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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

    Planeta Terra, Cidade Porto Alegre:

    uma etnografia entre internautas.

    Dissertao de Mestrado

    Jonatas Dornelles

    Orientador: Dra. Cornelia Eckert

    Porto Alegre, dezembro de 2003.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 2

    Resumo

    Estudo de Antropologia Social elaborado a partir de uma pesquisa feita com

    um grupo que utiliza um chat de Internet como forma de sociabilidade. Reflete sobre

    a relao entre o homem e as Novas Tecnologias, assim como a cultura local e a

    Globalizao. A sociabilidade virtual vista em constante relao com a cidade de

    Porto Alegre. investigada a relao da imagem digital com a interao social. A

    pesquisa tambm procura contribuir reflexo sobre o papel da Antropologia diante

    de fenmenos sociais contemporneos.

    Palavras-chave: antropologia urbana, sociabilidade virtual, novas tecnologias, chat,

    Internet e globalizao.

    Abstract

    Study of Social Anthropology elaborated from a research done with a group

    that uses a Internet chat as a sociability form. It contemplates about the relationship

    between the man and the New Technologies, as well as the local culture and global

    involvement. The virtual sociability is seen in constant relationship with the city of

    Porto Alegre. The relationship of the digital image is investigated with the social

    interaction. The research also tries to contribute to the reflection on the paper of the

    Anthropology before contemporary social phenomenons.

    Word-key: urban anthropology, sociability virtual, new technologies, Internet chat and

    global involvement.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 3

    Agradecimentos

    Agradeo aos professores do

    Programa de Ps-Graduao em

    Antropologia Social da UFRGS por

    acreditarem na minha capacidade

    acadmica. Agradeo Professora Doutora

    Cornelia Eckert, Chica, por me conduzir no

    processo de maturidade acadmica. Assim

    como a Professora Doutora Ana Luiza

    Carvalho da Rocha, que muito me

    aconselhou. Tambm agradeo previamente

    aos membros da banca de avaliao, pelo

    compromisso assumido em mostrar meus

    erros e acertos.

    Agradeo aos colegas do curso,

    lembrando especialmente dos momentos de

    sociabilidade cultivados. Agradeo ao colega

    Iosvaldir, por compartilhar sua biblioteca, e

    ao amigo Valcir, pelo companheirismo.

    Agradeo especialmente aos internautas

    conhecidos em trabalho de campo, j que

    possibilitaram pensar a respeito de suas

    experincias.

    Agradeo pessoa que a primavera

    do meu inverno: minha eterna namorada,

    Ana. E agradeo pessoa que a luz que

    me ilumina, a brisa que me inspira e a rocha

    que me apia:

    Dona Elaci, minha me.

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    ndice Planeta Terra, Cidade Tquio... ...............................................................................................................6 Introduo.................................................................................................................................................7 Navegando nos conceitos e estudos tericos........................................................................................10

    Breve panorama.................................................................................................................................10 Cibercultura, modernidade, ps-modernidade e globalizao ..........................................................12 Sociabilidade......................................................................................................................................17 Tcnica e virtualidade ........................................................................................................................21 Plos distintos ....................................................................................................................................22 Sincronia e assincronia......................................................................................................................23 Sociabilidade virtual ...........................................................................................................................25 Para pensar as novas tecnologias, o virtual e o ciberespao ...........................................................28 A importncia da tela do monitor .......................................................................................................32 O poder da imagem ...........................................................................................................................33 Quando a cidade o campo..............................................................................................................35 Sobre o "Ficar" ...................................................................................................................................39

    Metodologia ............................................................................................................................................41

    O que j tinha sido acumulado ..........................................................................................................42 A continuao ....................................................................................................................................44 Alguns objetivos .................................................................................................................................46

    CD-ROM.................................................................................................................................................48 Onde estaremos.....................................................................................................................................49

    Origem ...............................................................................................................................................49 O mapa atual......................................................................................................................................50 O incio do progresso e os primeiros anos do sculo XX..................................................................55 Dcadas de 30, 40 e 50.....................................................................................................................58 Dcadas de 60 e 70...........................................................................................................................60 Dcadas de 80 e 90...........................................................................................................................61

    Cartografia do espao utilizado pelo grupo estudado............................................................................67

    Os elementos presentes no ambiente de chat ..................................................................................68 Sobre a identificao..........................................................................................................................69 Dentro do chat....................................................................................................................................69 Formas de teclar ................................................................................................................................70 Formas de aproximao ....................................................................................................................71 Criando, interpretando e imaginando.................................................................................................72

    O surgimento do freqentador de chat ..................................................................................................74

    Organizao em rede.........................................................................................................................79 Vivncia cotidiana on-line.......................................................................................................................86

    Linguagem escrita - chatons............................................................................................................86 Nicknames (nick)................................................................................................................................88 As descries pessoais .....................................................................................................................92 A busca de "fotos"..............................................................................................................................94 Tipos de procura ................................................................................................................................96 Questo de gnero ............................................................................................................................98 A busca de afinidades e identificaes comuns, enturmar-se ........................................................102 A turma, um lugar de troca de confidncias ....................................................................................104 Os encontros....................................................................................................................................107 A relao entre os modos aberto e reservado.................................................................................112 Popularidade como um valor buscado no chat................................................................................115 As declaraes amorosas, os romances, o sexo ............................................................................117 Conflitos e disputas dentro do chat..................................................................................................119 Estar no chat, estar se divertindo ....................................................................................................122 Os anti-sociais do chat.....................................................................................................................123

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    O chat como um local de divulgao ou onde se busca informaes.............................................125 O chat como um espao ..................................................................................................................126 O chat e a cidade de Porto Alegre...................................................................................................127 Estreitamento das dimenses on e off-line......................................................................................128 O estranhamento do chat ................................................................................................................129

    Vivncia cotidiana off-line.....................................................................................................................131

    Encontros das redes ........................................................................................................................131 Rixas e pequenas redes ..................................................................................................................145

    O perfil da "POA B" ..............................................................................................................................148

    Antigos e novos................................................................................................................................150 A importncia do perfil .....................................................................................................................151 Qualitativo e quantitativo, questionrio e universo ..........................................................................152 A turma da sala B.............................................................................................................................154 Idade ................................................................................................................................................154 O que faz da vida (se trabalha, estuda)...........................................................................................155 De onde "tecla" ................................................................................................................................155 Bebida preferida...............................................................................................................................156 Tipo de msica preferida, banda... ..................................................................................................158 Onde costuma ir em Porto Alegre....................................................................................................159 Onde est se no est no chat ........................................................................................................163 Momento de acesso ao chat............................................................................................................163 Quantos dedos usa para "teclar" .....................................................................................................164 Mora com quem ...............................................................................................................................166 Primeira pessoa que conheceu na sala "B".....................................................................................167 Como ingressou na rede..................................................................................................................168 Chat que freqentava antes de ingressar na rede ..........................................................................169 O que mudou na vida.......................................................................................................................170 Momento inesquecvel na "POA B" .................................................................................................171 Imagem do grupo.............................................................................................................................176

    A apropriao do chat como lugar de sociabilidade e ponto de encontro da turma............................177

    O problema ......................................................................................................................................177 A soluo .........................................................................................................................................178 Territrio e identificao...................................................................................................................182

    A apropriao de circuitos e trajetos da cidade como lugares de sociabilidade e pontos de encontro da turma ...............................................................................................................................................183 O ciberespao como uma ampliao/continuao do espao da cidade e ponto de encontro para o cultivo da sociabilidade ........................................................................................................................185 O ciberespao como um lugar de sociabilidade que proporciona pessoa uma experincia prazerosa..............................................................................................................................................186 O ciberespao como um lugar de manifestao do "eu" e encontro com o "outro" ............................187 Desejo de descoberta ..........................................................................................................................188 Agora ....................................................................................................................................................190 Antropologia "na" e "da" internet ..........................................................................................................192

    Na Internet .......................................................................................................................................192 Da Internet .......................................................................................................................................195 O antroplogo na Internet ................................................................................................................196

    Concluso.............................................................................................................................................198

    Sobre sociabilidade virtual ...............................................................................................................199 Virtual e real .....................................................................................................................................199 Simulao ........................................................................................................................................200 Origem do chat.................................................................................................................................202

    Bibliografia............................................................................................................................................204

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    Planeta Terra, Cidade Tquio...

    "...como todas as metrpoles, Tquio se acha hoje em desvantagem na sua luta contra o maior inimigo do homem - a

    poluio. Apesar dos esforos das autoridades de todo o mundo,

    pode acontecer um dia que a terra, o ar as guas venham a se tornar

    letais para toda e qualquer forma de vida .Quem poder interferir??

    S P E C T R O M A N !"

    Era assim que iniciava um seriado japons de televiso chamado de

    Spectroman. Uma voz em off narrava essa passagem. O seriado foi produzido na

    dcada de setenta. Ele retratava a antiga luta entre o bem e o mal. O mal era

    encarnado na figura do Dr. Gori. Ele era um macaco-mutante que ficava em uma

    espaonave. Freqentemente ele enviava ao Planeta Terra monstros gigantes. A

    sua inteno era dominar o planeta, ou talvez destrui-lo. Nunca entendi muito bem

    os seus propsitos.

    Quando o monstro comeava a destruir a cidade de Tquio, o super-heri

    entrava em ao. O Spectroman era um homem que se transformava em um rob

    gigante. A transformao se processava quando ele levantava seu brao direito e

    proferia: Dominantes, s ordens! O seriado foi produzido em uma poca que

    borbulhavam produes mostrando a convivncia entre homens, robs e cyborgs.

    Em alguns casos, como o do Spectroman, mostrava-se a existncia de um

    homem-mquina.

    Trinta anos depois o "homem-mquina" aparece com outras formas. O

    aspecto humanide deixou de existir. Ao invs disso so organismos formados por

    uma mistura entre braos, teclado, cabea, monitor, crebro, cpu... Todos

    interconectados e podendo trocar informaes em fraes de segundo, mesmo

    estando em lados opostos do planeta.

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    Introduo

    O mundo contemporneo nos trouxe uma srie de transformaes. So

    tantas que no haveria aqui espao para enumer-las, talvez nem metade.

    Buscando o epicentro das transformaes, talvez encontrssemos um elemento

    comum, que o avano macio da tecnologia. Para boa parte dos seres humanos a

    tecnologia tomou conta de vrias dimenses da vida. Com o avano dos meios de

    comunicao, o prprio contato interpessoal se modificou. Interaes que antes

    necessitavam de um contato face a face, atualmente podem ser feitas a quilmetros

    de distncia. Nesse processo se insere o fenmeno de sociabilidade via computador,

    que hoje em dia cada vez mais se torna algo comum e praticado por um nmero

    crescente de pessoas.

    Classicamente, a Antropologia se interessou pelo estudo de diferentes

    culturas e fenmenos sociais envolvidos. No conjunto de temas de interesse da

    antropologia sempre esteve presente o estudo das formas de associao humana.

    Estudando a sociabilidade humana, a antropologia se preocupou em responder o

    que une os indivduos e de que maneira a unio se processa. At pouco tempo atrs

    a sociabilidade privilegiadamente era praticada no encontro face a face entre

    indivduos. Emergiu, na ltima dcada, uma forma de interao inusitada, onde o

    contato se processa via mquinas/computadores. No somente uma nova forma

    de comunicao, mas sim a possibilidade de se sociabilizar a partir de um contato

    face a tela (de computador).

    Estudos que contemplem a relao entre as pessoas e as novas tecnologias

    so importantes de uma maneira geral e principalmente para a antropologia.

    disciplina interessa investigar a relao dos indivduos com essa nova dimenso da

    vivncia humana. Devemos buscar um entendimento sobre qual o sentido atribudo

    a esse tipo de interao e em que medida isso se apresenta para as pessoas

    envolvidas.

    O Tema dessa dissertao de mestrado trata da sociabilidade que se forma e

    se mantm mediante o contato de pessoas via Internet1 (on-line), atravs de

    1 Nome dado rede mundial de computadores. On-line quando se est conectado Internet. Esse termo de origem inglesa, assim como outros aqui apresentados, no recebero formatao destacada pois j foram aportuguesados e so apresentados no "Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa" (Ferreira, 1999).

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    computadores. A especificidade dessa forma de sociabilidade est nela ocorrer sem

    o contato pessoal face a face (off-line) e em um espao virtual onde h o

    deslocamento tempo-espacial, formando o Ciberespao2. Investiga-se a

    sociabilidade que ocorre em ambiente virtual de chat3 (sala de bate-papo da

    Internet). Constitudo no ciberespao, o chat comporta o encontro de pessoas

    fisicamente distantes. Compartilhando de uma mesma imagem visualizada pela tela

    do computador, as pessoas trocam mensagens escritas de modo sincrnico. Ocorre

    nesse processo a construo de um convvio social cotidiano e regular. Diante desse

    panorama cabem estudos que explorem de que maneira so afetadas a interao

    social, a concepo de cotidiano, de tempo e de espao, as novas formas de

    linguagem e as performances. A pesquisa est inserida na discusso sobre formas

    contemporneas de interao social associadas s novas tecnologias miditicas.

    Explorar esse tema a partir do ponto de vista antropolgico significa dar a ele

    um trato qualitativo. Quantitativamente, as estatsticas mostram o avano da

    utilizao da informtica e da Internet. Entretanto, no mostram como a tecnologia

    diversamente re-significada e simbolicamente apropriada. A partir de uma

    metodologia antropolgica e da construo de alteridade, investigo as

    transformaes comportamentais as quais passam os indivduos envolvidos com

    esse sistema de comunicao.

    Cabe Antropologia responder de que maneira um grupo se forma e se

    mantm modernamente com uma interao essencialmente feita por mquinas, com

    uma comunicao sincrnica e visual, a partir de telas de monitores e

    compartilhando de mensagens de texto. Pesquisar antropologicamente esse tema

    significa relativizar sobre o mundo chamado de "moderno e globalizado" e a

    presena das novas tecnologias nos cotidianos dos indivduos.

    A pesquisa teve como objetivo central etnografar o ciberespao identificado

    com a cidade de Porto Alegre. Procuro mostrar os valores que so negociados na

    interao no ciberespao e interpretar de que maneira os indivduos organizam suas

    vidas a partir de ento. Foi preciso relacionar as vivncias on e off-line do

    freqentador de chat, refletindo sobre os seus mtuos impactos. Tambm foi preciso

    2 Pierre Lvy desenvolve esse conceito em: Lvy, 1996. 3 Embora ser de origem inglesa, essa palavra no vir em itlico porque j foi aportuguesada e aparece em edies recentes de dicionrios da lngua portuguesa.

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    explorar de que maneira o chat era arquitetado, vindo a se constituir em um espao

    de trocas simblicas.

    A importncia desse tipo de estudo est nele explorar uma das formas

    contemporneas de interao social. Atualmente est havendo um fenmeno de

    formao de redes sociais virtuais. As caractersticas desse tipo de interao

    potencializao da autonomia, imediatismo, maior abrangncia do compartilhamento

    da informao, desconexo entre tempo e espao, entre outras propiciam aos

    indivduos condies inditas de organizao social. A pesquisa contribui no

    processo de conhecimento sobre o mundo moderno, fortemente individualizado e

    sofrendo, paradoxalmente, processos de globalizao e regionalizao.

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    Navegando nos conceitos e estudos tericos

    Atravs de um estranhamento sobre uma forma de sociabilidade composta de

    elementos novos em relao queles classicamente identificados, esperamos

    contribuir para a discusso sobre o fenmeno de sociabilidade. A reflexo trazida

    nesse estudo baseia-se em teorias reconhecidas no mundo acadmico. Antes de

    mais nada preciso rever brevemente os conceitos que estaro presentes nesse

    esforo descritivo e interpretativo.

    Breve panorama

    A sociedade ocidental moderna est intimamente associada a avanos

    tecnolgicos. Com eles tivemos transformaes marcantes na evoluo da

    humanidade. Tivemos com a revoluo industrial uma transformao marcante nas

    relaes sociais. Passando pela linha de tempo do sculo XX teramos ainda uma

    srie de exemplos da associao estreita entre avanos tecnolgicos e

    transformaes nas relaes sociais. Porm devemos avaliar com cuidado essa

    relao. Cabe aqui a proposta de Dominique Wolton (2000). Ele questiona a

    afirmativa de que a Internet mudar radicalmente as relaes humanas. Para este

    autor, a relao entre sistema tcnico, modelo cultural e projeto de organizao

    social permite compreender o papel da comunicao em uma dada poca histrica.

    Ele questiona a relao entre o meio material da comunicao (tcnica), com o

    projeto social e o modelo cultural. Para ele essas trs partes estiveram presentes na

    histria de maneira relativamente autnoma.

    Os momentos em que h uma estreita relao so escassos. Dominique

    Wolton no acredita que as revolues tecnolgicas levaro a uma "nova sociedade"

    (achar que haver uma relao de causa e efeito entre as duas coisa do

    determinismo tecnolgico). Ele separa tcnica, cultura e sociedade, e considera que

    a inovao da estrutura tecnolgica, que sempre mais rpida que a inovao da

    estrutura cultural e social, ir transformar a situao da sociedade como um todo. De

    qualquer forma, partimos do pressuposto de que atualmente a sociedade ocidental

    marcada pelo avano da "informao automtica" - informtica.

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    A sociedade ocidental de agora se auto intitula como "sociedade da

    informao". A definio de Jol de Rosnay (1999) sobre "sociedade informacional"

    apropriada nesse momento:

    "Com o advento do tratamento eletrnico das informaes, da digitalizao dos dados,

    e com o desenvolvimento as redes interativas de comunicao, as referncias clssicas

    despedaaram-se. s trs unidades (de lugar, de tempo e de funo), opem-se a

    descentralizao das tarefas, a dessincronizao das atividades e a desmaterializao as

    trocas." (Rosnay, 1999: 217)

    A informao tornou-se uma moeda valiosa no mundo moderno. O acesso a

    ela facilitado pela massificao dos computadores pessoais. Junto tambm temos

    a formao de uma rede mundial interconectando esses computadores, o que faz a

    informao percorrer grandes distncias em pequeno tempo. um panorama

    caracterizado pela presena das novas tecnologias comunicacionais, incluindo a

    Internet. Como ela um meio de comunicao potente, proporciona uma forte

    aproximao entre os indivduos. Jol de Rosnay argumenta que na sociedade

    informacional h uma emergncia das pessoas. Em cada n da rede, em cada

    computador pessoal h uma pessoa criadora, produtora e consumidora dos atuais

    instrumentos interativos (Rosnay, 1999).

    Lcia Santaella defende que atualmente h um crescimento acelerado da

    "semiosfera" (Santaella, 1996: 185). Ela chama de semiosfera algo como se fosse a

    biosfera. Uma "esfera" onde h o predomnio da comunicao humana gerada pela

    sua capacidade simblica. O crescimento da semiosfera est atrelado s novas

    tecnologias, que favorecem a expanso dos canais de comunicao.

    Conseqentemente, aumenta o trnsito de mensagens e a produo de linguagens

    e signos (elementos componentes das mensagens).

    Dominique Wolton cita as trs caractersticas das novas tecnologias

    (materializadas na Internet): autonomia, organizao e velocidade. Com autonomia

    ele se refere ao fato do indivduo sentir a liberdade de obter resultados

    independentemente de outros. Se algum quer, por exemplo, "navegar" na Internet

    em busca de alguma informao, o faz sem intermedirios. Todos "fazem o que

    querem e quando querem" (Wolton, 2000: 96). E ainda por cima, fazem isso em

    tempo real, o que d um sensao de liberdade indita. Existe uma possibilidade

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    ampla e quase infinita de criao individual da informao buscada em bancos de

    dados. As pessoas podem acessar, em tempo real, bancos de dados contendo

    informaes que esto a quilmetros de distncia fsica e distantes tambm

    culturalmente. Dessa forma criam, autonomamente, seu prprio conhecimento. Tudo

    isso est atrelado a uma condio sine qua non propiciada pela extrema

    organizao da informao. E ainda, a velocidade, que se traduz na expresso "em

    tempo real".

    A Internet possibilita a massificao da tecnologia de transmisso de

    informaes. Aliada a esse processo de massificao existe um movimento social.

    Esse movimento de associao entre tecnologia e sociabilidade passou a fazer parte

    do cotidiano de milhes de pessoas nos ltimos anos, caracterstica prpria de uma

    "cibercultura4".

    Cibercultura, modernidade, ps-modernidade e globalizao

    A cibercultura est intimamente ligada a uma era ps-moderna. Sua principal

    caracterstica relacionar a universalidade sem a totalidade de sentido. uma

    situao diferente da que caracterizava a era moderna, onde a crescente

    globalizao sinalizava para uma unidade de sentido, ou seja, um universal

    totalizador. preciso retomar aqui o processo que resultou no surgimento da

    cibercultura. Mesmo sendo "ps-moderna" ela ainda carrega os princpios

    "modernos", ao que Pierre Lvy justifica colocando que:

    "Na era das mdias eletrnicas, a igualdade realizada enquanto possibilidade para que

    cada um emita para todos; a liberdade objetivada por meio de programas de codificao e do

    acesso transfronteirio a diversas comunidades virtuais; a fraternidade, enfim, transparece na

    interconexo mundial." (Lvy, 1999: 245)

    Para Anthony Giddens o perodo da modernidade, que iniciou a partir do

    sculo XVII em territrio Europeu, trouxe transformaes inditas ao convvio social.

    Extensionalmente houve a cobertura do globo por formas de interconexo social. Em

    termos intencionais "elas vieram a alterar algumas das mais ntimas e pessoais

    caractersticas de nossa existncia cotidiana" (Giddens, 1991: 14). As condies de

    transformao na modernidade so mais dinmicas do que em situaes pr-

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    ...uma etnografia entre internautas. 13

    modernas. "Se isto talvez mais bvio no que toca tecnologia, permeia tambm

    todas as outras esferas" (Giddens, 1991: 15).

    A idia de modernidade est associada a um sentido de descontinuidade do

    tempo. Ela rompe com a tradio e se caracteriza pelo sentimento de novidade e

    sensibilidade para com a natureza contingente, efmera e fugaz do presente. Como

    resultado surge um homem moderno que constantemente tenta inventar a si prprio

    (Featherstone, 1995: 21). Teoricamente, temos o avano de teorias que tentavam

    dar conta da dimenso cotidiana da vida urbana, tais como as de Georg Simmel

    (1939) e Walter Benjamin (1994). Os espaos urbanos eram os nichos onde se

    desenvolvia a vida moderna.

    A modernidade caracterizada por diferenas cruciais no lido humano com o

    tempo e o espao. Em perodos pr-modernos o tempo era marcado e contato, mas

    estava sempre condicionado ao espao ("quando" e "onde" estavam conectados). O

    invento e, virtualmente, a difuso do relgio todos os seres humanos no final do

    sculo XVIII foi a significao chave para a separao entre tempo e espao

    (Giddens, 1991: 26). Como resultado, e ainda seguindo a proposta de Anthony

    Giddens, houve um esvaziamento do tempo e do espao.

    Anthony Giddens argumenta que no perodo pr-moderno tempo e espao

    eram duas dimenses ligadas. A atividade humana era desenvolvida em um tempo e

    o espao compunha todas as variveis envolvidas. Existia um espao fsico que

    embasava a atividade social desenvolvida na sucesso temporal. O sentido de

    espao, nesse caso, se aproxima do de lugar, local, j que estamos diante da

    "presena" como condio para o desenrolar da vida social.

    A modernidade arranca o tempo do espao. Com a modernidade cada vez

    mais as relaes sociais se do entre "ausentes" que esto distantes de qualquer

    interao face a face. Anthony Giddens defende que os pesquisadores deveriam

    estudar no a sociedade como um sistema fechado, mas como a vida social

    ordenada atravs da relao tempo e espao, refletindo sobre o distanciamento das

    duas esferas. Essa relao se traduz na dicotomia entre interao local (co-

    presena) e interao atravs de distncia (Giddens, 1991: 69). Como resultado

    tem-se o "alongamento" da relao entre formas sociais e eventos locais.

    4 Uma discusso extensa sobre o tema "cibercultura" est em: Lvy, 1999.

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    Sobre esse "alongamento", Anthony Giddens se refere como sendo

    caracterstico de um movimento de globalizao. Para ele esse fenmeno pode ser

    definido como sendo "a intensificao das relaes sociais em escala mundial, que

    ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais so modelados

    por eventos ocorrendo a muitas milhas de distncia e vice-versa." (Giddens, 1991:

    70)

    A relao entre globalizao e cultura vista por Mike Featherstone (1997)

    como gerando dois processos. Primeiramente h a formao de uma "cultura

    dominante" que estendida sobre os vrios cantos do globo terrestre. As culturas

    heterogneas so incorporadas por essa. Por outro lado h a compreenso de

    culturas diferentes. Coisas antes separadas so agora colocadas em contato. Ele

    acredita que, se houver uma sociedade global, o impulso provm dos avanos

    tecnolgicos e da economia. Temos como exemplos os avanos dos meios de

    transporte e de comunicao.

    Ambos resultam na "unificao de maiores extenses de tempo-espao, no

    apenas em nvel intrassocietrio, mas, cada vez mais, em nvel intersocietrio e

    global" (Featherstone, 1997: 22). Mike Featherstone argumenta que hoje em dia os

    meios de comunicao prezam pela dialogia. Os anteriores (televiso e rdio, por

    exemplo) operavam um tipo de comunicao monolgica. Os meios de comunicao

    contemporneos (telefone, fax, rede de computadores/Internet) possibilitam a

    interatividade, o que faz com que pessoas distantes no globo terrestre entrem em

    contato. O que nos remete proposta de Anthony Giddens, que v na relao entre

    o local e o global um das caractersticas da ps-modernidade.

    Para Mike Featherstone a ps-modernidade afeta epistemologicamente a

    sociologia. A cincia social deixaria de lado a sua pretenso generalizante. A

    ateno seria dada sobre o modo como as teorias so construdas, seus

    pressupostos ocultos e a autoridade do pesquisador, que nesse caso se v

    questionado sobre sua autoridade. Essa uma primeira dimenso afetada. As

    outras duas so: a esfera cultural mais ampla e a vida cotidiana de grupos

    especficos.

    O ps-modernismo trs mudanas nos modos de produo, consumo e

    circulao de bens simblicos, o que se aproxima da idia defendida por Baudrillard,

    de um princpio de reproduo ao invs de produo: "Baudrillard (1983a) destaca

    que novas formas de tecnologia e informao tornam-se fundamentais para a

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 15

    passagem de uma ordem social produtiva para uma reprodutiva, na qual as

    simulaes e modelos cada vez mais constituem o mundo, de modo a apagar a

    distino entre realidade e aparncia" (Featherstone 1995: 20).

    Mike Featherstone aponta para as mudanas de experincias cotidianas de

    diferentes grupos. Como resultado eles podem "estar desenvolvendo novos meios

    de orientao e estruturas de identidade" (Featherstone, 1995: 30). Ainda sobre as

    mudanas das prticas de vivncia temos a "estetizao da vida cotidiana". Nela

    existe um apagamento entre o real e o imaginrio, entre o cotidiano e a arte. Antes

    havia uma ntida separao entre ambos. Ele coloca que esse o panorama em que

    se desenvolve a "cultura simulacional", contempornea a ns.

    Para Pierre Lvy (1999), a relao entre universal e totalidade traduz as

    transformaes na sociedade ocidental. Se levarmos em conta essas duas variveis

    podemos estabelecer claramente a essncia de uma poca moderna e outra ps-

    moderna. A base da diferena entre ambas est na relao dos seres humanos com

    os sentidos culturalmente diversos. Segundo ele, a modernidade foi permeada por

    uma crescente globalizao e uma busca de imposio de unidade de sentido. Ela

    aspirava universalidade e totalidade. A ps-modernidade mostrou ser impossvel

    essa unidade de sentido entre os seres humanos. Ela se constitui sobre os princpios

    de universalidade sem totalidade. O que, para Pierre Lvy, ir constituir uma "cultura

    do futuro", que atualmente materializada em uma cibercultura embasada em um

    ciberespao.

    A cibercultura expressa uma mutao fundamental da prpria essncia da

    cultura e est longe de ser uma subcultura dos fanticos pela rede. Com essa

    definio bsica, Pierre Lvy (1999) defende seu posicionamento sobre a relao

    entre cibercultura e ciberespao (a rede propriamente dita). Para ele, a "cultura do

    futuro" ser caracterizada pela universalidade sem totalidade. Por universal deve-se

    entender, segundo ele, a presena virtual da humanidade para si mesma.

    Tanto religio quanto cincia aspiraram universalidade. A primeira atravs

    de seus valores, a segunda atravs do conhecimento da humanidade. "Da mesma

    forma, o horizonte de um ciberespao que temos como universalista o de

    interconectar todos os bpedes falantes e faz-los participar da inteligncia coletiva

    da espcie no seio de um meio ubiqitrio" (Lvy, 1999: 247). Longe do que

    aparenta para o senso comum, o autor sustenta que o ciberespao rene as

    pessoas de uma forma muito menos virtual do que a religio e a cincia. A primeira

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 16

    une os indivduos atravs da transcendncia espiritual, a segunda pela

    transcendncia do conhecimento. J no ciberespao - e o conjunto de tecnologias

    que o envolvem - a integrao real, palpvel e imanente.

    Pierre Lvy (2001) argumenta que, historicamente, universalidade e totalidade

    ocorreram de forma variada em trs etapas. Primeiramente quando ainda no existia

    a escrita. As sociedades eram fechadas e pequenas. Havia uma totalidade sem

    universalidade. Secundariamente, em sociedades imperialistas e usurias da

    escrita. Nesse caso havia um universal totalizante. Atualmente h uma globalizao

    concreta das sociedades e atravs da cibercultura existe um universal sem

    totalidade. Embora unir vrios cantos do mundo e diversas culturas diferentes, o

    ciberespao e a cibercultura no conseguem impor a unidade de sentido. O que nos

    faz concluir que esse um fenmeno essencialmente ps-moderno, j que a

    modernidade presenciou uma globalizao com objetivos totalizantes.

    Com os avanos tecnolgicos e a gerao do ciberespao, atualmente h

    uma comunidade virtual desigual e conflitante. "nica em seu gnero no reino

    animal, a humanidade rene toda a sua espcie em uma nica sociedade. Mas, ao

    mesmo tempo, e paradoxalmente, a unidade do sentido se quebra, talvez porque ela

    comece a se realizar na prtica, pelo contato e a interao efetivos" (Lvy, 1999:

    249). Algo que se aproxima da proposta de Dominique Wolton (2000) quando chama

    a ateno para a necessidade de separarmos globalizao econmica de

    comunicao.

    Ele afirma que quanto maior e mais ampla a rede de comunicao mundial,

    mais existe a necessidade de se respeitar as fronteiras culturais de cada sociedade.

    Existe uma distncia que intransponvel mesmo com os diversos avanos

    tecnolgicos no campo das comunicaes, que a distncia cultural. Alis, essa

    distncia torna-se cada vez maior quando se coloca em contato, via meios de

    comunicao, culturas diversas. "Isto requer trabalhar em duas direes de forma

    simultnea: respeitar as identidades e desenvolver um projeto mais amplo que

    transcenda as diferenas" (Wolton, 2000: 220).

    As propostas desses dois pesquisadores podem ser visualizadas na vivncia

    cotidiana das pessoas e suas relaes com o ciberespao. Materialmente essa

    relao se concretiza no envolvimento com a informtica e a Internet. Esse

    envolvimento pode gerar diversas dimenses. As novas tecnologias propiciaram o

    surgimento de novas profisses, metodologias educacionais, busca de informaes,

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 17

    produo de conhecimento, integrao acadmica, enfim, onde h computadores e

    Internet borbulham novos usos para a tecnologia. Entretanto, h uma dimenso que

    est intimamente ligada ao cotidiano das pessoas que vivem esse processo de

    informatizao: a sociabilidade virtual.

    Sociabilidade

    Trs sculos antes de Cristo, Aristteles j afirmava que o que diferenciava os

    homens do resto dos animais a propenso socializao. Com August Comte

    essa idia est presente na fundao de uma cincia social. A partir de ento temos

    o surgimento, consolidao e desenvolvimento das cincias sociais. O ponto em

    comum de todos os pensadores, antroplogos e socilogos, o estudo do homem.

    No entanto, no do homem isolado, mas do homem em dinmica social, em

    interao social.

    O fenmeno da sociabilidade antigo. Estava presente tanto na sociedade de

    Aristteles, quanto na de Comte. Tanto nas sociedades "simples", quanto nas

    "complexas". Os avanos no conhecimento sobre as vrias formas de organizaes

    sociais so amplos e no caberia aqui cit-los todos. Conhecimento que foi

    construdo com o passar dos anos, acompanhando as transformaes sociais vindas

    com o tempo. Acompanhando o processo de construo do conhecimento social,

    cabe a ns estudarmos de que forma se d a interao social entre os indivduos

    "ocidentais" do incio do sculo XXI.

    Gilberto Velho, apoiando-se na obra do socilogo que inspirou os tericos da

    Escola de Chicago, Georg Simmel, trata da sociabilidade do sculo passado como

    no estando presa a interesses especficos: Mas acima e alm de seu contedo

    especfico, todas essas associaes esto acompanhadas por um sentimento

    positivo, por uma satisfao pelo prprio fato de se estar associado a outros e de a

    solido do indivduo ser resolvida atravs da proximidade, da unio com outros

    (Velho, 1986: 13)".

    Uma das principais caractersticas das sociedades complexas a presena de

    vrios estilos de vida e vises de mundo convivendo ao mesmo tempo (Velho,

    1986). Nesse contexto, surge o conceito de Rede de Relaes: networks. Para

    Gilberto Velho essas redes atravessam o mundo social na forma horizontal e

    vertical. Nesse caso as categorias famlia, parentesco, bairro, vizinhana, origem

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 18

    tribal e tnica, status, classes sociais no so definidoras totais de grupos. Tambm

    h uma fragmentao das relaes e dos papis sociais em nossa sociedade. Os

    indivduos podem transitar por vrios domnios e variar o seu grau de adeso. Dessa

    forma, na sociedade complexa, particularmente, a coexistncia de diferentes

    mundos constitui a sua prpria dinmica (Velho, 1994: 27).

    Para Georg Simmel os indivduos sempre procuram formar uma unidade -

    sociedade - de acordo com seus impulsos. Esses impulsos formam o contedo.

    Essa matria ainda no social. Somente quando toma a forma de uma sociao

    pela qual os indivduos satisfazem seus interesses. Ele argumenta que: "Esses

    interesses, quer sejam sensuais, ou ideais, temporrios ou duradouros, conscientes

    ou inconscientes, causais ou teleolgicos, formam a base das sociedades humanas"

    (Simmel, 1996: 166).

    Segundo Georg Simmel, na sociabilidade h a reviravolta entre o contedo

    gerador do encontro e a forma dele transcorrer. A forma passa a determinar o

    contedo e torna-se um valor supremo. A sociedade, que significa uma agregao

    de indivduos em embate uns com os outros gera os contedos ou interesses

    materiais ou individuais. Por exemplo, os interesses econmicos fazem com que os

    indivduos se agreguem em associaes, irmandades, etc. Mas tambm est

    presente um impulso de agregao (forma). Ele pode, s vezes, sugerir os

    contedos concretos da associao. A sociabilidade tambm est alm das

    realidades objetivas da vida real. Ela um "impulso" (forma) e no est atrelada,

    nem condicionada a motivaes concretas (contedo, matria). "Isso nos d uma

    imagem abstrata, na qual todos os contedos se dissolvem no mero jogo da forma"

    (Simmel, 1996: 169).

    De maneira mais especfica cabe citar que:

    "Visto que na pureza de suas manifestaes a sociabilidade no tem propsitos

    objetivos, nem contedo, nem resultados exteriores, ela depende inteiramente das

    personalidades entre as quais ocorre. Seu alvo no nada alm do sucesso do momento

    socivel e, quando muito, da lembrana dele. Em conseqncia disso, as condies e os

    resultados do processo de sociabilidade so exclusivamente as pessoas que se encontram

    numa reunio social." (Simmel, 1996: 170)

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 19

    Georg Simmel defende que a sociabilidade como um jogo e escreve que: "A

    sociabilidade o jogo no qual se 'faz de conta' que so todos iguais e, ao mesmo

    tempo, se faz de conta que cada um reverenciado em particular; e 'fazer de conta'

    no mentira mais do que o jogo ou a arte so mentiras devido ao seu desvio da

    realidade" (Simmel, 1996: 173). Joga-se por mero prazer, despretenso. Existem

    regras as quais os indivduos obedecem e tambm uma dinmica prpria, assim

    como os jogos. um jogo social. Os indivduos, em sociabilidade, "jogam sociedade"

    (Simmel, 1996: 174).

    Para Alfred Schutz (1979) as pessoas agem em funo de experincias da vida

    cotidiana. Mesmo havendo uma multiplicidade de "mundos" e "realidades", so

    pessoas que buscam experincias significativamente comuns no envolvimento do

    "ns" (face a face). O envolvimento est sempre como uma possibilidade objetiva,

    sempre atrelado a um desejo de intersubjetividade. A partir do presente vivido um

    indivduo percebe o seu semelhante, o Outro. A interao social pressupem a

    existncia de uma simultaneidade vivida. Essa simultaneidade abrange tanto a

    percepo do Outro enquanto pessoa, como a percepo de seu pensamento.

    Existe um deslocamento no tempo compartilhado, ao que Alfred Schutz se refere

    como sendo um "envelhecermos juntos". Isso significa que, da mesma forma que

    experimento a conscincia do Outro no presente vivido, ele experimenta a minha

    conscincia

    A sociabilidade est condicionada atos comunicativos entre um Eu que se

    volta aos Outros e os apreende como pessoas. Esse processo se d a partir da

    percepo do Outro enquanto um corpo no espao que compartilha comigo um

    ambiente comunicativo comum. "O ambiente comum de comunicao pressupe

    que a mesma coisa que me dada "agora" (mais precisamente, num "agora"

    intersubjetivo), com um determinado colorido, pode ser dada a Outro do mesmo

    modo, "depois", no fluxo do tempo intersubjetivo, e vice-versa" (Schutz, 1979: 161-

    2).

    A sociabilidade em Alfred Schutz se constitui em uma experincia vivenciada

    no tempo e no espao. Essas duas variveis precisam ser compartilhadas em

    comunho, ao que ele denomina de encontro "face a face". A experincia com o

    Outro precisa ser direta. Cabe citar suas palavras para que fique claro em que

    circunstncias se constitui o seu conceito de "face a face":

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 20

    "Digo que outra pessoa est ao alcance da minha experincia direta quando ela

    compartilha comigo um tempo comum e um espao comum. Ela compartilha comigo um

    espao comum quando est presente pessoalmente, e estou consciente dela como tal e,

    alm disso, quando estou consciente dela como essa pessoa ela prpria, esse indivduo em

    particular, e do seu corpo como o campo no qual esto em jogo os sintomas de sua

    conscincia interior. Ela compartilha comigo um tempo comum quando sua experincia flui

    lado a lado com a minha, quando posso, a qualquer momento, buscar e captar seus

    pensamentos conforme eles passam a existir, em outras palavras, quando estamos

    "envelhecendo" juntos." (Schutz, 1979: 180)

    Alm do carter imediato da interao social, Alfred Schutz (1979) tambm

    sustenta que para haver o Ns (como unidade prvia interao social) preciso

    que haja a tomada de conscincia da presena do Outro. O que ele denomina como

    sendo uma "orientao para o Tu". Entenda-se esse conceito como sendo um

    estado em que se constata a presena do Outro como "estando l". Perceber a

    presena do Outro no significa ter conscincia do que se passa pela mente do

    Outro (motivos afim de), mas sim estar ciente de que outro ser humano (um corpo)

    compartilha o mesmo ambiente comum.

    O processo de "orientao para o Tu" pode ser unilateral ou recproco. Nada

    assegura que tu me veja como semelhante, assim como eu o vejo. Somente

    recproco quando um e outro esto conscientes da presena de ambos, ou seja,

    quando h um relacionamento face a face, social e diretamente vivenciado. "O

    relacionamento social diretamente vivenciado na vida real o relacionamento do

    Ns puro concretizado e atualizado, em maior ou menor grau, e dotado de contedo"

    (Schutz, 1979:182).

    O relacionamento do Ns ocorre a partir da mtua orientao para o Tu.

    Quando duas pessoas tm conscincia da presena uma da outra, da sim temos

    um relacionamento do Ns. Entretanto, ainda no um relacionamento social. Esse

    ocorre quando h um contato face a face. Ele existe quando duas pessoas

    compartilham mesmos tempo e espao. Em relao ao tempo h uma mesma

    vivncia caracterizada por um envelhecer junto. Em relao ao espao h um

    mesmo ambiente (Schutz, 1979).

    Por ambiente Alfred Schutz se refere ao mundo exterior que apreende

    diretamente, tal como o ambiente fsico, a lngua e demais artefatos culturais. Alm

    disso, o contato face a face composto pelo conhecimento que tenho da outra

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 21

    pessoa e o que ir por vir; os cdigos de interpretao; os motivos afim de e por que;

    a mtua orientao (o Outro est orientado s minhas aes e eu s aes dele); os

    efeitos dessas no desenrolar da comunicao e das aes futuras..."esse

    cruzamento de olhares, esse espelhamento um do outro, de mil facetas, um dos

    traos nicos da situao face a face" (Schutz, 1979:187).

    A noo de interao social de Alfred Schutz atenta para a necessria

    existncia de reciprocidade no contato face a face. Precisa haver a tomada de

    conscincia de um parceiro em relao ao outro. A interao tambm pressupe a

    existncia de motivos (afim de e por que) pelos quais ocorrem as aes. Eles so

    interpretados a partir das experincias anteriores da pessoa. H uma troca, uma

    descoberta mtua um do outro. Essa a prpria peculiaridade da interao face a

    face. Os comportamentos da outra pessoa somente podem ser esperados enquanto

    expectativa, fantasia (Schutz, 1979:190). Nada certo que ir acontecer, mas h

    uma orientao mtua de aes. Isso recebe o nome de testemunho. Estar em

    interao social tambm significa testemunhar como o Outro reage ao meu

    comportamento.

    Tcnica e virtualidade

    Na poca de Georg Simmel (1858-1918) e de Alfred Schutz (1899-1959) no

    haviam os chats para propiciarem uma interao social virtual. Com a informtica os

    indivduos encontraram uma maneira diferente at ento vista de se relacionarem.

    Ela se d a partir de um novo ambiente de comunicao, que est em concordncia

    com um avano tcnico da humanidade.

    Com relao tcnica, Pierre Lvy sustenta que ela no est em oposio

    humanidade. Homem e tcnica esto unidos em um mesmo processo o qual se

    desenvolve a humanidade. Para ele, assim como a economia, a filosofia e a religio,

    por exemplo, a tcnica no uma fora real. Na verdade todas elas so dimenses

    de anlise, abstraes. Nesse sentido entenda-se que elas so dimenses abstratas

    e desprovidas de qualquer meio de ao. "Os agentes efetivos so os indivduos

    situados no tempo e no espao" (Lvy, 2001: 13). A tcnica, segundo Pierre Lvy,

    deve ser entendida como sendo um processo onde foras no humanas so

    utilizadas a servio das estratgias variveis dos seres humanos. Essas estratgias

    surgem na dinmica social de agregao/desagregao humana. A tcnica

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 22

    apenas a parte das estratgias humanas que passam por atores no humanos

    (Lvy, 2001: 14).

    Partindo dessa premissa bsica, Pierre Lvy considera como tcnicas tanto a

    maneira de pensar, de comunicar e de pensar em Deus, quanto a informtica, a

    impresso e a escrita. Todas essas "tcnicas" passam por processos materiais.

    Inventos revolucionrios como a mquina a vapor e a mquina fotogrfica serviram

    tanto para pensar o mundo, quanto atualmente o computador serve para o mesmo

    fim. Pierre Lvy no dissocia os inventos tcnicos dos modos de pensar cultural e

    historicamente localizados. Para ele h uma associao tamanha que coloca a

    tcnica dentro do processo cognitivo humano: "o telgrafo e o telefone serviram para

    pensar a comunicao em geral" (Lvy, 2001: 16). E ainda, a revoluo industrial

    surgida no final do sculo XVIII gerou "um novo imaginrio do espao e do tempo

    sob a influncia dos meios de transporte rpidos e da organizao industrial do

    trabalho" (Lvy, 2001: 17).

    Seguindo sua proposio, sustento que o chat, incluindo o conjunto de

    elementos envolvidos em um tipo de sociabilidade virtual, serve para pensar a

    socializao humana. Diante da tcnica informtica os homens esto tendo uma

    nova relao com o mundo. As noes de tempo e espao so reorganizadas e

    redimensionadas. Alm disso, as representaes sociais so reformuladas. Tudo

    culmina no surgimento de uma "nova humanidade". Muito certamente seja uma nova

    humanidade convivendo com antigas. No podemos esquecer que a gerao e a

    apropriao de tcnicas varia de cultura para cultura. A informtica e a mdia

    eletrnica, como partes de uma estratgia humana, atinge determinados cosmos

    humanos. Nestes, elas comeam a fazer parte da apreenso do real. E a partir de

    como so utilizadas podemos observar aspectos da experincia humana, tais como

    identidade, comunicao e interao social.

    Plos distintos

    Pierre Lvy (2001) defende o surgimento de uma "nova inteligncia" no sculo

    XXI frente informtica. Como resultado principal est a existncia de um

    conhecimento por simulao. Ele decorrente do avano tecnolgico o qual a

    humanidade atingiu. Nesse panorama o processo cognitivo humano - a apreenso

    do real - se transforma. Para o autor a humanidade passa por um estgio onde a

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 23

    informtica o centro gravitacional. Entretanto, ainda esto presentes os gneros de

    conhecimento fundados sobre a oralidade e a escrita. Segundo o autor esses so os

    trs plos do esprito (plo da oralidade primria, da escrita e o informtico-

    miditico). Em cada um deles a ecologia cognitiva era de um tipo.

    Com relao comunicao interpessoal as diferenas so marcantes. No

    plo da oralidade primria, emissor e receptor da mensagem esto inseridos nas

    mesmas circunstncias e compartilham interesses prximos. Historicamente isso

    ocorre em civilizaes sem escrita. No plo da escrita a distncia entre autor e leitor

    pode ser grande. Isso resulta na necessidade de objetividade por parte do emissor,

    assim como de interpretao do receptor. Em decorrncia disso temos uma fora no

    sentido da universalidade. No caso do plo informtico-miditico existe a conexo a

    uma rede, por exemplo a Internet. Conectados a uma rede, emissor e receptor

    dividem a produo do hipertexto5. Entretanto, as mensagens so produzidas de

    modo a durarem menos (Lvy, 2001: 127).

    Sincronia e assincronia

    O que est em jogo na sistematizao de Pierre Lvy, mas que ele no

    explicita, a varivel "sincrnica". Na oralidade o grau de sincronia extremamente

    elevado. Os indivduos compartilham tempo e espao. Nesse caso, por exemplo, a

    memria est encarnada em indivduos e transmitida atravs dos ritos e mitos com

    repetio atravs de geraes. O tempo toma a forma circular do eterno retorno e o

    saber obtido pela narrativa. Na escrita pode haver a total anulao da sincronia (a

    gerao de uma a-sincronia, ou assincronia). A informao codificada por um

    emissor (autor) e poder ser decodificada por um receptor (leitor) em um tempo ou

    espao muito diferentes dos de criao do texto. Nesse caso, a memria

    objetivada no escrito e o saber transmitido na forma de teorias. Esto em jogo a

    objetivao e a interpretao. No plo informtico-miditico o grau de sincronia

    aumenta, quase como na oralidade e o armazenamento da informao objetivado,

    assim como na escrita.

    Utilizando a informtica, os indivduos tm a possibilidade de utilizar os

    processos de sincronia e assincronia. As principais caractersticas da oralidade e da

    5 Modo como apresentada a informao na Internet, quando a seqncia no previamente linear, dependendo da construo do internauta.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 24

    escrita se fundem no "plo informtico". O resultado imediato para os indivduos

    inseridos nesse plo est na rearticulao tempo-espacial. A comunicao se

    processa em um ambiente onde pode no haver o mesmo tempo entre emissor e

    receptor, nem o mesmo espao. Ou ento em mesmo tempo, mas em espaos

    diferenciados. Denomino esse ambiente de ciberespao. Sua principal caracterstica

    operar a partir do fenmeno de virtualidade, o qual rearticula as noes de tempo

    e espao.

    No plo informtico as noes de tempo e espao do lugar, respectivamente

    s de sincronismo e interconexo. A comunicao entre indivduos pode operar com

    uma "larga faixa de tempo", no sentido de um quase assincronismo. Por exemplo,

    uma mensagem enviada eletronicamente pode ser recebida algum tempo depois.

    Mesmo assim temos o fenmeno comunicacional, j que emissor e receptor

    conseguem compartilhar a mesma mensagem. No temos, nesse caso, o

    imediatismo da oralidade. No entanto, temos um dinamismo grandemente difundido

    e utilizado atualmente pelos indivduos, o que o aproxima, at certo ponto, da

    comunicao oral. No caso da comunicao imediata e feita via computador em rede

    (chat de Internet, por exemplo) a faixa de tempo entre o envio e o recebimento da

    mensagem bem reduzida. Estamos diante de uma sincronia prxima a da

    oralidade. Entretanto, falta o contato "face a face" em um mesmo espao, prprio da

    comunicao oral. Ao invs disso temos o contato sincrnico (ao mesmo tempo)

    entre indivduos interconectados em rede.

    Tecnicamente, no interessa se esto em cidades, estados ou pases

    diferentes, mas sim que esto compartilhando do mesmo ciberespao, mediado pelo

    computador e visualizado pelo seu monitor. Anula-se a varivel espao e temos a

    varivel interconexo. Nesse caso, a comunicao sincrnica entre dois indivduos

    se d pela mtua conexo, e no por estarem em um mesmo espao fsico. No o

    mesmo resultado proporcionado pelo telefone. O contato oral via telefone tambm

    sincrnico e depende de uma conexo. J a informtica abrange as caractersticas

    da escrita. Elas esto colocadas principalmente pela possibilidade de existncia de

    uma assincronia entre emissor e receptor, objetividade (universalizao) da

    informao e interpretao da mensagem em um tempo e espao que podem ser

    compartilhados ou no. No exemplo de um chat (sala de bate-papo), a escrita

    utilizada na estrutura prpria de um contexto oral, com emissor e receptor em

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 25

    sincronia. Tambm fazem parte do processo, vivncia cotidiana, narrativas e

    possibilidade ou no de registro do hipertexto criado com a comunicao.

    Na sociabilidade feita via chat de Internet h a sincronia da oralidade e o texto

    da escrita (assincronia). Ela no utiliza todos os elementos da oralidade, pois no

    tem o encontro face a face e um meio de comunicao feito via escrita (registrada

    com caracteres). Entretanto, tambm no utiliza todos os elementos da escrita, pois

    sincrnico - emissor e receptor trabalham no texto simultaneamente - e no tem

    tanta objetividade (universalismo). Alm disso, o sistema informtico possibilita a

    construo de uma memria social de grupo, entre os usurios do sistema que

    compartilham a vivncia cotidiana.

    Sociabilidade virtual

    Com os elementos trazidos aqui podemos esboar uma definio clara e

    delimitada do fenmeno de sociabilidade virtual. Alguns pontos das teorias visitadas

    parecem extremamente adequados para traduzirem o fenmeno. Outros carecem de

    uma releitura tendo como parmetro a situao atual. A experincia trazida de

    pesquisas j realizadas sobre o tema nos possibilita relacionar algumas dimenses

    da vivncia on-line.

    Em ambiente de chat visvel a relao simmeliana entre contedo e forma.

    Os usurios de chat comeam a utilizar o sistema interessados em sanar o

    sentimento de solido6 e buscar envolvimentos amorosos. Durante a comunicao

    com outros usurios cria-se um conjunto de estratgias que articulam diversos

    assuntos para sustentar a interao. Nesse momento percebe-se a reduo da

    presena da varivel contedo e aumento da forma. No importa sobre o que se ir

    bater-papo. O importante estar interconectado e trocando mensagens. Podemos

    observar essa substituio de centro gravitacional quando verificamos que os

    assuntos tratados no momento de interao via chat so efmeros e fortuitos.

    O que permanece inalterado o desejo de trocar mensagens, de estar ligado

    com algum outro usurio por um canal de comunicao. Isso ocorre tanto para

    aquele freqentador eventual, quando para o regular, que est inserido em uma rede

    de relaes mais duradoura. No caso do interesse de se envolver amorosamente,

    esse acaba ficando em segundo plano em relao ao convvio com demais usurios.

    6 Uma reflexo sobre "solido" est em: Carvalho, 1995.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 26

    Os indivduos acessam o chat e ficam ali, trocando mensagens, batendo papo. Tudo

    parece, at certo ponto, despretensioso, mas est latente o desejo de "ficar" ou

    "namorar"7. Entretanto, para no estar sozinho preciso que o freqentador entre no

    jogo que existe na convivncia em ambiente de chat e apreenda suas regras e

    estratgias.

    Enquanto fazem isso os usurios do sistema percebem outros usurios e

    compartilham um mesmo tempo transcorrido e um mesmo espao de convivncia.

    Alfred Schutz trata da percepo do outro enquanto um corpo no ambiente. Em

    ambiente de chat no esto presentes os corpos dos humanos. Alm disso, o

    conceito de ambiente diferente daquele proposto por ele. A percepo do outro se

    d pela percepo de um usurio utilizando um nick8 e trocando mensagens. O nick

    atinge o status de signo e j comea a expor os "motivos afim de". Embora vrios

    usurios acessem o chat ao mesmo tempo, a percepo do Ns ocorre quando h a

    criao de um canal de comunicao entre emissor e receptor da mensagem.

    O ambiente compartilhado passa a ser o da plataforma do chat, que se

    materializa no layout9 que visualizado pelo monitor do computador. No h um

    contato face a face. Ao invs disso temos uma relao "face a tela". No chat no h

    o contato schutziano de troca de olhares, de sutileza e percepo do outro

    freqentador. Ao invs disso h a criao de um espao com alto grau de

    interpretao, j que esto anuladas as percepes sensoriais humanas. A

    interpretao gera o descobrimento do Outro. Falta a viso do corpo do Outro, falta

    ouvir o Outro, falta sentir o toque do Outro e falta cheirar o Outro. Todas essas faltas

    criam a busca da descoberta do Outro. Se na sociabilidade de Alfred Schutz, do

    contato face a face, essa "descoberta" est presente, ainda mais na sociabilidade

    face a tela com falta de utilizao dos sentidos corporais. Essa descoberta se d

    simultaneamente. Os freqentadores de chat compartilham de um mesmo tempo

    transcorrido, o que aproxima a idia de existir um "presente vivido" e um "envelhecer

    juntos".

    7 Adiante ser apresentada uma reflexo terica sobre os dois conceitos. 8 Abreviatura de nickname, que significa apelido. O nick a denominao que os internautas fazem ao apelido que se utiliza na Internet. Adiante ser apresentada uma reflexo sobre o nick. Embora ser de origem inglesa, essa palavra j se incorporou como gria de internautas. A palavra no vir em itlico durante o texto. 9 Disposio das formas que compem a imagem, desde o texto at figuras, cores e disposio grfica.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 27

    Esses dois pontos da teoria schutziana somente so possveis na

    sociabilidade em ambiente de chat porque h, nessa convivncia, sincronia das

    mensagens enviadas. No o caso da comunicao por correio eletrnico. A

    comunicao feita pela troca de mensagens via e-mail no propicia o fenmeno de

    sociabilidade virtual. Na comunicao por e-mail (e outros sistemas semelhantes)

    no h a gerao de simultaneidade. Nesse caso h assincronia. Tambm no o

    caso das "listas de discusso", que so intermediadas por e-mail, mas alguns

    pesquisadores consideram que nelas se pratica sociabilidade. A sociabilidade virtual

    ocorre quando se misturam as caractersticas da oralidade (sincronia) e da escrita

    (mensagem registrada que pode ser decodificada em outro tempo e espao,

    buscando a objetividade e com efeito assincrnico).

    A tcnica que possibilita essa mistura a informtica. Nela pode-se equalizar

    as variveis de sincronia e assincronia. Podemos ter um pouco mais de uma ou um

    pouco mais de outra. Quando a relao de mais sincronia comea-se a ter um

    ambiente propcio sociabilidade. Alm disso, esto presentes os elementos

    caractersticos de um sistema miditico. O que parece mais marcante no momento

    atual a presena da "tela". A mediao entre pessoas feita pela mquina e o

    contato visual. Percebe-se um usurio atravs da viso de um nick e da viso de

    uma mensagem. Por mais que se defenda que por detrs de um nick existe uma

    pessoa, sua presena desaparece quando troca de nick, ou deixa de acessar o chat.

    Por sociabilidade virtual devemos entender a interao social realizada pela

    comunicao sincrnica e com contato interpessoal mediado pela tela do

    computador. Ela apresenta a mesma inverso entre forma e contedo apresentada

    por Georg Simmel. O contedo de interesses que gera a aproximao com outras

    pessoas d lugar ao prazer de se estar associado via imagem digital. No caso do

    chat parece haver um processo de adequao da tcnica em favor da estratgia

    humana de estar acompanhado (no estar s, interagir e socializar).

    A sincronia a mesma da comunicao oral, com curto espao de tempo na

    troca de mensagens. Enquanto o emissor envia a mensagem o receptor j est

    decodificando, com uma diferena de segundos. Existe um presente compartilhado.

    Em sincronia uma pessoa testemunha a presena da outra no seu mesmo tempo.

    Existe um imediatismo temporal, da mesma forma que h um espacial. Entretanto,

    nesse caso o espao que rodeia uma pessoa no o mesmo que rodeia a outra. O

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 28

    que h de igual a tela do computador. A interao social ocorre a partir da

    virtualidade.

    Para pensar as novas tecnologias, o virtual e o ciberespao

    Para Pierre Lvy a humanidade surgiu a partir do processo de virtualizao

    (Lvy, 1996). Ele considera que a espcie humana emergiu a partir de trs

    processos de virtualizao: desenvolvimento das linguagens, multiplicao das

    tcnicas e complexificao das instituies (Lvy, 1996: 71). A linguagem virtualiza

    o tempo real. s ferramentas coube a virtualizao da ao (Lvy, 1996: 75), ou

    seja, do corpo e do ambiente fsico. Com o crescimento das relaes sociais surge a

    virtualizao da violncia (Lvy, 1996: 77), que trata de ordenar o conjunto de

    foras e impulsos existentes na sociedade humana.

    A essncia paradoxal da cibercultura a sua universalidade sem totalidade

    (Lvy, 1999: 111). O ciberespao tende universalizao, como ocorreu, por

    exemplo, com os automveis, aviao, eletricidade, etc. No entanto, a medida em

    que o ciberespao se universaliza, mais tende a ficar sem contedo, com aparente

    ausncia de regras. O que parece mais provvel um processo de reapropriao

    que constantemente feita pelos indivduos. Existem caractersticas especficas do

    ciberespao, mas os indivduos selecionam e utilizam algumas. O ato simblico

    relacionado ao ciberespao depender de cultura para cultura. Tudo isso gera a

    reconceituao do ciberespao.

    As caractersticas tcnicas do ciberespao que esto mais presentes so: o

    acesso a distncia aos recursos de um computador; a transferncia de dados

    (upload); o correio eletrnico, vantagem de ter o texto digitalizado, sem passar pelo

    papel, tendo a possibilidade de ser enviando a um nmero imenso de pessoas sem

    a utilizao da fotocpia ou o telefonema para todos; a realizao de conferncias

    eletrnicas (no chat so inventados novos estilos de interao e escrita), na Internet

    so chamados de newsgroups, onde o ciberespao torna-se uma forma de contatar

    pessoas no mais em funo de seu nome ou de sua posio geogrfica, mas a

    partir de seus centros de interesse; groupware (Lvy, 1999: 100).

    Luiz Antonio Carvalho da Rocha prope que no processo de comunicao via

    informtica/Internet h a possibilidade do indivduo escolher seu papel (Rocha,

    1996). Ele fica exposto, representado pelo seu imaginrio. Tambm temos uma

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 29

    potencializao do alcance do indivduo informaes e pessoas, ao que se refere

    geografia e diversidade de ambos. O computador fica sendo uma prtese do

    indivduo (Rocha, 1996:8). Um mecanismo que faz a ligao entre dois mundos: o

    off-line (contato pessoal) e o on-line (mediado por computadores).

    Airton Jungblut traz a idia de uma certa fragmentao do Eu no mundo on-line

    (que j era constatado contemporaneamente no mundo off-line) e uma

    potencializao das aes individuais (Jungblut, 2000). A possibilidade que se tem

    de ir e vir em segundos a distncias que antes eram quase intransponveis, buscar

    informaes instantneas e viver vrias identidades faz com que o indivduo tenha

    poderes de onipresena, onipotncia e oniscincia. Ainda h uma valorizao do

    anonimato. ...o anonimato um dos princpios mais valorizados em sociabilidade

    via Internet (Jungblut, 2000:137).

    Algo que converge com a idia proposta por Dominique Wolton quando cita,

    como caracterstica das novas tecnologias, a necessidade de atuar e a capacidade

    de criao (Wolton, 2000). Com a Internet h um crescimento da idia do "do your

    self" (faa voc mesmo). Percebemos isso quando pensamos o quanto a informtica

    traz em seus softwares manuais de auxlio. Alm disso, de uns anos para c ficou

    mais presente o fato de se construir, voc mesmo, uma homepage , ou um site10 de

    Internet. Tudo isso envolto em uma nova forma de utilizar a mdia. quando

    percebemos, por exemplo, o quanto a linguagem escrita estilizada e elaborada de

    maneira a dar conta da falta do som nas salas de bate-papo virtual.

    O ciberespao composto por certas caractersticas que o elevam de simples

    meio de comunicao espao compartilhado. Nesse sentido, talvez a caracterstica

    principal seja a de "deslocamento". O internauta percebe a Internet e seu conjunto

    de stios (sites) como sendo um campo aberto ao trnsito. Ele pode estar em sua

    residncia, na frente de seu computador, ao mesmo tempo que freqenta a

    biblioteca da universidade, ou ento o grupo de amigos no chat que se encontra

    regularmente em tal sala de bate-papo.

    Quando trata da relao do indivduo com os "novos meios de comunicao"

    (se referindo Internet), Dominique Wolton (2000) associa a facilidade em lidar com

    o computador com a dificuldade de se relacionar face a face. Ele parte desse ponto,

    10 A palavra de origem inglesa e j aparece em algumas verses recentes de dicionrios da lngua portuguesa. Geralmente ela traduzida como sendo "stio". Aqui ela vir em itlico, pois ainda interpretada como uma palavra estrangeira.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 30

    de que os melhores "internautas" geralmente tm dificuldades de se comunicar

    pessoalmente. Ele considera a utilizao da comunicao via computador como

    sendo uma ferramenta para acrescentar uma melhoria na relao interpessoal do

    indivduo. Para Dominique Wolton outra caracterstica da Internet o tempo. Nas

    novas tecnologias o tempo homogneo, racional e liso. Por outro lado, o tempo

    humano descontnuo e diferenciado, segundo os momentos e etapas da vida.

    Virtual Real

    No incio da dcada de noventa Philippe Quau (1993) defendia que haveria

    um estreitamento entre o "real" e o "virtual". A imagem seria to significativa como

    linguagem quanto a escrita. Para ele o virtual uma pseudo-realidade e existe

    uma fronteira entre um suposto mundo real e outro virtual. Ele alertava do perigo

    para o futuro da humanidade nessa relao. O perigo estaria concentrado

    principalmente em um possvel domnio do virtual sobre o real.

    Philippe Quau temia que um futuro repleto de uma massa desempregada

    viesse a ser manipulada pela formao e domnio de um mundo fictcio, virtual. Mas

    o perigo maior, segundo ele, seria "acabar considerando o real como uma extenso

    dos mundos virtuais" (Quau, 1993: 97). Seu exemplo de quando a equipe de

    radar do navio americano Vincennes confundiu o eco produzido por um Airbus com o

    eco de um avio caa Mig. O resultado foi o lanamento de um mssil e a morte de

    dezenas de pessoas.

    Virtual Real

    O "medo" do virtual menor para Jean-Louis Weissberg. Ele afirma que a

    simulao gerada pela virtualizao um fenmeno humano antigo. Data ainda da

    Grcia Antiga, quando as esculturas eram criadas para representar aes humanas.

    Culmina, talvez, na fotografia, quando a imagem captada substitui o objeto. Para ele

    mais importante pesquisar atualmente as posies ocupadas pelo real e o virtual.

    Saber que o virtual existe uma coisa dada. "Muitas experincias, pesquisas,

    aplicaes tendem a constituir uma outra cenografia em que os atores (real/virtual,

    objeto/imagem, conhecimento humano/ programa "inteligente") ocupam posies

    inditas." (Weissberg, 1993: 119)

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    ...uma etnografia entre internautas. 31

    Para esse pesquisador o virtual no substitui o real. O virtual antes uma

    extenso do real. Ele cita o exemplo de uma maquete que simula um projeto. Ela

    no existe para substituir o projeto, mas sim um projeto em potencial. um vir a

    ser em objeto. Por exemplo, o sistema que integra um avio caa. Ele formado por

    uma tela que reproduz o terreno sobrevoado. Porm, tambm composto por

    mecanismos reais que carrega: msseis, trajetria, misso, etc. O conjunto todo

    esse composto real-virtual o qual Jean-Louis Weissberg se refere. Real e virtual

    andam juntos nesse caso e servem para pensarmos outras situaes semelhantes.

    Virtual Real

    Para Dominique Wolton, "virtual" e "real" pouco se misturam. Para ele a

    comunicao se d atravs de trs pontos: tecnolgico, cultural e social (Wolton,

    2000). Na maioria das vezes se prope que a tecnologia ir resolver os problemas

    culturais e sociais, o que ele contra. Segundo esse pesquisador,

    contemporaneamente cultiva-se a idia de que a tecnologia, a Internet, resolva o

    problema de participao e de democracia, e ainda, que tambm resolva o problema

    de comunicao e de mercado. So propostas que sugerem que o virtual possa

    abarcar o real e "ajud-lo".

    Dominique Wolton lembra que o virtual, assim como a comunicao, no tem

    vida prpria e depende em muito da cultura envolvida. Ele contra a racionalizao

    radical dos novos meios de comunicao. especialmente contra a idia de que a

    comunicao via novos meios de comunicao ir substituir a comunicao direta

    entre seres humanos. Ele tambm critica a idia de "comunidade mundial" derivada

    dos novos meios de comunicao. Para ele a tecnologia apropriada de forma

    diferentemente em cada canto do mundo. Uma vez que, assim como para Jean-

    Louis Weissberg, fica muito clara a ausncia de fronteiras entre on e off-line. Porm,

    a influncia do "real" (off-line) sobre o "virtual" (on-line) e no vice-versa.

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 32

    A importncia da tela do monitor

    "As imagens de sntese formam uma nova escrita que modificar profundamente

    nossos mtodos de representao, nossos hbitos visuais, nossos modos de trabalhar e de

    criar. No se trata de mais um gadget, nem de uma moda passageira, e sim de uma revoluo

    escrita profunda. Com elas surge uma nova relao entre imagem e linguagem. Agora o legvel

    pode engendrar o visvel." (Quau, 1993: 91)

    Com essa afirmao Philippe Quau defende que atualmente existe a

    proliferao de "imagens de sntese". O nicho onde elas ocorrem o mundo virtual,

    especialmente o informtico. Esse tipo de imagem diferente do at ento

    produzido pelo registro da luz feito pela fotografia. A imagem a que ele se refere a

    binria, de computador. Essa imagem no do mesmo tipo que a obtida pela

    fotografia. A "imagem de sntese" a que ele se refere , antes de tudo, linguagem.

    Ele est se referindo a uma "imerso na imagem". Ela semelhante a que

    ocorre nos simuladores de vo, por exemplo. Com isso essa imagem adquire o

    status de lugar. Esse lugar entendido como espao. Entretanto, esse espao s

    existe na integrao com a imagem. A prpria imerso na imagem que forma esse

    espao. Ele no existe a priori. Dessa forma Philippe Quau (1993) lana as bases

    da noo de ciberespao.

    A Internet um meio de comunicao que privilegia o layout e a relao

    visual com o internauta. A formao de um espao se d na imerso nas imagens

    que se sucedem na tela do computador. a que o meio de comunicao atinge o

    status de lugar, de ciberespao. H a possibilidade de "mergulho" nessas imagens

    disponibilizadas virtualmente.

    Philippe Quau est explicitamente se referindo s comunidades virtuais

    quando fala da possibilidade de mergulho na imagem e gerao de espao (Quau,

    1993: 95). Ele cita que as comunidades virtuais do final da dcada de oitenta eram

    organizadas a partir de redes interativas e compartilhavam de imagens virtuais

    acessadas via computadores pessoais. Sobre isso ele se refere da seguinte forma:

    "Este futuro Minitel virtual oferecer redes de mensagens grficas interativas e

    tridimensionais, redes de encontros virtuais, onde adotaremos virtualmente a personalidade e

    a aparncia da nossa escolha, e onde poderemos passear em redes, como outrora

    passevamos em Veneza, agora com a nossa mscara grfica." (Quau, 1993: 95)

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

    ...uma etnografia entre internautas. 33

    Para Derrick de Kerckhove a imerso na tela se d de uma forma semelhante.

    A televiso, por exemplo, uma tela saturada de informaes sensoriais. Entretanto,

    como ele afirma, ela um meio de comunicao de apenas um sentido. Ela no tem

    o retorno do espectador, que apenas tem em mos um controle remoto como

    mecanismo de integrao e resposta imediata. Por outro lado, "...as mquinas de

    realidade virtual ampliam e estimulam nossos inputs sensoriais (tato, viso e

    audio) para reconstituir uma conscincia artificial que verdadeiramente exterior a

    nosso prprio esprito, exterior a nosso prprio corpo" (Kerckhove, 1993: 60).

    A imerso na imagem toma conta do mundo contemporneo. Luiz Antonio

    Carvalho da Rocha argumenta que no campo das artes plsticas esse processo se

    d pelo despertar dos sentidos do espectador. As instalaes artsticas

    contemporneas levam a esse envolvimento. Ele mostra que desde os anos

    sessenta as artes plsticas buscavam propiciar experincias sensoriais. J

    atualmente, no formato digital, a obra de arte passa por um processo de

    desmaterializao. A imerso se d agora pela participao de um "espectador-

    fruidor", quando a autoria da obra passa pelas mos de seu usurio (Rocha, 2000:

    54-55).

    Embora situados em campos diferentes, esses pesquisadores compartilham

    da opinio de que no mundo contemporneo se "mergulha" em imagens. A imerso

    parece estar mais disponvel quanto maior a possibilidade de "interagir". Dessa

    maneira, a imagem torna-se poderosa e capaz de absorver o seu espectador para

    dentro de seu "espao", que aqui est sendo considerado como o ciberespao.

    O poder da imagem

    Derrick de Kerckhove (1993) afirma que atualmente a sociedade vem cada

    vez mais se tornando surda. A surdez vem em decorrncia da supremacia da viso.

    A viso o sentido preferido pela cultura ocidental contempornea porque mais

    completa e necessita de mais energia para operar. O prprio Derrick de Kerckhove

    aconselha a fazer o exerccio de fechar os olhos e tentar perceber o ambiente. A

    audio, por ser seletiva, "ligada" no momento em que a viso desligada. A partir

    de ento comea a operar e perceber situaes que a viso no dava conta antes.

    Ao abrir os olhos a audio "desligada". O organismo comea a dar ateno

  • Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

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    viso. por causa disso que, segundo esse pesquisador, tornamo-nos cegos para

    tudo alm das aparncias. A tnica da sociedade ocidental dada sobre a viso, a

    imagem, a aparncia.

    esta a resposta ao questionamento de Dominique Wolton (2000). Esse

    pesquisador questiona em ser a Internet um meio de comunicao hierarquicamente

    superior ao rdio e televiso, por exemplo. O seu questionamento se d pelo fato

    de ser dado "menos importncia" ao som na Internet. Desde ento o som era uma

    qualidade constantemente acrescida aos meios de comunicao. Dominique Wolton

    nos lembra da relao entre televiso, rdio e Internet. Primeiro veio o rdio, depois

    a televiso e em seguida a Internet. Caso houvesse uma relao de hierarquia, a

    ltima seria a mais "evoluda". Ele lembra que no sculo passado a "evoluo" dos

    meios de comunicao sempre esteve atrelada entrada e maneira diferente de

    tratar o som. Do telgrafo ao telefone veio a voz. No cinema veio o som e a

    possibilidade da massa escut-lo. Paradoxalmente com a Internet no h som. O

    mximo que h o som dos dedos tocando o teclado. Como ento pensar a Internet

    como sendo um avano tecnolgico da humanidade?

    Se Derrick de Kerckhove est correto, o fato da Internet "ter pouco som" em

    decorrncia de um processo pelo qual passa a sociedade ocidental contempornea,

    a qual est