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Indígena participante do Acampamento Terra Livre 2009, onde se discutiu a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas – Foto de Egon Heck ISSN 0102-0625 Ano XXXI N 0 318 Brasília-DF Setembro – 2009 R$ 3,00 Comissão de caciques Tupinambá vai a Brasília cobrar segurança em suas terras Página 5 Página 6 Depois de quase 15 anos de espera, deputados voltam a discutir estatuto do índio. Mas indígenas já entregaram um projeto de Estatuto elaborado pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) com propostas que garantam a eles respeito para viverem com dignidade. Estatuto dos Povos Indígenas volta a tramitar no Congresso Nacional Guajará Mirim. Na fronteira com a Bolívia, indígenas lutam por saúde, terra e respeito Páginas 8 e 9 Jornada de lutas da Via Campesina conta com forte presença indígena no MS Página 12

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    Ano XXXI • N0 318 • Brasília-DF • Setembro – 2009R$ 3,00

    Em defesa da causa indígena

    Comissão de caciques Tupinambá vai a Brasília cobrar

    segurança em suas terrasPágina 5

    Página 6

    Depois de quase 15 anos de espera, deputados voltam a discutir estatuto do índio. Mas indígenas já entregaram um projeto de Estatuto elaborado pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) com propostas que garantam a eles respeito para viverem com dignidade.

    Estatuto dos Povos Indígenas volta a tramitar no Congresso Nacional

    Guajará Mirim. Na fronteira com a Bolívia, indígenas lutam por

    saúde, terra e respeitoPáginas 8 e 9

    Jornada de lutas da Via Campesina conta com forte

    presença indígena no MSPágina 12

  • 2Setembro–2009

    Editorial

    om a promulgação da Cons-tituição Federal, em 05 de outubro de 1988, os povos indígenas do Brasil tiveram assegurados alguns direitos

    fundamentais, tais como a demarcação e garantia de todas as suas terras, o reconhecimento de suas organizações sociais, os seus costumes, línguas, crenças e tradições. A partir destas garantias constitucionais o Estado bra-sileiro se obriga a reconhecer os povos indígenas como sujeitos detentores de direitos específicos e diferenciados, rompendo em definitivo com a pers-pectiva integracionista das políticas go-vernamentais e com a tutela. Ou seja, todos os indígenas deixam de ser, do ponto de vista constitucional, pessoas com “relativa capacidade” e adquirem a condição de cidadãos protagonistas de suas vidas e de suas histórias.

    No entanto, para que a Constitui-ção não se transforme em letra morta, se faz necessária a sua regulamentação, ou seja, os preceitos estabelecidos pela nossa Lei Maior, devem ser regulamen-tados por leis infraconstitucionais. Em função desta necessidade é que, ainda no início dos anos de 1990, os povos indígenas, suas organizações e entidades indigenistas debateram e apresentaram propostas para um Esta-tuto dos Povos Indígenas. Na Câmara dos Deputados as propostas foram avaliadas por uma Comissão Especial que aprovou um substitutivo de au-toria do deputado Luciano Pizzatto, o Projeto de Lei 2057/91. O projeto foi submetido ao plenário da Câmara onde o então deputado Artur da Távola apresentou um pedido de vista. Desde então a discussão ficou paralisada no âmbito do parlamento brasileiro, mas os povos indígenas nunca abandona-ram a discussão.

    Em 2008 a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) iniciou um processo de debates e estudos acerca das propostas que foram apresenta-

    O Estatuto dos Povos Indígenas volta a tramitar no Congresso Nacional

    Porantinadas

    Edição fechada em 02/09/2009

    Permitimos a reprodução de nossas matérias e artigos, desde que citada a fonte. As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores.

    ISS

    N 0

    102-

    0625

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    Na língua da nação indígena sateré-Mawé, PorANTIM

    significa remo, arma, memória.

    Dom Erwin Kräutler PresIDeNTe

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    Marcy PicançoeDITorA - rP: 4604/02 sP

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    registro nº 4, Port. 48.920, Cartório do 2º ofício

    de registro Civil - Brasília

    CoNseLho De reDAçÃoAntônio C. Queiroz

    Benedito PreziaEgon D. HeckNello Ruffaldi

    Paulo GuimarãesPaulo Suess

    Fantasiado“Eu vim assim fantasiado de

    deputado hoje porque eu sabia que aqui viriam pessoas fantasiadas de índios”. A fala é do Presidente da Comissão de Pequenos Agricultores de Ilhéus , Una e Buerarema, sr. Luiz Henrique Joaquim da Silva, presen-te em audiência pública na Câmara dos Deputados em Brasília no dia 12 de agosto que tratava sobre as terras Tupinambá no sul da Bahia. Os indígenas protestaram: “Não es-tamos fantasiados não, nós somos indígenas!”. Agora, resta saber por-que este senhor não foi fantasiado de pequeno agricultor. Será que ele tem mesmo as vestimentas para compor esta fantasia?

    Unidos por Belo Monte, contra o planeta

    “Contra as críticas de organiza-ções não-governamentais (ONGs) e do Conselho Indigenista Missioná-rio, o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), tem levado os prefeitos da região a se unir para acelerar a tramitação do processo de licitação.” A notícia é do jornal O Estado de São Paulo. Já para o presidente da Eletrobrás, “esta é a melhor usina hidrelétrica do mundo”. Deve-se perguntar: Melhor do mundo para quem?

    ONU critica política indigenista no Brasil

    Segundo relatório da ONU, já houve avanços, mas as conclusões ainda são alarmantes e pedem que os interesses dos indígenas sejam considerados nos projetos de desenvolvimento econômico e de infra-estrutura no País. Pena que este tipo de relatório nunca é lido por pessoas como “os prefeitos unidos por Belo Monte” ou quando lido, é totalmente ignorado.

    das ao Congresso Nacional na década de 1990. Esta iniciativa teve como objetivo retomar seus conteúdos, atualizá-los se necessário, e, através de um acordo com lideranças políticas, apresentar um novo substitutivo para ser apreciado e aprovado pelo parla-mento brasileiro. Finalmente, depois de mais de 15 anos, o requerimento que bloqueava a discussão na Câmara dos Deputados foi votado. O ministro da Justiça, por solicitação da CNPI, apresentou um novo texto de Estatuto, agora com as atualizações elaboradas pelo conjunto de lideranças do movi-mento indígena do Brasil que, por mais de um ano, se debruçaram sobre os projetos existentes e construíram uma proposta de consenso, em substituição ao PL 2057/91.

    A decisão da Câmara dos Depu-tados de retomar a tramitação do Estatuto dos Povos Indígenas - sem dúvida uma decisão aguardada com expectativa - traz neste momento, ao movimento indígena e indigenista, grandes preocupações. Isso porque existe dentro do Congresso Nacional a conjunção de muitas forças políticas aliadas aos segmentos econômicos que têm interesses na exploração das terras indígenas. Estas forças econômicas e políticas poderão, no momento da

    MARIOSAN

    Capreciação das matérias contidas no Estatuto, ao invés de assegurar avanços legislativos, retroceder, inclusive nas garantias constitucionais estabelecidas pelos artigos 231 e 232.

    Neste momento se torna indispen-sável uma forte articulação dos povos indígenas e das entidades de apoio para manter presença mobilizada no Congresso Nacional com o objetivo de envolver o maior número possível de parlamentares na defesa da proposta apresentada como alternativa ao PL 2057/91. Este é também um momento estratégico para assegurar a tramitação da proposta dos povos indígenas, que poderá ocorrer através da instituição de uma nova Comissão Especial, no âmbito da Câmara dos Deputados.

    O Cimi se coloca, através de seus missionários e assessores dos Regionais e do Secretariado Nacional, a serviço deste importante momento de luta dos mais de 260 povos indígenas do Brasil. Conclama também todos aqueles que desejam ver os direitos destes povos definitivamente assegurados para que se unam às mobilizações e articulações pela aprovação de um Estatuto que respeite suas reivindicações, anseios e expectativas.

    Roberto Liebgott Vice Presidente do Cimi

  • 3 Setembro–2009

    Conjuntura

    Nas várias manifestações indígenas, uma das grandes reivindicações é a demarcação de suas terras tradicionais.

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    Paulo Machado GuimarãesAdvogado e Assessor Jurídico do Cimi

    ecentemente a Comissão Na-cional de Política Indigenista (CNPI) aprovou Resolução re-comendando ao Ministro de

    Estado da Justiça e ao Diretor Geral do Departamento de Polícia Federal que fosse designado um delegado especial para apurar a autoria e as circunstâncias pela prática do crime de tortura contra 4 índios e 1 índia, todos do Povo Tupi-nambá. O crime ocorreu na Serra do Padeiro, no início de julho passado.

    A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Coordenação da 6ª Câ-mara de Coordenação e Revisão dos Di-reitos Indígenas, ambas da Procuradoria Geral da República, e a Coordenação do Programa de Combate à Tortura, da Se-cretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República já haviam encaminhado recomendações no mes-mo sentido ao Ministro Tarso Genro.

    Por outro lado, dando seguimento às investigações, a autoridade policial federal, encarregada da apuração dos fatos na Delegacia da Polícia Federal em Ilhéus, realizou a reconstituição os fatos, de acordo com os depoimentos das vítimas indígenas.

    Sob a alegação de falta de condições de segurança para realizar a diligência na área, a reconstituição com peritos se efetivou na própria delegacia de polícia, em Ilhéus. Os índios vitimados - e ainda temerosos - ficaram insatisfeitos, como divulgaram em nota, em relação ao pro-cedimento policial adotado. Os próprios

    peritos policiais também consideravam necessário ao menos conhecer o local em que os fatos ocorreram.

    Este episódio, que naturalmente necessita de imediato e preciso es-clarecimento, reforça a necessidade de que as ocorrências, consideradas de extrema gravidade, venham a ser apuradas por autoridade policial que não se sinta tolhida no exercício de sua responsabilidade funcional. Também há a necessidade de que a apuração dos fatos ocorra sob a orientação de autoridade que proporcione a neces-sária segurança jurídica, com integral independência em relação aos fatos em apuração.

    Em reunião com Senadoras, Senado-res e Deputados Federais, o Ministro da Justiça assegurou a todos que os fatos seriam apurados e que os eventuais res-ponsáveis por práticas policiais nefastas seriam criminal e disciplinarmente responsabilizados. É o que se espera e agora com mais razão!

    Não se pode desconsiderar ainda que estes fatos se situam no contexto geral em que está ocorrendo intensa campanha difamatória e discriminatória contra os Tupinambá, na região, assim como acontece no Mato Grosso do Sul, em relação aos Kaiowá-Guarani.

    Em audiência pública realizada em agosto, na Comissão da Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvi-mento Rural, da Câmara dos Deputados para tratar da demarcação da terra indígena Tupinambá, parlamentares da Comissão e representantes dos Municípios de Ilhéus, Buerarema, Una e São José da Vitória dimensionaram o nível das tensões a que os indígenas estão cotidianamente expostos, apenas por ter sido publicado, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o Relatório de Identificação e Delimitação da terra tradicionalmente ocupada. A terra é literalmente dos povo Tupinambá des-de antes da chegada dos portugueses no Brasil, havendo farta comprovação

    Mobilizações e articulações indígenas em curso

    histórico-documental sobre a ocupação indígena na região. Manter a atenção e a mobilização em relação a fatos desta natureza continua sendo um dos mais graves desafios da conjuntura atual.

    No Mato Grosso do SulNo que se refere aos esforços para

    a implementação da demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos Kaiowá/Guarani, no Estado do Mato Grosso do Sul, é de se destacar a recente decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por uma de suas Turmas, ao dar provimento a recurso de Agravo Regimental da Funai, refor-mando decisão de um de seus Juízes, que havia suspendido o trabalho dos GTs para identificação dos limites das terras Kaiowá/Guarani, agora com a par-ticipação de representantes do Estado e do Ministério Público Federal como observadores.

    Se no caso dos Tupinambá o desafio agora consiste em superar as eventuais contestações administrativas e viabili-zar a declaração dos limites da terra in-dígena pelo Ministro da Justiça, em rela-ção aos Kaiowá/Guarani é fundamental concluir-se a fase inicial da identificação dos limites das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades deste sofrido povo indígena.

    Como já houve a oportunidade de se destacar em ocasião anterior, avan-çar na superação destes desafios, com a mobilização dos povos indígenas e seus aliados é o centro da questão no momento histórico atual, junto com relevantes outros temas como a saúde, a educação, a gestão das riquezas natu-rais e uma nova legislação indigenista, que assegure o respeito à diversidade étnica e cultural dos Povos Indígenas no Brasil. n

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  • 4Setembro–2009

    Indígenas Guarani

    sofreram e continuam

    sofrendo diversos tipos

    de violência enquanto

    esperam a demarcação e homologação

    de suas terras

    tradicionais

    Demarcações

    Egon HeckCimi Regional Mato Grosso do Sul

    ato Grosso do Sul, o Vietnam do século 21? Tudo leva a crer que o irascível posicionamento dos poderes econômicos e

    políticos regionais negando qualquer palmo de “terra produtiva” aos Kaiowá Guarani esteja empurrando a região a um extremo quadro de violências e mortes. O bombardeio diário é midi-ático. As mentiras com intenção de destruir as condições de sobrevivência dos povos indígenas têm o mesmo efeito de “solo arrasado” dos pesados bombardeios dos EUA ao Vietnam do Norte, na década de 70.

    Já não são necessários deslocamen-tos massivos de militares. Transforma-se a população não indígena em soldados armados, ideológica e fisicamente, con-tra os povos indígenas. Decisões judi-ciais adiando ou paralisando as identifi-cações fazem parte desse bombardeio. Dinheiro repassado pelo governador para acionar as prefeituras são estraté-gias militares visando impedir, adiar ou mesmo inviabilizar a demarcação das terras Kaiowá Guarani.

    Como estrategistas foram convo-cados antropólogos, historiadores, advogados e até mesmo filósofos. As alianças anti-indígenas são amplas: Fa-masul (Federação Agropecuária do Mato Grosso do Sul), Assomasul (Associação dos municípios do Mato Grosso dos Sul) Fiems (Federação da Industria do Mato Grosso do Sul) CNA (Confederação Nacional da Agricultura), Paz no Campo (Ong continuadora da TFP) Recovê ( Ong

    criada por fazendeiros para inviabilizar os direitos indígenas à terra e vida), Sin-dicatos Rurais, governador, senadores, deputados, prefeitos, vereadores.Trata-se de uma ampla aliança das elites con-tra um povo condenado, em resistência e luta por seus direitos à sobrevivência. Invadidos, mas não vencidos.

    Bombásticas mentirasNúmeros astronômicos, mapas fa-

    laciosos, afirmações enganosas, tudo isso é munição pesada utilizada para inviabilizar até mesmo os estudos de identificação das terras indígenas. Um folheto publicado pela “Paz no Campo” – Toda a verdade sobre a questão indí-gena -, estampa em sua página central um mapa do Mato Grosso do Sul, em que se destacam os territórios dos 26 municípios em que estão previstos es-tudos de identificação, estando escrito “ Área da reserva indígena já demarcada no MS”. Embaixo a legenda diz “Cerca de um terço do MS pode virar reserva indígena”.

    Segundo o folheto, “esta medida pretende estripar o estado de direito e a já consolidada ocupação territorial e social do Estado, implantar o conflito entre índios e não-índios, impactar a vida dos sul-mato-grossenses que atinge de forma direta 700 mil pessoas e indireta-mente 1,5 milhão de pessoas, bem assim varrer do mapa do Estado 12 milhões de hectares de vinte e seis municípios da divisa internacional com o Paraguai, correspondendo a 30% do território do estado, violando a soberania nacional”.

    Pode-se perceber que a intenciona-lidade das mentiras deslavadas é jogar

    um milhão e meio de pessoas contra os índios, ou seja, quase 70% da população do estado.

    Que justiça é essa?Por uma decisão do desembargador

    Stefanini, as atividades dos Grupos de trabalho de identificação das terras indígenas Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul foram novamente suspen-sas. Conforme a assessoria jurídica do Cimi, as alegações usadas são equivo-cadas. Porém suas conseqüências serão extremamente nocivas aos direitos constitucionais dos indígenas que já há mais de 30 anos, conforme a lei 6001/73 deveriam ter suas terras demarcadas.

    Na carta entregue ao juiz Odilon, endereçada aos desembargadores do TRF 3ª região, o movimento indígena e movimentos sociais denunciam e clamam apoio de todas e todos, para “que sejam solidários na superação dessa realidade e nos ajudem a inter-ceder em todas as esferas, a fim de que as terras indígenas de Mato Grosso do Sul sejam finalmente demarcadas e para que seja interrompida toda a violência contra os Povos Indígenas.” (Carta dos Movimentos Sociais do MS – Campo Grande 14 de agosto de 2009)

    O vai e vem dos Grupos de Trabalho – GTs

    Talvez seja esse o processo mais tumultuado que a Funai já enfrentou em termos de identificação de terra indígena no Brasil. Já são quase três

    anos desde que foi assinado o Termo de Ajustamento de Conduta determi-nando inclusive prazos para conclusão do trabalho, que já expirou dia 30 de junho passado. Cada dia que fosse além dessa data a Funai teria que pagar mil reais pelo atraso. Não é por nada que um membro da Funai, que trabalhou no setor também durante o período militar, desabafou dizendo “A pressão que sofremos aqui no departamento de Assuntos Fundiários é tão violenta, que nem no período da ditadura militar se via algo semelhante”.

    E grande parte dessa pressão vem certamente das oligarquias do Mato Grosso do Sul. Os Grupos de Trabalho na verdade já estavam se constituin-do desde 2007. Porém somente em junho de 2008 foi publicada a portaria constituindo os mesmos. No inicio de agosto, com todo apoio indígena reunido na Aty Guasu de Sassoró, os GTs finalmente foram a campo. Trans-corrido um ano de pressões, ameaças, paralisações judiciais, finalmente esta-vam para concluir a segunda etapa de levantamentos junto às comunidades indígenas para então partir para a etapa mais difícil devido à agressiva postura dos fazendeiros. Eis que uma decisão judicial mais uma vez interrompe os trabalhos. Não restam dúvidas de que a atual estratégia dos inimigos dos índios, após a decisão do governo federal de indenizar os títulos de boa fé, é evitar que a identificação seja concluída no governo Lula. n

    O bombardeio às identificações e os Grupos de Trabalho paralisados

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  • 5 Setembro–2009

    Indígenas Tupinambá participam de audiência pública em Brasília que trata da demarcação de suas terras. Ainda em Brasília, se reúnem com Procurador da Funai para pedir maior apoio e segurança em suas terras

    Reivindicações

    Maíra HeinenEditora do Porantim

    Comissão de Caciques do povo Tupinambá de Olivença, do sul da Bahia, esteve em Brasília para tratar da segurança do

    povo durante o processo de demar-cação de sua terra. Eles vieram para pedir cumprimento do processo de demarcação e proteção à integridade física das lideranças.

    Segundo um dos caciques, Ramon Souza Santos, depois da publicação do relatório de identificação da terra no dia 17 de abril de 2009, os Tupinambá passaram a sofrer todo tipo de amea-ças e agressões das elites políticas e econômicas do sul da Bahia. Os cerca de 3 mil Tupinambá de Olivença vivem distribuídos pelos 47.376 hectares iden-tificados. “Antes de reivindicarmos nos-so território, éramos bem aceitos pelas empresas e fazendas da região. Depois do relatório, começaram a ameaçar e também a tentar comprar os parentes para dizer que não são Tupinambá.”, explica o cacique Ramon.

    Proteção contra violênciaNo dia 11 de agosto a Comissão

    de Caciques esteve em reunião com o Procurador Geral da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Salmeirão. Na oportunidade, as lideranças reivindica-ram que a Funai dê melhor assistência jurídica para os povos da região de Ilhéus. Os Tupinambá destacaram que enfrentam graves problemas, como os processos relacionados às violências que o povo vem sofrendo, praticadas, principalmente, pela Polícia Federal.

    Na reunião, Salmeirão ressaltou que em outubro será instalada a Pro-curadoria Seccional Federal em Ilhéus. Com mais procuradores para lidar com a questão indígena na região, espera-se que o Estado garanta a assistência jurídica adequada.

    A recomendação da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) diante das denúncias de violência contra o povo Tupinambá foi de que um delegado da Polícia Federal (PF) não lotado na Superintendência da PF na Bahia deve investigar as agressões praticadas por agentes da PF contra cinco pessoas do povo. A indicação foi aprovada por unanimidade, no dia 13 de agosto, pelos componentes da CNPI. A Comissão também recomendou o afastamento dos agentes durante a apuração do caso.

    Na reunião da CNPI foi discutido o relatório da apuração que integrantes

    da Comissão fizeram em Ilhéus, após a denúncia de que cinco Tupinambá haviam sido torturados por agentes da PF numa ação de reintegração de posse no dia 2 de junho. A comitiva recolheu informações da PF, da Justiça Federal e do Ministério Público Federal (MPF) em Ilhéus sobre o ocorrido, além de ouvir os depoimentos dos Tupinambá.

    Atualmente, todos 11 caciques do povo Tupinambá estão intimados a depor na PF em Ilhéus. “Parece perse-guição!”, afirma indignado Luis Titiá, Pataxó Hã Hã Hãe, representante do sul da Bahia na CNPI. “Enquanto isso no ex-tremo sul da Bahia acontece estupro de meninas Pataxó por pessoas influentes, atropelamentos de indígenas, assassina-tos e a polícia não apura”, completa.

    Audiência na Câmara dos Deputados

    Na semana em que estiveram em Brasília, a comissão de caciques tam-bém participou de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a demar-cação da terra Tupinambá de Olivença. Na ocasião, políticos da região sul da Bahia atacaram os indígenas e ques-tionaram a legitimidade de seu direito à terra e sua identidade indígena. A audiência foi realizada na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, que foi ocupada por dezenas de indí-genas.

    Requerida pelo Deputado Fábio Souto (DEM-BA), a audiência poderia ser mais um espaço onde os povos

    indígenas seriam atacados sem oportu-nidade de falar. Porém, a articulação dos Tupinambá e seus aliados garantiu que a cacique Maria Valdelice Tupinambá e Rosane Kaingang, como representante da Articulação dos Povos indígenas do Brasil, pudessem falar. Apesar da audiência tratar da terra Tupinambá, o povo não havia sido convidado para participar.

    No início da audiência, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, explicou que o procedi-mento em curso para a demarcação da terra Tupinambá de Olivença é totalmen-te legal, de acordo com a Constituição Federal e o Decreto 1775/98. Valdelice apresentou, em seguida, a preocupação com seu povo e ressaltou que não são os indígenas que causam o conflito na região. “Nós não queremos briga. Só queremos nossa terra para viver em paz e com dignidade!”, declarou.

    Ataques aos índiosApós a fala da cacique Tupinambá,

    começaram muitas falas ofensivas aos índios, vindas de políticos e repre-sentantes de produtores de Ilhéus. A maior parte das exposições repetiu os já conhecidos argumentos sem funda-mento usados contra a demarcação de outras terras indígenas no Brasil. Por exemplo, a antiga falácia de que “ong’s internacionais querem criar um país independente dentro do Brasil”.

    A deputada Alice Portugal pediu que os presentes respeitassem o traba-lho da Funai e rejeitou a afirmação de

    que se trata de um órgão que trabalha para “Ong’s estrangeiras”. Também pediu ponderação com as palavras e respeito ao povo Tupinambá. “As comunidades também precisam ser ouvidas e aqui nós não estamos dando este espaço”.

    RespostasJá no final da audiência, Márcio

    Meira e Maria Valdelice tiveram a oportunidade de responder ofensas e questionamentos feitos pelos deputa-dos e políticos baianos presentes. O presidente da Funai afirmou que não trabalha só porque a lei determina, mas trabalha porque tem convicção dos direitos indígenas. “A Funai não tem função legislativa, estamos aqui para cumprir o que diz a Constituição Fede-ral e se houver dúvidas quanto ao nosso trabalho, vocês podem questionar na justiça, porque vocês têm esse direito”, rebateu. Márcio também defendeu o trabalho realizado pela antropóloga nos estudos da terra Tupinambá. “Temos plena confiança no trabalho que ela re-alizou e volto a dizer: se existe algo que vocês não concordam, existe o prazo para as contestações”, finalizou.

    Maria Valdelice também voltou a falar e disse que estava engasgada com tantas ofensas e que não aceitava não ser chamada de índia. Ela levantou a Constituição Federal e disse: “Nós somos povo Tupinambá sim! E somos dessa terra sim! Respeitem nossos direitos que estão nesta Constituição”, completou. n

    Tupinambás pedem segurança em Brasília

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  • 6Setembro–2009

    Em reunião com o

    presidente da Câmara dos Deputados,

    Michel Temer, indígenas entregam proposta

    de Estatuto dos Povos Indígenas,

    discutida com os mais de mil participantes

    do Acampamento

    Terra Livre 2009

    Legislação

    Marcy PicançoRepórter

    pós quase 15 anos de pressão dos povos indígenas, os de-putados federais, finalmente, retomaram a tramitação do

    Estatuto dos Povos Indígenas. No dia 13 de agosto, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Recurso nº182, que aguardava votação desde 6 de dezembro de 1994. A notícia foi dada pelo presidente da Câmara, Deputado Michel Temer, durante reunião com representantes da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).

    O Recurso n.182 requeria que a proposta de Estatuto do Índio siste-matizada por uma Comissão Especial da Câmara (Projeto de Lei 2057/91) fosse discutida por todos os depu-tados antes de ser enviada para o Senado Federal. Com a aprovação do

    Recurso, o PL 2057/91 e seus apensos e o Subs-titutivo aprovado pela Comissão Especial será discutido no plenário da Câmara. Este projeto, no entanto, está muito desatualizado, por isso, os povos indígenas, seus aliados e representan-tes do governo federal elaboraram uma nova proposta para o Esta-tuto do Índio. Ao longo de dois anos, mais de mil indígenas de todo o Brasil participaram da construção desta nova proposta, sistematizada pela CNPI.

    Na reunião com Michel Temer, os líderes indígenas entregaram a pro-posta de Estatuto da CNPI e saudaram a decisão dos deputados de voltar a discutir o Estatuto do Índio. “Tem muito projeto que está aqui que não é bom

    para os índios. Por isso eu quero que você olhe esse Estatuto, por que fomos nós, índios, que fizemos”, frisou o líder Kaiapó, Akyaboro. A proposta da CNPI deve ser apresentada por parlamen-tares aliados da causa indígena como emenda ao PL 2057/91. Os indígenas esperam que esta e as demais emendas apresentadas no plenário sejam anali-sadas por uma nova Comissão Especial,

    A Constituição Federal promul-gada em 1988 determinou novos parâmetros para a relação do Estado Brasileiro com os povos indígenas do país. Ela rompeu com a orientação “integracionista” que colocava os indígenas como sendo “relativamente incapazes”, devendo ser tutelados por um órgão indigenis ta estatal (atual-mente a Funai) até que eles estivessem “integrados à comunhão nacional”, ou seja, à sociedade brasileira.

    No entanto, muitos artigos do Estatuto do Índio em vigor (Lei 6.001

    de 1973) não respeitavam as deter-minações da nova Constituição, por isso perderam a validade. A partir de 1991, projetos para um novo Estatuto do Índio foram apresentados pelo Executivo e por deputados fede rais para adequar a legislação aos termos constitucionais. Em junho de 1994, as propostas foram sistematizadas por uma Comissão Especial e reunidas no PL 2057/91 para ser encaminhado ao Senado Federal. Em dezembro daquele ano, um grupo de deputa-dos, no entanto, requereu, por meio

    do Recurso 186, que a matéria fosse discutida no plenário da Câmara. Desde então, os indígenas pediam aos deputados para que o Recurso fosse avaliado e o Estatuto voltasse a tramitar.

    O novo Estatuto do Índio deve regulamentar a relação do Estado e da socieda de envolvente com os indígenas em diversos aspectos como exploração de recursos hídricos e minerais em terras indígenas; acesso ao conhecimento tradicional; educa-ção; saúde.

    que deve ser composta por deputados relacionados com a temática indígena. Temer afirmou que “só nascerá esse Es-tatuto se os povos indígenas estiverem de acordo”.

    A proposta de Estatuto da CNPI rompe definitivamente com a visão de que os indígenas devam ser “integrados e incorporados” pela sociedade nacio-nal. O texto reconhece a autonomia dos povos indígenas e propõe que eles sejam consultados no caso de explora-ção de minérios e recursos hídricos nas terras indígenas. A proposta considera a plena capacidade civil dos indígenas, sem que seus direitos específicos sejam prejudicados.

    Mobilização“Sabemos que há vários grupos

    com interesses nos temas do Estatuto. Então queremos que uma comissão trate de todas as novas propostas que vão aparecer”, enfatizou Marcos Xuku-ru, na reunião com Michel Temer. Para garantir que a proposta de Estatuto da CNPI seja aprovada como o novo Esta-tuto do Índio, as lideranças indígenas já começaram a preparar a mobilização para pressionar os parlamentares. O pri-meiro objetivo é conseguir a instalação da Comissão Especial.

    Anastácio Peralta, uma das lideran-ças Guarani Kaiowá da Aldeia Taquara, no Mato Grosso do Sul, ressalta a importância da mobilização para que a aprovação do Estatuto elaborado pe-los povos indígenas avance. “A idéia é articular as lideranças de partidos e os próprios indígenas também se manifes-tarem. Precisamos contar também com os parceiros e os meios de comunicação para mostrar a nossa luta”, afirma. “Já sabemos que sem pressão a coisa não anda!”, completa.

    Da mesma forma que os povos indígenas ocuparam o Congresso para garantir seus direitos durante a Cons-tituinte em 1987, eles pretendem estar presentes no Congresso para alcançar mais este avanço na legislação indige-nista brasileira. n

    Após 14 anos, Estatuto do Índio volta a tramitar no Congresso NacionalIndígenas se mobilizarão para que proposta de Estatuto elaborada por eles seja aprovada

    Estatuto em vigor não está adequado à Constituição de 1988

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  • 7 Setembro–2009

    Grupo de trabalho visita a terra indígena Urubu Branco. O mapa apresenta a área desmatada pelos invasores das terras indígenas

    Desocupação

    rovavelmente as duas últimas semanas de setembro serão de forte mobilização con-

    tra a criminalização do povo Xukuru, em Recife. As iniciati-vas fazem parte das ações que foram traçadas na Assembléia Xukuru, em junho deste ano.

    Serão quatro dias de se-minário nas universidades com participação de lide-ranças Xukuru; cinco dias de exposição de arte indígena e quilombola no Projeto Maku-naimi Colorao; um concerto de artistas que apóiam a causa - espera-se a presença de Cordel do Fogo Encantado, Pandeiro do Mestre e Mundo Livre S.A - na Praça do Arsenal no centro do Recife; um concerto de grupos musicais indígenas na Torre Malakof; programas de rádio e televi-são com informações sobre a questão, entrevistando as lideranças e os alia-dos; difusão do vídeo e da historia em quadrinhos sobre a criminalização

    Fundação Nacional do Índio (Funai) constituiu um grupo técnico para acompanhar o cumprimento do mandado de

    desocupação da Terra Indígena Urubu Branco, em Mato Grosso. A medida foi publicada no Diário Oficial da União no dia 10 de agosto.

    A chamada Operação Urubu Branco será coordenada por agentes da Polícia Federal e fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O grupo terá prazo de 30 dias, a partir da publi-cação no diário Oficial, para concluir os trabalhos.

    A operação já ocorreu outras vezes na reserva, com a retirada de posseiros que haviam deixado a área anterior-mente, em função do recebimento de indenizações relativas às benfeitorias, antes da confirmação de Urubu Branco como terra indígena. O pagamento de indenizações foi concluído em 2002, quando os posseiros receberam os valores a que tinham direito e abando-

    naram espontaneamente a área. A terra indígena foi homologada em 1999.

    T.I. Urubu Branco O povo Tapirapé da terra indígena

    Urubu Branco vem enfrentando proble-mas com a retirada de invasores desde a retomada do território em 1993. Na época a fazenda Sapeva ocupava várias regiões do território com gado. Mesmo indenizados, alguns invasores voltaram e ocupam a região norte do território, nas proximidades da serra do Urubu Branco, referência mitológica e geográfica para os Tapirapé e que dá nome à área.

    Foram muitas idas ao Ministério Público Federal e à Funai e após muitas tentativas e denuncias a Funai, Ibama e Polícia Federal chegaram no inicio da semana, dia 10 de agosto, para retirar os invasores. Cada ocupante foi visitado e comunicado pela equipe, acompanhada sempre de um representante Tapirapé.

    A equipe que visitou os locais afir-mou que a visualização é de uma área

    Funai cria grupo para acompanhar desocupação de terra indígena em MT

    com grande desmatamento e constru-ções. Há até uma casa muito grande construída, indicando o desejo e a certeza do invasor de que ficaria por lá. O desmatamento é progressivo e visível no recente mapa do IBAMA que indica o processo desde 1998. Espera-se, com

    a saída definitiva dos invasores, que o povo Tapirapé possa desfrutar dos seus direitos de usufruto exclusivo sobre seu território já tão dilapidado pelos anos de exploração de não-indígenas.

    Informações de Gilberto Vieira/ Cimi Regional MT e Christina Machado/ Repórter da Agência Brasil

    Criminalização

    Campanha contra criminalização do povo Xukuru continua

    dos povos indígenas realizados pelo Telephone Colorido.

    Como foi proposto na mesma as-sembléia, foi criado um Fórum de Apoio ao Povo Xukuru, que se encontra a cada duas semanas e foi reativado o grupo de informação e ação da Rede Xukuru. Logo depois foram difundidas na rede várias cartas de apoio, uma petição e um abaixo-assinado, para espalhar nas redes de contato.

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    PPovo Xukuru, em assembléia, quando foram traçadas as linhas de ação contra a criminalização do povo Xukuru

    do TRF, junto com o abaixo-assinado e a petição.

    Na Assembléia Xukuru foram de-lineadas as ações para denunciar e enfrentar a criminalização na sociedade civil e nos poderes públicos. Partici-param CCLF, CIMI, FIO CRUZ, UFPE e UPE, Estação da Cultura, Centro Josué de Castro, Fundarpe, Biblioteca Multi-cultural, Pastoral do Menor e pessoas solidárias. n

    SiteUm portal do Povo Xukuru, na In-

    ternet, está sendo construído e será ge-renciado pelo Ponto de Cultura do povo Xukuru, também em construção. O ponto prevê um laboratório informático e áudio-visual. Está sendo preparado também um dossiê histórico, jurídico e antropológico sobre o povo Xucuru e o processo que levou À condenação de 31 indígenas, para ser entregue aos juizes

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    Fotos: Eden Magalhães

  • 8Setembro–2009

    Guajará Mirim

    NSaúde doente

    Na aldeia Lage Velho, em Guajará Mi-rim, encontramos Dona A’ Ain Krati Oro Waram deitada em sua cama. A mãe do cacique tem uma tosse fraca e uma magre-za que denuncia a saúde frágil depois de ter contraído tuberculose. “A minha mãe fala que antes não existiam essas doenças e a gente não precisava usar remédio de branco, só remédio que a gente pegava do mato. Se ela estivesse boa, ela mesma contaria pra vocês as histórias do tempo dela, quando não precisava de médicos ou comprimidos para a dor”, diz o caci-que Alberto Oro Eo. Sua mãe é mais uma indígena que não consegue atendimento digno para o tratamento de suas enfermi-dades, porque nem mesmo posto de saúde sua comunidade tem. E também não tem transporte para levar os doentes para a cidade. Nem comunicação por rádio, para pedir ajuda.

    Distante 30 Km, Lage Velho é a aldeia mais próxima de Guajará Mirim e tem situação bem semelhante a outras aldeias mais distantes da região. O grande proble-ma de todas elas é a saúde. A convivência com não-índios também trouxe para esses indígenas o contato com doenças antes desconhecidas para eles e no meio da mata já não conseguem mais a cura para suas dores. Sem o posto de saúde, uma reivindicação antiga da comunidade, mui-tos moradores já morreram esperando um atendimento que nunca chegou.

    Falta recursos?Valdito Oro Eo é agente de saúde da

    Lage Velho. Nas reuniões e conferências sobre saúde indígena sempre participa

    m Guajará Mirim, saúde não é o único problema, apesar de talvez ser o mais grave. A disputa por

    terras continua e vem sempre seguida de discriminação. Lá, os indígenas é que são atacados como invasores de terras.

    Em audiência pública realizada no dia 28 de julho, na Câmara dos Vereadores de Guajará Mirim, seringueiros, políticos do município e seringalistas afirmaram que os indígenas da terra Rio Negro Ocaia querem invadir e tomar as terras

    Na fronteira com a BolíviaIndígenas enfrentam descaso na saúde, forte discriminação e a luta pela terra continua

    Maíra HeinenEditora do Porantim

    uma pequena casa, cheia de plantas e folhagens sobre o muro, na periferia de Guajará Mirim, mora Dona Justina, do povo Miguele-no, junto com

    sua neta. Ao ser expulsa de sua terra no ano de 1981, precisou vir para a cidade. Sempre trabalhou na roça, tirando seringa, fazendo artesanato de barro e palha. “De repen-te o Ibama chegou lá e falou que a gente tinha um mês para desocupar a área porque ia virar reserva”, relembra. Segundo ela, na área moravam em comu-nidade seringueiros, indígenas e quilom-bolas e não havia discussão.

    Ao ir para a cidade, deixou os sete fi-lhos com o pai. “Morei em casa de papelão e lona. As pessoas me olhavam e falavam: ‘O que é que esta índia está fazendo aqui’ e eu pensava: ‘Pra onde é que eu vou então se na minha terra não posso ficar e nem aqui?’”, relembra. Ela conta vários casos de discriminação, como a demora para conseguir a sua aposentadoria ou mesmo os atendimentos de saúde na Funasa. “Já cheguei a escutar que eu não era índia porque eu tava morando aqui na cidade e que índio é só aquele que fica lá na aldeia”. Com problemas na coluna, o que ela con-seguiu foi um auxílio doença do INSS, mas até hoje espera a aposentadoria.

    Uma das primeiras dificuldades que Justina cita é o fato de, ao morar na cida-

    de, não ser reconhecida como indígena até mesmo pela órgão indigenista oficial. “Você precisa ver como foi difícil para mim, ser reconhecida pela Funai”, desabafa. Viúva de um quilombola, seus filhos e ne-tos são uma mistura de negro e indígena. Assim, os filhos até hoje também sofrem

    discriminação e não são vistos como indígenas. “Só com a pressão do Ministério público é que reconheceram meus direi-tos, mas tem filha minha que não é reconhecida como índia. Falam que ela é negra”, diz.

    Histórico de sofrimento

    A história de dona Justina se repete em várias famílias indígenas de vários povos diferentes. Esmeraldina Monteiro, do povo Narimã, também mora na periferia de Guajará Mirim. Quando pequena, seu pai a doou para um casal da cidade. “Minha vontade era de voltar pra aldeia e ficar com meu povo. Eu apanhei muito da mulher que me adotou”, lembra. Segundo ela, a jus-tificativa para a doação era para que a filha pudesse estudar. “A mulher foi me registrar e eu não queria ter nome de branco, mas mesmo assim me coloca-ram esse nome”.

    Só quando adulta Esmeraldina pôde buscar seu povo e sua família. Quando busca a Funai para ser reconhecida como indígena, escuta sempre a mesma resposta.

    dos seringueiros da reserva extrativista. A audiência foi realizada a pedido

    dos seringueiros quando souberam de um GT da Funai que estuda a revisão dos limites da terra Rio Negro Ocaia. A revisão dos limites é uma reivindicação antiga dos povos indígenas que, todos os anos, elaboram documentos reivindican-do novos estudos para que tenham suas terras tradicionais de volta. Porém, com a revisão desta demarcação, a terra indí-gena pegará parte da reserva extrativista

    e os seringueiros já chegaram a impedir o trabalho da Funai, quando foram fazer levantamento fundiário da área.

    Ataques aos direitos indígenasDurante a audiência, os poucos indí-

    genas presentes (a maioria não foi avisada da audiência pública, ou ficou sabendo em cima da hora) foram obrigados a escutar verdadeiros insultos. Muitos representan-tes dos seringueiros e seringalistas che-garam a dizer que os indígenas daquela

    área não precisam de terra, que todo esse desejo pela área em questão faz parte de uma ganância que é alimentada por ONGs e pela Funai.

    Elibeu Carmo, chefe da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Rondônia (SEDAM) de Guajará Mirim, chegou a dizer que os estudos para a correção da demarcação da terra indígena é “um ato unilateral e ilegal por parte da Funai”. Paulo Lima, representando uma das associações de seringueiros ali presen-

    “A Socorro (Maria do Socorro Cruz, assis-tente Social da Funai de Guajará Mirim) sempre me diz que não sou indígena porque vivo na cidade. Diz também que índio da cidade não precisa de auxílio e benefícios indígenas”, declara. De acordo com Esmeraldina, a funcionária afirma que para saber se ela é indígena mesmo é necessário fazer exame de DNA. “Toda a minha família, que só pude conhecer depois de adulta, me reconhece como indígena, mas a Funai não”, completa.

    “Aqui com meus filhos a gente sempre sofre algum tipo de discriminação, por isso a minha vontade é de voltar pra aldeia e lutar com meus parentes para conseguir nossas terras” Ela conta que os filhos já foram chamados de “índios burros” no colégio e traumatizados não quiseram mais voltar pra tal escola. Quando também resolveu estudar, Esmeraldina conta que tinha vergonha e medo de falar que era indígena em sala de aula. “Eu tinha uma professora que dizia que detestava índio. Mas ela gostava muito de mim e me achava

    boa aluna, então eu não contava pra ela de jeito nenhum que eu era indí-gena”, diz.

    Esmeraldina sabe da história de luta de seu povo e fala de “uns gaú-chos que chegaram lá para procurar minério”.“Desde 1999 o nosso povo está lutando pela terra e até hoje nem tem GT da Funai

    lá”. A área, que está sempre cheia de pisto-leiro, era da empresa Camargo Correia e, segundo a indígena, hoje fazem parte das terras do governador Ivo Cassol.

    Terra e discriminação

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  • Acima, indígenas da Aldeia Lage Velho não possuem qualquer estrutura para o tratamento de doenças e vários já morreram à espera de atendimento.

    Ao lado, mulheres indígenas na Casa de Saúde Indígena: descaso

    9 Setembro–2009

    e reclama por melhores condições. Mas em sua fala descortina-se algo de triste. A tristeza profunda é de quem já perdeu uma filha e não teve a oportunidade de lutar por sua vida. Em 2007, com crises de vômito e diarréia, a filha de Valdito não conseguiu esperar o transporte que vinha da cidade e faleceu. Assim aconteceu com mais três pessoas, como relata o agente. “Os casos de verminose e malária são os mais comuns aqui. E a gente sempre reclama e o que escutamos é que não há recursos, o que sabemos que é mentira”, afirma Valdito.

    Depois de tantas mortes, o agente conta que foi realizada uma audiência pública e que ficou acertada a construção de um posto de saúde na comunidade. “A empresa de material de construção veio aqui, trouxe o material e depois de dez dias pegou tudo de volta, alegando falta de pagamento por parte da Funasa”, rela-ta. A situação que parece mentira é uma realidade e até hoje os moradores esperam a construção deste posto. “Foram prome-tidos sete postos de saúde para a região e até agora só existem três”, afirma.

    BarracãoUm casebre, antes utilizado para a

    estadia dos pedreiros que construíam banheiros na comunidade, agora é uma espécie de “farmácia”, onde também é feito o atendimento aos indígenas quando vem a enfermeira. “Aqui se mistura dentista com gente doente, tudo junto”, diz Valdito, apontando para a maca dentro do barra-cão. Com chão de cimento, sem nenhuma higiene, o local também não tem os remé-

    dios que deveria ter e, de acordo com os indígenas, na última estada da enfermeira, ela quase não pôde trabalhar, por falta de recursos e material. “Aqui é proibido ficar doente, porque se a gente adoecer a gente corre muito risco”, afirma o cacique, com sintomas de uma forte gripe.

    O desespero das lideranças da comu-nidade é tanto, que já pensaram até em fazer uma arrecadação do pouco que cada família tem na aldeia, para comprar remé-dios e abastecer a “farmácia”. “A gente fica desesperado aqui. Já participei de vários seminários e me disseram que em 2010 vai mudar de Funasa para Secretaria de Saúde Indígena. Não me importa quem for cuidar. Se não trocarem os funcionários e não mudar a forma como nos tratam não adianta nada”, fala indignado.

    tes, afirmou que não estão contra os indígenas, mas contra as instituições que apóiam os índios. “Essas ONGs que apóiam os índios é que não têm nada pra fazer e inventam trabalho, que é lutar por uma terra que nem é dos índios”, disse. Paulo também afirmou que os indígenas não precisam de terra. “A necessidade dos índios não é pra morar na terra, mas

    é a ambição de ter mais terra. Os índios não dão nem conta das terras que já têm”, completou.

    A fala dos povosApesar da presença escassa, os indíge-

    nas tiveram seus direitos de fala defendi-dos por duas fortes lideranças indígenas: Eva Kanoé, coordenadora da Coordenação

    das Nações e Povos Indígenas de Ron-dônia; Milton Oro Nao coordenador da Organização Indígena Oro Wari.

    Eva Kanoé, primeira a utilizar a pa-lavra, mostrou a indignação dos povos indígenas com tamanha discriminação em pleno ano de 2009. “Nós indíge-nas precisamos da terra, é um direito garantindo na constituição e não se pode chegar e dizer que se trata de um processo ilegal, porque não é!”. Ela também rebateu a fala de representantes

    dos seringueiros afirmando que os indí-genas não precisam daquela terra. “São os indígenas que teriam que estar aqui para dizer se precisam ou não da terra”, completou.

    Milton Oro Nao ressaltou quantas pessoas já morreram pela terra, seus avós e outros parentes. Ele também pediu que respeitassem os direitos dos povos indíge-nas e suas necessidades. “Se vocês têm a autoridade de vocês, nós também temos e queremos respeito”, completou. n

    Casa de saúde?

    A aldeia Lage Velho é apenas um dos locais onde a situação da saúde é agonizan-te no município de Guajará Mirim. A Casa de Saúde Indígena (Casai) é um nome que engana diante da realidade. Sem estrutura nenhuma para abrigar e cuidar de pessoas doentes, a própria Casai é que agoniza. Num mesmo espaço encontram-se grávi-das, pessoas muito gripadas, outras com malária e verminoses, dores pelo corpo e recém nascidos.

    Algumas salas haviam recebido camas novas, mas outras ainda abrigam indígenas dormindo no chão sujo de poeira. Cristina Oro Waram Xijein trouxe a sobrinha com malária, mas também estava com sérios problemas na coluna. “Falta medicamentos aqui, mas quando a gente vai pra Porto Velho a situação é ainda pior, porque os enfermeiros nos jogam na porta do hos-pital e vão embora”, desabafa. Segundo ela, os pacientes ficam sempre no chão dos corredores. “Quem fala mais alto ainda consegue alguma coisa. Nessas situações a gente tem gritar”, diz.

    A cada relato, os in-dígenas que precisam da Casai mostram o descaso com que são tratados e a falta de estrutura para os tratamentos. Muitos aca-bam comprando o próprio remédio para não morrer ou voltando para casa sem nenhum diagnóstico. Gra-cilda Kanoé, de 41 anos, precisou da ajuda do Mi-nistério Público para con-seguir seus remédios para

    hepatite B. “Depois de um ano brigando e passando muita dificuldade com essa do-ença, consegui meus remédios e agora faço exames todo mês. Se não fosse a pressão, não teria conseguido”, relata.

    Como lixoEm outra sala, também cheia de gente

    e um cheiro forte que vinha do banheiro, Anita Oro At acompanha a mãe, Marga-rete, que não conseguiu atendimento no hospital em Porto Velho. “A gente fica aqui jogado que nem lixo. Quando a gente re-clama, sempre falam que a Funasa não tem dinheiro e ficamos aqui passando mal”.

    Na cama ao lado da mãe de Anita, está Dorcas Oro Nao. A senhora geme de dor na região abdominal e até hoje não descobriram sua enfermidade. Anita in-tervém. “Nos tratam como crianças, como se a gente não soubesse de nada. Nunca nos explicam nada, ainda que a gente pergunte. Essa senhora aí não sabe mais o que fazer e fica aqui parada sem nenhum atendimento. E não adianta a gente ir pra Casai de Porto Velho, porque lá a situação é pior”, completa.

  • 10Setembro–2009

    Participando de algumas das confe-rências regionais e lendo os documen-tos finais pôde-se observar a variedade de informações sobre as escolas e a seriedade com que os povos indígenas discutiram sua realidade educacional. Um dos mais significativos resulta-dos desse processo foi a visibilidade proporcionada a uma infinidade de experiências escolares e aos mais va-riados modos de organizar o trabalho pedagógico nas aldeias.

    Apesar da precariedade e da escas-sez de recursos na maioria das escolas indígenas – denunciada pelos partici-pantes de diferentes estados – o que salta aos olhos são as soluções contex-tuais, os passos dados em um processo de luta por educação diferenciada e de qualidade iniciado há mais de três dé-cadas. Ressalta-se, aqui, a criatividade dos povos indígenas, suas insistentes buscas por modelos que respeitem as culturas, crenças, tradições, e sua ânsia para colocar sob controle a instituição escolar, para que ela efetivamente sirva aos seus interesses políticos, sociais e culturais.

    Contudo, as conferências regionais também deixaram à mostra o descaso, o abandono e a falta de investimentos governamentais. Revelaram o despre-paro de profissionais que ocupam cargos importantes nas administra-ções locais e regionais dos sistemas públicos e o autoritarismo de algumas

    Crianças em aula, na aldeia Lage

    Velho, no Município

    de Guajará Mirim – RO

    Educação Escolar

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    Iara BoninCimi Regional Sul

    etapa 1ª Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (Coneei) que estava prevista ocorrer entre 21 e 25 de se-

    tembro de 2009 foi adiada, por causa da evolução da gripe H1N1 (“gripe suína”). O Ministério da Educação e Fundação Nacional do Índio decidiram pelo adia-mento e não informaram a nova data do evento, que dever ser realizado até o fim do ano.

    A 1ª Coneei foi projetada em três momentos: o primeiro foi realizado nas “comunidades educativas”; o segundo, em 17 regiões brasileiras; e terceiro corresponde a esta etapa nacional.

    A base fundamental sobre a qual deve se assentar a discussão sobre oferta de educação escolar é o reconhe-cimento de que os povos indígenas têm o direito de participar amplamente na definição, organização e estruturação das políticas educacionais, para que estas sejam condizentes com seus interesses, necessidades e projetos de futuro. Este deve ser o caráter da Con-ferência Nacional de Educação Escolar Indígena, ou seja, ela precisa ser um amplo fórum de discussões, avaliações e deliberações, possibilitando aos povos indígenas o direito de serem protagonistas na formulação de novas propostas.

    Indígenas devem ser protagonistas na gestão de sistema escolar

    ntre as diversas questões a serem debatidas na 1ª Confe-rência Nacional de Educação

    Escolar Indígena está o Decreto que regulamenta os Territórios Etnoe-ducacionais, publicado em 27 maio de 2009, durante a realização das etapas regionais da Conferência. Nos documentos finais de diversas conferências regionais, como as da região Sul e da região Nordeste, os indígenas afirmaram que a definição sobre o número e a configuração dos Territórios somente deve ser definida após a Conferência Nacional.

    A publicação do Decreto antes da Conferência Nacional não foi bem recebida pelas lideranças indígenas.

    A edição do decreto já era esperada; po-rém, havia o compromisso informal de esperar os resultados da Conferência, para verificar as reivindicações dos in-dígenas, o que não aconteceu. Segundo Ricardo Costa, do Povo Tapeba, no Ce-ará, em muitas etapas regionais, repre-sentantes do MEC estão direcionando debates para que não sejam discutidos os territórios etno-educacionais, como definidos pelo decreto.

    EstatutoA educação escolar indígena também

    será regulada pelo novo Estatuto dos Povos Indígenas, que está em discussão no Câmara dos Deputados. Na proposta de Estatuto elaborada pela Comissão Na-

    cional de Política Indigenista (CNPI), será criado um Sistema Nacional de Educação Escolar Indígena (SNEEI), dentro do Sistema Federal de Ensino da União. O SNEEI será mantido com recursos específicos para educação previstos no orçamento da União. O Sistema também buscará a colabora-ção entre União, Estados e Municí-pios, prioritariamente na educação básica, respeitando os pactos entre União e as comunidades indígenas.

    O SNEEI será coordenado por um Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena, que será priorita-riamente presidido por um indígena e um não-indígena, alternadamente. (Marcy Picanço)

    MEC publica decreto sobre Territórios Etnoeducacionais antes de decisões da Conferência Nacional

    Conferência Nacional prevista para setembro foi adiada

    secretarias de educação em municípios e estados brasileiros nas relações com as escolas indígenas. Tudo isso indica a necessidade de transformação das estruturas atuais de oferta de edu-cação, fazendo respeitar a legislação vigente e impulsionando as formas de protagonismo dos povos e comunida-des. Os limites do atual sistema são de ordem política e financeira. Eles se materializam na impossibilidade de participação indígena nas diferentes

    esferas de definição das ações públicas a eles destinadas, bem como, na im-possibilidade de gestão autônoma de suas escolas e dos projetos de educa-ção escolar, num contexto mais amplo. Portanto, as propostas formuladas para solucionar os graves problemas atuais precisam assegurar o princípio da autonomia administrativa, financeira e de gestão das escolas.

    Nas conferências regionais foram di-versas as propostas para a organização de um sistema específico de educação escolar indígena – além daquela for-mulada de antemão pelo Ministério da Educação e apresentada na forma de Territórios Etnoeducacionais Indígenas. Em algumas conferências regionais foram retomadas propostas que cons-tam no Estatuto dos Povos Indígenas, prevendo um sistema organizado na base de distritos educacionais. O que ficou evidente, no entanto, foi o de-sejo de que esse novo modelo, a ser adotado, seja amplamente discutido, questionado, debatido, reorientado por propostas trazidas pelos professores e lideranças indígenas. Não é demais afirmar que tal anseio respalda-se nas determinações constitucionais e, ao garanti-lo, o Estado brasileiro estará reconhecendo que quem conhece, compreende e pode viabilizar uma edu-cação escolar indígena coerente e eficaz são os próprios povos e comunidades indígenas. n

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  • 11 Setembro–2009

    Lindomar PadilhaCimi Regional Amazônia Ocidental

    erca de 80 indígenas, do povo Apolima-Arara, acamparam na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Rio Branco,

    Acre, desde 12 de agosto. Eles exigem a imediata publicação da Portaria que declara a terra Arara do Amônia como tradicionalmente ocupada pelos indíge-nas. Outra reivindicação é a nomeação de um novo administrador da Funai local. Desde o início de agosto o antigo administrador foi exonerado e até agora o órgão indigenista está sem adminis-tração. A última informação que os in-dígenas receberam é de que o ministro deveria assinar a portaria declaratória no dia 20 de agosto. Até o fechamento desta edição os indígenas continuavam aguardando. Cerca de dez povos estão presentes na manifestação.

    Os Apolima-Arara vie-ram de sua terra localiza-da no Município de Ma-rechal Thaumaturgo, vale do Juruá, distante mais de mil quilômetros da capital do Acre. A viajem até Rio Branco demorou cerca de dez dias. Eles se desloca-ram por meio de canoas, barcos, carona em cami-nhão e, finalmente, an-daram um grande trecho a pé. Francisco Arara, cacique do povo Arara e um dos líderes da mobilização destaca a insatisfação do povo e a ur-gência dessa portaria declaratória. “Nós precisamos dessa portaria para termos paz. Recebemos ameaças constantes de posseiros, caçadores e madeireiros. Dentro de nossas terras, temos lagos e nem podemos pescar porque sempre somos ameaçados”, diz.

    Cimi regional Norte II reunido em sua XXIX assembléia tomou conhecimento de fatos preocu-pantes relacionados à atitude

    de intimidação e coação contra duas lideranças indígenas da região do médio Xingu, feita pela administração da Funai em Altamira. As lideranças participaram do encontro com o presidente Lula no dia 23 de julho deste ano e foram repreendidas pela administração da Funai de Altamira por estarem presen-tes na reunião.

    O presidente Lula recebeu repre-sentantes dos movimentos sociais da região do médio Xingu e Transama-zônica em audiência que durou mais de duas horas. Na oportunidade, o presidente pode ouvir os argumentos sociais e técnicos contra a construção da barragem de Belo Monte na região da Volta Grande do Rio Xingu. Além da comitiva de representantes da região faziam-se presentes nesta reunião os técnicos da Eletrobrás e Eletronorte e

    atitude prepotente o administrador teria advertido aos indígenas que estes não deveriam ter feito isso, pois não eram guerreiros e somente os povos guerreiros da região poderiam fazer isso. O fato gerou uma situação de cons-trangimento, medo e insegurança, uma vez que outros povos foram incitados a questionar as referidas lideranças.

    O CIMI estranha a atitude do ór-gão indigenista local, uma vez que o próprio presidente da Funai esteve presente nesta audiência com o Presi-dente Lula.

    Desta forma os missionários do Cimi regional Norte II, reunidos em Assembléia, vêm por meio desta nota repudiar esta atitude prepotente e au-toritária da Funai de Altamira em não considerar a opinião e a liberdade de ir e vir dos indígenas citados, pedindo com isso providências para que tais fa-tos não venham a se repetir, garantindo autonomia dos povos indígenas na luta e afirmação dos seus direitos. n

    o próprio presidente da Funai, Márcio Meira.

    Sagrado para os povos indígenas, o rio Xingu é de importância vital para as populações ribeirinhas e camponesas locais e povos da região. Não é a primei-ra tentativa de barrar esse importante rio. A novidade é que hoje querem fazer isso através de mentiras, engodo, ame-aças, cooptação e omissão de informa-ções. O EIA/RIMA é totalmente omisso ao fator antropológico, em particular aos impactos diretos e indiretos sobre as populações indígenas locais.

    Ao ouvir os argumentos colocados, o presidente Lula pediu o conhecimento do projeto e a revisão de sua concepção uma vez que era inviável do ponto de vista financeiro e técnico. Tal fato não chegou a ser noticiado pela mídia oficial nem por jornais que fizeram alusão aos resultados da audiência.

    Diante da exposição desses argu-mentos e após ouvir os representantes indígenas, o presidente Lula afirmou

    que não é intenção do seu governo “en-fiar goela abaixo” um empreendimento deste porte. Depois da audiência, os movimentos sociais e representantes indígenas presentes nesta reunião retornaram a Altamira para levar a boa notícia aos povos da região.

    ReprimendaSurpreendentemente ao chegar as

    suas respectivas aldeias, o indígena José Carlos Arara, do Povo Arara da Volta Grande do Xingu e o indígena Ozimar Pereira Juruna, do Povo Juruna da Aldeia Paquiçamba, foram chamados ao escritório da AER – FUNAI Altamira para que dessem satisfações de suas presenças na referida audiência com o presidente Lula.

    Os indígenas ouviram do administra-dor da Funai que estes não representa-vam os indígenas da região. O indígena Ozimar Juruna respondeu que estava lá representando somente parte de seu povo, que é contra a barragem. Em uma

    O cacique ressalta que com a por-taria, fica mais fácil proteger a terra. “Se regularizarem a nossa terra, não vamos deixar que façam extração ilegal de madeira ou mesmo caça predatória”, ressalta. Sobre as ações predatórias na área, várias denúncias foram feitas, mas, infelizmente, nenhuma medida foi tomada pelos órgãos responsáveis até o momento.

    A luta pela demarcação da terra indígena Arara do Amônia já se estende por mais de nove anos. Durante esse tempo muitos conflitos aconteceram e continuam acontecendo.

    Segundo o cacique Francisco Arara, eles não sairão da sede da Funai enquan-to não for publicada a portaria declara-tória. “Já temos o apoio de outros povos também insatisfeitos e que vão se juntar à luta”. Dia 12, eles foram recebidos pelo administrador substituto, Julio Barbosa, que se prontificou em encaminhar um documento para a Funai em Brasília pedindo que ela acelere o processo e converse com o Ministro da Justiça.

    Além de acamparem na Funai, os índios esperam ser ouvidos pelo Minis-tério Público Federal. n

    AforaPaís

    Lideranças Indígenas são coagidas pela Funai AER-Altamira

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    José Carlos Arara e Ozimar Pereira Juruna, em reunião com o presidente Lula

    Os Apolima-Arara ocupam sede da Funai no Acre

    C Protesto dos Apolima Arara na sede da Funai em Rio branco – AC

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  • 12Setembro–2009

    Em Brasília, trabalhadores e

    trabalhadoras fazem

    mobilizações para reivindicar,

    entre outros pontos, reforma agrária. Abaixo,

    indígenas participam da

    jornada de Lutas no

    Mato Grosso do Sul e também

    pedem regularização

    fundiária

    Egon HeckCimi Regional MS

    aldirene pede para todos os mar-chantes estenderem a mão. “Esse é o nosso gesto de compromisso

    com esses nossos irmãos indígenas, que há pouco aqui se apresentaram. Eles estão aqui, conosco, talvez um tanto desfigurados, pela história de violência desses 500 anos. Eles eram milhões. Foram massacrados. Mas hoje estão aqui, a lutar a exigir seus direitos. E nós que somos lutadores de uma nova so-ciedade temos um compromisso muito grande com esses nossos irmãos indíge-nas. Principalmente porque nossa luta é comum pela terra. Mas eles mais do que ninguém têm direito a ter o quanto antes suas terras reconhecidas. E nis-so nós temos que ser solidários com eles. Lutar e dar todo a apoio a eles”. Emocionada ela foi dizendo”somos todos índios, precisamos estar ao lado deles...” Fortes aplausos.Ela ainda lembrou dos muitos companheiros sem terra e lutadores da transformação da sociedade, que tombaram e que cer-

    tamente estão dando força à marcha. Assim foi encerrada a noite cultural da marcha em Anhanduí.

    A apresentação antes da fala de encerramento foi dos Kaiowá Guarani. Apresentaram algumas danças rituais e foram entusiasticamente aplaudidos, tendo sido solicitado mais apresenta-ções. Eles atenderam com mais uma dança. Foi um dos momentos fortes de entrosamento, de conhecimento, de valorização, de solidariedade e compro-misso. Já na parte da manhã a questão indígena, e mais especificamente a demarcação de suas terras é um dos 12 itens da pauta da Marcha da Terra no Mato Grosso do Sul.

    No asfalto a marcha avança com muita dignidade. A grande maioria com chinelos de dedo nos pés, força, consciência e dignidade no coração e na mente. É gente humilde, talvez até muitos sejam privados de grandes conhecimentos escolares. Tem apenas a sabedoria da vida e da luta. Mas estão aí com muita dignidade. “Não somos sem defeitos, e somos humanos e li-mitados como qualquer outra pessoa, porém o que temos é um grande sonho, uma forte razão para lutar e viver. Isso nos torna dignos, isso nos faz vibrar e lutar”, disse Valdirene na sua fala na noite anterior.

    Na mesma apresentação foi também lido um “manifesto Kaiowá Guarani em Marcha”. No documento expressam as razões de estarem marchando com outros companheiros(as) sem terra e quilombolas. A marcha, apesar dos pe-quenos problemas normais, e um certo baque físico pela distância já percorrida, continuou firme, animada e com muita disposição de chegar em Campo Grande e se unir aos demais marchantes, da região do pantanal e dos bairros. n

    Jornada de Luta da Via Campesina MST mobiliza o Brasil na segunda semana de agosto

    jornada de lutas do MST, que cobra do governo federal a realização da Reforma Agrária e o fortalecimento dos assenta-

    mentos, mobilizou 14 estados entre os dias 10 e 14 de agosto, com a realização de manifestações em superintendên-cias do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em seis estados e em Brasília, além de marchas e protestos. Eles ocuparam também as sedes do Incra em Boa Vista (RR), Salvador (BA), Belém (PA), Natal (RN), Fortaleza (CE) e Petrolina (PE), além de marchas e protestos.

    As mobilizações exigiam o descon-tingenciamento de R$ 800 milhões do orçamento do Incra para este ano e

    aplicação na desapropriação e obtenção de terras, além de investimentos no passivo dos assentamentos. Também reivindicam a atualização dos índices de produtividade, intocados desde 1975, e investimentos para o fortaleci-mento dos assentamentos na áreas de habitação, infra-estrutura e produção agrícola. Parte significativa das famí-lias acampadas do MST está à beira de estradas desde 2003 e 45 mil famílias foram assentadas apenas no papel.

    Na sexta-feira, mais de 20 entida-des sindicais, populares e estudantis organizaram atos em todo o país em defesa dos direitos dos trabalhadores e contra as demissões, por conta da crise econômica mundial. Em Brasília,

    os 3.000 trabalhadores rurais Sem Terra, que integram o Acampa-mento Nacional pela Reforma Agrária, fize-ram ato na Esplanada dos Ministérios.

    ProtestosNesta quinta-feira,

    3000 trabalhadoras e trabalhadores do MST e da Via Campesina saíram em marcha pela manhã do estádio Mané Garrincha, em Brasília, até a sede do Incra Nacional, onde fizeram vigília em pressão pelo cumprimento das reivindicações apre-

    sentadas ao governo federal. No Distri-to Federal, 400 trabalhadores Sem Terra ocuparam a superintendência regional do Incra.

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    Às quatro da manhã hora de des-pertar. Uma noite fria tirou o sono de alguns. Porém o calor humano, pois mais de 300 pessoas estavam dormindo num grande barracão da Associação dos Trabalhadores, evitou que o frio fosse mais doído. A lua repartia com as estre-las o espaço celeste. Quando a marcha partiu parecia uma grande procissão de fumantes. Todos soltavam o ar que tomava forma visível ao contato com o frio. Pontualmente às 5 horas deixamos Anhandui, para logo entrar novamente na BR 163. Grande agitação de cami-nhões e carros. Muitos caminhoneiros expressavam seu gesto de solidariedade à marcha através de longas buzinadas.

    São bom número de caminho-neiros que também se sentem igualmente explorados pelo sistema e seus patrões e que sonham com dias melhores, de justiça e liberdade. Uns, gentilmente reduzem a velo-cidade para não impactar os caminhantes. Porém há outros que, com muito desdém, desa-provam a caminhada.

    Os Guarani marcham na jornada de lutas no Mato Grosso do Sul

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  • 13 Setembro–2009

    Dom Helder: “Quando falo dos famintos, me chamam de cristão; quando falo das causas da fome me chamam de comunista”

    Homenagem

    Frei BettoEscritor e Teólogo

    onheci Dom Helder Câmara – cujo centenário de nascimento ele teria comemorado no últi-mo dia 2 de fevereiro – quando

    era bispo auxiliar do Rio de Janeiro, nos anos 60. Homem de muitos talentos e tarefas, ocupava-se também da Ação Católica, movimento que agrupava o chamado A, E, I, O e U (JAC, JEC, JIC, JOC e JUC). Eu participava da direção nacional da JEC – Juventude Estudantil Católica. Dom Helder nos coordenava, cuidava de nos matricular numa escola, com bolsa de estudos, e de nos asse-gurar recursos para o trabalho, como passagens aéreas que possibilitavam aos dirigentes do movimento viajar por todo o país. Graças ao prestígio dele, as portas se abriam.

    O empreendedor Além dos anos em que fiquei na

    direção da Ação Católica (1962-1964), convivi com Dom Helder no último período da vida dele. Anualmente eu participava, no Recife, da Semana Teoló-gica promovida pelo grupo Igreja Nova. Nunca deixava de visitá-lo na igreja das Fronteiras, onde residia.

    Homem pequeno e frágil, Dom Helder tinha características curiosas: quase não se alimentava. Todos diziam que ele comia feito passarinho. Também dormia pouco, tinha um horário estra-nho de sono: se deitava por volta de 11h, levantava às duas da madrugada, sentava numa cadeira de balanço e se entregava à oração. Era, como ele dizia,

    seu “momento de vigília”. Rezava até as quatro, dormia mais uma hora, hora e meia, e levantava para celebrar missa e começar seu dia.

    Nos anos 60, Dom Helder encabe-çava, no Rio, a Cruzada São Sebastião, projeto de desfavelização criado por ele. Malgrado a meritória intenção de propiciar aos mais pobres condições dignas de moradia, não deu certo: sem renda suficiente ou desempregados, moradores de favela eram transferidos para um apartamento que tratavam de sublocar; ou arrancavam a banheira, a pia, a torneira, para fazer dinheiro e comer.

    O denunciador Dom Helder morava numa casa mo-

    desta ao lado da igreja das Fronteiras. Frequentemente, as pessoas que toca-vam a campainha eram atendidas pelo próprio arcebispo. Certa noite, a polícia fez uma batida numa favela do Recife, em busca do chefe do tráfico de drogas. Confundiu um operário com o homem procurado. Levou-o para a delegacia e passou a torturá-lo. A lógica da polícia era esta: se o cara apanha e não fala é porque é importante, treinado para guardar segredos. Os vizinhos e a famí-lia, desesperados, ficaram em volta da delegacia ouvindo os gritos do homem. Até que alguém teve a ideia de sugerir que a esposa do operário recorresse a Dom Helder.

    A mulher bateu na igreja das Fron-teiras: “Dom Helder, pelo amor de Deus, vem comigo porque lá na delegacia do bairro estão matando meu marido de pancadas”. O prelado a acompanhou.

    Ao chegar lá, o delegado ficou assusta-díssimo: “Eminência, a que devo a honra de sua visita a esta hora da noite?” Dom Helder explicou: “Doutor, vim aqui porque há um equívoco. Os senhores prenderam meu irmão por engano”. “Seu irmão?!” “É, fulano de tal – deu o nome – é meu irmão.” “Mas, Dom Helder”, reagiu o delegado, “o senhor me desculpe, mas como podia adivinhar que é seu irmão. Os senhores são tão diferentes!”. Dom Helder se aproximou do ouvido do policial e sussurrou: “É que somos irmãos só por parte de Pai”. “Ah, entendi, entendi.” E liberou o homem.

    Essas as tiradas de Dom Helder, capaz de jogadas proféticas que provo-cavam certa ciumeira entre os bispos. Ele tinha muitos aliados no episcopado, mas também quem invejasse seu pres-tígio mundial.

    Se nós, hoje, na Igreja, falamos de direitos humanos, especificamente a Igreja do Brasil, que tem uma pauta exemplar de defesa desses direitos

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    Formas de pagamento:

    apesar de todas as contradições, isso se deve ao trabalho de Dom Helder. Nenhum episcopado do mundo tem agenda semelhante à da CNBB na defesa dos direitos humanos. A começar pelos temas anuais da Campanha da Fraterni-dade: idoso, deficiente, criança, índio, vida, segurança etc. Isso é realmente um marco, algo já sedimentado. Também as Semanas Sociais, que as dioceses, todos os anos, promovem pelo Brasil afora, favorecem a articulação entre fé e polí-tica, sem ceder ao fundamentalismo.

    Dom Helder sempre dizia: “Quando falo dos famintos, todos me chamam de cristão; quando falo das causas da fome, me chamam de comunista”. Isso demonstra bem o incômodo que causa-va. Não era um bispo que falava apenas de quem passa fome, mas também das causas da fome e da miséria, o que incomodava o sistema que se recusa a tratar as causas da miséria, porque fazem parte de sua própria lógica. n

    *Trecho de texto escrito por Frei Betto e publica-do na revista Fórum, Edição 71

    O Dom Helder que conheci

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  • 14Setembro–2009

    Povo marubo e ritual de caça no Vale do

    Javari

    A VIDA DOS POVOS

    Luisa FernandesCimi equipe itinerante no Vale do Javari

    e Abril a Julho estive na Aldeia Maronal, no Vale do Javari, reserva indígena brasileira com 8,5 milhões de hectares

    (equivalente à área de Portugal). Está localizada na fronteira com o Peru, na região mais ocidental do Estado do Amazonas. Nela vivem seis etnias conhecidas – Korubo, Mayoruna, Ma-tis, Kulina, Kanamary e Marubo – e a maior quantidade de índios “isolados” (sem qualquer contato com o homem branco) do Brasil. Com 50 aldeias e uma população de 3.687 indígenas, o isolamento geográfico dos indígenas leva até mesmo as aldeias que já fizeram contato com a civilização manterem suas tradições e terem pouca influência da cultura do homem branco.

    Na aldeia do Maronal vivem cerca de 300 Marubo. Está num dos locais mais remotos do Brasil. Para chegar-mos da cidade mais próxima, Atalaia do Norte, até o Alto Curuçá (afluente do Rio Javari onde se encontra a Al-deia Maronal), são 450 km em linha reta, gastamos cerca oito dias e oito noites de barco. Comunicação não há. Éramos três pessoas da Equipa Itine-rante. Foi a primeira vez que eu estive mais tempo com um povo indígena de pouco contato. O nosso objetivo principal era a convivência com eles, o apoio pedagógico aos professores e também na área da saúde. Um dos nos-sos maiores desafios foi a questão da língua, pois apenas os jovens e alguns homens falam português. As mulheres não sabem, ou entendem pouco e têm muita vergonha de falar.

    A festa do Macaco preto é uma das festas que os Marubo realizam a cada ano. Normalmente é em Abril ou Maio, pois é quando os macacos estão mais gordinhos. Para eles é um prato muito apetecível; para nós “nawas” (brancos), ainda há certa resistência a comer o “parente”. Fi-lo, mas prefiro outra caça. Esta festa foi organizada pela Aldeia Mo-rada Nova (a 2h do Maronal, descendo o Curuçá). Quem convoca à participação de outras malocas é o dono da maloca. Os donos de maloca que conquistaram prestígio social são aqueles que têm um modo de agir comedido e pacífico; são grandes articuladores, promovem festas mobilizando um grande número de pessoas para trabalhar, homens para caçar e mulheres para cozinhar; são homens de paz e procurados como conselheiros. São os chamados kakáya.

    Esta festa se inicia com a entronização do Ako: é um instrumento de animação e de comu-nicação feito com um tronco de árvore com 1,5 m. de largura e 0,5 de diâmetro, oco no meio e com uma fenda lateral. O transporte do Ako desde a mata, onde foi confec-cionado, até o interior da maloca constitui também uma ocasião ritual. O pesado instrumento é amarrado ao centro de um longo tronco, cujas extremidades os homens colocam nos ombros. Os carregadores, apoiados em bastões, além de terem de andar pelo ca-

    Com os Marubo no Vale do JavariTambém as mulheres são picadas para não falharem ao trabalhar com a agulha no artesanato; e as crianças para não ficarem preguiçosas nas suas atividades. Muito grito de dor, mas vivido em forma de brincadeira. Dedicam um bom tem-po a preparar alguns adornos com palha de buritizeiro (uma palmeira). Depois, já na maloca, a aplicação do ramo de ortiga nos braços e as brincadeiras que imitam as diferentes fases das caçadas de modo a propiciar os resultados desta atividade predominam sobre boa parte do rito. Os marubo mais velhos, os caciques e os pajés consomem constantemente o rapé, o pó feito com fumo plantado nas roças e cinza de uma madeira retirada da floresta, e tomam a ayahuasca, uma bebida feita com uma raiz de palmeira.

    Nessa madrugada os caçadores saíram para caçar. Levaram as armas (espingarda e arco e flecha), algumas mulheres e filhos. São elas que prepa-ram a comida nos dias em que eles es-tão acampados fora da aldeia. Passados três dias apareceram com 46 macacos, quatro antas e 16 queixadas (javali) car-regados ás costas em cestas feitas com folhas de coqueiro entrelaçadas. Toda esta caça já vinha moqueada (assada, sem tempero). É a forma de conservá-la durante uns bons dias. Reunimo-nos de novo todos os convidados para comer durante dois dias toda essa caça junto com macaxeira (cozida ou assada), min-gau de banana (manimotsá). Tudo num clima de grande alegria, festa, danças e muitas brincadeiras, embalados pelo batuque do ako.

    Participar desta festa, em cada um destes momentos, revelou bastante a identidade própria deste povo: o aspecto de partilha, capacidade de brincadeira, de se divertirem todos juntos de forma tão saudável... São possuidores de inumeráveis riquezas e utopias culturais e religiosas. Nas suas cosmovisões e projeções ideais de sociedade, economia, família, cultura e religião encontram-se interativos e interdependentes com os valores cul-turais e espirituais.

    A enorme riqueza biológica e cultu-ral da TI Vale do Javari está hoje sob a guarda quase exclusiva dos povos indí-genas. A importância do conhecimento que estes povos possuem para o futuro das relações homem-natureza nas com-plexas áreas tropicais é subestimada ou mesmo desconsiderada nas políticas públicas para a região. n

    minho escorregadio, enlameado pelas chuvas, devem suportar também as cócegas que lhes fazem as mulheres que os classificam como maridos.

    Na maloca, com pilões de um me-tro e meio de altura, três indígenas vão batucando a ritmos diferentes. As mulheres todas enfeitadas dançam. Pouco depois, os homens dançam invo-cando os espíritos pedindo para serem picados pela “vina” (caba - espécie de abelha) para serem bem certeiros cada vez que dispararem em algum macaco e que este também não fique “engancha-do” nas árvores. Segue-se então a “Vina atxia” (pega caba). Eles vão de novo para a mata, agora, para derrubar a árvore onde se encontra a casa da caba. Mui-tas pessoas, sobretudo os caçadores, aproximam-se e deixam-se picar para “não panemar” (não falharem na caça).

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  • 15 Setembro–2009

    Indígenas Ashaninka participam do Encontro Pan-amazônico

    Resenha

    Janina Budi Cooperante DED no Faor (Fórum da Amazônia

    Oriental)

    oi realizado em Belém, nos dias 14 a 17 de julho, o encon-tro Pan-Amazônico que deu continuidade ao processo da

    rearticulação dos movimentos sociais da região amazônica, retomado durante a construção do Fórum Social Mundial 2009. Estiveram presentes 135 repre-sentantes de 86 entidades da Amazônia Legal, entre eles integrantes do FAOR de toda a Amazônia Oriental, assim como do Suriname, Guiana Francesa, República Cooperativa de Guiana, Bolívia, Peru e Venezuela.

    A abertura se deu em solidariedade aos povos indígenas da Amazônia pe-ruana. As irmãs Marishory e Schunita Samariego Pascual - do povo indígena peruano Ashaninka - relataram sobre o massacre cometido no dia 2 de junho pelo governo peruano contra um grupo de indígenas na Amazônia peruana que estava protestando de forma pacífica contra a exploração dos recursos na-

    O encontro Pan-Amazônico culminou com a reconstituição do Conselho Pana-mazônico, que preparará a realização do V Fórum Social Pan-Amazônico rumo ao FSM 2011 no Senegal, na África, e com a elaboração participativa de um manifesto público. Neste manifesto, os representan-tes se posicionaram, entre outras coisas, contra o sistema capitalista guiado pelo lucro e não pela satisfação das necessi-dades humanas, e afirmam a necessidade de respeitar os direitos dos povos tradi-cionais. Outro encaminhamento foi que a articulação pan-amazônica participará de forma coletiva da Semana de Mobilização Global de Luta pela Mãe Terra e contra a Colonização e a Mercantilização da Vida (12 a 18/10). n

    Leda BosiSedoc

    onforme as palavras do autor “este é um livro amazônico,

    escrito por um amazonense e pode ser lido por pessoas que querem adquirir mais conhecimento, pois não é um texto acadêmico”. Seu principal objetivo é oferecer aos professores de História do Ensino Médio e outros interessados no assunto, um esboço geral do processo his-tórico da sociedade, economia e política administrativa do Amazonas e, em parte, da Amazônia como um todo.

    O autor, mestre em História pela USP, foi professor dos antigos 1º e 2º graus e atualmente leciona na Universidade Fe-deral do Amazonas (UFAM). Sem perder o eixo da preparação dos alunos do ensino médio para o vestibular das universidades públicas, o livro se diferencia dos demais por dar o foco devido aos povos indígenas na história do Amazonas. Além do contato com fontes primárias manuscritas ou já publicadas, Francisco Jorge procurou “(...) na medida do possível, reunir tudo o que foi produzido nas diferentes áreas de conhecimento sobre a Amazônia”. Informações que se encontram dispersas em centenas de obras já publicadas ou não, (...) “trabalhos que foram produzidos

    durante os últimos quatro séculos foram analisados, interpretados e muitas vezes reinterpretados argumentos que já se encontravam cristalizados”.

    A obra está estruturada em duas partes que contêm cinco unidades compostas por 16 capítulos. Na primeira, temos uma abor-dagem histórica da Amazônia portuguesa e na segunda há uma concentração maior no Amazonas brasileiro. É rica em detalhes e dados que poucas vezes foram trazidos ao conhecimento do público. Sendo um fruto de pesquisa, o livro vai além dos contextos históricos mais formais.

    O estudo começa com uma nova inter-pretação das sociedades pré-coloniais da Amazônia, onde pesquisas arqueológicas mostram que havia populações em áreas produtivas ao longo do rio Amazonas, por volta de 6.000 a.C. Já o período de 1.000. a.C a 1.000 d.C, se caracteriza pelo surgimento de comunidades indígenas com grau de complexidade bastante signi-ficativo na sua economia, e organizações políticas e sociais. Na leitura complemen-tar desse capítulo há descrição de desco-bertas de que haveria cidades indígenas com até 10.000 moradores.

    Sobre a Amazônia Indígena nos sé-culos 16 e 17 acompanhamos os fatos históricos que permearam esse período, como o Tratado de Tordesilhas, União Ibé-

    História Geral da Amazônia

    Indígenas da Amazônia Peruana enfatizam resistência contra a mercantilização de recursos naturais

    Ameríndia

    turais por empresas internacionais na sua região. Morreram naquele dia 34 indígenas e 24 policiais, dezenas mais desapareceram. A pressão nacional e internacional que seguiu fez com que o governo do presidente Alan Garcia pedisse um prazo