Plano de Imanência Ou a Ideia Do Pensamento

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Plano de Imanência (território) ou a ideia do pensamento, 31/05/1995 –  ClaudioUlpiano

A idéia de IMAGEM DO PENSAMENTO, que aparece na obra do Deleuze:

Essa idéia, imagem do pensamento , em termos de idéia, se aproxima da idéia de pintura, da idéia de música, no sentido de que essas idéias música e pintura só podem ser pensadas e ser entendidas enquanto práticas singulares; ou seja, não existeuma idéia de música que abarque todas as músicas ou uma idéia de pintura que abarquetodas as pinturas. A pintura implica um conjunto de práticas pictóricas, umasingularidade no ato de pintar. E a Imagem do Pensamento é a mesma coisa. E essanoção de Imagem do Pensamento, colocada na obra do Deleuze, leva-o a concluir que oato de pensar é CRIATIVO e INVENTIVO.

(Aqui já começa a ficar difícil!).

Todo pensamento, todo ato de pensamento é uma criação e uma invenção. O primeiroefeito dessa afirmação do Deleuze  que pensar é criar e inventar é odesmantelamento da História da Filosofia. Porque a história da filosofia é a suposiçãode que os filósofos fazem evolução de um para outro ou de que um prolonga outro.Quando o Deleuze coloca que pensar é criar e inventar, cada filosofia é umasingularidade única, que não tem nenhum parentesco com outra filosofia. Isso fazDESAPARECER a idéia de HISTÓRIA DA FILOSOFIA. Ou melhor, essa noção

 permite uma melhor compreensão do que nós chamamos de HISTÓRIA.

A história é o prolongamento de alguma coisa em outra. Quando você introduz a noçãode inventar e de criar, não é só a história da filosofia que desaparece; nesse sentido,desaparece também a história das artes: cada arte é uma prática inventiva e uma práticacriativa.

Então, no momento em que o Deleuze cria essa noção de Imagem do Pensamento, o queele está dizendo é que cada filosofia (eu vou me manter no campo da filosofia), cadafilosofia inventa os seus próprios conceitos. Você pode, então, até aplicar a noçãosociológica de contexto, que talvez caiba: se você retirar o conceito do seu própriocampo, ele perde a potência. Essa prática no Deleuze é impossível de ser feita, masisso não quer dizer que não possa ser feita. O que eu estou dizendo é que um conceitonão tem uma existência isolada; o SER do conceito é VIZINHANÇA todo conceito

 pressupõe outros conceitos dentro do seu próprio campo.Essa noção de campo que eu acabei de aplicar é campo de imanência. Cada imagem do

 pensamento produz o seu próprio campo, cada filosofia produz o seu próprio campo e o Deleuze agora cria uma nova noção que é a noção de PLANO DE IMANÊNCIA.

Para nós começarmos a entender o que quer dizer plano de imanência, eu vou excluirdessa noção as noções de OBJETO e FINALIDADE. O que eu estou dizendo é quequando você tem um plano de imanência… Eu vou utilizar uma palavra excelente, umaidéia excelente, que serve para todos os campos vamos pensar o DESEJO como um

 plano de imanência. Pensar o desejo como plano de imanência seria retirar do desejo

todo objeto e toda finalidade; e, a partir daí, o plano de imanência torna-se um

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PROCESSO. O desejo, então, seria um processo. Não importa que fosse chamado de plano de imanência, seria um processo sem objeto e sem finalidade.

Um exemplo para ficar bem claro o que estou dizendo é o exemplo clássico doEspinoza, quando ele coloca que a razão, que a questão da razão é a VERDADE. Mas a

verdade, para a razão espinozista, nem é um objeto nem uma finalidade; ou seja, a razãonão teria como finalidade encontrar fora dela o objeto verdade. A verdade não é umobjeto é uma operação permanente da razão. 

Então, a verdade como OPERAÇÃO e não a verdade como objeto e como finalidade.A idéia de operação (acho que é bem claro o que estou dizendo), quando você dizoperação é a mesma coisa que dizer que o fluxo da razão é um fluxo que opera com averdade. Então, a verdade não se distingue desse fluxo, ela não está fora dele, como nóscostumamos pensar.

Então, o plano de imanência faz parte de qualquer  filosofia. Toda filosofia concebe o

seu plano de imanência.

(Eu vou tentar dar essa aula por essa postulação. Vou ver o que eu consigo fazer por aí.)

Eu vou supor que a filosofia que o Deleuze constrói… 

(Isso tudo é uma maneira didática de explicar; de conceber o que Deleuze estádizendo… e é difícil o que vou dizer, ouviu?) 

Eu vou supor que a filosofia que o Deleuze constrói tem como necessidade dela, dessafilosofia, o contato direto com o TEMPO. Essa expressão é muito difícil: essa filosofiateria como questão o contato direto com o tempo. Eu vou usar essa expressão contatodireto com o tempo para dar essa aula. Da seguinte maneira: quando nósencontramos no mundo uma sequência motora e o que estou chamando de sequênciamotora é uma prática comum a qualquer ser vivo, ou seja, sempre que nós nosdepararmos com um ser vivo, eu vou colocar sobre ele esse conceito: o ser vivo semanifesta por uma sequência motora. Essa sequência motora faz aparecer o TEMPO.Então, o tempo aí é produto de uma sequência motora. O Deleuze chama isso deIMAGEM INDIRETA DO TEMPO.

O que seria uma imagem indireta do tempo? Seria que o tempo, para aparecer,

 pressuporia a sequência motora que em outra linguagem chama-se MOVIMENTO.Então, o tempo seria um efeito ou uma subordinação ao movimento. Como a filosofiado Deleuze quer constituir um plano de imanência (foi isso que eu coloquei) e esse

 plano de imanência é o tempo, o que ele tem que fazer é, evidentemente, sair  dasequência motora e sair da sequência motora para conceber o tempo como umaimagem direta. Então, eu vou usar o nome sequência motora  e como consequênciadessa sequência motora: o tempo; e vou usar o nome SÉRIE TEMPORAL e comoconsequência dessa série temporal, o movimento.

Então (a aula está no princípio, tudo isso vai ser explicado), com o objetivo de constituirsua filosofia, o Deleuze vai-se aproximar de todos aqueles não importa se filósofos

ou não-filósofos de todos aqueles que abandonaram a sequência e passaram para a

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série. Nessa distinção que eu fiz, chamando a sequência de um prolongamento motor; echamando a série de um processo temporal.

Mas aqui aparece um problema, o primeiro grande problema da filosofia… dessa novaimagem de pensamento: é que todo processo empírico é sustentado numa sequência

motora. Então, eu agora vou repetir: todo processo empírico é sustentado numasequência motora. Se o Deleuze quer fazer como imagem do pensamento dele, oumelhor, constitui o seu plano de imanência não numa sequência motora, evidentementeesse plano de imanência do Deleuze não é empírico. Não é empírico. Então essa éuma associação que eu vou fazer o que eu chamei de série temporal, eu vou chamarde transcendental. E que seria, então, o ponto de partida para essa aula.

Então, essa aula vai se guiar, pelo menos por enquanto, na distinção de série esequência. Eu vou tentar um pequeno exemplo a mais; exemplo sem garantia teórica,mas acho que dá para entender. A noção de sequência é sempre um processo motor eessa noção de série é difícil de ser dita porque ela não está modelada pela sequência

motora. Então, eu vou dizer que nesse instante eu vou identificar série, para que a gente possa compreender o que está acontecendo aqui… ou ter um eixo, eu vou chamar sériede DEVANEIO ou DELÍRIO devaneio ou delírio de um espírito, ao invés de chamarde sequência motora. Mas nesse instante alguma coisa aconteceu. Porque eu, para

 passar da sequência pra série, eu tive que abandonar o processo sequencial. E paraabandonar esse processo sequencial eu tive que me servir do que eu falei: devaneio oudelírio. (Certo?)

(Eu vou de outra maneira e tudo isso é apenas uma experimentação para eu poderentrar.)

Por exemplo, um homem andando na rua, normalmente, caminhando num passeio público. Subitamente o movimento dele se transforma em alguma coisa como umacontradança. Ele pára de fazer o movimento sequencial e começa a fazer gestos soltosde dança. Fred Astaire, Gene Kelly… Essa prática quebra a sequência motora. (Não seise vocês entenderam…). Essa prática quebraria… Cantando na Chuva! (Singing in the

 Rain).

Cantando na Chuva (1952)

Fonte: www.thebreeze.co.nz

Quando o Gene Kelly sai do passeio motor que ele está fazendo e começa a executaraqueles passos, de alguma maneira ele está quebrando a sequência motora. No sentidode que a sequência motora está associada com uma utilidade daquele organismo que

está dado ali. Ele passa para essa prática da dança e a sequência motora, de algumamaneira, se quebra.

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O que eu estou dizendo pra vocês, de uma maneira ainda é muito inicial, é que os filmesdo Fred Astaire (acho que todo mundo conhece, não é?) ou os do Gene Kelly, porexemplo, de alguma maneira põem em crise o esquema sensório-motor ou a imagem-ação. Mais do que isso, é mais do que isso: eles liberam uma imagem que eu vouchamar de imagem-devaneio ou imagem-sonho ou imagem-mundo, mas que estaria

fora, pelo menos neste momento, da sequência e daria uma aparência de ter passado para a série (certo? Está bem esse exemplo?). Esse exemplo que eu estou dando é muitoclaro; é exatamente isso, eu não estou exagerando em nada!… 

Voltando à mesma questão: a sequência motora, quebrada pelos passos de dança doFred Astaire e quebrada pela presença de um homem que não pode subir a escada, quese petrifica ao subir a escada, como por exemplo o James Stewart em Um Corpo que

Cai, do Hitchcock . Se você começa a colocar uma série de imagens que não efetuaexatamente o que eu chamei de imagem-sequencial, pode ser o James Stewart em Um

corpo que Cai ou pode ser o Gene Kelly fazendo um passo de dança, eles vão dealguma maneira romper com a sequência motora. Eles quebram o que eu estou

chamando de esquema sensório-motor e introduzem, ainda com muita dificuldade dagente entender, no caso o exemplo que eu dei foi o Gene Kelly e o James Stewart, adança ou a contradança e uma patologia. A contradança e a patologia quebram os ideaisdo esquema sensório-motor que são sempre utilitários. O cinema musical americanode alguma maneira faz isso. Mas a minha preocupação (por enquanto, ainda não fixei aaula, não é?) é atingir algum ponto dessa aula que eu dê claramente a diferença da série

 para a sequência. O Deleuze vai citar quatro autores (eu não me lembro exatamente osnomes deles) em que, na obra deles no cinema, teriam alcançado essa postura dequebrar a sequência. Quando se quebra a sequência (vocês não se preocupem ainda comos conceitos, que eu ainda não dei), no ato de se quebrar a sequência vai aparecer umafigura ainda vai ficar muito obscura essa figura mas a única coisa que importa éque a sequência se quebrou.

Eu já dei um exemplo muito vulgar de quebra de sequência que é a dança e a patologia(a acrofobia) como quebra do esquema sensório-motor… Eu vou dizer que quando asequência se quebra aparece uma figura chamada CRISTAL DO TEMPO. O queimporta agora é que a sequência se quebrou e o CRISTAL emergiu. Esse cristal vai terautores trabalhando diferentemente nele. Eu não vou entrar nisso já. (Certo?)

Bom… A sequência motora pressupõe que a personagem que está dentro dela, dentrodessa sequência motora, esteja numa situação dada. Essa situação pode ser o meio

histórico, o meio geográfico, pode ser a noite de um filme noir , (vocês estão entendendoessa linguagem cinematográfica?), a noite de um cabaré enfumaçado… Essa situação pode ser um deserto do Arizona, essa situação pode ser a Babilônia de Griffith. Asituação seria exatamente onde o processo sequencial se daria. Então, a sequênciachamar-se-ia ação numa situação qualquer.

A questão do Fred Astaire e do Gene Kelly agora vai começar a ficar mais clara.Quando o Fred Astaire e o Gene Kelly abandonam a sequência que os colocava numasituação, a situação se transforma num décor . (Vocês entenderam décor ou não?). Deixade ser uma cidade para ser um lugar, para ser uma decoração de dança. Imediata,imediata. Deixa de ser situação e vira décor , vira uma decoração. (Não sei se vocês

entenderam, mas quem viu os filmes deve ter entendido, não é?). E a ação que era asequência que estava se processando dentro de uma situação se transforma numa

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contradança. O que eu estou dizendo é que quando o Fred Astaire vai dançar a situaçãotem que se transformar num décor . Então, a situação é fundamento da sequência: se asituação desaparece a sequência desaparece e o que aparece no lugar da sequência éa dança. Tanto (é muito fácil vocês entenderem) que, no momento em que a dançaacaba, aquela sensação de magia que nós vivemos no décor  contradança, desaparece. E

volta o aspecto da situação-ação, o aspecto duro da situação-ação… por exemplo, oFred Astaire dizendo: ―estou sem dinheiro, preciso comer…‖ Então, eu acho que o processo do filme musical ficou muito claro, muito claro. Então, o cinema tenta sair dasequência.

Aluna: Cláudio, você poderia dizer que a quebra dessa sequência seria a emergência doacontecimento?

Cláudio: Ainda não. Será, mais ainda não. Porque eu vou traduzir essa palavraacontecimento. Seria o surgimento do plano de imanência que o Deleuze quer: o tempo,o tempo puro. Eu não diria que o Fred Astaire atingiu isso. Eu diria apenas que ele

conseguiu botar em questão, botar em crise a sequência, mas ainda se manteve dentrodo movimento. Quer dizer, o décor dança não é uma passagem para o tempo, mas é umaquebra em cima da situação-ação, no cinema.

O Deleuze chama de movimento do mundo à diferença de movimento da

personagem. Do movimento da personagem para o movimento do mundo. Essemovimento do mundo é o décor mais a contradança. Vocês podem também usar aí um

 pouco, por exemplo, Sete Noivas para Sete Irmãos. Podem usar. Que o processo émuito semelhante, no sentido de que você entra na mesma magia do décor.

(Eu vou me dar por satisfeito com esses exemplos aí e… vou passar pra a aula , tá? Vouentrar na aula).

Alº: Cláudio, essa coisa do Fred Astaire não entrar no tempo é porque ele reconstituioutro movimento apos o décor, não é isso?

Cl: Volta para o movimento.

Alº: Já numa nova situação, não é? Quer dizer, aquela situação… 

Cl: Não. Eu tenho a impressão que a situação volta. Volta mesmo, ele dança e volta para

a mesma situação. Geralmente é assim o processo.

Alº: Não é aquela forma SAS’ 

Cl: Não é SAS’, não. Eu acho que é SAS. O que acontece é: ele está em SAS, ele passa(Deleuze nunca disse isso) ele passa para DC (décor/dança) e volta para SAS.

Aquele décor/dança não altera em nada o esquema sequencial, porque o décor/dança éum processo alucinado, é um processo sonhado, é um processo feérico, é uma

 psicodelia no interior daquilo, é um pouco de Pink Floyd no interior da situação. Então,acho que não tem nada… não mexe no esquema sensório-motor, não mexe no esquema

sequencial. (Não sei se vocês entenderam bem o que eu disse…). Não mexe, não. Nãomexe…  Porque, por exemplo, (a aula está ficando difícil… quer dizer, vocês têm que

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estudar!). Você pega, por exemplo, essa questão dele, você pega o documentário, odocumentário é uma prática de cinema muito clara, todo mundo conhece. Por exemplo,na década de 70, se não me engano, passou aquele documentário chamado Mundo Cão,que botava todo mundo pra correr do cinema, porque você não agüentava com aquilo.Porque o documentário é sempre a apresentação de uma situação que desafia a

 personagem para que a personagem dê uma resposta. Isso é o documentário. Você temuma situação e uma resposta a ser dada pela personagem. Os grandes exemplos são osdocumentários do Flaherty, Nanook  e Moana. São os grandes exemplos. Então, quandovocê pega um documentário, por exemplo, a narrativa sobre um homem que vive noAlasca, ele está numa situação, aquela situação se transforma, porque passa do verão

 para o inverno e a personagem tem que agir. E quando essa personagem age, como queela age? Caçando focas, construindo Iglus… Ou seja, a ação da personagem não vaialterar a situação. Não altera. Não altera. Tanto que, quando voltar o verão, aquilo tudoacaba. Mas não é a mesma coisa, quando, por exemplo, um John Ford, num filme doJohn Ford você encontra uma determinada cidade num determinado estado que é umdesafio para uma personagem e a personagem altera aquela situação que está ali. 

Então, o esquema sensório-motor pode ser colocado como o grande modelo dela, asituação –  ação –  situação’(SAS’); situação –  ação –  situação (SAS) ou ação –  situação

 –  ação’ (ASA’) ou ação –  situação –  ação (ASA) sem linha. São sempre essas duasfiguras: ação e situação.

Agora, para vocês entenderem o que é situação (e agora a aula ficou mais difícil ainda; para quem não estiver entendendo, coloque agora) eu vou identificar situação a umCÓDIGO; e dizer que um código nada mais é do que a repetição periódica de algumcomponente. Isso é o código! Então, quando a personagem vai mexer no código, aquestão da personagem não é a destruição dele porque se ela destruir o código eladestrói a repetição periódica do componente, ela faz o código se transformar num ritmo,ela faz o código se transformar num processo anárquico. Então, a questão dela não éessa a questão dela é manter ou alterar o código. 

Alº: Quebrando esse código, entraria na série.

Cl: Se ele quebrar o código, ele entra na série; mas se mantiver o código, ele fica nasequência.

Então, o modelo do mundo sequencial é exatamente isso, é assim que ele se processa:ele é uma situação. Agora começando a avançar nessa questão que está aqui e

inclusive até abandonando o cinema a gente pode chamar essa situação deTERRITÓRIO.

O que é um território? Nada mais do que um conjunto de códigos: um conjunto decódigos num território. O que implica em dizer que, quebrado um território, ocorre umadesterritorialização; mas também uma descodificação. DESTERRITORIALIZAÇÃO eDESCODIFICAÇÃO. Por exemplo, século XVIII, nascimento do capitalismo,cercamento da terra desterritorialização; fim da família patriarcal descodificação.Então, a desterritorialização e a descodificação são práticas que aparecem com ocapitalismo, é muito nítido. E todos que desterritorializam e descodificam podem serchamados de MÁQUINAS DE GUERRA. O capitalismo é uma máquina de guerra:

desterritorializa e descodifica. Mas na hora em que desterritorializa você sai dasequência e entra na série, porque a desterritorialização é o momento da anarquia, é o

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entre-territórios. (Está indo bem assim? Tá?). Agora, não aplaudam o capitalismo porque ele desterritorializou, porque ele vai reterritorializar e recodificar. Elerecodifica, ele reterritorializa. Ele reterritorializa e recodifica. Essa reterritorialização eessa recodificação é que se tornam pesadas para muitas pessoas que, então, nãosuportam, não podem suportar esse procedimento. Agora, quando eu falei

desterritorialização, eu apliquei essa palavra, ela, a desterritorialização, nunca ocorre noterritório a desterritorialização ocorre na TERRA. 

Então, apareceram dois conceitos: TERRITÓRIO e TERRA. A terra não é um conceitoenlouquecido, não. A terra é um clamor do Nietzsche. ―Chega de filosofia do céu,vamos fazer a filosofia da terra‖. E a filosofia da terra, então, Nietzsche está chamandoa terra, exatamente, de um ―território‖ móvel. A palavra ―território‖ foi mal aplicada:ele é móvel, não tem códigos. Vocês podem usar também no nome território também onome extrato. Ou seja, um homem está num meio histórico ele está num extrato,está num território onde um conjunto de códigos, que é uma repetição periódica…(Não pode esquecer a noção de código. Essa noção de código pode ser pensada na

 biologia, na química, na física, no social, no político… Em qualquer lugar é umarepetição periódica.) Então, o homem dentro de um território ou dentro de um extratotem um conjunto de códigos que organiza a sua vida. Então, eu vou utilizardesterritorialização como sendo LINHA DE FUGA.

Então, esse conceito aí linha de fuga não está dentro de um território, está fora doterritório. A linha de fuga é um conceito propriamente kafkaniano. A obra de Kafka éexatamente isso: a produção das linhas de fuga dos territórios, dos extratos, dos deveres,das leis, da moral, da ciência, dos mitos, etc. Vejam bem: o território está na sequência.Então, dentro do território é que nasce a história, a narrativa, o mito… Tudo isso ocorredentro do território, dentro do extrato.

(Está indo bem assim?)

Essa prática chamada desterritorialização, eu vou colocar como sendo a SÉRIE. (Talvezaté mal, mas vai ficar como sendo série, até onde eu puder fazer alguma coisa paramodificar ou dar por definitivo isso daqui.)

Então, agora, no momento em que nós estamos na desterritorializacão que é a série as forças desterritorializadas são forças imanentes, sem objetos e sem finalidades.Logo, o desejo se identifica à linha de fuga: sem objetos e sem finalidades.

(Entenderam?) Agora, as forças que funcionam no interior da desterritorialização logo na linha de fuga, logo no desejo são forças de VARIAÇÃO CONTÍNUA. 

Variação contínua é muito fácil de entender, porque não está regida por um código,que é a repetição periódica.

Então, aparece a variação contínua. Essa variação contínua é que fundamenta o que é pensar como criação e invenção. O pensamento é sempre essa variação contínua. (Ficoumuito claro aqui, eu acho. Não ficou?) Ele é criação e invenção porque ele está nessavariação: está nessa variação contínua. Então, na hora em que uma filosofia emerge, oque a filosofia faz… a filosofia é um acontecimento porque ela é assustadora!… Porque

ela aparece eu vou usar linguagem sociológica dentro de um campo político-social clássico; e é inteiramente intempestiva dentro daquele mundo que está ali.

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Intempestiva no sentido de que ela não está se modulando pelos códigos que estão alidentro; ela não faz isso: ela se constitui pelo seu próprio plano de imanência. (Está bemclaro aqui o que eu disse?). A filosofia estaria incluída, ela estaria fora de um território efora de um extrato. (Eu queria que vocês prestassem bem atenção ao que eu estoudizendo). Se a filosofia não estivesse fora de um extrato, ela não seria pensamento

 porque ela não seria nem criativa, nem inventiva. Agora, o que a filosofia cria e inventasão conceitos.

A filosofia cria e inventa conceitos. E para que servem esses conceitos da filosofia?Esses conceitos da filosofia servem para pensar.

Agora, é um momento muito bonito e muito difícil ao mesmo tempo!

Os dançarinos dançam, os coreógrafos coreografam, os pintores pintam, os músicosmusicam e a filosofia produz conceitos. Então, se você encontrar um conjunto deconceitos propriamente coreográficos, eles são produzidos pela filosofia. (Vocês

entenderam o que eu disse?). Se você encontrar um conjunto de conceitos de cinema,eles são propriamente filosóficos. Ou seja, os conceitos quem os produz é a filosofia. Euvou dar um exemplo, pra vocês entenderem:

A música, por exemplo, explica bem isso. A música tem o compositor e tem omusicólogo. O musicólogo é o pensador da música, é aquele que pensa a música. Ofilósofo não é um musicólogo, ele é um filósofo: ele inventa conceitos para dar contadaquele campo que está ali. Mas para se entender com maior clareza…, o cinema é ogrande exemplo… 

O cinema apareceu no século XX e eu não vou explicar, mas estou agora aplicando ateoria dos pretendentes platônicos. Nesse século, três vozes gritaram ―o cinema me

 pertence‖ a psicanálise, a lingüística e a filosofia: ―O cinema é meu!‖ A psicanálisequando se encontrou com o cinema quis dar conta daquilo que o cinema era. Mas o queela fez? Ela jogou os seus conceitos dentro do cinema. A psicanálise então foi pensar o

 primeiro plano, chamou o primeiro plano de objeto parcial. Ela foi pensar a montagem,chamou a montagem de castração. Então, ela jogou os seus próprios conceitos dentro docinema. A lingüística fez a mesma coisa: quando a lingüística foi lidar com o cinema,ela utilizou as noções de enunciado, enunciação, significante, significado, etc. Quando afilosofia foi pensar o cinema, no caso foi o Deleuze, esses conceitos foram extraídos dos

 próprios filmes chama-se plano de imanência. (Estão entendendo?) Esses conceitos

não vêm de fora, vêm do interior do próprio filme. Então, quando você pega umVisconti… O Visconti não é um produtor de conceitos ele é um produtor de filmes.Agora, quando a filosofia vai pensar o Visconti, ela produz conceitos para aquilo que oVisconti produziu em forma de ―afetos e perceptos”. Quer dizer, o cineasta produz emforma de ―afetos e perceptos‖, aquilo que o filósofo transforma em conceitos. (Vocêsentenderam o que eu disse?). A diferença que apareceria, então com o que eu estouchamando de plano de imanência é que quando você não faz essa prática do plano deimanência, vira o que se chama (vou utilizar essa palavra, é a palavra ideal)DESPOTISMO DO SIGNIFICANTE: tanto no caso da psicanálise quanto no caso dalingüística. É que são saberes que se erigem com poderes para jogar os seus própriosconceitos sobre um campo externo no caso, o cinema. 

(Entenderam?)

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Então, o plano de imanência está associado com a idéia de que pensar é criar e inventar mas inventar e criar no PLANO; logo, se é cinema, no plano do cinema. Criar einventar ALI dentro: você mergulha dentro.

Parte II 

( — -), com muita nitidez. Você querer jogar conceitos de outro campo para dar conta dealguma coisa exterior ao seu campo. Então, o que o plano de imanência faz é libertar avariação contínua. É não deixar que a variação contínua seja presa por umatranscendência que reduz a variação contínua a um extrato. (Tá?). Ou seja, o cinemacontinua a ser uma linha de fuga e um processo de fluxos intermináveis. Cinema,literatura, seja o que for, será pensado da mesma maneira. Sempre que ocorrer ocontrário, sempre que você jogar conceitos exteriores, você vai codificar; você vai jogarrepetições periódicas ali dentro.

(Então, eu acho que até que eu me demorei muito e agora eu vou entrar na aula. Tá?

Para explicar exatamente o que essa aula pretende, com as noções de sequência e série).

 No inicio desta aula eu usei território, extrato (não foi isso?), mas eu posso também usarMEIO. Então, extrato, território e meio. Lembrem-se de que essas três figuras sãocodificadas: são repetições periódicas.

Por exemplo, para vocês entenderem: o músico Olivier Messiaen repensa a idéia deRITMO, no sentido que eu dei aqui de plano de imanência. E ritmo, para ele, é o entre

 –  códigos, o entre-meios; então, se aproxima do fluxo e da linha de fuga. É muitosurpreendente essa noção de ritmo, (ouviu?).

(Prestem atenção! O negócio é sempre brabo, é brabeira!)

Eu pergunto a vocês: o jazz é territorializado? É! Então, o Messiaen é radical: não temritmo, não tem ritmo. Ele vai rejeitar… não aceita que o que seja territorializado ou queo que seja codificado a repetição periódica tenha a função de fazer umapaziguamento permanente. Por exemplo, eu usei o exemplo do Fred Astaire e do GeneKelly… 

Eu não sei se você, Márcia, estava na hora que eu usei esse exemplo… Vocês conhecema Márcia, a dançarina. Eu usei o Gene Kelly e o Fred Astaire no sentido de que os

filmes deles, no Fred Astaire isso é muito nítido, estão em situação. Presta atenção,Márcia:

Quando se está em situação, a personagem tem um comportamento e nessecomportamento em situação há uma história, de amor e de ódio, E os filmes do FredAstaire vão numa situação até que a situação se quebra e a ação da personagem que éo comportamento também desaparece e emerge o décor e o que eu chamei de…contradança. Então, Romeu e Isolda… há uma história, tem amor, ódio, pouco importao quê… vamos dizer, aplicando assim no seu trabalho anterior (não do Carlton, que eunão vi). Digamos que aquele trabalho que você fez, digamos, fosse uma situação onde a

 personagem que me interessa, no caso você, respondia àquela situação, agia dentro

daquela situação e, num dado momento, que é um momento mágico, que não tem deseguir a linha sequencial, que pode aparecer em qualquer momento, porque saiu da

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sequência e entrou na série… Ou seja, chama-se o corte racional, não tem nenhum dadoconsubstanciado na lógica aristotélica pra surgir aquilo, mas poderia surgir, de repente,dentro daquela situação, um décor. Um décor que seria um novo vestido, a aparição deuma nova luz e, então, surgiria a contradança, que seria no caso, então, o seu solo.(Risos… Falei, pronto. Tá? Você entendeu, Márcia, o que eu disse?).

É exatamente isso que é a quebra na própria dança, porque a dança (e o texto que euescrevi para você é muito nítido isso) a dança marca muito o esquema sensório-motor. Écomo se o dançarino não pudesse sair do esquema sensório-motor. Conversa! Ele é o reido movimento, o dançarino. Mas ele pode mergulhar no décor ou no tempo.(Entendido? Então, isso aqui eu coloquei só para a Márcia, tá?).

Agora, eu falei do ritmo, (não é?). Então, vamos chamar o ritmo de entre-meios. Porexemplo: o trabalho –  é o quê? Um território… (Rindo… Ou vocês não concordam???)O trabalho –  um território; a guerra –  um território; vou dizer, surpreendentemente, oamor –  um território. Então, os homens (belíssimo!) inventaram uma prática chamada

ritornelo ou cantus firmus, que é você produzir uma canção de trabalho, uma canção deamor e uma canção de guerra. E ao produzir essas canções você produz o entre-meio chama-se ritornelo (certo?). Isso é só para dar uma amostra pra vocês que nada do queeu estou falando é um processo de delírio, porque você encontra as canções de guerra,as canções de amor e etc. e a história toda! Toda; inclusive Branca de Neve e os Sete

 Anões: os anõezinhos quando vão trabalhar cantam. Cantam. E aquilo é um cantus

 firmus, é um ritornelo. Cantus firmus, no sentido de… 

Alª: Cláudio, fala de novo… 

Cl: Fala de novo, o quê? O ritornelo? O ritornelo é um modo de você jogar dentro do periódico, da repetição periódica… o ritmo. Você joga o ritmo na repetição periódica. Ohomem é maravilhoso!… Hein? 

Alª²: Uma variação… 

Cl: Você joga a variação contínua, você joga a variação ali dentro.

Alº: O décor musical?

Cl: Usando um pouco do Fred Astaire, você joga um décor na situação, você joga uma

variação na situação. Eu posso dizer que o Fourier (quem conhece os falanstérios?).Olha… os sociólogos e revolucionários da sala… (Risos…). São revolucionários e nãoconhecem a teoria do Fourier!? O Fourier produziu a teoria dos falanstérios. Osfalanstérios são entremeios, são ritornelos, são autênticos ritornelos. Que seriam oslocais de trabalho e o que apareceria ali seria o ritmo e não o código, com a repetição

 periódica. (Tá?).

(Bom, agora vamos voltar pra a aula).

O objetivo da aula… que essa variação daqui foi a pressão de minhas memórias deMerce Cunningham, de John Cage, de Marx, que me fizeram fazer isso.

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 Nós temos que agora constituir a noção… de um conceito poderosíssimo  e definitivo para nós o conceito de CURSO EMPÍRICO DO TEMPO. Não é preciso dizer nada,mas se eu estou colocando curso empírico do tempo, é que vai aparecer outro tipo detempo que não o do curso empírico.

É nessa noção de curso empírico do tempo que emerge o esquema sensório-motor, queemerge a sequência. E na sequência e no curso empírico do tempo surge um conjunto decategorias que só valem para ele. Só valem ali. Não adianta você pensar que saindo docurso empírico do tempo você vai poder aplicar essas categorias como as deoposição, de contradição em outro lugar; tudo isso são categorias do curso empíricodo tempo… E nós vamos ter que trabalhar o curso empírico do tempo, para poder fazerexatamente a passagem que o Deleuze faz, isto é, passar para o que se chamaTRANSCENDENTAL. Então, é esse curso empírico do tempo (marquem!) que eu vouexplicar e vocês vão entender com a maior clareza (ouviu?). [É ali que] aparece asucessão dos presentes homogêneos. Ou seja, sempre que for dado o curso empíricodo tempo, a sucessão homogênea do presente está ali dentro.

O que é sucessão homogênea do presente? Eu pego uma tela de cinema e uma máquina projetora; ponho dentro dessa máquina a película, ligo a máquina e ela projetana tela os fotogramas. Esses fotogramas só têm linhas de demarcação, mais nada.Dentro é luz pura. Linhas de demarcação, (vocês entenderam?). Então, o que você vê?Você vê aquele ―quadradinho‖ demarcado, aquela linha demarcada parecendo uma telarenascentista, aquilo demarcado ali (entenderam?) e o que tem dentro daquelequadrinho? Não tem nada, está branco, só luz (está claro?). Agora, esse ―quadradinho‖que apareceu ali eu vou chamar de presente no tempo.

Agora, essa máquina vai funcionar e o que vai acontecer? Vai mudar de fotograma,vai mudar de ―quadradinho‖. Ou seja, os ―quadradinhos‖ vão mudar. Os presentes vãoser outros, mas vão ser inteiramente homogêneos. Todos homogêneos, sempre igual,sempre a mesma coisa (certo?). E eles vão se suceder sob uma lei rigorosa: que não

 pode aparecer um ―quadradinho‖ sem que o outro desapareça. Eu vou chamar esses―quadradinhos‖ (agora vocês marquem) de INSTANTES. Esses instantes como euclaramente mostrei pra vocês são FORMAS, SEM CONTEÚDO. São formas(certo?). E essas formas têm um processo (conforme eu coloquei) de APARECER eDESAPARECER para que outra apareça. Eu até posso dizer pra vocês que um―quadradinho‖ desses surge e desvanece, para que outro ―quadradinho‖ apareça. O

 processo é esse. É esse o processo dos INSTANTES. Logo, o instante tem uma lei da

exclusão da simultaneidade do seu irmão xipófago não há simultaneidade deinstantes!

(Está bem dada essa explicação?).

Eu vou colocar isso daí como sendo o MODELO do mundo físico. É difícil usar as palavras inicialmente, (ouviu?). As palavras escapam!… Isso que eu estou construindo pra vocês, em filosofia chama-se mens momentanea. É a aparição desses―quadradinhos‖ em branco. É assim que eles vão aparecendo.

E agora vai surgir o momento mais primoroso da aula:

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Esses ―quadradinhos‖ permaneceriam eternamente assim aliás, eles permanecemassim até que apareça alguma coisa que eu vou chamar de SUBJETIVIDADE. (É deuma clareza total o que eu estou dizendo aqui.) Na tela do cinema há um ―quadradinho‖ não posso dizer que sucede: um ―quadradinho‖ substitui o outro. Já na subjetividadevai ocorrer uma coisa estranhíssima: vai aparecer o que não pode aparecer na tela, pelo

menos dois ―quadradinhos‖ juntos. (Não sei se ficou claro). Pelo menos dois―quadradinhos‖ juntos podem aparecer dentro de uma subjetividade. 

(Vocês estão entendendo ou eu devo sair disso? Eu não gostei não. O que vocêsacharam?).

Eu vou fazer outro tipo de experimentação: eu vou retirar a subjetividade, porque ela pode ter trazido alguma complicação… Retirem a subjetividade e mantenham comoestava. Agora eu vou fazer o seguinte: eu vou jogar conteúdos dentro dos―quadradinhos‖. 

O que seriam esses conteúdos? Imagens; vou colocar imagens dentro dos―quadradinhos‖. Essas imagens estão no interior de uma forma que se repetehomogênea. (Vejam se ficou bem). As imagens estão no interior de uma forma que serepete homogênea. Quando o Bergson inaugura o seu pensamento sobre sequência,esquema sensório-motor, vida, tempo, memória, percepção… ele começa assim. Ele dizque o mundo começa dessa maneira, com ―quadradinhos‖ de forma absolutamenteidêntica; não há variação: os ―quadradinhos‖ são inteiramente iguais. E esses―quadradinhos‖ vão se suceder, agora se sucedem, eles vão se sucedendo uns aos outrose é isso que nós chamamos de tempo: a sucessão desses ―quadradinhos‖ com formashomogêneas. Vocês podem usar instante como nome do ―quadradinho‖. Então, asucessão desses ―quadradinhos‖ com formas homogêneas chama-se TEMPO. Um―quadradinho‖ que está na tela é substituído por outro ―quadradinho‖. O que estava natela desaparece. Só fica o que está agora na tela. Fora da tela não há nada. Então, o realse identifica com o ―quadradinho‖ na tela. Isso é TODA a realidade: a realidade se dá

 pela sucessão dos ―quadradinhos‖. Cada ―quadradinho‖ é o presente. Ele é a única coisaque existe. Então, “quadradinho” presente e realidade são sinônimos.

Agora, as imagens com conteúdo dentro do ―quadradinho‖ têm o poder de recuperar os―quadradinhos‖ que se perderam.  O que significa recuperar os ―quadradinhos‖ que se

 perderam? Trazê-los de volta para o ―quadradinho‖ presente. Eles não trazem de volta aforma do ―quadradinho‖ passado, eles trazem o conteúdo. Porque não precisava trazer a

forma, porque a forma é a mesma. Eles trazem o conteúdo. Em cinema, isso se chama flashback. 

(Vocês entenderam?).

O que é o flashback ? O flashback  é você trazer alguma coisa que foi presente e quevai voltar a ser presente. Chama-se reatualização do passado, ou atualização de algumacoisa que já não existe mais. E o que não existe mais se chama VIRTUAL. Então, você

 pode dizer que o flashback … Qual o melhor nome que eu posso dar ao flashback? Oflashback é uma ATUALIZAÇÃO do virtual. Então, nesse momento aqui o flashbackdesdobra o tempo, no sentido em que nós não temos mais só o presente do tempo: o

 passado reaparece no presente. (Vocês entenderam?). O passado reaparece no presente.Mas o que é o passado? O antigo ―quadradinho‖. Logo, o passado é o antigo presente,

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(certo?). Mas ele reaparece no presente. Há dois momentos: o momento em que elereaparece no presente e o momento em que ele não está no presente, um em que ele nãoestá e um em que ele está. Quando ele não está no presente, chama-se virtual; e quandoele está no presente, chama-se virtual atualizado.

Alª: E essa atualização seria uma transformação também do passado? Ele não tem… 

Cl: Não. Não.

Alª: Vem igual?… 

Cl: Olha, não vem igual; porque ele aparece segundo o conteúdo do ―quadradinho‖ presente. O que vem igual nele é a forma. A forma é sempre a mesma; o que varia é oconteúdo. Os marxistas gostam disso: variação histórica. Mas a forma é a mesma, aforma não variou. Bergson vai, então, trazer uma surpresa. Ele vai introduzir no―quadradinho‖ um espelho. Um espelho que não tem o poder de refletir o que está fora

do ―quadradinho‖; só o que está dentro do ―quadradinho‖. Então, se por acaso você tiveruma imagem dentro do ―quadradinho‖, essa imagem se torna dupla.

(Ou vocês não entenderam? Entenderam o que eu disse?).

Por que ela se torna dupla? Porque é a própria imagem mais o seu reflexo. Então, a partir daí, o Bergson diz que nessa imagem, nesse ―quadradinho‖ onde há o reflexo,onde estão duas imagens, aliás, até mais do que isso… (Não sei se vocês viram umfilme do Mankiewicz chamado A Malvada, onde, no final, a personagem se olha noespelho e quantas imagens dela aparecem no espelho? ―Quatrocentas ecinqüenta…‖) (Tá?). Então, o que acontece é que o reflexo a idéia de reflexo

 produz no ―quadradinho‖ uma coisa diferente da do flashback . O flashback  chama-se?Als: atualização do virtual. Agora, com o reflexo, o ―quadradinho‖ passa a serconstituído de ATUAL e VIRTUAL, no sentido de que no ―quadradinho‖ vai haverduas imagens: a do presente e a do passado.

(Ficou dificílimo? Vocês têm que dizer se ficou difícil; silenciar para mim é terrível! Ésó levantar um dedo assim, eu entendo — - Não é possível que todo mundo tenhaentendido com facilidade… Vocês acham que entenderam?).  Qual é a diferença deatual e virtual? (Não entendeu? É dificílimo! É dificílimo!).

O que Bergson introduziu, eu acho que a melhor idéia que a gente pode colocar(Bergson não diz isso, eu que estou dizendo) é um ―quadradinho‖ onde dentro tem aidéia de reflexo. A idéia de reflexo no ―quadradinho‖. A idéia de reflexo desdobra umaimagem. Ela faz duas imagens de uma. Então, se tinha uma imagem mais um reflexo,quantas imagens? Duas. Se tem duas imagens há uma diferença de uma para outra, nosentido de que uma representa a outra.

Alª: E uma é o presente e a outra é o passado?

Cl: Exatamente por causa desse processo que estou dizendo. Porque o reflexo implicaque uma imagem representa outra imagem. Tirem a imagem vamos pensar em som:

 pensar em som em termos de reflexo. O reflexo do som chama-se eco. Então, há umsom e o eco do som. Não é nítido que o som é o presente e o eco… 

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Alº: … é o passado. 

Cl: Ou ao contrário?… Ou ao contrário?! Ou ao contrário?! (Certo?). O que importa emdizer é que o som e o eco cortam o ―quadradinho‖ em duas dimensões de tempo. Isso éque importa, se eu puser o som e o eco ali dentro. (Vocês entenderam? Se vocês

entenderam, eu vou poder dar a aula mais brilhante que vocês vão ouvir na vida prafechar isso daqui!).

Alº: O eco não é o passado, não é?…—  

Cláudio: Depois a gente vê. Depois a gente vê.

Platão, quando faz o diagrama da linha, o grande adversário dele é a eikasia  mundodos reflexos e dos ecos, que ele quer apagar. Porque, nesse mundo, as imagens sãoduplas. Essas imagens duplas tornam o tempo duas fontes, dois jorros. O tempo deixade ser uma unidade para ser dois jorros: o jorro do presente e o jorro do passado.

(Vocês ficaram sem compreensão do que estou dizendo?…). 

Alº: Ficou bom, sim… 

Agora, se vocês levarem a questão do eco para analisar em casa, vocês vão enlouquecer, porque no momento em que se introduz o reflexo numa imagem, esse reflexo traz comele foi essa a questão do Platão o paradoxo. Ou seja, a noesis e a dianoia nãoentendem a eikasia; não podem trabalhar com eikasia. Porque as hipóteses e anipotéticonão podem dar conta, porque aquilo é inteiramente paradoxal: aquilo se desdobra emmúltiplos. Então, você encontra naquele ―quadradinho‖ o diferente. Porque o reflexo vaifazer com que um jorro seja do presente e o outro seja do passado. Ou seja, o passadoestá dentro do próprio ―quadradinho‖. Isso é o nascimento da teoria do tempo doDeleuze.

(Vocês conseguiram entender isso?).

Então, o tempo está no interior do ―quadradinho‖ dividido em dois. Agora, o que ocorredentro do ―quadradinho‖? A personagem que está no passado, o eco, o reflexo ,olha para o presente como se fosse futuro. E o que está no presente olha para o que estáantes como passado. Então, naquele ―quadradinho‖ aparecem as três dimensões do

tempo: passado, presente e futuro. No interior dele! Enquanto que, no outro processo, os―quadradinhos‖ só traziam uma dimensão o presente. 

(Entenderam aqui? Eu vou voltar a essa aula depois de outra forma; eu não vouseguir essa forma! Eu aqui vou seguir por filosofia.)

O que importa dizer, é que essa linha dupla que está aqui levou, por exemplo, nocinema, a constituir os pensadores que pensaram o tempo através da parte passada; e os

 pensadores que pensaram o tempo através da parte presente. Os que pensaram o tempoatravés da parte passada chamam-se os pensadores dos LENÇÓIS DO PASSADO; e osoutros, os pensadores das PONTAS DO PRESENTE pontas do presente e lençóis do

 passado. Aí nós começamos a entrar no que se chama os MISTÉRIOS DO TEMPO: os―quadradinhos‖ que tinham uma forma definitiva vão começar a perder essa forma. 

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(Esse momento aqui é muito difícil…) 

Por que esses ―quadradinhos‖ vão perder essa forma? (É muito difícil…). Mas elesvão perder! E é essa perda da forma que é exatamente o momento em que o tempocomeça a dominar. (Vocês entenderam bem o ―quadradinho‖, não é? O ―quadradinho‖

trazendo esses dois jorros.) Então na hora em que você vai passar de um ―quadradinho‖ para outro, é de uma complexidade assustadora: não tem nenhuma homogeneidade! Éde uma complexidade assustadora! Aí vocês teriam: Beckett, Nouveau Roman, Artaud,Robbe-Grillet… Ou seja, todo pensamento de vanguarda do século XX se sustentariaexatamente nesse ―quadradinho‖ que faz os dois juntos. 

(Melhorou, Tatiana? Eu estou tomando você como exemplo…) 

Eu vou fechar a aula pra vocês:

Isso daqui é uma cena do filme Cidadão Kane. O Dudu retirou essa cena que está aqui

em função da aula de ontem. Nessa cena que está aqui nós temos o Orson Welles (não éisso?) no primeiro plano… Se a gente tivesse aqui uma régua eu mediria o tamanho dorosto do Orson Welles e mediria o tamanho do rosto dessa outra personagem que estáaqui. A desproporção do rosto dele para o rosto do outro é assustadora. (Dá para vocêsverem?) Essa desproporção chama-se ANOMALIA DA IMAGEM.

De outro lado, está traçada aqui uma diagonal. Essa diagonal e essa anomalia… (Vocêsconseguem distingui-las com clareza?). O objetivo do Orson Welles ao construir essadiagonal e essa anomalia é nada mais nada menos que dividir o ―quadradinho‖ em dois

 jorros. O objetivo é esse. Claro que vocês alcançar, mas o objetivo que ele tem é esse.Isso se chama PROFUNDIDADE DE CAMPO. Ele quer (prestem atenção) produzir otempo no interior  do fotograma, o que difere dos objetivos do filme Antes da chuva onde o problema do tempo não está no interior do fotograma, mas na conjugação dosfotogramas. Isso não diminui o Antes da chuva, porque permitiu (todo mundo sabe oque é Antes da chuva aqui, não é?), ao filme uma série de paradoxos. Mas o problemado Orson Welles aqui é diferente: ele quer colocar o paradoxo do tempo dentro dofotograma. Ou melhor, linguagem exata: dentro da imagem colocar o tempo na imagem, é isso que ele quer.

Alª: Aí é acontecimento, Claudio?

Cl: Eu peço a vocês, Rosely, que não façam isso. Eu vou retomar a lição do Hume, queeu já disse pra vocês… eu sempre repito isso nas minhas aulas, foi uma das primeirascoisas que eu aprendi na minha vida. O Hume nos ensina que a gente deve usar issocomo fundamento na nossa vida, não usar sinônimos, porque não servem PARA

 NADA! Se eu disser para você ―é acontecimento‖ você vai entender melhor? Acho quenão. Alguém entenderia melhor? É acontecimento, você entendeu melhor? Ou nãoentenderam o que eu falei? O sinônimo não traz… 

Alª²: Não acrescenta nada.

Cl: Nada! Olha eu vou chamar isso daqui, essa prática do Orson Welles de

TEMPORALIZAÇÃO DA IMAGEM. É um acontecimento; mas não vale nada dizerisso, porque não traz entendimento. O que importa é que ele quer jogar o fluxo do

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tempo dentro da imagem. Se ele quer jogar o fluxo do tempo, se ele quer jogar oabismo do tempo aqui dentro; ou seja, ele quer jogar as três dimensões do tempo aquidentro… Ele está reproduzindo o primeiro ―quadradinho‖ que eu expliquei pra vocês?Ou não? Não está. Então, ele está saindo da sequência e entrando?

Als: Na série.

Então, entrar no tempo no cinema não é misturar o rolo, porque isso pode se dar noCinema Paradiso. Aquele menino, o Philippe Noiret, toma uma cachacinha e mistura orolo. Ou, então, o Marcelo Mastroiani, o Marcelo Mastroiani, então, é uma beleza! Aquestão do tempo no cinema é a temporalização da imagem. Imagem = fotograma.

(Vocês entenderam? Entendeu, Tatiana? Ou não?)

Alª: Eu entendi.

Então, o que o Orson Welles vai fazer? Ele vai inventar  uma prática chamadaprofundidade de campo. A profundidade de campo é uma tentativa de colocar nessaimagem as três dimensões do tempo. É isso que ele faz, é isso que ele vai tentar fazer.

Orson Welles - Citizen Kane - 1941 Fonte: movieimages.tripod.com/citizenkane

Vocês vão notar que aqui tem uma série de acontecimentos, uma série de característicasque são a anomalia… Dá para ver a anomalia, o gigantismo do primeiro plano?… E, aoque me parece, alguma coisa, eu não sei… Essa personagem aqui está se dirigindo aoOrson Welles? Olha só, ela está nitidamente se dirigindo ao Orson Welles, não é nadafortuito isso daqui. Porque pelo fato de essa personagem estar se dirigindo ao Orson

Welles nós somos forçados por causa disso a ir até o fundo do quadro, com onosso olhar. Nós somos forçados a fazer isso, é o que se chama a RELAÇÃO doPRIMEIRO PLANO com o FUNDO DA TELA. Essa relação é um dos procedimentos

 para introduzir o tempo na imagem. Então, eu vou dizer para vocês aqui nessa imagem,essa imagem é maravilhosa, que aqui teria três processos para introduzir o tempo nessesfotogramas.

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Orson Welles - Citizen Kane - 1941 Fonte: movieimages.tripod.com/citizenkane

Isso é um fotograma. Introduzir o tempo aqui. A diagonal, a relação do primeiro com oúltimo plano e, sobretudo, a anomalia. Essa fotografia não dá para ver que o teto está

 presente aqui. O teto foi rebaixado. O rebaixamento do teto é um componente para produzir isso. Então, o que eu estou dizendo pra vocês é que você pega o Orson Welles,

o Orson Welles vai usar técnicas espaciais uma mesa, corpos, tetos, luz para comessas técnicas espaciais entrar no tempo. Essa é a técnica que ele inventa para entrar notempo.

(Não sei se vocês conseguiram entender…). 

Ou seja, o cineasta, no caso do exemplo, vai tentar introduzir uma técnica qualquer para jogar o tempo no fotograma. Quando ele joga o tempo no fotograma, no caso do OrsonWelles, o que desaparece? A sequência. E com a sequência, desaparecem as suascategorias. Uma das categorias fundamentais da sequência é a VERDADE. Uma dascategorias fundamentais da sequência é o HOMEM VERÍDICO. Por isso, quando issodaqui se introduz, nós mergulhamos no MUNDO DO FALSO é a POTÊNCIA DOFALSO: a verdade começa a se desmanchar.

Esse fenômeno (essa aula implica nisso) é nítido na ―história da filosofia‖. É o que sechama o problema dos futuros contingentes. Sempre que você introduz o TEMPO averdade se desfaz.

(Eu posso considerar vitoriosa essa aula? Acho que sim, não é? Plenamente vitoriosa,não é?…). 

Então, lembrem-se que o tempo foi introduzido no fotograma. Se vocês quiserem leralguma coisa muito bonita sobre isso, talvez não tenha todo esse campo teórico que eudei, mas é excepcionalmente belo, vocês leiam Esculpir o tempo do Tarkovsky

 porque a questão dele é o tempo no fotograma: isso que é o tempo no cinema. Não é pensar que o tempo no cinema é: ―entrei às duas horas e saí às quatro‖! Como muitoscríticos de cinema pensam que é: não é NADA DISSO.

(Está claro?).

Essa introdução do tempo no cinema, desse menino aqui, é pelo lado presente. Vamosdizer que o Alain Resnais entraria pelo lado passado. Teria duas maneiras de você

entrar, nos dois jorros, ou pelas pontas ou pelos lençóis. O que eu estou dizendo aquinão é correto, eu estou só dando exemplo para vocês. Duas maneiras de entrar, as

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maneiras de introduzir o tempo na imagem. Por exemplo, vou agora mudar um pouquinho. Você pega a pintura Francis Bacon. Pega o teatro Samuel Beckett.Pega a literatura Kafka. Samuel Beckett produz deformações? Ave Maria!… EFrancis Bacon? E Kafka? Não são três pensadores da deformação? Essas deformaçõesobjetivam introduzir o tempo. E o tempo objetiva introduzir a vida não sequencial, não

orgânica. Introduzir a vida espiritual, a vida não biológica, a vida do espírito. Ou seja,vocês conhecem Ted Browning? Não? Vocês conhecem?… Vão à Praça Saens Peñaamanhã, todo mundo tem que ir à Praça Saens Peña amanhã.  Não sei se ainda está lá…Eu acho que está. Eu hoje estive lá, eu vi ele lá. Ele é deste tamaninho assim. É ummonstrinho que está ali. É o Ted Browning… Por que eu falei isso? 

Aluna: ——  

Ah! As deformações.

A deformação. A deformação do Beckett no teatro, a do Bacon na pintura, do Kafka na

literatura, para liberar o tempo e, liberando o tempo, libera da sequência, libera darepresentação orgânica. Você penetra na vida não orgânica. Você penetra na

 possibilidade da produção de novas maneiras de viver. Isso se chama arte. A arte nãotem nenhum valor… (fim de fita) 

Parte III –  (2 minutos de gravação).

(…) Sem dúvida nenhuma, esse procedimento do Orson Welles é muito mais poderoso.Porque ele vai realmente jogar o tempo dentro da imagem.

(Então, vocês acham que foi bem essa aula? Foi, não foi?)

Então nós vamos seguir –  eu não vou seguir por cinema, mas posso usar exemplos decinema. Aqui vocês já teriam –  Marquinho está fazendo uma tese sobre imagem do

 pensamento, eu acho que imagem do pensamento foi o que mais constituiu essa aulaque está aqui. Ou seja, só uma imagem do pensamento que constitui o pensamentocomo criador e inventivo pode fazer o que eu acabei de fazer. Senão não faria seriaimpossível!