Piscina (Sem Agua) - Mark Ravenhill

download Piscina (Sem Agua) - Mark Ravenhill

of 25

Transcript of Piscina (Sem Agua) - Mark Ravenhill

Piscina (sem gua)Mark Ravenhill Traduo Felcia Johansson Uma piscina, ela tinha uma piscina. De todos ns a mais pelo menos aos olhos do mundo- a mais bem sucedida de todos ns. Ento - uma piscina. Ela queria impressionar? Era pra se mostrar? No. No possvel. No. Porque ela .... Ela uma boa pessoa. Ela legal. Ela tem integridade. Tem razes. E agora ela tem uma piscina fantstico fantstico fantstico fantstico. Mas ela no se esqueceu da gente. Visitas clnicas de reabilitao .Visitas a hospitais. Visitas s campanhas anti-aids. Ela vai a tudo. E ela vem s nossas exposies.Pequenas exposies em galerias alternativas. Nossas fotos, nossos objetos, ela v, ela s vezes compra.E ela nos ajuda a levantar fundos para os nossos projetos. Ela no se cansa de levantar fundos para os nossos projetos. Ns a adoramos. Ns a adoramos. Ns realmente a adoramos. Anos atrs quando ela estava quando ela estava no Grupo. Corpo e alma. E ela sempre rasgava suas roupas, rasgava tudo, e ns rasgvamos tudo tambm- ns a seguamos- e ento todos ns fazamos performances, pelo puro prazer de fazer performances. Ou ento a gente tirava a roupa e nadava junto, pelo puro prazer de nadar sem roupa, junto. Mas hoje em dia ela est....ausente. Exatamente. Ela est....ausente. aquela qualidade do trabalho dela que vende. Aquelas obras que comearam quando perdemos o To naquela onda de AIDS. E ela usou o sangue do To e os curativos e o cateter e as camisinhas dele. Obras vendidas para os maiores colecionadores do mundo. Aha. Ausente. E ainda assim reconhecida pelo mundo.

1

Aha. E agora ela tem: a piscina.A piscinaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Primeiramente vista em anexos. Um carto de natal com um anexo. Abram o anexo para um arquivo PDF da minha nova piscina. Eu abro com cuidado. Eu tenho medo de vrus. A piscina dela. Vocs so bem vindos quando quiserem. Apaream, curtam a piscina. Qualquer um de vocs individualmente ou coletivamente apaream e curtam a piscina. E tem o PDF. Tem a piscina. Limpa e azul e iluminada por lindas luzes. E tem o rapaz da piscina que poderia ter sido um ator porn. Ou talvez seja um ator porn. Ou talvez v ser um. E tem o personal trainer dela, o preparador fsico. E ele um ator porn tambm. E talvez o rapaz da piscina trepe com o personal trainer. Ou o personal trainer trepe com ela. Ou ela trepe com o rapaz da piscina. No no no ela sempre foi uma pessoa moral. Ela sempre teve um cdigo severo de conduta moral. Mesmo naqueles tempos loucos. Ela nunca se picou por mais de um dia. E ela sempre trancou a porta do seu quarto noite. Ento, ns trocamos emails pra l e pra c: sim, vamos ver a piscina, vamos l curtir essa piscina, por que no? Por que no? Vamos curtir a piscina com ela. E ns mandamos um email pra ela.Ns estamos indo, ns estamos indo, ns todos estamos indo. Ns estamos todos indo de avio curtir essa piscina com voc. E ela escreve de volta: Fantstico. Fantstico. Fantstico. O tempo voa, claro. Ns estamos todos ocupados tem as exposies nas galerias alternativas, tem um projeto para ajudar bebs filhos de drogados, tem aquele projeto para levantar fundos, tem Tem a Clara no hospital. Clara naquela merda de hospital. Entrou nos ossos dela agora, foi comendo o corpo dela e agora aquela porra de cncer est comendo os ossos dela tambm e tem um gosto amargo - e ela fica l deitada e dizendo: Eu quero morrer eu quero morrer tudo que eu quero morrer por que que eles no deixam eu no tomar o remdio se tudo que eu quero morrer? E a gente diz pra ela

2

Pense na piscina. Pense na piscina. alguma coisa em que vale a pena pensar. Ns vamos tirar voc daqui e voar com voc para a piscina. Momentos fantsticos felizes e saudveis nos aguardam na piscina. E ela diz Sim. Mas isso s pra nos confortar. Ningum acredita nisso. E um dia ela fica verde e cinza e tem alguma coisa que pinga pinga pinga e coagula por todo lado e tem enfermeiras e freiras e ns organizamos um rodzio porque a vida continua com suas exposies e eventos de caridade e a gente se reveza at que uma noite ns todos corremos para l e alguns chegam a tempo e outros no e Clara se foi. E voc fica sem cho porque de repente toda arte no vale nada, nada, significa nada. Clara se foi e a Arte no fez nada e a Arte no pde fazer nada e a Morte grande e ns somos pequenos e realmente no somos nada, ns no somos nada. E ela est l no crematrio. E ela diz: Obrigada por cuidar da Clara. Obrigada por isso, Vocs foram todos maravilhosos por cuidar dela. Eu me sinto to culpada. Eu devia ter vindo mais cedo. E ns: no no no no. Mas eu senti voc sentiu, olha eu senti, isso errado eu sei que isso errado mas eu senti, talvez seja s algum mais sentiu e s um sentimento, mas um sentimento um sentimento e eu penso que deve ser considerado, no ? Se que vocs entendem o que eu digo? Ok, ok, eu vou dizer, eu vou contar para vocs o que eu o que eu senti, l no crematrio e de repente ela estava l com o produtor dela ou sei l quem, ela est l e eu quero gritar na cara dela: Filha da Puta. Meu Deus. Filha da Puta isso culpa sua. Voc fez isso. Est vendo esse caixo? Est vendo esse caixo, esse caixo horroroso de madeira barata com a nossa amiga Clara dentro dele? Voc fez isso. Foi voc. Foi voc que matou a Clara. Meu Deus. Porque nenhum de ns foi feito para ser rico, nenhum de ns foi feito para ser reconhecido, nenhum de ns foi feito para voar. Ns somos o Grupo. E h um equilbrio. E voc roubou esse equilbrio. Um de ns sobe, ento outro tem que descer. uma lei natural. Ser que voc no entende a mais bsica das leis? Bem, claro que voc entende voc a entende e a ignora de propsito- e matou a Clara. Escolheu matar a Clara. Piranha. Escrota. Puta. E se eu pudesse eu arrancaria todos os cabelos da cabea dela e todas as roupas do seu corpo e cuspiria na cara dela l mesmo, naquele mesmo momento. Isso era o que eu....Algum mais......?

3

No no no no ningum mais. Sei. Sei. Sei. Veja voc, que gente m. Todos ns somos pessoas ruins. No precisava ser assim, claro. No. No precisava. Se ao menos nossa Arte servisse para fazer o bem. Mas, ao invs, ns cultivamos..... Desde o princpio, desde sempre, ns cultivamos.... E agora ns pensamos.... No estranho?? Durante tanto tempo ela esteve entre a gente como uma amiga, durante todo aquele tempo e mesmo assim ns cultivamos o mais profundo....dio. a nica palavra. dio assassino Isso terrvel. Isso realmente terrvel. mesmo e ns devemos superar isso. Ns devemos. No s nos nossos trabalhos para caridade, mas tambm em nossa atitude para com ela. Ns devemos am-la. Ns devemos olhar para a frente, esquecer o passado, superar a maldade e seguir adiante, dando todo nosso amor a ela. Vocs esto arrasados, ela diz. Vocs esto exaustos, ela diz. Fisicamente, espiritualmente, emocionalmente. Por favor, venham para a piscina. Por favor. Por favor. Venham. o mnimo que eu posso fazer por vocs. E todos ns dizemos: sim. Vamos esquecer o dio vamos esquecer a morte vamos deixar tudo isso para trs. A piscinaaaaaaa. E ns vamos. Leva tanto tempo para voar para esse estranho novo mundo e h palmeiras e uma brisa quente ao entardecer no aeroporto. E ela est l. Bem-vindos bem-vindos bem-vindos.

4

E no enorme hall de entrada da casa tem o rapaz da piscina e o personal trainer e o cozinheiro: Ol. Ei. Oi. Bem-vindos. Que bom. . Como vai? Entrem sintam-se em casa tem alguma coisa que eu possa? Fantstico. Ento vocs so? Ouvi falar tanto. Que bom. E, sim ns nos sentimos um pouco culpados em pensar em todo aquele sofrimento l na cidade as porradas, os rfos, a dor e de repente ns queremos voltar pra l e produzir alguma arte.Mas a gente d um tempo, d um tempo e deixa isso passar porque ser que a gente responsvel por todo beb que tem uma me viciada em drogas? Isso seria muita vaidade. E ns olhamos para ela e vemos.....Sim, ela s uma pessoa. Uma pessoa como ns. E por que ns sentimos todas aquelas coisa terrveis todos esses anos? Ah, muito bom deixar isso pra trs. E ns percebemos como os movimentos dela so graciosos e como sua risada soa bem e alis ns adoramos o modo como ela no est to presente to se mostrando como outras pessoas. E cada um de ns diz: bom estar aqui. timo estar com voc novamente. E, de fato, a gente sente isso. E faz muitos anos que a gente no se sentia assim, to leve. Vocs sabem que ela uma pessoa maravilhosa. Uma de ns que se deu bem no mundo e est se virando muito bem. tempo de comemorar isso. E naquela noite tem um jantar - fil de robalo, saladas e vinhos maravilhosos e ns ficamos nostlgicos e ns ficamos sentimentais e ns ficamos chorosos. Por causa de Meu Deus, vocs se lembram quando tudo significava tanto, quando tudo fazia tanto sentido sim quando tudo era pleno de sentido e a gente acreditava apaixonadamente em tudo, tanto. Vocs se lembram vocs se lembram vocs se lembram vocs se lembram vocs se lembram desses dias? Ah sim dias felizes felizes felizes felizes felizes felizes felizes. Eu me lembro....cores muito brilhantes. Naquele primeiro estdio que a gente alugou. Eu me lembro de tudo tendo tanta cor. Como possvel que tudo tenha tanta cor? Hora de ir pra cama. E cada um de ns est em sua cama. Mas de repente ela est l, de repente ela est batendo em todas as portas. Eu sei que a gente combinou de dormir mas quem sabe um mergulho vamos dar um mergulho na piscina antes de dormir. Meu Deus ela no mudou nada apesar de tudo apesar de tudo ela ainda danada danada danada.

5

(msica ) Palavras mgicas de um tempo atrs: nadaaaaar peladoooooooooo! E ns estamos de volta noite e ns estamos rindo e ns estamos bbados e no h luzes l fora no h luzes na piscina tudo foi apagado. E ns dizemos: nada de roupa. Por que no isso o mais gostoso o mais maravilhoso...? Nada de roupa. E ns tiramos nossa roupa. E cada um de ns sabe que nosso corpo no mais o que era h uns dez anos atrs tem gordura flacidez rugas e at at at uns tons de cinza aparecendo. Sim, a triste rota para o tmulo j comeou. Mas isso no importa no escuro. No escuro ns somos como h dez anos atrs quando a gente se despia e fazia performances e se desnudava e se divertia. E tudo to lindo. Uma brisa suave roando nossas entranhas no escuro. E a gente chora a gente ri e se comove com a beleza de tudo. Eu sempre vou me lembrar desse momento, sempre. s vezes, quando os analgsicos no esto funcionando eu tento visualizar esse momento e ento as coisas no parecem to ruins assim. Para a piscina (ela grita) para a piscina!(E ento ela est correndo e brincando na escurido e ela se projeta no ar se projeta e voc pode v-la alto no cu, l no alto em contraste com o cu, o arco do corpo dela atravs do cu escuro, bem bem alto. Ela parece estar to alto. Ela est voando. Ela um anjo. Uma deusa anjo gargalhando bbada. E ento ela se curva para baixo a gente bate palma e a gente grita.)

(Blecaute) E ento A gente pensou que tinha ouvido um splash. Quando voc pensa que vai ouvir um splash, voc ouve um splash. assim que funciona. Mas ns no ouvimos o splash.. No. Ns ouvimos Um estrondo. O estrondo do corpo dela. O estrondo do corpo dela caindo contra o concreto.

6

E ento um silncio. E gemidos e grunhidos e gritos de dor. (silncio) Ns corremos na escurido nossas figuras nuas correndo na escurido at a beira da piscina. E ento ns vemos, vemos depois de ajustar nossa viso. Piscina. Sem gua. Somente uns restos de gua em uma piscina vazia. E l no meio do concreto seu corpo retorcido e quebrado e ela gemendo como um animal, no mais uma deusa ou fada. A gente no se fala. A gente no se v. A gente est junto demais para se falar ou pra se ver. E a gente desce l na piscina a gente e fica ao redor dela. Ela ainda estava consciente. Ainda estava gritando chorando e gemendo. E a gente queria sentir o que ela estava sentindo ela uma de ns, ns somos artistas no, ns somos pessoas a gente queria sentir o que ela estava sentindo - compartilhar a dor. Mas isso no aconteceu. No. Ns ficamos parados. Parados ouvindo ela gritar e gemer. Todos ns. Parados. A gente no podia fazer nada. Mas a gente podia ter pelo menos sentido alguma coisa. A vida sem sentimento to.... Ela no gemeu durante um tempo. Ela....se foi. Ela morreu? Por um momento passou pela minha cabea no ela no morreu e acho que de alguma maneira a gente sabia que ela no tinha morrido. Ela ficou inconsciente. E agora a grande ausncia est aos nossos ps e ns estamos pensando: Isso est certo. H uma certa justia nisso. Sinto muito se voc teve que sofrer, sinto muito pela sua dor mas h justia nisso. Faz sentido para ns. Pela Clara, pelo To, por ns, isso tinha que acabar assim.

7

Porque voc voou sim voc abriu suas asas e voou sobre ns. Tudo bem. Voc tentou e parabns. Por tentar. Mas voc achou que isso ia durar? Voar sobre ns e olhar para a gente l de cima? Voc realmente achou que isso ia durar? Claro que no ia durar. E agora voc se arrebentou aqui em baixo. E di, no di? Eu sei. Isso di. Isso bom. Isso muito bom. Olhe para voc. Ha. Ha. Olhe s para voc. Eu sou demais. H uma fora em mim. Uma fora que eu no conhecia. Sua puta sua puta sua puta sua puta sua puta sua puta sua puta.(E ns.)

Talvez voc morra. Talvez a morte te leve. E se ela te levar ela no vai me levar. E aqui estou, salvo por mais um dia.(E ns.)

Voc sempre tomou conta de ns. Sempre apadrinhou nossas exposies. E agora, ns podemos tomar conta de voc. Que melhor maneira de tomar conta de voc do que cuidar do seu corpo desfigurado? E o rosto dela. Voc poderia imaginar congelado em um expresso de dor e emoo intensa. Mas no seu rosto no topo daquele corpo retorcido e machucado estava mais ausente do que nunca. E juro que se eu pudesse, eu perfuraria seu crnio s para saber que pensamentos e sentimentos passavam pela sua cabea. Juro por Deus. E ento h um fio de mijo escorrendo pelo corpo dela agora verde por causa do vinho. E engraado pensar nisso agora mas o mijo que nos fez acordar. E a gente corre e grita por socorro e abre portas e eu vou na ambulncia e eu sigo a ambulncia em um.... Por favor, por favor, tomem conta da minha amiga, um acidente horrvel. Por favor. Notcias, notcias notcias, alguma notcia? E naquele quarto ela est entubada e cheia de drenos e a gente vai e volta e traz um caf e fuma um cigarro. E ns jamais ousaramos dizer uns aos outros o quanto aquilo tudo era essa a palavra - excitante. Vocs sentiram isso- ? Eu gostaria que houvesse algo mais, mas.... A excitao que todos ns negamos. Porque excitao no, no um sentimento apropriado. Mas ns temos as aparncias que se deve ter, com aquela pequena inclinao da cabea, aquele pequeno suspiro, aquela lgrima escorrendo pelo rosto exatamente como deve ser. 8

E l no quarto um de ns ou todos ns- sei l, algum diz a ela: Voc no pde ouvir mas eu desejei as coisas mais horrveis para voc. Mas isso no vai continuar assim. No pode continuar assim. Voc est por baixo agora e eu vou cuidar de voc. Por favor deixe-me cuidar de voc. Por favor, deixe-me cuidar de voc. No se ausente. Fique por aqui. Por favor. E de volta a casa dela ns nos deitamos e os vemos desfilar pelo nosso quarto: Clara sem o seu seio, To com um pulmo do tamanho de uma caixa de fsforos e agora isso e ns queremos nos juntar a eles e desfilar pelo cu ou pelo inferno ou pelo purgatrio mas ns no fazemos isso porque temos um diazepam, e um fumo, e um vinho e um diazepan e tudo bem. No dia seguinte o personal trainer est aos prantos. O cozinheiro tem uma ataque histrico. O rapaz da piscina diz que vai tomar uma overdose. O empregado que esvaziou a piscina e no avisou ningum Ns os consolamos. Somos todos to bons. Ns descobrimos que maravilha o quanto ns somos bons. E quando humanamente possvel ns vamos ao hospital. A gente no se lembra agora. No importa. Claro que importa para curadores, historiadores, crticos de arte. Mas para ns no faz a mnima diferena. Mas um de ns teve a idia de levar a cmera. A gente nem sabe quem foi que teve a ideia de levar a cmera em nossa visita. Talvez todos ns. Talvez cada um de ns. Talvez cada um de ns tenha chegado espontaneamente mesma concluso. Sim talvez cada um de ns soubesse que uma imagem, um registro talvez a gente soubesse que isso era o que devia ser feito. E ento l estvamos ns hospital e cmera na mo. E aqui estamos. Aqui estamos ns. Aqui no quarto com a cmera na mo e a luz do sol entrando pelas persianas. Oi. Oi. Somos ns. Por favor acorde e no deixe a gente ir adiante. No deixe a gente fazer isso. Voc no tem que dizer nada. Basta abrir os olhos. S isso. Voc sabe o quanto ns voc era uma parte de ns e agora.... E a gente segura a cmera discretamente. Meu deus. Olhar. E ver. E sentir. E cuidar. algo humano e natural. Mas ns...

9

Vejam s vejam o que foi feito dela. Agora que limparam aquele sangue todo. O corpo machucado e inchado em uma forma sobre-humana. Membros engessados. Pescoo engessado. A mscara dela. Os drenos e tubos. E as mquinas de respirar que fazem bip. Uma comovente....uma imagem atemporal do.... Nossa amiga sim mas tambm.... A beleza da mquina... O roxo do machucado... Tudo isso to tentador. H beleza aqui. Ns sabemos, ns passamos nossa vida procurando por isso e isso est aqui. E finalmente ns estamos comovidos com a intensidade e a beleza dessa imagem. E a luz estava tima e o potencial para criar estava l e para falar a verdade foi fcil fcil fcil produzir aquelas imagens que mais tarde pareceriam to impressionantes. E a tentao de compor... A tentao era grande e ns fomos fracos. Ento ns a colocamos na luz e at movemos um pouco os membros e a cabea tomando cuidado com os drenos e tubos, claro....a feliz unio entre cincia e arte. Se vocs estivessem naquele quarto com a gente ento talvez, talvez vocs fizessem o mesmo. Porque hoje somos todos artistas. Joguem fora essa porra de cmera pela janela do oitavo andar Pisem nas lentes quebrem o visor e arranquem toda a memria e alma Isso no foi uma boa coisa de se fazer. Isso foi uma coisa terrvel de se fazer. Por que no selecionar e deletar tudo que ns....por que no? E ns fizemos isso. No sejamos sinceros ns quase fizemos isso. Mas ns nunca chegamos a fazer. E naquela noite a gente checa o trabalho no laptop e ah ns no estamos descontentes com ns mesmos como a gente achava que ia ficar. No. A gente j est sonhando com entrevistas exposies, catlogos, vendas. E nos prximos dois meses a mesma rotina. Pela manh no hospital a gente espera o momento certo para coletar nossas imagens. E ah como a gente acabou conhecendo bem aquele hospital! Por um tempo eu at andei de caso com um enfermeiro - Miguel - ns fizemos um monte de exames de sangue mas eu

10

no estava pronto para me relacionar ento tudo acabou. E alis eu acho que o Miguel foi quem primeiro suspeitou levantou algumas questes sobre aquelas sesses de fotos dirias. No que houvesse alguma coisa errada... Mesmo assim ningum ficou sabendo de ns dois. Talvez s para ficar mais excitante. tarde a gente edita o que fez. Seleciona. Organiza. Cataloga. Experimenta imprimir com diferentes cores, tons, definies. Sua casa nossa casa, nosso estdio. E pela manh o sol nasce sobre ns e noite ns somos alimentados e atendidos pelo staff dela, enquanto dispersores de gua regam o jardim. E o meu corpo durante esse perodo meu corpo comeou a ficar mais forte e definido porque o preparador fsico vem s seis e ns corremos pelo parque e tarde eu nado 500 metros na piscina. Eu devia ter tido um nutricionista antes. Eu me sinto super bem. E quando for o momento oportuno o curador certo, o melhor produtor, a melhor assessoria de imprensa essa ser uma srie espetacular de imagens. Ns ficamos fascinados pelo fascinados pelo modo como os machucados e os hematomas e os cortes progrediam dia a dia. Vejam s. Vejam s. Olhem e vejam. No super interessante? No verdadeiramente fascinante? O modo como os machucados e hematomas crescem e amadurecem sobre o corpo dela. Um dia um olho se revela enquanto o outro fica encoberto sob um inchao. E ns estamos juntos. Ns somos um. H um trabalho a ser feito e uma tarefa a ser cumprida e ns estamos juntos. Ns somos o grupo! Ns somos o grupo! Ns somos o grupo! (msica Murcof cena dos painis))(Ns estamos vivos olhem para isso, aquele velho defunto est de volta, respirando ar puro e andando sobre a terra. Uhuuu!! No cantem muito alto mas Uhuuu!!

11

Junte-se a ns Uhuuuu!!) (Mas a felicidade ...a felicidade dura pouco. Oito semanas e ento... Ns chegamos no hospital, como sempre. E o Miguel a gente j no estava mais saindo junto Miguel aparece sorrindo pra ns. E a gente sabe, a gente sabe. Ns podemos adivinhar as palavras por ele).

(Interrupo som/luz) A amiga de vocs est consciente. Oh. Dois meses depois a Bela Adormecida ... Oh. E eu me senti leve porque...porque aquilo foi....o que foi aquilo - ? Tirar aquelas fotos? Fotografar aquilo...? No no no no. A gente no podia ter feito aquilo. Aquilo foi foi...ah que alvio alvio alvio. Aquilo....est....salvo. Aquilo maravilhoso. Mas eu estou to feliz que a arte se foi e que agora ns podemos ser gente. Deixem que ela se torne presente. Por favor. Deixem que ela.. Eu cheirei uma antes de ir para o quarto dela. Eu nunca disse isso a ningum antes. Eu sabia que eu s tinha o suficiente para uma, ento no fraldrio eu... Eu no me entendo. ( Blecaute ) ( vozes em off ) Oi. Oi. Veja somos ns. Ns todos estamos aqui. Ela no est acordada no acordada como eu e voc. Ela est meio l meio c mas algumas vezes seus olhos abrem a ela nos olha e nos v. Ela est no quarto conosco. Algumas vezes ela at sorri pra gente. Juro por Deus.

12

E ns estamos felizes. Por ela. Mas tambm por ns. Silenciosamente felizes mas ainda assim... E a gente fala aquela fala de hospital aquela fala para bebs e pessoas semi conscientes. A gente balbucia uma fala doce porque ela merece a mais doce das falas. Ns vamos tirar voc daqui. Um dia desses por agora. Isso o que ns vamos fazer. E ns vamos tirar a roupa juntos novamente e vai ser como era.... E ns vamos todos danar e beber e cantar juntos novamente... Dias felizes nos esperam. Voc vai ser uma de ns como h dez anos atrs, todos ns despidos de tudo, um bando de xotas e paus e tetas e bundas se banhando lindamente oh pense nisso amiga pense nisso. Ns temos tanta somos de termos vivido isso e ns vamos viver isso de novo. Ns vamos. Ns vamos. Ns vamos. Ns vamos. Eu a beijo. Ela no faz nada. Mas tudo bem...Tudo est... E a gente diz uns para os outros. Acabou. Dias felizes esto chegando. E a gente d as mos e a gente sorri e a gente se abraa e a gente canta. O Grupo est ao redor dela a ela abre os olhos e olha pra gente e .... ( msica Murcof) Por um momento eu acho que...no. Sim eu pensei que...No sei se algum mais pensou.... Talvez todos ns pensamos... Ela sabe. Ela sabe o que ns estvamos fazendo. Ela v a cmera em nosso bolso e ela compreende. Como ela mais sbia que ns. Mas no pode ser. No, no pode ser. Ento ns levamos um pouco de gua aos seus lbios ... ...e acariciamos seus dedos e sussurramos no seu ouvido: Ns amamos voc.(E ela diz:

13

Obrigada por serem meus amigos durante todos esses anos. E no ela no sabia que pensamentos de dio tinha cruzado nossa mente e ns fomos bem abenoados e hum absolvidos por essas palavras.)

E por horas ns ficamos l com ela enquanto ela dorme e acorda e eu acho que esse foi um dos momentos mais calmos de toda minha vida. (msica- Murcof continua aumentando em intensidade. Cena do abuso. Fade out som e luz. ) Mas por que - quando voltamos casa dela a gente comea a - ? Eu nunca mais fui academia. Minha barriga... Eu s como fast food em drive tru e meu estmago di de tanto sorvete. Uma noite com muito vinho e cocacocacocacoca houve uma briga. Motivo-nenhum. Mas gritos e portas batendo e choro e silncio. E alis sabia que em momentos assim que eu percebo que meus problemas de dependncia realmente aparecem? Porque eu quero muito caro Terapeuta eu quero muito fazer parte do Grupo isso que eu quero mas se eles no querem talvez eu seja excludo mmmmm merda no tem nenhuma porra de agulha nessa porra de quarto de hospital que tipo de hospital esse que no tem agulhas nos quartos? E o Eu te dou uma grana legal pra dormir comigo. Esquece essa piscina. Esquece essa piscina pelo amor de deus e vem trepar comigo. Qual o problema com o meu dinheiro? E o To e a Clara ficam andando pra l e pra c no meu quarto. Relacionem isso ao uso de drogas se quiserem. Eu chamo de luto quando os ossos de amigos mortos ficam batendo na sua cabea e apagando o som da vida enquanto a gente...Come. Dorme. Caga. Se Masturba. Comea de novo. Come. Dorme. Caga. Se Masturba. Comea de novo. Ento em um determinado dia um de ns resolveu mostrar as imagens a ela. Nem me lembro ao certo quem mas.... Eu no acho que tenha sido eu mas... Talvez tenha sido eu que... Enfim, um de ns a gente estava o que? todos no quarto e havia alguma coisa no sorriso dela, o modo como ela olhava para ns enquanto ns cuidvamos dela. Eu senti que ela estava me acusando e eu...

14

to difcil saber o que ela est pensando. Sempre foi assim. Mas normalmente ela est...julgando. E eu s queria.... Algum pensou: eu tenho que dizer a ela. Para me sentir melhor. Talvez para mago-la. E ela est olhando seu corpo ainda roxo e machucado e ela diz: Nenhum espelho por aqui. Eu devo estar medonha. Acho que vocs no querem que eu veja o que.... E de repente uma voz: Ah voc pode se ver sim mesmo? Mas talvez voc no devesse. Talvez seja melhor no ver. No. Eu quero ver. Vejam que ela no nos impediu, apesar de todas as chances. Voc tem um espelho? No mas... O laptop. A primeira semana no hospital. Ela nem parece um ser humano. Semana dois, trs, primeiro ms. Ela comea a cicatrizar. E ela fica olhando. Mas a gente no podia ver...nada ainda nos olhos dela. Ento ela pergunta: Quem tirou essas fotografias? E ns: Ns. E eu achei que ela entenderia o mal dentro da gente. Mas eu acho que realmente ela no entendeu porque ela disse:

15

Obrigada. De um modo sincero. Ela no queria que a gente guardasse o laptop. Mas ns o guardamos. Porque a bateria estava acabando. E ento ela diz: Vocs podem me levar ao toalete? Eles j tinham removido o catter ento ns a carregamos ao toalete e isso nos fez sentir muito bem porque ela realmente precisava de ns. E voc sabe, houve visitas e ela no falava das imagens. Eu no sei trs? quatro? vrias visitas e as imagens nem eram mencionadas. Na minha cabea vrias semanas se passaram sem que ela falasse nisso. Alis, eu acho que no foi errado, foi qual a palavra? foi uma gentileza registrar isso pra ela. Bem, isso se agente tivesse feito isso para ela. Sim. E se a gente no tivesse arrumado o corpo. Planejado a exibio. Se a gente pudesse esquecer. E um dia ela diz: ' Tragam a cmera.' Oh...no. Sim. Tragam a cmera. Eu quero continuar o que vocs comearam. Eu ainda estou cicatrizando. E estou ficando cada vez mais forte. E eu gostaria de continuar a registrar isso. O que a gente podia fazer a no ser trazer a cmera?Ela riu aquele dia. Ela estava to feliz. Ela colocou a cabea dela na luz para mostrar o machucado. Ela puxou o curativo para mostrar as feridas, os pontos, os ossos quase saindo pela pele azul. H muitos anos ns no a vamos assim, to motivada. Voc fique em p ali. Aqui pegue o dreno e segure no mesmo enquadramento que os cortes da mo. E a gente cumpre as suas exigncias. Tantas imagens e ento: Deixem-me ver, deixem-me ver eu mesma. uma ordem. Dada por uma criana, mas ainda assim...

16

E ento a gente vai passando as imagens e ela as estuda e rev e... E ela gosta delas. E todo dia ela nos motiva a fazer o mesmo. E o tempo todo ns estamos gravando as imagens dela. A antiga rotina era meio sacana. Ela estava dormindo. A gente tirava fotos dela sem ela perceber. Agora... nossa funo faz-la feliz E ela ama isso. E ela est cada vez mais forte. Enquanto ns....ns comeamos a ficar cada vez mais doentes, sabia? Eu tenho dores de cabea. Eu tenho enxaquecas. Essa manh eu escorreguei enquanto eu me barbeava e olha o corte olha o corte. No no tudo bem est ardendo horrores mas vocs no devem se preocupar comigo. Doutor, doutor, eu acho que aquele rapaz da piscina me passou um fungo! Ns queremos que ela durma! Ns no queremos que ela se canse... Ela deveria estar dormindo o tempo todo mas agora.....ns que estamos exaustos. As visitas ao hospital. Aquela luz fluorescente. Aquele caf horrvel. muito cansativo. E agora ela quer cpias impressas das imagens. E ns as providenciamos. E ela as coloca pelo quarto todo, arranja, rearranja, estuda. E sim- de vez em quando ela pede nossa opinio mas, realmente, o olho dela que d forma a tudo. Ela boa no que ela faz. Ela exps nas mais famosas galerias. Voc realmente aprende com ela ao v-la trabalhando com as imagens. E isso um privilgio. Mas ns ainda temos que lev-la ao toalete. Lembrem-se. No final das contas...ns ainda temos que lev-la ao toalete. E ns nunca imaginamos que ela pudesse ter outras visitas mas ento ns vimos.... Alto. Rico. Bronzeado. Quem era ele? Ele dono da galeria onde eu s vezes exponho. Ns estamos conversando sobre o trabalho que eu quero expor quando eu sair daqui. Que trabalho?

17

Oh....s ideias. Mas eu sabia. Estava tudo perdido ento. Era o corpo dela. Foi ela que mergulhou na piscina. Foi um ato dela. E ns achando que as imagens eram nossas enquanto o trabalho era ela. Ento ela tinha tudo e ns - ah - nada. Eu no aguento mais isso, sabia? D um tempo. Eu tambm preciso crescer. Ela reclamaria os direitos e ns voltaramos s exposies em galerias alternativas para levantar fundos para os menos privilegiados. Mas para ser sincero eu fiz a minha parte eu quero ser o privilegiado agora. E agora parece uma punio ter tirado todas aquelas fotos. Voc pode at ouvir o que vai ser dito dela. Voc sabe quem vai comprar. Eu quero fazer alguma outra coisa com a minha vida. Mas o que? Festa no quarto dela. Vamos nos sentir como se todos ns estivssemos nisso juntos, produzindo essas imagens. Vamos fazer de tudo para nos sentirmos assim. E o tempo passa. E ela est voltando pra casa. Ela fez uma lista, claro. Roupas e maquiagem que a gente tem que levar para prepar-la. E l vamos ns. Ela est sentada na cama, na expectativa, pronta para ir embora. Bem vestida e maquiada. E ao andar pelo ptio ela parece to forte e to bem. To forte, como se estivesse insultando suas cicatrizes, uma a uma. E somos ns, atrs dela, que parecemos os fracos. Os fracos pisando nos passos dela. Mas na rua onde os saudveis desfilam e flertam e negociam e ameaam bem, l quando ela passa pela porta giratria e atravessa a chuva de repente ela parece a mais fraca. De repente voc v que os membros dela no esto assim to encaixados e que sua figura se arrasta com dificuldade. Voc percebe que nenhuma maquiagem pode de fato esconder aquele rosto inchado. Somente um passo do hospital para a rua mas toda a diferena. E ela a estranha aqui. Esse o nosso mundo apesar de nossas vidas medocres esse o nosso mundo e ela ainda no acertou seus passos por aqui. E ns somos bons novamente. Ns somos bons. Ns a ajudamos no txi e explicamos por onde ir e a seguramos quando tem uma curva ou um buraco, para infligir nela um pouco de culpa. Ns estamos aqui por voc, ns estamos guiando voc, ns amamos voc. Ns estamos atravessando essa escurido com voc. Confie em ns. Por favor.

18

Ela est cansada em casa. Um pequeno sorriso. Aquele pequeno sorriso que ela sempre dava ano aps ano sem revelar absolutamente nada. Aquele sorriso que voc pode entender da maneira que voc quiser. E depois do sorriso ela cochila e ns dizemos: Venha para a cama para a cama para descansar isso que voc precisa tanta coisa voc precisa descansar. E ns cuidamos dela e ns nos importamos com ela. Genuinamente muito importante que vocs acreditem nessa parte ns genuinamente nos importamos com ela. H sono interrompido. Ela est vendo aquilo de novo e de novo quando os olhos dela se fecham. Tirando a roupa. O salto no ar. O seu corpo l no alto com as estrelas. A descida. O instante do concreto. O instante em que se percebe toda a dor que est por vir e ento crack. E ela est acordada. Mas ns estamos l. H sempre um de ns l. E ela sorri e diz. Obrigada obrigada obrigada obrigada por estar aqui. E ns dizemos: Sua boba sua boba no ns queremos estar aqui. E verdade. Ns queremos. Ns realmente queremos estar aqui. E cada vez h mais visitas. O produtor dela. Um publicitrio. O dono da galeria. E ns damos as boas vindas e os encaminhamos ao quarto dela. E ns sorrimos para eles oferecemos drinks mas no podemos ouvir as conversas que acontecem sobre as nossas cabeas. Mas de fato ns sabemos. Ns sabemos que essa histria dela. As fotografias. sobre isso que eles esto conversando.

19

Vendendo. Comprando. Embalando. Promovendo. Eles esto preparando o lanamento. E ns somos empregados domsticos que um dia seremos mandados de volta pra casa. E olha, sinceramente, anos atrs quem poderia adivinhar....? Ela era a menos ... de todos ns. Ento um dia ela Vamos ver as imagens. Vamos espalhar todas elas pelo quarto. No no no voc no est pronta para isso ainda voc ainda est se refazendo no no agora no daqui a um tempo ns podemos mostrar tudo isso. Promessa? Claro que ns prometemos. Eu no diria que o vrus foi intencional. No foi assim to claro. Nenhum de ns de fato se sentou e disse Venha vrus entre na minha caixa de entrada e espalhe sua mancha corrosiva pelo modem pela memria pela placa me venha. Isso seria ridculo. Mas eu acho que no fundo dos nossos coraes miserveis a gente sabia que aquele anexo era um blefe, que abrir aquilo ia arruinar com todos os outros arquivos do laptop, um por um, destruindo as imagens zap zap zap. Ns protestamos Merda merda merda Mas a gente no tinha feito o back up ento.... No contamos para ela. Fomos levando. Descanse agora e quando voc ento as imagens sim sim sim.

20

Mas ns no tnhamos sumido com todas , s a maioria, porque ainda havia algumas na memria da cmera e algumas cpias impressas. O suficiente para compor algo mesmo se mesmo se - mesmo se -. Mas mesmo se algumas partes grandes partes captulos inteiros partes fundamentais mesmo se o vrus tivesse arrasado com a histria da cura dela agora essa cura podia ser mais catica uma narrativa nonsense. E o dia estava chegando. O dia estava chegando. O dia prometido. O dia em que ela poderia ver todas as imagens dela desde as fotos tiradas s escondidas enquanto ela estava inconsciente no hospital at os ltimos dias de sua convalescncia em casa Amanh. A gente diz amanh Amanh voc vai sair do seu quarto e tudo estar exposto na sala de estar Sua exposio A exposio de voc Obrigada Ela diz e novamente se vai, dormindo com o mais calmo dos sorrisos que voc j viu. E ns sentamos em silncio. Esperando por... Meu Deus. Esperando por... (msica....bem baixo e aos poucos aumentando em intensidade e volume at culminar na festa) E ento um de ns Talvez tenha sido eu Eu acho que no fui eu mas Enfim, um de ns

21

Um de ns trouxe a cmera e acessou a memria. Selecionou nossa primeira imagem e.. Eu culpo o personal trainer. S podia ter sido ele. Alm disso, existe algum preparador fsico que no seja tambm traficante? E naquela noite era ele que estava vendendo e sim ok a gente que estava comprando. Mas foi o rapaz da piscina que promoveu a farra no andar de baixo, enquanto ela dormia no andar de cima Eu estou viva eu estou viva. Estar sbria estar morta. Aumentem a msica aumentem a msica aumentem a msica eu quero que o meu estmago sangreeeeee quando a msica aumentar. Eu pensei que eu estava limpo. Mas eu no estou. Eu nunca estou. Nunca vou estar. Eu sou um usurio e sempre serei. At o dia em que eu morrer. Isso no timo? Porque eu sei quem eu sou. Isso sou eu. Eu sou um usurio junkiefudidodependendedocaralho isso sou eu e isso me faz sentir.....super bem. Tragam a cmera, tragam a cmera, as imagens da cmera Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Selecionar. Excluir Selecionar. Excluir. Uma pequena pausa para que a gente sorva tudo que fizemos. Uma pequena pausa para celebrar como ns somos fortes. Meu Deus o triunfo est pulsando em nosso peito. Mas vejam....ainda h as cpias impressas. Sim as cpias impressas. A ltima sobra. Vamos parar com isso agora. Acabou agora. Ns j sabemos que somos fortes. Ns sabemos. Eu estou ok agora. Olhem para mim. Eu estou ok. Porra eu preciso de gua. Essa a nica coisa que ns vamos fazer nesse planeta e ns sabemos disso. Nossas vidas no so nada. Nosso trabalho no nada. Sinceramente nosso trabalho no nada. E nosso trabalho no nada e nem gente ns somos. Ns arruinamos nossa vida. A gente tomou o rumo errado na arte e isso nos levou a lugar nenhum e agora tarde demais para descobrir nosso talento.

22

E vejam nossos corpos vejam nossos corpos caminhando dia a dia para o tmulo. Eu queria ter Aids ou cncer Clara sortuda To sortudo- Aids ou cncer para no ter que engolir com conta gotas essa indignidade da vida cotidiana. Ento no voltem atrs agora. Voltem aqui e tragam o mximo de tudo que vocs conseguirem trazer porque ns vamos comprar. Agora ns estamos ligados. Por favor vamos....por favor no deixem isso acabar. Tudo bem amigos tudo bem. isso. Msica por favor em todas as caixas. (Botem uma imagens porn na tela de plasma e)... uma roleta qumica...qualquer coisa que se injete se inale se.... Aqui vamos ns aqui vamos ns aqui vvvammos nnsssss!(E o isqueiro a primeira chama no canto da primeira imagem da cura dela. A gente grita e se delicia com as chamas crescendo. Um de cada vez agora. Deixe eu queimar eu sou o prximo eu sou o prximo A fogueira E a gente dana a gente dana em total liberdade enquanto as imagens ardem nas chamas No vai sobrar no vai sobrar no vai sobrar nada daqui a pouco )

(msica interrompida) O que est acontecendo aqui? O que vocs esto fazendo? E a gente quer dizer: Voc sabe voc sabe voc sabe o que ns estamos fazendo. Certamente voc sabe voc sabia que a gente ia ter que. Mas a gente no faz nada. A gente fica parado ao redor dela. Silncio. Ela toma o espao e ela v. E ela compreende ento ela sabe.

23

Tudo que ela pensava ser amizade era dio. Tudo que ela pensava ser cuidado era inveja. Preocupao era destruio. Ns torcemos o pescoo dela e quebramos suas pernas e pisoteamos seu esqueleto. E finalmente. Finalmente ela no estava mais ausente. E ela diz: ' Vocs so pessoas medocres. Desde sempre pessoas medocres. Tem gente nesse mundo que medocre e tem gente que no . E eu no sou medocre. Sim? Sim? Sim? ' Eu tenho talento. Eu tenho viso. Eu sou abenoada. Vocs no so. ' Vocs podem se esforar o quanto quiserem mas isso tudo o que sempre ser. No importa o que vocs faam nenhum de vocs jamais ir me alcanar. 'Vocs acham que eu no vi todo o dio e a inveja durante todos esses anos? claro que eu vi. ' E a Clara e o To morreram porque eles eram muito fracos para viver para viver e para fazer arte. ' Eu sou a nica forte o suficiente para realmente viver e nada do que vocs fazem pode me atingir. Porque eu sempre serei a mais forte. ' Ento me escrevam de tempos em tempos para que eu possa saber como anda a vida pequena de vocs.' E foi um alvio quando ela disse isso - um alvio porque ela no estava mais ausente como em todos aqueles anos. E realmente realmente ela falou a verdade. Na verdade acho que essa foi uma das noites mais felizes da minha vida No, na verdade, acho que foi umas das noites mais felizes da minha vida. Ter algum para dizer a verdade assim. Tente conseguir algum para lhe dizer umas boas verdades... hoje mesmo.. realmente fantstico E, agora. Anos se passaram. E d uma olhada nesses braos nenhuma marca nada. Limpo. E esses quatro aqui dentes novos. Lindos. E alis eu encontrei algum de quem eu realmente gosto e eu tenho duas crianas -uma de seis, outra de quatro - e elas gostam de mim o que me faz me sentir muito bem. Porque quando todos ns brincamos na piscininha de plstico l em casa as coisas parecem estar muito bem. E cada um tem seu prprio telefone celular - por segurana-. E eles adoram tirar fotos da mame deitada na piscina. Uma graa

24

E eu gosto de pensar que ns vamos nos encontrar de novo em algum evento de caridade para levantar fundos para alguma causa nobre. Algum lugar onde a gente possa se encontrar novamente. Porque eu sou um romntico incorrigvel. Cada vez mais romntico medida em que o tempo passa Ento. Acendam as velas. Enfeitem o bolo. Cantem a cano. A gang est toda aqui. Todos juntos aqui. O sonho possvel e oh a vida longa. (msica) FIM

25