PLANETA Não basta matar a sede. Tem de ter grife · Outra premium, a Perrier passa por processo em...

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CONSUMO Não basta matar a sede. Tem de ter grife Média. Em 1957 a empresa San Pel- legrino comprou a Acqua Panna, cuja fonte fica nas colinas da Tos- cana. Sem gás, a Acqua Panna é rica em minerais, mas tem baixa quantidade de sódio. Outra premium, a Perrier passa por processo em que gases vulcâ- nicos encontram a água e emer- gem numa nascente de bolhas em Vergèze, no sul da França, usada para banhos termais desde o tem- po dos romanos. Bilhões. Essas três grifes perten- cem hoje à Nestlé, líder mundial de água engarrafada com mais de 70 marcas e 19% do mercado. Em 2008, teve faturamento de R$ 16 bilhões. A segunda maior produ- tora é a francesa Danone, que de- tém 11% do mercado e faturou R$ 7 bilhões em 2008. Parte do sucesso da Danone se deve à Evian, que vem de um aquí- fero abastecido por neve derretida dos Alpes franceses. Em 2007, a marca lançou uma edição limitada assinada por estilistas que custava o equivalente a R$ 25. Mas o valor de nenhuma dessas águas se com- para à americana Bling, que cus- ta de R$ 60, a garrafa fosca, a R$ 4.500, a cravejada de cristais. Até R$25 COM FONTE na Lombardia, na Itália, vem de um aquífero a 400 metros de profundidade, onde entra em contato com pedras calcárias e rochas vulcânicas R$ 4.500 QUERIDINHA das celebridades de Hollywood, a água americana Bling tem uma edição limitada, em que a garrafa é cravejada com 10 mil cristais Swarovski R$ 89 FEITA DE ALUMÍNIO, a famosa garrafa reutilizável suíça tem versões coloridas ou com frases em defesa do meio ambiente Até R$ 25 COM BAIXA quantidade de sódio, é uma água leve e costuma ser muito usada por sommeliers para acompanhar a degustação de vinhos Até R$ 20 GASEIFICADA naturalmente, passa por um processo no qual a água e os gases são retirados separadamente e combinados antes do envase FOTOS: DIVULGAÇÃO Alice Lobo ESPECIAL PARA O ESTADO Autor de Fine Waters - A Connoisseur's Guide to the World's Most Distinctive Bottled Waters, um guia de águas sofisticadas para consumo, o americano Micha- el Mascha calcula que existam mais de 3 mil marcas no mundo. Só um punhado delas faz parte do clube das águas de grife, sím- bolos de status equivalentes aos grand crus de vinícolas renoma- das. Para chegar a esse posto, o marketing é vital, mas também pesam fatores como tradição e, segundo especialistas como Mas- cha, qualidade. E qualidade, nesse caso, está ligada à composição. O nível de carbonatação (a presença de gás carbônico) determina o quanto a água é gaseificada – em entrevista à revista Time, Mascha afirmou que 75% da experiência de con- sumir uma água premium está ligada ao tamanho e à quantidade das bolhas. O pH também conta: as alcalinas são adocicadas, as áci- das puxam para o amargo. Outro fator é a concentração de mine- rais. Águas com baixo índice de minerais são mais neutras, leves. Se fossem associadas ao mundo dos vinhos, seriam vinhos bran- cos. Alto índice de minérios dá origem a uma água mais encor- pada, um vinho tinto. E, é claro, a tradição pesa. Tida como a “champanhe das águas”, a S. Pellegrino é engarrafada desde 1899, mas já era conhecida como “água milagrosa” desde a Idade Marketing, tradição, acidez e quantidade de bolhas transformam garrafinhas d'água em um mercado bilionário QUÍMICA A quantidade de gás carbônico na água determina se ela é gaseificada ou não. A alta concentração de cálcio e magnésio é responsável pela “dureza” da água. A forte presença de nitrato acusa se ela vem de solo contaminado A classificação “mineral” varia conforme o país Elizabeth Royte, escritora americana "Chegamos ao ponto de ter 50 bilhões de garrafas descartadas todos os anos nos EUA" E u me sinto uma idiota comprando água engar- rafada”, diz a jornalista americana Elizabeth Royte, au- tora do livro Bottlemania - How water went on Sale and Why We Bought It (algo como Loucos por garrafas, como a água pas- sou a ser vendida e por que nós a compramos). Sua inspiração veio do fato do mercado de água engarrafada ser o que mais crescia entre as bebidas. "Comecei a pen- sar como a gente chegou ao pon- to de ter 50 bilhões de garrafas descartadas por ano nos EUA”, disse Elizabeth em entrevista ao Estado. Ela explica que antes do uso de cloro no sistema de trata- mento público, fazia sentido "É HORA DE FUGIR DO ENGARRAFAMENTO" Livro explica por que compramos água Entrevista: Elizabeth Royte comprar garrafas de água. Mas com a chegada de água tratada nas casas das grandes cidades, o mercado mudou. "Foi nos anos 80 que criaram a ideia de que era fundamental para a saúde beber muita água - uma ação esperta do marketing desta indústria." Com a cultura de beber tanta água durante o dia veio a impor- tância de portabilidade da mes- ma. “Nos anos 90 a Coca-Cola e a Pepsi perceberam que estavam perdendo espaço para este merca- do e na época elas vinham sendo criticadas por estimular consu- mo de refrigerantes. Decidiram, então, entrar neste mercado. E elas tinham muito dinheiro para investir em propaganda. Foi aí que a água engarrafada ganhou um grande empurrão”, revela Elizabeth. A jornalista conta que bebe a água da torneira de sua casa e aconselha todos a fazerem o mesmo. Para quem fica insegu- ro com essa opção, ela sugere levar uma amostra da água para um laboratório. Se a qualidade não for comprovada, a ameri- cana defende o uso de um filtro. “Aí, basta comprar uma garrafa reutilizável. Lembre de pegá-la sempre, assim como seu celu- lar e suas chaves. Não é preciso comprar água privatizada em pequenas garrafas de plástico.” CLAYTON DE SOUZA/AE Projeto estimula o uso de água filtrada em bares e restaurantes de São Paulo TORNEIRA mentos. “Ela já é um produto que consumimos em nosso dia a dia, seja para a preparação da comida, em cafés, sucos ou gelo de bebidas. Por que não bebê-la?”, pergunta Letycia. A iniciativa, que tem o apoio da Prefeitura e do Governo de São Paulo, ainda não foi lançada ofi- cialmente, mas já tem adeptos. É o caso do restaurante Fred Frank, em Moema (zona sul de São Paulo), e a casa de eventos Eco House, em Pinheiros (zona oeste). Pelo projeto, os interessados precisam ter um filtro com selo de qualidade e se comprometem a servir água tratada e purificada em uma jarra de vidro. Servir água da torneira é uma prática comum na Europa, onde ela muitas vezes nem é cobrada. Alguns restaurantes em São Pau- lo fazem o mesmo, como o Ca- fé Suplicy, o Ici Bistrô e o Le Jazz Brasserie. Foi com a ideia de reduzir o im- pacto ambiental do consumo de água engarrafada em mente que a economista Letycia Janot e a ad- ministradora de empresa Maria Fernanda Franco criaram o pro- jeto Água na Jarra. O objetivo é promover a mudança cultural de consumo da bebida em bares e restaurantes, além de implemen- tar o uso de água da torneira trata- da, filtrada e purificada no maior número possível de estabeleci- R$ 27 e R$ 50 A ÁGUA TERMAL da La Roche-Posey tem ação cicatrizante e antioxidante R$ 25 a R$ 47 A DA MARCA Vichy acalma peles irritadas e estimula suas defesas naturais COSMÉTICOS Água na Jarra. Entra o filtro e saem as garrafinhas de plástico PL A NET A

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CONSUMO

Não basta matar a sede. Tem de ter grife

Média. Em 1957 a empresa San Pel-legrino comprou a Acqua Panna, cuja fonte fica nas colinas da Tos-cana. Sem gás, a Acqua Panna é rica em minerais, mas tem baixa quantidade de sódio.

Outra premium, a Perrier passa por processo em que gases vulcâ-nicos encontram a água e emer-gem numa nascente de bolhas em Vergèze, no sul da França, usada para banhos termais desde o tem-po dos romanos.

Bilhões. Essas três grifes perten-cem hoje à Nestlé, líder mundial de água engarrafada com mais de 70 marcas e 19% do mercado. Em 2008, teve faturamento de R$ 16 bilhões. A segunda maior produ-tora é a francesa Danone, que de-tém 11% do mercado e faturou R$ 7 bilhões em 2008.

Parte do sucesso da Danone se deve à Evian, que vem de um aquí-fero abastecido por neve derretida dos Alpes franceses. Em 2007, a marca lançou uma edição limitada assinada por estilistas que custava o equivalente a R$ 25. Mas o valor de nenhuma dessas águas se com-para à americana Bling, que cus-ta de R$ 60, a garrafa fosca, a R$ 4.500, a cravejada de cristais.

Até R$25 • COM FONTE na Lombardia, na Itália, vem de um aquífero a 400 metros de profundidade, onde entra em contato com pedras calcárias e rochas vulcânicas

R$ 4.500• QUERIDINHA das celebridades de Hollywood, a água americana Bling tem uma edição limitada, em que a garrafa é cravejada com 10 mil cristais Swarovski

R$ 89• FEITA DE ALUMÍNIO, a famosa garrafa reutilizável suíça tem versões coloridas ou com frases em defesa do meio ambiente

Até R$ 25• COM BAIXA quantidade de sódio, é uma água leve e costuma ser muito usada por sommeliers para acompanhar a degustação de vinhos

Até R$ 20• GASEIFICADA naturalmente, passa por um processo no qual a água e os gases são retirados separadamente e combinados antes do envase

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Alice LoboESPECIAL PARA O ESTADO

Autor de Fine Waters - A Connoisseur's Guide to the World's Most Distinctive Bottled Waters, um guia de águas sofisticadas para consumo, o americano Micha-el Mascha calcula que existam mais de 3 mil marcas no mundo. Só um punhado delas faz parte do clube das águas de grife, sím-bolos de status equivalentes aos grand crus de vinícolas renoma-das. Para chegar a esse posto, o marketing é vital, mas também pesam fatores como tradição e, segundo especialistas como Mas-cha, qualidade.

E qualidade, nesse caso, está ligada à composição. O nível de carbonatação (a presença de gás carbônico) determina o quanto a água é gaseificada – em entrevista à revista Time, Mascha afirmou que 75% da experiência de con-sumir uma água premium está ligada ao tamanho e à quantidade das bolhas. O pH também conta: as alcalinas são adocicadas, as áci-das puxam para o amargo. Outro fator é a concentração de mine-rais. Águas com baixo índice de minerais são mais neutras, leves. Se fossem associadas ao mundo dos vinhos, seriam vinhos bran-cos. Alto índice de minérios dá origem a uma água mais encor-pada, um vinho tinto.

E, é claro, a tradição pesa. Tida como a “champanhe das águas”, a S. Pellegrino é engarrafada desde 1899, mas já era conhecida como “água milagrosa” desde a Idade

Marketing, tradição, acidez e quantidade de bolhas transformam garrafinhas d'água em um mercado bilionário

QUÍMICA

• A quantidade de gás carbônico na água determina se ela é gaseificada ou não.

• A alta concentração de cálcio e magnésio é responsável pela “dureza” da água.

• A forte presença de nitrato acusa se ela vem de solo contaminado

• A classificação “mineral” varia conforme o país

Elizabeth Royte, escritora americana

"Chegamos ao ponto de ter 50 bilhões de garrafas descartadas todos os anos nos EUA"Eu me sinto uma idiota

comprando água engar-rafada”, diz a jornalista

americana Elizabeth Royte, au-tora do livro Bottlemania - How water went on Sale and Why We Bought It (algo como Loucos

por garrafas, como a água pas-sou a ser vendida e por que nós a compramos). Sua inspiração veio do fato do mercado de água engarrafada ser o que mais crescia entre as bebidas. "Comecei a pen-sar como a gente chegou ao pon-

to de ter 50 bilhões de garrafas descartadas por ano nos EUA”, disse Elizabeth em entrevista ao Estado.

Ela explica que antes do uso de cloro no sistema de trata-mento público, fazia sentido

"É HORA DE FUGIR DO ENGARRAFAMENTO"

Livro explica por que compramos água

Entrevista: Elizabeth Roytecomprar garrafas de água. Mas com a chegada de água tratada nas casas das grandes cidades, o mercado mudou. "Foi nos anos 80 que criaram a ideia de que era fundamental para a saúde beber muita água - uma ação esperta do marketing desta indústria."

Com a cultura de beber tanta água durante o dia veio a impor-tância de portabilidade da mes-ma. “Nos anos 90 a Coca-Cola e a Pepsi perceberam que estavam perdendo espaço para este merca-do e na época elas vinham sendo criticadas por estimular consu-mo de refrigerantes. Decidiram, então, entrar neste mercado. E elas tinham muito dinheiro para

investir em propaganda. Foi aí que a água engarrafada ganhou um grande empurrão”, revela Elizabeth.

A jornalista conta que bebe a água da torneira de sua casa e aconselha todos a fazerem o mesmo. Para quem fica insegu-ro com essa opção, ela sugere levar uma amostra da água para um laboratório. Se a qualidade não for comprovada, a ameri-cana defende o uso de um filtro. “Aí, basta comprar uma garrafa reutilizável. Lembre de pegá-la sempre, assim como seu celu-lar e suas chaves. Não é preciso comprar água privatizada em pequenas garrafas de plástico.”

CLAYTON DE SOUZA/AE

Projeto estimula o uso de água filtrada em bares e restaurantes de São Paulo

TORNEIRA

mentos. “Ela já é um produto que consumimos em nosso dia a dia, seja para a preparação da comida, em cafés, sucos ou gelo de bebidas. Por que não bebê-la?”, pergunta Letycia.

A iniciativa, que tem o apoio da Prefeitura e do Governo de São Paulo, ainda não foi lançada ofi-cialmente, mas já tem adeptos. É o caso do restaurante Fred Frank, em Moema (zona sul de São Paulo), e a casa de eventos Eco House, em

Pinheiros (zona oeste). Pelo projeto, os interessados

precisam ter um filtro com selo de qualidade e se comprometem a servir água tratada e purificada em uma jarra de vidro.

Servir água da torneira é uma prática comum na Europa, onde ela muitas vezes nem é cobrada. Alguns restaurantes em São Pau-lo fazem o mesmo, como o Ca-fé Suplicy, o Ici Bistrô e o Le Jazz Brasserie.

Foi com a ideia de reduzir o im-pacto ambiental do consumo de água engarrafada em mente que a economista Letycia Janot e a ad-ministradora de empresa Maria Fernanda Franco criaram o pro-jeto Água na Jarra. O objetivo é promover a mudança cultural de consumo da bebida em bares e restaurantes, além de implemen-tar o uso de água da torneira trata-da, filtrada e purificada no maior número possível de estabeleci-

R$ 27 eR$ 50 • A ÁGUA TERMAL da La Roche-Posey tem ação cicatrizante e antioxidante

R$ 25 a R$ 47• A DA MARCA Vichy acalma peles irritadas e estimula suas defesas naturais

COSMÉTICOS

Água na Jarra. Entra o filtro e saem as garrafinhas de plástico

PLANETA