PIRÂMIDE & OBELISCOS Nº 2

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É DIFÍCIL O PRÓXIMO OBSTÁCULO número 2 DEPOSITAMOS UMA GRANDE ESPERANÇA NUM PURO-SANGUE CHAMADO “COMPETITIVIDADE” (Baixos custos e Diferenciação) Não podemos deixar de falar da crise. E isso nem será mau para nós. Mau, deploravelmente mau, é falar da crise como se se tratasse de um mal sem remédio, contra o qual não há nem haverá nada a fazer. Isso sim, Será um perigo frustrante, castrante da iniciativa e da acção. Esta não é a primeira crise, nem será a última, nem será, de certo, a pior: virão outras e serão sempre piores porque em ocasiões tais, o que antes nos facilitou a vida, as novas tecnologias e outras conquistas que os homens arrancaram ao império da ignorância, voltam-se agora contra nós. E dão a tudo dimensões inimagináveis. Tentemos descortinar os futuros a que as tendências conhecidas parecem levar-nos. Elenquemos os menos improváveis, analise- mos a consistência e a pertinência dos pressupostos adoptados e dos futuros possíveis assim imaginados, escolhamos com coragem o futuro que desejamos. E comecemos hoje a construí-lo ou seja, comecemos hoje a fazer o que deve ser feito para que esse futuro aconteça. É decisivo o que fizermos hoje. O destino de cada um não pode ser lido nas estrelas nem está es(ins)crito na palma das suas mãos.

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Revista integrada no Estudo – MATERIAIS DE CONTRUÇÃO – Conhecer as Necessidades de Qualificação dos Recursos Humanos, para Melhorar o Desempenho das Empresas – fase 2.

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DEPOSITAMOS UMA GRANDE ESPERANÇA NUM PURO-SANGUE CHAMADO “COMPETITIVIDADE”(Baixos custos e Diferenciação)

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Não podemos deixar de falar da crise. E isso nem será mau para nós. Mau, deploravelmente mau, é falar da crise como se se tratasse de um mal sem remédio, contra o qual não há nem haverá nada a fazer. Isso sim, Será um perigo frustrante, castrante da iniciativa e da acção. Esta não é a primeira crise, nem será a última, nem será, de certo, a pior: virão outras e serão sempre piores porque em ocasiões tais, o que antes nos facilitou a vida, as novas tecnologias e outras conquistas que os homens arrancaram ao império da ignorância, voltam-se agora contra nós. E dão a tudo dimensões inimagináveis.

Tentemos descortinar os futuros a que as tendências conhecidas parecem levar-nos. Elenquemos os menos improváveis, analise-mos a consistência e a pertinência dos pressupostos adoptados e dos futuros possíveis assim imaginados, escolhamos com coragem o futuro que desejamos. E comecemos hoje a construí-lo ou seja, comecemos hoje a fazer o que deve ser feito para que esse futuro aconteça. É decisivo o que fizermos hoje.O destino de cada um não pode ser lido nas estrelas nem está es(ins)crito na palma das suas mãos.

com as questões ambientais e energéticas compreenderam o inte-resse da publicação de um texto em que se expõe as raízes de uma técnica de construção que poderá manter-se como alternativa em condições muito precisas, nomeadamente, se se agravarem os pro-blemas da disponibilidade de energia.

Damos ainda conta que nos foi assinalada uma deficiência que aqui mesmo pretendemos corrigir: O sentido, das cinco imagens que publicámos na capa. Agradecemos penhorados o reparo e damos a explicação que faltou: As imagens reproduzidas são alegorias da indústria cerâmica, da metalo-mecânica ligeira, das indústrias da madeira, das rochas decorativas e, por fim, das actividades ligadas ao sector da distribuição, já que Mercúrio é, na mitologia romana, o deus dos comerciantes.

Terminamos agradecendo ao Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu a gentileza de terem dado no seu site a indica-ção do endereço em que a versão on-line de todo o conteúdo da PIRÂMIDES&OBELISCOS está disponível.

Um gesto estimulante para darmos de nós, além do possível, o necessário para levar o projecto a atingir os objectivos que se propôs.

 

Concluiu-se em Dezembro e foi distribuído em Janeiro de 2009 o primeiro nº da P&O.

Fizemos um esforço empenhado para levar a bom porto esta tarefa. Decorrido um mês, continuamos a receber telefonemas de amigos nossos espalhados um pouco por todo o País, através de cujos tes-temunhos começamos a ter como adquirido que a amostra agradou e, em geral, foi considerada como uma contribuição útil, um modo eficaz de alavancar o projecto MATERIAIS DE CONSTRU-ÇÃO – Conhecer as Necessidades de Qualificação dos Recursos Humanos para Melhorar o Desempenho das Empresas - Fase 2 com que pensamos participar na mais importante tarefa com que o nosso País se confronta neste momento: Travar o desemprego e criar novos empregos.

Esperamos agora o comentário das associações que apoiam o nosso trabalho, para introduzirmos as correcções que porventura se im-ponham.

Gostávamos de sublinhar nesta oportunidade que ouvimos comen-tários elogiosos e pertinentes ao primeiro artigo de Fernando Fer-reira que se propõe encarar a problemática da retoma de empresas em funcionamento; mereceu destaque a colaboração de Ernesto Matos a propósito da Calçada Portuguesa e, em especial, a beleza das fotografias de sua autoria que publicámos; a construção em adobes e taipa (1ª parte) de que se ocupou o Arquitecto Célio de Melo Costa causou alguma estranheza em leitores mais novos para quem o tema constituiu uma novidade inesperada. Preocupados

Propriedade: Conservatório de Ciências e Tecnologias-Associação para a Divulgação das Novas Tecnologias e Avanços da Ciência | Praça da República, 13-6º 4050-495 Porto Telefone 222 083 208 · Fax 222 081 031 | [email protected] * www.cct.pt

Director: Almor Viegas | Edição e Coordenação: F+G – FORMAÇÃO E GESTÃO, SA |Relações Institucionais: António F. Lopes | Textos de: Célio de Melo Costa, Fernando Ferreira, Almor Viegas, Manuel Lourenço, Ernesto Matos, Fernanda Romero (Trd.) | Fotografia: Ernesto Matos, António Fernandes Lopes.

Delegada no Centro: Ana Maria Mota ([email protected]) | Delegada em Lisboa: Fernanda Ramalho ([email protected])| Coordenação gráfica e redactorial: F+G

Distribuição gratuita pelos Associados da APCMC, APICER, APIMM, ASSIMAGRA, AIMM | Base de Dados do CCT.

Tiragem de 5000 exemplares.

editorial

Publicação integrada no Estudo MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO – – Conhecer as Necessidades de Qualificação dos Recursos Humanos para Melhorar o Desempenho das Empresas - Fase 2

Número 2 - Março de 2009

Edição on-line em www.cct.pt

O Director

PIRÂMIDES&OBELISCOS

25 ENG. ANTÓNIO CORTE REAL, ADMINISTRADOR DA CONSTRUCER EM AVELÃS DE CAMINHO FALA AO DR. MANUEL LOURENÇO E DEIXA FICAR, PARA USO DE QUEM QUISER, SEM PAGAR DIREITOS, PISTAS E CONSELHOS PARA SOBREVIVER EM TEMPOS DE CRISE.

33 AIMMAPAssociação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal

ÍNDICE DE CONTEÚDOS

© Ernesto Matos

04 MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO:Conhecer as necessidades de Qualificação dos Recursos Humanos para Melhorar o Desempenho das Empresas – Fase 2Um projecto em desenvolvimento

08 A COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS PERMITE MELHORAR RAPIDAMENTE A COMPETITIVIDADE

12 EMPREENDER EM PORTUGAL PELA VIA DA RETOMA DE UMA PME

18 BOCAGE NAS TERRAS DE GêNGIS KHAN

22 PARA SER COMPETITIVODiferenciar-se e acabar com o desperdício e com os defeituosos.

31 ASSOCIAÇÃO DOS INDUSTRIAIS METALÚRGICOS, METALOMECÂNICOS E AFINS DE PORTUGAL

37 TRANSVERSALIDADES

· O ATRASO PORTUGUêS

· A REVOLUÇÃO GEOTÉRMICA

· AzULEjOS ELÉCTRICOS

· ÀS VEzES, A PROXIMIDADE EXTREMA DISTORCE A VISÃO

· COMO UM IMIGRANTE DE LESTE ENFRENTOU E VENCEU UM DESAFIO PARA CONQUISTAR UM EMPREGO

· O SEGREDO PODE ESTAR NA ESCOLA

20A CONQUISTA DE BARREIRAS NAS OLIMPíADAS PÉTREAS

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Está em pleno desenvolvimento o projecto Materiais de Construção: Conhecer as Necessi-dades de Qualificação dos Recursos Humanos para Melhorar o Desempenho das Empresas, promovido pelo CCT – Conservatório de Ciências e Tecnologias. Não cabe neste espaço nem de resto seria oportuna uma análise detalhada das acções desenvolvidas até agora. Registaremos aqui algumas ideias que resul-tam de um contacto directo com empresários e decisores de dezenas de empresas objecto deste trabalho. Ideias que começam a dar forma a princípios em que assentará uma pre-vista e necessária intervenção no sector.Ouvidos até agora 122 responsáveis de empre-sas dispersas por todo o país e representando as diversas fileiras de Materiais de Construção, começam a desenhar-se alguns denominado-res comuns. Um dos primeiros aspectos que importa destacar é a enorme diversidade de realidades empresariais: fileiras diferentes com constrangimentos e lógicas sectoriais diferen-ciadas, operando em contextos distintos; o modelo e o estilo de gestão são diferentes entre as empresas, tudo condicionando as estraté-gias das unidades envolvidas e influenciando a cultura da organização; os empresários têm formações de base e experiências muito dife-renciadas. Cada binómio empresa/empresário é único. Será precisamente esta diversidade de modos e formas de ser e de agir, em algum

Manuel LourençoSociólogo, Coordenador do Estudo

[email protected]

MATERIAIS DE CONSTRUçãO:CONHECER AS NECESSIDADES DE QUAlIFICAçãO

DOS RECURSOS HUMANOS PARA MElHORAR

O DESEMPENHO DAS EMPRESAS – Fase 2

Um projecto em desenvolvimento

sentido esta riqueza, que tem de ser tida em conta quando se tem como objectivo respon-der em concreto às necessidades que possam identificar-se.Neste quadro multifacetado emerge, apesar disso, uma ideia comum a todos os empre-sários: uma grande apreensão face à conjun-tura macroeconómica global que penaliza fortemente o sector coexistindo com uma vontade enorme de superar as dificuldades, consolidar as posições alcançadas no mercado e, em alguns casos, encontrar soluções cria-tivas para reconduzir a empresa ao caminho dos resultados positivos. Não baixar os bra-ços, característica dos empresários portugue-ses, ressaltou de todas as conversas havidas. Sublinhe-se para que conste.

É inegável que a crise que o mundo atravessa condiciona o normal funcionamento das empresas e a sua acção. Esta crise fez-se sentir em primeiro lugar no sector imobiliário dos Estados Unidos contaminado pela turbulência

que se instalara no sector financeiro em razão de o valor actual das garantias prestadas para obter financiamentos destinados à compra de habitação não ser suficiente para responder pelas faltas de cumprimento dos devedores. Afectada a liquidez dos bancos e mesmo a capacidade de alguns para responder pelos seus compromissos em razão da redução do crédito interbancário, as dificuldades de cré-dito e a perda de confiança ultrapassaram o sistema financeiro e estenderam-se a toda a economia com as consequências conhecidas.

Em Julho de 2007, o número de obras lan-çadas recuou nos Estados Unidos 20,9%, e número de licenças para construir 22,6%. Num mundo e numa economia globalizada,

a Europa rapidamente mergulhou numa crise da qual ainda não há uma percepção fiável tanto da extensão como da profundidade.O desemprego tornou-se um problema incon-tornável, de difícil solução e consequências

Cada binómio empresa / empresário é único.

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que são visíveis, desde logo, na diminuição do rendimento privado e, decorrentemente, na contracção da procura, conduzindo ao abran-damento da produção de que o efeito mais imediato é … o crescimento do desemprego. E assim por diante.O volume de construção em Portugal teve uma contracção acentuada nos últimos 2 anos. É conhecida a importância da Construção como motor da economia. Há um extensíssimo conjunto de actividades que lhe estão liga-das, directa ou indirectamente. Do constru-tor, ao produtor de materiais, ao armazenista, ao retalhista, ao projectista, ao decorador, às actividades transportadoras, aos produtores dos bens de consumo de todas as naturezas porque a Construção é geradora de emprego e este de rendimento que, por sua vez, sustenta a procura, todos são atingidos pela diminui-ção do volume global de construção.Para as empresas de produção de materiais de construção, aquelas que são abrangidas por este trabalho, esta crise traduz-se na:

•Diminuição das vendas•Acumulação de stocks; •Baixa de preços dos produtos; •Dificuldade de cobranças; •Falta de liquidez; • Dificuldade de conquistas de novos

mercados; • Dificuldade de obtenção de créditos para

investimentos.

Não baixar os braços, característica dos empresários portugueses, ressaltou de todas as conversas havidas. Sublinhe-se para que conste.

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empresa mas que se traduza também num verdadeiro motor de modernização, contri-buindo para a criação de um novo modo de ver, de uma nova atitude face à complexidade crescente do mundo que nos rodeia, ao perto e ao longe.

Estratégia e cooperação

Questionados acerca da orientação estratégica da empresa, nomeadamente acerca do papel da cooperação empresarial para fazer face à crise, temos confirmado aquilo que é sabido: os empresários portugueses mostram uma resistência militante à cooperação.Portugal é o país da União Europeia com taxas mais baixas de cooperação empresarial. Temos verificado que a criação de um espaço de deci-são partilhada é olhada com desconfiança e com receio. Pensamos que este fenómeno radica na história da criação e desenvolvi-mento do tecido empresarial português que assentou em pequenas e microempresas, mui-tas vezes de cariz familiar. E contudo, será justamente para as pequenas, médias e muito pequenas empresas que a cooperação se vai tornando um imperativo do bom senso.Um processo de cooperação empresarial implica confiança nos parceiros, segurança pessoal do empresário e um projecto que seja percebido como vantajoso por todos. E se ouvimos frequentemente afirmar que “a cooperação é importante” ouvimos de seguida que “com os empresários portugueses é muito difícil”. E por que será que o é menos com os empresários de outros países? Não será este um tema para reflectir?Apesar disso, encontrámos alguns bons exemplos de atitudes e de disponibilidade para a cooperação, observados em empresas cujos empresários têm uma visão alargada e

Qualificação dos Recursos Humanos e Formação Profissional

Para os empresários abordados, de um modo geral, a preocupação com os Recursos Huma-nos é uma constante apesar de serem raros os que a consideram prioritária. Ouvimos frequentemente que “a prioridade é a sobre-vivência da empresa, pois se a empresa não sobreviver as preocupações com os Recursos Humanos deixam de fazer sentido.” Verificámos que, de um modo geral, as qua-lificações dos trabalhadores das empresas abordadas são baixas. Igualmente baixas são a escolaridade ou as qualificações dos empresá-rios. Esta realidade condiciona a forma como se encara a formação profissional quer por parte dos trabalhadores quer por parte dos empresários ou decisores. Os trabalhadores não estão, em geral, motivados para a for-mação e alguns decisores ainda a olham com alguma desconfiança, resultado de uma expe-riência passada porventura pouco gratificante.Verificámos que, embora os empresários afir-mem ser a formação muito importante e a qualificação dos trabalhadores fundamental para o desenvolvimento das empresas e para melhorar a sua competitividade, não agem em consonância. Muitas empresas não asseguram formação profissional aos seus colaborado-res e outras apenas disponibilizam formação aos colaboradores para cumprir a lei. Do lado oposto, encontrámos empresas onde a formação profissional é encarada como um investimento de recuperação garantida. Nos próximos números da P&O procuraremos dar a conhecer alguns casos de sucesso que revelam como faz sentido encarar a formação como investimento no desenvolvimento de

competências, traduzindo-se isso em melho-rar o desempenho das pessoas e, por esse caminho, a competitividade da empresa.Uma afirmação comum é que “falta formação à medida” ou que “a oferta formativa é redu-zida” ou ainda que “a formação é generalista e não responde a necessidades concretas da empresa”. Todas estas afirmações querem dizer a mesma coisa. Cada empresa é uma realidade com os seus problemas, com os seus constran-gimentos e uma acção ou plano formativo que funciona bem numa empresa pode não fun-cionar noutra, apesar de se estar em presença de empresas da mesma dimensão, da mesma localização geográfica e do mesmo sector de actividade.Neste mesmo sentido se enquadram as práticas de algumas (poucas) empresas que, conscien-tes deste fenómeno, formam os seus próprios formadores e são estes que, baseando-se em diagnósticos precisos e direccionados para a solução dos problemas, asseguram a formação dentro da empresa.Por outro lado é necessário lutar contra a baixa escolaridade dos trabalhadores. Esta baixa escolaridade traduz-se em alguns fenó-menos como a falta de motivação para a for-mação profissional. A iliteracia funcional tem consequências a outros níveis como por exem-plo a atitude face ao e-learning. Se é inegável a eficácia do e-learning nomeadamente a nível de redução de custos com a formação, esta exige “literacia informática” com o uso con-fiante e crítico das tecnologias de informação, literacia esta que não está ainda massificada nomeadamente nas classes menos escolariza-das e menos jovens.Começa a desenhar-se a necessidade da cria-ção de um programa que resulte de um diag-nóstico realista das necessidades de formação, evitando assim pacotes formativos que pouco ou nada têm a ver com a realidade de cada empresa. Formação à medida, isso mesmo, formação que se traduza em acção, forma-ção que não resolva apenas um problema da

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estratégica. As áreas mais vezes referidas como sendo de interesse e onde a cooperação pode-ria ser vantajosa foram: comercial, distribui-ção, energia e equipamentos.A cooperação mais do que importante é ine-vitável. Cabe às entidades responsáveis criar as condições necessárias para o desenvolvi-mento de projectos inovadores. As associações podem desempenhar aí um importante papel.

Tem sido gratificante desenvolver este traba-lho e reforçamos a ideia de que é imperioso um forte empenhamento na valorização dos Recursos Humanos e uma dinamização per-manente, a novas luzes, dos contextos onde eles desenvolvem a sua acção.

Agradecemos às entidades nossas parceiras que se envolveram e que nos têm dado uma ajuda preciosa no contacto com as empresas. São elas a APCMC, AIMMAP, AIMMP, APICER e ASSIMAGRA.

Fátima Leitão ArquitectaExperiência de projectista

Fernanda ramaLhoEx-Quadro da Direcção de Recursos Humanos do BCP

Fernanda romerolicenciada em História Membro do Conselho de Administração de F+G – Formação e Gestão;

manueL rochaEconomista Ex-Director do Banco Comercial Português

ana maria motalicenciada em Educação FísicaProfessora do Ensino Secundário

Entrevistadores destacados para o trabalho de campo

DR. JOSÉ LUIS SEQUEIRA,

Vice-Presidente Executivo da APICER

- Associação Portuguesa dos Indus-

triais de Cerâmica, a propósito do

primeiro número da PIRÂMIDE & OBELISCOS.

A minha apreciação é positiva quer quanto à apresentação quer quanto aos conteúdos. Julgo no entanto e apesar disso, que valeria a pena desenvolver três ideias força:

1. A Formação e qualificação é algo que se torna essencial para todos, seja qual for a posição que cada um ocupe na organiza-ção e na hierarquia da empresa. Parece-me que se vem cultivando a ideia de que a Formação é útil e necessária, … mas é para os outros … Parece quase um fardo que alguém tem de suportar! E se assim é, e se a falta de formação é sinónimo de fragilidade, … alguém que a suporte, … mas não eu/não cada um de nós!

2. Promover a Inovação na Formação. Se INOVAR é uma legenda em tudo e para tudo o que é preciso fazer, a formação não pode escapar a este desígnio. E uma forma de inovar na formação, é medir-lhe os efeitos.

3. É essencial apresentar casos de sucesso na formação, apresentando relatos de empresas em concreto, para as quais a formação constitui um investimento que não se compadece nem com cri-ses nem com flutuações do mercado. É uma atitude e um princípio que faz parte dos planos estratégicos da empresa. Há empresas que bem podem ser referencia-das como casos de sucesso a este nível. É saudável que possam ser divulgados.

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História Nº 1

Como um duelo de morte conduziu a uma marca comum dominante

Havia, há mais de cinquenta anos, três empre-sas que dispunham de quotas de mercado significativas, como extractores, refinadores e embaladores de óleos vegetais. Eram ao mesmo tempo e por razões que se prendiam com os processos de extracção e refinação dos óleos, produtores de bagaços de oleaginosas – produto rico em proteínas, matéria-prima importante para a indústria de alimentos compostos para animais. Na mesma linha,

produziam também sabão do tipo comum em barras e sabão activado em blocos. Creio que as três quotas somadas corresponderiam a cerca de 60% do mercado. O restante divi-dia-se, de modo muito desigual, por três ou quatro outros produtores. Ou seja, as três empresas dispunham, potencialmente, de uma inquestionável força capaz de configura-rem o mercado a seu bel -prazer. A legislação vigente não lhes permitia que se entendes-sem formal ou informalmente nesse sentido e, não se cartelizando, não teriam alternativa senão digladiarem-se até que os mais fracos fossem cedendo e acabassem por ser absorvi-dos pelo maior. Esta situação durou até que a lucidez das administrações dos três decidiram criar uma sociedade em que cada um partici-pou com uma quota idêntica à que tinha no mercado e que contratou com cada uma das

associadas a distribuição dos seus produtos, agora com marcas comuns e, para lá disso, o aprovisionamento das matérias-primas de que passou a ser importadora com uma força contratual acrescida face aos produto-res de todo o mundo e aos brokers que, em seu nome, agiam em Portugal. Para manter os standards de qualidade acordados, a nova empresa tornou-se também o embalador único dos produtos das três fábricas e, por esse caminho, também nos domínios do controlo de qualidade e na aquisição dos materiais de embalagem foi possível realizar importantes economias. O sucesso está à vista. Hoje, a nova empresa tem uma posição dominante no mercado ibérico dos óleos vegetais e do azeite, estabe-leceu-se para além fronteiras, em Marrocos, na Tunísia, no Brasil, na Venezuela e nos

A COOPERAçãO ENTRE EMPRESAS PERMITE MElHORAR RAPIDAMENTE

A COMPETITIVIDADE

3A quem nos contar histórias

verdadeiras de cooperação,

confessaremos em que

casos reais nos inspirámos

para lhes oferecer as três

que aqui ficam.

Histórias exemplares

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os prazos que se não cumprem, os custos que sobem em flecha impulsionados pela inacti-vidade. Mas a verdade é que estas situações são muito mais frequentes do que podemos imaginar. E contudo, em geral, os responsá-veis conhecem a duração prevista para muitos dos componentes dos equipamentos. São, por exemplo, os rolamentos, as correias trape-zoidais, cuja duração é indicada pelos fabri-cantes, são os lubrificantes essenciais ao bom funcionamento das caixas de velocidades, etc. etc.Mas há outra área, transversal a todos os com-ponentes do processo produtivo, em que agir por antecipação constitui uma prática exigida

pela boa gestão: a fiscalização preventiva do respeito pelas normas técnicas e legais aplicá-veis à higiene, segurança e saúde no trabalho. Fiscalização preventiva que a empresa pode contratar no exterior e a porá a coberto das muito desagradáveis consequências de uma inesperada visita das entidades a quem cum-pre fazer cumprir a legislação aplicável. Mas diga-se que não será apenas, nem sobretudo, o peso das multas decorrentes das transgressões que constituirá a componente mais dolorosa da punição. Essa é de natureza moral porque, mesmo sem culpa directa que se lhe possa imputar, nenhum gestor de uma empresa fica de consciência tranquila quando um tra-balhador sofra danos graves e muitas vezes irremediáveis. Portugal, infelizmente, como é sabido, não tem uma imagem internacional favorável neste domínio. Ora, é hoje pacífico o entendimento de que a prevenção não é um custo. Custos serão as horas de trabalho perdidas por inactividade dos equipamentos em resultado de para-gens não programadas e dos trabalhadores por incapacidade decorrente de acidentes ou doenças evitáveis contraídas ou resultantes do exercício da profissão. As despesas que se suportem para diminuir as paragens não pro-gramadas e a sinistralidade correspondem à cobertura financeira de um investimento de alta e garantida rendibilidade. Então

Uma nova atitude para uma solução criativa

António Matos e Joaquim Fonseca (nomes fictícios) são ambos engenheiros: o primeiro (AM) é licenciado em Engenharia Mecânica e tem uma experiência de 22 anos na direc-ção de serviços de manutenção em unidades industriais, enquanto o segundo (JF) se licen-ciou em Organização Industrial e em siste-mas de informação e tem quase vinte anos de experiência em planeamento industrial.

Estados Unidos. A independência da activi-dade produtiva das empresas não foi afectada senão pela necessidade de respeitar as infor-mações do mercado veículadas pela Direcção de Marketing da nova sociedade e ainda na medida em que se tornou imperioso cumprir os compromissos resultantes da política de qualidade adoptada.Nunca ninguém ouviu falar de dissensões entre as três empresas associadas. Mas, é claro, qual-quer delas poderia sair da sociedade quando o entendesse. O que não podia era utilizar as marcas de que a nova sociedade era pro-prietária. Verdadeiramente um caso em que 1+1+1 >> 3. Quer dizer, é muito mais do que 3.

História Nº 2

Não esperar pela pergunta para dar a resposta

PórticoNenhum de nós espera que o motor do seu automóvel gripe para substituir por óleo novo o lubrificante que enche o cárter até à altura marcada na vareta de controlo. Também não esperamos que o depósito de combustível seque para o reabastecer. Os inconvenien-tes resultantes de tal descuido são também conhecidos de toda a gente. A verdade é que tomamos estas precauções porque sabemos, em tempo de trabalho ou em quilómetros per-corridos, que o lubrificante chegou ao limite da sua eficiência e que, sem combustível, o motor, pura e simplesmente não funciona. E assim por diante Ora, numa instalação industrial há inúmeras situações que obrigam a uma vigilância sem descuidos e que estes, quando se verificam, se pagam caro. São as paragens não programa-das que constituem o pesadelo mais temido:

Almor ViegasEconomista e Consultor de Empresas [email protected]

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 09

No exercício das suas profissões tiveram oca-sião de observar as diferentes realidades com que se confrontaram e chegaram à conclusão de que os traços comuns a todas elas podiam configurar uma prometedora possibilidade de criar a sua própria empresa e levar por diante um projecto que acalentavam desde os tempos já relativamente distantes do final dos cursos. Tinham apenas o nome que esperavam poder registar: ALAVANCAGEM, S.A. De uma reflexão feita sobre esta matéria resultou o esqueleto de um memorando com que apresentariam o protoprojecto a algumas empresas sediadas nas oito zonas industriais instaladas nos quatro concelhos mais pró-ximos. A ideia central consiste no convite a fazer às empresas seleccionadas para que subscrevam uma parcela do capital social e, ao mesmo tempo, aceitando os princípios em que o projecto se funda, prometam estudar em conjunto com os promotores e os outros accionistas as condições em que o serviço será contratado.O facto de a ALAVANCAGEM, S.A ser a resul-tante de uma vontade de cooperação entre empresas não significará que a sua intervenção no mercado fique condicionada: novos clien-tes são desejáveis e bem-vindos.

ordens de execução das visitas a fazer e a natureza específica das intervenções em cada uma. Essa será a base do indispensá-vel planeamento.

Por fim, a ALAVANCAGEM, SA propõe-se ser a peça que falta.

História Nº 3

Ganhar no mercado a dimensão que não tem na fábrica

PórticoQuando as bicicletas com motor auxiliar e depois as bicicletas motorizadas inundaram o mercado português respondendo a uma aspiração dos utilizadores das bicicletas a pedal tanto no sentido de reduzirem o esforço como para afirmar um status, a indústria do ciclismo sentiu que uma ameaça mor-tal espreitava à esquina de cada mercado. E

Essencialmente, este serviço a prestar a cada empresa desenvolver-se-á em três fases:

1ª. Recolher no cliente toda a informação dis-ponível sobre os equipamentos instalados, prestando especial atenção aos documentos que se ocupem dos cuidados de manuten-ção, datas de aquisição de cada compo-nente e o historial de avarias e reparações.

2ª. Construir uma base de dados com toda esta informação e outras recomendações pertinentes, elaborando a partir dela um projecto detalhado que assegure o cum-primento do objectivo central: combater as paragens não programadas dos equipa-mentos – melhorar a economicidade da exploração.

3ª. O serviço de informação da ALAVANCAGEM, SA emitirá com a frequência adequada, as

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FINLÂNDIA

NORUEGA

ISLÂNDIA

DINAMARCA

ITÁLIA

SUÉCIA

LUXEMBURGO

LIECHTENSTEIN

REINO UNIDO

SUIÇA

AUSTRIA

GRÉCIA

FRANÇA

BÉLGICA

HOLANDA

IRLANDA

ESPANHA

ALEMANHA

PORTUGAL

PAÍSES

% 10 20 30 40 50 60 70 80 90

formalinformal

muitas unidades fecharam, deixaram de se ver marcas internacionalmente relevantes como a Humber a Raleigh, a Phillips, a BSA e outras. Alguns clássicos do pedal viraram produtores de bicicletas motorizadas. Quase todas as marcas internacionais se instalaram em Portugal cedendo licenças de fabrico ou à sombra de outros instrumentos jurídicos. São desse tempo a Zundap e a Sachs coexistindo com a portuguesa Casal; outras marcas pre-ferem instalar-se a partir de um representante local que venda as motorizadas em Portugal: recordo as que me estiveram mais próximas Kreidler e a Peugeot.Entretanto, alguns industriais relativamente pequenos mas nem por isso fechados às novas tecnologias, às mudanças e à sua compreensão, entenderam que se cada um se especializasse naquilo que sabia produzir respeitando mais altos padrões de qualidade com os melhores custos e comprassem no exterior, no país ou no estrangeiro, o que não podiam produzir ou não era economicamente viável, podiam tentar pôr de pé uma unidade que, resul-tante desta cooperação primária, fosse capaz de trazer ao mercado uma bicicleta movida a pedal que servisse agora não apenas as neces-sidades básicas dos antigos utilizadores – des-locações para o trabalho, por exemplo – mas prioritariamente as necessidades emergentes da obrigação de fazer exercício para manter a saúde, preocupações relevantes dos estados e dos especialistas pela crescente mortalidade decorrente das doenças cardiovasculares. Os utilizadores destas bicicletas passaram a ser pessoas mais bem informadas, mais exigen-tes, que as querem mais cómodas, mais leves, beneficiando de um design mais agradável. Ao mesmo tempo que instrumento preventivo, as novas bicicletas são também instrumento de lazer para passeios, mais ou menos exten-sos de pessoas sós ou em grupo. O mercado vai crescendo, as vantagens são evidentes,

compram-se bicicletas TT para circuitos pelo campo em que a competição está ausente e, em vez dela se abre e fortalece um sentido de partilha permanente do que o campo, a mata, a margem do rio, têm de surpreendente ou adivinhado. As reuniões dos grupos para o estabelecimento de novos itinerários para outras saídas são também novas oportunida-des de convívio em que, à semelhança dos caçadores antigos, se fazem relatos do que se viu, dos sons e dos cheiros, dos animais sur-preendidos, da alegria de partir e do gosto do regresso. Os cuidados com o ambiente, as ameaças sobre o planeta reconhecidas mesmo pelos menos preparados, a poluição dos gran-des centros, leva as autarquias das cidades maiores a encarar a possibilidade de dispo-nibilizar bicicletas para uso gratuito de quem queira experimentar olhar o mundo mais devagar e reflectir enquanto pedala. É Aveiro, julgo eu, a primeira cidade de Portugal em que a Câmara Municipal instala um parque com vários pontos de distribuição e recolha de bicicletas de uso gratuito sem pedir justifica-ções. Presumo também que terá sido uma das primeiras cidades da Europa a faze-lo mas não resisto à tentação de deixar uma nota pessoal sobre este assunto e dar conta do espanto e

admiração que experimentei. Em Estocolmo, em 1963 ou 64, participei como expositor na Feira de Sant Eric. No primeiro dia apanhei um táxi à porta do hotel e cheguei cedo ao Pavilhão onde estava instalado o stand que me interessava. Não entrei logo porque comecei a assistir a alguma coisa que dominou a minha atenção: muitas pessoas, dezenas, chegavam de bicicleta e deixavam-nas encostadas às que já lá estavam e iam à sua vida. Pensei para mim que se alguém quisesse recuperar a pró-pria bicicleta deixada no meio daquele granel, teria de passar por incríveis dificuldades. Só mais tarde verifiquei e aprendi que não havia bicicletas próprias. Quem chegava encostava a bicicleta em que vinha, quem partia pegava na que estivesse mais à mão. Só anos mais tarde soube que os industriais portugueses que, acreditando nos benefícios da cooperação, tinham decidido romper com o paradigma esgotado e iniciar a produção de bicicletas de uma marca única, estavam a vender milhares e milhares de unidades para as câmaras municipais de Paris, Viena, Milão e outras das mais importantes cidades da Europa. Eu diria que os industriais autores desta ori-ginal iniciativa e sobretudo os homens que desencadearam a experiência e tiveram de ultrapassar incompreensões e dificuldades sem conta, mereciam que os seus nomes fos-sem propostos como exemplos a demonstrar que, ao contrário do que frequentemente se ouve, ser português não é sinónimo de ser medíocre, incapaz de realizar bem o que quer que seja, gente por quem não vale a pena ter consideração porque é ignorante, preguiçosa, desconfiada, atreita à prática de habilidades, avessa ao estudo e detestando a inovação. É um retrato que insiste em nos envergonhar em frente do espelho, na hora dramática do recomeço em cada manhã.

A. Viegas

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 11

Na sequência de um processo de identifica-ção de uma oportunidade de negócio em que se envolveu com determinação durante alguns meses, tendo para o efeito activado diversos canais ao seu alcance1, ou por um mero circuns-tancialismo2, encontra ou depara-se-lhe, uma oportunidade de aquisição de uma empresa que merece a sua atenção e desperta o seu interesse.

Antes de iniciar conversações com o possível cedente e de se envolver na fase de análise da empresa que lhe é proposta, será desejá-vel que se assegure que é portador, em grau satisfatório, das condições e características que devem acompanhar um empreendedor qual-quer que seja o sector de actividade em causa. Este passo é particularmente importante para os candidatos a empreendedores que antes, nunca protagonizaram uma experiência de empreendedorismo.

Reflicta sobre a sua pessoa e proceda a um auto-diagnóstico. Antes de tudo o mais, deverá

poder concluir convictamente que o seu perfil pessoal encaixa bem no de um empreende-dor. Certifique-se que, em harmonia consigo próprio, poderá ser um bom actor num novo palco que seguramente mudará a sua vida.

Sugerimos que se interrogue sobre as seguin-tes questões:

1. Tem gosto e predisposição para assumir riscos?

2. Tem confiança em si e nas suas capacidades?3. As decisões solitárias não o constrangem e

toma-as habitualmente em tempo útil?4. Considera que sempre foi um bom profis-

sional naquilo que fez e que pode servir de exemplo para os outros?

5. Ambiciona ser líder?6. Nos meios profissional e familiar, pensa

habitualmente com os olhos no futuro e pla-neia as suas acções?

7. Considera a gestão por objectivos e o con-trolo de gestão como virtuosos?

8. É-lhe fácil comunicar com os outros? 9. Tem gosto pelo trabalho em equipa?10. Reconhece em si talentos de negociador?11. Perante problemas e situações complexas,

tem por hábito tomar a dianteira e pro-mover a sua análise e resolução?

12. As contrariedades não o fazem esmorecer e quase sempre até o motivam?

13. Dedica regularmente a sua atenção à evo-lução das actividades económicas?

14. Tem facilidade de adaptação à mudança?15. Considera que gere bem o stress? 16. Sabe reconhecer o êxito e tem gosto em o

partilhar com os outros?17. Se necessário, está disposto a sacrificar

alguma parte da sua vida pessoal e familiar em prol do projecto abraçado?

18. Estando actualmente empregado, está preparado para abandonar o seu actual emprego e ver eventualmente diminuído o seu rendimento mensal durante algum tempo?

19. Tem recursos financeiros pessoais e sabe como e onde mobilizar meios de financia-mento alheio?

No balanço final, as suas respostas deverão ter sido maioritariamente afirmativas. Se assim não ocorreu, retome os constrangimentos

EMPREENDER EM PORTUGAl PElA VIA DA RETOMA

DE UMA PME

Se pensa poder vir a tomar uma posição dominante numa PME já existente, reserve algum do seu tempo para ler este artigo cuja Iª Parte foi publicada no nº 1 da P&O. Nesta edição apresentamos as Partes II e III.A P&O está disponível para consulta on-line em www.cct.pt. Querendo, poderá solicitar em [email protected] o envio de um exemplar em papel. Por favor indique: Nome, Formação Académica, Profissão e Endereço.

Fernando FerreiraEconomista e Consultor de Empresas

[email protected]

PARTE IIAssegure-se de que o seu perfil pessoal se ajusta ao de um empreendedor e verifique se ele se compatibiliza com o projecto de retoma e com as exigências que ele coloca.

12 | PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09

preparado para ser um empreendedor e futuro dirigente de uma empresa. Se pelo contrário, o auto-diagnóstico lhe permitiu concluir que o seu perfil pessoal se harmoniza com o de um empreendedor, então, prossiga e procure assegurar-se que esse perfil é também coerente com o projecto e as exigências específicas que ele lhe coloca.Para isso deverá estar em condições de defi-nir as principais características do negócio a retomar e as exigências que dele decorrerão na esfera pessoal.

É o que fazemos a título de exemplo, no qua-dro seguinte:

No exemplo descrito encontramos as 10 prin-cipais características de um hipotético negó-cio e as respectivas exigências.

Idealmente deverá estar em condições de as preencher por inteiro. Isso não invalida que em um ou outro caso4 uma determinada exigên-cia possa ser assegurada em primeira linha por outra pessoa com competências para o efeito.

Entretanto, o projecto global deverá estar em consonância com as suas competências, a sua capacidade financeira, o seu meio familiar, a sua personalidade e as suas motivações.

que encontrou e repense se eles poderão ser ou não ultrapassáveis3. Reavalie em conformi-dade. Se, ainda assim, não obteve uma maio-ria de respostas afirmativas, será prudente considerar que ainda não está suficientemente

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO NEGÓCIO CARACTERÍSTICAS PESSOAIS EXIGÍVEIS

1Comércio de artigos de casa-decoração com dezoito lojas, de norte a sul do País, na sua maior parte instaladas em grandes centros comerciais. Sede da empresa em Braga.

Motivação, gosto e sensibilidade para o produto casa-decoração. Capacidade de gestão e controlo de uma rede de lojas comerciais. Disponibilidade para viagens frequentes no País. Residência em Braga ou no concelho.

2Volume de facturação anual: € 1 200 000 Capitais Próprios: € 600 000Activo Total: € 2 200 000 N.º Trabalhadores 52

Negócio de média dimensão com um valor contabilístico de € 600 000. O valor de transacção não deverá vir a ser inferior ao referido montante, pelo que a sua capacidade de mobilização de capitais deverá estar em conformidade com ele.

3 A maioria das lojas abrem às 10h e fecham às 24h, todos os dias, incluindo fins-de-semana.

A gestão e controlo da actividade exigem, por vezes, longas jornadas de trabalho. Boas condições físicas e psicológicas são requeridas para o efeito.

4 80% das mercadorias vendidas são importadas do Oriente em grandes lotes.

Disponibilidade para viagens frequentes ao Oriente para definição de compras. Competência em línguas (inglês é essencial).

5 Uma boa gestão de stocks é fundamental para o desenvolvimento equilibrado do negócio. As diferenças de inventário são frequentes.

É indispensável uma séria competência para gerir os stocks e supervisionar conferências do inventário.

6 O pessoal da empresa é 98% feminino, tem grande rotatividade, algum absentismo e gera pontualmente conflitos.

Boa preparação na área da gestão de recursos humanos em domínios que excedem os aspectos administrativos e abrangem as áreas da motivação, do empenhamento proactivo e da solução de conflitos.

7 Sistema de remuneração das vendedoras assente num salário a que acresce um prémio comercial indexado a metas de venda.

Familiaridade com métodos de gestão por objectivos com remuneração mista.

8 A rotatividade do pessoal arrasta a necessidade de promover frequentes acções de formação.

Reconhecimento do carácter insubstituível da formação profissional contínua.Disponibilidade e gosto pela condução de acções de formação.

9A imprevisibilidade do valor diário das vendas nas lojas impõe uma permanente atenção à tesouraria e recomenda uma nova estruturação de apoios bancários.

Sensibilidade aos problemas de gestão de tesouraria e capacidade de negociação de apoios bancários.

10O Passivo bancário da empresa é constituído essencialmente por modalidades de crédito a curto prazo. Será aconselhável promover a consolidação a médio/longo prazo de parte das responsabilidades bancárias.

Capacidade de concepção e negociação de planos de reestruturação financeira de empresas.

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 13

Genericamente, um candidato a retomar uma empresa deve dispor de competências de management (organização, gestão e condu-ção de pessoas) e poder vir a reunir aptidões técnicas e comerciais no negócio que se lhe apresenta. No dia seguinte ao da transacção, o adquirente tem a empresa nas suas mãos e o mais rapidamente possível, terá que controlar os domínios-chave e assumir a liderança.

Se prevê vir a contar com outros sócios, estes deverão de igual modo estar em sintonia com o projecto. Deverão exibir perfis pessoais e fami-liares compatíveis, motivações convergentes com as suas e desejávelmente, competências complementares das suas. Desde cedo, será oportuno poder identificar as funções que cada um dos sócios irá desempenhar na empresa.

Avalie com alguma severidade as suas com-petências pessoais relativamente ao negócio,

procure associar-lhes competências comple-mentares (sócios, colaboradores, consultores) e encare como assunto importante a sua forma-ção em áreas específicas que não domine.

Certifique-se que tem, individualmente ou com os seus sócios, capacidade para finan-ciar o projecto. Conte que deverá dispor de, pelo menos, 25-30% do montante do investi-mento total previsto.

Assegure-se de que a ideia de levar por diante o projecto é partilhada pelos que lhe estão mais próximos. Os seus familiares, em particular aqueles que compõem o seu agregado, comun-gam do projecto consigo? Conta com o seu apoio incondicional tanto do ponto de vista psicológico como do ponto de vista material?

Será conveniente identificar os eventuais impactos negativos do projecto no seu meio

familiar e certificar-se de que eles poderão ser amortecidos e nunca serão inultrapassáveis.

Tente identificar os traços dominantes da sua personalidade e verifique se eles se adaptam à condução do negócio em que vai envolver-se.

Se é introvertido e não aprecia a vida social, fará sentido retomar uma empresa de organi-zação de eventos, uma representação de auto-móveis de luxo ou um bar - discoteca?

Se nunca teve paixão pelos livros e é uma pessoa reconhecidamente desorganizada, fará sentido retomar uma livraria ou uma empresa de venda de livros por catálogo?

O negócio deve propiciar o aproveitamento dos traços positivos da sua personalidade e não ser prejudicado pelos negativos.

Avalie com alguma severidade as suas competências pessoais relativamente ao negócio, procure associar-lhes com-petências complementares (sócios, cola-boradores, consultores) e encare como assunto importante a sua formação em áreas específicas que não domine.

14 | PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09

Identifique as suas principais motivações e verifique se elas são compatíveis com a natu-reza, a dimensão, a localização e as perspecti-vas do negócio da empresa a adquirir.

As boas motivações aliam normalmente uma necessidade premente a satisfazer, uma von-tade determinada e um espírito de sacrifício.

Um bom negócio para si deve proporcionar o aproveitamento das suas competências, estar dentro dos limites da sua capacidade finan-ceira própria ou mobilizável, não conflituar com a sua personalidade e o meio familiar, dispor de um mercado, ir ao encontro de necessidades manifestadas pelos clientes, evi-denciar capacidade anual de libertação de meios, poder remunerar adequadamente os capitais investidos e, corresponder ás suas motivações.

Uma vez validada a consonância do projecto com a sua pessoa, está na altura de prosseguir com a análise da empresa.

De notar que esta fase está ausente, por natu-reza, quando estamos perante um projecto de criação de uma empresa mas é crucial quando se trata de um projecto de retoma.

Tenha sempre presente que o sucesso da retoma depende em grande medida da quali-dade da análise da empresa a que inicialmente procedeu.

Desejavelmente, esta fase deve iniciar-se com um encontro com o cedente5, em dia de tra-balho, na empresa em causa.

Aproveite a oportunidade para conhecer as instalações, com a ajuda de um guia conhe-cedor. Procure compreender a lógica do seu modus operandi e aperceber-se do clima interno. Escute o que o cedente tem a dizer sobre a empresa e o negócio e suscite as questões e os esclarecimentos que considerar pertinentes. Não termine sem entender as principais motivações e o grau de urgência do cedente na realização do negócio. Procure verificar se há ou não barreiras evidentes que seja necessário ultrapassar para que se chegue ao momento da concretização6 .

As primeiras reuniões com o cedente nem sempre são profícuas em termos de recolha de informações detalhadas sobre a empresa e o negócio. É normal observar-se alguma reserva inicial por parte do cedente em fornecer infor-mações específicas sobre assuntos que ele con-sidera mais sensíveis7. Entretanto, este tipo de posicionamento tende a modificar-se à medida que, após uma fase de observação e estudo mútuo, se estabelece entre o cedente e o can-didato um clima de confiança e empatia e o primeiro capta do segundo sinais cada vez mais evidentes de compromisso com o negócio.

Com a análise da empresa, o candidato a reto-mador procura atingir três grandes objectivos:

· identificar os pontos fortes e fracos da empresa e, em conformidade, definir as acções priori-tárias que deverão ser levadas a cabo;

· validar o seu interesse em levar por diante a discussão do negócio;

· obter dados que possam sustentar a avaliação da empresa e a argumentação que irá utilizar na negociação final.

A análise poderá vir a ser desenvolvida só pelo candidato, pelo candidato e por pessoas8 de sua confiança constituídas em equipa por ele liderada ou entregue a consultores externos contratados para o efeito. Opte pela solução que melhor se adequa à natureza e à dimensão

da empresa em causa. Note contudo que, se aliar à sua análise outras pessoas, isso poderá proporcionar-lhe não só maior apoio e con-forto mas também a percepção de perspectivas diferentes ou complementares das suas o que normalmente é tido como muito benéfico.

O tempo requerido pela análise e a profundi-dade desta, dependem igualmente da natureza e da dimensão do negócio a analisar e, natu-ralmente, da disponibilidade e das competên-cias das pessoas que para ela são mobilizados, por ambas as partes.

Antes de iniciar a análise, deverá obter do cedente os nomes e respectivas áreas de inter-venção das pessoas da empresa que terão o dever de colaborar consigo no trabalho, para além dele próprio.

Para começar a sentir a empresa como um todo e poder vir já a contar com uma tal perspectiva nas diferentes análises a que vai proceder, ela-bore uma primeira “check-list“ de documentos e informações9 que pretende obter.

Sugerimos-lhe que esta check-list integre as seguintes solicitações10:

1. Balanço e seus anexos, conta de resultados, relatório de gestão e fiscalização (cinco últi-mos exercícios);

2. Volume de negócios, desmembrado por produto/serviço e, por cliente11 (ano cor-rente e cinco últimos exercícios);

3. Relação de imóveis propriedade da empresa e certidões actuais da Conservatória do Registo Predial;

4. Contratos de arrendamento;5. Contratos de seguro;6. Contratos de aprovisionamento, forneci-

mento, distribuição, concessão, avença, sub-contratação, cessão de exploração, utili-zação de terminais de pagamento de cartões de débito e crédito e, outros, de natureza diversa;

PARTE III

Analisar a empresa a retomar

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 15

7. Balancete da conta clientes (actual e, em 31 de Dezembro, dos cinco últimos exercícios)

8. Balancete da conta Fornecedores (actual e, em 31 de Dezembro, dos cinco últimos exercícios);

9. Relação actual de créditos de cobrança duvidosa, sua antiguidade e provisões constituídas para o efeito;

10. Balancete da conta Outros Devedores e Credores (actual e, em 31 de Dezembro, dos cinco últimos exercícios);

11. Contas correntes dos sócios e de supri-mentos (actual e, em 31 de Dezembro, dos cinco últimos exercícios);

12. Relação de salários e categorias dos cola-boradores, e último mapa enviado para a Segurança Social;

13. Certidão da situação actual da empresa perante a Segurança Social e a Fazenda Nacional;

14. Responsabilidades contingentes, litígios em curso e sua situação actual;

15. Escritura de constituição da sociedade;16. Estatutos actuais da sociedade;17. Acordos para-sociais;18. Certidão da Conservatória do Registo

Comercial;19. Regulamentos e legislação sobre a actividade; 20. Relatórios de auditoria contabilística.

Organize o seu trabalho de forma a percorrer as seguintes etapas:

• Análise do sector de actividade;• Análise económica e financeira; • Análise de imobilizado e das existências e,• Análise dos recursos humanos.

A análise do sector de actividade, deverá per-mitir-lhe compreender o jogo concorrencial no sector em que a empresa se insere e identifi-car as estratégias mais rentáveis nele presentes.

Procure obter resposta para as seguintes questões12:

1. Qual é o mercado (ou os mercados) em que a empresa se move?

2. Quem são e onde estão os principais concorrentes?

3. O que é que eles valem individualmente em termos de quota e qual a posição relativa que a empresa actualmente ocupa?

4. O mercado está em fase de crescimento, estabilização ou declínio?

5. Há ameaça de entrada de novos “players” que possam pôr em causa o actual jogo concorrencial?

6. Existirá a possibilidade de virem a surgir produtos ou serviços de substituição?

7. Qual o nível de dependência de fornecedo-res com que a actividade convive?

8. Qual o grau de concentração de clientes no sector?

9. Em termos de preços de venda, há margem de manobra com que se possa trabalhar ou, o clima vigente é de forte pressão e “guerra aberta”?

10. Que rentabilidade nas vendas têm obtido os principais concorrentes nos últimos anos?

11. Que causas estão na origem de que deter-minados concorrentes sejam mais rentá-veis que outros?

12. Quais os factores de sucesso que se podem identificar?

13. Que tipo de acções de comunicação e promoção de negócios são utilizadas pelos principais concorrentes?

14. Que riscos e oportunidades se podem atri-buir ao sector?

15. Face ao mercado e ao jogo concorrencial nele patente que pontos fortes e fracos se visualizam na empresa?

16. Que acções considera possível desenvolver na empresa para valorizar os pontos fortes e, corrigir ou atenuar, os pontos fracos?

Tenha sempre presente que a análise do sec-tor e a resposta a estas questões, dever-lhe-ão permitir conhecer não só, as características e as perspectivas do mercado em que a empresa

se integra mas também, o potencial que ela evidencia para nele operar, com sucesso.

Deverá prosseguir na análise económica e financeira da empresa, tomando como suas principais tarefas, as seguintes:

· Diligenciar no sentido de avaliar a exactidão das contas e, em conformidade, concluir sobre o correcto valor contabilístico actual;

· Conhecer detalhadamente a situação patri-monial e concluir sobre a solvabilidade;

· Apurar as condições de rentabilidade actual do negócio e a evolução registada ao longo dos últimos anos (cinco últimos exercícios), encontrando os motivos que estão ou esti-veram na origem das variações verificadas nas principais rubricas de proveitos e custos;

· Obter dados sobre a actual estrutura de custos do negócio e concluir sobre a forma como cada um deles se articula com o volume de negócios13;

· Comparar os indicadores médios14 do sector de actividade em que a empresa se insere com os seus próprios indicadores, concluindo ou não sobre a sua pertinência;

· Delinear o quadro referencial de pressupos-tos económico-financeiros em que deverá repousar a construção de contas previsionais da empresa.

Atente que este tipo de análise requer compe-tências técnicas de que poderá não dispor. Se for caso disso, não hesite em fazer-se rodear por quem as possua.

Qualquer que seja a natureza e a dimensão do projecto de retoma, recomendamos que, tão cedo quanto possível, acorde com o cedente a realização de uma auditoria externa às contas da empresa, sendo que tal trabalho deverá ser considerado imprescindível para a discussão do preço final da possível transacção.

Esta é também a altura para dedicar a sua melhor atenção ao relacionamento bancário e para-bancário da empresa.

16 | PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09

assinatura), por instituição de crédito e por instrumento de crédito e conheça:

· Os limites de crédito e o “pricing” aprova-dos, por instituição e por instrumento de crédito;

· As garantias reais e pessoais prestadas e as responsabilidades com elas relacionadas;

· Os contratos de mútuo, aberturas de cré-dito, contratos de locação financeira, ald15 e renting;

· Outros contratos de natureza financeira (factoring, swaps de taxa de juro, etc.)

Dirija então a sua atenção para a análise do imobilizado e das existências de que a empresa dispõe para exercer a sua actividade.

Podendo vir a estar em causa desde a muito pequena empresa comercial com implantação num único local, à média empresa industrial com mais do que uma base de produção e/ou venda, também aqui, a natureza e a dimen-são do negócio deverão determinar o grau de complexidade do trabalho ( de cariz marcada-mente técnico ) e, em conformidade, os meios humanos a afectar-lhe.

No âmbito desta análise deverá incluir:

· Bens imobiliários e respectivas instalações16;· Equipamentos e outros bens mobiliários;

1 Relações profissionais, familiares e de amizade; orga-nismos públicos ligados ao comércio e indústria; asso-ciações industriais e câmaras de comércio; bancos de investimento; bolsas de oportunidades de negócio, etc.

2 Um cliente da empresa com que actualmente cola-bora pretende retirar-se por motivos de saúde e pro-põe-lhe a cedência do negócio; um tio de sua mulher desafia-o para a aquisição da empresa que detém, etc.

3 Poderá, por exemplo, não dispor de recursos para financiar individualmente o projecto mas ter a pos-sibilidade de vir a reunir os meios necessários com o concurso de outros sócios.

4 Será o caso, por exemplo, das características e exigên-cias referenciadas com os nºs 5, 9 e 10.

5 Ao longo do texto, por comodidade de exposição, os termos cedente, retomador ou candidato a retomador são apenas utilizados na sua forma singular contudo, eles poderão também ser lidos na sua forma plural, quando esta for aplicável, com as devidas adaptações.

6 Nomeadamente, uma vontade muito ténue ou pouco explícita do cedente em vir a concretizar o negócio.

7 Como, por exemplo, dados de natureza comercial (clientes, preços, descontos, etc.)

8 Pessoas com competências adequadas e complemen-tares, desejavelmente.

9 Documentos e informações, de natureza diversa, que poderão proporcionar-lhe o conhecimento de aspec-tos fundamentais da empresa que deverá ter como

presentes no desenvolvimento das quatro análises a que, mais adiante, nos referiremos.

10 Solicitações a formular de forma progressiva. 11 No caso de actividade em que se verifica alguma de

concentração de clientes.12 Sem a pretensão de esgotar o assunto.13 A classificação dos custos em fixos e variáveis será

relevante para o efeito.14 Que se traduzem em rácios de índole económica

– financeira.15 Aluguer de longa duração.16 Eléctricas, de água e outras.

Obtenha o levantamento integral das res-ponsabilidades bancárias existentes, por tipo de crédito (comercial, financeiro e, por

· Stocks de mercadorias, matérias-primas e materiais de consumo, produtos finais ou, em vias de fabrico.

Relativamente aos bens imobiliários e res-pectivas instalações, está em causa analisar a sua implantação, a sua funcionalidade, o seu estado de conservação, as necessidades de reparação e de construção, as possibilidades de extensão e diagnosticar alterações pertinen-tes com orçamentação dos investimentos que elas requerem.

Sobre os equipamentos e outros bens mobiliá-rios, interessará analisar o lay-out, as condições actuais de produtividade que eles proporcio-nam, o estado de conservação, as necessidades de reparação e de igual modo, diagnosticar alterações pertinentes e orçamentar os respec-tivos investimentos.

No que diz respeito aos stocks, preocupe-se em verificar a adequabilidade dos espaços de armazenagem, reúna informação sobre o inventário actual, promova a sua conferência e apure as componentes obsoletas.

No próximo número da P&O trataremos, de forma autónoma e dedicada, a análise dos recursos humanos.

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 17

Bocage nas terras de Gêngis Khan

Que caminhos são estes que nos direccionam por labirintos mitológicos, e que universo é este que, silenciosamente, também caminha por passeios de pedra consistente, elaborados nos confins da nossa consciência?

Que coisa é esta de levar tudo atrás de nós? levamos connosco o cão, o gato, os pastéis de nata, as formas floreadas das janelas para o sol entrar, a calçada para receber os amigos, as cores alegres nas fachadas de azulejo que reflectem a luz numa sensação primaveril… a poesia que o fado declama pelas ruelas de uma saudade exasperada em qualquer ponto do Mundo.Que coisa é esta de trazer todos os tarecos que encontramos para recordar as sensações sen-timentais do percurso da vida? Trazemos os sabores e o cheiro da canela, da noz-moscada, da pimenta, do gengibre, a sensação da seda e a da glória e também a da dor e da tragé-dia escondida nos semblantes braços erguidos que as espadas aclamam nos ciclos de cada geração.Que fardo é este de andar sempre carregado de um lado para outro? São andanças camba-leantes como sementes que as vagas dos mares suportam num oásis chamado planeta terra, intensas actividades mercantis para a sub-sistência do domínio económico e cultural, conquistando fronteiras ao Adamastor, empe-nhando simplesmente as madeiras do Pinhal de leiria, o pano cru das tecedeiras do sul e a arte de uma sobrevivência desmedida.Sempre fomos irrequietos, tal como as ondas do mar ou os ventos que se elevam pelas serras e acariciam as searas no Verão. Porque somos portugueses!?

A globalização iniciou-se há muito, ainda não havia internet, mas havia o mar, o céu e as estrelas, e a vontade de trocar ideias, mer-cadorias… as pessoas para o desenvolvimento desta comunidade que habita o mesmo espaço circular. Por mais voltas e voltas que se dêem, o nosso lar, por enquanto, é aqui. Resta-nos, então, comunicar, trocar, unir, ensinar com todos os meios ao nosso alcance.Fui à China, ver a muralha, a grande edi-ficação de pedra no cimo das montanhas onde a capacidade dos impérios demonstrou o engenho para a conquista e a defesa, que uma Civilização consciente da sua energia foi capaz de impor por muitos, muitos anos, tal como outros tantos serão necessários para que a actual consciência assuma os caminhos, as muralhas, as defesas e os alicerces para que o código do nosso ADN nos faça chegar aos lugares cimeiros de um segredo ainda bem guardado para esta mesma Humanidade.Fui à China, a não sei quantos mil quilóme-tros de distância, viagem já iniciada pelos meus antepassados numa longínqua viagem há mais de 500 anos. Como também lá queria ter estado nessa primeira viagem! Fora do con-forto de um planador que em 10 horas me fez levitar num tempo que parece cada vez mais curto! Afinal, atravessei o Mundo e não vi mar, não senti no rosto os ventos alísios, não atravessei o Cabo das Tormentas, não galguei o Índico, não cruzei com os mercadores per-sas, nem fui bafejado pelo Fogo de Santelmo.Cheguei a Pequim e não vi estátuas heróicas dos portugueses, mas vi os caminhos e a terra alcançada por empreendimentos corajosos de outrora. O maior monumento que presenciei, está agora prostrado sobre o chão, assente com

“pedra de gelo quebrado”, numa harmonia de encaixe que só a fórmula poética da perseve-rança pode explicar.Refiro-me à existência de um pavimento cons-truído com a técnica da calçada portuguesa. Pavimento este que cobre o chão de uma das laterais do edifício da Embaixada de Portugal naquela imponente Cidade.João Barroso, Conselheiro Cultural da Embai-xada, projectou para este pedaço de terra a construção de um espaço onde se pudesse confraternizar como se estivéssemos numa das

Ernesto MatosLicenciado em Design Gráfico e autor de extensa

bibliografia sobre o tema “calçada portuguesa”

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típicas ruas portuguesas. Deu-lhe o nome de “Beco do Bocage”, para ali não se deixar de cantar um nostálgico fado, comer um caldo verde ou saborear um pastel de nata acompa-nhado de uma bica bem tirada……Então, sobrelevei-me, paralelamente a um salgueiro chinês ali imponentemente erguido como o mastro principal de uma nau qui-nhentista, para assistir à visualização da tota-lidade do impressionante desenho. Do alto, como um deus grego, visualizei uma caravela que é também uma sampana chinesa, um

casamento de culturas náuticas a banharem-se nas ondas de um mar largo camoniano que se difunde e se transforma num céu de libertadoras aves a esvoaçarem na infinitude do cosmos. A metamorfose da vida num ciclo perpétuo, a união e a libertação do conheci-mento, exemplificando o mote de uma acul-turação que os portugueses levaram e ainda levam atrás de si.Fui a Pequim para olhar para um passado embebido no presente, onde as grandes cons-truções erguidas na montanha e no sopé

dela são construídas pelas forças paralelas que segregam nos confins de uma mesma Humanidade.Uma vez mais os portugueses edificam em terras longínquas, deixando algo de si pró-prios, como sementes donde germinarão rebentos entrelaçados em múltiplas folhagens interculturais.Bem hajam todos os argonautas que escrevem, dançam, cantam, desenham,… humanizam.

Ernesto Matos

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A evolução, adaptação e o desenvolvimento a que chegou a espécie humana deu-se pela necessidade da conquista, seja dos factores ambientais, sociais ou culturais. O Homem só chegou até aqui, a este estádio bem nosso conhecido, porque foi capaz de transpor as diferentes barreiras que, por vezes, num

mundo adverso, se entrepõem nos cami-nhos da evolução e da condição natural a que estamos todos sujeitos.Desde a Antiguidade que as Olimpíadas são um dos processos em que várias sociedades demonstram ciclicamente até que ponto os seus indivíduos são capazes de atingir um

nível cada vez mais rápido, mais alto ou mais forte (Sitius, Altius, Fortius).A competição ajuda, assim, ao desenvolvi-mento, quer pessoal, nacional ou interna-cional das capacidades humanas para que se conjuguem sinergias e, dessa forma se consigam alcançar valores essenciais a uma

A CONQUISTA DE BARREIRAS NAS OlIMPÍADAS PÉTREAS

(...) Trabalhar, meus irmãos, que o trabalhoÉ riqueza, é virtude, é vigor.D’entre a orchestra da serra e do malhoBrotam vida, cidades, amor. (...)*

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existência saudável das sociedades, fins que dificilmente se conseguiriam alcançar sem uma atitude cada vez mais empreendedora e competitiva.Jogos, concursos, demonstrações ou expo-sições promovem disponibilidades para um crescimento e desenvolvimento das poten-cialidades que cada indivíduo ou grupo de indivíduos têm para oferecer à própria socie-dade que os acolhe. As sociedades precisam de competição interna para que elas próprias sejam também competitivas externamente. Então, para além dos próprios indivíduos, as sociedades terão de estar preparadas para competir e formar os meios de desenvolvi-mento pessoal. Só assim, e num conjunto de interacções, se alcançam os resultados para se atingir a consagração mútua.No sector específico da pedra para pavimen-tos, o desenvolvimento da dita calçada por-tuguesa não tem sido alheio a processos de evolução e competição. Nos primórdios do século passado a disputa entre os calceteiros estava no seu auge. Entre essa competição, os trabalhadores davam-se ao luxo de executar pavimentos em que na união das pedras não coubesse sequer uma mortalha de cigarro.Em 1913, a Câmara Municipal de lisboa promoveu uma prova de calçada à portu-guesa, cedendo espaço para a realização das provas em três diferentes ruas da cidade, tendo então convidado também artífices estrangeiros. Promoveram-se ali três moda-lidades: “calçada de luxo”, “calçada mais resistente” e “calçada mais económica”. Os calceteiros portugueses acabaram por ganhar em todas as modalidades.Estando actualmente a calçada portuguesa, na suas vertentes artísticas, em fase de se per-der, com uma mão-de-obra cada vez menos especializada, o que também irá por sua vez afectar toda uma industria de extracção de calcário, algumas Autarquias nacionais, com o apoio da Associação dos Explora-dores de Calçada Portuguesa – AECP, têm promovido concursos nesta área.

Foi o caso da Câmara Municipal de San-tarém, em Abril de 2004, e o da Câmara Municipal de Porto de Mós, em Dezembro de 2008, que promoveram nos respectivos Municípios este tipo de iniciativas. No pri-meiro caso, concorreram 18 calceteiros, e no segundo, 14 equipas.Nestes concursos, os participantes tiveram a oportunidade de demonstrar localmente o que de melhor sabem fazer, de modo a que o seu nome fosse reconhecido para futu-ras oportunidades de trabalho. Por outro lado as Autarquias beneficiaram nos seus

arruamentos de pavimentos artísticos, brio-samente executados por verdadeiros ourives do chão.Iniciativas como estas são oportunidades em que toda a sociedade fica a ganhar. Venham de lá então mais concursos e… Olimpíadas da Calçada.

Ernesto Matos

*Hymno da Industria Michaelensepelo Sr. Dr. A. F. de Castilho

in Revista Universal lisbonense,25 de Janeiro de 1849

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A situação ideal da sua empresa implicaria posicioná-la como produtora de bens, tangíveis ou não, que se impusessem pelo

valor acrescentado de que os utilizadores ou consumidores conscientemente beneficiassem. Mais utilidade, mais aplicações (Recorda-se do Nylon – Desde filamentos texturizáveis para lingerie, meias, até carrosseries para viaturas, chumaceiras para rolamentos, passando por pára-quedas, panos de tenda, etc.?), melhor design, maior duração, e… melhor relação Qualidade/Preço. Nesta posição a empresa estaria protegida contra ventos e marés. Com uma condição: Tomar a luta pela diferenciação e pela racionalização dos processos contra os defeituosos e o desperdício de todos os recur-sos como o escopo de toda a acção gestiva. Desde logo, ter consciência de que assentando a competitividade nos custos e na diferencia-ção esta e aqueles decorrem da inovação e esta

PARA SER COMPETITIVODIFERENCIAR-SE E ACABAR COM

O DESPERDÍCIO E COM OS DEFEITUOSOS.

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Alta DiferenciaçãoBaixos Custos

Alta DiferenciaçãoAltos Custos

Baixa DiferenciaçãoBaixos Custos

Baixa DiferenciaçãoAltos Custos

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alimenta-se da criatividade que, por sua vez, resulta da sensibilidade e da curiosidade é certo mas, sobretudo, do conhecimento acu-mulado e do software pessoal que permita operacionalizar a informação. Isto arrasta a necessidade de aprender sem pausas nem que-bras: Long life learning. Creia que não se trata de uma condenação mas de uma bênção. E não apenas para os empresários mas para todos os actores de todas as profissões.

A sua produção pode (poderá?) não ser tão diferenciável como desejaríamos porque se for um produtor de matérias primas,

por exemplo, os cereais, as oleaginosas, o café, o cacau, o algodão, os minérios, etc. os preços destas mercadorias formam-se no mercado de acordo com mecanismos negociais complexos (vende-se/compra-se o algodão da próxima colheita e o preço depende da maior ou menor extensão de terra que foi alocada à produção de cereais e também do nível de pluviosidade veri-ficado meses antes da colheita e nas semanas seguintes à sementeira) Os contratos definem as características que servem de referencial e estabelecem as penalizações e as bonificações

decorrentes dos resultados revelados pelas aná-lises das amostras recolhidas à descarga por entidades independentes a quem esta operação de superintendência é confiada por acordo entre compradores e vendedores. Por exemplo, se um lote de oleaginosas (soja, amendoim, girassol, copra, …) revela um teor de gordura, de fibra, de humidade ou de proteínas diferente do que serviu de base à negociação, o preço a liquidar ao vendedor é ajustado em conformi-dade segundo a regra adoptada e aceite por ambas as partes e expressa no contrato; no algo-dão para lá de outros parâmetros mais sofistica-dos, em regra, conta a humidade e o grau de impurezas resultantes de uma operação de des-granagem insuficientemente cuidada…) São raros os casos em que os lotes carregados se pos-sam correlacionar com o produtor. É claro que para assegurar a minimização das penalizações ou para alcançar o patamar das bonificações, é essencial a vigilância do produtor relativamente a todas as operações de granjeio da terra, da selecção de sementes a utilizar, da época esco-lhida, dos tratamentos fito sanitários, dos métodos utilizados na colheita e nas operações que se sigam até ao armazenamento e também relativamente a este. Há ainda elementos de

natureza subjectiva que desempenham papéis às vezes importantes na formação dos preços destes produtos. Não propriamente ligados ao produtor mas à companhia que intervém nas negociações e, por exemplo, agindo como brocker, comprou como futuros as colheitas que considerou de qualidade mais promissora, tendo até em alguns casos acompanhado os processos de cultura, colheita, armazenamento e carga. Pode mesmo ocorrer que se disponha a pagar um prémio aos produtores na espe-rança de o recuperar na bolsa, acrescido sob a forma de um sur prix.

Mesmo sem pensar nos negócios das bolsas onde se transaccionam as commodities a que me vinha referindo, há as pequenas produ-ções agrícolas em que se surpreendem aspectos semelhantes aos dos grandes negócios. São, por exemplo, o vinho, o tomate, a batata e os cereais em que o consumidor final, em muitos casos, não pode identificar os produtores que desaparecem como actores no palco da distri-buição. No vinho e no tomate quem se iden-tifica é o vendedor mesmo que às vezes seja também produtor de alguma parcela do que vende: incorpora sob a protecção da mesma

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marca os vinhos resultantes das suas uvas e das que compra, seja companhia especializada seja adega cooperativa, é a marca que suporta os custos e colhe as vantagens da diferenciação que tenha alcançado.

Haverá sempre um modo de fugir do gra-nel, da situação de indiferenciado. Quando o produto seja inteiramente fungível, a diferen-ciação desloca-se para os serviços que acom-panham o produto e o valorizam: o prestígio ligado à imagem dos intervenientes, as marcas, o apoio depois da venda, a garantia que se ofe-rece, as condições de pagamento, as propostas de novas aplicações, etc.

O seu negócio pode ocupar o espaço do ângulo superior direito da matriz que lhe ofere-cemos. Aí, como verificará, o

nível de diferenciação dos produtos é muito elevado. Isso mesmo é reconhecido pelos seus clientes que aproveitam essa diferenciação para, também eles, se distinguirem. São altos,

como se sabe, os custos para obter estes produ-tos. Trata-se de uma situação que não é tão rara como possa parecer. Sabe-se que há nichos de mercado em que as clientelas não são repeli-das pelos altos preços. Diria que pelo contrá-rio, isso as atrai e fideliza. Conhecem-se casos na indústria automóvel em que uma feroz con-corrência tem oposto construtores americanos entre si a um ou outro construtor europeu ou japonês na disputa do segmento dos carros de grande luxo e altíssimo preço. Em geral, a competição é ganha pelo concorrente que pro-duz o carro mais caro. Trata-se de um símbolo de status, uma afirmação de poder do seu pro-prietário. Como se compreenderá, ao elevado preço está ligado um alto grau de diferencia-ção, pela marca, pelo prestígio do construtor, às vezes pelo autor do design da carrosseria e, com segurança, é dada como adquirida a qua-lidade funcional em todos os sentidos. Passa-se outro tanto com embarcações, jóias, relógios, etc. E, já agora, não será oportuno evocar a construção? Ou seja, não se passará o mesmo justamente com as habitações de alto standing?

Se numa análise serena e com-petente chegou à conclusão de que os custos de exploração do negócio são elevados e, sobre-

tudo, rígidos por ser muito forte a compo-nente fixa enquanto que nada de significativo distingue os seus produtos do que fazem os seus concorrentes ou seja, se está mergulhado no indestrinçável granel sem forma de compri-mir os custos, há uma forte probabilidade de não sair airosamente da situação. Mas talvez esteja subaproveitada a competência de um colaborador, o conselho de um cliente de con-fiança que não foi ouvido pode agora ser recu-perado, o desejo de nova qualificação expresso há meses por um colaborador ou familiar está por decidir. Pode ser decisiva a elaboração de um inventário lúcido dos seus pontos fortes, das suas competências. Talvez haja aí o embrião de um novo projecto. O princípio de um novo caminho.

AV

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ENG. ANTÓNIO CORTE REAl*, ADMINISTRADOR

DA CONSTRUCER EM AVElãS DE CAMINHO FAlA

AO DR. MANUEl lOURENçO E DEIXA FICAR, PARA

USO DE QUEM QUISER, SEM PAGAR DIREITOS, PISTAS

E CONSElHOS PARA SOBREVIVER EM TEMPOS DE CRISE

O ENG.º ANTÓNIO CORTE REAL é um homem de cerca de sessenta anos, formado em Enge-nharia Mecânica pelo Instituto Universi-tário de Tecnologia Aeroespacial (próximo de Paris) tendo ainda concluído o curso de pós -graduação em Engenharia da Soldadura na Escola Superior de Soldadura de Paris, é hoje o Presidente do Conselho de Administra-ção e accionista maioritário da Construcer Cerâmica de Construção SA, PME de EXCE-LÊNCIA (PME) do sector da cerâmica estru-tural, instalada em Avelãs de Caminho, no

concelho de Anadia, ali entre Aguada de Cima e a Malaposta. Acompanha -o o Dr. Ivo Quintas da Direcção Comercial da empresa. Este gesto espontâneo, esta opção do Eng. Corte Real relativamente à função que havia de servir de suporte e apoio ao seu depoi-mento para a PirÂmideS & oBeLiScoS indi-cia desde logo uma posição, uma postura, relativamente ao modo como o gestor encara o papel central que assumiu: o seu campo de batalha é o mercado e os aliados de que nunca poderá prescindir, os clientes. Ao longo da

nossa conversa, este juízo antecipado veio a confirmar-se por inteiro.

P&O (Dr. Manuel lourenço) – Antes de começar a nossa conversa, gostaria de agrade-cer a oportunidade que nos dá de conhecer a vossa empresa, um pouco da sua história que parece confundir-se com a história do Tecno-tijolo. Comecemos então por aí. Como surgiu a ideia e como foi o passar à prática que é, como se sabe, uma questão crucial cheia de dificuldades e de más surpresas?

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Construcer (Eng. Corte Real) – Bem, é uma história bastante longa mas vamos a ela. Estávamos em final de 2003. Tudo estava a caminhar mal e concluí que não valia a pena fazer mais do mesmo. Já nessa altura havia um desequilíbrio do mercado. A oferta excedia enormemente a procura. E como em 1999 e 2000 houve um consumo excessivo, houve industriais que investiram e aumentaram as capacidades de produção. A Construcer é uma empresa pequena e não beneficia portanto de economias de escala. Sendo assim, tínhamos duas opções: ou fechávamos as portas ou fazí-amos alguma coisa de diferente.

P&O – Não sentiu a tentação de nessa altura, quando havia pressão da procura, aumentar a capacidade de produção, isto é, aproveitar a corrente?

CR – Não, não. Nunca tentei aumentar a pro-dução para fazer mais do mesmo. Aliás, à seme-lhança do que se passou nestes últimos tempos, tínhamos a noção de que aquele crescimento era artificial. Muitas empresas que nessa altura cresceram, já fecharam, como era de esperar. E com a actual crise vão fechar outras. A nossa aposta não foi fazer mais do mesmo como já disse, mas fazer diferenciado ou seja, um pro-duto básico para a construção de alvenarias, um tijolo, mas de um tipo diferente, acrescentando--lhe valor que os clientes reconhecessem. Essa era a nossa única hipótese de sobrevivência.

P&O – Foi então e por essa razão, ques-tão de vida ou morte, que desenvolveram o Tecnotijolo…

CR – Sim, foi nessa altura que começou a ser pensado. Já antes disso nos empenhá-mos numa outra tentativa de inovação com o Ecotijolo, um tijolo com encaixe na junta horizontal, mas não teve o sucesso que espe-rávamos. O mercado não reagiu bem e desis-timos do projecto, apesar de acharmos que o tijolo tinha interesse. Há que aceitar.

P&O – E então o Tecnotijolo surge como uma reacção ao insucesso do Ecotijolo?

CR – Bem, como dizia, ou desenvolvíamos um tijolo que pudéssemos vender mais caro mas com valor acrescentado para o cliente, isto é, que em obra ficasse mais barato ou então a Construcer estaria condenada como muitas outras. Nessa altura, como agora, a tendência dos fabricantes era vender as suas produções. Uma vez que os tijolos são todos iguais, a lei do mercado funcionou e a única vantagem concorrencial só podia resultar do preço. Então todos os fabricantes começaram a vender abaixo do custo. Perante isto, fiz um raciocínio primário: os tijolos servem para fazer paredes, as paredes são um somatório de m2. Se pensarmos nos factores que contri-buem para o custo do m2 de uma parede, veri-ficamos que são três: o tijolo, as argamassas de assentamento e a mão-de-obra. Precisava portanto de um novo tipo de tijolo que per-mitisse vendê-lo mais caro, baixando mais do que proporcionalmente os outros dois cus-tos. O reconhecimento do valor acrescentado pelo novo tijolo ia o cliente observá-lo no custo por que lhe ficava cada m2 de parede …

P&O – E assim surgiu a ideia do Tecnotijolo…

CR – Essa foi a origem da ideia de fazer um tijolo de encaixe diferente. Tivemos de ultrapassar muitos outros obstáculos, ainda nesta fase de concepção. Um grande desafio foi desenvolver um produto que não alterasse significativamente o modo de aplicação. O ser humano é por natureza resistente a mudanças.

P&O – Em termos de processo produtivo houve grandes alterações?

CR – Não foram grandes as alterações mas também aí houve obstáculos a vencer. O grande problema foi o corte do tijolo com a forma de encaixe. Foi uma dificuldade enorme. Gastámos muito tempo a conceber

um processo de corte que satisfizesse as neces-sidades técnicas do produto. Mas, como tudo, de um momento para o outro, surgiu uma ideia viável. Testámo-la e conseguimos obter resultados.

P&O – Aproveitaram os equipamentos que já tinham?

CR – Não. Uma coisa é fazer um protótipo que depois é afinado, outra coisa é cortar em contínuo 25 ou 30 toneladas por hora. Contratámos uma empresa metalomecânica, assegurando a confidencialidade e avançámos para o desenvolvimento de equipamentos adequados aproveitando a ideia já testada em laboratório. Mas não foi um processo fácil.

COMERCIALMENTE

P&O – Bem, conseguiram um produto ino-vador com valor acrescentado e agora? Como chegaram ao mercado com ele?

CR – Tivemos que percorrer um caminho muito duro e vencer muitas resistências.

P&O – Resistências da parte de quem?

CR – De todos… A Construcer não tem logística de distribuição. Trabalhamos com armazenistas e revendedores. Eles foram os primeiros resistentes. Além de terem de dar explicação aos clientes sobre o pro-duto, sabendo que nós éramos detentores da patente, tinham receio de ficar dependen-tes. Além disso, deixavam de vender areia e cimento porque o Tecnotijolo economiza cerca de 50% desses materiais.

P&O – E então ?

CR – Então … tivemos que dar a volta por outro lado. Inovar também na parte comercial.

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Contratámos um comercial competente e qua-lificado, apostámos no contacto directo com os construtores, apresentámo-nos em feiras, etc. Fizemos tudo o que pudemos para dar visibilidade ao produto. A pouco e pouco esse trabalho foi dando fruto. O circuito começou a funcionar com os consumidores finais e aos poucos os revendedores foram aceitando o produto.

P&O – As vendas começaram a crescer...

CR – Sim, mas de forma muito lenta. O mercado tem bastante dificuldade em entender, aceitar e acreditar. A participação na CONCRETA em 2005 foi muito impor-tante. Na altura apenas 7% da produção era de Tecnotijolo. Gradualmente fomos aumen-tando. Hoje produzimos 87% de Tecnotijolo. E se o Tecnotijolo não for o futuro, como acre-ditamos que será, é pelo menos o nosso futuro.

PROTECÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

P&O – Registei que referiu que o produto estava protegido. Há uma patente registada?

CR – Sim. Consideramos o registo da pro-priedade industrial fundamental para defesa dos interesses da empresa. Foram muitos anos a pensar e a procurar soluções para que um produto entre no mercado com valor acres-centado para os clientes. É um grande investi-mento financeiro e acima de tudo, um grande investimento humano. O recurso à protecção da propriedade industrial é a única forma de preservar todo o valor que se acrescentou e logicamente, defender a Construcer. Aliás, temos registado não só o Tecnotijolo mas um conjunto de outros produtos que fomos desenvolvendo e cujas patentes são proprie-dade da empresa. Trata-se de um património importante.

P&O – Já tiveram de invocar os regis-tos de patentes para proteger a propriedade industrial?

CR – Sim, sim. Em 2007 começámos a ter problemas com dois concorrentes que tenta-ram imitar o produto. Recorremos às entida-des competentes, neste caso a ASAE. Um dos casos já está resolvido, com a cessação completa da produção da cópia do Tecnotijolo. Com a outra ainda decorre o processo. E o registo da propriedade industrial foi a nossa única forma de defender o património da Construcer.

INOVAÇÃO

P&O – Reparo que além do Tecnotijolo a Construcer é titular das patentes de outros produtos concebidos pela empresa. Essa pro-cura de inovação é ou foi sempre uma prática corrente na empresa?

CR – Sim, é uma prática comum há muitos anos. Tivemos vários projectos de inovação de produtos. Já referi o Ecotijolo, mas antes disso tivemos outras inovações no que diz respeito ao tijolo. Para uma empresa pequena como a nossa, aliás somos talvez a empresa mais pequena do sector, não podemos lutar contra o baixo preço praticado pelos nossos concorrentes, porque não benefeciamos de economias de escala. Temos de concorrer com produtos de valor acrescentado para podermos vender mais caro. Já várias vezes me apelidaram de “lírico” e até de “outsider”. Mas é assim que as coisas funcionam.

P&O – E registam sempre a patente desses produtos.

CR – Sim, registamos os que fabricamos e os que não fabricamos mas que são produtos desenvolvidos por nós e se mantêm em car-teira a aguardar oportunidade de se fabrica-rem ou de se venderem os direitos.

P&O – Esse pendor para a inovação tam-bém se reflecte nos processos ou apenas em novos produtos?

CR – Em tudo. Tentamos sempre fazer melhor. Se não podemos fazer mais, pelo menos tentamos fazer melhor. Frequente-mente alteramos pequenos ou grandes aspec-tos do processo ou por sugestão minha ou por sugestão do encarregado ou por sugestão de qualquer funcionário. Todos sabem que são livres de dizer e sugerir o que quiserem desde que seja numa perspectiva construtiva.

P&O – Iremos já falar dos Recursos Huma-nos. Só mais uma questão relacionada ainda com a vontade persistente de inovar que se sente nas suas palavras. Recorre a entidades externas aquando da concepção e desen-volvimento do produto ou é tudo tratado dentro da própria empresa, digamos, portas a dentro para proteger a confidencialidade?

CR – Bem, temos de separar alguns aspec-tos. A parte da concepção quer dos produtos quer dos processos ocorre sempre na própria empresa. Claro que, se um produto implica a necessidade de equipamentos que não exis-tem, teremos de recorrer a outras entidades que construam os equipamentos necessários, sempre segundo a nossa orientação. Mas nessa fase a propriedade industrial do produto já está protegida e asseguramos que todo o pro-cesso segue no maior sigilo. Mais uma vez, o registo da propriedade industrial é a única forma de proteger o nosso esforço.

P&O – E relativamente a testes dos produ-tos, fazem-nos internamente ou recorrem a entidades externas?

CR – Nós temos as nossas convicções acerca da qualidade dos produtos. No entanto, recor-remos sempre a Centros Tecnológicos, neste caso ao Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, para a realização de todos os ensaios.

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Também eles demonstram sempre cuidado na protecção dos protótipos.

P&O – Esses ensaios credibilizam os produtos…

CR – Claro que sim. O recurso ao Centro Tecnológico tem uma dupla finalidade. Asse-gurarmo-nos de que o que estamos a fazer é o que queremos fazer e por outro lado, credibi-lizamos o produto. Já não somos nós a dizer que uma parede construída com o Tecnotijolo é mais resistente a uma força lateral. É uma entidade com estatuto científico-tecnológico independente que o afirma e certifica.

RECURSOS HUMANOS

P&O – Falemos agora dos Recursos Huma-nos. Os trabalhadores envolveram-se neste projecto do Tecnotijolo?

CR – Os trabalhadores envolvem-se na empresa... O activo mais importante da empresa é o pessoal. Repare que a maior parte do tempo das pessoas é passado na empresa, retirando o tempo em que estão em casa. Eles têm que sentir a Construcer não só como o local de trabalho mas também como uma segunda casa. Não devem nem podem vir para o trabalho com um nó no estômago, cons-trangidos. Temos que envolver as pessoas.

P&O – Mas como é que isso se faz?

CR – Olhe, para dizer a verdade não sei. É um conjunto de pequenas grandes coisas que fazem com que as pessoas sintam esta empresa como se fosse um bocado delas também. Por exemplo, há pouco estava a falar com o encar-regado para ele ficar a pensar numa ideia que me ocorreu. Quando se pensa em fazer qual-quer coisa, fala-se sempre com todas as pessoas que possam estar ligadas àquilo que se vai fazer.

P&O – Mas de que forma apresenta a ideia ou o pré-projecto?

CR – Nunca de forma impositiva. O dis-curso é qualquer coisa como: Estava a pensar fazer isto. Tu que trabalhas aqui nesta área o que é que pensas? Fica com a ideia e depois diz-me alguma coisa. Fico à espera da res-posta. Respondem-me logo ou passado algum tempo. E dizem-me coisas como “Isso é capaz de resultar”, “isso não resulta porque…” “não sei”. Se ele me diz que não resulta e apresenta as razões dele, a ideia fica logo fora de questão e não se pensa mais nisso!

Outro tipo de discurso é: “Tudo o que vocês acharem que se deve fazer para melhorar, pro-ponham”. Tenho que reconhecer que há aqui pessoas que pensam melhor do que eu em determinadas áreas, sim, não tenho dúvidas sobre isso e só seria pouco inteligente se não aproveitasse essa massa preciosa.

P&O – Então quer que a cabeça também seja utilizada…

CR – Quero a cabeça, os braços, as pernas, pés e tudo. As pessoas têm que sentir que isto faz parte da vida deles.

P&O – E sente que tem conseguido que esse espírito faça parte do ar que se respira na Construcer?

CR – Os factos falam por si. A maioria dos trabalhadores tem mais de 10 anos de casa e alguns mais de 15 ou 20. Já tive casos de pessoas que vão trabalhar para outros países e quando regressam esta é a primeira porta onde vão bater. Há casos de pessoas que emi-graram e durante as férias vêm cá fazer uma visita. Tivemos recentemente um trabalhador que, no dia funeral do pai, me informou que sabia da dificuldade causada pela baixa de outro colega e se disponibilizou de imediato a vir trabalhar caso fosse necessário. É claro que se resolveu a situação doutra forma mas esta atitude é bem reveladora de como encaram a Construcer.

P&O – Toda essa entrega à empresa tem cer-tamente contrapartidas…

CR – Eles sabem que se tiverem algum pro-blema podem vir ter comigo e pedir ajuda. Nós não damos nada a ninguém, temos que ter uma função pedagógica, mas ajudamos no que pode-mos. Sentem que têm aqui um apoio. E a grande contrapartida que damos é o reconhecimento.

P&O – A empresa tem algum tipo de pré-mios de desempenho?

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CR – Não. Isso era criar uma espécie de refle-xos condicionados. Naturalmente as pessoas devem interessar-se pelos processos. Quando alguém sugere uma forma diferente de fazer uma coisa qualquer e essa ideia resulta, todos são informados de quem foi a ideia, de modo informal, claro.

P&O – Mais uma vez o reconhecimento…

CR – Claro. Eles também sabem que eu sou mais um entre eles. Sabem que faze-mos parte da mesma equipa e que temos que trabalhar em conjunto para o sucesso da empresa. E o que é bom para a empresa é bom para eles. Devem também saber das dificuldades da empresa para entenderem algumas opções. Por exemplo, o horário de trabalho é bastante exigente. Eles trabalham das 6.00 às 9.30, vão para casa e regressam às 12.30 para trabalhar até ao fim da tarde. Este horário, que tem obviamente que ver com a redução da factura energética, foi-lhes explicado e todos aceitaram sem pedir con-trapartidas. Por outro lado, a empresa não esquece que se é sua função ganhar dinheiro, também tem uma importante função social. Nesse princípio oferecemos um seguro de saúde e um seguro de acidentes pessoais bastante alargado. Pensamos não ser normal esta prática em empresas com a dimensão da Construcer.

P&O – Falando agora mais precisamente dos problemas dos Recurso Humanos, quais são os principais constrangimentos que vê nas pessoas que trabalham na empresa?

CR – Sem dúvida o nível de instrução!

P&O – A escolaridade?

CR – Sim, a escolaridade. Este problema é preocupante mas acho que não há nada a fazer.

P&O – Mas pensa que a escolaridade é limi-tadora da execução da tarefa, por mais simples que seja?

CR – Na execução da tarefa não, mas é limitadora da compreensão de determina-dos pormenores, que se traduz logicamente na execução e principalmente na capacidade de dar resposta a novos problemas que even-tualmente surjam. Nós tentamos retirar o máximo daquilo que os trabalhadores podem dar. Temos que aproveitar de cada trabalhador todas as suas potencialidades e para isso será básico tê-los nos lugares certos.

P&O – Adequar a competência à função…

CR – Sim. Mas cada trabalhador, como é livre de se expressar e de sugerir ideias para melhorar qualquer aspecto do seu trabalho, sabe que pode mudar de funções se demons-trar competências para isso. Mais uma vez tentamos retirar aquilo que cada um pode dar usando a motivação como motor. Além disso, nas pequenas empresas como a nossa, a poli-valência é fundamental. Aqui todos têm que saber ocupar pelo menos 2 postos de trabalho.

P&O – E todos aceitam isso…

CR – Não temos tido razões de queixa. Como temos que ter sempre os custos contro-lados por razões evidentes, temos emagrecido o quadro de colaboradores. Se algum tem que faltar poderá causar um problema grave no processo produtivo. Temos que ter capacidade de gerir a situação e isso só se consegue com a polivalência. Mas este conceito também se me aplica a mim … e eles sabem disso.

P&O – Tem problemas de absentismo?

CR – Não. O absentismo aqui é muito baixo. Só faltam quando têm mesmo que fal-tar e avisam sempre que lhes é possível porque sabem que isso prejudica a empresa.

FORMAÇAO

P&O – A empresa disponibiliza formação aos trabalhadores?

CR – Sim, sempre que necessário. Proporcio-námos recentemente formação na área comer-cial e no laboratório. Mas não damos formação a metro, só para dizer que fazemos formação ou para cumprir uma lei. Só formação que respon-der a problemas específicos e bem definidos, caso contrário é desperdício de recursos.

P&O – Como avalia a oferta formativa?

CR – Não conheço todo o universo da forma-ção profissional mas sempre que necessitamos de formação sabemos bem o que queremos. Já tivemos uma experiência que mostrou alguma desadequação dos conteúdos ao público-alvo. Por exemplo, formação em Marketing para indivíduos com menos do 9º ano. Penso que não faz grande sentido.

P&O – Em que áreas sente mais necessidade de formação?

CR – As principais necessidades são que as pessoas aprendam a ler, a escrever e a contar. Sem isso é difícil a aquisição das outras com-petências. Temos sempre que jogar com essas duas componentes antes de decidir a forma-ção que vamos dar às pessoas: a formação res-ponde a uma necessidade? Os indivíduos têm capacidades de aquisição de competências? Se qualquer uma destas questões tiver como res-posta um “não”, então não vale a pena.

P&O – E em termos técnicos como é feita a formação?

CR – A melhor formação e a mais eficaz que temos feito é a formação no posto de trabalho, ministrada por quem sabe e que ensina aos mais novos. Cabe à empresa criar as condições para que esta aprendizagem continuada seja

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 29

eficaz. Não há cursos de formação profissional que substituam esta aprendizagem.

P&O – Mas então está atento às questões da melhoria…

CR – Sim, sempre. A formação de base e a formação complementar, agindo conjunta-mente, são determinantes para se saber onde é que se está, para onde é que se quer ir e para programar o caminho para lá chegar. Juntar a capacidade conceptual e a competência téc-nica para o fazer.

CRISE ACTUAL E PAPEL DOS EMPRESÁRIOS

P&O – Como vê a actual crise mundial?

CR – Esta crise vai durar e ainda não se conhece o fundo. Enquanto não se souber a dimensão do “buraco” não há solução.

P&O – Mas vê uma solução?

CR – Bem, tudo na vida tem solução, de uma forma ou de outra. O problema desta crise foi o crescimento descontrolado numa economia virtual. Repare que o petróleo bai-xou em meia dúzia de meses dos 140 para os 30 dólares, com o mesmo produto, os mesmos custos de extracção, etc. Como é que isso é possível?! Estamos a falar numa economia que

não se baseia em produção de riqueza mas sim em números informáticos, em especulação. Ao fim e ao cabo na ganância do ser humano. Construiu-se um castelo de cartas que come-çou a ruir. As consequências para a economia real, aquela que afecta as pessoas e as empresas, podem ser devastadoras. Ainda não se conhece o fundo.

P&O – Pensa então que as consequências podem ser muito graves?

CR – Seguramente que sim. O desemprego vai aumentar. Todas as pessoas vão viver pior. Isto vai acarretar convulsões sociais. Até se conhecer o fundo, a retoma não vai ser pos-sível. Até lá os problemas das pessoas e das empresas vão agravar-se. Mas também penso que esta crise tem um lado bom. Pode contri-buir para unir os povos.

P&O – Unir os povos?

CR – Sim. Aqueles que estavam no topo, que pensavam ser inatingíveis, afinal são como os outros, comuns mortais. É num momento de crise profunda que os povos e as nações tendem a unir-se para lhe fazer face.

P&O – Vê alguma porta de saída para crise?

CR – No sector da produção do tijolo a porta que tento encontrar é a inovação. Fazer mais do mesmo não é solução.

PREPARAÇÃO DOS EMPRESÁRIOS

P&O – Empresários estão preparados para enfrentar a crise?

CR – Não. Nem neste sector nem em qual-quer outro. Não temos em Portugal um corpo de empresários capazes. É fácil ser empresário quando tudo corre de feição e quando a pro-cura excede a oferta. Quando o contexto muda e em épocas de maior turbulência, as coisas tornam-se mais complicadas.

P&O – Complicadas porquê?

CR – Repare que nesta altura só tínhamos todos a ganhar se nos sentássemos a uma mesa e tentássemos definir um planeamento estratégico para o sector. Esse planeamento poderia passar pela liderança de uma Associa-ção sectorial ou de um ou outro empresário, à semelhança de outros sectores. Poderia ser definido um plano que defendesse o sector, salvaguardando os interesses de todos. Mas a atitude dos empresários não é essa.

P&O – Qual é então?

CR – Os empresários do sector estão a des-truir o mercado. Estão a conseguir vender não através de valor acrescentado mas através da conquista do mercado do vizinho jogando apenas com o preço. Os revendedores por sua vez aproveitam-se disso e os construtores ope-ram segundo a mesma lógica. A maior parte deles faz um “dumping” de preços contínuo ao vender por preços impensáveis, como já falámos. Neste momento o objectivo é provo-car a queda de algum ou alguns concorrentes. Só que esta política é muito perigosa, pois o que pensamos saber dos outros nem sempre é verdade. Uma coisa sabem, todos estão a per-der dinheiro.

P&O – E não se sabe quando é que vai parar...

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CR – Pára quando o mercado atingir um equilíbrio entre a oferta e a procura, isto é, quando houver retoma que faça aumentar a procura ou quando grande parte das empresas fechar.

P&O – Para além da inovação de que falou, preconiza algumas outras medidas de natureza estratégica?

CR – Faz falta uma estratégia comercial comum ao sector. As associações deveriam concertar estratégias. Deveriam pensar que há este mercado, há esta capacidade de produ-ção instalada, vamos ter que nos regular para adequar a oferta à procura. Nem que fossem necessárias paragens temporárias de empresas. Todos tínhamos a ganhar. Ora, não existindo isto, o pensamento dos empresários é “vamos ver se aquele fecha”, “vamos perder dinheiro mas os outros também vão perder.”

P&O – Mais, uma vez a Construcer não entra nesse jogo...

CR – Não entra porque temos um produto diferente que vendemos cerca de 29% mais caro. Se estivéssemos apenas com o tijolo tradicional já teríamos fechado as portas há algum tempo.

P&O – Pensa que também a escolaridade dos empresários tem algum papel como con-dicionante da sua acção?

CR – Sim, penso que sim. Não será fun-damental, mas ajuda. Temos bons exemplos de empresários sem grande escolaridade e que têm sucesso, principalmente se forem pessoas com preocupações humanistas. Mas penso além disso que a escola proporciona outras ferramentas, principalmente a criatividade para resolver os problemas de gestão que um negócio destes acarreta.

COOPERAÇÃO ENTRE EMPRESAS

P&O – Acha que a cooperação entre empre-sas poderia beneficiar o sector?

CR – Sim pelas razões já apontadas. Faz falta uma visão estratégica para o sector.

P&O – Pensa que os empresários estão aber-tos à cooperação?

CR – Não. Estão e sempre estiveram cada um para o seu lado. E quando as dificuldades são maiores, agrava-se esta situação. Repare que nós

estamos abertos à cooperação. Aliás seria vanta-joso para a Costrucer ter uma empresa coope-rante por exemplo no Algarve ou no Norte do país. Defendendo sempre os interesses da Cons-trucer, poderíamos chegar a um acordo que minimizasse os nossos custos de transporte, por exemplo. Como já referi o custo do transporte para o Algarve inflaciona o preço do tijolo em 100%. Mas em vez de nos abordarem nesse sentido, com o que ganharíamos todos, ocorreu que 2 empresas tentaram produzir uma imita-ção do Tecnotijolo à margem da lei, copiando um produto que está legalmente patenteado. Não vale a pena descrever os pormenores de actuação mas desde abordar os nossos forne-cedores e até mesmo alguns desenhadores que colaboraram na concepção dos produtos e dos equipamentos, tudo foi tentado.

P&O – E a Construcer estaria disponível para cooperar com outras empresas na comer-cialização do Tecnotijolo …

CR – Na comercialização e mesmo na pro-dução, desde que, evidentemente, estivessem salvaguardados os interesses da Construcer. Mas o espírito dos empresários portugueses é muito este: O “xicoespertismo”. Eu faço e depois logo se vê. Se houvesse cultura de res-ponsabilidade, nada inviabilizaria a autori-zação de produção do Tecnotijolo por outras fábricas, principalmente se fosse longe de nós. Ficaríamos todos a ganhar. Com licen-ciamento adequado e acautelando sempre os interesses da Construcer, como é obvio. Mas este tipo de empresários tende a acabar. As empresas que vão sobreviver a esta crise, de que, repito, ainda não se conhece o fundo, são aquelas que têm os verdadeiros empresários.

P&O – Como vê o papel do Estado neste processo?

CR – Ajudas do Estado? Em dinheiro? Não. O Estado tem duas funções que deverá exe-cutar de forma exemplar. Uma é criar meca-nismos para aliviar as empresas nesta fase de crise; outra é legislar correctamente para evi-tar situações de concorrência desleal entre as empresas.

P&O – Concorrência desleal?

CR – Sim. O dumping de preços conti nuado é desleal. Além disso temos tido recentemente um problema com os custos energéticos decor-rente de um erro na atribuição das cotas de CO2 por parte da Agência Portuguesa do Ambiente. A APA fundamentou a sua atri-buição de licenças de CO2 para o PNAlE ll (2008-2012) na análise empresa a empresa, dos consumos e tipo de combustível utilizado no período compreendido entre 2000 e 2004. O resultado da aplicação deste critério, foi que às empresas que nesse período utilizavam

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 31

apontando o caminho da inovação e a recusa das estratégias assentes no volume das produ-ções e na degradação dos preços. O que em traços gerais esboçou como sendo a política adoptada na gestão dos recursos humanos de que tem resultado o empenhamento visível dos trabalhadores na batalha pelos objectivos: há uma cultura da empresa já criada ou em vias de consolidação que diferenciará ainda mais a Construcer; por fim, o modo como encara a problemática da cooperação entre empresas que ganha uma nova actualidade com as difi-culdades presentes e que a experiência tem mostrado em alguns casos exemplares, em Portugal e no estrangeiro, que mesmo em situações de menor agitação, permitem atin-gir metas que não se alcançam isoladamente. Recria-se o sentido da parábola dos sete vimes.

Uma vez mais muito obrigado.

combustíveis fósseis, foram-lhes atribuídas licenças de acordo com esses registos, às empre-sas que nesse período já utilizavam biomassa, foi-lhes drasticamente reduzido o numero de licenças atribuídas (no caso da Construcer a redução foi de 88% relativamente ao PNAlE l). Assim, as empresas mais poluidoras foram as mais beneficiadas com milhares de licenças

atribuídas (algumas com aumento relativa-mente ao PNAlE l). O resultado foi que as empresas que consumiam combustíveis fósseis, se reconverteram rapidamente à biomassa, para assim conseguirem proveitos suplemen-tares com a venda das licenças que ficaram disponíveis, conseguindo em alguns casos ven-der licenças anuais pelo valor próximo ou até superior a um mês de facturação, permitindo-lhes usar esse proveito para atenuar os prejuí-zos resultantes de um continuado dumping de

preços. A outra consequência desta actuação da APA foi criar condições para que o cresci-mento da procura da biomassa fosse imediato, com a consequente subida de preços deste combustível que, face à actual crise, se tornou muito escasso pois a biomassa é um resíduo da laboração de outras empresas que abrandaram as produções ou, em muitos casos, já encerra-ram as portas. Assim esta é uma frente de com-bate para a qual a Construcer foi empurrada pela APA por ter cometido o erro de sempre ter utilizado biomassa na seu processo produtivo. A Construcer sempre utilizou biomassa, por razões ambientais e de custos. A Construcer, que sempre teve essa preocupação está a per-der em duas frentes: quase não tem licenças de CO2 para utilizar ou vender e os custos com a biomassa tiveram um aumento de 40% de um dia para o outro. Não é justo e foi uma situa-ção não acautelada e mal regulada pelo Estado.

P&O – Muito obrigado pelo tempo que teve a gentileza de me dispensar. Mais, na P&O, devemos estar-lhe gratos pelo exemplo que nos permite transmitir aos nossos leitores e, em especial, aos que nos vários sectores de actividade têm as suas vidas ligadas à produção e à distribuição dos materiais de construção. Sobressaem de tudo o que ouvi, três pilares a que devemos todos dar uma continuada aten-ção: Antes de mais, o exemplo que oferece às empresas que a crise ameaça destruir. Trata-se de um verdadeiro manual de sobrevivência,

novo conceito de junta horizontal

poupança deargamassa

menorcondutibilidadetérmica

aderência mecânicado tijolo(melhor presa)

Currículo académico e profissional•Entre1973/75 interrupçãodosestudosdocurso

de engenharia mecânica, no IST (frequentava o 4º ano), para cumprir obrigações militares em Moçam-bique.

•Entre1976 /77 terminouo curso emFrança,noInstituto Universitário de Tecnologia Aeroespacial, próximo de Paris.

•Entre1977 /78 fezo cursodepós-graduaçãoemEngenharia da Soldadura, na Escola Superior de Soldadura, em Paris.

•Em1978regressouaPortugaltendofeitoestágionoDepartamento de Soldadura nos Estaleiros Navais da lisnave.

•Entre1979/81ocupouocargodeChefedeServiçode Manutenção, numa empresa de fabrico de Silício Metálico, no Peso da Régua.

•Entre1981/86ocupouocargodeDirectorFabrilnuma Cerâmica de fabrico de abobadilha, na região de Anadia.

•Emsimultâneo(entre1983/86),fundouumGabi-nete de Estudos e Projectos Industriais, dirigido em

especial ao melhoramento da utilização nas empre-sas cerâmicas, da Biomassa Vegetal como combustí-vel, tanto no processo de secagem como na cozedura dos produtos.

•Em 1986 participou na fundação de Construcer,lda ocupando o cargo de Gerente até 1999, ano em que a Construcer se converteu em Sociedade Anónima, passando a ocupar o cargo de Presidente do Conselho de Administração, acumulando com cargo de Director Geral até hoje.

Fevereiro de 2009

*antónio Girão corte-reaL

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sejam mais qualificados, para que haja mais marcas e patentes no nosso sector, para que haja cada vez mais empresas e produ-tos certificados ou para que o investimento seja crescente no domínio da Investigação e Desenvolvimento.

Esta aposta estratégica vem agora acom-panhada da necessidade de transmitir ao

AIMMAPASSOCIAçãO DOS INDUSTRIAIS METAlÚRGICOS, METAlOMECÂNICOS E AFINS DE PORTUGAl

Dr. João Girão

Desde há muito que a Direcção da AIMMAP tem procurado concentrar o eixo estruturante da sua actividade numa aposta em factores distinti-vos dos produtos e das empresas, estimulando os seus associados a investirem naquilo que os possa diferenciar qualitativamente dos seus con-correntes nos mais diferentes pontos do globo.

Daí as iniciativas que a AIMMAP tem levado a efeito e que são recorrentes na certificação, na propriedade industrial, na inovação, no design, na formação profissional ou na maxi-mização da actividade produtiva.

Temos actualmente a noção clara de que o nosso contributo é, nesse âmbito, da maior relevância para que os nossos trabalhadores

Em depoimento escrito, o DR. JOãO GIRãO

Assessor da Direcção da Associação dos

Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos

e Afins de Portugal traz à PIRÂMIDES &

OBELISCOS o seu ponto de vista sobre três

temas que lhe sugerimos.

P&OA competitividade das empresas depende essencialmente dos Custos e da Diferenciação dos produtos e serviços que, em geral, os acompanham.Que margem sobra às empresas do sector para intervir nestes dois planos: Produzir a custos mais baixos e, simultaneamente, acrescentar valor aos produtos por forma que os clientes o reconheçam e valorizem?

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 33

• Na área da manutenção preventiva dos equi-pamento, por exemplo, não podem as empresas encarar com coragem acções de cooperação que reduzam os custos e evitem as paragens não programadas?

• No domínio da comercialização, para as empresas com programas complementares diri-gidos aos mesmos mercados, não são viáveis novos instrumentos que permitam vender mais gastando menos?

• Na exploração racional dos equipamentos e dos meios de transporte, tanto no que respeita aos aprovisionamentos como à distribuição, por exemplo, não são identificáveis interes-santes formas de cooperação de que resultem a

mercado a confiança e a capacidade do sec-tor para enfrentar esta profunda contracção do comércio mundial através da promoção e colocação no mercado dos resultados de uma produção que se distinga e diferencie aos mais variados níveis.

Também é uma aposta da AIMMAP a promo-ção e divulgação de soluções que incremen-tem a eficiência e eficácia não só da actividade produtiva mas também da capacidade de ges-tão em geral das empresas nossas associadas.

No entanto, e este aspecto é vital, as empre-sas do sector não poderão cair na tentação de orientar as suas estratégias para a produção de produtos baratos, sem cuidarem da neces-sária qualidade que os diferencie ao nível da excelência.

eliminação dos tempos mortos dos activos imo-bilizados e uma significativa contracção dos custos operacionais?

Dr. João Girão

Desde há muitos anos que a AIMMAP tem promovido inúmeras iniciativas nas áreas da cooperação inter-empresarial aos mais variados níveis. É portanto uma acérrima defensora da cooperação inter-empresarial e inter-associações.

Também aqui temos a consciência da impor-tância do nosso estímulo para que haja cada

P&ORenasce com alguma insistência a ideia de que as empresas podem/devem agrupar-se em clusters de complementaridades para ganharem na cooperação a força que lhes falece ao insistirem numa política de orgulhosamente sós.

34 | PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09

Em países com a reduzida dimensão de Por-tugal, a criação de sinergias entre os diferen-tes agentes económicos, aos mais diversos níveis – seja por serem concorrentes, por serem complementares ou por integrarem a mesma cadeia de valor –, é verdadeiramente essencial para que seja possível adquirirem a dimensão necessária de modo a enfren-tar a actual conjuntura internacional e assim garantir a competitividade dos nossos produtos.

Devermos ter sempre presente o objectivo de sensibilizar as empresas para as vantagens e valor acrescentado da cooperação e a opor-tunidade de, com ela, se criarem sinergias e economias de escala em tempo de crise.

Os agentes integradores da mesma cadeia de valor têm, cada vez mais, necessidade de tra-balharem em conjunto e criarem condições para o desenvolvimento de sinergias, aferindo

vez mais empresas com projectos estrutura-dos, nomeadamente de internacionalização e para que seja crescente o número de iniciati-vas partilhadas pelas diferentes empresas.

De facto, seguramente um dos maiores defei-tos que podem ser imputados aos portugue-ses em geral e às empresas em particular é a sua habitual dificuldade para trabalharem em conjunto.

As empresas têm de cooperar, criar sinergias e articular-se cada vez mais umas com as outras com base em afinidades sub-sectoriais, em complementaridades ou na proximidade geográfica.

A cooperação deverá concretizar-se cada vez mais em projectos comuns no sentido da cria-ção de sinergias e economias de escala essen-ciais à manutenção dos índices de vitalidade do Sector.

a possibilidade de desenvolvimento de projec-tos comuns.

São exemplos de cooperação inter-empre-sarial desenvolvidos pela AIMMAP, nome-adamente, o estudo para a possibilidade de criação de uma central de compras, a criação de uma base de dados comuns às empresas associadas e sobretudo o desenvolvimento de clubes de subcontratação.

Tem de promover-se igualmente a integração em novos mercados através de missões conjun-tas, sob pena de uma dependência focalizada nas exportações para poucos mercados inter-nacionais que não permitirá ao sector aliviar a contracção a que está sujeito neste momentos.

Por isso a AIMMAP aposta claramente no incremento da dimensão do sector na com-ponente de cooperação e associação numa tripla vertente: criação e desenvolvimento

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 35

de sinergias internas, afirmação e posiciona-mento internacionais e extensão da relação associativa, comercial e partilha de boas prá-ticas com as organizações de fronteira com Portugal.

o caminho para a superação das dificuldades actuais.

Por isso a aposta cada vez maior da AIMMAP no incremento de actividades dos seus subsecto-res, através das sinergias criadas nas diferentes divisões da AIMMAP em que estes subsectores estão organizados.

Mas também ao nível da criação de centros de defesa de interesses comuns e de projecção de iniciativas comuns, nomeadamente através da criação de novas associações como é o exem-plo da recém criada AFFIMACC – Associação Fileira dos Materiais de Construção e Casa. Esta nova associação congrega as associações representativas das fileiras dos materiais de construção e casa e tem por objectivo a pro-moção de iniciativas e projectos de coopera-ção inter-empresarial ou inter-institucional, de formação profissional, de inovação e desenvolvimento das áreas comerciais e de marketing.

Também é exemplo deste papel essencial da AIMMAP a integração como sócia fundadora da PRODUTECH – Associação para as Tecno-logias de Produção Sustentável que tem por principal objectivo a criação de e um Pólo de Competitividade e Tecnologia no agregado dos produtores de tecnologia.

Esse é seguramente o caminho que deverá assumir o sector metalúrgico e metalomecâ-nico em Portugal. E é certamente também aquele que todos estamos apostados a trilhar com a noção clara de que, afinal de contas, é apenas com o nosso empenho e a nossa com-petência que podemos contar.

A fechar.A sua opinião sobre a P&O?

A revista “PIRÂMIDES & OBELISCOS” preen-che um espaço e cumpre uma função muito importante na divulgação do valor que se deve atribuir aos Recursos Humanos das organiza-ções, independentemente da área de activi-dade em que estão inseridos. A necessidade de envolver todas as empresas, nomeadamente as PME, na estratégia de Gestão das Pessoas justifica plenamente o seu aparecimento no âmbito do projecto de Recolha das Necessida-des de Qualificação dos Recursos Humanos.

Os nossos agradecimentos à Direcção da AIMMAP e ao Dr. João Girão pela disponibilidade.

AV.

P&OEntre muitas outras, estas são áreas em que a AIMMAP, agindo directamente ou por entrepostas pessoas, junto de pequenos núcleos seleccionados, poderia desempe-nhar um papel modificador de relevante importância?

Dr. João Girão

Atravessamos agora na economia mundial uma situação que é inequivocamente con-turbada. Em que os obstáculos são cada vez maiores e mais complexos. E em que os desa-fios são claramente mais difíceis.

É inequivocamente com base na cooperação entre as empresas do sector que encontraremos

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TRANSVERSAlIDADES

“...QUEM SÓ SABE DE MEDICINA, NEM DE MEDICINA SABE”

Prof. Abel Salazar

PIRÂMIDES&OBELISCOS | MARÇO 09 | 37

O atraso do desenvolvimento português não é novo. O chamado Estado Novo limitou-se a atrasar mais o que já estava atrasado. É um atraso velho e relho. Vozes inteligentes do século XIX souberam-no reconhecer. Antero de Quental, no manifesto de 1871 que anunciava as “Conferências Democráticas”, texto co-assinado por Eça de Queiroz e outros, falava da necessidade de “agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna”, um modo de falar da necessidade de uma cultura científica. Na conferência intitu-lada “Causa da Decadência dos Povos Peninsu-lares” (há uma reedição da Ulmeiro), afirmou Antero:“Nos últimos dois séculos não se produziu a península um único homem superior, que se possa pôr ao lado dos grandes criadores da ciência moderna: não saiu da península uma só das grandes descobertas intelectuais, que são a maior obra e a maior honra do espírito moderno. Durante 200 anos de fecunda ela-boração, reforma a Europa culta as ciências antigas, cria seis ou sete ciências novas, a anatomia, a fisiologia, a química, a mecânica celeste, o cálculo diferencial, a crítica histó-rica, a geologia: aparecem os Newton, os Des-cartes, os Bacon, os leibnitz, os Harvey, os Buffon, os Ducange, os lavoisier, os Vico – onde está, entre os nomes destes e dos outros verdadeiros heróis da epopeia do pensamento, um nome espanhol ou português? Que nome espanhol ou português se liga à descoberta de uma grande lei científica, dum sistema, dum facto capital? A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciên-cia: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos.”

Não se podia ser mais claro. Mas, se o nosso atraso vem da falta de ciência, de onde vem a falta de ciência? Continuemos a ler Antero, que diz mais adiante: “Dessa educação, que a nós mesmo demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes.” A falta de ciência vem da falta de educação ou, quando a há, da má educação dos portu-gueses. Pode-se sempre falar de educação em abstracto, mas, quando se quer falar dela em concreto, tem de se referir a escola. Os nossos antepassados não frequentaram a escola ou, quando a frequentaram, receberam dela uma

educação deficiente. Ficámos gravemente feri-dos com a nossa falta à escola, com a nossa falta de escola. O caso português faz parte dos manuais de história do desenvolvimento. O eloquente volume do professor de Economia da Univer-sidade de Harvard, David landes, The Wealth and Poverty of Nations, com o sugestivo sub-título Why Some Are So Rich and Some So Poor (Norton, 1998; vai sair em breve tra-dução portuguesa na Gradiva) põe o dedo na nossa ferida, identificando o problema do analfabetismo: “As taxas de iliteracia compa-rativas não são exactas, em parte porque as

definições e os juízos variam de uns países para outros. Mesmo assim, o contraste entre os países do Sul e os do Norte da Europa é indubitavelmente grande. Por volta de 1900 [29 anos depois das Conferências do Casino, que, como é sabido, foram logo mandadas fechar], por exemplo, apenas 3 por cento da população da Grã Bretanha era analfabeta, o número para a Itália era 48 por cento, para Espanha 56 por cento, e para Portugal 78 por cento”. landes propõe uma explicação: “As antigas perseguições religiosas – massacres, caças às bruxas, expulsões, conversões força-

das e isolamento intelectual auto-imposto – revelaram-se uma espécie de pecado original. Os seus efeitos só puderam ser debelados no século XX... e mesmo então nem sempre.” Onde é que os povos da Europa do Norte e alguns da América (Canadá e Estados Unidos) tinham aprendido a ler, a escrever e a contar? Na escola, claro. Guilherme Valente, o escla-recido editor da Gradiva, chamou, no recente congresso da União dos Editores Portugueses, a atenção para o mapa europeu da dissolução do analfabetismo ao longo da história (Figura 1), que vem no volume A Sociedade da Con-fiança, do francês Alan Peyrefitte (Instituto

O ATRASO PORTUGUÊSPublicado no Le Monde Diplomatique (Ed. Portuguesa)

Transcrição gentilmente autorizada pelo autor e pelos editores

Nos últimos dois séculos não se produziu na península um único homem superior, que se possa pôr ao lado dos grandes criadores da ciên-cia moderna: não saiu da península uma só das grandes descobertas intelectuais…

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Piaget, 1997). Enquanto em parte da Grã-Bretanha, na Alemanha, nos Países Baixos e na Escandinávia, metade dos homens com idades entre os 20 e os 30 anos ficaram alfa-betizados (as mulheres é uma outra história, bem trágica!) ainda antes de 1700, em certas regiões de Portugal isso só aconteceu entre 1940 e 1970. A Suécia surge nesse mapa euro-peu de “descolagem cultural” nos antípodas exactos de Portugal. É o contraste nítido entre o Norte e o Sul, agora visto por um autor europeu. Se se sabia ler e contar na Suécia era, precisamente, por se ter ido à escola. E, se não se sabia aqui ler e escrever aqui, era, evidente-mente, por não se ir à escola. Quase não havia escola no Sul, enquanto a escola chegava a quase toda as população do Norte da Europa. Um quadro numérico de Peyrefitte (Quadro 1) ajuda a elucidar o mapa: em 1887 (16 anos depois da palestra de Antero), só 5% da popu-lação portuguesa (incluindo todas as idades) se encontrava na escola, ao passo que na Grã Bretanha eram 16%, na Suécia 15%, na Ale-manha 18% e nos Países Baixos 14% (atrás de nós só estava a Rússia czarista, num conjunto de 17 países europeus; dos países europeus, até a Grécia nos batia). Onde há escola, tem

de haver professores. Façamos então a prova dos nove da falta de escola observando para a falta de professores. Em 1890, ainda segundo Peyrefitte, havia em Portugal 8 professores primários por mil habitantes, enquanto na Grã Bretanha eram 35 por mil, nos Países Baixos também 35 por mil, na Suécia 27 por mil e na Alemanha 24 por mil. Mas quando começa afinal a nossa decadên-cia? landes elucida-nos sobre esta questão, indicando numa tabela (Quadro 2) a evolução histórica do nosso produto nacional bruto per capita – devidamente normalizado – em com-paração com o de outros países. Os valores podem surpreender-nos... Fomos outrora dos países mais ricos do mundo. Fomos, de facto, ricos no tempo dos Descobrimentos (escreveu Fernando Pessoa “Pertenço a um género de Portugueses que depois da Índia descoberta ficaram sem trabalho” e Carlos Queiroz “Só fazemos bem Torres de Belém”) e continuá-mos ricos depois deles. Em 1830, éramos o quinto país mais rico do mundo (acima de nós só estavam, por esta ordem, o Canadá, a França, a Grã-Bretanha e os Países Bai-xos; não há dados sobre a Espanha, mas esta devia situar-se próxima de Portugal, pelo que

o nosso quinto lugar pode bem ser o sexto). Abaixo de nós estavam países como a Suécia, a Alemanha e os Estados Unidos!... Decerto que a riqueza de Portugal era ouro trazido do Brasil e restos da pimenta das Índias, portanto riqueza proveniente da conquista e não do trabalho ou do saber. Mas, durante o infeli-císsimo século XIX português, passámos rapi-damente da cabeça para a cauda da lista das nações mais ricas de tal modo que, no início do século XX (em 1913), éramos os penúl-timos da mesma lista de 17 países: a Rússia, ainda czarista, já nos tinha ultrapassado, o Japão ainda não, mas faltava pouco.Nos séculos XV e XVI, Portugal tinha estado na linha da frente. Tinha ajudado ao alvore-cer da primeira vaga da revolução científica. Pedro Nunes, cosmógrafo-mor do reino (de origem judaica, note-se), tinha criado uma técnica inovadora – o nónio – que permitia medir ângulos com maior rigor. Escreveu: “É evidente que as descobertas de costas, ilhas, continentes não ocorreram por acaso, mas, pelo contrário, os nossos marinheiros par-tiram muito bem informados, providos de instrumentos e regras de astronomia e geo-metria”. O astrónomo dinamarquês Tycho Brahe, mestre do alemão Johannes Kepler, usou o nónio reconhecendo a respectiva paternidade. Kepler, um dos gigantes sobre os quais se ergueu o inglês Isaac Newton, foi um admirador confesso dos feitos dos portugue-ses. E tais feitos não eram só na astronomia. Garcia de Orta, um cristão-novo, tinha des-coberto e divulgado ao mundo as plantas do Oriente, mostrando-se cheio de auto-estima: “Pode obter-se mais conhecimento dos portu-gueses num só dia do que dos romanos depois de cem anos”. Os portugueses protagonizaram um processo de globalização, semelhante ao dos romanos mas mais rápido. Mas em breve começámos a perder o pé. No século XVII, quando a física nasce com Newton, estávamos a ficar fora do jogo mundial, arredados pelos espanhóis, pelos holandeses e pelos ingle-ses. As ideias de Newton chegaram cá com

Antes de 1700

1700 – 1790

1790 – 1850

1850 – 1900

1900 – 1940

1940 – 1970

Figura 1

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décadas de atraso. O ensino era pouco e mau: tinha-se entretanto cristalizado, evitando a todo o custo a sua inevitável renovação.Mas uma segunda vaga da revolução científica chega no século XVIII na Inglaterra, com a máquina a vapor e a industrialização. Havia um português por perto: João Jacinto Maga-lhães dialogou com o escocês James Watt, inventor da máquina a vapor. Mas nessa altura interessava mais copiar do que de criar. Magalhães recebeu um pedido para copiar a máquina a vapor, trazendo um modelo para o reino português. Respondeu em carta de 1778 ao embaixador português em londres: “Seria muito melhor mandar a Inglaterra algum engenheiro hábil, mas que seja sujeito prático e não unicamente teórico (...) Este, passando 3 ou 4 meses em Birmingham ou em qual-quer outra parte onde estas máquinas estão a trabalhar, achar-se-ia em estado de voltar a Portugal tão bem instruído que pudesse fazê-las erigir e construir com toda a segurança e acerto”. Palavras acertadas: vale mais importar know-how do que tecnologia. Mas o tal enge-nheiro hábil não foi, infelizmente, mandado.No século XIX a “explosão” da electricidade

mostrou como o conhecimento puro (e já não tanto o instrumento) era gerador de bem-estar. Era uma terceira e enorme vaga... Em Portugal, importou-se a parafernália tecno-lógica sem nunca a compreender, isto é, sem chegar a ensinar a ciência devidamente. As escolas politécnicas então fundadas em lisboa e Porto não souberam competir com a univer-sidade anquilosada de Coimbra. Prova de que a cultura científica não passou para a sociedade foi a oposição de alguns intelectuais. Veja-se a este respeito o excerto de Almeida Garrett, das Viagens na Minha Terra (de 1846): “A ciên-cia deste século é uma grandesíssima tola. E como tal, presunçosa e cheia do orgulho dos néscios”. A tal “grandesíssima tola” conseguia no século XIX, por obra e graça dos britâni-cos Michael Faraday e James Clerk Maxwell, unir a electricidade e o magnetismo, dando como consequência a compreensão plena da luz, incluindo toda a panóplia de luz invisí-vel como as ondas hertzianas, os raios X, as microondas, etc. Tudo isso foi consequência, directa ou indirecta, da escolaridade e da ins-trução, que tinha aparecido associada à Revo-lução Industrial na Inglaterra. Mesmo o mais

autodidacta dos cientistas, Faraday, um rapaz de rua e aprendiz numa oficina de encader-nação que se interessou pela ciência, tinha já a quarta classe. Maxwell tinha estudos supe-riores, que lhe permitiram pôr em linguagem matemática o que em Faraday era só empi-rismo. Em conjunto, mudaram o mundo de uma forma radical.E, no século XX, ocorreu enfim uma nova, a quarta, vaga de revolução científica, de cujo efeito estamos a beneficiar com a electrónica (a actual globalização económica vem daí) e com a genética (cujo impacte maior está por vir). Em 1926, um conjunto de jovens da Europa do Norte e Central propunha a mecânica quântica para explicar o mundo microscópico, que estava subjacente afinal aos fenómenos da electricidade e da luz. Conse-quências dessa teoria foram artefactos como o transístor e proezas como a decifração do genoma, que mudaram, estão a mudar, o mundo muito mais do que já estava. Hoje é cada vez mais claro que não se pode produ-zir riqueza sem ciência e a sua filha dilecta (raramente directa) a tecnologia. E é condição necessária para haver ciência e tecnologia que

Estimativas do produto nacional bruto per capitapara países seleccionados (em dólares dos EUA, de 1960)

Fonte: D. Landes. A Riqueza e a Pobreza das Nações, Gradiva (no prelo)

1830 1860 1913 1929 1950 1960 1970Bélgica 240 400 815 1020 1245 1520 2385Canadá 280 405 1110 1220 1785 2205 3005Checoslováquia ... ... 500 650 810 1340 1980Dinamanca 225 320 885 955 1320 1710 2555França 275 180 670 ‘90 1055 1500 2535Alemanha Federal 240 345 775 900 995 1790 2705Itália 240 280 455 525 600 985 1670Japão 180 175 310 425 405 855 2130Holanda 270 410 740 980 1115 1490 2385Noruega 225 325 615 845 1225 1640 2405Portugal 250 290 335 380 440 550 985Rússia/URSS 180 200 345 350 600 925 1640Espanha ... 325 100 520 430 640 1400Suécia 235 300 705 875 1640 2155 2965Suíça 240 415 895 1150 1590 2135 2785Reino Unido 370 600 1070 1160 1400 1780 2225Estados Unidos 240 550 1350 1775 2415 2800 3605

Fonte: A. Peyrefitte. A Sociedade da Confiança, Instituto Piagel, 1997

Percentagem da população (todas as idades)que se encontra na escola (1830 - 1928)

1840 1850 1887 1928Estados Unidos 15 18 22 24Inglaterra+Gales 12 16 16Escócia (9) 16 ? 17Irlanda 7 14 18Austrália 6 ? 14 16Alemanha 17 16 18 17Suíça 13 ? 18 ?Países Baixos 12 13 14 19Dinamarca ? 12 16Noruega 14 14 13 17Suécia 13 15 13França 7 10 15 11Áustria 5 7 13 14Hungria 12 16Itália 3 ? 11 11Espanha 4 ? 11 11Portugal ? 1 5 6Grécia ? 5 6 12Rússia/URSS ? 2 3 12

Quadro 1 Quadro 2

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haja escola, que se saiba primeiro ler e contar e depois tudo o resto que daí se segue. A gene-ralização massiva da leitura e da tabuada, exi-gida pela Revolução Industrial, foi afinal o Big Bang do mundo moderno. Se, no início do século XX, nós não sabíamos sequer ler, que queríamos? Que destino nos poderia esperar nesse século além daquele que tivemos, recep-tores tardios da física quântica e importadores pagantes da tecnologia que dela decorre? A ciência durante o século XX, antes e durante o Estado Novo permaneceu atada e atávica neste canto da Europa.Qual é hoje a posição de Portugal no elenco das nações? O Relatório do Desenvolvimento Humano 2001 (Trinova, 2001) da responsabi-lidade das Nações Unidas coloca Portugal no 28º lugar (Quadro 3). Para essa classificação contam não só o produto interno bruto (PIB) como índices de educação e de saúde. Em pri-meiro lugar aparecem a Noruega, a Austrália, o Canadá e a Suécia. Tomando apenas o PIB per capita estamos em 30º lugar e no penúl-timo da União Europeia (o ranking do PIB é liderado pelos Estados Unidos, se esquecer-mos essa cidade-estado que é o luxemburgo).

A nossa taxa de alfabetização de adultos é 91,9 %, obviamente muito maior do que há 100 anos, mas não só inferior à de todos os paí-ses da União Europeia (muitos têm 100%) como à dos países que estão à porta desta. Um índice de educação referido no relatório do desenvolvimento humano toma o valor 0,93 para Portugal, que deve ser contrastado com 0,99 da Suécia, da Bélgica, da Holanda, da Finlândia e do Reino Unido, para só falar de países europeus (é de 0,97 para a Espanha, para não fugir à inevitável comparação com o vizinho). O relatório de 2001 debruça-se em particular sobre as realizações tecnológicas dos vários países: já sabíamos que não éramos líderes (lugar ocupado por 18 países, com a Finlândia, os Estados Unidos e a Suécia no topo); ficamos a saber que estamos no grupo seguinte, a meio dos chamados “líderes poten-ciais”, à frente da Bulgária e da Polónia, mas atrás não só da Espanha e da Itália como tam-bém da República Checa, Hungria, Eslovénia, Eslováquia e Grécia... Falta-nos, portanto, sermos capazes de trans-formar o potencial em real. Há vários obstá-culos que se deparam. Qual é agora, no início

do novo século, o maior problema em Por-tugal? Embora num nível bem diferente do de há cem anos, o maior problema continua a ser o défice de educação, concretizada hoje em dia na falta de uma educação científica de alcance e qualidade. Não se trata agora ape-nas de saber ler e contar mas sim para todos conhecer da ciência o suficiente para assumir uma cidadania plena e para alguns saber a ciência com segurança suficiente para a poder pegar na “ponta”. Mas sobre esta necessidade o discurso político é pobre, quase omisso (res-salve-se o importante mas pequeno Ministério da Ciência e Tecnologia). Apetece parafrasear a frase que ficou célebre nos Estados Uni-dos: “It’s the education, stupid!, ou, melhor, “It’s the science education, stupid!” A escola, desde a pré-primária à pós-graduação, é a maneira que a sociedade criou para assegurar a si mesma um futuro melhor. A escola qua-lificada (que só pode resultar de um processo sério de avaliação) garante a diferença entre o passado e o futuro. Só com o enraizamento de uma boa escola o nosso atraso desaparecerá para sempre.

*carLoS FioLhaiS nasceu em lisboa em 1956. licenciado em Física na Universidade de Coimbra e doutorado em Física Teórica na Universidade Goethe, em Frankfurt, Alemanha, em 1982, é Professor Catedrático de Física na Universidade de Coimbra. Foi professor convidado em universidades de Portugal, Brasil e Estados Unidos. Publicou mais de 30 livros, incluindo Física Divertida, Computadores, Universo

e Tudo o Resto e A Coisa Mais Preciosa que Temos (Gradiva); Ciência a Brincar (Bizâncio); manuais escolares de Física e de Química (Gradiva e Texto Editores); Roteiro de Ciência e Tecnologia (Ulmeiro) e Fundamentos de Termodinâmica do Equilíbrio (Gulbenkian). É autor de cerca de 100 arti-gos científicos em revistas internacionais (um dos quais com 3500 citações) e de mais de 300 artigos pedagógicos e de divulgação. Participou em inúmeros encontros, conferências e acções promovendo a ciência e a cultura científica. Criou o portal de ciência www.mocho.pt. Ganhou em 1994 o Prémio União latina/JNICT de tradução científica. Ganhou o Globo de Ouro de Mérito e Excelência em Ciência de 2004 atribuído pela televisão SIC e pela revista Caras em 2005. Investiga Física da Matéria Condensada e Ensino e História das Ciências. Foi fundador e Director do Centro de Física Computacional da Universidade de Coimbra, onde instalou o maior computador português para cálculo científico («Centopeia»). Dirige a revista Gazeta de Física da Sociedade Portuguesa de Física e é membro da comissão editorial das revis-tas Europhysics News, da Sociedade Europeia de Física, e Física na Escola e Revista Brasileira do Ensino da Física, da Sociedade Brasileira de Física. É actualmente director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

Para conhecer melhor a obra de Carlos Fiolhais: www.gradiva.pt.

Ranking do desenvolvimentohumano de 2001

Nota: entre parêntesis a posição do ano anteriorFonte: Público, 10/07/2001

Posição País Valor IDH1 (2) Noruega 0.9392 (4) Austrália 0.9363 (1) Canadá 0.9364 (6) Suécia 0.9365 (7) Bélgica 0.9356 (3) Estados Unidos 0.9347 (5) Islândia 0.9328 (8) Holanda 0.9319 (9) Japão 0.92810 (11) Finlândia 0.92511 (13) Suíça 0.92412 (17) Luxemburgo 0.92413(12) França 0.92414 (10) Reino Unido 0.92315 (15) Dinamanca 0.92116 (16) Áustria 0.92117 (14) Alemanha 0.92118 (18) lrlanda 0.91619 (20) N. Zelândia 0.91320 (19) Itália 0.90921 (21) Espanha 0.90822 (23) Israel 0.89323 (25) Grécia 0.88124 (26) Hong Kong 0.88025 (22) Chipre 0.877

Posição País Valor IDH26 (24) Singapura 0.87627 (31) Coreia do Sul 0.87528 (28) Portugal 0.87429 (29) Eslovénia 0.87430 (27) Malta 0.86631 (30) Barbadus 0.86432 (32) Brunei 0.85733 (34) Rep. Checa 0.84434 (35) Argentina 0.84235 (40) Eslováquia 0.83136 (43) Hungria 0.82937 (39) Uruguai 0.82838 (44) Polónia 0.82839 (38) Chile 0.82540 (41) Bahrein 0.82441 (48) Costa Rica 0.82142 (33) Bahamas 0.82043 (36) Kuwait 0.81844 (46) Estónia 0.81245 (45) Emiratos A V. 0.80946 (49) Croácia 0.80347 (52) Lituânia 0.80348 (42) Qatar 0.80149 (50) trindade e t. 0.79850 (63) Letónia 0.791

Quadro 3

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Limpa, renovável e bem distribuída no globo, a energia geotérmica explora-se já em numerosas centrais térmicas e eléctricas. Hoje, a investigação procura novas técnicas que permitirão à geotermia estender--se a uma mais vasta zona geográfica.

A REVOlUçãO GEOTÉRMICAVisita à central piloto de Soultz-sous-Forêts, na Alsácia

In research eu, número especial Setembro 2008Trabalho assinado por J.V.R.

À primeira vista, Soultz-sous-Forêts não tem nada de excepcional. É uma pequena aldeia alsaciana típica, situada junto à fronteira franco-alemã em que o ambiente bucólico mal deixa transparecer a agitação que reina numa colina adjacente ao povoado. Há algu-mas dezenas de anos fomenta-se aqui um ambicioso projecto de investigação. Qual o seu objectivo? Instalar a primeira estação eléctrica de geotermia Enhanced Geothermal System – EGS (Sistema Geotérmico Estimu-lado). Trata-se de um conceito revolucionário imaginado nos Estados Unidos nos anos 70 e que permite extrair o calor terrestre onde, antes, não era possível.Engenheiros, geólogos, geofísicos, sismólo-gos, condutores de veículos, manobradores de gruas, electromecânicos… Ainda que o núcleo duro do projecto Soultz não comporte senão 15 membros perma-nentes, uma panóplia de perfis de horizontes diversos reerguem-se constantemente neste sítio. Uma actividade bem alimentada que se exacerbou depois de Janeiro de 2008, data em que começou a instalação à superfície dos equipamentos necessários para transformar o calor da terra em energia eléctrica. Estamos no fim do mês de Maio. O projecto celebra a conclusão de 20 anos de pesquisa sem cons-trangimentos. Enfim, esta central geotérmica de um novo género, fruto de uma colabora-ção europeia financiada por fundos públicos e privados, produz os seus primeiros kilowatts. Uma grande estreia a nível mundial.

Explorar um meio mal conhecido

Em si, o conceito da geotermia, extracção do calor subterrâneo principalmente resultante da desintegração dos elementos radioactivos das rochas que envolvem a Terra, não é novo. O seu desenvolvimento acelerou-se com a crise petrolífera dos anos 70. Grande número de centrais geotérmicas, através do mundo, já

geram electricidade ou alimentam circuitos de aquecimento, mas um elemento fundamental as distingue da de Soultz: a água subterrânea. As técnicas existentes1 limitam -se a bombear a água, alimentam circuitos de aquecimento, mas um elemento fundamental as distingue da de Soultz: a água subterrânea. As técnicas exis-tentes1 limitam-se a bombear a água quente de

1. Referimo-nos aqui aos sistemas geotérmicos de baixa e alta energia.

BOMBAGEM DE ÁGUA A 200°

PRODUÇÃO DE ELECTRICIDADEREINJECÇÃO DE ÁGUA

REFRIGERADA

PERMUTADOR DE CALOR

FURO DE PRODUÇÃO

FURO DE REINJECÇÃO

GRANITO QUENTE FRACTURADO

CIRCULAÇÃO DE ÁGUA NAS FRACTURAS DAS ROCHAS QUENTES

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um aquífero para a injectar num circuito de aquecimento ou accionar turbinas geradoras de electricidade.Toda a originalidade do conceito estudado em Soultz reside precisamente no facto de permitir dispensar os recursos hidrológicos locais. A água é, com efeito injectada depois à superfície, nas fracturas naturais que sulcam as rochas cristalinas situadas a uma profundi-dade suficientemente grande para que se possa extrair uma quantidade de calor utilizável.No caso da fossa renana, zona geológica em que se ergue o projecto piloto de Soultz, a rocha estudada desde há vinte anos pelos investigadores, é o granito.Albert Genter, do Bureau de Recherches Géo-logiques et Minières – BRGM(FR), é geólogo estruturalista. Ele só é coordenador científico do projecto Soultz desde Setembro de 2007 mas conhece a área desde há muito tempo: a sua tese de doutoramento incidiu sobre o granito de Soultz. “As experiências no terreno começaram em 1987 com a perfuração do poço GPK1 que nos permitiu extrair as pri-meiras amostras e determinar, com a ajuda de várias técnicas de colheita de imagens acústi-cas, as características das fracturas das rochas”, explica ele, apontando uma velha perfuração situada exactamente em frente dos escritórios do Groupement Européen d’Intérêt Econo-mique (GEIE) “Exploitation minière de la chaleur”, organismo titular do projecto.“Obtivemos também uma imagem muito precisa do subsolo. Os antigos dados reco-lhidos a quando de campanhas de extracção petrolífera, pouco nos esclareciam sobre as rochas cristalinas subjacentes às camadas sedimentares porque, pouco exploráveis, só raramente suscitaram a atenção dos geólogos. Em compensação, estes dados esclareceram-nos sobre o gradiente geo termal atípico da região: o acréscimo de temperatura em função da profundidade é aqui muito mais elevado do que em qualquer outro sítio conhecido.”“Os investigadores americanos que imagina-ram inicialmente o EGS tinham-no baptizado

de Hot Dry Rock Geotermy (Geotermia das rochas quentes, secas). Mas as experiências de Soultz demonstraram que, de facto, o granito do sítio não é seco. Encontrámos água natural, em pequena quantidade, suficiente contudo para poder ser explorada no quadro da central geotérmica. Este aquífero salino serviu pois como reservatório para bombear a água desti-nada a ser reinjectada no “sistema de fracturas”.Mas se a central tira partido de um aquífero, a originalidade do projecto não fica em perigo? “De modo nenhum”, assegura Genter. “Somos pura e simplesmente oportunistas. A água bombeada para a superfície é injectada num sistema de fracturas que a reconduz à origem”.

Abrir a rocha

As pesquisas exploratórias permitiram pôr em evidência a existência de um circuito de fracturas bastante desenvolvido para poder servir de sistema de circulação geotérmico. A água não podia contudo ser injectada direc-tamente por as fracturas do granito estarem obstruídas por depósitos naturais de calcite e outros materiais siliciosos, argilosos e ferro-sos. Antes de iniciar os testes de circulação para experimentar as qualidades do sistema, foi necessário preparar o meio para o tornar explorável.“Para alargar as fracturas e melhorar a conexão do circuito natural com as perfurações feitas, utilizámos duas técnicas. O método clássico ou estimulação hidráulica, consistindo na injecção de milhares de metros cúbicos de água com débitos bastante elevados para rea-brir as fracturas da rocha. O busílis é que esta técnica provoca mini abalos sísmicos. Mesmo se a maior parte deles são de uma intensidade extremamente fraca, alguns atingiram uma magnitude bastante grande (cerca de 2 na escala de Richter2. A estimulação hidráulica é uma operação muito delicada. Em 2006,

2. As citações não atribuídas são de Albert Genter

em Basileia, onde investigadores trabalhavam num projecto similar, este saldou-se por um tremor de terra de 3,4 na mesma escala.“De um ponto de vista científico, estes fenó-menos de micro-sismicidade são um sinal positivo porque demonstram a eficácia da hidro estimulação. Mas surgiram problemas concretos: existem numerosas habitações à volta do sítio e é evidentemente necessário ter isso em conta. De resto, a estimulação hidráulica não conduziu aos resultados previs-tos por a conectividade dos poços continuar a ser muito fraca. Decidimos, em consequên-cia, estimulá-los quimicamente. Ácidos fracos foram diluídos na água injectada no subsolo com vista a dissolver os depósitos hidroter-mais que subsistiam.”Bingo! Desde 2006 os testes de circulação demonstraram que a combinação das estimu-lações química e hidráulica permitiu melhorar de modo satisfatório o desempenho hidráulico do sistema. O projecto Soultz passou portanto à fase seguinte: construção da central eléctrica.

Entre superfície e profundidade

A cerca de 1 km dos escritórios do GEIE, numa pequena colina, está instalado o núcleo duro do Soultz, local onde se erguerá, daqui para o futuro, a central eléctrica pro-priamente dita. Um labirinto inextrincável de tubagens cercado por grandes estruturas: duas chaminés vermelhas, os separadores de uma enorme plataforma verde, o refrigera-dor. “Os separadores destinam-se a dissociar a água líquida do vapor. Os poços estiveram em repouso durante vários meses e a água geotermal contém ainda numerosas partícu-las de rocha e não pode por isso ser rein-jectada nos furos nesse estado. Correr-se-ia o risco de estas impurezas bloquearem os filtros e danificarem o material da central.”

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“O refrigerador é utilizado para liquefazer o isobutano, fluido que recupera o calor das águas termais no seio dos permutadores de calor e que permite accionar a turbina da central. Dado não estar acessível nas proxi-midades do local qualquer nascente de água suficientemente fria, optámos por um sis-tema de refrigeração por ar, dotado de nove ventiladores.”A jusante do refrigerador, a turbina, ele-mento chave da central, está cuidadosa-mente isolada no interior de um cofre específico. Acoplada ao gerador, é ela que

produz a electricidade que será enviada para a rêde nacional. O permutador de calor está mesmo ao lado, entrelaçamento de cilin-dros e tubos onde circulam as águas geoter-mais e o isobutano.No centro destes equipamentos de superfí-cie ergue-se o coração da estação, o triângulo geotérmico: três poços cujas perfurações atingem os 5000 metros de profundidade. Trata-se das mais antigas estruturas do sítio, sobre as quais recaem todas as atenções dos investigadores antes de o material de superfície da central se vir aí fixar. GP3 é o poço de injecção, via pela qual se incor-pora a água no subsolo. Esta última é em

seguida recuperada para os poços GPK2 e GPK4 que transportam a água geotermal para o interior das instalações. À superfície, as cabeças destes poços não distam mais de 6 metros uma da outra mas, em pro-fundidade, 650 metros separam os furos. “Isto permite à água circular nas fracturas o tempo suficiente para se reaquecer. No princípio, visávamos uma profundidade que permitisse atingir 200ºC, ponto de ebulição dos fluidos portadores de calor então utilizados. Mas, com o desperdício resultante da bombagem para a superfície, a água recuperada não atingia mais do que 170ºC-180ºC. Felizmente, existem hoje fluidos orgânicos como o isobutano, cujo ponto de ebulição é mais baixo”. A abertura dos três poços permitiu-nos igual-mente descobrir que o gradiente geotérmico não era constante. Quanto mais aprofundá-vamos a perfuração, menos importante era o aumento da temperatura. Hoje, sabemos que a profundidade óptima se situa entre os 3000 e os 3500 metros.

As apostas futuras

Para além dos três poços explorados para recuperar o calor subterrâneo, duas outras perfurações foram realizadas em Soultz: GPK1 a 3600 metros para pesquisas explo-ratórias e, sobretudo, ESP1, a 2200 m destinado a supervisar a boa marcha das operações da central. Está equipado com uma miríade de sensores térmicos e hidráu-licos”. “Origina- riamente deveria ter sido muito mais profundo mas teve um desvio horizontal logo no seu início e nós cessá-mos os trabalhos. Uma decepção do ponto de vista geotérmico, mas uma alvorada dum ponto de vista geológico. Este furo permite-nos obter amostras inteiras do granito e ganhar um conhecimento mais preciso da estrutura e da natureza da rocha.

As amostras recolhidas nos outros poços chegam-nos sob a forma de fragmentos a partir dos quais não podemos senão inferir a composição de origem da rocha”.ESP1 não é apenas uma ferramenta de monitoragem de Soultz. Com efeito, desde o início dos anos 90, foi instalada à volta do sítio uma rede de poços de observação sísmica. Tais como ESP1, estas perfurações de 1500 m são de facto antigos poços petro-líferos, recuperados no quadro das pesqui-sas. “Os dados destas estações sísmicas são completados pelas que se recolhem no Réseau National de Surveillance Sismique – RéNass, baseado em Estrasburgo”.

Uma rede de fracturas efectiva, acabada a montagem da central e os primeiros kilo-watts de electricidade produzidos em Junho de 2008 e o projecto Soultz terá atingido o seu objectivo principal. Os desafios futu-ros continuarão a ser imensos. “Mesmo se já tivermos realizado um número impor-tante de testes de injecção e de produção, estes últimos não terão durado mais do que alguns meses”, explica Marion Schindler, geofísico do Bundesanstal für Geowissens-chaften und Rohstoffe – BGR (GE), encar-regado da recolha e centralização dos dados hidráulicos e térmicos do sítio. “Nos pró-ximos anos , prevemos recolher numerosos dados sísmicos, de temperatura, de pressão ou de qualidade das águas geotérmicas. Tudo com vista a determinar o comporta-mento das fracturas a longo prazo”, declara ela entusiasmada. “Informações essenciais para as centrais do mesmo género que se desenvolvem desde já através do mundo e para as que se erguerão no futuro.”

AV Traduziu

PRINCÍPIO DE ESTIMULAÇÃO HIDRÁULICA.

Esta operação realiza-se pela injecção de água sob pressão ou por destartarização.

A água faz com que as rochas deslizem ligeiramente ao longo das fracturas (fig.2).

Diminuindo a pressão, deixam de estar perfeitamente ajustadas e libertam o espaço necessário para que a água circule. (Fig. 3).

A conclusão do projecto Soultz vai permitir fazer o ponto sobre a produção científica realizada durante os vinte anos de exercício. Uma quarentena de teses de doutoramento foram defendidas e cerca de 200 publicações com comité de leitura foram igualmente produzidas entre 2001 e 2008.

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Imagine que a pele do edifício onde mora ou trabalha era capaz de produzir electricidade a partir da radiação solar. Até à semana passada, a ideia de fabricar revestimentos cerâmicos fotovoltaicos para fachadas e coberturas pla-nas de edifícios não passava de um projecto português inovador. Agora, o Solar Tiles está mais perto de se materializar. É que um dos parceiros do consórcio uma equipa do Cen-tro de Investigação em Materiais (Cenimat), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de lisboa (FCT-UNl), liderada por Rodrigo Martins acaba de trans-formar um banal azulejo num minipainel fotovoltaico.«Usámos um azulejo vulgaríssimo [como os das nossas cozinhas] e a performance foi de cerca de 70% da que obtemos com substratos de vidro», conta Rodrigo Martins, 57 anos.

AzUlEJOS ElÉCTRICOS ACABA DE NASCER A PRIMEIRA CERÂMICA

FOTOVOlTAICA MADE IN PORTUGAl

Por Alexandra Rosa | Visão«Tudo leva a crer que conseguiremos reprodu-zir as células [de filme fino] convencionais », acrescenta o investigador do Cenimat e pro-fessor da FCT-UNl.Na verdade, o dispositivo criado pelos inves-tigadores do Monte de Caparica, Almada, pouco se assemelha aos painéis fotovoltaicos (chamados de primeira geração) que já nos habituámos a ver nos telhados. Estes são fabri-cados a partir de bolachas de silício suficiente-mente espessas para que as células solares não se quebrem, o que encarece muito os painéis por causa do custo da matéria-prima. Já na tecnologia utilizada pelos investigadores do Cenimat (conhecida por fotovoltaico de filme fino) a célula solar é formada por camadas muito finas de silício, depositadas em cima de um substrato que serve de suporte físico ao filme.

Esta abordagem tem a grande vantagem de embaratecer imenso o fabrico de células solares, pois evitam-se os custos elevados da manufactura das bolachas de silício e poupa-se na matéria-prima. Por isso, a segunda gera-ção de fotovoltaicos é uma tecnologia em franca expansão, especialmente para integra-ção de painéis solares em edifícios.

CONSÓRCIO

MULTIDISCIPLINAR

E qual a melhor forma de o fazer, senão depositar as películas de silício directamente nos materiais cerâmicos usados como reves-timentos de fachadas, em vez de o fazer no

Anatomia de uma Revolução

O projecto Solar tiles está a desenvolver módulos cerâmicos fotovoltaicos que se montam como um puzzle.

• As grelhas fotovoltaicas adaptam-se ao padrão do azulejo, permitindo visualizar o seu motivo

• A pilha fotovoltiaca é formada por tês camadas de silício com alguns micrómetros a milésima parte do milímetro).

A envolvê-las estão as camadas correspondentes aos contactos.

Agradecemos à Visão a gentileza de nos permitir a reprodução deste artigo a partir do seu número 833.

FONTE Centro de Investigação de Materiais - CENIMAt INFOGRAFIA AR/Mt/VISãO

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tradicional vidro? Desta forma, a própria estrutura dos edifícios contribuirá para a sua sustentabilidade energética. Mas para alcançar este objectivo era preciso saber, em primeiro lugar, se era possível crescer uma célula solar num suporte cerâmico.A primeira experiência correu muito bem.Teremos, então, azulejos fotovoltaicos bre-vemente no mercado? «O objectivo do Solar Tiles é apenas fazer prova de conceito », explica Rodrigo Martins. Por outras palavras, quando terminarem os dois anos estabelecidos para a execução do projecto em Dezembro de 2010, terá de estar disponível um protótipo com uma área plana de um por dois metros, certificado pelo Departamento de Energias Renováveis do Instituto Nacional de Enge-nharia, Tecnologia e Inovação (que integra o consórcio) e pronto para ser industrializado na fase seguinte.Para isso, as empresas de revestimentos cerâ-micos parceiras do projecto em particular, a Revigrés terão de criar processos industriais que permitam o fabrico em série das cerâ-micas fotovoltaicas. «Como a produção das cerâmicas fotovoltaicas é integrada, espera-se que não exista uma grande diferença de preços entre estes e os revestimentos convencionais»,

prevê o investigador do Cenimat. Mas antes de se passar do laboratório para o mercado, muitos desafios científicos terão ainda de ser ultrapassados.Desde logo, será preciso resolver o problema da porosidade da cerâmica. «É preciso unifor-mizar o melhor possível a superfície na qual se deposita a célula», diz Rodrigo Martins, «e evitar a migração de impurezas do substrato para o filme.» Ou seja, é necessário passivar a superfície dos azulejos, tarefa a cargo do Cen-tro de Física da Universidade do Minho.Igualmente da competência desse centro é o desenvolvimento do encapsulamento final do painel num material que o torne impermeável.Senão, corre-se o risco de a produção de elec-tricidade ir, literalmente, por água abaixo. E, já agora, como é que se ligam electricamente os blocos cerâmicos entre si? «É o Centro Tec-nológico da Cerâmica e do Vidro [sediado em Coimbra] que vai desenvolver a integração dos contactos», assegura Rodrigo Martins. «Mas imagino um processo em que as cerâmi-cas se possam encaixar umas nas outras, como um lego.» A ideia é simplificar ao máximo a colocação das fachadas fotovoltaicas.

BOLO DE BOLACHA FOTOVOLTAICO

E qual será o aspecto destes revestimentos? Em prol da sustentabilidade energética vamos ter edifícios cobertos de cerâmicas enegrecidas pelos filmes de silício? Nada disso.Em vez de células uniformes, ocupando toda a superfície das cerâmicas, alternar-se-ão zonas cobertas e descobertas para que se veja o padrão do azulejo. Uma proposta com um problema adicional diminui a eficiência da célula solar, que é por si mais baixa na tecno-logia de filme fino do que no fotovoltaico de primeira geração. Por isso, segundo Rodrigo Martins, «terá de haver um compromisso entre estética e eficiência».Existe ainda outra forma de minimizar este problema: «Em vez de construirmos células com uma única ‘bateria’, vamos depositar ‘baterias’ umas em cima das outras.» Uma espécie de bolo de bolacha fotovoltaico, por-tanto. Melhor do que esta solução, só mesmo substituir o silício por um semicondutor transparente. Uma ideia que, aliás, anda já a fermentar na cabeça desta equipa, ou não fosse Elvira Fortunato coordenadora do Ceni-mat especialista em electrónica transparente. «Se resultar, vai abrir outro campo [na inte-gração urbana de fotovoltaicos] », profetiza Rodrigo Martins. E porque não haveria de resultar? Geralmente, o que esta dupla ima-gina, concretiza.

Anatomia de uma revoluçãoPor Alexandra Rosa

© Foto: Marcos Borga / Visão

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As grandes disfunções, as que têm o dom de surpreender e incomodar os gestores por se fazerem notar enquanto existem, são em geral tratadas com maior ou menor dificul-dade e ultrapassadas. Constituem, por sua própria natureza, um acicate doloroso e permanente.

O mesmo se não verifica com as disfunções a que chamarei conviventes. Estas, mordem sem rosnar nem ladrar, com ar humilde, pouco importantes na aparência por não serem imediatamente incómodas nem se

adivinharem os prejuízos que causam por-que estes se não evidenciam imediatamente ou por a disfunção convivente se disfarçar de mil maneiras sempre novas. E contudo, como uma doença maligna que vai demo-lindo o corpo doente sem lhe provocar dores nem exibir sintomas preocupantes, a disfunção convivente mina as organizações, inutiliza medidas bem pensadas, entorpece o desempenho das empresas por escapar à intervenção do gestor e contar com a prodi-giosa e indesculpável capacidade que temos de nos adaptar à asneira e ao vício, cujo

ÀS VEzES, A PROXIMIDADE EXTREMA DISTORCE A VISãO

D’ A Sabedoria das Nações

combate implica romper com a rotina e o incómodo de enfrentar o desatino. Pode parecer despropositadamente agres-siva esta forma de chamar os gestores de PME, nossos insubstituíveis cúmplices na tentativa de fazer as coisas certas, a empenharem-se nesta acção de repensar os layouts das instalações produtivas e os percursos das matérias e dos produtos, desengordurando todos os sectores de inú-meras tarefas inúteis, de milhares de pas-sos dados para coisa nenhuma, libertando áreas e vê -las conjugadas com uma possível

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terceira dimensão, normalizando a conser-vação e arrumação das ferramentas e dos equipamentos móveis. Enfim, promovendo a mudança em vez de gastarmos tanto tempo e tanta energia a pregar que ela é necessária e urgente.

Há um infinito rol de situações concretas em que uma intervenção se justificaria. Não temos a pretensão de as elencar a todas e entendemos que talvez seja mais útil refe-rir algumas de diferente natureza e alcance, com que na prática nos confrontámos. São meros exemplos, observados em diferentes unidades:

Grandes disfunções que os gestores de topo, os directores, os responsáveis directa ou indi-rectamente envolvidos se tinham dado conta e em relação às quais haviam tomado medidas cujos resultados estavam sob avaliação

As vendas baixaram e a margem produzida tornou-se insuficiente para cobrir a totalidade dos custos fixos.A cobrança do valor das facturas atrasou-se, ameaça atrasar-se mais, o cash flow degrada-se, a empresa pode ter dificuldade em gerir a sua tesouraria.Um concorrente antecipou a instalação de um equipamento inovador que se considerava ainda na fase laboratorial de experimentação e veio ao mercado com preços mais baixos.O espaço disponível não é suficiente para se instalar um equipamento encomendado.Um concorrente recém-chegado ao mercado desnatou a força de vendas da empresa.O Director Fabril decidiu deixar a empresa para se estabelecer no mesmo ramo.

Disfunções conviventes cuja existência as altas direcções ignoraram por estarem integradas na cultura e nas práticas das empresas. Des-conhecimento da sua génese e a generalizada falta de coragem para questionar ou, ao menos, para balbuciar uma dúvida, emitir um tímido E se fizéssemos de outro modo? Pois, ninguém estranhou, ninguém exigiu compreender, nin-guém deu um passo.

Quando o volume de defeituosos é elevado, ainda que não seja superior ao que sempre foi. Quando o número e importância das reclama-ções no que diz respeito ao cumprimento dos prazos de entrega e à qualidade não diferem dos níveis a que sempre estiveram, apesar do esforço feito nos últimos anos para melhorarHá operadores e equipamentos com elevados índices de inactividade, idênticos aliás aos que sempre se verificaram.Quando algumas fases da produção revelam atrasos na resposta às exigências do processo produtivo. Nisto, cumprindo uma tradição que vem dos tempos da fundação quando se perdeu um embarque de casacos por falta de mangas. Noutro caso, uma empresa falhou uma entrega de operadoras eléctricas por se ter verificado um atraso na bobinagem. Já antes tinha havido falhas desta natureza que serviam agora para justificar a falta de planea-mento e de controlo.

Quando o absentismo dos operadores não baixa dos níveis em que sempre se situou (mais marcado à segunda feira) apesar dos esforços feitos.Quando o clima social da empresa não parece propício a uma contagiante mobilização para a conquista de um objectivo e tudo indica que sempre assim foi.

Quando a necessidade de armazenar mais matéria-prima levou à construção de um alpendre onde se depositaram 45 m3 de pale-tes havendo dentro da fábrica mais de 100 m3 ocupados com tambores que continham, desde há quarenta anos, um material que não pôde ser usado por a tecnologia ter mudado. Mas já não existia ninguém daquele tempo, nem ninguém se atreveu a ir ver do que se tratava.

Aqui fica como mero exemplo, insiste-se, um conjunto de situações responsáveis por dezenas de milhares de €uros de custos inú-teis, consequência óbvia de se aceitar um calamitoso princípio: SEMPRE ASSIM FOI!

È claro que a explicação destes desacertos pode radicar também numa incapacidade que todos temos de ver, de dar atenção, ao que nos está colado ao corpo e aos hábitos e que, por isso, não é questionável em termos de ser ou não racional. E há ainda outro aspecto que deveremos ter em conta: será que algum de nós consegue ver, sem ajuda, a primeira branca no seu próprio bigode? Importante será ter consciência disso, saber que há instrumentos que permitem ultrapassar a dificuldade ( … o espelho, já agora ) e, sobretudo, há especialistas nessa estranha actividade de caçar disfunções da variedade convivente. Umas, para domesti-car, outras para serem aniquiladas.

Almor [email protected]

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COMO UM IMIGRANTE DE lESTE ENFRENTOU

E VENCEU UM DESAFIO PARA CONQUISTAR UM EMPREGO

OU COMO A QUAlIFICAçãO ESCOlAR PODE SER UMA

ARMA DE lONGO AlCANCE

O cenário

Uma PME do sector da metalo-mecânica ligeira dedica-se essencialmente à produção de componentes para a indústria automóvel. Uma parte significativa da sua produção é constituída por peças obtidas pela estampa-gem a frio de chapa de aço inoxidável, fixadas depois a tubos do mesmo material por meio de soldaduras que exigem alguma tecnicidade por se realizarem em atmosfera protegida por Árgon.

(Nota: A acção podia desenvolver-se noutro sector qualquer)

O imigrante no seu labirintoEm consequência da falta de trabalhadores na região, o proprietário decidiu, há meses, admitir, a título experimental, um imigrante lituano o qual foi, como todos sempre haviam sido, sujeito a um período de aprendizagem de três semanas. Ocorre, entretanto, que o lituano (Patakas de apelido), no fim da pri-meira semana, estava aparentemente apto.

Efectivamente, tinha produzido 11 peças na primeira sexta-feira, quinto dia da sua forma-ção e tudo fazia crer que o seu grau de conhe-cimento da execução da tarefa era suficiente. De resto, os experientes soldadores da empresa produziam, em média, 16 peças por dia.O desempenho de Patakas mereceu alguns comentários do encarregado, mais povoados de ameaças veladas aos soldadores portugue-ses do que de aplauso ao lituano. Dos outros soldadores, apenas o mais jovem do grupo, ao sair para o almoço, pousou a mão no ombro do novo companheiro, sorriu e ergueu o pole-gar. O lituano sorriu também.

Na semana seguinte, Patakas soldou, sem defeitos, 90 peças. Dezoito de média, mas 21 na quinta-feira e 23 na sexta-feira.

Na segunda-feira, ao apresentar-se ao tra-balho, Patakas, com grande dificuldade de expressão a que o encarregado correspondia com idêntica dificuldade de entendimento, mostrou-lhe o esboço do desenho de uma alteração no dispositivo de sujeição das peças enquanto decorria a soldadura. Com alguns gestos mais alguns riscos com uma

ponta de arame na chapa de ferro da ban-cada, o encarregado aceitou a experiência e, nessa tarde, o protótipo do novo posiciona-dor foi ensaiado por Patakas. Uma pequena modificação foi introduzida à última hora.

O resultado de segunda-feira não conta. O tempo foi consumido com o ensaio e Patakas não produziu mais do que 9 peças. Na terça-feira inicia-se a prova real. Há quem acredite e quem desconfie dos resul-tados da mudança. No fim do dia, Patakas tinha produzido 23 peças mas a verdade é que encolheu dez minutos ao seu intervalo para almoço.

Na quarta, na quinta e na sexta-feira, Patakas concluiu 96 peças que, juntas às 23 soldadas na terça-feira, permitiram atingir o número surpreendente de 119 peças em quatro dias. Quase trinta peças diárias, número que só foi ultrapassado duas semanas depois quando Patakas, depois de aumentar a altura da ban-cada em 3 centímetros, fixou a sua produção em 36 peças por dia. Entretanto, a produção dos soldadores portugueses, que atingira as 20 peças diárias com os dispositivos antigos,

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subiu para níveis idênticos aos do imigrante lituano, quando, um mês e meio depois, com os novos dispositivos, cada um tinha ajus-tado a altura da sua bancada à sua estatura.

Há quinze dias, um jornal da região, fez uma reportagem sobre os imigrantes de leste e de África aplicados na indústria, na construção civil e nas obras públicas. O repórter1 teve conhecimento do caso Patakas e decidiu inquirir directamente o empresário de quem obteve uma resposta breve....Ah, sim, bem sei, é um tipo esperto! Vamos ficar com ele. De resto, está completamente legalizado … e isso facilita as coisas.

1. Foi o repórter quem descobriu que o cidadão lituano Jhonas Patakas, protagonista desta história, era licenciado em Engenharia por uma universidade do seu país.

Do encarregado, a resposta foi mais elucidativa:...

É fácil de perceber, ora essa. Não sabia falar português e, por isso, não perdia tempo a conversar.

Mas ouvi dizer que tinha proposto uma modi-ficação no trabalho…

Pois propôs e nós aceitámos logo. Era o aperto das peças ... Eu já tinha pensado nisso há muito tempo mas, sabe como é, há sempre outras coisas para fazer...

Também me falaram da altura da bancada de trabalho...Claro, aí, sabe como é, cada um tem de procu-rar o seu jeito…

Escreva um texto, envie-o para as

PIRÂMIDES & OBELISCOS:

[email protected]

Os três textos que considerarmos serem

mais eficazes como modos de valorização

do estudo MAtERIAIS DE CONStRUçãO –

Conhecer as necessidades de qualificação

dos Recursos Humanos para melhorar a

competitividade das empresas ou incenti-

vadores do gosto dos trabalhadores, qua-

dros e gestores e pela formação serão

publicados pela nossa revista e levarão

a que os seus autores recebam um pré-

mio que escolhemos especialmente para

cada um, conhecido que seja o perfil do

seu autor.

Agora o desafio é para o leitor.Reflicta sobre a diversidade de problemas

suscitados por esta história.

Estruture o seu comentário à volta destes

aspectos, sem exclusão de outros:

1. A competitividade das PME e a qualifica-

ção dos trabalhadores e dos quadros.

2. Como suprir as carências de escolari-

dade dos trabalhadores e pessoal de

enquadramento?

3. A escolaridade e a formação como

formas de libertar a Inovação.

4. As atitudes do empresário, do encar-

regado, dos trabalhadores referidos no

caso relatado.

5. Em meia dúzia de palavras: se fosse o

empresário, como tinha encarado esta

situação?

6. Como avalia o comportamento do jovem

trabalhador que felicitou o imigrante?

A. da Silveira

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1. Do espírito inovador e da dinâmica da sua direcção, expresso em medidas con-cretas que visem empenhar os docentes num trabalho que está muito para além do mero exercício de uma profissão e que deverá, ele próprio, a sua natureza e objec-tivos, ser gratificante para quem o realiza. Também à direcção da escola compete mantê-la em concordância com o futuro mesmo quando seja preciso lutar e abrir novas pistas e percursos para fazer face às

dificuldades emergentes, venham elas do contexto socioeconómico ou do desajuste possível entre o imediatismo perseguido pelos beneficiários e a teleologia mais ampla do projecto sonhado.

2. Do prestígio de que goza o seu corpo docente, efeito directo da qualificação científica e pedagógica dos professores e da sua adesão militante ao projecto de que participam.

3. Do modo como respeita o compromisso essencial face aos seus alunos e diploma-dos porque a escola, a minha escola como desejavelmente muitos dirão pela vida fora, constitui um referencial de relevante importância na história de cada um. Mas também porque lhe compete apoiar activa-mente a inserção na vida activa dos jovens que ajudou a formar. Sobretudo na fase de lançamento dos recém-diplomados e ainda também, para lá do último exame,

O SEGREDO PODE ESTAR NA ESCOlA

É de gente que aqui falamos, gente que cresce e precisa de ser apoiada para medrar consistentemente, responsavelmente. São os estudantes de Portugal. Muitos, filhos ou netos de pessoas ligadas à fileira dos materiais de construção.

A ACEITAÇÃO DE UMA

ESCOLA PELA COMUNIDADE

DE QUE FAz PARTE E A

IMPORTÂNCIA DO PAPEL

SOCIAL QUE Aí DESEMPENHA,

TUDO ISSO DEPENDE DE

VÁRIOS FACTORES

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escancarar as portas e abrir os braços aos que queiram ali actualizar ou aprofundar os seus conhecimentos ganhando novas com-petências. Ou, quando menos, queiram ouvir uma opinião ou consultar um livro. Porque se sabe que respirar o ar da escola retarda o envelhecimento.

Será então pertinente fazer uma sugestão e um apelo aos professores das faculdades e das es-colas dos institutos politécnicos no sentido de que se empenhem, para além do muito que já lhes compete e é de sua responsabilidade di-recta e mais imediata, em colaborar na criação de condições que facilitem as saídas e aplica-ções dos seus diplomados.

Os professores em geral e os do ensino supe-rior, universitário ou politécnico em especial, beneficiam de uma situação verdadeiramente privilegiada para, observando interessada-mente o comportamento dos seus alunos ao longo do ano, porventura ao longo de todo o curso, poderem referenciar aqueles que se

destaquem pelas suas qualidades de liderança, desejo de autonomia, pela persistência e ener-gia desenvolvida na execução das tarefas e se revelem como melhores comunicadores, mais dinâmicos e criativos.

É que, em princípio, estas são características diferenciadoras dos jovens com perfil para poderem vir a optar pelo empresariado como forma de realização pessoal, num país como o nosso, em que o deficit de novos empreen-dedores qualificados constitui um dos mais sérios entraves à potenciação do tecido em-presarial.

Se for possível sistematizar a recolha de da-dos desta natureza e se se disponibilizar, re-gular e pacientemente, para este segmento de estudantes, uma informação simples e es-clarecedora sobre a dignidade da actividade empresarial, a importância que nela assume a ética, os riscos e desafios que comporta, as recompensas que proporciona e a possibilida-de de participação activa no processo de de-

senvolvimento colectivo em que temos de nos empenhar, estaríamos provavelmente todos a criar os fundamentos de uma nova cultura de aplicação das competências, a estimular a auto confiança e o sentido da responsabilidade dos jovens diplomados, levando estes a intervir ac-tivamente na tarefa de rasgar novos horizontes e contornar a ameaça da frustração que ine-vitavelmente resultará de concluir um curso sem dispor de projecto para o aplicar.

Acrescentaríamos para terminar que a escola assim empenhada como factor de valorização e de mudança, para ser objecto do interesse vivo da comunidade, para ser socialmente reconhecida, terá vantagem em se abrir aos outros, em criar e manter um sistema de co-municação com o exterior que funcione nos dois sentidos. Ser convivente com o mundo para poder mudá-lo para melhor como queria Mário Sacramento.

Almor Viegas

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Nota de apresentação do livro

Calçada Portuguesa no Mundo – per orbem terrarum et marem vastum

ATENUAR OS ESTIGMAS DAINSOlVÊNCIA

No mundo dos negócios, na Europa, falência rima muitas vezes com falhanço. Esta concepção torna os europeus reticentes face ao risco. Grande número de ideias de empresa, as mais rentáveis e as melhores, tendo falhado no primeiro ensaio, parece razoável permitir aos empresários que não tiveram sucesso na primeira tentativa tomar de novo lugar na linha da partida. Um novo site da Comissão contribui para sensibilizar o público para esta questão.

www.ec.europa.eu/enterprise/entrepreneurship/sme2chanceIn Magazine Entreprises & Industrie

Julho 2008

Ernesto Matos, fotógrafo de calçadas e de am-bientes, nas suas andanças por esse Mundo foi capturando imagens soltas e construindo o inventário quase exaustivo desse gosto de ata-petar o chão com pequenas pedras de duplas cores, talhadas à mão, colocadas conforme um molde passado a escantilhão, realizando dese-nhos de elaborado efeito ou de linhas simples e geométricas, de autores anónimos ou de gran-des mestres.

É o resultado desse trabalho de anos que agora se edita em livro, no qual se divulga o patrimó-nio existente em todos os continentes e ilhas por onde andaram os portugueses nas suas andanças seculares, desde a Europa à África, da América à Oceânia, da Ásia às ilhas do Mundo…

O livro organiza-se em capítulos estanques onde são mostradas fotografias das mais engenhosas

calçadas portuguesas, realizadas nessa mesma técnica, nem sempre por mãos portuguesas pois esta arte, hoje, acaba por ser uma herança uni-versal, copiada em grande escala como forma de interpretar o espaço urbano e de o dotar de re-quinte e de significados humanistas.

O mais impressionante nesta obra monumen-tal, sem dúvida, continua a ser o registo dos vestígios deixados em todos os territórios que outrora estiveram sob administração portugue-sa, desde Macau a Goa, passando por Moçambi-que, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e o Brasil. Em todos estes países deparou o autor com um imaginário riquíssimo de motivos onde os valores étnicos e as culturas autóctones pare-cem ter sido assimiladas e reinterpretadas, quer pelos calceteiros de então quer pelos de hoje, que, em muitos casos, aprendem a recuperar os padrões desde há muito esboroados.

De Portugal Continental, da Madeira e dos Açores, o livro apenas mostra expoentes, como a reclinar-se perante o maior valor da herança portuguesa, espécie de saudade.

Acompanhado de textos do próprio autor, cada conjunto de fotografias leva-nos a pensar o quanto foi trabalhosa a Epopeia Portuguesa, essa Diáspora à escala mundial, feita de tanta simplicidade e de tanta riqueza, de tanta von-tade de marcar para sempre o espaço habitado, como se cada pavimento pudesse ser Padrão.

Através destas suas fotografias, Ernesto Matos conta-nos um pouco da História de Portugal enquanto nos faculta o relato das suas próprias andanças por esse Mundo fora…

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