Planejamento de Ensino Na Educação Física Uma Contribuição Ao Coletivo Docente
-
Upload
iury-braga -
Category
Documents
-
view
14 -
download
6
description
Transcript of Planejamento de Ensino Na Educação Física Uma Contribuição Ao Coletivo Docente
Planejamento de ensino na educaçãofísica - Uma contribuição ao coletivodocente
*Fabiano Bossle
A reflexão crítica sobre â prática se torna uma exigência da relação Teoria/
Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo.(Freire, 1997)
Resumo
O presente texto pretende refletir sobre otema planejamento de ensino na educação fí-sica, inicialmente situando-o no contexto daeducação - didática, na acepção de um uso maisabrangente, para então deslocar o olhar espe-cificamente sobre o âmbito da educação físicae da particularidade desta como área de co-nhecimento e disciplina na escola. Minhasconsiderações ao longo do trabalho apontamno sentido de valorizar o estudo e a pesquisa,de questões didáticas/pedagógicas, como o pla-nejamento de ensino enquanto elementoconstitutivo e a ação de planejar como indis-pensável ao trabalho docente coerente e com-prometido com a educação.
Descritores: Planejamento; Educação física;Ensino.
Abstract
The following text intents to reflecton the physical
education planning theme, inicially placing it in the
context of didatícs-education in a wider usage, then
focusing specifícally on the issue in its peculiarity as a
knowledge fíeld and discipline at school. My
consideration through this studygoes towards valuing
study and research on didatic/pedagogical matters, such as
the teaching planning as a constitutive element and
the planning action as essential to the coherent-teaching
staff work in volved with education.
Keywords: Physical education; Teacher effèctiveness.
Introdução
O planejamento, de um modo geral, diz respeito aintencionalidade da ação humana em contrapartidaao agir alatoriamente(Luckesi, 1992), ao "fazer dequalquer jeito", desconsiderando um fim, umobjetivo, e um agir de forma organizada (os meios)para construir/atingir o resultado desejado. Oplanejamento de ensino, portanto, é uma construçãoorientadora da ação docente, que como processo,organiza e dá direção a prática coerente com osobjetivos a que se propõe. Tem que responder àsseguintes questões: -Ao como? Com quê ? O quê ?Para quê ? Para quem ? na forma de plano. Para queseja possível a concretização desta atividade docen-te, há a necessidade de uma outra instância deplanejamento que são, o projeto político-pedagógicoe o projeto curricular, que serão norteadores da açãodocente coerente e responsável, e antecedem aoplanejamento de ensino propriamente dito.
Na área de conhecimento da educação física, pelomenos nos periódicos mais expressivos, são muitopoucos os artigos sobre o tema planejamento de ensi-no, como mostrarei a seguir em uma revisão biblio-gráfica que realizei, bem como, são poucos os autoresque escrevem livros sobre a didática da educação físi-ca, e conseqüentemente sobre o planejamento de ensi-no. É possível afirmar que o assunto desperta poucointeresse na academia, e que também seria oplanejamento uma questão "polêmica" (Molina Neto,
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
31
O planejamento pode
ser visto pela ótica, de,
inicialmente atender
as necessidades mais
básicas do homem
primitivo, ao se
organizar para
sobreviver, ou quanto
da necessidade de
organização das
primeiras civilizações,
de suas estruturas
funcionais, de suas
cidades, e da
organização da
sociedade.
O planejamentode ensino
Planejamento. S.m. 1. Ato ou efeito de planejar.2. Trabalho de preparação para qualquerempreendimento, segundo roteiro e métodosdeterminados; planificação: o planejamento deum livro, de uma comemoração.
Apresentei acima a conceituação do termo pelo Di-cionário Aurélio para inicialmente esclarecer sobreo que estou escrevendo, e para mostrar que o con-ceito supra citado se refere ao antecipar mentalmen-te uma ação, ou um conjunto de ações a ser realiza-da (Vasconcellos, 1995), ou seja, uma ação que visaum fim, referida a um dado contexto a ser transfor-mado, de forma que o sujeito esteja comprometidocom a concretização do que foi elaborado. Planejarfaz parte do ser humano, a partir da interação com anatureza e com os demais seres, de identificação dasnecessidades e concretização das mesmas, de formaracional. O planejamento pode ser visto pela óticade, inicialmente atender as necessidades mais bási-cas do homem primitivo, ao se organizar para sobre-viver, ou quanto da necessidade de organização dasprimeiras civilizações, de suas estruturas funcionais,
de suas cidades, e da organização da sociedade.
Para introduzir a questão do planejamento no âmbi-to da educação escolar, faz-se necessário, a aborda-gem das diferentes concepções do processo de plane-jamento, de acordo com cada contexto sócio-políti-co-econômico-cultural ao longo da história da edu-cação escolar. Nesse sentido, Ott (1984) faz referên-cia a três fases do planejamento. A primeira fase é ado princípio prático sem grande preocupação for-mal e, tendo como objetivo atender as atividades deaula exclusivamente. A Segunda é a fase instrumen-tal, que está relacionada à uma tendência tecnicistade educação, como solucionar os problemas de faltade produtividade da educação escolar, sem conside-rar contudo os fatores sócio-político-econômicos. Aterceira, e última é a fase do planejamentoparticipativo, que buscou na resistência ao modelode reprodução do sistema educacional, valorizar aconstrução coletiva, a participação e a formação daconsciência crítica a partir da reflexão sobre a práti-ca transformadora.
Segundo Veiga Neto (1993), ao se referir a acepçãomicro1 do planejamento da educação no Brasil, po-demos identificar duas vertentes, uma tecnicista eoutra participativa ou crítica. Sendo a primeira aque pressupõe uma dada importância ao métodopositivista, ou que deram (ou ainda dão?) ênfase aoproduto, em detrimento do processo, sendo o pri-meiro (produto) de má qualidade (Balzán, 1996). Osexemplos referentes a essas tendências no Brasil, sãoencontrados em literaturas como: "Planejamento deEnsino e Avaliação", de Turra, et ali., 1975-1998,"Didática. Uma Introdução", de Nérici, 1985,"Didática Geral", de Martins, 1986. Já a segunda,mais recente, apresenta um "compromisso com umprojeto político-pedagógico progressista para a escolae a sociedade brasileiras" (Veiga Neto, 1993), pres-supondo uma postura crítica e participativa, de com-petência e engajamento.
Em relação a postura crítica, que vai em sentido con-trário a burocratização e aos modelos sistêmicos, oplanejamento não pode ser encarado como ação pu-ramente formal, mas como uma ação viva e decisi-
M o v i m e n t o , P o r t o A i e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
1996) para os professoresde educação física, queainda não estabeleceramuma discussão sobre otema?
Essas e outras questõespautam este texto, nãono sentido de encontrarrespostas acabadas,mas sim na busca deuma reflexão sobre otema proposto, emuma perspectiva dia-lógica de entendimentodesse elemento cons-titutivo do trabalhodocente do professorde educação física.
32
va, pois é um ato político decisório, como bem colo-ca Luckesi (1990):
"O planejamento, entendido como ato político, serádinâmico econstante,poisestaráafeito aumacons-tantetomadadedecisão.Nãonecessariamentedeveráser registrado em documento escrito.Poderá tão so-menteserassumidocomoumadecisãoepermanecernamemóriavivacomo guiadeação. Aliás, sócomomemóriavivaelefazsentido.Papéiseformuláriossãosimplesmentemecanismosderegistroefixaçãográficado decidido."
Geralmente há dificuldades no âmbito escolar, coma distinção entre plano e planejamento, como formade esclarecimento dos termos aqui usados. Porplanejamento entendo o processo de reflexão, racio-nalização, organização e coordenação da ação do-cente, que visa articular a atividade escolar e a pro-blemática do contexto social. Já o plano é o produto,que pode ser explicitado na forma de registro, dedocumento ou não.
A didática, através de diferentes autores faz distin-ção entre os tipos e/ou níveis de planejamento. Sen-do que por planejamento do sistema de educação,ou educacional o que se refere as grandes políticaseducacionais, em nível nacional, estadual e munici-pal, o planejamento da escola, ou seja, o projetoeducativo (político-pedagógico) da instituição, oplanejamento curricular, que segundo GimenoSacristán (1998), é a função de ir formando progressi-
vamente o currículo em diferentes etapas, fases, ou atra-
vés das instâncias que o decidem e moldam, e finali-zando, o planejamento de ensino (objeto de estudodeste ensaio), de ensino-aprendizagem (Vasconcellos,1995), ou planejamento escolar (Libâneo, 1994), queé o mais próximo da prática do professor e da salade aula. O planejamento de ensino propriamente dito,se expressa na organização intencional do professorpara atender as necessidades do cotidiano escolar,pode ser subdividido em plano de disciplina, ou decurso, que é o plano que se faz para um ano ou se-
mestre; o plano de unidade, que é o planejamento deum item ou tópico de um programa (unidade de tra-balho); e o plano de aula, que nada mais é do que umdetalhamento do plano de ensino para a prática dasala de aula.
O planejamento de ensino é processual, são todas asdecisões e ações do professor na interação com ocontexto da comunidade escolar. Portanto desta for-ma, pode ser uma programação realizada pelo pro-fessor cotidianamente, constantemente avaliadocomo processo, e não somente em reuniões e perío-dos previamente estabelecidos para tal. É baseado narelação entre a teoria e a sua prática em um contextodeterminado, que se objetiva a concretização dosprincípios e objetivos já elaborados pela instituiçãoescolar, existentes em seu projeto político-pedagógi-co. Nesse sentido, Freire (1997:44) sobre a reflexãocrítica sobre a prática coloca que:
"(...)O próprio discurso teórico, necessário à reflexãocrítica, temdeserde talmodo concretoquequaseseconfunda com a prática."
As ações planejadas são fruto de reflexões críticassobre o próprio trabalho docente, quando inseridoem uma comunidade com características e neces-sidades próprias a serem atendidas de forma consci-ente e objetiva, assumindo em sua prática pedagógi-ca o ato da educação em seu sentido mais pleno,como aro ou efeito de educar (se), considerando oenvolvimento e a participação dos educandos e edu-cadores na construção do fazer educativo e de seusprocessos.
Planejamento de ensino- Uma revisão nos periódicosnacionais da educação física
Com o conhecimento de que o trabalho docente exi-ge do professor tempo e dedicação, em função detodas as atividades que o envolvem, sendo
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
33
planejamentos, aulas, reuniões, avaliações e demaisatividades da escola que sobrecarregam os professo-res em muitas situações, e mesmo no seu cotidiano,sempre há que se encontrar espaço para revisar,planejar, e organizar sua prática pedagógica. Adidática, seja na formação profissional, seja na qualnos confrontamos em nosso cotidiano, dedica-se aolongo dos anos, ao estudo e aprofundamento do ele-mento ou ferramenta planejamento de ensino, comoforma de orientação, cumprindo com o seu propósi-to de dar suporte e respostas baseados nos referenciaisteóricos sobre a prática.
Por outro lado, o planejamento de ensino no âmbitoda educação física é uma questão que não vem me-recendo a atenção dos estudiosos e pesquisadores daárea. Digo isso em função da revisão bibliográficaque realizei na biblioteca da Escola de Educação Fí-sica da Universidade Federal do Rio Grande do Sulsobre o tema planejamento de ensino. Procurei nosperiódicos de maior expressão no âmbito da produ-ção científica da pesquisa em educação física, doano de 1994 até 2000, sendo eles:
Revista Mineira de EducaçãoFísica 1994-1996
Revista Artus 1996-1999
Revista Perfil 1997-2000
RevistaPaulistade Educação Física 1994-1998
Revista Movimento 1994-2000
Revista Brasileira de Ciências do Esporte 1994-2000
Revista Motus Corporis 1998-2000
Revista Motriz 1995-2000
Revista de Educação Física da U.E.M. 1994-2000
Revista Kinesis 1994-2000
Revista Motnvivência 1994-1999
Revista Conexões 1998-1999
Revista da F.M.U. 1994-2000
RevistaParanaensedeEducaçãoFísica 1996-1997
PerspectivasemEducaçãoFísicaEscolar 1996-1997
Nesta revisão nos principais periódicos no âmbitoda educação física, foram encontrados 2 artigos ape-nas sobre planejamento, sendo "ConsideraçõesOrganizacionais para o Planejamento Efetivo de umaAula", de Ruy Jornada Krebs, referente à um progra-ma de educação física para crianças, sobre a aborda-gem construtivista, explicitando os passos recomen-dados na organização, considerando os elementosnecessários como agrade curricular, o plano anual,os planos periódicos, planos semanais e planos diári-os, de forma bastante didática e explicativa. O se-gundo artigo encontrado foi "PlanejamentoParticipativo e o Ensino de Educação Física no 2o
Grau", de Walter Roberto Correia, sendo este umrelato de experiência do autor na rede pública esta-dual de São Paulo sobre a organização coletiva dasaulas de educação física com um determinado grupode alunos, sem entrar no assunto específico doplanejamento participativo, apenas um relato.
Ainda sobre a revisão do tema planejamento de ensi-no nos periódicos de educação física, encontrei 4resumos de apresentações em grupos de trabalhostemáticos do X Combrace (1997), sendo quetodos tratavam a questão do planejamentopedagógico na perspectiva democrática doplanejamento participativo, considerando aparticipação como exercida na colaboração, nadecisão e na construção em conjunto (Gandim,1994).
Sobre o planejamento participativo, em uma con-cepção de aulas abertas, Cardozo (1998), considera apossibilidade da co-decisão nos níveis de planejamen to,
objetivos, conteúdos e formas de transmissão e comuni-
cação no ensino, criticando o excesso de tecnicismona área de educação física e propondo a alternativada flexibilidade nas decisões e ações do fazer peda-gógico, dedicando ao planejamento consideraçõesimportantes como a construção coletiva. Este artigo
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i I 2002
34
está inserido no livro "Didática da Educação Física-1", e como propõe o título, dedica-se à reflexão dofazer pedagógico na área da educação física, contri-buição essa de extrema importância para o trabalhodocente do professor de educação física.
O organizador do livro supra citado, Elenor Kunzcreio que seja um dos poucos autores da área quedemonstra interesse, atualmente, em publicar e dis-cutir questões didáticas da educação física, como oplanejamento de ensino, por exemplo. Este autorfaz considerações importantes sobre o movimentohumano e a escola, criticando a instrumentalizaçãoe reafirmando o compromisso do professor e dadisciplina enquanto prática pedagógica, percebe-seisso claramente em seus livros "Educação Física:ensino e mudanças" (1991), em que faz uma com-paração entre o planejamento de ensino e o planoanual de dois professores de educação física, umda escola pública e outro da escola privada, em umaconcepção micro, e em uma concepção macro deensino, quando discute as Diretrizes Curricularese o planejamento para a educação física de Io grau,mostrando a importância desta para o planejamentodo professor, das tomadas de decisões com basenessas referências. Já em "Transformação Didático-Pedagógica do Esporte" (1994), defende o esportecomo objeto/conteúdo de uma aprendizagem sig-nificativa pela educação física escolar, e importan-te, sem que desmereça outras objetivações culturais
que integram o amplo leque de opções utilizáveispela educação física.
Considero que a baixa produção de trabalhos, e adedicação sobre o planejamento de ensino no âmbi-to da educação física, como um fato que mereça aten-ção da comunidade científica, em vista da presenteprodução científica da área, e principalmente pelopouco interesse que o assunto aparentemente temdespertado nesta comunidade. Visto que, grande parteda produção científica da área se desenvolve em te-mas que abrangem o movimento humano por umviés de estudo biomecânico, cinesiológico, fisiológi-co, postural, em detrimento dos estudos que abor-dem questões da relação entre o professor de educa-
ção física e a escola. De forma alguma classifico comomais importante esta ou aquela abordagem, apenasfaço referência a quase ausência, e a necessidade deque se desenvolvam estudos que possam contemplara prática pedagógica e a didática de ensino do licen-ciado em educação física, bem como, do plane-jamento de ensino.
O planejamento dos professoresde educação física como umaatribuição "polêmica"
O planejamento de ensino, ou planejamento peda-gógico - o que está mais próximo da prática pedagó-gica e para ela desenvolvido - tem na figura do pro-fessor um agente privilegiado de transformação darealidade, relacionada ao interesse e a complexidade2
da ação a ser desenvolvida. Por ser o trabalho docen-te exigente - formador - exige planejamento à altu-ra, para evitar o que alguns autores chamam de"improvisação ou acaso" (Gandin, 1991 — Karling,1991 - Libâneo, 1994 - Gandin e Cruz, 1995 -Vasconcellos, 1995). Ao mesmo tempo, surge oquestionamento dos professores em geral sobre o porquê do planejamento de ensino e da sua expressãoescrita na forma de planos, o "planejar para quê?"(Fleuri, 1987), e "porquê?" (Corazza, 1997), sendoque muitos professores ainda associam o plane-jamento e a realização de planos como um trabalhoburocrático desnecessário. Nesse sentido, paraMolinaNeto (1996), a realização de planos para osprofessores de educação física:
"(...) é possivelmente uma das tarefas pelas quais os
professores de educação física divergem da cultura das
escolas. De um lado a cultura escolar opera e da forma
a sua estrutura com base na escritura, por outro lado o
coletivo, como já demonstrei, opera com a palavra
oral e a linguagem corporal. O coletivo considera a
tarefa de fazer planos escritos pouco necessária e uma
tarefa feminina."
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
35
De acordo com este estudo3 fazer programaçãoescrita é uma questão polêmica e ..., feminina,como aparece na citação acima. Não vou abordara questão da condição feminina a que o autor serefere dentro da escola, sendo que ele próprio clas-sifica como machista, porque não é o objetivo des-te ensaio discutir esse processo sexista dentro daescola, necessitando outros leituras e abordagens,ficando este limitado a questão polêmica doplanejamento de ensino/planos de aula.
É ressaltado no referido estudo que o trabalhodocente do professor deeducação física é baseadono fazer, desta forma jus-tificando a polêmica emtorno do ato deconstrução do plane-jamento e de escreverplanos de aula. Consideroimportante questionar,inicialmente, queorientações sobre oplanejamento de ensino oprofessor de educaçãofísica tem no seu cursode graduação, enquanto
ainda estudante, seja nas disciplinas demetodologia do ensino da educação física, seja naimportante didática da educação física, com suasorientações referidas à uma teoria didática espe-cífica à prática pedagógica da área. Ao passo queao longo, ou pelo menos no final do curso de gra-duação, terá que organizar suas aulas nas discipli-nas de prática de ensino, podendo se defrontarcom dificuldades comuns às aulas improvisadas,o que certamente, não é uma experiência positi-va. Dessa forma, independentemente de ser pro-fessor de educação física formado há pouco oumais tempo, consideraria a seguinte questão:
Que concepção de planejamento de
ensino tem os professores de
educação física?
O planejamento de ensino dos professores de educa-ção física considera um objeto de estudo baseado nacultura corporal, não raras vezes limitado às aulaspráticas. Considero que é neste ponto que estecoletivo se difere dos demais da escola na questão doplanejamento de ensino, há uma "liberdade"/flexibi-lidade maior para programar e organizar sua práticapedagógica, baseando-me principalmente no planode aula (produto), em que o professor pode estabele-cer o que vai realizar naquela aula. Fica aqui caracte-rizado ummovimentodo professor noato deplanejarque considero importante destacar, que é a centrali-zação da decisão do o quê fazer, podendo estar vin-culado aos interesses únicos do professor, descon-siderando desta forma, a participação preciosa dosalunos nas decisões.
Para que possa haver participação nas tomadas dedecisões, é necessário ter clara a visão de processo,da caminhada para atingir os objetivos, sendo queestes devem necessariamente ser coerentes com oprojeto político - pedagógico da escola. O coletivoprecisa da referência do projeto para construir a par-ticipação de todos, e acima de tudo, vivenciar a par-ticipação nas decisões que estabelecem os pressu-postos dessa educação que a escola ou instituiçãoquer. A partir dessa etapa, o coletivo constrói o seuplanejamento de ensino, quer seja o plano de curso,de unidade ou o plano de aula, este último individu-al, e coerente com o projeto político - pedagógico eo contexto escolar.
Considero que há por parte dos professores de edu-cação física, descrença no planejamento de ensino,manifestada por uma resistência ao colocar no papelo que se deseja. Há que se considerar a prática nega-tiva, ou equivocada de realizar planejamento, muitocomum há pouco tempo atrás nas escolas, onde osplanos eram uma tarefa mecânica, para cumprir umritual de formalidade, completamente sem sentido efreqüentemente de controle de atividades ditas comonecessárias à escola, cobrados por coordenadores,orientadores e supervisores. A resistência a este dis-curso burocrático, foi uma prática de negação aoplanejamento, não menos equivocada e baseada no
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
Para que possa haver
participação nas
tomados de decisões, é
necessário ter clara a
visão de processo, da
caminhada para
atingir os objetivos,
sendo que estes devem
necessariamen te ser
coerentes com o
projeto político —
pedagógico da escola.
36
discurso de que planos são entregues e engavetados,são copiados de livros, de colegas ou de um ano paraoutro, que a prática não leva em conta o que foicolocado no plano..., considerando desta forma oplanejamento como desnecessário.
Penso que aconteça também o que chamaria de"vício" do professor de educação física na ques-tão do planejamento de ensino, que é o fato deconsiderar que seu tempo de experiência comoprofessor substitui o planejamento, e que o mes-mo é para quem está começando a dar aulas. Pen-so que a experiência seja importante para qual-quer ação humana, na medida em que se já nosdefrontamos com aquela situação, já temos ele-mentos a considerar para reconstruir nossa açãoe consequentemente, atingir os objetivos a quenos propusemos. Acrescentamos elementos, nãoos consideramos como acabados na educação fí-sica, a prática do planejamento participativo é umexemplo pertinente, pois a construção se dá nosentido da flexibilidade de discutir as idéias detodos para a ação coletiva, a participação.
Considerações finais
Ao longo deste ensaio procurei refletir sobre ques-tões que considero importantes sobre o temaplanejamento de ensino, mais especificamente noâmbito da educação física. Esta reflexão, como colo-co na introdução, é baseada no olhar de um profes-sor de educação física preocupado com as questõesdidático - metodológicas que envolvem a ação do-cente deste coletivo, que entendo no momento comonegligenciadas em detrimento de outros estudos desteamplo campo de pesquisa. Possibilitando destaforma que, nos equivoquemos ainda hoje, com umapossível discussão sobre a necessidade do plane-jamento de ensino na educação física.
Não é possível imaginar uma ação pedagógica semplanejamento, improvisada. O ato de planejar é in-trínseco à educação (Padilha, 2001). O professor com
claras idéias de seus objetivos e da sua responsabili-dade para concretizá-los, deve planejar adequadamen-te suas tarefas (Alujas, 1980). Ter clareza em relaçãoao processo de construção do planejamento, dosmeios para atingir os fins, da coerência com o proje-to político - pedagógico, do contexto sócio -econômico - cultural - político e da participaçãocoletiva nas tomadas de decisões.
Considerar que o professor de educação física planejasua ação docente diferente, porque não escreve, masmentaliza simplesmente o que vai fazer, é no meuentender, uma das considerações sobre a possibili-dade e a necessidade de estudo referente a particula-ridade dessa programação, seja em nível de planosde aula, sem desconsiderar os demais níveis deplanejamento de ensino -plano de curso e de unida-des - que orientam a prática pedagógica desse coletivodocente.
Penso que não seja necessário que o professor deeducação física "preencha formulários" ao organizarsua prática pedagógica, pois estes servem apenas paraentregar para orientadores/coordenadores, para quepossam ter elementos de controle sobre o trabalho eo coletivo docente. Menos ainda, que não haja umregistro do que se planeja, que aconteça simplesmenteuma organização mental das atividades, pois destaforma, fica o dito pelo não escrito, a prática pelaprática apenas, quando a sua justificativa (orga-nização/previsão dos objetivos) se baseia em si pró-pria, dificultando ao longo do processo de execuçãoa sua avaliação e a do próprio processo.
Por fim, acrescento que a relevância do planejamentode ensino resida no fato de ser necessário à açãodocente do professor de educação física, e como talser merecedor de estudos e pesquisas que possibili-tem não somente a reflexão sobre o tema, mas consi-derar possibilidades de fazer planejamento diferen-temente do modelo burocrático e sem sentido. Estanova concepção deve necessariamente afirmar a suaimportância no cotidiano, do comprometimento doprofessor com a sua ação educativa crítica e reflexi-va, e a concretização dos objetivos existentes nas pro-
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
37
postas pedagógicas construídas pelas escolas (Lei deDiretrizes e Bases da Educação - LDB - Lei n° 9394/96, art. 12, parágrafo I).
Desta forma, espero que minhas considerações pos-sam contribuir com o debate sobre questões da prá-tica pedagógica dos professores de educação física,as observações que fiz foram no sentido de defen-der um posicionamento pessoal referente à um as-sunto que considero como pertinente e negligenci-ado na produção científica da educação física atéeste momento.
Referências bibliográficas
ALUJAS, A J.M. Accion Docente Del Professorde Educación Fisica. Em: apuntes deMedicina esportiva. Vol. XVII, n° 68, 1980.
BALZAN, Newton Cézar. O Conceito dePlanejamento e sua Aplicação aos SistemasEducacionais e às Atividades de Ensino. -Alcance e Limites ni Limiar do Século XXI. Em:Educação Brasileira. Brasília, D.F.: Vol. 18, n°37, p. 151 - 172, julho - dezembro -1996.
CARDOZO, CL. Considerações de Aulas Abertas.Em: Kunz, Elenor (org.). Didática daEducação Física. Ijuí, R.S., Ed. UNIJUÍ,p.121-154,1998.
CORREIA, W.R. Planejamento Participativo e oEnsino de Educação Física no 2o grau. Em:Revista Paulista de Educação Física. SãoPaulo: supl. 2,43-48.1996.
CORAZZA, Sandra Mára. Planejamento deEnsino como Estratégia de Política Cultural.Em: Moreira, A.F.B. (org.) Currículo:Questões Atuais. Campinas, S.P.: Papirus, p.103-143,1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberesnecessários à prática educativa. São Paulo,Paz e Terra, 1997. 2aed.
GANDIN, Danilo. Planejamento como PráticaEducativa. São Paulo: Loyola, 1991.
_______, e CARRILHO CRUZ, Carlos H.
Planejamento na Sala de Aula. Porto alegre:La Salle, 1995.
_____ . A Prática do Planejamento Participativo.Petrópolis, RJ.:Vozes, 2000 - 8a ed.
GIMENO SACRISTÁN, J. e PÉREZ GÓMEZ, A I.Compreender e Transformar o Ensino.Porto Alegre: ArtMed, 1998.
KARLING. A A A Didática Necessária. São Paulo:IBRASA, 1991.
KREBS, RJ. Considerações Organizacionais para oPlanejamento Efetivo de uma Aula. Em: RevistaMetropolitana de Ciências do MovimentoHumano/Faculdades Metroplitanas Unidas -F.M.U., n° 3, p. 17-30,1997.
KUNZ, Elenor. Educação Física: Ensino e Mudanças.Coleção Educação UNIJUÍ; 11. Ijuí, RS. 1991.
LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LeiN° 9394/96.
______, Transformação Didático - pedagógicado Esporte. Ijuí, R.S. Ed. UNIJUÍ, 1994.
LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortéz,1994.
LUCKESI, C.C. Filosofia da Educação. São Paulo:Cortéz, 1990.
______ , Planejamento e Avaliação na Escola:Articulação e necessária determinaçãoIdeológica. Em: O Diretor - articulador doprojeto da escola. Série Idéias, n° 15, sãoPaulo, F.D.E., p. 115 - 125, 1992.
_____ , Planejamento, Execução e Avaliação doEnsino - a busca de um Desejo. Em: Revistada FAEEBA, ano 2, n° 2, p. 137 -152, 1993.
MARTINS, J.P. Didática Geral: Fundamentos,Planejamento, Metodologia e Avaliação. SãoPaulo, Atlas, 1985.
MOLINA NETO, Vicente. La Cultura DocenteDel Professorado de Educación física de LasEscuelas Publicas de Porto Alegre. (Tese deDoutorado) Barcelona: Universidad deBarcelona, 1996.
NÉRICI, C. A. Didática: Uma Introdução. SãoPaulo, Atlas, 1985.
OTT, Margot B. Planejamento de Aula: Do
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
38
Circunstancial ao Participativo. Em: Revistade Educação da AEC. Brasília, D.F.: ano 13,n° 54, p. 30 - 40, 1984.
PADILHA, P.R. Planejamento Dialógico: Comoconstruir o projeto político-pedagógico daescola. Ed. Cortez, São Paulo - S.P. 2001.
TURRA, C.M.J.; ENRICONE, D.; SANTANNA,F.M.; ANDRÉ, L.C. Planejamento de Ensinoe Avaliação. Porto Alegre: Sagra - Luzzato,1998.11aed.
VASCONCELLOS.C.S. Planejamento. Plano deEnsino — Aprendizagem e Projeto Educativo.Em: Cadernos Pedagógicos do Libertad - 1.1995.
VEIGA NETO, A J. Planejamento e AvaliaçãoEducacionais: Uma Análise Menos Convencional.Em: Cadernos do DEC. N° 5, p. 12 - 28,UFRGS/FACED, dezembro, 1993.
Notas
1 Para o autor a acepção macro do planejamentoeducacional no Brasil, diz respeito a um modelosistêmico, governamental, e a acepção micro emnível escolar, ou mesmo de sala de aula.
2 Vasconcellos (1995), coloca que esta com-plexidade pode vir, basicamente, em função doobjeto - complexidade da atividade em si- e do processo - se o processo da atividade aser desenvolvida for coletivo, demanda maiorarticulação, organização e registro.
3 Tese de Doutorado de Vicente Molina Neto- La Cultura Docente Del Professorado deEducación Fisica de Las Escuelas Públicas dePorto Alegre. Barcelona, 1996.
*MestrandonoProgramadeDoutoradoeMestradoemCiênciasdoMovimentoHumano,naEscoladeEducação
FísicadaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul-UFRGS,PortoAlegre,R.S.
Recebido em: 01.10.01Revisadoem:25.02.02Aceitoem: 04.03.02
M o v i m e n t o , P o r t o A l e g r e , V. 8, n. 1, p. 31 - 39, j a n e i r o / a b r i l 2002
39