Deus que se havia de com­padecer da sua pequenez. O convite de Jesus aos «pequeninos» a encantava. A humildade a fazia sup­pôr-se pequenina e a confiança lhe tornava a pe­quenez digna de amparo do seu Deus. Foi o ca­

minho admiravel que ella descobriu e por onde avançou, com passo firme, directamente, rumo ao céo.

Saqfa iqàiffereqça

As almas cheias de vaidade são avidas de elo­gios. Sempre que podem lançam a rêde para co­lher applausos e encomios. As almas profundamente humildes sentem aversão pelas palavras elogiosas e padecem quando lhes chegam aos ouvidos os louvores dos homens .

• • •

Sendo assim ninguem duvidará em· affirmar que Terezinha se doía profundamente quando feita alvo de elogios. Pois é um engano.

As virtudes de Terezinha têm surprezas, a ca­da passo, para quem as estuda.

Seu abandono nas m ãos de Deus era tão completo que em nada queria ella alterar os pla­nos divinos. E desse mesmo abandono lhe nascia uma perfeita indiffcrença pelas influencias terrenas. Isto se comprehcnde com toda a facilidade, pela analys·e deste pensamento da mesma santinha : «Si Deus quizer que os outros me julguem melhor do que sou na realidade, nada tenho eu com isso ; Elle é livre e procede como lhe aprouvér».

1 :')6 PETALAS DI� ROSA

Sempre nas mãos de J)eus

Terezinha não considerava «maior graça mor� rer antes da aurora do que no occaso». Com �ssa expressão ella manifesta seu perfeito abandono á Providencia. Vivia tão saudosa do céo que receiou a suppuzessem anciosa por morrer. E' a razão pela qual declarou sua total indifferença pela vida bre� ve ou dilatada. O querer divino era tudo para nossa heroína. Conhecia que o Senhor Absoluto das nossas vidas, tinha o direito de cortar-lhe a existencia no verdor dos annos, bem como de pro� longar-Ihe a prova do desterro, para lhe purificar mais e mais a alma. Parece que estava sempre a dizer a N. Senhor : Não vos preocupeis commigo : a vossa gloria, os vossos interesses, eis o que deveis ter diante dos olhos no dispordes da mi­nha vida.

Mas bem sabia ella que. a Sabedoria infinita conciliava seus interesses eternos com o maior pro� veito da sua alma, da mesma sorte que compí·e� hendia nada haver melhor para uma cr:eatura do que entregar-se sem condições ao seu Creador.

Por isso era ella uma perfeita abandonada aos cuidados da Providencia.

fliqaa o abandono

A natureza humana tem horror ao soffrimento e á morte. O instincto de conservação que Deus plantou no intimo do nosso ser inspira -nos natu-

SANTA 1'EREZINHA I 5 7

ralmente aversão á dor e á destruição da nossa vida. Não é raro entretanto ver os santos á pro­cura da dôr e a suspirar pela morte. Como expli­car essa vira-volta do homem ? As leis do espírito illuminado pela fé o rientaram assim a vontade hu­mana. Como é admiravel o poder da graça no converter a av·ersão em desejo !

• • •

T erezinha chegou bem depressa a esse estado de adiantamento espiritual ; ella buscava com sof­freguidão a dor e anceiava pela morte. Mas não parou ahi, foi além. E pode ir-se além, nesse ter­reno? Sim h a alguma cousa mais perfeita do que desejar soffr·er e morrer - é abandonnar-se to­talmente á vontade divina. Querer só o que Deus quer, com o sacrifício de qualquer outro desejo mesmo o mais santo - é perfeição altissimi:t. E' o que chamam os mestres - abandono. - Felizes as almas que se sabem abandonar inteiramente. E quem não vê que nesse abraço á vontade divina abraçam-se os espinhos e todos os outros bens como, por e�emplo, a renuncia aos proprios gos­tos mesmo espirituaes?

Gs fenzperanzeqfos diversos

Por mais santa que seja uma communidade re­ligiosa, nada extranhavel que a . diversidade dos caracteres constitua forte soffrimento para alguns membros. Ha indviiduos até que quanto mais fazem

PETALAS DE ROSA

por agradar mais molestam aos outros. E Deus permitte que as pessôas a elle consagradas encon­trem �embaraços sérios á pratica da caridade fraterna, porque grandes premios elle reserva a esta virtude .

• • •

Não terá havido para Santa Terezinha momen­tos dolorosos na convivencia com suas irmãs de ha­bito? E' possível que todos os temperamentos se tenham harmonizado com o seu e que suas idéas teli.ham sido as mesmas das demais religiosas?

Não ; tambem para ella a caridade fraterna nu­triu-se de amarguras. Era ella, porém, tão soffre­dora que não se podia suspeitar lhe custassem luctas as bellas maneiras que lhe eram habituaes.

Ella tinha ido para o convento com o propo­sito inquebrantavel de dominar as repugnancias n�.­turaes que viesse a sentir. Venceu-as sempre e tor­nou-se um modelo de affabilidade mesmo para com os caractéres menos sympathicos .

.7unel pavoroso

A esperança sobrenatural, esperança do céo, é uma fonte riquíssima de alegria e energias para o crente. Esmagados pela mão de ferro das maio­res provações, os filhos da �esperança ainda sa­bem sorrir e não mentem quando affirmam na­dar-lhes a alma, em goso, nesses transes afflictivos .

• • •

SANTA TEREZINHA 1 5 9

Terezinha que, sem o parecer, devia ser mar­tyr dos soffrimento íntimos, passou pelo tonnento de sentir morrer-lhe dentro d'alma a esperança. A luz suavíssima que, nas maiores torturas, lhe illu­minava o céo donde lhe acenavam as grandes re­compensas, converteu-se-lhe em trévas. Nem ella mesma sabia explicar á sua Superiora em que con­sistisse a dor que lhe apunhalava a alma. Eralffi trévas tão espêssas que ella perdia de vista seu unico conforto e ficava só, abandonada ao seu supplicio. «Só quem atravessou este tunel tenebroso - exclama ella - póde fazer idéa da sua escuri­dão !» E os dias se succederam e tambem os me­zes, mas aquella noite não terminava.

Fructo bellissimo de caridade nasceu dessa forte provação : Terezinha compadeceu-se em extremo dos infelizes que não teem fé. Pediu muito perdão por elles e insistente supplicou ao Pae das luzes que illuminasse, com os clarões da fé, as almas que não conhecem a esperança porque não creem.

Sempre Jru171ilde

Não é cousa facil a uma pessôa reconhecer bellas qualidades em si e conservar de si humilde conceito. (Juasi sempre o brilho dos proprios dotes fascina e a vaidade embriaga suas pobres victimas tirando-lhes o conceito do que na verdade são.

"' "' *

1 6o PETALAS DE ROSA

Tal difficuldade porém, não a encontrou Tere­zinha. Ella reconhecia os dons de Deus em s ua alma mas conservava seu espírito profundamente humilde. Julgava até que sua pequenez a impedia tornar-se vaidosa. Assim é que multiplicavam-se as prendas do céo em sua alma, pois nunca se apro­priava nossa Santinha desses dons de Deus nem permittia que a gloria do Senhor soffresse o menor offuscamento pela liberalidade com que era favo­recida.

Poude ella, �econhecendo sempre os dons rece­bidos escrever estas l inhas admiraveis : «Prefiro de­clarar candidamente que o Todo Poderoso operou em mim grandes causas e dellas a maior é mos­trar-me quanto sou mesquinha e incapaz de pra­ticar o bem».

O prirrreiro rebale

Somos tão agarrados á vida que estremecemos á simples idéa de já termos contrahido qualquer enfermidade mortal. O instincto de conservação nos leva logo ao sobresalto e a custo nos resignamos a acceitar o primeiro convite a desarmarmos a tenda de peregrinos para entrarmos na ultima e definitiva morada.

. ... .

Com Terezinha deu-se o inverso : ella que se sentia bastante forte, foi surprehendida, um dia, por um symptoma de . fatal enfermidade. Tinha-se retirado para sua cella (era uma Quinta feira santa)

SANTA TEREZI1\HA

á meia noite. Apenas apagára a luz, uma hemo­ptyse a assalta. Sentiu o mais vivo contentamento, porque percebeu ·que era o primeiro rebate da mor­te. Teve desejo vivo de accender a luz para certi. ficar-se de que não se havia enganado ; mas era tão grande sua alegria que julgou melhor morti­ficar-se deixando para a manhã seguinte o doce prazer de confirmar com os olhos que a golfada era de sangue.

Quando despertou no dia seguinte e viu o lenço todo rubro sentiu-se invadida da mais suave esperança de voar breve para junto de Deus. Sem­pre considerou grande privilegio ter sido lembrada por Deus, com graça tão singular, no grande dia da Paixão de Jesus.

€spiqhos sob pefa/as

Talvez bem poucos se persuadam de que a vida de Terezinha tivesse o sello da cruz tão for­temente gravado como a vida dos grandes pade­centes. Era tão habil em esconder os espinhos sob petalas de rosa que seus oontemporaneos e hoje os leitores de sua vida custam a crer no seu mar­tyrio intimo. E si não fôra a obediencia a arrancar­lhe da penna as penas da sua alma, ninguem acre­ditaria nos seus grandes merecimentos de soffre­dora. Somente sua superiora, pelas confidencias que filialmente lhe fazia a joven Religiosa, podia ava­liar o peso c;la cruz que ella sorridente sopesava. As provações não a abatiam. Ella tinha o segredo

I Ó 2 PETALAS llE ROSA ------------ · - ------ - -

para soffrer sem gemidos, sem vestigio algum no semblante. Era o amor com que acceitava as agru­ras as quaes lhe chegavam á alma por caminhos invisíveis e lhe torturavam o espírito sem alte­rar-lhe a physionOmia. Depois vieram tambem os soffrimentos physicos, a enfermidade cruel. Mas a paz intei"na, o prazer sobrenatural de s e ver asso-­ciada á dôr do Divino Padecente, derramavam-lhe pelo semblante uns tons de doçura tal que era difficil crer no que ella soffria. Apezar da reserva que se impunha, declarou á sua superiora : «Oh ! si conhecessem os homens que martyrio venho sof­frendo, ficariam estupefactos». Nos labios de quem desconhecia ·exaggeros esta expressão é altamente elo quente.

j(o iqfimo

Quem visse as disposições felizes com que a boa Religiosa cumpria seus deveres n o convento, a maneira affavel de tratar a todos, a paz, a ale .. gria santa que transpirava em todos os seus mo­vimentos, havia de crer que ella desconhecesse as provações interiores. Escreveu então bellas poesias em que a fé mais viva a derramar celestial doçura� revelava uma autora sobrenaturalmente illuminada.

Ora precisament·e nessa ·epoca passava nossa santinha pela mais rude provação - sua fé, por um phenomeno não raro na vida dos santos, eclip­sou-se. Ella entretanto continuama a agir como si farta luz sobrenatural illuminasse ainda seu cami-

163 ------ ---- ---------'

nho. Ninguem percebia o esforço sobrehumano que lhe era mistér eémpregar para se manter no plano sobrenatural em que sempre havia vivido. Dizia ella á sua confidente que o veo da fé longe de se romper para lhe deixar ver tudo sem sombra, como pensavam, havia-se tornado espêsso como uma mu­ralha para lhe roubar as estrellas do céo.

Mas Deus conhecia a tempera da alma a quem mandava provações de tal ordem. Ella mesma agradecia á Bondade Divina tel-a preparado antes de submettel-a ás tentações contra a fé, pois em. outra epoca - julgava elia - não ter�a resistido e capitularia desanimada.

FiiJra aa obeáiencia

Terezinha vivia no mesmo Carmelo com ou­tras irmãs, filhas tambem do abençoado casal Mar­tin . julgava-se feliz em poder servir- a Deus ao lado desses seres que tanto estremecia. Tinham-se ama­do com extremos no lar paterno e os vínculos des­sa affeição fraterna longe de se affrouxarem no Carmelo tornaram-se mais estreitos. Pois a ternura natural entre as pessoas que se consagram a Deus, dizia ella, torna-se «mais pura e mais divina». jul­gava-se feliz como o soldado que tendo outros ir­

mãos no mesmo campo de batalha vôa com elles - i1 conquista da victoria. Comtudo, affirmava, si o General a mandasse combater longe, não hesitaria em obedecer, deixando a doce companhia de suas irmãs de habito e de sangue. E tão bellas e ra m

PETALA!' DE HOSA

suas disposições para a obediencia que, para tal sacrificio, não havia necessidade de ordem expres­sa, mas um olhar, um aceno bastaria. Assim de­clarava a santa Carmellita que tinha feito seu sa­crificio não parcialmente apenas, mas sem resal­v a r cousa alguma .

éJ céo

Logo apôs o apparecimento dos primeiros sym­ptomas da enfermidade que devia ceifar tão mimo­sa flôr do Carmello - era naturalissimo que o abatimento se apoderasse da heroica Carmellita. Nem mesmo physicamentc, porém, se mostrou me­nos animada, logo após a noite do seu primeiro vomito de sangue. Um fervor novo se lhe desper­tou na alma e bem cedo foi ella tomar parte na recitação do Officio Di,·ino com o si nada houvéra succedido. E alcançou a licença de continuar com as penitencias quaresmaes até o fim, sem se per­mittir excepção alguma nas austeridades a que na­quelles dias se entregavam as outras Religiosas.

Naquelle tempo, sua vida era a esperança. Pen­sava sempre no céo que parecia baixar-se para a colher. Confessa ella que teve realmente de Jesus o signal de que breve entraria na vida e terna.

Que signal terá sido esse ? Não o sabemos.Mas a alegria que a dominava justamente quan­

do sua saúde soffria tão rude� : lOlpes, só podetia, explicar-se com algum grand�aÂf}C\l.f celeste.