Pietro Ubaldi - I Obra - II Trilogia.pdf
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Pietro Ubaldi
I PARTE II PARTE III PARTE
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HISTRIA DE UM HOMEM
PREFCIO .................................................................................................................................................................. 1 I. DO SEU DIRIO .................................................................................................................................................... 5 II. O PROTAGONISTA E O AMBIENTE ............................................................................................................... 6 III. O SIGNIFICADO E O MTODO DA VIDA .................................................................................................... 8 IV. NASCE UM HOMEM E UM DESTINO.......................................................................................................... 10 V. A PROCURA DE SI MESMO ............................................................................................................................ 12 VI. PRIMEIRAS ESCOLAS E PRIMEIROS PROBLEMAS ............................................................................. 15 VII. ESTUDOS UNIVERSITRIOS E EXPLORAES INTERIORES.......................................................... 17 VIII. OS TRS CAMINHOS DA VIDA ................................................................................................................. 19 IX. A DOR NA LGICA DO DESTINO ................................................................................................................ 21 X. O PROBLEMA DA RIQUEZA, DO TRABALHO E DO EVANGELHO ..................................................... 23 XI. POBREZA E TRABALHO ............................................................................................................................... 25 XII. ATRIBULAES ............................................................................................................................................. 27 XIII. A DIVINA PROVIDNCIA ........................................................................................................................... 28 XIV. AFIRMAES ESPIRITUAIS ...................................................................................................................... 31 XV. SOFRIMENTOS E VISES ............................................................................................................................ 33 XVI. OS ASSALTOS ................................................................................................................................................ 37 XVII. OS CAMINHOS DO MUNDO ...................................................................................................................... 38 XVIII CONDENADO ............................................................................................................................................... 41 XIX. NO INFERNO TERRESTRE ......................................................................................................................... 43 XX. REVOLTA ......................................................................................................................................................... 45 XXI. A TRAIO DE JUDAS ................................................................................................................................ 48 XXII. MENTIRAS E JUSTIFICAES ................................................................................................................ 50 XXIII. O EVANGELHO E O MUNDO .................................................................................................................. 53 XXIV. A LUTA PELO IDEAL ................................................................................................................................ 55 XXV. RESSURREIO .......................................................................................................................................... 57 XXVI. AMA O TEU PRXIMO ............................................................................................................................. 60 XXVII. ASCENES HUMANAS ......................................................................................................................... 63 XXVIII. LTIMOS ACORDES .............................................................................................................................. 65 XXIX. ADEUS IRM DOR ................................................................................................................................. 67 XXX. CHEGADA DA IRM MORTE ................................................................................................................... 70
FRAGMENTOS DE PENSAMENTO E DE PAIXO
PRIMEIRA PARTE APRESENTAO .............................................................................................................. 75
APRESENTAO.................................................................................................................................................... 75 PROGRAMA ............................................................................................................................................................. 76 PRINCPIOS (1952) ................................................................................................................................................. 77 A VERDADEIRA RELIGIO (1952) ..................................................................................................................... 79 CARTA ABERTA A TODOS (1933) ...................................................................................................................... 80
SEGUNDA PARTE A EVOLUO ESPIRITUAL (1932) ................................................................................ 81 PREMISSA ................................................................................................................................................................ 81 I OS CAMINHOS DA LIBERTAO ................................................................................................................ 81 II A EVOLUO ESPIRITUAL NA CINCIA E NAS RELIGIES ............................................................ 88 III O REINADO DO SUPER-HOMEM .............................................................................................................. 93 IV EXPERINCIAS ESPIRITUAIS .................................................................................................................. 103
TERCEIRA PARTE VISES .............................................................................................................................. 107 O CANTO DAS CRIATURAS (1932) ................................................................................................................... 107 TRPTICO (1928) ................................................................................................................................................... 107 CNTICO DA DOR E DO PERDO (1933) ....................................................................................................... 109 TRPTICO (1934) ................................................................................................................................................... 109
QUARTA PARTE O PROBLEMA DA EDUCAO ....................................................................................... 110 O PROBLEMA DA EDUCAO (1939) ............................................................................................................. 110 A PSICOLOGIA DA ESCOLA IMPRESSES (1933) .................................................................................... 113 A ARTE DE ENSINAR E DE APRENDER (1934) ............................................................................................. 114
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QUINTA PARTE PROBLEMAS ATUAIS ......................................................................................................... 116 A HORA DE NAPOLEAO (1939) .......................................................................................................................... 116 O PROBLEMA AGRRIO (1939) ........................................................................................................................ 117 O PROBLEMA RELIGIOSO (1939) ..................................................................................................................... 120 URBANISMO E RAA (1939) ............................................................................................................................... 121 A EVOLUO E A DELINQUNCIA (1939) ..................................................................................................... 123
SEXTA PARTE PROBLEMAS ESPIRITUAIS ................................................................................................. 124 AUTO-OBSERVAO DA MEDIUNIDADE (1933) .......................................................................................... 124 CONSCINCIA E SUBCONSCINCIA (1930) ................................................................................................... 126 POR UMA VIDA MAIOR (1930) .......................................................................................................................... 127 A RECONSTRUAO DO TMULO DE SO FRANCISCO .......................................................................... 128 OS IDEAIS FRANCISCANOS DIANTE DA PSICOLOGIA MODERNA (1927) ........................................... 129 O PROBLEMA DA VIDA E DO ALM NO FAUSTO DE GOETHE (1931) ............................................. 134 GNIO E DOR (1935) ............................................................................................................................................. 136
STIMA PARTE NOVELAS: EM BUSCA DA JUSTIA (Trptico 1953) ................................................ 138 I. A JUSTIA ECONMICA ................................................................................................................................ 138 II. VERDADEIRO AMOR ..................................................................................................................................... 140 III. O ENCONTRO CONSIGO MESMO ............................................................................................................. 141
A NOVA CIVILIZAO DO TERCEIRO MILNIO
PREFCIO .............................................................................................................................................................. 145 I. A VERDADEIRA CIViLIZAO ..................................................................................................................... 145 II. O INVOLUDO E A PROPRIEDADE ............................................................................................................. 149 III. TIPOS BIOLGICOS E MTODOS DE AQUISIO .............................................................................. 153 IV. ERROS E ASCENSES HUMANAS ............................................................................................................. 156 V. AS GRANDES UNIDADES COLETIVAS ....................................................................................................... 158 VI. A LEI DA HONESTIDADE E DO MRITO ................................................................................................. 163 VII. RUMO A NOVO MUNDO ............................................................................................................................. 168 VIII. ENTENDIMENTO, RECONSTRUO, PROGRESSO. ......................................................................... 171 IX. DAS TREVAS LUZ ....................................................................................................................................... 175 X. O PROBLEMA DO MAL .................................................................................................................................. 177 XI. A ECONOMIA DO EVOLUDO..................................................................................................................... 180 XII. POBREZA E RIQUEZA ................................................................................................................................. 183 XIII. PROBLEMAS LTIMOS ............................................................................................................................. 186 XIV. CONSEQNCIAS E APLICAES......................................................................................................... 188 XV. TIPO BIOLGICO DO FUTURO ................................................................................................................ 191 XVI. VISO (1
o TEMPO) ....................................................................................................................................... 194
XVII. VISO (2o TEMPO) ..................................................................................................................................... 198
XVIII. COMENTRIOS E PREVISES ............................................................................................................. 201 XIX. O SERMO DA MONTANHA..................................................................................................................... 203 XX. O PENSAMENTO SOCIAL DE CRISTO .................................................................................................... 209 XXI. CRISTO PERANTE ROMA ......................................................................................................................... 211 XXII. TEMPESTADE ............................................................................................................................................. 215 XXIII. VINGANA OU PERDO ........................................................................................................................ 221 XXIV. NOSSO LIVRE DESTINO ......................................................................................................................... 224 XXV. O DUALISMO FENOMNICO UNIVERSAL ......................................................................................... 229 XXVI. A MSICA A VIDA DUPLA .................................................................................................................. 235 XXVII. A PERSONALIDADE HUMANA (1
a PARTE) ...................................................................................... 242
XXVIII. A PERSONALIDADE HUMANA (2a PARTE) ..................................................................................... 248
XXIX. SO FRANCISCO NO MONTE ALVERNE (1a PARTE)..................................................................... 255
XXX. SO FRANCISCO NO MONTE ALVERNE (2a PARTE) ....................................................................... 260
CONCLUSO .......................................................................................................................................................... 264 CONCLUSO (Da II Trilogia) .............................................................................................................................. 266
Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)....................................................................................pgina de fundo
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Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 1
HISTRIA DE UM HOMEM
A meu filho, morto pela ptria.
O progresso das comunidades depende do sucesso de rars-simos sbios, que se esquivam ao contgio da mentalidade
comum. JOSEPH JASTROW
PREFCIO
Quantos lerem este volume, crendo encontrar nele o mes-
mo Ubaldi dos seus livros anteriores, ficaro desiludidos. A cada novo livro ele transforma e renova a sua personalidade.
Cada um dos seus volumes um documentrio daquilo que foi,
real e espiritualmente, uma fase de sua vida. Intil, portanto, procurar-se nestas pginas as mesmas proposies e atitudes
dos seus trabalhos precedentes. necessrio desde logo este esclarecimento, para que o leitor no seja enganado e porque
os mal-entendidos so detestveis. Nada existe aqui de mediu-nidade, biosofia, espiritualismo e semelhantes. A personalida-
de do autor, que nunca fez parte de nenhum grupo nem se li-
gou a qualquer escola, permanecendo sempre livre e indepen-dente no seu desenvolvimento, atinge agora, completamente
renovada, outras afirmaes. horrvel repetir-se, permanecer-se estagnado em determinado campo. Somente quem se reno-
va, vive. A constante especializao no particular poder ser
materialmente til, mas paralisia do esprito. A precedente tetralogia, em que o autor, partindo da matria
e chegando ao esprito, percorre o caminho que vai da Terra ao Cu, tetralogia representada pelas Mensagens Espirituais
1, A
Grande Sntese, As Nores e Ascese Mstica, um edifcio com-pleto, uma fase superada, um perodo encerrado. Ocorreu de-
pois, no esprito do autor, uma crise terrvel, necessria para
uma renovao, um completamento e uma continuao, coisas que, sem tormentas e crises, no podem acontecer. Aqui, Ubaldi
reaparece, depois de um silncio em que passou pelos dolorosos sofrimentos que esperam os que seguem os caminhos do ideal.
Antes, ele era um terico e sonhador, podia dizer-se. Mas, agora,
ele j bateu a cabea na realidade da vida humana e no o mais. O golpe foi duro para ele e destruiu aquela f ingnua e
simples que lhe fazia dizer tudo com franqueza, sem a astcia das prevenes humanas. Avalie-se, pois, este livro tambm por
aquilo que o autor teria podido dizer, mas que preferiu calar. Desencadeou-se naquela alma, partindo do homem, uma grande
tempestade, que terminou ante a face de Deus. Ele no se lamen-
ta de tudo isso, pois sabe que vislumbrou uma novidade impor-tante, embora atravs da amarga experincia, sabe que aprendeu
a conhecer o homem, porque fez uma nova e grande descoberta, ou seja, que as conquistas espirituais, como a matria e a vida,
so indestrutveis e que as incompreenses, os obstculos e os
sofrimentos refinam e purificam o esprito, ao invs de abat-lo. Est satisfeito porque, com o seu ideal, atravessou um perodo
de morte, ressurgindo mais forte do que antes, e a sua f renas-ceu ainda mais profunda, mais consciente, mais slida. Ele ofe-
rece as pginas escritas com o sangue do seu tormento ao mundo ctico e sbio, que sabe o que faz porque conhece a vida e no
se importa, rindo dessas paixes e afirmaes ideais. Mas ele
conhece, por sua vez, as leis que regem esses fenmenos e sabe que o riso, a incompreenso que lhe volta as costas, a indiferen-
a e a desaprovao, que no de uma classe social, mas a ex-presso do homem comum de hoje, devem naturalmente estar na
vida de quantos seguem o caminho da redeno humana, indi-
cado por Cristo. Sonhos de grandeza, vitalidade expansiva, conquista vitoriosa e, ainda, potncia de gnio e de domnio so-
1 Ou Grandes Mensagens (N. do T.)
bre a natureza, todas estas grandes a admirveis coisas no po-
dem suprimir aquela lei do sacrifcio individual, que pertence, ela tambm, vida, e que o homem de hoje, perseguindo os ide-
ais abraados, teria de fato muita vontade de esquecer. crime, porm, trair o ideal, qualquer que ele seja, quando por ele tantos
mrtires se sacrificaram. Chamado trgico e desesperado, mas
quem sabe compreender; chamado feito numa hora histrica e solene, pleno de sua fora e do seu desejo de dar a quem sofre f
e esperana em coisas sempre mais altas.
Este volume no autobiogrfico. Traduz, entretanto, as
experincias do autor e reflete estados de esprito reais, por ele
realmente sentidos ou, pelo menos, idealmente vividos. Como
sempre, atrs de cada palavra h uma real vibrao de vida es-
piritual, um verdadeiro tormento de paixes, h freqentemente
uma experincia vivida, uma prova enfrentada e superada, uma
dor suportada, talvez ainda um caminho percorrido, um pouco
do trgico e doloroso caminho da vida seriamente vivida.
No obstante esta renovao, os princpios dos volumes pre-
cedentes no so aqui negados. Ao contrrio, eles so revigora-
dos, porque, desenvolvendo-se agora sob outra viso e com dife-
rente estado de esprito, ou seja, com ceticismo demolidor, res-
surgem mais belos e mais fortes, com uma f menos ingnua,
com menor simplismo, com um senso mais trgico, de angustia-
da humanidade. Dessa maneira, o leitor reencontrar nestas p-
ginas a personalidade de Ubaldi, mais completa, amadurecida
atravs de novas experincias, levada a uma nova fase que, se
a continuao lgica das precedentes, assemelha-se s vezes ao
reverso, to violentos foram os golpes e a desordenada tormenta
que a envolveu. Aqui, o autor se debrua sobre o abismo infer-
nal da vida estpida do mundo que ele descobre. Por um mo-
mento, as nuseas o sufocam e o terror o paralisa, mas as foras
do esprito so poderosas, e o equilbrio, por fim, se restabelece.
A concepo evanglica, que parecia vacilar, resplandece de no-
vo, mais luminosa do que antes, consolidando-se nas provas su-
peradas e agora j definitivamente triunfante.
O tipo de leitor a que estas pginas se dirigem diferente, e
os mesmos princpios so apreciados aqui de outro ponto de vis-
ta, de maneira a desconcertar, talvez, o observador superficial,
ainda apegado s perspectivas anteriores. Este pretende ser um
livro forte, de colorido humano, marcado por violentos contras-
tes, um livro real e atual, no mais olimpicamente pensado na paz
do cu, como A Grande Sntese, mas tragicamente vivido nas lu-
tas da Terra. A mesma verdade aqui diversamente observada.
Aquele um livro de clara viso da verdade, contemplada na paz
serena de um ser tranqilamente situado fora das competies
terrenas. Este , pelo contrrio, um livro escrito por quem vive na
Terra, imerso na sua psicologia, fazendo prpria a alma infernal
do mundo, por quem viveu as suas dores e, lutando e sangrando,
as descreve. natural que a mesma realidade da vida no obser-
vada na paz das alturas, mas na luta e no tormento da Terra, e
expressa s vezes com a psicologia do mundo, vista assim de um
ngulo diverso, oferea-nos diferente quadro. Mas, desta vez, era
necessrio descer ao mundo das realidades humanas e falar tam-
bm a outra categoria de pessoas, quelas que vivem plenamente
a vida; era necessrio falar com a sua prpria linguagem e segun-
do a sua maneira de pensar, mesmo a quantos haviam at agora
sorrido e dado de ombros, como se faz ante a ingnua e imprati-
cvel utopia de um idealista sonhador. Era necessrio falar, desta
vez, no somente aos eleitos, capazes de intuir e de crer, j ama-
durecidos, videntes, sensveis s provas da razo, s exploses do
sentimento, ao fascnio do belo e do bem, j encaminhados e vi-
dos de maiores ascenses espirituais. Era necessrio, agora, falar
tambm aos cegos e surdos, colocando-se no seu prprio nvel,
para se fazer compreender; falar aos insensveis, ligados mat-
ria como a sua nica forma de vida, aos involudos, aos inertes,
aos rebeldes, aos negadores sem f e sem esperana. E, para se
fazer compreender, era necessrio tornar-se um deles, fazer pr-
-
2 HISTRIA DE UM HOMEM Pietro Ubaldi
pria a sua cegueira, a sua revolta, a sua cruz. Esta nova voz no
podia mais descer do cu, lmpida e melodiosa, mas devia, peno-
samente, sair do inferno, spera e fatigada, no mais de anjo, e
sim de condenado. Quando o homem do mundo ouvir esta lin-
guagem, mais facilmente abrir ouvidos e compreender. Quan-
do, desta vez, ouvir falar algum que mostra conhecer a realidade
da vida, com todas as suas mentiras, maldades e traies, ele
mais facilmente se persuadir, e no lhe ser mais to fcil sorrir
com ceticismo, acusando de ingnua e incongruente utopia o ide-
alista sonhador. De resto, natural que assim apaream, na Terra,
as coisas vistas do cu. necessrio, ento, v-las na prpria Ter-
ra. Questo de perspectiva. E, por fim, tudo se mostra mais real
do que antes. Os mesmos princpios, antes s terica e racional-
mente afirmados, atingem aqui diferente potncia, quando, ao in-
vs de descer do cu, emergem ensanguentados do inferno terres-
tre. E uma verdade que resiste a esta prova humana de lama e de
sangue, adquire a fora que antes no tinha, ao menos sobre a
Terra, e pode ento proclamar-se mais alta, pois tambm aqui,
experimentalmente, provou a sua realidade.
Nesta nova posio, o autor espera ter encontrado outra ma-
neira de fazer o bem. E nisto consiste a continuao, o comple-
tamento do seu passado, o seu progresso. Talvez fosse necess-
rio um livro de verdadeira experincia espiritual, como especial
reao a certos romances estrangeiros, livros de inconscientes,
feitos para demolir aquilo que de mais elevado o homem pos-
sui, conquistado custa do sacrifcio dos mrtires e da runa de
tantas vidas; feitos para enfear-nos e envenenar-nos a existn-
cia, roubando-nos a f no bem e a esperana no futuro; livros,
enfim, desapiedadamente demolidores e sutilmente malficos,
que o povo avidamente devora. Quem, como esses livros, tudo
nega, mutila e mata primeiramente a si mesmo. Esta histria de um homem, pelo contrrio, a cada passo diz: Sim! E quem afirma, constri, cria, reencontra a vida que a negao lhe rou-
ba. A criao uma afirmao. Deus o Sim; Satans, o No.
Desta vez, o autor fala a um mundo de estridores infernais e
deve usar uma linguagem de contrastes e de tormenta, de luta e
de revolta. Estamos, agora, no mais no cu, mas verdadeiramen-
te na Terra, na dura realidade da vida, numa atmosfera baixa e
tenebrosa, que a luz custa a rasgar, e onde os seres lutam e so-
frem. Uma guerra de todos contra todos impera sem trguas, im-
pedindo a serenidade da contemplao superior. Toda energia es-
t empenhada nas rivalidades humanas, na necessidade se sobre-
por-se. Tentar evadir-se intil. Em tal mundo, o cu, lugar de
ventura, no pode parecer seno uma utopia. Todos, mais cedo
ou mais tarde, fazem esta dura experincia. O autor, tambm, de-
via e quis faz-la, mas no para se sepultar com ela, e sim para
ressuscitar ao final, indicando a todos as vias da ressurreio. O
mal no aqui invocado para demolir, mas para construir, com a
finalidade do bem. Este livro foi escrito numa pausa arrancada a
essa incessante tenso infernal, numa trgua brevssima, roubada
inquietante necessidade do trabalho e da luta pela vida. O pr-
prio autor sofreu a dura lei de todos, a vida humana imersa na
matria, o esprito invadido pelas suas impiedosas necessidades.
A experincia e a superao que ele nos descreve so as que o
mundo tambm, seja embora por mil maneiras diversas, dever
realizar. O relato tem, portanto, significado e interesse universais,
pois, no seu caso particular, vemos agirem as leis universais da
vida, que guiam a todos. Trata-se, nestas pginas, de um cu vis-
to pelos olhos crticos e positivos do homem que sabe o que a
luta da vida e conhece a dor, visto com a mentalidade objetiva da
cincia e do bom senso, atravs do critrio prtico e realista, co-
mo realidade do amanh, em que se conciliam o conceito cient-
fico da evoluo biolgica e o conceito religioso da redeno
crist, um Cu, enfim, que a prpria razo nos indica como o l-
gico e necessrio porvir da humanidade.
Embora no sendo autobiogrfico, este livro foi, entretanto,
realmente lutado e sofrido. Foi escrito, de fato, em quarenta di-
as, como uma exploso. Qui a vida real se apresente, s ve-
zes, mais trgica e desapiedada do que esta imaginada pelo au-
tor, e a certos indivduos negue tambm a consolao dos lti-
mos anos, que, na sua grande f na vitria final de quem luta
por uma idia, o autor no pode deixar de conced-la ao seu
protagonista. Mas o princpio no abalado, e a tese no resulta
menos vlida por isso. Talvez no haja tempo, no presente vo-
lume, para se demonstrar tudo aos cticos. H neste livro mui-
tas teorias. Sua principal demonstrao ser dada pelo fato de
que elas foram vividas e aplicadas, concluindo na prpria vida.
Essa demonstrao saltar sempre, igualmente evidente, da lo-
gicidade do desenvolvimento do conjunto, da ardente f revela-
da pelo autor, da objetividade com que a experimentao
conduzida na histria aqui narrada e, por fim, da excelncia das
concluses. Este um livro escrito numa hora de espasmo
mundial. verdade que so excelentes e santas as teorias pre-
gadas, talvez mesmo com f e convico, no campo religioso e
civil. Mas este livro no se firma em teorias. Quer, pelo contr-
rio, ter a coragem de olhar no seu ntimo a realidade biolgica,
aquilo que de fato o homem , e no aquilo que acredita ser ou
desejaria ser, ou s excepcionalmente o . No verdade, por-
ventura, que estamos numa poca construtiva e de grandes au-
dcias? Pois bem, ento necessrio termos esta grande cora-
gem de olhar tudo face a face, sem nos iludirmos e sem mentir.
A hora presente, mesmo a despeito de todos os mopes e de
todos os fracos que a maldizem, ampla e vigorosa, exigindo-
nos largueza de viso e a coragem dos fortes. Esta no a hora
da tranqila e prazenteira psicologia mozartiana, do anjo que fa-
la aos felizes, que so pouqussimos; no a hora dos doces
equilbrios da beleza, mas a hora da humana, trgica e potente
psicologia beethoveniana, feita de luta e de tormenta, de fadiga e
de dor, que fala aos sedentos de felicidade, que so em maior
nmero. a hora dos impetuosos e fortes sentimentos da cria-
o. Este o estilo do presente livro, dado pelo esprito de nosso
tempo, que essencialmente beethoveniano; no rossiniano, mas
wagneriano; no rafalico, mas miguelangesco; no aristico,
mas dantesco; no barroco, mas revolucionrio, napolenico,
ferreamente retilneo, novecentista. Tantos, como formiguinhas
presas terra, no vem seno as pequenas coisas vizinhas e, as-
sim, se perdem em consideraes de somenos, sem imaginar o
gigantesco quadro de conjunto, que torna apocalptica a hora
presente. Tantos no sabem, como tantos no sabiam, s vspe-
ras da Revoluo Francesa, o que hoje se prepara, e, quando se
lhes explica, eles no compreendem. Mas quem o sabe, treme,
exulta, vive de febre e tambm de esperana. Este livro um
grito lanado, sobretudo, aos psteros e aos que hoje os anteci-
pam, o grito de f do novo homem, que espera para poder vi-
ver a nova civilizao do Terceiro Milnio, no mais a passada
civilizao da fora, nem a hodierna civilizao do dinheiro,
mas a do esprito. Desta era e sobretudo para ela fala o nosso au-
tor, sabendo que s ento poder ser plenamente compreendido.
Fala hoje para preparar por enquanto os espritos, para apontar
problemas e solues, para dar a sua contribuio maturao
do homem novo da nova civilizao. Se o autor fala alto e sole-
ne, porque sente que nos encontramos, realmente, numa gran-
de curva biolgica, em que o homem primitivo, ignaro e feroz,
est para sair da sua menoridade e se prepara para novas formas
de vida, nas quais, cansado de ser uma inconsciente marionete,
guiada por uns poucos instintos, viver na lgica, na potncia di-
retora, na conscincia, liberdade, bondade e justia do esprito.
Este um livro de reao ao mundo atual, ao homem que se
fez inerte, egosta, falso e bestial, no seio da chamada moderna
civilizao, e o seu escopo torn-lo melhor, dando-lhe nova-
mente, em primeiro lugar, luz, f e esperana, dando-lhe uma
direo ao desencadeamento das foras primordiais. Reao que
pode ser talvez brutal, mas a linguagem enrgica pode ser um
bem, quando o esprito no escuta mais, habituado as frmulas
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Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 3
rotineiras de advertncia. Por detrs dessa forma, a substncia
evanglica. E o mundo, ao chegar ao fundo da sua atual e trgica
experincia, ter certamente fome dessa substncia e procurar
reencontrar as coisas do esprito, sobrepondo-se sordcie da
matria, venerada hoje em particular, e de fato at idolatria.
Pobreza e dor sero salutares, por despertarem as almas, e este
livro as prepara, pois nele, mesmo das profundezas do inferno,
sempre o cu que se olha. Nele sempre seguido, seja embora
por vias diversas das precedentes, o mesmo objetivo evanglico,
que a meta constante e jamais desmentida do autor.
Se neste livro se fala com energia e se enfrenta corajosamente
a realidade humana tal qual , e no como ser ou dever ser, a
franqueza no usada somente para condenar, mas tambm para
compreender e para ajudar. Por detrs de uma forma spera est
o cumprimento de uma misso de bem. Nele est compreendida a
trgica paixo do homem que sofre para se libertar, subir, redi-
mir-se da animalidade. O autor a sente e a vive, porque tambm
seu aquele afadigado anseio pelo ideal e a humana impotncia
para atingi-lo em cheio. Para convencer e impulsionar em direo
sada, ele se apega s verdades biolgicas, que no so questes
religiosas, de filosofia, de classes sociais ou de opinies particu-
lares e, portanto, motivos de discrdia, mas verdades aceitas por
todos, porque todos as aplicam, no importa se acreditem ou no,
se as professem ou no, e no-las atiram ao rosto com a energia da
desesperao, pois a crise do mundo de fato desesperada. Para
despertar e convencer, ele se apega tambm a estas verdades
mais compreensveis, porque tangveis e prximas, que todos tm
ao alcance da mo, encontrando-as a cada passo, na realidade da
vida. Nenhuma via despreza para chegar ao seu escopo, que o
bem. Se por momentos, com spera linguagem, desnuda a huma-
na baixeza, logo mais afronta e racionalmente resolve os proble-
mas. Com o senso do amor e de uma compreenso profundamen-
te humana, aproxima-se fraternalmente do homem, para esten-
der-lhe a mo e ombrear-se com ele, sob a mesma cruz e sobre o
mesmo caminho das ascenses humanas.
Aqui se trata do esprito. bom esclarecermos logo, para
evitar mal entendidos. Aqui o esprito no concebido no sen-
tido materialista, como o por alguns, em determinada mstica
moderna. O esprito, para o autor, no um rgo ou uma fun-
o da vida animal, posto a servio desta, somente para que ela
triunfe nas lutas da existncia terrena. O esprito, para ele,
qualquer coisa de muito maior, qualquer coisa que pertence,
alm dos limites da vida humana, ao absoluto e eternidade.
verdade que o materialismo hoje se requintou a ponto de alcan-
ar o campo do esprito. No mais, a no ser para alguns re-
tardatrios, o materialismo grosseiro e negativista de cinqenta
anos atrs. Mas a sua substncia e os seus resultados podem ser
os mesmos. A colocao materialista dos problemas do esprito
no pode ser aceita pelo autor, que sabe muito bem da existn-
cia de todo um outro mundo, alm do mundo terreno. Ele o co-
nhece to bem, que faz viver nesse mundo o seu protagonista,
do princpio ao fim, e no-lo mostra to vivo e operante, que
serve de exemplo e de aviso aos que o conheceram e esquece-
ram, e de demonstrao aos que o ignoram. Entendamo-nos lo-
go. No o esprito o servo da vida terrena e humana, mas esta
o meio de que se serve a vida do esprito, que tem outros ob-
jetivos e outros limites. Este livro o demonstra bem claramente.
O esprito qualquer coisa que supera todas as humanas afir-
maes utilitrias, e a moral do autor no admite que ele seja
reduzido a simples instrumento de conquistas materiais.
Tudo isso no impediu o autor de compreender o sentido da
atual hora histrica e admirar o seu titnico esforo construtivo,
que ele sempre sustentou e secundou. Ele quer somente manter-
se no equilbrio da verdade universal de todos os tempos, no
desejando limitar-se a um dado ponto de vista, como necess-
rio para quem se v arrastado pela fora das circunstncias, em
todo momento ou situao histrica. E a ao das circunstncias
hoje de tal maneira titnica e urgente, que mobiliza tudo, in-
clusive o esprito, absorvendo-o em si mesma. Mas o autor no
pode olvidar os objetivos distantes e se dirige tambm s gera-
es futuras, que, colocadas em condies diversas, por certo
pensaro diversamente e de outras afirmaes necessitaro. Ele
no pode seno completar e antecipar com uma viso que s
massas de hoje poder parecer utopia. E aqui est esboado um
ideal que, hoje, no atual para a maioria, mas talvez o seja
amanh. Entre a concepo que este livro oferece e os tempos
presentes no h antagonismo; trata-se apenas de uma posio
diversa no caminho da evoluo. O autor compreende muito
bem e admira o esforo dos povos para se organizarem em no-
vas ordens sociais, o esforo da cincia para descobrir os segre-
dos da natureza, o esforo coletivo do trabalho para domin-la e
utiliz-la. Mas roga que se compreenda tambm o esforo do
homem isolado que conquista outro tanto, perigosa e utilmente,
pelas vias do esprito. Estas sero hoje, talvez, vias de exceo
muito complexas para que a cincia as compreenda e o homem
comum as siga, mas, justamente por isso, tornam-se mais inte-
ressantes, pois representam um tipo determinado entre os tantos
caminhos do porvir. Quase sempre o futuro utopia somente
enquanto no se torna presente, e aqui antecipada uma fase
que, se hoje pode parecer absurda, amanh poder ser normal.
Devemos bem compreender que o autor no destri ou condena,
mas apenas previne. A sua atitude no , pois, uma evaso do
mundo humano, que no seu plano ele deve aceitar, mas um
complemento do mesmo, com vises mais vastas e longnquas.
Ele mostra-se, assim, de pleno acordo com a hora presente.
Ningum mais do que ele respeita os sacrossantos direitos e tra-
balhos do homem sobre a Terra. Mas ele no pode deixar de
olhar mais longe e mais alto, de lembrar que h, antes de tudo,
outro mundo no cu, que a meta da caminhada neste. Ele no
pode, portanto, limitar-se a conceber o esprito como instrumen-
to exclusivo da luta terrena, escravizado aos fins da matria, mas
tem necessidade de lhe traar neste livro os objetivos maiores,
que se encontram alm da Terra e da vida terrena. Este comple-
mento necessrio e til. Acreditamos ainda que as perspectivas
de certas audaciosas e inusitadas superaes, a narrao de cer-
tas experincias fora do comum, possam ajudar os espritos, seja
por lhes mostrar a afinidade entre as metas prximas e aquelas
mais altas e distantes do porvir que o homem um dia, mais ci-vilizado, dever chegar a compreender e comear a viver seja porque tudo isso d um senso profundo de orientao vida e,
sobre ela, projeta um til e fecundo princpio de ordem, uma
confortante esperana, uma luz que satisfaz e guia a razo, rumo
a realizaes sempre mais nobres e boas. A viso daquilo que
moralmente mais elevado sempre uma lio de sabedoria e,
portanto, s pode ser benfica. No poder jamais prejudicar a
algum o relato de uma experincia de vida em que o motivo fe-
roz e desapiedado da luta brutal se eleva ao motivo do amor
evanglico, o sentido da existncia elevado a plano mais alto, e
a ascenso nos rumos do bem individual e coletivo proclamada
atravs do exemplo experimentalmente efetuado.
Neste livro, o autor no renega a realidade humana. Demons-
tra, antes, t-la compreendido e vivido e nem sempre a condena,
mas sabe tambm compreend-la e compadecer-se dela, a ela se
voltando para auxili-la, segundo o evanglico ama o teu pr-ximo. Mas no pode deixar de lhe fazer brilhar frente as su-premas finalidades do esprito, que so a chave da redeno. Ele
se mantm em posio de equilbrio. De um lado, aceita a mo-
derna concepo biolgica do esprito (A Grande Sntese) e faz
deste no uma unidade abstrata, isolada, estranha vida, mas
fundida na realidade humana e na unidade orgnica do todo, sen-
tindo a fecunda colaborao entre esprito e matria. De outro,
ressalva, entretanto, a finalidade superior daquela fuso e colabo-
rao, finalidade que se encontra no esprito, inteiramente acima
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4 HISTRIA DE UM HOMEM Pietro Ubaldi
das menores e contingentes finalidades relativas, filhas do mo-
mento e situadas no plano da matria. Este seu livro justamente
uma equilibrada chamada s finalidades ltimas no campo das
finalidades prximas, compensando assim as concepes unilate-
rais, que tudo procuram reduzir ao ponto de vista humano, em
funo da utilidade da vida terrena e transitria e em detrimento e
sufocamento do ponto de vista super-humano, divino e eterno.
O mundo atual aspira a dominar, e isso justo no seu plano.
Mas, para dominar, precisa tornar-se melhor e, para tornar-se
melhor, no lhe basta a simples concepo utilitria do esprito.
necessria uma concepo mais vasta e orgnica, que supere
os limites deste simples rendimento prtico e imediato sobre o
plano humano e terreno. Para vencer na vida, para ter um obje-
tivo, uma razo e o direito de vencer, e dar um sentido vitria,
necessrio que veja tambm as metas distantes e super-
humanas do esprito. Estas no podero tornar-se suscetveis de
aplicao imediata, porque o mundo est ainda atrasado. Mas
somente elas podem dar-lhe uma orientao segura. A concep-
o puramente utilitria permanece egoisticamente isolada no
funcionamento orgnico do universo. E, no caminho da evolu-
o, como um instrumento quebrado ou um rgo mutilado,
ante a viso das grandes linhas e das metas longnquas.
Por isso, no presente trabalho, mesmo que o protagonista nem
sempre seja vitorioso, apresenta-nos o modelo ideal de um ho-
mem que busca, num trgico esforo, elevar-se, em clara oposio
ao tipo normal, com bem diversas qualidades, estaticamente liga-
do Terra e desejoso, por si mesmo, somente por fora do nme-
ro, de torna-se o modelo da vida. A este tipo biolgico, hoje nor-
mal, o autor ope e indica um novo tipo de homem, que luta de-
sesperadamente para se tornar superior e melhor, projetando-se in-
teiro na direo do futuro. As leis da seleo, j agora atuando no
plano psquico, parecem tender justamente para a formao e a
normalizao daquele tipo, hoje de exceo. A moderna descober-
ta cientfica da energia e o seu domnio, conduzindo o mundo da
fase esttica da matria fase dinmica do movimento, introduz o
homem, desde agora, no limiar daquela nova civilizao do espri-
to, de que o irrequieto dinamismo do tipo 900 j um primeiro,
embora elementar, degrau. Este tipo de homem novo hoje uma
concepo biolgica aristocrtica e individualista, que, entretanto,
no se encontra em antagonismo com as hodiernas concepes
socialistas, niveladoras e coletivas, porque justamente ao servio
dos demais que o protagonista coloca as suas qualidades e con-
quistas. Este livro um desafio ao mundo, mas a favor do mundo,
a quem mostra um tipo ideal, ante o qual o melhor que se pode fa-
zer voltar-se para ele, e que, se pode ser melhor, faz com isso
perdovel a sua superioridade. Ele, se rico em bondade, em te-
nacidade, em esprito de altrusmo e sacrifcio, demonstra e utiliza
essas qualidades no egoisticamente para si, mas no que elas re-
presentam de alto valor coletivo, no que elas tm de necessrio
formao de mais compactas unidades sociais.
Isso poder provocar as fceis acusaes de orgulho. Mas o
protagonista nos mostra, nestas pginas, o trabalho antes do
triunfo, o martrio antes do sucesso. E este se expande no cu,
longe da Terra, da qual, dessa maneira, no prejudica nem per-
turba os interesses. Nesta obra se demonstra como o primeiro
atributo de toda superioridade so os seus correspondentes deve-
res, como tudo conquistado e merecido, o quanto so severas e
justas as leis do progresso, quo grandes compensaes coroam
esses esforos de superao, e que coisa profunda, sria e grande
, ainda no caso mais doloroso, a vida. Tudo isso altamente
moral. Este livro quer ser para todos um estmulo no caminho da
superao. Seja para os menos elevados, aos quais se dirige,
assumindo quase sempre a sua forma psicolgica, seja para os
mais avanados, atravs de sua substncia e das suas concluses
evanglicas, aos quais deseja guiar como aos primeiros. O livro
est, nesse sentido, sobre as linhas da evoluo, constituindo
uma fora que age segundo as mais poderosas correntes da vida.
Talvez seja ele uma expresso instintiva e inconsciente, mani-
festada atravs da sensibilidade do autor, do impulso biolgico
criador, que prprio da natureza, ora ativa sobretudo no campo
psquico-espiritual. O livro encontra-se, portanto, entre as boas
foras criadoras, que levam a Deus, e no poder seno desper-
tar, no ntimo das conscincias sadias, uma vibrao de aprova-
o e de sincera adeso. Embora, em certos momentos, as pala-
vras sejam enrgicas e a advertncia possa tornar-se calorosa,
no h, contudo, por trs delas, qualquer interesse a ser defendi-
do. Com toda a franqueza, trata-se to somente de um ser since-
ro, que no se permitiu outra riqueza alm da coragem de dizer a
verdade. O autor se sentir, por isso mesmo, satisfeito e se con-
siderar recompensado do seu trabalho se puder constatar que,
com esse livro, ainda melhor atingiu a finalidade dos preceden-
tes. Se verificar, enfim, que, instigando a subir rumo a formas
mais elevadas de vida, conseguiu fazer um pouco daquele bem
que a sua aspirao mais ardente.
No seu ltimo volume, Ascese Mstica, que precede a este, o
autor, no ltimo captulo, Paixo, concluiu com estas palavras: (...) A hora intensa para todos. No se pode parar. Preparada pelo tempo, ela se precipita. Tenho medo de olhar. (...) Rasga-se
ento diante de mim a viso da terra e do cu... A terra treme
convulsa, no pressentimento de uma catstrofe sem nome. (...)
Vejo um turbilho de foras que se projetam sobre a Terra, e vejo
a Terra abalada, convulsa, submersa num mar de sangue. Ttrica
a hora da paixo do mundo. E parece sem esperanas. O crculo
se estreita, se estreita e logo estar fechado, e ser tarde para fu-
gir ao seu aperto. A mo do Eterno empunha o destino do mun-
do, esto prontas a se desencadearem as foras para o choque fa-
tal. Avizinha-se a hora das trevas, do mal triunfante, da prova su-
prema. Bem-aventurado quem, ento, no estiver vivo sobre a
Terra. (...) J disse h tempos: preparai-vos, preparai-vos, mas
no me ouvistes. Breve, ser tarde demais. O drama est prxi-
mo, eu o percebo... Naquele momento, senti tremer a terra... Den-
tro de mim, est a viso do real. Senti, realmente, a terra tremer. Se esse livro, publicado em 1939, claramente predizia, como
iminente, o atual cataclismo mundial, o presente volume, Hist-
ria de um Homem, continuando o caminho seguido em Ascese
Mstica, conclui, ao invs, da seguinte maneira, no testamento
espiritual do protagonista ( cap. XXX ): Estudai sobre o grande livro da dor; aprendei a sofrer, se desejais subir. bom que o
mundo sofra, para que possa corrigir-se e avanar. (...) sem dor
no h salvao. A esta lei fundamental no se foge. Mas, depois
da paixo e da cruz, h a ressurreio e o triunfo do esprito.
Aceitai, portanto, o batismo da dor, a expiao que purifica, por-
que esta a nica via de redeno. Deixo-vos o aviso de que na
necessria paixo do mundo est a aurora da nova civilizao do
esprito. Este novo volume, publicado em 1942, escrito em meio da j anunciada tormenta, encerra-se, portanto, com o anncio da
aurora de um novo dia. Depois da destruio, a reconstruo; de-
pois da dor, a alegria de uma vida mais alta; depois da necessria
paixo da guerra, desponta a nova era do esprito.
este, portanto, o livro da ressurreio, que se anuncia no
final, porque no pode chegar para um, como para todos, seno
depois de percorrido o necessrio caminho da dor purificadora.
Se este o livro da prova e do sofrimento, do angustioso aperto
entre as garras do mal, tambm o livro da esperana, do triun-
fo do esprito e do bem. A trabalhosa elaborao da ascenso
aqui impulsionada, para o indivduo, na histria do protagonista
e, para o mundo, na conscincia da sua atual e apocalptica
experincia. Ao contrrio da cena de terror e de paixo com que
se encerra Ascese Mstica, o presente volume conclui invocan-
do e chamando, das entranhas das maturaes biolgicas, o
homem novo, consciente no esprito, e anunciando e saudando
a alvorada da nova civilizao do Terceiro Milnio.
Natal, 1941.
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Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 5
I. DO SEU DIRIO
O universo ordem, ou caos? O universo ordem. Isto o
que me dizem a cincia, a histria e tantos anos de observao e
de experincia. Cheguei concluso de que o universo um
funcionamento orgnico em marcha para determinada meta;
que todos os fenmenos se encandeiam segundo uma lei, em
cujo mago sinto o pensamento e toco com as mos a vontade
de Deus, presente e atuante. Assim conclu, com a segurana
que me deram trinta anos de estudo, de experincia e de dor.
Se desta verdade universal deso a verdades mais particulares
e mais prximas, mais relativas e mais tangveis, descubro que a
vida do homem e do planeta que ele agora chamado a reger,
correspondem a uma ordem particular e a um funcionamento or-
gnico, cuja meta indicada por estados sempre mais perfeitos a
atingir, cuja lei o progresso. Verifiquei, afinal, que a lei do nos-
so planeta progredir em todas as formas; evoluir sempre, em
todo sentido, a idia dominante. A evoluo uma incessante
marcha ascensional de todos os seres da Terra, do mineral plan-
ta, ao animal, ao homem, ao gnio: a marcha em direo a Deus.
Descendo sempre mais no particular e relativo, sempre mais
prximo e tangvel para ns, descobrimos que o homem est
frente do movimento. A sua lei a seleo do melhor, conse-
guida atravs da luta.
Homem e mulher, masculino e feminino, so os ministros
desta lei, que, no particular, se bifurca em dualismo, que tam-
bm complementao. Como tudo, tambm esta unidade huma-
na dada pela fuso de duas unidades menores e inversas. Em
posies e movimentos inversos e complementares, elas fe-
cham o mesmo circuito. O homem diz: Eu sou a vontade, a fora, a conquista, a vitria. Eu sou o senhor. No h outro se-
nhor alm de mim. Submeto a mulher para que me d filhos
fortes e vencedores como eu. A mulher diz: Eu sou a beleza, a bondade, o amor, a conservao. Eu sou a esposa e a me.
No h nisto outra mulher alm de mim. Escolho o homem for-
te para que me d filhos fortes e vencedores como ele. Dois so, portanto, os grandes motivos da vida humana: o
macho e a fmea. So opostos e se atraem. Embora dividindo
entre si o campo da vida, liga-os o recproco fascnio. Bastam
estes dois motivos para cantar-se at s ltimas notas a sinfonia
da vida, num entrecho e numa compensao contnua. Cada um
desses dois princpios uma afirmao em si mesmo, mas uma
negao em frente ao outro, um vcuo que aspira ao oposto, de-
sejoso sempre de se encher com a oposta afirmao, e, assim, se
precipitam um no outro, saciando-se apenas ao fechar-se na sua
soldadura com a metade oposta do circuito. Nenhum dos dois
superior ou inferior. A mulher domina como o homem. No im-
porta se a primeira se afirma calando e negando, o segundo gri-
tando e comandando. O princpio feminino tem tanto o que
completar, quanto o masculino. Ambos reinam igualmente, mas
atravs de formas e tarefas contrrias e complementares. Mas
cada um dos dois se sente isolado no seu reino incompleto e de-
seja completar-se, revertendo-se ao seio do oposto. A fragilidade
da bondade e o altrusmo do amor so potentes como a fora da
conquista e o egosmo do domnio. Cada qual tem as suas ar-
mas; armas opostas e complementares, feitas no para se comba-
terem, mas para se abraarem. Entre essas armas no pode exis-
tir rivalidade, porque no tendem a se excluir, mas a se ajudar. O
princpio masculino faz parte do feminino, o pressupe, o
compreende e o completa. Cada ser humano nasce no seio de
um desses princpios, carrega-o em si mesmo e o representa.
Cada um deles existe e tem sentido somente em funo do outro.
Opostos apenas para se unirem, eles dividem o trabalho e as
opostas funes da vida: criar conservando, acumulando, proli-
ferando, e criar destruindo, renovando, selecionando; sempre
fundidas as opostas posies na mesma funo de criar. A mu-
lher, como a terra, conservadora e fecunda, ou seja, apta
formao e proteo do material primitivo da vida. O homem,
tal qual o ar e o sol, ativo e fecundante; como o martelo que
forja, como o dinamismo que seleciona e renova. A primeira
metade do ciclo, criadora da quantidade, resta intil, se no se
completa com a segunda, criadora da qualidade. A mulher vale
tanto quanto vale o homem, e este, tanto quanto a mulher. Cada
um dos dois tem a sua funo e misso, de cujo cumprimento
sumamente cioso. O homem , assim, invejoso de qualquer ou-
tro que tente super-lo na sua tarefa de seleo; sente nele o rival
e, cioso de sua funo evolutiva, acusa-o de presuno e velha-
caria. A mulher tambm invejosa de qualquer mulher que tente
super-la na sua tarefa de proteo e conservao; sente nela a
rival e, ciosa da sua funo de amor e reproduo, acusa-a da-
quela desonestidade que atraioa a misso de me. Nenhum dos
dois suporta que outros lhes usurpem ou os superem na funo
que tm o direito e o dever de realizar, porque nela est o objeti-
vo da sua vida e a realizao de si mesmos, porque no obedecer
ao comando da Lei est a maior alegria, enquanto que no obe-
dec-la a maior dor que o ser possa provar.
Ambos desejam a mesma coisa: a vida; expressam a mesma
lei: criar; um dizendo sim, a outra dizendo no. A Lei faz que
se unam os contrrios para o seu mesmo objetivo. A satisfao
do indivduo est no cumprimento do instinto, ou seja, na obe-
dincia ao comando. E o homem, quanto mais ignaro e primiti-
vo, mais cegamente obedece; quanto menos evoludo, menos
emancipado do determinismo originrio da matria. Nos mo-
mentos histricos do regresso involutivo, o homem canta a li-
berdade, acreditando que se liberta. Mas no se livra seno do
trabalho de evoluir, submetido s superiores leis sociais, que
lhe impem ordem, disciplina, virtude. No se livra seno para
tornar a trabalhar, mais cegamente, a servio das mais elemen-
tares e frreas leis da vida, inscritas no instinto.
Peregrinei pelas longnquas e abstratas filosofias do absolu-
to. Mas a que agora me interessa esta filosofia especfica e pr-
tica, mais prxima de ns do que os princpios abstratos, relativa
e pequena, mas traduzida em aes; objetiva e concreta, aquela
que, a cada passo, se encontra na realidade humana vivida, aque-
la que cada homem, mesmo sem compreender, pratica.
Na raiz da vida humana encontra-se este mecanismo. Ele
implica rivalidade, luta e, por fim, seleo. Assim, guerra e
amor so as duas funes fundamentais desses dois termos:
masculino e feminino. O amor protege e cria, a guerra destri e
mata. Inversa complementao, mesmo nos efeitos. Nela se
cumpre, em equilbrio, o ciclo, e se completa o circuito da vida
e da morte. Assim, na morte, condio de vida a vida, e, na
vida, condio de morte a morte.
intil discutir. A lei biolgica assim ordena, quer e age; no
se corrige, no se burla, mas apenas se cumpre. A guerra e o
amor so o binrio sobre o qual avana a vida. intil perguntar-
se: por que assim, e no de outro modo? O fato que assim fun-
ciona o nosso mundo. O fato que os objetivos impostos, certa-
mente por uma inteligente vontade oculta, so assim atingidos:
continuao e seleo. Pois que, com esse fim, garantida pelas
supremas defesas a conservao individual assim como a coletiva
e assegurada a evoluo da espcie. O mundo chegou at aqui,
atingindo o estado atual, porque estes objetivos foram atingidos.
Tudo isto luta, risco, fadiga imensa. E no que resulta? Na
seleo, no progresso. A significao do processo est na
evoluo. Fazer, pois, um homem, uma nao, uma raa sempre
melhor, este o resultado que a lei biolgica quer. O materia-
lismo ateu no compreendeu que a sua evoluo significa jus-
tamente criao no esprito. Assim avana o mundo. Este o
significado do poder de comando que o instinto revela.
O nosso mundo social um campo onde se chocam foras
diversas, que na sua oposio desejam elidir-se e, assim, se corri-
gir. necessrio reconhecer que na sua disposio h profunda
sabedoria, pois desse catico coexistir emerge no destruio ou
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6 HISTRIA DE UM HOMEM Pietro Ubaldi
desordem, mas a construo de uma ordem sempre mais perfeita.
O progresso verificado no mundo consiste precisamente na pas-
sagem da desordem primitiva ao estado de ordem, que progressi-
vamente se realiza. O progresso um progresso de harmoniza-
o. Assim, o universo caminha para Deus, que harmonia, ou
seja, realiza cada vez mais a manifestao do Seu pensamento.
Assim nascem e renascem, sempre mais perfeitos, por evo-
luo orgnica, mas agora sobretudo psquica, os homens, as na-
es, os povos, as civilizaes, a humanidade. Assim, povos e
civilizaes, tal como os homens individualmente, crescem, en-
velhecem, decaem, morrem e renascem, para completar par-tindo de bases sempre mais elevadas, construdas com os mate-
riais precedentemente conquistados ciclos sempre mais altos. A luta , portanto, necessria, til; lei da vida, fundamen-
tal, criadora, inevitvel. A harmonia divina no se pode realizar
na Terra seno atravs desse grande esforo, preo da redeno
humana, condio da vinda do reino dos cus para a Terra.
Desta luta, uma forma, no mais baixo plano humano, a
guerra. Nela, sempre nos encontramos, porque a ela est confia-
da a evoluo do mundo, com a supresso do involudo, do pa-
rasita, do inepto. Ela , por certo, a forma primitiva da luta, pr-
pria da fase no evoluda em que o homem dito civilizado ainda
se encontra. E enquanto, pela evoluo, aquela forma no puder
ser superada, a luta, que ser sempre necessria, dever subsistir
naquela mesma forma. At hoje, a guerra lei inexorvel, como
parte integrante da zona de determinismo do destino humano, e
isso porque ela est no passado biolgico da humanidade. At,
portanto, a neutralizao desse passado, pela superao, a guerra
ser uma fatalidade biolgica. E isso porque a luta o meio de
que dispe a natureza para conseguir seleo e progresso. No
a luta o que se pode suprimir, mas somente as suas formas mais
atrasadas. Mas estas no podem ser superadas enquanto o ho-
mem no tiver aprendido por si mesmo, com a sua fadiga, a su-
per-las. Cada humanidade tem as leis biolgicas que merece.
Sob pena de trair o supremo escopo da vida, que o de su-
bir, a forma de luta que a guerra no pode ser abandonada en-
quanto o homem no tiver aprendido a transform-la em formas
superiores de luta, dirigidas a fins superiores. necessrio que
a humanidade tenha primeiro a fora de se transportar inteira
para um plano mais alto. Hoje, a guerra e o amor se equilibram
no recproco esforo corretivo. Se esta fora do amor, que con-
serva e multiplica, no fosse corrigida pela destruio seletiva e
reconstrutora da guerra, terminaria igualmente na estagnante
podrido da morte. No basta multiplicar os homens com o
amor. necessrio refazer os povos com a guerra. Proteger e
prolificar no podem ser mais do que um meio para atingir o
fim, a que s a luta conduz: destruir para reedificar.
A verificao destas leis me levou concluso de que a vida
e no pode ser seno dura, sria, til; que ela no uma ale-
gre excurso de gozadores, mas um trabalho srio, dirigido so-
bre o plano orgnico de leis biolgicas, rumo a objetivo elevado
e preciso. Cheguei concluso de que intil tentar evadir-se,
na inconscincia e nos prazeres fceis, a este necessrio esforo
de evolver, a esta lei de progresso que est escrita em nosso
sangue e em nosso destino humano. Quem tenta evadir-se
inexorvel e terrivelmente punido pela invisvel Lei. Quantas
coisas invisveis tm tremenda fora!
Sob tais concluses, estabeleci uma vida dura, sria e til. A
utilidade no aquela que comumente se entende, ou seja, a das
vantagens materiais: a conquista dos valores morais, que no
se vem, mas que regem o mundo. Estou convencido de que
cada um pode escolher os prprios objetivos, independente-
mente da opinio dominante entre os seus semelhantes. Estou
convencido, tambm, de que a verdadeira verdade simples, a
que serve para a vida; que intil o complicado e erudito filo-
sofar, pois o que importa viver aquela verdade, antes de pro-
fess-la e preg-la. Assim tenho feito e vivido seriamente.
No pretendo que a minha verdade seja absoluta, nem que se
deva imp-la a algum. Esta a minha experincia. Os outros fa-
am, a seu modo, a sua. Cada um recolhe para si o resultado do
seu sistema. Uma experincia conduzida honestamente, com
convico, objetividade e seriedade cientfica, sempre merece
respeito. Uma hiptese de trabalho que, aps trinta anos de con-
trole, corresponde ainda aos fatos, resolve os problemas e resiste
experincia de uma vida, deve conter qualquer coisa de verdi-
co. Passei pelas verdades particulares rivais, em luta entre si, fi-losofias e teologias mas o slido, qualquer coisa de objetivo, sempre presente, inderrogvel e convincente, no o encontrei nas
construes da psique pessoal, que no so mais do que elevao
a sistema do prprio temperamento um caso biolgico mas encontrei-o na observao do funcionamento orgnico do univer-
so. Na convico de que somente este, na forma em que ele se
realiza, nos pode exprimir o pensamento de Deus, segundo o
qual, sem dvida, tudo dirigido e guiado, eu o deduzi dos fe-
nmenos de todo gnero. E nestes, que esto sempre presentes,
eu o vi continuamente em ao, como recndito motor, que pa-
ra mim uma realidade objetiva, inegvel, porque sempre funcio-
nando. Tudo, a cada momento, dele me fala. Deste pensamento e
desta realidade tenho vivido. No caos das concluses humanas,
dissonantes at oposio, apeguei-me a esta realidade biolgi-
ca, isto , a esta realidade de vida. Deixei-me guiar pela sbia voz
da natureza, que nos indica aquela realidade a cada passo. Todo o
meu ser, das zonas inferiores s superiores, dela se tem nutrido,
como de uma fonte divina. Se me tenho proposto inusitados obje-
tivos e tentado experincias a que os outros fogem ou ignoram;
se tenho cado e s vezes falhado; se perigosamente tenho vivido
e duramente sofrido, tenho, sem dvida, trabalhado em harmonia
com a criao. Se o progresso um processo de harmonizao
com o pensamento de Deus, atuante no mundo, e vai do caos
ordem, eu, depois de haver baseado a minha vida numa concep-
o universal de ordem absoluta, consegui trazer para o meu des-
tino essa harmonia e essa ordem, no obstante tudo. Assim, lutei
e venci o caos e o mal, que podem aparecer em dado momento
da vida individual e coletiva, mas dos quais triunfa aquele que
possui as bases do equilbrio, a orientao fundamental e a chave
do funcionamento fenomnico. Decidi-me assim a marchar,
creio-o, na direo fundamental da vida, que no a de vagabun-
dear ou gozar, mas a de lutar para conquistar e ascender.
II. O PROTAGONISTA E O AMBIENTE
Quem escrevia assim?
O protagonista deste relato, o homem cuja histria narra-
mos. Com aquelas suas palavras, o individualizamos e apre-
sentamos.
Mas, para melhor compreender, necessrio narrar ainda.
A histria desenvolve-se na hora titnica e apocalptica que,
como um rasgo no cu, aparece cada vez mais lampejante, sobre
a outra metade do sculo XX, prenncio da hora ainda mais gra-
ve. Esta histria um pouco a histria de todos os espritos sen-
sveis e amadurecidos, que tm uma vida individual profunda e
prpria. Neste esprito, espelho refletor de todas as luzes do seu
tempo, refletem-se em parte as grandes tempestades ideolgicas
que o sculo vinha maturando. Nascido nos fins do sculo XIX,
ele tinha visto, depois, realizarem-se ao seu redor as maiores
transformaes polticas, sociais, intelectuais, espirituais e cien-
tficas. Crescido entre velhas ideologias, em ambiente de pro-
vncia, intelectualmente restrito, tinha visto a vitria do autom-
vel, do aeroplano, do rdio e assistido profundas transformaes
no campo cultural. Muitas vezes, fora obrigado a mudar a pr-
pria orientao e renovar as suas concluses. Num mundo em
evoluo assim to rpida, ele, gil de mente e de corpo, havia-
se renovado ainda mais rapidamente. Apreciara o frenesi de di-
namismo, o esforo de ascenso. E sentia-se satisfeito de ter
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Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 7
nascido em hora to intensa e interessante para a sua nsia verti-
ginosa de renovao, para as suas tentativas de elevao, tor-
mentosas e, ainda que por momentos, frustradas. Lanou-se no
turbilho, no para girar como tantos, em torno de si mesmo,
num torvelinho intil, mas para compreender o sentido profundo
daquele turbilho e dele tirar o mais elevado proveito. Tinha a
completa sensao daquela hora histrica, grave e solene, e a vi-
via toda, avanando e fremindo, para realizar-lhe o significado
mais real, eterno, ou seja, a trabalhosa ascenso do homem rumo
a melhores formas de vida. Ergueu a cabea ante os adormeci-
dos, em que tropeava, na sua luta para salvar os valores morais
do mundo e conquistar entre eles os mais elevados. Foi asfixia-
do, desprezado, incompreendido. Vida de fadiga e de desgastes,
mas vida de ascenso interior e de conquistas espirituais, pro-
fundamente concebida, alm de todas as formas; aderente
substncia, vida de laborioso silncio criador, de f e, no raro,
de desespero e de sangue. Ele foi, assim, um lutador, e lutador
no mais elevado campo, que o do pensamento e da ascenso
moral. Algumas vezes caiu, foi trado pelo ideal e pelos homens,
trado at ao desprezo, ao ridculo, desesperao; na solido,
viveu horas trgicas, no vistas e no compreendidas. Mas a
idia alta e reta no o caminho do sucesso fcil. E, embora
possam rir os gozadores, facilmente triunfantes, ele queria para
si a vida sria, com srio objetivo. E, se ao mundo pareceu fali-
do, estava muito satisfeito com a prpria conscincia.
O nosso protagonista assim um smbolo, uma idia que,
vivida, transforma-se em realidade, uma experincia realizada,
em cujo seio se atormentam e amadurecem ainda tantos outros
espritos ousados.
Sobre o fundo longnquo da cena est a multido annima,
rumorejam as grandes massas amorfas, instintivas, ignaras,
inconscientes, o grande povo, vaga entidade para a qual de-
vemos dirigir-nos, obedecendo ao antiqssimo ensinamento
evanglico e ao novssimo ensinamento das mais recentes
concepes sociais. A multido uma das foras que se mo-
vimentam neste enredo. Aqui, ela um indistinto rumor de
fundo, imenso como o do mar; um som coletivo, resultante de
muitos pequenos sons; um vago som confuso, que no se sabe
de onde nasce, porque vem de todos os lados, nem de quem
procede, porque provm de todos. Entretanto ela uma fora
que toma, s vezes, forma de pensamento definido e de vonta-
de decisiva e, em certos momentos, tudo transforma, impon-
do-se histria. Aqui, a multido aparece como termo de
comparao, como elemento de resistncia, de misonesmo,
como inrcia em face da fora, como grande terra, plo nega-
tivo, sobre a qual o verdadeiro homem, plo positivo, cami-
nha sozinho, rumo aos seus objetivos, to distanciados das
multides de hoje. Ele uma idia, uma vontade que reage
psicologia coletiva e contra a qual esta reage. Veremos aqui se
formarem os circuitos de ressonncias e o seu dispersar-se em
discordncias; ouviremos acordes e dissonncias. Observare-
mos sintonizaes com outras foras do impondervel.
Neste trabalho, encontraremos freqentemente citados o
mundo e o homem comum. O mundo tem aqui o sentido evang-
lico de lei humana da Terra, inferior, contraposta s mais altas
leis do cu. Por homem comum, ou normal, ou qualquer, enten-
demos o tipo dominante, modelo em srie, com a sua psicologia
uniforme. Esse, no h dvida, existe na prtica. o homem da
rua, o que constitui o pblico annimo e amorfo, um tipo a que se
reduzem todos os outros, no momento e pelas exigncias da
normal convivncia social. o homem da mediana cultura dos
jornais, simplista, restrito aos elementares impulsos animais, en-
vernizado de alguma erudio e educao; o homem que vegeta,
luta pela mulher e pelo amor, pelo necessrio e pelo suprfluo,
permanecendo no campo material. o homem que pensa por si e
pelos seus, movido pelos instintos fundamentais da vida, incapaz
de vibrar ante as altas paixes do esprito. O homem que no sa-
be caminhar seno em rebanho, que no sabe pensar seno em si,
que no sabe fazer seno aquilo que todos fazem. Ele feito de
muitos homens diversos, de muitos tipos de gradaes. Ele co-
mo a expresso pblica dominante, qual todos se equiparam,
pelas necessidades da vida prtica, nas relaes sociais. Homens,
at mesmo, de alta percepo, homens de todos os nveis, assu-
mem, pela necessidade prtica, a expresso desta psicologia do-
minante, que resume os traos do maior nmero prevalecente.
Ela um meio de se entenderem, a unidade monetria das tro-
cas e contatos comuns, um ponto prtico de referncia. a psico-
logia das ruas, comum a todos, como um hbito que todos devem
adquirir quando descem rua. a psicologia corrente, que faz a
opinio pblica e o uso, a que todos se adaptam para poder exis-
tir: a religio, a imprensa e todas as derivaes da vida pblica.
Mas se ela constituir frequentemente o ponto de referncia, a
substncia deste trabalho situa-se em outro plano. Para os nega-
dores do esprito, que, pela sua prpria cegueira, sentem-se auto-
rizados a lhe negar a existncia, ser uma prova, muito mais con-
vincente do que tantas argumentaes, a narrao desta vida, vi-
vida no seu prprio mundo, no meio deles; vida, do princpio ao
fim, em plano lgico e orgnico, dirigida no s conquistas ef-
meras, mas a outras, situadas inteiramente no esprito, dotadas de
potncia e lucidez. quele tipo de homem, hoje comum, contra-
pe-se aqui um tipo de homem novo, para cuja formao luta es-
te livro com toda a energia com que foi concebido. Homem no-
vo, no mais inconsciente. Lutador viril do ideal, cujo valor e uti-
lidade na senda do progresso ningum, ainda que necessitado de
evoluo, pode desconhecer e cuja formao, nesta hora histrica
em que alvorece o limiar do Terceiro Milnio, uma necessidade
vital, se a civilizao no quiser precipitar-se na morte.
Assim, no se encontraro neste volume os habituais moti-
vos passionais, nem os costumeiros enredos de fico, com ti-
pos que se movimentam fisicamente em vrios ambientes e em
vrias circunstncias. Se personagens e fatos se apresentarem,
isto ser somente para dar forma ao movimento de correntes de
pensamento e de vontade, dar vida tangvel ao entrechoque de
idias e de foras, pois que estes so os verdadeiros persona-
gens da narrativa. Esta ser, assim, mais rpida, mais sinttica;
os fatos sero reduzidos sua pura substncia. Para isso, deixa-
remos de lado os acontecimentos mais comuns da vida do nos-
so personagem, aqueles que o fazem assemelhar-se aos demais.
No interessante, segundo pensamos, a referncia s coisas
que todos fazem, que todos sabem, que todos dizem e que so,
at mesmo nas narrativas, sempre repetidas.
Justamente numa hora em que tudo se torna coletivo e no
se pensa nem se age seno em massa, sem esprito prprio, o
nosso protagonista permanece solitrio, como se estivesse fora
do seu tempo, talvez por hav-lo compreendido demasiado;
um rebelde, decidido a viver a todo custo a sua prpria vida.
Por certo, alguns temperamentos e alguns destinos no se esco-
lhem e esto muito acima da prpria vontade. Ele no quer nem
poder aceitar e suportar o pensamento alheio. Quer aceitar a
sua experincia da vida sozinho, diante das foras csmicas.
Quer permanecer sempre ele mesmo, um desenvolvimento l-
gico, dirigido a um objetivo prprio, conscientemente escolhi-
do, seguido tenazmente at ao fundo. Cheio de disciplina, fer-
reamente ligado ao dever, mas observador e rbitro de tudo, e,
ao menos no seu ntimo, onde somente l se pode s-lo, livre,
independente de tudo e de todos. Assim, coordenou as foras de
sua tormenta, em meio tormenta do mundo.
O seu tempo lhe oferecia um pensamento catico. O mundo
estava abalado pelo entrechoque de tantas verdades diversas,
dividido entre o desmoronar de edifcios milenares e a tenso
construtiva de novos valores, em todos os setores humanos. O
seu tempo era um campo de batalha de grandes maturaes, em
que o passado, solidamente firmado, mas, justamente por isso,
ossificado, resistia, com grande fora da inrcia, ao novo que,
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8 HISTRIA DE UM HOMEM Pietro Ubaldi
fremindo de vida, irrompia da velha casca. O nosso homem en-
carou profundamente a grande luta em que a civilizao jogava
a sua cartada suprema e entregou-se todo, de alma e corpo,
preparao do advento da nova civilizao do Terceiro Milnio.
Assim, o solitrio fundiu a sua vida na substncia do seu tempo,
consciente disso como poucos, vidente e atuante, e, como pou-
cos, preocupado pelos destinos do mundo. Distante do intil
burburinho, ausente da hora fcil dos direitos e da colheita, pre-
feriu estar presente no trabalho silencioso, na hora do dever, do
esforo obscuro da semeadura. Assim, viveu muito mais ligado
aos seus semelhantes do que podia parecer, pois preferiu envol-
ver-se nas suas dores, mais do que nos seus triunfos. Assim, e
no de outra maneira, quis ser a qualquer custo, mesmo a preo
de decepes e de desprezo. Preferiu uma vida de luta, a fim de
permanecer sempre coerente consigo mesmo. Quis ser um ver-
dadeiro homem, vivendo a srio. Esta nota fundamental de ho-
nestidade, qualquer seja o erro que ele tenha podido cometer,
nunca o abandonou. No pactuou jamais com o mundo, contra
a sua conscincia. Teve de andar contra a corrente, a corrente
real, no aparente, antes bem oculta, das aes humanas. Foi
por muitos considerado um imbecil. Por isso, no querendo
nunca reduzir-se vileza de uma traio aos seus princpios de
retido, viu-se constrangido a ser um solitrio.
Se o leitor no ama um ideal, se no tem paixo pelas coisas
mais elevadas e santas da vida, se no sabe vibrar nestes dra-
mas do esprito, se no tem vivido ascendendo atravs da dor,
se no compreendeu a gravidade do nosso tempo, se no sente,
enfim, a necessidade de fugir cotidiana misria da vida, no
poder interessar-se por histrias como esta. Aqui, no encon-
tramos amor seno por Deus e pelos que sofrem, nem paixo
seno pelo bem. Este no um livro de vida fcil, que se rebai-
xa, mas o livro da vida dura e severa, que constri e se eleva.
Quem aqui procura, para o seu deleite, qualquer vaidade liter-
ria, quem gosta somente de curiosidades para distrao, quem
pensa encontrar aqui, repetidos, os motivos que costumam mo-
ver os homens e as suas paixes, largue o livro. Quem no tem
buscado e seguido, na luta e na dor, as speras vias da ascenso,
caminha na vida sobre outros trilhos. Cada um tem os seus e vai
para onde quer. Largue o livro, mas lembre-se de que, em qual-
quer posio social ou espiritual em que se encontre, participa
tambm da narrativa, chamada histria de um homem, mas que,
na realidade, a histria de todos os homens.
III. O SIGNIFICADO E O MTODO DA VIDA
Ele nasceu como nasce um homem qualquer, num ambiente
comum e insignificante. Nascer coisa to simples e natural,
que parece de fato no merecer ateno. Em geral, ningum se
surpreende com as coisas mais maravilhosas da vida. Entretan-
to, naquele feto que vem luz, h abismos de sabedoria e de
mistrio, tanto do ponto de vista orgnico como do espiritual.
Aquele organismo humano teve de percorrer longo caminho pa-
ra se transformar naquilo que ao nascer. No era, no princ-
pio, seno minscula clula, o ovo humano fecundado, e teve de
recomear desde a origem a sua existncia, retornando at s
razes da rvore genealgica da vida, ou seja, a uma forma uni-
celular, como a da alga ou da ameba. Transformou-se depois,
lentamente, em pluricelular, em esfera de clulas. S fora de
multiplicaes e diferenciaes, tornando-se sempre mais com-
plexo, chegou forma humana completa. Em nove meses, re-
capitulou toda a escala biolgica evolutiva da qual descende,
que precedeu e amadureceu a sua forma atual. E, s ento, pde
vir completo luz. Esta indiscutvel verificao de fato sur-
preendente e nos mostra quo gigantesco trabalho o imenso
passado teve de realizar para atingir as formas presentes. Mos-
tra-nos que ciclpico feixe de foras faz presso sobre aquele
feto, para que o impulso no se detenha e a vida continue.
O retorno, a necessidade de se refazer desde o princpio,
resumindo o trabalho realizado antes de prosseguir, como para
reter o impulso ante a nova tarefa construtiva, corresponde
lei universal dos ciclos fenomnicos, da qual no mais que
um caso particular. Para que cada fenmeno avance na evolu-
o, necessrio a consolidao das suas bases, resultante da
repetio e reviso do passado2.
Tudo isso o ser realizou sem nada saber. Pouco do presente,
nada do passado e nada do futuro. Tanto assim, que s por lti-
mo chegou formao da conscincia, nica que pode saber e
compreender as coisas. H, portanto, um princpio diretivo e in-
teligente, que tudo guiou com lgica, economia e tcnica, que
nos aturde e que no se encontra no ser, ignorante de quase tudo.
Ora, no se compreende como a cincia darwiniana e haeckelia-
na, que descobriu aquela verdade, tenha desembocado no ates-
mo, quando o materialismo a mais profunda demonstrao da
existncia de Deus. Demonstrao cientificamente slida, muito
mais do que as filosficas, teolgicas, abstratas e racionais.
A comprovao de que o organismo humano repete a sua
histria, o que claramente nos mostra, dos primeiros at aos l-
timos graus, o desenvolvimento biolgico, diz-nos ainda outra
grande coisa: fala-nos tambm do parentesco e, portanto, da fra-
ternidade de todos os seres e da comunho de destino biolgico
entre o indivduo e o gnero humano. O indivduo traz em si, na
constituio celular, na estrutura orgnica, nas diretrizes do seu
instinto, uma experincia e uma sabedoria no somente indivi-
duais, mas que pertencem raa. Ele possui em si mesmo quali-
dades que so coletivas, patrimnio de todos, e que a economia
da natureza o faz encontrar j realizadas ao nascer, com grande
poupana de esforo criador, prontas para a imediata utilizao
nas necessidades da vida. O feto insignificante resume e sinteti-
za a espcie, traz em si o passado e sobretudo, ainda em germe,
o futuro. Aquele ser uma fora csmica, a vida, fora que no
se pode deter. Repetiu, no seu desenvolvimento vibratrio, a his-
tria genealgica da humanidade; percorreu de novo o caminho
da formidvel ascenso que, dos unicelulares s amebas, aos in-
vertebrados, aos peixes, s feras, aos pitecides, aos antropides,
conduz ao homem, sempre pela mesma lei. Esse homem, que
tanto caminhou, no se pode deter, e a sua vida presente no po-
de ter outro significado seno o da continuao daquele cami-
nho. A cegueira imperdovel do materialismo consiste no fato
de no perceber o ntimo motor espiritual deste crescimento e,
portanto, a diretriz da continuao daquele ilimitado, incessante
e irrefrevel vir a ser da espcie. O erro nasceu do desejo de per-
sistir na precedente viso unilateral da evoluo puramente or-
gnica, que, pelo contrrio, nada mais seno o efeito do desen-
volvimento de um princpio espiritual. Que nos indica a histria
da civilizao humana com a construo orgnica e, mais espe-
cialmente, a psquica? Aqui, pois, torna-se evidente, ressalta e
domina a psquica, atuante sobretudo no campo nervoso e espiri-
tual. E acreditamos seja cientificamente slido e persuasivo con-
siderarem-se as conquistas espirituais e morais como constru-
es biolgicas. Somente assim elas adquirem um significado
orgnico, em conexo com o desenvolvimento da vida.
verdade que o moderno materialismo foi constrangido,
quisesse ou no, a avanar e orientar-se nos rumos do esprito.
Este uma fora to poderosa e evidente na natureza, que no
poderia permanecer perpetuamente sem ser vista. E j grande
progresso, em face do velho materialismo ateu. Mas, apesar
disso, a cincia no v ainda seno os primeiros sinais do esp-
rito, ou seja, apenas aquilo que se pode ver do plano material,
em que a cincia se mantm. E isso no suficiente. Para com-
preender a vida e viv-la seriamente, necessrio, ao invs,
uma integral concepo do esprito. Mas se dermos tempo para
2 Ver A Grande Sntese, do mesmo autor, Cap. XXVI: Estudo da tra-jetria tpica dos motos fenomnicos. (N. do A.)
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a cincia materialista ascender segundo aquela lei fatal de evo-
luo, por ela mesmo afirmada, ela chegar ao esprito, de ma-
neira jamais vista na histria, efetiva, slida e completa. S en-
to se podero lanar as bases da nova civilizao do Terceiro
Milnio, que, se no quisermos retroceder barbrie, no pode-
r ser outra seno a do esprito.
Seria absurdo que aquele impulso evolutivo, que, do ponto de
vista orgnico, se faz to evidente no feto, at ao seu nascimento,
depois se detivesse, justamente quando comea a vida individual.
E, se aquele impulso, que lei da vida, como de todos os fen-
menos, no se pode deter, logicamente o seu prosseguimento no
pode assumir, como os fatos de resto confirmam, seno a forma
psquica. E, assim, ainda aqui notamos que o homem recapitula
na infncia, repetindo todos os graus de desenvolvimento, no
mais a histria orgnica, mas a evoluo espiritual j feita, que
a prpria substncia da histria da vida nesta fase superior que a
humanidade atravessa. E, tal como o feto s se apresenta comple-
to na vida orgnica, depois desta repetio do seu passado nesse
plano, assim tambm a conscincia do jovem se apresenta ama-
durecida, na vida psquica e espiritual, somente depois de idnti-
ca repetio desse passado, em plano superior. Concluindo, o
significado biolgico da vida humana, na sua madureza e velhi-
ce, no pode ser outro que o da formao de uma personalidade
sempre mais completa, atravs de provas, dores, lutas, de todas
as experincias teis para o progresso espiritual, individual e co-
letivo. Se, organicamente, o homem nasce no ato do parto, espiri-
tualmente ele um feto em gestao at sua maturao juvenil,
e s ento ele nasce consciente para a vida e se prepara para a
continuao do trabalho criativo e sem fim do seu prprio espri-
to. Nascendo, o nosso homem se apresentara, portanto, vida, e
eis o que o esperava. Eis em que sentido ele orientar a sua exis-
tncia, que apenas comeamos a narrar.
Trata-se de uma experincia realizada contra a corrente hoje
seguida pela maioria. As teorias, os ideais pregados no tm
importncia, a menos que sejam tambm vividos. As simples
palavras, biologicamente, tm pouco valor. Tratar-se- de uma
reao e de uma rebelio contra o mundo, em nome dos mais
altos valores do esprito, ao qual se d, aqui, uma slida base
biolgica e, portanto, cientfica, lgica, persuasiva. No mais
tempo de nos iludirmos. O mtodo corrente de viver e de con-
ceber a vida est completamente errado. O mundo est hoje, de
fato, fora do caminho. Esta afirmao no se encontra apenas
na mente de algum vidente isolado, que seria fcil no ouvir ou
fazer calar, mas est nas prprias leis da vida, a que ningum
jamais poder fugir. No comum, o homem obedece cegamente
ao instinto de crescer. Instinto elementar, que se inicia na clula
e exprime a vontade fundamental da criao, que a de evoluir.
E atira-se ao crescimento como um louco, egoisticamente, cao-
ticamente, isoladamente, desesperadamente. O princpio do
crescimento justo, mas o homem normal no tem a mnima
idia de um mtodo racional para segui-lo. S um mtodo que
nos harmonize com as diretrizes dominantes no funcionamento
orgnico do universo poder ser satisfatrio, ou seja, sem dis-
perso de energias, levando-nos a um resultado substancial til.
A vida do homem de hoje um convulso agitar-se para se apo-
derar do mais que possa, de todos os lados e por qualquer meio,
para si e para os seus. uma luta desesperada, sem mtodo,
sem critrio diretivo, sem conscincia das leis que, pela vontade
divina, d